REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das...

15
REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo embrionário na formação da arquitetura moderna no Brasil NERY, JULIANA CARDOSO. Universidade Federal da Bahia FAUFBA. Núcleo de Teoria, História, Projeto e Planejamento. Rua Francisco Rosa 500/2016ª. Rio vermelho. Salvador /BA. CEP: 41.940-210. [email protected] RESUMO As revistas especializadas tiveram papel crucial na criação de novas sensibilidades, na formação técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura brasileira. O proposito desse artigo é tratar da trajetória precursora, praticamente esquecida, da Revista A CASA e suas importantes contribuições entre os anos 20 e 30 para o surgimento das expressões modernas no Brasil. Partindo dos textos e imagens deste periódico em 245 números sistematicamente analisados, foram mapeadas as preocupações e formas com que esse meio introduziu a questão da arquitetura moderna no país. A grande contribuição das revistas especializadas, juntamente com as exposições, catálogos e debates nos artigos de jornal desse momento, foi abrir uma fenda na rígida formação acadêmica por onde a brisa fresca de uma renovação multifacetada pode passar. Esse processo foi bem mais conturbado e complexo do que aquele revelado posteriormente pelas falas daqueles que conquistaram singular condição hegemônica na produção e na historiografia da arquitetura brasileira. Os periódicos nacionais especializados do segundo quartel do século XX, através das questões postas e suas diversas formas de apresentação, guardam outras tantas possibilidades de compreender o que ocorreu na arquitetura brasileira em cores e matizes mais variados que aqueles utilizados pela crítica e pela narrativa modernistas e seus fortes ecos. Dentre os oito periódicos especializados na área de arquitetura em circulação entre as décadas de 20 e 30 podemos destacar “A CASA – Revista de Architectura, Engenharia e Arte Decorativa” , publicação mensal que somou um total de 304 edições até seu encerramento em 1949 o que indica sua larga penetração entre o público especializado e/ou interessado. Lançada em outubro de 1923 no Rio de Janeiro, “A CASA” teve como primeiro editor o arquiteto Ricardo Wriedt. Desde o seu primeiro número nota-se um desejo modernizador na formação de um gosto diferente do corrente. Embora ainda vinculados à ideia de modelos e estilos, nota-se uma preocupação de qualificar as construções com posições movidas por problemas próprios do país e não apenas vindos do exterior. Mesmo que de maneira embrionária, e talvez no bojo das discussões no campo das artes de atualização e nacionalização das expressões brasileiras colocadas em maior evidência desde as comemorações do Centenário da Independência do país no ano anterior, essa revista já registra uma incipiente tentativa de renovação da arquitetura. As preocupações de formar um novo gosto, de qualificar a moradia dos menos abastados e fazer corresponder planta, interior e exterior revelam certa tangência com as preocupações do Movimento Moderno. Após um ano e seis números publicados seu fundador vende a propriedade da revista ao engenheiro civil e redator Alberto Vianna em sociedade com o arquiteto J. Cordeiro de Azeredo, que se torna seu redator. Nesse momento a revista passa a demonstrar maiores esforços no debate sobre e em defesa de uma arquitetura moderna. Palavras-chave: arquitetura moderna; história da arquitetura brasileira; periódicos; Revista A CASA”.

Transcript of REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das...

Page 1: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo embrionário na formação da arquitetura moderna no Brasil

NERY, JULIANA CARDOSO.

Universidade Federal da Bahia – FAUFBA. Núcleo de Teoria, História, Projeto e Planejamento. Rua Francisco Rosa 500/2016ª. Rio vermelho. Salvador /BA. CEP: 41.940-210.

[email protected]

RESUMO

As revistas especializadas tiveram papel crucial na criação de novas sensibilidades, na formação técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura brasileira. O proposito desse artigo é tratar da trajetória precursora, praticamente esquecida, da Revista A CASA e suas importantes contribuições entre os anos 20 e 30 para o surgimento das expressões modernas no Brasil. Partindo dos textos e imagens deste periódico em 245 números sistematicamente analisados, foram mapeadas as preocupações e formas com que esse meio introduziu a questão da arquitetura moderna no país. A grande contribuição das revistas especializadas, juntamente com as exposições, catálogos e debates nos artigos de jornal desse momento, foi abrir uma fenda na rígida formação acadêmica por onde a brisa fresca de uma renovação multifacetada pode passar. Esse processo foi bem mais conturbado e complexo do que aquele revelado posteriormente pelas falas daqueles que conquistaram singular condição hegemônica na produção e na historiografia da arquitetura brasileira. Os periódicos nacionais especializados do segundo quartel do século XX, através das questões postas e suas diversas formas de apresentação, guardam outras tantas possibilidades de compreender o que ocorreu na arquitetura brasileira em cores e matizes mais variados que aqueles utilizados pela crítica e pela narrativa modernistas e seus fortes ecos. Dentre os oito periódicos especializados na área de arquitetura em circulação entre as décadas de 20 e 30 podemos destacar “A CASA – Revista de Architectura, Engenharia e Arte Decorativa”, publicação mensal que somou um total de 304 edições até seu encerramento em 1949 – o que indica sua larga penetração entre o público especializado e/ou interessado. Lançada em outubro de 1923 no Rio de Janeiro, “A CASA” teve como primeiro editor o arquiteto Ricardo Wriedt. Desde o seu primeiro número nota-se um desejo modernizador na formação de um gosto diferente do corrente. Embora ainda vinculados à ideia de modelos e estilos, nota-se uma preocupação de qualificar as construções com posições movidas por problemas próprios do país e não apenas vindos do exterior. Mesmo que de maneira embrionária, e talvez no bojo das discussões no campo das artes de atualização e nacionalização das expressões brasileiras colocadas em maior evidência desde as comemorações do Centenário da Independência do país no ano anterior, essa revista já registra uma incipiente tentativa de renovação da arquitetura. As preocupações de formar um novo gosto, de qualificar a moradia dos menos abastados e fazer corresponder planta, interior e exterior revelam certa tangência com as preocupações do Movimento Moderno. Após um ano e seis números publicados seu fundador vende a propriedade da revista ao engenheiro civil e redator Alberto Vianna em sociedade com o arquiteto J. Cordeiro de Azeredo, que se torna seu redator. Nesse momento a revista passa a demonstrar maiores esforços no debate sobre e em defesa de uma arquitetura moderna.

