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ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS REVISTA BRASILEIRA DE publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional ISSN 1517-4115

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ESTUDOS URBANOSE REGIONAISREVISTA BRASILEIRA DEpublicao da associao nacional de ps-graduaoe pes quis aempl anej amentourbanoeregionalISSN 1517-4115REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAISPublicao semestral da ANPURVolume 9, nmero 1, maio de 2007EDITOR RESPONSVELHenri Acselrad (UFRJ)COMISSO EDITORIALGeraldo Magela Costa (UFMG), Leila Christina Duarte Dias (UFSC), Lilian Fessler Vaz (UFRJ), Maria Flora Gonalves (Unicamp)CONSELHO EDITORIALAna Clara Torres Ribeiro (UFRJ), ngela Lcia de Arajo Ferreira (UFRN), Brasilmar Ferreira Nunes (UnB), Carlos Antonio Brando (Unicamp), Ermnia Maricato (USP), Heloisa Soares de Moura Costa (UFMG), Joo Rovati (UFRS),Lia Osorio Machado (UFRJ), Linda Maria de Pontes Gondim (UFC), Marco Aurlio A. de F. Gomes (UFBA), Margareth Pereira (UFRJ), Maria Cristina da Silva Leme (USP), Nadia Somekh (Mackenzie), Norma Lacerda Gonalves(UFPE), Paola Berenstein Jacques (UFBA), Ricardo Cesar Pereira Lira (UERJ), Roberto Monte-Mr (UFMG), Rosa Acevedo (UFPA), Sandra Lencioni (USP), Sarah Feldman (USP), Wrana Maria Panizzi (UFRS)COLABORADORESngelo Serpa (UFBA), Antonio Ioris (Aberdeen), Brasilmar Ferreira Nunes (UnB), Carmen Silveira (UFRJ), Claudia Pfeiffer (UFRJ), Elosa Petit (UFBA), Ester Limonad (UFF), Ftima Furtado (UFPE), Fernanda Furtado (UFF), Helion Povoa (UFRJ), Ivone Salgado (PUCCAMP), Jan Bitoun (UFPE), Jos Aldemir de Oliveira (UFAM), Jos Julio Lima (UFPA), Lgia Simonian (UFPA), Luciana Correa do Lago (UFRJ), Luis Eduardo Aragon (UFPA), Luis OctavioSilva (S.J.Tadeu), Maria Flora Gonalves (UNICAMP), Maria Josefina Gabriel SantAnna (UERJ), Martim Smolka (UFRJ), Orlando Junior (UFRJ), Ricardo Farret (UnB), Roberto Monte-Mr (UFMG), Rogrio Haesbert (UFF), Rose Compans (IPP)PROJETO GRFICOJoo Baptista da Costa AguiarCAPA, COORDENAO E EDITORAO Ana Basaglia REVISOAna Paula GomesIMPRESSO CTPAssahi Grfica e EditoraIndexada na Library of Congress (EUA)Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais v.9, n.1,2007. Associao Nacional de Ps-Graduao ePesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editor responsvel Henri Acselrad : A Associao, 2007.v.Semestral.ISSN 1517-4115O n 1 foi publicado em maio de 1999.1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). II. Acselrad, Henri711.4(05) CDU (2.Ed.) UFBA711.405 CDD (21.Ed.) BC-2001-0983 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007ARTIGOS9 PLANEJAMENTO TERRITORIAL E PROJETO NA-CIONAL OS DESAFIOS DA FRAGMENTAO Carlos B. Vainer25 DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NAS CIDADESDO AGRONEGCIO Denise Elias e Renato Pequeno41 ENTRE O N E A REDE, DIALTICAS ESPA-CIAIS CONTEMPORNEAS O CASO DA METRPO-LE DE CAMPINAS DIANTE DA MEGALPOLE DO SU-DESTE DO BRASIL EugenioFernandesQueirogaeDenio Munia Benfatti53 APONTAMENTOS SOBRE A MAR UMA COM-PREENSO Maria Julieta Nunes de Souza69 CARMEN PORTINHO E O HABITAR MODERNO TEORIA E TRAJETRIA DE UMA URBANISTA Flvia Brito do Nascimento83 A CIDADE CONTRA A FAVELA A NOVAAMEAA AMBIENTAL Rose Compans101 O SEQESTRO DAS RENDAS PETROLFERAS PE-LO PODER LOCAL A GNESE DAS QUASE SORTU-DAS REGIES PRODUTORAS Rodrigo Valente Serra115 ARQUITETURA SOCIOLGICA Frederico deHolanda131 REFLEXES SOBRE A INTEGRAO PAN-AMA-ZNICA O PAPEL DA ORGANIZAO DO TRATADODE COOPERAO AMAZNICA (OTCA)NA REGU-LAO DA GUA Nrvia Ravena e Voyner R. CaeteiRESENHAS147 Financiers,philantropes:vocationsthiquesetrproductionducapitalWallStreetdepuis1970,deNicolas Guilhot por Ceclia Campello do A. Mello149 Cidade:impasseseperspectivas,deMariaLciaCaira Gitahy e Jos Tavares de Lira Correia por Na-dia Somekh152 A era da indeterminao, de Francisco de Olivei-ra e Cibele Saliba Rizek por Gabriel de Santis FeltranESTUDOS URBANOSE REGIONAISREVISTA BRASILEIRA DEpublicao da associao nacional de ps-graduaoe pes quis aempl anej amentourbanoeregionalS U M R I OASSOCIAO NACIONAL DE PS-GRADUAO E PESQUISAEM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL ANPURGESTO 2007-2009PRESIDENTEEdna Castro (NAEA/UFPA)SECRETRIO EXECUTIVOLuiz Aragon (NAEA/UFPA)SECRETRIO ADJUNTOJos Jlio Lima (FAU/UFPA)DIRETORESAdauto Lcio Cardoso (IPPUR/UFRJ)Leila Dias (CFH/UFSC)Roberto Monte-Mr (CEDEPLAR/UFMG)Virgnia Pontual (MDU/UFPE)CONSELHO FISCALBrasilmar Nunes (SOC/UNB)Joo Rovati (PROPUR/UFRS)Renato Anelli (EESC/USP)Apoios5 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007EDI TOR I A LO presente fascculo rene as verses revistas de nove trabalhos apresentados noXII Encontro Nacional da ANPUR, realizado em Belm, em maio de 2007. Os textosforam selecionados em duas etapas: na primeira, os membros da comisso cientficado Encontro, que foram responsveis pela coordenao de suas sesses temticas, in-dicaram os dois melhores trabalhos de cada respectiva sesso; na segunda, os integran-tes da comisso editorial da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais selecio-naram o que julgaram ser os nove melhores trabalhos entre os quatorze indicados pelacomisso cientfica do Encontro. Os textos aqui agrupados j incorporam, pois, ele-mentos do debate a que foram submetidos no mbito das reunies das sesses temti-cas. Procuramos, assim, trazer aos leitores a expresso do conjunto das discusses de-senvolvidasnessassesses,queforamorganizadassegundoosseguintestemas:Gesto urbana e regional: modelos, prticas e implicaes; Rede urbana e estrutu-raterritorial;Formaedinmicaintra-urbana;Histria,cidadeeurbanismo;Territrio, conflitos e gesto ambiental; Cidade, cultura e sociabilidade; Amaz-nia no cenrio sul-americano.No primeiro artigo,CarlosB.Vainerdiscuteasconseqnciasdoprocessodefragmentao territorial, a partir das condies de exerccio do planejamento urbanoe regional no Brasil. Aps analisar criticamente as bases conceituais dos grandes pro-jetosdeinvestimentoquedenominaneo-localismocompetitivo apontadoscomoimportantes vetores da referida fragmentao, o autor identifica as contra-tendnciasquepoderiamconduziraprojetosnacionais,emqueoplanejamentoterritorialde-sempenharia papel central.Denise Elias e Renato Pequeno analisam os impactos urbanos do agronegcio,assinalando o carter socialmente excludente da reestruturao que ele induz nas ci-dades, notadamente no que diz respeito ao acesso moradia. O trabalho aplica-se aoscasos de quatro cidades do Nordeste, duas caracterizadas pela presena da fruticultu-ra e duas pela produo de gros. Eugenio Fernandes Queiroga e Denio Munia Ben-fatti discutem, por sua vez, a formao de uma nova entidade urbana no pas a me-galpoledoSudeste.Os autoresdebruam-sesobreocasodeCampinas,plointermedirio de uma rede urbana complexa, considerando-o exemplar para o estudoda urbanizao dispersa e para a compreenso de dialticas espaciais contemporneas.Explorandoasformasespaciaisedispositivosarquitetnicosqueequacionamapresena de bolses de pobreza nas cidades, Maria Julieta Nunes de Souza aponta, a par-tir do caso da favela da Mar na cidade do Rio de Janeiro, os mecanismos de afastamen-to, invisibilizao e confinamento de tais reas com relao aos bairros vizinhos. Com aperspectiva histrica adotada em seu trabalho, Flvia Brito do Nascimento traa a traje-tria profissional da urbanista Carmen Portinho, Diretora do Departamento de Habi-tao Popular (DHP) da Prefeitura do antigo Distrito Federal entre 1946 e 1960, bemcomo da sua luta pela implementao de um programa de habitao popular na cidadedo Rio de Janeiro. A autora sugere que o perfil profissional de Carmen Portinho em-blemtico das aproximaes entre a disciplina da Engenharia e o campo do Urbanismona estruturao de propostas para a superao da crise habitacional no Rio de Janeiro.6 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007Rodrigo Valente Serra discute o regime de repartio das rendas petrolferas en-tre Estados e Municpios litorneos das regies petrolferas nacionais, assinalando que,diferentemente de certos regimes internacionais, ele fornece aos beneficirios de taisrendas, principalmente aos Municpios, uma grande capacidade de investimento. To-mando por fonte bsica de informao os debates realizados na Cmara e no SenadoFederal, o autor discute a hiptese de que, durante o processo de aprovao do regi-medecobrana,rateioeaplicaodos royaltiesdopetrleo,deu-seumacapturadevultosos recursos por parte de interesses locais. O artigo de Rose Compans, por suavez, trata da apropriao do discurso da preservao ambiental por foras sociais inte-ressadas na retomada da estratgia de remoo de favelas no Rio de Janeiro. Para a au-tora, observa-se em meados da primeira dcada do sculo XXI, a constituio de ummovimento conservador que busca pressionar os poderes pblicos a reprimir tais ocu-paes, sobretudo nas reas mais valorizadas da cidade, recorrendo ao saber tcnico-cientfico sobre os danos ao meio ambiente, ao lado de campanhas jornalsticas quereclamam da Prefeitura a remoo de reas favelizadas.Frederico de Holanda argumenta que a Arquitetura, mais comumente conside-rada como ofcio, arte ou tcnica, deveria ser considerada tambm uma cincia queaborda os lugares a partir de uma perspectiva prpria. O artigo sugere que houve, nasltimas dcadas, uma mudana paradigmtica que resgatou o pensamento terico-re-flexivonocampodaArquitetura,fortalecendoainterdisciplinaridadenotratodasquestes relativas aos lugares produzidos ou usufrudos pelas pessoas. O trabalho deNrviaRavenaeVoynerR.Caete,porsuavez,abordaosmarcosregulatriosdoacesso e uso da gua no Brasil, assim como sua influncia na busca de uma gesto in-tegrada dos recursos hdricos na Pan-Amaznia. As autoras enfatizam as dificuldadesrelativas coordenao de polticas domsticas setoriais voltadas gesto de recursosnaturais na regio, assim como a importncia, no mbito da Organizao do Tratadode Cooperao Amaznica (OTCA), de um sistema de freios e contrapesos que seja ca-paz de evitar as investidas daqueles que buscam capturar para si os benefcios das po-lticas setoriais. O presente fascculo traz, por fim, trs resenhas: do livro Financiers,philantropes: vocations thiques et rproduction du capital Wall Street depuis 1970, deNicolas Guilhot, publicado em 2004, analisando a recente difuso do discurso da res-ponsabilidadesocialdeempresasnotratamentodaquestosocialeurbana;daco-letnea Cidade: impasses e perspectiva, organizada, em 2007, por Maria Lcia Caira Gi-tahy e Jos Tavares de Lira Correia e A era da indeterminao, publicao organizada,tambm em 2007, por Francisco de Oliveira e Cibele Saliba Rizek.HENRI ACSELRADEditor responsvel ARTIGOSPLANEJAMENTO TERRITORIALE PROJETO NACIONALOS DESAFIOS DA