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REVISTA ACADÊMICA INTELLIGENCE AND INFORMATION
Volume 01 - Número 01
Itaúna / 2018
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REVISTA ACADÊMICA INTELLIGENCE AND INFORMATION
Jan-Jul/2018
PERIODICIDADE: SEMESTRAL
ISSN - 2525 – 7692
As opiniões emitidas em artigos ou notas assinadas são de responsabilidade dos respectivos autores.
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Lauane Cândida Campos Ferreira
Vanessa Cristina Resende Xavier
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Karina Leão de Mello
Luciano Borges Muniz
Tânia Alves Martins
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Sumário
PRESENÇA DA SEMÂNTICA NO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA: UMA ANÁLISE METODOLÓGICA....................................................06
Ana Gabriela Fonseca Chaves, Gabriel Rabelo Alves, Gisele Moreira Silva, Gustavo Duarte Silva, Lauane Cândida Campos Ferreira,
Vanessa Cristina Resende Xavier;
LEITURA COMO PRÁTICA SÓCIO-HISTÓRICA.............................................................................................................................................17
Júlia Márcia Bechtlufft Souza;
O PROFESSOR DE MATEMÁTICA: ENTRE O AMOR E O DESAMOR NO ENSINO DA MATEMÁTICA....................................................37
Karina Leão de Mello;
O DESAFIO DA REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES PELA VIA DO RECONHECIMENTO E DA REDISTRIBUIÇÃO...............................54
Luciano Borges Muniz;
ETNOMATEMÁTICA: A CONTRIBUIÇÃO DA MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO CIENTÍFICA..............................................................60
Tânia Alves Martins;
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PRESENÇA DA SEMÂNTICA NO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA: UMA ANÁLISE METODOLÓGICA
Ana Gabriela Fonseca Chaves
Gabriel Rabelo Alves
Gisele Moreira Silva
Gustavo Duarte Silva
Lauane Cândida Campos Ferreira
Vanessa Cristina Resende Xavier
RESUMO: O presente artigo usou como metodologia a análise bibliográfica de livros didáticos, de livros com uma visão geral sobre o ensino atual de língua materna e também de artigos sobre esse mesmo tema. Através dessas pesquisas foi possível construir uma visão mais detalhada sobre as aulas de semântica e as metodologias utilizadas no ensino regular, identificando seus pontos positivos e negativos. Dessas investigações foram tiradas reflexões acerca dos pontos de qualidade do ensino e identificação, problematização e propostas de solução dos negativos, visando a otimização dos ensinamentos semânticos e dos materiais fornecidos para tal.
PALAVRAS CHAVE: semântica; metodologia; livro didático; atividades; conhecimentos.
INTRODUÇÃO
A linguística é a ciência que busca estudar os fenômenos e fatos relacionados à linguagem verbal humana, e busca
também compreender quais são as características e princípios que regem as estruturas das línguas no mundo em
suas mais diversas áreas, dentre elas a semântica.
De acordo com André Martinet:
A linguística é o estudo científico da linguagem humana. Diz-se que um estudo é científico
quando se baseia na observação dos fatos e se abstém de propor qualquer escolha entre
tais fatos, em nome de certos princípios estéticos ou morais. „Científico‟ opõe-se a
„prescritivo‟. No caso da linguística, importa especialmente insistir no caráter científico e
não prescritivo do estudo: como o objeto desta ciência constitui uma atividade humana, é
grande a tentação de abandonar o domínio da observação imparcial para recomendar
determinado comportamento, de deixar de notar o que realmente se diz para passar a
recomendar o que deve dizer-se. (MARTINET, 1978, p.3).
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De acordo com Saussure, a linguística pretende:
Fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder abranger o que quer dizer:
fazer a história das famílias de línguas e reconstituir, na medida do possível, as línguas-
mães de cada família; procurar as forças que estão em jogo, de modo permanente e
universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se possam referir todos os
fenômenos peculiares da histórias; delimitar-se e definir-se a si própria. (SAUSSURE,
1995, p.13)
No livro Curso de Linguística Geral, Saussure afirma ainda que a linguística se preocupa exclusivamente com o
estudo da língua e que “seria um ramo da semiologia, apresentando um caráter mais específico em função de seu
particular interesse pela linguagem verbal.” (MARTELOTTA, 2008, p.23)
A Semântica é uma das diversas áreas de estudo da linguística e sua origem etimológica vem do grego
semantikos, podendo ser traduzido como “aquilo que tem sentido”. Ela se ocupa do estudo dos significados de tudo
aquilo que compõe uma linguagem ou uma língua, desde os textos, as frases e até as palavras que a compõem.
De acordo com Fodor (2007), a semântica é a teoria de uma língua, natural ou artificial, ela faz parte da
gramática dessa língua. Especificamente falando, é a parte da gramática que se preocupa com as relações entre os
símbolos da língua e as coisas no mundo a que eles referem, ou sobre as quais mantêm condições de verdade.
Com frequência a semântica contrapõe-se à sintaxe, uma vez que a primeira se ocupa do significado de algo,
enquanto a segunda trata a respeito de como as estruturas ou padrões formais desse algo é expresso.
Dependendo da concepção de significado que se tem, existem diferentes tipos de semântica. A semântica
formal, a semântica da enunciação ou argumentativa e a semântica cognitiva, que descrevem o mesmo fenômeno,
mas com conceitos e enfoques diferentes.
No estudo da semântica identificaram-se vários tipos de palavras que foram classificadas conforme as relações
que possuem entre si. A partir dessa distinção foi feita a divisão dessas classes em paronímia, homonímia,
antonímia, sinonímia e polissemia.
A sinonímia é a parte da semântica que se ocupa do estudo das palavras que possuem significados parecidos ou
iguais, ou seja, é o estudo dos sinônimos. Já a antonímia é a parte da semântica que se ocupa do estudo das
palavras que possuem significados contrários ou antagônicos, ou seja, é o estudo dos antônimos.
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Na homonímia, o estudo se volta para as palavras que possuem significados diferentes, mas que tem uma
sonoridade ou uma grafia semelhante, os chamados homônimos. Assim, a homonímia pode se dividir no estudo da
palavra homófona, que tem o mesmo som, mas grafia diferente; homógrafa, que tem grafia igual, mas som
diferente, e homônima perfeita, que possuem som e grafia idênticos.
A paronímia estuda aquelas palavras que são parecidas na grafia e na escrita e que tem significados diferentes,
os parônimos.
Já a polissemia ocorre quando uma palavra assume diversos significados de acordo com o contexto.
Abordagens do estudo semântico
Diferentemente da abordagem moderna, a semântica nos primórdios da linguística era pouco explorada, tendo
sua denominação apenas no final do século XIX, sendo uma ciência considerada sem um objeto específico. Por
muitos anos, a semântica, segundo Greimas, foi relegada em segundo plano por ser considerada sem sentido, tida
como “uma ciência que busca a si mesma” (pág. 13).
Conforme o desenvolvimento da ciência da significação, as semânticas se distinguiram e hoje abrangem várias
áreas do estudo do significado e da linguagem.
A linguística estrutural de Saussure fornece a base para a semântica estrutural, que entende a língua como um
sistema onde as palavras têm sentido em relação às outras, elas correspondem ao significado essencial e
existencial daquilo que representam. Existe uma dependência entre significante e significado, e entre as palavras de
um determinado campo semântico. Os termos possuem significado a partir das relações com os outros, recebendo
unidade quando se distingue deles. Um exemplo seria a frase “primeiro explorei as larguezas de meu pai, ele dava-
me tudo o que lhe pedia, sem repreensão, sem demora, sem frieza”, de Machado de Assis no livro Memórias
Póstumas de Brás Cubas, onde o sentido do termo largo é conotativo, houve o emprego da palavra larguezas no
sentido de generosidade, benevolência.
A semântica formal utiliza da lógica clássica quando se analisa dedutivamente os significados e como eles
interagem entre si. Toma-se uma referência, e os sentidos tomados a partir dessa referência são usados para dar
valor aos significantes. São bastantes presentes os conceitos de acarretamento e pressuposição, que são relações
entre uma sentença e outra na construção do sentido. O acarretamento ocorre quando a verdade de uma sentença
automaticamente gera a verdade de outra, como no exemplo “Maria comprou bananas e maçãs” que acarreta a
frase “Maria comprou frutas”. A pressuposição ocorre quando há uma dedução de sentido através de uma frase,
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como por exemplo, “Maria deixou de fumar”, onde pressupõe-se que o falante e o ouvinte sabiam que Maria era
fumante.
A semântica da enunciação, como o nome diz, leva em conta o contexto da utilização dos termos, quem usa e
como usa. A intenção do enunciador muda o sentido e o significado dos termos, e "o sentido só é possível na
enunciação e nos encadeamentos argumentativos dos quais a palavra participa" (MOKVA, pág. 25). Fora do
discurso, as palavras são virtuais. Na sentença “Não fiz os exercícios, mas estava doente”, a preposição, mas não
gera sentido de oposição à primeira oração, não fiz os exercícios, e sim a uma ideia implícita, gerando um sentido
de causa ou justificativa.
Há também um modelo semântico recente chamado cognitivo que analisa os significados tendo como referência
os movimentos corpóreos, uma análise imagética do discurso, tomando como base que as referências para a
criação da realidade passam por processos cognitivos. Trabalha principalmente com a metonímia e metáfora,
hierarquia e relação de significado entre uma palavra e outra. A expressão “me poupe”, onde há o emprego do
termo poupar, que é originalmente ligado ao dinheiro, é lida como “poupe meu tempo”, por exemplo.
Planejamento da aplicação da semântica
Os exemplos contidos nesse artigo mostrarão que a semântica é pouco trabalhada em sala de aula e, mesmo
sendo levada a ela por meio de atividades práticas, deixa a desejar no conteúdo verdadeiramente semântico. O que
o professor pode fazer para que isso não aconteça, é não seguir somente o livro, levando tarefas que contêm
questões de semântica para trabalhar junto com os alunos em sala ou para dever, como meio de pesquisa ou outra
atividade do tipo. Além disso, os planos de aula devem ter foco na semântica e em suas competências de
aprendizagem.
Antes de estabelecer quais os objetivos das aulas, é preciso identificar o que os alunos já sabem e depois disso,
o professor pode estabelecê-los. Esses objetivos podem ser, por exemplo, desenvolver nos alunos habilidades
como a 1.7 – Reconhecer o objetivo comunicativo (finalidade ou função sociocomunicativa) de um texto ou gênero
textual, 3.2 - Justificar o título de um texto ou de partes de um texto, 3.4 - Reconhecer informações explícitas em um
texto, 3.5 – Inferir informações (dados, fatos, argumentos, conclusões...) implícitas em um texto, 3.8 - Avaliar a
consistência (pertinência, suficiência e relevância) de informações de um texto, além dos tópicos 4 - Seleção lexical
e efeitos de sentido e 5 - Signos não verbais, dos eixos temáticos do CBC (Currículo Básico Comum) proposto pela
secretaria de educação de cada estado, no caso dos mencionados, Minas Gerais.
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Durante e após as aulas de exposição do conteúdo necessário, é essencial que o professor aplique atividades de
fixação para que ele perceba se houve o desenvolvimento das habilidades acima descritas, se os métodos
escolhidos estão sendo eficazes, se os alunos conseguem acompanhar com clareza o conteúdo desenvolvido.
Dessa forma, eles estarão aptos a desenvolver e a realizar atividades semânticas e estarão também nivelados com
relação a seus pares, o que é de extrema importância, pois é crucial que nenhum aluno fique defasado do ponto de
vista linguístico.
Instrumentos de trabalho do docente
Conforme a semântica é introduzida ao aluno, é necessário apresentar um conteúdo que esclareça as
possibilidades polissêmicas que as palavras podem apresentar em diferentes contextos, além do impacto da
gramática nessas modificações.
Dessa forma, o professor deve utilizar de artifícios que podem exemplificar e demonstrar o papel semântico
das palavras seja através de fragmentos textuais – cujo objetivo é indicar a finalidade significativa de algum trecho –
, ou de textos que apresentem uma relação de intertextualidade com imagens – charges podem auxiliar de maneira
significativa quanto a esse aspecto.
Interligados com a ambiguidade, a conotação e a denotação possuem um papel essencial em relação à
interpretação semântica de trechos textuais, por exemplo,
quando digo “A égua da minha sogra morreu ontem”, há uma duplicidade de sentido, em
que o substantivo “égua” pode tanto significar o animal pertencente à sogra, como
também pode ser um termo pejorativo da expressão „égua da minha sogra‟.
(ALBUQUERQUE, BARROS, 2015)
A fonética também pode oferecer uma grande diversidade quanto ao conteúdo semântico de um texto, uma
vez que ela produz efeitos de humor na troca de fonemas que são geralmente utilizados em outras variações
linguísticas.
Para exemplificar, temos a seguinte charge, retirada do Portal do Professor fornecido pelo MEC:
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Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=13259
Ao analisarmos o contexto, percebe-se que a variação linguística rural foi utilizada para atribuir diferentes
significados para as palavras “firme” e “futebol”. Nesse dialeto, é comum observar a troca do fonema /l/ pelo fonema
/r/, o qual foi responsável pelo efeito de humor na tirinha. Para analisarmos o diálogo, temos:
(A) Iae cumpadi, firme?
(B) Não, futebor.
Na sentença (A), o emprego da palavra “firme” foi utilizado para exprimir o sentido de um cumprimento
coloquial. No entanto, na variante rural, “firme” pode significar “filme”, o que produz o efeito humorístico na tirinha ao
relacioná-la ao conteúdo imagético, uma vez que o locutor de (B) estava assistindo televisão.
Através de análises que desenvolvam a capacidade interpretativa do aluno por intermédio da semântica, o
professor deve nortear sua prática pedagógica por meio de um material que demonstre os diferentes sentidos que
determinadas palavras podem possuir em diversos contextos, aprimorando suas habilidades de leitura e
interpretação textual.
Aplicação da semântica na sala de aula
O campo da semântica é, além de importante para a formação do indivíduo como tal, vasto e extremamente
rico em se tratando de atividades para usar em sala de aula. O jogo de palavras é um elemento muito usado em
diversos gêneros textuais e o indivíduo que não é capaz de compreendê-lo fica consideravelmente defasado em
relação aos outros.
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Existem alguns conceitos que precisam ser trabalhados previamente para que o ensino de semântica seja
completo e eficaz para o aluno, como por exemplo, as definições de sentido denotativo e conotativo, polissemia ou
homonímia, ambiguidade, entre outros, aos quais ele pode já ter sido apresentado nos anos anteriores de sua
formação ou nos que ainda estão por vir. Tais definições servem como suporte para a interpretação dos textos
apresentados em aula.
Infelizmente, ainda hoje os conhecimentos acerca da área da semântica não são valorizados no ensino,
mesmo aparecendo consideravelmente em vestibulares e no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). É comum
observar em inúmeros livros didáticos a distorção da avaliação da semântica nas atividades neles propostas e até
certa desvalorização em detrimento da gramática normativa, que é erroneamente tida como o conhecimento
definitivo para a classificação e distinção do aluno que conhece bem a língua portuguesa daquele que não. Sabe-se
que esse tipo de avaliação é, por motivos óbvios, criticado por diversos pesquisadores e estudiosos da língua, como
por exemplo, Sírio Possenti:
(...) em muitos vestibulares e outras provas, há questões de gramática, é verdade. Mas há
também questões de literatura e de interpretação de textos. Por que, então, damos tanta
ênfase à gramática, ao invés de invertermos, ou pelo menos equilibrarmos os critérios de
importância, dando mais espaço em nossas aulas à literatura e à interpretação de textos?
(POSSENTI, Sírio. 1996, p. 55, 56)
Mesmo naquelas atividades propostas que envolvem os verdadeiros conhecimentos semânticos, é possível
notar a presença extremamente marcante da gramática normativa, como é o exemplo da questão proposta por
William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, no livro didático Português: Linguagens do 7º ano do ensino
fundamental:
Figura 1: questão 2 da sessão “Semântica e discurso”
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É claro que o ensino da sintaxe é responsabilidade do professor de Língua Materna, bem como o ensino de
semântica. Entretanto, é preciso criar uma metodologia capaz de explicitar e valorizar a interdependência que existe
entre elas. Em se tratando da atividade apresentada, o aluno que tem conhecimento da gramática a executaria tão
corretamente quanto um aluno sem conhecimento do nome dos termos da frase, caso a atividade apresentasse um
exemplo. Isto pode ser explicado devido ao fato de que o aluno “não-gramaticalizado” faz uso da língua tão bem
quanto (ou melhor, que, do ponto de vista interpretativo) o outro aluno, com melhores noções gramaticais.
O estudo que visa o complemento sintaxe-semântica é extremamente importante, pois nem tudo o que está
de acordo com as normas gramaticais produz sentido e nem tudo que produz sentido está de acordo com as
normas gramaticais. A frase do renomado linguista americano Noan Chomsky (1957) é um exemplo claro disso:
“Colorless green ideas sleep furiously”. Conforme a sintaxe da língua inglesa, na qual o adjetivo antecipa o
substantivo, a frase é gramatical: adjetivo + adjetivo + substantivo + verbo + advérbio. Entretanto, ela não produz
sentido, uma vez que 1) ideias (substantivo abstrato) não têm cor, portanto não podem ser verdes; 2) se ideias são
incolores, conforme afirma a própria frase, novamente, não podem ser verdes; 3) “furiosamente” não é um advérbio
que complementa o verbo “dormir”, não é possível dormir de forma furiosa; 4) ideias não podem dormir. Já a frase
do escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo, da crônica “O gigolô das palavras”, ilustra a possibilidade de se
produzir sentido mesmo sem seguir todas as regras gramaticais: “dizer „escrever claro‟ não é certo, mas é claro,
certo?”. Nessa frase, notamos que a forma correta, gramaticalmente falando, seria “escrever claramente”, pois
indica o modo como algo será escrito, entretanto a falta dessa adequação não prejudica o entendimento da ideia
transmitida pela frase.
Analisando tais informações, percebe-se claramente a inversão da valorização com relação às áreas de
estudo e habilidades da língua. Como é dito por uma série de linguistas, pesquisadores e estudiosos da língua
portuguesa, é direito de todos os alunos conhecer a variedade padrão da língua falada por eles. Deve-se também
considerar as outras habilidades que compõem a língua, uma vez que ela não é apenas feita da norma culta. Sendo
assim, é necessário buscar metodologias e didáticas que explorem, ensinem e valorizem a escrita, a interpretação e
a produção de textos, de forma que a norma padrão seja apresentada de forma contextualizada, ajudando o aluno a
entender quando deve usá-la, não impondo a ele seu uso em todos os momentos, em todos os contextos, com
todas as pessoas.
O professor de Língua Portuguesa, mesmo aquele ainda em formação, tem a consciência da importância do
seu papel na formação do estudante. Esse, durante a graduação, é apresentado – ou pelo menos deveria ser – a
diversas formas de facilitar o contato de seus alunos com o conteúdo de sua disciplina, o que muitas vezes não
acontece, comprometendo assim a formação do estudante, como ressalta Luft:
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O que me preocupa profundamente é a maneira de se ensinar a língua materna, as
noções falsas de língua e gramática, a obsessão gramaticalista, a distorcida visão de que
ensinar uma língua seja ensinar a escrever “certo”, o esquecimento a que se relega a
prática da língua, e, mais que tudo: a postura opressora e repressiva, alienada e alienante
desse ensino, como em geral de todo nosso ensino em qualquer nível e disciplina. (LUFT,
Celso. 1998, p. 9, 10)
Tal acontecimento, com o ensino da língua materna, deve-se ao fato de que muitos buscam estudar a língua
como ciência, o que pode ocasionar uma série de considerações e interpretações indevidas, como comenta Bagno:
O linguista moderno, em seu afã de “cientificidade”, abjura todo olhar subjetivo sobre os
fenômenos que estuda e procura desempenhar sua tarefa com a mesma frieza com que,
digamos, um geólogo examina e descreve suas pedras, rochas e solos. (BAGNO, Marcos.
2014, p. 92)
O professor que busca uma visão mais científica da língua e que, graças a isso, supervaloriza as normas do
Português padrão e suas nomenclaturas e leva tal metodologia à sala de aula pode estar adotando um ensino
prejudicial ao aluno, uma vez que se cria a perspectiva de que o aluno precisa unicamente conhecer todas as regras
contidas nas gramáticas normativas, ignorando assim qualquer outro tipo de conhecimento relacionado à língua
portuguesa. Conhecer e dominar uma língua não são conhecer e dominar suas regras gramaticais é fazer uso
correto de todas as áreas: leitura, escrita e interpretação.
Ao fazer uso da metodologia gramaticalista, o professor também cria nos discentes a falsa ideia de que eles
não sabem, não conhecem e não fazem bom uso da língua portuguesa. Tal estratégia – errada e insegura – de
dominação e de supervalorização da matéria, usando as nomenclaturas complicadas e desnecessárias para o
entendimento de seu conceito, apenas servem para criar uma sala de aula desmotivada e desinteressada,
afastando assim os alunos do conhecimento, o professor dos alunos e da chance de fazê-los compreender melhor
sua maior e mais importante ferramenta de comunicação e socialização.
