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9 772177 576008 ISSN 2177-5761 revista bimestral outubro/2011 ano II - núm XIII DOIS ANOS Dois anos de eisFluências por Victor Jerónimo Dois anos onde pusemos as nossas esperanças e o nosso amor à arte da divulgação cultural. Dois anos em que procurámos incansavelmente, oferecer ao leitor o que de melhor há em literatura, pesquisando meios desconhecidos do publico leitor, e enfrentando as dificuldades inerentes a qualquer revista, para obtermos o prazer final da edição que vá agradar a quem nos lê. Podemos parecer presunçosos, mas se analisarmos profundamente cada revista, desde a primeira edição, veremos como a cada edição fomos crescendo, não só na aparência, como no conteúdo. Foi um começar atabalhoado, próprio de qualquer revista nova que se dá à estampa, e somente na continuação se foram firmando os nossos quereres. A Direção da revista eisFluências, bem como os seus autores coadjuvantes, é composta por pessoas que amam a literatura, amam a poesia e as artes em geral e, sobretudo, gostam de partilhar conhecimentos. É na partilha de conhecimentos que reside o maior bem da humanidade e sem essa partilha ainda hoje dormiríamos na idade da pedra. Todos sabemos que a internet nos abriu perspectivas nunca antes imagináveis e que através dela tomámos vários poderes, inclusive o da divulgação literária. Mas muitas pessoas ainda não têm acesso a este bem maior, por isso a eisFluências desde o seu primeiro número preocupou-se em transmitir o conhecimento a pessoas privadas desse acesso, imprimindo cem exemplares para distribuir por órgãos ligados à cultura. Tarefa difícil, se pensarmos que a impressão desses exemplares sai do orçamento familiar de quem faz a revista e, por isso, em Agosto, a revista no seu site lançou a campanha “Doações” . Entretanto, temos tido gratas surpresas, como a de chegarmos a consultórios e vermos várias revistas eisFluências expostas, para quem as quiser ler enquanto espera a solução para os seus males. Certo dia, num consultório, uma pessoa que lia quase que avidamente a revista, comentou connosco (sem saber quem éramos) a utilidade do acesso gratuito à cultura, num consultório onde geralmente só se encontram revistas sem valor cultural. Isso levou-nos a pensar, mais uma vez, que as pessoas têm avidez de cultura e só não acessam a ela porque a selva da cidade não deixa, nem a dispõe em locais de fácil acesso. Aqueles locais onde o público tem de parar obrigatoriamente e onde a maioria das vezes cochila ou vê os defeitos do teto, ou aprecia intimamente o modo de vestir de cada um, sem ter algo mais para percorrer com os olhos, sem ter uma revista que lhe dê algo diferente. Isto é, também, caro leitor, a nossa (vossa) revista eisFluências. A eisFluências procura chegar aonde a cultura não chega e pretende ser um órgão de divulgação, competente e multifacetada, igualmente para estes leitores, da cultura mais afastados. Muito, mas mesmo muito, há a fazer ainda, assim Deus o permita. É com orgulho, muita fé e perseverança que chegámos aqui e queremos continuar, pelo menos com mais um zero à frente do dois, (?) e se a vida não nos permitir, outros que o façam por nós, mas com a mesma seriedade, amor e competência. Contamos consigo, estimado leitor, e para o ano cá estaremos, se Deus quiser, para comemorarmos juntos mais um aniversário. Para todos uma boa leitura Victor Jerónimo Director da revista eisFluências Recife/Brasil Lisboa/Portugal http://eisfluencias.ecosdapoesia.org

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9 772177 576008

ISSN 2177-5761

revista bimestral outubro/2011 ano II - núm XIII

DOIS ANOSDois anos de eisFluências

por Victor Jerónimo

Dois anos onde pusemos as nossas esperanças e o nosso amor à arte da divulgação cultural. Dois anos em que procurámos incansavelmente, oferecer ao leitor o que de melhor há em literatura, pesquisando meios desconhecidos do publico leitor, e enfrentando as dificuldades inerentes a qualquer revista, para obtermos o prazer final da edição que vá agradar a quem nos lê.Podemos parecer presunçosos, mas se analisarmos profundamente cada revista, desde a primeira edição, veremos como a cada edição fomos crescendo, não só na aparência, como no conteúdo.Foi um começar atabalhoado, próprio de qualquer revista nova que se dá à estampa, e somente na continuação se foram firmando os nossos quereres.

A Direção da revista eisFluências, bem como os seus autores coadjuvantes, é composta por pessoas que amam a literatura, amam a poesia e as artes em geral e, sobretudo, gostam de partilhar conhecimentos.É na partilha de conhecimentos que reside o maior bem da humanidade e sem essa partilha ainda hoje dormiríamos na idade da pedra.Todos sabemos que a internet nos abriu perspectivas nunca antes imagináveis

e que através dela tomámos vários poderes, inclusive o da divulgação literária.

Mas muitas pessoas ainda não têm acesso a este bem maior, por isso a eisFluências desde o seu primeiro número preocupou-se em transmitir o conhecimento a pessoas privadas desse acesso, imprimindo cem exemplares para distribuir por órgãos ligados à cultura.Tarefa difícil, se pensarmos que a impressão desses exemplares sai do orçamento familiar de quem faz a revista e, por isso, em Agosto, a revista no seu site lançou a campanha “Doações” .Entretanto, temos tido gratas surpresas, como a de chegarmos a consultórios e vermos várias revistas eisFluências expostas, para quem as quiser ler enquanto espera a solução para os seus males.

Certo dia, num consultório, uma pessoa que lia quase que avidamente a revista, comentou connosco (sem saber quem éramos) a utilidade do acesso gratuito à cultura, num consultório onde geralmente só se encontram revistas sem valor cultural. Isso levou-nos a pensar, mais uma vez, que as pessoas têm avidez de cultura e só não acessam a ela porque a selva da cidade não deixa, nem a dispõe em locais de fácil acesso. Aqueles locais onde o público tem de parar obrigatoriamente e onde a maioria das vezes cochila ou vê os defeitos do teto, ou aprecia intimamente o modo de vestir de cada um, sem ter algo mais para percorrer com os olhos, sem ter uma revista que lhe dê algo diferente.

Isto é, também, caro leitor, a nossa (vossa) revista eisFluências.

A eisFluências procura chegar aonde a cultura não chega e pretende ser um órgão de divulgação, competente e multifacetada, igualmente para estes leitores, da cultura mais afastados.Muito, mas mesmo muito, há a fazer ainda, assim Deus o permita.É com orgulho, muita fé e perseverança que chegámos aqui e queremos continuar, pelo menos com mais um zero à frente do dois, (?) e se a vida não nos permitir, outros que o façam por nós, mas com a mesma seriedade, amor e competência.Contamos consigo, estimado leitor, e para o ano cá estaremos, se Deus quiser, para comemorarmos juntos mais um aniversário.Para todos uma boa leitura

Victor JerónimoDirector da revista eisFluênciasRecife/BrasilLisboa/Portugal

http://eisfluencias.ecosdapoesia.org

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02 | eisFluências Outubro 2011

FICHA TÉCNICA

DirectorVictor Jerónimo(Portugal/Brasil)

Directora CulturalCarmo Vasconcelos(Portugal)

Responsável pela RedacçãoMercêdes Pordeus (Brasil)

Design Gráfico e ComposiçãoVictor Jerónimo

Nosso sítio

Contacto

http://www.eisfluencias.ecosdapoesia.org/

[email protected]

Dois Anos 2009-2011

Conselho de Redacção

Abilio Pacheco (Brasil)Carlos Lúcio Gontijo (Brasil)Humberto Rodrigues Neto (Brasil)Luiz Gilberto de Barros (Brasil)Marco Bastos (Brasil)Petrônio de Souza Gonçalves (Brasil)Rosa Pena (Brasil)

Correspondentes

Alemanha - António da Cunha Duarte JustoArgentina - María Cristina Garay AndradeBielorussia - Oleg AlmeidaBrasil - Elizabeth MisciasciCabo Verde - Nuno RebochoEspanha - María Sánchez Fernández

Revista de eventos, actualidades,notícias culturais, político/sociais, eoutras, mas sempre virada à directrizcultural, nas suas várias facetas.

Propriedade deMercêdes Batista Pordeus BarroqueiroRecife/PE/Brasil

Tiragem: 100 exDistribuição Gratuíta

Divulgação via internet

Depósito legalLEI DO DEPÓSITO LEGAL LEI N° 10.994, DE 14 DEDEZEMBRO DE 2004

Biblioteca NacionalBrasil

ISNN 2177-5761

Carta de Cabo VerdePara a revista eisFluências

JORGE CARLOS FONSECA ELEITO: BASTIDORES “CRIOULOS” DE JOGOS DE PODERpor Nuno Rebocho

Jorge Carlos Fonseca (JCF) tomou posse como quarto Presidente de Cabo Verde, o terceiro desta sua II República, e pela primeira vez o país conhece uma semi-coabitação, sendo certo que o Presidente da República não é da mesma cor política do Governo – se quisermos, não é da cor de qualquer bloco, se bem que tenha sido eleito com o apoio dos partidos da Oposição, o que não faz dele objectivamente, por si só, uma parcela dessa Oposição ao Governo. Pela vez primeira, Cabo Verde tem um poeta (o único surrealista conhecido do país) na Presidência, irmão de um outro poeta, o falecido Mário Fonseca, que esteve para ser presidente do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, no tempo de outro Ministro da Cultura, o arquitecto António Jorge Delgado, do MpD.Dir-se-á que o país conhece, desde a eleição de JCF (21 de Agosto último), a coabitação entre o PAICV – o partido que está no Governo há três mandatos consecutivos – e o MpD, que lidera a Oposição democrática. O Conselho Nacional dos tambarinas (PAICV), que esteve reunido, no primeiro fim-de-semana de Setembro, para lamber feridas próprias causadas nele durante a funesta campanha do seu candidato oficial (Manuel Inocêncio de Sousa), adiou a voz da forte oposição interna por um Congresso extraordinário. Ficou tudo em suspenso até às próximas eleições autárquicas, que serão no fim do primeiro semestre de 2012 – será apenas a transferência para essa data do inevitável dissídio entre duas suas correntes muito personalizadas: uma corrente, a “oficial”, que apoia o Governo de José Maria Neves (JMN) e o candidato claramente derrotado nas urnas (o triste e por enquanto isolado Inocêncio de

Sousa) e outra corrente que aglutina uma dezena de deputados, o ex-Presidente da República (Pedro Pires), o ex-Presidente da Assembleia Nacional (parlamento) e candidato agora derrotado na primeira volta das Presidenciais (com mais de 20 por cento dos votos), Aristides Raimundo Lima, o coordenador da região política mais importante do PAICV (Santiago-Sul) e ex-ministro, Felisberto Vieira. É uma oposição interna com muito peso.No entanto, há que ter em conta que não se prevê que as eleições autárquicas do próximo ano sejam propícias para o Governo de JMN (que tradicionalmente as perde). Mesmo que o PAICV se apresente unificado às urnas, com um programa nacional, com o recurso ao empenho do Estado, tal como terá resultado do seu Conselho Nacional. E o MpD, como é seu hábito e apanágio, desgraçadamente se mostre fragmentado e sem plano nacional, cada candidato a Prefeito por seu lado, num concerto de “chacun se arrange”.Assim sendo, perspectiva-se um combate adiado entre o partido tambarina mitificado, colado a cuspo entre as suas correntes, mais um conglomerado de diversos PAICVs (o de JMN e o de Felisberto). E o MpD, sendo este o que sempre foi: na verdade, uma frente de correntes - a de Carlos Veiga, a de Eurico, a de Jacinto Santos, a de Jorge Santos, a de Agostinho Lopes, e se se quiser, a de JCF e a de Ulisses Correia e Silva, o actual Prefeito da Praia. Tudo isto com vitórias do MpD pré-anunciadas na Praia, na Ribeira Grande de Santiago, em S. Domingos, em Tarrafal de Santiago, no

Sal e em Maio; talvez em Porto Novo, Ribeira Grande de Santo Antão e Brava; possível de recuperar o Paul e pelo menos uma das Câmaras, senão as duas, de S. Nicolau; duvidosos, Santa Catarina de Santiago, S. Vicente, Boa Vista, Calheta de S. Miguel. Santa Cruz estará dependente da capacidade do PAICV aí se manter unido, e mesmo assim…O PAICV parte com um mau handicap: pode perder uma das “novidades” da ilha de Santiago, S. Lourenço dos Órgãos. E pode ver o “inimigo” arremeter no seu baluarte, a ilha do Fogo, agora que o “decano” Eugénio Veiga diz adeus às armas em S. Filipe, desgostoso com a política, depois do Conselho Nacional tambarina não dar guarida à sua tese fundamentalista de que era preciso e urgente afastar os “ratos”.