FRAGMENTAOCA R L O S B . VA I N E RR E S U M O A histria recente do planejamento territorial no Brasil poderia ser narra-da como uma trajetria continuada, embora no linear, de desconstituio poltica, intelectuale institucional. Este processo resultado e fator de acelerao do processo de fragmentao terri-torial que desafia todos os que se preocupam com a necessidade de um projeto nacional digno des-ta abrangncia. O presente trabalho busca identificar e analisar os principais vetores do processode fragmentao, a saber: grandes projetos de investimento (GPIs), neo-localismo competitivo e ovelho regionalismo, com suas redes de clientela-patronagem. Em seguida, so examinados rapi-damente os referentes terico-conceituais dos GPIs e, em particular, do neo-localismo competiti-vo, que constitui hoje a principal receita distribuda aos pases perifrios e dependentes por agn-ciasmultilateraiseconsultoresinternacionais.Aofinal,busca-seexploraremquemedidaestariam emergindo no processo social contemporneo tendncias e foras capazes de neutraliza-rem os vetores da fragmentao e conduzirem um projeto nacional, no qual, necessariamente, oplanejamento territorial dever ocupar lugar central.P A L A V R A S - C H A V E Projetonacional;planejamentoterritorial;neo-lo-calismo; grandes projetos de investimento.INTRODUO: DA RELEVNCIA DA QUESTOTERRITORIAL1A histriarecentedoplanejamentoterritorialnoBrasilpoderiasernarradacomoumatrajetriacontinuada,emboranolinear, dedesconstituio. Em primeiro lugar,desconstituio poltica, evidenciada no desaparecimento progressivo da questo regionaldaagendanacional.Severdadequeoprprioprocessodeelaboraoeconfrontodeperspectivasnacionaisabrangentestorna-secadavez menosvisveleaudvel,tambmverdade que quando esboos de uma agenda nacional ainda conseguem vir tona, trans-cendendo a gesto quotidiana da economia, a questo regional e, de modo mais amplo, oterritrio recebem pouca ou nenhuma ateno.Paralelamente,reflexoefatordesteprocesso,adesconstituiotemsidotambmoperacional ou instrumental, se prefervel , com a desmontagem dos aparatos institu-cionais que, na segunda metade do sculo passado, foram implantados pelo governo fe-deral para conceber e implementar polticas, planos e projetos cujo objetivo explicitamen-teenunciadoeraoordenamentoterritorialeareduodasdesigualdadesregionais.Esvaziados de funo e sentido, agncias e rgos regionais, onde sobreviveram, transfor-maram-se, via de regra, em nichos de articulao de interesses paroquiais e de reproduode elites quase sempre decadentes.Este processo de desconstituio lana razes nas transformaes econmicas, sociais,polticas e culturais que integraram o territrio nacional e o submeteram, em seu conjun-9 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O20071 Umaprimeiraversodestetexto foi apresentada no PainelDesigualdadesRegionais,Ur-banizao e Ordenamento Terri-torialnoBrasil:DesafiosePerspectivas, no Seminrio In-ternacional Polticas de Desen-volvimentoRegional:Desafiose Perspectivas Luz das Expe-rinciasdaUnioEuropiaeBrasil, promovido pelo Minist-rio da Integrao Nacional, Bra-slia, 23-24/03/2006.to e diversidade, s lgicas e dinmicas da expanso de nosso capitalismo perifrico e de-pendente a partir dos anos 60 e 70.2Desdobrou-se, em seguida, na longa e dramtica cri-se dos anos 80 e na transio que se lhe seguiu, comumente chamada de ajuste estrutu-ral,caracterizadapelaadesosdiretrizesdoConsensodeWashington.Hoje,adesconstituio parece atualizar-se numa espcie de conformada aceitao da fragmenta-o territorial que consagra a acomodao subordinada s formas contemporneas da glo-balizao.Acontrapartidaoucompensaopareceserbastantemagra:umaintegraocontinental que, a cada momento, se mostra condenada a levar adiante apenas e simples-mente a criao de espaos mercantis adequados s novas escalas e dinmicas espaciais doscapitais transnacionais presentes urbi et orbi.3No entanto, talvez nunca como atualmente o debate sobre o territrio tenha sido todecisivo para a to necessria quanto urgente recomposio terico-conceitual, poltica ecultural que permitir repensar uma nao que parece navegar deriva, carente de agen-tes ou coalizes polticas e sociais expressivas capazes de vocalizar qualquer projeto nacio-nal digno desse nome.Todo texto datado, ou melhor, situado espacial e temporalmente. Este texto noescapa regra. Ele de um tempo em que o debate poltico se degrada e em que se assis-te ao empobrecimento da esfera pblica e da esfera estatal como fruns privilegiados doencontro e confronto de propostas. Por isso mesmo, mais que nunca se impe colocar empauta aqueles temas que, pela sua abrangncia e complexidade, ajudam a pensar perspec-tivas e projetos que busquem transcender a conjuntura imediata, as prximas eleies, ohumor do mercado financeiro e as ltimas oscilaes do risco-Brasil, cuja centralidade nodebate da mdia amesquinha e emascula a cena poltica nacional. Ora, a questo territo-rial uma dessas, mesmo porque fala da necessidade e possibilidade de manter a perspec-tiva de um projeto nacional no mesmo momento em que foras poderosas pem em d-vida a viabilidade e, inclusive, o sentido de perseverar em um horizonte que a globalizaocontempornea j teria condenado, por anacronismo, ao lixo da histria.4Ocontexto econmico, social e poltico, de um lado, e o campo intelectual, de outro,sugerem que o desafio reverter tendncias, desfazer consensos, desmontar certezas e bus-car introduzir na anlise dimenses e aspectos da realidade que normalmente so desconsi-derados. Assim, talvez seja possvel arejar o debate e escapar s mesmices do que, na falta deoutro nome, poderamos chamar de ajuste urbano e regional, mera adequao territorial sdinmicas e fluxos dominantes. Eis tarefa mais fcil de enunciar que de realizar, que certa-mente escapa s possibilidades de um texto, um trabalho, um autor, mesmo porque ser ne-cessariamente obra coletiva. Os objetivos deste texto so, pois, mais modestos: apresentarum roteiro que ajude a balizar o caminho intelectual e poltico, analtico e propositivo de um esforo para abrir novos horizontes para as polticas territoriais, urbanas e regionais.Neste roteiro, que certamente est longe de ser exaustivo, buscamos contemplar uma mi-rada sobre os seguintes pontos: vetores da fragmentao territorial; bases terico-conceituaisda fragmentao; bases sociais, econmicas e polticas da fragmentao; contra-tendncias.VETORES DA FRAGMENTAO TERRITORIALComo as condies que nos esto dadas so permanentemente lembradas pelos queconvidam a acomodarmo-nos a elas, quando no a reiter-las e refor-las, esta sesso so-bre vetores de fragmentao territorial concentrar sua ateno em prticas e dinmicasP L A N E J A M E N T O T E R R I T O R I A L10 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O20072 Ver,porexemplo:Guima-res, 1989; Diniz, 1995; Bace-lar,2000;Oliveira,1977;Vai-ner e Arajo, 19923 A agenda da IIRSA Iniciativade Integrao Regional Sul-ame-ricana tpica, resumindo-se auma carteira de mega-empreen-dimentosdeinfraestuturaqueselimitamaalisaroespaopara a circulao do grande ca-pitalemsuasvriasformas.Poroutrolado,sorisveisasperipciasdediscusseseacordosBrasil-Argentinasobreo setor automotivo, em que osgovernosnacionaisaparecemfalando em nome de suas inds-trias nacionais, comandadas, lcomo c, pelos mesmos gigan-tesdaindstriaautomobilsticamundial Fiat, Volkswagen, Ge-neral Motors, etc. A recente cri-se em torno do contrato do gsBrasil-Bolvia,resultantedana-cionalizao no pas vizinho dei-xousombraumadasprinci-paispersonagensdodrama,atransnacional, que, na verdade,falou pelo lado boliviano at suafalncia.4 Vale a pena lembrar que, em-boraesgrimindorazesepro-jetosdistintos,exorcismosdadimenso nacional so pratica-dos tanto no campo considera-do de esquerda (Hardt e Negri,2001 e Castells, 2001), quantopor arautos celebrados do mer-cadoglobal(ver,porexemplo,Ohmae, 1966)que, em tudo e por tudo, so resultado de processos decisrios e, desta maneira, passveisde reverso, ou pelo menos profundas alteraes, em funo de decises e projetos pol-ticos. Em outros termos, o que se pretende mostrar que, pelo menos em parte, so de-cises polticas e no tendncias objetivas inexorveis e inescapveis que produzem e re-produzem a fragmentao.GRANDES PROJETOS DE INVESTIMENTODesdeametadedosculopassado,massobretudoapartirdeseultimoquartel,grandes projetos minero-metalrgicos, petroqumicos, energticos e virios reconfigura-ram o territrio nacional. Enquanto as agncias de planejamento do desenvolvimento re-gional (Sudene, Sudam, Sudeco) se debruavam sobre planos nunca concretizados e dis-tribuam incentivos fiscais entre grupos dominantes locais e nacionais, o territrio ia seconfigurando conforme decises tomadas em grandes agncias setoriais. No eram os pla-nejadores regionais que desenhavam a regio, mas os planejadores e tomadores de decisoem cada um dos macro-setores de infra-estrutura: no setor eltrico, a Eletrobrs e suas co-ligadas (CHESF, Eletronorte, Furnas, Eletrosul, Light), bem como algumas grandes em-presasestaduais(Eletropaulo,Copel);nosetormnero-metalrgico,aCompanhiaValedo Rio Doce, as grandes companhias siderrgicas estatais; no setor petroqumico, a Pe-trobrs. J nos anos 50, Braslia e a rodovia Belm-Braslia, assim como mais tarde a Tran-samaznica e outras intervenes virias, redesenhavam o territrio regional, trazendo vida novas regies e novas regionalizaes.Desconcentrando a seu modo a produo industrial, estes grandes projetos de inves-timento (GPIs) foram decisivos para produzir uma forma muito particular de integraonacional, ao gerarem nexos entre o ncleo urbano-industrial do Sudeste e o resto do pas.5Ao mesmo tempo, e como j foi largamente demonstrado na literatura, em muitos casosestes GPIs conformaram verdadeiros enclaves territoriais econmicos, sociais, polticos,culturais e, por que no dizer, ecolgicos, introduzindo um importante fator de fragmen-tao territorial (Vainer, 1992).6Constata-se, pois, que poca, os GPIs conformavam, ou pelo menos contribuamfortementeparaconformar, umespaonacionalintegradoprofundamentedesigual,mas integrado.Os grandes projetos voltam pauta nos ltimos anos, de que so exemplares mega-empreendimentos hdricos transposio das guas da bacia do So Francisco, hidreltricasde Belo Monte e Madeira. H, porm, uma decisiva mudana do que se passa hoje em re-lao ao que aconteceu nos anos 70: agora, grande parte das empresas e de seus empreendi-mentos territoriais no esto mais sob controle do Estado brasileiro. A privatizao do Se-tor Eltrico, da CVRD, da CSN, da rede ferroviria, etc, ao lado da ausncia ou fragilidadedo planejamento em uma srie de setores estratgicos, tem como conseqncia o impriode opes e decises de empresas privadas, estas sim tornadas soberanas. A privatizao