Revista Agriculturas - Abril de 2006

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abril 2006 vol. 3 nº 1 políticas públicas políticas públicas Das práticas às Das práticas às

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Revista Agriculturas

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abril2006vol. 3

nº 1

políticaspúblicaspolíticaspúblicas

Das práticas àsDas práticas às

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2 Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006

v. 3, nº 1(corresponde ao v. 21, nº 4 da Revista LEISA)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa –, em parceria com a Funda-

ção ILEIA – Centre of Information on Low External Inputand Sustainable Agriculture.

AS-PTARua da Candelária, n.º 9, 6º andar.

Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21) 2233-8363

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Fundação ILEIAP. O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10www.ileia.org

Conselho EditorialCláudia Calório

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Eugênio FerrariCentro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAss. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica

e Extensão Rural - Emater, RS

Marcelino LimaDiaconia, PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional-Fase/RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico, RS

Miguel Ângelo da SilveiraEmbrapa Meio Ambiente

Paulo PetersenAS-PTA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número Jean Marc von der WeidProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Fernanda A. Teixeira,Nádia Maria Miceli de Oliveira

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque e tradução Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzFoto da capa Mobilização da Via Campesina durante oMOP3, Curitiba/PR. Fotógrafo: Gabriel B. Fernandes

Projeto gráfico e diagramação I GraficciImpressão SRGTiragem: 3.000

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

ISSN: 1807-491X

edito

rial

xclusão social e degradação ambiental inte-gram-se como faces indissociáveis do modelohegemônico de desenvolvimento do mundo

rural brasileiro. Fundado na grande empresa patronal mono-cultora, esse modelo vem se reproduzindo ao longo dosséculos com o apoio decisivo do Estado nacional. Políti-cas públicas foram e são implementadas em defesa da rei-teração desse padrão de desenvolvimento rural que, deoutra forma, já haveria soçobrado em sua própriainviabilidade econômica, ecológica, social e política.

O agronegócio brasileiro é, nesse sentido, aexpressão de interesses petrificados de uma elite econô-mica satisfeita com a concepção de organização do espa-ço e da economia rural, que deita raízes em nosso períodocolonial. Não condiz absolutamente com a imagem demodernidade que procura se auto-atribuir. Pelo contrá-rio, representa a versão mais acabada de um estilo de de-senvolvimento orientado de fora para dentro, cujo traçomais característico é a racionalidade econômica informa-da pelas expectativas de curto prazo para a reprodução docapital investido, em detrimento de quaisquer preocupa-ções com o bem-estar social e com a integridade do meioambiente.

Suplantar, no plano político, a obstinada re-sistência a transformações urdida na aliança dos interes-ses das elites agrárias e agroindustriais brasileiras com ocapital transnacional requer a efetiva mobilização do con-junto da sociedade em defesa de estilos democráticos esustentáveis de desenvolvimento rural. Esse processo estáem curso a partir da agregação e canalização de forçassociais que vêm se organizando em dinâmicas de inovaçãoagroecológica presentes em todos os ecossistemas brasi-leiros. Ao mesmo tempo em que expressam o gênio criativoe formas de resistência de populações historicamente mar-ginalizadas econômica e ideologicamente, as experiênciasde agroecologia são portadoras de ensinamentos e inspi-rações que, pouco a pouco, vêm sendo traduzidos em pro-posições de políticas públicas e em força social transfor-madora. Este número da Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia dá visibilidade a processos pelos quaispráticas sociais inspiram projetos coletivos, dando coesãopolítica à defesa da produção familiar como agente dina-mizador de padrões de desenvolvimento rural pautadospelo respeito à natureza e às culturas locais.

O editor

E

Das práticas sociaisàs políticas públicas

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Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006 3

Índi

ce

Artigos

Eventos pág. 43

Páginas na internet pág. 42

Publicações pág. 41

Editor convidado Jean Marc von der Weid pág. 4

Remando contra a maré transgênica pág. 7Gabriel Bianconi Fernandes

Variedades crioulas na Lei de Sementes: avanços e impasses pág. 11Ciro Correa e Jean Marc von der Weid

Proambiente: um programa inovador de pág. 15desenvolvimento ruralMárcio Fontes Hirata

A transição agroecológica das políticas de crédito pág. 18voltadas para a agricultura familiarJean Marc von der Weid

Influenciando as políticas: a experiência da RAAA no Peru pág. 21Luis Gomero Osorio

A institucionalização da agricultura orgânica no Brasil pág. 25Katia Karam, Mª Fernanda de A. C. Fonseca,Vainer Grizante Jr. e Yara M.C.Carvalho

A criação de uma faculdade de ciências pág. 28da agricultura orgânicaHolger Mittlestrass

Gestão participativa dos recursos pág. 32pesqueiros na várzea amazônicaMarcelo Bassols Raseira, Evandro Pires Leal Câmara e Mauro Luis Ruffino

Projetos demonstrativos e políticas públicas: pág. 36os desafios da invenção do presenteAnna Cecilia Cortines, Denise Valeria Lima Pufal,Klinton Senra, Odair Scatolini, Silvana Bastos e Zaré Augusto Brum Soares

pág. 7

pág. 36

pág. 11

pág. 21

pág. 25

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pág. 32

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4 Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006

edito

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ado

urante mais de trinta anos, organizações de produtores familiaresassessoradas por ONGs e outras instituições de apoio desenvolveramgrande diversidade de experiências de produção agroecológica (inicial-

mente conhecidas como agricultura alternativa) em todos os biomas do país. Nesse período, aspolíticas públicas voltadas para o desenvolvimento agrícola estiveram essencialmente orientadas paraa disseminação de um paradigma científico-tecnológico cujo traço principal é o uso intensivo deinsumos externos aos agroecossistemas, que chegam às famílias produtoras na forma de pacotestécnicos. Durante a maior parte desse tempo, os poucos incentivos governamentais recebidos poressas experiências foram pontuais, irregulares e marginais. Nos últimos anos, entretanto, esse quadrovem se alterando.

A influência das organizações do campo agroecológico sobre as políticas públicas de âmbi-to federal tornou-se mais efetiva durante o atual governo, embora o agronegócio e o capital financei-ro continuem a figurar como os grandes beneficiários das diretrizes governamentais para o mundorural brasileiro. Programas de crédito, de pesquisa, de capacitação, de assistência técnica e extensãorural e de educação voltados para a agricultura familiar começam a incorporar, ao menos em parte,proposições elaboradas por organizações promotoras da agroecologia. Apesar de já implementados,esses programas inovadores coexistem com outros que os contradizem e que ainda exercem, infeliz-mente, maior influência sobre as orientações para o desenvolvimento da agricultura familiar.

As poucas políticas de apoio à agroecologia implementadas até o momento ainda têm umalcance restrito. Em geral, são operacionalizadas por programas mal ajustados às necessidades con-cretas das famílias agricultoras ou, em alguns casos, ainda pouco demandados por elas. A culturainstitucional de vários organismos executores das políticas de Estado também tem sido um entravepara que elas sejam acessadas por produtores e suas organizações. Habituados há muito tempo arotinas operacionais concebidas para a implementação de um outro padrão de desenvolvimento,esses organismos encontram enormes dificuldades para operar em coerência com os conceitos emétodos do enfoque agroecológico. Apesar dessas limitações, as novas políticas permitiram destra-var alguns programas governamentais, abrindo espaços para avanços (desiguais, é verdade) daagroecologia no plano nacional.

Embora o movimento agroecológico brasileiro tenha amadurecido e se capilarizado bas-tante na última década, a generalização desse conceito em meio ao universo da agricultura familiarexige um nível de compreensão e adesão das organizações dos produtores ainda não alcançado. Nãoobstante o posicionamento favorável à agroecologia por parte de organizações e movimentos sociaisde abrangência nacional, essa questão ainda não mereceu um lugar de destaque na pauta de suasnegociações com o governo.

As experiências apresentadas nesta revista evidenciam o quanto é fundamental que asentidades da sociedade civil, em particular as organizações dos produtores familiares, atuem decidi-damente para que as políticas públicas em favor da agroecologia se tornem mais abrangentes econsistentes e as resistências do aparelho do Estado sejam debeladas.

Avanços e limites da formulação e execução de algumaspolíticas públicas de apoio à agroecologia

A política de crédito foi, sem dúvida, aquela de maior abrangência dos últimos três anos.Beneficiou por volta de 2,5 milhões de famílias no plano de safra 2005/2006 com o emprego de quasenove bilhões de reais. Entretanto, grande parte desse montante foi despendida em créditos de cus-

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Construindo políticas públicas em apoio à agroecologia

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teio orientados para a compra de insumos do modelo convencional. Negociações entre o Grupo deTrabalho de Financiamento da Produção (GT-Financiamento), da Articulação Nacional deAgroecologia (ANA)1, e o Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) resultaram na criaçãode mecanismos inovadores de crédito orientados para a transição agroecológica (Pronaf Agroecologia,Pronaf Semi-Árido, Pronaf Florestal). Apesar de terem sido implementadas, essas novas modalidadesde crédito foram muito pouco acessadas, por não serem adequadas às condições dos agricultoresecologistas ou daqueles interessados em ingressar em trajetórias de transição agroecológica. Somam-se a esse fator as dificuldades dos agentes financeiros para operacionalizar esses créditos. Em outraspalavras, entreabriram-se portas, mas poucos passaram por elas (Ver artigo A transição agroecológicadas políticas de crédito voltadas para a agricultura familiar – pág. 18).

Outras modalidades de financiamento da transição agroecológica, de caráter mais estrutu-ral e de longo prazo, foram testadas na Amazônia pelo Ministério do Meio Ambiente, a partir de umaformulação intensamente discutida por praticantes da agroecologia naquela região. Trata-se doProambiente (Ver artigo Proambiente: um programa inovador de desenvolvimento rural – pág. 15),programa que teve sua execução limitada pelos poucos recursos disponibilizados, por bloqueios denatureza jurídico-institucionais e pela inadequação operacional dos aparelhos do Estado. Apesardisso, ele deve servir como modelo a ser seguido, pelo que representa de inovação no próprio conceitode financiamento da transição agroecológica, já que incorpora a idéia de remuneração dos serviçosambientais prestados pelos agricultores ecológicos.

A candente questão das sementes de variedades crioulas não chegou a ser tratada comouma política específica pelo governo federal. O tema só veio à baila em 2005, com a explicitação dascontradições existentes entre a Lei de Sementes e a política de seguro agrícola. Tendo sido um ano deseca no sul do Brasil, foi grande a procura pelo seguro agrícola por aqueles que tiveram frustradas assuas safras financiadas pelo Pronaf. Os agricultores que utilizaram variedades crioulas em seus culti-vos tiveram acesso negado ao benefício, pelo fato de que tais sementes não estão incluídas nozoneamento agrícola que orienta o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Essaquestão foi tratada no artigo da página 11, que evidencia como o reconhecimento oficial das varieda-des crioulas ainda é um tema a ser aprofundado nos debates relacionados às políticas de conservaçãoe fomento da agrobiodiversidade.

Já alguns programas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) apontam para inovadoresinstrumentos de política voltados para o desenvolvimento agroecológico. Os acúmulos metodológicose conceituais neles obtidos estão ainda longe de serem explorados em políticas de maior alcance queenvolvam mais recursos. Nesta edição de Agriculturas, são apresentados dois artigos que ilustramessas iniciativas. O que trata do Projeto de Manejo dos Recursos Naturais da Várzea (ProVárzea),executado pelo Ibama, na página 32, e o que apresenta o Programa Projetos Demonstrativos (PDA),do MMA, na página 36.

As políticas favoráveis ao agronegócio que prevaleceram no governo Lula, mesmo com acampanha por parte de vigorosos nichos pró-agricultura familiar e pró-agroecologia, são abordadasna revista com foco em seu efeito mais deletério e ameaçador: a liberação do cultivo de transgênicosno Brasil. O artigo Remando contra a maré transgênica (pág. 7) revela como a sociedade civil lutoucontra essa liberação, apoiando-se nas experiências agroecológicas para mostrar porque a opção pelatransgenia não é uma necessidade nacional, como apregoam seus defensores, mas o produto de umpoderoso lobby que o governo não quis enfrentar. Apesar da luta desigual, o resultado ainda não édefinitivo. Foram ganhos espaços relevantes para deter a maré transgênica.

O artigo A institucionalização da agricultura orgânica no Brasil (pág. 25) discute oimportante acúmulo conquistado pela sociedade civil na regulamentação da produção orgânica, emparticular no que se refere à defesa dos sistemas de certificação participativa, que abrem caminho parauma maior inserção da agricultura familiar ecológica nos mercados.

Outro exemplo de políticas que tiveram a participação da sociedade civil foi o Programa Nacio-nal de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater) adotado pela Secretaria de Agricultura Familiar(SAF), do Ministério de Desenvolvimento Agrário. A sua elaboração foi fortemente influenciada pelas

1 A Articulação Nacional de Agroecologia é um espaço de convergência de movimentos, redes e organizações da sociedade civil envolvidas emexperiências concretas de promoção da agroecologia e do desenvolvimento rural sustentável nas diferentes regiões do Brasil (Verwww.agroecologia.org.br).

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Jean Marc von der Weid:economista, coordenador do Programa de Políticas Públicas da AS-PTA

[email protected]

discussões realizadas pelo Grupo de Trabalho sobre Assistência Técnica e Extensão Rural (GT-Ater) doConselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável da Agricultura Familiar (Condraf)2. Essa foiuma conquista importante que permitiu às organizações de agricultores e entidades de assessoriavinculadas à ANA apresentarem suas concepções e propostas. Além disso, a política e os programasnacionais de Ater abriram espaço para que setores da sociedade civil comprometidos com a promoçãoda agroecologia fossem financiados com recursos governamentais para a implementação de seusprojetos.

Já no campo da pesquisa em agroecologia, pode-se dizer que foram dados passos modes-tos, mas importantes, em meio aos sistemas oficiais, como alguns institutos de pesquisa estaduais ea Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Esta última implementou uma rede depesquisas em agricultura orgânica, envolvendo pesquisadores de diversas unidades. Embora repre-sente um avanço, esse programa peca ainda pelo emprego de uma concepção convencional de pes-quisa, na medida em que se orienta essencialmente para o desenvolvimento de protocolos técnicos demanejo orgânico em sistemas especializados de produção. Apesar disso, essa orientação teórica poderáser fonte de conhecimentos novos à disposição daqueles que procuram soluções técnicas para seussistemas diversificados de produção. Em outra frente, um grupo significativo de pesquisadores apoiadopela atual diretoria da Embrapa iniciou um esforço, mais ambicioso, de formular uma estratégia deincorporação do enfoque agroecológico na empresa. Mesmo que essa iniciativa ainda não tenha setraduzido em formulação de propostas de pesquisa articuladas a processos de desenvolvimento local,condição essencial para que venham a ser efetivas, ela permitiu que se fortalecessem institucionalmentenúcleos precursores e ainda isolados de pesquisadores empenhados nessa perspectiva.

Uma avaliação do conjunto das políticas

Feita a contextualização, podemos dizer que a construção das políticas para a promoçãoda agroecologia depende dos acúmulos alcançados por inúmeras comunidades de agricultores eagricultoras, suas organizações e entidades de apoio, tanto na formulação de propostas mais adequa-das como no desenvolvimento de capacidades próprias para influenciar diretrizes de governo.

Cabe sublinhar, no entanto, que o maior limitante da efetividade do notável esforço do“campo agroecológico” para influenciar as políticas públicas parece residir na própria concepção einstitucionalidade dessas políticas, marcadas por forte dispersão estrutural. Não apenas o governo éincapaz de estabelecer uma coerência de conjunto em suas ações para a agricultura, como tambémnão se empenha em integrar os vários componentes que deveriam orientá-las ao apoio ao desenvolvi-mento. Cada uma das políticas segue sua lógica autônoma, dotando-se de instrumentos próprios ediferenciados que funcionam como verdadeiras barreiras de acesso a elas por parte dos promotores dodesenvolvimento e dos próprios agricultores. Além disso, o governo padece de um vício operacional,ao conceber programas e políticas com horizontes de curto prazo, delimitados pela vigência dosmandatos. Pior do que isso, condiciona a alocação de recursos para os programas implementados pororganizações sociais promotoras do desenvolvimento à execução de projetos em prazos ainda maiscurtos, de um ano. Essas condições se antepõem à lógica das experiências acumuladas por essasorganizações, que apontam para a necessidade de fluxos de recursos sustentados e de longo prazopara que se alcancem resultados significativos e eficientes da aplicação dos investimentos.

Para além do aperfeiçoamento das políticas tratadas nesta edição da revista, está colocadaa necessidade candente de se promover um esforço de integração das ações do governo relacionadasao desenvolvimento rural e à liberação de recursos, que deve ser mais significativa, para que venhama ser efetivas. Esse é um debate presente e que cabe ser intensificado nos diferentes fóruns dasociedade em que são avaliadas e propostas políticas públicas favorecedoras do desenvolvimento daagricultura com base no enfoque agroecológico.