Palavras-chave: arquitetura moderna; história da arquitetura brasileira; periódicos; Revista “A CASA”.

Page 2: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Por meio de viagens ao estrangeiro e especialmente pelas publicações especializadas, o Brasil familiarizou-se logo com todas as minúcias da arquitetura moderna na Europa, não apenas a da França, mas ainda a da Alemanha e a da Itália (GOODWIN, 1943, p. 81). Já registrado no “Brazil Builds” e assinalado pelos arquitetos da época os periódicos especializados tinham papel de grande importância no início do século XX, momento extremamente revolucionário embora o tempo e o espaço ainda não tivessem sido colapsados pelo advento dos meios de comunicação contemporâneos. A imensa facilidade de acesso a informações e novidades de toda ordem disponíveis neste início de século XXI, num cenário onde a troca e circulação de ideias possuem a rapidez do quase instantâneo, é muitíssimo distante da realidade da maior parte do século XX em especial de suas primeiras décadas. Apesar das grandes transformações e dos avanços tecnológicos desse período, os percursos e os meios de acesso a eles eram bem mais escassos. As revistas e em especial as especializadas eram à época um dos principais meios pelos quais se dava o fluxo de ideias e possuíam um papel fundamental nesse movimento ao flagrar e divulgar em primeira linha as realizações e os debates em curso no fervor mesmo do momento em que aconteciam. Além deste papel informativo, os periódicos também possuíam, e ainda o mantém, um caráter conformador que perpassa pela formatação das subjetividades. Nesse sentido foram centrais na criação e aceitação das formas modernas em suas variadas expressões e especificamente das expressões do movimento moderno, bem como na disseminação das arquiteturas modernas pelos mais diversos cantos do mundo ocidental, através e apesar das críticas díspares de cada uma delas.

No Brasil, os periódicos especializados do segundo quartel do século XX, através das questões postas e suas diversas formas de apresentação, guardam outras tantas possibilidades de compreender o que ocorreu na arquitetura brasileira em cores e matizes mais variados que aqueles utilizados pela crítica e pela narrativa modernistas e seus fortes ecos. Essas revistas tiveram papel crucial na criação de novas sensibilidades, na formação técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse meio, juntamente com as exposições, catálogos e debates nos artigos de jornal, foi abrir uma fenda na rígida formação acadêmica por onde a brisa fresca de uma renovação multifacetada pode passar. Essa fenda foi sendo paulatinamente alargada até se tornar um abismo e a brisa virar um grande tornado, num processo cheio de embates, contraposições e divergências sobre as formas e sentidos de ser moderno. Esse processo foi bem mais conturbado e complexo do que aquele revelado posteriormente pelas falas daqueles que conquistaram singular condição hegemônica na produção e na historiografia da arquitetura brasileira.

Foram raros e fracos os ecos das múltiplas falas das revistas nas narrativas históricas de maior visibilidade, porém os ecos se deram de uma outra maneira, ainda mais duradoura na prática projetual brasileira na qual uma linguagem falante internacional se tornou falada nacionalmente e que se fez falante nacional e mundialmente e se viu falada popularmente no Brasil e propalada no exterior. Esse horizonte de análise é fundado na ideia de que a criação não se dá no vácuo, mas no turbilhão caudaloso e múltiplo do existente, que a expressão inovadora ao mesmo tempo em que se funda na existente, necessita de disseminação para se tornar corrente e assim se torna concomitantemente própria do momento e trampolim para outras inovações e assim sucessivamente. As revistas especializadas então são um meio privilegiado de possibilitar esse movimento. Se os periódicos cumpriam tais papeis e se os internacionais tinham ainda maior importância nas apresentações do que se fazia de mais atual no mundo, os nacionais para além das funções sensibilizadoras e informativas tinham ainda um papel formador, no sentido técnico do termo. Esse papel fundamental revela-se na apresentação de assuntos técnicos em seções especializadas para tal fim e artigos variados que abarcavam de questões relacionadas ao conforto ambiental á detalhamento de esquadrias, passando por toda uma gama de instruções minuciosas sobre o uso do concreto armado e seus cálculos estruturais.

Page 3: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

As revistas nacionais também cobriam uma defasagem da própria formação de grande parte dos arquitetos brasileiros que vinham de instituições nas quais o curso de arquitetura era vinculado às Escolas de Belas Artes cujos conteúdos disciplinares eram eminentemente voltados para o campo das artes e não da construção – com raríssimas exceções como o caso de São Paulo cujo curso era ligado à escola Politécnica. Os periódicos nacionais apontam e contribuem enormemente para uma formação técnica. Bem mais que a instauração de uma linguagem moderna, tratava-se da formação de um arquiteto moderno – um único profissional que fundiria o técnico e o artista em uma só figura, capazes de responder às complexas e múltiplas exigências da arquitetura daquele momento.

