Revista Bons Fluídos - Dezembro de 2012

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I=l união das terapiascomplementares como tratamento médicoconvencional percebeo ser humano em suatotalidade: corpo, mentee espírito. I=l pessoa

Med -I C -I na da é alvo dos cuidados,não a doença em si.

SENSIBILIDRDEMedicação, exames, cirurgias, repousoe, entre uma coisa e outra, sessões demassoterapia, ioga, meditação, reiki,acupuntura, cromoterapia. A rotinahospitalar não é mais a mesma. Duran-te séculos, a medicina ocidental valeu-se da excelência técnica para extirpardoenças. Funcionou. Os índices demortalidade despencaram em respostaaos avanços médicos e científicos. A ex-pectativa de vida aumenta ano apósano. Entretanto, algo fundamental fi-cou de fora da brigada médica conven-cional: asdimensões psíquica, espiritu-al e social dos indivíduos, instâncias tãoimportantes quanto a realidade orgâni-ca.Aampliação do conceito de saúde éuma batalha antiga. No início da déca-da de 80, a Organização Mundial daSaúde (OMS) postulou que "saúde éum estado de completo bem-estar físi-co, mental, espiritual e social, e não.apenas a ausência de doença". Sobre

esseterreno, amedicina integrativavemflorescendo. Essa corrente compreen-de o ser humano em sua totalidade -corpo, mente e espírito -, além de levarem conta a influência do hábitat. E nãose preocupa apenas em conduzir, commão mais tema, o tratamento dos enfer-mos, focando, sobretudo, o alívio desintomas e a oferta de conforto ao longoda internação. O zelo se estende à famí-lia,aoscuidadores e profissionaisda saú-de. Todos, sem exceção, sujeitos aosdesgastes físicose emocionais impostospela travessiado adoecer à cura. "Essaspráticas estavam nos hospitais, infor-malmente, havia décadas, por uma de-manda dos pacientes. Agora, elas estãosendo oficializadas pelos hospitais, oque significa maior rigor na aplicaçãodesse atendimento", afirma PlínioCutait, mestre de reiki e coordenadordo Núcleo de Cuidados IntegrativosdoHospital Sfrio-Libanês, em São Paulo.

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"Somos capazes de participar ativamente do nosso processode cura, apesar de não sermos educados para saber disso."

o leque de terapias ministradas pelonúcleo compreende reiki, kundaliniioga, meditação, acupuntura, musi-coterapia, técnicas corporais e de re-laxamento. "A medicina está resga-tando seu papel original, que é o decuidar", opina o dr. Paulo de TarsoLima, médico e cirurgião, especialis-ta em medicina integrativa pela Uni-versidade do Arizona, nos EstadosUnidos, e responsável por essa áreano Programa Saúde Além da Cura,do Hospital Israelita Albert Einstein,em São Paulo, que atualmente ofere-ce no setor onco-hematológico acu-puntura, meditação da atenção ple-na, ioga e toque terapêutico. Segun-do Lima, autor de Medicina Integra-tiva - A Cura pelo Equilíbrio (MGEditores), essa abordagem reconhe-ce o incontestável valor de cada pro-fissional atuante, seja cirurgião, mé-dico, enfermeiro, nutricionista, fisio-terapeuta, terapeuta complementar,além do próprio paciente, visto comocorresponsável pelo processo de cura." ão há técnica melhor que outra. Aequipe multidisciplinar se reúne,avalia cada caso e, junto com o pa-ciente, decide quais recursos fazemsentido para ele, que está em primei-ro lugar." O tema está na roda. Só esteano, foram realizados, em São Paulo,três simpósios voltados para o enlaceda saúde com as terapias comple-mentares e com a espiritualidade. OInstituto Israelita de Ensino e Pesqui-sa Albert Einstein, por sua vez, iráinaugurar, em 2013, o primeiro cur-so de pós-graduação sobre medicina

Dr. Paulo de Tarso Lima, médico e cirurgião

integrativa do Brasil. Já o Hospital SãoPaulo, vinculado à Universidade Fe-deral de São Paulo (Unifesp), iráabrir, também no próximo ano, umambulatório especializado em práti-cas complementares. O Hospital eMaternidade São Luiz, na capitalpaulista, também tem novidades. Ainstituição instalou luzes de cromote-rapia em suas unidades de terapia in-tensiva. "Em nome da humanizaçãodo tratamento, ampliamos o acessode familiares e inserimos janelas paraque o paciente perceba a luz natural enão perca a noção de tempo", conta adra. Márcia Maria da Costa, coorde-nadora médica da Maternidade doHospital São Luiz.

