Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

234
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEP RBEP RBEP RBEP RBEP

description

Revista Brasileira de estudos Pedagógicos, v.86, n.212 - disponível em www.inep.gov.br

Transcript of Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

Page 1: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

REVISTA BRASILEIRA DEESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEPRBEPRBEPRBEPRBEP

Page 2: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

COMITÊ EDITORIAL

Oroslinda Maria Taranto Goulart (Inep) – CoordenadoraCecília Irene Osowski (Unisinos)Leila de Alvarenga Mafra (PUC-MG)Maria Cecília Sanchez Teixeira (USP)Maria Laura Barbosa Franco (FCC)Moacir Gadotti (USP)Tarso Bonilha Mazzotti (UFRJ)

CONSELHO EDITORIAL

Nacional:Acácia Zeneida Kuenzer – UFPRAlceu Ferraro – UFPelAna Maria Saul – PUC-SPCelso de Rui Beisiegel – USPCipriano Luckesi – UFBACreso Franco – PUC-RJDelcele Mascarenhas Queiroz – UnebDermeval Saviani – USPGuacira Lopes Louro – UFRGSHeraldo Marelim Vianna – FCCJader de Medeiros Brito – UFRJJanete Lins de Azevedo – UFPEJosé Carlos Melchior – USPLeda Scheibe – UFSCLisete Regina Gomes Arelaro – USPMagda Becker Soares – UFMGMaria Beatriz Luce – UFRGSMaria Clara di Pierro – AEMarta Kohl de Oliveira – USPMiguel Arroyo – UFMGNilda Alves – UERJOsmar Fávero – UFFPetronilha Beatriz Gonçalves Silva – UFSCarRosa Helena Dias da Silva – UfamSilke Weber – UFPEWaldemar Sguissardi – Unimep

Internacional:Almerindo Janela Afonso – Univ. do Minho, PortugalJuan Carlos Tedesco – IIPE/Unesco, Buenos AiresMartin Carnoy – Stanford University, EUAMichael Apple – Wisconsin University, EUANelly Stromquist – Univ. of Southern California, EUA

Page 3: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

212 REVISTA BRASILEIRA DEESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEPRBEPRBEPRBEPRBEP

VOLUME 86

ISSN 0034-7183R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 1-233, jan./abr. 2005.

Page 4: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

COORDENADORA-GERAL DE LINHAEDITORIAL E PUBLICAÇÕESLia Scholze

COORDENADORA DE PRODUÇÃOEDITORIALRosa dos Anjos Oliveira

COORDENADORA DE PROGRAMAÇÃOVISUALMárcia Terezinha dos Reis

EDITOR EXECUTIVOJair Santana Moraes

REVISÃOPortuguês:Antônio Bezerra FilhoMarluce Moreira SalgadoRosa dos Anjos Oliveira

NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICARegina Helena Azevedo de Mello

PROJETO GRÁFICO/CAPAMarcos Hartwich

DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINALRaphael Caron Freitas

TIRAGEM3.500 exemplares

Indexada na Bibliografia Brasileira deEducação (BBE)/InepAvaliada pelo Qualis/Capes 2003 – Nacional A

A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos são de exclusivaresponsabilidade dos autores.

EDITORIAInep/MEC – Instituto Nacional de Estudose Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I,4º Andar, Sala 418CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61)2104-8438, (61)2104-8042Fax: (61)[email protected]@inep.gov.br

DISTRIBUIÇÃOInep – Coordenação de Divulgação InstitucionalEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II,4º Andar, Sala 414CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFone: (61)[email protected]://www.inep.gov.br/pesquisa/publicacoes

PUBLICADA EM OUTUBRO DE 2005

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

v. 1, n. 1, (jul. 1944 - ). – Brasília : O Instituto, 1944 -.

Quadrimestral. Mensal 1944 a 1946. Bimestral 1946 e 1947. Trimestral 1948 a 1976.

Suspensa de abr. 1980 a abr. 1983.

Publicada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, até o v. 61, n. 140, set. 1976.

Índices de autores e assuntos: 1944-1951, 1944-1958, 1958-1965, 1966-1973, 1944-1984.

ISSN 0034-7183

1. Educação-Brasil. I. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

Page 5: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

212REVISTA BRASILEIRA DEESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEPRBEPRBEPRBEPRBEP

19

21

23

39

85

APRESENTAÇÃO

Educação e sistema: a questão educacional atual– Por ocasião dos 60 anos da RBEP

Fernando Haddad

EDITORIAL

PARTE 1 – MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO

Apresentação do n°1

Editorial do n°1

A administração pública brasileira e a educaçãoAnísio Teixeira

A educação secundária no Brasil(Ensaio de identificação de suas características principais)

Jayme Abreu

Planificação educacional (planejamento escolar)José Querino Ribeiro

Escola primária para o BrasilPaulo Freire

O nacionalismo e o universalismo na culturaFernando de Azevedo

A ciência aplicada e a educação como fatoresde mudança cultural provocada

Florestan Fernandes

11

Sumário

7

109

125

95

Page 6: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussõesna realidade educacional brasileira

Paschoal Lemme

Antecedentes e primeiros tempos do InepLourenço Filho

PARTE 2 – LEITURAS DA RBEP

O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos:uma leitura da RBEP

José Carlos Rothen

Breve bibliografia sobre a RBEP

INSTRUÇÕES AOS COLABORADORES

163

189

179

225

231

Page 7: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

7

Apresentação

Os 60 anos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP) impendem uma reflexãohistórica. Em primeiro lugar, diante do só feito de completarem seis décadas de publi-cações históricas, que cristalizam o mais acurado pensamento crítico e reflexivo acerca daeducação nacional, como é possível perceber a partir dos textos publicados nesta ediçãocomemorativa. Em segundo lugar, porque pensar a educação é uma exigência nacionalpremente: a sociedade brasileira não tem, ainda, a educação como pauta de discussãourgente – pelo menos não na medida necessária, como necessidade social e economica-mente incontornável, como inadiável projeto de país. Não é trivial, em tais circunstâncias,que um periódico especializado na questão educacional sobreviva, por sessenta anos, anteo emudecimento generalizado da sociedade perante a questão educacional no País.

E o que vem a ser a questão educacional do País?A questão educacional advém da insistência do país em permanecer, geração após

geração, como campeão mundial em desigualdade social: o Brasil é um país continental,democrático, industrializado e exportador, com os piores indicadores sociais do mundo,superado apenas por certos países africanos devastados por longas guerras civis. A educa-ção tanto pode ser um veículo de distribuição de renda e de desenvolvimento social eeconômico quanto um mecanismo de concentração de renda e de entrave ao trabalho, àpesquisa e ao investimento. A questão educacional do País diz respeito, assim, à formula-ção de uma agenda para o desenvolvimento nacional a partir da educação.

No ano 2002 o País apresentava uma taxa de analfabetismo de cerca de 11,8% na faixaetária de jovens acima de 15 anos, quando esse índice é de apenas 3,2% na Argentina,4,2% no Chile e 8,8% no México. Considerando os diferentes segmentos da população, asdesigualdades se acentuam, e verificamos que a taxa de analfabetismo entre negros e par-dos é duas vezes superior à dos brancos; entre os que moram na zona rural é três vezesmaior que a verificada na população urbana; e, finalmente, entre os que ganham até umsalário mínimo, a taxa é vinte vezes maior que entre os que ganham mais de dez saláriosmínimos.

Apenas 9,4% das crianças de até 3 anos de idade possuem atendimento escolar (quan-do o Plano Nacional de Educação – PNE, aprovado pela Lei no 10.172, de 9 de janeiro de2001, aponta para um atendimento de 50% em 10 anos) e, na faixa de 4 a 6 anos, este índiceé de 61,4%. Mesmo na faixa etária obrigatória (de 7 a 14 anos), temos ainda cerca de 1 milhãode crianças fora da escola. Na faixa de 15 a 17 anos, cuja meta é a universalização, a taxa deatendimento é de 83%. Na educação superior, a situação não é melhor: apenas 9% dosjovens a ela têm acesso, e aproximadamente um terço destes, a estabelecimentos públicos.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 7-10, jan./abr. 2005.

Educação e sistema: a questão educacional atual– Por ocasião dos 60 anos da RBEP

Page 8: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

8

Além do desafio do acesso, há o da permanência. De cada 100 alunos que ingres-sam no ensino fundamental a expectativa é que apenas 57 concluam este nível deensino. Aqui, mais uma vez, verificam-se as disparidades existentes no sistema edu-cacional, pois, considerando a população ocupada, enquanto os brancos concluem emmédia 8 séries de estudo, este número é de apenas 5,7 séries concluídas por negros epardos.

É nítido o papel da educação na renovação do desenvolvimento do País. A educaçãoé o gargalo para o mercado de trabalho e pré-condição para o investimento e o desenvolvi-mento de uma sociedade justa e igualitária.

O Ministério da Educação, dando seguimento a uma concepção sistêmica da educa-ção inaugurada na gestão de Tarso Genro, procurou recompor as bases que permitem umarediscussão da educação, um revigoramento do debate nacional em torno da educação.

A educação como sistema é uma concepção da formação humana como um processosocial, que não acontece isoladamente na escola, em fases determinadas e bastantes em simesmas, mas uma parte efetiva da vida do cidadão, que o acompanha desde a educaçãoinfantil até a educação profissional, a educação superior ou a pós-graduação acadêmica,conforme o caso.

Nesse sentido, o Ministério da Educação tem envidado todos os seus esforços naarticulação entre etapas e modalidades de ensino, para que o sistema da educação nacio-nal seja recomposto. Para tanto, a atuação do Ministério passa pela educação básica, pro-fissional e superior, bem como pela inclusão educacional.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dosProfissionais da Educação (Fundeb), enviado em junho ao Congresso Nacional, pretendeoferecer uma remodelagem no padrão de financiamento da educação básica no País. Trata-se de equalizar as redes públicas municipais e estaduais de ensino infantil, fundamentale médio, bem como de ampliar a cobertura nacional da educação básica, com participaçãoda União em proporção inédita na história do País.

Ainda, a discussão em torno da lei de reforma universitária demarcou o indispensá-vel papel da universidade pública na educação superior. Nesse sentido, o Sistema Nacio-nal de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) constitui um ganho sem ressalvas, poispermitirá a expansão, com qualidade, do setor privado de educação superior. Ainda comrelação à educação superior, é necessário mencionar o Programa Universidade para Todos(ProUni), como iniciativa inédita de inclusão social.

Com relação à educação profissional, vale mencionar o Programa de Integração daEducação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos(Proeja), que oferecerá formação profissional integrada ao ensino médio na modalidade deeducação de jovens e adultos. Trata-se de uma concreta vinculação entre a formação edu-cacional e a profissional, voltada àqueles que mais necessitam. Ademais, o Projeto Escolade Fábrica, também de maneira inédita, levou a escola para o ambiente produtivo, trazen-do para o horizonte do jovem a educação profissional como alternativa.

Esses são alguns dos pontos cruciais da gestão do Ministério da Educação, pautadapor uma discussão sistêmica da educação. É mais um esforço por tornar a educação parteda agenda diária do País, como requisito para um autônomo desenvolvimento econômicoe social. Nesse contexto, o papel da RBEP é igualmente crucial: veicular o pensamentopedagógico e educacional mais criativo e crítico, inserido na história nacional, de forma apermitir uma reflexão social constante acerca da educação.

Essa edição comemorativa da RBEP demonstra como a visão sistêmica da educaçãonão é inovadora, mas responde a problemas crônicos diagnosticados pelos maiores

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 7-10, jan./abr. 2005.

Page 9: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

9

intelectuais do País. A educação como sistema social é uma necessidade indispensávelpara um país que se pretenda justo – social e economicamente.

Urge conjurar a sociedade brasileira para a questão da educação nacional, para tornara educação um debate constante, para, partindo da educação, formular um projeto depaís.

Fernando HaddadMinistro de Estado da Educação

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 7-10, jan./abr. 2005.

Page 10: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 11: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

11

Editorial

Raros são os periódicos com a permanência da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos– a RBEP, da qual comemoramos, com este número especial, os 60 anos de existência – emais raros ainda os que tiveram a contribuição de autores que se tornaram referênciaintelectual e científica, como é o seu caso. Além de publicar os primeiros estudos e relatosde pesquisas que iriam contribuir para a instituição de disciplinas como a Psicologia, aSociologia, a Antropologia, a Biologia Educacional, a História da Educação e a Filosofia daEducação, ampliava, ao mesmo tempo, o diálogo entre os que tratavam das questões polí-ticas para a universalização do ensino no País. Esta é uma das razões que justificamestudos sobre a RBEP, inclusive o de Rothen, aqui publicado nas páginas 189-224, queapresenta uma história do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, hoje denominadoInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, tendo a RBEPpor “fonte principal”.

A aspiração de autonomia relativa do Inep ante os governos expressa-se na RBEP,cujos editores procuraram sustentar sua independência editorial em momentos históricosos mais difíceis, o que a torna um instrumento ímpar na sua especialidade. O númerocrescente e a consolidação de Programas de Pós-Graduação em Educação produziram pes-quisadores e uma vasta bibliografia, inclusive uma pletora de periódicos dedicados àEducação inimaginável antes da década de 1980.

Atualmente a RBEP concorre com mais de 100 periódicos nacionais dedicados exclu-siva ou parcialmente ao tema Educação e às ciências que tratam da educação escolar e não-escolar, e, mesmo sofrendo oscilações, tem preservado os critérios de boa qualidade aca-dêmica na seleção de artigos, mantendo-se como uma referência importante para acomunidade.

O atual Comitê Editorial dos periódicos do Inep, desde sua primeira reunião, resol-veu que a comemoração dos 60 anos da RBEP seria um número especial que reproduzisseartigos que marcaram época. Adotamos um critério simples: republicar artigos que assina-lam o início de debates relevantes no cenário brasileiro. Esperamos ter realizado umaseleção significativa que possibilite uma construtiva reflexão a respeito da educação noBrasil de hoje.

Ao ler o título do artigo “A administração pública brasileira e a educação”, pode-sejulgar que se trata de um documento de menor relevância, voltado para a organização dotrabalho administrativo em seu sentido mais imediato. Seria um documento próprio deum diretor de alguma unidade administrativa a concitar seus subordinados a modificaremsuas práticas. Neste caso, Anísio Teixeira teria feito publicar seu artigo, por ser diretor do

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 11-15, jan./abr. 2005.

Page 12: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

12

Inep, com vista ao público interno do Instituto. Basta começar a leitura para verificar queele toca numa questão crucial e extremamente atual: a racionalização do trabalho, emqualquer setor, não requer “antes produtos estandardizados do que produtos diferenciados”(RBEP, n. 61, p. 3). Muito antes do debate contemporâneo a respeito do atendimento docliente, da diversificação dos produtos sem perda da eficiência técnica, Anísio Teixeiradizia que não lhe parecia impossível tal modo de produzir, uma vez que “nada há naciência que impeça o desenvolvimento de uma tecnologia para pequenas organizações, emoposição à atual, para produção em massa” (ibidem). A padronização e a centralizaçãoindustrial são “mais uma conseqüência dos atuais métodos da produção moderna emmassa, do que uma aspiração ou um ideal” (ibidem). No entanto, as conseqüências sãotomadas como sendo o modo ideal de administrar toda e qualquer organização, instituin-do-se como “natural”, “necessário”, que deve alcançar as “organizações políticas e deserviços públicos” (p. 4). Caso isto se faça por inteiro, “temos nada mais nada menos quetotalitarismo” (ibidem). Não é preciso muito mais para instigar um diálogo com AnísioTeixeira sobre a questão da racionalidade técnica.

Um dos marcos da historiografia da educação no Brasil é o trabalho de Jayme Abreu,apresentado no Seminário Interamericano de Educação Secundária (Santiago, Chile, 1955),publicado na RBEP nº 58, intitulado “A educação secundária no Brasil (ensaio de identi-ficação de suas características principais)”. O ensaio de Jaime Abreu procura identificar ascaracterísticas mais determinantes do “ensino secundário” em nosso País, recorrendo tantoà história das instituições quanto a um levantamento da situação daquele “ramo deensino” a partir de sua experiência como inspetor do ensino secundário. Cabe uma expli-cação aos leitores contemporâneos: o cargo de Inspetor de Ensino requeria ampla e rigoro-sa formação acadêmica, pois quem o exercia supervisionava o ensino nas escolas comvista a manter sua unidade em uma circunscrição ou região. Atualmente, em muitos Esta-dos da Federação, confunde-se aquela nomenclatura com a de “inspetor do ensino”, auxi-liar que mantém a disciplina nas escolas. Pode-se dizer que o trabalho apresentado porJayme Abreu, expressão de sua experiência como inspetor e de suas investigações históri-cas, inaugura o que, depois, veio a ser denominado “estudo etnográfico”. Jayme Abreuconsiderava, entre outras características, que havia “uma conjuntura típica de desarmoniaentre uma superestrutura educacional e a estrutura social a que serve e de que é projeção”(p. 28, na edição original). Suas críticas foram ratificadas por muitos outros que se envol-veram no movimento pela reforma do ensino que culminou, em 1961, com a Lei de Dire-trizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024/61). A caracterização da cultura brasileiracomo sendo “verbalista”, em que “a palavra perdeu seu caráter instrumental de fixadorade idéias, para valer por sua beleza estética, por seu ritmo, por seu aspecto ornamental”(p. 29), encontra-se em Abreu, mas vem de muito antes, pois já estava presente no Manifestodos Pioneiros da Educação Nova. Esta caracterização é um consenso que se tornou umacerta “consciência” ou um “senso” comum de uma comunidade. Outras semelhantes per-mitiram aquele movimento de reforma, mas o artigo de Jayme Abreu forneceu elementosempíricos que faltavam para justificar a ação política. Mudar a educação escolar, pararealizar uma mudança social significativa, é o tema recorrente, tratado por Anísio Teixeira,por exemplo, no artigo anterior.

J. Querino Ribeiro, em seu artigo “Planificação educacional (planejamento escolar)”,publicado no número 84, inicia por uma busca de consenso terminológico que aproximao empreendimento escolar ao das empresas modernas, que requerem planejamento segun-do suas características. O planejamento requer, em qualquer dos casos, uma “filosofia” euma “política de ação” que orientam as etapas do processo administrativo. De sua

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 11-15, jan./abr. 2005.

Page 13: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

13

perspectiva, o planejamento escolar no Brasil ainda não é exeqüível, uma vez que carecede “uma filosofia e de uma política de educação definidas; falta de decisão efetiva dos quetêm os poderes e os meios de ação”, que se aliam às “condições geográficas, históricas esociais do país” (p. 47). No entanto, à época, Ribeiro identificava as condições para asuperação daquelas carências no processo de “urbanização, industrialização e democrati-zação”, para concluir que “a escolarização moderna de sentido democrático só pode efeti-var-se em termos de empreendimento público do tipo da empresa econômica” (ibidem).Mas qual empresa? A centralizadora? Pela crítica que Ribeiro apresenta ao Projeto deDiretrizes e Bases da Educação Nacional, à época em tramitação no Congresso Nacional,parece que não deveria ser assim, pois ele tratava de “minúcias que as diferenças regionaisnão poderão [poderiam] comportar” (p. 46).

Em nossos dias podemos contrastar as posições de Teixeira e Ribeiro, explorar asnuanças das posições políticas sobre a educação escolar que opõem a centralização, simi-lar à realizada pela legislação do Estado Novo, e a descentralização e autonomia, queaparece no discurso do então diretor do Inep, bem como no do professor da USP – debateque parece encerrado, mas que sempre está em cena.

O tema centralização versus regionalização ou a autonomia relativa das instituiçõesescolares é o pano de fundo do artigo “Escola primária para o Brasil”, escrito por PauloFreire na RBEP nº 82. Este considera que o País transita de uma “sociedade fechada” parauma “aberta”, apoiando-se em Karl Popper (ver a nota 5 do artigo) para caracterizar aprimeira. Na “sociedade fechada” ou “sociedade tribal” não há diálogo, logo não háproblematização. Nela, “um dos pólos se apropria do objeto da comunicação e, negandopossibilidade ao outro para seu ‘tratamento’, deixa-o passivo e ‘acomodado’. Domesticado.No ‘ditado’ ou na doação se estimula a irracionalidade. A acomodação. No diálogo, aracionalidade com que o homem se humaniza” (p. 17). Em tal conjuntura, a escola primá-ria caracteriza-se pelo “exagero da memorização, na sonoridade da palavra, com que, fu-gindo à realidade em que se situa, se superpõe a ela. Daí por que, sem a ‘inserção’ no seucontexto, que a faria autêntica, é uma escola que não infunde esperança” (p. 21). Maisadiante, encaminhando suas conclusões, Paulo Freire dirá que “a tarefa de nossa escola é,pois, muito mais ampla e instrumental do que se pode pensar” (p. 31). Ela requer que serompa o “círculo vicioso” em que se encontra a “escola primária”, o que é factível por meioda integração da escola em seu contexto imediato, estimulando a participação dos pais navida escolar. Termina afirmando que a escola existente parece às vezes “tão fora de tempoe do espaço que é como se fosse um fantasma” (p. 33). A caracterização do distanciamentoda escola em relação à sociedade imediata, bem como do “verbalismo” de seu ensino, écomum aos autores da época, entre eles Jayme Abreu, como vimos. Freire, além disso,apresenta uma caracterização do modo de vida no Brasil: este expressa o de uma “socieda-de fechada”, tal como a definira Karl Popper. A crítica do autoritarismo alcança a escolaprimária, requerendo medidas políticas que “abram” a escola para a vida social.

Se a escola aparece como um “fantasma” por estar presa a um ideal de cultura queultrapassa as condições locais, então é preciso compreender o seu papel na vida socialbrasileira. Este um tema que vem de longe, desde antes da República. Fernando de Azeve-do, autor consagrado pelo seu A Cultura Brasileira (1943, em três volumes), retoma o temaem uma conferência proferida no Ministério das Relações Exteriores e publicada depoisno número 21 da RBEP, sob o título “O nacionalismo e o universalismo na cultura”. Apósrecordar suas oscilações a respeito da carreira a seguir, elogia o Ministério das RelaçõesExteriores, entre outras razões, por contar com um instituto de ensino, cultura e pesquisano qual não se perdeu “o culto do humanismo, considerado como um instrumento de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 11-15, jan./abr. 2005.

Page 14: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

14

libertação” (p. 423). Declara seu “gosto pelo universal”, que põe em pauta “o problema dacultura, nos seus aspectos nacionais e humanos ou das relações do humanismo e do idealnacional” (p. 424). Azevedo acentua que o Brasil, à semelhança dos Estados Unidos,realizou a “formação secular do povo” a partir de “uma constante miscigenação, de raças ede culturas”, resultando na “democratização social” e em um “sentido nacional do brasi-leiro que se formou, em conseqüência, como observa Gilberto Freyre, ‘temperado por umasimpatia tão larga pelo estrangeiro que importa em universalismo”, pelo que se garantecontra a “irrupção e preponderância do nacionalismo exagerado sobre as tradiçõestendenciais universalistas” (p. 437-438). Mais uma vez ouvimos os ecos da ideologia docaráter nacional brasileiro, bem como do de outros povos (ver p. 432-435, sobre asmentalidades). Por certo, um discurso epidítico. Como tal, afirma e reafirma valores anteum auditório especial: o do Ministério das Relações Exteriores. Universalismo e naciona-lismo não são incompatíveis, pelo contrário. O primeiro origina-se do segundo; ao sereconhecer que o estranho/estrangeiro também é humano, logo todos o somos, pois, comoafirma Paul Fauconnet, chamado em presença pelo conferencista, “cada nação tem o seuhumanismo que se reconhece no fundo de seu próprio espírito”. A alma ou mentalidadenacional é fundamentalmente humanista, logo universalista, ainda mais naquele momentoem que o florescimento das ciências e técnicas exigia uma revisão do humanismo, conformeproblematiza Léon Brunschvicz. Se a ciência é demasiadamente analítica, não seria o casode fazer o caminho inverso, da análise para a emoção? Tal caminho implica abrir-se aoestranho, ao estrangeiro, o que é imperativo aos diplomatas, mas não alheio à alma nacional.Azevedo tem a esperança de que “o homem de nosso tempo, ‘sorvendo na sua própriafonte as inspirações originais do espírito ocidental’, [tente realizar] o esforço de lhes reno-var o poder, combinando-as ao fogo do pensamento, com a vasta matéria fornecida pelaexperiência oriental” (p. 440).

A caracterização da ciência como atividade desprovida de emoção, analítica e fria,estabelece que ela necessita de um contraponto, a emoção, o sentimento, que pode serencontrado em povos menos dominados pela analicidade da cultura ocidental. Neste âmbito,pode-se propor uma ciência da educação? Se a educação é uma atividade cultural que ouemerge do contexto imediato ou realiza a integração da educação em uma culturauniversalista, então as ciências que tratem daquela prática só podem ser as sociais. Masisto seria manter o status quo, quando este precisa ser modificado. Este o tema de FlorestanFernandes em seu artigo “A ciência aplicada e a educação como fatores de mudança culturalprovocada”, publicado na RBEP número75.

Note-se que se trata de duas práticas: a “ciência aplicada” (qualquer uma delas) e a“educação” como “fatores” de um processo de “mudança cultural”. Não está em questão afactibilidade de uma ciência da educação, nem se discute as ciências da educação. FlorestanFernandes considera que os professores necessitam conhecer as ciências sociais para me-lhor agirem como educadores, auxiliando com isto no processo de produzir uma mudan-ça cultural desejável. “A ciência aplicada e a educação”, diz Florestan Fernandes, “recebe-ram, na civilização tecnológica e industrial, um desenvolvimento que exprime ainterdependência de duas ordens contraditórias de condições e de fatores” (p. 44). Umadestas ordens é a “consciência racional dos fins, dos meios e das condições ideais parapô-los em prática: a natureza abstrata do saber científico-positivo ou dos raciocínios base-ados em sua aplicação favoreceu a acumulação rápida de conhecimentos sobre os alvosque devem orientar, racionalmente, a ação humana nessas esferas”; outra, “no plano daconsciência social [...]: o grau de secularização das atitudes e da racionalização dos modosde perceber ou de explicar o mundo revelou-se insuficiente para criar [...] alvos coletivos

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 11-15, jan./abr. 2005.

Page 15: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

15

de aproveitamento racional das potencialidades socioculturais da ciência aplicada e daeducação” (ibidem). O cientista social apresenta-se como o que pode auxiliar no processode articulação de tal polaridade, especialmente no planejamento educacional. ParaFernandes, “o sucesso ou o insucesso dos planos educacionais não constitui função ex-clusiva da eficácia prática de conhecimentos específicos, fornecidos aos educadores peloscientistas sociais” (p. 77). Florestan Fernandes, como muitos outros no Brasil e no exteri-or, depositava suas esperanças na “mudança cultural provocada”, cujos agentes seriam oscientistas e os educadores. O artigo que reproduzimos é uma espécie de manifesto-progra-ma de tal linha de trabalho a ser desenvolvido pelas Ciências Sociais no Brasil.

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova já apresentara tal perfil, e suas repercus-sões foram analisadas por Pachoal Lemme na RBEP número 150. O Manifesto dos Pionei-ros veio à luz em 1932, num momento em que havia a “ânsia de transformação” social noPaís, que alcançou os “setores de educação e do ensino, ou seja, da transmissão da cultu-ra” (p. 259). Paschoal Lemme mostra as raízes do ideário defendido pelos “pioneiros”para, em seguida, afirmar que se as “aspirações não se concretizaram, não se deve debitaraos educadores o fracasso...” (ibidem). Para Lemme, as razões para o fracasso encontram-se na pressuposição da “existência de uma sociedade homogênea e democrática, regidapelo princípio fundamental da igualdade de oportunidade para todos” (p. 267). Uma vezque a sociedade brasileira não atende ao pressuposto, nem à época do Manifesto e nemhoje, então o ideário apresentado não tem como se realizar. Seria o caso de uma idéia forade lugar? Os Pioneiros teriam deixado de ver que a sociedade brasileira não atendia aquelepressuposto ou desejavam alterá-lo pela ação educacional?

Finalmente, cabe recordar a posição de Anísio Teixeira a respeito da administraçãopública, ao salientar que as dificuldades que enfrentamos originam-se em uma “concepçãode que a lei pode disciplinar um processo de cultura que, por sua natureza, é um processoa ser regulado pela consciência profissional e técnica dos que o orientem” (RBEP, n. 61, p.21). Caso assim se considere, então o problema chave não seria legislativo nem imediata-mente administrativo, mas o de formação dos educadores. Podemos, finalmente, nos per-guntar: quem educa os educadores?

Tarso Bonilha MazzottiDo Comitê Editorial da RBEP

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 11-15, jan./abr. 2005.

Page 16: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 17: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

1ª PARTE MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO

Page 18: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 19: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

19

Apresentação do n° 1

A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos não pretende ser apenas uma revista amais no rol, felizmente já numeroso, de nossas publicações periódicas educacionais.Apresenta-se como órgão oficial dos estudos e pesquisas pedagógicas do Ministério daEducação. Seu papel será reunir e divulgar, pôr em equação e em discussão não apenas osproblemas gerais da pedagogia, mas sobretudo os problemas pedagógicos especiais que sedeparam na vida educacional de nosso País.

O Ministério da Educação não pode ser somente uma agência burocrática, um aparelhode enumeração ou registro das instituições e atividades da educação nacional.

Por outro lado, não seria mais admissível que as nossas preocupações teóricas selimitassem à divulgação de idéias pedagógicas gerais, tornadas lugares-comuns na presen-te fase da hiatória da educação nova no mundo, distanciados que estamos das primeirastentativas de renovação das práticas pedagógicas e experiências (de Reddie na Inglaterra,de Lietz na Alemanha, de Demolins na França) e transposta que se acha a fase de discus-são dos princípios gerais da filosofia e da ciência da educação (Kerschensteiner, Dewey,Binet, Durkheim, Ferrier, Claparède, etc.) e de fixação das bases dos métodos ativos (mé-todo Montessori, plano Dalton, método Decroly, sistema de Winnetka, etc.).

Forçoso é observar entre nós mesmos, no âmago da vida escolar brasileira, as nossasdireções e práticas, recolher cuidadosamente os resultados de nossa própria experiência,e tentar fixar, à luz dos princípios gerais hoje indiscutíveis e tendo em vista as experiên-cias de mais expressiva significação dos outros países, os conceitos e as normas especiaisque devam reger o nosso trabalho nos vários domínios da educação.

Outro objetivo não tem o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos senão este de sero centro nacional dessas observações e pesquisas. E a publicação que agora se inicia, aRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos, se apresenta como um instrumento de indaga-ção e divulgação científica, como um órgão de publicidade dos estudos originais brasilei-ros de biologia, psicologia e sociologia educacionais e também das conclusões da experi-ência pedagógica dos que, no terreno da aplicação, trabalham e lutam pelo aperfeiçoamentoda vida escolar de nosso País.

Rio de Janeiro, 11 de julho de 1944.

Gustavo CapanemaMinistro da Educação

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 19, jan./abr. 2005.

Page 20: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 21: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

21

Editorial do n° 1

No movimento educacional brasileiro dos últimos tempos três tendências dominan-tes podem ser observadas: a de expansão geral da rede escolar do País; a de acentuadoaumento de matrícula nos ramos do ensino do segundo grau, ou daqueles destinados àjuventude; e, enfim, a de fortalecimento do ponto de vista nacional na consideração dosmais complexos problemas de organização pedagógica. Vai sendo corporificado, dessemodo, o ideal de maiores oportunidades para todos com o esclarecimento dos objetivossociais da educação; e é afirmada também a consciência de maior unidade da culturabrasileira a ser difundida e aprofundada pela obra da escola. Tais tendências, facilmenteapuradas à vista dos índices estatísticos, ao exame das providências de governo, e confir-madas, ainda, na agitação de idéias pela imprensa e pelo livro, desenvolvem-se ao influxoda sadia política de reconstrução do País, instaurada em 1930. A esse fecundo movimento,vem dando coordenação e expressão definida o Ministério da Educação, por seustrabalhos de reforma, suas realizações e estudos, suas pesquisas e publicações. Já se faziasentir, no entanto, entre estas, a falta de um periódico de cultura pedagógica, para livredebate das grandes questões da educação nacional, esclarecimento oportuno das condi-ções de seu desenvolvimento, e registro de suas progressivas conquistas. Assentada, des-de algum tempo, a. publicação desse órgão, pelo Ministro Gustavo Capanema, torna-se elapossível, agora, com a garantia de continuidade e pontualidade a desejar-se. Surge assim,no momento próprio, a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, para congregar os estu-diosos na observação dos fatos educacionais, exame dos princípios e doutrinas, e cuida-dosa análise das mais importantes questões de aplicação. Em suas páginas, terão acolhidaartigos de colaboração, em que se exponham e debatam opiniões. Aqui se registrarão, cadamês, resultados de trabalhos realizados pelos diferentes órgãos do Ministério, dados esta-tísticos, os textos de lei e as decisões administrativas de maior relevância. Não faltarão,também, sucintos estudos de aplicação, de modo a difundir normas de orientação pedagó-gica, que a prática tenha estabelecido como proveitosas, e os princípios da moderna didá-tica sancionem como legitimas. Apresentar-se-ão ainda notas bibliográficas, informes so-bre a vida educacional nos Estados e no estrangeiro, e transcrição de artigos da imprensa,quando dedicados aos assuntos pedagógicos do momento. Editada pelo Instituto Nacio-nal de Estudos Pedagógicos, a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos não se destina aapresentar apenas o movimento desse órgão técnico: deverá desenvolver mais amplo pro-grama, aberto, como se vê, à colaboração dos especialistas de todo o País. Com esse propó-sito é que se apresenta esta publicação, animada do sincero desejo de contribuir para aformação de uma esclarecida mentalidade pública em matéria educacional; para dar reflexo

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 21-22, jan./abr. 2005.

Page 22: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

22

às idéias do professorado brasileiro de todos os níveis e ramos do ensino; para registrar,enfim, os rumos da pedagogia brasileira na fase, em que se encontra, de viva renovação ede clara afirmação social. Se, nesta hora tão grave do mundo, por toda a parte acrescem asresponsabilidades dos educadores, verdade é também que a consciência desses novosdeveres bem clara se apresenta ao professorado nacional. Tão certo está ele de que, comorepetidamente tem afirmado o Presidente Getúlio Vargas, “é na educação que havemos deencontrar sempre o mais poderoso instrumento para fortalecer a nossa estrutura moral eeconômica”, e, assim, que, “todo o nosso esforço tem de ser dirigido no sentido de educara mocidade e prepará-la para o futuro”.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 21-22, jan./abr. 2005.

Page 23: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

23

A administração pública brasileirae a educação**

Anísio Teixeira*

(Caetité-BA, 1900 – Rio de Janeiro-RJ, 1971)

* Por questão de espaço, deixa-mos de incluir notas biográficassobre os autores dos artigosconstantes deste número.Assim, remetemos o leitor aoDicionário dos educadores noBrasil: da Colônia aos diasatuais, organizado por Maria deLourdes de Albuquerque Fáveroe Jader de Medeiros Britto e edi-tado pela Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ), em2002, no qual a vida e a obra deimportantes nomes da educaçãonacional são analisadas pordiversos estudiosos. (N. do E.)

** Publicado originalmente naRBEP v. 25, n. 61, p. 3-23, jan./mar. 1956.

1ª PARTE

Não é nenhuma novidade afirmar-se que uma das tendências de nossa época, com oprogresso das comunicações e das técnicas, é o crescimento das organizaçõeshumanas, não só no sentido da área territorial sob seu alcance, como no da densidade

de sua força unificante e uniformizante. Toda a indústria moderna é uma ilustração, quasediria assustadora, dessa tendência. As críticas ao gigantismo americano se fazem sempreà luz desses aspectos estandardizantes da técnica, excessivamente mecânica, dos tempos atuais.

Essa tendência à grande organização da indústria e à uniformização dos seus produ-tos decorre do caráter mecânico da produção e da conseqüente facilidade de se produzi-rem, em massa, antes produtos estandardizados do que produtos diferenciados. A des-truição da produção local e da variedade dos produtos é, assim, mais o resultado daprodução industrial e mecanizada, do que objetivo deliberadamente pretendido e procurado.Se fosse possível idêntica eficiência industrial com fabricação diversificada e em pequenaescala, não creio que alguém se opusesse à idéia, que, aliás, não me parece impossível,pois nada há na ciência que impeça o desenvolvimento de uma tecnologia para pequenasorganizações, em oposição à atual, para produção em massa.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 24: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

24

domínio – não para produzir, mas para con-trolar. A sua eficácia consiste em conter e su-bordinar, sendo, assim, centralizador por es-sência e natureza. As técnicas modernas decomunicação e transporte; portanto, se fize-ram logo instrumentos preciosos de sua açãofiscal, policial e militar, tornando possíveis,afinal, os grandes maciços políticos, entre osquais tende o mundo, hoje, a dividir-se.