2 Condraf é um órgão de articulação entre os diferentes níveis de governo e as organizações da sociedade civil para propor diretrizes para a formulaçãoe a implementação de políticas públicas ativas no que diz respeito ao desenvolvimento rural sustentável, à reforma agrária e à agricultura familiar (verwww.condraf.org.br).

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nquanto a cons-trução de políti-cas públicas favo-

recedoras da agroecologia em geralparte de lições apreendidas de ex-periências locais, a ação políticacontra o advento dos transgênicosse dá muito mais no plano do emba-te e da denúncia, numa disputa de-sigual entre organizações da socie-dade civil e forças político-econômi-cas do setor do agronegócio. Assim,embora esses dois movimentos seprocessem com enfoques distintos– o primeiro é propositivo e o últi-mo é de natureza reativa –, eles são

complementares e têm como obje-tivo a viabilização de propostas parao desenvolvimento sustentável domundo rural.

Com efeito, o avanço da agricultura que utilizasementes geneticamente modificadas ocorre em detrimen-to da agricultura ecológica e diversificada. Nos EstadosUnidos, por exemplo, maior produtor mundial de trans-gênicos, os produtores orgânicos tiveram que concordarem reconhecer suas sementes como sendo orgânicas, mes-mo cientes de que não eram 100% livres de transgênicos.

Só derrotas?

É difícil deixar de ter a impressão de que só asempresas de biotecnologia têm levado vantagem nesseembate, sobretudo depois que a lei de biossegurança foi

Remando contraa maré transgênica

Gabriel Bianconi Fernandes*

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Manifestação da Via Campesina durante reunião do Protocolo de Biosegurança, em Curitiba

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aprovada pelo atual governo federal, que assumiu seumandato prometendo moratória aos transgênicos enquan-to não estivesse comprovada a sua inocuidade à saúdepública e ao meio ambiente .

Apesar disso, as companhias da área não pode-riam imaginar que teriam tanta dificuldade para conquis-tar esse amplo mercado, que é a produção brasileira decommodities, e que enfrentariam tanta oposição da socie-dade. A expectativa era a de que seus produtos adentras-sem nossa cadeia alimentar sem maior debate público,permanecendo o assunto como “coisa para especialista”.Tanto foi outro o caminho, que as empresas tiveram queimplementar novas estratégias para tentar convencer apopulação do benefício de seus produtos. Entre elas, des-taca-se a fundação e o financiamento de “ONGs” volta-das para a promoção da biotecnologia1.

A liberação da soja transgênica, em 1998, foiseguida por uma ação civil pública encaminhada à Justiçapelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec),que embargou a soja da Monsanto e, na prática, proibiunovas liberações. Com essa ação, abriu-se espaço para odebate público sobre a tecnologia e seus impactos, assimcomo para uma atuação mais articulada de organizaçõesde defesa do consumidor, do meio ambiente e da agricul-tura familiar. A popularização do tema é conquista nãonegligenciável, mas fica a pergunta: de que adianta massacrítica se os transgênicos se espalham pelo país?

Estado ausente por opção

O caso da entrada e difusão ilegal das sementesde soja transgênica simboliza a omissão do Estado na fisca-lização para o cumprimento da lei. Somado a isso, o boicote

deliberado à proposta de rotulagem de produtos transgê-nicos passa então a conferir a essa conduta negligente dogoverno um caráter de estratégia para a difusão da tecno-logia.

Por outro lado, desde que o Greenpeace deuinício ao seu trabalho de informar consumidores sobre quaisprodutos no mercado poderiam conter transgênicos, tem-se obtido resultados consideráveis. Em 2002, quatorzeempresas se comprometeram a não usar transgênicos emsuas marcas. Já em 2005, na quarta edição do Guia doConsumidor2, 65 empresas assumiram esse compromissoe entraram para a chamada lista verde.

Esses esforços não substituem o dever do Esta-do de garantir informação ao consumidor, mas, mesmocom seus alcances restritos, mostram como a sociedade,criticamente informada, desenvolve formas de resistênciaem defesa do interesse público. As pesquisas de opiniãorevelam que à medida que cresce o conhecimento da po-pulação sobre o tema, aumenta também sua rejeição aesses produtos. Jamais foi visto, em lugar algum do mun-do, um movimento de consumidores exigindo a liberaçãode transgênicos por estarem ansiosos para desfrutar dos“avanços da moderna biotecnologia” e saborear a sojaresistente a herbicida ou o milho inseticida.

As mudanças de panoramacom a nova lei

O projeto de lei apresentado pelo governo Lulatramitou durante dois anos no Congresso e, depois deaprovada, a lei levou mais oito meses para ser regulamen-tada3. Nesses quase três anos, Brasília foi o principal cen-tro de atuação da Campanha por um Brasil Livre deTransgênicos, já que as decisões passavam necessariamen-te pelo eixo Congresso-Executivo.

O tempo levado para criar um novo marco legalpara os transgênicos já é um indicativo de que esses pro-cessos não se desenrolaram sem muita resistência e polê-mica. Afinal, há de se considerar toda a dedicação etruculência da bancada ruralista aliada ao poderoso lobbydas empresas de biotecnologia – que opera dentro e forado governo – e à benevolência do governo em relação aosinteresses do agronegócio. Não menos importante é des-tacar a atuação quase panfletária da grande imprensa na

(...) desde que o Greenpeace deuinício ao seu trabalho de informarconsumidores sobre quaisprodutos no mercado poderiamconter transgênicos, tem-se obtidoresultados consideráveis. Em2002, quatorze empresas secomprometeram a não usartransgênicos em suas marcas.

1 Entre elas: Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), Associação Nacio-nal de Biossegurança (Anbio) e Associação Pró-Terra.2 Disponível na página: http://www.greenpeace.org.br/consumidores/guiaconsumidor.php?PHPSESSID=3 Para detalhes das negociações em torno da lei e sobre o contexto das diferentesmedidas provisórias editadas no período, ver “O companheiro liberou: o caso dostransgênicos no governo Lula”, Fernandes, G., 2005. Disponível na página http://www.ibase.br/mapas/

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promoção irresponsável dessa tecnologia, minimizandoseus riscos, suas incertezas e a falta de conhecimento so-bre seus impactos e taxando seus críticos – muitas vezessem sequer ouvi-los – como pertencentes a um grupo deobtusos recém-egressos do período medieval.

Durante esse período de formulação dalei, além do acompanhamento in loco,inúmeras cartas abertas a parlamenta-res foram escritas e endossadas porentidades e movimentos sociais de to-das as regiões do país. Todas as críti-cas às versões de projeto de lei foramfeitas por escrito e apresentadas ao go-verno e parlamentares, assim como fo-ram debatidas propostas de emendasà lei. O mesmo foi feito com o decretoque regulamentou a lei e, anteriormen-te, com as medidas provisórias que,apesar dos esforços em contrário, fo-ram liberando aos poucos o cultivo dasoja transgênica.

Com a grande imprensa cada vez mais fechadaaos posicionamentos críticos à transgenia, a Campanhainformou consumidores e agricultores, por meio de folhe-tos, cartilhas, palestras e debates. Informações foram di-vulgadas, também, pela internet e por canais alternativosde comunicação, como rádios comunitárias. Na comuni-

cação eletrônica, vale des-tacar o Boletim por um Bra-sil Livre de Transgênicos 4,produzido semanalmentepela AS-PTA desde novem-bro de 1999. Hoje são qua-se 300 edições do Boletime uma lista de mais de 8.500leitores.

É evidente queem uma disputa tão desi-gual o setor pró-transgênicovem levando a melhor. A des-peito disso, os resultadosobtidos pela sociedade civilvão além de ter evitado queesse quadro desfavorável to-masse uma dimensão mui-to maior, o que, por si, nãodeixa de ser uma conquista.

Logrou-se quetanto a lei como o decreto

incluíssem mecanismos de participação da sociedade civile de transparência nos processos de tomadas de decisão,além de regras para evitar a continuidade dos casos deconflito de interesse. Esses novos dispositivos começarãoa fazer diferença desde já, à medida que a nova ComissãoTécnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) retomasuas atividades. Nesse novo cenário, uma coisa é certa:esses instrumentos de participação e transparência só se-rão implementados com muita pressão da sociedade civil ecom um monitoramento constante dos atos da CTNBio.Portanto, no plano nacional, pode-se dizer que está defi-nido o novo eixo de campanha e mobilização contra ostransgênicos.

Qual ciência e quais cientistas?

Após ter sido reformulada pela nova lei debiossegurança, a Comissão passou a ter 27 membros maisseus respectivos suplentes. Desses, seis são representan-tes da sociedade civil (sendo um da área biotecnológica).Contudo, mais do que uma correlação de forças mais equi-librada, duas outras grandes questões estão em jogo comessa nova composição.

A primeira tem a ver com o fato de que, desdesua criação em 1996, pela primeira vez a CTNBio não seráum bloco formado majoritariamente por pesquisadores quedesenvolvem transgênicos ou que não apresentem maio-res preocupações com relação à biossegurança desses pro-

Manifestação por um Brasil Livre de Transgênicos

4 Para se cadastrar na lista do Boletim, envie uma mensagem em branco para<[email protected]>

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PTA

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dutos. Esse quadro ajudará a quebrar, perante o grandepúblico, a falsa idéia de que os cientistas são unanimemen-te favoráveis à transgenia. Segundo, a partir de agora, osrepresentantes da sociedade civil, somados a membros dealguns ministérios e possivelmente a outros cientistas daComissão, poderão trazer uma grande e necessária novi-dade, ao darem visibilidade pública ao debate sobre o pa-pel da ciência para o desenvolvimento da sociedade.

A inovação está na possibilidade dessedebate permitir o confronto de doisenfoques distintos sobre a prática cien-tífica. O primeiro, no caso específico,manipula genes, pedaços de bactériase partes de vírus como se estivesse sim-plesmente mudando tijolos de lugar,seguindo a orientação, ainda hoje hege-mônica nas ciências agrárias, de con-trolar a natureza por meio de pacotestecnológicos. O outro, ao contrário, va-loriza os fluxos e ciclos presentes nosecossistemas em benefício da produçãoagrícola, permitindo o desenvolvimentode sistemas agrícola produtivos, ambien-talmente sustentáveis e pouco ou nadadependentes de insumos externos.

Seja pela viabilização financeira de suas pesqui-sas, seja pela crença de fato em uma ciência reducionista,os pesquisadores da primeira corrente ocuparam o espaçoque lhes foi aberto no debate público sobre os transgênicos

* Gabriel Bianconi Fernandes:assessor técnico da AS-PTA

[email protected]

e assumiram uma postura de falar em nome da ciência.Isso foi resumido pela imprensa com o chavão “a ciência éa favor dos transgênicos e os ambientalistas são contra”.Representantes de uma ciência mais integradora, com-prometidos com o interesse público, devem agora ocuparseu espaço nessa arena de debate, assumindo perante asociedade uma postura mais afirmativa, de forma a contri-buir para a formulação de políticas que favoreçam o desen-volvimento sustentável.

Contra a maré

Existem hoje, no Brasil, cultivos transgênicosde soja, algodão e milho. Todos se iniciaram de formailegal. Os dois primeiros já foram legalizados pela via dofato consumado. Diante disso, surge a seguinte pergun-ta: por que os promotores da biotecnologia recorrem re-petidas vezes à clandestinidade se eles controlam o setorde sementes e insumos, exercem forte influência sobregovernos, legisladores e mídia, têm grande capacidade dedirecionar pesquisas e pesquisadores e sempre tiveram umaCTNBio favorável?

Basicamente por dois motivos. Primeiro, por-que os produtos da biotecnologia mostram-se incapazesde resistir a avaliações de risco adequadas. Nesse sentido,a experiência brasileira talvez seja a mais emblemática, aomostrar o empenho das empresas de biotecnologia e deseus partidários para retirar a obrigatoriedade do licencia-mento ambiental prévio do processo de aprovação de or-ganismos geneticamente modificados. E, segundo, por-que um ativo movimento de resistência vem cobrandoimparcialidade e transparência e logrando impedir a desre-gulamentação5 do uso da biotecnologia no país. Não fos-se a massa crítica construída ao longo dos anos de existên-cia da Campanha, tudo correria de forma mais imprudentee na mais pura legalidade.

Já vimos que a mudança do grupo mandatáriono plano federal não alterou as tendências favoráveis àliberação dos transgênicos na agricultura brasileira, que jáhaviam sido explicitadas pelos governo passado. Será quea entrada em vigor da nova lei trará mais rigor e isenção àsdecisões a esse respeito? Seja como for, que o bem-vindodebate científico com a sociedade seja mais uma pedralançada à água para fazer repercutir suas ondas contra amaré transgênica.

5 O dossiê entregue pela Monsanto à CTNBio, solicitando a liberação comercial dasoja transgênica, pedia a desregulamentação do uso de seu produto.

Por que os promotores dabiotecnologia recorrem repetidas vezesà clandestinidade se eles controlam osetor de sementes e insumos, exercemforte influência sobre governos,legisladores e mídia, têm grandecapacidade de direcionar pesquisas epesquisadores e sempre tiveram umaCTNBio favorável?

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Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006 11

ementes crioulasou locais são aque-las melhoradas e

adaptadas por agricultores e agri-cultoras, por seus próprios métodose sistemas de manejo, desde que aagricultura se iniciou há mais de dezmil anos. Existem centenas de varie-dades de cada uma das espécies cul-tivadas. Cada uma delas evoluiu sobcondições ambientais, sistemas decultivo e preferências culturais es-pecíficas.

Essas variedades exercem um papel fundamen-tal no desenvolvimento de sistemas agroecológicos. Aocontrário das sementes comerciais, cujo potencial produ-tivo está diretamente ligado ao emprego de altas doses de

Variedades crioulas na Lei deSementes: avanços e impasses

Ciro Correa e Jean Marc von der Weid*

insumos químicos, as variedades crioulas precisam de pou-co ou nenhum aporte de insumos externos, já que sãoadaptadas aos estresses ambientais locais a que foram sub-metidas durante seus processos evolutivos. Nesse senti-do, mesmo em condições ambientais adversas, como asque freqüentemente são encontradas na realidade da agri-cultura familiar, as variedades crioulas são capazes de man-ter produções satisfatórias. Além de produtivas, se ajus-tam bem a sistemas de policultivo e são de livre acesso emultiplicação pelas famílias agricultoras, tornando desne-cessária a sua aquisição no mercado a cada safra.

No entanto, ao longo da evolução do movi-mento agroecológico no Brasil, as famílias agricultorasenfrentaram a rejeição de suas variedades pelos sistemasoficiais de pesquisa agrícola, de extensão rural, de créditoe pelos programas públicos de distribuição de sementes.“Não são sementes; são grãos” foi o que sempre se escu-tou, com um tom de não disfarçado desprezo, dos técni-cos desses sistemas.

Manifestação em defesa das sementes crioulas

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12 Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006

Indiferentes a esse senso comum amplamentedisseminado no meio científico-acadêmico, várias organi-zações de assessoria ao desenvolvimento da agriculturafamiliar e da agroecologia vêm, desde a década de 80,apoiando projetos de resgate, melhoramento e reintro-dução de sementes de variedades crioulas nos sistemasprodutivos. Por meio de processos participativos, cente-nas de variedades de várias espécies foram resgatadas.Grande ênfase foi dada às variedades de milho, assim comoàs de feijões, arroz, trigo, batata, mandioca e outras espé-cies. Raças animais também foram objetos de resgate emultiplicação nesses programas.

Já no final dos anos 80, com a evolu-ção desses trabalhos, amplas articula-ções de entidades de produtores e deassessoria se dedicaram ao assunto. Oexemplo de maior destaque foi a RedeMilho, na qual organizações da socie-dade civil, juntamente com a Embrapa,promoveram os Ensaios Nacionais doMilho Crioulo. Essas experiências e ar-ticulações tiveram papel extremamen-te relevante na popularização e mobi-lização em torno ao debate das semen-tes crioulas.

Em meados da década de 90, as organizaçõesenvolvidas nesse debate e a agricultura familiar como umtodo levaram um duro golpe com a aprovação das Leis deCultivares e de Patentes. Essas legislações contrariaramfrontalmente os princípios dos defensores da agro-biodiversidade e de seu papel no desenvolvimento da agri-cultura familiar. Isso porque, o marco regulatório foi con-cebido em coerência com a lógica produtiva de grandescorporações transnacionais, em especial no ramo da gené-tica, que dominam a agricultura empresarial, mais recen-temente auto-designada como agronegócio. A partir des-se momento, uma série de novos obstáculos foi criadapara impedir a promoção das sementes crioulas como al-ternativa técnica aos sistemas da agricultura familiar.