Assim com as revistas de cultura no país, as revistas especializadas em arquitetura e urbanismo apesar de importância central na formação e informação de um específico público, via circulação de ideias e imagens, transformação de mentalidades e conformação de sensibilidades, na primeira metade do século XX “enfrentaram insolúveis aperturas financeiras, responsáveis por um altíssimo índice de mortalidade editorial” (WERNECK, 2000, p. 112). Na área de arquitetura entre os anos 20 e 30 esse número se reduzia a oito: “Architectura no Brasil” de 1921, “A Construccção em São Paulo” de 1923, “A CASA” de 1923, “Architectura e Construcções” de 1929, “Revista de Arquitetura” de 1934, “Arquitetura e Urbanismo” de 1936, “Urbanismo e Viação” de 1938 e “Acrópole” de 19381. Essas revistas tiveram papel central na renovação da arquitetura e do urbanismo no Brasil. Dentre esses oito títulos em circulação supracitados destacamos nesse artigo as contribuições e entendimentos do horizonte da formação tanto da arquitetura moderna no Brasil de modo geral, bem como da arquitetura do movimento moderno brasileiro especificamente, a Revista “A CASA” por sua popularidade. Ela foi o periódico de maior duração no período. Publicação mensal, essa revista somou um total de 304 edições até seu encerramento em 1949 – o que indica sua larga penetração entre o público especializado e/ou interessado. As demais publicações já citadas totalizam cerca de 30 edições cada uma delas, o que representa aproximadamente 10% do total de edições da Revista “A CASA”. As exceções a essa média são a “Revista de Arquitetura” que chega a 64 números – cujo aumento em edições publicadas não faz sombra a penetração de sua comparte mais popular – e a Revista “Acrópole”, a mais longeva delas, que atinge 33 anos de publicação encerrada em dezembro de 1971 – o que a tornou uma das mais importantes revistas brasileiras de arquitetura do século XX, mas fora do recorte temporal dessa investigação2.

Esse artigo parte de uma pesquisa que buscou através da leitura sistemática de todos os artigos da primeira edição em outubro de 1923 à edição dupla de número 256-257 de setembro/outubro de1945 do periódico supracitado, totalizando 245 números analisados dos 257 publicados3, observando atentamente os textos e as imagens, para entender os modos e os significados da incipiente discussão sobre a arquitetura moderna no país.

1 Ver artigo “Revistas de arquitetura no Brasil”. Acrópole, edição comemorativa dos 25 anos da revista,1963,

n.295/296, pp. 201a 203. 2 O enfoque aqui tratado centra-se entre a segunda metade dos anos 20 e a primeira metade dos anos 30. A

“Acrópole” teve início em maio de 1938, momento em que a renovação arquitetônica já havia atingido tal grau de maturidade que permitiu sua adoção pelo poder público. Como indubitável exemplo dessa condição pode-se apontar, para além de uma série de edifícios públicos, todas as sedes ministeriais recém-construídas ou em construção à época. As expressões adotadas foram todas modernas, mesmo que vinculadas a vertentes distintas, eram claramente distantes das soluções ecléticas, como: o Ministério da Marinha (1934-1938), o Ministério do Trabalho (1936/1938), o Ministério da Guerra (1938/ 1942) e o Ministério da Educação e Saúde Pública (1936/1945). Mesmo que o Ministério da Educação e Saúde tenha sido a vedete, não passou despercebido aos americanos do “Brazil Builds” a modernidade, mesmo que multifacetada, das representações construtivas governamentais brasileiras, ressaltadas ainda mais quando comparadas aos edifícios públicos americanos neoclássicos construídos para o “Federal Triangle” entre 1931-1936. 3 Apenas 12 números não foram encontrados (números 11, 18, 31, 230, 232, 234, 245, 246, 247, 248, 249, 251)

nos arquivos pesquisados, a saber: Biblioteca da Escola de Arquitetura da UFMG (Belo Horizonte/MG), Biblioteca Paulo Santos – IPHAN (Rio de Janeiro/RJ), Biblioteca Pública Central dos Barris – Estado da Bahia (Salvador /BA). A partir do número duplo de setembro/outubro de 1945 há um redirecionamento da revista no qual ela deixa de ser especializada e passa a ser de generalidades femininas sem interesse para a pesquisa.

Page 4: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

A Revista “A CASA” nos revela uma parte das discussões, tempos e atores do processo de renovação da arquitetura no Brasil, já em desenvolvimento razoável e bem diverso da “instauração milagrosa” da arquitetura moderna com a estadia de Le Corbusier em julho/agosto de 1936 da versão de Lúcio Costa, como se pode aferir pela capa dessa revista nesse momento.

Figura 01 - Capa da Revista A CASA em agosto de 1936, momento em que Le Corbusier estava pela segunda vez no Brasil. Fonte: A CASA, n. 147, capa, ago., 1936.

“A CASA – Revista de Architectura, Engenharia e Arte Decorativa” foi lançada em outubro de 1923 no Rio de Janeiro e teve como primeiro editor o arquiteto Ricardo Wriedt. Esse alemão vem para o Brasil e aqui desenvolve importante carreira, construindo obras de expressões variadas em cidades brasileiras como Belo Horizonte, Vitória e especialmente no Rio de Janeiro onde mantinha residência e escritório de arquitetura.