dossetoresresponsveispelainfra-estruturaacaboutendocomocorolrioaprivatizaodosprocessos de planejamento e controle territorial que so intrnsecos aos grandes projetos.Em outras palavras: os grandes projetos continuam portadores de um grande poten-cial de organizao e transformao dos espaos, um grande potencial para decompor ecompor regies. Por sua prpria natureza, projetam sobre os espaos locais e regionais in-teresses quase sempre globais, o que faz deles eventos que so globais-locais ou, para usara feliz expresso cunhada por Swyngedouw (1997), glocalizados.C A R L O S B . V A I N E R11 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O20075 Para uma discusso sobre oefeitodesconcentradordestesgrandes projetos e algumas desuasconsequncias,ver,porexemplo, Torres, 1993.6 Emseufavorpoder-se-iaar-gumentarquealgunsGPIsex-ploravamcomplementaridadesinter-regionais,transformandoparcelasdoterritrionacionalemfornecedorasdeinsumosde vrios tipos para a indstriado Sudeste e favorecendo, des-taforma,umaintegraoeco-nmico-industrialantesinexis-tente.Masnosedeveesquecer que, j nos anos 70 einciodos80,surgiramencla-vesmnero-metalrgicos-ener-gticos o mais exemplar ocomplexo Carajs-Tucuru-ferro-via-indstriadoalumnio-porto,quaseinteiramentevoltadospara a exportao, prenuncian-doprocessosqueviriamaseaprofundar anos depois. interessante, nesta rpida reflexo sobre os GPIs, lembrar a natureza dos processosdecisrios que lhes do origem. Ora, quase sempre se fazem nos corredores e gabinetes, margem de qualquer exerccio de planejamento compreensivo e distante de qualquer de-bate pblico. Antes de estruturar territrios e enclaves, o grande projeto estrutura e se es-trutura atravs de grupos de interesses e lobbies, coalizes polticas que expressam, quasesem mediaes, articulaes econmico-financeiras e polticas. O local, o regional, o na-cional e o global se entrelaam e convergem, na constituio de consrcios empresariais ecoalizes polticas. Projeto industrial, controle territorial, empreendimento econmico eempreendimentopolticosemisturamnosmeandrosdosfinanciamentospblicos,dasdotaes oramentrias, das trocas de favores e, como vem tona uma vez ou outra, dacorrupoinstitucionale individual. O cacique local se d ares de importncia quandoentra em contato com o dirigente de um grande grupo econmico internacional e nego-cia praas e igrejas, ao mesmo tempo em que pressiona seus deputados a pressionarem ins-tncias sub-nacionais e nacionais para a concesso de licenas e favores. O exame da eco-nomia poltica de cada grande projeto permitiria identificar de que forma atores polticose empresas nacionais e internacionais se associam e mobilizam elites locais e regionais pa-ra exercer o controle do territrio, constituindo uma nova geografia fsica, econmica epoltica que decompe o territrio nacional em novos fragmentos glocalizados.O que se pretende sugerir, aps estas consideraes, que os GPIs so uma forma deorganizaoterritorialqueatudosesobrepe,fragmentandooterritrioeinstaurandocircunscries e distritos que, no limite, configuram verdadeiros enclaves. Por esta razo possvel afirmar que estes constituem, quase sempre, importantes vetores do processo defragmentao do territrio. Ademais, hoje seu potencial estruturador reafirma a privatiza-o de nossos recursos territoriais e refora tendncias ao enclave e fragmentao.GUERRA DOS LUGARESSe os grandes projetos, enquanto modo de apropriao e organizao territorial, soos dos anos 60 e 70, a disputa entre municpios e estados para atrair capitais fato maisrecente entre ns, passando a assumir relevncia na ltima dcada do sculo passado. Aguerra fiscal expressa, de um lado, o vcuo de polticas territoriais na escala federal e, deoutro, a emergncia de novas formas de articulao entre capitais e foras polticas que fa-vorecem uma redefinio das relaes entre as escalas sub-nacionais (municipal, estadual,regional), nacional e global.Com efeito, falta um pacto territorial democraticamente estabelecido que reconhe-a a autonomia de estados e municpios, mas, tambm, ao mesmo tempo, sua necessriasolidariedade e complementaridade. Esta situao propicia a ecloso de uma guerra de to-dos contra todos, da qual saem vencedoras, como se sabe, as empresas privadas, que pro-movem verdadeiros leiles para os que ofeream maiores vantagens fiscais, fundirias,ambientais, etc.O Estado nacional parece ter abdicado de suas responsabilidades de mediar e liderarprticas de cooperao federativa. Emsuas relaes com as instncias sub-nacionais, o go-verno federal hoje praticamente se limita a exercer presso para impor-lhes a responsabi-lidade fiscal leia-se a solidariedade forada ao arrocho fiscal , em perfeita consonnciacomasorientaesdoFMI, quesempresepreocupouemassegurarqueoesforofiscalno ficaria restrito Unio e atingiria igualmente estados e municpios. Assim, apesar dereceberem atribuies crescentes, as instncias sub-nacionais foram conduzidas a aceitarP L A N E J A M E N T O T E R R I T O R I A L12 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007uma renegociao de suas dvidas com a Unio que comprometeu grande parte de suasparcas receitas.Ademais, foram vtimas de um verdadeiro golpe fiscal com a criao de contribui-es e taxas que, escapando ao conceito de receita tributria, no so obrigatoriamente re-distribudas conforme as regras federativas e vinculaes constitucionais. Em conseqn-cia,aredistribuioderecursosemfavordosestadosemunicpiosquehaviasidoassegurada pela Constituio de 1988 acabou sendo driblada por expedientes que promo-veram nova e crescente concentrao de recursos nas mos da Unio.Neste contexto de uma federao que, ela tambm, se desconstitui, estados e muni-cpiosreiteramainviabilidadedequalquerpactofederativoetributrio,lanando-seauma fuga para frente que no lhes oferece seno sadas ilusrias. Governantes de estadose cidades,magicamentetransmutadasemempresaspelaretricadosconsultores,agemcomo se operassem em um mercado livre e concorrencial de localizaes. E, desta forma,a guerra dos lugares contribui de maneira decisiva para multiplicar as rupturas scio-ter-ritoriais e aprofundar a fragmentao do territrio.Desenvolvimentolocal,empreendedorismoterritorial,atraodecapitais,marke-ting urbano se transformam nos principais instrumentos de um planejamento estratgicoque no faz seno preparar a submisso da nao fragmentada a uma globalizao que seprojeta sobre os lugares. Com o apoio de consultores internacionais ou de agncias mul-tilaterais que elaboram e difundem a retrica do planejamento competitivo e das estrat-gias territoriais empreendedoristas, o neo-localismo competitivo, espcie de paroquialis-mo mundializado, constitui ele tambm vetor da fragmentao.O VELHO REGIONALISMO E AS REDES DE CLIENTELA-PATRONAGEMSe o neo-localismo competitivo e empreendedorista tem ares ps-modernos e datados anos 90, h que referir a permanncia do velho regionalismo no cenrio poltico bra-sileiro e em suas projees territoriais. Em estudo clssico, Vitor Nunes Leal chamava aateno para que, longe de ser simples sobrevivncia ou resqucio do passado, o corone-lismo constitua forma hbrida de articulao entre foras tradicionais decadentes e a de-mocracia eleitoral moderna.(...) concebemos o coronelismo como resultado da superposio de formas desenvolvidas doregime representativo a uma estrutura econmica e social inadequada. No , pois, mera sobrevi-vncia do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenmeno tpico de nossa histria colonial. antes uma adaptao em virtude da qual os resduos de nosso antigo e exorbitante poder privadotm conseguido coexistir com um regime poltico de extensa base representativa.Por isso mesmo, o coronelismo sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entreo poder pblico, progressivamente fortalecido, e a decadente influncia social dos chefes locais, no-tadamente dos senhores de terra (Leal, 1975, p.20) Emoutros termos, o coronelismo era expresso, de um lado, de oligarquias decaden-tes que buscavam (re)negociar as condies de sua reproduo e, de outro, de grupos he-gemnicosemescalanacionalquenecessitavamancorareleitoralmenteestahegemoniasobre o conjunto do territrio nacional.Ora, o coronelismo, em suas mltiplas formas e escalas, estruturou parte expressiva doEstado brasileiro; organizou formas de exerccio da hegemonia nivelem mbito nacional eC A R L O S B . V A I N E R13 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007assegurou a reproduo do regime oligrquico e das chefias polticas de tipo tradicional nasescalassub-nacionais.Seoprocessodeurbanizaoeindustrializaocertamentereduziuem muito a fora poltica e econmica dos velhos coronis, as oligarquias de tipo tradicio-nal ainda detm, bom lembrar, expressivo controle de mquinas eleitorais locais e regio-nais, alcanando via de regra uma fora poltico-parlamentar desproporcionalmente grande,quando comparada a sua expresso econmica e social. De outro lado, o modelo de relaopatronagem-clientela que fundava, em certa medida, a relao coronel-governo central ana-lisada por Leal, permanece como um dos eixos estruturantes do Estado brasileiro.Os dois regimes ditatoriais que dominaram a vida poltica e, em certa medida, im-puseram suas marcas ao processo de modernizao da vida brasileira Vargas, de 1930 a1945, e regime militar, de 1964 a 1985 foram fortemente centralizadores e, de manei-ramaisoumenosexplcita,apontaramasoligarquiaslocaisregionaiscomoadversrias.De 1930 a 1945, estas foram diretamente interpeladas e desafiadas pelo governo central,denunciadaspelaretricaepelostericosdoregime7comofatordeatrasoeameaaconstruo nacional. Trinta anos mais tarde, a ditadura militar brandia a bandeira da in-tegrao nacional como elemento central de uma estratgia que prometia superar as bar-reiras e limites impostos pelo regionalismo.8Tanto em um perodo como em outro, o go-vernofederalabsorveu,emborademaneiradiferenciada,ocontroledosprocessosdeindicao dos governadores. Estados e municpios foram postos de joelhos diante de umpoder central que concentrava todos os recursos e todas as competncias. Durante a dita-dura militar, organismos regionais centralizados receberam o encargo de ordenar o terri-trio por cima das autoridades estaduais.Certamente, tanto durante o Estado Novo quanto sob o regime militar, muitas ve-zes a interveno do poder central acabou reentronizando velhos grupos ou engendrandonovas oligarquias (CPDOC, 1996). Mas, o fato que, em quaisquer circunstncias, pode-rosos eram os instrumentos para aquietar insatisfaes e atender interesses localizados, en-quanto, simultaneamente, o governo federal exercia o poder de maneira soberana, incon-testvel e, s vezes, brutal. com o processo de redemocratizao, em 1945 e em 1985, que as relaes entrepoder central e grupos dominantes com projeo local e/ou regional