EXPRNDINDO FRONTEIRRSA boa notícia é que essa nova com-preensão da saúde não se restringe aouniverso da medicina particular. Emmaio de 2006, o Ministério da Saúderegulamentou a Política Nacional dePráticas Integrativas e Complemen-tares (PNPIC), que autoriza a adoçãopelo Sistema Único de Saúde (SUS)de terapias como a acupuntura, a ho-meopatia, a fitoterapia, a termalismo-crenoterapia (uso de águas mineraiscorn finalidade terapêutica), além damedicina antroposófica. Outras mo-dalidades terapêuticas atuam em pa-ralelo, como é o caso de artes plásti-cas, contação de história e musicote-rapia, tripé da Associação Arte Des-pertar, de São Paulo, que há 15 anosoferece essas práticas em hospitaispaulistanos como o Instituto do Co-

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ração (Incor) e a Santa Casa de Mise-ricórdia, entre outros, beneficiandopacientes, acompanhantes, profissio-nais da saúde e funcionários. "Pormeio da arte, o indivíduo se sensibili-za, lembra dos seus potenciais, ganhaconfiança. Com isso, resgata suaidentidade, além de se desligar domedo e das tensões", afirma ReginaVidigal Cuarita, diretora-presidenteda entidade. Se, por um lado, a ver-tente integrativa vem conquistandoterreno, por outro, tem à frente o de-safio de zelar pela seriedade e quali-dade desse cuidado. "O preparo ade-quado dos terapeutas é fundamental.O profissional tem que conhecer pro-fundamente a dinâmica hospitalar,sobretudo, os desafios e as limitaçõesdesse campo", enfatiza Cutait. Osmédicos mais tradicionais tambémprecisam se abrir para essa nova reali-dade. Mas não são os únicos a se ve-rem desafiados a reformular concei-tos. "Muitos pacientes ainda desejamque o médico prescreva o tratamentoe ponto final. Querem se livrar do sin-toma o mais rápido possível e relutamem se reconhecer como agentes eloprocesso ele cura", diz o médico psi-quiatra e analista junguiano PauloBloise, coordenador do Núcleo deIntegração Mente, Corpo e Espiritu-alidade - Anthropos, grupo de estu-dos ligado ao Departamento de Psi-quiatria da Universidade Federal deSão Paulo. Ele também é o organiza-dor da obra Saúde Integral: A Medici-na do Corpo, da Mente e o Papel daEepiruualidade (Senac São Paulo).

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"Pacientes conscientes, médicos humanizados e profissionaisda saúde bem formados. Eis o caminho para uma nova medicina."

Dr. Paulo Btoise, médico psiquiatra e analistajunguiano

De acordo com Bloise, ainda hámuito preconceito nessa confluên-cia de fronteiras. Apesar do reco-nhecimento avalizado por institui-ções de renome internacional, asombra do misticismo ainda rondaas terapias complementares, o quegera resistência, sobretudo, entre oscéticos. No entanto, os númerosoferecidos pelo site Pubmed, acervode artigos científicos mais prestigia-do pela comunidade médica mun-dial, ajudam a dissipar desconfian-ças. Digitando a palavra meditaçãono campo de busca, o visitante de-para com 2 549 resultados. Se escre-ver ioga, encontra 2 047; acupuntu-

fi ra, 18 362; massagem, 10 584; cro-moterapia, 9 652; musicoterapia,3623; reiki, 1 888. "Não se trata de

.t milagre ou de curandeirismo, masde um trabalho terapêutico efetivo,cientificamente embasado", enfati-za Ricardo Monezi, pesquisador doInstituto de Medicina Comporta-mental da Universidade Federal deSão Paulo e membro do Núcleo deMedicina e Práticas Integrativas(Numepi), da mesma instituição.Ele mesmo já foi alvo de ataquespor investigar, há mais de uma dé-cada, os efeitos do reiki sobre a saú-de. este mês de dezembro, Mone-

~ zi apresentará as conclusões da suaE tese de doutorado, que investigou aZ.Qí eficácia da transmissão da energia~ circulante no Universo pela imposi-.li!~ ção das mãos no combate ao estresse~ em idosos. O pesquisador detectou:J

,3 redução dos níveis de ansiedade, de-

pressão e estresse e, em contraparti-da, elevação da percepção de bem-estar, com melhora na qualidade devida e reforço da espiritualidade.

SUTILEZRS GRRNDIOSRSNo campo da saúde integrativa, apalavra benefício precisa ser olhadacom cautela. Não é porque a terapiaé complementar que ela não acarre-ta riscos ou serve para todo tipo depaciente. Certos fitoterápicos são al-tamente danosos por afetarem a me-dicação quimioterápica, o toque demassagens vigorosas, por exemplo,pode ser invasivo demais dependen-do do quadro. Daí a importância dodiálogo entre os profissionais envol-vidos, que não só devem priorizarprocedimentos cuja eficácia e segu-rança tenham sido comprovadas co-mo precisam adequar essas ferra-mentas às necessidades e limitaçõesdos pacientes. Também é preciso le-var em conta que nem sempre o bemse expressa por meio de dados aferí-veis. Há conquistas mais sutis e sub-jetivas, mas não menos relevantes.O relaxamento, a redução da ansie-dade, o restabelecimento da con-fiança em si próprio, no tratamentoou em alguma divindade protetorasão grandes avanços quando se estáabatido e, ainda por cima, atormen-tado por uma série de sentimentoscomo medo da morte, revolta, preo-cupação de ordem financeira. Se-gundo Bloise, não há dúvidas de quepodemos contribuir ativamente pa-ra aumentar as defesas naturais do

Estudosmostram queo reiki contribuipara o declíniodo estresse,da depressãoe da ansiedade.

