Rev. Bras. Fisiot. V oi. 3, No. I (1998) 5 · Fisiopatologia da Reparação Cutânea: Atuação da...
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Rev. Bras. Fisiot. V oi. 3, No. I (1998) ©Associação Brasileira de Fisioterapia
Fisiopatologia da Reparação Cutânea: Atuação da Fisioterapia
G. Gonçalves* e N.A. Parizotto
Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, Rod. Washington Luis, km 235, C.P. 676, 13569.905 São Carlos- SP
Recebido: 05.05.97; Aceito: 05.06.98
Resumo: Os processos ulcerosos cutâneos crônicos são fatores de grande importância e interesse para os profissionais da saúde. Além de serem processos patológicos que evoluem a grande percentual de morbidade e mortalidade, são situações de dificil e angustiante manejo para seus portadores, familiares e acompanhantes, além dos próprios responsáveis pelo estado de saúde desses indivíduos. Neste sentido, o presente artigo de revisão apresenta levantamento de trabalhos científicos publicados em periódicos e livros acerca da aplicação de recursos fisioterápicos na reparação tecidual. Envolvidos nesta terapêutica encontram-se conhecimentos da fisiologia cicatricial das lesões cutâneas, influências locais e sistêmicas que podem atrasar o processo de reparo, fisiopatologia das lesões crônicas, cuidados decorrentes destas e recursos terapêuticos utilizados para estimulação da reparação tecidual. Ao se planejar possíveis tratamentos para feridas de origens traumática, circulatória ou neuropática é necessário melhorar das condições fisiológicas da área atingida e regiões adjacentes, interromper o componente de inflamação recorrente destas e aceleração do processo de cicatrização. O presente trabalho é portanto uma tentativa de contribuição ao resgate de infonnações aplicadas sobre o assunto de grande interesse não só ao clínico que depara-se com estas alterações fisiopatológicas, mas também aos acadêmicos de Fisioterapia e profissionais da área.
Palavras-Chave: reparação tecidual, cicatrização, fisiopatologia, feridas, úlceras, fisioterapia
Abstract: Chronic cutaneous ulcers are o f great interest and importance to health practitioners. This is beca use, as well as begin pathological processes which involve a high degree of morbidity and mortality, they also cause difficulties and anxiety for the patients, their relatives and the health professionals involved. Thus, this article presents a survey of scientific work published in journals and books about the application of physiotherapeutic approaches for tissue repair. This covers physiology of cutaneous lesion scarring, local and systemic influences which may delay the repair process, physiopathology o f the chronic lesion, specific care o f these lesions and therapeutic approaches used to stimulate repair. In arder to plan possible treatments for traumatic, circulatory or neurological wounds, it is necessary to improve the physiological conditions o f the affected area and adjacent regions, interrupting the inflammation component and accelerating the repair process. This review is therefore attempt to summarise the information on this subject which is o f great interest, not only to the clinicians who deal with these physiopathological alterations, but also to the physiotherapy academics and other professionals in the area.
Keywords: tissue repair, wounds, physiopatology, physiotherapy, ulcers
5
Introdução
Mesmo sendo fomentados anseios coletivos e individuais máximos, até o presente momento não existem terapias profiláticas ou curativas afirmativamente defini tiv as no tratamento das úlceras cutâneas. Isto em decorrência
da complexidade de fatores envolvidos não só no processo de lesão e reparo tecidual, como na utilização de determinada medicação ou terapia.
Cresce, portanto, não somente na área da fisioterapia, a necessidade de se conhecer, pesquisar e comprovar métodos de terapia que ajudem a melhorar e normalizar a cica-
* Glauca Gonçalves: Rua Dr. Luverci Pereira de Souza, 1151, Cidade Universitária, !3084-031 Campinas- SP; Te! (019)2395022.
6 Gonçalves & Parizotlo Rev. Bras. Fisiot.
trização de lesões cutâneas crônicas, auxiliando o indivíduo acometido na busca de condições e expectativas de con
vivência melhores. Neste sentido este artigo apresenta levantamento de
publicações científicas apresentadas sob forma de livro ou
artigo publicado em periódicos científicos sobre o processo
de regeneração/cicatrização das lesões cutâneas, influên
cias locais e sistêmicas que podem atrasá-lo, fisiopatologia das lesões crônicas, cuidados decorrentes destas, além dos
recursos terapêuticos utilizados para estimulação da reparação tecidual. Inicia-se pelas etapas que envolvem o processo de reparo, caminha para influências sistêmicas e
locais incidentes sobre o mesmo e dirige-se à caracterização
das feridas crônicas e sua classificação, além de associar esses processos de evolução patológica ou não à terapêutica
da fisioterapia.