Page 5: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

No primeiro número como uma espécie de editorial assinado pela redação da revista, a publicação explicita seu propósito nos seguintes termos:

Afim de supprir um necessidade, que desde muito tempo vem fazendo-se sentir, entregamos hoje ao publico uma nova revista >> A CASA <<, a qual, pelo seu programma deverá encontrar inúmeros amigos entre profissionais de Architectura e Construcção, assim como interessará aos, que pretendem futuramente construir ou mandar construir o seu lar. Tendo o Brasil um estylo architectonico (...) adaptado ás necessidades do clima e da vida, faltava-lhe ainda uma obra ou revista que servisse de guia ou instructor, quando trata-se da escolha de uma planta ou exterior como do interior para uma moradia ou edifício, pois todos os trabalhos, que podem ser consultados neste sentido, procedem do estrangeiro. Como acima já citamos, nos resolvemos suprir esta falta (...) que cada um encontre nella o, que desde muito tempo vem procurando: um guia exacto do estylo decorativo externa e interna de sua casa. Interessamos-nos especialmente pelo typo de construcção pequena, afim de facilitar aos menos abastados a escolha e organisação do seu futuro lar. Os modelos que publicamos em nossa revista, deverão servir do mesmo modo aos profissionais, como aos leigos n’esta seductora arte, que é a Architectura. (A CASA, n.1, s/p, out., 1923.).

Desta apresentação pode-se extrair um desejo modernizador na formação de um gosto diferente do corrente. Embora ainda vinculados à ideia de modelos e estilos, nota-se uma preocupação de qualificar as construções com posições movidas por problemas próprios do país e não apenas vindos do exterior. Com uma postura mais mercadológica, a revista buscava também abrir o mercado da construção para o profissional junto a uma classe menos favorecida economicamente. Assim mesmo que de maneira embrionária, e talvez no bojo das discussões no campo das artes de atualização e nacionalização das expressões brasileiras colocadas em maior evidência desde as comemorações do Centenário da Independência do país no ano anterior, essa revista já registra uma incipiente tentativa de renovação da arquitetura com matizes locais e atentos as condições climáticas nacionais. As preocupações de formar um novo gosto, de qualificar a moradia dos menos abastados e fazer corresponder planta, interior e exterior revelam certa tangência com as preocupações do Movimento Moderno. No entanto a capa não deixa dúvidas de que o que havia de mais moderno na arquitetura brasileira da época eram os bangalôs, já bem destituídos dos ornamentos ecléticos, mas de telhado bastante inclinado como o estampado na sóbria capa cinza do primeiro número dessa revista.

Alguns desenhos apresentados nesse primeiro número mostram tentativas bem interessantes em busca de soluções e linhas modernas, provavelmente desenhadas pelo arquiteto e editor Ricardo Wriedt. Destaca-se um projeto de bangalô na Urca, cuja solução cilíndrica de cobertura piramidal e circundada por varanda no térreo é definida por uma planta em um dodecágono em divisão radial assimétrica no térreo a partir de uma sala central que se abre para outras salas circunvizinhas e uma divisão interna que não necessariamente coincide parede sobre parede de um andar para o outro. Outra solução surpreendente é a perspectiva de um hall interno que muitíssimo lembra as soluções de Charles Rennie Mackintosh para o concurso realizado pelo editor alemão A. Koch da casa para um amante da arte em 1901.

Figura 02 - Projeto de hall apresentado no primeiro número da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.1, s/p, set., 1923.

Page 6: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

“A CASA” tinha uma linguagem simples e popular que buscava atingir um grande público interessado nos problemas e novidades da construção que rapidamente ganhou distribuidores em grande parte do país das suas edições mensais. O primeiro número é basicamente um catálogo de obras construídas, projetos e anúncios de toda ordem ligados à questão da construção – principalmente de construtores e arquitetos, mas também aparecem lojas de ferragem, fogões, etc. Os projetos são apresentados por plantas e perspectivas, os interiores por perspectivas internas e as obras por fotografias, algumas vezes acompanhadas por suas plantas. Não há artigos, apenas imagens e o único texto de meia página denominado “O problema do mobiliário em face das construcções modernas” vinha assinado por uma loja de departamento, a Mappin Stores, que alertava seus clientes sobre a incompatibilidade de certas peças de mobiliário com as construções modernas e a necessidade de compatibilização dessas com o ambiente oferecendo seus “technicos decoradores” de “longa pratica e apurado gosto artístico” para aconselhar seus clientes para evitar em relação à mobília que “seu estylo estivesse em desacordo com as linhas decorativas do aposento a que se destinassem” (A CASA, n.1, s/p., out., 1923).

A partir do segundo número já aparecem para além das imagens, textos explicativos das obras e projetos e alguns pequenos artigos: “A nossa casa” de Alvaro Sodré, que chama atenção para a importância do conforto da casa e critica o regulamento da prefeitura do Rio de Janeiro para a questão construtiva e o que ele chamou de “delírios architectonicos dos constructores baratos. Dahi o espectaculo bizarro de nossa architectura urbana” (A CASA, n.2, s/p, nov., 1923); “O problema de habitações” de Mauricio Barbalat que denuncia a venda de casas de má qualidade por profissionais não capacitados e instiga a população a ter atenção e economizar para pagar uma firma qualificada. Outro artigo desse número intitula-se “A beleza das pérgolas”, sem autoria atribuída, fala sobre jardins. A limpeza das linhas do pergolado e das soluções do jardim ao fundo desse artigo também impressiona para uma publicação do início dos anos 20. Infelizmente sem a devida identificação essa imagem aparece como ilustração do artigo sem indicação nem do lugar nem do arquiteto.

Figura 03 – Pergolado publicado no 2º número da revista A CASA. Fonte: A CASA, n.2, s/p, nov., 1923.

Ainda nesse segundo número, o maior destaque fica para o interessante texto de Ricardo Wriedt intitulado “Alguma cousa sobre o custo das construções”, onde se pode flagrar o começo de um debate em busca de soluções modernas para a arquitetura, já desqualificando o ornamento e priorizando a utilidade. Nele o arquiteto afirma:

Todos nós queremos reunir em nossa casa o bello e o agradável. Mas o que significa a beleza de uma construção? Nada mais do que uma concepção artística de uma expressão rhytimica extremamente adaptada ao útil, cuja utilidade é visível sob todos os pontos de vista: na planta, na organisação dos compartimentos, na construcção, no material, e até na occasião ou melhor ainda na estação escolhida para construção. Não esqueçamos que todo o enfeite superfluo, sendo uma questão de moda agradará apenas enquanto esta dura. Depois torna-se ridícula e tras-nos disgostos. (...) Devemos, pois, reunir a arte ao util (WRIEDT, A CASA, n.2, s./p., nov.,1923.)