(continua na página seguinte)

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Ou seja, JMN corre sérios riscos de perder na maioria das 22 Câmaras – a situação de hoje dilatada. Certo e sabido, que Felisberto Vieira, Aristides Lima, Jorge Correia e tutti quanti virão então pedir-lhe a cabeça no partido. Acontece a todos os perdedores.Isto quer dizer que pré-existem todas as razões para que JCF desequilibre a seu favor a balança do poder em Cabo Verde, sem necessidade de queimar os dedos nas batatas quentes. Outros disso se encarregarão. Para JCF, basta sorrisos e as palavras justas. É um jurista e antigo trotzkista, ex-fundador do MpD e seu ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, com sorte, muita sorte. Entalado pelo MpD, pela sua oposição interna, pelo Presidente da República que não é de nenhuma cor política, JMN está condenado a fazer-lhe o jogo.Não se vêem resultados dos paliativos que JMN possa utilizar para conter os seus adversários

internos: o pôr a descoberto as realidades que, ele e os seus, bem conhecem de fraudes e falcatruas eleitorais em que no passado se envolveu grande parte do partido, com destaque para os actuais “críticos”, podem ser tímidas chantagens utilizadas. Porém, as armas dos críticos terão efeitos perniciosos se forem brandidas. Ou seja, a chuva e o bom tempo só calam as armas se estas o quiserem e enquanto estas o quiserem.Será então o inevitável desenlace político na mais democrática das Repúblicas de África, mesmo sem luz, às escuras na maior parte do tempo. É uma fatalidade tão grande como a morte ou os gafanhotos. E as contas são fáceis de fazer.

Nuno Rebocho(Cidade da Praia/Cabo Verde)

CANÇÕES PERIPATÉTICAS(Introdução ao Livro do mesmo nome, de Nuno Rebocho)

Como um ponto o infinito se escondeno rasto do para lá do resto:

é o lastro da linha do horizonte,a alavanca que acciona o gesto.

MAR INQUIETANTENuno Rebocho

diante do mar especo-mee as andorinhas desfrutam as asas do meu silêncio

: o mar são as rochas invisíveismais as turbas passadas para o outro lado

- está aí gente? está aí gente?

e esta europa escorregacomo uísque azedado com pedrinhas de gelo.

dói-nos o joelho do sentimentoenquanto a europa tropeça no novelo

e o mar o que faz? ele está diantee é um caixote vazio

que para lá do mar outra maré outro instante.e a europa entretida aquece de frio

(In "CANÇÕES PERIPATÉTICAS")

A LIÇÃO DAS DORESNuno Rebocho

não desesperemos que sempre um tempoprecede outro tempo e uma sombra

oculta outra sombra. os desassombrostambém murcham como as papoilas

e podem ser tão efémeros mas a chuva os resgata: servem para isso as sementes adormecidas

nos torrões e as vespas que nos viços os sugaram.até os silêncios servem mesmo quando são lágrimas

e as noites são cansaços. as trufastambém se acolhem onde os sobros choram

na lição das dores - que são mestrase tecem os dias felizes

com os fios das saudades. são penélopesentretendo os calendários dos úteros envilecidos.são os regatos que no seu percurso serão mares

e ensinam às bocas a vontade de cantar.

(In "CANÇÕES PERIPATÉTICAS")

NUNO REBOCHO, é o nosso Correspondente na Praia (Cabo Verde), onde reside. Nascido em 1945, em Queluz (Portugal), viveu em Moçambique desde os três meses de idade até 1962. (aí estudou no ginásio). É jornalista de profissão, ex-preso político, escritor, poeta e andarilho – bastou-lhe ter estado preso por cinco anos na Cadeia do Forte de Peniche (por cinco anos, motivos políticos), para recusar ser animal sedentário. Viveu a imprensa regional (Notícias da Amadora, Jornal de Sintra, Aponte, A Nossa Terra, Jornal da Costa do Sol, Comércio do Funchal, entre outros). Foi redactor da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira; das revistas, “O Tempo e O Modo” e “Vida Mundial”; em diferentes diários e semanários; chefe de redacção da Antena 2 da RDP. Colaborador de "Acontece em Sorocaba" (Brasil) e “Liberal” (Cabo Verde). Tem vários livros publicados: “Breviário de João Crisóstomo”, “Uagudugu”, “Memórias de Paisagem”, “Invasão do Corpo”, “Manifesto (Pu)lítico”, “Santo Apollinaire, meu santo”, “A Nau da India”, “A Arte de Matar”, “Cantos Cantábricos”, “Poemas do Calendário”, “Manual de Boas Maneiras”, “A Arte das Putas” (poesia), “Estórias de Gente” (crónicas), “O 18 de Janeiro de 1934”, “A Frente Popular Antifascista em Portugal”, “A Companhia dos Braçais do Bacalhau” (investigação histórica), "Estórias de Gente", "A Segunda História de Djon de Nha Bia", etc. Está representado em diversas antologias e colectâneas em Portugal, Espanha e Brasil. Tem colaborado em inúmeros catálogos para exposições de artes plásticas.Comissariou a Bienal do Mediterrâneo, Dubrovnik (Croácia), em 1999.Actualmente em Cabo Verde, é Assessor de uma Prefeitura.

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04 | eisFluências Outubro 2011

A COCAÍNA DOS PALCOS ILUMINADOSPor Carlos Lúcio Gontijo

Dizem os advogados que a melhor forma de se perder uma causa ganha é exagerar nos argumentos e, infelizmente, a decantada sociedade moderna resolveu assim proceder. Os Estados Unidos, país de economia hegemônica no mundo, que se coloca como cão de guarda da liberdade e da democracia no planeta Terra, vêm nos demonstrando que justiça boa ou mais eficaz é aquela que fazemos com nossas próprias mãos – sem julgamento, sumária e raivosamente, ao feitio do antigo faroeste, a exemplo do que ocorreu no desfecho do caso do terrorista Bin Laden. O culto ao grotesco, à incivilidade e à ausência de diálogo ganha cada vez mais espaço em todas as atividades e relacionamentos humanos, não se salvando nem mesmo o processo cultural, onde a receita de sucesso é sempre manter o público em estado de choque, ligado na tomada dos Rock in Rio da morte de Severinas (e Severinos) sem vida e bastante sofridas como em livro do renomado escritor João Cabral de Melo Neto. O amigo escriba Ádlei Duarte de Carvalho, autor do romance “Triângulo Vermelho”, ao qual tivemos a honra de prefaciar, costuma dizer, a quantos lhe chegam para falar sobre poesia, que “nunca leu um bom poema que apenas lhe retratasse a alma ou a vida do poeta. Bom poema é aquele que me faz pensar sobre mim mesmo”. Da nossa parte, estamos com Ádlei, e vamos mais longe: tudo o que realmente tem valor e contribui para o crescimento espiritual do ser humano advém de visão coletiva e não do individualismo exacerbado. Convivência em sociedade requer integração, como grafamos na contracapa de nosso romance “O Contador de Formigas”: No palco solidário da arte do amor e da vida em parceria não há espaço para os que optam pelo egoísmo da carreira-solo. Atravessamos um período em que todos andam em busca de fama e notoriedade, como se não bastasse aos indivíduos a simples constatação de ser bem-sucedido ou se ver reconhecido como bom e eficiente profissional. Todos querem o brilho dos holofotes dos meios de comunicação e, em muitos casos, extrapolam os limites de suas próprias áreas de atuação. É por essas e outras que, atualmente, instituições exponenciais, como o Judiciário e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), se nos têm apresentado como uma espécie de partido político, fenômeno que há muito contamina as nossas mais poderosas empresas jornalísticas, provando-nos que inconfessáveis interesses particulares ou de cunho corporativista não redundam em qualquer benefício salutar para a coletividade. O exercício do governo pelo governo, da política pela política, da justiça pela justiça, da arte pela arte, da cultura pela cultura e da poesia pela poesia se perdem em si mesmos e deságuam em exageros que a nada servem. Muito pelo contrário, a tudo desservem ao tomar a decisão de proceder como agentes que ousam negar valores sociais indispensáveis, menosprezar a criatividade e distorcer o conceito estético da arte, então transformada em produto meramente comercial e incapaz de preencher os vazios da alma humana perdida na enganadora cocaína das vitrines e palcos iluminados expostos em meio à violência de ruas e avenidas Brasil afora.

Carlos Lúcio GontijoPoeta, escritor e jornalistawww.carlosluciogontijo.jor.br

CALOCarlos Lúcio Gontijo

Em solidão, os mortos no cemitérioSolitários, os vivos na multidão

O rosário é vão na falta de féCada qual com o seu calvárioTudo é igual em desigualdade

Às vezes se vive sem vidaE atormentados pela ferida abertaPerdemos a chance da descoberta

De que é a lágrima que irriga o caminhoMais vida há no calo que aperta

Flor que mais prospera tem espinhoConquista fácil perde a graça

Fruto bom é de árvore escassaPois o que vem sem esforço é breve

Nesta vida em que tudo passa!

MORMAÇO DE ESTRELACarlos Lúcio Gontijo

Em tarde de outono perdida no tempoAo vento desfolhavam as árvores da vida

Caminhos reclamavam-me passosQuando ir em frente já nem sabia

E era profundamente fria a solidãoDe repente, envolta em mormaço de estrela

Você instala-se em meu último pedaço de céuAbre-me janelas de luzes esvoaçantes

Amante, olhei-as nos olhosFeliz diante do novo país sentimental

Descobri discos-voadores, espiritualidade, dimensõesPreso em liberdade em seus jardins

Bebendo suas resinas de esperança naturalFui dobrando suas esquinas

E nunca mais voltei pra mim...

Poeta, escritor e jornalista, Carlos Lúcio Gontijo reside em Santo Antônio do Monte/MG. É membro da ALB-MARIANA, na qual ocupa a cadeira número 15 (Bueno de Rivera); integra a entidade cultural internacional Poetas del Mundo; é membro da AVSPE, da ACDSAL e da ALTO. Premiado com o troféu Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 05/06/2010). Foi presidente da Associação Mineira de Imprensa (AMI-Belo Horizonte/MG) e dá nome à Biblioteca do Instituto Maria Angélica de Castro (IMAC) e à Biblioteca Comunitária do Bairro Flávio de Oliveira, em Santo Antônio do Monte. O seu romance Cabine 33 foi indicado e adotado em dois vestibulares da Faculdade de Administração de Santo Antônio do Monte (FASAM).Foi contemplado com a “Comenda do Grande Oriente do Brasil-RJ”, pela Academia Maçônica de Artes, Ciências e Letras do Rio de Janeiro. Detém o “Prêmio Mérito Literário Poeta Antônio Fonseca”, elevada e significativa honraria instituída pela Academia Betinense de Letras (ABEL), prestigiada entidade cultural da cidade de Betim/MG. É cidadão honorário de Contagem/MG. Trabalhou durante 30 anos no jornal DIÁRIO DA TARDE, onde chegou às funções de supervisor de revisão, articulista, editorialista, subeditor e editor de Opinião. Mantém no ar o site “Flanelinha da Palavra” no qual disponibiliza toda a sua obra literária -

14 livros.

É o novo membro do Conselho de Redação da Revista “eisFluências”.

www.carlosluciogontijo.jor.br

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eisFluências Outubro 2011 | 05

NOTÍCIAS

A Revista eisFluências parabeniza o seu prezado Membro do Conselho de Redacção, Poeta e Escritor CARLOS LÚCIO GONTIJO que, por indicação da Academia de Letras do Brasil-Mariana (ALB-MARIANA), recebeu a outorga da COMENDA GRANDE ORIENTE DO BRASIL-RJ, pela Academia Maçônica de Artes, Ciências e Letras do Rio de Janeiro. (Mariana/MG - 24/09/2011).

MÉRITOCarlos Lúcio Gontijo

Não há magia na luz do acontecerRevolucionário não se perde em mágoa

Todo amanhecer tem seu prepararPois Deus somente salga a águaApós seu encontro com o mar...

Fliporto/2011

A segunda melhor festa literária do Brasil, está quase aí; a VII edição da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto) de 11 a 15 de Novembro de 2011.O Fliporto nasceu em 2005 em Porto de Galinhas e atualmente a festa é em Olinda.Na sua primeira edição foi dedicada a Ascenso Ferreira e este ano é dedicada a Gilberto Freyre.Grandes nomes da literatura internacional vão estar como convidados nas festas do Fliporto e este ano temos a abrir a festa o indiano Deepak Chopra. Prossegue com a participação de Derek Walcott, prêmio Nobel de Literatura de 1992, e o venezuelano Fernando Baéz. Entre os brasileiros confirmados, destaque para Fernando Morais, Marcos Vilaça e Ryoki Inoue, considerado por Alexandre Garcia (Rede Globo) como o Pelé da literatura, com mais de mil livros publicados, um recorde do Guiness Book. Este ano, chega também a Fliporto Nova Geração, dedicada aos jovens, e a ECOFliporto, com o tema “Pernambuco: Jardim dos Baobás”. Com um investimento de cerca de R$ 3,5 milhões, os organizadores esperam reunir um público de 80 mil pessoas, nos cinco dias de festa.Encerra dia 15 no feriado da Proclamação da República. A Fliporto é, atualmente, a segunda feira literária do Brasil, perdendo apenas para a de Paraty. Fliporto de 11 a 15 de Novembro em Olinda, Pernambuco, Brasil.