Processo de cicatrização cutânea
Nos tecidos vivos, perante a existência de trauma
tismo tecidual, há o desencadeamento de um complicado e embricado conjunto de eventos vasculares, celulares e bio
químicos que objetivam substituir as células motias ou
imperfeitas por células saudáveis, ocorrendo assim um processo de reconstrução tecidual chamado de reparação. Thomaz et a!. 1 (1996) definem a reparação tecidual como substituição das células atingidas por outras do mesmo tipo
e com a mesma função, provenientes da proliferação de elementos parenquimatosos ainda viáveis do foco de lesão, podendo resultar em restituição quase perfeita da estrutura
original. O reparo teci dual é um processo complexo que aborda
a regeneração e a formação de cicatriz fibrosa após a
ocorrência da lesão, sendo este organizado em várias fases nas quais participam eventos diversos e interligados. O dano envolve perda da continuidade da pele, podendo abranger epiderme, derme, músculo ou osso. Regeneração
e fibrose participam do reparo, considerando respecti
vamente reepitelização/regeneração e restituição do tecido
parenquimatoso por tecido fibroso fermanente não espe -cializado, ou seja, a cicatriz fibrosa .
Durante o processo organizacional envolvido na re
construção tissular, observam-se os seguintes componentes importantes para efetivação do processo: coagulação, infla
mação, fibroplasia, deposição matricial, angiogênese,
epitelização e contração. A reparação teci dual classicamente é dividida em quatro fases, descritas a seguir 3 .
Hemostasia
Logo após o trauma ocorre vasoconstrição reflexa imediata como prevenção de perda sangüínea ou de líquidos
corporais, formação de um tampão hemostático primário pelas plaquetas, seguida de ativação dos processos bio
químicos da cascata de coagulação e liberação de me-
diadores solúveis responsáveis pelo início dos estágios
subsequentes3•4
. Nesta etapa, dependendo do tipo de lesão
é necessária remoção de substâncias ou partículas contami -
nantes e tecido desvitalizado, os quais inibem o reparo, por
meio de limpeza local 5.
Inflamação
É multimediada inicialmente pelos fatores humorais
que promovem do primeiro ao terceiro dia: i) aumento da
permeabilidade de arteríolas, capilares e vênulas à albu
mina, globulina e fibrinogênio (promovido pela histamina);
ii) estimulação à fonnação de RNA e colágeno pelos fi
broblastos (mediada pela serotonina); e iii) alterações en
dotcliais aumentando aderência das plaquetas c leucócitos
e crescimento dos fibroblastos (em função da ação de
norcpincfrina e prostaglandinas) 6.
Em um segundo momento da inflamação, o fator
celular é responsável pelo processo de substituição teci dual,
sendo atraídos para o local da lesão primeiramente eritróci -
tos, plaquetas c leucócitos polimorfonuclearcs, que são
responsáveis pela etapa fagocitária, degradando colágeno c
clastina, liberando produtos que funcionam como fatores
direcionais na cicatrização. Logo a seguir, mastócitos, I in
fócitos e eosinófilos se integram ao processo, englobando
os componentes necessários à efetivação do controle da
infecção pelos neutrófilos e macrófagos, assim como a
limpeza da área de lesão pelos macrófagos, preparando a
ferida para fase de proliferação, estimulando também a
angiogênese, objetivando aumento da nutrição tccidual .
Fase proliferativa
Neste estágio é ressaltada a impotiância dos fibroblas
tos, por produzirem o colágcno que é a substância respon
sável pela força e integridade do tecido, o qual sustenta uma
recente e frágil rede de capilares que mantém a base da
formação do tecido de granulação, de aparência vermelha
c heterogênea, havendo crescimento de capilares ao redor
da lesão4. Durante a fase humoral, a fibrina do coágulo
serve como um substrato para a proliferação dos fibroblas
tos. O depósito concomitante de fibras de reticulina e de
colágeno intercelulares reforça de maneira importante a
lesão, para adquirir na segunda lesão quase igual resistência
de tração dos tecidos não atingidos. O colágeno se compõe
a partir da hidroxilação ao nível do ribossoma, requerendo
para isto oxigênio, alfa cetoglutarato, ácido ascórbico e
ferro. Deste modo, qualquer deficiência nestes precursores
da cicatrização alteram a formação do tecido de granulação
c proliferação de vasos de neoformação c de fibroblastos,
os quais normalmente mantêm sua ação pelo período de 3
a 24 dias.