Page 7: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Wriedt não fica muito tempo à frente da revista. Após um ano e seis números publicados vende a propriedade da revista ao engenheiro civil e redator Alberto Brandão de Segadas Vianna em sociedade com o arquiteto e gerente J. Cordeiro de Azeredo, que passa a ser o redator. Nesse momento a revista também passa a ser secretariada e redigida pelo engenheiro civil Braz Jordão. Alberto Vianna foi funcionário do Banco do Brasil e um dos sócios fundadores da Associação dos Aposentados do Banco do Brasil em 1951, apesar de dono da revista sua participação parece não estar vinculada às questões editoriais, pois seu nome não aparece em nenhum editorial, artigo ou projeto apresentado na revista, provavelmente por seu vínculo empregatício como funcionário público. O conteúdo do periódico indica que eram Cordeiro de Azeredo e Braz Jordão os efetivos responsáveis pelas discussões e obras apresentadas. Sobre esses dois quase nada se conseguiu apurar para além de seus esforços precursores no debate sobre a arquitetura moderna revelados nos artigos e projetos da própria revista.

São inúmeros os projetos assinados por J. Cordeiro de Azeredo publicados em “A CASA” que revelam um interessantíssimo processo de transformação das propostas desse arquiteto em busca de renovar a arquitetura. Além de ser proprietário da revista e um de seus principais colaboradores, também possuía seu escritório próprio de arquitetura e escreveu o livro “Compendio Prático de Perspectiva” publicado em 1936. Em dezembro de 1926 deixa a propriedade da revista e passa a contribuir sazonalmente, retornando sua contribuição mais efetiva em janeiro de 1931 quando Braz Jordão se torna o novo proprietário. Essa parceria dura até agosto de 1937, quando o novo parceiro de J. Cordeiro de Azeredo passa a ser o engenheiro civil H. Vaz Correa.

Durante o período que durou a parceria Azeredo e Jordão percebe-se uma paulatina introdução das formas modernas nas obras apresentadas nesse periódico, bem como nos debates dos seus artigos. No número 96 em maio de 1932 os seis projetos apresentados eram de algum modo em linhas modernas e em maio de 1937 dos 17 publicados, 13 poderiam ser considerados modernos. Com a saída de Braz Jordão ocorre um processo de redução do espaço dado às expressões modernas e amplia-se aquele dado às linhas neocoloniais e californianas (ou estilo missões), prova disso é que o número 166 em março de 1938 das 11 obras publicadas apenas quatro possuíam linhas modernas.

Engenheiro e geógrafo, atuante também como arquiteto, Braz Jordão era o maior defensor do concreto armado nos artigos desse periódico e das novas possibilidades que ele trazia para a arquitetura. São dele vários artigos que versam sobre esse tema. Seus artigos mostravam-se sempre atentos aos acontecimentos e problema contemporâneos ao seu momento do campo da arquitetura e afins.

Sem assinatura, mas provavelmente da dupla é o artigo intitulado “O concreto armado nas construções” no número 81 de fevereiro de 1931, onde afirma-se que “Não há a mínima duvida sobre o modernismo no domínio da architectura" (p.09) e segue:

Os que não comprehendem que a opportunidade se apresentou a todos os povos, facultando-lhes a possibilidade para a creação de sua feição architectonica própria, - acceito e largamente divulgado o novo material – só se limitam a censurar e emquanto isso, a influencia estrangeira vae ganhando terreno. Nunca que poderemos ter uma architectura nossa! (A CASA, n.81, p. 10, fev., 1931).

Nesse artigo se coloca a discussão tanto da atualização da linguagem arquitetônica como sua feição nacional, porém já não mais vinculada ao passado. Esse direcionamento se revela quando, ao analisar esse artigo, observa-se que apesar de apresentar um projeto de F. Saboia e F.P. Veiga de linhas neocoloniais, construído em concreto armado, há uma longa introdução que versa sobre o modernismo e esse novo material. Assim, é clara a advertência que essa fala faz à contradição entre o novo material e as linhas inspiradas no passado, perceptível tanto no longo espaço dado às considerações sobre o concreto e a

Page 8: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

arquitetura modernista como no curto texto que fala do projeto especificamente. Posição ainda mais evidenciada na afirmação que inicia a parte referente à proposta apresentada:

Feitas as considerações que fomos escrevendo à medida que nos iam ocorrendo, em torno do palpitante assumpto da arte modernista, passemos ao projecto de casa residencial cujo estylo não justifica em nada, na verdade, as asserções acima (A CASA, n.81, p. 10, fev., 1931).

A defesa da nova arquitetura e a oportunidade que ela abria para a criação de uma linguagem própria brasileira é patente nesse momento da revista, em certa medida afinado com a busca pela “brasilidade” dos modernistas na literatura e nas artes da segunda metade dos anos 20, que se torna ainda mais acirrada na virada para a década de 30. No mês seguinte no número 82 de março de 1931 no artigo “Architectura moderna” de J. Cordeiro de Azeredo o arquiteto é enfático em afirmar:

“O modernismo na architectura offerece-nos hoje alguma coisa de semelhante ao que succedeu na época da Renascença. A simplificação de muitas das formas architetonicas permitiu ao artista vulgar competir com os grandes mestres. (...) E o Brasil que não tem architectura, poderia porfiar na creação da sua, consoante as nossas necessidades de clima e de costumes”. (AZEREDO, A CASA, n.82, p. 05, mar., 1931).