Como a agricultura familiar esteve virtualmen-te alijada dos sistemas governamentais de apoio ao desen-volvimento rural até 1996, quando surgiu o Programa Na-cional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf),a rejeição oficial às variedades crioulas nunca chegou a

causar maiores problemas às famílias produtoras. Até essemomento, as dificuldades surgiam sobretudo por ocasiãodas perdas ocorridas com as secas, quando os programasde distribuição de sementes eram organizadosemergencialmente no semi-árido brasileiro. Nessas situa-ções, não foram raras as vezes em que os agricultores eramlevados a empregar uma tortuosa forma de driblar os pro-gramas de sementes. Recebiam as sementes, desenvolvi-das por empresas privadas ou públicas, e as vendiam nosmercados locais para levantar recursos financeiros parareadquirir variedades locais perdidas com as estiagens.

Nos primeiros anos de execução do Pronaf,porém, apenas uma parcela das famílias de agricultores, amais capitalizada e bem informada sobre os métodos “mo-dernos” de plantio, se beneficiou com a oferta de crédito.Os empréstimos eram atrelados à obrigatoriedade do em-prego de pacotes tecnológicos compostos por variedadescomerciais, adubos químicos e agrotóxicos. Assim, apro-var projetos com o Pronaf usando variedades crioulas eraquase impossível.

O quadro começou a mudar desde o início des-ta década, quando foi promulgada a nova Lei de Semen-tes. Embora a versão original submetida ao CongressoNacional não previsse nenhuma abertura legal para o em-prego das variedades crioulas nos programas governamen-tais, os movimentos sociais e as ONGs, mobilizadas emtorno da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA)1,conseguiram influenciar o conteúdo da legislação, o quepermitiu, pela primeira vez, o reconhecimento oficial des-sas sementes. Segundo o texto da lei, essas variedades

1 A Articulação Nacional de Agroecologia é um espaço de convergência de movimen-tos e organizações da sociedade civil envolvidos com a promoção de experiênciasconcretas de agroecologia nas diferentes regiões do Brasil.

(...) ao longo da evolução domovimento agroecológico no Brasil,as famílias agricultoras enfrentarama rejeição de suas variedades pelos

sistemas oficiais de pesquisaagrícola, de extensão rural, de

crédito e pelos programas públicosde distribuição de sementes. “Nãosão sementes; são grãos” foi o que

sempre se escutou, com um tom denão disfarçado desprezo, dos

técnicos desses sistemas.

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não podem ser discriminadasem quaisquer programas pú-blicos.

Na regulamenta-ção da lei, essas conquistasforam essencialmente reafir-madas, apesar da forte pres-são contrária realizada pelasempresas sementeiras. A ex-ceção foi a introdução notexto de um artigo que limi-ta a venda de sementes criou-las por cooperativas ou asso-ciações de agricultores fa-miliares apenas a seus asso-ciados.

Um conjunto dedificuldades foi identifica-do, em especial nos projetos de crédito, para fazer valer anova lei. Apesar disso, nos últimos dois anos, milhares defamílias viabilizaram projetos com o uso de sementes criou-las por meio do Pronaf.

A contradição entre as políticaspúblicas e a legislação

Historicamente a agricultura familiar lutou pelacriação de um programa de crédito que estivesse ampara-do por um mecanismo de seguro. Em 2005, o Ministériodo Desenvolvimento Agrário (MDA) implantou o benefí-cio do seguro agrícola, tornando-o compulsório para to-das as famílias que obtêm crédito.

Naquele mesmo ano, a região Sul foifortemente afetada por uma das maisduras estiagens em cinqüenta anos.Após constatarem perdas consideráveisem cultivos de milho, feijão e soja,muitas famílias tomadoras de créditorecorreram aos bancos para receber oseguro a que tinham direito. Tiveramuma desagradável surpresa quando re-ceberam dos bancos uma negativa deressarcimento do prejuízo fundamenta-da na alegação de que tinham “utili-zado tecnologias inadequadas”. Segun-do as regras do Programa de Garantiada Atividade Agropecuária (Proagro),as variedades e as técnicas de cultivo

aceitas devem ser definidas pelo Minis-tério da Agricultura (Mapa), que ascondicionam a regiões ecológicas iden-tificadas no zoneamento agrícola.Como essas regras foram concebidasconforme a lógica dos pacotes tecno-lógicos do agronegócio, apenas semen-tes comerciais e manejos agroquímicossão prescritos. Assim, os que utilizaramsementes crioulas foram prejudicados.

Evidencia-se, nesse exemplo, a contradiçãoentre política pública e legislação. A não cobertura dassementes crioulas pelo seguro agrícola é ilegal, pois des-respeita o artigo 48 da Lei de Sementes. Além disso, oMapa exige que as variedades passíveis de indicação nozoneamento estejam cadastradas no Registro Nacional deCultivares (RNC), contrariando o que reza a lei no seuartigo 11, § 6, que desobriga o registro das variedadeslocais, tradicionais ou crioulas no RNC.

Para lidar com essa contradição no curto pra-zo, o MDA apresentou uma proposta de medida provisó-ria que abria a possibilidade temporária para concessão doseguro às famílias que empregaram variedades crioulas nasafra 2004/2005. Uma das grandes limitações para o trâ-mite dessa medida foi a ausência de uma definição formaldo que é uma variedade crioula, o que impede a separaçãoentre estas e outras sementes próprias, também excluídasdo zoneamento, inclusive as variedades “maradona”,transgênicas, reproduzidas ilegalmente no Rio Grande doSul. Para a safra 2005/2006, o MDA negociou com oConselho Monetário Nacional uma permissão, em caráter

Feira de sementes na II Festa Nacional do Milho Crioulo, Anchieta-SC

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14 Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006

*Ciro Correa:membro do Setor de Produção,

Cooperação e Meio Ambiente do [email protected]

Jean Marc von der Weid:coordenador do Programa dePolíticas Públicas da AS-PTA

[email protected]

excepcional, para que variedades crioulas fossem incluí-das nas regras do seguro, muito embora permaneçam nãoindicadas no zoneamento. No longo prazo, o problemacontinua sem solução.

O Grupo de Trabalho sobre Biodiversidade daANA vem acompanhando de perto a questão, procuran-do influenciar as decisões oficiais de forma a resguardar osdireitos dos agricultores de usarem suas variedades tradi-cionais. Foi nesse sentido que tentou negociar com o go-verno federal alternativas que permitissem a admissão dasvariedades crioulas nas regras do RNC, abrindo caminhopara que as mesmas pudessem ser incluídas no zoneamentoagrícola e, em função disso, pudessem ser cobertas peloseguro.

Um dos principais obstáculos para que essaopção se viabilize é de natureza técnica. Como as varieda-des crioulas possuem alta variabilidade genética, sendoessa uma de suas virtudes para a agricultura de base ecoló-gica, elas não são passíveis de serem caracterizadas combase no uso dos descritores empregados pelo RNC. O sis-tema foi elaborado para registrar variedades com caracte-rísticas genéticas homogêneas e estáveis, como as comer-ciais melhoradas para responder produtivamente ao em-prego de insumos químicos. Um exemplo: o primeiro dosdescritores de variedades de milho no RNC é o ânguloentre a primeira folha e o colmo. Em variedades convencio-nais, esse ângulo é constante nas diferentes plantas deuma lavoura e em plantas de diferentes gerações. Já nasvariedades crioulas, é possível encontrarmos grandes varia-ções nesse descritor.

Outra dificuldade colocada pela lógica dessesistema oficial é a necessidade da caracterização das varie-dades locais segundo suas adaptabilidades às condiçõesambientais específicas da zona ecológica na qual deveráser indicada no zoneamento agrícola. Embora não sejamdifíceis de serem executados, os procedimentos para ca-racterização das variedades exigem grande dedicação.Apenas poucas entidades que desenvolvem atividades deresgate e revalorização da agrobiodiversidade possuem fi-chas de caracterização das variedades existentes nas re-giões em que atuam. Na prática, é impossível efetuar atempo, a caracterização das variedades crioulas no âmbi-to nacional para que elas sejam cadastradas no registronacional e liberadas para cobertura do seguro na safra2006/2007.

Mesmo na hipótese de superação dosdois obstáculos técnicos mencionados(inadequação dos descritores e neces-sidade de caracterização), há ainda um

difícil problema de natureza política.Quem deveria se responsabilizar peloregistro de uma variedade? Mesmo queo registro não implique em direito àpropriedade, como alegam técnicos dogoverno, há questões de fundo, de or-dem simbólica e ética, que fazem par-te do contexto. Imaginemos que umaentidade de assessoria se encarregue deregistrar as variedades dos agricultorescom os quais interage. Como iráidentificá-las? Com seu próprio nomeou com os nomes designados pelosagricultores? Que agricultores? Afinal,fora eventuais exceções, uma varieda-de crioula não é plantada por apenasuma família. Como justificar o regis-tro de uma variedade em nome de umdesses utilizadores? Como os outrosiriam reagir?

O GT Biodiversidade da ANA refletiusobre esse tema e, pelas razões expos-tas, concluiu que o registro das varie-dades não é o caminho mais adequadopara solucionar as contradições existen-tes entre as políticas públicas e a legis-lação de sementes. Sendo assim, oimpasse continua...

Essa experiência é reveladora do enorme desa-fio que representa a implementação de políticas públicasem favor da promoção da agricultura familiar em basesecológicas. Na maior parte das vezes, esse desafio não seresume à simples adaptação de políticas vigentes. Ele re-quer, sobretudo, uma revisão dos enfoques teórico-metodológicos que fundamentaram e orientam a elabora-ção das atuais políticas, essencialmente baseadas na lógi-ca de maximização da produtividade por meio do empre-go dos pacotes agroquímicos.

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Programa de De-senvolv imentoSocioambiental

da Produção Familiar Rural (Pro-ambiente) é uma iniciativa que, sobvários aspectos, introduziu novosprocedimentos de concepção e degestão de políticas públicas volta-das para o desenvolvimento rural.Três características do programarealçam essa qualidade inovadora:o protagonismo de organizações dasociedade civil em sua elaboração;o modelo de gestão que articula di-ferentes instrumentos de apoio aodesenvolvimento rural; e a institui-ção de recompensas pelos serviçosambientais1 gerados pela produçãofamiliar rural.

A trajetória de uma vitóriaconquistada “no grito”

A origem do Proambiente remonta aos anos90. Na Amazônia, e mais fortemente no estado do Pará,esse foi um período de consolidação de lutas sociais inicia-das nas décadas anteriores, que se manifestou na conquis-ta da legitimidade dos movimentos populares no campo eno acesso às políticas públicas pela produção familiar ru-ral, que, em sua ampla diversidade, foi moldando a faceorganizativa e produtiva da região.

Um dos marcos organizativos dessa época foi arealização dos Gritos, uma forma de manifestação política

Proambiente:um programa inovador de

desenvolvimento rural

que surgiu no Pará, em 1991, com o nome de “Grito doCampo”. Já em 1993, essa mobilização se irradiou portoda a região, intitulando-se “Grito da Amazônia”. A par-tir do ano seguinte, assume a dimensão nacional, com acriação do “Grito da Terra Brasil”. Até hoje essa é umadas principais mobilizações organizadas por representa-ções da agricultura familiar visando a negociação de polí-ticas públicas com diversas instâncias do poder público.

Os primeiros Gritos, realizados em 1991 e 1992,cobravam a punição dos culpados pela violência no cam-po, bem como a desburocratização do Fundo Constitucio-nal do Norte (FNO), de forma a possibilitar o acesso dosprodutores familiares ao crédito rural (CUT/CONTAG,1998). Dessas mobilizações, resultou a criação do FNO-Urgente, em 1992, a primeira experiência brasileira de cré-dito rural com condições diferenciadas para a produçãofamiliar.

Apesar do avanço, as dificuldades de acesso aocrédito perduraram. Em função disso, e visando um maioralcance social da política, as pautas de negociação poste-riores foram focadas no aumento do montante de recur-sos aplicados e em aspectos normativos da política, taiscomo as reduções dos encargos financeiros cobrados edas exigências burocráticas para a liberação do crédito.Até esse momento, a orientação técnica dos financiamen-tos não havia sido colocada em debate.

Em paralelo às conquistas relacionadas à políti-ca de crédito, um conjunto de programas e experiências-piloto passou a ser desenvolvido na região Amazônica, emespecial nos estados do Pará, Acre e Rondônia. Apoiadaspor diferentes níveis do governo e/ou por ONGs nacio-

1Os serviços ambientais passíveis de remuneração pelo Proambiente são: 1)desmatamento evitado; 2) seqüestro de carbono por reflorestamento; 3)restabelecimento das funções hidrológicas dos ecossistemas; 4) conservação dabiodiversidade; 5) conservação do solo; e 6) redução da inflamabilidade da paisagem(Proambiente, 2003).

Márcio Fontes Hirata*

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nais e internacionais, essas iniciativas se orientaram para odesenvolvimento de sistemas de produção que concilia-vam atividades agropecuárias com conservação ambiental,por meio do emprego de métodos participativos para aconstrução do conhecimento.

No final da década de 90, o modelo decrédito do FNO para financiamento daprodução familiar amazônica – linhasPró Rural e Prodex – começou a mos-trar sinais de esgotamento. Entre es-ses sinais, destacam-se a elevação doíndice de inadimplência, a ausência deassistência técnica de qualidade, a pe-quena evolução da qualidade de vida eda renda das famílias contempladas e,principalmente, a inadequação dos pro-jetos e sistemas de produção financia-dos (Tura e Costa, 2000).

Simultaneamente, os programas-piloto, emborareconhecidos como bem-sucedidos, continuavam limita-dos às fronteiras locais de suas iniciativas. Esse contextocolocou o desafio para as organizações da sociedade civilde conceber uma proposta capaz de articular os instru-mentos clássicos de política agrícola aos objetivos de fo-mentar processos sócio-organizativos locais, melhorar aqualidade de vida e a renda das famílias e promover a con-servação ambiental.

Foi nessa conjuntura que o Proambiente, umanova modalidade de crédito ambiental, com garantia da

prestação de serviços de assistência técnica para execu-ção das ações, foi apresentado na pauta do “Grito daAmazônia 2000” (Fetagri PA/AP et al, 2000). A recep-tividade favorável por parte do Banco da Amazônia e dogoverno do estado do Pará fez com que as Federações deTrabalhadores na Agricultura (Fetags), proponentes ini-ciais, incorporassem novos parceiros no processo de ela-boração da proposta.

Já no período de sua formulação, o escopo doprograma foi ampliado. Esse processo, que durou de 2000até o início de 2003, teve duas passagens que merecemdestaque.

A primeira, em novembro de 2001, foi a realiza-ção do “Seminário de apresentação da proposta do Pro-ambiente”, na cidade de Macapá (AP). Nessa oportuni-dade, o programa trazido ao debate era composto de duasmodalidades. Uma era voltada para produtores que ade-rissem à linha de crédito ambiental. Nesse caso, a remune-ração pelos serviços ambientais prestados seria efetivadapor meio de deduções nas parcelas de crédito devidas. Aoutra era orientada aos produtores que não recorressemao crédito e que receberiam a recompensa pelos serviçosambientais diretamente. Ambas as modalidades previam aexistência de um Fundo de Apoio que, entre outras fun-ções, custearia os serviços de Assistência Técnica e Ex-tensão Rural (Ater) aos produtores. Durante o evento,também foram definidos os locais para a implantação dedoze pólos pioneiros do programa. Com a assinatura dacarta de intenção para apoio ao “Projeto de Consolidaçãodo Proambiente” pela Secretaria de Coordenação da Ama-zônia do Ministério do Meio Ambiente (SCA/MMA),viabilizou-se a instalação de uma secretaria executiva do

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* Márcio Fontes Hirata:engenheiro agrônomo, especialista em Agriculturas Fa-

miliares Amazônicas e Desenvolvimento Sustentável;coordenador-geral de Monitoramento e Avaliação da

Secretaria da Agricultura Familiar (SAF/MDA)[email protected].

Referências:

CUT/CONTAG. Série Experiências nº 01 – FNO.São Paulo: Projeto CUT/CONTAG de Pesquisa eFormação Sindical, 1998, 58 p.

FETAGRI PA/AP, et al.Grito da Amazônia 2000.Belém: Fetagri, 2000. 30 p.

TURA, L. R.; COSTA, F. A. (Org.). Campesinatoe Estado na Amazônia: Impactos do FNO no Pará.Brasília: Brasília Jurídica/ Fase, 2000. 381 p.

PROAMBIENTE. Proposta Definitiva. Brasília:Programa Proambiente, 2003. 32 p.

programa e o custeio de grande parte das atividades neces-sárias para debater e consolidar a proposta nos estados.