A concentração de poder nos Estadosseria a conseqüência da sua própria naturezaexpansionista como organizações do Poder –poder político. A concentração de poder naprodução industrial seria, principalmente,um resultado da aplicação de métodos uni-formes e mecânicos de produção. Os doisfenômenos são diversos, embora, tanto emum quanto em outro caso, se registre a mes-ma subordinação do indivíduo à organiza-ção, com perda conseqüente de independên-cia e liberdade individual, tanto na organiza-ção do "Estado", quanto na produção moder-na, seja esta, a meu ver, do tipo capitalistaou do tipo socialista.

Ambas as tendências, hoje facilitadaspelas técnicas modernas, seja a do Estado aopoder absoluto, seja a da produção industri-al moderna à concentração – que acaba porse tornar uma outra forma de poder – , nãosão tendências pacificamente aceitas, mas,pelo contrário, tendências contra as quais vemlutando o homem, infatigavelmente, na buscade uma organização do Estado e do trabalhoem que se conciliem as suas necessidades,de segurança – Estado e eficiência – trabalho,com as necessidades de certa independênciae liberdade individual, que lhe parecem,talvez, ainda mais que as primeiras,imprescindíveis ao seu bem-estar e felicidade.

Nesse sentido, pelo menos desde 1776(Revolução Americana) e 1789 (RevoluçãoFrancesa), vem-se tentando a organizaçãode um Estado, que afinal viemos chamarde democrático, em que o indivíduo con-serve um mínimo de independência pessoale, na parte em que se sinta subordinado,participe, de algum modo, do poder aque esteja sujeito, intervindo em sua

A minha observação, contudo, restrin-ge-se, nos limites da argumentação que de-sejo aqui desenvolver, ao aspecto de serema centralização e a estandardização indus-triais mais uma conseqüência dos atuaismétodos da produção moderna em massa,do que uma aspiração ou um ideal. Busca-se produzir mais e com a maior eficiênciapossível e para isso se organiza a produçãoem série e em larga escala, com o máximode planificação, mecanização, divisão dotrabalho, uniformização das operações euniformização de produtos.

A "produção" fundada, assim, em pla-nos uniformes e na repetição indefinidadas mesmas fases operatórias faz-se algode quase automático, reduzindo-se ao mí-nimo a participação individual do operá-rio e exaltando-se ao máximo a contribui-ção central no sentido de planejamento edecisão. Toda a organização industrial fun-ciona, então, como um organismo, com asfunções centrais de deliberação e as fun-ções automáticas de execução.

A velha e pretendida analogia de "orga-nização" com "organismo" ganhou, assim, emface dos métodos modernos de produção,um novo vigor, tornando menos evidente anão menos velha "falácia do administrador",que consiste exatamente nessa propensão acrer naquela falsa analogia e julgar a organi-zação um organismo, como os biológicos,com existência própria, necessidades pró-prias e até interesses próprios.

A transferência desse espírito, até certoponto compreensível ou explicável naspuras organizações industriais, para as or-ganizações políticas e de serviços públicossó em parte pode ser feita. Quando a trans-ferência se generaliza, temos nada mais nadamenos que totalitarismo.

Ocorre, porém, que o Estado, indepen-dente da tendência moderna de centralizaçãoe concentração do poder da organizaçãoda indústria, já possuía a tendência àcentralização.

O Estado, como organização, busca a cen-tralização como forma de exercício do seu

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 25: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

25

constituição e podendo ainda recorrer dosseus atos, mediante mecanismos indireitose complicados, mas suscetíveis de razoá-vel eficácia.

Tais propósitos, dos mais caros ao es-pírito humano, opõem-se às tendências doEstado para aumentar o seu poder sobre oindivíduo e à do trabalho em se organizar demodo a transformar o homem em engrena-gem de máquina, corrigindo e moderando estasúltimas tendências, quando se tornam inevi-táveis, ou, cancelando-as, simplesmente,quando supérfluas ou impertinentes.

Os próprios termos que estou a usarrevelam que tais tendências não são algoque se encontra na natureza das coisas, masoutros tantos propósitos, corporificados empessoas ou grupos de pessoas, que usamvontade e força para impor limitações e uni-formidade ao comportamento humano. OEstado, no fim de contas, são os seus fun-cionários, que, embora divididos em orga-nizações aparentemente impessoais depoder – legislativo, executivo e judiciário –têm uma vontade coletiva e inconsciente ten-dente à concentração e centralização dopoder. E o trabalho são as empresas indus-triais, que também têm a sua propensãonatural à expansão, com as conseqüenteslimitações à independência individual nãosó dos seus operários, como dos seuspróprios clientes.

Do outro lado, opostos ao Estado e àsorganizações de produção, temos a vonta-de dos indivíduos, organizada em partidospolíticos ou em associações, sindicatos euniões, nem sempre lúcidos e eficazes emsua luta contra as tendências expansionistase absolutistas das duas primeiras forças re-feridas – estatal e industrial – muito melhororganizadas.

Tais considerações visam mostrar quan-to é legítimo e necessário examinar-se a ten-dência à racionalização mecânica da vidamoderna, que, longe de constituir-se em algosempre e indiscriminadamente benéfico ouimplacavelmente inevitável, é uma tendên-cia a se admitir com reservas, a moderar

sempre que inevitável e a combater sempreque supérflua ou pedantesca, ou grosseira-mente contraproducente.

Outra não é a tarefa da democracia, que,constituindo, historicamente, a luta do ho-mem pela organização de um Estado em quefique salvaguardada a sua relativa indepen-dência individual, passou a ser também asua luta por uma organização do trabalho,em que não se veja transformado em engre-nagem pura e simples de uma máquinaeconômica.

A feição mais sutil por que se insinua atendência totalitária do progresso materialmoderno está no convite que tal progresso,à primeira vista, parece fazer à organizaçãoem massa, ou em grande escala, fundada nadivisão do trabalho e especialização defunções. Tomado, com efeito, o progressotécnico como simples arsenal de meios deação e considerando-se que, teoricamente,não há limites para o tamanho da organiza-ção, desde que se dividam e uniformizemas funções e se especializem as pessoas paraessas funções, está aberto o caminho para ogigantismo organizativo moderno, com aconseqüente impessoalidade da organizaçãoe concentração irresponsável de poder nopequenino grupo de dominantes emandantes, do vértice da pirâmide.

A tirania e irresponsabilidade desse tipode organização é a mais perfeita das que ohomem logrou criar, em sua história, atéhoje. Porque não é tirânico apenas o grupocentral, dotado de capacidade de decisão,mas cada um dos indivíduos componentesda organização, que, agindo como peça demáquina, tem a implacabilidade e airredutibilidade do dente da engrenagem.

Os tempos modernos, em face disto,estão assistindo a uma fase de absolutismo,que excede tudo que se experimentou emrelação ao poder absoluto de reis e sacerdo-tes, o que não deixa de estar suscitando cer-tas atitudes irônicas de saudade ou mesmode volta ao regime do poder pessoal. Afinal,um tirano pessoal é melhor do que um tira-no gelidamente impessoal...

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 26: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

26

A democracia, como regime do homempara o homem, importa em evitar tais orga-nizações monstruosas, aberrantes da dig-nidade humana, sejam elas do Estado oudo trabalho, ou só permiti-las se e quandonão ponham em perigo essa imprescritívelqualidade de respeito pelo indivíduo, queé a marca de toda saudável organizaçãohumana.

Em relação ao Estado, os remédios de-mocráticos são os da difusão e distribuiçãodo poder por organizações distritais, mu-nicipais, provinciais e nacionais ou fede-rais, em ordens sucessivas, autônomas, deatribuições, de modo que a centralizaçãototal, acaso inevitável, fique reduzida emseu alcance somente às funções mais geraisdo Estado soberano, em rigor, às relaçõescom outros Estados, à segurança e à defesa.Na parte em que o Estado assume funçõesque não lhe são privativas, a democraciarecomenda um pluralismo institucional,que impeça toda centralização perniciosa aoprincípio fundamental de respeito da orga-nização pela pessoa humana. Difusão, pelaextrema distribuição, do poder propriamen-te do Estado e pluralização competitiva dasorganizações outras que prestem serviçosou rejam, de qualquer modo, direto ou in-direto, a vida humana, são os dois modospelos quais a democracia luta contra a ten-dência totalitária na utilização dos novosmeios de controle e produção obtidos pe-los progressos técnicos modernos.

Ora, é essa luta democrática que se in-terrompeu, entre nós, em 1937 e que, reto-mada nominalmente em 1945, está longede haver feito o que já devia ter realizado.

Embora não se possa considerar queo País, mesmo no período em que passoupela coqueluche fascista, tenha sido inte-gralmente totalitário, o espírito das leisdo chamado Estado Novo foi o da maisextrema centralização, uniformização emecanização da administração pública. Jo-gando com as aparências modernas da ten-dência concentracionista do poder que,de começo, sucintamente focalizamos,

e falando um jargão pseudocientífico de"racionalização de serviços", o Estado Novoelaborou um conjunto de leiscentralizadoras e uniformizadoras na or-ganização política, jurídica e administra-tiva do País, como, talvez, não tenhamostido nem sequer na colônia. E não somen-te no plano federal. A fúria uniformizantee centralizante estendeu-se aos Estados eaos municípios, como se fazer tudo domesmo modo, de forma mecânica eestandardizada, sem respeito às circuns-tâncias nem às pessoas, fosse o últimoestágio do progresso.

Uniformizaram-se e unificaram-se gover-nos, impostos, orçamentos, quadros, esta-tutos de pessoal, repartições e serviços, semconsideração de lugar, nem de tempo, nemde circunstâncias, nem de pessoas. Proce-deu-se, além disso, à centralização dos ser-viços de pessoal e material de todos os go-vernos, desde o federal e os estaduais até osmunicipais, destruindo-se, de um jato, todasas independências e diferenciações e crian-do-se monólitos burocráticos tão gigantescosquanto inoperantes.

Essa tremenda reforma administrativadecorreu e foi acompanhada de uma sériede leis uniformes para todo o país, sobretodos os assuntos, sem excetuar quaisquersetores especializados – nem mesmo a edu-cação, em cujo campo ou domínio se decre-taram "leis orgânicas" a respeito de todos osramos e níveis de ensino, com incríveis de-talhes de matérias ou disciplinas, currículose programas, quiçá até horários.

São os resultados dessa centralização euniformização, antes de tudo, profundamen-te antidemocráticas, que iremos analisar emalguns dos seus aspectos, e muito especial-mente em suas conseqüências sobre aeducação nacional.

Mas, vamos, primeiro, à administraçãogeral, pois, centralizada como ficou esta,os seus efeitos são omnímodos e invademtodos os serviços públicos, inclusive aeducação. Com fundamento numa distinçãoperfeitamente óbvia entre serviços de meios

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 27: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

27

e serviços de fins, ou serviços auxiliarese serviços executivos, como melhor se po-deriam chamar, praticou-se a monstruo-sidade de se centralizarem os serviços demeios, sob o pretexto de que esses pode-riam ser estandardizados e concentrados,à maneira de serviços industriais, paramaior economia e eficiência da máquinado Estado. Desse modo, transformou-setodo o governo federal em um "organis-mo" único, em rigor uma única reparti-ção, cujo diretor geral seria o Presidenteda República; o diretor do Dasp – o seusuperassistente; os ministros – merosdiretores de serviços; os chamadosdiretores – apenas chefes de seção. Nessemonólito federal, a linha de comando real,era Presidente – Diretor do Dasp –diretores dos departamentos de adminis-tração – diretor de orçamento, diretor dematerial e diretor de pessoal, isto é, osdetentores dos "meios", os quais, a des-peito de sua tremenda importância, deve-riam atuar automaticamente como atuamnos organismos biológicos, os seus órgãosviscerais em oposição aos voluntários, queseriam os órgãos dos "fins". Como, porém,"organização" não é "organismo", os deten-tores dos "meios" ficaram efetivamentecom a força, o poder, e os dos "fins", coma veleidade e a impotência. O grande gi-gante todo-poderoso da organização imen-sa ficou com os músculos para um lado eo cérebro para outro.

Em torno da linha de músculos – osmeios – passaram a agitar-se ministros e di-retores, supostos cérebros da organização,ganhando ou perdendo poder conforme omaior ou menor "prestígio", ou a maior oumenor habilidade. O Ministro da Fazenda,na sua função de detentor também dos mei-os, era o único que se aproximava um pou-co do poder autônomo da grande linha deforça das funções que, por ironia, sechamavam "adjetivas".

Durante oito anos viveu o país nessaparadoxal anarquia, provocada pela centra-lização das funções-meios e conseqüente

competição dos que detinham as funções-fins, junto aos que detinham funções-meios,para conquistarem um lugar ao sol,nos grandes e extraordinários planosunificados e formais da nova administração"científica" do país. Todo o período trans-correu nesse pandemônio, em que, comoera natural, se algo se fazia era quandoalguns detentores dos "meios" se metiam ater "fins" e a realizá-los por conta própria,ou a "proteger" alguns dos detentores dos"fins" para realizar o que os "meios"quisessem ou julgassem bom. Daí os"grandes projetos" do DepartamentoAdministrativo do Serviço Público (Dasp),repartição evidentemente de "meios", nasistemática "racionalizadora", e que passoua ser o próprio governo federal.

A imobilização da administração fede-ral, em face dessa divisão e separação entrefins e meios e da centralização dos serviçosde meios, transformou-se em fato deobservação quotidiana.

Por certo que não é impossível a cen-tralização dos serviços de meios, sendo atéaconselhável senão necessária; mas, em or-ganizações de tamanho suficientemente ra-zoável, nas quais o comando central fiquecom alguém que tenha poder eficaz sobre osfins e sobre os meios, pondo esses efetiva-mente a serviço daqueles. Sempre, porém,que a organização for demasiado grande paraesse controle efetivo pelo comandounificador, ter-se-á de desdobrar a organiza-ção, ou de sofrer as conseqüências de veros serviços centrais de meios tomarem, sub-versivamente, o controle efetivo de toda aorganização.

E foi isso o que se deu entre nós. Comefeito, os centralizados serviços de meios,na administração federal, estariam, teori-camente, sob o comando do Presidente daRepública, por meio do Dasp e do Minis-tro da Fazenda, e dos demais ministros,estes por seus diretores de Administração.Mas, como nenhuma das 11 autoridadesgovernamentais (Presidente e Ministros)pode ser realmente administradora, pois

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 28: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

28

suas funções políticas as absorvemprecipuamente, a máquina dos "meios"entra a operar por si e a ser governada so-mente pela sua força de inércia, sem co-mando geral unificador nem propulsãointerna, sem sinergia nem unidade com osórgãos-fins, o que transforma toda a suaforça em uma força cega e irresponsável,acessível somente às pressões externas eigualmente irresponsáveis da corrupção,do "prestígio" ou do "jeito".

A "racionalização" dos serviços gerou,assim, uma anarquia fundamental, de al-cance muito superior à possível anarquiados múltiplos órgãos semi-autônomos ecompletos, do período histórico e empíricoda administração brasileira.

Não foi, porém, a anarquia e imobilizaçãodos serviços públicos o pior mal do equívoco"racionalizante" da administração pública bra-sileira. A corrupção generalizada e airresponsabilidade a que foi arrastado ofuncionário parecem-me males muito maiores.

Quando falo em corrupção eirresponsabilidade, não me estou referin-do a faltas pessoais dos funcionários, masa condições gerais que determinam, salvoexceção, atitudes generalizadas decorrupção e irresponsabilidade. Qualquerexemplo pode demonstrar o que desejodizer. Imaginemos uma simples fila deprotocolo. Os protocolos, como se sabe, fo-ram todos centralizados. Ali, na fila, estousubmetido a uma autoridade que, à medi-da que o objeto do meu pedido ou de minhanecessidade for mais remota ou distante doconhecimento real do funcionário de queestou a depender, o que se dá sempre queesse funcionário estiver em um serviço cen-tralizado de meios, no caso o protocolocentral da Fazenda, por exemplo, nessa me-dida estou a depender de sua boa vontade.Essa boa vontade é algo que se move inde-pendente do seu sentimento de dever. Talfato gera imediatamente uma situaçãoque considero de corrupção ou irres-ponsabilidade. O meu direito passa a nãoser exigível. O funcionário tem outros casos

a tratar. Não vejo eu quanta gente está a de-pender dele! E, então, só a sorte, o "agrado"que consegui suscitar ou o meu "prestígio"podem ajudar-me. Tal situação é uma situa-ção corrupta de minha parte e irresponsá-vel da parte do funcionário. Não se corrigepor conselho, nem pelo aperfeiçoamentomoral de nenhuma das partes, mas, pela re-dução da distância entre o trabalho do funcio-nário e o centro, onde a operação total estejasendo considerada, redução que se dá sem-pre que houver desconcentração dos servi-ços e organização dos mesmos em blocos, tãoautônomos e completos quanto possíveis.

Há que evitar as organizações excessi-vamente grandes e, sobretudo, as linhascentralizadas de serviços, na realidade, au-xiliares, e que, centralizados, se transfor-mam em serviços em que os meios passama valer como fins em si mesmos, acabandopor obstruir todas as atividades reais ou"substantivas", operando-se a pior das sub-versões que é a da supremacia dos meiossobre os fins, com a conseqüência aindamais grave de criar a irresponsabilidade dosfuncionários dos serviços auxiliares, poisesses, não tendo consciência da subversãogerada pelos fatos, embora negada pela lei,não se sentem, efetivamente, responsáveispelas conseqüências perturbadoras, maisdo sistema do que deles próprios.

A irresponsabilidade, mesmo no caso dehaver consciência da situação criada, não podeser corrigida por nenhum dispositivo do sis-tema, pois o único encontro das linhas dosmeios com a linha dos fins seria naqueles 11comandantes centrais do sistema – Presidenteda República – Diretor do Dasp – ministro –todos tão distantes, que se pode considerar,com algum exagero, um encontro no infinito.Mas, se o encontro efetivamente se desse, emtodos os casos de conflitos entre os meios eos fins, então os 11 comandantes (ministros)nada mais teriam a fazer do que resolver osproblemas dessas linhas de meios, perden-do-se nos problemas processuais de materiale pessoal da administração, não para criar aeficiência administrativa, e sim para se

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 29: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

29

ocuparem de sua parte formal, centralizada,de tal sorte que todas as suas horas seriampoucas para fazer marchar a infinita eatravancada linha de montagem.

Todos sabemos, aliás, que é isso quese dá com o pouco que acaba por chegar aocomando central e que as nossas supremasautoridades, nem com doze horas de traba-lho diário, conseguem pôr em dia o núme-ro de processos de pessoal e material, queacabam por lhes chegar às mãos, em cadadia, nessa incrível e monstruosa linha demontagem, sem direção nem comando, quesão os serviços centralizados de meios naadministração da República, compreenden-do o pessoal, o orçamento e o material.

Por isso mesmo, já de muito deixoude ser trabalho de Presidente da Repúbli-ca ou de Ministro ter qualquer programasistemático de trabalho (e já não digo degoverno) ou pretender pôr a máquina sobseu comando ao menos em condições deoperação eficaz, o que seria a sua mínimaobrigação, uma vez que a lei os faz geren-tes, efetivamente gerentes, dessa imensamáquina única em que se transformou ogoverno federal.

Rebaixados, com efeito, Presidente eministros a simples administradores e lhessendo impossível a administração efetiva,dados seus outros encargos políticos e so-ciais e a grandeza incontrolável do maciçoadministrativo assim criado, entra a máqui-na burocrática imensa a operar, como jádisse, pela força da inércia e pelas pressõesexternas das partes e dos interesses, e osadministradores, no caso, o Presidente e osministros, a arranjar "programas extraordi-nários", cada um escolhendo duas ou trêscoisas a que possam prestar atenção e paraas quais têm de usar todo seu poder e pres-tígio (às vezes, com que sacrifício!) a fim dever se as levam adiante.

Só as grandes organizações dos cha-mados serviços adjetivos e de meios –o Ministro da Fazenda, o Dasp, os serviçosde orçamento, de pessoal e de material (parteformal) – escapam, entre nós, ao tremendo

sentimento de frustração que permeia todaa administração pública. É que tais servi-ços-meios, a despeito de sua fantástica ine-ficiência, quando funcionam dão tal satisfa-ção e quando não funcionam inspiram talreceio e respeito às partes deles dependen-tes, que constituem para seus funcionáriosfontes de pura, rara e larga fruição de poder.Seus funcionários são, em geral, genteinflada, pelas circunstâncias, quando nãopor tendências pessoais, de imenso sensode importância, dispondo, por conseguinte,de certa condição, vulgar e elementar, é certo,mas muito significativa para se considera-rem felizes: o poder de fazer o mal ou o bem,como verdadeiros deuses.

E aí está uma das fortes razões psicoló-gicas do triunfo do sistema. A outra é a felizirresponsabilidade em que acabam por cairtambém os especialistas, os verdadeiros téc-nicos a cujo cargo se acham os fins. Comopouco ou nada podem fazer, é infinita a com-placência de toda gente para com estes po-bres diabos, sobretudo quando, por algumaarte não arranjam algo de independente arealizar ou não se insinuam na aparelhagemdos meios, obtendo que qualquer coisa ve-nha também a depender deles. Nada se lhespede e, se conservam-se quietos e amáveis,podem também levar vida muito agradável.São amados por tão pouco poderem, assimcomo são temidos e respeitados os homensdos "meios".

Nisso é que deu a moderníssima"racionalização" dos serviços empreendidano Estado Novo. Há, porém, um poucomais. A algum observador menos atiladopoderia parecer que, afinal, isso é o que seestá passando em todo o mundo. E meoporiam as grandes organizações maciças donazismo, do fascismo, do comunismo, ou,mesmo, do governo americano – a doPentágono, por exemplo, a cujo cargo estátoda a defesa do "mundo ocidental".

A peculiaridade da grande organizaçãomonolítica brasileira – a do nosso governofederal, que estamos a focalizar em contras-te com qualquer dos exemplos monstruosos

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 30: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

30

que nos oferece o mundo nesse reino dasmacroorganizações, consiste na força deinércia ou na feição estática da organizaçãobrasileira. Os demais macroorganismos sãoinstituições dinâmicas, com uma tremendaforça de propulsão e pontos sensibilíssimosde consciência. Se algo funcionar errado, amáquina toda se quebra, qualquer desleal-dade é punida violentamente e o centro estáanimado de extrema excitabilidade paraacompanhar o próprio dinamismo da orga-nização total. Reclamações funcionam, todoum sistema de controles e supercontrolespercorre o organismo do monstro, que é friono sentido nietzscheano, mas vivo, tremen-damente vivo.

Coube ao nosso país criar organizaçõessemelhantes, mas totalmente desprovidasde sensibilidade, não frias e duras, porémmornas e sorumbáticas, quase diria mor-tas, deixando que se processe nas juntasda grande maquinaria sacudida apenas pe-las pressões externas, uma multidão depequenos processos operatórios indepen-dentes, com que alguns, com a devida ha-bilidade ou jeito, conseguem o que seriaimpossível, mesmo em pequenas organiza-ções nucleares e autônomas. O prestígio,a relação pessoal e o "jeito" são ma-nipuladores solertes do monstro, que, foradisto, é frio sem ser cruel, tardo sem im-pertinência, obstrutivo sem insolência, de-primido e deprimente sem consciência aomenos disso.

É esse amaciamento brasileiro das con-dições brutais da organização absurda, juntocom aqueles privilégios psicológicos jáapontados, sobretudo o do novo senso deimportância criado para os funcionários dosserviços de "meios", que faz com que tudoisso funcione, sai ano e entra ano, comoalgo não só normal, como até esplêndido.Só alguns marginais, excessivamente imper-tinentes, é que ainda se irritam e criticam...

Para se ter idéia do estado espiritual,digamos assim, da burocracia brasileira,da sua euforia, do seu êxito, do seu statussocial, basta observar as posses dos altos

funcionários, sejam ministros, ou direto-res de serviços de "meios", ou serviçosautárquicos. A acomodação com a organi-zação é tão extraordinária que constituipara mim uma das maiores provas davirtuosidade brasileira, que sabe de tudoperceber as vantagens e passar a dançarde acordo com a música...

Não ficaram, porém, a centralização euniformização dos serviços públicos bra-sileiros e a divisão das funções de meiose de fins limitadas apenas ao governo fe-deral, que, no fim de contas, não prestan-do às populações brasileiras nenhum ser-viço essencial direto, salvo o da seguran-ça e da defesa, podia sofrer tal gigantismoesterilizante e fatal. O mesmo espírito,durante o período do Estado Novo, pene-trou os Estados e os municípios. O Daspmultiplicou-se em DSP estaduais e atémunicipais e a nova "ciência da adminis-tração" impregnou toda a ação dos Esta-dos com o caráter formalístico da ação fe-deral, dividindo e separando fins e meios,uniformizando e centralizando estes últi-mos e provocando, por toda parte, a mes-ma ineficiência e imobilização dos serviçospúblicos.

A crítica esboçada à organizaçãomonolítica do governo federal pode esten-der-se aos governos estaduais, onde tambémse processou a mesma hipertrofia e centrali-zação dos serviços de meios, com a perdada eficiência dos serviços de fins, e a redu-ção das funções dos governantes aos traba-lhos de direção formal do pessoal e do ma-terial ("meios"). A situação nos Estados ain-da se tornou mais grave, dada a naturezados serviços essenciais que lhe estãoprecipuamente afetos, como os da saúde, daeducação e de alguns serviços urbanos. Emalguns casos, nos municípios atingidos peloespírito "científico" da administração, o de-sastre atingiu caráter catastrófico, como é ocaso da administração municipal do Rio deJaneiro (DF), um dos maiores casos deteratologia administrativa talvez existentesem todo o mundo.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 31: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

31

Com efeito, toda a Prefeitura do Riode Janeiro é um imenso e ineficiente servi-ço de pessoal, comandado por uma secre-taria de administração, que é umapeculiaridade de Dasp municipal, comagravantes sensíveis sobre o federal, poistem a efetiva administração de todo o pes-soal, podendo-se bem imaginar qual nãoseja a sua ação retardadora e obstrutivasobre todos os demais serviços da cidade.

Porque não pode ser esquecido que,não constituindo atribuição do governo fe-deral prestar serviços diretos à populaçãobrasileira, os erros de sua organização degoverno são suscetíveis de produzir malesinfindáveis, desconfortos inacreditáveis,mas, não chegam a poder parar o país, comoé o caso dos governos estaduais e dos go-vernos municipais, que atuam em setoresde interesse vital imediato para as respecti-vas populações.

Salvo a vida financeira e econômica,que, praticamente, passou, de fato, a de-pender do governo federal, os demais as-pectos da vida brasileira escapam, de certomodo, à ação federal. Note-se, com efeito,que os serviços de defesa, que atingiram,afinal, o grau de eficiência que atingiram,fizeram-se quase, se não de todo, indepen-dentes da organização governamental, cons-tituindo-se praticamente verdadeirasautarquias, com autonomia suficiente parase fazerem eficientes. E os departamentosdo Ministério da Viação, que têm real pres-tação de serviços a fazer, também se fizeramrelativamente independentes. No mais, so-mente funcionam razoavelmente no gover-no federal serviços fiscais e de controle,pois apenas esses resistem ao poderobstrutivo e retardador da sua"racionalizada" organização burocrática.

* * *

Passemos, porém, embora rapidamen-te, ao exame dos aspectos da centralizaçãoem relação a pessoal, com a criação de"carreiras" e "quadros únicos".

Além da organização centralizada, comespecialização das funções adjetivas e subs-tantivas, o Estado Novo legislou sobre o fun-cionário público, deixando-se também aí do-minar pelo espírito formalista euniformizante, elaborando um estatuto úni-co para o funcionário administrativo, o téc-nico e o professor, criando um sistemade deveres e direitos absolutamenteinsuscetível de ser controlado, pois tal con-trole se distribuiu por uma série de funcio-nários, sem autoridade final, reservada estapara o órgão central, que, todo poderoso edistante, age com total irresponsabilidade.

Além dos estatutos únicos, tivemos osquadros únicos, de sorte que todos os fun-cionários passaram a pertencer à grande or-ganização impessoal de todo o Estado e aser lotados nos diferentes serviços, comoseus hóspedes mais ou menos passageiros.

Este fato foi um dos mais radicais, quese poderia praticar, para acabar com a histó-ria e a fisionomia específica de cada servi-ço, destruindo-se de um só golpe todas asrepartições do Estado, por assim dizer, eretirando-se ao funcionário a possibilidadede se devotar ao seu serviço. Selecionado erecrutado por um órgão central e por eledistribuído ao serviço especial, pode-se per-ceber como o funcionário terá duas lealda-des a cultivar: ao serviço central, que real-mente tem poder sobre ele, e ao serviço es-pecial em que se acha lotado. Quando setratar de funcionário administrativo, isto é,um funcionário de meios, ainda poderá ha-ver uma certa identidade de critérios entreo serviço especial e o central, mas, no casodos funcionários técnicos ou de ensino, adivergência é inevitável. O serviço centralnão pode ser onicompetente para entenderde todos os serviços, passando, então, a fa-zer a funcionários técnicos e ainda mais aosde ensino exigências idênticas aos adminis-trativos, com grave prejuízo para estes e paraos serviços.

Mas, não é só isso. O mais grave é adualidade de autoridades a que se vê, prati-camente, subordinado o funcionário,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 32: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

32

podendo resolver seus casos com o podercentral dos "meios" sem dar satisfação aopoder específico, ao qual, realmente, pres-ta os seus serviços. Tal fato produziu umadesmoralização generalizada dos serviçosespecíficos e encoraja cada vez mais a suaprogressiva desagregação. Não direi quetal devesse ser o resultado teórico daorganização. Bem sei que se previateoricamente outro funcionamento, mas, naprática, o que se dá é isso, que, para serevitado, exigiria que os diretores dos servi-ços-fins se dispusessem a verdadeiras ba-talhas em relação ao seu pessoal comresultados por certo muito duvidosos.

Ora, todo esse espírito de centraliza-ção e unificação invadiu, como já afirma-mos, os Estados. Os governos estaduaisforam unificados, à maneira do governo fe-deral, dando-se todo o poder ao governa-dor, assistido por DSP estaduais, sobre osserviços centralizados de pessoal, de orça-mento e de material. As secretarias, comoos ministérios, passaram a depender des-ses órgãos centrais. Processou-se, assim, naEducação, agora "elevada" à categoria de se-cretaria, a mesma curiosa anarquia e impo-tência administrativa. O sistema escolar foienvolvido na unificação e passou a ser di-rigido pelo governador, assistido pelosecretário e pelo DSP estadual.

Anteriormente, as escolas eramdirigidas por Departamentos de Educação,providos por diretores gerais, geralmente co-nhecedores do seu trabalho e com poderessuficientes para administrar técnica e mate-rialmente as escolas, cujo pessoal lhes eratodo subordinado. Havia, pois, espírito pro-fissional e unidade na direção das escolas,condições imprescindíveis para um mínimode eficiência. O diretor respondia peranteum secretário, geralmente do Interior, ao qual,cabia não a administração, mas a supervi-são geral da educação.

O espírito de "racionalização" criou assecretarias de Educação, cujo provimentohavia de ser de natureza política, e lhes deutoda a responsabilidade de administração.

Tal secretário – político e administrador –não tem sequer o poder do antigo diretor-geral, porque, dada a unificação do governo,o real diretor-geral é o governador com DSPestadual, e o secretário, o seu assistente emeducação. Dada a centralização de todo opoder com o governador, como na União,com o Presidente, é puramente ilusória adivisão do governo em secretarias e minis-térios. Separadas as funções de meios e finse estando as primeiras centralizadas, as se-cretarias são muito menos autônomas queas antigas diretorias-gerais.

Desse jeito, as reformas provocarampraticamente uma perda do espírito profis-sional na direção das escolas – pois o cargode secretário não podia nem pode ser técnico– e ao mesmo tempo, por mais paradoxalque pareça, foram aumentadas terrivelmen-te as responsabilidades técnicas dessa dire-ção. Com efeito, transformando todas as es-colas, com os quadros únicos para todo oEstado, em uma só imensa escola, obrigouo administrador, isto é, o governador com oseu secretário, à tarefa impossível de admi-nistrar o sistema escolar, com um todo úni-co, nomeando, removendo e promovendo,não em cada escola, mas em todo o Estado,o seu professorado, o seu pessoal adminis-trativo e o seu pessoal subalterno.

Imaginemos algum industrial que dis-pusesse para as suas cem fábricas de um sóquadro de pessoal, que ele distribuísse docentro para os cem estabelecimentos fabris,que mantivesse. Pareceria absurdo. Entre-tanto, seria imensamente mais fácil que umquadro único para, digamos, as 15 milescolas do Estado de São Paulo.

Pode-se bem avaliar o que isso deve terprovocado nos sistemas escolares. Deve ter-se dado uma profunda alteração na histó-ria, na fisionomia, no caráter das escolas.Deve-se ter perdido a individualidade decada escola, algo de impessoal deve ter sidocriado, tornando as escolas instituiçõesdesenraizadas, imprecisas e fluidas. A mo-bilidade de professores, diretores eserventuários gera, por um lado, essa perda

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 33: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

33

de personalidade da instituição e, por ou-tro, lhe comunica um sentimento de impo-tência e de irresponsabilidade.

Embora julgada célula ou unidade dogrande organismo abstrato que são todas asescolas do Estado, passa, realmente, a serum fragmento, movido ou sacudido porordens do centro, que, de tão remoto, fez-se acidental ou fatal, como as forças cósmi-cas, importando a monstruosa centraliza-ção na mineralização das escolas, que se"organizam" e "desorganizam" como os aci-dentes geográficos, sujeitos às forças inde-pendentes e distantes dos ventos e das chu-vas, a que, por fim, acabam por se identifi-car as ordens, instruções e determinaçõesdo poder central distante.

Toda centralização, mesmo razoável,importa sempre em criar-se certairresponsabilidade no centro e certa impo-tência na periferia. Mas, quando a centrali-zação conduz à desintegração das unidadespor ela atingidas, por isto que se separamas suas diferentes funções, que passam aórgãos centrais, por sua vez, independen-tes, como é o caso brasileiro, com a separa-ção prática dos fins e dos meios, em taiscasos não é só a irresponsabilidade do cen-tro e a impotência do órgão atingido que secria; cria-se, na verdade, a real desintegra-ção do órgão, que ainda parece existir, nasua aparência física, mas, de fato, já nãofunciona.

Somente a centralização dos chamadosserviços de meios – pessoal e material – teriade produzir a desintegração da escola, partidaque ficou esta em sua unidade substancialpela dualidade de autoridades independen-tes a que se via submetida. Houve, porém,mais do que isso. O espírito formal e buro-crático de uma falsa técnica administrativa,concebida como uma ciência autônoma deorganização e de meios, não distinguiuserviços de controle e fiscalização dos serviçosde condução de atividades próprias eautônomas como os de educação. De modoque estes serviços passaram a ser reguladosde forma idêntica aos de arrecadação de

impostos ou de fiscalização da legislaçãotrabalhista.

Transformou-se a educação em uma ati-vidade estritamente controlada por leis eregulamentos e o Ministério da Educação eas Secretarias de Educação em órgãos de re-gistro, fiscalização e controle formal do cum-primento de leis e regulamentos. A funçãodesses órgãos é a de dizer se a educação élegal ou ilegal, conforme hajam sido ou nãocumpridas as formalidades e os prazos legale regularmente fixados.

De tal sorte, a educação do brasileiro,que é um processo de cultura individual,como seria o processo do seu crescimentobiológico, passou a ser um processo formal,de mero cumprimento de certas condiçõesexternas, que se comprova mediante docu-mentação adequada.

E foi esse fato que transformou oMinistério da Educação, durante o períodoestadonovista, no organismo central de con-trole e fiscalização da educação, em tudo equi-valente a um cartório da educação nacional.Ali se registra e se "legaliza" a educação minis-trada aos brasileiros. É o cartório e ocontencioso da educação nacional, atuandomediante autos de processos, e provadocumental, concedendo o direito de educare fiscalizando o cumprimento da lei nasatividades públicas e particulares relativas aoensino.