Vol. 3. No. I, 1998 Reparação cutânea c fisioterapia 7
Fase de remodelagem
É a fase mais longa da cicatrização de feridas do tecido
frouxo, podendo durar meses ou anos. Durante este período
o tecido de granulação retrocede, o colágeno depositado se
remodela e uma cicatriz madura se forma, a partir de um
aumento dos elementos constitutivos extracelulares, princi
palmente colágeno, comprimindo de maneira mecânica as
paredes neo-formadas e delicadas dos capilares sangüíneos,
estrangulando-os, diminuindo assim o número de fibroblas
tos ativos e a fonnação de novos vasos. Com o tempo,
ocone entrecruzamento de diferentes padrões das fibras de
colágeno, sendo este responsável pela força e integridade
do reparo2.
Na pele íntegra coexistem síntese e degradação de
colágeno; na lesada, ocotTem alterações nessas taxas. O
colágeno é sintetizado, fonna ligações cruzadas e depois é
depositado na região cicatricial, de onde é removido,
moldando a reparação, sem cicatrização excessiva. O fi
broblasto é considerado uma célula reguladora devido à sua
dupla função de síntese c reabsorção do colágeno, já que
procura manter equilíbrio quantitativo e qualitativo desta ' 3 protema .
O reparo pode ser classificado, pelo tipo de
fechamento da ferida, já que esta característica determina a
quantidade de tecido conectivo ou fibrótico necessário para
o reparo da lesão. O tipo de fechamento da lesão envolve
também a identificação da presença ou não de infecção.
Reparação por primeira intenção é conseguida ou cirurgi -
camente ou por aproximação das extremidades do feri -
mento, diminuindo a probabilidade de ocorrência de
defeitos de fechamento c ocorrência de infecção. Por
segunda intenção, como no caso das úlceras, a lesão é
mantida aberta, com a porção lesional sendo preenchida
mais lentamente por maior quantidade de tecido de granu
!ação e colagenização, aumentando o risco de haver in
fecção local, sendo ao final o foco lesional substituído por
cicatriz fibrosa2.
Influências Sistêmicas e Locais sobre o Reparo das Feridas
Influências sistêmicas
Ainda sob este aspecto, podem ser observadas algu
mas circunstâncias freqüentemente presentes em pacientes
com problemas de cicatrização cutânea 1, tais como:
a) diminuição da tensão tecidual de oxigênio,
angiogênese c rcepitelização; podendo ser causada por anc
mia, volcmia inadequada (problemas renais) e/ou má-per
fusão tecidual (aumento da resistência vascular periférica);
b) má-nutrição, promovendo diminuição de ami
noácios, carboidratos, lipídcos, sais minerais, vitaminas
essenciais para acúmulo de fonte energética, proliferação
celular, desenvolvimento de força tênsil da ferida, síntese
de colágeno e ligação entre as cadeias recém-formadas;
c) síntese protéica diminuída, afetando a proliferação
de tíbroblastos, a síntese de colágeno e a remodelagem
cicatricial; d) imunodepressão e declínio da função neutrofilica,
oconendo maior risco de infecções;
e) incidência de doenças crônicas tais como diabetes
melittus, doenças vasculares periféricas, câncer, artrite reu
matóide, insuficiência renal e disfunção hepática.
JJ~fluências locais
Durante o processo de reparação tecidual, pode-se ter
influência de determinados fatores que propiciam prolon
gamento da resposta inflamatória no local da ferida e con
seqüentemente retardo da regeneração ou cicatrização da
lesão, tais como as características específicas da ferida,
incluindo tamanho, localização, profundidade, condições
teci duais (ocorrência de tecido necrótico, pressão e tensão
locais aumentadas) e o tipo de tecido envolvido (músculo,
tendão e/ou osso). São considerados elementos lentifi
cadores: a) presença de infecção, fistulas, abcessos, sinus e/ou
corpos estranhos;
b) isquemia, alterações da viscosidade e perfusão
sangüíneas; c) alterações na drenagem do tecido lesado;
d) traumas repetidos e recorrentes, causando sítio de
lesão que pode retomar à fase inflamatória;
e) manejo inapropriado da ferida, como utilização de
substâncias potentes e tóxicas aos fibroblastos e linfócitos
humanos, como anti-sépticos (p.e.: hipoclorito de sódio,
povidinc-iodine, rifocina), desidrata~ão e quedas de tem
peratura durante a troca de curativos .
A infecção é entendida como a invasão e multipli
cação de microorganismos em tecido do corpo, podendo em
determinadas situações resultar em lesão celular local
através de competição por nutrientes, toxinas bacterianas,
replicação intracelular ou mesmo da resposta do hospedeiro
à invasão microbiana, atingindo também suas próprias célu
las (em caso de inflamação exagerada e/ou prolongada). Se
a infecção ocorre em tecido lesado, podem ser observados
retardo no reparo pelo aumento da fase inflamatória, lesão
tccidual adicional e, conseqüentemente, aumento do
tamanho da ferida e da cicatriz final.