Os professores de Língua Portuguesa precisam perceber que os conhecimentos semânticos se relacionam
melhor com a interpretação do que com normas e nomenclaturas gramaticais. Precisam perceber também que os
alunos, em seu cotidiano, têm contato com vários gêneros textuais que exigem deles o conhecimento semântico, e
esses, em sua maioria, fazem uso dele com excelência, pois são sim conhecedores de sua língua. Sendo assim,
visando a aproximação com os alunos e a apresentação de atividades relacionadas à semântica de forma mais
atrativa e interessante, o professor pode usar de elementos do cotidiano dos alunos, como por exemplo, memes
(imagens que na maioria das vezes são retiradas de seu contexto original buscando produzir humor a partir de sua
introdução em novos contextos), menes (imagens que, em sua totalidade, exigem do leitor uma análise mais
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profunda e utiliza sempre jogo de palavras, mostrando que nem sempre as palavras significam apenas o que
indicam os dicionários), charadas (principalmente as que usam de trocadilhos, os conhecidos “o que é, o que é?”),
propagandas criativas, além dos recursos mais comuns, como letras de músicas e charges.
O papel do verdadeiro professor, portanto, consiste em respeitar o aluno e acreditar no conhecimento que ele
já possui, em sua maioria apenas praticamente falando. A partir disso, é dever do docente aproximar o aluno desse
conhecimento, aprofundando seus conceitos, e ensinando a ele como dominá-lo e usá-lo da forma mais condizente
com seus interesses.
REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, Rhullielton Pereira Lechner de. BARROS, Adriana Lúcia de Escobar Chaves de. Revista
Philologus, Ano 21, Nº 61 Supl.: Anais do VII SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2015.
CEREJA, William Roberto. MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens – 7º Ano. 5ª edição. São
Paulo: Atual, 2009.
CHOMSKY, Noam. Syntactic Structures. Disponível em
<https://archive.org/details/NoamChomskySyntcaticStructures> Acesso em: 25 Mar 2017
COSTA, Josinaldo Trajano da. SILVA, Francisco Gomes da. OLIVEIRA, Francisca Emídia da Costa. TEMÓTEO,
Antonia Sueli da Silva Gomes. Por que estudar semântica na educação básica? Disponível em:
<http://www.editorarealize.com.br/revistas/setepe/trabalhos/Modalidade_1datahora_21_08_2014_14_51_38_idinscrit
o_39_9b94afe5f765531264ee4a5251f31ac8.pdf>. Acesso em: 24 Mar 2017.
COSTA, M.A. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, M.E. (Org.) et al. Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto,
2008.
FODOR, Jerry. Semântica: uma entrevista com Jerry Fodor. ReVEL. Vol. 5, n. 8, 2007. Tradução de Gabriel de
Ávila Othero e Gustavo Brauner. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].
GREIMAS, A.J. Semântica estrutural: pesquisa de método. 2ª ed. São Paulo: Cultrix, 1976.
MARTINET, André. Elementos de linguística geral. 8 ed. Lisboa: Martins Fontes, 1978.
MOKVA, Ana Maria Dal Zott. A semântica na sala de aula. Disponível em
<https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/112170> Acesso em: 29 Mar 2017.
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SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. Trad. De Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São
Paulo: Cultrix, 1995.
SILVEIRA, Andréia. N.S. Semântica formal: uma proposta para a interpretação de texto na educação básica.
Disponível em <http://bdm.unb.br/handle/10483/8983>. Acesso em: 01 Abr 2017.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. O gigolô das palavras. In: VERÍSSIMO, L.F. O nariz e outras crônicas. 10 ed. São
Paulo: Ática, 2002.
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LEITURA COMO PRÁTICA SÓCIO-HISTÓRICA
Júlia Márcia Bechtlufft Souza
RESUMO: Este artigo apresenta abordagens e concepções que nortearam a análise de práticas de leitura na sala de aula, meu objeto de estudo no Mestrado em Educação (UNINCOR). é o desejo de discutir o tema à luz do referencial teórico que sustentou a pesquisa. Neste texto, procuro apontar alguns elementos da gênese histórica da leitura (letramento, interação verbal, linguagem), com o objetivo de compreender as práticas de leitura de alunos e alunas das séries iniciais de uma escola da rede pública e o currículo presente nessas práticas. A questão norteadora da pesquisa foi: em que medida a escola do Ensino Fundamental dos anos iniciais cumpre seu papel de formadora de leitores e leitoras? A pesquisa foi submetida a uma abordagem qualitativa, na perspectiva do estudo de caso. Como técnicas e instrumentos, utilizei a entrevista semiestruturada, o questionário e a observação de aulas. O corpus de textos, que emergiu das respostas e observações, foi analisado pela “análise de conteúdo”, segundo os postulados de Bardin (2004). Os resultados mostraram que as práticas de leitura observadas apresentaram-se heterogêneas, oscilantes, com avanços e recuos contínuos, o que aponta para a necessidade de intensificar os estudos sobre as práticas de leitura no contexto escolar, num trabalho de maior envergadura. Alunos e alunas tornam-se sujeitos leitores por causa da escola e apesar dela; melhor dito: não é possível afirmar que a escola pesquisada cumpre efetivamente o papel de formadora de leitores e de fomentadora de leituras. Nem mesmo é possível afirmar a serviço de que ou de quem as práticas de leitura estão, Sabe-se que é comum no interior da escola, o trabalho com exercícios e atividades de Língua Portuguesa em que prevalece a gramática normativa, como confirmaram as professoras entrevistadas e poucos momentos de leitura e de compreensão leitora. Há, entretanto, algumas práticas de leitura muito significativas, embora menos frequentes nos planejamentos e nas aulas observadas.
PALAVRAS-CHAVE: práticas de leitura, leitura, letramento, linguagem.
INTRODUÇÃO
O estudo das práticas de leitura leva-me à reflexão sobre algumas concepções caras à análise das práticas
de leitura, sobre o espaço da sala de aula como campo das relações dialógicas e de linguagem e sobre o (não)
usufruto da cultura de leitura, cultura essa construída e praticada secularmente.
Em estudo sobre as práticas de leitura, não tomei como ponto de partida saber onde começa a história da
leitura, nem mesmo pretendi realizar um mero relato cronológico; fiz, na verdade, algumas escolhas, definindo um
corpus que me permitisse “apanhar” a história da leitura para, finalmente, chegar à sala de aula e,
consequentemente, às práticas de leitura, que é meu objeto de estudo.
Na literatura que trata do tema, encontramos os estudos de Batista, Galvão e Chartier que apontam
elementos históricos da leitura no ocidente e no Brasil, principalmente, que considero da maior importância para
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compreensão das práticas de leitura e de tudo que ela envolve: linguagem, interação, modos de ler, letramento,
dialogismo. São os autores citados que me encaminharam, de certo modo, à leitura de outros autores (Bakhtin,
Soares, Geraldi, Kleiman), que também compuseram o arcabouço teórico da pesquisa realizada.
Práticas de leitura, modos de ler, leitores e leitoras no mundo ocidental.
“Entrar nesses cenários de um passado perdido” (GRAFTON, 1999, p.15), composto de livros, textos,
práticas e leitores foi inevitável para o estudo e a compreensão das práticas de leitura, uma experiência milenar. Por
isso digo que passeei por esses cenários, guiada por Chartier e Cavallo e por autores como Gilmont, Dominique
Julia, Wittmann, Lyons, Petrucci.
Os estudos de Chartier e Cavallo (1999) mostram que, na Renascença, a leitura caracterizava-se pelo uso
de acessórios inteligentes como “fetiches de alto custo que davam glamour ao seu ofício” (p.38) e não como
ferramentas práticas para facilitar o trabalho de leitura. Os que possuíam “cadeira de barbeiro” (giratória), “roda de
livros”, “estantes rotativas” experimentavam uma sensação de vantagem sobre os “leitores menos afortunados”.
Gilmont (1999) lembra que Henrique VIII, em 1543, distinguia três categorias de pessoas e leituras: os
nobres e os fidalgos, que podiam ler e mandar ler em voz alta a Bíblia (em inglês); as mulheres, os artesãos, os
aprendizes e os estudantes que eram proibidos de lê-la; os burgueses e as mulheres nobres que só podiam ler para
si próprios - e para ninguém mais - qualquer texto da Bíblia e do Novo Testamento.
A catequese, que limitava o uso da leitura silenciosa, com receio de seus efeitos contraditórios, usava o livro
como suporte da memória, exigindo que esta memorização precedesse a explicação e enfatizasse a oralidade,
como explica Gilmont: “[...] Sem dúvida, o livro é indispensável: o texto lido em voz alta pelo pai de família ou pela
catequista é seguido em silêncio com os olhos pela criança que escuta.” (1999, p.61)
Dominique Julia (1999), por sua vez, afirma que, com a Contra Reforma, houve um grande esforço
pedagógico no sentido de fazer dos membros do clero paroquial “homens de estudo e de livros” (p.92). Segundo o
autor, a leitura dos textos sagrados não era autorizada a todos, cabendo à Igreja, portanto, “ocultar os mistérios aos
indignos e distanciar os profanos do santuário” (LE MAIRE, 1651, apud DOMINIQUE JULIA, 1999, p.86/7). Era esse
o argumento católico que aparecia em muitos prefácios: o catolicismo proibia a leitura da Escritura por artesãos,
mulheres e para “toda espécie de pessoas de qualquer condição”, consideramos, portanto, como indignos de lê-la.
No universo protestante, diferente do que ocorria no mundo católico, a leitura da Bíblia dependia somente
da liberdade do fiel. A leitura, nesse contexto, tornou-se um encontro do leitor com o texto, o que foi reforçado
19
posteriormente, no Século das Luzes (século XVIII), quando ocorreu uma mudança da relação do leitor com o livro.
(BAJARD, 1994, p.39)
Na França, a leitura libertina, lembra o início do processo de modernização da leitura:
Nada é acolhido, impresso, vendido, lido, recomendado com mais avidez do que
justamente os escritos nos quais se desdenha da religião. Eles passam de mão em mão.
[...]. As escolas normais e a liberdade de imprensa colocam à disposição do homem
comum tudo o que é engendrado pela febre de escrita de tais sedutores e que é posto à
luz do dia.(WEISSENBACH, apud WITTMANN, 1999, p.145/6).
Importante observar que o local principal de leitura, no século XVIII, era a morada burguesa, a esfera
doméstica privada. A leitura na cama também era apreciada pelo público leitor feminino (p.150). A preferência do
público, no final desse século, eram os periódicos e os romances, que exigiam uma leitura rápida e desconcentrada.
A partir do século XIX deu-se “uma enchente de bibliotecas circulantes nas sociedades literárias, surgindo
com elas a leitura individual, escapista ou dedicada à ascensão social”. Segundo Wittmann, “as sociedades literárias
em organizações auto administrativas sem fins lucrativas, que tinham como objetivo pôr à disposição de seus
membros, a preços mórbidos, material de leitura.” (1999, p. 158).
Foi no século XIX, considerado a “era do ouro” do livro no mundo ocidental (WITTMANN,1999:165), que
esse público leitor do mundo ocidental atingiu a alfabetização em massa. A comunidade leitora infantil surgiu
também nesse século, com a expansão da educação primária na Europa. As mulheres eram, por seu turno, o
principal alvo da ficção romântica e popular, embora não fossem as únicas leitoras de romances. Segundo Lyons,
A feminização do público leitor de romances parecia confirmar os preconceitos
dominantes sobre o papel da mulher e sua inteligência. Romances eram tidos como
adequados para as mulheres por serem elas vistas como criaturas em que prevalecia a
imaginação, com capacidade intelectual limitada, frívolas e emotivas (1999, p.171).
A ideia era que o significado residia no texto e que este era o “receptáculo garantido das ideias do autor”
(BAJARD, 1994, p.54). Ao leitor competia, portanto, o reencontro desse significado.
No início do século XX muitos eram os defensores da leitura em voz alta que, acreditavam, estava protegida
da rapidez e da superficialidade. Nessa época, a leitura silenciosa era bastante criticada e só mais tarde reivindicou-
se “a prerrogativa de ser o único modelo de leitura”, substituindo a hegemonia da leitura em voz alta. (BAJARD,
1994, p.44)
20
Se antes do advento da televisão, a leitura era o meio mais adequado para difundir valores e ideologias,
depois dele já se reconhecem como discute Petrucci (1999, p. 217), práticas de recusa do cânone corrente1
(tradicional).
As reflexões desse autor apontam ainda regras de leitura e de comportamento de leitores e leitoras ditadas
pela pedagogia moderna e aplicadas na escola burguesa (séculos XIX e XX): “deve-se ler sentado em posição ereta
com os braços apoiados na mesa, com o livro diante de si, e assim por diante [...]” (1999, p. 221)
No Brasil, os livros de leitura só foram impressos no final do século XIX, para substituírem as “cartilhas
grosseiras” e os manuscritos. Nesse período, as práticas de leitura não estavam preocupadas com prazer, já que a
relação entre leitura e prazer era considerada nociva. (BATISTA e GALVÃO, 1998). Tal relação denunciava a
insuficiência e a fragilidade das práticas de leitura desse século: “Era o ler por ler, sem incentivo, sem préstimo, sem
estímulos nenhuns”. (ROMERO2, 1851-1914)
Para Batista e Galvão (1999), foi somente no século XX que a escola passou a preocupar-se como o prazer,
a assumir novos modos de ler e novos papeis em relação à leitura. Certas práticas de leitura e certos gêneros
textuais (a história em quadrinhos, por exemplo) eram proibidos. Nos internatos do século XIX, lia-se às escondidas,
e havia uma rede de circulação de objetos de leitura entre alunos e alunas não prevista pela escola, assim como
ocorria no século XVIII, época em que circulavam entre oficiais e administradores, livros obscenos e profanos.
O público leitor, no Brasil, intensificou e cresceu somente a partir do século XX. Na década de 70, os livros
destinados a leitores e leitoras infantis invadiram a escola, o que caracterizou a escolarização da literatura infantil. O
livro didático, segundo Batista e Galvão, passou a ser colocado em xeque pelo uso de jornais, livros, revistas,
quadrinhos, tornando forte a crença na necessidade e no prazer de leitura. Em consequência disso, práticas e
atividades pouco prazerosas, embora reconhecidamente necessárias para o desenvolvimento de competências de
leitura, foram esquecidas, colocadas em situação marginal pela escola.
Lembram Batista e Galvão que o modelo de leitura de “dar e tomar lição”, a leitura em voz alta e de
memorização cedem lugar a outros modos de ler no século XX:
as práticas tendem a selecionar textos que evidenciem uma forte preocupação com a
formação moral e ideológica de seus alunos e com o aprendizado das regras de
correspondência entre letra e fonema e de ortografia. (BATISTA e GALVÃO, 1999)
1 “Cânon e sua variação cânone vêm do grego kânon, através do latim canon e significam: regra, ou mais especificamente: 1-
Regra geral de onde se inferem regras especiais; 2- Relação, catálogo, tabela; 3- Padrão, modelo, norma.” (CAFIERO, Delaine;
CORRÊA, Hércules T. In: ROJO, Roxane; BATISTA, Antônio Augusto G. Livro didático de Língua Portuguesa, letramento e
cultura da escrita. Campinas, SP: Mercado da Letras, 2003. Na crítica multiculturalista, o cânone é a lista de obras
consideradas dignas de figurar no currículo oficial, coincidindo, em geral, com as obras produzidas por pessoas pertencentes à
cultura dominante. (SILVA, 2000, p. 23).
2 Citado por Marisa Lajolo, em seu livro Do mundo da leitura para a leitura do mundo. (São Paulo: Editora Ática, 1994, p.57)
21
Desse modo, as práticas de leitura foram determinadas não só pelas épocas em que se deram, mas
também, e principalmente, pelas concepções de leitura de cada uma das comunidades de leitores.
Práticas de leitura: texto, contexto e interação
O termo “leitura” aparece no dicionário Aurélio com algumas definições, dentre elas: “[Do lat. Medieval
lectura.] S.f. 1. Ato ou efeito de ler. 2. Arte de ler. 3. Hábito de ler.”
Alguns autores e autoras com os quais dialogo durante a pesquisa (Dell‟Isola, Soares, Geraldi, Kleiman,
Paulino, Bakhtin), associam a leitura à interação e à construção de sentido, à “conexão” entre o texto e o contexto
do texto, entre o texto e o contexto do leitor. Assim entendido, o texto não é concebido como algo dado, pronto,
tampouco algo que encerra em si a significação, porque depende do leitor que se encarrega da produção de sentido
e da interação. Uma vez escrito, o texto não pertence ao seu autor: o autor está aquém da sua criação (texto).
Sábio, esse texto cria asas e o autor não pode fazer, senão cumprir o papel de expectador. (SANT‟ANA, 2004) 3
Embora o texto tenha uma existência anterior à sua leitura, ele não contém, em si, um sentido; em outras
palavras, no ato de ler, interrompe-se um discurso que cede lugar a outros tantos:
Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu
todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no
tecido, a ideia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo[...] (BARTHES,
2004, p.74).
A compreensão do texto sugere a interlocução que, para Moura (2000, p.10), é também um conceito
fundamental à compreensão dos sentidos dos textos:
O que seria da vida se não existisse a interlocução.
Permitam-me separar a palavra e verificá-la no dicionário:
Inter: posição intermediária.
Locução: modo especial de falar; linguagem; maneira de dizer, dição, dicção.
Reunião de palavras equivalentes a uma só.
3 Afonso Romano de Sant‟Ana. na crônica “Leitura faz acontecer”, diz: "O autor não tem a menor ideia do que pode
desencadear nos leitores. Seja a alegria seja o pranto.”.
22
Interlocução: Conversação entre duas ou mais pessoas. Interrupção do discurso pela fala de
novos interlocutores.
É no espaço da interlocução que os sujeitos e a linguagem se constituem: “[...] lendo a palavra do outro
posso descobrir outras formas de pensar que, contrapostas às minhas, poderão me levar à construção de novas
formas [...]” (GERALDI, 2003, p.171)
Nessa perspectiva, ler representa mais que a decodificação de sinais e a recepção de textos. A leitura é um
processo complexo que, na concepção de Dell‟Isola, envolve “apreensão, compreensão, inferência e transformação
de significados a partir de um registro escrito” (2001, p.39).
Tais reflexões levam-me à conclusão de que o aspecto social da leitura - pelo qual me interesso nesta
pesquisa - é consenso entre os autores escolhidos. Em que pese à prática de leitura, vale a pena observar como se
dão as interações nesse espaço, como os sujeitos leem e o que leem e compreender que as concepções de leitura
assim como as relações que nas práticas se estabelecem carregam as marcas de cada época e estão, portanto,
ancoradas na História.
A ideia de leitura como produção (de sentido e de conhecimento), para além do treino e do reconhecimento
de letras e sons, remete a outra ideia que diz respeito às inferências e ao contexto sociocultural de que trata
Dell‟Isola:
Não é possível haver leitura sem compreensão. Ler é compreender: sem compreensão
não há leitura. Compreender um texto é ter acesso a uma das leituras que ele permite, é
buscar um dos sentidos possíveis oferecidos por ele, determinando sua bagagem
sociocultural que o leitor traz consigo. (2001, p.36)
Há ao que parece, um empenho dos autores em mostrar a importância de se compreender a leitura a partir
da interlocução e um interesse em aprofundar os conhecimentos sobre leitura como prática sócio histórica. No
Brasil, como em outros países, organiza-se um campo de investigação sobre a leitura em seus diferentes aspectos.
Pesquisas, estudos e análises realizadas nessa área, contribuem, em alguma medida para a reflexão sobre as
práticas de leitura e a formação de leitores na escola, embora ainda haja muito que fazer para melhoria das práticas
de leitura desenvolvidas na escola. Batista e Galvão abordam este aspecto ao fazerem um histórico das pesquisas
em Ciências Sociais sobre o tema.
Linguagem, dialogismo e polifonia sob o enfoque socioideológico de Bakhtin
23
Se a leitura, como prática sócio-histórica remete à ideia de produção, faz-se necessário discutir também a
interação e a linguagem que subjazem as práticas de leitura.
A concepção bakhtiniana, que tomei como referência no meu trabalho, revela que o homem se põe por
completo na palavra e tal palavra entra no tecido dialógico da existência humana. Bakhtin (1992, apud KRAMER,
1998, p.74) defende que a palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de
interpretação, portanto na leitura. Segundo ele, “a palavra é o território comum entre o locutor e o interlocutor”.
O que se pode inferir da teoria de Bakhtin é que cada interlocutor tem consciência do outro e com ele
compartilha ideias, concepções e perspectivas. O pensamento do autor, explicitado em sua obra, compõe uma
unidade garantida pela centralidade da linguagem.
A palavra, para Bakhtin, é um fenômeno, “signo ideológico por excelência” (2002, p.16), a ponte entre o eu e
o outro, pois procede de alguém e se dirige a alguém; não é monológica e sim plurivalente, polissêmica, uma
presença viva da história. Para esse autor, cada palavra revela experiências e valores da cultura do sujeito. Dito de
outro modo, aquilo que o leitor busca na palavra é a resposta do outro que irá constituí-lo como sujeito da
linguagem.
Assim, nas práticas de leitura, o leitor é aquele que depende do outro para criar a si próprio e ao mundo,
para se instaurar como sujeito através da linguagem e da interação verbal.
Lopes4, no mesmo rastro, afirma que “ler é ato que precisa do outro para reconhecer e legitimar sua
inauguração”, o que possivelmente explique a presença da leitura em voz alta nas práticas escolares que, na
concepção da autora, é uma forma de mostrar o que se sabe.