Victor Jerónimo____________(fontes consultadas: )____________ Veja as reportagens dedicadas aos poetas e escritores pernambucanos em

www.carlosluciogontijo.jor.br

http://www.pernambuco.com e http://fliporto.net/

http://ecosdapoesia.org/reportagem/index.htm

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06 | eisFluências Outubro 2011

FELICIDADES ROSA!Por Rosa Pena

O fogo, esse fogo remoto infinito.Um vento vindo do acaso é o suficiente para reavivar a chama, para reacender o pavio. É como se as mãos de um guri se tornassem as sábias mãos do pai. É nesse instante que tudo que sempre existiu na vida se transforma em novidade no coração. É o renascimento das emoções herdadas de Shakespeare, de Drummond, de Vinicius, que chegaram até a mim e me fazem seguir sempre, ainda que agora um pouco mais devagar. Meus passos atualmente não são tão sôfregos como dantes. Mas sigo!Bolos de aniversários. É claro que a chama inúmeras vezes chamuscou meus dedos! Parabéns, parabéns, parabéns! Mesmo que em vários bolos tenham tido fatias de dor, assim como algumas das velas que assoprei estavam acesas de saudades, apesar dos lugares vagos nas ceias de natal, do aumento da azia, das lágrimas derramadas em mil situações, até em propagandas de celular, dos momentos de total escassez lírica... Eu segui. Quantas vezes eu busquei nas fotos amareladas de meus pais ou no rosto de minha filha o tema e a rima para dar um sorriso poema? Se eu disser “mais um ano se passou” vai parecer música, mas passou sim e meu aniversário está ai novamente e eu até ainda pouco insistia em dar volta no tempo.Descobri com o zíper do meu vestido preto "tudo de bom" que o meu quadril é de mulher em total climatério (do tamanho da entrada do cais do Porto) e resolvi parar de brigar com o tempo. Estou menos inocente, com risadas mais escassas, com medo do sol (agora uso filtro solar), com obrigação de queimar calorias e parar de queimar neurônios! Agora já sei que o pileque é mais leve, o beijinho mais suave, o cafuné é o substituto, a TV fica mais tempo ligada, o som é bem mais baixo, o frio e o calor são mais intensos e o fecho do vestidinho não vai subir nem que a vaca tussa. Agora é estação de espera, mas daquela que vira esperança. Sim! Virão os rostinhos ansiosos, as risadas límpidas que pegarão a tocha, pois o fogo jamais acaba. Disse no início: É infinito... Só muda de mãos. Ah! Que vontade imensa de fazer castelinhos na areia, contar que a bela furou o dedo mais acordou com um beijo, que o patinho não era tão feio. Ah! Que vontade incomensurável de ouvir: -Vovooooooooooooooooooooó!!!!!!!!!!!!!!!O fecho do vestidinho fechará direitinho na dona dessa voz. Tem muita coisa bonita pela frente para viver. Ela chegou! Felicidades Rosa!

Rosa Pena

DESABAFOPor Rosana Jatobá

Na fila do supermercado, o caixa diz uma senhora idosa:- A senhora deveria trazer suas próprias sacolas para as compras, uma vez que sacos de plástico não são amigáveis ao meio ambiente. A senhora pediu desculpas e disse: - Não havia essa onda verde no meu tempo.O empregado respondeu: - Esse é exatamente o nosso problema hoje, minha senhora. Sua geração não se preocupou o suficiente com nosso meio ambiente. - Você está certo - responde a velha senhora - nossa geração não se preocupou adequadamente com o meio ambiente. Naquela época, as garrafas de leite, garrafas de refrigerante e cerveja eram devolvidos à loja. A loja mandava de volta para a fábrica, onde eram lavadas e esterilizadas antes de cada reuso, e eles, os fabricantes de bebidas, usavam as garrafas, umas tantas outras vezes. Realmente não nos preocupamos com o meio ambiente no nosso tempo. Subíamos as escadas, porque não havia escadas rolantes nas lojas e nos escritórios. Caminhamos até o comércio, ao invés de usar o nosso carro de 300 cavalos de potência a cada vez que precisamos ir a dois quarteirões.Mas você está certo. Nós não nos preocupávamos com o meio ambiente. Até então, as fraldas de bebês eram lavadas, porque não havia fraldas descartáveis. Roupas secas: a secagem era feita por nós mesmos, não nestas máquinas bamboleantes de 220 volts. A energia solar e eólica é que realmente secavam nossas roupas. Os meninos pequenos usavam as roupas que tinham sido de seus irmãos mais velhos, e não roupas sempre novas.Mas é verdade: não havia preocupação com o meio ambiente, naqueles dias. Naquela época só tínhamos somente uma TV ou rádio em casa, e não uma TV em cada quarto. E a TV tinha uma tela do tamanho de um lenço, não um telão do tamanho de um estádio; que depois será descartado como?Na cozinha, tínhamos que bater tudo com as mãos porque não havia máquinas elétricas, que fazem tudo por nós. Quando embalávamos algo um pouco frágil para o correio, usamos jornal amassado para protegê-lo, não plastico bolha ou pellets de plástico que duram cinco séculos para começar a degradar. Naqueles tempos não se usava um motor a gasolina apenas para cortar a grama, era utilizado um cortador de grama que exigia músculos. O exercício era extraordinário, e não precisava ir a uma academia e usar esteiras que também funcionam a eletricidade.Mas você tem razão: não havia naquela época preocupação com o meio ambiente. Bebíamos diretamente da fonte, quando estávamos com sede, em vez de usar copos plásticos e garrafas pet que agora lotam os oceanos. Canetas: recarregávamos com tinta umas tantas vezes ao invés de comprar uma outra. Abandonamos as navalhas, ao invés de jogar fora todos os aparelhos 'descartáveis' e poluentes só porque a lámina ficou sem corte.Na verdade, tivemos uma onda verde naquela época. Naqueles dias, as pessoas tomavam o bonde ou ônibus e os meninos iam em suas bicicletas ou a pé para a escola, ao invés de usar a mãe como um serviço de táxi 24 horas. Tínhamos só uma tomada em cada quarto, e não um quadro de tomadas em cada parede para alimentar uma dúzia de aparelhos. E nós não precisávamos de um GPS para receber sinais de satélites a milhas de distância no espaço, só para encontrar a pizzaria mais próxima. Então, não é risível que a atual geração fale tanto em meio ambiente, mas não quer abrir mão de nada e não pensa em viver um pouco como na minha época?

Sobre a autora Rosana Jatobá :De Salvador é uma jornalista brasileira. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia. Já foi analista processual da Procuradoria Regional do Trabalho na Bahia). (Divulgação de Rosa Pena)

www.rosapena.com

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eisFluências Outubro 2011 | 07

HITCHCOCK: “SOMOS MAUS”Por Humberto Rodrigues Neto

Alfred Hitchcock, famoso cineasta anglo-americano, arte em que se especializou na produção de grandes filmes de suspense, foi, certa vez, entrevistado num programa norte-americano de televisão, no qual, além de ser criticado por produzir filmes de tensão nervosa, quando a própria vida real já nos traz em constante tensão, foi, também, asperamente verberado pelo fato de suas produções apresentarem cenas de violência e não nos oferecerem quaisquer ensinamentos ou lições de fundo moral, como seria justo exigir de toda obra escrita, televisiva ou cinematográfica.Em resposta, disse à entrevistadora que colocava no mercado aquilo que o público gostava de ver, ou seja: violência, intriga, envenenamentos, mistério, proporcionando, assim, uma forma de entretenimento.Foi, então, contestado pela jornalista, a qual asseverou estar ele generalizando ao classificar todas as pessoas como inclinadas à violência, à intriga, às ações desonestas, etc.Não só lhe afirmo isto - respondeu ele - como provo à senhora que quase todos nós, por força de nossa falha constituição humana, somos imperfeitos e ainda trazemos dentro de nós aquela propensão de indiferença e até mesmo de prazer pelo sofrimento do próximo. Como houvesse contestação, Hitchcock desfiou uma série de argumentações em defesa de seus pontos de vista:- Qual a reação que temos ao ver alguém tropeçar na via pública e ir ao chão, principalmente em se tratando de uma pessoa jovem? O riso, não é mesmo? Ora, isso demonstra menosprezo pela sorte do próximo.- Nossa reação já não é a mesma diante da queda de um animal atrelado a uma carroça, provando que temos mais apreço por um irracional do que por um semelhante. - Que acontece conosco ao ver um incêndio? Corremos para lá, maravilhados por ver o fogo destruindo propriedades particulares. É estranho o fascínio que o fogo exerce sobre nossos sentimentos inferiores. E sentimos até um gostinho de frustração quando vemos o fogo começar a ceder ante a luta dos bombeiros, roubando-nos a expectativa de assistirmos a um grande espetáculo. - Veja-se, por exemplo, com que satisfação presenciamos uma briga na via pública ou uma turba de pessoas enfurecidas depredando prédios ou veículos! Se a polícia surge, torcemos, não para que ela consiga serenar os ânimos, mas para que leve a pior na pancadaria. - Embora haja pessoas que já conseguiram sofrear tais sentimentos, a verdade é que elas constituem uma minoria insignificante, pois quase todos ainda trazemos, dentro de nós, aquela inclinação inata para apreciar o que é mau.- Ora, nos meus filmes, eu procuro exibir aquilo que o público já traz dentro de si e que gosta de ver reproduzido na tela, usando do mesmo argumento de que se utilizou o autor da história infantil “Joãozinho e Mariazinha”, pois toda criança, por tenra que seja a sua idade e por mais bem formado que possa ser o seu caráter, adora ver a horrível bruxa manter duas crianças presas numa gaiola; excita-se ao ver a terrível megera polir o enorme caldeirão onde deverá assá-las; goza intimamente ao vê-la destacar, dia a dia, a folhinha do calendário, na aproximação do dia fatal; sente aquela satisfação interior de vê-la alimentá-las dia a dia e beliscá-las de quando em vez para verificar se já estão gordinhas para o sacrifício, e vai por aí afora.

Desnecessário se torna enfatizar a repercussão de tal entrevista nos meios televisivos americanos.

Humberto Rodrigues NetoS.P/Brasil

CÂNTAROHumberto Rodrigues Neto

Com que amor a campônia vai, cedinho,com o jarro à fonte, a enchê-lo de água pura!

E volta, e a distribui, toda candura,aos seus, na paz tranqüila de um ranchinho.

Faz do exemplo trivial dessa figuraum rumo a palmilhar no teu caminho;

em ânfora de amor, não de água ou vinho,converte essa tua alma hoje insegura.

Nos vácuos desse cântaro, hoje frios,despeja o bem que possas e vê quantoé lindo o amor sem pompas e atavios!

Que o amor que dele vertas seja tanto,que dê pra encher mil cálices vaziosde amargos corações em desencanto!

SP/Brasil

CONTRA-SENSOHumberto Rodrigues Neto

Quem dera, oh... Deus, o ser humano fossemais fraternal e mais cristão, de sorte

que não herdasse o instinto de Mavorte,contrário à vida, que é tão bela e doce!

Quanta alma pura fez de Ti o suporte,e ao mal que nos judia contrapôs-se!

Quanta alma vil, de Ti distante, pôs-sea criar engenhos de tortura e morte!

Estranha grei de gênios e estafermos,num conúbio de crentes com pagãos,

eis o que é o homem nos exatos termos!

Sujeito a instintos nobres ou malsãos,concebe a Ciência pra salvar enfermose inventa a Guerra pra matar os sãos!

SP/Brasil

CARTAZ PARA UMA FEIRA DO LIVRO

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.

(Mário Quintana)

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08 | eisFluências Outubro 2011

Encerramento do Vice-Consulado de Frankfurt edo Posto de Osnabrueck - Um Escândalo

por António da Cunha Duarte Justo

Os gastos com os nossos ricos das Embaixadas e dos Ministérios são tabus

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal determinou encerrar o Vice-Consulado de Frankfurt, e o Posto de Osnabrueck, já no próximo mês de Dezembro. O Posto de Frankfurt, tem uma basta área geográfica que abrange três Estados federados da Alemanha.Há dois anos o Consulado-Geral de Frankfurt foi reduzido a Vice-consulado para se possibilitar o Posto de Osnabrueck.

O argumento agora apresentado para extinguir o Posto de Frankfurt é a poupança. Também a poupança requer ser feita com inteligência e eficiência, ou segue-se o princípio de extinguir os locais onde se espera menos resistência política.Deparamos com uma poupança atabalhoada que não contempla um programa racional de poupança eficaz nem pondera a possibilidade dum serviço à comunidade com menos custos. Delibera-se, autoritariamente, sem um plano eficiente de poupança racional a efectuar e sem uma estratégia como atingir os objectivos da poupança determinada mantendo o máximo de serviço à comunidade com a verba reduzida.

Facto é que não pode despedir o pessoal e a sua transferência vai criar grandes dificuldades às comunidades de portuguesas por ele servidas. Em Frankfurt, tal como noutras representações diplomáticas, poder-se-ia diminuir drasticamente os pesados encargos com aluguer de instalações e talvez com outras poupanças a nível interno de maneira a os funcionários continuarem a manter o serviço aos utentes. Podiam manter-se locais de serviço fazendo funcionários deslocar-se a outros postos carentes de pessoal… Frankfurt é uma zona rica e o centro das finanças da EU. Enquanto outros países procuram manter o contacto com este centro europeu, Portugal despede-se dele.

Porque não se diminuem as repartições onde moram os ricos começando pelas embaixadas e serviços altos do Estado? Almeida Garrett constatava já: “E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?” Portugal poupa mal e nos lugares falsos.