O segundo momento de destaque ocorreu emabril de 2003. Foi a realização, em Brasília, do “Encontroda sociedade civil para fechamento da proposta doProambiente”. O evento consagrou o formato definitivodo programa aprovado pelas organizações da sociedadecivil. Desde então, o Proambiente foi centrado apenas naremuneração direta pelos serviços ambientais prestadospelos produtores, tendo mantido a proposta do Fundo deApoio. A idéia de crédito rural existente na formulaçãooriginal foi integrada como ação opcional, conforme des-crito na figura ao lado.

O Proambiente no governo Lula

As expectativas da sociedade civil de que oProambiente fosse efetivamente implementado foram re-forçadas com a eleição de Lula para a Presidência da Repú-blica. Os movimentos sociais tomaram a iniciativa de en-tregar ao governo federal a proposta aprovada no eventode consolidação do programa em solenidade realizada noCongresso Nacional.

Incorporado pelo governo, o Proambiente pas-sou a integrar o conjunto dos programas que compõem oPlano Plurianual (PPA 2004-2007)2, adquirindo um cará-ter nacional.

O gerenciamento do programa ficou sob a res-ponsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA).Entre suas atribuições, o Ministério assumiu o papel dearticular as ações de implementação junto às demais ins-

tâncias do governo e fazer a interlocução com as organi-zações da sociedade civil.

Passados dois anos da criação da Gerência doProambiente no MMA, o programa ainda enfrenta proble-mas para sua consolidação. A inexistência de marcos jurí-dico-institucionais que viabilizem a remuneração dos pro-dutores pelos serviços ambientais prestados e as dificulda-des de articulação entre os ministérios envolvidos no pro-grama têm impedido que a iniciativa ultrapasse a sua fase-piloto para se generalizar como política pública.

Para que o Proambiente cumpra com suaspotencialidades, três desafios básicos se apresentam:

• O desenvolvimento de mecanismos opera-cionais capazes de permitir que propostas como grau de complexidade do Proambiente pos-sam ser executadas numa estrutura de gover-no pouco permeável a esse tipo de inovaçãoconceitual e metodológica.

• O estabelecimento de marcos legais que via-bilizem juridicamente o pagamento dos pro-dutores pelos serviços ambientais gerados.

• A superação da “síndrome do programa-pilo-to” para que a proposta seja efetivamentegeneralizada na Amazônia e demais biomas.

As expectativas da sociedade civil deque o Proambiente fosse efetivamenteimplementado foram reforçadas com aeleição de Lula para Presidência daRepública. Os movimentos sociaistomaram a iniciativa de entregar aogoverno federal a proposta aprovadano evento de consolidação doprograma em solenidade realizada noCongresso Nacional.

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ualquer agricultorecológico que te-nha tentado aces-

sar o crédito nos primeiros anos deexistência do Programa Nacional deFortalecimento da Agricultura Fa-miliar (Pronaf) vivenciou o mesmoproblema. Os métodos de manejoagroecológico não eram reconheci-dos pelas instituições bancárias ofi-ciais e, portanto, não eram passíveisde financiamento. Sob a alegação dereduzir os riscos das operações de cré-dito, sejam elas para investimentoou custeio, os bancos seguiam à ris-ca as recomendações dos protoco-los técnicos desenvolvidos pelossistemas governamentais de pes-quisa agrícola. Os recursos de cus-teio eram somente liberados caso sedestinassem à aquisição de pacotestecnológicos compostos por fertili-zantes solúveis, agrotóxicos e varie-dades comerciais desenvolvidas pa-ra responder ao emprego intensivodos agroquímicos. Os financiamen-tos para investimento eram destina-dos fundamentalmente à compra demáquinas e equipamentos para o

A transição agroecológica das

políticas de créditovoltadas para a

agricultura familiarmanejo agrícola. Em suma, recursosde crédito disponíveis para fortale-cer a agricultura familiar apenas pas-savam por ela, que funcionava comoponte para o seu destino final: asempresas agroindustriais. Durantemuito tempo,o emprego dessa lógi-ca engendrou graves agressões aomeio ambiente e agudos processosde endividamento das famílias pro-dutoras.

No início da década de 2000, organizaçõesda agricultura familiar e entidades de assessoria atua-ram no sentido de influenciar as concepções do Pronaf.Aceitas as proposições da sociedade civil, o Programapassou a orientar as instituições bancárias a admiti-rem o financiamento de projetos técnicos baseados emmanejos agroecológicos. Na prática, entretanto, a teo-ria foi outra.

Um caso exemplar dos obstáculos encontra-dos pelos agricultores familiares ecológicos e por aque-les envolvidos em processos de transição agroecológicaocorreu em 2001, no município de Irati (PR). Dandocontinuidade a um trabalho regional que mobilizavavárias organizações da agricultura familiar no centro-sul do Paraná, a Secretaria de Agricultura de Irati in-centivou a apresentação massiva de projetos aoPronaf por parte de famílias do município. Com um

Jean Marc von der Weid*

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custo médio de mil reais, os projetos previam recursospara a aquisição de sementes de variedades crioulas ede espécies de adubação verde, para a compra deinsumos para a produção de biofertilizantes e caldas,para consertos de equipamentos de tração animal, entreoutros fins. A agência local do Banco do Brasil colo-cou em dúvida os projetos técnicos, cobrando testesde germinação das sementes, análise dos adubos etc.Embora as repostas técnicas solicitadas tenham sidodadas, foi preciso que a Secretaria ameaçasse com aretirada da conta da prefeitura da agência para que osprojetos fossem financiados.

Em 2003, a Articulação Nacional de Agroeco-logia (ANA), representada pelo seu Grupo de Traba-lho sobre Financiamento da Produção, manteve con-tatos regulares com técnicos e dirigentes do Pronafvisando facilitar o acesso dos agricultores ecológicos e,sobretudo, daqueles em vias de transição agroecológicaaos recursos governamentais destinados ao custeio eao investimento. Como resultado, foram criadas duasmodalidades de crédito inovadoras conhecidas comoPronaf Agroecologia e Pronaf Semi-Árido. Além dis-so, consolidaram-se normas que abrem a possibilidadede emprego das modalidades de Pronaf pré-existentespara o financiamento de projetos com o enfoque agro-ecológico.

Ao longo das três safras seguintes, esses ins-trumentos foram postos à prova, obtendo resultadosbastante limitados. Poucos agricultores acessaram asnovas modalidades do Pronaf, embora um número bas-tante significativo tenha financiado insumos orgânicospelos mecanismos mais conhecidos do programa. Qualterá sido a razão dessa baixa demanda?

Experiências concretas demonstram que umapropriedade familiar manejada segundo os princípiosda agroecologia não demanda financiamentos recor-rentes de custeio. Por sua própria natureza, um siste-ma agroecológico mantém elevado nível de auto-re-produção de seus insumos e de sua fertilidade. Apósum investimento inicial para a estruturação dos siste-mas agroecológicos, os custos de produção anuais sereduzem substancialmente e passam a ser assumidospelas próprias famílias. Por essa razão, as famílias eco-logistas tornam-se bastante autônomas em relação aosmercados de insumos e totalmente independentes dosagroquímicos. Esse fato demarca claramente a dife-

rença da natureza da demanda por crédito dos siste-mas ecológicos em relação à dos sistemas convencio-nais. Enquanto os primeiros se auto-regeneram pelaação dos fluxos naturais e pelo trabalho familiar, osúltimos só se reproduzem mediante o alto aporte anualde insumos e energia externa.

Os custos dos investimentos iniciais paraestruturar propriedades que ingressamnuma trajetória de transição agroeco-lógica não são altos. Para uma proprie-dade de cinco hectares no centro-sul doParaná, esse valor correspondia, em2003, à cerca de dois mil reais. Entre-tanto, como as famílias agricultoras daregião estavam de tal forma desca-pitalizadas, necessitavam recorrer a fi-nanciamentos mais substantivos (daordem de 18 mil reais) para estruturaras unidades produtivas. De forma ge-ral, esse processo não estava relacio-nado diretamente à conversão dos sis-temas técnicos, mas sim à provisão deequipamentos básicos para asseguraro bem-estar familiar. No semi-árido, anecessidade de equipar as propriedadescom infra-estruturas hídricas acabacobrando investimentos de maior por-te, que podem chegar, em alguns ca-sos, a 20 mil reais para a estruturaçãode uma unidade de 20 a 30 hectares.

Experiências concretas demonstramque uma propriedade familiar

manejada segundo os princípios daagroecologia não demanda

financiamentos recorrentes de custeio.Por sua própria natureza, um sistemaagroecológico mantém elevado nível

de auto-reprodução de seusinsumos e de sua fertilidade.

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Além disso, embora os valores máximos, astaxas de juros e os prazos de pagamento fossem rela-tivamente razoáveis, alguns problemas inibiram o usodessas modalidades inovadoras do Pronaf. Para ope-rar o Pronaf Agroecologia, por exemplo, os agricultoresque tencionavam o crédito foram obrigados a apresen-tar projetos de conversão das propriedades que tives-sem a duração de três anos. Nesses projetos, deveriamestar claramente indicadas, ano a ano, as etapas desubstituição de práticas convencionais por práticasagroecológicas. Essa exigência colocou um obstáculoinsuperável às famílias na medida em que as obrigavaa projetar os processos de transição de suas proprie-dades em ritmos acelerados, quando, em situaçõesnormais, poderiam se estender por até oito anos, semque se pudesse prever com exatidão os passos dados acada ano. Para que esse tipo de financiamento sejaadequado às necessidades e capacidades das famílias,bem como aos ritmos de recuperação ambiental dosagroecossistemas, deve ser concebido com prazos maisextensos. Deve simultaneamente permitir planos flexí-veis de transição de forma que as famílias possam fixarnovas metas anualmente em função dos resultados queforem observando com a evolução do sistema.

Agricultores do semi-árido encontraram li-mitações semelhantes para acessar a linha do PronafSemi-Árido. Quando entrou em operação, o progra-

* Jean Marc von der Weid:economista, coordenador do Programa de

Políticas Públicas da [email protected]

Para que esse tipo de financiamentoseja adequado às necessidades ecapacidades das famílias, bem comoaos ritmos de recuperação ambientaldos agroecossistemas, deve serconcebido com prazos mais extensos.Deve simultaneamente permitir planosflexíveis de transição de forma que asfamílias possam fixar novas metas anoa ano em função dos resultados queforem observando com aevolução do sistema.

ma apresentou procedimentos de trâmite burocráticoinalcançáveis para as famílias e absolutamente inade-quados para um projeto de transição agroecológica. Alógica das planilhas elaboradas pelo Banco do Nordes-te para o monitoramento dos projetos revela o desco-nhecimento do que seja planejar a transição agroeco-lógica a partir do emprego do enfoque sistêmico. Ade-mais, os prazos estabelecidos para a transição erammuito pequenos para que os agricultores pudessemrealizá-la sem correr grandes riscos.

Além dos problemas de concepção dos pro-gramas, a limitada demanda por essas novas modali-dades de crédito podem ser atribuídas a questões comoa falta de informação dos agricultores sobre essas opor-tunidades e a má vontade dos operadores do créditopara incorporar sistemas que desconhecem e que fo-gem às suas rotinas.

Apesar da criação desses mecanismosespecíficos de crédito para o favore-cimento da agroecologia, até o presen-te foram as modalidades convencionaisde financiamento as mais acionadaspor agricultores em transição ou já in-teiramente convertidos. Certamente,essa é uma estratégia importante en-quanto não são implementados siste-mas de crédito mais ajustados às espe-cificidades técnicas e metodológicas daagroecologia. Por outro lado, apresen-ta o risco de limitar a transição agroeco-lógica a simples processos de substitui-ção de insumos. É nesse sentido que oaprimoramento dos mecanismos doPronaf permanece como um desafiopara as organizações da sociedade ci-vil empenhadas no aumento de escala ena generalização dos sistemas agroeco-lógicos.

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Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006 21

uitas ONGs do cam-po do desenvolvi-mento rural asses-

soram organizações comunitáriascom o objetivo de aprimorar as ca-pacidades gerenciais dessas últimasno que se refere à agricultura e àpreservação da agrobiodiversidade.Na maior parte dos casos, esses es-forços se restringem a locais bemdeterminados, validando sistemas

Influenciando as políticas:a experiência da RAAA no Peru

Luis Gomero Osorio*

de produção baseados em condiçõesmuito específicas. A maioria dessasiniciativas favorece o desenvolvimentolocal, mas, em geral, não atingemáreas mais extensas e raramente sãovalorizadas como referências para acriação de políticas de desenvolvi-mento regional ou nacional.

Projetos de desenvolvimento que geram im-pactos positivos de âmbito local são muito importantes,mas não suficientes para promover mudanças mais am-

Manifestantes exigindo justiça no caso da comunidade de Tauccamarca,onde ocorreram mortes de crianças por intoxicação com agrotóxicos

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plas nas políticas públicas voltadas para o desenvolvi-mento rural sustentável. Muitos avaliadores já afirmaramque projetos de desenvolvimento rural encontram difi-culdades em contribuir com processos nacionais ou emfazer com que seus avanços sejam levados em conta naconstrução da agenda política.

Essa foi uma das razões que levaram a Rede deAção, para Alternativas ao Uso de Agroquímicos (RAAA)do Peru, juntamente com a colaboração de suas 35 orga-nizações-membros, a criar desde o seu início, em 1990,uma unidade de campanha. Esse espaço, conhecido comoUnidade de Pressão Política (UPP), concentra seus esfor-ços na inclusão dos problemas vinculados ao desenvolvi-mento agrícola sustentável e ao uso de substâncias agro-químicas na agenda do debate político. Seu principal de-safio tem sido iniciar processos participativos de mudançanos três níveis políticos: local, regional e nacional.

O emprego de agrotóxicos e outros agro-químicos é um dos maiores problemas ambientais do Peru.O uso excessivo dessas substâncias afeta o solo e as fontesde água e também contamina os alimentos. Além disso,os agrotóxicos mais vendidos e usados do país pertencemà categoria de “substâncias químicas extremamente peri-gosas” (como o Tamaron ou Furadan) e casos de uso demuitos produtos proibidos (como DDT e Aldrin) têm sidofreqüentemente registrados. Por esse motivo é que, como passar dos anos, a RAAA tem se dedicado ao desenvol-vimento de políticas nacionais que regulem o uso dessesprodutos e à promoção da agricultura ecológica. Algunsresultados já foram obtidos.

Estratégia de intervenção

A estratégia da RAAA está voltada para influen-ciar a opinião pública, as autoridades, lideranças e repre-sentantes do governo, chamando a atenção para os pro-blemas ambientais decorrentes do uso dos agroquímicos.Mediante a participação de diversos atores sociais, assun-tos de alta prioridade para a agenda política foram identi-ficados. A RAAA desempenha o papel de facilitadora, be-neficiando-se de sua estrutura organizacional e de sua re-lação com os membros e muitas outras organizações. As-sim, promove interações entre todos os envolvidos no de-senvolvimento da agricultura sustentável e, juntos, defi-nem estratégias e prioridades para traçar as atividades depressão política.

O estabelecimento de métodos para odiálogo permanente entre autoridadese a sociedade civil está entre as princi-

pais tarefas da Rede. Incluir a questãona agenda do debate político é um dosdesafios existentes quando se trabalhacom pressão política. Isso não é tarefafácil e requer a organização de confe-rências e constante produção de mate-riais informativos para a mídia. Alémdisso, é necessário criar campanhas deconscientização e mobilização parachamar a atenção dos meios de comu-nicação de massa e do público em ge-ral. A constante disseminação de infor-mação pela mídia, juntamente com umcontínuo trabalho de lobby institucio-nal, é a forma com que a RAAA chegaa líderes políticos ou tomadores de de-cisão e, por meio deles, consegue de-fender a aprovação e implementação depropostas de políticas públicas no país.

Para influenciar a política de forma eficaz, éessencial entender com detalhes o contexto do problemae identificar todos os atores envolvidos. Da mesma manei-ra, é importante reconhecer o momento mais apropriadopara começar uma campanha e fazer uma análise objetivados pontos fortes e fracos da organização e dos partici-pantes da campanha. Isso ajuda a estabelecer fortes vín-

Periódico peruano noticia tragédiaFonte: site do RAAA

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Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006 23

culos e a trabalhar em conjunto com outras organizações,especialmente com a mídia e com pessoas em posiçõeschave. Os riscos potenciais também devem ser levados emconta a todo o momento.

Principais resultados

Por meio de sua Unidade de Pressão Política,a Rede produziu campanhas de longa duração que resul-taram na discussão e aprovação de regulamentações fa-voráveis à agricultura sustentável e à redução do uso deagrotóxicos. Durante esse processo, foram criadas si-nergias interessantes entre organizações de desenvolvi-mento que atuam nesse campo. Isso pode ser visto comoum desdobramento positivo e necessário para a constru-ção de políticas voltadas para uma agricultura saudável esustentável.