Outra questão importante diz respeito à linguagem. Compreender a linguagem que abarca num só tempo a
individualidade e a coletividade e o diálogo com as diferentes vozes textuais, representa para o sujeito-leitor a
concepção de leitura não somente como atribuição de sentido às palavras, mas como recriação do mundo e
produção de conhecimento. A partir da linguagem, o sujeito-leitor passa a fazer parte de um mundo social mais
amplo. Bakhtin defende que a vida da linguagem, toda ela, está impregnada de relação dialógica, pois em cada
palavra ressoam duas vozes: a do eu e a do outro.
Bakhtin sugere que se pense em práticas de leitura mais abertas e polifônicas5, que se preserve a dimensão
sócio-histórica do sujeito na produção e no uso da linguagem, considerando que não existe nem a primeira nem a
última palavra, tampouco fronteiras para o diálogo. ( BAKHTIN, 1997)
4 Eliane Marta Teixeira Lopes, Professora Titular (aposentada) de História da educação da Universidade Federal de Minas
Gerais, Psicanalista e escritora. In: Leitura: prazer e saber. Projeto Memória de Leitura, 1995, p. 1-7
24
A leitura na perspectiva do letramento: a diversidade de gêneros, tipos e suportes textuais.
Outra concepção que também merece discussão no âmbito da leitura e das práticas de leitura é o
letramento, que é a interação com portadores de leitura e escrita vários. Como explicita Soares, letramento é o
estado ou condição do sujeito que se envolve em práticas sociais de leitura e escrita e alfabetização é a “aquisição
do sistema convencional de escrita.” (2003, p.12).
Para Soares (1998), o processo letramento, que envolve tanto a leitura quanto a escrita, começa bem antes
da alfabetização e da chegada da criança à escola, cabendo à educação formal orientar os dois processos. A autora
faz algumas ponderações acerca do processo ensino-aprendizagem e do ingresso da criança no mundo da escrita,
lembrando que alfabetização e letramento são processos interdependentes. Para Soares, “a alfabetização se
desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e escrita” (2003, p.12). Portanto, não há que
se falar de precedência de um ou de outro processo, já que são simultâneos e de inegável importância.
Neste contexto, faz-se necessário atentar para o fato de que “alfabetizar letrando”, como sugere Soares
(ibidem), demanda a existência de leitores e leitoras, usuários de bens culturais, sujeitos que conheçam e usem
tipologias variadas de textos; enfim, que façam uso da leitura e da escrita de diferentes gêneros e tipos textuais.
Costa critica uma prática de leitura conhecida por aqueles que foram “alfabetizados” por meio de cartilha e
que vale ainda hoje. De acordo com a autora, o texto sem sentido não contribui para a formação do leitor crítico:
O Ivo que via a uva, o macaco matuto comendo mamão, o papai que passava pomada na
panela eram companheiros numa amizade sem conflitos nas páginas coloridas na cartilha,
com uma graça forçada, igual ao sorriso amarelo que damos após uma gafe monumental.
(2006, p.24)
A autora oferece ainda uma receita para seduzir leitores que traduz uma prática de leitura significativa que
contempla o texto literário e que me permite o encontro com a minha infância, com minhas primeiras leituras e,
nesse encontro, o reconhecimento da importância da literatura para a leitura do mundo e da palavra.
Ingredientes:
Uma criança em ponto de escuta atenta
5 Polifonia significa, na concepção do autor, a interação de uma pluralidade de perspectivas e pontos de vista diferentes e
diferentes e divergentes (SILVA, 2000, p.92), as vozes polêmicas de um discurso. Dialogismo é o discurso construído a partir
do discurso do outro.
25
Um livro atraente quanto baste
Um local com medidas suficientes de conforto
Um adulto leitor
Uma boa dose de vontade de formar leitores
Uma narrativa envolvente e em escrita criativa.
Modo de fazer:
Em qualquer lugar em que seja possível a concentração, deixar à vontade a criança
– ela pode sentar no chão, na almofada, no colo do adulto -, abrir com encantamento e
segurança o livro e principiar a ler, valorizando o sentido geral do texto e das palavras.
Não se esqueça de olhar nos olhos da criança sempre que possível, incutindo neles o
brilho do próprio olhar do adulto. Deixar lentamente as palavras penetrarem no imaginário,
evocando sensações, imagens, cheiros, o roçar da pele sobre objetos, os sons
musicalizando o ouvido, os espaços de silencia, carregados de sentido.
Sem pressa, viver o momento da leitura como a possibilidade da comunhão de
sentimentos identitários.
Terminada a leitura, não cozinhar perguntas nem levar ao forno das mensagens e
conselhos para a vida. Deixar a massa de o imaginário descansar e o fermento das
sensações atuar.
Se os resultados produzir efeitos esperados e for bem-sucedido, prepare-se para
repetir a receita muitas e muitas vezes ao dia, ao longo da semana, nos meses dos anos
felizes que virão. (COSTA, 2006, p. 27-28)
A proposta para a escola é, portanto, trazer para o espaço da sala de aula os gêneros e tipos textuais de
circulação social e que são muito usuais - bilhete, carta, aviso, histórias em quadrinhos, receita, piada, dentre
outros. O ler por ler não tem sentido para a criança e não desperta nele o gosto de ler, a criticidade necessária para
compreender e avaliar os textos lidos.
Leitura de mundo x leitura da palavra; Aprendendo com Paulo Freire.
A reflexão sobre as práticas de leitura pressupõe a discussão de dois tipos de leitura que, a exemplo de
alfabetização e letramento, mantêm uma relação de interdependência: a leitura da palavra e a leitura do mundo.
26
Freire (1996; 1999), defensor da importância dos conhecimentos prévios e das experiências do sujeito
aprendiz, considera que, no exercício de leitura do mundo, é possível efetivar um processo de conscientização que
permita ao leitor uma ação mais crítica desse mundo. O autor aborda a valorização da leitura de textos, defendendo
ainda a ampliação da leitura do mundo que, para ele, é de inquestionável importância.
Freire (1996) e Kleiman (1997; 1999) mostram que a leitura da palavra e a leitura de mundo são
interdependentes. O que alunos e alunas trazem para a escola ajuda na compreensão da palavra. A ativação do
conhecimento de mundo, do conhecimento prévio, as inferências que dele decorrem tornam-se essenciais para o
sucesso das práticas de leitura, O conhecimento de mundo6, que é parte do conhecimento prévio, é muito
importante para a compreensão e deve ser ativado, “estar num nível ciente”, não perdido no fundo de nossa
memória, como afirma Kleiman (1999, p.21).
As experiências, as expectativas, os interesses, o universo cognitivo do leitor, na perspectiva de Kleiman e
Paulino ajudam na construção de sentido do texto, processo que anuncia o caráter social do ato de ler. As crianças
se inscrevem em espaços de leitura, como a sala de aula, por exemplo, podendo ressignificá-los e reinventá-los,
segundo a sua cultura, com ênfases variadas, com maior ou menor grau de senso crítico.
Freire acredita que linguagem e realidade se prendem dinamicamente. Ele critica as práticas de ensino da
leitura, conforme ocorrem:
A escola está aumentando a distância entre as palavras que lemos e o mundo que
vivemos. Nessa dicotomia, o mundo da leitura é só o mundo do progresso de
escolarização, um mundo fechado, isolado do mundo onde vivemos experiências sobre as
quais não lemos. Ao ler as palavras, a escola se torna um lugar especial que nos ensina a
ler apenas as “palavras da escola” e não as “palavras da realidade”. (1999, p.22)
Na perspectiva do autor, de um lado ficam as palavras do mundo real, ignoradas tantas vezes; de outro, as
da escola, apropriadas para esse contexto. Territórios demarcados pela escola, pelas práticas de leitura na sala de
aula – denuncia Freire (1999). Cabe, portanto, pensar: a que escola Freire (1999) se referiu? Será essa a realidade
apresentada pela escola contemporânea? Será esse o lugar que a leitura e os livros ocupam, hoje, no espaço
escolar? O que haveria de atual nas afirmações do autor? Não estaria a escola dando passos para estreitar esses
dos mundos: escola e sociedade?
6 Para Kleiman, o conhecimento de mundo “abrange desde o domínio que um físico tem sobre sua especialidade até o
conhecimento dos fatos como „o gato é um mamífero‟, „Angola está na África‟, „não se deve guardar fruta verde na geladeira,
ou „na consulta médica geralmente há uma entrevista antes do exame físico‟” (1999 p.20/21).
27
Apesar do grande número de pesquisas sobre o tema, os teóricos acusam a falta de conscientização sobre
o ato de ler e a desmotivação que fazem com que, cada vez mais, crianças tenham problemas na organização do
pensamento, na interpretação de textos e na escrita. A prática pedagógica também mostra que não são poucos os
leitores que atravessam os portões da escola lendo mal e tornam-se meros receptadores de informações, sem
capacidade de interpretar e produzir textos.
Sei que a leitura pode começar na escola, ou seja, que se aprende a ler nos bancos escolares. Não é
exagero repetir que a escola é hoje, se não a única, a mais importante agência de letramento que pode permitir ao
leitor estreita relação com os textos e a possibilidade de responder criticamente aos apelos de uma cultura
grafocêntrica – Batista e Galvão discutem essa questão. Também sei que a escola pode e deve contribuir para que
alunos e alunas, que só tenham oportunidade de vivificar tais eventos ao ingressarem nela, com o início do
processo formal de alfabetização, assumam atitudes positivas em relação à leitura, para que sejam motivados e
encorajados para o ato de ler no espaço escolar e fora dele.
O desafio que hoje se coloca às práticas de leitura no cotidiano escolar, até onde se sabe, vai muito além do
ensino das letras, sílabas, palavras e frases.
Batista faz um encaminhamento para as práticas de leitura, ao lembrar que se deve:
[...] possibilitar aos alunos a aquisição do conjunto de conhecimentos que uma certa
tradição de escrita pressupõe para uma compreensão adequada dos textos. Possuindo
acesso a esses conhecimentos, os leitores poderão desenvolver estratégias de leitura
adequadas não apenas a esses objetivos e interesses como também ao universo cultural
e discursivo no qual foram produzidos e para o qual foram dirigidos os textos que se leem.
(1991, p.36)
Todas essas considerações remetem à necessidade de se pensar a leitura como produção de
conhecimento e o leitor como sujeito produtor desse conhecimento.
Gênero, raça, etnia, classe e outras questões das práticas de leitura na sala de aula
Assim, se se considera a diversidade e a pluralidade racial, étnica, etária e de classe, as
particularidades de gênero e, ainda, as diferenças entre as experiências rurais e urbanas,
é relevante levar em conta a especificidade da relação da instituição escolar com as
múltiplas dimensões (culturais, políticas, econômicas, sociais) dos vários processos de
28
formação vivenciados pelos diversos sujeitos sociais, sejam estes entendidos como
indivíduos ou como grupos. (FARIA FILHO, 1999, p.146).7
Percebe-se, no contexto escolar, uma negação pela escola, das diferenças culturais do seu público, um
silenciamento das crianças que participam deste contexto. De fato, as questões de gênero, raça, etnia, sexualidade,
eclodem nas salas de aula sem que professores e professoras estejam preparados para lhes fazer frente:
Ao ser pega pelo contrapé quando ocorrem conflitos baseados em preconceito e
discriminação, a escola, tal como no conto de Andersen, faz a escolha de continuar o
„desfile‟, como se o problema ocorrido fosse evento esporádico, atípico, inusitado, ocorrido
num lugar onde reina a igualdade. (EVARISTO e PEREIRA, 2003)
Chartier (1999) lembra que as práticas de leitura, secularmente, estiveram presas a vários territórios: ao
religioso, ao clero, aos grupos sociais, à vontade política, ao Estado. Lembra ainda os vários modos de ler ao longo
da história, apresentando as diferentes leituras e leitores: a leitura feita pelo patriarca, a comunitária, a sentimental
que representava a leitura feita pela burguesia culta, a leitura hermenêutica como “exercício artístico autônomo”
(p.150), a leitura de romances do século XIX, atividade favorita das mulheres francesas nas províncias, as leituras
impostas, secretas, moralizantes.
A obra organizada por Chartier e Cavallo (1999) apresenta ainda dados históricos, que acusam
comportamentos e modos de leitura próprios de países, séculos e leitores diferentes. É dados que delineiam a
pedagogia da leitura do final do século XVIII, uma pedagogia que valorizava a leitura em voz alta sob o ponto de
vista “dietético” 8; a leitura individual da Bíblia, encorajada pelo calvinismo; a leitura de romances de cavalaria que
definia seu público leitor ( leitores jovens e, na maioria, solteiros) e de literatura clássica e humanista destinada a um
público mais burguês e mais jovem ainda (CHARTIER, 1999, p.119) e a leitura que as mulheres do século XIX
faziam para a família, “enquanto os homens cuidavam da escrita e da contabilidade”.(LYONS,1999, p.167)
Os modos de ler do século XVIII, como discute Lyons, são também diferentes para homens e mulheres:
Quando pessoas dos dois sexos estavam juntas numa mesma situação de leitura, a
mulher fica em posição de tutelada com relação ao homem. Em algumas famílias
católicas, as mulheres eram proibidas de ler o jornal. Mais frequentemente, o homem o lia
em voz alta. (1999, p.173)
Tudo isso me leva a pensar na história da leitura não como uma repetição, mas como um prolongamento e
também na mulher conquistando um espaço autônomo como leitora, deixando de ser a “guardiã dos bons costumes,
7 FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Representações da escola e do alfabetismo no século XIX. In: BATISTA, A. A. G.;
GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Leitura: práticas, impressos, letramentos. Belo Horizonte: Autêntica, 1999, p. 146. 8 Segundo Wittmann (1999, p.149), a leitura em voz alta exige um esforço que “põe o sangue em movimento, impedindo a
coagulação dos humores e espantando as doenças e os mal-estares.”
29
da tradição e do ritual familiar” (LYONS, 1999, p.168) do século XIX para assumir, neste novo século, o seu papel
de sujeito da história, de produtora de sentido dos textos.
Por outro lado, temos, neste novo século XXI, uma situação atípica: de um lado, a sociedade
contemporânea caracterizada pela diversidade cultural; de outro, o sistema educacional brasileiro, que ao que
parece, ainda é excludente em relação a algumas questões como gênero, raça, classe.
A leitura e sua prática, no século XXI, produz discriminação na escola, separando alunos e alunas em
alfabetizados e não alfabetizados, letrados e iletrados, com “prontidão” ou não para a leitura. Na realidade, a leitura
da escola parece não ser aquela que leitores e leitoras desejam, como lembra Aquino (1994). Ainda hoje, o desejo e
a ideologia da escola e do professor definem a leitura que o sujeito deve fazer, o que afeta sobremaneira as práticas
de leitura.
As reflexões me conduzem a um questionamento: as práticas de leitura desenvolvidas na e pela escola
estão a serviço de quê e de quem? Os estudos feitos, por exemplo, abrandam algumas dúvidas, mas chamam a
atenção para que tenhamos um olhar atento para o tratamento que livros, textos e escola dão às temáticas etnia,
raça, gênero, sexualidade, classe. Eles provocam inquietações em relação às omissões e às deturpações da
realidade sociocultural na escola, tornando mais complexa a análise tanto dos textos presentes em sala de aula
quanto das respostas das entrevistas e dos questionários.
O currículo, que é fator importante no contexto das práticas de leitura, ao que tudo indica, parece tecido por
jogos de poder, uma vez que delimita os espaços dos pequenos e dos grandes, dos brancos e dos negros, das
mulheres e dos homens, dos alfabetizados e dos analfabetos. O currículo praticado imprime nas práticas educativas
a discriminação, o preconceito e o silenciamento dos sujeitos.
Reportando ao objeto da minha pesquisa, penso também no tipo de leitor que nossas escolas formam, nos
textos que são trabalhados nas salas de aula, naquilo que eles veiculam, no tratamento de temas como raça, etnia,
classe, sexualidade. Questiono ainda as representações subjacentes aos discursos, supostamente neutros e a falta
de criticidade no trato com os textos que empobrecem as práticas de leitura.
A observação das práticas de leitura é possível inferir que práticas de leitura parecem carregadas destas
ideologias e legitimam, de certo modo, o racismo, o preconceito, a exclusão. O que se tem proposto, neste espaço,
é, no máximo, a “tolerância” e o “respeito” aos diferentes grupos culturais, estabelecendo assim o “lugar” de cada
um e o “lugar” de onde falam – atitude que considero excludente.
As práticas de leitura propriamente ditas, revelam atitudes de tolerância em relação à diversidade cultural.
Sobre essa questão, Leal (2003) comenta: “o mundo é constituído pela diversidade cultural, por raças e grupos que
se formam histórica e culturalmente, por sujeitos que vivem e devem viver plenamente sua sexualidade”. Porém, na
escola, a realidade é outra: usa-se uma linguagem dessexuada, ou seja, não se trata o sexo como se trata qualquer
outro tema. Os livros, didática e polidamente, falam sobre sexualidade. Com isso, a criança silencia, não aceita seu
30
próprio corpo como sexuado9 e a escola perde a rica oportunidade de dar vazão aos sonhos, à curiosidade, à
espontaneidade, às descobertas.
As representações estereotipadas que os textos e discursos mostram e que a escola reproduz nas práticas
de leitura continuam influenciando diretamente a visão de mundo das crianças, a leitura que estas fazem da
realidade:
Sexo não é sexualidade, sexo não é genitalidade, sexo não é órgão genital, sexo é uma
inscrição. Inscrição faltosa a que cada ser humano é submetido. Dessa forma podemos
dizer que enquanto humanos somos assujeitados ao campo do outro e, por isso, temos o
acesso ao desejo, o que nos confere, por natureza, o atributo de sermos infinitamente
submetidos ao Outro da linguagem. ( MOURA, 2000, p.11).
Retomo, mais uma vez, as palavras de Kramer (1998, p.:65) que, sabiamente, pergunta sobre esses
sujeitos e sobre o tratamento que recebem, criticando a forma como as práticas de leitura vem acontecendo na
escola:
Há alguma dúvida de que a escola e a área da educação muito teriam a ganhar se se
considerasse a criança na sua condição de sujeito da história, ao invés de tomá-la - como
hoje é tão comum - de maneira descolada de sua classe social, de uma cultura, de sua
etnia, da sua história enfim?
Os autores das obras visitadas – meus interlocutores – tratam do que ouso chamar de condição sine qua
non para detectar as sutilezas que marcam a educação e o currículo (o dito e o não-dito) e, principalmente, as
práticas de leitura na escola, para me entregar de fato à pesquisa sem perder de vista o rigor científico que ela
exige.
Estudos de Chartier (1999) sobre práticas de leitura mostram que as práticas de leitura sofrem influência de
fatores como religião, origem social, etnia, gênero. Observam-se os contos de fadas, percebo a inculcação de
ideologias e valores: a passividade da figura feminina num mundo masculino, a imagem negativa da madrasta
associada à ideia de crueldade, a imagem da mãe, sempre desprovida de sensualidade, entregue aos afazeres
domésticos e cuidando de filhos e esposo, o estereótipo do índio, sempre “preguiçoso” e “violento”.
De algum modo compartilho os textos lidos, as concepções e ideias de teóricos sobre estas questões que
envolvem as práticas de leitura. Os textos deixam de ser de autoria alheia e colocam-me no papel de coautora,
porque também construtora de conhecimentos sobre as práticas de leitura, somando experiências pessoais,
conhecimentos de mundo sobre o objeto.
9 Em decorrência desse “didatismo”, os homossexuais deixam de se assumir sua homossexualidade. Não “saem do armário”,
permanecem “enrustidos”. “Sair do armário” é a tradução de “to get out the of the closet”, extraída do livro “Epistemologia do
armário” e citada no artigo Curiosidade, sexualidade e currículo, de Britzman, tradução de Tomaz Tadeu da Silva.
31
Tomando de empréstimo as considerações de Kramer, há que se indagar sobre o texto, sobre sua autoria, a
paixão pelos livros e pela leitura:
E é paixão o que tento passar para o papel. Paixão transformada em palavras, texto,
significados. Como pode alguém ler sem ser tomado por essa energia? Como pode ler e
compreender aquilo que lê a não ser se apossando do autor e com ele penetrando nos
escritos que produziu? Ou dele discordando e com ele discutindo? Pois confesso que,
percorrendo as trilhas do meu trabalho vivi um reencontro: o amor aos livros. (1998,
p.130).
Essa paixão por livros e leituras serviu de motivação para compreender, apreender, apreciar e (re) descobrir
em cada fala, em cada questionário, em cada atividade observada, em cada depoimento: a interação, a polifonia, a
linguagem, as leitoras e os leitores e as leituras plurais, enfim, os múltiplos significados das práticas de leitura.
Os textos que circulam no espaço escolar, ao que tudo indica, estão a serviço da ideologia, da reprodução
da hierarquia social, do aprendizado do racismo, principalmente. Teixeira (apud GUIMARÃES, 1998, p.375), citado
em “Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil” declaram que:
Aqui no Brasil crianças brancas e negras aprendem sobre figuras e fatos importantes de
brancos como Pedro Álvares Cabral e Tiradentes. Porém, pouco ou nada sabem sobre os
descendentes de africanos, povo que compõe metade da população brasileira. Se
perguntarmos a uma criança branca quais são seus heróis, líderes, sábios, ela saberá
apontar. A criança negra, no entanto, terá dificuldade para identificar heróis negros,
porque a memória de seu grupo foi omitida e deturpada.