É certo que o governo federal, além des-sa ação de controle e fiscalização, mantémum estabelecimento de ensino secundário,algumas escolas industriais, várias univer-sidades e escolas superiores e institutos deensino especial.

A administração desses institutos empouco ou nada difere da administração co-mum de qualquer órgão burocrático do go-verno. O seu pessoal está centralizado, àmaneira comum, dependendo do departa-mento de administração, pela sua diretoriade pessoal, e, em última instância, do Dasp.O mesmo, de referência ao material.

Programas, seriação, métodos de ensino,horas de trabalho, condições de matrícula,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 34: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

34

de exames, etc., tudo se acha estritamenteregulado por lei e o estabelecimento federalem nada difere dos estabelecimentos de ensi-no particular "equiparados", no que dizrespeito ao controle legal das atividadeseducativas. Difere destes últimos nas dificul-dades – conseqüentes à centralização de par-te dos seus serviços (pessoal e material) – dese administrar eficientemente, o que vem con-duzindo o país a uma idealização dascondições do ensino privado, tido, pormuitos, como mais eficiente do que o público.

A legislação de tipo uniforme e auniformização dos métodos e processos decontroles, por um lado, e a centralização dosserviços de pessoal e material, por outro lado,determinaram a completa burocratização doMinistério da Educação, que se fez umatravancado cartório de registro de centenasde milhares de documentos educativos e umineficiente administrador das poucas escolas,que ainda mantém.

O mal é muito grande, mas podia sermuito pior, se estivesse a cargo do governofederal toda a educação nacional.

Nos Estados, a situação é mais grave, porisso mesmo que há grandes serviços educa-cionais, com milhares de escolas públicas.Tais escolas, quando puramente estaduais,encontram-se sob o controle de um governounificado, como o federal, isto é, transforma-do todo ele em uma só repartição, com servi-ços à parte e centrais de pessoal e material, oque torna praticamente impossível a admi-nistração individual de cada escola.

Na parte dos métodos e conteúdo doensino, o mesmo espírito unificante preva-lece, tudo sendo determinado pelo centro,segundo normas rígidas uniformes.

Quando a escola, além desse controlecentral do Estado, está ainda sujeita à le-gislação federal, passa a funcionar em obe-diência a instruções ainda mais distantes,as instruções federais, e a ter, praticamen-te, uma dupla direção – a do diretor esta-dual e a do fiscal federal.

A transformação de todas as escolas emuma só escola monstruosa, com seções

espalhadas por todo o Estado, um quadroúnico de pessoal e distribuição uniforme dematerial, só por si destruiria, como já disse,a individualidade de cada escola, mas, alémdisto, as escolas têm todo o seu trabalhouniformizado e controlado por órgãos ad-ministrativos centrais e órgãos técnicos cen-trais, que acabam por lhes destruir mesmoa aparência de integridade.

Com efeito, o fato de haverem perdidoa autonomia quanto a pessoal e material ini-cia a desintegração da escola. Essa desinte-gração se completa com a supressão da au-tonomia quanto ao ensino, sua seriação,métodos e exames. Levada a ordenação ex-terna da escola até esse ponto, é evidenteque nada restará senão o automatismo dediretores e mestres, a executar o que nãoplanejaram, nem pensaram, nem estudaram,como se estivessem no mais mecânico dosserviços.

Ora, mais não será preciso dizer paraexplicar a pobreza, a estagnação, a total au-sência de pedagogia, que vai pelas nossasescolas. Com o tempo reduzido, pelos tur-nos, os horários e os programas determi-nados pelo centro, os exames feitos igual-mente por órgãos técnicos e centrais, o pes-soal e o material dirigidos por DSP aindamais centrais – não há possibilidade de vidana escola, pois vida é integração e autono-mia e, na escola de hoje, os processos de"racionalização da administração" destruí-ram toda integração, transformando-a emuma justaposição de aspectos impostos emecânicos.

Mesmo que se tratasse de um simplesserviço material, digamos que as escolasnão tivessem senão que alimentar as crian-ças, centros de alimentação organizados eadministrados dessa sorte, isto é, por po-deres centralizados e distantes delas, nãoseriam eficientes. Mas, escolas não são ser-viços materiais, e sim, casas de educação,exigindo que alunos e educadores tenhama autonomia necessária para juntos condu-zirem um processo que é, por excelência,pessoal e tão diversificado quanto for o

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 35: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

35

número de alunos que ali se estiveremeducando. Se há tarefa que não pode obedecera planos previamente fixados é a da educação.

A educação é um cultivo individual,diferente em cada caso. Quem se educa é oaluno e a ele tem o mestre de atender. Sealgum serviço jamais terá aspecto mecâni-co, este será o da educação. Ciência, técnicae filosofia da educação sempre hão de cons-tituir não receitas, mas esclarecimentos paraconduzir a experiência única e exclusiva,que é a educação de cada um.

Diagnósticos de situações, medidas dosresultados obtidos poderão ser feitos, mastudo isso servirá somente para fornecer in-dicações e sugestões sobre o que deva cadamestre em cada situação observar e ver, paraconduzir melhor o processo educativo,como o médico deve conduzir individual-mente o processo de cura. Se em medicinase diz que não há doença, mas doentes, emeducação ainda é mais verdade que não hásenão educandos.

Se o processo educativo e, assim, in-dividual e peculiar a cada um, está claroque, de todas as instituições, nenhuma pre-cisa de maior autonomia e liberdade de açãodo que a escola. Essa autonomia vai do alu-no ao professor, até ao diretor do estabele-cimento. Cumpre dar a cada estabelecimentoo máximo de autonomia possível e essa re-gra é a grande regra de ouro da educação.Tudo que puder ser dispensado, como con-trole central, deverá ser dispensado.

Logo, primeiro, as chamadas funçõesadjetivas não poderão ser centralizadas. Osamericanos chamam a esse aspecto da admi-nistração – "housekeeping-administration". Éo arranjo daquelas condições materiais e pes-soais, sem as quais a casa não funciona. Es-tas funções serão especializadas, mas per-tencem à casa. Cada estabelecimento terá asua mordomia, mas não haverá uma mordo-mia central, pois é contraditória a próprianoção de mordomia central. Depois, a dire-ção quanto a programa, seriação e métodospode atender a conselhos e sugestões docentro, mas, como elementos para o plano

próprio e individual de cada escola e em cadaescola, de cada classe.

Pouco importa o número das escolas.Todas deverão ter o máximo de autonomia,sendo a sua unidade não imposta, emboraresultante e resultado de idéias comuns,conhecimentos comuns e práticas comuns.Nessa unidade, haverá todas as diversifi-cações, segundo as circunstâncias detempo, lugar e pessoa.

As escolas só voltarão a ser vivas, pro-gressivas, conscientes e humanas, quando selibertarem de todas as centralizações impos-tas, quando seu professorado e pessoal a elapertencerem, em quadros próprios da esco-la, constituindo seu corpo de ação e direção,participando de todas as suas decisões e as-sumindo todas as responsabilidades.

O princípio da autonomia, consagradoquanto à universalidade, tem de se estendera todas as escolas, como o princípio funda-mental de organizações de ensino. As limita-ções dessa autonomia devem ser apenas aque-las limitações impostas pela necessidade deeficiência, o que se verifica, nos casos emque ao professorado e corpo dirigente faltemexperiência ou tirocínio suficiente para aautonomia.

Por isso mesmo é que a aplicação doprincípio vai do máximo de autonomia uni-versitária até ao mínimo no ensino primá-rio. Compreenda-se, contudo, que a limita-ção da autonomia, mesmo no ensino primá-rio, não significa a subordinação da escola adecisões finais do centro, mas a um meca-nismo de organização e supervisão, pelo qualprofessor e diretor sejam assistidos e auxi-liados em seus planos, na sua organizaçãode trabalho e na execução e medida dosmesmos.

Ainda quando falte, assim, ao professora completa autonomia, nem por isto se há deadmitir que seu trabalho se faça sem a suaparticipação e sem que, no final de contas,ele próprio o julgue e o aprecie, à luz damelhor assistência técnica que lhe puder seroferecida, pelos órgãos supervisores eorientadores.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 36: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

36

* * *

As dificuldades legislativas e adminis-trativas para que as nossas instituições deensino possam ser o que devem ser, decor-rem, na realidade, da concepção de que alei pode disciplinar um processo de cultu-ra que, por sua natureza, é um processo aser regulado pela consciência profissionale técnica dos que o orientem.

Aí se enraíza o erro cometido, entre nós,por uma confusão entre o âmbito da lei jurí-dica, propriamente dita, e o dos processosexistenciais de ação e vida, como é o de edu-cação. A lei, em educação, tem de se limitara indicar os objetivos da educação, a fixarcertas condições externas e a prover recur-sos para que a mesma se efetive. Não podeprescrever as condições internas do seuprocessamento, pois essas condições são re-sultantes de uma ciência e uma técnica emconstante desenvolvimento, e objeto do con-trole da consciência profissional dos próprioseducadores, e não de leis.

Assim fazemos em medicina, em enge-nharia, em agricultura e assim temos defazer em educação e ensino.

O formalismo e o jurisdicismo da le-gislação do Estado não se podem aplicar,pois, em educação, senão dentro desses li-mites e nesses termos. Todas as demaisnormas de administração, de técnica deensino, de exames, de métodos, de horári-os, etc. são e não podem deixar de sernormas profissionais, e não legais, sujeitas,portanto, ao delicado arbítrio de interpre-tação, que essas normas profissionais com-portam em oposição à rigidez das normaslegais.

A educação e a escola, entre nós, sãovítimas, assim:

1) da organização monolítica do Esta-do, que não reconheceu que os ser-viços de educação precisavam deorganização própria e autônoma;

2) da conseqüente centralização, nosserviços comuns do Estado, do seu

pessoal e, em parte, pelo menos, doseu material;

3) da concepção errônea de que o pró-prio processo educativo podia serobjeto de estrito controle legal;

4) de sua conseqüente organização emserviço de controle e fiscalizaçãolegalísticos, centralizado e mecani-zado como qualquer outro serviçofiscal do Estado;

5) de uma concepção de "ciência daadministração", como algo de autô-nomo e geral, que se pode aplicar atodos os campos, constituindo-se,por isso, o administrador em um es-pecialista em tudo, capaz de organi-zar seja lá o que lhe der na telha or-ganizar, resultando daí um tipo deorganização divorciado do verdadei-ro conhecimento do conteúdo daadministração, com a hipertrofia ine-vitável de meios e processos pura-mente formais e, na realidade,formalísticos, que desatendem edesprezam os fins.

Parece-me, assim, necessário, se desejar-mos restaurar as nossas escolas, retirá-las domagma da administração geral e formal doEstado e dar-lhes organização autônoma.

Ministério e secretarias de Educaçãoprecisam ter organização especial, como osministérios militares pelo menos, e, sob cer-tos aspectos, ainda mais radical, dada a na-tureza peculiaríssima dos seus serviços deeducação e cultura.

Nessa organização especial, o âmbito decontrole legal deve ser mínimo, devendo fi-car tudo que disser respeito aos aspectosinternos dos processos educativos e cultu-rais sujeitos ao controle de órgãos exclusi-vamente profissionais, específicos, medianteinstruções permanentes e facilmentemodificáveis, à luz da melhor consciênciaprofissional existente.

Administrativamente, as escolas se de-verão constituir órgãos autônomos, à manei-ra de fundações, sujeitas ao controle e

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 37: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

37

fiscalização de órgãos centrais, também elesgovernados por normas estabelecidas porconselhos técnicos.

Somente assim poderá o Estado man-ter escolas com a mesma capacidade de efi-ciência com que as mantêm as organizaçõesprivadas, isto é, em obediência à naturezada atividade educacional que resolveu ele,Estado, assumir, em tudo e por tudo dife-rente das suas comuns atividades de fisca-lização e controle, que são, mais especifica-mente, a sua função privativa.

A nossa crítica à administração públicabrasileira seria, por certo, muito menos ra-dical, se as suas normas fossem aplicadas

tão-somente a serviços de controle e fiscali-zação, mas aplicadas, como são, mesmo aosgrandes empreendimentos do Estadomoderno – como os da saúde e da educação–, tínhamos que mostrar que são elas nãosó ineficazes, mas, o que é mil vezes pior,profunda e irremediavelmente maléficas eantidemocráticas.

O movimento pelas autarquias e "cam-panhas" vem constituindo a reação do bomsenso brasileiro a esse estado de coisas. Urgesairmos desses paliativos e reorganizar to-dos os nossos serviços educacionais na baseúnica em que poderão funcionar – o da suaautonomia e independência.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005.

Page 38: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 39: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

39

Apresentação

Oestudo sobre a educação secundária no Brasil, feito pelo professor Jayme Abreupara o Seminário Interamericano de Educação Secundária, realizado em Santiagodo Chile sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos, sai agora na

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.Trata-se de exposição crítica e corajosa elaborada por educador brasileiro de longa

experiência com esse ramo de ensino e que agora integra o corpo de estudiosos da educa-ção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos no seu serviço de levantamentos einquéritos do ensino médio e elementar** (Cileme).

O Prof. Jayme Abreu fez, antes deste trabalho, o levantamento cuidadoso e completodo sistema escolar do Estado do Rio de Janeiro, onde também estudou especialmente oensino secundário. A experiência conquistada por este estudo de campo bem como seulongo convívio com o ensino secundário, como inspetor desse ramo de ensino, permitiram

A Educação Secundária no Brasil:(Ensaio de identificação de suas característicasprincipais)*

Jayme Abreu(Salvador-BA, 1909 – Rio de Janeiro-RJ, 1973)

* Trabalho apresentado ao Semi-nário Interamericano de Educa-ção Secundária, realizado emSantiago do Chile em janeiro de1955. O temário foi organizadopela Divisão de Educação doDepartamento de Assuntos Cul-turais da União Panamericana.Publicado originalmente naRBEP v. 23, n. 58, p. 26-104, abr./jun. 1955.

** Referência à Campanha deInquéritos e Levantamentos do En-sino Médio e Elementar (N. do E.).

1ª PARTE

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 40: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

40

ao Prof. Jayme Abreu tratar o assunto com a largueza, a segurança e a intrepidez necessá-rias à análise de um ramo do ensino médio que está sendo, no Brasil, por um conjunto decircunstâncias, o mais importante, do ponto de vista de conseqüências sociais.

Além deste trabalho, também aqui se publica o estudo feito sobre a educação secun-dária na América Latina, seu crescimento, suas tendências em face do seu passado histó-rico-cultural, suas debilidades presentes, com as sugestões do Seminário para que elaatinja, com propriedade, seus objetivos. A fidelidade e utilidade desse estudo feito peloProf. Jayme Abreu, tomando como base os documentos levados ao Seminário, fizeramcom que o Dr. Guillermo Nanetti, diretor da Divisão de Educação da OEA e presidente doSeminário, manifestasse o desejo de sua “divulgação, a mais ampla”, o que ora se intenta.

O Inep, pela Cileme, está a proceder a uma série de estudos especializados, que a esteestudo geral virão juntar-se, para dar ao País os elementos indispensáveis à formação deuma opinião esclarecida e fundada sobre sua problemática educacional.

Anísio Teixeira

5. A primeira e óbvia condição para al-cançar as finalidades em vista seria a daintegração do aluno com a escola, atravésde sua significativa presença no ambienteescolar. Ocorre porém que, na maioria abso-luta dos casos, a presença máxima do alunoserá de 160 dias no ano durante o períodode um turno, enquanto duram suas aulas.Além disto, as classes são numerosas, coma média de 40 alunos, a preocupação de pre-parar para exame é absorvente, tudo isto di-luindo contatos e a relação professor-aluno.

6. Nesses moldes usuais de funciona-mento, escolas secundárias brasileiras sãoconsideradas boas de acordo com a exten-são das noções que consigam fazer decorarpor seus alunos, apuradas através de exa-mes que são a grande razão de ser da ativi-dade escolar, não podendo, por intrínsecaslimitações funcionais, atingir os fins de for-mação integral da personalidade discente aque a lei as propõe.

7. O exame da literatura e, principal-mente, das práticas vigentes na escola se-cundária brasileira revela que a tendêncianela efetivamente atuante é a de instituiçãoconservadora, apenas transmissora da he-rança social e não reconstrutora dos ideaisda cultura.

8. Há um desajuste, que vai ficandocada vez mais nítido, entre os princípios de

Tema 1: Natureza e finsda educação secundária

1. Os objetivos gerais, legais, da escolasecundária brasileira são os formulados atra-vés da Lei Orgânica do Ensino Secundário,de 1942.

2. Segundo a dita lei, de âmbito nacio-nal, esses objetivos são os de formar a per-sonalidade integral do adolescente, desen-volvendo-lhe a consciência patriótica ehumanista, propiciando-lhe a cultura geral,como base para estudos superiores.

3. A conversão progressiva do ensinosecundário brasileiro num ensino não so-mente de classe privilegiada, suas possibi-lidades legais de articulação com os ensi-nos agrícola, comercial, industrial e outroscursos técnicos do mesmo grau, vem fazen-do muito mais importante sua virtual capa-cidade de desenvolver e orientar aptidõesdo que a de preparação para estudos supe-riores. A escola secundária vem sendo umacrescente agência distributiva daadolescência brasileira.

4. A crítica a fazer sobre o funciona-mento da escola secundária nacional, emrelação aos objetivos que lhe são legalmen-te postos, é que o conceito excede a reali-dade, o ideal institucional fica muito alémde sua efetivação.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 41: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

41

escola para classe dominante que ainda ainspiram e dirigem e a gradual democrati-zação dos seus quadros, através da incor-poração a eles, de camadas populares,sempre maiores.

9. Pode identificar-se assim, nesse se-tor, uma conjuntura típica de desarmoniaentre uma superestrutura educacional e aestrutura social a que serve e de que éprojeção.

10. Nessa desarmonia pode compro-var-se como é certo que, nada obstante aatividade educacional não possuir força so-cial ativa por si mesma, por isto que de-pende necessariamente de situações objeti-vas, sociais e políticas, nem sempre é elaexpressão exclusiva dessas situações.

Isto porque o trabalho educacional de-pende grandemente de tradições que lhe sãopróprias e às quais está sujeito. Ocorre queessas tradições, perpetuadas na educação,já estão, muitas vezes, proscritas na vida so-cial e política. Conflitos então emergem en-tre a educação e as condições de vida, capa-zes de entravar ou retardar consideravelmentea marcha da reforma e da experiência educa-cional, tal como sucede no caso brasileiro.

11. Imbuída do espírito de instituiçãopropedêutica de academia, não tem a esco-la secundária nacional considerado devida-mente as conseqüências dessa progressivaincorporação de camadas heterogêneas dapopulação à sua clientela.

Mantém-se presa a fórmulas e estilosacadêmicos, dominada por um humanismobeletrista de inspiração clássica que, sobrenão corresponder a uma concepção atuali-zada de humanismo, está longe de atenderàs multiformes exigências de uma conside-rável massa de interesses e necessidades doseu discipulado.

12. Basta atentar-se na acelerada multi-plicação e heterogeneidade de sua populaçãodiscente, refletir-se que menos de 20% dela éque chega à conclusão do curso, ponderar-seque hoje já não é mais ela uma pequena ehomogênea escola destinada ao patriciado ru-ral do País, mas, principalmente, o habitat

de uma classe média urbana em ascensão so-cial, para se compreender o anacronismo querepresenta o seu tradicionalismo conservador.

13. Essa estratificação a tem levado as-sim a uma flagrante crise estrutural, pelodesajuste de suas práticas em relação aosinteresses e necessidades dominantes emsua população discente, advinda quase ex-clusivamente da concentração demográficaurbana produzida pela industrialização doPaís.

14. Observadores da escola secundáriabrasileira assinalam nela a presença da tra-dição retórica e literária que historicamentea impregnou, hoje deformada num arreme-do sem sentido, porque imotivada para amaioria daqueles a quem se destina.

15. Intérpretes do passado histórico-cultural do País explicam a dominância des-se aspecto verbalista na cultura nacional,que, entrado em crise, se refugiou noconservadorismo da escola.

16. Manipulando o Brasil uma culturade transplantação portuguesa, cristalizadano medievalismo de conceitos que não pas-saram pelo crivo inquiridor e revisionistada Reforma e do Renascimento, de cujocadinho de conflitos e disputas filosófico-religiosas emergiriam as instrumentalidadespara a interpretação do mundo moderno,nutrida pela dogmática autoridade da Igre-ja, intérprete incontrovertida de fatos e te-orias, pela Revelação, faltou, necessária eprolongadamente, à cultura brasileira, es-tímulo e vitalidade próprios capazes deelevá-la acima da passiva aceitação de prin-cípios já consolidados, por uma necessi-dade, que não sentia, de rever e reexaminaro sentido da vida, pelo acicate da angústiafilosófico-religiosa.1

17. Daí a configuração verbalista da cul-tura brasileira, onde a palavra perdeu seucaráter instrumental de fixadora de idéias,para valer por sua beleza estética, por seuritmo, por seu aspecto ornamental.

Note-se que este tipo de cultura se ajus-tava perfeitamente aos seus consumidores,representantes de um patriciado rural

1 Vide “A crise brasileira”(Jaguaribe, Hélio, em Cadernosdo Nosso Tempo).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 42: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

42

abastado, que nela se comprazia, através dojogo floral do formalismo estético de umaliteratura verbalista de lazer e divertimento.

18. Com o surto industrial do País e asdecorrentes mutações dos estilos de vidagrupal, novas, mais duras e já mais compe-titivas as condições de vida, esse verbalismocultural perdeu o sentido e a clientela bateuem retirada, porém subsistiu refugiado nainstituição estratificada que vem sendo aescola brasileira, especialmente a secundária.

19. Se os estudos de ciências naturaisconquistaram o seu lugar na organizaçãocurricular da escola secundária nacional,deve observar-se todavia que, na prática,são eles retoricamente ministrados, na maiorparte dos casos. E o ensino de TrabalhosManuais vem sendo ainda um desajustadoe subestimado enxerto no currículo, cujosó batismo já demonstra indisfarçável ten-dência à falsa distinção aristocrática entretrabalho manual e intelectual.

20. A inspiração “humanista” prevale-cente na escola secundária brasileira é po-larizada ainda na direção de identificaçãodo “humano” apenas com a lingüística e aliteratura.

Em nome desses princípios aristocrá-ticos se impõem os sete anos compulsóriosde latim e o ensino de três línguas moder-nas, buscando a sobrevivência de velhasfórmulas já completamente imotivadas, por-que representantes dessa “cultura humanistaque nunca foi democrática” (Fernando deAzevedo, A cultura brasileira) e que vai per-dendo interesse com a expansão do ensinosecundário, alienando progressivamente ocaráter de ensino de classe privilegiada.

21. Visando, legalmente, a uma for-mação humanística que não é entendidacomo o humanismo moderno e que nãotem, aliás, condição de realizar na prática,funciona a escola secundária brasileirarigidamente em termos de escolapropedêutica para cursos superiores, o quetambém não chega a conseguir eficazmen-te, nem é a finalidade para a qual serve a90% dos que a ela se dirigem.

Natureza da escolasecundária

22. O termo escola secundária, noBrasil, em seu sentido técnico, correspondeà segunda grande divisão da escalaeducacional, de cujo tronco (ensino médio)é o ramo julgado mais importante.

23. Em tempos não muito remotos o seuconceito não era o de escola também desti-nada às classes populares e sim de escolade classe dominante, preparatória para osestudos superiores de uma elite.

24. Com as mudanças na estrutura so-cial do País, está ela perdendo, gradualmen-te, o caráter de escola de classe dominante,ainda que continue imbuída desse espíritoem suas formas e funções.

25. Não tem vigência no País o princí-pio da universalidade da escola secundáriacomo obrigação do poder público.

As leis que estabelecem ao poder pú-blico a obrigação de ministrar educação se-cundária restringem-na aos desfavorecidoseconomicamente, e mesmo assim não têmefetivo cumprimento.

26. Nas escolas secundárias públicasprevalece o regime da gratuidade de estu-dos, indo algumas vezes até à gratuidadeativa, concedendo uniformes, livros, etc.

27. A freqüência escolar é obrigatória; aescola é leiga, sendo todavia facultativo oensino de religião; o regime de co-educaçãoé admitido em lei e usualmente praticado.

28. As leis vigentes fixam o mínimo deonze anos de idade cronológica para ingressona escola secundária.

29. O financiamento da educação secun-dária não é realizado através de taxas ouimpostos especiais e sim através de recursosorçamentários globais.

30. Como escola que funciona em ter-mos de ministradora de noções para exa-mes e em torno dessa finalidade tendo ór-gão sua vida “intelectualista”, poucaefetividade tem essa escola quanto ao aten-dimento de aspectos como os de cuidadocom a saúde física, objetivos cívico-sociais

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 43: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

43

de preparação para cidadania e para o tra-balho construtivo em cooperação, para o in-teligente emprego de horas de lazer, para aformação de critérios de apreciação de va-lores econômicos como consumidor, etc.

31. Todas essas preocupações deveriamderivar da natureza da sociedade onde fun-cionam as escolas, que, pretendendo seruma sociedade democrática, requereria, parasua existência, uma presença generalizadade cidadãos esclarecidos.

E deveria considerar-se que o “desen-volvimento máximo da personalidade é ameta que surgiu diretamente do idealdemocrático” (W. S. Elsbree).

32. Em verdade, a escola secundária bra-sileira vem funcionando como instituição“restrita em finalidade e pobre em conteúdo”,que, quanto mais se lhe delegam encargospara com os seus discentes e para com asociedade, por força, inclusive, de perda devirtualidades educativas de agências como afamília, a igreja, etc., vem minguandoprogressivamente seu campo de atuação.

33. Há pouca penetração de um idealeducacional claramente formulado e se a

opinião pública apreça a educação, trata-semais de um apreço mágico do que de umacompreensão consciente, ensejadora de umacrítica esclarecida ao funcionamento daescola.

Generalização da educaçãosecundária

34. A escola secundária brasileira apre-senta, em 1954, uma matrícula geral de535.775 alunos, espalhados por 1.771 esta-belecimentos de ensino, à base de dados doServiço de Estatística do Ministério da Edu-cação e Cultura, que passamos a citar. To-mando por base o recenseamento de 1950,pode-se estimar a população brasileira de12 a 18 anos, em 1954, em torno de 9milhões e 100 mil habitantes.

Assim, dessa população teoricamenteem idade de freqüentar a escola secundária,cerca de 6% nela estaria matriculada.

35. Analisando-se essa matrícula porciclo e série, verificamos que ela assim sedistribui:

36. O segundo ciclo (ciclo colegial) ti-nha o seu total de matrícula (76.286) assimdistribuído nos seus dois cursos:

Curso clássico – 10.880Curso científico – 65.406

37. Das 1.771 escolas secundárias exis-tentes, todas com o curso ginasial (primeiro

ciclo), apenas 714 ministravam ensino desegundo ciclo (curso de colégio).

Esses cursos eram 529 do tipo “científico”e 189 do tipo “clássico”.

De acordo com a lei federal que rege oensino secundário, para que o estabelecimen-to possa ter ensino de segundo ciclo (Colé-gio) é necessário que nele haja ensino deprimeiro ciclo (Ginásio).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 44: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

44

38. As entidades mantenedoras des-ses estabelecimentos em 1954 eram asseguintes:

Públicas – 435Particulares – 1.336

As escolas públicas eram:

Federais – 19Estaduais – 348Municipais – 68

39. Nas escolas públicas estavam ma-triculados 143.465 alunos (26,8% do totalda matrícula), assim distribuídos:

Federal – 6.500Estadual – 18.208Municipal – 18.757

40. Para que se possa apurar a expan-são do ensino secundário brasileiro em re-lação às oportunidades de trabalho e a po-pulação em idade escolar, vamos transcre-ver dados do estudo O ensino, o trabalho,a população e a renda – evolução em umdecênio, realizado pela Comissão de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superior(Capes) em 1954. Nesses dados se incluemoutros ramos do ensino médio, para que seenseje o cotejo comparativo entre a posiçãodeles e a do ensino secundário.

Evolução do ensino médio, das oportunidades do trabalhoe da população em idade escolar

Período – 1940-1950

41. Ainda com o objetivo de expor aposição do ensino secundário brasileiro emrelação ao ensino primário e aos ramos mais

importantes do ensino médio, valemo-nosdo trabalho da Capes, acima referido, atravésdo quadro ao lado:

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 45: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

45

42. Feitos os cotejos, através dos quadrosanteriores, da situação do ensino secundáriobrasileiro na estatística educacional do País,em relação ao ensino primário e aos demais

ramos de nível médio, vejamos agora, atravésde dados ainda da mesma fonte (Capes), a po-sição estatística do ensino superior, para queseja comparada com a do ensino secundário.

Crianças escolarizadas em percentagem sobre a população em idade escolar

Evolução do ensino superior, do estoque de diplomadose das oportunidades de trabalho

Período 1940-1950(continua)

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 46: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

46

43. Dados atualizados do Serviço deEstatística do Ministério da Educação e Cul-tura, cujos totais, relativos a 1954, já referi-dos anteriormente (item 34), registram a dis-tribuição geográfica do ensino secundáriobrasileiro constante do quadro anexo(Quadro I).*

44. Analisando-se a expansão da esco-la secundária brasileira, verifica-se que oseu crescimento de matrículas no períodode 1933 a 1953 andou em torno a 490%,crescimento ainda mais expressivo quan-do cotejado com o das escolas elementar esuperior no mesmo período, que foi, res-pectivamente, de 90% e 80%. Dados esta-tísticos relativos a 1950, do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística, registravam,em números absolutos, uma matrícula

efetiva de 3.773.761 alunos no ensinoprimário,2 366 mil no ensino secundário3 e42.400, no ensino superior, o que consti-tuía uma proporção (aproximada) de 10,3alunos na escola primária para 1 na secun-dária e de 8,6 nesta para 1 na escolasuperior.

45. Em que pese a anomalia desse cres-cimento da escola secundária em relação aoda escola primária, deve-se registrar que elaainda é instituição puramente urbana, sen-do o seu déficit na zona rural praticamentetotal.

Dados estatísticos oficiais de 1953 assi-nalavam 616 estabelecimentos de ensino se-cundário localizados nas capitais e 1.152 emcidades do interior. Informações do InstitutoNacional de Estudos Pedagógicos (Seção de

(conclusão)

* Excluído nesta edição (N. do E).2 Exclusive cursos supletivos de

alfabetização de adultos e ado-lescentes.

3 Exclusive os demais ramos doensino médio.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 47: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

47

Inquéritos e Pesquisas) apresentavam, em1953, 1.253 sedes municipais ainda sem umsó ginásio.

46. Elemento necessário ao entendi-mento do funcionamento da rede escolarsecundária nacional é a caracterização desuas entidades mantenedoras.

Até bem pouco tempo, pode-se afirmarque, praticamente, todo o ensino secundáriobrasileiro era de iniciativa privada.

As origens históricas deste fato seprendem à política educacional do País,expressa desde o Ato Adicional de 1834,quando, com o pesado ônus da manuten-ção do ensino primário cometido à provín-cia e ao município e a necessária priorida-de por eles concedida a essa educação debase, com o ensino superior entregue àUnião, ficou a escola secundária, pequenae de classe, como o campo de iniciativa pri-vada, confessional a princípio e depoisleiga, predominantemente.

47. Assim é que, até pouco tempo, osEstados mantinham apenas um ginásio nassuas capitais, os municípios não se aven-turavam neste setor, e a União mantinha ape-nas um ginásio-padrão na Capital daRepública, o Colégio Pedro Segundo.

Recentemente essa situação começou aevoluir no sentido da expansão do ensinosecundário através de estabelecimentos pú-blicos atingindo já ao grau que se comprovapelo Quadro I,* anexo a esse trabalho.

48. Nele se verifica que no Estado doParaná já a maioria de matrícula na escolasecundária é na escola pública e nota-se quejá é ponderável e, acrescente-se, gradual-mente maior, a matrícula da escola secun-dária pública, como é, por exemplo, o casode São Paulo, a mais importante unidadeeconômica entre os Estados da Federação.

49. O Estado é o grande mantenedorda escola secundária pública nacional,o município começa a aparecer nesse setor,lutando, todavia, com grandes dificuldades,principalmente pela exigüidade dos seusrecursos financeiros, conseqüente àdistribuição da receita pública no Brasil,

contemplando privilegiadamente a União(49,6%), depois os Estados e Distrito Federal(41,4%) e, por fim, o Município (9,0%).(Anuário Estatístico do Brasil – IBGE – 1953– Dados relativos ao ano de 1951).

50. Deve registrar-se que o lado poucofavorável dessa expansão da rede escolar se-cundária brasileira, quanto à sua predomi-nante manutenção privada, é que grande par-te desses estabelecimentos funciona comopequenas empresas organizadas com fins delucro.

A esse objetivo lucrativo ajusta-se todauma política de funcionamento da escola emprecários padrões, o que explica seu maurendimento.

51. Esta situação começa a motivar pre-ocupações das autoridades controladoras doensino secundário do Ministério da Educa-ção, e uma orientação de resolver ou atenu-ar as inconveniências dessa expansão, comsubestima da qualidade, passou a semanifestar.

Nessa posição oficial, duas tendênciasse manifestam:

a) a de expansão da rede escolarsecundária oficial;

b) a de expansão da rede escolar se-cundária através de auxílios do po-der público, sob forma de bolsas aalunos, suplementação de venci-mentos de professores, cursos deaperfeiçoamento, auxílios e subven-ções a estabelecimentos secundári-os, estímulo à instituição de “Fun-dações” mantenedoras de escolas se-cundárias, com a conjugação derecursos públicos e particulares.

52. Assinale-se que essas duas tendên-cias não são tidas como reciprocamenteexcludentes, aceitando-se a segunda maisem função de uma inviabilidade atualda primeira, principalmente de ordemfinanceira.

Como elemento em abono dessa políti-ca de expansão e aperfeiçoamento da escola

* Excluído nesta edição (N. do E).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 48: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

48

secundária brasileira por auxílio do poderpúblico, é invocada a questão do custo doaluno/ano na escola pública estar muitoacima do custo do mesmo na escola privada.

53. O custo médio do aluno/ano (ex-terno) na escola secundária, particular, an-daria em torno a Cr$ 1.978 enquanto daescola média, estadual, andaria em torno aCr$ 4.937 em 1951 (trabalho da Capes).

Deve ponderar-se todavia que, se, defato, é mais elevado o custo do aluno/anona escola oficial, em verdade, os termos des-sa comparação não são os mesmos, pois en-quanto o da escola particular abrange ape-nas a escola secundária, o da escola do Es-tado, que é o principal ministrador do en-sino médio público, inclui todos os ramosda escola média, a saber, além da escola se-cundária, a normal, industrial e agrícola,estes últimos, exatamente, os ramos de en-sino que, por serem menos academicamen-te ensinados, são os mais dispendiosos.

Deve-se também convir que grande par-te desse mais baixo custo do aluno/ano daescola secundária particular é conseqüên-cia de uma situação de baixos salários aosprofessores, instalações e equipamentosprecários, que inferiorizam necessariamen-te a qualidade do ensino.

54. Assinale-se ainda que vai se mani-festando a idéia de se promover gradual-mente a expansão da rede escolar secundá-ria brasileira através do município, assisti-do, técnica e financeiramente, pelo Estadoe pela União.

Essa linha de pensamento vai ganhan-do, pouco a pouco, consciência, defendidapelo grupo de educadores nacionais quevêm pugnando pela descentralização daeducação no País (Anísio Teixeira, João deDeus Cardoso de Mello, etc.). Ocorre porémque, sendo embora o Brasil juridicamenteuma federação, a tendência centralizadora,“unionista”, vem sendo tão nitidamenteadotada, especialmente pelo exercício dopoder econômico concentrado, que é de pre-ver muito tempo ainda decorra para quequalquer posição descentralizadora na

educação nacional, como essa da gradativamunicipalização da escola secundária, tenhaefetiva realização.

55. Para que se tenha uma idéia do es-forço educacional brasileiro, primeiro emtermos globais e depois no setor do ensinomédio, vamos referir, a seguir, informaçõesconstantes do trabalho da Capes por nósaqui mencionado. Como esses estudos definanciamento da educação apenas amanhe-cem no Brasil, lamentavelmente não temoselementos seguros e atualizados que nospermitam uma discriminação do que é adespesa específica com o ensino secundá-rio, no total dos gastos com o ensino médio.