Ações lobistas direcionadas ao Congresso tam-bém têm sido bem-sucedidas, resultando em reuniões fre-qüentes com políticos de diferentes partidos, na organi-zação de fóruns e seminários e na posterior disseminaçãode informação pela mídia. Com os anos, as organizações-membro da RAAA têm intensificado, de forma similar, seuenvolvimento nas diversas campanhas, seja mandando

cartas abertas, dando declarações na mídia ou realizandomanifestações exigindo o fim da comercialização depesticidas extremamente tóxicos. A definição do dia 3 dedezembro como o “Dia Internacional Sem Agrotóxicos”,foi mundialmente reconhecida para relembrar o desastrede Bopal, na Índia. Essa estratégia facilitou a organizaçãode uma campanha sincronizada em várias cidades do mun-do exigindo ações imediatas contra o uso generalizadodesses produtos. Também ajudou a dar visibilidade aosacidentes ocorridos no Peru (Ver boxe).

Esses esforços levaram à aprovação de diversasleis nacionais e muitas regulamentações locais.

Lei nº 26744, sobre a promoção do manejo in-tegrado de pragas

Essa lei foi uma das primeiras conquistas políti-cas da Rede na luta pela redução do uso deagrotóxicos. Vários políticos ficaram interessa-dos pelas demandas apresentadas nas diversascampanhas e um novo marco legal foi aprova-do para que alternativas não-químicas pudes-sem ser promovidas, desenvolvidas e adotadas.Como conseqüência direta da criação dessa lei,

Num dos casos mais graves do Peru, 24 crian-

ças morreram depois de ingerir um substituto

de leite contaminado com um agrotóxico orga-

nofosforado conhecido como etil-paration. O

caso ocorreu numa pequena comunidade cam-

ponesa de Tauccamarca, Cusco, no dia 22 de

outubro de 1999 e até hoje o caso não foi re-

solvido. Desde então, a RAAA vem se esfor-

çando para fazer com que os responsáveis se-

jam punidos, expressando solidariedade para

com as famílias das vítimas.

Graças ao apoio de diversas organizações,

foi possível empreender ações legais exigindo

que justiça seja feita. Infelizmente, até hoje ne-

nhuma decisão foi tomada e não tem sido fá-

cil manter o caso na agenda política nacional.

Um dos resultados do trabalho da Rede e de

seus parceiros foi a criação de uma subco-

missão no Congresso incumbida de investigar

o caso. Apesar de seu relatório ter sido apro-

vado por todos os membros, o problema ainda

não foi discutido no Congresso.

Além de atuar para que a justiça prevaleça

nesse caso específico, o objetivo do trabalho

da RAAA é gerar jurisprudência para que even-

tos de intoxicação em massa sejam considera-

dos, no futuro, grave violação aos direitos hu-

manos e ambientais.

Campanha em solidariedade a Tauccamarca

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o Ministério da Agricultura agora conduz o Pro-grama Nacional de Controle Biológico de Pra-gas, que produz e torna disponíveis inimigosnaturais de pragas agrícolas.

Lei nº 28217, sobre o uso de agrotóxicos extre-ma e altamente perigosos

Desde o ano 2000, uma das ações mais bem-sucedidas foi o completo banimento de todosos agrotóxicos definidos como extrema ou al-tamente perigosos para a saúde humana. A cam-panha nacional também visava a criação de me-canismos de controle envolvendo contamina-ção ambiental e saúde pública. Aprovada emmaio de 2004, a lei trata do manejo de resíduose recipientes, do controle de contaminação dealimentos e da vigilância epidemiológica noscasos de intoxicação. Embora não seja muitorígida no que se refere à proibição da importa-ção ou do uso, essa lei oferece mecanismosparticipativos que permitem que se requeira aproibição de um produto específico.

Lei para a promoção da agricultura orgânica

Outro resultado das campanhas contra o usode agrotóxicos é o recente surgimento de dife-rentes iniciativas legislativas, entre elas, as quepromovem modelos agrícolas alternativos, ocontrole biológico de insetos-praga e ervas da-

* Luis Gomero Osorio:Rede de Ação para Alternativas ao Uso

de Agroquímicos (RAAA)[email protected]

A Rede pretende continuar atuandopor meio de campanhas enquantomonitora a implementação dasnovas leis pelas autoridades eempresas que lidam comagroquímicos. Isso envolve odesenvolvimento e a validação demecanismos que permitam aparticipação pública.

ninhas, o uso de guano1, ou o manejo orgânicoem geral. A proposta mais completa foi a apre-sentada pela congressista Paulina Arpasi em se-tembro de 2004, cuja elaboração contou coma colaboração da RAAA e de muitos de seusmembros. Por algumas de suas implicações téc-nicas e econômicas, a lei ainda não foi aprova-da pelo governo e continua sendo discutida pororganizações da sociedade civil e políticos.

A Rede pretende continuar atuando por meiode campanhas enquanto monitora a implementação dasnovas leis pelas autoridades e empresas que lidam comagroquímicos. Isso envolve o desenvolvimento e a valida-ção de mecanismos que permitam a participação pública.

Lições aprendidas

A experiência mostrou que, para atingir os obje-tivos mais amplos das organizações de desenvolvimento, éindispensável ter uma boa interação entre as atividadesem nível local e as iniciativas de criação de políticas públi-cas. Esse movimento é facilitado quando se trabalha emredes, grupos de ação, consórcios ou organizações afins.Coordenação e ações conjugadas também contribuem paraa inclusão de temas específicos na agenda política. A prin-cipal dificuldade está em manter o grau de participaçãoativa de todos os envolvidos. Portanto, é necessário sermuito criativo no que se refere à implementação de ativi-dades. Uma boa dose de motivação é essencial para mobi-lizar organizações populares.

Exigem-se também altos padrões de liderançaem nível institucional, assim como recursos humanos sufi-cientes, para conseguir processos de mudança nas políti-cas públicas ligadas à agricultura sustentável. Essas açõesdevem ser constantes e contínuas. Além disso, a pressãopolítica deve ser acompanhada passo a passo, ser facil-mente compreendida e conduzida por todos os envolvi-dos e, finalmente, ser capaz de mostrar resultados concre-tos. Pelo fato de ter apresentado resultados positivos coma aprovação de uma série de novas regulamentações, asatividades da RAAA têm sido reconhecidas, tornando maisfáceis outras ações necessárias.

1 Adubo orgânico resultante da acumulação dos dejetos de aves marinhas.

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Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006 25

s normas e proce-dimentos para re-gular os mercados

de produtos orgânicos no Brasil fo-ram inicialmente estabelecidos pe-las próprias organizações dos mo-vimentos orgânicos nacionais noinício da década de 80. Já os deba-tes sobre a necessidade da institui-ção de uma legislação nacional so-bre a matéria se iniciaram somentenos anos de 1988/89 e foram inten-sificados em 1991, com a publica-ção do regulamento técnico EC2092/91 da Comunidade Econômi-ca Européia, o maior mercado im-portador de produtos orgânicos domundo na época.

Katia Karam, Mª Fernanda de A. C. Fonseca, Vainer Grizante Jr. e Yara M.C.Carvalho*

A institucionalizaçãoda agricultura orgânica no Brasil

A certificação de produtos é reconhecida inter-nacionalmente como garantia da conformidade1 orgâni-ca, sendo a norma internacional ISO/IEC Guide 65 a basepara a acreditação de organismos certificadores. No Bra-sil, antes mesmo de outros países da América Latina, apressão pelo estabelecimento de normas oficiais para acertificação orgânica por parte de instituições que visa-vam o mercado exportador encontrou resistência de gru-pos e organizações preocupados com a exclusão deagricultores(as) familiares dos mercados e dedicados aofortalecimento de relações mais próximas entre produto-res e consumidores. Essa posição foi marcada em 1992,durante a 9ª Conferência da Federação Internacional dosMovimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam), em SãoPaulo. O Movimento de Agroecologia da América Latinae Caribe (Maela) se formou a partir desse momento,aglutinando defensores de processos de “CertificaçãoParticipativa”, tais como o que já vinha sendo praticadopela Rede Ecovida de Agroecologia, no sul do Brasil.

A

1 Avaliação da conformidade é um exame sistemático do grau de atendimento a requi-sitos específicos por parte de um produto, processo ou serviço.

Reunião de membros do Grupo de Agricultura Orgânica, em dezembro de 2005, Jaguariúna, SP

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: GA

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26 Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006

2 Para maiores informações sobre os SPGs, ver o portal do Centro Ecológico(www.centroecologico.org.br).

Desde 1994, os movimentos orgânicos brasi-leiros vêm participando ativamente dos debates relacio-nados à regulamentação dos mercados dos produtos or-gânicos, juntamente com representantes do setor privadoe dos poders executivo e legislativo. Na concepção dessesmovimentos, a escolha pela adoção de um critério únicode avaliação da conformidade orgânica (a certificação),análogo ao sistema empregado na União Européia, seriainadequada aos agricultores(as) familiares brasileiros. Alémdos altos custos pelo serviço de certificação, o sistemanão se fundamenta nos vínculos de confiança estabeleci-dos entre produtores(as) e consumidores, desestimulandorelações comerciais de longo prazo e as trocas de experi-ências, conhecimentos, saberes e sabores. Por outro lado,avalia-se que os sistemas participativos de garantia(SPGs)2, defendidos pelo movimento agroecológico, as-seguram a conformidade segundo os princípios e as nor-mas da agricultura orgânica tão bem ou melhor que o me-canismo de certificação convencional, baseado numa visi-ta anual de um inspetor às propriedades para a simplesconferência de notas fiscais de compra e venda e de outrosregistros das unidades produtivas.

Existem no mundo várias modalidades de sis-temas participativos de garantia. Embora metodologias eprocessos variem, há grande convergência nos princípioscentrais que orientam esses sistemas. A virtude deles estáno fato de que são criados pelos próprios produtores econsumidores para atender às suas necessidades. Os SPGssão desenvolvidos segundo os contextos geográficos,políticos e de mercado em que seus criadores estão inseri-dos. Em face dessa convergência de princípios, os SPGspodem vir a favorecer o comércio dos produtos orgânicosentre países do Terceiro Mundo, desde que critérios flexí-veis sejam adotados e regras claras sejam definidas.

A criação do GAO e a regulamentaçãodos orgânicos no Brasil

O Grupo de Agricultura Orgânica (GAO) foicriado a partir do I Encontro Nacional de Agroecologia(ENA), em 2002, com o objetivo de acompanhar, debatere influenciar a evolução do processo de definição do mar-co legal da agricultura orgânica no país. Composto porrepresentantes de organizações e movimentos de agricul-tura orgânica no Brasil, o grupo se dedicou inicialmenteao acompanhamento do projeto de lei que propunha aregulamentação da agricultura orgânica e que tramitavano Congresso Nacional desde 1996.

No segundo encontro do grupo, o II ENGAO,realizado em abril de 2003, em Campinas (SP), foram ela-boradas propostas ao texto original do projeto de lei. Es-sas propostas, encaminhadas ao relator do projeto na Câ-mara dos Deputados, foram quase integralmente incorpo-

radas e se consagraram em dezembro de 2003, com a pro-mulgação da Lei 10.831.

Em 2004, o Ministério da Agricultura, Pecuá-ria e Abastecimento (Mapa) criou a Câmara Setorial deAgricultura Orgânica (CSAO), um órgão consultivo doministro que teve como atribuição inicial elaborar propo-sições para a regulamentação da Lei 10.831. A Câmarase organizou na forma de subgrupos temáticos que fica-ram com a responsabilidade de formular propostas sobresuas respectivas áreas: produção vegetal; produção ani-mal; processamento da produção; extrativismo susten-tável; certificação; comercialização; estruturas governa-mentais; justiça social e certificação participativa. Osdois últimos temas, entretanto, só foram tratados noâmbito do GAO.

A partir disso, o GAO pactuou um cronogramade trabalho conjunto com representantes do Mapa e doMinistério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Em umprimeiro momento, as propostas sobre os diferentes te-mas foram elaboradas separadamente. Posteriormente, assugestões dos subgrupos do GAO foram apresentadas ediscutidas com representantes dos ministérios envolvidos.

A admissão legal da não obrigatoriedade dacertificação em caso de venda direta dos produtos orgâni-cos por agricultores(as) familiares oficializou as diferentespráticas de avaliação de conformidade existentes no país eviabilizou o acesso aos programas de compra governamen-tal a grupos de agricultores que optam por SPGs. As refle-xões que perpassaram as discussões no GAO mostram que

“(...) a lógica da certificação enquan-to declaração de conformidade forma-lizada é, em alguma medida, estranhaaos processos agroecológicos históricos,dos quais a geração de credibilidade éapenas um aspecto. Isso não significaa rejeição da certificação em si, porparte dos agricultores, dos agro-extra-tivistas, de suas organizações e das en-

Existem no mundo várias modalidadesde sistemas participativos de garantia.

Embora metodologias e processosvariem, há grande convergência nos

princípios centrais que orientam essessistemas. A virtude deles está no fato

de que são criados pelos própriosprodutores e consumidores para

atender às suas necessidades.

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tidades de assessoria; mas significa,sim, que pensar a certificação isolada-mente, como exige a regulamentaçãoda lei, demanda um outro tempo, quenão se ajusta aos prazos negociados.”

(Ribeiro, 2004).

Em 2005, uma comissão de sistematização tra-balhou a minuta de regulamentação da lei, apresentandotextos (decreto e instruções normativas) para discussãona Câmara Setorial de Agricultura Orgânica. Os principaispontos de desacordo foram votados e o texto final entraráem consulta pública, por 90 dias, em 2006.

Considerações finaisO desafio dos movimentos orgânicos brasilei-

ros, do setor privado e dos órgãos governamentais é o depromover amplo debate com a sociedade para aprimorar,na regulamentação da lei, o texto existente, considerando:

• o estabelecimento de critérios científicos, so-ciais, culturais, econômicos e políticos paraas normas orgânicas de produção, que de-vem ser adaptadas a países tropicais e de bai-xa renda e tomar como base os princípios daagricultura orgânica e as diferentes normasinternacionais (Codex, Ifoam). Não obstante,há de se ter como meta o aprimoramentocontínuo no âmbito nacional e internacio-nal, particularmente no que se refere à nãoexclusão da agricultura familiar e à proteçãodos agroecossistemas;

• a aceitação no âmbito nacional dos diferen-tes mecanismos de avaliação da conformida-de, em especial aos SPGs;

• a efetiva transversalidade entre as diferentesredes, os setores privados, os órgãos e minis-térios, garantindo assim a regulamentaçãoadequada dos sistemas participativos de ga-rantia e do extrativismo sustentável, o apoioaos mercados locais, ao comércio justo, éti-co e solidário e ao consumo consciente;

• os compromissos estabelecidos entre os movi-mentos orgânicos nacionais e os representan-tes governamentais, no intuito de garantir aparticipação efetiva brasileira nos fóruns in-ternacionais, levando posições que estejam deacordo com os consensos obtidos no país;

• a participação dos consumidores nas discus-sões e práticas de regulamentação, mas tam-bém o favorecimento da aliança produtores-consumidores, além da conscientização quan-to às qualidades (sensoriais, de origem, sani-tárias, biológicas, sociais, ambientais) dosprodutos orgânicos.

Assim, levando em conta os pontos expostos,deve-se ter como meta conseguir estabelecer políticas quese coloquem para além dos regulamentos que normalizamas atividades ligadas à produção e comercialização dosprodutos de qualidade diferenciada, como os orgânicos eos do comércio justo. Vale lembrar também a necessidadede aprimoramento das políticas educacionais, agrícolas eagrárias, de crédito, compras governamentais, pesquisa,assistência técnica, entre outras.

A capacidade de articulação e mobilização jádemonstrada pelo GAO e sua inserção nos espaçosinstitucionais servem como estímulo e lhe dão credenciaispara permanecer atuando no processo de regulamentaçãoda agricultura orgânica no país. Na institucionalização dosSPGs, a colaboração efetiva dos movimentos sociais e dasempresas junto aos ministérios e outros órgãos públicosserá fundamental para dar seqüência ao processo de trans-formar as práticas em políticas públicas.

No âmbito latino-americano, os desafios con-sistem em socializar e estimular a troca de experiências einformações para facilitar o comércio orgânico entre paí-ses que utilizam os SPGs. Uma estratégia a ser imple-mentada é a interface entre as ações do Maela e do Gru-po da América Latina e Caribe (Galci) da Ifoam na buscapor uma agenda comum.

ReferênciasMEDAETS, JP.; FONSECA, M. F. de A. C. Pro-dução orgânica: regulamentação nacional e inter-nacional. Brasília; NEAD, 2005. 99 p. Série NEADEstudos 9.

RIBEIRO, C. de B. Certificação participativa emrede: uma proposta para o Brasil. Relatório Par-cial. Proposta a ser submetida ao Grupo de Tra-balho de Certificação Participativa. Niterói:GAO – GTCPR/ ABIO, 2004. Disponível em:[email protected]. Acesso em: 20 out. 2004.