Tomo para minha investigação e para minha prática docente o desafio que Godinho10 coloca à escola,
valioso espaço de formação do leitor e da leitora contemporâneos:
Desvelar o sexismo e o racismo explícito e implícito nos livros, na linguagem, nas atitudes,
expectativas de educadores/as e educandos/as, nos conteúdos curriculares, na
organização escolar, em suma, nas práticas cotidianas e nas ações educativas que
ocorrem dentro e fora do espaço escolar formal colaboram com uma leitura de mundo que
interfira no exercício de uma cidadania crítica em uma escola, uma cidade, uma sociedade
realmente democrática. (2003, p.15)
Os estudos sobre as práticas de leitura, incluídos aqueles a que me refiro, mostram que, mais que ensinar a
decodificação a alunos e alunas, é preciso ajudá-los a ver muito além das letras, a ler o mundo, que a leitura é uma
10
Godinho escreveu o artigo “Ler o mundo também do ponto de vista do gênero”, Caderno Temático de Formação I, Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo, 2003.
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prática de múltiplas diferenciações, em função das épocas e dos meios, e que a significação de um texto depende,
também, da maneira como é lido (em voz alta ou silenciosamente, na solidão ou com companhia, em recinto privado
ou em praça pública).
Analisar a leitura a partir das concepções discutidas neste artigo foi o primeiro passo, já que os modos de
ler, a recepção de textos pelos leitores e a construção de sentidos dependem do lugar que esses leitores ocupam na
sociedade e de cada época, em especial.
A prática de leitura pesquisada apresenta avanços e recuos, oscilando entre o que costuma ser o cânone
escolar (atividades, modos de ler, gêneros textuais e conteúdos) e o desejo de inovar da professora da classe.
Geralmente, tal prática está mais voltada para uma concepção de leitura como produto do que como processo,
produção de conhecimento, haja vista a ênfase na decodificação de signos e a recepção acrítica dos textos lidos.
Permanecem, após a pesquisa, algumas incertezas quanto ao fomento à leitura e a formação de leitores no Ensino
Fundamental, havendo, pois, a necessidade de se intensificar as pesquisas sobre o tema.
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O PROFESSOR DE MATEMÁTICA: ENTRE O AMOR E O DESAMOR NO ENSINO DA MATEMÁTICA
Karina Leão de Mello
RESUMO
O SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) detectou uma situação dramática nas escolas das redes de ensino de todo o país: a falha no aprendizado de Matemática do Ensino Fundamental, que fica explicita quando analisamos os resultados das avaliações do desempenho dos alunos nesta disciplina. Assim, o interesse em estudar e investigar os problemas existentes nas aulas de Matemática e os resultados inexpressivos na aprendizagem desta disciplina se deve às minhas inquietações como professoras de matemática do ensino fundamental de uma escola pública de periferia. Para autores como Carraher, D‟Ambrósio, Bicudo, Patto, entre outros, pensar no ensino da matemática hoje é pensar a superação do fracasso escolar expresso, principalmente, por altos índices de evasão e repetência, que só faz crescer até que o aluno conclua a Educação Básica. No meu cotidiano escolar, no contato com minhas colegas de trabalho, ouço falar de crianças que não acompanham a turma, que não realizam as atividades no tempo esperado, que não copiam, não leem, não escutam, enfim, crianças sempre acompanhadas pela palavra não. A noção de fracasso escolar é utilizada para exprimir tanto a não aprovação em uma determinada série quanto a não aquisição de certos conhecimentos. Na vida cotidiana, os alunos usam a matemática para sobrevivência, fazem contas para comprar, pagar e dar troco. Nas aulas de matemática o bom desempenho não se mantém, as deficiências se acentuam, eles fracassam até mesmo em aritmética. Como explicar o fracasso de uma criança na sala de aula se ela é bem sucedida nas suas atividades diárias? Que relação existe entre o momento histórico de cada um e a matemática ensinada nas salas de aula? O objetivo da pesquisa foi, portanto, o de encontrar as respostas para estas e outras questões que foram surgindo ao longo dos estudos. Para tanto, além da pesquisa bibliográfica, realizei uma pesquisa qualitativa, através do estudo de caso, entrevistando três professoras do ensino fundamental. A escolha das três professoras aconteceu a partir da análise de 50 questionários aplicados em alunos do ensino fundamental de três escolas públicas. Os dados da pesquisa analisados à luz dos aportes teóricos dos autores citados revelaram a insatisfação dos professores de matemática com os resultados das avaliações dos alunos e os grandes problemas enfrentados atualmente na educação, particularmente na educação matemática. Embora portadores de licenciatura plena em matemática, os professores consideram que a formação que “receberam” na faculdade foi deficiente. Constatamos que a falha na atuação do professor é um ponto crítico que se concentra na falta de capacitação para conhecer o aluno e os problemas sociais (droga, tráfico, prostituição, etc) vivenciados por ele nos dias atuais, na obsolescência dos conteúdos adquiridos nas licenciaturas e, sobretudo, na falta de compreensão do papel político do ato pedagógico. Embora reconhecendo que lhes falta “preparo”, pude constatar que, para o professores, a culpa pelo fracasso escolar continua sendo do próprio aluno e da família.
Palavras-chaves: matemática, professor de matemática, fracasso escolar.
DESENVOLVIMENTO
O Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, detectou uma situação dramática nas escolas das redes
de ensino de todo o país: o fracasso no aprendizado de Matemática do Ensino Fundamental que fica explicito
quando analisamos os resultados das avaliações do desempenho dos alunos nesta disciplina. Assim, o interesse
em estudar e investigar os problemas existentes nas aulas de Matemática e os resultados inexpressivos na
aprendizagem desta disciplina se deve às minhas inquietações como professoras de matemática do ensino
fundamental.
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No meu cotidiano escolar, ouço falar de crianças que não acompanham a turma, que não realizam as
atividades no tempo esperado, que não copiam, não lêem, não escutam, enfim, crianças sempre acompanhadas
pela palavra não.
Para autores como Schliemann, D‟Ambrósio, Bicudo, Patto, Lahire, entre outros, pensar no ensino da
matemática hoje é pensar na superação do fracasso escolar expresso, principalmente, pelos altos índices de
evasão e repetência, que só crescem até que o aluno conclua a Educação Básica.
Por que o desempenho da matemática na escola não é o mesmo de alguém que necessita dela para
sobrevivência? Como explicar o fracasso de uma criança na sala de aula se ela é bem sucedida nas suas atividades
diárias? Será a mesma matemática? Por que alguém que vende, compra, constrói paredes e faz o jogo na esquina
é capaz de resolver um problema em uma situação e não em outra? Que relação existe entre o momento histórico
de cada um e a matemática ensinada nas salas de aula? (SCHLIEMANN, 2006).
O fracasso escolar nos remete para muitos debates: sobre o aprendizado, obviamente, mas também sobre a
eficácia e formação dos docentes, sobre o serviço público, sobre a igualdade das chances, sobre os recursos que o
país deve investir em seu sistema educativo e sobre os modos de vida dos estudantes.
Diante destas questões, faz-se necessário um olhar, mesmo que de relance, nas páginas da história da
educação matemática, para possibilitar-nos analisar a aprendizagem, fruto de tudo que se plantou e cultivou na
educação matemática do Brasil e no mundo.
Segundo Bicudo (1999), a Matemática tornou-se indispensável porque ela é a “espinha dorsal” da civilização
ocidental. Contudo, não só na civilização ocidental, mas em todas as civilizações e em todos os momentos da
história, as ideias matemáticas estão presentes, definindo estratégias para lidar com o ambiente e buscando
explicações para a própria existência. Bicudo (1999), cita uma reflexão de Paulo Freire, gravado no vídeo que ele
enviou para o Congresso Internacional de Educação Matemática1, em Sevilha, em 1996:
Eu venho pensando muito que o passo decisivo que nos tornamos capazes de dar,
mulheres e homens, foi exatamente o passo em que o suporte em que estávamos virou
mundo e a vida que vivíamos virou existência, começou a virar existência. E que nessa
passagem, nunca você diria uma fronteira geográfica para a história, mas nessa transição
do suporte para o mundo é que se instala a história, é que começa a se instalar a cultura,
a linguagem, a invenção da linguagem, o pensamento que não apenas atenta no objeto
que está sendo pensado, mas que já se enriquece da possibilidade de comunicar e
comunicar-se. Eu acho que nesse momento a gente se transformou também em
matemáticos. A vida que vira existência se matematiza. Para mim, e eu volto agora a esse
ponto, eu acho que uma preocupação fundamental, não apenas dos matemáticos mas de
36
todos nós, sobretudo dos educadores, a quem cabe certas decifrações do mundo, eu acho
que uma das grandes preocupações deveria ser essa: a de propor aos jovens, estudantes,
alunos homens do campo, que antes e ao mesmo em que descobrem que 4 por 4 são 16,
descobrem também que há uma forma matemática de estar no mundo (BICUDO, 1999,
p.98).
No I Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática, realizado em Salvador, em 1955, o destaque pedagógico
foi à presença, nas discussões, do Estudo Dirigido em Matemática. Foi reconhecido que o “medo da matemática” se
devia à inadequação do seu ensino às necessidades e capacidades dos alunos.
Na década de 60, o descontentamento com o ensino da Matemática era percebido em vários países. Iniciou-
se um processo para reformular o ensino da Matemática (BICUDO, 1999).
Em São Paulo, foi criado o Grupo de Estudos de Educação Matemática (GEEM), no ano 1961, liderado pelo
professor Osvaldo Sangiorgi. Deste grupo nasceu o movimento que propunha eliminação da memorização de regras
e do treino de algoritmos do ensino da Matemática (D‟AMBRÓSIO, 1997).
Este movimento ficou conhecido como Matemática Moderna e teve uma enorme importância na identificação
de novas lideranças na educação matemática e na aproximação dos pesquisadores com os educadores. O
movimento da Matemática Moderna proporcionou uma renovação de temas, pois, os seus representantes tinham
preocupações excessivas com abstrações matemáticas e buscavam uma linguagem universal e precisa para esta
ciência. Entretanto, o objetivo principal do movimento, que era o de melhorar a aprendizagem, não foi atingido
(BICUDO, 1999).
Segundo Bicudo (1999), a Matemática Moderna marcou profundamente a Educação Matemática Brasileira,
mas não produziu os resultados pretendidos entrando em declínio, porque “o aluno não percebia a ligação que
todas aquelas propriedades enunciadas tinham a ver com a matemática usada fora da escola” (BICUDO, 1999, p.
203). Porém, segundo as análises de Bicudo (1999), serviu para desmistificar grande parte do que se fazia no
ensino da matemática e mudar para melhor o estilo de aulas e avaliações e para introduzir temas novos. Houve
exageros e incompetência, como qualquer inovação. Mas, o “saldo foi positivo”, as aulas foram conduzidas com
uma participação maior por parte dos alunos.
No final dos anos 70, a Resolução de Problemas ganhou ênfase no mundo inteiro. Segundo Bicudo (1999),
uma publicação no NCTM – National Council of Teachers of Mathematics – An Agenda for Action:
Recommendations for School Mathematics of the 1980‟S, convocava todos os interessados, para num esforço
maciço, buscar uma melhor educação matemática para todos. Uma das recomendações dizia que “resolver
problemas deve ser o foco da matemática escolar dos anos 80” e “é preciso preparar os indivíduos para tratar com
problemas especiais com que irão se deparar em suas próprias carreiras”.
37
Segundo Bicudo (1999), ao término da década de 1980, os pesquisadores passaram a questionar o ensino e
o efeito das estratégias utilizadas na Resolução de Problemas.
A Resolução de Problemas passa a ser pensada como uma metodologia de ensino, como um ponto de
partida e um meio de se ensinar matemática.
Para os pesquisadores matemáticos do período, o ensino de resolução de problemas, envolve aplicar a
matemática ao mundo real, proporcionando o desenvolvimento da inteligência e a resolução de questões que vão
além das fronteiras das próprias ciências matemáticas (BICUDO, 1999). E ele ainda fala que,
a caracterização de Educação Matemática, em termos de Resolução de Problemas,
reflete uma tendência de reação a caracterizações passadas como um conjunto de fatos,
domínio de procedimentos algorítmicos ou um conhecimento a ser obtido por rotina ou por
exercício mental. Hoje, a tendência é caracterizar este trabalho considerando os
estudantes como participantes ativos, os problemas como instrumentos preciosos e bem
definidos e a atividade na resolução de problemas como uma coordenação complexa
simultânea de vários níveis de atividade (BICUDO, 1999, p. 203).
Segundo Fiorentini (1994), as questões do o que ensinar que predominou no Movimento da Matemática
Moderna cedeu lugar ao como ensinar. O eixo das preocupações deslocou-se dos conteúdos para os instrumentos
e métodos de ensinar.
Da preocupação centrada no “como ensinar?” passamos para outras: “por que ensinar Matemática? e “para
quem ensinar”?
sócio politicamente, a aprendizagem da matemática era privilégio de poucos e dos
“bem dotados” intelectual e economicamente, para a classe dominante garantia-se um
ensino mais racional e rigoroso, já para as classes menos favorecidas privilegiava-se a
abordagem mais mecânica (FIORENTINI, 1994, p.284 e 285).
Em 1984, com o aumento das preocupações ligadas ao papel social e cultural da Educação Matemática, o
professor Ubiratan D‟ Ambrosio desenvolve um trabalho conhecido como Etnomatemática. Com a finalidade de
proporcionar uma melhoria e desenvolvimento no ensino da Matemática, a etnomatemática tem como proposta
pedagógica fazer da matemática “algo vivo, lidando com situações reais no tempo [agora] e no espaço [aqui]. E
através da crítica, questionar o aqui e o agora [...] reconhecendo na educação a importância de várias culturas e
tradições na formação de uma nova civilização” (D‟AMBROSIO, 2001, p.46).
D‟Ambrósio (2001), acredita que a educação matemática passa então a vigorar em um contexto, não mais
como um conhecimento distante da realidade. A etnomatemática é o caminho para uma educação renovada.
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E por que não discutir com os alunos a realidade em que vivem e associá-la ao conteúdo aprendido? Paulo
Freire afirma que é dever da escola respeitar os saberes com que os educandos, chegam a ela, “saberes
socialmente construídos na prática comunitária” (1996, p.33).
A Matemática, segundo D‟Ambrosio (1986), está fortemente enraizada na sociedade com fatores
socioculturais, uma atividade inerente ao ser humano, resultante do ambiente onde vive e determinada pela
realidade material na qual o individuo está inserido.
Schliemann (2006) aponta deficiências relativas à aprendizagem nas crianças de ambientes desfavorecidos,
com privação cultural. As crianças que pertencem a uma classe social mais baixa, não têm o incentivo dos pais que
consideram a educação um luxo diante da necessidade de empregá-los para contribuir no sustento da casa. Sendo
assim, a autora atribui a concepção de fracasso escolar como fracasso dos indivíduos, fracasso de determinadas
classes sociais, fracasso do sistema, econômico, social e político. “O fracasso escolar não seria, pois, um fracasso
real, uma vez que só quem almeja determinado objetivo pode fracassar em alcançá-lo” (SCHLIEMANN, 2006, p.
25).
Uma pesquisa feita por Lahire (1997) com famílias onde o nível de renda e nível escolar está bem próximo
pode, confirmar o que Schliemann disse: “O fato de ver os pais lendo jornais, revistas ou livros pode dar a esses
atos um aspecto natural para a criança, cuja identidade social poderá construir-se, sobretudo através deles”. No
dizer do autor:
[...] os casos de fracassos escolares são casos de solidão dos alunos no universo
escolar: muito pouco daquilo que interiorizaram através da estrutura de coexistência
familiar lhes possibilita enfrentar as regras do jogo escolar [...] eles não possuem as
disposições, os procedimentos cognitivos e comportamentais que lhes possibilitem
responder adequadamente às exigências e injunções escolares, e estão, portanto
sozinhos e como que alheios diante das exigências escolares. Quando voltam para casa,
trazem um problema (escolar) que a constelação de pessoas que os cerca não pode
ajudá-los a resolver (LAHIRE, 1997, p.19).
Para demonstrar a maneira pela qual os antecedentes educacionais dos pais afetam o desempenho
acadêmico dos filhos, Patto (1997) se vale dos conceitos de “ethos de classe” e capital cultural de Bourdieu,
o primeiro conceito designa um sistema de valores implícitos e profundamente
internalizados que, entre outras coisas, participa da definição das atitudes em relação ao
capital cultural e às instituições educacionais [...]existe uma correlação estreita entre
esperanças subjetivas e oportunidades objetivas; estas últimas modificam efetivamente as
39
atitudes e o comportamento, agindo através das primeiras. As ambições e expectativas de
uma criança em relação ao ensino e à carreira são produtos estruturalmente determinados
da experiência educacional e da prática cultural de seus pais, de seus pares ou do grupo a
que pertence. Portanto, o ethos de classe, muito mais que o capital cultural „é o principal
determinante dos estudos (Patto, 1997, p.39-40).
A diversidade cultural aponta que as pessoas têm diferentes conhecimentos, saberes, interesses,
necessidades e vivem em diferentes contextos socioculturais e estas diferenças produzem a singularidade de cada
uma. Com base nas diversidades, não será necessário reorganizar um currículo voltado para o enfoque dos fatores
socioculturais e econômicos dos alunos?
Dieudonné apud Skovsmose (2001, p.21) explicita a importância da reorganização do currículo:
se as pessoas responsáveis por construir o currículo escolar pudessem ser
persuadidas a consultar matemáticos profissionais a fim de entender a relevância de suas
decisões para a ciência como é praticada na universidade e além, poderíamos ainda
testemunhar, um dia, algum ensino sensato de matemática do jardim de infância à
universidade.
Segundo Bezerra (1994), para que as desistências escolares diminuam, ou até mesmo cessem, a construção
do currículo escolar deve ser selecionado.
a partir da prática social, realizando a critica da prática existente, no sentido de que
se construa uma prática social transformadora. Na revisão curricular para cada principio
de seleção e organização dos conteúdos se faz necessário que os educadores, partindo
das condições existentes, tomem decisões e estabeleçam formas de suprir o que inexiste:
as condições de trabalho para a consecução do núcleo da atividade docente que é o
ensino aprendizagem (Bezerra, 1994, p.19).
Para D‟Ambrósio (1994), “currículo é a estratégia para a ação educativa” (D‟Ambrósio, 1997, p. 69) e o
currículo tradicional de matemática precisa de adequações, pois ele obedece a definições obsoletas, prescreve
conteúdos que muitas vezes perderam importância, ignorando as experiências e expectativas de cada indivíduo. Já,
um currículo dinâmico de matemática procura responder às exigências da sociedade moderna, em que os alunos
têm uma grande quantidade de conhecimentos que não adquirem na escola.
Freire (2005) considera de extrema importância o respeito à experiência e à identidade cultural dos
educandos. Apesar de Paulo Freire não ter desenvolvido nenhuma teoria especificamente sobre currículo, ele
discute em sua obra, algumas questões relacionadas a ele. Sua crítica ao currículo existente está explicita no termo
“educação bancária”, onde o aluno recebe o conhecimento pronto e acabado, sendo apenas um depósito do
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conhecimento transmitido do professor para o aluno. Para Freire (2005), a educação não poderia ser desvinculada
do seu principal objetivo: o aluno. Para ele, o aluno é o sujeito do processo educativo e os “saberes construídos
pelos seus afazeres” devem ser respeitados.
Segundo Bicudo (1999), se levarmos em conta a preocupação geral com a Educação Matemática no mundo
todo e os investimentos feitos nesta área podemos concluir que, o ensino da Matemática é uma atividade humana
assombrada pelo fracasso. Na esperança de exorcizar o fracasso, as pesquisas apostam na mudança: mudança da
escola, da sala de aula, do aluno e do professor.
Segundo os PCNS de Matemática (1998), o aluno é agente da construção do seu conhecimento e à medida
que se redefine o papel do aluno, onde ele passa de simples coadjuvante para protagonista, é preciso olhar também
o papel do professor de matemática que ganha novas dimensões.
os olhares sobre as professoras e os professores de educação primária e
fundamental têm destacado por décadas as mesmas imagens: tradicionais,
despreparados, desmotivados, ineficientes e por aí. Desde os relatórios mais antigos dos
inspetores escolares do Império, até diagnósticos mais recentes, carregados de dados,
repetem a mesma visão negativa (ARROYO, 2000, p. 203)
Os PCN de Matemática, referindo-se ao professor de Matemática e ao seu saber apontam a falta de uma
formação profissional qualificada, como a principal causa para o quadro que caracteriza desfavorável o ensino de
Matemática no Brasil. Em relação à formação do professor, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), Lei 9394, promulgada em 20 de dezembro de 1996, em seu inciso II, artigo 67, apontou para o
“aperfeiçoamento profissional continuado”, incluindo-se o “licenciamento periódico remunerado”. O tempo de
formação de um profissional da educação deve ser ilimitado. Os professores produzem conhecimento e por isso
precisam se aperfeiçoar e estudar.
formação inicial não deve gerar “produtos inacabados” mas, sim, deve ser encarada
como a primeira fase de um longo processo de desenvolvimento profissional onde a
reflexão, a cooperação e as solidariedade sejam fatores sempre presentes na vida do
professor pesquisador (PEREZ, 2004, p. 261).