Portugal paga 60.000€ mensais pelo aluguer do alojamento em Berlim

Portugal pretende manter o Brilho da Embaixada à custa de Serviços consulares. Embora possuindo um terreno em Berlim, no Estado português paga 29.894,93 euros de aluguer pelas instalações da Embaixada e 12.782,30 euros pela residência do Embaixador, num total mensal de 42.677,23 euros, como referia já o Portugal Post em 2008. Agora com a repartição de turismo a conta subiu, pelo que consta, para a 60.000 € mensais. Não se refira já os gastos com mensalidades a dignitários da Embaixada com ordenados mastodônticos e carros ao serviço, cujo trabalho poderia ser garantido com despesas módicas. De consciência embaçada, vivem bem nos seus guetos discretos e imperceptíveis à comunidade e à sociedade alemã, gastando o dinheiro que a Nação não tem. Portugal para ser humano e moderno terá de racionalizar os gastos com a sua vaidade, com os que vivem para lá da barreira do povo e não apenas com os que trabalham directamente com ele. O povo já é demasiado pobre. A crise não se resolverá porque o problema está em manter os nossos ricos da sociedade e do Estado.

Se em tempos de guerra não se limpam armas, porque se não reduzem também os consulados de Hamburgo, Düsseldorf e Estugarda a vice-consulados? Mantinham-se os serviços sem nenhum prejuízo para a produtividade. Com o dinheiro poupado nestes cargos honoríficos improdutivos tapar-se-iam buracos sem abrir outros. Se um vice-cônsul é um trabalhador um Cônsul é um senhor! Estes justificam-se só a nível excepcional. O único critério da sua sustentabilidade deveria ser o que conseguem, em cifras, obter para Portugal.Também não se conhece nada do que terão feito os cônsules de Estugarda, de Dusseldorf e de Hamburgo, o que, a seguir a mesma lógica, também estes deveriam ser reduzidos a vice-consulados, destinando-se as centenas de milhares de euros anualmente poupados na promoção das actividades associativas e cívicas em torno do consulado ou para os fins da poupança.

Fazer dos Consulados e das Embaixadas Casas da Porta Aberta de Portugal

Uma política de reestruturação consular e das embaixadas (destas ninguém fala!…) terá que assentar em dados científicos e numa política prospectiva que tenha em conta uma acção programática portuguesa a curto prazo para os próximos 10 – 20 anos. Os vice-consulados terão de se tornar em Centros da Porta Aberta, em Casas de Portugal onde se realizam as mais diferentes actividades.Os funcionários dos postos deveriam ter competência para estabelecerem ligações comerciais e industriais com empresas alemãs de modo a cativar investimento para Portugal. Para isso o Estado português teria de saber o que quer, não se podendo limitar a medidas cosméticas, reagindo a interesses parciais instalados.A economia e a cultura serão os determinantes do futuro. As Casas de Portugal terão de se tornar biótopos, viveiros de toda a vida das regiões onde se encontram os portugueses. Portugal não se torna caro com os funcionários que servem directamente o povo; Portugal é pobre pelos custos que tem com uma alta burocracia parasitária improdutiva.

Não chega criar “condições para responder às solicitações” dos utentes; é preciso antecipar-se a elas e aos instalados no sistema. Precisa-se dum novo perfil de pessoal das embaixadas e de postos consulares (verdadeiras Casas de Portugal). Apesar da “revolução” as embaixadas resistiram aos ventos da mudança.Uma democracia, se de facto o é, deverá pedir contas aos seus representantes.

Os Embaixadores, os conselheiros de embaixada, os cônsules, vice-cônsules, deveriam tornar público um plano bienal que mostre o programa a realizar concretamente por eles. Naturalmente que de dois em dois anos deveria ser apresentado um relatório do que fizeram ou deixaram de fazer e porquê. Assim a comunidade adulta poderia controlar o que os seus “servidores” fazem e intervir no sentido de se promover Portugal em vez de viver à custa dele.

(continua na página seguinte)

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eisFluências Outubro 2011 | 09

A comunidade civil tem o direito de saber o que os seus mais altos funcionários fazem. A um professor, que ganha um quarto ou até menos dum quinto do que muitos destes senhores recebem, exigem-se relatórios irracionais e àqueles deixa-se andar à vontade com relatórios internos feitos para contentar a administração e sem um mínimo de controlo de eficácia.

Como poderá Portugal permitir que pessoas ocupem cargos administrativos improdutivos e recebam do erário público mais de dois mil contos por mês sem apresentarem contas do que fazem à comunidade civil?/n É pena que a grande maioria suje a veste de alguns poucos. /nIsto escandaliza e torna ridículas as medidas que o MNE toma.A reestruturação dos consulados terá de ser mais radical a nível de concepção, de estratégias, de perfil do pessoal e de excussão. Antes porém deveria começar-se pelas Embaixadas, verdadeiros absorvedores dos dinheiros públicos. Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, não se deixe atemorizar pelos boys da sua casa grande. Não actuar é beneficiar a praga dos gafanhotos. Eles comem tudo e não deixam nada.Todos estamos dispostos a contribuir para restabelecer a honra enxovalhada da nação. Queremos porém que os que nos conduziram a esta situação não sejam indulgenciados como continuam a ser.

(Envio este texto também ao Senhor Primeiro Ministro e ao senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros.)_______________

Em 27/Setº/2011António da Cunha Duarte Justo(Conselheiro Consultivo do Vice-Consulado de Frankfurt)

CHEIRO DE CAFÉPor Abílio Pacheco

Não há nada que mais me pareça com a crônica que o cheiro do café.É uma metáfora olfativa, sinestésica; não deveria explicá-la. Fico tentado a encerrar o texto por aqui. Continuo. Afinal posso até escrever contos curtos, mas ainda não optei por treinar as crônicas curtas, embora elas pareçam correr no meu dia a dia. Quem sabe eu tente ainda escrevê-las.O cheiro do café: matutino, fresco, suave, de leve amargor… Caminhando pelo condomínio pela manhã, fazendo academia, assistindo ao noticiário matutino ou tentando se fechar do mundo num escritório/gabinete é sempre esse gostinho que chega às narinas trazendo um novo dia, as novidades do dia. Mesmo os barulhos da cidade chegam com o café e, antes dele, o seu cheiro.A crônica seria esse agradável sabor de fragrância noviça e breve. Relativamente pontual e tão ligada ao presente. Logo surgindo e logo esvaecendo, mas sempre retomada.A crônica, a despeito de ser chamada gênero menor, tem seu mistério. Mesmo quem não gosta de café, gosta de seu cheiro, mesmo quem não aprecia literatura ou não tenha hábito de ler, curte uma crônica. Se bem usada, a crônica traz para literatura o leitor iniciante, como o cheiro do café chama para a mesa, convida para uma boa conversa e, mesmo não o bebericando, a mesa fica rodeada e o diálogo flui.A crônica, atrativa… logo o leitor prova de toda literatura: haicais, sonetos, poemas mais longos, contos, romances…

PRIORIDADE – PRIORIDADESPor Abílio Pacheco

Esta é uma crônica inútil, do tipo chover no molhado. Mas quem disse que a crônica precisa ter utilidade? Ou que ela precisa trazer novidades? Crônica, já disse o que penso sobre ela no meu 'cheiro de café', vem de 'cronos' (tempo). É, portanto, ligada ao presente, ao hodierno. Mesmo que se considere inútil e redundante, ela é deveras necessária.As leis que determinam o atendimento preferencial representam um avanço no pensamento brasileiro e um progresso jurídico em relação ao respeito à(s) parcela(s) da sociedade contemplada com as prioridades. Mas tem algum leitor por aí que não tenha uma, umazinha sequer, história de desrespeito ao atendimento prioritário? Ou mesmo falta de lógica no que se refere à prioridade? Disse que era chover no molhado, lá vai água:

Já vi caixa dizer para idoso que a prioridade é no subsolo, estando o cliente no terceiro andar. Já vi pessoas dizerem (isto foi num aeroporto) que não cederiam a vez no auto-atendimento bancário à mãe com a criança no colo, pois já estavam esperando há muito tempo. Já vi pessoa reclamar que gorda não tem prioridade, duvidando da gestação de uma cliente preferencial.O campeão de desrespeito talvez seja mesmo o transporte urbano. Não vou dar nenhum exemplo senão esta crônica vai virar uma ficha corrida. A coisa é feia tanto nos pontos de ônibus como dentro dos veículos e piora se for um transporte alternativo. Advogar a favor da pessoa que tem direito, então, é coisa que não se faz nestes espaços públicos. Afinal, você o que que você com isso?Não para por aí, não. Tem uns locais de atendimento ao público em Belém que – atendendo a lei – reserva algumas atendentes para as prioridades. Entretanto, se o cliente chegar e tirar uma senha de prioridade e uma senha para atendimento comum no mesmo instante, a senha comum é, na maioria das vezes, chamada antes. Não entendi! Para quê prioridade neste caso?Aliás, tem outra coisa que ainda não entendi nos tais caixas preferenciais para atender às prioridades. Eles servem para quê mesmo? Seria perfeitamente justificável se houve um atendimento diferenciado, se esses caixas tivessem um treinamento que os distinguisse dos demais, se eles tivessem melhor preparo para atender, por exemplo, um idoso que chega atrapalhadinho com cartão, senha, opções de “crédito ou débito?”. Uma curiosidade é que – não sei por aí, nesses outros brasis, mas nestas plagas – os atendentes desses caixas em geral são mais estressados, mais aborrecidos, mais impacientes. Deve ser isso mesmo, são escolhidos a dedo para punir o cidadão que conquistou esse direito – pelo visto – inaceitável aos demais.

Podemos ter avançado nas leis que se referem ao atendimento, mas ainda tem muito brasileiro estagnado por aí.

Belém, BrAbilio Pacheco, professor, escritor

http://antonio-justo.eu/

www.abiliopacheco.com.br

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10 | eisFluências Outubro 2011

Visita del Papa a Españapor

Es hermoso ver en estos tiempos tan conflictivos que vivimos, cómo la juventud también sabe dar un ejemplo de paz, de concordia y hermandad uniéndose en un abrazo de solidaridad y amor en nombre de Jesús de Nazaret.El pasado mes de agosto se vivió en Madrid un acontecimiento memorable ya celebrado con anterioridad en varias ciudades del mundo. Se vivieron con intensidad, bajo el abrazo siempre abierto de S.S. el Papa Benedicto XVI, unas jornadas de fraternidad y alegría bajo un sol abrasador que no dejó empañar el gran entusiasmo e ímpetu juvenil de todos lo allí congregados.

Madrid era un hervidero de jóvenes de todas las razas y culturas cuyo objetivo era la unión de los pueblos por el lazo del amor.Seguí por televisión todos los actos, pero el que más me emocionó, hasta hacerme llorar, fue el gran Vía Crucis.Nunca vi más devoción, entrega y amor en unas personas que apenas asomaban a la vida y que querían seguir paso a paso el camino del Calvario; el camino que Cristo recorrió hasta llegar al Gólgota.Grupos de diez o doce jóvenes de ambos sexos se turnaban en cada estación, con una disciplina ejemplar, pasándose la gran cruz que llevaban alzada sobre sus hombros. Iban austeros, conmovidos, sabiendo el gran ejemplo de unión

que en esos momentos estaban dando al mundo entero.Cada estación del Via Crucis estaba representada por valiosas imágenes de varios puntos de España. Úbeda fue elegida y representó con orgullo en la VI estación una joya de nuestra imaginería: Nuestro Padre Jesús de la Caída del escultor valenciano Mariano Benlliure. Para mi fue muy emocionante ver como se estacionaban los muchachos ante la imagen que todos los años vemos procesionar en nuestra Semana Santa y cómo se rezaba y se cantaba por una gran coral y orquesta la VI estación del Via Crucis.Las jornadas terminaron con alegría y recogimiento con la esperanza de que por siempre sigan adelante y nuestros jóvenes del mundo nos den ejemplo a los mayores con su altruismo y deseos de Paz.

María Sánchez Fernández

Jesús en sus tres caídas

¡Cómo debe pesarte ese madero!¡Cómo deben punzarte esas espinas!

¡Ay, Dios!, así, caminas y caminasderramando tu vida en el sendero

de dolor y vergüenza, y por entero,en actitud humilde Tú te inclinas,

te derrumbas, te yergues, te iluminas,cumpliendo tu destino verdadero.

¡Ay, Señor! ¡Esa cruz que te laceray te abate y te priva los sentidos!Ya has caído tres veces agotado.

Yo quisiera, Jesús, en mi sincerapiedad ser Cireneo, los latidos

de mi ser darte a Ti, ser tu cayado.

María Sánchez Fernández – Úbeda España Septiembre de 2011

Soneto de mi libro “Júbilo Pasión y Gloria”

María Sánchez Fernández é correspondente da revista eisFluências

em Espanha

A humanidade necessita imperiosamente o testemunho de jovens livres e valentes, que se atrevam a caminhar contra a corrente e a proclamar com força e entusiasmo a própria fé em Deus, Senhor e Salvador.”

(Mensagem do Papa Joao Paulo II para a XVII Jornada Mundial da Juventude. 25 de julho de 2002.)