seriam redefinidas.Referindo-se democratizao que se seguiu queda do Estado Novo, Leal observa queo fim da ditadura viera aumentar o poder de barganha de grupos dominantes locais. Omesmo processo parece ter-se produzido aps a Constituio de 1988, embora em con-texto histrico diferente e com personagens quase sempre renovadas. Com efeito, a de-mocracia eleitoral impe novos modos de articulao da hegemonia e das relaes entregrupos dominantes em mbito nacional e sub-nacional.No foram, porm, apenas os regimes autoritrios que se propuseram a eliminar asbases polticas e institucionais das oligarquias regionais e suas formas atrasadas de exer-ccio do poder e uso do aparelho estatal. Tambm as ideologias desenvolvimentistas, emseusinmerosmatizes,prometeramqueaindustrializaoeurbanizaoconduziriam,enfim, modernizao da sociedade e do Estado brasileiros. Apenas para citar um exem-plo, vale lembrar que o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, em seufamosorelatrio,propugnavaumaplataformadesenvolvimentistaeindustrialistaqueenunciava claramente a necessidade da modernizao tambm das elites dirigentes:Durante muitos anos o esfro da industrializao ter como objetivo reduzir o desem-prgo disfarado nas zonas urbanas, alm de intensificar o processo de formao de nova classeP L A N E J A M E N T O T E R R I T O R I A L14 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O20077 OliveiraVianna,AzevedoAmaral,LourivalFontes,Fran-cisco Campos, Cassiano Ricar-do, entre outros.8 A Poltica de Integrao Re-gionalrepelealimitaoregional,acurtoemdiopra-zos,doprocessoeconmicobrasileiro (PresidnciadaRe-pblica, 1971, p. 27).dirigentenaregio,atopresenteorientadaquaseexclusivamenteporhomensligadosaumaagricultura tradicionalista e alheios ideologia do desenvolvimento (GTDN, 1959 p.54 n-fase do autor)Transcende o escopo deste trabalho o exame das origens e razes da longevidade dospadres clientelsticos que perseveram nos processos de constituio e legitimao das re-presentaes polticas em grande parte do espao nacional, inclusive em grandes cidades.Ofato que se faz necessrio reconhecer que as redes de patronagem/clientela, que tecemboapartedoEstadobrasileiro,estabelecemformasdedefesaenegociaodeinteressessegmentados totalmente estranhos e alheios a polticas e projetos nacionais. A incapaci-dade continuada dos partidos polticos brasileiros de se constiturem em verdadeiros par-tidos nacionais apenas uma das conseqncias, e no a menos grave, desses processos. tambm, sem dvida, um importante fator de sua reproduo.O processodefragmentaoclientelstica,emquecargoserecursospblicossomercadejados nas trocas de votos e apoios cruzados entre foras e coalizes polticas na-cionais e sub-nacionais, aponta para algo muito mais profundo e grave que a crise ticado homem pblico brasileiro, como repete a retrica quase sempre vazia das mesmas per-sonagens que encenam o drama. Na verdade, estamos diante de novas e reiteradas mani-festaes da forma atravs da qual se estrutura, reproduz e exerce a dominao poltica nopase,demodomaisconcreto,aformacomofuncionaoaparatoestatalbrasileiro,emseus mltiplos nveis e instncias.Estepadrodeconstituiodeinteressesterritorializadostemimportanteconse-qncia na escala nacional, na medida em que reproduz e refora formas pretritas de ar-ticulao entre escalas: local, estadual e nacional. O Congresso Nacional se transforma emuma Cmara Federal de Vereadores. Abstrados os atos reiterados de corrupo individualou de quadrilhas, no se vislumbra hoje qualquer possibilidade de incluir na agenda denosso Congresso, tal como est fadado a se constituir a cada eleio o debate acerca deprojetos nacionais, de formas de equacionar e combater os riscos de fragmentao da na-o e do territrio.Assim, regionalismo e clientelismo tradicionais, longe de serem meros fantasmas deum passado que teima em assombrar nossa sociedade e nosso Estado, por paradoxal queparea, se reatualizam e enrijecem a partir do momento em que a democratizao refor-a o papel das eleies e, em conseqncia, daqueles chefes e grupos polticos locais ouestaduais que conseguem montar mquinas eleitorais eficazes. Evidentemente, o proble-ma no est nas eleies e, menos ainda, na democracia; ao contrrio, est, pelo menosem parte, no dficit de democracia que consagra um Estado que permanece fora do al-cancedecontrolessociaisefetivos.Apropriado,patrimonialsticaoutecnocraticamente,por elites tradicionais, modernizantes, no raras vezes hbridas , o fato que esta for-ma de Estado nacional, contraditoriamente, contribui tambm para a fragmentao po-ltica, econmica e, certamente, territorial da nao.9Grandes projetos, neo-localismo competitivo e empreendedorista, velhos regionalis-mos e localismos, eis 3 poderosos vetores que apontam e operam na direo da fragmen-tao. Some-se o fato de que, muitas vezes, coalizes articulam e associam estas tendn-ciaseseusagentes,aumentandoseupotencialdedisrupo.oqueacontece,porexemplo, quando empresas operando em escala transnacional se associam a grupos tradi-cionais para constituir as iro adquirindo bases de sustentao e presso em favor de umdeterminado projeto. o que acontece, tambm, quando grupos tradicionais passam porC A R L O S B . V A I N E R15 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O20079 O paradoxoganhatonsver-dadeiramente dramticos quan-do se evidencia que os trs l-timosmandatospresidenciaisforamexercidosporduasli-deranaspoltico-partidriassurgidas no ocaso da ditadura,enraizadaspolticaecultural-mente no estado de So Pauloe expresso do que ali haveriademaismodernoaclassetrabalhadoradoespaoindus-trial-metropolitano (PT) e as eli-tesburguesasesclarecidas(PSDB).Vocacionadaseorigi-nalmentecomprometidascoma modernizao do estado e dademocracia brasileiras, estas li-deranas,assimcomoasfor-aspolticasesociaisqueasconstituram,acabaram,cadaumaaseumodo,engajadasem alianas que reafirmaram aforapolticadasredesdepa-tronagem-clientela,reforaramoligarquiasdetipotradicional,colocando no centro do proces-sopolticoatoresqueapare-cemcomoanessemjogode palavras com relao ta-refagigantescadeconstruirumprojetonacionalnosmar-cosdaformascontempor-neas da globalizao.processos de renovao e/ou composio com segmentos renovadores, gerando coalizeshbridas em que se combinam as prticas dos velhos caciques com a agressividade com-petitivadosempreendedores.Estudosaprofundadosdestasformasdecoalizoeconsti-tuio de alianas e convergncias trans-escalares muito ajudariam leitura e elucidaode processos decisrios que se passam nas entranhas do poder federal.AS BASES TERICO-CONCEITUAIS DA FRAGMENTAOCertamente que as foras sociais que sustentam cada uma das prticas e dinmicasacima alinhadas no operam num espao puramente eleitoral, nem se manifestam apenasatravs de porta-vozes polticos. A cada momento histrico, ou em cada conjuntura espa-o-temporal especfica, estas foras contam com o apoio de acadmicos e experts que sus-tentam a coerncia, pertinncia e consistncia histricas e terico-conceituais, assim co-mometodolgicas,deseusmodosparticularesdeintervenoterritorial.Emboranosejam diretas e imediatas as relaes entre produo de modelos de desenvolvimento ur-bano-regional, metodologias de planejamento e prticas sociais, h um lao que articulaestas distintas instncias da experincia social. Em termos mais simples, possvel dizerque prticas e teorias de organizao territorial ou, se prefervel, de estruturao e trans-formao territoriais, dialogam e interagem.Examinam-se a seguir os referenciais terico-conceituais que tm amparado prticasaqui examinadas, em particular os GPIs e o neo-localismo competitivo.GPIS E A TEORIA DOS PLOS DE CRESCIMENTONos anos 70, os trabalhos de Franois Perroux vo conferir direito de cidadania te-rica ao conceito de plo de crescimento ou desenvolvimento. Em sua crtica ao modelos neo-clssicos de equilbrio espacial, Perroux (1955)10mostrava que a heterogeneidade e o de-sequilbrio,enoahomogeneidadeeoequilbrio,constituiriamasformasatravsdasquais o crescimento se manifestaria no espao econmico. Se a obra de referncia tericade Perroux se referia a um espao econmico abstratamente concebido, que no deveriaser confundido com o que chamava de espao geonmico ou banal, o fato que suas no-es e conceitos foram apropriados vulgarizados, sugere Egler (1993) e traduzidos emtermosdeumateoriadadinmicaterritorialpropriamentedita.NaesteiradePerroux,Boudeville (1973) e outros vo opor a noo de regio polarizada de regio homognea,herdadadageografiahumana.Estavaelaboradoofundamentotericoqueautorizariaabandonar progressivamente as antigas macro-regies que eram o espao no qual estavamenraizados terica e historicamente os modelos de planejamento regional do tipo Sudene.O passo seguinte era mais ou menos inevitvel: de descritiva, a teoria do crescimento es-pacialmente desequilibrado atravs de plos de crescimento se tornaria prescritiva, dandoorigem a polticas e estratgias de polarizao.Oabandono das velhas regies homogneas tambm se justificava teoricamente pelasanlises conduzidas por Perroux sobre as relaes entre Estado, grande empresa e territ-rio. Egler destaca a relevncia da teoria perrouxiana de economia dominante, que, em con-fronto direto com o mundo abstrato da concorrncia perfeita, enfatizava o papel das gran-des empresas e de sua capacidade para gerar zonas ativas, portadoras de uma dinmicaP L A N E J A M E N T O T E R R I T O R I A L16 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O200710 Maisoumenosmesmapoca,foitambmdegranderelevncia o trabalho de Myrdal(1960),segundooqualumefeitodecausaocircular le-variaaoagravamentodasdis-paridades regionais, no haven-dorazesparaesperar, comopropunham os pensadores neo-clssicos, que estas desapare-ceriam graas ao funcionamen-todomercadoecirculaode fatores num espao livre debarreiras. da desigualdade, que produz resultados semelhantes s inovaes schumpeterianas, no que dizrespeito ao rompimento do circuito estacionrio da economia e de promoo do desenvolvimen-to. Caberia, ento, ao Estado buscar plasmar, atravs de plos de crescimento situados no in-terior do espao econmico nacional, as foras motrizes que atuam na economia internacional.