Para D‟Ambrósio (1986), cada individuo tem sua prática e todo professor ao iniciar sua carreira, vai fazer na
sala de aula o que viu alguém que o impressionou fazendo e vai deixar de fazer algo que viu e não aprovou. Com
isso, conhecer teorias e proposições, segundo Perez (2004), não é o suficiente, é preciso estudo, trabalho e
pesquisa para renovar e aprimorar e, além de tudo, reflexão não para ensinar apenas “como” lhe foi ensinado.
Exige-se hoje da profissão docente, competência e compromissos de ordem cultural, pedagógica, pessoal e
social. Com isto, as instituições formadoras começam a repensar os cursos de formação inicial e a evidenciar a
41
reflexão2 do professor como fator de grande importância. Mas, para que esse processo possa se validar, o professor
precisa ter princípios éticos, entusiasmo e coragem para adotar atitudes novas e afastar qualquer tipo de
preconceito (PEREZ, 2004).
De acordo com Fiorentini (2003), o compromisso do professor, é o da formação do sujeito global,
necessitando para isso, desenvolver habilidades e capacidades que permitam a sobrevivência da sociedade. O
século XXI está a requerer profissionais da educação que “assumam a função de contrapontos dessa sociedade
emergente, constituindo-se em arautos dos princípios democráticos e do compromisso social, questionando e
denunciando as ameaças à justiça e à igualdade social” (FIORENTINI, 2003, p. 10).
Segundo D‟Ambrósio (1997), os grandes problemas enfrentados atualmente na educação, particularmente na
educação matemática, é a falha na atuação do professor é um ponto crítico que se concentra na obsolescência dos
conteúdos adquiridos nas licenciaturas e na falta de capacitação para conhecer o aluno.
os professores com quem a criança pobre vai interagir na escola não recebem
preparo específico para entender as suas dificuldades e ajudá-la a vencer (...). Incapazes
de solucionar o problema, eles tendem a marginalizar seus alunos, justificando ora pela
situação de pobreza familiar, ora pela falta de motivação e disciplina, um fracasso que
relutam em compartilhar (Mello apud Bezerra, 1986, p. 160).
Qualquer abordagem histórica sobre a educação brasileira, mostra as marcas excludentes no processo
educacional. Marcas que possuem raízes no processo de formação da sociedade, evidenciando que exclusão na
escola se encontra dentro de várias outras formas de exclusão social, explicitada pela negação ou ao acesso restrito
à classe trabalhadora (GRACINDO; MARQUES; PAIVA, 2005). Muitos fatores, segundo os autores, contribuem para
esta exclusão, o fato é que:
crianças têm acesso diferenciado, em consequência da condição social, a um certo
universo de conhecimentos, e que a escola privilegia o universo acessado pelas crianças
das classes mais altas, através das práticas pedagógicas instituídas. Isso nos leva a
pensar a exclusão educacional com um olhar mais global, extraescolar. A exclusão
educativa situa-se, assim, como expressão da lógica social presente nas instituições
sociais (GRACINDO; MARQUES; PAIVA, 2005, p. 13).
Enquanto a escola é privilégio de um grupo pequeno de pessoas na sociedade, o sistema de educação
superior, segundo Bourdieu,
42
“cumpre as funções de transmitir privilégios, distribuir status e instilar respeito pela
ordem social vigente. Embora dotada da função tradicional de transmitir cultura em geral
de geração a geração, as instituições educacionais, na realidade desempenham uma
função social mais profunda, mais obscura: contribuem para a reprodução da estrutura de
classes sociais, reforçando a divisão cultural e de status entre as classes.” (PATTO, 1997,
p. 37).
Por outro lado, numa visão de Bezerra (1984), a educação escolar é uma reprodução do modo de ser, do
mundo, das pessoas e das classes, através dos conhecimentos e experiências transmitidas por intermédio da ação
pedagógica do professor. A escola deve ensinar e transmitir o saber necessário para que os alunos desenvolvam
habilidades para a uma ampla participação-cultural, intelectual, profissional e política. Segundo o autor, é importante
distinguir, o principal papel da escola.
A escola não precisa ser a extensão de um restaurante ou de um clube. O
fundamental está em a escola habilitar o aluno para lidar com os instrumentos necessários
a sua vida profissional, social, político e cultural. Saber ler e escrever, realizar cálculos
matemáticos, identificar, analisar, compreender e transformar o espaço histórico em que
está inserido e outros é habilidades necessárias a serem adquiridas pelo aluno na escola
básica (BEZERRA, 1994, p.8- 9).
À escola cabe o papel mais importante, porque será necessário educar-se para ter um bom desempenho
social e produtivo. A escola prepara o indivíduo para o uso consciente de meios tecnológicos que acumulam
informação e conhecimento, além da tarefa mais ardilosa que é a socialização, o convívio e o diálogo direto com
pessoas reais (CURY, 2005).
Em tais circunstâncias, Charlot (2000) concorda que além da distribuição das competências e da educação,
uma das ações da escola é a socialização. Com isto, o sentido da escola fica centrado em seus atores e “definir-se-
á a experiência escolar como sendo a maneira como os atores, individuais ou coletivos, combinam as diversas
lógicas da ação que estruturam o mundo escolar [...] assim a escola fabrica, ou contribui para fabricar, atores e
sujeitos de natureza diferente” (CHARLOT, 2000, p. 39).
A escola, segundo Candau (2003), não está preparada para lidar com as diferenças, faltam habilidades
culturais dos grupos presentes na escola em lidar com diferentes preconceitos, especialmente os de gênero, raça e
classe social. Crianças pobres, negras e do sexo feminino sofrem na escola uma discriminação socioeconômica e
racial que afeta sua autoestima e termina por expulsá-las.
43
Esta discriminação e o preconceito são reproduzidos na sala de aula por muitos professores. Assustam num
primeiro momento, mas revelam como o desrespeito pela diversidade humana está atrelado ao sistema. O professor
reproduz muitas vezes ideias e conceitos que promovem a discriminação social, racial, étnica, religiosa, cutural
(LOPES, 2002).
Estas discriminações, segundo o autor, são reforçadas na educação escolar através da desvalorização do
professor, a pouca atenção dos governos às escolas públicas, é alguns dos fatores que contribuem para o
educador, sem perceber, reproduzir e reforçar a discriminação e o preconceito, os quais geram violência.
as escolas, como instituições de socialização têm como tarefa expandir as
capacidades humanas, favorecer análises e processos de reflexão em comum da
realidade, desenvolver nos alunos procedimentos e habilidades imprescindíveis para sua
atuação responsável, crítica, democrática e solidária na sociedade (LOPES, 2002, p. 10).
Em 1999, na revista do exame nacional de cursos, o “Provão”, foi definido o novo perfil do professor de
matemática “[...] capacidade de estabelecer relações entre a matemática e outras áreas do conhecimento;
capacidade de despertar o hábito de estudo independente e a criatividade dos alunos; capacidade de criação e
adaptação de métodos pedagógicos ao seu ambiente de trabalho” (Revista do Provão, 1999, n. 4, p.13).
Essas reflexões levaram-me a uma pesquisa cujo objetivo estava em compreender o processo de ensino e
aprendizagem dos alunos do ensino fundamental. Para a coleta de dados utilizei o questionário que foi aplicado de
forma aleatória em 50 alunos da cidade. Através da análise dos dados dos questionários escolhi três professores de
matemática de duas escolas da rede estadual de ensino da cidade de Itaúna para as entrevistas. 38% dos alunos
falaram que Marta3 é a melhor professora de matemática, amiga, dedicada, 14% falaram com rancor de Joana4
como uma professora enérgica que não se preocupa com os alunos, grita e não é uma boa profissional, 16% falam
com carinho de João5, mas “ele deixa a desejar na disciplina”, os 32% restantes ficou distribuídos em vários outros
professores da cidade.
Baseada nestes levantamentos, realizamos com essas três professoras, entrevista semiestruturadas. As
entrevistas possibilitaram o levantamento dos seguintes dados: pessoais, da vida familiar, da prática docente, da
trajetória escolar e da experiência profissional. As entrevistas foram gravadas para garantir a fidedignidade dos
dados e em seguida, transcrita e impressa. Os depoimentos de alunos, dos sujeitos pesquisados ofereceram uma
variedade de dados que, acusaram contradições, tensões e semelhanças a respeito da realidade e do objeto
pesquisado.
Marta, dos três entrevistados, é a que possui maior tempo de docência, 28 anos. Filha de pai fazendeiro e
mãe professora possui um filho matriculado em escola particular. Queria fazer engenharia, mas o pai não permitiu,
“minha filha nunca vai usar macacão e botina”, dizia ele. Assim que o pai faleceu cursou matemática. Apesar de
frequentar aulas em uma faculdade que exigia frequência apenas duas vezes por semana, ela afirma:
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“eu levei a sério o período da graduação. A Faculdade não
exigia nada. Eu estudava muito porque eu queria. O estudar dia a dia
é que vale, a faculdade não me deu base nenhuma”.
Após ter se formado, não fez nenhum outro curso de aperfeiçoamento. Se fosse começar tudo de novo faria a
mesma opção:
“sinto-me realizada na sala de aula, eu gosto das minhas aulas,
amo o que faço”.
Marta enfatiza que nunca entrou para uma sala de aula sem preparar, apesar de ver colegas dando aulas
sem saber nada. Para ela é essencial o preparo das aulas, os exercícios bem elaborados para não deixar os alunos
“à-toa”. Ela faz uma crítica sutil aos colegas e diz:
“os professores não estão preparando, falta prática e boa
vontade”.
Ela relata que os alunos se sentem à vontade para falar com ela sobre suas vidas. Afirma que conhece a
história de vida dos alunos e mesmo conhecendo a história de cada um não faz distinção dentro da sala de aula,
“para ele não se sentir discriminado”. Sempre tive as melhores
turmas e não tenho problemas com indisciplina, todos os problemas
são resolvidos dentro da sala de aula, “sou eu que tenho que dar conta
dele”.
Para Marta, a estrutura familiar está em primeiro lugar:
“sem o apoio dos pais fica difícil o aprendizado e em uma sala
de 40 alunos, como que você dá atenção para um ou dois separado?
[...] ele vem sem base, o sistema passa ele de ano”.
Para ela a matemática é considerada um bicho de sete cabeças pela falta de preparo dos professores que
coloca uma barreira entre ele e os alunos como. Ela relata alguns exemplos de atitudes de colegas:
“tem professor que diz: “pergunta idiota eu não respondo e tiro
ponto”, o aluno fica com medo e se retrai. O professor tem que cativar
o aluno, passar para ele sua paixão pela Matemática e aproveitar tudo
que o aluno faz, olhar o raciocínio.”
45
Para Marta quando o aluno quer aproveitar as oportunidades que aparecem, seja ele de qualquer classe
social, ele consegue e, assim a escola não exclui, ela se preocupa com o aluno. Marta acredita no atual currículo de
Matemática e o considera bom, apesar de afirmar que:
“alguns professores
escolhem o que querem dar e que tem mais facilidade: O professor dá
um jeitinho de pular aquilo que ele não gosta.”
Ela diz que utiliza várias tendências da matemática na sala de aula e conclui que o sucesso da matemática
está em um gesto carinhoso, um “toque” no aluno.
Marta considera que a Matemática de fora da sala de aula deve ser levada para dentro dela:
“ a matemática da sala de aula é a mesma, é o dia a dia dele,
porque não começar a matéria com um exemplo da vida. dele? Mais
um motivo para você falar com ele que a matemática não é um bicho
de sete cabeças”.
João, há 7 anos exerce a docência. É filho de mãe analfabeta e pai metalúrgico, e não se lembra de ver seus
pais lendo ou estudando. Sua pretensão não era ser professor:
“nunca escolhi ser professor, fui jogado numa sala de aula”.
Formado em Economia entrou para o magistério exclusivamente movido pela necessidade de ter um salário.
Ele relata:
“na época não consegui arrumar emprego na área. Entrei para
a sala de aula sem preparo nenhum e foi então que resolvi investir e
cursei durante um ano um curso que me deu habilitação em
Matemática. Mas o curso também não me deu base nenhuma para dar
aulas. Faculdade nenhuma prepara ninguém. A vida me preparou.”
Hoje faz um curso de libras na cidade e pós-graduação à distância. Não relata nenhuma experiência negativa
durante o exercício do magistério. Apesar de tudo diz ele:
“gosto de ser professor, começaria tudo de novo, porém com 20
anos de idade e não com 36”.
46
João se considera um professor excelente e, contraditoriamente, apesar de dizer que não usa e nem
conhecer nenhuma das novas tendências da Matemática, ele afirma:
“busco sempre novas alternativas”
Assim como sua colega Marta ele se diz amigo, ouvinte, conhecedor da história de seus alunos (por morar no
mesmo bairro). Apesar de conhecer os alunos e as suas dificuldades, João diz:
“não utilizo nenhum método para diferenciá-los ou para facilitar a
aprendizagem. Também “em uma sala de 40 alunos é difícil dar
atenção diferenciada para cada um”. A linguagem é uma só.”
Segundo João, ele consegue disciplina nas mais difíceis turmas, disciplina esta que, segundo ele, não é
alcançada pela maioria dos professores da escola:
“até outros professores me pedem ajuda”.
Esta afirmativa de João está totalmente em desacordo com os dados dos questionários. Todos os seus
alunos afirmam que suas aulas “são uma bagunça” e que ele não consegue “se impor”.
Para ele a escola não exclui, ela “forma cidadão”. A escola não educa, “orienta”.
Na visão de João, o currículo de matemática precisa ser reformulado e adaptado apesar de considerar que o
fracasso dos alunos não “é culpa da escola”:
“a culpa dos alunos acharem a Matemática um bicho de sete
cabeças é dos pais e da sociedade, eles crescem ouvindo falar que a
matemática é difícil guarda isto no subconsciente e acabam achando
que realmente ela é difícil”.
Para João, que sempre trabalhou com a classe social mais baixa, o fracasso está relacionado com a
desigualdade social, falta de estrutura familiar e, às vezes, despreparo do professor.
O último sujeito entrevistado foi Joana. Ela exerce a docência há 10 anos, possui 5 filhos matriculados em
faculdade particular e escolas municipais. Trabalha com 5ª e 6ª série na mesma escola de Marta, porém sempre
com as piores turmas. Em um outro período do dia, trabalha com educação infantil, com alunos inclusos. Desde
nosso primeiro contato, ela enfatizou que tinha muito que falar, principalmente sobre alunos inclusos. Na hora da
entrevista, ela perguntou se poderia começar a falar desde a educação infantil, antes que eu me expressasse ela
falou:
47
“o problema da matemática, vem daí, da educação infantil, a
matemática não começa na 5ª série”.
Joana fala com mágoa sua trajetória escolar:
“quando fui tentar fazer uma prova de seleção em uma escola
da cidade, para concluir o ensino fundamental “por eu ser pobre e órfã,
eu senti muito a classificação que faziam alunos pobres e ricos.”
Depois do ensino básico, começou a fazer Economia e se decepcionou com o retorno financeiro dessa
profissão e, antes de me formar passei para o Curso de Matemática:
“eu amo de paixão a Matemática”.
Há pouco tempo, concluiu sua pós-graduação em educação infantil. Também como os outros entrevistados
ela afirma:
“a faculdade não me deu” base para ser uma boa professora de
matemática, “me ensinou Matemática”, me prepararam para ser uma
professora conteudista, mas essa não é a Matemática que eu preciso
para ensinar meus alunos [...] lá (na faculdade) tudo é azul [...] não
tinha aluno que não aprendia não me preparam para enfrentar tantos
problemas sociais, administrativos e pedagógicos. “Não tivemos
embasamento nenhum”.
Em seu trajeto profissional, Joana fala que teve muitas experiências negativas e a que ela considera a mais
grave é o descaso com que o professor é tratado dentro de uma sala de aula, tanto pelos alunos, pelos pais e pela
administração da escola:
“o professor não é mais respeitado e valorizado, com tanto
problema para resolver em sala de aula, me sinto impotente e incapaz
para lidar com aquela turma ”
Para Joana o problema da aprendizagem da Matemática
48
“está aí, na falta de apoio da escola, trabalhar sozinho “se vira, a
turma é sua, tem que passar tantos”. Para a parte pedagógica e para o
estado tanto faz o aluno aprender ou não [...] já cansei de pedir ajuda
[...] me ajuda [...] o professor sozinho não muda... esta é minha grande
decepção”
Joana se caracteriza como uma excelente professora de educação infantil “consigo atingir todos” de 5ª a 8ª,
Joana se considera boa, mas frustrada por não conseguir atingir todos. Quanto ao currículo, Joana diz:
“não acredito no atual currículo de Matemática, por ele ser
conteudista, “temos que ter jogos e alegria para ensinar... Temos que
trazer para sala de aula o dia a dia do aluno”
Não possui problemas de indisciplina e nunca sofreu agressão física ou verbal de alunos, mas deixa claro:
“comigo não, mas vejo com outros professores”.
Com um aluno desinteressado, Joana conversa e acredita que o desinteresse não é em vão, tem sempre um
motivo e na maioria das vezes são alunos de classe social mais baixa, por não terem tido a mesma oportunidade:
“se eles tivessem tido um bom professor na educação infantil,
não tinha virado esta bola de neve.”
Joana cita alunos com descalculia e para estes alunos o não aprendizado é um fator genético, uma desordem
mental:
“eu acredito muito nos meus alunos, mesmo aqueles que não
conseguem aprender matemática, não aprende, não tem jeito!”
Joana atribui o fracasso da Matemática a três fatores:
“a falta de oportunidade de ter tido um bom professor, “um bom
professor faz um bom aluno”, ao currículo de Matemática, e à escola
“que não é para todos e tem um caráter excludente, começando pela
enturmação”.
Pudemos perceber durante as entrevistas que a insatisfação dos professores de matemática com os
resultados das avaliações dos alunos é unânime. Embora portadores de licenciatura plena em matemática, os
49
professores consideram que a formação que “receberam” na faculdade foi deficiente. Constatamos que a falha na
atuação do professor é um ponto crítico que se concentra na falta de capacitação para conhecer o aluno e os
problemas sociais (droga, tráfico, prostituição, etc) vivenciados por ele nos dias atuais, na obsolescência dos
conteúdos adquiridos nas licenciaturas e, sobretudo, na falta de compreensão do papel político do ato pedagógico.
Embora reconhecendo que lhes falta “preparo”, pude constatar que, para os professores, a culpa pelo fracasso
escolar continua sendo do próprio aluno e da família.
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53
O DESAFIO DA REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES PELA VIA DO RECONHECIMENTO E DA REDISTRIBUIÇÃO
Luciano Borges Muniz
RESUMO: Este artigo discute a questão das desigualdades sociais como uma das marcas de nossas sociedades contemporâneas, apresentando as maneiras como as desigualdades se manifestam, expandindo a discussão para além do campo das diferenças econômicas. Utilizando os conceitos de redistribuição e reconhecimento, pretende-se ainda, demonstrar situações de exclusão social que se apresentam em função de outras questões que não se relacionam apenas com o poder aquisitivo dos indivíduos e como estes são afetados por não terem reconhecimento por parte de seus pares.
PALAVRAS-CHAVES: Desigualdades sociais, reconhecimento e redistribuição.
INTRODUÇÃO.
A forma como as nossas sociedades contemporâneas se organizam traz a contradição como traço marcante de
sua dinâmica, demonstrada através das desigualdades sociais. Se por um lado temos uma intensa produção de
riquezas, por outro temos um número muito restrito de indivíduos que tem acesso ao que é produzido por aqueles que
compõem essas sociedades. A ausência de acesso ao que é produzido dentro de uma sociedade é um fator central
para se entender formas e níveis de um dos tipos mais frequentes de desigualdade social, aquele baseado nas
diferenças econômicas. Conforme aponta Cattani (2004) “A riqueza da produção social é apropriada por grupos
restritos, os inventos e as obras são fruídos por poucos privilegiados”.
A privação de bens se apresenta como um dos elementos mais significativos capazes de provocar as situações
de desigualdades sociais presentes nas sociedades contemporâneas. Não ter acesso a determinados produtos,
lugares e serviços, faz com que um número grande de pessoas faça parte de grupos estigmatizados e marginalizados
dos acontecimentos sociais que são reservados aos grupos privilegiados, sobretudo baseados na capacidade de
possuir. Situação que acaba contribuindo para o surgimento de outros tipos de desigualdades que vão se acumulando
em torno de um indivíduo. Sem ser a única forma de exclusão social, a desigualdade econômica, que vem sendo
alvo de políticas públicas que tentam amenizar seus efeitos, integra um quadro de desigualdades e exclusões mais
amplo que se manifesta na sociedade.
Expandindo a análise para além do campo da economia, é possível identificar outros fatores responsáveis pela
promoção do tratamento desigual entre os indivíduos. Da mesma forma que uma pessoa marcada por privações
econômicas é tratada de forma desigual em relação a outro indivíduo que tem poder aquisitivo visivelmente superior a
ela, outras pessoas também são tratadas de forma desigual em relação aos outros em função de diferenças de cor de
pele, gênero, preferência sexual, postura religiosa, localização onde se situa sua moradia, etc.