De modo que as cifras, por nós aquicitadas, incluem ao daquelas pertinentes àescola secundária, também as relativas aosdemais ramos do ensino médio (industrial,comercial, agrícola e normal).

56. Computado o total da despesapública com o ensino em 1951 (Cr$5.411.595.000) adicionado às despesas es-timadas do ensino particular, veremos queo Brasil está gastando 2,5% da renda naci-onal (1951) com a educação, percentagemque, comparada com a despendida poroutros países no seu nível de desenvolvi-mento econômico, é ponderável, ainda queinsuficiente face às suas necessidades po-tenciais de educação. (Dessa importânciacouberam ao Estado Cr$ 3.769.000, Cr$967.934.000 à União e Cr$ 480.982 aomunicípio).

Em relação porém à composiçãodemográfica de sua população, cuja faixa eco-nomicamente mais produtiva, dos vinte aossessenta anos, não vai além de 48%; consi-derando o autofinanciamento de sua expan-são industrial e o nível ainda incipiente desua urbanização; todos esses fatores conju-gados levam à conclusão de que esse esforçoeducacional é árduo e já exige uma melhoradministração e racional planejamento, queafaste a dispersividade e empirismo atuais.

57. No setor do ensino médio, as des-pesas públicas e particulares, em 1951, foramas seguintes:

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 49: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

49

Como se vê, do total de despesas pú-blicas e privadas com ensino médio, os gas-tos privados representam um pouco maisde 30% do total, sendo eles quase totalmen-te concentrados na escola secundária, co-mercial e normal (de formação professoresprimários). O ensino industrial e o agrícolasão mantidos quase exclusivamente às

expensas públicas, sendo ensinos caros ede matrícula reduzida em relação ao ensinosecundário e comercial.

58. Para que se conheça qual a parteque cabe nos gastos públicos, com o ensinomédio, à União, ao Estado e ao município,vamos fazer a discriminação do que cabe acada um deles, no quadro a seguir:

Despesas públicas e particulares com o ensino em 1951(Cr$ 1.000)

Despesa pública com o ensino médio em 1951(Cr$ 1.000)

59. Ao analisar as cifras antes referi-das para identificar a parte pública e a par-te privada na manutenção do ensino médiobrasileiro, do qual, por número de estabe-lecimentos, matrícula e gastos é o ensinosecundário a mais ponderável parcela, nãose deve perder de vista que, na partede despesas referidas como se fossem

particulares, há considerável soma de bol-sas, auxílios e subvenções concedidos, es-pecialmente pelo Estado e município quenão tem registro preciso e accessível.

60. Dado significativo a respeito do en-sino médio no País é aquele relativo ao ca-pital nele imobilizado (1951 – Trabalho daCapes), abaixo reproduzido:

Estimativa do capital imobilizado em 1951 no ensino público e particular ensino médio(Em milhões de cruzeiros)

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 50: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

50

61. A distribuição percentual dessasdespesas públicas com o ensino médio tam-bém constitui índice significativo, quanto

à política educacional nelas refletida e, poristo, a reproduzimos em seguida (Trabalhoda Capes):

Ensino médioDistribuição percentual das despesas governamentais

em 1951

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 51: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

51

Duração da vida escolardo aluno secundário

62.Os números por nós citados nositens 35 e 36 mostram a distribuição da ma-trícula na escola secundária através de suasséries e ciclos.

Por eles se verifica que a matrícula nosegundo ciclo (colegial) representa apenas14% do total da matrícula da escolasecundária.

Há uma gradual queda de matrícula,série a série, especialmente acentuada daquarta série ginasial (1° ciclo) para a pri-meira série colegial (2° ciclo), onde essaqueda atinge a 50%, aproximadamente.

63. Findo o ciclo ginasial, grande nú-mero de alunos ou abandona os estudosingressando na vida prática ou busca umsegundo ciclo que forme profissionalmen-te, especialmente o segundo ciclo do ensi-no comercial, para aí alcançar o diplomado curso técnico de contabilidade (conta-dor). Este fato justifica a singularidadeassinalável no ensino comercial com matrí-cula no segundo ciclo igual à do primeirociclo.

64. Dados recentes, de razoável valida-de, demonstram que entre cem alunos quebuscam a escola secundária apenas nove sedirigem às escolas superiores e dezessetechegam à quarta série ginasial, normalmente.

Em termos de escolaridade média (per-manência média do aluno na escola), pode-se afirmar que é, na escola secundáriabrasileira, de quatro anos.

65. Na explicação da grande procurada escola secundária brasileira está presen-te aquela tendência assinalada mundialmen-te e a que se refere Jacques Lambert (Le Brésil–structure sociale et institutions politiques):“Com mobilidade nova na sociedade, osestudos secundários ou superiores apare-cem como o processo mais geral de ascensãosocial.”

No caso brasileiro, uma análise maissutil explicará a desapoderada preferênciapela escola secundária em relação aos

demais ramos do ensino médio, pela atra-ção do remanescente prestígio das profis-sões liberais ou da função pública, com oequívoco de que elas ainda concedem aosseus titulares os mesmos níveis de vida dopassado, quando aquelas situações de pri-vilégio decorriam de condições de fortunapessoal e não dos diplomas possuídos.

O espírito que preside a essa busca daescola secundária é sobretudo o da ascen-são social de classes menos favorecidas ouo de manutenção de situações sociais.

Mais do que destrezas intelectuais,aptidões, saber humanista, o que nela é pro-curado é o estilo próprio a situações melhorqualificadas na pirâmide social.

Por isto e pelas menores “facilidades deimprovisação”, existe notória desestima àeducação técnica e “prestígio” da escola se-cundária, como instituição de “superior”beletrismo humanista.

66. Quanto à evasão registrada na escolasecundária, duas são, a nosso ver, as razõesque mais a explicam.

A primeira, a do desajuste funcionaldessa escola em relação à realidade social.

Se, em verdade, a força dos arquétiposancestrais ainda pesa relevantemente sobreo inconsciente coletivo, alimentando equi-vocadas opções, gradualmente, porém, vaia clientela dessa escola secundária se dan-do conta do logro que vem ela constituindoem face da sua imobilização ante as muta-ções na estrutura social nos temposmodernos.

67. Registre-se que numa amostra co-lhida em inquérito levado a efeito pelo Ins-tituto Nacional de Estudos Pedagógicos, to-mando o Estado do Rio de Janeiro comoamostra média do Brasil, apurou-se que 50%dos alunos da escola secundária são filhosde pais que não a freqüentaram e 25% depais que não tiveram curso primário com-pleto. Apenas 10% dos pais de alunosabrangidos nessa amostra teriam cursosecundário ou superior completo.

68. Todas as observações nessa linhade investigação conduzem à comprovação

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 52: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

52

das modificações e diversificações da ori-gem social dos estudantes secundários, oque, todavia, é indevidamente considera-do na estereotipada rigidez da escola secun-dária, gerando frustrações por imotivaçãoque levam à evasão escolar.

69. O principal motivo da infreqüênciae evasão na escola secundária é, todavia,de ordem econômica.

Tem toda procedência a observaçãode autorizado educador brasileiro quan-do dizia que o problema educacional bra-sileiro é “substantivamente econômico eadjetivamente pedagógico”, o que nãodeve ser interpretado como uma justifi-cação racionalizadora das falhas própriasda escola, múltiplas e graves.

70. Da atual crise estrutural da econo-mia brasileira, “por ter ultrapassado o seunível de tolerância o processo de nosso sub-desenvolvimento” (Jaguaribe, Hélio. A crisebrasileira. Cadernos do Nosso Tempo, 1953),não poderia estar evidentemente isenta aprojeção educacional.

71. O subdesenvolvimento nacional,nas suas repercussões internas, provocoue acentuou, dentro do próprio País, no-vos fenômenos de subdesenvolvimento,que se caracterizam, verticalmente, pelacrescente desproporção entre as rendasdas classes assalariadas e das classescontroladoras da produção, da circulaçãoe da distribuição de bens, e se caracteri-zam, horizontalmente, pela crescente des-proporção entre as regiões mais altamen-te capitalizadas em relação às deo menordensidade capitalística (Jaguaribe, Hélio,trabalho citado).

72. É evidente que a situação da rendanacional per capita, em nível de Cr$5.633,00 em 1952, é óbice infranqueável auma maior procura e menor evasão daescola brasileira.

73. Em estudo recente, CharlesWagley, professor da Columbia University(Racial and class barriers to access toknowledge in the Americas), acentuava,com propriedade:

It is maintened that in large areas of LatinAmerica, entrenched feudal classes havepersisted into the 20th century, primarilybecause of the lack of industrialization andthe continued agrarian economic bases ofthe society.

E mais:

Thus, at the beginning of the 20th century,race prejudice and discrimination,provided a serious barrier to access toeducation in the United States while inLatin America an entrenched feudalsocioeconomic class system achievedalmost the same effect.

E só agora, depois do segundo surtoindustrial do Brasil, situado pelas alturasde 1928, é que começou a ganhar consistên-cia “the breakdown of feudal socioeconomicclass impediments to education, and thegrowth of a modern middle class”. E, comessa “modern middle class”, urbana, pro-duto da industrialização do País, veio aexpansão da escola secundária brasileira.

O aluno da escola secundária

74. O aluno da escola secundária brasi-leira tem, necessariamente, as característi-cas psicológicas comuns à adolescência, comas diversificações de interesses, padrões,ideais e comportamentos que o mosaico cul-tural brasileiro condiciona. Sabe-se que estásendo superada aquela fase de considerar aadolescência um inevitável período de ex-cessiva violência e tumulto; supôs-serepresentar ela um súbito e completorenascimento e mudança de personalidade.De acordo com esse ponto de vista, dificul-dades diante da adolescência foram tidascomo inevitáveis.

A teoria da violência e do tumulto foiabandonada. Crê-se agora que a adolescên-cia é “culturalmente determinada, que asoma de dificuldades é função direta dasrestrições do ambiente e somente em muitopequeno grau, uma função de mudança

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 53: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

53

biológica individual” (John E. Horrock. Thepsylogy of adolescence).

75. Sendo o Brasil um verdadeiroarquipélago cultural (no sentidoantropológico), em que coexistem lado a ladoduas idades da cultura nacional, com asestruturas sociais do Brasil rural, arcaico,segregado, semifeudal, com um proletariadorural inorganicamente disperso, e a do Bra-sil novo, urbano, aberto aos novos estilosde vida, ideais e ideologias e que já contémuma classe média urbana, atuante na vidapública nacional, necessariamente a suaadolescência há de variar nos seus ideais,interesses, padrões e comportamento emfunção da estrutura social a que pertença.

76. Evidentemente, a diversidade de in-teresses e necessidades varia substancialmenteem função do meio, e diversíssimas são ascondições econômicas e sociais vividas pelogrupo adolescente.

Estudos técnicos, com possibilidadesde válida generalização, ainda estão por fa-zer sobre a adolescência brasileira, suas ca-racterísticas psicológicas comuns, diversi-dade de inteligência e de interesses e ne-cessidades diante das grandes variações doambiente cultural do País.

77. Conforme vimos sublinhando,a sociedade brasileira vem sendo,inquestionavelmente, uma sociedade emmudança.

O crescimento demográfico do País,expresso em termos de 2,7% anuais noperíodo 1940/1950; o aumento da renda na-cional, em termos de 61% nesse período,medido em moeda de poder aquisitivo cons-tante; o incremento de 27% da rendanacional per capita nesse decênio; o aumen-to de 46% nesse período, da populaçãourbano-suburbana; as maiores facilidadesde comunicação e circulação de idéias efatos; o aumento de valor da produção in-dustrial superando o da produção agrícolae com expansão no ritmo dos 70% deaumento desse valor na América Latinanum decênio; a mudança nos estilos devida de estruturas como a da família; toda a

diversificação e especialização tecnológicaexigidas por uma sociedade que amanhecepara a civilização industrial; todo o impactode novas ideologias, ideais e estilos de vidacomunitária; toda essa congérie de fatoresatuantes na dinâmica da estrutura social bra-sileira mostram que é ela, realmente, umasociedade em mudança.

78. E dentro dessas mudanças está pre-sente toda a crise do nosso tempo, estrutu-ralmente crítico, com as antinomias de va-lores, modos de vida e crenças substantivasem agudo processo dialético.

Evidentemente, a crise do Ocidente, emcuja cultura está inserida a sociedadenacional-brasileira, alcança todos os planosde vida, seja do poder carismático da religiãocomo coordenadora, coerente e sistemática,de nossas idéias e valores, “seja o dos modose relações de produção em que se basearia ocapitalismo burguês”.4

79. Uma análise de comportamento daelite dominante do País, de origem predo-minantemente latifúndio-mercantil, de-monstra continuar nela, presente, a suagrande, histórica, alienação.

“Historicamente, a grande alienação des-sas classes dirigentes foi o colonialismo.”5

Esse colonialismo espiritualmente seconduzia como portador do legado de umadistante elite ocidental, gaulesa especialmen-te, agindo com um estilo de vida em confor-midade com essa vinculação espiritual.

“Economicamente, o colonialismo con-sistia numa forma de exploração de rique-zas naturais em pura função do mercado ex-terno e sem identificação com a terra, a Na-ção e o Estado brasileiros.”6

80. No presente, a elite dominante bra-sileira manifesta esta sua histórica alienação,seja através de subordinações políticas noâmbito externo, seja através da sua resistên-cia às aspirações das classes populares, sejaatravés de sua incapacidade de utilizar ospressupostos teóricos da cultura ocidental eas tecnologias modernas a serviço do Brasil,“analisadas e consideradas as condições es-pirituais e materiais da vida brasileira”.7

4 Jaguaribe, Hélio. A crisebrasileira.

5 idem.6 idem.7 idem.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 54: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

54

81. É, assim, perfeitamente explicável,em “ordem lógica de relações de condicio-namento”, que a escola brasileira se mante-nha alienada em relação à dinâmica estrutu-ral da sociedade a que serve e que todo umestilo século 19 seja nela uma anacrônicarealidade em pleno século 20.

“Le magnifique effort d’éducationbrésilienne n’a pas en-core créé uneéducation brésilienne.”8

82. Poderá parecer estranha ou deslocadaa interpretação aqui contida em relação aotema em análise.

Todavia, como julgamos que a escolanão é uma instituição autóctone e sim umaresultante de amplo paralelogramo de for-ças que é a estrutura social da qual emergee à qual deve servir, cremos que no estudodessa estrutura social é que se há de bus-car as razões do comportamento da escola,o qual não “acontece” por pura coincidêncianem por motivos intrínsecos apenas.

83. O fato de ser a escola secundárianacional uma instituição que funciona es-sencialmente em termos de agênciapropedêutica de estudos superiores fazcom que, em função das modificações nes-se nível de estudos, alguns reflexos seprojetem em seu funcionamento.

Pode-se registrar, por exemplo, no cur-so de colégio, a sua bifurcação em curso clás-sico e curso científico, com diferenças naorganização curricular e na intensidade dosestudos respectivos. Todavia, as modifica-ções que mais contariam e que seriamadvindas de maiores exigências de objetivi-dade e menor academicismo nesses estudosnão se projetam na escola secundária, por-que também inexistem no ensino superior.

84. A análise aqui feita, da escola se-cundária nacional, envolve, naturalmente,simplificações algo mutiladoras que a exten-são do tema e a limitação da dimensão doestudo determinam. Muitos pontos impor-tantes estão apenas aflorados, e, como a com-preensão do tema transborda o âmbito estri-tamente pedagógico, houve necessidade deapelar para os approachs extra-educacionais

para situar, adequadamente, a superestruturanacional à luz de suas determinantesmultifatoriais.

Tema 2: Organizaçãoe administração

1. As normas de funcionamento da es-cola secundária nacional são estabelecidase supervisionadas pelo Ministério da Edu-cação e Cultura, assim denominado a partirda Lei nº 1.920, de 25 de julho de 1953,que desdobrou o antigo Ministério da Edu-cação e Saúde em Ministério da Educação eCultura e Ministério Saúde.

2. Entre as diretorias existentes no Mi-nistério da Educação e Cultura figura a Di-retoria do Ensino Secundário, à qual estáafeta a supervisão do funcionamento dasescolas secundárias disseminadas pelo País,no que diz respeito à observância, pelas mes-mas, dos dispositivos legais, federais, queregem e habilitam ao exercício do ensinosecundário no País.

3. Assim, todas as 1.771 escolas secun-dárias espalhadas pelo território nacional,vivendo em condições culturais as mais di-versas, devem, teoricamente, funcionar se-gundo um modelo pedagógico uniforme, ela-borado na capital do País.

Para “fiscalizar” essas escolas, dispõe oMinistério de um corpo de inspetores deensino secundário que anda por 1.055, nú-mero absolutamente insuficiente em relaçãoàs necessidades mínimas dessa “fiscaliza-ção”, mesmo entendida impropriamente,como vem sendo, como simples verificaçãoda exatidão dos dados do cadastro escolar enão como função técnico-docente de orien-tação e aconselhamento pedagógicos.

4. Como não se pode violentar impu-nemente o natural, obviamente não funcio-na nem essa mal posta fiscalização nem omodelo único de escola, salvo nas aparên-cias do formalismo legal, que é a forma usu-al de contrafação decorrente da irrealistaabstração legal.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

8 Morazé, Charles. Les trois agesdu Brésil.

Page 55: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

55

5. Sucedendo que nem para simplesverificações formais basta o quadro dessesinspetores, vem sendo essa função desem-penhada também por funcionários públi-cos federais, a título de colaboração gratui-ta e quase sempre inoperante, visto que setrata de pessoas só excepcionalmente afei-tas aos assuntos educacionais e isentas dequalquer responsabilidade funcional peloeventual mau desempenho da função.

Ocorre também que, por falta de pes-soal, os encargos dessa inspeção formal vêmsendo de tal modo acumulados pelo mes-mo inspetor e, ainda mais, dispersos pormunicípios diferentes, que se torna pacífi-ca a inviabilidade da real observância dasdisposições legais relativas ao exercício dainspeção.

6. O quadro desses inspetores foi sele-cionado em parte através de provas de ha-bilitação e, em maior parte, por processosde puro arbítrio pessoal, quase sempre àbase de prestígio político.

É interessante assinalar que, em 1930,quando foi criado, o Ministério da Educa-ção e Saúde trouxe consigo o plano da ins-peção especializada, seja em administraçãoescolar, seja em matérias agrupadas à basede correlação, selecionados esses inspetorespor concurso. Na prática, jamais se realizouessa inspeção, que pressupunha um senti-do técnico e uma qualificação especializadapara o seu exercício.

Nem os concursos se realizaram opor-tunamente, nem a especialização do pessoalfoi observada; a inspeção foi ficando cadavez mais leiga e lídima representante doformalismo de um estado-cartorial, que nãopode ser confundido com o estado-serviço.

Em verdade, a inspeção federal do en-sino secundário passou ser um cômodo em-prego muito desejado, não pelo que paga-va, que sempre foi pouco, porém porquenada efetivamente exigia.

7. A tal ponto chegou a ineficiência,o empirismo, a ficção dessa inspeção querecente decreto do Governo Federal procu-rou selecionar e classificar, através de

concurso de títulos e provas, em três grupos,com funções definidas, o atual corpo de ins-petores, criando as categorias de técnico doensino médio, inspetor de ensino médio einspetor do ensino secundário (Decreto nº35.107, de 13/2/1954).

8. Representa esse decreto, cuja efetivaçãoé ainda problemática, não uma tentativa deinspeção inspirada nos moldes altamente cons-trutivos daquela exercida pelos inspetoresescolares de Sua Majestade, na Grã-Bretanha,porém um esforço de dar conteúdo técnico àinspeção, retirando-a do empirismo atual e docaráter de fiscalização de formalidades legaisque é sua maneira de ser, no momento.

9. A centralização pedagógica vigora naescola secundária brasileira e é, em verdade,uma diátese que vem retirando autenticidadeao funcionamento da escola e conduzindoa uma lamentável uniformidade naexperiência pedagógica nacional, esterilizadaem imutável rotina.

A propósito da Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional encaminhada pelogoverno da União ao Congresso em 1948,têm sido amontoadas evidências em torno àimperiosidade da descentralização educaci-onal, sem contudo surtirem efeito, por mo-tivos que adiante analisaremos, a despeitoda timidez descentralizadora do projeto emquestão.

10. Vejamos alguns argumentos desen-volvidos por autorizados educadoresnacionais, quando convocados a esclareceros fundamentos da Lei das Diretrizes e Basesda Educação Nacional perante a Comissãode Educação e Cultura da Câmara dosDeputados.

A perda de iniciativa que gera tal atitude(centralização) é de uma gravidade impos-sível de medir. Chega a ser inacreditável ograu de desinteresse a que vão chegando,sobretudo nos Estados, todos aqueles que es-tariam a lutar e se esforçar, se, por acaso, sesentissem responsáveis pela situação.Absoluta dependência do poder central cria,porém, um sentimento mais grave que o dairresponsabilidade, que é o da impotência.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 56: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

56

Até o estudo das questões do ensino está adesaparecer. Ninguém se sente estimula-do para isto, porque a centralização de-termina se transformem todos os educa-dores estaduais em simples cumpridoresde instruções de ordens recebidas. Perdi-do o incentivo, perdida a liberdade, poisa centralização é sobretudo uma tirania,o homem perde as qualidades e se faz umautômato (Anísio Teixeira, 7 de julho de1952).

Em conseqüência da centralizaçãoeducacional vigente,

[...] diminui ou desaparece o senso de res-ponsabilidade local, pois haverá semprejeito de atribuir aos erros do organizadordistante, as ineficiências do aparelho.Muito pouca gente no País (como sucedehoje) estudará os problemas pedagógicosdo ensino médio, deixando que o mono-polizem os técnicos do Ministério da Edu-cação e contentando-se os educadorescom discutir os assuntos materiais de in-teresse da classe. Uma das mais gravesconseqüências, a que já assistimos, será aestagnação, a esterilização dos ensaios ex-perimentais, de cuja fecundidade depen-de a marcha progressiva dos sistemas es-colares. Enquanto isso, a burocracia cen-tral crescerá, complicar-se-á, tornar-se-ácada dia mais rígida, mais exigente, maisentorpecedora, pedirá cada mês novos ti-pos de boletim, de quadros estatísticos,de relatórios, imporá outros serviçosparasitas, hipertrofiando o formalismo eatrofiando a educação. (Almeida Junior.Respondendo ao parecer Capanema).

11. De fato, as leis federais vigentes noensino secundário o aprisionam em mol-des regulamentares rigidamente uniformese particularizados, que nada têm de bases,diretrizes, normas gerais, no seu sentidogenérico e flexível.

E, então, currículo, programas, dura-ção de cursos, seriação de matérias e tem-po dedicado ao seu estudo, duração do anoescolar e períodos de férias, limites do nú-mero de alunos em classe e do número di-ário de aulas, condições de freqüência e depromoção, tudo é rigidamente prescrito,

imposto e estereotipado em termos impeditivosdo desejável sentido de autonomia e respon-sabilidade dos educadores locais que deveriaexistir e conduzir a uma vivificante emulaçãoconstrutiva e renovadora.

12. O argumento invocado em favor dacentralização educacional vigente na escolasecundária é que, de outra sorte, estaria emperigo a “unidade nacional”.

Em verdade o argumento não colheporque:

a) a única escola no Brasil que seaproxima da escola comum é a escolaprimária, e ela está alforriada daexaustiva legislação única federal,sem perigos nem sustos;

b) a escola será um dos vários fatoresda unidade nacional, e a existênciade uma educação descentralizadajamais pôs em perigo a unidade na-cional (Estados Unidos da Américado Norte, Inglaterra, etc.);

c) se, no Brasil, algo pudesse consti-tuir ameaça à unidade nacional, ne-nhum fator seria mais relevante queos desníveis econômicos entre suasdiversíssimas áreas culturais, se osentido de uma certa “colonização”interna de áreas menos desenvolvi-das por áreas mais desenvolvidas ga-nhasse reivindicatória e agressivaconsciência coletiva.

A diversidade na unidade é uma fór-mula que não só em nada colide com a coe-são nacional como é condição intrínseca àdinâmica e autenticidade do processo edu-cacional e o deveria também ser em face domosaico de diversificações culturais do País.

13. Realmente, ao nosso entender, o quehá no fundo dessa tendência centralizadorade nossa educação secundária é a uniãosubstituindo a metrópole lusitana nas for-mas difusamente perceptíveis do coloniatonacional.

A falsa identificação do que é “federal”como sendo exclusivamente o que é

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 57: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

57

“nacional”; a tradicional maior hierarquiade importância concedida ao setor públi-co federal, sobre os demais; a “coloniza-ção” dos elementos estaduais e municipaispela importância e poder federais, tãoantinômica à nossa teoria política federati-va, é algo ainda profundamente arraigado,porque cuidadosamente cultivado, aceitoe presente em toda nossa estrutura social,revestindo-lhe a infra-estrutura econômicae necessariamente projetando-se nasinstituições supra-estruturais.

14. É histórica essa posição do prima-do da importância federal, pois já no se-gundo império o Imperador D. Pedro II nãocria nas províncias. E, historicamente, o an-tigo estado-fiscal do período de coloniza-ção se substituiu na mesma linha por umestado-cartorial que, ao invés de órgão dasoberania nacional, é uma forma de aliena-ção da elite dominante, manifestada, na es-fera federal, pelo exercício do seu podersobre os “nativos” estaduais e municipais.

15. No que se refere a equipamento eprédio das escolas secundárias, é o Minis-tério da Educação e Cultura que lhes fixaos mínimos, através da Diretoria específica.

Quando do pedido de inspeção parafuncionamento, uma missão de inspetoresexamina e dá parecer sobre se o prédio e oequipamento atendem aos mínimos dalegislação federal.

Esta é inclusive, formalmente, a partemais importante do relatório que habilitará aconcessão de permissão de funcionamento.

16. Em verdade, porém, na prática, nãohá qualquer eficácia nessas exigências mí-nimas, legais, de prédio e de equipamento.

Muitos artifícios e omissões são fre-qüentes quando da elaboração do relatóriosobre as condições existentes, e estas, pos-teriormente, não sofrem qualquer revisão nocorrer do tempo.

17. Há uma extrema variação de condi-ções nos prédios e equipamentos das escolassecundárias brasileiras, em função de grandediversidade das áreas culturais em que estãolocalizadas, dos recursos e das finalidades das

entidades mantenedoras, conforme sejam es-tas finalidades predominantemente educativasou comerciais.

18. De um modo geral, em média, dei-xam muito a desejar as condições de prédioe de equipamento, em parte também por cer-ta perigosa complacência quanto a instala-ções materiais, por isto que o verbalismo edu-cacional pode funcionar sem ter muitoem conta fatores relativos a um ensinoobjetivamente vivido e praticado.

19. Normalmente, são muito raras as rea-lizações que tenham em conta imprescindí-vel uma arquitetura funcionalmente peda-gógica e a imperiosidade de equipamentoescolar adequado.

Improvisações de prédios para escolase pobrezas de equipamento constituem aregra, na prática.

20. A direção administrativa das esco-las secundárias, quando estaduais, compe-te às Secretarias de Educação e Cultura oude Educação e Saúde, quase sempre con-tando com Departamentos de Educação, al-guns dos quais possuindo Superintendên-cias do Ensino Médio, às quais está subor-dinada a administração das escolas secun-dárias, através dos diretores respectivos.

21. Há situações em que as escolas se-cundárias são diretamente subordinadas,sem órgão intermediário, aos secretários deEducação e, na maioria dos casos, o vezocentralizador dessas Secretarias tornainviável uma eficiente administração edu-cacional nas suas escolas secundárias. Noparticular é típico o caso de São Paulo, amais importante unidade da Federação.

22. No âmbito municipal, só em casosexcepcionais essas escolas secundárias sesubordinam a sistemas municipais deeducação, que ainda são muito raros.

Quase sempre são escolas subordina-das, administrativamente, às prefeituras, semqualquer órgão intermediário de assistênciatécnica e de controle administrativo.

23. As escolas secundárias particularessão administradas por seus diretores priva-dos, quase sempre proprietários delas ou

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 58: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

58

representantes de corporações leigas(cooperativas) ou confessionais.

Não têm qualquer subordinação peda-gógico-administrativa a autoridades locais,entendendo-se apenas com o distanteMinistério da Educação e Cultura.

24. A expansão da rede escolarsecundária nacional vem levando o Ministérioda Educação a umas pálidas tentativas dedescentralização na parte administrativa,como a consubstanciada pela portaria minis-terial nº 134, de 15 de fevereiro de 1954, cri-ando as inspetorias secionais, com sede noDistrito Federal, capitais estaduais ou cida-des consideradas pontos de mais fácil acessoaos municípios constituintes da respectivaárea de inspeção. (Uma tentativa de des-centralização interna aquém daquela delegaçãodessa fiscalização ao Estado, como previa aLei de Diretrizes e Bases.)

Já há algumas dessas inspetorias seci-onais em funcionamento, com inspetoressecionais e inspetores itinerantes, o que po-derá parcialmente atenuar a prejudicial cen-tralização administrativa vigente, que faz de-saguar, para decisão no Ministério, os maisnumerosos e comezinhos atos da vida es-colar, situação sobremodo agravada com de-longas e prejuízos consideráveis para deci-dir questões de mínima relevância, pelaenorme extensão territorial do País.

25. Em verdade, essas escolas secun-dárias nacionais funcionam completamen-te desassistidas de qualquer orientaçãopedagógica.

O Ministério exerce meramente ação“fiscalizadora” formal e fictícia, em estilode “estado cartorial”.

Esforços outros, públicos ou privados,no sentido de assisti-las realmente, não têmefetivação, porque a legislação federalvem sendo estorvo a que a experiênciaeducacional se processe.

A União vem funcionando como“pedagogo único” do ensino secundário na-cional, e tanto isto vem sendo sentido poreducadores patrícios autorizados que, najustificação do projeto de Lei das Diretrizes

e Bases da Educação Nacional sublinhava-se visar ele a um processo de emancipaçãoeducativa, buscando não como disciplinar,mas como promover a educação nacional,libertando e estimulando a iniciativa parti-cular, municipal, estadual, à base de maiorespírito de autonomia e responsabilidade.

26. A assistência técnico-financeira quecaberia à União efetivar não é realizada e ésubstituída por um monopólio pedagógicoque, realmente, não tem justificação.

27. Os grandes serviços de investiga-ção e estudos, as discretas medidas de ori-entação técnica cooperadora e aconselhado-ra, as tarefas de divulgação e os esforços deaperfeiçoamento não se podem realmenteencontrar como instrumentos fertilizadoresda educação secundária nacional, por istoque são preteridos por uma ação puramente“fiscalizadora”, mecânica, do poder público.

28. A articulação da escola secundáriacom a escola primária é problema que vemassumindo aspectos de gravidade. Pelo fatofreqüente de os programas da última sériedo curso primário (quinta ou quarta) seremem nível superior às exigências do examede admissão à primeira série ginasial, prin-cipalmente em face de certos critérios de to-lerância vigentes em muitos desses exames,não sendo, outrossim, exigido certificado deconclusão da última série primária para ins-crição nesse exame, assinala-se comumenteo abandono da escola primária ao nível daterceira série para a aventura do ingresso nocurso ginasial.

29. Essa aventura é quase sempre bem-sucedida, seja pela técnica inadequada des-ses exames, vencíveis através da chauffagede conhecimentos memorizados sobre osquais incidem, chauffage realizada nos cha-mados cursos de admissão, seja pelos crité-rios complacentes de julgamento muitasvezes assinalados.

O sucesso nessa aventura, pela imatu-ridade emocional e despreparo dos candi-datos, representa a presença sacrificada naescola secundária de uma geração imatura edespreparada para suas exigências.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 59: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

59

30. Como a escola primária urbanaconstitui, para uma pequena parte do seudiscipulado, a primeira etapa para estudossubseqüentes na escala educacional, passaa funcionar totalmente como instituição pre-paratória, sem finalidade formadora em simesma.

Igualmente, no segundo nível, a escolasecundária passa também a funcionar emtermos de instituição apenas preparatóriapara cursos superiores, sem finalidadeformadora própria, e, assim, para a imensamaioria do discipulado brasileiro, nãofunciona a missão formadora da escola.

31. Acresce, outrossim, que a escolasecundária é, desde a sua primeira série,atingida por um especialismo precoce deensino de dez matérias curriculares por dezprofessores, em sucessão imediata ao ensinona escola primária quase globalizado, de umsó professor, que possibilita, por esseaspecto, influência formadora sobre seusdiscípulos, mesmo porque, habitualmente,a escola primária funciona como um grandematriarcado.

Nenhum princípio de psicologia do pré-adolescente pode justificar esse precoce de-frontar de tantos especialistas, nem qualqueraceitável organização curricular pode admitir,ao lado dos handicaps do currículo por ma-térias, essa extemporânea extrema fragmenta-ção de matérias de estudo, num ineficaz ape-go a classificações lógicas e total desapreço àsituação psicológica do discente.

32. O curioso, todavia, é assinalar que,funcionando com exclusivo espírito pro-pedêutico de estudos superiores, a escolasecundária não atinge satisfatoriamente esseobjetivo.

Anualmente registram-se elevadíssimaspercentagens de reprovação nos exames deingresso às escolas superiores, o que, se é,às vezes, influenciado por limites dematrícula e impropriedades na técnica dosexames, não exclui todavia a existência degrande despreparo dos candidatos.

33. Sobre a articulação da escola se-cundária com os demais ramos de ensino

do mesmo nível, algumas medidas têm sidotomadas para vencer o isolacionismo dopassado.

Providência importante, no caso, foiadotada através da Lei n° 1.821, de 12/3/1953, regulamentada em 21/10/1953, esta-belecendo o regime de equivalência entre osdiversos cursos de grau médio.

Se bem que essa lei não estabeleça, arigor, equivalência, e sim possibilidades deadaptação de um para outro curso, nãodeixa, todavia, de representar um avanço emrelação ao “estanquismo” do passado.

34. Quanto à organização interna dasescolas, há diferenças entre as escolaspúblicas e privadas.

Nas escolas públicas funciona, emalguns casos, a “congregação” dos professo-res, como um esboço de instrumento desinergia de propósitos da instituição, muitoembora a corporação seja, freqüentemente,mais alegórica do que efetiva.

Nas escolas particulares a regra é oisolacionismo completo, que nem chega àforma institucional das congregações,departamentos de matérias, etc.

A direção das escolas públicas é habi-tualmente entregue a um professor da con-gregação, acumulando ou não a direção como magistério. Às vezes o diretor é elementoestranho à congregação docente.

Nas escolas particulares, o diretor é,quase sempre, o dono do colégio, ensinandotambém, ou não.

Não é exigida desses diretores qualquerqualificação ou especialização profissional.

35. Os professores das escolas públi-cas normalmente devem ser admitidos porconcurso de títulos e de provas para faze-rem jus à vitaliciedade, mas há muitas exce-ções a esse processo legal de provimento.

Esses concursos obedecem a critériosmais fiéis a um certo ritual do que propria-mente a eficazes métodos seletivos e arevisões do sucesso docente.

Nas escolas particulares não há exigên-cia de concurso; apenas o professor deveser registrado na Diretoria do Ensino

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 60: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

60

Secundário, do Ministério da Educação eCultura, exigência esta, aliás, comum às es-colas públicas.

A exigência legal, regular, para aobtenção do registro é o título de licenciadonas Faculdades de Filosofia, que formamprofessores secundários.

36. Como o número dos diplomadospor essas faculdades ainda é insuficientepara atender às necessidades docentes, ad-mite a lei, onde não haja professores licen-ciados disponíveis, concessões de registroa título precário, até a prestação de “examesde suficiência”.

37. A exigência de adequada formaçãoe especialização para o exercício do magistériosecundário, em princípio, representou umindiscutível progresso em relação à fase emque, invariavelmente, o médico era o pro-fessor de ciências naturais, o engenheiro, oprofessor de matemática, o bacharel, o pro-fessor de ciências sociais e o padre,o professor de latim, no ensino secundário.

38. Deve-se assinalar, todavia, que esseprofessorado saído das Faculdades de Fi-losofia, sobre representar uma parcela mí-nima em relação às necessidades de magis-tério do País (não atingirá a 20% do total onúmero deles em exercício), é todo um pro-fessorado para capitais e que busca, à basede sua formação em nível superior, saláriosque não podem ser pagos em áreas menosdesenvolvidas.