(Egler, 1993, p.7). Assim, a questo regional passa (...) a ser um aspecto subordinado da ques-to nacional, oferecendo quelas teorias um excelente argumento para a utilizao do terri-trio nacional como instrumento de afirmao do Estado (Egler, 1993, p.8).Ora, no h como no reconhecer o eco destas teorias na convocao lanada peloPrograma de Integrao Nacional de 1970 para romper os limites regionais da Amaz-nia e Nordeste, que oferecem um quadro de solues limitadas (Presidncia da Repbli-ca, 1970).No se encontra nas proposies atuais de GPIs a invocao das teorias do desenvol-vimento polarizado, cadas em desgraa sobretudo por sua forte vocao estatista. Na ver-dade,seriadifcilidentificarumateoria,merecedoradestaqualificao,najustificativadestes projetos; ali onde comparece alguma retrica mais elaborada, quando muito se fa-la de redes logsticas quando se trata de portos e investimentos virios ou de nichoscompetitivos a serem explorados, com baixo custo da energia, a justificarem os projetosenergtico-mnero-metalrgicos, e baixo custo da terra para projetos agro-florestais.11Ateoria dos nichos competitivos nos leva diretamente ao campo das teorias que subjazems propostas de competitividade territorial e ao neo-localismo empreendedorista.A TEORIA DAS VANTAGENS COMPETITIVAS NO TERRITRIOSe h um pensador cuja trajetria intelectual nos ltimos 30 anos pode ser tomadacomo testemunha capaz de narrar as transformaes por que passou o campo do planeja-mento urbano e regional, este Manuel Castells. Nos anos 70, assumiu e foi celebradocomo o mais refinado e representativo de quantos fizeram a aplicao do estruturalismomarxista francs ao territrio e, mais particularmente, cidade. Nesta condio, foi por-ta-voz de uma radicalidade que rejeitava at mesmo a pertinncia, menos ainda a relevn-cia, de uma sociologia ou uma questo urbanas, denunciadas como vus ideolgicos queescondiam e tornavam ininteligvel a cidade, locus das relaes contraditrias (e conflituo-sas) de reproduo da fora de trabalho (Castells, 2000).Ora, este mesmo pensador que no incio dos anos 90, em um texto emblemtico,se perguntava: O mundo mudou: pode o planejamento mudar? (Castells, 1990). Nes-ta palestra, proferida na Conferncia Anual da Association of Collegiate Schools of Plan-ning, Castells formulou de maneira incisiva temas e questes que viria posteriormente adesenvolver e sofisticar. Via, ento, no desmantelamento do socialismo real, razes parareconhecer: a) o mercado como o menos irracional mecanismo para alocar recursos es-cassos; b) a falncia histrica do estatismo (p.4).12Neste novo mundo, espao unifica-do pela soberania do capitalismo globalizado, no restava aos lugares seno tentarem re-sistir ao movimento dos fluxos, e para dar eficcia a esta resistncia deveriam recorrer aoplanejamento estratgico:A flexibilidade, globalizao e complexidade da nova economia mundial requerem o desen-volvimento do planejamento estratgico, apto a introduzir uma metodologia coerente e adaptati-vanamultiplicidadedesignificadosesinaisdanovaestruturadeproduoegesto(Castells,1990, p.14).C A R L O S B . V A I N E R17 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O200711 verdade que tanto no ca-sodegrandesprojetosagro-florestais (expanso da soja naAmaznia)quantoenergticos(grandesaproveitamentoshi-dreltricos), a questo da com-petitividadeedosbaixoscus-tos tem sido questionada, umavezqueosclculoscusto/be-nefcio no consideram as per-dassociaiseambientaisresul-tantesdosGPIs.Paraumadiscussodaquestonocasodeprojetoshidreltricos,ver,por exemplo, Vainer, 2005.12 A rupturadecisivadeCas-tellscomtodasuaproduodosanos60einciodosanos70 fica clara no seu reconheci-mentodealgunsdospressu-postosbsicosdaEscoladeChicago,alvoprincipaldeseupesado,emboranemsempreconsistente,ataquesociolo-giaurbana.laciudad,tanto en la tradicin de la socio-logaurbanacomoenlacon-cienciadelosciudadanosentodo el mundo, implica un siste-ma especfico de relaciones so-ciales,decultura(...)(BorjaeCastells, 1997, p. 13).A senhadosnovostempos:planejamentoestratgico.AadesodeCastellsapenasilustra um movimento intelectual que, ao longo dos anos 1990, conferiria palavra estra-tgia e expresso planejamento estratgico lugar de honra no jargo dos planejadores. Emum primeiro momento, Sun Tzu, Clausewitz e outros menos votados foram importadosdas escolas militares para as escolas de business, em primeiro lugar a escola-lder a Har-vard Business School. Em seguida, com os devidos cuidados e adaptaes, foram condu-zidos s escolas e prticas de planejamento regional e urbano.Esta transposio est fundada numa convico bsica: possvel e, mais que isso, necessrio estabelecer uma analogia entre, de um lado, empresas capitalistas concorrendoem um mercado livre e, de outro, cidades e regies competindo em um mercado globali-zado de localizaes. este o problema terico, mas tambm metodolgico e operacio-nal, que se resolveria pela transposio do planejamento estratgico para a gesto territo-rial.Acidadeearegioempreendedorasso,isto,devemser,antesdemaisnada,concebidas e planejadas como uma empresa (Vainer, 2002). Em um mundo cada vez maispragmtico, trata-se agora no apenas de explicar os sucessos e os insucessos de cidades eregies, mas, sobretudo, formular os planos de guerra, os planos estratgicos que as con-duziro vitria.Se o planejamento em estados capitalistas emergiu no ps-guerra como um instru-mento para complementar, ajustar ou corrigir tendncias e processos supostamente per-versosgeradospelofuncionamentodasforasdemercado,agora,comoanunciouCas-tells,omundomudou...eoplanejamentodeve mudar. Agora,oplanejamentoeoplanejador devem ter em vista como favorecer a racionalidade prpria ao mercado: na or-dem do dia o planejamento orientado pelo e para o mercado market oriented planninge market friendly planning.Assim, as prticas concretas que coalizes locais adotam na promoo da guerra doslugares, aprofundando os processos de fragmentao territorial, encontram-se ancoradasemteoriasdecirculaointernacional,altamentevalorizadasnomercadodasagnciasmultilateriais e dos consultores internacionais.13 bom no esquecer que os tericos do planejamento estratgico se apiam em toabundante quanto repetitiva literatura que vai reinventar as virtudes das dinmicas tecno-lgicas e econmicas locais. Capital social, interfaces e interaes dos clusters ou arranjosprodutivos territorializados, solidariedades, redes de pequenos produtores independentes,tudo isso emerge em espaos dinmicos de um outro mundo capitalista, livre do capitalfinanceiro e dos oligoplios. Tomando alguns exemplos vistos como sucesso, como a ine-xorvel Terceira Itlia, esta literatura promete o paraso s cidades e regies que forem ca-pazes de explorar suas vantagens, superar os conflitos internos atravs de uma atitude coo-perativa,enfrentarconfiantesesemtemoresomundohostildaglobalizao.Afinal,olugar estaria se revalorizando pelo que tem de flexvel, diverso, especfico, j que se esta-ria no limiar de uma nova era, caracterizada pelo fim da centralizao, da concentrao,da massificao e da estandardizao e [a vitria] de uma utopia antifordista, caracteriza-da pela flexibilidade, pela diversidade e, em termos espaciais, pelo localismo (Ash Amine Kevin Robins, apud. Brando, 2005).No se pretende ter desenvolvido aqui uma crtica extensiva e aprofundada dos fun-damentos terico-conceituais das concepes e prticas que contribuem para a fragmen-tao territorial e que so hoje hegemnicas no campo do planejamento territorial ur-banoeregional.Outroeraoobjetivodestasesso:identificarosfundamentostericosdestas prticas e sugerir que a crtica s prticas no ser completa, nem mesmo possvel,P L A N E J A M E N T O T E R R I T O R I A L18 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O200713 Apenas um exemplo: o Pro-gramadeAdministraoMuni-cipaleDesenvolvimentodeIn-fra-Estrutura Urbana (PRODUR),financiadopeloBancoMundiale levado frente pelo governobaiano,entre1997e2004,exigiaqueosmunicpiosinte-ressadosemobterrecursosparaobrasdeinfra-estruturaeoutraselaborassemumplanoestratgico(Browne,2006).Para um discusso inicial acer-ca do mercado de consultoriasurbanas, ver 2003.se no estiver, ela tambm, calcada em um esforo terico que submeta crtica as teoriase conceitos com que operam planejadores, decisores e dirigentes polticos.AS BASES SOCIAIS DA FRAGMENTAONas sesses anteriores buscou-se alinhar os vetores que operam a fragmentao emcurso do territrio nacional, bem como as referncias tericas e retricas que apiam se-mntica e conceitualmente as prticas fragmentadoras. Acontece, porm, que se no sopuras manifestaes epifenomnicas das estruturas, as prticas tampouco se explicam pe-las explicaes que elas mesmas e seus operadores avanam como justificativas. Dito deoutra maneira, embora as teorias contribuam para reforar prticas, no naquelas que seencontra a origem destas. Em sua gestao e na luta pela sua imposio esto segmentose coalizes sociais, com interesses e objetivos que apontam para determinadas formas deapropriao, controle e uso do territrio e dos recursos que lhe esto associados.Desde Vitor Nunes Leal (1975) est desvendada, em boa medida, a natureza do ve-lho regionalismo e de suas formas tpicas de dominao as redes de patronagem-clien-tela.So,comefeito,emprimeirolugar,expressodegruposdominantestradicionais,com projeo local e regional e que, decadentes, abdicam de qualquer pretenso hegem-nica e se limitam a negociar com o Estado central, de forma permanente, o comrcio debenesses em troca de apoio poltico.Mas haveria que agregar anlise original de Leal novos elementos capazes de darconta da complexidade resultante das transformaes por que passou a sociedade brasilei-ra nos ltimos 50 anos. Em particular, parece necessrio observar que alguns grupos tra-dicionais foram capazes, sob a proteo da ditadura militar, de construir, ao lado das re-desdeclientela,novasfontesdepodereconmicoepoltico.Emalgunscasos,istofoialcanado por alianas com grupos nacionais e mesmo internacionais; em outros casos, acaptura e mobilizao eficaz de diferentes tipos de recursos estatais (subsdios, contratos,corrupo, etc) propiciaram processos localizados de acumulao que acabaram por tor-nar nacionais, quando no internacionais, alguns grupos econmicos locais. Estas formashbridas certamente ajudam a desvendar alguns paradoxos, como a existncias de grupospolticos que, simultaneamente, fazem prova de modernidade atravs da presena em se-tores avanados do ponto de vista econmico e tecnolgico setor eltrico, telecomuni-caes, etc , ao mesmo tempo em que conduzem seus grotes e currais com a mesma econhecida brutalidade de seus ancestrais.Por sua vez, o neo-localismo competitivo se estrutura, via de regra, a partir de posi-es adquiridas ou pretendidas em circuitos produtivos que, de maneira direta ou indire-ta, se conectam verticalmente nas escalas nacional e, sobretudo, internacional. No caso deposies j adquiridas, no raro se observa a forma do neo-paroquialismo mundializado,de que exemplar o agrarismo aggiornado de certos grandes proprietrios fundirios pre-sentes em setores fortemente exportadores. A faceta urbana destes interesses se encontraem cidades mdias que se fecham ao espao regional e nacional. Assim, nestas cidades, cu-jas elites promovem como ilhas de prosperidade e a televiso de tempos em tempos apre-senta como o Brasil que deu certo, se assiste forte difuso