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Em nossas sociedades marcadas pela variedade de formas do multiculturalismo se torna urgente pensar
formas de combate tanto da desigualdade econômica, quanto da desigualdade baseada nas mais diversas diferenças
que os homens apresentam em suas manifestações em sociedade. Para essa breve reflexão, utilizamos como
referência as ideias de Taylor e Honneth, apresentadas por Mendonça (2007), que consideram os indivíduos como
seres que buscam o tempo todo em suas relações sociais serem reconhecidos por seus pares. Ter o reconhecimento
intersubjetivo seria, para essa visão, uma necessidade humana, já que indivíduos que são representados por outros
de forma depreciativa podem sofrer danos e privações reais. Fazemos uso das ideias propostas por Fraser (2007)
que defende a necessidade de se observar tanto o fator da redistribuição quanto o fator do reconhecimento de forma
combinada para que se possa pensar de forma mais coerente a questão da igualdade social.
DESENVOLVIMENTO
Fraser (2007) aponta duas perspectivas analíticas que nos servem como instrumentos para a análise das
desigualdades verificadas na sociedade. Para a autora, de um lado temos os proponentes da “redistribuição” que se
apoiam na busca por maior distribuição de recursos e bens, de outro temos os proponentes do “reconhecimento” que
se apoiam em uma sociedade mais “amigável às diferenças”. Para a autora, os estudiosos desses dois campos de
desigualdades (pela via do não reconhecimento e pela via da não distribuição) se encontram em um momento de
relações tensas, o que não permite uma associação da luta por redistribuição associada à luta por reconhecimento.
Esse impasse verificado na relação das duas visões e que portanto impede que se pense o assunto com toda a
abrangência necessária, contribuiria para a não superação das desigualdades que afetam grupos sociais específicos
e que os impendem de uma participação social adequada. A associação das duas perspectivas é a proposta de
Fraser para se pensar a questão das desigualdades buscando alternativas para suas diminuições.
O que se percebe, a partir dos apontamentos de Fraser (2007) é que existem níveis e formas diferentes de
exclusão, tanto no campo da distribuição de riquezas quanto no campo do reconhecimento social. Portanto, os
estudos que se propõem investigar e discutir essas formas de desigualdade de maneira combinada, são os que mais
contribuem para que se possa caminhar em direção à diminuição das mesmas.
A proposta da autora passa pelo entendimento de que a “justiça, hoje, requer, tanto redistribuição quanto
reconhecimento; nenhum deles, sozinho, é suficiente” (FRASER, 2007). Dessa forma para atingir a justiça social é
necessário não apenas promover uma redistribuição de riquezas entre os indivíduos que compõem determinada
sociedade é necessário também que se reconheça cada indivíduo como capaz de participar como um igual na vida
social. Para a autora sua contribuição está na proposta de um modelo de status social onde o indivíduo deve perceber
meios para que possa superar a situação de subordinação social que o impede de participar como igual na vida social
e assim superar a condição de sujeito falsamente reconhecido como capaz de participar das questões sociais em
condições semelhantes aos demais.
55
Alguns autores como Taylor e Honneth entendem o não reconhecimento social como uma “subjetividade
prejudicada e uma auto identidade danificada”. O que seria, portanto uma questão ética. A proposta de Fraser é
pensar o reconhecimento como uma questão de justiça. A partir dessa visão o que deve ser destacado é que o não
reconhecimento é injusto uma vez que nega a alguns grupos o direito de participarem como “parceiros integrais na
interação social”. Esse impedimento de participação ocorre
“em virtude de padrões institucionalizados de valoração cultural, de cujas construções eles não
participam em condições de igualdade, e os quais depreciam as suas características distintas ou as
características distintas que lhes são atribuídas” (FRASER, 2007, 112).
O modelo de status proposto por Fraser percebe o não reconhecimento não apenas como um fator prejudicial à
identidade do indivíduo que por não ter reconhecimento social, tem sua autoimagem prejudicada. A autora percebe o
não reconhecimento como um elemento mais objetivo, que pode ser verificado através dos impedimentos, que podem
ser percebidos publicamente, que certos indivíduos sofrem, impedindo-os de serem membros integrais da sociedade.
(FRASER, 2007).
Enquanto a maioria dos teóricos, segundo Fraser, defende uma visão de status que se restringe a questão
econômica, argumentando que uma efetiva redistribuição de bens e direitos garantiria plenamente o reconhecimento
dos indivíduos em sociedade, a autora argumenta que nem toda ausência de reconhecimento está baseado na
ausência de renda. Para reforçar sua defesa a autora evidencia o caso de um homem que mesmo sendo rico, não
consegue pegar um taxi à noite por ser negro (FRASER, 2007).
Temos, portanto, a partir da complexa e atual discussão do reconhecimento a demonstração de que as
desigualdades sociais não se restringem às desigualdades econômicas. E que, portanto, mais do que pensar em
promover uma distribuição mais justa de riquezas e bens, aquelas políticas públicas que se pretendem inclusivas e
diminuidoras das desigualdades sociais, devem se preocupar com formas institucionalizadas que impedem uma
diversidade de tipos sociais de participarem igualmente das interações sociais.
Nancy Fraser é enfática quando aponta as condições para que seja possível haver paridade de participação
social. A distribuição de recursos é apontada como condição para que os indivíduos sejam capazes de ter voz e ser
independentes. Dessa forma se resolveria a questão da desigualdade material que impede a participação de
inúmeros indivíduos vitimas de privações. A outra condição seria fazer com que os padrões institucionalizados de
valoração cultural expressassem igual respeito a todos os indivíduos que compõem a sociedade, possibilitando assim
iguais oportunidades para estes alcançarem estima social. Em outras palavras, a outra condição se refere ao
reconhecimento (FRASER, 2007).
No que se refere aos avanços em relação à diminuição das desigualdades econômicas, através de uma maior
distribuição, Cattani (2004) aponta que a situação de má distribuição vem sendo questionada e combatida por grupos
sociais que não se beneficiam dela. Uma alteração da realidade de exploração social do início do sistema industrial e
56
certa redistribuição de renda teriam ocorrido através da pressão operária e política, por mudanças. Cattani (2004)
menciona a inclusão de um número extraordinário de indivíduos na esfera social, sobretudo entre os anos de 1945
até 1970, onde ganhos salariais e proteção social são apontados como fatores que demonstram uma fase do Estado
de Bem Estar nos países ocidentais do norte. Na mesma direção Lavalle (2003) observa que a combinação da
expansão dos direitos civis, da emergência da vida pública e do assalariamento de crescentes camadas da
população, foi responsável por promover processos de integração social (LAVALLE, 2003).
Fica claro que redistribuição econômica é um fator capaz de promover diminuições de desigualdades sociais e
que medidas nesse sentido, ainda que de maneira bastante insatisfatória, vêm sendo desenvolvidas ao longo dos
anos. No entanto, embora ainda existam muitas pessoas privadas de uma inserção social em condições de igualdade
com os demais membros da sociedade, em função do não acesso aos bens e produtos, cujo acesso ocorra a partir da
riqueza, muitas outras pessoas são privadas dessa inserção por questões que vão além do campo econômico. Daí o
esforço de alguns cientistas sociais em “ressaltar a importância do reconhecimento intersubjetivo na auto realização
de sujeitos e na construção da justiça social” (MENDONÇA, 2007).
Essa discussão ganha destaque no cenário contemporâneo onde se percebe a emergência de grupos sociais
representantes dos mais diversos segmentos lutando por espaço e condições de atuação social em igualdade com os
demais agentes sociais. Dilemas do multiculturalismo e da luta por cidadania, que pode ser tomada como um fator de
diminuição das desigualdades, não podem ser resolvidos apenas pensando no campo econômico. É necessário
pensar de que forma os mais distintos grupos sociais, com suas idiossincrasias, tem sido vistos, representados e
tratados na esfera pública de suas sociedades.
Essa questão se torna central para o debate do reconhecimento. Pois ser reconhecido como indivíduo
qualificado para a participação social e política, a partir da perspectiva de Fraser, é condição necessária para que
ocorra uma diminuição das desigualdades sociais na sociedade contemporânea. Se como aponta Cattani (2004) as
diferenças econômicas foram ao longo dos anos sendo diminuídas ou amenizadas, o momento parece ser o de
buscar o mesmo caminho para outros tipos de diferenças, sobretudo aqueles baseados no multiculturalismo. No
entanto, apontar que as diferenças econômicas foram diminuídas, não significa considerar satisfatório o acesso ainda
restrito de vários indivíduos aos bens e serviços econômicos produzidos em sociedade.
Para tanto, se torna necessário observar de que forma os diversos grupos que compõem a sociedade tem se
comportado ou encontrado condições para se comportarem como cidadãos. Nesse ponto esbarramos em outra
dificuldade que se refere ao entendimento de cidadania. Para Lavalle (2003) a dificuldade existente quando se fala
dos desafios atuais da cidadania, é lidar com o pressuposto que existe um “conjunto de traços razoavelmente
consensuais” para definir o que é cidadania, ou quem pode ser considerado um cidadão.
Mas embora exista essa dificuldade em se chegar a um consenso acerca do que vem a ser a cidadania, ela
não pode ser tomada como empecilho para se pensar na inserção social e melhores condições de tratamento para
grupos que vem sendo marginalizados das discussões e reconhecimentos na esfera pública.
57
Lavalle (2003) faz referências as forças institucionais desestabilizadoras da cidadania, que estariam
relacionadas à capacidade do Estado para lidar com os interesses, muitas vezes conflitantes, de diversos grupos
sociais. Observa-se, portanto, uma tentativa de sugestões de caminhos que o autor apresenta para a diminuição das
desigualdades que se baseiam não no campo econômico, mas nas diferenças de opiniões, posturas e principalmente
de interesses apresentadas pelos homens. O papel ocupado pelo Estado nessa discussão é central, pois o mesmo é
apontado como agente potencialmente capacitado para lidar com as questões de integração social, a partir de ações
pontuais. (LAVALLE, 2003).
Oferecer condições de exercício da cidadania para todos os grupos sociais ou mesmo para todas as pessoas
que compõem determinada sociedade seria uma forma de promoção do reconhecimento e consequentemente de
diminuição das desigualdades baseadas nas diferenças. O Estado é apontado como o órgão estratégico porque é
visto como potencialmente capaz de promover uma universalização de reconhecimento e assim gerar benefícios
diretos e indiretos para seus indivíduos.
A promoção da cidadania, aqui entendida como status daqueles que são considerados membros integrais de
uma comunidade e que recebem igual tratamento em relação aos direitos e obrigações pertinentes ao status
(LAVALLE, 2003) e do reconhecimento, vista como elemento que vai além da identidade e enfatiza as instituições e
relações sociais, gera ao indivíduo a possibilidade de se chegar à situação que Fraser (2007) considera ideal nas
interações sociais entre os indivíduos. A aquisição de cidadania e de reconhecimento permite ao indivíduo se livrar da
subordinação social e chegar à condição de ser parceiro integral nas interações sociais ou ainda chegar à condição
de participar como um igual na vida social e política de sua comunidade.
A paridade de participação deve ser a justificativa para as mais variáveis demandas dos sujeitos sociais.
Conforme aponta Fraser (2007) independente da reivindicação social estar pautada em questões de distribuição ou
de reconhecimento, o que deve ser evocado são os entraves que não permitem a participação social de forma
igualitária de alguns grupos prejudicados. Para tanto, é necessário mostrar que os “arranjos atuais” os impedem a
participação, quer estes arranjos sejam econômicos ou os padrões institucionalizados de valoração cultural. Em
ambos os casos, a autora enfatiza, a impossibilidade de paridade participativa é o que justifica a reivindicação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
As desigualdades sociais se apresentam de formas variadas, podendo ou não estar relacionadas às questões
que envolvem o campo econômico. As desigualdades baseadas nas diferenças de renda, talvez em função de serem
denunciadas e estudadas ha mais tempo que os outros tipos de desigualdades, receberam maior atenção por parte
de governos que tentaram medidas para amenizá-las, como por exemplo, os ganhos salariais e proteção social
apontados por Cattani (2004). Já as desigualdades baseadas nas diferenças de outros tipos, nos parecem estar
entrando para a pauta das discussões gradativamente nos últimos anos.
58
Não queremos dizer que as desigualdades econômicas encontram-se resolvidas ou bastante avançadas em
suas soluções, o que queremos apontar é que as desigualdades baseadas nas diferenças sociais não baseadas na
economia que têm impedido indivíduos de participarem socialmente em condições de igualdade com outros
indivíduos também são relevantes para se discutir as formas de desigualdades contemporâneas que tem prejudicado
de forma objetiva um número grande de pessoas vitimas da maneira como nossas sociedades se comportam.
Como sugere Fraser (2007) o não reconhecimento de alguns indivíduos não tem a ver apenas com a esfera
subjetiva, com a questão da identidade ou auto realização de cada um, indivíduos que são atingidos pelo não
reconhecimento acumulam perdas e impedimentos objetivos na esfera social que podem ser mapeados e
explicitados.
Saber de que maneira se manifestam as desigualdades sociais é um primeiro esforço no sentido de evitá-las
ou diminuí-las. Embora as contradições e tratamentos sociais desiguais sejam algo tão nítido na estrutura social em
que vivemos, acreditamos que a ampliação dos mecanismos que promovem a cidadania social seja medida estratégia
para combater essas desigualdades. Entendendo cidadania de forma abrangente no que se refere aos direitos e
deveres de um indivíduo, o reconhecimento e a distribuição são elementos essenciais para sua conquista.
A diminuição das desigualdades sociais em todos os seus níveis de manifestação tem sido um desafio para
as sociedades contemporâneas. A partir dos estudos sobre redistribuição, reconhecimento e cidadania, percebemos a
indicação de que a possibilidade de diminuição significativa de seus níveis passa pela ação do Estado no sentido de
desenvolver estratégias que amplie o número e o tipo de indivíduos capazes de participar de forma paritária dos
assuntos públicos que dizem respeito à sociedade. O que parece ser urgente é ampliar o debate do combate das
desigualdades baseadas na renda, sem reduzir o tema da desigualdade a esse campo, reconhecendo e
desenvolvendo também estratégias de combate as desigualdades fruto do não reconhecimento social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CATTANI, Antônio David. AS DESIGUALDADES AMPLIADAS E AS ALTERNATIVAS EM CONTRUÇÃO. Cadernos
CRH, Salvador, v. 17, n. 40, p. 93 -102. Abril, 2004.
COSTA, L. C. da. Pobreza, Desigualdade e Exclusão Social, in Sociedade e Cidadania desafios para o século XXI.
Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2005.
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética? Lua Nova, Nº 70. São Paulo, 2007, PP. 101 -138.
LAVALLE, Adrián Gurza. Cidadania, diferença e igualdade. Lua Nova, 2003, nº 59, PP. 77-93.
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MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Reconhecimento em debate: os modelos de Honneth e Fraser em sua relação com o
legado Habermasiano. Revista de Sociologia e Política (UFPR. Impresso), p. 169-185, 2007.
SEN, Amartya. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
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ETNOMATEMÁTICA: A CONTRIBUIÇÃO DA MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
Tânia Alves Martins
RESUMO
A educação científica pressupõe que o currículo escolar incorpore práticas que superem o atual modelo de ensino de ciências, predominante na maioria das escolas de ensino fundamental e médio no Brasil. Um dos equívocos da educação matemática tem sido o de desvincular a matemática das demais atividades humanas. Nesse sentido, este trabalho aborda a Etnomatemática, como possibilidade metodológica para o ensino e aprendizagem dessa área do conhecimento humano. Paulo Freire afirma que é dever da escola respeitar os saberes anteriores dos alunos. Assim, foram desenvolvidos projetos numa perspectiva etnomatemática em turmas de ensino fundamental de uma escola pública na cidade mineira de Itaúna. As metodologias propostas contemplaram a utilização da cultura do aluno para a construção dos conceitos matemáticos, oportunidade em que os mesmos investigaram e descobriram conceitos básicos e fundamentais. O que contribuiu para a elaboração crítica e desenvolvimento do pensamento científico. Do ponto de vista metodológico, considerou-se que o ensino da Matemática vai muito além da transmissão dos conhecimentos formais e sistematizados e que a Matemática está intrinsecamente relacionada à vida. Assim, a Pesquisa Participante possibilitou a constatação de que a contextualização da matemática, numa abordagem Etnomatemática contribui para melhorar o ensino e a aprendizagem da matemática. O que permite aos alunos expressar o prazer que sentem ao aprenderem conteúdos dessa área do conhecimento humano, significativos para suas vidas.
PALAVRA-CHAVE: Matemática - Etnomatemática - Educação Científica
ETNOMATEMÁTICA: A CONTRIBUIÇÃO DA MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
“Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os
homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” Paulo
Freire
“Enquanto a alfabetização pode ser considerada o processo mais simples do domínio da linguagem
científica, e enquanto o letramento, além desse domínio, exige o da prática social, a educação científica almejada
em seu mais amplo grau envolve processos cognitivos e domínios de alto nível” (SANTOS, 2007, p. 479). Para isso,
“os estudantes deveriam ter amplo conhecimento das teorias científicas”, bem como serem “capazes de propor
modelos em ciência” (ibdem).
A ciência pode ser entendida como sendo um mundo de ideias em movimento que busca descobrir a
unidade que existe nas experiências do dia-a-dia do homem com o seu meio. Formulando hipóteses, o cientista
utiliza de sua imaginação e trilha um caminho próprio, exercendo a crítica e a experimentação. A atividade científica
61
percorre um caminho em busca de soluções ao confrontar diversas situações, sendo considerada, segundo Zancan
(2000), a “principal realização do mundo atual e, talvez mais do que qualquer outra atividade, distingue este século
dos demais. Devido à natureza social da ciência, a sua divulgação é crucial para o seu progresso”.
O avanço explosivo do conhecimento pode marginalizar os povos que não possuem uma infraestrutura de
pesquisa que possibilite a formação de recursos humanos e uma educação científica universal. Para Santos, o
letramento, se entendido como “prática social, implica a participação ativa do indivíduo na sociedade em uma
perspectiva de igualdade social, em que grupos minoritários, geralmente discriminados por raça, sexo e condição
social, também pudessem atuar diretamente pelo uso do conhecimento científico” (SANTOS, 2007, p. 480). Além
disso, o significado cultural da alfabetização científica deve ser pensado no sentido que a educação científica seja
considerada como processo de enculturação.
A Unesco afirma que “o desenvolvimento científico tornou-se um fator crucial para o bem-estar social a tal
ponto que a distinção entre povo rico e pobre é hoje feita pela capacidade de criar ou não o conhecimento científico”
(UNESCO, apud Zancan, 2000). Entretanto, os benefícios da ciência - patrimônio de todos -, não têm sido
distribuídos igualitariamente entre países, classes sociais, raças e gêneros.
Segundo BALDINO (1999, p. 221), “levando em conta a preocupação geral com a Educação Matemática no
mundo todo e os investimentos feitos nessa área, uma conclusão se torna inevitável: o ensino da matemática é uma
atividade humana assombrada pelo fracasso”. Na esperança de se extinguir, ou pelo menos reduzir esse fracasso,
as pesquisas em educação matemática apostam em algumas mudanças. Mudança segundo o autor, poderia
significar “obtenção de um ambiente de aprendizagem [...], otimização de currículos, introdução de novas
tecnologias, mudança das formas da sala de aula ou introdução de métodos de resolução de problemas, [...]
mudança dos conhecimentos, das práticas ou das crenças dos professores” (BALDINO, 1999, p. 221). Para ele, a
mudança ainda poderia estar relacionada aos diversos preconceitos ou, ainda e simplesmente, uma tentativa de
melhoria do ensino e da aprendizagem.
Porém, apesar de diversas tentativas, de maneira geral, as mudanças apresentadas e propostas em
diversas pesquisas em educação matemática não alcançaram plenamente seus objetivos, pois os alunos continuam
fracassando na aprendizagem e grande parte dos professores ainda continua fracassando no ensino deste
conteúdo. O sucesso, segundo Baldino, continua reservado para poucos. Diante disso, esta pesquisa é uma
tentativa de “inverter o objetivo da pesquisa em Educação Matemática: em vez de continuar fazendo apologia da
mudança e recolhendo o fracasso como produto, pode-se pensar em começar por produzir a mudança e verificar se,
por quais meios, a apologia do fracasso surge como resposta” (BALDINO, 1999, p. 222).
Nesse contexto, numa tentativa de reverter o quadro de desvinculação da Matemática das demais
atividades humanas, este trabalho aborda a Etnomatemática como possibilidade metodológica. Essa possibilidade
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metodológica considera o ensino e aprendizagem da matemática como algo vivo, trabalhando com situações reais
no tempo e no espaço, procurando refletir criticamente este aqui e este agora, buscando valorizar a importância da
cultura dos próprios sujeitos da aprendizagem.
Para D‟AMBRÓSIO (1989, p. 15), “a típica aula de matemática [...] ainda é uma aula expositiva, em que o
professor passa no quadro negro aquilo que ele julga importante. O aluno [...] copia da lousa para o seu caderno e
em seguida procura fazer exercícios de aplicação”. A autora cita estudos internacionais que constatam, no ensino
de matemática tradicional, que os alunos acreditam que aprender matemática é colocar em prática as regras
ensinadas pelo professor, bem como que a matemática foi descoberta por gênios e é verdadeira. Os alunos, neste
modo de ensino, utilizam-se dos conceitos aprendidos da matemática formal e raramente suas intuições são
consideradas importantes, faltando-lhes flexibilidade e coragem diante de situações novas. Assim, nesse modelo de
ensino, acredita-se que a matemática é “um corpo de conhecimentos acabado e polido” (D‟AMBRÓSIO, 1989, p.