O início dos anos 30 marca o momento em que começa a sair nas capas da revista obras construídas em linhas modernas, propriamente “Art Déco”, distinção inexistente naquele momento em que eram igualmente consideradas como “estylo moderno” ou “arte nova” – nome dado aos primeiros projetos nessa expressão desde 1925. A primeira casa sai na capa de novembro de 1931 e a partir daí outros tipos de edifícios de maior evidência irão segui-la, como o Teatro Carlos Gomes.

Essa revista teve seu foco inicial voltado para as questões da construção moderna e econômica, em especial de residências em suas implicações na área da arquitetura e da engenharia. No entanto, ela passa por várias transformações durante seus 26 anos de publicação que modificam por completo o propósito inicial desse periódico e suas várias capas sinalizam singularmente essas mudanças.

Nos primeiros anos há uma quantidade enorme de projetos de seu sócio proprietário J. Cordeiro de Azeredo em busca de novas soluções, diminuídas consideravelmente quando ele se retira da sociedade no final de 1926. A revista que tinha o propósito de divulgar modelos e soluções modernas para a habitação mantém e reforça esse objetivo no editorial de janeiro de 1929:

(...) esta revista, que é bem o orgam representativo dos construtores e um repositório de modernos modelos de construção, de ensinamentos para a installação de uma habitação, desde o levantamento do prédio até às suas decorações e disposição do mobiliário (A CASA, n. 57, p.18, jan., 1929).

Em fevereiro com nova capa ganha um subtítulo bastante sugestivo – “A CASA: a Revista das Construcções Modernas". O moderno para esse periódico era sinônimo de contemporâneo e as expressões estéticas eram variadas, porém é interessante notar que a composição estilística e o historicismo tipológico4, quase não apareciam e já eram vistos como ultrapassados. As soluções apresentadas como modernas majoritariamente se vinculavam aos chalés, bangalôs, estilo californiano e neocolonial.

4 VER discussão sobre composição estilística e o historicismo tipológico em PATETA, Luciano. Considerações

sobre o Ecletismo na Europa. In: FABRIS, Anna Teresa (org.). Ecletismo na arquitetura Brasileira. São Paulo:

EDUSP,1987.

Page 9: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Ainda em 1925 aparecem as primeiras citações e obras no chamado “estylo moderno”, usado para nomear aquelas de expressão mais simplificada e geometrizada, às vezes chamado de estilo alemão. Importantes discussões contidas nos artigos dos primeiros números revelavam a preocupação e a busca de soluções para problemas eminentemente modernos como a estandardização das construções, o funcionamento e o conforto das habitações, o uso do concreto armado e a casa mínima – presentes já nas edições de 1924.

O primeiro projeto nomeado como “estylo moderno” de autoria do arquiteto J. Cordeiro de Azeredo é publicado em novembro de 1925, na esteira da exposição parisiense daquele ano.

Figura 04 – Primeiro projeto em “estylo moderno” publicada em A CASA de J. Cordeiro Azeredo. Fonte: A CASA, n.19, p. 14, nov.,1925.

A questão da habitação econômica é colocada em evidência em 1925, e a partir de então se torna recorrente e destacada. Esse tema é central na busca de soluções racionais, econômicas, em grande escala e adequadas às diversas realidades locais e foi responsável por um importante braço da formação moderna da arquitetura que ficou a margem da história e da historiografia brasileira por um longo período. Esse eixo de discussão teve forte papel balizador na formação e disseminação da arquitetura moderna no país que possibilitou tão vasta produção em todo território nacional.

O interessante na revista “A CASA” é a expressiva presença dessa questão e sua centralidade na simplificação e racionalização da habitação. São inúmeros artigos voltados para a questão da casa popular, da casa rural e da casa econômica. Outro destaque são os concursos para a casa econômica, promovidos pela supracitada revista desde 1925, que dado a seu sucesso passou a acontecer em parceria com empresas interessadas nesse tipo de construção. Em 1934 no Concurso “A CASA IDEAL” da Cia. Brasileira de Cooperação e Credito S.A. o primeiro lugar foi dado a uma solução francamente pertencente ao movimento moderno. Acontecimento que mostra o domínio e a disseminação dessa arquitetura pelos arquitetos, pelos jurados e por certo público pelo menos dois anos antes da segunda visita de Le Corbusier ao país e os episódios entorno da construção da Sede do Ministério da Educação e Saúde.

Page 10: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Figura 05 – Concurso “A CASA IDEAL”, perspectiva 1º lugar. Fonte: Revista A CASA n. 124, p. 14, set., 1934.

Page 11: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

E em janeiro de 1926, o número 21 trazia o artigo “O concreto armado como estylo architectonico” do engenheiro Braz Jordão. Nessa fala, o concreto armado era apontado como, mais que uma técnica construtiva, um estilo – o estilo moderno.