de ideologias do que se po-deria chamar de um exclusivismo territorial, algumas vezes prximas da xenofobia.14No caso de cidades mdias e grandes, o neo-localismo competitivo aparece tambmcomo expresso ideolgica e poltica de coalizes que buscam estabelecer projetos hege-C A R L O S B . V A I N E R19 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O200714 sabido, embora no hajaestudosabrangentesdetalha-dos a respeito, quo extensiva a difuso de prticas de res-trio entrada em grande n-mero de municpios mdios dointeriordopas,buscandoim-pedir, ou pelo menos dificultar,a entradadeimigrantespo-bres.Ver, a esterespeito,Vai-ner, 1996.mnicospelaconstruodeumpatriotismocvicoquesesobreponhaaosconflitos.SeBarcelona hoje quase o modelo mitolgico destas coalizes, na verdade o DNA de seuempreendorismo tambm pode ser encontrado nas cidades americanas estudadas por Mo-lotch (1976).Se o neo-localismo parte, por assim dizer, de um esforo de grupos dominantes lo-cais para encontrar insero global que favorea uma sada para a crise; no caso dos GPIs,ao contrrio, grupos locais so simplesmente paisagem, ou, na melhor das hipteses, s-cios menores de dinmicas territoriais que se elaboram e decidem nas esferas nacional einternacional. Pela prpria massa de capital, territrio e recursos ambientais mobilizados,os interesses que se movem atravs dos GPIs se situam nas grandes corporaes nacionaise multinacionais. Como visto, no passado, e ainda no presente para certos setores, o Es-tadodesempenhapapelcentralnaviabilizaofinanceira,industrialepolticadosem-preendimentos; isto significa que a legibilidade destes processos passa por um exame dasformas prevalecentes de representao e disputa de interesses no interior mesmo do apa-relho estatal.Cabe, porm, destacar que as mediaes entre interesses globais e a implantao lo-calizada dos grandes projetos podem ser vrias e complexas. Assim, por exemplo, ao mes-mo tempo em que o GPI engole o lugar ou a regio, grupos de interesse local podem acio-narmecanismoseprticastpicasdoneo-localismocompetitivo,oferecendoagrandescapitais benefcios e vantagens, alm de apoio poltico. Estas vantagens, em muitos casos,assumem a forma de isenes fiscais ou ambientais, cujos custos sociais sero assumidospelo conjunto da sociedade local, ou mesmo, em certos casos, nacional. O prprio esta-do nacional tem incorrido em prticas deste tipo, quando, por exemplo, atravs de em-presasenergticasestatais,disponibilizaenergiaeltricaapreossubsidiadosparaofo-mento de indstrias eletro-intensivas.Os padres e formatos de organizao territorial, assim como os vetores de fragmen-tao, no se atualizam seno porque so expresso de foras sociais e econmicas que seestruturam em coalizes de poder, quase sempre associando grupos locais, regionais, na-cionais e internacionais. Avanando um pouco mais, seria possvel sugerir que a identifi-cao e anlise destas mltiplas formas de organizao dos interesses dominantes trariamimportantes elementos para uma anlise das formas de estruturao e operao do Esta-do brasileiro.15Afinal, o que o Estado brasileiro ps-Constituio de 1988 seno, emboa medida, a combinao heterclita destas (e outras) mltiplas formas de organizao,manifestao, articulao e defesa de interesses corporativos e segmentrios, em que dife-rentes coalizes de grupos disputam recursos inclusive territoriais nas escalas local, es-tadual, regional e nacional?DESAFIOSA reversodastendnciasdominantes,quehojesubmetemadinmicaterritorialbrasileira s foras fragmentadoras, no uma operao terica, muito embora no pos-sa abdicar de uma teoria. Tampouco uma operao metodolgica, embora certamenteestejamos desafiados a elaborar metodologias inovadoras. Tambm no pode ser vista co-mo uma simples operao institucional, o que no significa que possa ir adiante sem des-montar mecanismos institucionais construdos nos ltimos anos e inventar novos modosde institucionalizar prticas republicanas e democrticas.P L A N E J A M E N T O T E R R I T O R I A L20 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O200715 Apenas para citar as poten-cialidadesdestetipodeabor-dagem.OSetorEltricobrasi-leirotememcarteiradoismega-empreendimentos,am-bosnaAmaznia:aUsinaHi-dreltrica de Belomonte, no rioXingu, e as Usinas Hidreltricasde Jirau e Santo Antnio, no rioMadeira.Pelosvultosososin-vestimentoseporseusimpac-tos,selevadosadianteestesdois projetos redesenharo tan-toabaciadorioXingue,decertamaneira,parteexpressi-va da Amaznia Oriental, quan-to a do rio Madeira e a Amaz-niaOcidental.Estesprojetosesto em disputa e so levadosadiantepordiferentescoali-zes. O paradoxal que o esta-dobrasileiro,deumamaneiraoudeoutra,eletambmseg-mentado, se divide: a Eletronor-te defende com unhas e denteso projeto Belomonte, enquantoFurnas,associadaOder-brecht, se lana luta e a todotipodelobbyparaasseguraruma deciso favorvel ao proje-to Madeira.Mas um novo projeto territorial, inseparvel de um novo projeto nacional, remete, so-bretudo, questo da constituio de sujeitos polticos. Desencarnados de grupos sociaisque os sustentem, novas projetos territoriais no sero mais que exerccios diletantes, pro-duo de planos natimortos.Cabe, pois, aos analistas e aos que pretendem se engajar seriamente na elaborao deum novo projeto territorial, perscrutar na sociedade brasileira se, e em que medida, emer-gem foras sociais capazes de assumi-lo, encarn-lo.Com uma pequena dose de otimismo e certo esforo, possvel vislumbrar a emer-gnciadestasforas.Soosmovimentossociaisterritorializadosqueelaboram,emboramuitas vezes de maneira ainda insuficiente, novos projetos para suas regies. Assim, porexemplo, o Movimento de Defesa da Transamaznica e do Xingu, os movimentos de atin-gidos por barragens, os movimentos de luta contra o deserto verde implantado pelo com-plexo agro-florestal. No seria exagero afirmar que, pela primeira vez em nossa histria,movimentos populares se confrontam, de maneira direta e consciente, com a problem-tica da estruturao e desenvolvimento territoriais.H que considerar tambm a consolidao de organizaes populares de mbito na-cional: Movimento dos Sem Terra, Movimento de Pequenos Agricultores, Central de Mo-vimentos Populares. Tambm as Centrais Sindicais so hoje foras nacionais CUT, CGT,Fora Sindical CONTAG, Federaes de Servidores. Enquanto partidos e grupos dominan-tes parecem absolutamente despreparados para a nacionalizao da poltica, as foras po-pulares importantes, ao contrrio, se mostram vocacionadas para a escala nacional.Seria certamente um equvoco exagerar a consistncia e amadurecimento das ba-ses sociais do que poderia vir a ser um novo projeto territorial em escala nacional. Masno se pode desconhec-las, mesmo porque elas convocam acadmicos e planejadores os poucos que ainda sobrevivem no Estado brasileiro a intensificarem a reflexo e odilogo.REFERNCIAS BIBLIOGRFICASARAJO, T. B. Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro: heranas e urgncias. Rio de Ja-neiro: Revan, 2000.ASWORTH, G. J.;VOOGD, H. Selling the city: marketing approaches in public sector ur-ban planning. London/New York: Belhaven Press, 1990.BIELSCHOWSKI, R. A. Cinqenta Anos de Pensamento na CEPAL. In:__________.(Ed.).CinqentaanosdepensamentonaCEPAL. RiodeJaneiro:Record,2000,v.1, p.13-68.BORJA, J.; CASTELLS, M. Local y global: la gestin de las ciudades en la era de la infor-macin. Madrid: United Nations for Human Settlements/Taurus, 1997.BOUDEVILLE, J. Espaos econmicos. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1973.BOUINOT, J.; BERMILS, B. La gestion stratgique des villes. Entre comptition et coop-ration. Paris: Armand Collin, 1995.BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. Sobre as artimanhas da razo imperialista. 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The article aims at identifying and analizing the main factorsof this process: huge investment projects, competitive neo-localism and old regionalism, withitspatriomnialisticnetworks.Are alsoexaminedtheteoreticalreferencesofthehugeinvestmentprojectsand,particularly,thecompetitiveneolocalism,consideredasthemainmodeldiffusedthroughdependenteconomiesbymultilateralagenciesandinternationalconsultants.Finnally,arediscussedsomeemergingtrendsthatseemabletoneutralizethevectorsoffragmentation,leadingtoanationalprojectinwhichterritorialplanningshouldhave a central role.K E Y W O R D S Nationaldevelopmentproject;territorialplanning;neo-localism;huge investment projects.C A R L O S B . V A I N E R23 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007DESIGUALDADESSOCIOESPACIAISNAS CIDADES DO AGRONEGCIO1DE N I S E E L I A SR E N A T O P E Q U E N OR E S U M O No Brasil, a territorializao do capital e a oligopolizao do espao agr-rio tm promovido profundos impactos socioespaciais, tanto no campo como nas cidades. Isto ex-plica em parte a reestruturao do territrio e a organizao de um novo sistema urbano, mui-to mais complexo resultado da difuso da agricultura cientfica e do agronegcio globalizados e que tm poder de impor especializaes produtivas ao territrio. Neste artigo, defende-se a te-se de que possvel identificar no Brasil agrcola moderno vrios municpios cuja urbanizao sedeve diretamente consecuo e expanso do agronegcio, formando-se cidades cuja funo prin-cipal claramente se associa s demandas produtivas dos setores associados modernizao da agri-cultura sendo que nestas cidades se realiza a materializao das condies gerais de reproduodo capital do agronegcio. Para tanto, so apresentados alguns pressupostos que explicariam estetipo de cidade, que denominamos de cidade do agronegcio. Da mesma forma, considerando quea difuso do agronegcio se d de forma social e espacialmente excludentes, promovendo o acir-ramento das desigualdades, buscamos mostrar algumas das formas como elas se reproduzem nascidades do agronegcio. A moradia a principal varivel de anlise destas desigualdades.P A L A V R A S - C H A V E Agriculturacientfica;agronegcio;reestruturaourbana; cidade do agronegcio; desigualdades socioespaciais.INTRODUOA acelerao da urbanizao e o crescimento numrico e territorial das cidades estoentre os mais contundentes impactos do processo de globalizao econmica. No Brasil,sob a gide da revoluo tecnolgica, ocorre um intenso processo de urbanizao, trans-formando seu espao geogrfico, cuja organizao, dinmica e paisagem contrastam comasexistentesantesdoatualsistema,equeconformeadenominaodeSantos(1985,1988, 1996), classificamos de perodo tcnico-cientfico-informacional.A expanso dos modernos sistemas de objetos (Santos, 1994, 1996), especialmente as-sociados aos transportes, s comunicaes, eletrificao e ao saneamento, equipou o ter-ritrio nacional para a modernizao agrcola e industrial, assim como para a intensifica-o das trocas