* Katia Karam:colaboradora independente da Rede Cerrado

[email protected]ª Fernanda de A. C. Fonseca:

Empresa de Pesquisa Agropecuáriado Rio de Janeiro PESAGRO-RIO/EENF

[email protected] Grizante Jr.:

União Certificadora para o Controle de Conformidadede Produtos, Processos e Serviços

[email protected] M. Chagas de Carvalho:

Instituto de Economia Agrícola - [email protected]

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28 Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006

cidade de Witzenhausen,no estado de Hessen,no centro da Alema-

nha, tem longa tradição em educa-ção agrícola. Já em 1898 havia sidofundada uma escola dedicada ao es-tudo da agricultura tropical esubtropical, cujo objetivo era formarespecialistas nesse campo para traba-lhar nos países colonizados pela Ale-manha. Desde 1971, a cidade abrigaa Faculdade de Agronomia, Desenvol-vimento Rural Internacional e Prote-

A criação de umafaculdade de ciências

da agricultura orgânicaHolger Mittlestrass*

ção Ambiental, que faz parte da Uni-versidade de Kassel. A partir de 1995,a faculdade se voltou completamenteda agricultura convencional para aorgânica e se autodenominou Facul-dade de Ciências da Agricultura Or-gânica. O curso inclui, atualmente,vinte disciplinas que desenvolvempesquisa e educação em manejo or-gânico, sem guardar nenhum vestí-gio de atividades da agricultura con-vencional. No âmbito mundial, esseé um exemplo único.

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Estudantes analisando a viabilidade de cultivo orgânico durante uma viagem a campo

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Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006 29

Uma mudança contínua

A agricultura alemã passou por mudanças drás-ticas no curso dos últimos 50 anos. Entre 1950 e 1995, osgastos com alimentação caíram de 50 para 15% da rendada família média alemã. Entre 1975 e 1995 o orçamento daUnião Européia para a agricultura subiu de 20 para 40bilhões de euros. Simultaneamente, por volta de 60% dosestabelecimentos agrícolas desapareceram no país. O usodo solo agrícola, sobretudo nas regiões menos favorecidas,decaiu vertiginosamente e somente uma pequena porcen-tagem da população permanece empregada na agricultu-ra. Como resultado de métodos agrícolas de produção in-tensiva, o país atualmente enfrenta sérios problemasambientais: aumento da erosão do solo, perda na bio-diversidade e poluição da água pelo uso de adubosnitrogenados e agrotóxicos. Esses processos não se res-tringem à Alemanha ou à Europa. São fenômenos presen-tes em todo o mundo. Portanto, não é de se estranhar quea demanda por um modelo de desenvolvimento sustentá-vel tenha adquirido cada vez mais importância no debateinternacional, pelo menos desde a divulgação do Relató-rio Brundtland e da realização da Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhe-cida como Rio-92, realizada na cidade do Rio de Janeiro,onde dirigentes de 178 países assinaram a Agenda 21.

Seja pelos benefícios ambientais, seja pelas no-vas oportunidades de empregos gerados nas áreas rurais,em todo o mundo, bem como na Alemanha, muitos cien-tistas clamam por mudanças no atual modelo de uso dosolo ao defenderem a agricultura orgânica. Não há comonegar que, nos últimos anos, o manejo orgânico, e comele o mercado de trabalho para especialistas da área, cres-ceu rapidamente, estimulado pela grande demanda dosconsumidores e também pelas iniciativas de políticas nacio-nais e internacionais. Atualmente, a política agrícola daUnião Européia oferece aos países-membros a possibilida-de de apoio ao cultivo e à comercialização de produtosorgânicos. Assim, alguns países, como a Dinamarca, Itáliae Alemanha, têm desenvolvido planos especiais de açãopara apoiar o manejo orgânico. Agricultores recebem sub-sídios especiais para converter seus métodos de plantio eadotarem manejos orgânicos. Como resultado, a Alema-nha possui atualmente quase 17 mil propriedades agríco-las orgânicas certificadas, que cultivam 770 mil hectares,o que representa 4,5% da terra agricultável do país.

Mudanças nos currículos

A cidade de Witzenhausen é um exemplo úni-co de desenvolvimento curricular que partiu de um pro-cesso gerado de baixo para cima. Durante a década de 70,

depois da crise internacional do petróleo e de diversosescândalos ambientais, surgiu na Alemanha um forte mo-vimento anti-nuclear e naturalista. Embora naquela épo-ca existissem apenas cerca de 400 propriedades orgânicasno país, os estudantes da área da agricultura exigiram au-las sobre agricultura orgânica. Eles fizeram manifestaçõesdentro da faculdade, nos principais gabinetes da universi-dade e diante do Ministério de Educação Superior do es-tado de Hessen. Escreveram cartas para muitas organiza-ções ligadas à agricultura pedindo apoio e organizaramreuniões com membros da faculdade e com o reitor da uni-versidade. Por dispor de recursos suficientes na época, auniversidade de Kassel reagiu positivamente, conceden-do à faculdade uma cadeira adicional em “Métodos deAgricultura Alternativa”. Essa disciplina teve início em1981, oferecendo matérias eletivas aos estudantes, além,de uma fazenda experimental para a prática da agriculturaorgânica. Logo em seguida, foi contratado um professorespecializado em manejo orgânico animal.

Os alunos continuavam sendo obrigados a as-sistir a várias matérias que seguiam as abordagens da agri-cultura convencional e por isso pediram que fosse incluídono currículo um curso especial em agricultura orgânica.Essa demanda foi atendida em 1993, após ter gerado di-versos debates dentro da faculdade. Além do enfoque emagricultura orgânica, um novo conceito holístico de apren-dizado e ensino foi desenvolvido e testado, tornando-setão popular, que em 1996, a faculdade introduziu um cur-so completo em agricultura orgânica, que conferia o graude bacharel em Ciências, assim como um mestrado. Dessaforma, a educação em agricultura na universidade se trans-formou em educação em agricultura orgânica, com um

(...) alguns países, como a Dinamarca,Itália e Alemanha, têm desenvolvido

planos especiais de ação para apoiar omanejo orgânico. Agricultores recebemsubsídios especiais para converter seus

métodos de plantio e adotaremmanejos orgânicos. Como resultado, a

Alemanha possui atualmente quase 17mil propriedades agrícolas orgânicas

certificadas, que cultivam 770 milhectares, o que representa 4,5% da

terra agricultável do país.

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currículo que incluía outros métodos de ensino quecomplementavam as aulas, tais como cursosmultidisciplinares, aulas práticas obrigatórias e atividadesde trabalho em grupo. Em 2002, a faculdade introduziuum segundo curso de mestrado (Agricultura EcológicaInternacional), ensinado em inglês, para atender a demandainternacional por cursos de base científica em agriculturaorgânica voltados para climas tropicais e subtropicais. Em2006, a faculdade deve oferecer um terceiro curso demestrado (Comércio Internacional de Alimentos e Estu-dos Sobre o Consumo), também ministrado em inglês,abordando assim toda a cadeia alimentar orgânica.

Estrutura geral

Um dos requisitos para ser aceito na faculdadeé passar por um período de pelo menos três meses de aulaspráticas numa fazenda. O grau de bacharelado requer doisanos de matérias básicas sobre ciências naturais e agricul-tura. Essas matérias são estruturadas em módulos de 180horas cada, que devem ser completados ao final de umsemestre, o que permite que os alunos possam cursar umsemestre em outra universidade. No total, são 16 módulosobrigatórios, todos considerando princípios orgânicos emdiferentes formas. Além de um módulo específico em eco-logia e agroecossistemas, existem módulos que tratamsobre a produção de gêneros alimentícios com foco narotatividade dos cultivos ou no uso de adubo orgânico,descartando o uso de agrotóxicos ou de fertilizantes quí-micos. Há também módulos voltados para a produçãoanimal que enfatizam formas apropriadas de alojamento,alimentação e garantia do bem-estar animal. O curso éestruturado de tal maneira que, ao seu final, todos os es-tudantes cobrem cinco campos temáticos (que tratam so-bre aspectos ecológicos, das plantas, dos animais, econô-micos e sociais), propiciando uma perspectiva interdisci-plinar que verdadeiramente reflete a agricultura orgânica.

Após esse período de estudos básicos,os alunos têm diversas opções de espe-cialização, com sete módulos eletivos.O exame de bacharelado consiste numatese, que deve ser elaborada em doismeses, com uma pesquisa específicasobre um tema de livre escolha e umteste oral. Mais tarde, depois dessa pri-meira graduação, eles podem continu-ar com um curso de mestrado ensina-do em alemão, cujo foco é agriculturaalemã e européia, ou um mestrado eminglês, voltado para agricultura e de-senvolvimento rural internacional. Osestudantes devem concluir 12 módulos

em três semestres. A avaliação final re-quer a elaboração de uma tese em cin-co meses e um teste oral.

Objetivos e métodos deaprendizagem

O objetivo principal da faculdade é o desenvol-vimento de soluções voltadas para um local específico como uso mínimo de recursos não-renováveis, com ênfase es-pecial na manutenção dos ciclos de nutrientes, na criaçãode uma relação balanceada entre áreas (paisagem natural)produtivas e “não-produtivas” e no estabelecimento deum vínculo entre a prática agrícola, o mercado regional e odesenvolvimento rural. Os objetivos do aprendizado detodos os cursos incluem o aumento de conhecimento cien-tífico e de habilidades práticas. Assim, o aluno aprende aconhecer e valorizar os ciclos da natureza e a pensar deforma interdisciplinar, para que esteja apto a agir de ma-neira responsável, a exercitar habilidades comunicacionais,pedagógicas e organizacionais, além de trabalhar cientifi-camente.

Novos métodos de ensino e aprendizagem fo-ram introduzidos para que todos esses objetivos sejamalcançados. Por exemplo, os alunos têm que apresentarpalestras e escrever relatórios científicos sobre temas es-peciais. Devem também organizar e ministrar semináriostutoriais com o apoio de um professor, escrever resenhasconsistentes sobre seminários ou organizar excursões ouconferências que abordem temas específicos. Espera-seque, com essa reforma no aprendizado e ensino, os alunospossam não só obter conhecimento, mas também outrashabilidades que lhes serão úteis para o seu futuro profissi-onal. Os alunos devem trabalhar num estudo de caso demaneira metodologicamente clara e especificamente dis-ciplinar, sendo avaliados por suas capacidades de trabalhoem equipe, seu pensamento interdisciplinar e sua iniciati-va para a solução de problemas.

Durante os dois últimos semestres do curso debacharelado, muitos estudantes participam de um proje-to de conversão de uma fazenda. Nesse projeto, agricul-tores da região que utilizam manejo convencional e queestão interessados em produzir organicamente concordamem trabalhar em conjunto com um grupo de estudantespelo período de um ano. Juntos, analisam a propriedade efazem um planejamento realista para a conversão produti-va do sistema.

Adicionalmente, ocorrem duas atividades es-peciais na metade de cada semestre. No verão, ocorremexcursões de duração de uma semana para que os estu-dantes conheçam a agricultura orgânica praticada em ou-tros países. A escolha do país a ser visitado, o destino e os

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temas ou tópicos específicos a serem estudados são deci-didos pelos próprios alunos no início do semestre de inver-no. Toda a excursão é organizada e conduzida pelos estu-dantes. O mesmo ocorre na conferência realizada no meiodo semestre de inverno. No início do semestre de verão, osalunos decidem qual o tema que desejam tratar. Um gru-po de cerca de dez alunos prepara a conferência, inclusivea captação dos recursos. Assim como a participação emoutras atividades, a contribuição dos alunos nesses diferen-tes projetos também é levada em conta na sua avaliação.

Controle de qualidade

Durante o projeto-piloto, entre 1995 e 1999, ocurso foi intensamente avaliado. Questionários passadosa ingressantes no curso mostraram que houve um aumen-to no número de alunos com pouca experiência em agri-cultura ou na atividade agrícola propriamente dita (cercade 75%), o que demonstrou que era preciso dedicar maisatenção aos aspectos práticos da agricultura. Discussõescom alunos e com diferentes especialistas revelaram a ne-cessidade de focar o curso no desenvolvimento de compe-tências para o trabalho autônomo no ramo da agriculturaorgânica. Houve também discussões sobre o mercado detrabalho dessa atividade que identificaram que era precisoaprofundar as habilidades técnicas e não só o conheci-mento científico. Avaliações feitas mais adiante mostra-ram que os alunos apreciam os novos métodos de aprendi-zagem e as habilidades que adquirem. Estudos de acom-panhamento apontaram para o fato de que cerca de umterço dos que concluíram o curso continuam na práticaagrícola, enquanto outro terço se dedica a vários serviços,como a prestação de consultorias, o trabalho em associa-ções de produtores ou em órgãos de controle. No total,mais de 30% de todos os formados trabalham diretamen-te com agricultura orgânica, como agricultores, consulto-res ou na comercialização.

A experiência da Universidade de Kassel é iné-dita no que se refere à forma como foi desenvolvido o seuenfoque pedagógico, privilegiando o envolvimento ativodos alunos em todas as aulas, assim como no papel depalestrantes, na organização de conferências e excursõesou no intenso trabalho em conjunto com agricultores or-gânicos ou com aqueles que pretendem adotar esse mo-delo. Assim, promove um intercâmbio regular com repre-sentantes do mercado de trabalho da agricultura orgânicae, com a organização de tantas capacitações e viagens acampo sobre assuntos específicos, fortalece os vínculosentre teoria e prática. Atendendo a diversos pedidos vin-dos de outros países, a faculdade também intensificousuas atividades internacionais com universidades parcei-ras de todo o mundo, realizando pesquisas em comum e

Referências:DABBERT, S. Support of organic farming as apolicy instrument for resource conservation. In.:ISART, J (Ed.); LLERENA, J.J. (Ed.) ResourceUse in Organic Farming. Proceedings of the ThirdENOF Workshop. Ancona, Italy ,1997.

LAMPKIN, N.; WEINSCHENCK, G. OrganicFarming and agricultural policy in western Europe.In.: ÖSTERGAARD, T. (Ed.): Fundamentals ofOrganic Agriculture. Ökozentrum Imsbach,Tholey-Theley, Germany, 1996.

WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENTAND DEVELOPMENT. Our Common Future:The Brundtland Report. Oxford, Inglaterra:Oxford University Press, 1987.

* Holger Mittelstrass:coordenador de estudo,

Faculdade de Ciências da Agricultura OrgânicaUniversidade de Kassel, Alemanha.

[email protected]

programas de intercâmbio de alunos. Isso tudo proporcio-na um conhecimento sólido e uma visão holística da agri-cultura aos alunos, que também adquirem qualificaçõessociais de grande importância, tais como habilidades decomunicação, organização e pedagogia. Esse contextotambém facilita a evolução contínua das perspectivas eabordagens da universidade em relação à agricultura demodo geral.

A experiência da Universidade deKassel é inédita no que se refere a

forma como foi desenvolvido o seuenfoque pedagógico, privilegiando o

envolvimento ativo dos alunos emtodas as aulas, assim como no papel

de palestrantes, na organização deconferências e excursões ou no intensotrabalho em conjunto com agricultores

orgânicos ou com aqueles quepretendem adotar esse modelo.

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pesca na Amazô-nia se caracterizapela riqueza de

espécies exploradas, pela quantida-de de pescado capturado e pela de-pendência da população local poressa atividade. Ao longo dos últi-mos 40 anos, as bases da econo-mia ribeirinha sofreram profundasmodificações, com a intensificaçãoda pesca comercial a partir dosanos 70, o declínio da agriculturacomo atividade principal e a expan-são da pecuária na várzea. A gran-de transferência de mão-de-obra

Gestãoparticipativados recursos

pesqueirosna várzea

amazônica

Marcelo Bassols Raseira, Evandro Pires Leal Câmara e Mauro Luis Ruffino*

da agricultura para a pesca comer-cial, somada à demanda crescentede pescado pelos mercados nacio-nais e internacionais e à introduçãode novas tecnologias de pesca (bar-cos motorizados, caixas de gelo, re-des de nylon etc.), resultou no au-mento da exploração dos estoquespesqueiros da região, prejudican-do os pescadores residentes nascomunidades de várzea. Essa situ-ação levou ao surgimento de inú-meros conflitos sociais, em funçãoda disputa pela utilização dos re-cursos pesqueiros.

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Figura 1: Pesca do camarão (Macrobrachium amazonicum) em Gurupá (PA)

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Para reverter esse quadro, o Instituto Brasi-leiro do Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis (Ibama) vem executando, desde 2001, oProjeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea(ProVárzea). O objetivo é contribuir para a elabora-ção de políticas públicas que promovam e regulem agestão coletiva dos recursos pesqueiros e favoreçam odesenvolvimento de sistemas de conservação e manejosustentável dos recursos naturais da várzea dos riosSolimões e Amazonas (Fig. 2).