15). Para a autora, o professor acredita que o aluno aprenderá mais se tiver acesso aos máximos de conteúdos que
lhes puderem ser transmitidos, e se o educando fizer inúmeros exercícios e atividades de fixação.
Historicamente, os currículos, do ensino fundamental ao ensino superior, visam à memorização de um vasto
número de fatos e informações, não relacionados à vida diária dos estudantes. Paulo Freire afirma que:
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar
nela, pelos atos da criação, re-criação e decisão, vai dinamizando o seu mundo. E, na
medida em que cria, recria e decida, vão se transformando as épocas históricas (...).
Necessitávamos de uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e
política. Uma educação que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua
problemática. Educação que o colocasse em diálogo constante com o outro. Que o
identificasse com métodos e processos científicos. (FREIRE, 2005, p. 96-98)
Ao longo do tempo, pode-se observar que durante muitos anos, esta visão da educação brasileira trouxe
consequências perversas para a maioria da população, ao favorecer uma formação completa para apenas uma
minoria. Nos anos iniciais do ensino básico admitia-se um vasto número de alunos, e o fracasso escolar impedia
que grande parte da população que entrava na escola conseguisse concluir até mesmo o primeiro nível
estabelecido.
A organização predominantemente linear e compartimentada dos conteúdos da matemática no ensino
fundamental foi um dos fatores que mais contribuiu para a repetência e evasão escolar.
63
Dentro desse quadro de fracasso escolar no Brasil, a matemática exercia papel decisivo, pois, era a
disciplina que reprovava e/ou que validava a reprovação, uma vez que era uma disciplina reconhecidamente
importante e de difícil aprendizagem.
A partir dos anos noventa, muitas mudanças e reformas na educação brasileira ocorreram e, com o mundo
globalizado e as transformações nos sistemas produtivos, essas mudanças se fizeram realmente necessárias. O
direito a uma escola para todos, a uma escola enquanto espaço de acesso à informação e a uma formação ampla e
de qualidade deveria ser garantido. Além disso, a necessidade de se reformular a função social da escola e o
funcionamento das instituições de ensino fizeram-se presentes.
Apesar das diversas iniciativas para mudar a situação de dificuldades de aprendizagem em matemática,
como afirma D‟Ambrósio (1996), nas salas de aula ainda prevalece um currículo associado a um momento histórico
anterior, com fortes influências da “Matemática Moderna”. Ao mesmo tempo, pode-se ver que a matemática está, de
forma crescente, em nosso cotidiano pessoal e coletivo, na vida diária e no trabalho. Muito conhecimento
matemático tem sido produzido face às novas demandas do mundo contemporâneo. Além disso, o avanço científico
e tecnológico requer, cada vez mais, o domínio da matemática para o exercício da cidadania. Nesse sentido, o
domínio da matemática pelo cidadão constitui um dos requisitos para mover-se na sociedade.
Fiorentini apresenta a ideia de que:
por trás de cada modo de ensinar, esconde-se uma particular concepção de
aprendizagem, de ensino e de educação. O modo de ensinar depende também da
concepção que o professor tem do saber matemático, das finalidades que atribui ao
ensino da matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno e, além disso,
da visão que tem de mundo, de sociedade e de homem (FIORENTINI, 1994, p. 38).
A matemática permite resolver problemas da vida cotidiana, tem aplicabilidade no trabalho, além de ser um
instrumento utilizado por outras áreas curriculares para construção de conhecimento. A matemática interfere
“fortemente na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento e na agilização do raciocínio
dedutivo do aluno”. (BRASIL, 2001, p. 15)
De uma maneira genérica, pode-se afirmar que o ensino da matemática acontece sem relação ao que os
alunos já sabem. “[...] Apesar de todos reconhecermos que os alunos podem aprender sem que o façam na sala de
aula, tratamos nossos alunos como se nada soubessem sobre tópicos ainda não ensinados [...], como se eles
fossem folhas em branco”. (CARRAHER; CARRAHER; SCHLIEMANN, 2006, p. 21).
Nesse sentido, é importante salientar a ação educativa libertadora proposta por Paulo Freire, na qual há
uma relação de troca entre educador e educando, exigindo-se nesta relação atitude de transformação da realidade
64
conhecida. A educação libertadora é conscientizadora, busca conexões com a realidade, como o ensino da
matemática deve buscar, uma vez que a matemática faz parte da realidade conhecida pelo aluno.
Carraher; Carraher; Schliemann apresentam contradições entre a aprendizagem da matemática na escola e
as soluções apresentadas no cotidiano, na vida e no trabalho, pois, segundo as autoras,
crianças organizam sua atividade de resolução de problemas em situações extraclasse
de acordo com os mesmos princípios lógico-matemáticos em que precisam apoiar sua
aprendizagem de matemática na sala de aula. Portanto, não podemos mais culpá-las
pelo fracasso que constatamos em nossas avaliações de sua aprendizagem. O que essa
constatação de sua capacidade revela é a existência de contradições na escola – um
aluno que já sabe somar não „aprende‟ a somar (CARRAHER; CARRAHER,
SCHLIEMANN, 2006, p. 175).
AS CONTRIBUIÇÕES DA ETNOMATEMÁTICA PARA O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA
O processo de explicação do fracasso escolar tem sido uma busca de culpados – o
aluno, que não tem capacidade; o professor, que é mal preparado; as secretarias de
educação, que não remuneram seus professores; as universidades, que não formam bem
o professor; o estudante universitário, que não aprendeu no secundário o que deveria ter
aprendido e agora não consegue aprender o que seus professores universitários lhe
ensinam. Mas a criança que aprende matemática na rua, o cambista analfabeto que
recolhe apostas, o mestre-de-obras treinado por seu pai, todos eles são exemplos vivos
de que nossas análises estão incompletas, precisam ser desafiadas, precisam ser
desmanchadas e refeitas, se quisermos criar a verdadeira escola aberta a todos, pública
e gratuita, pela qual lutamos nas praças públicas. Os educadores, todos nós, precisamos
não encontrar os culpados mas encontrar as formas eficientes de ensino e aprendizagem
em nossa sociedade. (CARRAHER; CARRAHER; SCHLIEMANN, 2006, p. 20)
Para explicar o significado do termo etnomatemática, D‟Ambrósio (1998) utiliza a etimologia da palavra.
ETNO refere-se a algo muito amplo, relacionado ao contexto cultural, incluindo, portanto, linguagem, jargão, códigos
de comportamento, mitos e símbolos; MATEMA, significa explicar, conhecer, entender; e TICA, vem de techne e
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significa arte ou técnica. Portanto, podemos afirmar que Etnomatemática é a técnica ou arte de conhecer, explicar e
entender a matemática nos mais variados contextos culturais e sociais. “As diversas práticas dessa natureza que se
identificam em contextos culturais os mais variados são aparentemente abandonadas pelos praticantes quando lhes
é exposta, a chamada „matemática‟.” (D‟AMBRÓSIO, 1998, p. 81)
O termo Etnomatemática foi introduzido por D‟Ambrósio, na concepção citada, em 1975, para descrever
práticas de determinados grupos culturais (sociedade, comunidade, grupo religioso, classe profissional) e desde
então, o termo tem sido utilizado por vários pesquisadores em diversos países. “É nesse sentido que ele é aceito
pelo International Study Group on Ethnomathematics, sediado em Miwaukee, Wisconsin, USA. Outras utilizações
anteriores [...] têm alcance muito mais restrito” (D‟AMBRÓSIO, 1998, p. 81). Segundo o autor, as práticas são
sistemas de símbolos, organização espacial, métodos de cálculos, estratégias para resolução de problemas,
sistemas de medidas e outras ações que possam ser transformadas em representações formais.
Para Fiorentini (1994), o professor que concebe a matemática como sendo exata, organizada, pronta e
acabada terá uma prática pedagógica diferente daquele que a concebe como algo vivo, dinâmico e em construção,
atendendo a interesses e necessidades da sociedade. O professor que se preocupa com o ensino da matemática
que atenda às necessidades sociais busca novas maneiras de ensinar a matemática da realidade cultural dos
alunos, fazendo dessa algo realmente vivo e dinâmico.
Segundo D‟Ambrósio, uma das formas que podem apresentar melhores resultados no ensino e
aprendizagem da matemática pode ser a etnomatemática. Para o autor, as diversas tendências, métodos ou
possibilidades para o ensino da matemática são inovações que podem dar significado à aprendizagem dos diversos
conteúdos matemáticos. Aqui, trataremos especificamente da etnomatemática.
Este trabalho é resultado de uma investigação sobre a Educação Matemática, numa tentativa de análise,
tendo como referência as ideias de Paulo Freire, Ubiratan D‟Ambrósio, Terezinha Carraher, Dario Fiorentini e
Marcelo Borba. Esse referencial teórico permitiu uma reflexão crítica da prática pedagógica nessa área do ensino,
considerando que essa prática implica em saber dialogar e escutar, que supõe o respeito pelo saber do educando e
reconhece a identidade cultural do outro. A abordagem da Etnomatemática, como possibilidade metodológica para o
ensino da matemática, bem como as contribuições que ela traz para o ensino, a aprendizagem e a educação
científica, é a perspectiva deste trabalho.
D‟Ambrósio é o autor brasileiro que mais se identifica com a tendência da Etnomatemática. A ele se deve a
criação do termo e a caracterização da etnomatemática como programa de pesquisa que caminha com uma prática
escolar. O autor define a Etnomatemática como a abordagem das distintas formas de conhecer; um programa que
procura entender o saber e o fazer matemático de culturas marginalizadas ao longo da história da humanidade,
contextualizado em diferentes comunidades, povos e nações. Para ele, a Etnomatemática tem como objetivo o
66
reconhecimento de outras formas de pensar. Desse modo, ela é um esforço para o encorajamento de diversas
reflexões sobre a natureza do pensamento matemático, articulado histórico, social, pedagógica e cognitivamente.
Portanto, o objetivo da Etnomatemática é entender o ciclo de conhecimento em ambientes distintos.
Cada vez mais, coloca-se para o educador um processo permanente de reflexões sobre a sua prática, com
o objetivo de inová-la, a fim de alcançar melhores resultados. Sem dúvida, as contribuições de Paulo Freire levam o
educador a questionar criticamente a sua prática, a ter consciência de si enquanto um ser histórico que está
continuamente se educando. As ideias do autor orientam a formação docente no que se refere à reflexão crítica de
sua prática, levando-o a dialogar e escutar, o que pressupõe o respeito ao saber prévio do educando, respeitando
também a sua identidade cultural. As metodologias de Freire constituem um caminho seguro para a educação
brasileira, pois elas não apenas analisam a educação e a pedagogia, mas apresentam uma teoria de como estas
devem ser compreendidas e como se deve agir para, ao mesmo tempo ser e ter uma Educação Libertadora. A sua
pedagogia é um processo que nasce da observação reflexiva e encerra-se na ação transformadora; desnudando a
concepção bancária de educação, na qual o educador é aquele que educa, sabe, pensa, disciplina, atua, escolhe o
conteúdo programático; enfim, o sujeito ativo do processo. Nessa concepção, os educandos são considerados como
aqueles que são educados, não sabem, são disciplinados, seguem as prescrições do professor; ou seja, meros
objetos, sujeitos passivos. Para o autor, teoria e prática formam um todo e o saber tem caráter libertador. A
Educação Bancária tem como princípios a domesticação e a alienação transferidas dos educadores aos educandos
impostamente; isto é, oprimindo-os. A educação para a humanização, segundo Freire, se opõe à Bancária e é
Libertadora. Nesta concepção o conhecimento tem início na realidade concreta do educando, que reconhece o seu
caráter histórico e transformador, na qual existe uma relação horizontal entre educador e educando, que juntos
transformam a realidade conhecida. Para o autor, ensinar é instigar para a pesquisa, o que vai ao encontro da
proposta da etnomatemática.
A etnomatemática se relaciona com a história das ciências, podendo ser entendida como uma teoria de
cognição. Sendo assim, a análise histórica é uma fundamentação teórica necessária para a compreensão da
etnomatemática. E, ao mesmo tempo, é um instrumento importante para a elaboração de programas de ensino
dentro desta perspectiva. Nesse sentido, a História pode ser entendida como: “narração dos fatos notáveis ocorridos
na vida dos povos, em particular, e da humanidade, em geral; conjunto de conhecimentos, adquiridos através da
tradição e/ou mediante documentos, acerca da evolução do passado da humanidade” (AURÉLIO, 2004, p. 395).
Nessa perspectiva, somos motivados a identificar técnicas e práticas utilizadas por grupos culturais na sua
busca de explicar, conhecer e entender o mundo que os cerca, a realidade a eles sensível e de manejar essa
realidade em benefício próprio e de seu grupo, situando-nos num contexto etnográfico. Para o autor, todo trabalho
de matemática, comprometido com as transformações sociais, pode também ser considerado um trabalho de
etnomatemática.
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A etnomatemática utiliza-se de técnicas e práticas que lançam mão de processos de contagem, medida,
classificação, ordenação e inferência. Essas técnicas também permitiram a Pitágoras identificar a disciplina que ele
chamou de MATEMÁTICA; o que nos leva a compreender a etnomatemática também como um processo que vai da
realidade à ação.
Etnomatemática é um programa que visa explicar os processos de geração, organização
e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas
que agem nos e entre os três processos. Portanto, o enfoque é fundamentalmente
holístico. (D‟AMBRÓSIO, 1998, p. 7)
Para o autor, esta é “uma metodologia de retraçar e analisar os processos de geração, transmissão, difusão
e institucionalização do conhecimento.” (D‟AMBRÓSIO, 1998, p. 78).
Entretanto, pode-se perceber que a matemática vai muito além da transmissão dos conhecimentos
sistematizados pelos matemáticos e observa-se que ela está intimamente relacionada com a vida da humanidade,
presente no seu dia-a-dia, podendo ser estudada dentro de um enfoque holístico. Um olhar sobre a realidade do
cotidiano permite verificar exemplos, os quais ilustram esta afirmação nas diversas práticas de exercícios de
matemática, como: a prática matemática dos feirantes, pedreiros, agricultores e borracheiros. Existem vários grupos
sociais que praticam a sua própria etnomatemática e, no interior deles, em especial, as crianças, que também
possuem a sua própria etnomatemática. Trabalhos e projetos de educação matemática, como a construção de
hortas caseiras, os mapeamentos de uma cidade ou a avaliação do consumo de água ou energia elétrica de uma
família, são propostas de trabalhos de etnomatemática como prática pedagógica. Vários estudos sobre
etnomatemática do cotidiano apresentam uma matemática muito eficiente, aprendida no ambiente familiar ou na
comunidade, e não na escola. Portanto, a etnomatemática faz parte do cotidiano, que pode ser entendido como
sendo “aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona a cada dia, nos oprime [...]. O
cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior.” (CERTEAU; GIARD; MAYOL, 1996, p. 31)
A questão central do programa de pesquisa, chamado por D‟Ambrósio de Etnomatemática, “é procurar
entender o saber/fazer matemático ao longo da história da humanidade, contextualizado em diferentes grupos de
interesse, comunidades, povos e nações” (D‟AMBRÓSIO, 2001, p. 17). Ao definir a Etnomatemática como um
programa, o autor evidencia que ela não é uma outra epistemologia, mas sim, uma proposta “de entender a
aventura da espécie humana na busca de conhecimento e na adoção de comportamentos”. (D‟AMBRÓSIO, 2001,
p.17).
À medida em que não é possível, segundo o autor, chegar a uma teoria acerca das “maneiras de
saber/fazer matemático de uma cultura” (D‟AMBRÓSIO, 2001, p.18), é necessário estarmos sempre dispostos a
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novas metodologias e a visões diferentes do que é ciência e da sua evolução; entendendo que a “cultura é o
conjunto de conhecimentos compartilhados e comportamentos compatibilizados” (D‟AMBRÓSIO, 2001, p. 32).
Paulo Freire propõe novas relações entre aluno e professor e entre aluno e conhecimento, ressaltando o
respeito à experiência e à identidade cultural dos educandos e aos saberes previamente construídos no seu dia-a-
dia, como aspecto de extrema importância. Para o autor, a educação não poderia ser desvinculada do seu principal
objetivo: a construção de uma sociedade mais justa. Nas relações entre aluno e conhecimento, Paulo Freire coloca
o aluno como sujeito e não como objeto do processo educativo, afirmando que o mesmo possui capacidade para
organizar a própria aprendizagem em situações planejadas pelo professor, num processo de interação com a
realidade do aluno. Articulando essa visão dentro do ensino de matemática, a perspectiva apresentada pela
etnomatemática propõe um trabalho em que o aluno, a partir de situações-problema de seu dia-a-dia, constrói,
explica, conhece e entende o conteúdo matemático, no seu contexto social.
Os professores de matemática do ensino fundamental de uma escola pública da cidade de Itaúna-MG,
pesquisados neste trabalho, estão procurando promover um ensino renovado de matemática para os alunos. Um
ensino que deve ser interdisciplinar, contextualizado e precisa despertar nesses alunos, a curiosidade, a criticidade
e atitudes questionadoras. Esses professores selecionaram conteúdos e procedimentos não tradicionais,
conduzindo a aprendizagem baseada no cotidiano dos alunos, procurando dar significado aos fatos e ações do seu
dia-a-dia, esforçando-se para evidenciar e relacionar a matemática com outras disciplinas.
Na realização dos projetos, os alunos perceberam o potencial matemático que eles possuem, reconhecendo
a importância da cultura para a identidade de cada indivíduo. Nas aulas de matemática procurou-se perceber e
entender a influência que uma cultura teve e tem sobre a matemática e como essa influência resulta no modo como
a matemática é pensada e transmitida nos dias de hoje. Procurou-se olhar para os fatos da vida com olhar
matemático, numa perspectiva etnomatemática.
Conhecendo a realidade sociocultural dos alunos, os professores relacionaram os conteúdos às ideias que
os alunos já construíram anteriormente. Na preparação das atividades a serem trabalhadas com o olhar
etnomatemático, os professores buscaram alternativas pedagógicas para contextualizarem os conteúdos a serem
abordados, conforme o plano curricular, bem como criaram oportunidades de aprendizagem através da realização
de projetos.
Carraher; Carraher; Schliemann, ao afirmarem, baseados em suas pesquisas, que “não precisamos de
objetos na sala de aula, mas de objetivos na sala de aula, mas de situações em que a resolução de um problema
implique a utilização dos princípios lógico-matemáticos a serem ensinados” (2006, p. 179), afirmam também que o
concreto para a criança não são os materiais que ela manipula, mas, as situações que ela tem que enfrentar na
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sociedade em que vive. E a etnomatemática propõe exatamente este enfrentamento de situações que fazem parte
do dia-a-dia do aluno.
RELATOS DE ATIVIDADES REALIZADAS
Dentre as práticas realizadas pelos professores durante o ano letivo de 2007, destacamos duas: o projeto
realizado com turmas de sexta série do Ensino Fundamental, sobre obesidade infantil; e o projeto com turmas de
sétima série sobre o estudo das diversas profissões que utilizam a matemática como recurso para realizarem suas
diversas atividades profissionais.
Nas turmas de 6ª série, professores de matemática, ciências, educação física e língua portuguesa, diante do
grande número de crianças e adolescentes obesos e sedentários, desenvolveram um projeto sobre obesidades e
diabetes infantil.
Os objetivos deste projeto foram: prevenir e conscientizar os alunos e seus familiares de tais doenças, levar
o aluno a questionar hábitos alimentares e modos de vida sedentária, construir ideias matemáticas de modo
contextualizado, ou seja, encaminhar a educação numa perspectiva etnomatemática. Os alunos pesquisaram sobre
as doenças na internet, em bibliotecas e consultaram familiares e amigos, realizando entrevistas e analisando-as. A
professora de Ciências trabalhou os conceitos de obesidade e diabetes e suas prevenções; a professora de
Educação Física desenvolveu trabalhos de conscientização sobre a importância da prática esportiva para um corpo
saudável. Nas aulas de Língua Portuguesa, os alunos trabalharam com a interpretação e análise dos textos
pesquisados. E nas aulas de matemática, os alunos fizeram pesquisas culinárias saudáveis, trabalhando com
medidas de massa, volume, transformação de unidades de medidas e relações das medidas padrão com as
medidas usadas diariamente em casa, como: “uma pitada de”, “uma colher de”, “uma xícara de” que estão inseridas
em nossa cultura e que não são valorizadas na escola. Os assuntos foram abordados de forma interdisciplinar. “Isso
nos leva ao que chamamos de etnomatemática e que restabelece a matemática como uma prática natural e
espontânea” (D‟AMBRÓSIO, 1998, p. 31).
Para o encerramento do projeto, os alunos criaram receitas saudáveis com a ajuda dos familiares,
prepararam as receitas e levaram para a escola onde foi realizada a culminância do projeto, numa confraternização.
Na ocasião foram tiradas fotos para a confecção de um pequeno livro de receitas saudáveis.
O projeto realizado nas turmas de 7ª série abordou as diversas profissões que utilizam a matemática como
instrumento para realizar suas atividades profissionais diárias. Primeiramente, os alunos foram divididos em grupos
e cada grupo escolheu duas profissões a serem analisadas, Em seguida, foram realizadas discussões nos grupos
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sobre as atividades realizadas pelos respectivos profissionais, o dia-a-dia desses profissionais e a utilização da
matemática no cotidiano dos mesmos. As profissões escolhidas para serem trabalhas neste projeto foram as
seguintes: marceneiro, pedreiro, piloto, contador, eletricista, músico, soldador, engenheiro, marceneiro, dentista,
fisioterapeuta, médico e lavrador. Dentre as questões elaboradas pelos alunos para a entrevista com os
profissionais, destaca-se: “Quais as atividades profissionais que você realiza? Como é o dia-a-dia do seu trabalho?