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eisFluências Outubro 2011 | 11

O BOLO DE ARROZpor António Barroso (Tiago)

Mal o dia começara a despontar os primeiros raios de sol, e já o menino, nos seus precoces oito anos, se encontrava a pé, descalço, como de costume, e enfiado numas velhas calças atadas à cintura com os restos duma corda de pendurar a roupa. Encaminhou-se, devagar, para a enxerga onde a avó tossia, repetidamente, e segurando-lhe na mão que escaldava, sossegou-a com uma pequena mentira:- Vó, hoje não te preocupes comigo. Um amigo quer que almoce com ele... na escola... leva um farnel bem fornecido... - e, sem esperar por resposta, antes que a avó se apercebesse que não pegava na pequena trouxa onde guardava os cadernos da escola, entreabriu, levemente, as tábuas unidas que serviam de porta, e esgueirou-se para a rua.Nesse dia, não pensava pôr os pés na escola onde a professora o olhava sempre com ar de recriminação e o admoestava, constantemente, à mais pequena infracção de que nem ele próprio se apercebia. - Senta-te direito! - Põe os braços em cima da carteira! - Segura no lápis como deve ser! - Não fizeste a cópia que te mandei! - Tens a cara e as mãos sujas! - Raio de rapaz que nunca se porta em condições!... Na escola vivia num permanente estado de constrangimento, entre o medo e o desinteresse, o que o inibia de se mostrar como realmente era. Se ficava parado a ver as brincadeiras dos colegas, logo a contínua o mandava andar - Sempre parado! Sempre parado! Isto não é normal... - Se corria duma parede para a outra, no recinto do recreio, era mandado parar porque incomodava - Não pára quieto este danado! - Não sossega! - Até mesmo nas brincadeiras com os colegas era marginalizado. Quando se tratava da escolha para formar duas equipas de futebol, ele era sempre o último, ou o sobrante.

Enquanto seguia pela rua de terra com poças de água formadas pelo despejo de água de lavagens, ia congeminando em qual seria o seu destino. O largo onde poderia jogar à bola com outros amigos nas mesmas condições, não o seduzia, que o estômago demasiado vazio, reclamava pela côdea. Poderia saltar o muro do quintal da casa do senhor Graciano e empanturrar-se de nêsperas, mas contou-lhe o Chico que agora havia lá um cão mau como tudo. Ná!... Não podia arriscar. Passou pela pastelaria onde trabalhava a Florinda que namorava com o seu vizinho que agora estava na tropa, e mirou com olhos gulosos, os bolos de arroz expostos que eram a delícia dele e da avó. Quando os tostões não estavam tão apertados, ela, por vezes, comprava um e partia-o ao meio. Comiam-no em pedacinhos muito pequenos, devagar, em silêncio, para prolongar o prazer daquele sabor. Suspirou, lentamente, de desânimo e, virando-se, quase esbarrou no guarda Abel que, ao contrário dos colegas, sempre o tratou com amizade.- Ei...ei... meu malandro... porque é que não estás na escola?Apanhado de surpresa, o menino logo engendrou uma pequena mentira para satisfazer a curiosidade do guarda:- A senhora professora hoje faltou porque estava doente.- Ai sim? - E tu o que andas por aqui a fazer?- Venho fazer um recado à minha avó - e começou a afastar-se, rapidamente, não fosse continuar o interrogatório. Não que tivesse medo do guarda Abel que sempre o tratou com amizade e carinho e até uma vez lhe deu um ovo cozido, outro dos pitéus por que era guloso.O menino sentia que a barriga continuava a reclamar pelo seu quinhão, sem que vislumbrasse maneira de satisfazer aquele pedido tão premente. Podia bater à porta da casa do Manel, mas não, a esta hora estava na escola. Talvez a modista Amélia para quem a avó, por vezes costurava, mas logo pôs a ideia de parte. Aceitava, de bom grado, tudo o que lhe quisessem oferecer, mas sentia-se demasiado envergonhado se tivesse de pedir. Diante dos olhos gulosos, ainda estavam presentes todos aqueles petiscos que vira na montra da pastelaria e, sem disso se aperceber, fez meia volta e, devagar, encaminhou-se para o lugar que não lhe saía do pensamento.Primeiro foi uma mirada geral aos artigos expostos, depois a saliva manifestou-se na contemplação gostosa dos bolos de arroz amontoados numa travessa enfeitada com papel branco, todo rendilhado. De boca entreaberta e com a cara quase encostada ao vidro, via-se, em pensamento, saboreando um daqueles bolos onde até o pequeno papel que os enrolava, quase de podia comer também.Súbito, sentiu uma mão que lhe pousava na cabeça e, de momento, pensou ser o guarda Abel que voltara ou o dono da pastelaria a mandá-lo embora. No entanto, a pressão era suave e afável e não a pesada e brusca com que, muitas vezes, o pretendiam ver longe do local. Virou-se, lentamente, e deparou com um senhor que já uma vez, sem que tivesse pedido nada, lhe metera uma moeda na mão. Agora, olhava-o, com meiguice, e o menino sentiu uma paz reconfortante como se há muito lidasse com aquele senhor que, assim, lhe sorria. Se seu pai fosse vivo, deveria ser como aquele senhor.- Vejo que estás a cobiçar os bolos. Queres um?O coração do menino pareceu bater com mais força e quase se recusava a acreditar no que tinha ouvido. Depois apercebeu-se, pelo olhar amigo que acompanhava o afagar da cabeça, que a pergunta era mesmo a valer, mas não teve coragem de balbuciar uma palavra sequer. Fez um pequeno gesto de cabeça numa aquiescência muda, e seguiu o senhor para o interior do estabelecimento. Aí, à pergunta de qual pretendia, apontou, timidamente, o bolo de arroz e, num agradecimento repetido, saiu com ligeireza da pastelaria. Escondeu o bolo de cobiças alheias no bolso largo das calças de adolescente que lhe foram dadas por uma amiga da avó, e seguiu apressado em direcção a casa.Quando se encontrava já na rua enlameada que dava acesso à pequena barraca onde vivia, divisou algumas pessoas, principalmente, mulheres, à porta, conversando entre elas, em surdina, o que o deixou demasiado surpreso por não ser costume aparecer alguém naquele local, a não ser uma ou outra amiga da avó.Ao chegar junto ao grupo de pessoas que ali se encontravam, quase foi contido, barrado e passado de uma para outra, numa total incompreensão do que estava a acontecer.- ...estava muito doente...- ... não resistiu...- ... tens de te conformar...- ... Deus... levou-a... Ao fim de muitas pequenas frases e reticências, o menino compreendeu, então, tudo aquilo que sua avó lhe tinha dito tantas vezes:- Um dia, meu filho, irei fazer uma viagem muito longa, a caminho de Deus e tu terás que te habituar a ficar sozinho. Mais tarde, espero que muito mais tarde, também farás a mesma viagem e, então, no fim, encontrar-nos-emos, de novo. Dos olhos do menino rolaram duas lágrimas de despedida, que depressa limpou com as costas da mão suja. Devagar, entrou na barraca e, quase desapercebido, chegou-se à pequena enxerga onde a avó jazia. Ajoelhou-se no chão húmido, tirou do bolso o bolo de arroz que lhe tinha sido oferecido e, pegando-lhe na mão, agora fria, nela o colocou dizendo, baixinho:

- Toma vó... é prá viagem. __________________António Barroso (Tiago)Parede/Portugal

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12 | eisFluências Outubro 2011

RACIONALIDADE ANIMALpor Luiz Gilberto de Barros

(Luiz Poeta)Primeiro Lugar (Crónicas) no Concurso da União Brasileira de Escritores

Prêmio recebido em 26 de agosto de 2011

O sinal toca. Os alunos saem numa natural algazarra. Vou junto com eles. Preciso colocar algumas cartas no correio num tempo inábil. É o último dia para a postagem.Quase corro. Tenho apenas meia hora para retornar de um percurso a pé de mais ou menos novecentos metros.Isto feito, após receber o comprovante do envio dos envelopes, saio na mesma velocidade da vinda, mas levo um susto tremendo: deparo-me com um cão preto, de porte médio, parecendo bloquear a minha passagem.O respeitável animal perscruta-me numa atitude solene. Não há nele, nenhum tom ameaçador. Já não tenho medo, entretanto respeito-o. Os olhos amendoados parecem humanos. Fita-me por alguns segundos eternos, a língua de fora numa espécie de riso compartilhado, misturado num aparentemente tênue cansaço. Ando devagar, temendo ameaçá-lo involuntariamente. Ele me segue.Quando paro para um cumprimento eventual ou mesmo na intenção de observar um calçado em uma vitrine, ele também estaca. Parece conhecer-me há muito tempo.Apresso-me. O cão me segue sem o mínimo pudor.Atravesso o túnel que liga os dois extremos do meu bairro abaixo da linha férrea. Desço e subo degraus de concreto, o cão, sem hesitar, ritma-se solidariamente a cada passada que dou. Estamos diante da avenida principal. O sinal fecha para os pedestres. Temo pelo bicho.Alguns carros avançam ruidosamente. O sinal parece demorar uma eternidade para esverdear-se. Continuo com pressa. Preciso chegar à escola antes do toque da sirene que anuncia o término do recreio. Os próximos veículos estão a uns cem metros de mim. Entendo que há tempo suficiente para a travessia, mas tenho que correr. Contrariando as leis de trânsito, avanço cautelosa e rapidamente sem perder os carros de vista. Lembro-me do cão. Esqueci-me dele, todavia constato, aliviado, que não me acompanhou, ficou do outro lado, próximo a algumas pessoas atentas ao tráfego dos veículos.O sinal se abre para os transeuntes. A exemplo das pessoas, o cão olha para ambos os lados, mira o semáforo, mostra-se seguro e atravessa calmamente o espaço que separa as duas calçadas. Sinto-me envergonhado.O animal pára diante de mim numa pausa que parece criticar e ao mesmo tempo compreender o meu jeito encabulado de observá-lo e finalmente se afasta num último sorriso de língua de fora, ante a perplexidade de um educador... deseducado.Reverencio-o taciturnamente, num silencioso pedido de desculpas expresso apenas por nossa última troca de olhares caninamente humana e humanamente animal.

Rio de mim para mim, questiono minha pseudo-soberania racional e constato, comovido, que tive uma canina aula de cidadania... animal.

Luiz Gilberto de BarrosRio de Janeiro/Br www.luizpoeta.com

TRÔPEGAS LEMBRANÇASLuiz Poeta

1º Lugar (Poesia) no Concurso daUnião Brasileira de Escritores de 2011

Estive aqui, não percebeste... nem podias,As fantasias diluíram-se em saudadesQue confundiram tuas vãs ansiedades

Com o amor que tu disseste que sentias.

Meus olhos tristes te miravam... tu nem vias,Pois te envolvias em silêncios sedutores

Que completavam solidões com vãos amoresE nem notavas que aos poucos me perdias.

Estive aqui nas tuas trôpegas lembranças,Pisando o chão de um coração com esperanças,

Que sobrevivem do amor que eu te senti,

Porém se um dia, os teus passos solitáriosNão mais sentirem meus abraços solidários,

Descobrirás que eu... jamais... estive aqui.

Rio de Janeiro/Br

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Luiz Gilberto de Barros

www.luizpoeta.com

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eisFluências Outubro 2011 | 13

O SOL DA POESIA RUSSAPor Oleg Almeida

Todo o mundo conhece Aleksandr Púchkin. Foi o maior poeta russo do século XIX e, não falta quem o afirme, de todos os tempos. Foi o autor das obras mais lidas naquelas paragens: peçam a qualquer russo, nem que seja um menino de oito anos, para recitar algum verso de Púchkin, e ele fará isso sem gaguejar. Foi o criador do vernáculo russo moderno, já que a norma culta da língua usada na Rússia de hoje remonta ao vocabulário dele.

Gênio, perfeito, iluminado – todos estes epítetos se aplicam, merecidamente, ao escritor Púchkin. Poucos sabem, no entanto, como era o Púchkin-homem, aquele indivíduo que os amigos e fãs chamavam de vate, e os desafetos, de vagabundo que por acaso tinha escrito lá umas bagatelas.

Para começar, era mulato. Pois sim, não estou delirando! Seu bisavô materno Aníbal, etíope, foi trazido à Rússia como escravo. Presenteado ao imperador Pedro, o Grande, ganhou alforria, estudou ciências exatas na França e fez

uma respeitável carreira de engenheiro militar. O bisneto se parecia singularmente com ele; quem duvidar disso, consulte o antológico quadro de Orest Kiprênski (Figura I: Retrato de Púchkin por Orest Kiprênski, 1827).

Filho de uma família abastada, Púchkin passou seis anos no famoso Lycée de Tsárskoie Seló (Vila Czarina), colégio interno que formava a elite do Império Russo. Datam daquele tempo suas primeiras experiências poéticas, inclusive um brilhante poema em francês, idioma que dominava como o nativo, no qual esboça seu perfil carismático – vrai démon pour l'espièglerie... A vocação literária de Púchkin se consolidou muito cedo. Garoto de quinze anos, declamou suas “Memórias de Tsárskoie Seló” num exame colegial, e o convidado de honra Derjávin, astro da poesia russa, veio abraçá-lo com lágrimas de emoção. Outro renomado poeta, Jukóvski, mandou para ele seu retrato com a dedicatória: Ao discípulo vencedor do mestre vencido.