É portanto de suma importância a promoção da assep
sia c anti-sepsia adequadas, com substâncias que não agri
dam ainda mais o tecido já lesado, mas sim o protejam e o
hidratcm adequadamente. Como recurso terapêutico altcr
nativo, a antibioticoterapia profilática pode reduzir a con
taminação e a patogenicidade microbiana no local da ferida.
Neste sentido, é defendido como parte importante do
processo de cicatrização das úlceras crônicas, o cuidado
8 Gonçalves & Parizolto Rev. Bras. Fisiot.
com as mesmas, utilizando-se para tal os curativos com papaína e hidrocolóides em situação de feridas não infectadas, e quando infectadas, curativos com carvão ativado e
. d 8 9 sais e prata ' . É discutida e contra-indicada, no processo de limpeza
da lesão ulcerosa, a utilização de povidine-iodine, ácido acético, peróxido de hidrogênio e solução de Dakin (hipoclorito de sódio) por serem tóxicos aos fibroblastos e !infócitos humanos, inibindo assim a síntese de colágeno e a c - d ·d d I - I0-14 10rmaçao o teci o e granu açao
Feridas Crônicas
Em situações onde a formação tecidual é inteiTompida ou destruída por danos repetidos ou quando um ou mais elementos químicos ou celulares do processo de cicatrização estão deficientes, a lesão pode se tomar ctônica. Com freqüência, porém não sempre, esses eventos são caracteri -zados por inflamação crônica ou recomeçada. O reparo então só é alcançado a partir do controle da enfermidade de base e do fator lentifícador do reparo tissular. Entre as feridas cutâneas crônicas podem ser destacadas como situações de dificil controle, considerável prevalência c grande desconforto para o indivíduo, as úlceras de decúbito, as de membro inferior de ordem circulatória e a ferida neuropática.
Úlceras de decúbito
As úlceras de decúbito estão normalmente associadas com as altas taxas de morbidade e mortalidade em pacientes idosos e/ou por longo período acamados. Quatro elementos contribuem para sua formação: pressão, força de corte, fricção e umidade. Outros fatores também aumentam o risco de aparecimento dessas úlceras incluindo a imobili -dade, as alterações cutâneás relacionadas com idade, má nutrição e alteração cognitiva 15
.
Em levantamento de opções para técnicas de tratamento e prevenção, são usualmente utilizadas como medidas profiláticas as mudanças de decúbito periódicas a cada 2 h e o uso de superficies especiais para leito e cadeira. Na intervenção curativa, o tratamento convencional é preconizado em orientações a familiares e pessoal de apoio; reduzindo a área de contato pressionada; debridamcnto; compressas oclusivas; utilização de medicamentos locais e
d . . ' . d . d" d 16 17 proce 1mento Cirurgico quan o m ICa o · .
Normalmente (cerca de 90%) as úlceras de decúbito têm seu aparecimento abaixo da cintura, primeiramente na região sacra!, tuberosidade isquiática, trocanter maior, calcâneo e maléolo latera1 19
. São formadas a partir de uma pressão constante, a qual induz à isquemia, causando hiperemia reativa. Outro fator determinante e importante é a fricção, que promove bolhas no interior da derme e erosões superficiais. A umidade decorrente da urina induz à maceração cutânea e edema, deixando a epiderme mais
susceptível à abrasão e conseqüentemente ao aparecimento da lesão20
.
As úlceras de decúbito são divididas e classificadas de acordo com o dano tecidual em quatro estágios 15
:
• Grau I: pele intacta com eritema, sendo lesão precursara da ulceração cutânea;
• Grau li: perda parcial da continuidade cutânea envolvendo epiderme e/ou derme, estando a úlcera superficial, apresentando-se clinicamente como abrasão, corte ou cratera rasa;
• Grau III: perda total da continuidade cutânea envolvendo dano ou necrose de tecido subcutâneo que pode ser estendido por fáscia adjacente. Apresentase como cratera funda com ou sem abrangência de tecido vizinho;
• Grau IV: perda total da continuidade cutânea com destruição extensa, necrose tecidual, dano museular, ósseo ou de estruturas de suporte como tendão e cápsula articular.