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organismo. E, nessa caminhada, ca-da fator relacionado ao auto cuidado- seguir o tratamento integrativo,descansar, se alimentar adequada-mente, receber afeto, procurar ativi-dades prazerosas, trabalhar a espiri-tualidade - só contribuiu para azei-tar nossas engrenagens. A relaçãoentre espiritualidade e bem-estarvem sendo examinada com curiosi-dade, haja visto a comprovada corre-lação entre posturas otimistas fren-te ao adoecer, muitas delas apoia-das em crenças, e o fortalecimentodo sistema imunológico, entre ou-tros motivos. "Muitos trabalhos têmmostrado o impacto benéfico da in-terface entre saúde e espiritualidade.Essa perspectiva faz com que o pa-ciente tenha mais aderência ao trata-mento, uma vez que ele se sente aco-lhido na relação terapêutica e passaa buscar valores que o ajudem a nor-tear a vida de forma mais saudável",afirma o dr. Frederico Camelo Leão,médico psiquiatra e psicoterapeuta,coordenador do Programa de Saúde,Espiritualidade e Religiosidade (Pro-ser), do Instituto de Psiquiatria doHospital das Clínicas da Faculdadede Medicina da Universidade de SãoPaulo. Nos momentos de fragilida-de, o ser humano tende a buscar osentido das coisas. É por isso quemuitos se escoram no aporte filosófi-co e espiritual das terapias comple-mentares, muitas delas atreladas asistemas médicos antiquíssimos, co-mo a medicina tradicional chinesa,a medicina tibetana e a medicina in-

diana ayurvédica. Em comum, essessaberes instigam a investigação maisprofunda do ser, uma vez que tra-zem em seu bojo a noção de cresci-mento interior, ampliação da cons-ciência, vivência da transcendênciapor meio da conexão com algo maiordo que o plano físico. Foi o que acon-teceu com o fotógrafo paulista PalêZuppani (veja mais detalhes no boxe)e também com uma médica do hos-pital Sírio-Libanês, que preferiu pre-servar a identidade. Diagnosticadacom câncer de mama aos 39 anos,ela atravessou sessões de quimiote-rapia e também recebeu reiki. "Nes-ses momentos, conseguia relaxar eficar quieta comigo mesma, menta-lizando que meu organismo reen-contraria o equilíbrio", lembra. "Ador me fez criar um terceiro olho.Aprendi a andar devagar, a viver ecomemorar um dia após o outro, anão me cobrar demais, a ter paciên-cia, a aceitar aquilo que não pode-mos mudar", acrescenta. A sinergiaque move a medicina integrativa nãose encerra na alta, é bom que se diga.Espera-se que, ao deixar o hospital, opaciente tenha não só recuperado asaúde como também firmado umarelação mais construtiva com a vida.A prevenção ainda é o melhor quepodemos fazer por nós mesmos.

Texto' Raphaela de Campos MelloDesign • Rosana GrimaldiFotos' Pedro Rbude

BOM HUMOR EPERSEVER~NÇ~"Ros 27 anos, descobri que estavacom leucemia. Fiquei seis mesesinternado no Hospital OswaldoCruz, em São Paulo. Depois, fuisubmetido ao primeiro transplantede medula no Hospital Rlbert Einstein,também na capital paulista, ondepermaneci por quatro meses.Recebi alta e retomei a rotina. Masa leucemia voltou. Em janeiro desteano, fui internado novamente noEinstein para o segundo transplante.Só recebi alta em agosto. Rpresença constante de familiarese amigos me ajudou muito, assimcomo a simbiose estabelecidacom meu médico hematologista,o dr. Fábio Kerbauy. De duas a trêsvezes por semana, passava porsessões de meditação da plenaatenção, ioga e toque terapêutico.Como sentia náuseas, além docansaço físico e mental, solicitavarelaxamento. Queria aplacar aagitação interna e levar a minhacabeça para fora do hospital.Em pouco tempo, acabavaembarcando num sono gostoso.Também aproveitei o período dainternação para criar, me entreter,e, por tabela, ajudar outros namesma situação que eu. Editeios vídeos filmados pela minha mãe,que registrou o dia a dia do meutratamento, e os transformeinum documentário bem-humoradode 12 minutos chamado RpenasUm Capítulo. Postei o filmeno YouTube e a repercussãofoi surpreendente. Muitaspessoas me agradeceram porter apresentado uma visão otimistaacerca do tratamento oncológico.Quanto mais você oferta energiapositiva, mais a recebe.Essa corrente me fortaleceu."

Palê Zuppani, 29 anos, fotógrafo

dezembro de 2012 • BONS FLUIDOS 1'1-1