39. Além disso, a formação desses pro-fessores ressente-se de defeitos inevitáveis,conseqüentes ao desaparelhamento materiale improvisação docente que caracteriza ofuncionamento de muitas dessas faculda-des, que desempenham hoje, no Brasil, umatarefa cuja quase exclusiva finalidade é aque corresponde às Escolas NormaisSuperiores no sistema educacional francês.

40. Não há, normalmente, carreira domagistério no ensino secundário brasilei-ro. Há professores catedráticos (topo daprofissão), livres-docentes, assistentes,sem que haja porém uma obrigatória escalade postos.

Os assistentes funcionam mais comoauxiliares de ensino.

41. Quanto ao funcionamento dosinternatos brasileiros, o que se pode afir-mar é que são quase todos eles particulares,em grande parte confessionais e sem regimede co-educação.

O Ministério da Educação exerce,teoricamente, ação fiscalizadora sobre con-dições de prédio do internato, dormitório,alimentação, etc.

Pesquisas sobre o real funcionamentodesses internatos, que são das raras escolasbrasileiras que têm oportunidade de exer-cer ação formadora, não estão realizadas.

Uma obra literária clássica na literaturanacional – O Ateneu, de Raul Pompéia – tempor tema a vida num internato.

42. Serviços essenciais à escola – comoo de orientação nacional –, embora instituí-dos em lei federal desde 1942, não têmvigência no País.

Serviços de biometria e de educaçãofísico-desportiva funcionam em estabeleci-mentos de mais alto padrão.

Há completa pobreza de serviços de as-sistência sociocultural, dos quais o habitualfuncionamento das escolas – casas para ensinarnoções para exame – não pode cogitar.

43. O regime disciplinar só excepcio-nalmente busca desenvolver o autogovernodos alunos. Essencialmente autocrática,a escola utiliza a disciplina imposta.

44. O agrupamento dos alunos obede-ce, habitualmente, a critérios empíricos deordem cronológica de matrículas ou ordemalfabética.

Grupamentos levando em conta idademental ou interesses comuns de idadescronológicas são excepcionais.

45. Há pouquíssimo conhecimento davida dos alunos, sendo essa falha aindamaior na escola pública.

46. Pela organização dos currículos, nãohá diferença entre as finalidades do primeiroe do segundo ciclo.

Considerando idades e interessesdominantes dos alunos do ginasial, deveria

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 61: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

61

ser esse ciclo uma fase de formação e de cul-tura geral, de ensino globalizado, prático eobjetivo quanto possível, sem precoces espe-cializações em profundidade, que deveriamcaber no segundo ciclo, já dirigidas então emrelação a futuros estudos superiores.

47. Como toda nossa escola secundá-ria é informada pelo espírito de instituiçãoque prepara para estudos superiores, o seuprimeiranista já é encarado como o futurotitular de profissões liberais e trabalhandoà base desse falso pressuposto.

48. O término do curso ginasial (4 anos)dá ao aluno o certificado de licença ginasial,que o habilita a se matricular em qualquercurso de nível médio, e a conclusão do cursode colégio (três anos) é a finalização do cur-so secundário, cujo certificado habilita oseu portador a se inscrever em exame paraescola superior.

49. O sistema de avaliação do rendi-mento escolar e do progresso dos alunosfunciona exclusivamente em termos de ve-rificação do rendimento escolástico dainstituição.

Nada obstante atribuir à escola amplosobjetivos formadores da personalidade dodiscente, não cogita a legislação, seja atra-vés dos processos de “reconhecimento” deescolas ou do de verificação do aproveita-mento discente, de sugerir a utilização detestes, medidas, questionários, entrevistas,inventários de personalidade, etc., que pos-sam aferir o preenchimento dos objetivoslegalmente formulados.

50. Não há um processo de “avaliação”das escolas, total e autêntico, pela partici-pação do avaliado na avaliação e dirigidosobretudo à dinâmica da instituição.

Há uma verificação mais formal do quereal, visando sobretudo a aspectos estáti-cos e materiais da escola e que se realizaapenas para legalizar o seu funcionamento.

51. A época dos exames finais e dasprovas de curso é prevista em lei e previa-mente anunciada à base de intervalos arbi-trários e não da determinação, variável eflexível, de unidades de estudos.

Esses exames e provas não trazem con-sigo o objetivo de diagnosticar deficiênciasindividuais ou coletivas, com o propósitode remediá-las. O ensino é sempre dadocomo bom, e a falta de rendimento serásempre defeito do aluno.

Não há utilização variada de exames outestes mais bem ajustados às finalidadesbuscadas no ensino.

A classificação final depende do resul-tado das provas durante o curso e dosexames do fim do ano.

Essas provas são escritas, orais e práti-co-orais.

52. As notas, que variam de 0 a 10, deum modo geral são de livre atribuição do pro-fessor da escola pública, o que não ocorre naescola particular, onde, freqüentemente, háuma política de promoções à qual deve oprofessor ajustar-se.

Geralmente falta objetividade às técni-cas utilizadas para verificação de aprendi-zagem, girando elas em torno à apuração deconhecimentos decorados, aleatória, parciale insignificativamente medidos.

Essas provas, iguais e a prazo fixo, nãolevam em conta diferenças individuaisquanto aos discentes e envolvemjulgamentos muito subjetivistas.

Nesse subjetivismo há enormes diferen-ças de escala de valores, ocorrendo, muitasvezes, situações em que o julgador acha maisimportante saber os efetivos dos exércitosde Cesar do que a contribuição romana àcultura ocidental.

53. Habitualmente, esses exames são malorganizados, quer quanto ao valor das ques-tões, quer na técnica de verificação do apro-veitamento, havendo responsabilidadeparcial de leis e regulamentos no particular.

Que o sistema de exames usual medeprecariamente o real aproveitamento do alu-no evidencia-se quando do cotejo entre es-ses resultados e aqueles obtidos com aaplicação de medidas mais objetivas.

54. Providência de caráter conjunturalque viria obviar as inconveniências assina-ladas nos exames atuais, seria a vigência dos

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 62: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

62

“exames de estado” proposta pela Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional,ao menos para o ingresso e término em cadaum dos ciclos da escola secundária.

Referindo-se aos exames vestibulares,diz Anísio Teixeira:

Tratando-se de exame realizado por ins-tituições não comprometidas com aoficialização do ensino secundário brasi-leiro, os seus resultados ganhariam ine-gavelmente autenticidade. E todos sabe-mos quais são estes resultados, constitu-indo um severíssimo julgamento da edu-cação nacional. Ora seria bastante exi-girmos exames desse tipo em determina-dos períodos dos ciclos secundários, paraimediatamente pormos esse ensino se-cundário em condições de se valorizar,progredir e melhorar. (Em 7/7/1952 –Conferência na Comissão de Educação eCultura da Câmara dos Deputados sobrea Lei das Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional.)

55. Nota-se, por tolerância de critério,uma porcentagem de reprovação substan-cialmente mais alta na escola pública do quena escola privada, tendo mesmo estudosrealizados pelo Instituto Nacional de Estu-dos Pedagógicos, em Estados brasileiros, as-sinalado situações de promoção total em mi-lhares de alunos do curso de colégio de es-colas particulares, cujos posteriores examespara ingresso em escolas superiores foramaltamente insatisfatórios.

56. Em documentos oficiais, diretores deescolas públicas têm sublinhado a contingên-cia de rebaixar os seus padrões de promoçãopela concorrência de estabelecimentosparticulares mais complacentes.

57. As tentativas pela implantação dos“exames de estado” têm enfrentado triun-fante oposição dos não interessados em suavigência.

58. Não há um entrosamento entre aescola e a comunidade como seria de dese-jar, seja do ponto de vista de uma margemde diversificação da escola em relação aomodo de vida da comunidade, seja quanto

à efetiva participação da comunidade na vidada escola.

Os “círculos de pais” são instituiçõesraras e pouco efetivas.

59. A escola secundária é uma institui-ção reclamada, bem aceita e prestigiadora dacomunidade a que pertença.

Não há, todavia, uma colaboraçãovigilante, uma crítica construtiva dacomunidade quanto ao seu funcionamento.

De um modo geral, há uma tendênciamuito nítida para julgar que ela é boa con-forme diploma, sem maior indagação sobrese esse diploma corresponde a uma efetivahabilitação.

Suas deficiências de formação cultural,cívica, do caráter, econômica, para o lar, es-tética e artística não constituem motivo devigorosas e atuantes insatisfações, o que emparte se explica pelo desconhecimento depadrões que atendam a esses aspectos.

O “prestígio” concedido à instituiçãoescolar por autoridades públicas, grupossociais, etc., é muito grande, esperando delabem mais do que aquilo que ela pode dar;todavia, as preocupações quanto aos modose condições necessárias para que ela rendao que pode, contam muito pouco.

Tema 3: Currículoe programas

1. O currículo obrigatório da escola se-cundária brasileira compreende, nos quatroanos do primeiro ciclo ou curso ginasial,Português, Latim, Francês, Inglês, Matemá-tica, História Geral, Geografia Geral, Histó-ria do Brasil, Geografia do Brasil, CiênciasNaturais, Desenho, Trabalhos Manuais e Eco-nomia Doméstica, Canto Orfeônico; nos trêsanos do segundo ciclo ou curso de colégio,no curso clássico, Português, Latim, Francês,Inglês, Espanhol, Grego, Matemática, Física,Química, História Natural, Biologia, HistóriaGeral, Geografia Geral, História do Brasil,Geografia do Brasil e Filosofia, abrangendono curso científico as mesmas disciplinas,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 63: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

63

substituindo o Latim pelo Desenho, varian-do nesses dois cursos de colégio, clássico ecientífico, a intensidade dos estudos deCiência e de Filosofia. A Educação Física éobrigatória para todos os alunos. Há um cur-so clássico sem Grego, e no que proporcionao estudo do Grego constitui uma opção oestudo do Francês ou Inglês. O númeromáximo e mínimo de horas de aula sema-nais é previsto em lei, variando de vinte etrês a vinte e oito horas os mínimos, porsérie, dadas essas aulas durante o períodoletivo, que vai de 1° de março a 30 de junhoe, depois, de 1° de agosto a 30 de novembro,com exames finais em dezembro.9

2. Esse currículo, integrado de matéri-as de estudo obrigatório, estabelecidas naLei Orgânica do Ensino Secundário de 1942(federal), é elaborado à base de matériasisoladas.

No estudo de Ciências Naturais, no ci-clo ginasial, e de matemática, funciona a or-ganização do currículo por matériascorrelativas, quais sejam, Biologia, Física,Química, Higiene e Aritmética, Álgebra eGeometria.

Prevalece, assim, a forma maistradicional de organização curricular, comtodos os seus conhecidos defeitos, sejamos do seu alheamento aos problemas comque se defrontam os alunos, devido à suadivisão em seções não relacionadas peloseu secionamento em matérias estanques,sejam os do fracionamento do dia e dasemana em numerosos períodos sem inter-relação, sejam, em síntese, os víciosdidáticos de desarticulação doconhecimento a que induz esse tipo deorganização curricular.

3. Tendências em favor da conveniênciade adoção, ao menos em caráter experimental,dos chamados “currículos funcionais”,elaborados à base do conceito de

[...] education for use rather for morepossession, education for a reasonablydirect and obvious contribution to theimprovement of daily living here and

now education for all aspects of anindividual’s necessary and inescapableinvolvement in community life his roleas person as citizen, as homemaker, asworker, and as general beneficiary of thecultural heritage,

tendências desse tipo não são encontradas.10

Alguns esforços isolados de renovaçãopedagógica, como o que conhecemos doColégio Nova Friburgo, da Fundação Getú-lio Vargas, mal puderam realizar tentativasde experiência de novos métodos, que maisnão enseja a camisa-de-força da uniformi-dade pedagógica oficial.

4. Em conseqüência da rotina criada poressa uniformidade esterilizadora, não se fa-zem maiores objeções doutrinárias à escolatradicional, que tem a disciplina ou matériacomo centro, pelo menos como manifesta-ção do pensamento médio do grupo que viveo problema.

Há certas áreas culturais do País emque não há mesmo senão vaga notícia daexistência de outra organização curricularque não a clássica, tradicional, à base decentered subject matter. A grande objeçãoencontrada é sempre quanto ao congestio-namento dos currículos, havendo boareceptividade à idéia de matérias obriga-tórias e optativas, ainda que se julgando,tal o imediatismo dos vigentes estudos,tidos como de caráter exclusivamentepropedêutico para uma etapa superior,que as matérias optativas não teriamclientela.

5. Não se pode identificar espírito de-mocrático na rígida organização curricularda escola secundária brasileira, quer quantoao processo de sua fixação, quer quanto aoseu conteúdo.

A questão do currículo (escreve Kandel) édeterminada inteiramente pelo conceitodo nacional e da definição das relaçõesentre o Estado e o indivíduo.

Onde predomine o Estado sobre o indiví-duo, onde o currículo e a seriação seencarem “como forma de propaganda”,

9 Mínimos de horas de aulafixados, para cada semana, pelaPos-taria do Ministro da Educa-ção e Cultura, nº 966, de 2 deoutubro de 1951.

10 Vide W. B. Featherstone. Afunctional curriculum foryouth. Columbia University.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 64: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

64

a escolha das disciplinas e o entendimen-to de suas partes “serão controladas pelasrepartições do Estado”. Se, entretanto, foraceito o verdadeiro sentido de naciona-lismo como força espiritual e se se consi-derar a cultura nacional como inter-relação dos interesses do indivíduo e dogrupo – interesses esses intelectuais, físi-cos, estéticos e morais – aí serão encora-jadas a liberdade e a iniciativa local.(Almeida Junior. “Respondendo ao Pare-cer Capanema”, citando Kandel, I. L.Educação Comparada).

6. Acontece que o currículo da escolasecundária nacional vem sendo uniforme-mente determinado em lei ou decreto-lei(1931 e 1942) para todo o País e elaboradoà base da tradição e das opiniões pessoaisde dirigentes ocasionais da educação, semconsultas amplas e estudos objetivos,técnicos, que levem à incorporação de prin-cípios científicos atualizados e à conside-ração da sua necessária flexibilidade, face àrealidade das multiformes situações sociaise individuais existentes.

Sua estruturação vem se esclerosando,rígida, uniforme, estática, monolítica; suasperspectivas da mais simples revisão dãoaparência de abalos sísmicos, pela grandeagitação de superfície e personalismo deopiniões emocionalmente extremadas queacarretam.

Se se quisesse ensejar, na mais modestacomunidade brasileira, a opção latim ouuma língua estrangeira, por exemplo, mui-tas vozes inflamadas provavelmente se le-vantariam contra esse atentado ao “legadoda cultura romana” e à “unidade nacional”.

Não se pode assinalar influência sen-sível de associações educacionais, escolasprofissionais, organizações de pais, profes-sores, pesquisadores científicos, professo-res de educação nas universidades, no sen-tido de revisão do currículo, levando emconta o relacionamento do seu conteúdocom idades, interesses, diferenças indivi-duais e culturais, cientificamente conside-radas. Muito poucas organizações têm sededicado ao estudo dos problemas do

currículo. Não há participação ativa do pro-fessor na elaboração do currículo para queseja por ele aceito e compreendido, nem con-sultas a especialistas de matérias para sele-ção do conteúdo e distribuição da matériapelas séries do curso tem havido em caráteramplo.

7. Se tem sido antidemocrático em seuprocesso de fixação, não o vem sendo menosna estereotipada rigidez do seu conteúdo.

Toda sua organização vem sendo pro-cessada em torno dos interesses de 10% daclientela da escola secundária que a freqüen-tou como escola preparatória para cursossuperiores.

8. O conceito mais vigente a respeitode currículo é o de entendê-lo como“cursos de estudo” e não como todas asexperiências que os alunos tenham sob aorientação da escola, sejam elas em classeou extraclasse.

Cursos de estudo são assim entendi-dos não como a parte do currículo organiza-da para uso em classe, mas como o própriocurrículo.

9. Com a organização e moldes de fun-cionamento existentes nessas escolas, o cur-rículo e seus cursos de estudo não podem“ser relacionados com a orientação, guia, ins-trução e participação dos jovens naquelasáreas significantes de vida, para as quais aeducação suplementaria o trabalho de outrasinstituições sociais”.

10. As tentativas de flexibilidade de suacomposição e de descentralização do poderde sua organização, sobretudo aquelas de-sejam pôr esse poder na consciência e res-ponsabilidade profissionais, prestigiadaspelo apoio da opinião pública esclarecida,não têm alcançado sucesso.

A maior “concessão” feita pela União arespeito de execução de currículo da escolasecundária, nos últimos tempos, foi a daPortaria nº 81, da Diretoria do Ensino Se-cundário (de 13 de fevereiro de 1953), dan-do aos colégios a prerrogativa de liberdadenos horários para ensino das matériascomponentes do currículo.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 65: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

65

11. É pacífica a crítica à vigente organi-zação do currículo da nossa escola secun-dária, quanto à exigência de dez a doze ma-térias a serem simultaneamente estudadas,todas com programas que até bem poucoeram listas extensíssimas de assuntos, den-tro de um limitadíssimo ano escolar, dilu-indo as aulas de cada matéria homeopatica-mente, não deixando prevalecer o superiorcritério de menor número de matérias porsérie, com o seu estudo mais denso, maisintensificado, em menor número de anos.

12. Os esforços em favor de uma organi-zação curricular à base de matérias concen-tradas nos chamados broad fields encontram,freqüentemente, grande resistência, como é ocaso do estudo de Geografia e História sob aforma de Ciências Sociais, mesmo que sejapara os pré-adolescentes do curso ginasial,motivada pela oposição dos professores, ati-tude que procuraremos interpretar no TemaV, relativo ao “Professorado”.

13. Quanto às tentativas de organizaçãocurricular partindo do experience-centercurriculum, manifestadas através daexperiência dos core-curriculum, com a“unidade de trabalho servindo como centrounificador das atividades dos estudantes”,não se pode ainda assinalar experimentaçõessignificativas a respeito, no Brasil, e suasdiretrizes de “learning activities that areorganized without reference to conventionalsubject lines” representam uma evoluçãopara a qual é de prever bastante tempo parasua frutificação, inclusive porque implicanuma entrosagem de serviços na escola etamanhas modificacões no modelo clássicoque constitui um longo caminho a percor-rer. Por exemplo: “guidance and thecurriculum become inseparably connected”.

14. A questão da composição do currí-culo da escola secundária tem estado muitoem foco, ultimamente. As exigências de suarevisão têm se tornado tão gritantes emrelação aos interesses e necessidades domi-nantes em sua clientela, que, recentemente,na Câmara dos Deputados Federais, doisprojetos de lei foram apresentados.

Um, de autoria do deputado Nestor Jost,representando uma tendência mais progres-sista e atualizada, reduzindo as disciplinasobrigatórias, ensejando opção quanto a ou-tras, como o Latim, aumentando o ano leti-vo e a duração do curso ginasial noturno,que passaria a ser de cinco anos, agrupan-do o ensino de matérias correlativas, em sín-tese, procurando equilibrar a tendência clás-sica de beletrismo humanista prevalecentena escola secundária brasileira com umamaior ênfase ao ensino de Ciências.

15. Outro, de autoria do deputadoRaimundo Padilha, de inspiração conserva-dora, muito fiel ao “humanismo” no senti-do em que vem sendo entendido na escolasecundária nacional.

16. Muitos debates têm-se feito sobre oassunto, e algumas associações técnicas têmestudado e opinado a respeito. Todavia, de-vemos reconhecer que estudos técnicos, emprofundidade, sobre a reconstrução do cur-rículo à base de atualizadas teorias pedagó-gicas e de consideração às condições cultu-rais existentes, de nenhum modo têm sidofeitos. Não se pode dizer que, no Brasil,acontece o que se dizia acontecer nos Esta-dos Unidos em 1937: “o programa de ex-pansão dos currículos estava em marcha 70%das cidades de população superior a 25 milhabitantes...”

Nem se nota qualquer significativa ten-dência de apoiar a descentralização do po-der de elaborar os currículos, o que é consi-derado, em geral, para todo o País, pacíficaatribuição de determinada agência ourepartição do governo.

Programas de estudo

17. De referência aos programas de estu-dos também não vem sendo descentralizadanem democrática a sua elaboração. Antes de1931, eram o Código Pedro II, estabelecimen-to padrão, mantido pela União na capital daRepública, e os ginásios estaduais, equipara-dos, que elaboravam esses programas.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 66: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

66

A reforma de 1931 (Francisco de Cam-pos) transfere essa competência a comissõesde professores escolhidas pelo ministro daEducação.

18. Recentemente, reconferiu-se aoColégio Pedro II a prerrogativa de elaboraros seus próprios programas e depois (Por-taria Ministerial n° 966, de 2/10/1951) foia adoção desses programas estendida aoPaís, ficando os planos de seu desenvol-vimento a cargo da congregação do ColégioPedro II.

Sempre que os governos estaduais de-sejem adotar, para uso em suas escolas, pla-nos de desenvolvimento próprios, ficarãoeles sujeitos à aprovação ministerial.

19. A afirmação de que esses progra-mas são mínimos e não analíticos, confe-rindo uma certa margem de arbítrio pessoalna execução dos mesmos, de um modo geralé exata. Todavia, na fixação dos programas,tem havido aumento da tendência cen-tralizadora, em sua elaboração, em relaçãoao passado.

20. As críticas mais comuns e maisaceitas aos programas que por muito tem-po vigoraram na escola secundária brasileiraeram as seguintes:

a) os programas oficiais não eram ver-dadeiramente programas, isto é,plano de atividades para um fim;assemelhavam-se mais a listas detítulos ou tópicos de índices de li-vros, sem maior ênfase na orienta-ção aos professores, não esclarecen-do os objetivos básicos desejáveispara o ensino, com a sugestão daspráticas didáticas mais indicadas aalcançar os objetivos visados;

b) os programas não eram propostosem correspondência com as finali-dades dos cursos de estudo, isto é,suas listas de assuntos não se rela-cionavam com os objetivos de for-mação da personalidade, sentido desocialização, desenvolvimento doespírito cívico, artístico, etc.;

c) habitualmente os programas eramimensos, inçados de minúcias e derequintes eruditos e especiosos, so-brecarregados de nomes, datas, ex-ceções, sem adequação ao nível men-tal e às necessidades dos adolescen-tes, como se fossem feitos em funçãodo exibicionismo de especialistas;

d) os programas de estudo de músicae canto orfeônico e de trabalhos ma-nuais, por sua pesada carga teórica,convertiam saudáveis práticaseducativas criadoras em suplíciopara os alunos;

e) não havia proporção entre a escas-sa duração do ano letivo, o núme-ro de aulas por matérias e a exten-são dos programas, que quase nun-ca eram vencidos, embora limitan-do-se os docentes à exposição dosseus tópicos, sem qualquer tempopara recapitulações, controle daaprendizagem, etc.

21. Educadores esclarecidos têmpropugnado pela elaboração desses progra-mas através de comissões permanentes, que

[...] acompanhassem sua aplicação em vá-rios pontos do território nacional, ouvis-sem professores, técnicos e pais de alunossobre suas deficiências, exageros einadequações e tratassem, periodicamen-te, de sua reforma, depois de experimen-tadas em alguns colégios as novas idéiasque resultassem desses estudos (OctávioA. L. Martins).

22. E ainda, na mesma linha de reaçãoà atual hipercentralização formal, é susten-tada a vantagem de não terem esses progra-mas caráter compulsório, ficando as escolascom a liberdade de modificá-los em funçãode sua experiência.

23. O que vem prevalecendo no momen-to é, todavia, a elaboração desses programaspor uma só corporação para adoção em todoo País, sem um mínimo de oportunidade aqualquer autonomia local, salvo na parte de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 67: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

67

sua execução, onde a sua conversão em pro-gramas mínimos enseja ao professor mar-gem de atuação individual. Com esse novotipo de programas de estudo, críticas comoas relacionadas aqui sobre eles nos itens a,c, e, perdem a razão de ser, em grande parte.

O aspecto formal desses cursos de es-tudo, pouco realistas porque pouco relaci-onados com os problemas correntes e mui-to desligados do ambiente em que vive odiscente, a pouca consideração neles atri-buída ao mérito da solução de um proble-ma integral como válido esforço de desen-volver o método científico de pensamentoe trabalho, a ênfase concedida ao decorarde nomes, locais, datas, acontecimentos,constituem desestimáveis aspectos, muitoencontráveis todavia.

24. Como escolas cujo escopo é minis-trar noções através da execução de progra-mas de estudo, salvo casos raros, não háorganização planejada, senão realizações aci-dentais, em torno a atividades especiais,como as de reuniões, esportes, cultura físi-ca, clubes, festas, concursos, publicações,atividades sociais, conselhos de estudan-tes, teatro, debates, excursões, que são en-caradas como subsidiárias, facultativas e es-porádicas iniciativas “extracurriculares”.

25. Também, só por exceção se torna aescola um centro cultural da comunidade,propiciadora de campanhas educativas ousanitárias, festas, bibliotecas circulantes,concertos, exposições, conferências, nemnormalmente utiliza os meios que oferece acomunidade para fins educativos: lar, igreja,imprensa, rádio, fábricas, associações cívicas,econômicas, políticas, familiares, etc.

26. O uso de biblioteca e de recursosaudiovisuais auxiliares da educação não éum procedimento comum à escola secun-dária nacional, salvo poucos casos, em áreasculturais mais avançadas.

As deficiências de laboratório e de equi-pamento são, de regra, muito grandes e ten-tativas de ensino mediante prática indivi-dual, em química, física, etc., são situaçõesmuito raras.

Tema 4: Métodos e técnicas

1. O setor do ensino secundário é, noBrasil, dos mais herméticos a qualquer reno-vação metodológica, como comportamentomédio de grupo.

A contradição entre os métodos vigen-tes e os fins a que, legalmente, se propõe aescola, é flagrante.

Prática consciente de atualizados prin-cípios metodológicos, que derivem da psi-cologia da adolescência e do processo deaprendizagem, só muito excepcionalmentese assinalará.

2. A escola, via de regra, não busca par-ticipação ativa do aluno, limita-se sistemati-camente aos compêndios ou aos ditados depontos, exige exaustivo esforço memorizante,impõe disciplina autocraticamente, não levaem conta diferenças individuais.

Há ainda muita sistemática, exclusivaadesão ao livro oficial, à exigência de exte-nuante e estéril decorar de noções, à manu-tenção de rígida disciplina imposta, a nãoconsideração de variações pessoais.

3. Não se pode assinalar, na prática,influência atuante dos princípios oriundosdas descobertas psicológicas de maisprofundo significado na aprendizagem(Thorndike, teoria da gestalt, etc.), nem,filosoficamente, de teorias renovadoras,como as de Dewey, por exemplo.

4. Ou há desconhecimento a respeito, porparte da grande legião de professores impro-visados e autodidatas, que só em raros casosversou precariamente o assunto, ou há,freqüentemente, noções mal assimiladas, malpraticadas, em muitos casos como decorrên-cia natural de falhas na preparação pedagógica.

5. O aluno habitualmente é puro espec-tador passivo das aulas; o professor, muitofreqüentemente improvisado, mesmo tendoa intuição artística que lhe é fundamental,não dispõe das instrumentalidades técnicasnem do equipamento conceitual necessáriosao êxito de sua tarefa.

De modo que a complexa ciência e sutilarte do ensino se nutre, freqüentemente, da

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 68: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

68

rotina e da improvisação, alheia a todo umcorpo de princípios, padrões, recursos e téc-nicas indispensáveis a um consciente exer-cício de atividade profissional específica,como é a docente.

Não é sensível a presença nas técnicasfundamentais e nos métodos específicos deensino de um seguro emprego dos resulta-dos das pesquisas científicas no campoeducacional.

6. Os métodos de ensino prevalecen-tes variam principalmente entre os de“exposição” e de “recitação”.

No primeiro, o professor expõe, os alu-nos copiam, tomam notas. Não discutem osalunos, em classe, as idéias expostas peloprofessor, trazendo ao debate pontos de vistapróprios ou alheios e só excepcionalmenteperguntam.

7. No segundo, o professor marca li-ções, à base do livro adotado, faz pergun-tas para apurar se os alunos estudaram alição passada, explicando às vezes ostrechos pouco compreendidos.

Essas lições não saem da matéria cons-tante do programas, e os estudos confinam-se ao texto constante dos livros e programasseguidos.

8. Métodos como o de “unidade deconteúdo” ou o de “unidade de experiên-cia”, que exigem “não ser o aluno um pas-sivo recipiente da informação do professor,por isto que se caracterizam pela atividadefísico-mental de colecionar, organizar, criti-car, resumir e tirar conclusões dos conhe-cimentos”, não funcionam como represen-tações de procedimento generalizado.

Não funciona, igualmente, o método de“recitação socializada”, como uso freqüente.

O regime escolar dos discentes nãoé o de trabalho em cooperação e simindividualista e competitivo.

9. Os métodos geralmente usados, pas-sivos que são, não levam os alunos a pen-sar, perguntar, discutir, objetar, investigar,concluir.

Não há, em geral, preocupação siste-mática dos docentes em torno às leituras

dos seus alunos fora dos textos oficiaisou dos apontamentos de aula, nem quantoàs suas dificuldades e meios superá-las.

O ensino é admitido como bom e se nãorende é culpa do aluno, jamais da escola.

A preocupação dominante é a de apu-rar se o aluno decorou a noção transmitidapelo professor ou constante do texto oficiale não a de incorporação desse conhecimentoe sua utilização em novas relações.

10. Tampouco, em geral, há a preocu-pação de despertar no discente a compreen-são do mecanismo de causa e efeito ou esti-mular-lhe o processo lógico de reflexão, aju-dando-o a formar critérios, atitudes, ideais.

11. O estudo dirigido é excepcional equando existe não é de suas praxes ensinaraos alunos a tomar nota do que leu e ouviu,a fazer resumos ou revisões, a preparar-seconscienciosamente para exame, a usar téc-nicas de memorização, a bem compreenderos textos, a adaptar a rapidez da leitura ànatureza do material em estudo e aos objeti-vos visados, a preparar sínteses, críticas,composições, etc.

12. Utilização do método de projetos,atenção às diferenças individuais através daorganização de classes especiais, etc., estu-do científico dos casos anormais com pres-crição de regimes específicos, emprego re-gular e ponderável de recursos audiovisuais,uso normal de biblioteca, etc., não se assi-nalam como práticas arraigadas à escolasecundária brasileira.

13. Guias metodológicos para os pro-fessores, fontes acessíveis de informaçãosistemática para os mesmos, orientação edu-cacional e profissional dos alunos tambémnão constituem recursos de uso corrente nofuncionamento dessas escolas.

Manuais para professores, a bem dizer,só agora se começa a cogitar de sua existên-cia, através de realização de campanhasextraordinárias de educação.

14. No que diz respeito à orientação edu-cacional, a Lei Orgânica do Ensino Secun-dário de 1942 a instituiu como um dos ser-viços necessários ao funcionamento da

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 69: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

69

escola. Na prática ela inexiste, e algumasreivindicações manifestadas em torno ao seufuncionamento têm revelado perigosa ten-dência a que seja ela mais um setor estan-que na escola, onde a oportunidade de umprivilégio de especialização profissional estátendo mais realce do que a necessidade in-discutível de um serviço integrado naconstelação escolar.

15. É certo que em áreas culturais maisdesenvolvidas, com pessoal docente melhorpreparado e melhores condições materiais,esta ou aquela iniciativa isolada de renova-ção metodológica tem sido tentada, como éo caso, por exemplo, da experiência feitano Colégio Nova Friburgo, da Fundação Ge-túlio Vargas, no Estado do Rio de Janeiro,em torno ao “plano Morrisson”, como apli-cação de princípios de Herbart aos quais seincorporam técnicas contemporâneas, expe-rimentais, sobre verificação e avaliação daaprendizagem.

16. Se nos referimos, todavia, ao queprevalece nas 1.771 escolas secundárias es-palhadas pelo Brasil, temos de convir queos princípios inspiradores da execução doscursos, de estudo do currículo e de méto-dos se filiam a vagos conceitos sobre obso-letas e superadas teorias de faculdades men-tais e treino da mente, buscado através doestudo de matérias tidas como especialmenteadequadas ao desenvolvimento de tal ouqual faculdade.

Não tem havido zelo particular de admi-nistradores da educação e de professores emtorno aos fundamentais progressos educaci-onais, e o conservadorismo rotineiro e alienadodos avanços pedagógicos é a norma.

17. Deve-se registrar também que,freqüentemente, o ideal pedagógico renova-dor não está servido por um domínio claro eseguro dos fundamentos da teoria renovadora,e certos equívocos de más conseqüênciasaparecem.

Quando se tratou, por exemplo, da ado-ção dos princípios da escola ativa, foi comumassinalar-se, por exemplo, impropriedades nainterpretação educacional da experiência.

Daí a utilização de apenas um dos doisaspectos da experiência, como base para oprograma de ação educativa, com indevidaexagerada ênfase sobre a atividade física.

Se o aluno fazia algo, admitia-se que aeducação estava se processando e o resultadoera bom.

Intelectualizar suas atividades, desco-brir seu significado, utilizando a disciplinaou matéria como “meio adequado de orga-nizar a experiência da raça para fazê-la efeti-va e usada na interpretação de novas expe-riências”, andou sendo impropriamentejulgado como imposição de adultos.

18. Foi encontrável essa posição dereação extremada à educação tradicional.

Todavia, como acentua Alberty Harold(Reorganizing the high school curriculum),em “qualquer completa situação de apren-dizagem, atividade e interpretação estão sem-pre presentes, se bem que, de fato, em grausmuito variados”.

Não fazia assim sentido esse “dualismoque não tem fundamento em boa teoria ouprática”, mas que era freqüentemente admi-tido por falta de suficiente preparação e com-preensão exata de que, conforme Dewey,“mere activity is not educative and thatunorganized experiente is not effective inreconstructing present experience”.

19. Deve assinalar-se, todavia, que agrande número de professores em ação naescola secundária nacional jamais foram pre-sentes tais preocupações, que têm tido me-nor ausência no setor do ensino elementar,menos hermético à renovação metodológicae pedagógica em geral, do que o ensinosecundário.

20. Um dos maiores defeitos da escolasecundária nacional é sua completa ignorân-cia a respeito da personalidade total do seualuno, do seu ambiente familiar e social.

Na escola pública, habitualmente, essedefeito ainda é mais acentuado do que naescola particular.

O aluno é um número na caderneta,ente de quem se sabe, algo vagamente, quefreqüenta aulas.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 70: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

70

21. Registros biográficos ou anedóticos,entrevistas, questionários, etc., não cons-tam do prontuário dos alunos, que apenaspossui os estritos dados de sua identificaçãocivil, exigidos em lei.

Muito menos funcionam registros pós-escolares, serviços de orientação ocupacionalpós-escolar, nem qualquer tipo de serviçoperi ou pós-escolar, próprios ou articuladoscom a escola, quais sejam, serviços de higi-ene mental, serviços sociais, clínicaspsicopedagógicas, etc.

No seu exclusivo afã de fazer decorarlições para passar em exames, como escolade passagem para outros estudos, não en-tra nas preocupações da escola secundárianacional a necessidade do funcionamentode serviços que tais, como instrumentospara conseguir formação educacional.

Tampouco sequer utiliza instrumentosde medida do seu rendimento escolásticode mais acurada precisão, pois o uso detestes, sejam padronizados ou preparadosespecialmente pelos professores para suaclasse, nem é previsto ou recomendado emlei, nem constitui preocupação habitual deprofessores.

Toda a avaliação de progresso dos alu-nos não incorpora modificações recentesde filosofia educacional sobre os moder-nos objetivos da escola, continuando aclassificar os alunos em comparação comos progressos escolásticos dos seus cole-gas, em vez de tomarem como referênciasuas próprias capacidades pessoais.Exames com objetivos diagnósticos de de-ficiências do ensino ou de problemas in-dividuais na aprendizagem também nãosão praticados.

Tema 5: O Professorado

1. O ponto mais fraco da escola secun-dária brasileira está no seu professorado.Pelo súbito incremento do aparelho, tornou-se necessário organizar um magistério deemergência, aliciado nas sobras, lazeres e

desempregos de outras profissões, ou entreoutros candidatos sem profissão nenhuma.

Alguns desses elementos improvisadosforam sem dívida verdadeiras revelações,fizeram-se professores secundários de pri-meira ordem; mas a maioria se ressente, aolhos vistos, da formação inadequada (Re-latório Geral da Comissão Elaboradora doAnte-Projeto da Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional).