Em detenninadas situações onde há possibilidade de aparecimento da úlcera por pressão, o indivíduo é submetido à analise do risco real de ocorrência da mesma através da Escala de Nmton, em que são observadas condição fisica e mental, grau de atividade fisica ( deambu)ação, utilização de órteses de apoio ou acaso encontra-se no leito), mobilidade e controle de esfincter da bexiga 20
Em razão da necessidade de se aplicar tratamento curativo, intensivo e eficaz, deve-se realizar avaliação minuciosa do grau, local e extensão da lesão e fatores de risco existentes. Preconiza-se que após anamnese completa deva-se aplicar o seguinte protocolo básico de tratamento 15
:
a) debridamento: em situação em que material neerótico é observado, sendo indicado com objetivo de diminuir a quantidade de bactérias presentes no foco de lesão, tendo o cuidado de não se retirar tecido de granulação. Pode ser utilizado como apoio, sulfadiazine de prata para aumentar o tecido de granulação e com ação bactericida respecti -vamente, devendo ser descontinuado na etapa proliferativa;
b) aplicação de curativos oclusivos hidrocolóides principalmente em lesões de grau li, havendo sempre observação das mesmas, evitando maceração e infecção do local;
c) intervenção cirúrgica: indicada para tratamento de úlceras de grau lli e IV com intuito de limpeza, podendo estender-se até o tecido ósseo, sendo na maioria das vezes considerado procedimento necessário, porém bastante invasivo;
d) curativos úmidos com solução salina ou solução de lactato (Ringer) indicados quando a ferida está limpa, necessitando de meio úmido para migração superficial das células epiteliais objetivando fonnação de tecido de granuI ação.
Vol. 3. No. I, 1998 Reparação cutânea e fisioterapia 9
Úlceras de membro inferior
As úlceras de extremidades de membro inferior são
um dos problemas mais desafiadores para profissionais da saúde, assim como para pacientes e familiares. Para os
indivíduos acometidos, estas úlceras originam e fomentam
dor, incômodo, frustração além de gasto financeiro; e
quando se consegue a cura, esta é demorada, requerendo
manejo adequado tanto do paciente quanto dos que o acom
panham.
As úlceras de membro inferior apresentam-se em
diferentes locais com formas e peculiaridades distintas, e
normalmente o sexo feminino é mais acometido que o
masculino, com idade acima de 40 anos. Estatisticamente,
80 a 90% das mesmas têm origem venosa, enquanto 5 a I 0%
são decorrentes de patologia arterial e o restante conseqüên
c ia de neuropatias ou combinações de outras moléstias e/ou
acidentes 17.
Úlceras venosas
As úlceras venosas decotTem da interação do inade
quado suprimento vascular do membro inferior e da força
da gravidade. Nestes casos, observa-se incapacidade das veias em mover a coluna sangüínea corporal de volta ao coração contra a força da gravidade. Isto se deve à di
ficuldade de ação dos três sistemas venosos existentes
(profundo, superficial e comunicante) e suas respectivas
valvas semilunares.
A grande maioria das disfunções v alvares são adquiri -das, como por exemplo a trombose. Quando as valvas nas
veias comunicantes se tornam pouco úteis, o fluxo
sangüíneo abaixo das mesmas reflete de volta ao sistema superficial criando a chamada "hipertensão venosa", que traumatiza o tecido mole, em decorrência do fluxo turbu
lento. Esta situação hipertensiva se manifesta mais
comumente na região da articulação do tornozelo, onde a pressão hidrostática no tecido aumenta, desencadeando vasoconstrição reflexa, a qual promove uma diminuição da
perfusão tissular, podendo evoluir a isquemia epidér
mica17•18
.
Estas lesões estão normalmente localizadas acima do maléolo mediai, apresentando bordas irregulares, com pre
sença de quantidade considerável de exsudato, não expondo estruturas subjacentes e tecido de granulação na base. A dor
é moderada, piorando em posição ort~stática e melhorando com elevação do membro. O diagnóstico pode ser feito clinicamente, pela presença de mudanças no aspecto do
local e/ou estase sangüínea. Deve ser considerado o des
carte da existência de insuficiência arterial, sendo que diterentemente da úlcera venosa, a arterial tende a ser coberta
com tecido de granulação negro e rígido.
Úlceras arteriais
As úlceras arteriais, também conhecidas como úlceras isquêmicas, são decorrentes de insuficiência arterial, atingindo geralmente pacientes com idade acima de 50 anos e ocasionalmente em indivíduos jovens portadores de diabetes melittus e/ou hiperlipidemia. A insuficiência arterial resulta geralmente de oclusões de vasos principais, em situações por exemplo de vasculite, arteriosclerose e trombose. O suprimento sangüíneo cutâneo não é adequado para manter a demanda do metabolismo tissular local, resultando em interrupção da superfície cutânea. É mais comum no sexo masculino e em indivíduos fumantes com alterações nutricionais 17
.
Estas úlceras freqüentemente envolvem a área pré-tibial, dorso de artelhos e pé, tendendo a serem mais dolorosas do que as venosas. A elevação do membro agrava a dor das úlceras isquêmicas por ação da força da gravidade contra o fluxo arterial. Deste modo, a posição ortostática e o caminhar diminuem o desconforto, podendo apresentar porém episódio de claudicação intermitente, sendo o mesmo aliviado com descanso.