comerciais, possibilitando a integrao territorial do pas, interligando reasat ento desconectadas. O resultado foi uma significativa disperso espacial da produoe do consumo, com um conseqente processo de especializao da produo, estreitandoas relaes entre as diferentes regies do pas, multiplicando a quantidade de fixos e flu-xos, de matria e de informao por todo o territrio nacional, e disseminando diferen-tes arranjos produtivos.Tudo isso fez da urbanizao brasileira contempornea um fenmeno complexo e di-ferenciado, dada a multiplicidade de variveis que nela passam a interferir. Quanto maior25 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O20071 TrabalhoapresentadonoXIIEncontrodaAssociaoNacionaldePs-Graduaoe PesquisaemPlanejamen-to Urbano e Regional, de 21a 25demaiode2007,nacidadedeBelm(Par).Opresenteartigofrutodeestudosdesenvolvidospe-losautoresnoprojetointe-grado de pesquisa intituladoEconomiaPolticadaUrba-nizaodoBaixoJaguaribe(CE),quecontoucomoapoio do CNPq.e mais extensa se torna a diviso do trabalho, mais intenso e complexo o processo de ur-banizao. Paralelamente, ocorre um grande crescimento populacional, culminando emuma nova diviso territorial e social do trabalho, uma nova repartio dos instrumentosde trabalho, do emprego e dos homens e mulheres no territrio do pas.No perodo de cinqenta anos ocorre uma verdadeira inverso da distribuio da po-pulaonoBrasil,comumageneralizaodaurbanizaodasociedadeedoterritrio.Com a globalizao, reestruturaram-se a produo e o territrio preexistentes, desorgani-zando as estruturas, as funes e as formas antigas. Cada vez que o territrio reelabora-do para atender produo globalizada, superpem-se novos fixos artificiais, aumentan-do a complexidade dos seus sistemas tcnicos e de suas rugosidades.O dinamismo da produo do territrio brasileiro das ltimas dcadas pode ser re-velado pela reestruturao produtiva da agropecuria e da indstria; pela expanso do co-mrcio e dos servios; pelas novas localizaes da indstria, em parte propiciadas pela lu-tadoslugarespelosinvestimentosprodutivos;pelaexpansodasindstriasdebasetecnolgica; pelo aumento da quantidade e qualidade do trabalho intelectual; pela expan-so de novas formas de consumo; pelos intensos movimentos migratrios, entre outros.Uma das vias de reconhecimento da sociedade e do territrio brasileiros atuais oestudo da reestruturao produtiva da agropecuria, que se processa nas ltimas dcadas.Desde ento, organiza-se e difunde-se um novo modelo econmico de produo agrope-curia, que aqui denominamos de agronegcio. Muitos novos espaos agrcolas so dis-ponibilizados produo agrcola moderna nas ltimas dcadas. Nesse contexto, tambm o semi-rido e os cerrados nordestinos, que, de certa forma,compunham o exrcito de lugares de reserva, tornaram-se atrativos e foram ou esto sendoincorporados ao agronegcio, especialmente os vales midos (So Francisco, Au, Jaguari-be), associados fruticultura, e os cerrados (sul do Maranho, do Piau e oeste da Bahia),associados expanso da produo de soja, ampliando formas intensivas de produo.Dentre as caractersticas do agronegcio globalizado est sua forte integrao eco-nomia urbana, gerando uma extensa gama de novas relaes campo-cidade, diluindo, emparte, a clssica dicotomia entre estes dois subespaos. As cidades prximas s reas de rea-lizaodoagronegciotornam-seresponsveispelosuprimentodesuasprincipaisde-mandas, seja de mo-de-obra, de recursos financeiros, aportes jurdicos, de insumos, demquinas, de assistncia tcnica etc, aumentando a economia urbana e promovendo re-definies regionais denotando o que Milton Santos (1988, 1993, 1994, 1996, 2000)chamou de cidade do campo. Considerando nossos estudos atuais, acreditamos que pode-mos adaptar a noo de cidade do campo para cidade do agronegcio para classificar algu-mas das cidades, locais e mdias, do Brasil agrcola com reas urbanas.Esta noo deve ser vista como a materializao das condies gerais de reproduodo capital do agronegcio globalizado, cujas funes principais associam-se s crescentesdemandas de novos produtos e servios especializados, o que promove o crescimento dotamanho e do nmero das cidades no Brasil agrcola moderno, onde se processa a rees-truturao produtiva da agropecuria.Assim sendo, quanto mais se intensifica o capitalismo no campo, mais urbana se tor-naaregulaodaagropecuria,suagesto,suanormatizao.Quantomaisdinmicaareestruturao produtiva da agropecuria, quanto mais globalizados os seus circuitos espa-ciais da produo e seus crculos de cooperao (Santos, 1986a, 1988; Elias, 2003), maiorese mais complexas se tornam as relaes campo-cidade, resultando em uma significativa re-modelao do territrio e na organizao de um novo sistema urbano, com a multiplica-D E S I G U A L D A D E S S O C I O E S P A C I A I S26 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007o de pequenas e mdias cidades, que compem lugares importantes para a realizao doagronegcio globalizado. Da mesma forma, considerando que a difuso do agronegcioglobalizado se d de forma social e espacialmente excludentes, sua difuso promove o acir-ramento das desigualdades socioespaciais tambm nas cidades do agronegcio.O presenteartigotem,assim,oobjetivodediscutirestatipologiadecidade,queaqui denominamos de cidade do agronegcio, assim como as desigualdades socioespaciaisque nela se reproduzem. Como objetos de anlise, foram escolhidas algumas cidades quepoderiam ser classificadas como do agronegcio do Nordeste, especialmente Limoeiro doNorte (CE), Petrolina (PE), Balsas (MA) e Barreiras (BA), sendo que as duas primeiras as-sociam-se ao agronegcio da fruticultura e as duas ltimas ao agronegcio dos gros, emespecial da soja.Vale destacar que cada uma destas cidades polariza uma respectiva regio, assumin-do posio de destaque em redes de cidades j consolidadas, reunindo tanto aquelas asso-ciadas ao agronegcio quanto outras que ainda permanecem em padres tradicionais deproduo,oqueconfiguraintensasdisparidadesintra-regionais.Amoradiaavarivelprincipal escolhida para anlise, o que leva a constituir um conjunto de processos adja-centes e a evidenciar as especificidades que as distinguem de outras realidades urbanas.So,aseguir,apresentadosalgunselementosmetodolgicosutilizados,deformaacontribuir com a identificao das interfaces axiais presentes nas cidades supracitadas e aformulao de uma sntese que possa nortear as similaridades entre as realidades percebi-das nos diferentes municpios analisados. So discutidos, tambm, os principais processosat aqui constatados, com o objetivo de sistematizar o conjunto de presses que levam ocorrncia dos mesmos, assim como os impactos derivados e as possveis respostas at aquipropostas pelos diferentes atores. So trabalhados, ainda, alguns elementos relacionados questo do dficit habitacional e da condio inadequada de moradia nestes municpios.URBANIZAO DISPERSA E EMERGNCIA DA CIDADE DO AGRONEGCIONo Brasil, o intenso processo de urbanizao das ltimas dcadas contrasta com opas do perodo pr-tcnico-cientfico-informacional, essencialmente agrrio. O fenme-no da metropolizao se implanta a partir dos anos 1950 e, h muito, suplanta a classifi-cao inicial que admitia a classificao de nove Regies Metropolitanas.Emumprimeiromomentodaaceleraourbanabrasileiraocorreumacrescenteconcentrao das atividades econmicas e da populao em algumas poucas cidades, quecrescem de maneira catica. As novas formas de produo e consumo, associadas aos no-vos padres econmicos e culturais, no poderiam se instalar em outro meio que no odessasgrandescidades,asquaissetornammetrpolescomoresultadodaaceleraodoprocesso de modernizao e urbanizao que lhes atribui um papel de macro-organizaoda economia e do territrio.Entre 1950 e 1980, ocorreu uma crescente concentrao das atividades econmicase dasuapopulaoemumaspoucascidades.Umapartebastantesubstancialdoincre-mento demogrfico do pas ocorreu justamente nas reas metropolitanas, para as quais sedirigiram grandes levas de migrantes, especialmente nas dcadas de 1960 e 1970, uma vezque, em razo das economias de aglomerao, as metrpoles tiveram reforado o seu pa-pel de principais focos da atividade econmica do pas.D E N I S E E L I A S , R E N A T O P E Q U E N O27 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007Considerando a tendncia predominante no capitalismo de algumas reas acumula-rem a maior parte dos recursos tcnicos e econmicos, a base atual da organizao da pro-duo brasileira, resultado da herana histrica e da velocidade de difuso das inovaes,revela-nos que a reestruturao produtiva se processou de forma mais intensa nas RegiesSudeste e Sul. Nestas, a difuso de inovaes foi mais veloz e complexa, com uma cont-nua renovao das foras produtivas e do territrio, que responderam com grande rapi-dez s necessidades colocadas pelos agentes econmicos.Esta seria, de acordo com Santos (1986b, 1993), a Regio Concentrada do Brasil, naqual,desdeoprimeiromomentodamecanizaodoterritrio,ocorreumaadaptaoprogressiva e eficiente aos interesses do capital hegemnico, reconstituindo-se imagemdo presente, transformando-se na rea com maior expresso dos fixos artificiais e dos flu-xos de todas as naturezas. Esta seria a rea do pas onde o meio tcnico-cientfico-infor-macional (Santos, 1988, 1996) se d de forma contgua. Mas, mesmo na Regio Concen-trada hacumulaodosrecursosemcertasreas,eoEstadodeSoPaulosedestacacomo o seu ncleo principal, onde as inovaes mais se difundiram.Porm, desde a dcada de 1980, segundo Milton Santos (1993) em seu livro A Ur-banizao Brasileira, processa-se uma verdadeira revoluo urbana no Brasil. Desde ento,a urbanizaodeixadeserapenaslitorneaeseinterioriza,comumafortetendnciaocupao perifrica do territrio, levando generalizao do processo de urbanizao tan-todasociedadequantodoterritrio,desencadeandoumincomensurvelnmerodetransformaes nas reas mais longnquas do pas. Concomitantemente aos processos deurbanizaoemetropolizao,comaconstruodegrandescidadesdesenvolveram-setambm cidades mdias e pequenas, tornando muito mais complexa a rede urbana brasi-leira, uma vez que aumentaram tanto os fatores de concentrao quanto os de disperso.A diviso do trabalho resultante, mais intensa e extensa, acabou por consagrar a tendn-cia ocupao perifrica do territrio nacional.Diante disso, durante o processo de acelerao da difuso de inovaes, as migraespassam a ocupar no apenas as regies metropolitanas, mas tambm as cidades menores, es-pecialmente nas reas que de maneira mais rpida reorganizaram a produo e o territrio.A adio de produtos qumicos, a utilizao da biotecnologia, o uso intensivo de m-quinas agrcolas, entre outros, mudando a composio tcnica e orgnica da terra (San-tos, 1994), fizeram se difundir tambm no espao agrrio o meio tcnico-cientfico-infor-macional, o que