2. “Justo é reconhecermos que a quasetotalidade do nosso magistério secundário nãoteve formação científico-profissional. É pe-queno o número de diplomados por facul-dades de filosofia. A maioria de nossos pro-fessores não possui preparo humanístico.Nosso magistério é muito deficiente quantoao trabalho em cooperação. Em nossas esco-las não há entrelaçamento orgânico das ativi-dades docentes. Cada professor vive fecha-do no mundo de seus problemas ou de suasdisciplinas. Poucos são os que vivem a edu-cação como um todo orgânico.” (Mário deMagalhães Porto – Tese de 1948, ao Congres-so de estabelecimentos particulares de ensinosecundário).

3. Essas deficiências de formação docenteacima reconhecidas não pertencem ao domí-nio puramente opinativo. Freqüentemente sãocomprovados objetivamente através da reali-zação de exames de suficiência, concursospara o magistério secundário oficial, etc.

Vamos citar, ao acaso, exemplo tãosignificativo quão recente.

Para preenchimento de 576 vagas emseus ginásios oficiais, realizou o Estado deSão Paulo, este ano, concursos aos quaisafluíram 704 concorrentes, dos quais ape-nas 249 lograram aprovação, o que, em quepesem possíveis eventuais defeitos do pro-cesso de seleção, não deixa de ser significa-tivo levando-se em conta que muitos dessescandidatos estavam em exercício domagistério.

Note-se que se trata de comunidade cul-turalmente avançada e que punha emdisputa lugares de condigna remuneração.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 71: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

71

4. O número de professores com for-mação profissional específica – bacharela-dos e licenciados por Faculdades de Filo-sofia, Ciências e Letras – cuja atuação, nomagistério secundário, é, em princípio, umavanço em relação a passado próximo, emque todo esse magistério (salvo o de algu-mas congregações religiosas vindas do es-trangeiro) não possuía formação específica,não vale ainda como presença ponderávelem meio aos 32 mil professores, aproxi-madamente, que, em 1952, ensinavam naescola secundária (vide O ensino secundá-rio gratuito, do Prof. Nelson Romero, Di-retor do Departamento Nacional deEducação).

5. Dados exatos e atualizados arespeito do número desses professores for-mados por Faculdade de Filosofia, ensi-nando na escola secundária nacional, nãohá disponíveis.

O serviço de registro de professores daDiretoria do Ensino Secundário, ainda nãototalmente libertado dos rotineiros aspec-tos fiscais de órgãos de estado burocrático,não tem, por enquanto, condição para for-necer esses dados, nem para realizarestudos reveladores da situação.

6. Assim, para que se tenha uma esti-mativa aproximada da porcentagem desseprofessorado com formação própria, no to-tal dos que exercem o magistério secundá-rio, vamos nos valer de dados levantadosno Estado do Rio de Janeiro. Não o faremostodavia sem assinalar que o Estado do Riode Janeiro, que do ponto de vista do seudesenvolvimento pode ser situado comoEstado médio no País, entre as áreas mais emenos desenvolvidas, por certas peculiari-dades de localização geográfica contígua àcapital do país, representará, no caso, umaposição de média para mais, quanto à pre-sença de pessoal docente das Faculdadesde Filosofia no ensino secundário.

7. Numa amostra de 1.377 professoressecundários em exercício, cuja formaçãoprofissional constava do Serviço de Esta-tística do Ministério da Educação e Cultura

(1951), apenas 112 eram diplomados porFaculdades de Filosofia (8%).

Desses 112, 55 ensinavam na capital eo resto se concentrava em Campos,Petrópolis e Nova Friburgo, cidades dasmais importantes do Estado.

O diploma mais encontrado (329 casos)era o de professor normalista (diplomadoem nível médio), seguido do de bacharel emdireito (142).

8. Médico era outro diploma fre-qüentemente assinalado, ao lado dos deengenheiro, agrônomo, farmacêutico,dentista e de outros de nível superior.

9. Como fato importante deve registrar-se que cerca de 50% desse professorado eraformado em nível médio e, desses 50%, 12%não tinham ido além do ciclo ginasial (1° ci-clo do ensino médio, com 4 anos de estudo).

10. Quanto ao sexo desses professores(amostra do Estado do Rio de Janeiro), 711eram do masculino e 666 do sexo feminino,o que mostra um quase equilíbrio entre osdois sexos. A serem mantidas as linhas decrescimento atual, muito em breve se assi-nalará maior presença feminina na docênciado ensino secundário, no qual a populaçãodiscente feminina, máxime no curso ginasi-al, primeiro ciclo, também quase já seequipara à masculina.

11. A simples enunciação dos dadosda amostra acima referida, que se pecar porfalta de representatividade não será no sen-tido de estar aquém da realidade média doque existe na escola secundária brasileira,demonstra como deixa a desejar a formaçãocultural, a preparação pedagógica, a especi-alização profissional e a prática docente domagistério secundário brasileiro, geralmentefalando.

12. Saídos muitos deles de escolas su-periores que não se propõem preparar pro-fessores ou diplomando-se, em grande par-te, em escolas de nível médio que formamdeficientemente professores para o ensinoprimário, necessariamente há de ressentir-se de grandes falhas a eficiência docentedesse professorado.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 72: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

72

Assinale-se, como fator de máxima im-portância, que a prática docente, durante ocurso, a bem dizer, inexiste.

13. Sem formação profissional adequa-da, não encontram, depois, esses professo-res improvisados, oportunidades sistemá-ticas de habilitarem-se ou aperfeiçoarem-se,através de cursos, seminários, bolsas, ori-entação metodológica e bibliográfica, veicu-lada mediante boletins e revistas profissio-nais ou intercâmbio com outros professores,cursos de especialização, etc.

14. Para a licença de exercício do ma-gistério secundário é necessário o registrona Diretoria do Ensino Secundário doMinistério da Educação e Cultura.

Inicialmente, antes do advento das Fa-culdades de Filosofia, o registro era à basede atestados, mais ou menos graciosos, deexercício docente, podendo ser obtido emtodas as matérias.

Deve-se registrar que essa herança, re-cente, ainda pesa substancialmente nacomposição do magistério atual.

15. Com o advento das Faculdades deFilosofia, o espírito de reivindicação deprerrogativas profissionais específicas, le-vou a nova formulação legal no sentido deresguardar os privilégios dos diplomadospor elas, com exceções concedidas a títuloprecário, de provisão no magistério medi-ante prestação de exame de suficiência. Eos registros passaram a não poder ser con-cedidos em mais de quatro matérias, porcandidato.

16. Para ser provido nesse magistériode emergência, que é ainda numeroso, nãohá exigência quanto à prova de competên-cia do professor, que pode ir lecionandodesde que apresente atestados de saúde,de idoneidade moral e de idade mínima devinte e um anos.

17. Durante um, e às vezes mais anos,ficam esses professores aguardando as pro-vas de suficiência. Se são inabilitados, oque às vezes acontece, contrata o colégionovos professores, nas mesmas condições,para aguardar as ditas provas, e assim,

freqüentemente, essa tentativa de seleção sereduz a uma série de fracassadas experiênciasem detrimento do ensino.

18. Em conseqüência dos vícios, dadistante centralização do Ministério e da ine-ficácia da inspeção do ensino, há casos as-sinalados de burla, em que professoresregistrados no Ministério dão apenas o seunome aos documentos da vida escolar envi-ados à Diretoria do Ensino Secundário, e osque ensinam são outros.

19. Todas essas situações têm extremagravidade, porque esse registro no Ministé-rio é o caminho único e exclusivo para adocência na escola secundária particular,com sua enorme extensão.

O que ficou dito acima se refere aos pro-fessores de escolas secundárias particulares,que representam pouco menos de 80% dototal.

Nos estabelecimentos públicos, para osprovimentos docentes definitivos, ao ladodesse registro há, por lei, a exigência dosconcursos, que, apesar de alguns vícios desua organização, ainda, certo modo, atendema objetivos seletivos.

20. Na amostra colhida no Estado doRio de Janeiro, aqui citada, verificou-se que60% desse professorado fazia da profissãodocente exclusivo meio de vida. O resto dogrupo exercia o magistério ao lado de outrasprofissões.

Nota-se que, com a formação especia-lizada do magistério secundário, com o re-lativo aumento de seus vencimentos no se-tor público e com a crescente presença fe-minina nos seus quadros, vai gradualmentecrescendo a situação do magistério secun-dário exercido como profissão única. Quantoà permanência na profissão, na parte mas-culina, sofre bastante as conseqüências daconcorrência de uma oferta econômica maisvantajosa de outras profissões.

21. No que diz respeito à situação eco-nômica do professorado secundário, háduas situações opostas. Uma, a do profes-sorado público da União, Estado e Municí-pios, economicamente fortes; outra, a do

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 73: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

73

magistério secundário particular. São os ex-tremos opostos de condições econômicasde exercício docente, e, por isto, vamos aeles nos referir, havendo uma posição in-termediária dos professores oficiais não ca-tedráticos, que são, aliás, numerosos, e cujasituação habitualmente é mais próxima da-quela dos catedráticos oficiais do que dados professores particulares.

O professorado público acima nomea-do recebe remuneração condigna e goza deuma série de vantagens ponderáveis.

Os seus salários estão no nível dosmais altos das mais prestigiosas profissõesliberais, sendo acrescidos com o salário-fa-mília e, à base do tempo de serviço, comgratificações adicionais ou de magistério, oucom aumentos qüinqüenais substanciais;podem acumular dois cargos ou funçõespúblicas, na forma da lei, o que geralmenteocorre; seus proventos do magistério estãoisentos do imposto de renda; o número deaulas semanais obrigatórias varia em médiade 9 a 18, recebendo, pelas aulas exceden-tes, remuneração extraordinária; gozam deférias remuneradas anuais que, bem soma-das, regulamentares e reais, andam em tor-no a pelo menos três meses e meio anuais;por atividades extraordinárias, como a departicipação em bancas examinadoras deexames de admissão, de exames de madu-reza, de concursos para ingresso no magis-tério, recebem pagamento extraordinário;sua aposentadoria vem geralmente aos trin-ta anos de serviço público, com os ordena-dos e vantagens integrais, dos cargospúblicos que exerça.

22. A posição desses professores é so-cialmente respeitada, e o seu prestígio decatedráticos oficiais lhes dá boa posição paraque escrevam livros didáticos de mercadocerto, senão compulsório, entre os seusalunos.

Se a profissão não é meio de enrique-cimento, não pode, todavia, nesses casos,ser considerada posto de sacrifício.

23. Diametralmente oposta é a situaçãodo professor secundário da escola particular,

de um modo geral. Esse vive em situação dedesajuste de vencimentos constante, em rei-vindicações freqüentes junto a seus patrõesempregadores, que são os donos dos colégi-os, o ressentimento ou a insatisfação com aremuneração sendo quase a regra.

Uma das causas determinantes do lu-cro de certos colégios sendo a baixa remu-neração do seu professorado, os interessesprofessor-empresa colidem nesses casos.

De regra, esse professor particular é malpago, superacumulado de aulas no mesmoou em vários estabelecimentos, ensinandouma ou várias matérias, tudo para comporum orçamento minimamente compatívelcom um padrão de vida modesto.

24. A fórmula estabelecida pelo Minis-tério da Educação e Cultura para cálculo daremuneração dos professores das escolassecundárias mantidas por particulares é aseguinte:

SM + C , 120

em que SM significa o salário mínimo11

mensal vigente na localidade e C a contri-buição anual de um aluno da série, para cujoprofessor se calcula a remuneração.

Essa fórmula é aplicada para cálculo dovalor de uma aula à base de classe de 20alunos, sendo nas classes de 21 a 35 alunosa remuneração mínima acrescida de 10% enas de mais de 35 alunos, de 20%.

25. Esse salário mínimo varia para asdiversas zonas do País, com revisões trienaisajustadoras ao curso da vida.

Este ano foi o salário mínimo, “ceiling”,fixado em Cr$ 2.400 mensais para o DistritoFederal.

Assim, no Distrito Federal, uma escolaque cobrar de anuidade Cr$ 3.600 para umasérie pagará aos professores dessa sérieCr$ 50 por aula, ou seja,

Cr$ 2.400 + 3.600 120

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 74: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

74

Para efeito do cálculo do salário men-sal o mês é de quatro semanas e meia, comobrigatoriedade do pagamento do repousosemanal remunerado.

Assim, um professor de ensinosecundário particular na capital daRepública, com 5 horas diárias de aulas,fará de Cr$ 7.500 a Cr$ 9.000 mensais, àbase de uma anuidade de Cr$ 3.600cobrada pelo colégio, na série respectiva.

26. Registre-se todavia que, em face dasvariações de salários e anuidades escolaresexistentes no País, oscila substancialmenteo nível de remuneração desse professoradoparticular.

Ademais, existem casos em quecomposições particulares são feitas pararessalvar as aparências de cumprimentodos padrões mínimos oficiais deremuneração.

Numa pesquisa feita pelo Inep(Cileme) no Estado do Rio de Janeiro, emdoze escolas secundárias selecionadascomo amostra representativa, dentro deuma mesma escola particular, a remunera-ção por aula variava, por exemplo, de Cr$13,80 a Cr$ 56,20, de Cr$ 17 a Cr$ 38, deCr$ 30 a Cr$ 57, de Cr$ 22 a Cr$ 66,de Cr$ 35 a Cr$ 45, à base de arbitrárioscritérios pessoais (1953).

Os ordenados mensais dos professo-res abrangidos nesse estudo variavam deCr$ 1.500 a Cr$ 6.000; o número de horasde aula semanais, de 22 a 42.

27. Os professores do ensino secun-dário público são funcionários da Uniãoou dos Estados ou dos Municípios, pa-gos com os recursos dos respectivosgovernos.

Os professores efetivos adquirem esta-bilidade depois de dois anos de exercício eos professores catedráticos são vitalícios,isto é, os primeiros têm assegurada suaefetividade no serviço público e ossegundos em sua cátedra.

A remuneração atribuída ao magisté-rio secundário público varia muito entre osEstados e Municípios.

O Colégio Pedro II, mantido pela Uniãona Capital da República, tem os seguintespadrões de vencimentos:

Professorcatedrático ................ Cr$ 8.400 mensais

Assistentes .............. Cr$ 4.130 mensais

Auxiliaresde ensino ................. Cr$ 1.720 mensais

Professores deensino secundário ... CrS 6.080 e(extranumerários) .... Cr$ 7.230 mensais

Professorescontratados paraministrar aulas às Cr$ 100 aturmas excedentes ... Cr$ 300 por aula.

28. Quanto aos pagamentos ex-travencimentos atribuídos pelo exercício dafunção, sejam eles sob a forma de gratifica-ção de magistério, ou gratificação adicio-nal, ou aumentos qüinqüenais, estes últi-mos ensejando uma duplicação dos venci-mentos ao fim de vinte e cinco anos de ser-viço, todos se baseiam no tempo de servi-ço e não em critérios que apurem eficiênciafuncional (assiduidade, pontualidade, tra-balhos realizados, rendimento do ensino,integração com a vida da escola, etc., etc.).

29. Assim, essa remuneração inicial e asvantagens subseqüentes, nivelando desiguais,envolvem atitudes indiscriminatórias entreeficiência e ineficiência não estimuladoras doponto de vista de uma justa compensação pro-fissional ao esforço bem sucedido.

30. No Estado de São Paulo e no daBahia já há propostas do executivo aolegislativo fixando em nível aproximado doatual do Colégio Pedro II a remuneração dosseus atuais professores catedráticos, enquan-to também está em tramitação legislativaprojeto que eleva para Cr$ 14.000 osvencimentos dos professores catedráticos doColégio Pedro II.

Se bem que os salários no Brasil, atual-mente, sofram uma considerável perda doseu poder aquisitivo, em face da inflação

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 75: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

75

reinante, não deixam estes acima citados deser elevados em paralelo com os padrõesvigentes para outras profissões.12

31. Conforme já referimos no Tema 2,não há no ensino secundário brasileirocarreira regulamentada do magistério.

Se os títulos valem para os concursos,nada impede, todavia, que alguém que ja-mais ocupou cargo no magistério, se habili-te, por concurso, ao cargo máximo, deprofessor catedrático.

A classificação funcional desse pessoaldocente público varia de estado para estadoou de município para município.

32. Entre as vantagens do professor se-cundário público, da União, figura a da con-cessão do salário-família, na base de Cr$ 150por mulher e filha sem economia própria efilho inválido, ou menor de 21 anos, ou que,estudante, não exerça atividade lucrativa, até24 anos.

33. O número de horas de aulas obri-gatórias, semanais, nos colégios públicos va-ria de 10 (Estado do Rio de Janeiro) a 12normais e mais 12 extraordinárias (remu-neradas a Cr$ 60) em São Paulo. Dentrodesses extremos está a média de situações.

Os dias de férias semanais ou regula-mentares (mês de julho e de 15 de dezem-bro a 15 de fevereiro) são pagos, inclusivepelos colégios particulares.

Nota-se que, geralmente, os professorespúblicos têm seus direitos e deveres regula-mentados por estatutos comuns aos servido-res públicos em geral, com certa improprie-dade nessa inclusão generalizadora, dadas ascondições especiais da atividade docente.

34. Os professores da União são con-tribuintes compulsórios do Instituto de Apo-sentadoria e Pensões dos Servidores do Es-tado, para o qual descontam 5% dos seusvencimentos e que lhes concede assistên-cia médica e hospitalar e pensões para osmembros de sua família, proveniente deaposentadoria e morte.

Essa aposentadoria é com vencimen-tos integrais (inclusive as vantagens detempo de serviço a eles incorporadas),

quando o professor tem trinta anos de ser-viço ou é inválido em face de determinadasmoléstias ou acidentes no serviço, havendodireito à acumulação dos proventos integraisde duas aposentadorias. Nos Estados e nosMunicípios esses limites de tempo para apo-sentadoria com vencimento integral oscilam,em média, de 25 a 35 anos de serviço.

É admitida, de um modo geral, a con-cessão de licença para tratamento de saúde,com vencimento integral até um ano e, de-pois, com vencimentos proporcionais aotempo de serviço.

35. Os professores secundários parti-culares são segurados compulsórios do Ins-tituto de Aposentadoria e Pensões dosComerciários, instituição cuja receita pro-vém de contribuição mensal dos segurados,empregadores e da União.

A estabilidade na função é asseguradapela Consolidação das Leis do Trabalho, sópodendo o professor ser despedido, semjusta causa, mediante pagamento de um mêsde pré-aviso à base dos vencimentos atuaise de uma indenização igual a tantas vezes amaior remuneração mensal já percebida peloprofessor no colégio, quantos sejam os anosde trabalho que nele tenha, consideradacomo um ano a fração de mais de seis meses.

Havendo impugnação à justa causa,por parte do professor, a mesma só preva-lecerá se reconhecida pela Justiça do Tra-balho. Na hipótese de ter o professor maisde dez anos de serviço, a dispensa sem justacausa só é possível com o pagamento emdobro da indenização acima referida e me-diante homologação da Justiça do Trabalho.

A justa causa na hipótese do emprega-do estável (mais de dez anos) deve ser apu-rada antes da dispensa, mediante processo,aberto na Justiça do Trabalho.

36. Somente mediante contratos, pro-fessores estrangeiros podem, por tempo de-terminado, realizar cursos de especializaçãoou de cooperação com os catedráticos, oureger disciplinas do curso secundário.

Nos quadros efetivos do magistério se-cundário público só são admitidos brasileiros

11 Fixado em lei, pela União.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 76: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

76

natos ou naturalizados, sendo a regênciadas cadeiras de Português, Geografia, His-tória do Brasil privativa de brasileiros na-tos, em colégios secundários públicos ouparticulares.

37. É excepcional a existência de pro-fessores com tempo integral de serviço numasó escola, e não há, na legislação pública, asituação de professor de tempo integral, comdeveres e vantagens correlativas. Não hádiferença entre vencimentos e vantagens deprofessores e professoras, havendo, toda-via, freqüentemente, quanto à regência dematérias de segundo ciclo em escolas parti-culares, diferença para mais nos vencimen-tos respectivos em relação à das matériasdo primeiro ciclo.

O estágio probatório (período experi-mental) dos professores, como complemen-to necessário à sua efetivação no magisté-rio, não funciona no sentido negativo, istoé, de concluir que o professor não satisfez.

38. As associações de profissionais, noensino secundário, tem mais comumente aforma reivindicatória de sindicatos de clas-se (no ensino particular) do que propria-mente a de associações de liderançaeducacional.

Há, todavia, algumas associações de ca-ráter nacional, das quais é expoente a As-sociação Brasileira de Educação, com sedena capital da República, que tem, efetiva-mente, atuado como organismo de lideran-ça educacional, atenta e atuante nos gran-des movimentos da educação no País, pu-blicando, inclusive, revista especializada deboa qualidade.

Também os proprietários de colégiosparticulares, quase sempre seus diretores,se agregam em associação de classe pode-rosa que se reúne, ciclicamente, em con-gressos cujos temas são publicados emAnais, que são um útil documento paracompreensão da escola secundária nacio-nal. Nesses congressos, além de assuntosde interesse material, também são aborda-dos temas pedagógicos, notando-se cons-tantes reservas e restrições à posição do

governo na educação, especialmente sob oaspecto de “pedagogo único”.

No particular de revistas especializadasem educação, de boa categoria e penetração,não se pode deixar de citar a Revista Brasi-leira de Estudos Pedagógicos, editada peloInstituto Nacional de Estudos Pedagógicos,do Ministério da Educação e Cultura, a re-vista Formação, de iniciativa particular,havendo não muitas outras neste caso.

A publicação de índices bibliográficossobre literatura pedagógica nacional e es-trangeira, praticamente inexistente, comoelemento de larga circulação pelo País, sen-do de iniciativa recente a publicação, peloInstituto Nacional de Estudos Pedagógicos,do boletim Bibliografia Brasileira deEducação.

39. De um modo geral, não funcionamprogramas de supervisão e avaliação do tra-balho dos professores, e os cursos realiza-dos de aperfeiçoamento desses professoressão ainda acidentais e precárias iniciativasisoladas, de pouca expressão numérica.

40. Toda a série de “handicaps” enu-merados contra a existência de um bom cor-po de professores secundários tem levadoadministradores educacionais mais zelososa ponderações como esta, tirada ao acaso dorelatório de um Diretor de conceituadoColégio Estadual:

[...] não experimento o menor constrangi-mento em sugerir, como medida de defe-sa do ensino, a exigência, por parte do Es-tado, de um exame de suficiência para oscandidatos que pleitearem cargos de en-sino secundário ou normal, mesmo no casode poderem exibir registro na Diretoriado Ensino Secundário.

Essa observação é feita dadas as condi-ções reais de preparo de muitos candidatoslegalmente habilitados ao magistério.

41. Conforme já sublinhamos no Tema2, de regra é completamente isolado o ensi-no das matérias na escola secundária.

Em alguns casos, em escolas públicas,há congregações e departamentos de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 77: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

77

matérias que são um esboço de organicidadefuncional da escola.

Quase sempre, porém, o que preva-lece é o isolacionismo, cada professoralheio ao que acontece com o seu colega eos serviços que existem na escola, desco-nhecendo-se mutuamente ou, pelo menos,inter-relacionando-se deficientemente.

A incomunicabilidade é a regra, e o“estanquismo” vai do currículo à suaexecução.

42. Passemos agora a fazer uma brevesúmula descritiva e crítica da situação doprofessorado da escola secundária,diplomado pelas Faculdades de Filosofia,Ciências e Letras.

43. Criada a primeira dessas escolasem 1933, já em 1949 eram elas 22, em 1950,24, em 1951, 25, em 1952, 30, em 1953, 32,estando dez delas em organização para1954.

Fazendo-se uma análise do aumentodas unidades escolares de ensino superiorno País no período 1949/1953, verifica-seque a liderança cabe às Faculdades de Di-reito, com onze, logo seguidas pelas Facul-dades de Filosofia, com dez, sendo porémde assinalar que, enquanto havia cinco es-colas de direito se organizando para funcio-narem em 1954, havia dez faculdades defilosofia nessa situação. (Vide Boletim n° 14da Campanha de Aperfeiçoamento de Pes-soal de Nível Superior).

44. As trinta faculdades funcionandoem 1952 se espalhavam por São Paulo (6),Distrito Federal (4), Minas Gerais (4), Paraná(3), Pernambuco (3), Bahia (2), Rio Grandedo Sul (2), Ceará (1), Paraíba (1), Alagoas(1), Sergipe (1), Estado do Rio de Janeiro(1), Goiás (1).

Fora das capitais havia uma em Juiz deFora (Minas Gerais), uma em Uberaba (Mi-nas Gerais), uma em Campinas (São Pau-lo), uma em Lorena (São Paulo) e uma emPonta Grossa (Paraná).

45. Para que se possa aferir da crescen-te procura dessas faculdades, basta que seconsidere que nas conclusões de curso

superior no País, em 1952, o primeiro lugarcoube às faculdades de filosofia, com umtotal, em seus vários cursos, de 2.032 alu-nos contra os números de faculdades tradi-cionais, como os 1.705 das faculdades dedireito, colocadas em segundo lugar, e os1.212 das faculdades de medicina, em ter-ceiro lugar, representando as conclusões decurso nas faculdades de filosofia 19% dototal dos concluintes de curso superior, nes-se ano.

46. Segundo a legislação em vigor, asfaculdades de filosofia, ciências e letras têmpor objetivo:

a) preparar trabalhadores intelectuaispara o exercício de altas atividadesculturais de ordem desinteressadaou técnica;

b) preparar candidatos ao magistério doensino secundário e normal;

c) realizar pesquisas nos vários domí-nios da cultura que constituam ob-jeto de seu ensino.

47. Para atingir aos objetivos legalmentevisados, as faculdades podem manter até umtotal de 12 cursos diferentes (organizaçãoprevista pelo Decreto-Lei n° 1.190, de 4 deabril de 1939, e modificações posteriores).

Poucas escolas (sete em 1952) possuemem funcionamento todos os cursos previstosna lei.

Nas trinta escolas que funcionaram em1952 existiram 246 cursos, assimdistribuídos:

Geografia e História .................... 28Letras clássicas .......................... 26Línguas anglo-germânicas ......... 24Filosofia ..................................... 23Pedagogia .................................... 23Matemática ................................. 22Didática ...................................... 20Física .......................................... 13Ciências Sociais ......................... 12Química ...................................... 12História Natural ......................... 11

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 78: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

78

48. Antes de entrarmos numa sucintaanálise do funcionamento dessas escolas,faremos alguns breves comentários sobre ascaracterísticas e tendências já reveladas emsua expansão.

49. Um simples conhecimento das con-dições culturais do País revelará que grandeparte dessa expansão se terá inevitavelmen-te processado sem maior atenção a padrõessatisfatórios, à base de improvisações sejamdocentes, seja de prédios e equipamentos,seja de recursos financeiros.

Tanto isto é certo que entre as conclu-sões apresentadas no simpósio das facul-dades de filosofia do Brasil, reunido em SãoPaulo, de 3 a 11 de julho de 1953, figura aque defende que “a fundação de novas fa-culdades de filosofia só se justifica onde oambiente o reclame e as condições cultu-rais o permitam em alto nível”, dadas asfacilidades com que as mesmas vêm sendoinstaladas improvisadamente.

50. As forçadas limitações intrínsecas aessa expansão quantitativa das faculdades defilosofia têm-nas convertido, talvez malgradoelas, em habilitadoras principalmente de can-didatos ao magistério do ensino secundário,com especial procura e desenvolvimento doscursos de línguas e letras clássicas e menorprocura e menor número de cursos de física,química, história natural.

51. Apesar da conclusão apresentadaneste simpósio, de que “a criação das Es-colas Normais Superiores, com objetivo ex-clusivo de formação do professor secundá-rio, é medida desaconselhável”, deve con-vir-se que, para a maioria dessas faculda-des, esta vem se constituindo sua missãoprecípua ou quase exclusiva, e, outrossim,nas faculdades cujo meio cultural e recur-sos ensejam a conjugação dessa finalidadecom as de preparação dos trabalhadores in-telectuais e de realização de pesquisas, essehibridismo de propósitos tem sido de difí-cil conciliação num mesmo curso, como oraocorre, com a rigidez existente.

52. Essas faculdades vêm sendo, pre-dominantemente, de manutenção privada,

subvencionadas pelos cofres públicos, e, re-centemente, muitas delas foram federalizadas,isto é, passaram a ser mantidas pela União,com aumento sensível dos níveis de remu-neração do pessoal, com bem menores preo-cupações sobre seu equipamento material.

Esse pessoal, em muitos casos, não foirecrutado através de concursos ou provasoutras de seleção, não sendo raros os quenão tinham cursos especializados, nem ti-rocínio de magistério nem bagagem científicana especialidade.

53. A articulação dessas faculdades como ensino secundário, no sentido, por exem-plo, de proporem sugestões para os seuspadrões, influenciarem a organização de cur-rículos e renovação de métodos, participa-rem da avaliação de seu funcionamento,ainda não é encontrada.

A organização didática dasFaculdades de Filosofia

54. A despeito de certas diferenças naorganização didática das faculdades de filo-sofia, no território brasileiro, podemos refe-rir, para modelo, a Faculdade Nacional deFilosofia (FNF) da Universidade do Brasil,sediada na capital do País.

55. Pelo menos até que pesquisas maisobjetivas, já iniciadas sobre o seu funciona-mento, se concluam, poderemos fazer umaidéia da importância das finalidades a quese propõem, através do conhecimento de suaorganização didática.

56. Essa Faculdade – cuja organizaçãodidática é, com exceção de duas, seguidapelas demais no País – “compreende cincoseções fundamentais, subdivididas em 12Cursos de Formação, com a duração de qua-tro anos de estudo, com exceção do de Jor-nalismo, que é de três anos” (Guia para in-gresso na FNF, Rio de Janeiro, 1954, p. 1):

1. Curso de Filosofia;2. Curso de Matemática;3. Curso de Física;

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 79: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

79

4. Curso de Química;5. Curso de História Natural;6. Curso de Geografia e História;7. Curso de Ciências Sociais;8. Curso de Letras Clássicas;9. Curso de Letras Neolatinas;

10. Curso de Letras Anglo-Germânicas;11. Curso de Pedagogia;12. Curso de Jornalismo.

[...]

Na quarta série de qualquer dos cursosde formação, além das cadeiras obrigató-rias, constantes dos currículos respecti-vos, o aluno escolherá duas ou três disci-plinas eletivas, dependendo a escolha deaprovação pelo Departamento correspon-dente ao curso em que o aluno estiver ma-triculado (idem, p. 16).

57. Os alunos que, nesses termos, con-cluírem a quarta série, receberão o diplomade “Bacharel” no curso correspondente; osque se destinarem ao exercício do magistériosecundário cursarão uma quarta série especial,constituída de uma parte geral, comum a todosos cursos, e de mais duas disciplinas, daprópria especialidade ou uma delas de caráterpedagógico, recebendo no final do seu cursoo diploma de “Licenciado”.

58. A parte geral acima referida consta-rá das seguintes disciplinas:

1. Psicologia Educacional.2. Fundamentos Biológicos, Sociológicos

e Filosóficos da Educação.3. Didática Geral e Especial.

59. Além destas disciplinas, os alunosdevem, obrigatoriamente, freqüentar conferên-cias ou seminários sobre análise dos progra-mas de ensino secundário da especialidadedo magistério por eles escolhida.

60. O ensino da Didática geral e aplica-da obrigará os alunos à prática de ensinoem classes de ensino secundário.

61. Os alunos que se destinarem ao en-sino normal cursarão uma quarta série

especial do Curso Pedagógico, com as se-guintes disciplinas:

1. Filosofia da Educação.2. Higiene Escolar.3. Didática Geral e Especial.

62. A última dessas cadeiras imporá aosalunos a prática de ensino em classe no cursonormal.

63. Findo o curso, os concluintes rece-berão o diploma de “Licenciado em Pedagogia”.

Admissão aos cursos

64. O ingresso nas Faculdades de Filo-sofia faz-se mediante prestação de concursode habilitação, obedecidas às exigências re-gulamentares, ou por matrícula na 1ª série adiplomados por outras Faculdades de Filo-sofia oficiais ou reconhecidas, sem exigênciade novos concursos vestibulares (exames deingresso), a juízo do Departamento em queesteja incluído o curso pretendido. Outrotanto pode, nas mesmas condições, ser con-cedido aos candidatos já aprovados emexames vestibulares de escolas superiores.

65. Em qualquer desses casos de con-cessão de matrícula, terão preferência a elaos candidatos aprovados nos vestibularesdas Faculdades de Filosofia.

66. Ao exame vestibular podemcandidatar-se os portadores de curso de graumédio completo, segundo a legislação respec-tiva; de segundo ciclo do ensino normal, bemcomo de seminário eclesiástico de nível, pelomenos, equivalente ao curso secundário.

67. Aos candidatos não portadores dehabilitação no ciclo ginasial, ou no colegialou em nenhum dos dois, exigir-se-á examedas disciplinas que bastem para completaro curso secundário.

68. Têm direito ainda à inscrição nosexames vestibulares: o professor de ensinosecundário, já registrado no Ministério daEducação, com prática eficiente, durantemais de 3 anos, em estabelecimento

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 80: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

80

legalmente reconhecido; o autor de traba-lhos publicados em livros considerados deexcepcional valor pela Faculdade, no cur-so correspondente ao assunto científico, li-terário, filosófico ou pedagógico em apreço.

Departamentos

69. Para fins de ensino e pesquisa,as cadeiras da Faculdade de Filosofia daUniversidade do Brasil constituem 11Departamentos:

1. Departamento de Filosofia;2. Departamento de Matemática;3. Departamento de Física;4. Departamento de Química;5. Departamento de História Natural;6. Departamento de Geografia;7. Departamento de História;8. Departamento de Ciências Sociais;9. Departamento de Letras Clássicas

e Vernáculas;10. Departamento de Letras Modernas;11. Departamento de Educação.

70. Participam das reuniões de cada De-partamento os professores catedráticos respec-tivos, os contratados na regência de cátedra e,sem direito a voto, os professores catedráticosque exerçam atividades docentes no Departa-mento, pertencendo a outro Departamento.

71. Sem direito a voto e a convite docatedrático respectivo, podem participardessas reuniões os professores adjuntos,os assistentes e instrutores.

Modalidades do pessoaldocente

72. O pessoal docente se divide em doisramos:

a) pertencente à carreira doprofessorado;

b) não pertencente a essa carreira.

No primeiro ramo, os professores se dis-tribuem pelos seguintes cargos sucessivos dacarreira, uma ordem hierárquica crescente:

a) instrutor;b) assistente;c) professor adjunto;d) professor catedrático.

Ao segundo ramo pertencem os:

a) livres – docentes;b) professores contratados;c) auxiliares de ensino;d) pesquisadores e técnicos espe-

cializados.

73. O ingresso na carreira de professora-do faz-se pelo cargo de instrutor, para o qualserão admitidos, por três anos, bacharéis oulicenciados no curso a que pertence a cadeira.

74. De instrutor, caso tenha reveladocapacidade profissional e assiduidade, podeser admitido como assistente, pelo prazomáximo de três anos.

75. De assistente é que poderá chegara professor-adjunto, dentro das seguintescondições:

1. ser assistente da cadeira, com 3 anosde exercício, no mínimo;

2. ter publicado trabalho relativo à ca-deira e julgado de valor peloDepartamento respectivo;

3. ser docente-livre da cadeira.

76. Os professores catedráticos são no-meados mediante concurso de provas e tí-tulos, podendo inscrever-se:

a) os professores adjuntos da cadeira;b) os docentes-livres da mesma cadeira;c) os professores da mesma especiali-

dade ou afim em outros institutosde ensino superior oficiais oureconhecidos;

d) pessoas de notório saber na respectivaespecialidade.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 81: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

81

77. A livre-docência será concedida aosdiplomados por Faculdades ou Escolas deensino superior onde se ministre o ensinoda disciplina, desde que sejam cumpridasas exigências legais e mediante aprovaçãonas provas de:

a) didática;b) defesa de tese;c) prática, conforme a natureza da

cadeira.

Colégio de Aplicação

78. Em 1948, inaugurou-se na Facul-dade de Filosofia da Universidade do Bra-sil o Colégio de Aplicação. Trata-se de es-cola secundária que mantém os cursos gi-nasial e colegial. Visa, primacialmente, a pro-mover a formação dos jovens discentes quea ela acorrem. Desempenha, no entanto, asfunções de laboratório pedagógico, onde osalunos-mestres da Faculdade adquirem,concretamente, pela prática de ensinoregular, as qualidades de professor.