Comumente estas lesões apresentam-se de forma irregular, com bordas não padronizadas, úmidas, macias e bem definidas. As bases mostram-se encobertas por exsudato amarelo pálido purulento, com tecido necrótico amarelo esverdeado e pedaços de pele de aspecto gan -grenoso em seu interior com ausência de tecido de granu!ação. Os tendões freqüentemente estão aparentes, com edema ao redor das margens, estando a pele seca, quebradiça e fria. O pulso próximo à ferida pode apresentar-se fraco ou ausente.
Úlceras diabéticas
A maioria das úlceras diabéticas decorrem da combinação da situação de isquemia e neuropatia, estando sempre uma das duas prevalecendo. Úlceras basicamente isquêmicas são mais raras, porém a neuropatia periférica é fator de alto risco para o possível portador de úlcera. São sintomas e achados físicos importantes da neuropatia a degeneração de músculos intrínsecos dos pés, alteração das interações ósseas (artelhos em forma de martelo e pé cavo, por exempio) e ponto de pressão anormal na cabeça do primeiro e quinto metatarso.
As úlceras típicas de neuropatia ocotTem na superfície plantar do pé em áreas de pressão máxima, assim como artelhos e cabeça dos metatarsos. Normalmente apresentam-se profundas e infectadas. O membro isquêmico é frio, com pele fria, brilhante e atrófica. Comumente a úlcera em si não dói, entretanto o paciente refere sensação de queimação c parestesia na extremidade, assim como ausência de sensação ténnica, tátil superficial e profunda e propriocepção.
lO Gonçalves & Parizotto Rev. Bras. Fisiot.
Especificamente no paciente diabético foram detectadas algumas alterações cicatriciais importantes que impedem a concretização adequada do processo reparador. São basicamente 1:
a) disfunção neutrofilica, havendo redução da quimiotaxia, da aderência, fagocitose e extermínio intracelular de bactérias pelos neutrófilos, resultando em susceptibilidade cinco vezes maior do paciente diabético à infecção da ferida, com conseqüente atraso no reparo;
b) proliferação de fibroblastos e síntese de colágeno deprimidas;
c) crescimento capilar deficiente, levando ao comprometimento da fase proliferativa (formação do tecido de granulação) com atraso na remodelagem (substituição do tecido de granulação por cicatriz fibrosa e contração da mesma), podendo resultar em cicatriz com força tênsil diminuída;
d) comprometimento na perfusão teci dual e subseqüente tensão tecidual de oxigênio (Pt02) devido às complicações macro e microvasculares;
e) comprometimento sensorial promovendo maior incidência de traumas sob lesão já existente;
f) idade, observando-se uma redução na vascularização e facilidade ao trauma devido ao aumento da fragilidade cutânea;
g) doenças secundárias, tais como artrite reumatóide (e tratamento com anti-inflamatórios) e carcinomas (quando drogas afetam as células de multiplicação);
h) fatores psicológicos, sendo que a ansiedade diminui a eficiência do sistema imunológico.
A profilaxia é a terapêutica mais eficaz contra as úlceras neuropáticas. Um programa de cuidados é imperati v o, o paciente deve checar seus pés diariamente, observando a presença de eritema, edema e calosidade, os quais indicam pontos de pressão excessiva 21
. Injeção de silicone fluido em região alvo propensa ao desenvolvimento de úlcera por pressão em indivíduos diabéticos tem demonstrado diminuir as forças mecânicas sobre a superfície plantar, por promover a existência de prótese de relativa estabilidade entre pele e osso 22
.
Fisioterapia Aplicada à Aceleração do Processo Cicatricial
Como tratamento clínico referente às úlceras venosas, com intuito de remediar a disfunção da bomba valvar e o aumento da pressão venosa, é recomendada elevação e compressão do membro, assim como são orientados como tratamento fisioterápico períodos de descanso do membro acometido com posterior elevação do mesmo e exercícios ativos de dorsiflexão, flexão plantar, circundução de tornozelo e posterior elevação do membro 23
.
Bandagens elásticas e não-elásticas compressivas estão disponíveis para tal procedimento, criando com-
pressão uniforme e encorajando a reepitelização. Comumente 30 a 40 mmHg são suficientes e benéficos no controle do edema e descontinuidade cutânea. Pode ser utilizada também a bota de Unna impregnada com óxido de zinco, a qual promove suporte fisico para fomento da função da bomba muscular, devendo ser trocada uma ou duas vezes por semana.