No edital de janeiro de 1930, comemorativo dos sete anos da revista, já se vê um cunho mais comercial e meio populista do que o teor mais engajado com a modernização da arquitetura e da construção da década anterior – provavelmente por uma questão de sobrevivência do periódico num momento de crise mundial. Portanto, embora não tenha abandonado o flanco em defesa das soluções mais avançadas e arrojadas, não se restringia a ela:

E porque estamos convencidos de que as nações mais estáveis são exactamente as que são constituídas por um povo que, em sua maioria, possúe sua própria casa, temos consagrado as páginas desta revista às suggestões sobre prédios econômicos, materiaes, detalhes, mobiliários e todos os demais assumptos a elles referentes. Temos sido o que se póde chamar um magazine de propaganda, atravez do qual, sempre se percebeu o nosso ardente desejo de proporcionar ao maior numero de pessoas, typos variados de casas attrahentes, afim de afastal-as da triste vida de nômades. (...) Em números anteriores temos publicado successivamente “bungalows” habilmente desenhados, prédios em estylo colonial, missões, arte moderna, etc. Temos mostrado, tambem, a maneira de combinar os vários materiaes de construcção; explicado os termos de architectura; cogitado de ferragens, escadas e de muitos outros assumptos de não menos importância para a construcção. Temos publicado bastantes elementos sobre jardins. Pagina por pagina, este numero prossegue na propaganda. E o numero de convertidos pode ser julgado pelo crescimento da nossa circulação. (JORDÃO, Braz. Sete annos de progresso. A CASA, n. 69, p. 5, jan.,1930).

Em janeiro 1931, como já mencionado, a revista passou a ser de propriedade do engenheiro Braz Jordão, que retorna a compartilhar a direção com o arquiteto J. Cordeiro de Azeredo. O novo programa da revista muda seu perfil de uma publicação mais técnica voltada exclusivamente para a construção, para um perfil mais geral do lar visando atingir as leitoras, incluindo seções de literatura, arte, ciência, feminina, social, infantil e humor, porém não chega a perder por completo seu foco na arquitetura e na engenharia.

Naquele ano, para ampliar ainda mais o público e garantir a existência da revista ao mesmo tempo em que buscava levar a um maior número de pessoas as ideias contidas na publicação, o preço dos exemplares foi reduzido à metade.

Em janeiro de 1936 há outro redirecionamento, e a revista resolve investir ainda mais na visão feminina, incluindo artigos de mulheres importantes na sociedade para falarem sobre temas referentes ao lar e à casa. Paradoxalmente o periódico vincula-se aos profissionais da construção e se torna: “Revista A CASA: Orgão Official da Associação dos Construtores Civis do Rio de Janeiro”. Agregam-se então aos antigos diretores o engenheiro Adelstano Soares de Mattos Porto D’Ave e Miguel Manzolillo. Em formato mais moderno e muito próximo ao que seria a diagramação da futura Revista “ARQUITETURA E URBANISMO” do IAB, “A CASA” investia no público feminino: “Caracterisar-se-á a nova orientação da A CASA pela interpretação dos pendores architectonicos das soberanas dos lares, refletctidos nas minúcias dos arranjos interiores de suas vivendas” (A CASA, n. 140, p. 10, jan., 1936).

Figura 06 - Capa de fevereiro de 1936 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.141, capa, fev., 1936.

Page 12: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Em julho desse mesmo ano o periódico passa a se chamar “Revista A CASA: architectura, urbanismo, engenharia e artes decorativas” e a direção volta a ser somente de Azeredo e Jordão. Nesse momento também se retoma uma presença mais maciça das obras modernas, agora prioritariamente modernistas.

Figura 07 - Capa de setembro de 1936 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.148, capa, set., 1936.

As mudanças na capa da revista, que começa monocromática com a perspectiva de um bangalô, passando por várias combinações e transformações das ilustrações, cores e tipografia, até o modelo que divide a capa em duas partes, uma com uma cor opaca vibrante que recebe o texto e a outra com uma foto de obra em enquadramento parcial típico da cultura visual moderna, é um forte indicativo da campanha pela renovação da arquitetura nesse periódico e da linguagem que se impunha já na segunda metade da década de 30.

Figura 08 - Capa da primeira edição da Revista A CASA. Figura 09 - Capa de mar./ abr.de 1939 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.1, capa, set.,1923. Fonte: A CASA, n.178/179, capa mar./abril, 1939.

Page 13: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Esse último formato, definido em setembro de 1936, se manteve como padrão com alterações insignificantes até junho de 1943. Desde outubro de 1937 são vários os engenheiros e arquitetos que se sucedem na parceria com J. Cordeiro de Azeredo na redação da revista, rotatividade ainda mais intensificada em 1939. O impacto da 2ª Guerra se faz sentir em todas as áreas e o ano de 1941 é especialmente difícil para a revista, que consegue publicar apenas três edições: o número de janeiro, um número triplo de fevereiro a abril e mais um correspondente aos meses de maio a dezembro. A revista então foi incorporada pela Editora “O Construtor S.A.”, que se comprometeu a manter a linha da revista. Ainda sob a direção de J. Cordeiro o enfoque do periódico na arquitetura consegue resistir por ainda mais dois anos.

A incorporação de uma mulher na revista acontece pela primeira vez no número duplo de novembro e dezembro de 1938 quando a arquiteta Francisca Franco da Rocha passa a dividir a redação com Cordeiro de Azeredo e H. Vaz Correa. Em janeiro de 1941 a arquiteta é substituída por R. Gentil Saez.

Em junho de 1943, quando o arquiteto Cordeiro de Azeredo se desvincula efetivamente da revista, ela passa a se chamar “A CASA REVISTA DO LAR”. Ainda de propriedade da Editora “O Construtor”, tendo como diretor-responsável o senhor Dr. Manoel Couto Duarte seu enfoque começa paulatinamente a ser alterado e finalmente em setembro de 1945 a mudança se torna radical. A revista volta-se apenas para amenidades do lar e se desvincula completamente das questões técnicas e profissionais da área de arquitetura:

Leve, sugestiva e original, a nossa capa revelando a nova orientação adotada pela “A CASA”, representa uma varanda improvisada (...) não foi a técnica propriamente dita da realização da varanda, mas o desejo puro e simples de indicar qualquer coisa de subtil que escapa aos que se dedicam exclusivamente ao trabalho profissional. A mão feminina, com arte que lhe é peculiar sobrepuja essas dificuldades e cria arranjos encantadores que se casam magnificamente com o conjunto. (A CASA, n. 256-257, p. 11, set./out.,1945).