79. Os professores regentes desse co-légio são recrutados entre os melhores ex-alunos da Faculdade, por um períodomáximo de três anos.

80. Trata-se de educandário de nívelmédio criado para o fim específico de ser-vir de campo de pesquisa e de aplicação aocurso de Didática de Faculdade de Filosofia.

81. Os princípios que inspiram o fun-cionamento dessa escola são, evidentemen-te, de vital importância para o professoradosecundário. Outra passa a ser a atitude dosalunos da Faculdade em face do estudo e daprofissão. Pela convivência com os adoles-centes, compreendem-nos melhor; pela prá-tica mais intensa, habilitam-se para o inícioda carreira; pelo trabalho que se lhes podeexigir, tornam-se mais dedicados aos estu-dos, mais assíduos e pontuais, com a noçãoda responsabilidade de que se investem.

82. O Colégio de Aplicação, em sínte-se, se propõe à integração profissional dos

futuros professores licenciados, e todo es-forço deve convergir no sentido de que rea-lizem eles a plenitude de suas importantesfinalidades.

Pesquisas sobre o efetivo funcionamen-to desses incipientes “colégios de aplicação”ainda não são conhecidas, de modo a per-mitir uma análise segura dos seus pontosfortes e fracos.

83. Ainda é cedo, como dissemos, parase avaliar a extensão dos benefícios reais,para o magistério secundário brasileiro, dofuncionamento das suas faculdades de filo-sofia, porque estão por ser feitas a apuraçãodos entraves que vêm atingindo o seu fun-cionamento e a medida das conseqüênciasdesses entraves. Assim, faremos apenas re-ferência aos aspectos mais gerais assinaláveisem sua expansão.

Tendência já assinalável e indesejávelé a de representar o seu funcionamento noensino de nível superior, juntamente comas faculdades de ciências econômicas, umaextensão daquele conceito sobre o funcio-namento das escolas secundárias no desfa-vorável aspecto de serem tidos como em-preendimentos pouco custosos e atraentes,talvez por isto, para a iniciativa privada.

84. Igualmente, uma exagerada e unila-teral tendência reivindicatória de prerrogati-vas profissionais vem fazendo preocupaçãomais importante o direito ao gozo dessas prer-rogativas do que o significado do título, comoreal expressão de mérito profissional. E mui-tas vezes, falhas no treinamento docente sur-gem reveladas por problemas no modo deguiar a classe, assinaladas em documentosoficiais por professores capazes e de tirocínio.

85. A necessidade de apurar como vãocrescendo essas faculdades de filosofia vemsendo nitidamente sentida, e, ainda agora,a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoalde Nível Superior está fazendo uma avalia-ção do seu funcionamento, para a qual é lí-cito esperar expressivos resultados, sobre-tudo porque as próprias faculdades avalia-das fazem sua autocrítica participando daavaliação.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 82: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

82

86. Como tendências encontráveis nomagistério secundário, como classe, há algu-mas que merecem ter esclarecidos os seusinconvenientes, para tentar-se sua erradicaçãoonde se manifestam.

87. Uma delas, conseqüente à formaçãoimperfeita, é descrita por Harold, Alberty(Reorganizing the high school curiculum),com tanta fidelidade aplicável à situaçãonacional, que vale a pena referi-la:

Secondary-school teachers are complacentand self-satisfied. Most teachers areproducts of the academic tradition whichholds that the cultural heritage transmittedin the form of text-books to be studied andmastered will transfer readily to lifesituations. They have been taught this incollege, and their meager professionaltraining has done little to change theirbeliefs. All through college they aresubjected to logically organized systems ofknowledge taught by subject-matterspecialists. For the student, academicsuccess was defined as mastery of thesematerials. On the whole the teacher hasfound that the high school in which heteaches is congenial to the perpetuation ofthe same values which he learned to cherishin college. When he enters the classroom,he finds a fixed course of study, perhapsprescribing the ground to be covered eachsemester, and a textbook containing thesubject-matter to be taught. It is easy totransfer his college experience to this newsituation. He cannot be blamed for doingso. Gradually he develops a deep sense ofsecurity through teaching the same cut-and-dried materials year often year. Thestudents don’t objet. The community issatisfied. Why should be change? In such aclimate it is easy to be complacent and selfsatisfied, and even to build up barriers toprevent change.

88. Nessa linha de manifestações deirreceptividade a tentativas de colaboraçãona melhoria, por exemplo, de métodos di-dáticos, provavelmente por auto-suficiên-cia e decorrente pouco desejo de mudança,pode-se situar o caso de recente acolhidainsatisfatória, em zona culturalmente das

mais avançadas, a estudos técnicos oficiaisvisando à observação, ao aconselhamentosobre esses métodos, iniciativa que susci-tou equívocos, incompreensões e até pro-testos, e a que nos referimos como recente esignificativo exemplo desse self-satisfied es-tado de espírito, hipótese que julgamos bemmais plausível do que a de manifestaçõesde um “complexo de culpa”.

89. Entre essas tendências que devemser analisadas, para que, através do reco-nhecimento de suas inconveniências, sepossa tentar superá-las, figura a de ajustar ofuncionamento da escola a determinadassituações profissionais, predominandosobre os interesses discentes.

90. Como manifestação dessa tendên-cia, observam-se, freqüentemente, obstina-das reações à reestruturação do currículo seela se propõe fundir ou tornar eletivo o es-tudo de certas matérias ou diminuir onúmero de suas aulas.

91. Mesmo quando se trata de evitar oprematuro congestionamento e imotivadoespecialismo de matérias isoladas para estu-do por pré-adolescentes do curso ginasial,há argüições de “retrocesso” ou de “heresiapedagógica”, que não devem representar umasólida convicção doutrinária, envolvendo,possivelmente, atitudes racionalizadoras dedefesa de situações profissionais, eventual-mente julgadas atingidas por problemas demenor número de aulas, no uso de livrosdidáticos existentes, etc.

92. Não se pode, em verdade, proce-dentemente argüir de inválida a teoria pe-dagógica em que se baseia a reestruturaçãodo currículo nos casos e moldes acimareferidos, porque

[…] numerous small units encourage partlearning with its emphasis upon rotememorization. If longer units are employed,interrelationships are seen and grasped bythe learner, thus adding significance andmeaning to learning, and contributing toeconomy of aquisition and retention. Afterthe learner has grasped the significance of abody of unified material he is then ready to

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 83: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

83

consider individual parts and to masterdetails. In the first instance the telescopicapproach in learning; in the second he usesthe microscopic. (Roberto A. Davis.“Psychological factors in curriculumplanning”, em The High School Curriculum,editado por H. R. Douglass, USA, 1947).

93. Raciocinar diferentemente do acimaexposto, como se o “primado de importân-cia” dessa ou daquela matéria fosse um fimem si mesmo e a suprema razão na organiza-ção do currículo, aí sim, é que teríamos a“false conception” de que “education is themastery of school subjects, as such”. (E. D.Grizzell, em The High School Curriculum,editado por H. R. Douglass, USA, 1947).

94. Outra tendência menos saudável éa da vigilância das associações de classeprofessoral se assentar predominantemen-te sobre aspectos de reivindicações de van-tagens da classe em relação aos problemasde direção geral imprimida aos negócios daeducação.

95. Não são raros os casos em que re-formas estaduais de educação concentramo interesse, e mesmo a pressão dos interes-sados, na parte de obtenção de vantagenspessoais, com uma certa negligência quan-to aos demais aspectos da reforma, como seo bom equacionamento do problema edu-cacional pudesse se conter apenas no as-pecto, fundamental embora, de uma justaremuneração profissional.

96. As tolerâncias quanto aos demaisaspectos são muito grandes, podendo a es-cola ir sendo esvaziada de conteúdo e finali-dade, sem se assinalarem vivas e vigorosasobjeções individuais ou de classe, dentro deum espírito de vigilante liderança educacio-nal. O funcionamento em turnos, como oraé feito, com todos seus graves inconvenien-tes, é mais ou menos pacificamente aceito.

97. Já assinalamos, outrossim, certas ten-dências isolacionistas da parte dos profes-sores, seja entre si, dentro da escola, sejaem relação aos alunos, seja em relação àcomunidade, o que conduz a uma totalsegregação, nada construtiva, como assinalou

tese aqui referida, aprovada em congresso deestabelecimentos de ensino particular.

98. Em alguns casos, onde há existênciade associações estudantis com velado espíri-to de “classe”, a pugnarem por suas reivindi-cações perante a classe dos professores, aqual, por sua vez, reivindica seus direitosjunto à classe patronal dos seus empregado-res, públicos ou privados, a tarefa educacio-nal, com a sinergia de objetivos que lhe deveser comum, se perde num extravagante qua-se antagonismo de “luta de classe”, com in-teresses colidentes, ao invés de comuns.

99. Ao lado dessas tendências não cons-trutivas algumas vezes manifestadas, é exa-to reconhecer-se também a existência, emmuitos casos, de saudável espírito progres-sista e de dedicação, ou melhor, de verda-deira abnegação à causa da educação, sem oqual ela feneceria ante a desassistência ma-terial, técnica, espiritual em que vive ouvegeta grande parte do professorado daescola secundária nacional, máxime oda escola particular e o do interior do País,ao qual testemunhos de estímulo, apreçosocial e oportunidades de melhoria profis-sional não são devidamente proporcionados,de modo a integrá-los no exercício daprofissão.

100. É possível, outrossim, que umaleitura desprevenida das críticas aqui conti-das possa levar a uma apressada conclusão,generalizadamente pessimista, sobre o ma-gistério da escola secundária nacional, nosentido de admitir que as notas claras, altase saudáveis também não existem no quadroanalisado, o que não corresponderia à reali-dade. Não se deve negligenciar a “dimensãotemporal (histórica)” dos fenômenos obtidos,em agudo processo de desenvolvimento.

O exato entendimento das situaçõesdesfavoráveis ora existentes tem de serbuscado numa série de fatores delascondicionantes, advindos especialmente dosúbito incremento do aparelho educacional,como uma decorrência inevitável dessa ex-pansão, cujos maiores perigos não estariamnuma discutível “decadência” enxergada por

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 84: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

84

certo sentimental saudosismo educacional,porém em passarem a se institucionalizarcomo normas definitivas as explicáveis pre-cariedades de padrões de emergência de fasede expansão acelerada.

101. Terminando, com o Tema 5 (O Pro-fessorado), a tentativa de rápida visãointerpretativa das características principaisdo funcionamento da escola secundária bra-sileira, pode-se dizer, resumindo, que “nãoé difícil encontrar-se um relativo consensode opinião a respeito da gravidade da situa-ção educacional brasileira” (Anísio Teixeira)em que deseja falar uma linguagem isentade convencionalismos formais.

102. Vale todavia também proclamar-se que esse consenso se tem esgotado emmanifestações de pura sublimação verbal,com pouca ou nenhuma atuação concretapara mudança do statu quo.

103. Em que pesem as reconhecidas li-mitações para que administradores educacio-nais e professores consigam sucesso em seuspontos de vista, ainda assim é forçoso reco-nhecer que pouco significativa tem sido umaliderança educacional dos mesmos, máximepartida dos recém-formados em instituiçõesdestinadas ao preparo de docentes da escolasecundária, a quem mais caberia a tarefa deesclarecimento e liderança para que ganheconsciência coletiva a imperiosidade demudança da situação presente.

E se a presença desses jovens elemen-tos, recém-saídos de Faculdades de Filoso-fia, ainda se medirá entre 10% a 20% nototal do magistério secundário, assinale-seque ela, nos grandes centros urbanos, vaicrescendo substancialmente, convindo es-clarecer que, em 1952, 1.420 diplomadospor faculdades de filosofia registraram seusdiplomas na Diretoria do Ensino Superior,e dos 2.191 novos professores registradosnesse mesmo ano na Diretoria do EnsinoSecundário, 309, aproximadamente 17%,eram procedentes dessas faculdades.

104. Se existisse atuante esse estadode espírito, por certo que o campo da esco-la secundária brasileira não seria alvo de

menores veemências de análise esclarecedorado que as que tem merecido a escola secun-dária norte-americana tradicional, de parte,por exemplo, de Pickens E. Harris, quandoa analisou no Third Year Book da John DeweySociety (Democracy and the curriculum).

Também se poderia chamá-la, à escolasecundária brasileira, com propriedade, dedelinquent institution, porque, igualmente,com sua static logic, sua excessive devotionadult standards of mastery, também its chiefdelinquency is the static nature of itscurriculum, como na crítica de P. E. Harris.

105. Como a escola convencional ame-ricana assim analisada por Pickens E.Harris, funciona também a escola secundá-ria brasileira como

[...] instituição de abstrato intelectualismo,voltada para seus especialismos intelectu-ais, cujo programa é proposto como se fosseum empreendimento à parte, possuindoestrutura e significação encerradas em simesmo, concebida como um organismo àparte da sociedade, e não como um aspectodo próprio organismo social total.

106. Essa imotivada abstraçãointelectualista da escola explica, em grandeparte, o fenômeno da “cola” ou “pesca”, frau-de aos exames freqüentemente assinalada porparte de alguns discentes deformados pelaconfiguração vigente numa escola de ensi-nar a passar em exames e fornecer diplo-mas, pobre de conteúdo e restrita em finali-dades educativas, onde práticas viciosas quetais perderiam o sentido e não teriam climafavorável à sua manifestação.

107. As rígidas estereotipias imutáveisdos moldes educacionais vigentes necessi-tam, assim, ser revogadas, considerando,como disse Charles Morazé, em sua análisedo Brasil, que

[...] la logique géométrique, le cartesianismede l’espace y perd vite son latin; une finesseplus sutile, une logique du temps estnecessaire pour saisir quelques réalitésdans ce vivant creuset d’évolutionscontradictoires, ou se fonde l’avenir.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.

Page 85: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

85

1ª PARTE

I – Preliminares

Nos estudos pedagógicos, como, aliás, nos dos demais campos do conhecimento,a universalização das conquistas exige, antes de mais nada, uma sistematizaçãoda terminologia, se não até o ponto ideal de um vocabulário científico unificado

para todas as línguas, ao menos uma busca de traduções adequadas geralmente aceitas emcada idioma, a partir daquele em que o termo apareceu pela primeira vez com suficienteexplicitação, rotulando o fenômeno em estudo.

Abstraindo os numerosos casos dos demais setores dos estudos pedagógicos, nosquais, diga-se de passagem, o problema não é de pequena monta, no concernente ao daAdministração Escolar, que é o nosso e se põe em foco neste trabalho, essa questãoterminológica tem sido um dos maiores obstáculos à consolidação do terreno já conquis-tado e ao prosseguimento seguro das novas realizações. Há anos, como professor dessadisciplina, vimos insistindo na busca de uma terminologia satisfatória, principalmenteporque, nós mesmos, desde que nos iniciamos no assunto, e nossos alunos, vimo-nos

Planificação educacional(planejamento escolar)*

José Querino Ribeiro(Descalvado-SP, 1907 – São Paulo-SP, 1990)

* Publicado originalmente naRBEP v. 36, n. 84, out./dez.1961, p. 36-47.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 86: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

86

diante de angustiosa perplexidade, muitasdas vezes que procuramos nos autores na-cionais ou estrangeiros a experiência ante-rior para resolver nossas dúvidas ou siste-matizar novos estudos.

Estamos mesmo inclinados a crer que,no setor da Administração Escolar, um dosmais novos do campo pedagógico, o pro-blema é mais grave ainda do que nos ou-tros em virtude de dominar, nas publica-ções mais responsáveis, a experiência prá-tica dos administradores e não a busca sis-tematizada, científica, dos estudiosos de-sinteressados. Isso porque, principalmente,a atitude de um administrador de empresafrente aos problemas que lhe competem émui diversa da do que estuda (ainda quesem compromisso acadêmico) fenômenosdesse campo, cada vez mais rico deatividades.

O administrador, cremos nós, precisaenfrentar suas situações considerando-as emtoda a sua complexidade humana e material,engastadas no maior número de relaçõespossíveis; o estudioso, o professor, precisafazer justamente o inverso: desenlear cadacomplexo e achar a questão em si mesma,para analisá-la mais a miúdo e determinar-lhe as características específicas.

* * *

É na linha dessas considerações quenos permitimos, antes de mais nada, parapensar o assunto e redigir este trabalho,propor a substituição do título que nos foioferecido e encima este texto – “Planifica-ção Educacional” – pelo outro a nosso vermais adequado – “Planejamento Escolar”,que lhe acrescentamos desde logo comosubtítulo. É que planejamento (e não pla-nificação) é a palavra que vem sendo me-lhor e mais geralmente aceita, na área denossos estudos de Administração, para tra-duzir os mais antigos prevoyance e planningdos autores franceses e anglo-saxões. Entrenossos dicionários mais responsáveis, o deAulete registra a expressão (planejar: fazer

planos; projetar; formar tenção de...) no sen-tido exato que precisamos, dando-a, aliás,como sinônima de planear, mas distinguin-do-a de planificar (traçar ou desenhar numplano os acidentes de perspectiva – maisapropriado, parece-nos, à terminologia damatemática). Paralelamente, escolar (e nãoeducacional) é uma limitação que se impõeporque, colocado o problema como convém,dentro da área da Administração, um pla-nejamento escolar atende melhor às limita-ções do respectivo campo de estudo que visaespecificamente empreendimentos que sepossam ajustar à concepção de empresa, nosentido da Economia. De fato, a escola dehoje é uma empresa facilmente caracterizávelpelo próprio rol de seus problemas – depessoal, de material, de serviços, de finan-ciamento – enquanto que educação, quer noseu sentido lato, quer no restrito, se espraianum campo tão largo e complexo que im-possibilita tratamento dentro de fronteirasrelativamente muito mais estreitas comoaquelas que permittem pensar em termos deempresa.

Por outras palavras: um planejamentoescolar poderia ser tratado convenientemen-te pela administração, mas um educacionalescaparia certamente a essa disciplina.

Aliás, essas críticas são da mesma na-tureza e objetivo das que já temos feito emvárias oportunidades à expressão Adminis-tração Educacional, tão freqüentemente usa-da, quando se trata apenas de Administra-ção Escolar.

* * *

Dentro ainda da preocupação ter-minológica, pretendemos estabelecer paraplanejamento um sentido bastante precisoque o diferencie claramente dentro das de-mais atividades que consideramos específi-cas da Administração. Parece-nos indispen-sável essa diferenciação para evitar expecta-tivas mais amplas do que as convenientes aotrato acertado da questão. Não raro, têm-seconsiderado hoje, sob o rótulo de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 87: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

87

planejamento, todas as operações que en-volvem o processo administrativo, toman-do-se mesmo, não raro, ambas as expres-sões como equivalentes. Fato análogo acon-tece, aliás, em não menos numerosos casose autores, com o termo organização, quan-do usado no sentido de processo adminis-trativo total, como, por exemplo, em mui-tos programas vigentes de AdministraçãoEscolar. Urge, a nosso ver, fazer essas dis-tinções para o intercâmbio e progresso dosestudos da disciplina.

Assim, inspirando-nos, como váriosoutros estudiosos de Administração, naproposição clássica de Fayol e nas revisõesde Gulick e de Urwick, vimos, de longadata, procurando uma caracterização segu-ra para o objeto dos estudos administrati-vos e, nessa busca, depois de examinar ascontribuições de autores de diversas espe-cialidades, chegamos a duas conclusões quenos parecem muito elucidativas para auniversalização desses estudos. A primei-ra é que os estudos da Administração nãodevem ser confundidos com os de forma-ção do administrador, exatamente por aque-las razões já enunciadas no início deste tra-balho, isto é, ao estudioso de Administra-ção convém desenlear os fatos das relaçõesnecessárias em que os coloca a ação práti-ca; ao administrador, inversamente, interes-sa uma visão tão compreensiva quanto pos-sível, a fim de conseguir resultados práti-cos, porque é essa sua função. Disso resul-ta que, obviamente, o estudo de Adminis-tração propriamente dito é necessário, masnão é suficiente, por si só, para formar umadministrador. A segunda é que a Admi-nistração, como campo de estudo, envolve,para qualquer tipo de empresa, diversasatividades específicas que podem ser clas-sificadas nos seguintes cinco grupos maisgerais, perfeitamente caracterizáveis parafins didáticos e de pesquisa: o planejamen-to, a organização, a assistência à execução(gerência), a avaliação de resultados e a pres-tação de contas (relatório), atividades espe-cíficas estas que se aplicam (em qualquer

tipo de empresa também) aos seguintes qua-tro grandes setores: o do pessoal, o do ma-terial, o dos serviços e o do financiamento.

Assim temos que, na consideração ló-gica do processo administrativo, oplanejamento é a primeira das atividades es-pecíficas; o planejamento é, pois, uma daspartes de um todo: o da Administração.

Finalizando essas preliminares, lembre-mos que a Administração no seu conjunto,bem como o planejamento, em particular, sãoinstrumentos de ação a serviço de uma filoso-fia e de uma política que têm posição superiore precedente ao processo administrativo.A Administração Escolar, temos nós ensina-do insistentemente, é um dos instrumentosdestinados a servir a certa filosofia e a certapolítica de educação. Ela não é fim em si mes-ma, é apenas meio para atingir alguns dosobjetivos superiores da educação.

II – Teoria do planejamento

O planejamento, no trato lógico do pro-cesso administrativo, é, como enunciamosantes, a primeira das suas atividades espe-cíficas. Começa ele com a idéia, a proposi-ção, a sugestão, a intenção inicial de reali-zar alguma coisa. Às vezes, a idéia inicial éfortuita, ocorre como que do nada, na men-te de alguém; outras vezes, ela surge comoresultado de uma elaboração de fatos, deobservações, ou mesmo de especulações,mais ou menos lenta, rápida ouamadurecidamente.

A idéia, uma vez ocorrida, pode esti-mular a vontade, o interesse; mobilizar acapacidade de esforço e, se nada acontecerque a inutilize, ou faça abandoná-la, pros-segue multiplicando considerações, anali-sando relações, pesando e medindo prós econtras, desdobrando-se em sucessivas sé-ries de novas idéias sistematizadas e articu-ladas até transformar-se num corpo amplo,coerente, completo, de conclusões suscetí-veis de concretização prática. O planejamen-to é, assim, pois, um processo caracterizado

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 88: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

88

pela dominância de uma elaboraçãomental.

Por outras palavras: o planejamentocomeça com uma idéia de realização de al-guma coisa. Esta idéia passa, a seguir, pelaanálise de suas implicações, desdobrando-se em novos conceitos. Ela é submetida aestudos de base que lhe servem de amplifi-cação e ajuste, lhe esclarecem a linha demenor resistência para encaminhamento daação. Atinge a condição de esboço exeqüível,em regra vários esboços preliminares, ante-projetos, que se reexaminam, excluem-se,fundem-se, ou são abandonados para no-vos anteprojetos, até o amadurecimento, aconvicção, a decisão final num projetodefinitivo.

O projeto é a etapa final do planeja-mento. Consiste na definição clara e preci-sa dos objetivos e da conseqüente caracte-rização do empreendimento; na elaboraçãoteórica das estruturas, das funções, das re-lações, das necessidades humanas, materi-ais e técnicas da realização que se tem emvista; permite a programação geral dasprovidências para, digamos, a montagemefetiva do empreendimento.

O projeto definitivo será mais ou me-nos minucioso, visando a prazo longo oucurto, flexível ou rígido, conforme as con-cepções superiores, filosóficas e políticas eas considerações de dificuldades e de res-ponsabilidades de seus autores. Mas, dequalquer maneira, será o figurino de basepara a realização do empreendimento.

Atingida esta etapa final, o processoadministrativo passa à atividade específicaseguinte que será a de organização, isto é, ada tomada das providências concretas (con-vocação de pessoal, aquisição de equipa-mentos, distribuição espacial dos órgãosetc.), fase de organização esta que, junto àdo planejamento, constitui as que a Admi-nistração realiza antes do funcionamentopropriamente dito, da “produção dos bensou dos serviços da empresa”.

É claro que as atividades do planeja-mento, quando se trata de grandes e

complexos empreendimentos, podem vir atornar-se, por si sós, uma verdadeira em-presa prévia, envolvendo grande número depessoas, de recursos, de técnicas, que atua-rão pelos prazos mais diversos, podendoacontecer até que, se o empreendimento al-cançar demasiada extensão e complexidade,se imponha a exigência de desdobrá-lo empartes ou etapas mais ou menos autônomas.É claro também que, na vida normal das em-presas já estruturadas e em funcionamento,as atividades de planejamento constituemuma constante, pois, à medida que um pla-no se vai executando, além das ocorrênciasnaturais que o obrigam a reajustes, novasidéias surgem e são estudadas, para aperfei-çoar, ampliar ou multiplicar trabalhos no-vos ou já em desenvolvimento. Assim, oplanejamento é sempre vivo, não comportadecisões irrevogáveis.

Finalmente, devemos considerar queem todo o curso do planejamento destaca-se o esforço de previsão, como o viu tão beme realçadamente o estudo clássico de Fayol,a ponto de dar essa designação (prevoyance)àquela atividade. A nosso ver, entretanto,previsão (incluindo a idéia de prudência)seria mais uma atitude do planejador do queo próprio ato de planejar, o qual, como assi-nalamos antes, envolve também providên-cias de natureza mais concreta, como, porexemplo, a coleta de dados para estudos debase destinados a esclarecer a situação emque o empreendimento se vai instalar.

Arriscando-nos aos inconvenientes deuma esquematização, poderíamos resumirum planejamento nos seguintes tópicos:

I – Proposição principal:A) Definição do objetivo final.B) Desdobramento em objetivos parciais.C) Delimitação da área, da população e

dos fatos a serem alcançados.D) Prazos de execução.E) Meios gerais de realização.

II – Estudos de base:A) Levantamento demográfico geral.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 89: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

89

B) Levantamento demográfico especial.C) Expectativas da população

relativamente ao empreendimento.D) Necessidades de correção ou da

criação de expectativas peloesclarecimento.

E) Recursos já existentes aproveitáveis(humanos, materiais e técnicos).

F) Recursos a complementar ou a criar.

III – Reajustes da proposição principalem função dos resultados dosestudos de base pela formulaçãode anteprojetos.

IV – Projeto definitivo:A) Caracterização do empreendimento

e definição dos seus objetivos epadrões.

B) Estrutura administrativa.C) Estrutura dos serviços de base.D) Pessoal: atribuições, relações, res-

ponsabilidades, qualificações,seleção, remuneração.

E) Materiais: equipamentos, instala-ções, padronização, estilização,custos, aquisição.

F) Serviços auxiliares: comunicações,transporte, burocracia.

G) Financiamento: capital, manutenção,perspectivas de rendimento.

H) Disposições gerais: revisão, reajuste,outras.

Antes de encerrarmos estas considera-ções gerais, devemos lembrar que, apesarde o planejamento ser uma das atividadesindispensáveis ao processo administrativomoderno, quer se trate de um empreendi-mento público ou privado, por si só – nostermos da definição que lhe cabe – ele nãorealiza, não efetiva, não faz funcionar coisaalguma. O prosseguimento do processo ad-ministrativo depende, mesmo que o plane-jamento seja completo, perfeito e realista,das sucessivas atividades do processo ad-ministrativo, as quais, por sua vez, estarãoigualmente sempre presas às decisões, às

vontades dos que querem e dispõem dosmeios de realização concreta. A vontadedecidida de empreender de fato, a posseantecipada dos meios necessários, ou, pelomenos, a capacidade para alcançar essesmeios em tempo útil, são os elementos pe-los quais o empreendimento prosseguirá ounão, atingirá ou não as condições de empre-sa atuante. Embora, de certo modo, a quali-dade do planejamento possa influir nodesencadeamento das vontades e decisõesdos que querem e têm meios para efetivar aproposição, na realidade, planejamento erealização não constituem nunca deter-minante e conseqüência necessárias e fatais.Nem é, pois, bastante que o planejamentoseja convincente pela sua objetividade, in-teligência e perspectivas de êxito. Em quais-quer circunstâncias, aqueles elementos com-plementares constituem sua pedra de toquecomo em todo empreendimento humano.

III – Planejamento escolar

Desde que, em qualquer parte, aescolarização deixa de ser mera resposta àscuriosidades ou aos desejos de refinamentode pequenas minorias e passa a necessidadee exigência da generalidade das populações,a estruturação e o funcionamento dos ór-gãos destinados a garanti-la adquirem aspec-tos de empreendimento do tipo econômicoe, como tal, carece ser tratada e conduzidacientificamente através dos modernos pro-cessos de administração. Isso ocorre comoconseqüência natural do fato de essaescolarização, na grande maioria das unida-des, e na totalidade dos sistemas, públicosou privados, envolver, além de relevantefunção social, os interesses de um grandenúmero de indivíduos, significativo volumede meios financeiros e, em conseqüência,obrigar a funcionamento econômico, no sen-tido de melhor aproveitamento do tempo,das energias e dos gastos visando aprodutividade ótima. Além dos desperdí-cios que não podem ser tolerados, no

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 90: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

90

empreendimento da escolarização moder-na impõe-se ainda a consideração de seucaráter peculiar de investimento a longoprazo, que exige o redobrar dos cuidadospara produção qualificada, que evite os ris-cos de prejuízo progressivo e irreparável.

Nesse quadro de considerações, o pla-nejamento escolar assume sua verdadeira eexata importância, pois será por via deleque se vão prevenir nessa estruturação debase todos os percalços previsíveis quantoao funcionamento e aos resultados de cadaunidade ou sistema.

À idéia do estabelecimento de uma uni-dade escolar, a de estruturação de um sis-tema, ou a do reajustamento de um ou ou-tro já em funcionamento, seguir-se-á forço-samente todo o processo do planejamento.

Estudos de base deverão ser procedi-dos a fim de verificar previamente, entreoutros dados, as condições de clientela, de“mão-de-obra”, de instalações, de possibi-lidades técnicas, de entrosamento com asdemais peças já existentes, das conveniên-cias de localização no espaço geográfico.Obviamente, nessas precauções prévias in-cluem-se, com destaque, a determinação dosobjetivos do empreendimento, quanto aonível do ensino, os padrõe-s de produçãoa alcançar, a natureza, o regime e o tipo deescolarização.

Assim, o planejamento escolar se re-solve através da teoria geral do planejamen-to, pela qual, depois de examinadas as di-ferentes e múltiplas facetas da empresa esuas relações entre si, chega-se à formula-ção de anteprojetos e à decisão de um pro-jeto definitivo.

Conforme o alcance em extensão e pro-fundidade da idéia original, o planejamen-to escolar poderá vir a ser, por si só, umagrande empresa, como, por exemplo, noscasos dos sistemas nacionais. O exemploda Reforma Gonela na Itália, depois da que-da do fascismo, é ilustração edificante dalaboriosa fase de estudos de base. O Minis-tério da Instrução daquele país divulgou aimensa documentação colhida e que pode

ser examinada como típico e exaustivo es-tudo de base de um planejamento escolar.Os numerosos anteprojetos que marcam odesenvolvimento de nossa Lei de Diretrizese Bases da Educação Nacional constituem,por sua vez, excelente ilustração de como apenúltima fase do planejamento pode carac-terizar-se por diversos, sucessivos ou simul-tâneos anteprojetos. Melhor do que estasilustrações citadas entretanto, para dar-nosa idéia cabal que sejam estudos de base eprojeto final de planejamento escolar, é aobra monumental de Rui consubstanciadanos seus famosos e alentados “Pareceres”do século passado.

Assim, então, o planejamento escolarapresenta-se como uma das atividades es-pecíficas da Administração Escolar destina-da a, partindo de uma idéia, examinar ascondições de sua viabilidade e a determina-ção de preceitos que deverão servir de basee modelo para sua concretização. Uma defi-nição clara, precisa e completa dos objeti-vos do empreendimento deverá resultar doexame das condições em que ele pretenderealizar-se.

Uma descrição dos órgãos necessários,e de suas bases técnicas adequadas, com asqualificações, atribuições e responsabilida-des do pessoal, uma previsão dos custos,prazos e programas de instalação e manu-tenção, tudo esclarecido e controlado, sem-pre que possível, através de números,organogramas e fluxogramas, fazem parte dasetapas e operações do planejamento.

É, pois, indispensável que o projeto fi-nal se apresente em condições de permitirpassar logo à concretização de providênciasque caracterizam a fase subseqüente daorganização.

Grandes reformas de ensino contempo-râneas, entre as que têm sido bem-sucedi-das, efetivaram-se através desse cuidado doplanejamento. A mais importante e signifi-cativa dessas reformas, a nosso ver a daInglaterra de 1944, foi, segundo informa umadas obras de Nicholas Hans, precedida demeticuloso planejamento, cujos estudos

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 91: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

91

de base remontam a dezoito anos, isto é,tiveram seu início em 1926.

IV – Introdução aoplanejamento escolar

brasileiro

Para complementar essa análise queacabamos de fazer a respeito do planejamen-to escolar, deveríamos desenvolver outra,pelo menos equivalentemente ampla, apli-cada ao caso brasileiro. Infelizmente, porém,“não tivemos tempo para ser breve” e sócom a parte geral do que nos parecia maisimediatamente indispensável ao correto tra-tamento do assunto, quase esgotamos o es-paço que nos foi oferecido. Sem prejuízode uma volta oportuna para completar estepequeno estudo, como julgamos necessá-rio, encerraremos esta nossa contribuiçãocom algumas considerações, à guisa deintrodução, sobre o caso nacional.

* * *

Um planejamento escolar nacional, emquaisquer circunstâncias, será obra de imen-sas dificuldades. Quando se tratar, então,de um país de grande extensão territorial,de população rarefeita, composta de gruposaltamente diferenciados, desnivelados e decondições históricas e sociais como o Bra-sil, o empreendimento será necessariamenteciclópico.

Os obstáculos começariam desde a for-mulação da proposição principal que de-penderia da preexistência de uma filosofiae de uma política de educação expressas egeralmente aceitas entre, já não digamos aspopulações, mas, pelo menos, a maioria doslíderes que detêm, nos diferentes setoresda vida nacional, os poderes de decisão eos meios de ação. As vicissitudes da histó-ria de nosso atual ainda Projeto de Diretri-zes e Bases da Educação Nacional, com suasvacilações e incoerências, são a prova cabalda imaturidade de nossas gerações adultas

para reconhecer e determinar o papel que aescolarização poderá ser chamada a desem-penhar na formação das gerações novas, emamplitude nacional. Ora, com essa falta deuma filosofia e de uma política de educaçãoclaramente definidas e expressas, não po-derá haver nem base nem direção para qual-quer planejamento escolar. Em conseqüên-cia, somos forçados a admitir que, por maisanos ainda, continuaremos na linha da le-gislação vigente: tumultuada, instável, semorganicidade.

É verdade que nossa história escolarregistra alguns projetos de amplitude naci-onal, de autoria de eminentes líderes racio-nais do País. Tais líderes, todavia, não en-contraram, no passado nem na atualidade,entre os que têm o poder de decidir e agir,as bases necessárias de compreensão, deacordo e de apoio para um empreendimen-to completo, exatamente, pensamos, porquefaltaram aos projetos (embora muitos delestecnicamente defensáveis) os alicerces ea direção de uma filosofia e de uma políticade educação geralmente aceitas. Apresentan-do-se, assim, como que o resultado de ela-boração puramente individual, não tiveramos projetos viabilidade de concretização.

Paradoxalmente, entretanto, existe já,claramente perceptível nas mais diferentesregiões nacionais, significativa pressão daspopulações no sentido de obter maioresoportunidades de escolarização. Onde nãohá escola elementar reclama-se a sua insta-lação; onde a elementar já fez sentir sua pre-sença, luta-se pela criação de escolas médi-as; e onde o ensino de grau médio vai al-cançando alguma significação, a pugna setrava para obter o de nível superior. Parece-nos, todavia, que tudo se faz tão-somenteno sentido de quantidade; a qualidade, de-pendente da preliminar da organicidade dosistema, esta ainda não aparece sequerformulada.

Assim e por isso, a luta principal que,no momento, se oferece aos líderes educaci-onais será a de atingir uma proposição que,pela sua simplicidade, possa polarizar um

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 92: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

92

número suficiente de adesões entre aquelesque têm o poder de decisão e os meios deação e com isso alcançar a formulação deuma proposta mínima, capaz de servirde ponto de partida.

* * *

O segundo problema de um planeja-mento escolar brasileiro seria o de efetivaçãode estudos de base atualizados para escla-recer e ajustar uma proposição inicial.