É importante lembrar que embora o curativo da úlcera seja freqüentemente realizado pela equipe de enfermagem, o fisioterapeuta deve ser capaz de executar este procedi -mento estéril, especialmente se os indivíduos tratados estiverem sendo atendidos no setor de fisioterapia, salientando-se porém que os procedimentos padrões são defini -d d d d
. . . 18 os em ca a centro e aten 1mento respectivamente
Já para tratamento da úlcera arterial, preconiza-se evitar compressão do membro, medicamentos tópicos sensibilizadores, exercício vigoroso da extremidade e atividade excessiva muscular do membro. É recomendado descanso na cama com a cabeceira da mesma elevada de 5 a 7 graus, produzindo aumento na tensão de oxigênio e temperatura cutânea no membro isquêmico, debridamento conservativo da ferida e hidroterapia 17
Como condutas preventivas ao aparecimento destas lesões ulcerativas neuropáticas, são aconselhadas observação e inspeção diária da área acometida buscando indícios de edema, hiperemia, bolhas ou cmies e utilização de calçados apropriados que aliviem os pontos de maior pressão durante a marcha. Já como procedimentos curativos, tem-se o descanso em estágio inflamatório inicial; elevação do membro em casos agudos de ulceração e confecção de bota gessada que promova o alívio de ponto de pressão sobre a lesão.
É de suma importância para indicação do tratamento fisioterápico, evolução e prognóstico, observação das feridas e preenchimento de respectivo protocolo de registro de dados, sendo estes área acometida, profundidade da mesma, sua localização e classificação, tempo de instalação da lesão e tratamento utilizado até o momento em formulário apropriado para levantamento de informações acerca do paciente, no qual abordam-se os aspectos já mencionados, sua origem, situação momentânea da mesma, medicamentos c curativos utilizados, sinais e achados fisicos presentes c evolução da ferida. Deste modo, obtém-se informações anteriores c atuais importantes no diagnóstico c prognóstico da lesão9
.
Ainda em relação às lesões de origem neuropática, é preconizada avaliação inical sensorial e muscular das áreas acometidas, realizada a primeira por meio de 6 filamentos de nylon com diferentes espessuras e conseqüente mapeamento das áreas sensíveis ou não c a segunda através de escala de Oxford para graduação de força muscular (de grau O a 5). Considerando as lesões ulccrativas não infectadas, são utilizadas sob orientação/confecção do fisioterapeuta férulas com adequado acolchoamento no período
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de imobilização, aplicações de ultra-som, corrente tàrádica, radiação infravermelha como objetivo de melhora do trofismo da área atingida, diminuição do processo infla -
. . - d d 24-27 matono e promoçao o processo e reparo . Ainda são sugeridas, dentre a gama de procedimentos
possíveis de serem realizados durante o tratamento das úlceras plantares, prescrição fisioterápica de imobilização e repouso do membro atingido (por meio de férulas ou cadeira de rodas) e de utilização de órteses para auxílio da marcha (tais como bengalas ou andadores); fabricação de calçados apropriados em estágio inicial da doença; controle da infecção local28
.
Neste sentido, atualmente existem recursos fisioterápicos eficientes na melhora da nutrição teci dual das áreas acometidas e vizinhas às ulcerações, assim como no próprio processo de cicatrização destas, sendo citadas:
• crioterapia e radiação ultra-violeta (ale?ado pelos autores como atuantes na cicatrização) 2
;
• terapia com ultra-som 30•31
;
• eletroestimulação com pulso monofásico de alta f .. ' . 32· requenc1a '
• laser de baixa intensidade 47•52
•56
O frio aplicado por meio de suas diversas técnicas (gelo em panquecas, spray ou pacotes frios de gcl) é tido como um inibidor da cicatrização quando aplicado em tempos curtos. Não existem conhecimentos suficientes sobre os efeitos do frio aplicados por longos períodos como 20 a 40 min33
. Por esse motivo, acreditamos ser razoável não utilizar esse método terapêutico com objetivos de cicatrização, até que se esclareça seu mecanismo correto de atuação.
O ultra-som é um recurso que tem obtido bons resultados como terapia para cicatrização cutânea. Vários trabalhos relatam evidências da ação do ultra-som com trequência de 1 MHz sobre as diversas fases do processo inflamatório34
. O que se pode observar na fase inflamatória inicial da reparação é uma aceleração do processo, aumentando a liberação de fatores de crescimento pela dcsgranu-I - d . . 35 1 36 • c 37 o açao os mastocJtos , p aquetas e macrotagos . ultra-som terapêutico atua como um acelerador do processo inflamatório, portanto não é anti-inflamatório como muitos propõem.