Projetos inovadores inspirampolíticas

O ProVárzea adotou como enfoque estraté-gico principal o fortalecimento de organizações de basepor meio da promoção e apoio a projetos que funcio-nem como catalisadores de mudanças nos locais emque são executados, mas que também gerem meto-dologias e lições passíveis de replicação em outras árease regiões.

Além disso, os projetos implementados têmo objetivo de desenvolver e testar sistemas inovado-res de manejo dos recursos naturais da várzea quesejam econômica, social e ambientalmente sustentá-veis. Por meio de seu “Componente de Iniciativas Pro-missoras”, o ProVárzea/Ibama viabiliza o financia-mento de subprojetos que estejam dentro de seu focode atuação, além de acompanhar, monitorar e pres-tar consultoria técnica no desenvolvimento dos mes-mos. Atualmente, são 24 subprojetos em execuçãoem 32 municípios dos estados do Pará e Amazonas eque abrangem um amplo leque de temáticas, todas

diretamente relacionadas ao intuito de reduzir a pres-são sobre os estoques pesqueiros. Dentre elas, estão:ecoturismo; manejo dos recursos pesqueiros em la-gos; fortalecimento de organizações de base; educa-ção ambiental indígena; manejo florestal comunitá-rio com ou sem fins madeireiros; agricultura e pecuá-ria; manejo de quelônios; criação de abelhas sem fer-rão e reflorestamento.

Quadro 1 – Projetos de âmbito comunitário apoiados pelo ProVárzea/Ibama

Manejo comunitário dos recursos florestais e de pesca em áreas de várzea no município de Gurupá(PA), executado pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) de Gurupá.

Sistema integrado de produção terra-água, em Parintins (PA), desenvolvido pelo Grupo AmbientalNatureza Viva (Granav).

Apoio a iniciativas comunitárias de gestão integrada dos recursos naturais de várzea, implementadopela Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha de São Salvador (Ataiss).

Reflorestamento de áreas degradadas na região de Ituquí e Ilha de São Miguel, conduzido pelaAssociação de Mini e Pequenos Produtores e Agricultores de Aracampina (Ampa).

Atualmente, são 24 subprojetos emexecução em 32 municípios dos

estados do Pará e Amazonas e queabrangem um amplo leque detemáticas, todas diretamente

relacionadas ao intuito de reduzir apressão sobre os estoques pesqueiros.

Dentre elas, estão: ecoturismo;manejo dos recursos pesqueiros em

lagos; fortalecimento de organizaçõesde base; educação ambiental indígena;

manejo florestal comunitário com ousem fins madeireiros; agricultura e

pecuária; manejo de quelônios; criaçãode abelhas sem ferrão e

reflorestamento.

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As iniciativas promovem ainda a aproxima-ção dos órgãos governamentais com a comunidade,criando novos canais de participação cidadã da popu-lação ribeirinha. Dos projetos apoiados pelo ProVárzea,doze se referem diretamente ao manejo participativodos recursos pesqueiros. São projetos com distintasabrangências que envolvem as comunidades organiza-das em diferentes escalas. Na escala local, com apoioa iniciativas comunitárias de controle da pesca em la-gos de várzea (ver Quadro 1). Em âmbito municipal,apoiando ações em Santarém (PA), Silves (AM) eFonte Boa (AM). Na escala regional, abrange todo obaixo Amazonas, desde a fronteira do estado do Parácom o Amazonas até as proximidades do estuário dorio Amazonas, no município de Gurupá (PA).

Da ação local às políticas públicas

As experiências apoiadas pelos projetos deâmbito local têm mobilizado diretamente as comuni-dades e geram resultados concretos no que se refere àrecuperação de estoques pesqueiros e à melhoria dosmeios de vida das populações envolvidas. Em FonteBoa (AM), a população de pirarucu (Arapaima gigas)já aumentou em 360% desde o início das atividades hátrês anos. Em Gurupá (PA), com a disseminação demétodos inovadores de manejo de pesca do camarão(Macrobrachium amazonicum), a renda das famíliaspescadoras foi incrementada em 55%. Simultaneamen-te, verificou-se a diminuição da pressão de pesca sobre

a população da espécie com aredução em 41% do número dearmadilhas para a sua captura(Fig. 1)1.

Além da conservaçãodos estoques e da mobilizaçãosocial, esses projetos têm possi-bilitado a disseminação dastecnologias desenvolvidas pormeio de intercâmbios entre ospescadores de diferentes áreas emunicípios. Por outro lado, apre-sentam limitações em sua esca-la de influência. Seus efeitos ir-radiam-se na escala de uma co-munidade, de um lago ou de umaregião de um município.

Quando atingem o âmbitomunicipal e regional, porém,

os projetos têm maiores dificuldadespara manter o envolvimento ativo dasorganizações de base. No plano muni-cipal, operam por meio de representa-ções de comunidades ou de grupos. Poroutro lado, apresentam melhores con-dições de influenciar as políticas públi-cas que regulam mais amplamente osetor pesqueiro na Amazônia, já que es-timulam o surgimento de lideranças ca-pazes de atuar de forma qualificada nosprojetos em nível municipal e regional.Ao mesmo tempo, essas mesmas lide-ranças têm condições de favorecer asações locais. Além disso, as experiên-cias mais abrangentes propiciam o es-tabelecimento de parcerias entre insti-tuições de base e os órgãos públicos, fa-cilitando o encaminhamento de deman-das sociais, econômicas e ambientaisdas populações ribeirinhas.

Qualquer que seja a escala de abrangênciasocial e geográfica, a estratégia do ProVárzea/Ibamaé apoiar ações simultâneas que estimulem o desenvol-vimento de alternativas sustentáveis para o manejo pes-queiro por meio de processos de construção social epolítica que venham de baixo para cima.

1 Para mais detalhes sobre essa experiência, veja artigo no V.2, nº 4 de Agriculturas.

Figura 2: Vista aérea da várzea do rio Amazonas, próximo aSantarém (PA)

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Os acordos de pesca

Acordo de pesca é um mecanismo de orde-namento e regulamentação participativa da gestão dosrecursos pesqueiros, cujo principal objetivo é a estabi-lização ou a redução da pressão sobre os estoques depesca e o aumento da produtividade da pesca em lon-go prazo (Santos, 2005). O processo de elaboraçãodos acordos de pesca deve atender a regras especificadasna Instrução Normativa nº 29, publicada pelo Ibamaem 31/12/2002. Uma vez negociados, os acordos sãopublicados oficialmente, passando a ser reconhecidospelo Instituto.

Movimentos sociais e ONGs já estavam en-volvidos em processos de elaboração dos acordos depesca antes mesmo da oficialização desse método peloIbama. A ação do ProVárzea se deu no sentido de con-solidar essa experiência anterior da sociedade civil. Osresultados práticos dos projetos apoiados pelo Ibamatêm sido inspiradores para a formulação de propostasde gestão de recursos pesqueiros incorporadas nos acor-dos. Além disso, o programa capacita técnicos do pró-prio Ibama, de instituições estaduais de meio ambientee de ONGs para que assessorem organizações comuni-tárias.

Alguns aprendizados

Aumento da renda familiar, fortalecimentodas organizações das colônias e maior participação dosusuários nos processos de tomada de decisões são al-guns dos impactos positivos das ações de manejoparticipativo dos recursos pesqueiros reguladas pelosacordos de pesca. Entretanto, se o estoque pesqueiro dabacia amazônica é considerado como um todo, perce-be-se que o alcance das ações é ainda limitado. Comoobservado por Isaac & Cerdeira (2004), os principaisefeitos dos acordos de pesca até o momento têm sido aredução dos conflitos entre os pescadores, uma vez queeles participam diretamente na formulação das propos-tas de manejo que visam atender aos seus próprios inte-resses concretos. Os acordos também têm desempenhadoum papel importante no desenvolvimento de comunida-des pesqueiras e contribuído para a descentralização dosprocedimentos de gestão dos recursos naturais.

O ProVárzea/Ibama acredita que a parti-cipação da população, integrada como agente ativona administração dos processos de desenvolvimento,favorece a tomada descentralizada de decisões. Isso

* Marcelo Bassols Raseira:[email protected]

Mauro Luis Ruffino:[email protected]

Evandro Pires Leal Câmara: [email protected]

Técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)

Maiores informações sobre o projeto podem ser encon-tradas no site: www.ibama.gov.br/provarzea

ReferênciasISAAC, V. J.; CERDEIRA, R. G. P. Avaliação eMonitoramento de Impacto dos Acordos de Pes-ca – Região Médio Amazonas. Manaus:ProVárzea/Ibama, 2004.

SANTOS, M. Aprendizados do Projeto Manejodos Recursos Naturais da Várzea – ProVárzea.Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005. Sé-rie Estudos 4. 53p.

Aumento da renda familiar,fortalecimento das organizações das

colônias e maior participação dosusuários nos processos de tomada de

decisões são alguns dos impactospositivos das ações de manejo

participativo dos recursos pesqueirosreguladas pelos acordos de pesca.

implica na sua intervenção direta na produção de co-nhecimento da realidade, no planejamento, na execu-ção, no controle, na avaliação e no redimensionamentodas ações a partir das demandas locais. Contudo, aparticipação da sociedade nesse processo somente sedará de forma efetiva se ela se estiver organizada elegitimamente representada por suas organizações nasinstâncias de tomada de decisões.

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Projetos demonstrativos epolíticas públicas: os desafios

da invenção dopresente

Pescadores artesanaisde Santarém (PA)

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Senra, Odair Scatolini, Silvana Bastose Zaré Augusto Brum Soares*

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unicípio de Santarém(PA), início da tarde.Orismar e seus com-

panheiros da Associação dos Pro-dutores Rurais da ComunidadeCoroca preparam a ração com res-tos de peixe, farelo de mandioca efrutas produzidas em áreas de ma-nejo agroflorestal. Essa ração éusada para alimentar tambaquis(Colossoma macropomum) e tarta-rugas, cujas criações têm contribuí-do para o aumento da renda e da se-gurança alimentar das famílias epara a conservação da biodiver-sidade na bacia do Rio Arapiuns.

Três Cachoeiras (RS), comunidade do Mor-ro Azul. Como fazem duas vezes por mês, Jurema esuas companheiras do Movimento de Mulheres Cam-ponesas (MMC) estão reunidas para produzir oselixires, pomadas e xaropes, com espéciesfitoterápicas. Esses medicamentos são dis-tribuídos gratuitamente para a populaçãopor mais de 100 grupos de mulheres que tra-balham nas “farmacinhas” e atuam em de-zenas de municípios do Rio Grande do Sul,gerando impactos positivos nas condições desaúde das famílias e contribuindo para avalorização de espécies nativas da região.

Araponga (MG), comunidade deNovo Horizonte. Paulinho e Seu Nenê expli-cam como funciona o fundo rotativo, que mo-vimenta e disponibiliza recursos para a aqui-sição coletiva de terras por famílias cadas-tradas pelo Sindicato de Trabalhadores Ru-rais. Os recursos dos próprios agricultores,

que constituíram o fundo rotativo, viabilizaram a aqui-sição de uma antiga fazenda da região, o que resultouna formação da comunidade de Novo Horizonte, ondeatualmente residem 28 famílias, vivendo da produçãoagroecológica de café.

Três experiências concebidas e implemen-tadas por organizações da sociedade civil e movimentossociais, de base comunitária. Promovem o desenvol-vimento sustentável construindo novas relações entre ho-mens, mulheres, suas comunidades e a natureza que oscerca. Têm também em comum o fato de serem apoia-das pelo Ministério do Meio Ambiente por meio do Pro-grama de Projetos Demonstrativos (PDA).

Os projetos apoiados pelo PDA vêm contri-buindo para a promoção do desenvolvimento susten-tável mediante a disseminação de práticas socioam-bientais em comunidades e organizações parceiras pau-tadas em princípios como: empoderamento das famí-lias e comunidades; eqüidade no uso e distribuição dos re-cursos; respeito à capacidade de regeneração dosecossistemas; enfoques sensíveis às especificidades degêneros e gerações; transparência, descentralização ecompartilhamento dos processos decisórios entre os en-volvidos; fortalecimento de valores humanos, éticos eambientais e valorização da cultura e sociobiodiver-sidade local.

O Programa

Assim como os três exemplos apresentados,mais de trezentas experiências, desenvolvidas na Ama-zônia, na Mata Atlântica e em seus ecossistemas asso-ciados, recebem ou já receberam apoio do PDA.

“Nos fenômenos coletivos contemporâneos,se entrelaçam muitos significados. Só uma sociedadeaberta capaz de captar o impulso dos movimentos,através dos sistemas políticos de representação e to-mada de decisão, pode fazer com que a complexidadee a diferença não sejam violentadas. Manter aberto oespaço para as diferenças é uma condição fundamen-tal para a invenção do presente.”

Alberto Melucci, Milão, junho/1990.

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Agricultores de Araponga (MG) envolvidos com a experiência de compracoletiva de terras

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O programa, implementado no âmbito doPrograma Piloto para a Proteção das Florestas Tro-picais (PPG7), é financiado principalmente pela Coo-peração Técnica e Financeira Alemã e tem como metacentral demonstrar, por meio de experiências inovado-ras, a possibilidade efetiva de construção, em basescomunitárias, de estratégias de promoção do desen-volvimento sustentável. Além disso, a partir dos apren-dizados gerados por essas experiências, visa estimulara formulação de políticas públicas que contribuam paraa difusão, adaptação e incorporação dessas estratégiaspor outras comunidades, organizações e instituiçõesgovernamentais.

Cabe ressaltar que o termo “experiências”se refere a ações concretas de organizações sociais co-locadas em prática por produtores e produtoras ru-rais. Essas ações ainda têm merecido pouco apoio depolíticas públicas, por não serem sistemas de produçãoconsolidados, nem baseados em processos formais depesquisa. O PDA foi concebido como incentivo aoagricultor(a)/pesquisador(a), que no seu dia-a-dia testae descobre novas formas de produzir, interagindo demaneira sustentável com a fonte de recursos naturaisque utiliza.

Com esse espírito de valorização do conhe-cimento gerado a partir da prática, o PDA foi criadoem 1995, entrando em operação em 1996. A sua for-mulação resultou de um processo de negociação en-volvendo governo brasileiro, organismos de cooperaçãointernacionais e organizações da sociedade civil brasi-leira, articuladas pelas redes de ONGs e MovimentosSociais da Amazônia (Grupo de Trabalho Amazônico– GTA) e Mata Atlântica (Rede de ONGs da MataAtlântica – RMA).

O PDA nasce, portanto, com uma ca-racterística marcante: a centralidadedo papel das organizações da socieda-de civil. Esse aspecto do programa odiferencia de grande parte das ações doEstado, que em geral atribui às esferaseconômica e governamental a respon-sabilidade pelas ações de promoção dodesenvolvimento. O PDA tem comofundamento de sua concepção o enten-dimento de que é na esfera da socie-dade civil que está parte significativado campo de inovações socioambien-tais, base para a construção de proces-sos de desenvolvimento pautados emnovos paradigmas.

Resultados, Avanços e Limites

A partir do acúmulo gerado nesse período,grande parte das organizações parceiras, assim comoa própria Secretaria Técnica, reconhecem os avançosque o “mecanismo” PDA, ou seja, o conjunto de nor-mas e procedimentos que o compõem, representa. Jápor ocasião de sua constituição, o PDA criou um meca-nismo de gestão que permite compatibilizar o desafio deestabelecer normas administrativas transparentes eseguras e a necessidade de abrir espaço para a fle-xibilização de processos de execução física dos projetosapoiados, de acordo com as suas respectivas evolu-ções. Para tanto, instituiu uma Comissão Executiva,composta paritariamente por representantes do go-verno e das redes de ONGs e movimentos sociais daAmazônia e Mata Atlântica. Cabe a essa comissão aanálise e julgamento dos projetos submetidos ao pro-grama. Além disso, foi criado um mecanismo flexívelde gestão financeira e de prestação de contas, contri-Café orgânico produzido por agricultores de Araponga (MG)

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buindo para a adaptação da gestão dos processos, fa-cilitando repasses aos projetos e garantindo fluxos cons-tantes de recursos, o que resultou em baixíssimos índi-ces de desvio de finalidade.

Há um consenso também no que se refereaos impactos positivos, gerados pelos projetos apoia-dos pelo PDA, no fortalecimento institucional das or-ganizações parceiras. Porém, da mesma forma, é quaseconsensual que o PDA ainda precisa cumprir a suamissão estratégica, parte central do seu objetivo, rela-cionada com a gestão do conhecimento produzido apartir das experiências apoiadas e da formulação depolíticas públicas baseadas nesses conhecimentos.