explica, em parte, a interiorizao da urbanizao. Processa-se, assim, umcrescimento de reas urbanizadas tambm no campo, notadamente nas reas que se mo-dernizam, uma vez que, entre outras coisas, a gesto do agronegcio globalizado necessi-ta da sociabilidade e dos espaos urbanos.Embora as grandes cidades se constituam no mago da dinmica econmica globa-lizada, outros agentes passam a se apresentar com fora para receber e emitir fluxos de v-rias naturezas e intensidades, o que resulta na criao de uma gama de novas relaes so-bre o territrio. Hoje se conhece uma srie de atividades, incluindo as agropecurias e asagroindustriais, que criam relaes que escapam ao seu entorno imediato e buscam nexosdistantes, desenhando uma verdadeira teia de circuitos espaciais de produo e crculos decooperao globalizados (Santos, 1986a; Elias, 2003), sendo que vrios destes circuitos ecrculos encontram-se no Brasil agrcola.O Brasil chega, assim, ao sculo XXI com uma generalizao do fenmeno da urba-nizao da sociedade e do territrio. A conseqncia a gerao de um territrio altamen-te diferenciado, e muito mais complexo na sua definio, do que o foi no perodo pr-D E S I G U A L D A D E S S O C I O E S P A C I A I S28 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007tcnico-cientfico-informacional, o que torna praticamente invivel a continuidade da se-parao tradicional entre um Brasil urbano e um Brasil rural, assim como a falncia dosesquemas clssicos de anlise da rede urbana, da definio das regies metropolitanas e dadiviso regional do pas. Com isso, revela-se a necessidade de uma reviso de uma srie decritrios em parte at hoje muito utilizados que considere a complexidade da reali-dade atual.Diante disso, concordamos com Santos (1993) que impossvel continuar simples-mente dividindo o Brasil entre urbano e rural. Para o autor, uma diviso entre o Brasilurbano com reas agrcolas e um Brasil agrcola com reas urbanas refletiria melhor a reali-dade contempornea do pas. possvel identificar vrias reas nas quais a urbanizao se deve diretamente con-secuo do agronegcio globalizado. A reestruturao destas atividades acelera o processode urbanizao e de produo de espaos urbanos no metropolitanos, cujos vnculos im-portantes se devem s inter-relaes cada vez maiores entre o campo e a cidade. Estas sedesenvolvem atreladas s atividades agrcolas circundantes e dependem delas, em graus di-versos, e cuja produo e consumo se do de forma globalizada.Dessa forma, a reestruturao produtiva da agropecuria brasileira est entre os pro-cessos que promovem o aprofundamento da diviso social e territorial do trabalho, con-tribuindo para uma total remodelao do territrio e a organizao de um novo sistemaurbano. As novas relaes campo-cidade impostas pelo agronegcio globalizado represen-tam um papel fundamental para a expanso da urbanizao e para o crescimento das ci-dadesmdiaselocais,fortalecendo-as,emtermosdemogrficosoueconmicos.Eseuselementos estruturantes podem ser encontrados na expanso das novas relaes de traba-lho agropecurio, promovendo o xodo rural (migrao ascendente) e a migrao descen-dente (Santos, 1993) de profissionais especializados no agronegcio, assim como na difu-so do consumo produtivo agrcola (Santos, 1988; Elias, 2003), dinamizando o tercirio e,conseqentemente, a economia urbana o que revela que na cidade que se realizam aregulao, a gesto e a normatizao das transformaes do campo moderno.A consecuo do agronegcio globalizado se d com a formao de redes agroindus-triais globalizadas que associam empresas agropecurias, fornecedores de insumos qumi-cos e implementos mecnicos, laboratrios de pesquisa biotecnolgica, prestadores de ser-vios,agroindstrias,empresasdedistribuiocomercial,empresasdepesquisaagropecuria, empresas de marketing, cadeias de supermercados, empresas de fast food etc.E que resultam na intensificao da diviso do trabalho, das trocas intersetoriais, da espe-cializao da produo e em diferentes arranjos territoriais produtivos no campo e nas ci-dades que lhe so prximas, evidenciando o aprofundamento da territorializao do capi-tal no campo e da oligopolizao do espao agrrio.O impacto de todas essas transformaes na dinmica populacional e na estruturademogrficavemsendointenso.Concomitantementeaumareestruturaoprodutivaagropecuria e agroindustrial, ocorre uma revoluo demogrfica e urbana, marcada porgrande crescimento populacional. Uma das caractersticas do processo de modernizaodas atividades agropecurias no Brasil o desenvolvimento de uma gama muito extensade novas relaes campo-cidade, dada a crescente integrao da agropecuria ao circuitoda economia urbana. Isto se d, principalmente, porque o agronegcio globalizado tem opoder de impor especializaes territoriais cada vez mais profundas.Dessaforma,quantomaissedifundeoagronegcioglobalizado,maisurbanasetorna a sua regulao, e se produzem cidades do agronegcio, que passam a desempenharD E N I S E E L I A S , R E N A T O P E Q U E N O29 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007novas funes, transformando-se em lugares de todas as formas de cooperao erigidas pe-lo agronegcio globalizado e resultando em muitas novas territorialidades. Se a cidade a materializao das condies gerais de reproduo do capital (Carlos, 2004), a cidade doagronegcio aquela cujas funes de atendimento s demandas do agronegcio globali-zado so hegemnicas sobre as demais funes.Nas reas de expanso do agronegcio globalizado visvel o crescimento da urba-nizao e de aglomerados urbanos, assim como a criao de novos municpios. poss-vel mesmo observar uma rede de cidades do agronegcio, considerando as diferentes de-mandasdeseusdiversosramos.IstopodeserobservadoespecialmentenaRegioConcentrada, tendodestaqueascidadesmdias,quejestariamemestgiomaisavan-ado de urbanizao.As cidades do agronegcio no Brasil tm-se desenvolvido atreladas s atividades agr-colas e agroindustriais circundantes, e dependem, em graus diversos, dessas atividades, cu-ja produo e consumo se do, em grande parte, de forma globalizada. Rio Verde (GO),Sorriso, Primavera do Leste e Rondonpolis (MT), Sertozinho, Mato e Bebedouro (SP)so exemplos de cidades do agronegcio.Poderamos citar alguns exemplos da recente ocupao de lugares de reserva na Re-gio Nordeste, sejam associados expanso da fruticultura nos vales midos, como Petro-lina (PE) e, mais recentemente, Limoeiro do Norte (CE), ou expanso da soja nos cerra-dos, quesedemunssonocomaimplantaodasmultinacionaisCargilleBungedesestruturando a formao socioespacial anterior, trazendo novas dinmicas territoriais,polticas e socioculturais ao entorno, como ocorre em Balsas (MA), Uruu e Bom Jesus(PI), Barreiras e Lus Eduardo Magalhes (BA).Luis Eduardo Magalhes um dos ltimos municpios criados como resultado dasnovas formas de uso e gesto do territrio brasileiro inerentes expanso do agronegcioglobalizado da soja. Criado no ano de 2000, pertencia ao municpio de Barreiras, princi-pal centro urbano dos cerrados nordestinos, o primeiro a despontar com a economia atre-lada ao agronegcio da soja no Nordeste, como j apontavam Santos Filho e Fernandes(1988), ainda na dcada de 1980.DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NAS CIDADES DO AGRONEGCIOA difuso do agronegcio globalizado no Nordeste brasileiro, seja de frutas tropicaisou de soja, vem promovendo metamorfoses de inmeras naturezas. Dentre os impactosnegativos deste processo, destacaramos: a crescente desarticulao da agricultura de sub-sistncia e aumento da participao de empresas agropecurias no total da produo agro-pecuria regional; a expanso da monocultura e, conseqentemente, diminuio da bio-diversidadeeaumentodoprocessodeerosogentica;amudanadossistemastcnicosagrcolas, com difuso de um pacote tecnolgico dominado por uma produo oligopoli-zada e muitas vezes imprprio para as condies ambientais regionais, destruindo saberese fazeres historicamente construdos. E ainda: o aumento da concentrao fundiria, coma expropriao de agricultores que no detm a propriedade da terra; o aquecimento domercado de terras, que tem seus preos aumentados, contrariando ainda mais as aspira-es pela Reforma Agrria; o acirramento da privatizao da gua, com as novas formasde normatizao de seu uso, configurando uma situao de hidronegcio; a formao deD E S I G U A L D A D E S S O C I O E S P A C I A I S30 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 9, N. 1/ MAI O2007um mercadodetrabalhoagrcolaformal,comaexpansodotrabalhoassalariado,sejabraal ou especializado; a fragmentao do espao agrrio, diferenciando cada vez mais osespaos da produo e compondo arranjos territoriais produtivos agrcolas; o incrementoda economia urbana e das cidades locais e mdias; o crescimento desordenado de algumascidades, com o conseqente aumento das periferias urbanas e carncias de infra-estrutura.SovisveisasnovasterritorialidadesnaregioNordeste,nocampoenascidades,pontos de transformao da natureza, de criao de novas horizontalidades e verticalida-des e da articulao da escala local com a planetria, expandindo o processo de territoria-lizao do capital no campo. Mas, a reestruturao produtiva da agropecuria acentua ashistricas desigualdades socioespaciais, alm de criar muitas outras. Dessa forma, se pro-cessa uma produo regulada pelo mercado associado aos novos padres de consumo ali-mentar de frutas frescas e de derivados de soja, sob o comando de grandes grupos hege-mnicos do sistema alimentar, o que resulta na refuncionalizao dos espaos agrrios eurbanos e na difuso de especializaes produtivas que mantm traos estruturais da re-gio, dissociados do projeto de formao de uma sociedade mais justa e equilibrada.Tudo isto vem se refletindo nas cidades do agronegcio, que passam a reproduzir osmesmos problemas urbanos das cidades maiores. Destacaramos: ausncia ou insuficin-cia de infra-estrutura social (creches, escolas, postos de sade) nas reas habitadas pela po-pulao de menor renda; surgimento de reas de ocupao em situao de risco ambien-tal; favelizao nos espaos destinados a usos institucionais e reas verdes; disseminaodevaziosurbanospromovendoaespeculaoimobiliria;loteamentosperifricosclan-destinosdesprovidosdeinfra-estrutura;congestionamentonasreascentraispormovi-mentao de carga e descarga, dentre outros.Na buscadacompreensodoprocessodeurbanizaoedastransformaesintra-urbanas vigentes nos pontos luminosos de crescimento econmico associados ao agroneg-cio globalizado nas fronteiras agrcolas da fruticultura e da soja no Nordeste, foram iden-tificados vrios processos que se repetem, apesar da diversidade da realidade econmica,scio-ambiental e cultural presente no semi-rido e nos cerrados nordestinos. Estes pro-cessos se encontram diretamente relacionados ao intenso e rpido crescimento demogr-fico pelo qual t