A vida de Púchkin se dividiu entre duas paixões avassaladoras. Com igual veemência, ele compunha versos e cortejava mulheres. Tinha namorado diversas aristocratas e camponesas, casando-se, afinal, com Natália Gontcharóva, considerada a primeira beldade da Rússia, que lhe daria quatro filhos, herdeiros de carne. E produziu inúmeras obras, herdeiras de espírito, que consagrariam seu nome. Deixou para a posteridade “Evguény Onêguin”, romance lírico em que sua abrangente visão do caráter russo fica eternizada, e “Boris Godunov”, drama monumental sobre o poderio que corrompe a alma dos poderosos, “Pequenas tragédias”, sentença irrefutável à avareza, inveja e outros pecados humanos, “A filha do capitão”, novela de cunho histórico sobre a rebelião popular contra a tirania dos czares, e, claro, poemas dos mais variados estilos e gêneros, com especial destaque para os de amor:

Amei-vos. Meu amor talvez subsistaNo fundo de minha alma, bem ou mal.

Contudo não temais que eu nele insista:Não quero que vos aflijais com tal.

Amei, desesperado de ciúme,Com toda a timidez que um homem tem,

Mas tão sincero como queira o numeQue vós sejais amada por outrem.

É pena os leitores lusófonos desconhecerem a maioria dessas pérolas de inspiração! As barreiras linguísticas são, muitas vezes, insuperáveis...

Por um lado, a poesia proporcionou a Púchkin louros imorredouros; por outro lado, rendeu-lhe, quando satírica e subversiva, uma legião de inimigos. Por causa das epigramas, que escarneciam as altas-rodas de São Petersburgo, o poeta chegou a ser expulso da capital e morou alguns anos no sul da Rússia. Ao longo de sua vida, envolveu-se, sem sombra de exagero, em vinte e um duelos, dezessete dos quais terminaram em pazes e quatro foram levados a cabo!

Versado em meia dúzia de línguas ocidentais, Púchkin lia Horácio e Goethe, adorava Byron, traduzia Ariosto e André Chénier. Poeta por excelência, destacava-se pela amplitude da sua erudição: tanto a filosofia dos iluministas quanto o folclore dos sérvios despertavam a mais viva curiosidade dele. Parece inacreditável, mas é também a Púchkin, tradutor de uma das comoventes “liras” de Tomás Antônio Gonzaga, que os russos devem seu precoce conhecimento da poesia brasileira.

A morte de Púchkin foi trágica. Corriam rumores de que sua esposa tivesse um caso com Georges D'Anthès, cavalheiro francês que viera caçar aventuras na Rússia, e o poeta decidiu lavar a desonra com sangue. O último duelo aconteceu em pleno inverno, num bosque coberto de neve, tendo desfecho fatal: Púchkin foi baleado no abdômen e faleceu dois dias depois. E seu assassino voltou, impune, para a França e viveu mais quase sessenta anos; dizem que quis almoçar, já ancião, num restaurante parisiense visitado pelos imigrantes russos, e, vendo-o entrar, estes lhe viraram unânime e ostensivamente as costas. “O demônio se meteu nisso...” – contava D'Anthès sobre seu duelo com Púchkin. Por certo, o mesmo demônio que torna a mediocridade longeva!

A existência física do poeta acabou, mas sua glória ficou para sempre. Apelidado pelos contemporâneos de “sol da poesia russa” e venerado, na época soviética, a par dos líderes do país, Púchkin chegou aos nossos dias como integrante do currículo escolar e herói das lendas urbanas, protagonista das teses e anedotas, personagem dos filmes e grafites juvenis (Figura II: Grafite da Rua Púchkin na cidade ucraniana de Khárkov, 2008). Portanto não se surpreendam se, perguntado quem vai comprar pão ou pagar contas do mês, seu interlocutor russo responder com risadas – Púchkin! Esse é um dos modos de prestar homenagem ao ídolo nacional._______________Oleg Almeidawww.olegalmeida.com

Oleg Almeida é o nosso correspondente (BieloRússia/Brasília)

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14 | eisFluências Outubro 2011

HEBE UHARTpor Maria Cristina Garay Andrade

Hebe Uhart lleva casi cincuenta años escribiendo y diecisiete libros publicados. Fogwill la ha reconocido como la mejor cuentista argentina contemporánea; Piglia la ubica en la mejor tradición de la literatura argentina. Relatos reunidos, editado por Alfaguara, mereció el premio a la creación literaria 2010 y puso al alcance de la mano muchos de sus relatos inconseguibles. Descreída de los reconocimientos, Uhart sigue escribiendo cuentos y crónicas, dando talleres y formando a escritores. La escritora Hebe Uhart recibió el Premio al Mejor Libro Argentino de Creación Literaria editado en 2010, otorgado por la Fundación El Libro, por Relatos reunidos y su emoción fue tal que agradeció nombre por nombre a cada una de las personas que la acompañaron, con cadencia literaria.En la sala Roberto Arlt, de la Feria del Libro de Buenos Aires, Nelly Espiño, presidenta de la Comisión de Actividades Culturales, explicó que “el premio busca que los autores lleguen a más público”, mientras que el presidente del jurado Mario Goloboff sostuvo que “es más que merecido para una incansable trabajadora de la

literatura”.Por su parte, Silvina Friera, periodista de Página 12 y miembro del jurado, comentó que “antes de este libro, la única manera de conseguirla era en librerías de viejo”.Y agregó: “Hebe no es una narradora convencional, tiene una manera original de mirar: franca, simpática, cálida y distante. No hay oreja como la de ella para captar la manera en que hablan las personas. Nos muestra con un microscopio algo de lo doméstico, que nos está vedado al resto”.Finalmente, Juana La Rosa, reemplazando a la emocionada Hebe, leyó el cuento Guardo la hiedra para dejar lugar a la editora Julia Saltzmann, quien también fue reconocida por su trabajo.“Para mí es muy importante que podamos haber reunido un montón de obra dispersa. Era un desafío darle equilibrio a las nouvelles y los cuentos, donde está lo más esencial de Hebe, una literatura de mucha verdad, honda y cercana”.

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LÉON ROZITCHNER - Su familia, amigos y discípulos lo despidieron en la Biblioteca Nacional

Falleció, en la madrugada de 04/09/2011, León Rozitchner, gran filósofo y hombre público. Había nacido en Chivilcoy, una ciudad a la vera de la ruta 5. Vivió entre los muebles del negocio familiar, acompañó a su padre a vender aceite y estudió en París. Huía del autoritarismo conservador en la Argentina y volvió para enfrentarlo. En Europa estudió con Maurice Merleau-Ponty y con Claude Lévi-Strauss. Escribió su tesis sobre Max Scheler. Pero lo suyo no fue la filosofía académica ni la especialización abstracta, sino el compromiso vital y político. Cada una de las líneas que escribió tiene como horizonte la pregunta por las lógicas profundas de la opresión del hombre porque se despliega sobre el fondo de la apuesta por la emancipación. Lo suyo fue el riesgo, el amor y la belleza, la escritura hecha de afectividad, la paternidad arrojada, la extrema atención a la política y el compromiso con los modos polémicos de la amistad Entre sus libros están “Moral burguesa y revolución” (1963); “Freud y los límites del individualismo burguês” (1972); “Perón, entre la sangre y el tiempo” (1985); “Las Malvinas: de la guerra sucia a la guerra limpia” (1985); “La cosa y la cruz” (1997).

María Cristina Garay AndradeMonte Grande – Buenos Aires - Argentinahttp://mariacristinadesdemissilencios.blogspot.com/

VUELO DE ILUSIONESMaría Cristina Garay Andrade

Por ese amor que en mi forjasteCon toda tu experiencia en mi inconciencia

En vuelo de ilusiones te apoderasteSutilmente de mi inocencia

En mi corazón se instalaron tus latidosPalpitando tiernamente de ternura embebidos

Se entrelazaron sensiblemente conmovidosNaciendo horas de goce al sentirlo junto al mío

Sin buscarlo, sin pensarlo y sin llamarloReposó la flor en el sol para alumbrarloY mis brazos se brindaron para cobijarlo

Cautivado por el imán de tus ojos vive latienteEn feliz concordancia siempre sonriente

Así se me despertó el amor inexplicablemente

DESDE UN TIEMPO DE NOSTALGIASMaría Cristina Garay Andrade

Desde un tiempo de nostalgias amalgamadasEntrelazado el recuerdo del ayer con el presente

Contemplo fijamente lo que marcó horas coronadasEn el amor que tu alma declaró en forma permanente

Hoy te pienso percibiendo tu convivenciaEn este tiempo en que me angustia tu ausenciaMiro el retrato que me dejaste como un trato

En tu breve paso por mi vida sin contrato

Sentir tus brazos creando indisolubles lazosOfrenda de amor de inolvidables remplazos

Te fuiste con Dios dejando inmortal recuerdo

Infancia apenada por tus besos que aun me acuerdoYo contemplo en mi adentro hecho pedazos

La nostalgia que siento necesitando tus abrazos

Maria Cristina Garay Andrade é a nossacorrespondente na Argentina

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eisFluências | 15 Outubro 2011

VOZES DA NATUREZApor Laurentino Sabrosa

Esta noite tive um sonho, tão estranho e maravilhoso como nunca até hoje tinha tido. Estava numa grande herdade que tinha a norte uma verdadeira selva, e, a poente, ali perto, o mar, que se me afigurou ser um imenso espelho em milhões de pedaços estilhaçado, tão manso e amigo do vento, que este só o balançava no berço que Deus lhe deu. Pela janela sob a qual eu estava, ouviu-se um vagido de bebé que tinha nascido meia hora antes. Era manhã cedo, havia festa no quarto do neófito com a risada de um seu irmãozito e de uma mulher que era a sua mãe, ou, possivelmente, a assistente da sua mãe. A essa festa se associava a festa da capoeira e do curral. Cantava altaneiro o galo, cacarejavam as galinhas e piavam os pintainhos. Na estrebaria relinchava um cavalo, mas não longe, um asinino, não compreendendo aquela festa, zurrava antipaticamente como se estivesse zangado com ela. Era manhã cedo mas já estava uma manhã esplendorosa. Uma ligeira brisa arrastava suavemente folhas e penas, fazendo-as mover num frou-frou de sedas com as perninhas que ela lhes emprestava. O sol dardejava os seus raios, como que querendo participar, envolvendo toda a atmosfera de luz e calor, sua maneira de cantar em saudação ao neófito da vida, em união com patos que grasnavam e abelhas que zumbiam. Os pardais e as aves livres do céu, umas em pipilos outras em gorjeios, feitas aves canoras de lírica inspiração, pareciam dar também o seu contributo para toda a sinfonia de alegria, em que não faltavam pombas e rolas a arrulhar. Mas as pessoas daquela família, com a animação e alegria do nascimento, mal se davam conta de toda a beleza do ambiente. Para elas, a mais importante das vozes era a do seu coração, um bater que se lhes afigurava ser repique festivo de sino de aldeia, longe de se lembrarem de que esse mesmo sino, sem deixar de ser augusto bronze, um dia, um dia, iria, iria, muito possivelmente, dobrar plangentemente. Parece mesmo que se tinham esquecido dos animais, faltando-lhes com a ração habitual e, por isso, uns vitelos berravam e alguns porcos grunhiam. Porém, na cozinha, um gato enroscado no seu cesto, perfeito filósofo alheio a tudo, ronronava consoladamenteCoincidência ou não, o próprio trânsito da rua para qual dava a fachada principal daquela mansão, parecia querer comemorar festivamente e estava mais animado que era habitual, até que dois carros passaram lentamente e a buzinar, com bandeiras desfraldadas como se fossem em propaganda política. Logo a seguir dois automobilistas, em correria de quem sofregamente quer devorar a estrada, acabaram por estragar tudo: de repente, um resvalar de pneus e um chiar de travões, que não puderam evitar a tempo o estrondo duma colisão. Por alguns segundos, silêncio sepulcral. Finalmente dois homens saíram, cada qual do seu carro, que só por graça especial espargida pelo bebé, ali perto a dormir docemente, não ficou reduzido a uma esmagada lata de conservas. Apalparam-se como a contarem os seus ossos, verificaram que estavam ilesos na sua pele e nos seus fatos, mas não reconheceram que estavam lesionados no ânimo e na razão: entraram em briga verbal, resfolegando injúrias, bramindo como possessos, blasfemando como ímpios – num minuto envolveram-se em briga física, transformaram-se não sei se cães a rosnar, se lobos a uivar, se leões engalfinhados a rugir. E então eu, distante e qual cordeiro que mal sabe balir, comecei a ficar atrozmente aflito, e tão aflito que de súbito ouvi um formidável estampido, tão forte, tão forte e assustador que acordei. Eis que tinha passado das realidades oníricas para as realidades telúricas. Levantei-me ainda abalado pelos segundos de pesadelo, consegui ouvir o tic-tac do relógio da sala contígua, assomei à janela e pude ver o contraste entre o ambiente do sonho e o ambiente de grande e impiedoso inverno que reinava lá fora. Mais um trovão estrugiu, como medonho gargarejo de um qualquer grande Gigante da Montanha, seguido de cavalgada de Pégaso em chão de cascalho. Do céu plúmbeo caía uma torrente de chuva, que, certamente em homenagem ao neófito do meu sonho, dentro em pouco abrandou, passando então eu a ouvir mais distintamente o seu tamborilar num telhado de zinco.Que variedade de sons que eu tinha ouvido no meu sonho e continuava a ouvir agora na realidade, vindas das pessoas e das coisas, vindas do céu ou do mar! O ribombar do trovão e os corvos a crocitar; as pegas a palrar e os cães a latir; o zéfiro a sussurrar e as fontes a rumorejar; uma boca a ciciar e uma cratera a explodir; bebés a rir e rãs a coaxar; doentes a gemer e moribundos a estertorar; o gluglulejar do peru e os pássaros a chilrear; o crepitar das silvas e o marulhar do mar; o fragor das cataratas, os bois a mugir e foguetes a estalar; o estrépito de uma cavalgada, uma raposa a regougar e multidões a ulular – tudo são vozes da Natureza que se hão-de aperfeiçoar, ao serem afinadas por diapasão divino. Nessa hora não haverá plangor de crianças, apenas clangor de trombetas; nada há-de faltar e nada há-de sobrar; não haverá gebos nem górgonas, apenas efebos e sílfides a louvar; o rato deixará de ter medo do gato e vai com ele brincar, tentando-lhe as vibrissas roer; nessa hora o mar deixará de fustigar as praias e os ventos deixarão de fustigar o mar.Nessa hora, na plenitude da plenitude dos tempos, todos os sons e todas as vozes serão apenas UM, em união com tudo e todos, imersos na Trindade santa, com quem toda a Criação vai cantar em uníssono um canto de som inconfundível – trinado nunca ouvido, mavioso, maravilhoso, divino, melodioso, inefável, majestoso, excelso, solene, celestial, glorioso, eterno, sublime...______________