Estudos realizados pelo Ministério do MeioAmbiente, Banco Mundial e GTZ (cooperação técnicaalemã) apontam exemplos de sucesso na formulaçãode políticas públicas municipais, estaduais e federais apartir dos conhecimentos gerados pelos projetos doPDA. A experiência da Colônia de Pescadores Z-16 deCametá (PA) proporcionou a implementação de acor-dos de pesca na região do baixo Tocantins, servindocomo referência para a elaboração da InstruçãoNormativa 29 do Ibama, que reconhece os acordos depesca em âmbito nacional1. A Associação Rural Juinensede Ajuda Mútua (Ajopam), localizada em Juína (MT),em função do Projeto Agroflorestal e Consórcio

Adensado (Paca), teve sua pro-posta incorporada aos progra-mas da prefeitura local, levan-do à disseminação dos sistemasagroflorestais em várias comu-nidades rurais daquele municí-pio. A Associação de Preserva-ção do Meio Ambiente do AltoVale do Itajaí (Apremavi), emSanta Catarina, influenciou,com seu projeto apoiado peloPDA, o órgão ambiental do es-tado, que desburocratizou o sis-tema de licenciamento para ouso sustentável de produtosoriundos do manejo de florestassecundárias. O Centro Ecológi-co e o Movimento das MulheresCamponesas da região do lito-ral norte gaúcho estabeleceramimportantes parcerias com o go-

verno estadual do Rio Grande do Sul na elaboração deprogramas de beneficiamento e comercialização da pro-dução agroecológica e de disseminação do uso de espé-cies fitoterápicas para o tratamento de doenças em co-munidades rurais de vários municípios daquele estado.

Os exemplos demonstram que as ca-deias de influência que resultam na for-mulação dessas políticas variam deacordo com as especificidades dos con-textos em que se inserem. Em geral,são as organizações proponentes dosprojetos, a partir do acúmulo de co-nhecimento em suas áreas de atuaçãoe da ampliação de sua capacidade deinterlocução com redes de atores lo-cais, que mobilizam capital político esocial, fazendo com que experiênciaspontuais de sucesso repercutam e en-trem na agenda de movimentos locaise regionais. Assim, pode-se dizer queos processos envolvendo negociação epressão popular acabam gerando di-retrizes, leis, projetos e programas degoverno.

Hoje, após dez anos de caminhada, os maio-res desafios propostos para o programa estão relaciona-dos com: a ampliação da escala de impacto dos projetos,

Criatório de tartarugas em Santarém (PA)

1 Ver mais a respeito no artigo da página 32.

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40 Agriculturas - v. 3 - no 1 - abril de 2006

* Anna Cecilia Cortines:secretária técnica adjunta do PDA

Denise Valeria Lima Pufal:consultora da Cooperação Técnica Alemã

Klinton Senra; Odair Scatolini;Silvana Bastos e Zaré Augusto Brum Soares:

técnicos da Secretaria do PDA

Referências:LITTLE, PAUL E. Projetos Demonstrativos -PDA: sua influência na construção do Pro-ambiente. Brasília: Ministério do Meio Ambiente,2005. 63p.

MELUCCI, A. A Invenção do presente: movimen-tos sociais nas sociedades complexas. Petrópolis:Editora Vozes, 2001.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Secretariade Coordenação da Amazônia. Programa Pilotopara a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil.Subprograma Projetos Demonstrativos, Experiên-cias PDA nº 04. Estudos da Mata Atlântica: avalia-ção de doze projetos PDA. Brasília: Ministério doMeio Ambiente, 2004. 80p.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Secretariade Coordenação da Amazônia. Programa Pilotopara a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil.Subprograma Projetos Demonstrativos, Experiên-cias PDA nº 05. Estudos da Amazônia: avaliaçãode vinte projetos PDA. Brasília: Ministério do MeioAmbiente, 2004. 80p.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Secretariade Coordenação da Amazônia. Programa Pilotopara a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil.Subprograma Projetos Demonstrativos, PDA 5Anos. Uma Trajetória Pioneira. Brasília: Ministé-rio do Meio Ambiente, 2001. 130p.

que na sua grande maioria permanece envolvendo umnúmero pequeno de famílias e/ou comunidades; o au-mento da visibilidade das experiências, em nívelmicrorregional e nacional, que na sua maioria não tra-balha de forma estratégica a gestão do conhecimentoe da informação; e, finalmente, o estabelecimento decanais de comunicação para que esse conhecimentogerado se efetive no aperfeiçoamento e formulação depolíticas públicas.

Novos horizontesConsiderando esses desafios, o PDA, aqui en-

tendido como a Secretaria Técnica e o conjunto deparceiros envolvidos nos projetos, vem avançando naformulação de novas estratégias. Na perspectiva deampliar os impactos e a visibilidade dos projetos emnível microrregional, estamos trabalhando para a arti-culação e integração dos mesmos em “territórios” for-mados a partir da identificação de áreas onde há con-centração de projetos. Esse enfoque será a base para aconstrução das estratégias de monitoria, articulaçãocom outros programas governamentais e intercâmbioentre as organizações envolvidas. A consolidação dosistema de monitoramento e gestão de conhecimentotem por objetivo facilitar a sistematização e dissemi-nação das informações geradas em meio às redes deorganizações da sociedade civil. Além disso, busca es-tabelecer um processo horizontal de produção e difusãode conhecimento, contribuindo para a concretização,articulação e fortalecimento de ações coletivas de ne-gociação de políticas públicas. Por fim, o aperfeiçoa-mento contínuo das estratégias de comunicação devefortalecer os vínculos e a interlocução com outras ins-tâncias de governo.

A consolidação do sistema demonitoramento e gestão deconhecimento tem por objetivofacilitar a sistematização edisseminação das informaçõesgeradas em meio às redes deorganizações da sociedade civil.

Porém, para que esses desafios sejam real-mente superados, é fundamental que as entidades e osmovimentos sociais que participaram do processo deelaboração da proposta do Programa de Projetos De-monstrativos, assim como as organizações que hojesão nossas parceiras na implementação dos projetos,enxerguem-no como um programa estratégico na cons-trução de mudanças no cenário das políticas socio-ambientais locais, estaduais e nacionais, e não apenascomo um mero instrumento de fomento a projetospontuais.

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MARCO referencial em agroecologia.

EMBRAPA, fev.2006. 30p.

O documento é o resultado de um processo em curso naEmbrapa destinado a internalizar o enfoque agroecológicona empresa. Apresenta proposições relacionadas aoembasamento conceitual e metodológico que deverãonortear a continuidade dos debates e das ações práticas,no sentido de fazer avançar a investigação agroecológicanas unidades de pesquisa da Embrapa. Apresenta um qua-dro geral a respeito do atual estágio de desenvolvimentodo enfoque agroecológico na empresa e indica algumaslinhas de pesquisa para que o paradigma agroecológicoseja aprofundado e exercitado na instituição.

CRISE socioambiental econversão ecológica daagricultura brasileira:subsídios e formulaçãode diretrizes ambien-tais para o desenvolvi-mento agrícola.

ALMEIDA, Sílvio; PE-TERSEN, Paulo; COR-DEIRO, Ângela. Rio deJaneiro: AS-PTA, 2001.121p.

Propõe um conjunto dediretrizes ambientais para as políticas públicas voltadaspara a agricultura brasileira. Fundamenta as sugestões emexemplos concretos de promoção da agricultura susten-tável no Brasil e no mundo. Embora o texto tenha sidoelaborado em 1996, por solicitação do Ministério do MeioAmbiente, e muitos outros exemplos de maior alcancesocial e político tenham sido desenvolvidos desde então,o texto mantém a sua atualidade, sobretudo no que serefere à análise crítica sobre os principais elementosconstitutivos da crise socioambiental do mundo rural bra-sileiro e ao elenco apresentado de condições políticas, téc-nicas e metodológicas necessárias para o desenvolvimen-to e a consolidação da agricultura sustentável no Brasil.

POLÍTICA nacional de assistência técnica e ex-tensão rural.

Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA;Secretaria da Agricultura Familiar-SAF; Departamento deAssistência Técnica e Extensão Rural-DATER, 2004. 22p.

Apresenta as diretrizes da nova política nacional de ATERdo governo federal. Inicia com um breve resgate da traje-tória dos serviços oficiais de assistência técnica e extensãorural no Brasil. Em suas orientações conceituais e meto-dológicas, a política propõe uma ruptura com a teoria dadifusão das inovações e com os pacotes tecnológicospropugnados na Revolução Verde. No lugar dessas refe-rências teóricas, propõe a adoção de processos de cons-trução de conhecimentos mediados por dinâmicas parti-cipativas voltadas para a inovação local segundo o enfoqueagroecológico. Trata-se de uma referência indispensávelpara o entendimento da evolução recente dos debatessobre os serviços públicos de extensão rural.

R E G E N E R A T I N Gagriculture: policies andpractice for sustaina-bility and self-reliance.

PRETTY, Jules N. London:Earthscan Publications,1995. tab. 320p.

Com base em evidênciasempíricas, detalhadamentesistematizadas, de mais de50 projetos e programasconduzidos em 28 países,o autor identifica elemen-

tos comuns presentes nas experiências bem sucedidas depromoção da agricultura sustentável e sugere meios parareplicá-las. Simultaneamente, apresenta um conjunto deexemplos concretos de políticas públicas alternativas, queforam implementadas em vários países, com o objetivo deaumentar a escala social e geográfica das práticas de agri-cultura sustentável.

Publicações

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Páginas na internet

www.deser.org.br

O Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais éuma organização não-governamental que congrega diver-sos sindicatos de trabalhadores rurais, movimentos popu-lares do campo, associações de produtores, pastorais liga-das à Igreja e entidades de assessoria dos três estados daregião sul do Brasil. O Deser nasceu da demanda de dife-rentes organizações sociais do campo pela sistematizaçãode informações, elaboração e difusão de análises e estu-dos e produção de pesquisas e assessorias que avancem naimplementação de políticas que melhorem as condiçõesde vida e trabalho da agricultura familiar da região. A pági-na traz uma síntese da história da organização, boletinsinformativos, biblioteca virtual, publicações e links de aces-so para outras páginas ligadas à agricultura.

O Departamento de Agroextrativismo e Desenvolvimen-to Sustentável, ligado ao Ministério de Meio Ambiente,tem por objetivo promover a formulação e gestão de políti-cas públicas, assim como a execução de ações e projetosvoltados para o desenvolvimento sustentável de popula-ções tradicionais, quilombolas, indígenas e produtoresfamiliares, por meio do uso sustentável dos recursos natu-rais, respeitando as especificidades sócio-culturais dessaspopulações. A página possui links com informações das di-versas ações implementadas nessa área. Oferece acesso aousuário sobre o andamento de projetos e subprogramas li-gados ao agroextrativismo na região amazônica.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Susten-tável da Agricultura familiar é um órgão de articulaçãoentre os diferentes níveis de governo e as organizações dasociedade civil para propor diretrizes para a formulação e aimplementação de políticas públicas no que diz respeitoao desenvolvimento rural sustentável, à reforma agrária eà agricultura familiar. Possui documentos sobre os Conse-lhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável(CEDRS) de cada uma das regiões do país. Oferece aces-so às atas de reuniões e resoluções do CONDRAF.Disponibiliza galeria de fotos, notas e artigos sobre otema.

www.condraf.org.br

www.nead.org.br

O Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural éum projeto de cooperação técnica vinculado ao Ministé-rio do Desenvolvimento Agrário (MDA). Promove estu-dos e pesquisas com a intenção de avaliar e aperfeiçoarpolíticas públicas voltadas à agricultura familiar e desen-volvimento rural sustentável. O site traz informações atua-lizadas sobre estudos e pesquisas, políticas de desenvolvi-mento rural, entrevistas, experiências, acompanhamentode processos legislativos, cobertura de eventos, além dedicas e sugestões de textos para fomentar o debate sobreo mundo rural.

www.mma.gov.br/index.cfm?id_estrutura=65

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Eventos

II Encontro Nacionalde AgroecologiaData: 02 a 06 de junho de 2006Local: Recife-PE

O II ENA é um evento organizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Será um espaço deintercâmbio entre representantes de experiências de agroecologia, envolvendo produtores e produtorasrurais, movimentos sociais, organizações não-governamentais, redes estaduais e regionais de agroecologia,pesquisadores, estudantes, entre outros. Será um momento de reflexão visando à proposição de políticaspúblicas favorecedoras da agroecologia e da produção de base familiar.

São objetivos do II ENA:

1) Fortalecer os processos de construção do campo agroecológico e da ANA como sua expressão orga-nizada, tendo em vista:

– Favorecer a intensificação das trocas de experiência, intercâmbios e aprendizado mútuo entre ospraticantes da agroecologia no plano nacional.

– Buscar novos consensos em torno dos princípios orientadores de um projeto alternativo para omundo rural brasileiro.

2) Definir estratégias para a construção de um projeto democrático e sustentável de desenvolvimento,face ao projeto hegemônico do agronegócio, fundado na grande propriedade e no capital agroindustriale financeiro.

3) Discutir estratégias para a elaboração de políticas públicas, a partir do fortalecimento dos movimentossociais e da experiência acumulada pelo campo agroecológico em programas de desenvolvimento local,nos diferentes contextos sócio-ambientais do país.

O II ENA vem sendo preparado em todas as regiões do país, a partir da realização de um conjunto deatividades de âmbitos microrregional, estadual, regional e nacional. Os participantes do evento deve-rão necessariamente estar vinculados a experiências concretas de promoção da agroecologia e estarenvolvidos nas atividades preparatórias em seus estados e regiões. Para mais informações sobre aANA, sobre o evento e seu processo preparatório, visite o site www.agroecologia.org.br.

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1. Os artigos deverão descrever e analisar experiências con-cretas, procurando extrair delas ensinamentos que pos-sam servir de inspiração para outros grupos envolvidoscom a promoção da Agroecologia. Solicita-se que os arti-gos não sejam elaborados em formato de relatórioinstitucional.

2. Os artigos devem ter uma extensão de 1, 2 ou 3 laudasde 2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Artigosque extrapolem essas dimensões não serão analisados.

3. Os artigos deverão vir acompanhados de duas ou trêsilustrações (fotos, desenhos, gráficos), com indicação dosseus autores (fotógrafo, artista gráfico etc) e com as res-pectivas legendas. Todo material gráfico será devolvidoaos autores(as) após a edição da Revista. Se o materialgráfico for enviado em formato digital, solicitamos que osarquivos estejam com extensão JPEG de, no mínimo, 350

Instruções para a elaboração dos artigos dpis para uma ilustração escaneada e uma dimensão late-ral de, no mínimo, 15 cm.4. A citação de nomes comuns de plantas e/ou animaisdeve vir acompanhada do respectivo nome científico. Si-glas devem vir acompanhadas de seu significado.5. Caso julgue necessário, o editor da revista poderá proporuma edição do artigo ou uma solicitação de informaçõescomplementares aos autores(as). Quaisquer alterações pro-postas serão submetidas à aprovação dos autores(as) antesda publicação.6. Os autores(as) deverão informar seu endereço (postal e/oueletrônico) de forma a facilitar eventuais contatos diretos deleitores interessados em conhecer mais a respeito das experiên-cias apresentadas.7. As citações bibliográficas não deverão exceder ao núme-ro de 4 (quatro).8. Os editores se reservam o direito de decidir pela publi-cação ou não do artigo enviado.

Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa latino-americana (editadano Peru) e na Leisa global (editada na Holanda).

Próximo número (v. 3, nº 2)

Tema: Sistematização: aprendizado a partir das práticas

No dia-a-dia, comumente, somos levados pela diversi-dade e intensidade de nossas tarefas. Com isso, pou-co nos dedicamos à reflexão sobre os rumos de nossostrabalhos. Deixamos de valorizar nossas próprias ex-periências como importantes fontes de aprendizado.Aprender com elas apresenta-se como grande desafiopara que possamos qualificar, pouco a pouco, a nossaatuação.Olhar analítica e criticamente para o vivido e experimen-tado é um exercício constante de monitoramento e ava-liação das atividades, necessário para o aprimoramentode qualquer projeto. As sistematizações de práticas con-cretas de instituições, grupos informais, famílias ou mes-mo indivíduos têm sido cada vez mais empregadas paraauxiliar processos de aprendizado coletivo com base emtroca de conhecimentos em intercâmbios e interações

em redes locais e regionais voltadas para a promoção daagroecologia. Esses processos de aprendizado têm-semostrado, ademais, como condição importante para oaprimoramento de capacidades coletivas nos planos téc-nico, metodológico e político.Essas sistematizações têm sido realizadas de inúmerasformas e exploram as experiências por distintos ângulose em diferentes profundidades. O próximo número darevista Agriculturas será dedicado a essa diversidade depráticas metodológicas de sistematização e seus usosefetivos em programas e projetos dedicados ao desen-volvimento agroecológico.

Data-limite paraenvio dos artigos:

01 de junho (Revista Agriculturas)