A fase proliferativa se inicia precocemente, se aplicado ultra-som na fase anterior (inflamatória). Há evidências de que a exposição do ultra-som nesta etapa do processo provoca a redução da sua duração, atuando no sentido do início precoce da fase de remodelação. Para isso, a contração da cicatriz é um importante passo que parece ser acelerada pela libera~ão de fatores de crescimento estimulada pelo ultra-som 3
. As doses utilizadas nestas etapas estão na faixa de O, 1 a 0,2 W /em 2 de intensidade espacial e temporal médias, usando modo contínuo, ou doses maiores (0,6 a 0,8 W/cm2) se utilizado na forma pulsada com ciclo de trabalho de 20%.
O que se pode definir como efeitos já confirmados do ultra-som terapêutico sobre o processo inflamatório e a reparação tecidual é a possibilidade de potenciar ou inibir a atividade inflamatória dependendo da geração de radicais livres nos tecidos39
. Ou por ação direta ou por meio da circulação sanguínea, existe mediação do ultra-som sobre a inflamação, alterações na migração e função leucocitárias, aumento na angiogênese, na síntese e maturação de colágeno e também na formação de tecido cicatricial.
No que diz respeito à ação da eletroestimulação na cicatrização de úlceras, há uma série de estudos não controlados que alegam efeitos benéficos da corrente direta (galvanização), aumentando a velocidade da cicatrização. No entanto, não se pode trabalhar na perspectiva destes estudos conduzidos de maneira inadequada quanto ao aspecto metodológico. Outro fator importante é a falta de aceitação deste tipo de tratamento pelo fato de haver desconforto sensorial do paciente no momento da aplicação e os riscos de queimadura são elevados.
Quando se analisa a eletroestimulação galvânica pulsada de alta voltagem, cuja aplicação não impõe risco de irritações ou queimaduras ao paciente, se observa resultados favoráveis sobre a cicatrização. Dentre as enfermidades tratadas com resultados positivos estão úlceras de d ·c 404142 'l d - · llcrentes graus ' ' e u ceras e pressao em pacientes com trauma raque-medular 43
. Algumas questões são levantadas em vários dos trabalhos: a polaridade, parâmetros de corrente, localização dos eletrodos e alguns cuidados importantes.
Com relação à polaridade, o polo negativo parece conseguir o maior número de efeitos c com maior eficiência em relação ao positivo. Os parâmetros dos trabalhos que obtiveram melhores resultados são bastante heterogêneos, variando a densidade de corrente entre 0,004 a 0,246 mA/cnl, assim como a ,Broporção de estimulação observada com tais parâmetros 4
. A localização de eletrodos é tido como aspecto fundamental a ser observado. O eletrodo ativo deve ser 25% do tamanho do eletrodo dispersivo, quando se utiliza corrente pulsada galvânica de alta voltagem. O eletrodo positivo deve estar colocado proximalmente à lesão e o negativo distalmente, e este último deve se localizar preferencialmente próximo à região a ser tratada.
Em relação a utilização da laserterapia de baixa intensidade, estudos recentes têm demonstrado bons resultados como terapêutica de fácil e rápida aplicação, não-invasiva e efetiva 45
-52
.
Roig et a!. 53 ( 1990) em tratamento de úlcera de
decúbito em região sacra! de lesionado medular com laser HeNe, observaram a diminuição do tempo de reabilitação e melhora do trofismo da zona afetada e da dor, sem oconência de recidiva.
Em nosso meio, Fuirini 54 (1993) aborda a utilização de laser HeNe em cicatrização de úlceras cutâneas crônicas
12 Gonçalves & Parizotto Rev. Bras. Fisiot.
como tratamento de eficácia superior aos procedimentos fisioterápicos convencionais assim como os principais c uidados na preparação da úlcera para posterior aplicação da laserterapia, porém não é um estudo controlado.
Em outro estudo realizado por Arantes et al. 55 ( 1992)
com pacientes portadores de úlcera de membro inferior, verificaram-se que os melhores resultados num menor tempo de tratamento sem recidivas e com diminuição ou ausência de complicações foram obtidos com tratamento clínico associado com laserterapia de baixa intensidade. Baxter56 (1994) também acredita na importância da laserterapia de baixa intensidade no tratamento das feridas abetias no campo clínico, sustentada por pesquisas padronizadas com parâmetros confiáveis e observáveis.
O que se pode observar é que atualmente não há um tratamento definitivo para estas lesões cutâneas. Podemos contar atualmente com diferentes alternativas terapêuticas, cada uma delas colocada como possível aceleradora do reparo tecidual, mas não há um trabalho comparativo envolvendo todas elas. Mesmo dentro de um determinado método de terapia, ajustes dosimétricos detalhados são necessários para extrair o maior potencial terapêutico destes métodos. Para isso, acreditamos que muitos trabalhos de investigação são necessários para conseguirmos nos certificar da promoção de alívio no sofrimento dos pacientes acometidos por estas enfermidades.
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