LaurindoFernandes Barbosa, agora com 82 anos, é ex-funcionário bancário, com um bacharelato, mas não em letras. Vive como hóspede vitalício num lar de terceira idade nos arredores do Porto. (Muito feliz e bem instalado, segundo o autor). Tem o vício de escrever há mais de 40 anos e desde sempre tem usado o pseudónimo Laurentino Sabrosa que pretende manter. Desde há 4 anos colabora no jornal do Porto "A Ordem", com artigos sobre Língua Portuguesa. E há cerca de 2 anos colabora no jornal electrónico suíço "Friluso". Segundo o autor, os seus escritos são, pretendem ser, mensagens de ordem espiritual, de fraternidade, de poesia explanada em prosa.

PRÉMIO NOBEL DA PAZ 2011

Comité Norueguês distingue duas liberianas e uma iemenita com o Nobel da Paz 2011.A Presidente da Libéria Ellen Johnson-Sirleaf, a ativista liberiana Leymah Gbowee e a iemenita Tawakkul Karman. O Comité Nobel

Norueguês distinguiu as três mulheres «pela luta pacífica em defesa da segurança das mulheres e dos direitos das mulheres na participação total no trabalho de construção da paz».

In Msn Notícias - Oslo, 07 out (Lusa)

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16 | eisFluências Outubro 2011

A VOZ DOS POETASPORTUGAL/BRASIL

OS MEUS SEGREDOSGlória Marreiros

Se alguém souber um dia os meus segredos,A força poderosa que há em mim,

Dirá que sou volúpia de jardimE temporal que apaga doces medos.

Se alguém me descobrir nos arvoredosEnvolta em asas brancas de arlequim,

Dirá que sou um sonho sem ter fimNum festival de lábios rubros, ledos.

Mas eu não conto as minhas tentações.Elas ungem meu corpo de poçõesDe fragrância tingida de prazer.

Se os meus segredos forem desvendados,Hão-de chamar-me santa, pois pecados

São para quem não sabe ser mulher!

Argarve/Portugal_____

A LINGUAGEM DAS SOMBRASNaldo Velho

Ando aprendendo a linguagem das sombras.Não das que causam arrepio,

mas das que evidenciam contornosnum plano pleno de luz que absorvo.

Outro dia consegui ler um rochedocom toda sua história ali preservada...

Só agora eu consigo entender,a aspereza que trago comigo.

Ando aprendendo a exercer sutilezassó assim poderei caminhar pelas sombras,

não aquelas que nos provocam o medo,mas as que nos vivenciam os rochedos.

Outro dia consegui desvendar um enredocom todos os seus numerosos segredos,

quantos e preciosos caminhos,emaranhados de muitos destinos.

Ando exercendo a palavra delicadeza,poemas semeados sem pressa.

Qualquer dia desses vou adormecer riacho,acordar corredeira, morrer em seus braços,

renascer em você.

Ando aprendendo a exercer existências.

Niterói/Br

Duetando com DrummondAugusta Schimidt

Uma cidade qualquerCarlos Drummond de Andrade

Casas entre bananeirasmulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.Um burro vai devagar.

Devagar... As janelas olham.Eta vida besta, meu Deus!

(Alguma poesia in Reunião, 1982)***

Outra cidade qualquerAugusta Schimidt

Janelas que olham sem cessarPortas que se fecham em silencio

Ruas preguiçosas absortasCalçadas cansadas de andar

Noites que dormem no embaloDe violas que choram amores perdidosMágoas silenciosas em becos sem saída

Vidas perdidas…

Campinas/SP/BrasilSetembro/2011

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O DEUS LOUCO… AMOUAntónio Zumaia

Que morram mil dias e venha a noite;Cerrando meus olhos à tempestade…

Já não há vida onde eu me acoite,sinto à minha volta apenas maldade.

Escorra o sangue da vinha danada,serei deus ou louco o que quiser…

Nas oferendas à minha amada;Os deuses, só se rendem à mulher.

Quebrem os espelhos que me reflectem.O tempo é uma pobre alquimia;

Os deuses cumprem e nunca prometem,apenas se acabam… na poesia.

Que brilhem sóis a loucura passou…A deusa desceu do seu pedestal,

veio a mim… E este homem amou,a bailarina, mulher e vestal.

Estoril/Portugal

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eisFluências Outubro 2011 | 17

MULHERES NA CIÊNCIAPor Carmo Vasconcelos

As mulheres contribuíram para a ciência desde os primeiros dias, mas não foram reconhecidas. Historiadores interessados em estudos sobre ciência trouxeram à luz as contribuições femininas, as barreiras enfrentadas e as estratégias implementadas para conseguir a aceitação do trabalho científico.O envolvimento de mulheres no campo da medicina foi registado em diversas civilizações antigas. Uma egípcia, Merit Ptah (2.700 a.C.), além de Peseshet, era definida numa inscrição como "médica chefe", é o mais antigo registo de uma mulher na história da ciência. Agamede foi citada por Homero como uma curadora na Grécia Antiga antes da Guerra de Tróia. Agnodice foi a primeira mulher médica a exercer a profissão de maneira reconhecida pela lei na Atenas do século IV a.C.O estudo da filosofia natural na Grécia Antiga era aberto às mulheres. Exemplos como os de Aglaonice, que previa eclipses lunares; e Theano, matemática e física, pupila e possivelmente também mulher de Pitágoras, da escola de Crotona, na qual estudavam muitas outras mulheres. Temistocléia era filósofa, matemática e alta profetisa de Delfos foi mestra de Pitágoras e o introduziu aos princípios da ética.Existem muitos registos de mulheres que contribuíram para a proto-ciência da alquimia, em Alexandria por volta do primeiro ou segundo século a.C., onde a tradição gnóstica valoriza as mulheres. A mais conhecida, Maria, a Judia, foi a inventora de equipamentos para a química, como o banho-maria (de onde o nome Maria, em homenagem) e de um tipo de alambique ou aparelho de destilação simples.Hipátia de Alexandria (370-415) era filha de Theon, académico e director da Biblioteca de Alexandria. Ela escreveu textos sobre geometria, álgebra, astronomia, e credita-se a ela a invenção do hidrómetro, de um astrolábio e de um instrumento para destilar água.A educação universitária era disponível para algumas mulheres na Idade Média europeia. A física Trotula supostamente ocupou uma cadeira na Escola de Salerno no século XI, onde ministrou aulas a mulheres da nobreza italiana, um selecto grupo por vezes referido como "as senhoras de Salerno". Inúmeros textos que se referem à medicina feminina, em obstetrícia e ginecologia, entre outros tópicos, também são a ela creditados. A Universidade de Bolonha permitia às mulheres assistir aulas desde o começo em 1088; Dorotea Bucca ocupou uma cadeira em medicina no século XV. De uma maneira geral, eram excluídas das universidades.Conventos medievais foram outro ambiente de educação para mulheres, e algumas dessas comunidades ofereciam oportunidades para que as mulheres contribuíssem para a pesquisa académica. Um exemplo foi a alemã Hildegard de Bingen, cujos inúmeros e prolíficos escritos abrangiam os mais variados assuntos científicos, como medicina, botânica e história natural.

HOJERITA LEVI MONTALCINI

"Melhor acrescentar vida aos dias do que dias à vida".

(Rita Montalcini)

Dra. Rita Levi-Montalcini nasceu em Turim, Itália, em 22 de Abril de 1909, numa família judia. Obteve o título de Medicina na especialidade de Neurocirurgia e é Presidente Honorária da Associação Italiana de Esclerose Múltipla. Recebeu o Prémio Nobel de Medicina em 1986, quando tinha 77 anos. Não são muitas as mulheres que já receberam o Prémio Nobel da Medicina, mas, para lá desse prestigiado prémio, toda a vida de Rita Levi-Montalcini é recheada de interesse. Frequentou a Universidade de Turim seis anos. Mais tarde recordaria a sensação estranha que teve a primeira vez que entrou num Instituto de Anatomia. Havia mais cinco alunas no seu curso. Rita tinha de estudar os cadáveres e perscrutar os tecidos através do microscópio. Levou o seu curso de Medicina muito a sério e depois optou pela investigação. Pesquisou as células e suas mutações, bem como os nervos sensoriais. De 1945 a 1947 foi assistente do Prof. Levi, e em 1947 partiu para Washington para a Universidade de Saint Louis, onde passou grande parte da sua vida de investigadora. Continuando os estudos sobre o sistema nervoso chegou à descoberta de uma proteína que regula o crescimento dos tecidos, a que foi dado o nome de Nerve Grrowth Factor (NGF). Em 1986 recebeu o Prémio Nobel da Fisiologia e

Medicina, partilhado com Cohen. Tem várias obras da especialidade, a última na área da neurologia. Em 1999, Roma organizou um simpósio científico na passagem dos seus 90 anos. Tem dupla nacionalidade. Italiana e norte-americana. O contributo de Rita Levi-Montalcini no campo da neurociência é assinalável.

“Mantenha seu cérebro com ilusões, activo, faça ele trabalhare ele nunca irá se degenerar” (Rita Montalcini)

«O cérebro não se aposenta, o importante é mantê-lo em actividade. O meu funciona como quando eu tinha vinte anos, nem bem nem mal, mas o máximo do meu potencial”.

Hoje, com 102 anos, nunca parou de trabalhar: “O segredo da minha vitalidade é que eu vivo de hora em hora, constantemente envolvida com pesquisas científicas e com os problemas sociais. Eu não tenho tempo para pensar em mim… Minha vitalidade é derivada da total indiferença por mim mesma”. Em uma entrevista no programa de televisão italiano, Che Tempo Che Fa, Rita Levi-Montalcini afirma que podemos controlar nossas acções e emoções, usando uma parte diferente do cérebro. Segundo ela, “O progresso depende de nosso cérebro. A parte mais importante de nosso cérebro, a que é neocortical, deve ser usada para ajudar os outros e não apenas para fazer descobertas.” “Meu cérebro vai ter um século… mas não conhece a senilidade… Não posso evitar que o corpo se enrugue, mas o meu cérebro posso mantê-lo jovem. Possuímos grande plasticidade neural: mesmo quando os neurónios morrem, os que restam se reorganizam para manter as mesmas funções, mas para isso é conveniente estimulá-los! Mantenha seu cérebro com ilusões, activo, faça ele trabalhar e ele nunca irá se degenerar”. Afirma a Prémio Nobel.

(continua na página seguinte)

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Diz ainda, a célebre pesquisadora, que a razão é filha da imperfeição. “Nos invertebrados tudo está programado: são perfeitos. Nós não. E, ao sermos imperfeitos, temos recorrido à razão, aos valores éticos: discernir entre o bem e o mal é o mais alto grau da evolução darwiniana”.“Desde jovem, meu desejo era ir para a África, encontrar Albert Schweitzer, para cuidar dos leprosos. Hoje, dedicar-me a ajudar os outros é o que conta. Devemos ter uma total dedicação para com quem precisa de ajuda, especialmente as populações que são mais exploradas, como a da África, principalmente as mulheres que fora arruinadas, física e psicologicamente.Sua curiosidade intelectual não se limita ao estudo da teoria científica, ela também tem sido sempre interessada em mudanças na sociedade humana. A sua não é feita simplesmente por interesse científico. Ela também tem uma forte crença e uma mensagem para o nosso futuro: “é fundamental para as pessoas, de um ponto de vista científico, ter um objectivo, que inclua a ajuda àqueles que não têm o privilégio de pertencer à elite científica e tecnológica.E conclui com determinação: “Devemos nos esforçar para o controle e uso do neocórtex, em vez do sistema límbico, a fim de controlar nossas acções e comportamentos. Nosso futuro se encontra em nosso cérebro.”