Figura 10 - Capa de setembro/ outubro de 1945 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.246-247, capa, set./out., 1945.

Tanto o editorial como a formatação e conteúdo da capa de setembro/outubro de 1945 não deixam dúvidas do completo redirecionamento da revista de especializada em arquitetura para generalidades femininas. Talvez esse redirecionamento somado à dificuldade de acesso a seus números ajude a explicar a pouca atenção dada pelos pesquisadores da história da arquitetura brasileira por tão longo tempo à Revista “A CASA”. É indubitável a importante contribuição desse periódico no processo embrionário da formação da arquitetura moderna no Brasil entre o final dos anos de 1920 e início da década de 1930. Incluídos nessa contribuição também estão presentes debates centrais para a estruturação do próprio modernismo como a arte moderna e sua expressão nacional, o concreto armado e sua expressão formal, a racionalização e padronização das construções, a habitação social, entre outros.

Page 14: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Referências Bibliográficas

A Machina de Morar. A CASA, n. 32, jun, 1932, pp. 8-10.

A standadisação das construcções. A CASA, n. 7, nov., 1924, pp. 26-28.

ALTBERG, Alexander. Arquitetura Moderna. A CASA, n. 93, fev, 1932, pp. 27-28.

AZEREDO, J. Cordeiro de. A arte moderna e os actuais acabamentos. A CASA, n. 69, jan,1930, pp. 13-17.

AZEREDO J. Cordeiro. Espírito de classe. A CASA, n. 214, mar,1942, pp.5 e 9.

AZEREDO J. Cordeiro. Architectura Honesta. A CASA, n. 102, nov.,1932, p.7-9.

AZEREDO, J. Cordeiro de. A casa moderna. A CASA, n. 63, jul,1929, pp. 14-17.

AZEREDO, J. Cordeiro de. Architectura moderna. A CASA, n. 82, mar,1931, pp. 5-8.

AZEREDO, J. Cordeiro de. Arquitetura Funcional ou Arquitetura Tradicional?. A CASA, n. 223, dez., 1942, p. 26-27.

BRUNHS, Ângelo. A escola moderna. A CASA, n. 85, jun,1931, pp. 14-15.

BRUNHS, Ângelo. Architectura moderna. A CASA, n. 86, jul,1931, pp. 12-13.

BRUNHS, Ângelo. A profissão do arquiteto e os concursos de arquitetura. A CASA, n. 229, jun, 1943, p.11.

GOODWIN, Philip L. Brazil Builds: architecture new and old 1652 – 1942. Nova York: MOMA, 1943.

JORDÃO, Braz & AZEREDO, J. Cordeiro de. A arquitetura sob o domínio da arte e da ciência. A CASA, n. 9, dez., 1931, PP. 7-10.

JORDÃO, Braz & AZEREDO, J. Cordeiro de. Editorial. A CASA, n. 106-107, mar/abr, 1933, p. 3.

JORDÃO, Braz & AZEREDO, J. Cordeiro de. Fogo aos productos hibridos da “nossa” architectura. A CASA, n. 97, jun,1932, p. 3.

JORDÃO, Braz & AZEREDO, J. Cordeiro de. sem título. A CASA, n. 137, out,1935, p. 34.

JORDÃO, Braz. A Architectura Moderna. A CASA, n. 67, nov., 1929, pp. 15-17

JORDÃO, Braz. A arquitetura de amanhã. A CASA, n. 57, jan,1929 , pp. 17-21.

JORDÃO, Braz. A Arte Moderna. A CASA, n. 39, jul,1927 , pp. 13-16.

JORDÃO, Braz. A Arte Moderna. A CASA, n. 57, jan.,1929 , pp. 44-45.

JORDÃO, Braz. A esthetica moderna dos edifícios industriais. A CASA, n. 57, jan,1929 , pp. 24-25.

JORDÃO, Braz. A habitação hygienica. A CASA, n. 35, mar 1927 , pp. 9-10.

Page 15: REVISTA “A CASA”: Falas esquecidas de um processo ... · técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na arquitetura do país. A grande contribuição desse

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

JORDÃO, Braz. A verdade na architectura. A CASA, n. 71, mar., 1930, pp. 5-7

JORDÃO, Braz. As vantagens do concreto armado. A CASA, n. 8, dez,1924 , pp. 5-7.

JORDÃO, Braz. Casas de ontem e casas de hoje. A CASA, n. 49, mai 1928 , pp. 9-10.

JORDÃO, Braz. O concreto armado como estylo architectonico. A CASA, n. 21, jan,1926 , pp. 7-8.

JORDÃO, Braz. O desenvolvimento do concreto armado. A CASA, n. 24, abr,1926 , pp. 7-8.

JORDÃO, Braz. Os grandes edifícios do Rio e São Paulo. A CASA, n. 37, mai,1927 , pp. 9-13.

LINO, Raul. Como projetar uma casa de moradia. A CASA, n.07, nov, 1924, p. 11-12

PATETTA, Luciano. Considerações sobre o Ecletismo na Europa. In: FABRIS, Anna Teresa (org.). Ecletismo na arquitetura Brasileira. São Paulo: EDUSP,1987.

REVISTA ACRÓPOLE. Revistas de Arquitetura no Brasil. São Paulo: no 295/296, jun., 1963.

WERNECK, Humberto (editor). A Revista no Brasil. São Paulo: Abril, 2000.

PERIÓDICO

A Casa. Rio de Janeiro: s.n., 1923-19??. Mensal. 1923-1945.