Qual a utilidade da matemática no seu dia-a-dia? Seria possível exercer a sua profissão sem utilizar a matemática?
A matemática é importante para o exercício da sua profissão? Exemplifique situações em que a matemática é
utilizada no exercício da sua profissão. Explique como você resolve tais situações. A matemática formal, ensinada
nas escolas, é a mesma matemática que você utiliza na sua profissão? Você percebe alguma diferença entre a
matemática formal e a matemática do seu dia-a-dia profissional?”
Cada grupo visitou, observou as atividades realizadas pelos diversos profissionais, realizou entrevistas com
os mesmos e levantamentos de dados relativos aos objetivos do projeto. Este primeiro contato com os profissionais
foi com o objetivo de descobrir como a matemática estaria presente nas atividades dessas profissões, no dia-a-dia
do trabalho dos mesmos, bem como de certificarem se os profissionais tinham conhecimento de estarem
empregando conceitos matemáticos nos seus afazeres. Os alunos realizaram entrevistas, gravaram-nas e filmaram
imagens dos profissionais realizando diversas atividades que empregam de uma forma ou de outra, conhecimentos
matemáticos. Todos os trabalhos, bem como as entrevistas realizadas foram apresentados em sala de aula para os
demais alunos.
A partir das entrevistas e observações foram realizadas discussões em sala de aula, oportunidade que os
alunos tiveram de expressar o que sentiram na realização da pesquisa e comentar sobre questionamentos
realizados com os profissionais de cada área. Diversas atividades e cálculos foram realizados, confirmando e
comparando informações fornecidas pelos profissionais com a matemática formal, ensinada e aprendida na escola.
Muita novidade foi descoberta com bastante prazer pelos alunos.
O conhecimento matemático entendido como construção social e produto cultural, possibilita que o aprendiz
construa seu próprio conhecimento, estabelecendo diversas relações entre a matemática formal e a matemática do
cotidiano.
Um dos objetivos dos trabalhados realizados é o de reverter o quadro de isolamento da escola relativamente
ao cotidiano do aluno. Pois, segundo Carraher; Carraher; Schliemann (2006) o ensino e a aprendizagem de
matemática, em sala de aula, deveria ser o momento onde se integram a matemática organizada pela comunidade
científica, formal e a matemática como atividade do homem, da vida diária, ou seja, a cultura científica com a cultura
humanística.
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Ao entrevistar os professores que desenvolvem com seus alunos, nas aulas de matemática, atividades
contextualizadas e interdisciplinares, buscando novas metodologias, numa perspectiva etnomatemática,
constatamos que um mesmo professor, no decorrer da sua experiência e vivência no trabalho docente, pode
praticar o ensino da matemática de maneiras distintas e até mesmo opostas. Baseados em leituras e na sua
formação continuada, os professores conseguem diagnosticar as falhas do ensino da matemática, descobrindo
novas maneiras de abordagem dos conteúdos da matemática formal.
Dentre as falas dos professores entrevistados, destacamos:
Iniciei minha carreira como professora, quando cursava o 3º ano da graduação. Não
utilizava nenhuma metodologia específica, aliás, na época não sabia nem o que era
metodologia. Minha formação foi muito falha, não aprendi nada na faculdade. Naquela
época a faculdade exigia freqüência apenas nos finais de semana, na verdade foi quase
um diploma comprado, bastava estar presente na sala de aula para ser aprovado.
Preparava muito a aula do dia, sabia tudo o que tinha no livro mesmo sem consultá-lo. As
aulas eram baseadas no livro didático e quadro. Jamais levei meus alunos para fora da
sala de aula ou desviei da seqüência do livro. [entrevistado(a) 01]
Antes eu via a matemática como uma ciência pronta e acabada, hoje a vejo como uma
ciência viva, sendo construída a cada dia pelos próprios alunos. [entrevistado(a) 02]
Quando comecei a dar aulas, eu achava que só eu sabia e os alunos nada sabiam, que
eles deveriam ficar calados, se quisessem aprender algumas coisa, e hoje eu percebo o
quanto eu errei e não dei oportunidade àqueles alunos de se manifestar, de questionar,
de inovar. [entrevistado(a) 03]
Neste sentido, Fiorentini já afirmou:
o professor que concebe a matemática como uma ciência exata, logicamente organizada
e a-histórica ou pronta e acabada, certamente terá uma prática pedagógica diferente
daquele que a concebe como uma ciência viva, dinâmica, historicamente construída
pelos homens e que atende a determinados interesses e necessidades sociais.
(FIORENTINI, 1994, p. 38).
Um dos entrevistados afirmou:
Eu achava que os alunos deveriam memorizar para aprender, fazer exercícios de fixação
até cansar, para aprender de verdade. Hoje vejo que todo conhecimento é construído,
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principalmente através de problemas que podemos propor por meio de situações do dia-
a-dia dos nossos alunos. [Entrevistado (a) 02]
Da mesma forma, Fiorentini também já afirmava:
o professor que acredita que o aluno aprende matemática através de memorização de
fatos, regras ou princípios transmitidos pelo professor ou pela repetição exaustiva de
exercícios, também terá uma prática diferenciada daquele que entende que o aluno
aprende construindo os conceitos a partir de ações reflexivas sobre materiais ou a partir
de situações e problematizações extraídas do contexto sócio-cultural do aluno.
(FIORENTINI, 1994, p. 39)
Ao serem questionados sobre a sua prática no início de suas carreiras como professor de matemática,
sobre as metodologias que utilizavam e os recursos disponíveis, destacamos algumas falas dos entrevistados, no
que se refere ao ensino da matemática, há aproximadamente dez anos:
Era um ensino tradicional, eu falava e os alunos teriam que repetir tudo igualzinho, eu
fazia os exercícios no quadro, e na prova, os alunos teriam que reproduzi-los de maneira
semelhante. Hoje percebo que não entendiam nada, apenas decoravam. No final do ano,
mais da metade da turma estava de recuperação e 30% eram reprovados em
matemática. [entrevistado(a) 03]
No início da minha carreira os recursos eram: giz, livro, quadro, caderno e só. Quando
comecei a lecionar, eu achava que os alunos deviam ficar sempre sentados, calados,
atentos ao que eu estava falando e fazendo todas as atividades que eu propunha, em
silêncio. [entrevistado(a) 02]
Os alunos de antigamente eram „vaquinhas de presépio‟, sempre concordavam com tudo,
nada questionavam, não se opunham a nada, eles eram treinados para serem assim.
[entrevistado(a) 1]
Não conhecia e nem procurava saber da história de vida de nenhum aluno. Para mim se
um aluno não aprendia é porque ele era preguiçoso e não queria estudar. O problema
estava com ele.
73
Eu era uma professora enérgica e exigia muito e não fazia nada para mudar, achava que
estava na sala de aula apenas para passar o conteúdo como o livro mandava e nada
mais. Os alunos me odiavam. As aulas eram sempre as mesmas, nunca tinha novidade,
regime militar. [Entrevistado(a) 03]
Quando questionados sobre as práticas pedagógicas atuais, os recursos que hoje são utilizados, a maneira
como preparam suas aulas e em que estas se diferenciam das do início de suas carreiras no que se refere ao
ensino renovado de matemática, dentro de uma perspectiva etnomatemática, destacamos as falas dos
entrevistados:
Após alguns cursos de formação, e depois de ter estudado mais e perceber que as
professoras tidas como excelentes e que se destacavam na área, usavam uma
metodologia totalmente diferente da minha, resolvi mudar. Hoje utilizo todas as
metodologias indicadas nos melhores livros didáticos, tais como: resolução de problemas,
história da matemática, jogos, etnomatemática, modelagem, internet, dentre outras.
Sempre inicio minhas aulas com alguma situação real onde encaixo a aula do dia.
[entrevistado(a) 01]
Minhas aulas são sempre diferentes, cada dia uma coisa nova, quando não consigo
encaixar um jogo, tento a história da matemática ou levar para a sala de aula uma
situação do cotidiano do aluno, numa perspectiva etnomatemática. As aulas nunca ficam
restritas apenas ao espaço da sala de aula e ao quadro negro como eram no início da
carreira. Aliás, elas não têm nenhuma semelhança com o início da carreira, hoje minhas
aulas são dinâmicas, mais interessantes, menos cansativas e vejo o reflexo desta
mudança através do interesse dos alunos e do resultado das avaliações. Vejo até que
muitos alunos gostam de mim. Não sou mais aquele general, sou maleável e até amiga
dos meus alunos. Bastante democrática. Preparo minhas aulas através de livros didáticos
e muita pesquisa na internet em busca de novidades. [entrevistado(a) 03]
Ao serem questionados sobre as mudanças que percebem em sua prática pedagógica atual, quando
comparada com aquela do início de suas carreiras, os professores afirmaram:
Nos últimos anos, a minha prática mudou muito, pois faço muita coisa diferente do que
fazia no início da minha carreira. A minha maneira de trabalhar com matemática hoje em
dia mudou muito, pois para alcançar o desenvolvimento dos alunos é preciso
acompanhá-los e isso exige constante mudança. É preciso envolver os alunos na
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construção do conhecimento, para levá-los realmente a serem estudantes. E esse
envolvimento se dá através de aulas diferenciadas, contextualizadas, trabalhando a
prática e mostrando a importância do conhecimento matemático. [Entrevistado(a) 03]
Hoje trabalho com dobraduras, desafios, resolução de problemas, jogos e outras
metodologias que possibilitam ao aluno, descobrir e construir o conhecimento. Preparo
minhas aulas previamente, buscando contextualizar todos os assuntos, por mais difícil
que pareça, buscando levar para a realidade do dia-a-dia do aluno, aquele conteúdo a
ser estudado e apresento situações-problemas relacionadas a este conteúdo introduzindo
as aulas. [Entrevistado(a) 02]
Hoje minhas aulas são mais práticas, dinâmicas, pois procuro levar para a sala de aula o
que vou aprendendo com colegas, cursos e leituras diversas sobre a educação e também
sobre novas metodologias. E o que não der certo, será mudado sempre, de acordo com
as necessidades e realidades dos meus alunos. Acho que minha prática mudou porque
busquei me especializar através de cursos que me fizeram enxergar que aquela maneira
de dar aulas não estava dando certo, os resultados não eram satisfatórios. Alguma coisa
tinha que ser transformada em minha prática. Além disso, hoje procuro ouvir os alunos,
seus anseios, se estão aprendendo ou não, e procuro também ouvir e entender como
pensam e como raciocinam, matematicamente falando. [Entrevistado(a) 01]
POLETTINI (1999, p. 257) já afirmava que “uma característica essencial do professor, [...] é ouvir o aluno.
No contexto de todos os desafios que o rodeiam e da análise das formas de apoio e de obstáculo no seu trabalho, o
professor deve aprender a ouvir mais o aluno”. Para o autor, é através dessa escuta que o professor entende melhor
os processos utilizados na aprendizagem dos conteúdos, pelo aluno, entendendo também suas dificuldades em
relação aos métodos utilizados na sala de aula. O professor deve estar atento ao processo de aprender a ouvir o
aluno, o que deveria ser incentivado pelos cursos de formação de professores, uma condição para a mudança e o
desenvolvimento do professor.
Quando questionados sobre como são e como se comportam os seus atuais alunos, comparando-os com os
do início das suas carreiras, os professores responderam:
E muitos alunos se interessam bastante, apesar de parecer que a cada ano que passa os
alunos se tornam ainda mais dispersos e desanimados com relação ao estudo. A maioria
não tem compromisso e responsabilidade com a escola. Mas, apesar disso, consigo que
todos façam as atividades que proponho, alcançando meus objetivos. [entrevistado(a) 01]
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Os alunos do início da minha carreira eram mais dóceis, aceitavam o que era imposto. Os
alunos de hoje são questionadores e exigem métodos diferentes. [entrevistado(a) 03]
Para esses professores, trabalhar a matemática numa perspectiva etnomatemática, contextualizando-a é
relacionar a matemática com o dia-a-dia, com o cotidiano dos alunos, levando-os a entenderem que, se dominarem
os conteúdos da matemática, a sua aplicação será mais fácil e significativa, além de muito prazerosa. E todos os
questionamentos, como: „porquês‟, „para quê serve‟ e „como‟, serão facilmente respondidos, ou melhor, não serão
necessários.
Com essas entrevistas e conversas com os professores de matemática, pudemos observar em suas falas,
que eles acreditam que o analfabetismo científico aumentará as desigualdades, marginalizando ainda mais os
excluídos. E uma educação matemática inovadora, contextualizada e interdisciplinar pode ser um caminho para se
alcançar a educação científica que se espera, para um futuro próximo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação, como prática fundamental da existência humana precisa ser continuamente repensada. Numa
atitude de reflexão diante dos problemas educacionais, especificamente sobre o problema do fracasso escolar em
matemática, este trabalho investigou a Etnomatemática como possibilidade metodológica e prática pedagógica dos
professores de matemática.
Comparando os princípios para o ensino da matemática estabelecidos nos PCN e a realidade deste ensino,
constatou-se que a realidade está muito distante das propostas estabelecidas, bem como de outras propostas que
se pretendem inovadoras. Muitas vezes os conteúdos são simplesmente transmitidos, sem a preocupação da
formação para a cidadania e a democratização do ensino. É necessário que se repense o ensino da matemática,
que se baseia em procedimentos mecânicos, sem significados para o aluno. Surge então, a importância de que os
objetivos e as metodologias sejam reformulados. Nesse sentido, segundo os PCN, a matemática é apontada como
conteúdo que muito contribui para a retenção de alunos.
Por meio da análise dos dados da pesquisa, constata-se a ideia de que não existe uma fórmula ou um
método ideal, único e melhor para o ensino das ciências em geral, inclusive da Matemática. No entanto, é preciso
que os professores conheçam os vários métodos e possibilidades de trabalho em sala de aula, para que possam
reconstruir a sua prática. Dentre estas possibilidades acessíveis aos professores, pode-se citar as tendências
estudadas ao longo deste trabalho: resolução de problemas, história da matemática, modelagem matemática, uso
de tecnologias da informação, como a calculadora e softwares educacionais, os jogos e a etnomatemática.
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Portanto, a utilização de práticas renovadas, em que os alunos tenham oportunidade de analisar e investigar
situações da sua Vida diária, nas quais os mesmos sejam capazes de construir conhecimento, pode contribuir para
o ensino e a aprendizagem da matemática, bem como abrir caminhos para a aprendizagem significativa e reforçar a
educação científica, permitindo, aos alunos, a expressão do prazer que sentem ao aprenderem conteúdos dessa
área do conhecimento humano, significativos para suas Vidas. Isso comprova que a Educação se difere de
instrução, uma vez que esta se refere aos conteúdos e técnicas a serem transmitidas, e aquela, aos conhecimentos
e sentimentos de cada educando. A Educação é também, uma oportunidade em que o educando se desenvolve por
completo, inclusive sentimentalmente.
Percebe-se uma sintonia entre o pensamento de D’Ambrósio com o pensamento de Freire: ambos
apontam as ideias matemáticas nas diversas ações do homem, recuperando a importância e a presença da
matemática no cotidiano da humanidade.
O contato com a realidade escolar evidenciou o quanto as práticas escolares convencionais contribuem para
a exclusão e para o fracasso escolar dos educandos, principalmente daqueles oriundos de meios economicamente
menos favorecidos.
Na realização dos projetos, os alunos perceberam o potencial matemático que eles possuem, reconhecendo
a importância da cultura para a identidade de cada indivíduo. Nas aulas de matemática, procurou-se perceber e
entender a influência que uma cultura teve e tem sobre a matemática e como essa influência resulta no modo como
a matemática é pensada e transmitida nos dias de hoje. Procurou-se olhar para os fatos da vida com olhar
matemático, numa perspectiva etnomatemática.
Por meio do diálogo com os professores de matemática e com a realização das entrevistas, constatou-se
que eles preocupam-se com a inserção social de seus alunos e acreditam que o analfabetismo científico aumentará
as desigualdades, marginalizando ainda mais os excluídos. Por outro lado, acredita-se que uma educação
matemática inovadora, contextualizada e interdisciplinar pode ser um caminho para se alcançar a educação
científica que se espera, para um futuro próximo.
A aprendizagem do código matemático formal contribui para o desenvolvimento da conscientização política
e a superação da sua situação de excluído. O ensino da matemática pode contribuir para as transformações sociais,
como instrumento importante na inserção social dos alunos.
A pesquisa etnomatemática pode contribuir para o desenvolvimento de um currículo de matemática que
privilegie o raciocínio e possibilite ao aluno inserir-se no conhecimento científico.
Destaca-se na tendência pedagógica do ensino da matemática, chamada de sócioetnocultural, que a
formação dos professores precisa ser repensada, pois os professores precisam ser formados com o objetivo de
proporcionarem aos educandos uma educação matemática mais prazerosa. E uma mudança nos cursos de
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formação de professores beneficiaria o professor sob o ponto de vista pessoal e profissional pois, pôde-se perceber
elementos problemáticos no conhecimento matemático dos professores, os quais parecem decorrer de limitações na
compreensão da matemática e sua relação com o mundo, com o cotidiano dos educandos. Analisando o que os
professores relatam sobre suas formações iniciais, observou-se condições compatíveis com o problema verificado.
Dificuldades como: precarização do trabalho docente e modos de ensino hegemônicos contribuem para essa
situação.
Os elementos problemáticos no ensino da matemática relacionados às concepções de ensino dos docentes
e às maneiras pelas quais os mesmos veem e compreendem a matemática que leva a acreditar que novas formas
de conhecer a matemática e novos modos de formação de professores podem permitir ao professor uma
compreensão mais satisfatória da matemática e do seu ensino.
O desafio, talvez seja, criar no sistema educacional brasileiro uma reflexão pedagógica inovadora que
explore a curiosidade dos alunos e os motive para aprenderem com a Vida diária, e que ao mesmo tempo, os
profissionais sejam formados e capacitados para isso. A escola precisa ser um ambiente agradável, favorável e
estimulante, no qual o ensino da matemática signifique a capacidade de transformação. A Educação deve estimular
a criatividade, apresentando uma perspectiva de sucesso para todos e por meio dela, o jovem desenvolve as
habilidades de trabalhar em equipe, resolver problemas, confiar em si mesmo, ter iniciativa e capacidade de inovar
sempre. É preciso que o professorado participe de modelos de educação inovadores. E uma das maneiras de se
começar pode ser por meio de propostas como a de D‟Ambrósio e Freire, levando os educandos a questionarem as
injustiças atuais e as relações de desigualdades e submissão existentes no mundo, bem como a distribuição
desigual do conhecimento sistematizado.
Nesse sentido, espera-se que os alunos inteirando-se dos conhecimentos de sua própria cultura estarão em
condições melhores de acesso à cultura científica sem perderem sua identidade cultural. Considerando que o ponto
de partida para o ensino de matemática deve ser a cultura local, o currículo deveria ser pensado a partir das
vivências de cada cultura ou grupo cultural, pelo menos nos primeiros anos de vida escolar.
Repensando a educação matemática pode-se perceber que compreender é inventar através da reinvenção.
Lembrando Piaget, é preciso curvar-se a esta necessidade, se o que pretendemos é formar indivíduos capazes de
criar, produzir, descobrir e não apenas repetir.
Educação não é transferência de conhecimento pois, não existe um saber pronto e acabado, dominado pelo
professor para ser depositado no educando. A realidade deve ser reinventada a cada dia, em cada momento. Neste
sentido, uma Educação verdadeira é uma constante (re)descoberta, compreensão e transformação da realidade em
que se vive, pois, educação só faz sentido quando é verdadeira, emancipatória, cidadã, como disse Paulo Freire.
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Dentro desta perspectiva, que admite que a situação vivida pelo educando e o seu contexto sociocultural
deve ser o início da aprendizagem dos conteúdos da matemática, é que conclui-se que a Etnomatemática pode
contribuir para uma melhoria na qualidade do ensino desta área do conhecimento humano.
Cecília Meireles, no poema a seguir, retrata uma dicotomia que aponta termos que aparentemente, seriam
opostos:
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol
Ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
Ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão, não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce
Ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo; ou isto ou aquilo...
E vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou se fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
Qual é melhor: se é isto ou aquilo.
(MEIRELES, 1977, p. 57).
Neste sentido, aprendemos a ver como opostos o que poderíamos ver como complementares. Este
pensamento se identifica também com o de muitos docentes que visualizam o ensino da matemática de forma
compartimentalizada. As metodologias ou tendências metodológicas utilizadas no ensino da matemática devem ser
abordadas de maneira a se complementarem. O uso de uma metodologia não exclui o uso de outra. Pelo contrário,
elas podem se complementar. Portanto, a Etnomatemática pode ser trabalhada em sala de aula juntamente com as
demais tendências, complementando-se umas as outras.
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Então, fica o convite, para que outros pesquisadores desenvolvam pesquisas no campo da formação de
professores e do currículo, tanto do curso de formação de professores quanto da matemática na Educação Básica,
que deem continuidade às questões abordadas neste trabalho.
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