Excerto da Entrevista, no dia 22/12/2005 (Com 96 anos)

- Como vai celebrar seus 100 anos?Ah, não sei se viverei até lá, e, além disso, não gosto de celebrações. No que eu estou interessada e gosto é do que faço cada dia!

- E o que você faz?Trabalho para dar uma bolsa de estudos para as meninas africanas para que estudem e prosperem... elas e seus países. E continuo investigando, continuo pensando.

- E como está seu cérebro?Igual quando tinha 20 anos! Não noto diferença em ilusões nem em capacidade. Amanhã voo para um congresso médico.

- Mas terá algum limite genético?Não. Meu cérebro vai ter um século... mas não conhece a senilidade... O corpo se enruga, não posso evitar, mas não o cérebro!

- Como você faz isso?Possuímos grande plasticidade neural: ainda quando morrem neurónios, os que restam se reorganizam para manter as mesmas funções, mas para isso é conveniente estimulá-los!

- Ajude-me a fazê-lo.Mantenha seu cérebro com ilusões, activo, faz ele trabalhar e ele nunca se degenera.

- Descobriu como crescem e se renovam as células do sistema nervoso...Sim, em 1942: dei o nome de Nerve Growth Factor NGF, (factor do crescimento nervoso), e durante quase meio século houve dúvidas, até que foi reconhecida sua validade e em 1986, me deram o prémio por isso.

- Por que ainda existem poucas cientistas?Não é assim! Muitos descobrimentos científicos atribuídos a homens, realmente foram feitos por suas irmãs, esposas e filhas.

- É verdade?A inteligência feminina não era admitida e era deixada na sombra. Hoje, felizmente, tem mais mulheres que homens na investigação científica: as herdeiras de Hipatia!

- A sábia Alexandrina do século IV...Já não vamos acabar assassinadas nas ruas pelos monges cristãos misóginos, como ela foi. Claro, o mundo tem melhorado algo...

- Lograremos um dia curar o Alzheimer, o Parkinson, a demência senil?Curar... O que vamos lograr será frear, atrasar, minimizar todas essas enfermidades.

- Qual é hoje seu grande sonho?Que um dia logremos utilizar ao máximo a capacidade cognitiva de nossos cérebros.

- O que você faria hoje se tivesse 20 anos?Mas eu estou fazendo!!!!

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(Pesquisa e composição de Carmo Vasconcelos (subsídios Wikipédia)

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A BAHIA DO SÉCULO XVII E A SÁTIRA DE GREGÓRIO DE MATTOS.por Gustavo Adonias A. Bastos

Esse artigo situa a produção literária de Gregório de Mattos na sociedade baiana do século XVII, à luz de considerações sobre a política, economia, e cultura vigentes. Ao lado disso, aborda a Sátira como estilo literário. Trata-se de resumo de trabalho em curso de pós-graduação em História Social e Econômica do Brasil.

No século XVII, Salvador, capital desde a fundação em 1549 e sede da capitania real da Bahia, era a maior e mais importante cidade da Colônia. Sua população era formada por oito mil brancos e alguns milhares de índios e negros. O entorno da cidade era habitado doze mil brancos, oito mil índios mansos e uns quatro mil negros. Na colônia havia cerca de trinta mil colonos que experimentavam período de crescimento e prosperidade com a indústria açucareira. Era alta a taxa de natalidade e havia o acréscimo de pessoas vindas do Reino e de outras capitanias.

Cidade das mais populosas do Novo Mundo, região de comércio ativo, dependia das terras do Recôncavo para se abastecer de alimentos, provisões e produtos agrícolas. O Recôncavo tornava Salvador um dos centros mais importantes do comércio Atlântico. Pela posição privilegiada, era sujeita a ataques e o clima de riqueza e prosperidade seria quebrado com o bombardeio da cidade pelos holandeses, por 25 dias em 1599 e durante 40 dias em 1604. Resultaram dessa nova investida enormes gastos na defesa de Salvador, a destruição de engenhos e grande mortandade de escravos, vítimas de epidemias.

Mal se recuperara das dificuldades anteriores, foi novamente transformada em praça de guerra, cercada de valados e armada de artilharia, no palco da guerra entre a Espanha e a Holanda. Conseguiu organizar a resistência e as guerrilhas libertaram a cidade no ano seguinte (1625), com o auxílio dos pernambucanos. A Espanha deixa na cidade uma guarnição de 1000 soldados, que perpetram pilhagens, incêndios e assassinatos. A Bahia ficou reduzida a mais extrema miséria. A recuperação da cidade ia se dando de maneira penosa. Os índios tapuias voltaram a atacar as fazendas, os navios mercantes não entravam no porto devido aos altos impostos, a especulação no preço das mercadorias era exorbitante, os escravos fugiam para os quilombos. A vida na cidade vai se reorganizando, e o povoamento cresce. No ano de 1638, nova investida, e os holandeses que não conseguiram penetrar as defesas da cidade, passaram a atear fogo aos engenhos do Recôncavo até serem novamente rechaçados.A população de Salvador era de 10.000 brancos na ocasião da restauração de Portugal, em 1640. A agricultura levava riqueza e povoamento ao Recôncavo enquanto a pecuária expandia a fronteira demográfica e econômica, a partir de Salvador. Com as exportações do açúcar, tabaco, algodão, couro, madeira, Salvador passou de centro administrativo para um forte polo de negócios. Os comerciantes, vendeiros e mercadores importavam produtos manufaturados (ferragens, vinhos, azeites, chapéus, aguardente, lãs, tecidos, farinha de trigo, bacalhau), e exportavam açúcar ou contratavam as rendas de produtos como sabão, sal, entre outros. Os artífices e o pequeno funcionalismo público eram os maiores contribuintes. Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes mercadores, adquiriam cada vez mais consciência de sua riqueza e poder. Os mercadores já intervinham no Governo em defesa de seus interesses. Os oficiais mecânicos, ourives, serralheiros, pintores, alfaiates, padeiros e outros vinham pobres do reino, enriqueciam na Bahia e ascendiam socialmente.As epidemias, grave problema da colônia, vitimavam principalmente, gente de cor, gentios da terra, escravos, gente que vivia em condições precárias na cidade e também, às vezes os mais abastados e influentes.Em fins do século, “a mais rica e bela cidade dos portugueses no Brasil”, na visão de um francês da época, era mais ou menos como Lyon, sendo um pouco mais povoada. Possuía 2000 casas, doze grandes igrejas, muitas capelas, conventos e um hospital.Neste contexto, viveu a família Mattos e Guerra que possuía propriedades nas cercanias de Santo Amaro e São Francisco do Conde, com mais de cem escravos na plantação de cana-de-açúcar. Em Salvador, morava em um sobrado próximo ao Terreiro de Jesus, dentro dos muros da cidade. Gregório de Mattos nasceu no dia 23 de dezembro de 1636, sendo filho de Gregório de Mattos e Maria da Guerra. Sua família era originária de Guimarães, no norte de Portugal. Seus avós, Pedro Gonçalves de Mattos e Maria da Guerra, chegaram ao Brasil no século XVII e participaram ativamente do processo de reconstrução de Salvador. Acabou por enriquecer e enveredou por outros negócios.

Gregório de Mattos, o pai do poeta, herdou o prestígio de Pedro Gonçalves de Mattos que era “familiar” do Santo Ofício da Inquisição na Bahia. Era considerado “nobre”. Não possuía títulos de nobreza, porém teve um “bom nascimento”, tinha dinheiro, e exerceu funções como administrador do estanco de vinhos, almotacel e tesoureiro das vintenas, procurador do Conselho da Câmara, além de ser indicado pela Câmara como depositário da caixa dos órfãos da cidade. As relações do poeta Gregório de Mattos com o poder político local e metropolitano remontam à sua presença e participação nas Cortes. Sempre ligado a pessoas influentes em Portugal, Gregório de Mattos fez carreira como juiz de fora, juiz do cível, juiz de órfãos, e participou nas Cortes como representante da Bahia em duas convocações durante o reinado de D. Pedro II, rei de Portugal.Gregório de Mattos retorna à Bahia, como magistrado eclesiástico, e assume os cargos de desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia e tesoureiro-mor da Sé, no ano de 1682. Sua relação com o padre Antônio Vieira, que também retornou à Bahia no mesmo ano, colocou-o frente a uma situação delicada em relação ao poder político local. O padre Vieira tinha parentes no governo e entre proprietários de terras, da família Ravasco, rival dos Menezes por questões familiares e pessoais. Esta antiga contenda levaria ao assassinato do alcaide de Salvador, Francisco Telles. Os assassinos se refugiariam no Colégio dos Jesuítas. O governador Antonio de Souza Teles de Menezes (o “Braço de Prata”) toma conhecimento do caso envolvendo seu auxiliar, e passa a acusar o padre Antônio Vieira e seu sobrinho Gonçalo Ravasco, secretário do Estado, de serem culpados pelo ocorrido.

Todos que possuíam relações com os envolvidos passam a ser perseguidos, entre eles, Gregório de Mattos, que se refugia no Recôncavo. As contendas familiares e políticas mostram que estava envolvido, política e economicamente, com poderoso grupo que, embora destituído do poder, possuía grande prestígio político. Anos após, Gregório participa em outra contenda política, desta vez envolvendo o governador Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, o “Tucano”, que negou favores ao poeta, levando-o a escrever seus versos cáusticos, que foram o motivo do “despacho” do poeta para Angola.

O gênero literário satírico, utilizado por Gregório de Mattos, possui uma estrutura de discurso mista, de um lado trata de temas especulativos em estilo alto, e por outro lado, temas ditos lascivos, em estilo baixo. A Sátira, como gênero artístico-literário têm suas origens nos antigos que vituperavam os vícios das repúblicas, e nos versos mordazes contra as instituições de então. Como elementos característicos, inclui a ridicularização e a agressão a indivíduos e situações. A obscenidade, na sátira, possui um código de padronização, segundo as convenções que variam no tempo, lugar e imaginário. Muitos poemas atribuídos a Gregório de Mattos são obscenos, sempre trazendo elementos tais como o chamado “baixo corporal”, a escatologia.

(continua na página seguinte)

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“As autorias das obras aqui presentes são de inteira e exclusiva responsabilidade dos seus autores e dos colaboradores que no-las

enviam para publicação, tal como a sua revisão literária.A aderência, ou não, ao Novo Acordo Ortográfico, fica também ao

critério dos autores.”

O poeta, em língua ferina, lançou-se contra seus desafetos políticos, “denunciando” os seus atos de forma jocosa e maledicente, que desperta reações iradas, e põem muitas vezes sua vida em risco. Eis um desses poemas:

A cada canto um grande conselheiroQue nos quer governar cabana, e vinha;

Não sabem governar sua cozinha,E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüentado olheiroQue a vida do vizinho, e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinhaPara a levar à Praça e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,Trazidos pelos pés os homens nobres,

Posta nas palmas toda a picardia

Estupendas usuras nos mercados,Todos, os que não furtam, muito pobres,

E eis aqui a cidade da Bahia

(Gregório de Mattos)

Aqui, descreve o que era a Cidade da Bahia (Salvador), capital do império português na América. Critica que todos se achem aptos a governar não estando preparados. Tece críticas ao costume da maledicência, com “olheiros” que cuidam da vida alheia, para torná-la pública na Praça da Sé e no Terreiro de Jesus. Descreve o comportamento “indecente” dos “homens de cor”, dos escravos. Mulatos desavergonhados, segundo Gregório, demonstrando picardia nos lugares públicos. Critica também a usura dos que monopolizam a comercialização de alguns itens a preços exorbitantes. Por fim, tece críticas à corrupção reinante, razão para uma desigualdade imensa, uns muito abastados e vivendo no fausto, e muitos outros, mendigos e “vadios” perambulando pela cidade.

Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:

Com sua língua ao nobre o vil decepa:O Velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;

Quem menos falar pode, mais increpa:Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se enculca por Tulipa;Bengala hoje na mão, ontem garlopa:

Mais isento se mostra, o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,E mais não digo, porque a Musa topa

Em apa, epa, ipa, opa, upa

(Gregório de Mattos)

Satiriza a “nobreza” baiana. Denuncia o enriquecimento, por meios menos nobres, dos que passam imagem exemplar e que mais têm a esconder. A capa, a bengala eram símbolos de status dos velhacos-mor, e escondiam seu passado. Nestes versos Gregório de Mattos ilustra como o poderio econômico “enobrece” os homens: “Quem dinheiro tiver, pode ser Papa”, “Bengala hoje na mão, ontem garlopa”, plaina usada por carpinteiros para alisar madeira. O trabalho manual era considerado inferior.

Gustavo Adonias A. Bastos, Salvador, Bahia, 01/06/1975. Graduado em História pela Universidade Católica do Salvador, 2006. Pós-graduação em História Social e Econômica do Brasil, Faculdade São Bento da Bahia Salvador, 2009. Primeiras poesias no ano de 1996. Publicou poesias nas antologias: “Grandes Escritores da Bahia” (Litteris Editora, 2000); no “João Mendes Jornal”, (Faculdade de Direito Mackenzie, em São Paulo, 2006), Delicatta II, (Editora Scortecci, SP, 2007); BlocosonLine (2010); publica no Overmundo e no blog ( ).

Divulgação de Marco Bastos

http://gustavoadonias.blogspot.com/