Nosso Brasil é muito grande e vário,razão por que os indispensáveis estudosde base, suscetíveis de completamento emtempo útil, exigiriam a mobilização de nu-merosas equipes capazes de trabalhar bem,depressa e coordenadamente. À luz de umlevantamento com essas características, asdiferenças region-ais teriam possibilidadede encontrar denominador comum passí-vel de orientar um projeto adequado, acei-tável e exeqüível, atendendo aos problemasna devida escala de prioridades, promoven-do a concordância mínima indispensávelentre os líderes, assegurando a continua-ção do processo.

Tem havido algumas tentativas isoladasdesses estudos, algumas realizadas pelo Inepe chegadas a seu termo; outras do mesmoInstituto tiveram de ser abandonadas, mas ageneralidade delas não alcançou aquela co-ordenação e presteza exigidas para a funda-mentação de um plano nacional.

* * *

Entre os indícios de nossa situaçãogeral, apurado objetivamente através de es-tudos como os censitários, ultimamente re-alizados, há um que, entretanto, permiteconduzir a uma hipótese preliminar e plau-sível de planejamento escolar. Queremos re-ferir-nos à tendência recente de nossa po-pulação para incrementar a taxa dos efeti-vos urbanos e diminuir a dos rurais. Esseindício faz-se acompanhar de outro, seuconseqüente, o desenvolvimento das taxas

de ocupação no sentido de aumento das ocu-pações terciárias e secundárias em prejuízodas primárias. Ambos, aliás, estariam nocomplexo de determinantes do fenômeno aque nos referimos acima – a pressão cres-cente das populações em favor do aumentoquantitativo da escolarização. A nosso veresses elementos já verificados permitiriama elaboração de alguns anteprojetos, paraempreendimento da escolarização democrá-tica, ou mais exatamente, da democratiza-ção crescente da escola.

Mas, as observações acima reunidasseriam suficientes para permitir um plane-jamento escolar nacional? Acreditamos quenão. Contudo, não escaparemos tão cedo àimposição da multiplicidade dos planeja-mentos regionais. A União todavia ficarásempre com a prerrogativa das “Diretrizes eBases da Educação Nacional” para cuja ela-boração as condições e hipóteses mencio-nadas acima poderiam servir de orientaçãodestruindo o obstáculo maior inicial: o daformulação de uma filosofia e de uma polí-tica de educação que viessem a dar, oportu-namente, aos planejamentos regionais adireção superior de unidade nacional.

A nosso ver, o Congresso Nacional estápondo a perder excelente oportunidade paraalcançar aquela tão necessária formulaçãoatravés do referido Projeto de Diretrizes eBases. Foi pena que houvesse descido dasdiretrizes e bases (filosofia e política daeducação) até a tentativa de planejamentoescolar propriamente dito, alcançandominúcias que as diferenças regionais nãopoderão comportar.

V – Resumo e conclusão

1. Planejamento é a primeira das ativi-dades específicas que integram oprocesso da moderna administraçãode empresas.

2. Nenhum planejamento se desen-volve sem base numa filosofia enuma política de ação; nenhum

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 93: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

93

planejamento por si efetiva a açãoobjetivada. Para tanto, é indispen-sável que ele seja seguido das de-mais etapas do processo adminis-trativo, prosseguimento este quedepende da vontade, do poder dedecisão e da posse dos meios derealização.

3. Sendo a escolarização moderna umempreendimento semelhante às em-presas econômicas comuns, sua vi-abilidade se prende ao mesmo pro-cesso administrativo. Planejamen-to escolar é, pois, um dos casos deaplicação do planejamento geral,sujeito às mesmas dependências.

4. Um planejamento escolar brasilei-ro parece ainda inexeqüível comoum todo em virtude de característi-cos substanciais da realidadenacional:– falta de uma filosofia e de uma

política de educação definidas;

– falta de decisão efetiva dos quetêm os poderes e os meios de ação;

– condições geográficas, históricase sociais do País.

5. Há, entretanto, indícios reveladosobjetivamente pela pesquisa de quenossa realidade comportaria plane-jamentos regionais nacionalizáveisoportunamente, desde que os líde-res educacionais, os da política e osdo governo consigam formular dire-trizes e bases concordantes com osreferidos indícios: urbanização, in-dustrialização e democratização.

A escolarização moderna de sentidodemocrático só pode efetivar-se em termosde empreendimento público do tipo da em-presa econômica. Na conjuntura brasileirajá se pode vislumbrar essa caracterização dasua escola e a aproximação do momento emque se fará apelo à moderna Administraçãopara conduzir a solução do problema.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 85-93, jan./abr. 2005.

Page 94: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 95: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

95

As sociedades que atingem ou ensaiam atingir a sua etapa de autodeterminação,e, “sujeito de seus próprios pensamentos”,1 se fazem criadoras, começam arepelir soluções ou receitas alienadamente transplantadas. São sociedades

que, ao contrário das alienadas, ganham ar de esperança e de confiança em si mesmas. Seufuturo se reveste de significação especial, porque vinculado a um presente trabalhado emtermos tanto quanto possível autênticos. O equacionamento e a solução dos problemas dopresente – vistos como algo que se processa aqui e agora e para que o remédio tem de serdaqui e dagora, ou reduzidos ao aqui e ao agora – “identifica” o tempo, mesmo que sejatridimensional. As sociedades alienadas se desesperançam precisamente porque, aliena-das também suas elites, distanciadas da cultura popular, aplicam soluções a problemasque são seus com instrumental estranho. Partindo da visão deformada de sua realidade,só lhe podem oferecer diagnóstico falso. É da inadequacidade do instrumental que resultao fracasso da solução. As sociedades alienadas, porém, não o entendem e atribuem ofracasso, que é seu, de suas elites superpostas, ao povo, para quem, dizem, não há jeito.

Escola primária para o Brasil*

Paulo Freire(Recife-PE, 1921 – São Paulo-SP, 1997)

* Conferência proferida noSimpósio "Educação para oBrasil", organizado pelo CentroRegional de Pesquisas Educaci-onais do Recife, PE, em 1960.Publicada originalmente naRBEP v.35, n. 82, p. 15-33, abr./jun. 1961.

1 A esse respeito, cf. Pinto (1956).

1ª PARTE

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

A)

Page 96: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

96

Daí a sua desesperança, a que juntam umcerto desprezo por tudo que é de seu pró-prio povo. Desprezo que mais tarde, na faseinicial da desalienação, se transforma emmêdo ou quase horror a tudo que é popu-lar ou receba esse adjetivo. Nestas circuns-tâncias é que se “desintegra” ou se“desunifica” o tempo. O futuro desmentenuma mesma geração o presente, de ondepartiu. São sociedades cujas gerações ma-duras, de modo geral, oscilam entre a de-sesperança total, desajustadas e tristes, e a“acomodação”, passiva, aos suas padrões.

Nas sociedades que se desalienam, pelocontrário, a tendência é para a substituiçãoda desesperança, dos “idealismos utópi-cos”, pela esperança, pelo otimismo sadioe realista. Uma sociedade que se desalienaé otimista porque, começando a conhecer-se a si mesma nas suas limitações e nassuas possibilidades, é capaz de saber o quepode e o que deve fazer. Seu otimismo écrítico, porque integrado em suas verdadei-ras condições. É atuante. Dinâmico. Repe-le posições quietistas, características dassociedades alienadas. E é exatamente esseantiquietismo que leva essas sociedades –as que entram em processo de desalienação– a outra substituição. A da “acomodação”aos padrões da sociedade por integraçãonesses padrões.

A “acomodação”, ao contrário da“integração”, é uma forma de comportamen-to preponderantemente emocional. A dosede razão, de criticidade, nessa forma decomportamento, é diminuta. Por isso é queo homem “acomodado” é muito mais umhomem “imerso” no seu tempo e no seuespaço. Daí que se prejudique em partesua historicidade e as sociedades fortemen-te alienadas, a rigor, tenham mais Geogra-fia que História. É que a historicidade dohomem é dado da razão. Daí se fazer his-tórico o homem que, em vez de “imerso”no tempo, se “insere” no tempo. No inse-rir-se, ganha decisão, que conforma a pró-pria inserção, resultante da razão. Só aí,então, é que realmente o homem se integra.

Na “integração” há uma nota preponderan-temente racional. Agora é que será possí-vel falar de uma perspectiva histórica. Deum tempo que, apesar de tridimensional,se oferece “unificado”. Um passado parti-cipando de um presente em que se constróio futuro.

Não pode haver desesperança quandose identifica com as condições de seucontorno. Quando, reconhecendo criticamen-te suas limitações, responde adequadamenteaos desafios que lhe emite esse mesmocontorno. Nestas circunstâncias, que não dãomargem a nenhuma posição “vitalista”, deve-se desenvolver um alto senso de responsabi-lidade diante de possíveis distorções a quepodem chegar estas sociedades. Esse sensode responsabilidade, instalado nas elites nãoalienadas e alongando-se às maiorias atravésdo trabalho educador dessas minorias espe-rançosas, resulta da posição “orgânica” daselites (cf. Freire, 1959). De sua identificaçãocom os problemas de sua sociedade. Por issoé que só as sociedades desalienadas ou emprocesso de desalienação se sentem pro-blematizadas. Só há problematização quan-do se tem consciência crítica de situaçõesdramáticas em que se ganha o ânimo de su-perar a situação dramática em que se está(Marías, 1960). Daí o otimismo e a esperançadestas sociedades, contra a desesperança dasoutras, cujas elites dirigentes, superpostas aoseu mundo e justapostas às maiorias, nãodialogam. E sem diálogo, forma autêntica de“comunicação”, não há criticidade, fundamen-to da “integração”. É na “comunicação” quese exercita a própria criticidade (Jaspers,[s.d.]). A comunicação que não venha da ra-zão e não provoque razão é mero comunica-do, imposto ou doado. É domesticação. Porisso é que a comunicação só é verdadeiraquando há interação dos pólos que se “sim-patizam” através do objeto da comunicação.Aí existe racionalidade e o homem não sedomestica. Na compulsão – ditado – ou nasimples doação, inexiste a interação. Um dospólos se apropria do objeto da comunicaçãoe, negando possibilidade ao outro para seu

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 97: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

97

“tratamento”, deixa-o passivo e“acomodado”. Domesticado. No “ditado” ouna doação se estimula a irracionalidade. Aacomodação. No diálogo, a nacionalidadecom que o homem se humaniza.

B) O Brasil é uma sociedade que tran-sita de formas alienadas para formas nãoalienadas. Autênticas, de vida. Sociedadepreponderantemente “fechada”,2 “tribal”,entrou no trânsito com a “rachadura” quesofreu há algum tempo e que tende a am-pliar-se, fazendo-se hoje não propriamenteainda uma sociedade dominantemente“aberta”, mas “aprendiz” desta forma. Daípodemos dizer que vive hoje o país o pro-cesso da aprendizagem dessa abertura.Aprendizado que se faz difícil precisamen-te por causa das forças contraditórias queinterferem nele (cf. Freire, 1959). Na verda-de, toda sociedade em trânsito de formasmarcadamente “fechadas”, “tribais”,antidialogais, sem povo, para formas emprocesso de abertura e de dialogação, comemersão popular, oferece ameaça às “elitesdiretoras”, que, seguras no estágio anterior,de “fechamento”, justapostas às maiorias,se sentem agora forçadas a mudar de posi-ção, sob a pressão dessas maiorias. Da jus-taposição por isso mesmo sem diálogo, paraa cooperação, por isso mesmo com diálogo.O grande problema dessas sociedades, nestafase, radica neste ponto – na inexperiênciado diálogo nas minorias como nas maiorias.E na necessidade vital de vencerem essainexperiência. No momento, porém, em queessa necessidade é reconhecida o processode aprendizagem se inicia. Não com poucadificuldade, é claro. E isto porque essaaprendizagem implica a mudança de velhase assentadas posições das elites diretoras.De privilégios. De mando. Daí que a“rachadura” dessas sociedades, a partir deque elas entram no processo de “abertura”,signifique naturalmente um desafio àque-las elites. Desafio a que elas respondem searregimentando no que vimos chamando de

“manchas de reação” à “rachadura” de suasociedade. Lutam para deter o impacto daemersão popular, que, em todos os planos,as assusta. Criam interpretações. Filosofias.Doutrinas. Códigos. Sistemas educacionais.Instituições assistenciais, até que são,finalmente, envolvidas pelo processo demudança. Embebidas nele.

Vive o Brasil exatamente esse tempo. Asnossas “manchas de reação” temem hoje todaação de que possa decorrer arregimentaçãopopular. Promoção popular. Aclaramento daconsciência popular. Amplitude do diálogo.Na verdade, porém, somente com um traba-lho de que resulte tudo isso teremos um ca-minho para a salvação, não propriamente dosrepresentantes de tais manchas, enquanto re-presentantes delas, mas do homem brasileiro.Da nova sociedade brasileira, que se levantaráem bases preponderantemente racionais –humanas – e por isso democráticas e nãopassionalmente desumanizadas, como seconstituirá se não se lhe abrirem perspecti-vas de humanização? O dilema, por isso, dassociedades em trânsito como a nossa, não évoltarem ao passado, para a satisfação das“manchas de reação” ou a distorção daverdade – a “desumanização”. O dilema será,antes, mudar desumanizadamente, commenor dose de racionalidade, ou mudarhumanizadamente, racionalmente.

Sem nenhuma preocupação demagógica,somos dos que acreditam que somente naintimidade das nossas elites diretoras como povo poderão elas receber o selo de suaautenticidade e conseguir a indispensável einadiável promoção da consciência popular.Não há elite diretora verdadeira sem que seidentifique com as maiorias populares. Daía sabedoria com que Simone Weill (1954)sugere a criação de universidade popularjunto a áreas fabris, para o tratamento doque ela, em linguagem simpaticamente exis-tencial, chama de “desenraização” dohomem. Daí também por que nos parece im-portante e urgente todo esforço nosso atra-vés de que diminuamos as distâncias entreos homens brasileiros. Os “movimentos de

2 As expressões “sociedade fecha-da” e “sociedade tribal”, em po-sição “aberta” são empregadaspor Karl Popper em sua A socie-dade democrática e seus inimi-gos, cuja edição original recebeuo título de The open Society andits enemies.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 98: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

98

cultura popular”, de que o Recife, sobretu-do através do professor Germano Coelho,vem se preocupando vivamente, são de im-portância incalculável, no trânsito em quevivemos. E sua aceitação ou repulsa é umteste à mentalidade racionalmente progres-siva da sociedade em formação ou reacio-nariamente irracional da velha sociedade.3

C) O fator preponderante da “rachadu-ra” da sociedade brasileira que vem propi-ciando o trânsito referido – da sociedademarcadamente fechada para a nova, emabertura – é o surto de industrialização emque estamos envolvidos, cujos ensaios pre-liminares e incipientes começaram no sé-culo passado, se intensificaram na décadade 20 a 30 e ganharam as proporções atuaisapós a última guerra.

Somos hoje uma sociedade para a qualo desenvolvimento econômico, a industriali-zação é um imperativo existencial. Temos depensar, preocupadamente até, com o que fa-remos com os milhões de brasileiros que cons-tituirão mão-de-obra daqui a 15 e 20 anos.Temos de pensar no que comerão esses bra-sileiros todos. Daí nos ser um imperativoexistencial nossa integração econômica, sema qual não teremos a integração nacional.

Não há desenvolvimento econômico,porém, sem que incorporemos ao processodo desenvolvimento, criticamente consciente,o povo.4 Precisamente porque, só muito difi-cilmente seria possível o trânsito de umasociedade de economia “parada”, colonial,governada pelo mercado externo, para umasociedade de economia “dinâmica”, semsofrimento. E não só pelo sofrimento, nas pelaprópria necessidade que a integraçãoeconômica tem de uma nova mentalidade, quea aceite e a dinamize.

Daí apresentarem essas sociedades umdesafio a suas “minorias criadoras”, a seuscientistas sociais – a seus educadores: o dareforma de seu sistema educacional, demodo geral inadequado a seus novospadrões, a seu novo “clima” em formação e

atingido pela “demora cultural”. Reformaatravés da qual se dê resposta ao duplo as-pecto em que se apresenta o desafio. De umlado, a necessidade imperiosa de se forma-rem cientistas e técnicos de vários níveis emão-de-obra qualificada. De outro, não me-nos imperiosa necessidade de se formar nohomem disposições mentais críticas com quenão apenas adira ao desenvolimento, mas,sobretudo, com que se evite o perigo da sua“desenraização”.

Se, em nosso caso, não respondermoscom adequacidade ao primeiro ângulo dodesafio, perderemos a batalha do desen-volvimento. Se não o fizermos com rela-ção ao segundo, perderemos a batalha dahumanização do homem brasileiro.

O Brasil precisará, segundo cálculos deespecialistas brasileiros eminentes, entre eleso professor Ernesto Luís de Oliveira Júnior(1959), a quem a mentalidade tecnológicanacional em formação já deve muito, em 1965,de 60 mil engenheiros. De 1949 a 1953diplomou apenas 6.354, entre civis eespecializados. Enquanto isso, es EstadosUnidos graduaram, em 1947, perto de 50 mil.E a Rússia,

[...] no ano passado graduou, em seus esta-belecimentos de educação superior, maisde 330 mil jovens especialistas e, aproxi-madamente, 530 mil completaram a es-pecialização secundária. Um total de 860mil jovens especialistas foram treinadosdurante o ano, incluindo 106 mil enge-nheiros e 260 mil técnicos para a indús-tria de transporte e comunicações, 125 milpara a agricultura, cerca de 100 mil mé-dicos, de 200 mil professores. (Boletim daInternational Association of Universities).

Técnicos e cientistas a quem teremosde juntar outros tantos em administração.“Ora, [diz Celso Furtado (1959)] a insufici-ência administrativa talvez seja nosso maisgrave problema, isso com respeito à execu-ção de qualquer política. Força é convir [con-tinua o economista brasileiro], que, entrenós, o Estado não está aparelhado, sequer,para solucionar problemas econômicos

3 A propósito das relações entreposições reacionárias eirracionalismos, cf. Lukacs(1959).

4 A respeito da necessidade deintegração do povo no processodo desenvolvimento, cf. Pinto(1956) e Myrdal (1956).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 99: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

99

correntes. Muitas das dificuldades que te-mos com entidades financeiras internacio-nais [conclui], decorrem do fato de não es-tarmos preparados para resolver, em tempodevido, nossos problemas mais úteis.”

É em face, pois, desses ângulosapontados no desafio que nossa sociedadeem trânsito nos faz, que teremos de pensar,em termos de organicidade, na revisão denosso processo educativo. Revisão que háde apanhá-lo inteiro e não parcialmente.Toda reforma de nossa escola há de ser totalporque é todo o processo educativo brasi-leiro que está inadequado, “inorgânico”, epor isso ininstrumental.

D) Fixemo-nos, porém, na escolaprimária, que é o nosso tema específico.

De uma primeira aproximação que delatenhamos, resulta a constatação de sua in-suficiência quantitativa e de sua dolorosainadequacidade faseológica. Sua insuficiên-cia quantitativa, comprovada pela tristeestatística, esmagadora, mesmo, de dois mi-lhões de meninos brasileiros, em idade es-colar (Resposta... 1957, p. 151), se explicaem grande parte pelo chamado “ciclovicioso” das economias subdesenvolvidas.Somos subdesenvolvidos porque não temoseducação e saúde. Não temos educação esaúde porque somos subdesenvolvidos.Somos subdesenvolvidos porque não temosindústrias. Não temos indústrias porquesomos subdesenvolvidos.

O grande problema dessas economi-as, por isso mesmo, é arrebentar o “ciclovicioso”.

Por outro lado, junta-se a essa contin-gência bem forte de nosso subdesenvolvi-mento, o descanso com que sempre cuidouo país, desde Colônia, do problema daeducação popular. Enquanto os EstadosUnidos enfatizavam a educação de seu povoe fundavam as suas convicções democráti-cas na common school, nós nos nutríamosde uma educação seletiva e verbosa, queinsiste ainda hoje em preservar-se.

Em 1839, no Espírito Santo, para umapopulação de 43 mil pessoas havia apenassete escolas. O Recife, à mesma época, pos-suía 7 escolas primárias, um Liceu e 2 esco-las de Latim. Diz Kider (1951), de quem re-tiramos esses dados:5 “Calcula-se que a pro-víncia do Ceará tenha 180 mil habitantes.Em 1841, funcionavam dentro de suas fron-teiras trinta e uma escolas com freqüênciade 830 crianças e sete escolas de latim comquarenta e seis alunos”. “O número desoldados”, conclui o cronista com ironia,“compreendido pelas diferentes seções daGuarda Nacional – a milícia do país – era decerca de 11 mil”. O Rio de Janeiro não eramelhor servido. Tinha 28 escolas, com apro-ximadamente mil alunos. Enquanto isso, em1890, 50 anos depois, os Estados Unidos játinham, para cada milhão de habitantes, 600engenheiros graduados. Em compensação,nessa época, na Bahia, tínhamos uma biblio-teca de 10 mil volumes, dos quais, a maioriaem francês...

A inadequacidade de nossa escola pri-mária consiste na sua verbosidade, no exa-gero da memorização, na sonoridade da pa-lavra, com que, fugindo à realidade em quese situa, se superpõe a ela. Daí por que, sema “inserção” no seu contexto, que a faria au-têntica, é uma escola que não infunde espe-rança. Consiste na falta de diálogo de queresultam a inexistência de “comunicação” ea exacerbação do “comunicado”. É uma es-cola que, em regra, vem “domesticando” oeducando, precisamente quando, no trânsi-to que estamos vivendo, mais se precisa decapacidade crítica, somente com que serápossível a integração com o ritmo aceleradode mudanças. Uma escola que dita, queimpõe, que faz “doações” é uma escola ina-dequada com o clima cultural de uma socie-dade que se desaliena e busca sua promo-ção de “objeto” a “sujeito”. É inadequadacom o surto de democratização, intimamen-te ligado ao do desenvolvimento, em queestá inserido o país.

Para atender aos anseios da nova socie-dade brasileira em formação, ela há de ser

5 A esse respeito, fundamental aleitura de Primitivo Moacyr(A instrução e as províncias.Brasiliana, 3 v).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 100: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

100

uma escola de trabalho, de diálogo, da par-ticipação, da “comunicação”. Uma escolademocrática. Livresca e superposta à suarealidade local, regional e nacional, ela per-de aquele caráter que Mannheim (1946) re-fere de “agente dos câmbios sociais” e setransforma numa fábrica de desiludidos efrustrados...

Esse seu alheamento – que se alongaem quase desprezo à realidade pelo nossomomento histórico, talvez explique, em par-te, é verdade, uma outra dolorosa estatísti-ca nacional. A que nos dá, para dois mi-lhões, aproximadamente, de operários bra-sileiros, apenas 400 mil qualificados(Oliveira Junior, 1946; Grupo..., 1959) quan-do se sabe que é da escola primária “dondepartem 70% da mão-de-obra dos países maisadiantados” (Salgado, 1956).

Em conjunto com as condições de sub-desenvolvimento que dificultam intensa-mente a permanência de meninos em umaescola, nas bases da nossa, pela necessida-de que têm de ajudar os pais – ainda será asua inadequacidade que explicará o seu jáhoje alarmante desprestígio. Dos 2.244.342alunos que se matricularam em 1949 nasprimeiras séries das escolas brasileiras, ape-nas 838.045 tiveram promoção à segunda.“Em outras palavras”, acrescenta o presi-dente da Cosupi, “1.406.297 alunos (62,9%dos matriculados) nada aproveitaram dosestudos” (Oliveira Júnior, 1946).

É interessante salientar nessa altura osestudos da comissão de desenvolvimento emtorno da situação educacional do país, en-carregada de apresentar ao sr. Presidente daRepública sugestões no campo educacional,adequadas às metas governamentais para odesenvolvimento. Em que pese a seriedadedos estudos feitos e a honestidade com quese trataram os problemas, não nos parecemsuficientes os reparos propostos como me-didas saneadoras, o “ordenamento” das ma-trículas nas escolas primárias e a maior fle-xibilidade do sistema de promoções de umasérie para outra. A que juntou ainda a co-missão acertadamente sugestões em torno do

melhor preparo do pessoal docente (Brasil.MEC, 1959).

Não desconhecemos – nem seria possível– que a “desordem” das matrículas de nossaescola opera negativamente. É óbice dos maisfortes à aprendizagem e ao atendimento deum maior número de meninos em idade es-colar. É verdade, por outro lado, igualmente,que uma escola excessiva e sonoramente ver-bal, quase sadicamente “daspiana”, deslocadapor isso de seu papel integrador, se faz obs-táculo à solução do problema grave dosdéficits. Precisamente porque, reprovandoem massa, não abre claros que seriam preen-chidos por milhares de outras crianças que aprocurassem cada ano. É bem significativa aestatística, citada antes, do professor OliveiraJúnior – de dois milhões em números redon-dos – de meninos matriculados em 1949 na1ª série das escolas primárias brasileiras,somente 800 mil – em números redondos –se promoveram à segunda...

O que parece mais sério nisto tudo – enão está dito – são outras tantas causaspesquisáveis, além – e talvez mais fortes – da“desordem” das matrículas e da “rigidez”,nem sempre existente, no sistema de promo-ções. Causas que poderão explicar, inclusi-ve, não só a “desordem” mas principalmen-te a própria “reprovação”. Por isso é que nãonos parece ser de solução meramente admi-nistrativa – escolar – apesar de toda a rele-vância moderna dessas soluções – o proble-ma da “desordem” como o das “promoções”.

Dadas essas soluções, parece-nos,teremos obtido amenizações.

A questão tem seus grandes suportesna economia subdesenvolvida. De quedecorrem – repitamos o que todos sabem –o desemprego, a inexistência de mercado detrabalho, a “inapetência educativa”, a neces-sidade existencial que têm as famílias pro-letárias e subproletárias nos centros urba-nos – principalmente do Nordeste e do Norte– bem como nos rurais, de ter em seus me-ninos e meninas elementos “produtivos”,numa economia de “biscates”. Meninos cedoantecipados em homens – “carregando

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 101: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

101

fretes”, “passando bicho”, vendendo frutas,cuidando da casa... O doloroso, isto sim, é ainadequacidade total de nossa escola queinsiste num verbalismo terrível e na doaçãode meia dúzia de “conhecimentos” a que faltainstrumentalidade.

Pense-se na incapacidade de um su-porte desse para oferecer condições em queeducandos situados nele pudessem obterum mínimo de equilíbrio emocional comque incorporassem uma sabedoria nocional,mais adequada a uma classe ociosa. A mi-lhares de meninos que se situam em su-porte assim, se dão leituras em que se falade viagens à “fazenda do tio Mário, ondevamos passar as férias”, viajando de trem ede barco e em cujo percurso “mamãe e pa-pai conversam, Ângela e Cármen lêem re-vistas infantis. E eu estou na janela gozandoa viagem...”6

Ao fazermos essas considerações vem-nos à mente uma série de fatos observadose estudados por nós quando à frente daDivisão de Educação e Cultura do Seside Pernambuco. A um deles nuncaesquecemos. O de um menino apático etristonho. Sempre sentado. Quase “demi-tido” de sua aula. De seus problemas. Re-petente. E que, estudado de perto, tinhano seu horário de escolar o repouso de suavida de vendedor ambulante. “Compreiuma pitombeira outro dia”, disse ele à as-sistente social que o entrevistava por soli-citação da professora. E, ao espanto daassistente: “Comprei a safra”. Era ummenino a quem a escola realmente nadaoferecia, senão repouso de suas canseirasde homem antecipado...

Observe-se a incidência das matrícu-las nas primeiras séries7 da escola primáriae seu declínio nas últimas, a partir da ter-ceira, e veja-se como, ao lado da suainadequacidade para deter seu aluno e deseu desprestígio, deve-se pensar nesse as-pecto assinalado – o da necessidade quetem o menino de ajudar a família, que deveexplicar, pelo menos em parte, a fuga àescola, que, verbalista, não pode fixá-lo.

Em relatório deste semestre, professo-ra de escola do interior de Pernambuco,com 33 alunos matriculados e 3 freqüen-tando, aponta os “trabalhos da lavoura”como fator fundamental, senão exclusivo,de sua estatística.

Essas considerações não invalidam,pelo contrário, dão ênfase à necessidadeimperiosa de a escola primária brasileira semultiplicar, organicamente, para diminuir,onde possível, a defasagem entre o númerode meninos em idade escolar e o número declasses disponíveis. A que deve juntar nãomenor esforço, também conscientementecrítico, no sentido de se identificar com ascondições de seu contorno, renunciando,assim, a um verbalismo enraizado em nos-sas matrizes culturológicas. Verbalismo quevem sendo sustentado pela “demoracultural”.

Urge afirmar – estamos convencidos –que nenhuma solução em têrmostradicionais8 – de verticalidade – deve serindicada entre nós, para este ou outros pro-blemas. Apesar de todas as contradições ca-racterísticas do trânsito e apesar das própri-as limitações analisadas, contidas no “ciclovicioso”, é incontestável que vivemos o nos-so “grande despertar”, para usar uma ex-pressão de Myrdal (1960). Assim, a própriasolução do déficit escolar, ligada ao “ciclovicioso”, tem de encontrar seu caminho numamplo diálogo do Poder Público com o povo.O que na verdade constituirá postura orgâ-nica do Poder Público, pois o clima culturalnovo que vivemos é cada vez mais propícioa toda experiência dialogal, sem a qual difi-cultaremos nosso aprendizado democrático.O Poder Público, no caso, iria ao encontrodo povo, ajudando-o nas respostas que, destaou daquela forma, ele vem dando ao desafioque lhe fazem os novos tempos no campoda educação. Há todo um esforço do povoespalhado em sociedades beneficentes, emclubes recreativos, em sindicatos, em asso-ciações religiosas, nos centros urbanos ou,em menor escala, nas comunidades ruraisbrasileiras, que poderia ser aglutinado e

6 Não compreendemos mesmo,como até hoje, ainda não se te-nha pensado – que saibamos,pelo menos – em oferecer aalunos do Nordeste brasileiro,nos seus livros de leitura, se-leção do romanceiro popular,de valor não só estético, masculturológico. Do romanceiropopular, a algumas de cujasobras nos declarou o já consa-grado dramaturgo brasileiroAriano Suassuna, daria o seunome, honradamente. Ao invésde leituras assim, acompanha-das de esclarecimento de umariqueza imensa, e ao lado deoutras da mesma forma autên-ticas, insiste-se quase sempreem histórias sem gosto e semorganicidade. Meninos e meni-nas de zona subproletárias e ru-rais, intensamente sofridas porsuas precaríssimas condiçõeseconômicas, a ler descrições depasseios a fazendas de tiosMários, de que talvez apenaso nome do “tio” lhes sejapeculiar. Quando, na verdade oque lhes devia ser familiarseria a “situação”.

7 No ano de 1958, a divisão deEducação e Cultura do Seside Pernambuco matriculou, entrecapital e interior, num total de2.904 alunos, em suas escolas,1.995 alunos na primeira série;445 na segunda; na terceira 371;na quarta 80 e na quinta 3. Em1959, num total de 3.115 alunos,1918 na primeira série; 613 nasegunda; na terceira 414; na quar-ta 167 e 3 na quinta. Por sua vez,a Secretaria de Educação e Cultu-ra do Estado matriculou, em1958, janeiro, nas primeiras séri-es em todo o Estado, 40.990. Emjunho, esse número subia a42.319 para, em outubro, sofreruma queda e chegar a 37.449. Asegunda série apresentou esse rit-mo: 24.454, 24.467 e 22.692 –janeiro – junho – outubro. Eis oritmo da terceira: 18.120, 17.984e 17.185. A quarta: 9.808, 7.996e 9.453. Agora, a quinta: 3.508,2.901 e 4.933. Esses dados nosforam gentilmente cedidos pelaDivisão de Educação e Cultura doSesi, e pela Diretoria Técnica deEducação da Secretaria de Educa-ção e Cultura do Estado.

8 Fixemo-nos no déficit escolardo Recife que atinge, segundoinforme da Divisão Estatística,aproximadamente oitenta milcrianças. Segundo estimativasrecentes da Prefeitura Municipaldo Recife, seria necessária umainversão de 350 a 400 milhõesde cruzeiros, apenas na constru-ção de modestas salas de aulapara o atendimento de 80 milcrianças. Pensa-se agora no quese teria de pagar a dois mil pro-fessores de quem se precisarápara os 80 mil meninos. A salá-rios baixos de Cr$ 8 mil, tería-mos Cr$ 16 milhões Mas, e ocorpo diretor? E o material? E amanutenção?

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 102: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

102

sistematizado pelo Poder Público. Esforçoprivado a que aquele poder juntaria o seu,melhorando as condições materiais etécnicas desse trabalho popular.

Tentativa, como vem sendo experimen-tada hoje no Recife pelo Movimento de Cul-tura Popular e pela Prefeitura que, em pou-cos meses, já conseguiu, através daaglutinação de esforços, atender a 2 mil cri-anças, aproximadamente, em escolas popu-lares, espalhadas pelas zonas proletárias doRecife.

O que se há de fazer no Brasil, sobre-tudo em áreas mais fortemente subdesen-volvidas, é aproveitar esse esforço do povoe ajudá-lo em suas respostas. Ao invés decontinuarmos a “plantar” escolas ou uni-dades pedagógicas sem vinculações siste-máticas e estreitas entre si e com sua locali-dade, deveríamos tentar experiências deintegração da escola em sua comunidadelocal.

Conhecidas as áreas e subáreas urba-nas, rurbanas ou rurais – menos fácilmenteestas – de incidência maior de déficit esco-lar, cuja população apresentasse um míni-mo de “apetência educativa”, sem o que éinfrutífero todo esforço nesta linha, agiriao Poder Público no sentido de alimentá-la,coordenando os esforços dispersos. Seriainteressante, em trabalho deste, que o Po-der Público criasse unidades pedagógicasajustadas às condições do meio e cuja loca-lização, devida e previamente estudada, lhesproporcionasse a tarefa de dentro de umacadeia de outras agências populares que fun-cionariam como seus satélites. Estes cen-tros, relacionando-se sistematicamente comas demais agências de sua área – as quemantivessem ou não escolas primárias – fun-cionariam como testemunho de um orgâni-co trabalho pedagógico. Não significa issoque o Poder Público se retraísse e, omitin-do-se9 mais do que hoje neste capítulo fun-damental da vida brasileira, empregassemenos recursos financeiros em educação.Pelo contrário. É preciso que, mesmo comtrabalho assim, em que se consciencialize

o problema e se aproveite e estimule o empe-nho do povo, o Poder Público despenda maisdo que normalmente vem despendendo.O que pretendemos afirmar é algo sabido de-mais – sozinho não resolverá o problema,ainda que dê toda a ênfase possível aos gas-tos em educação. É um problema nacional,por isso deve envolver o poder central, oestadual, o municipal e o povo.

Parece-nos assim que o primeiro ângu-lo por que não só se pode, mas se deve vera escola primária no Brasil, em trânsito, dehoje – o de sua insuficiência quantitativa –, fundada em fatôres diversos, é problemade governo e de povo também. Problemacuja solução depende de esforços que seaglutinem. Como cabe aliás a uma socieda-de em franco processo de “abertura”.Processo que se alongará, por questão mes-ma de salvação nacional, às áreas ainda hojemais fortemente “fechadas”, o que se reali-zará com a esperada e inadiável reforma agrá-ria, sem a qual não será possível a continu-ação do processo de desenvolvimento e dedemocratização do país.

Bem razão tem Myrdal quando, discutin-do esse problema, afirma categoricamente:

A reforma agrária é condição primordialdo crescimento industrial. Um dos prin-cipais obstáculos à industrialização nospaíses subdesenvolvidos é a falta de ummercado amplo e em estado de expansão.[...] Embora difícil, é preciso empreendera reforma agrária; a não fazê-la, nunca sepoderá sair do ciclo vicioso. As tentativasde elevação do nível de educação e de es-pírito de empresa dos campesinos, con-clui, fracassarão fatalmente, se não lhesderem terras. (Myrdal, 1956)

Exatamente porque sem condições mí-nimas de desenvolvimento que se façamsuporte da promoção da consciência dohomem dessas áreas rurais, de um tipo quevimos chamando de “intransitiva”, não serápossível, na verdade, sequer, a “apetênciaeducativa”, referida por Mannheim, com re-lação às massas urbanas (cf. Freire, 1959).E sem essa “apetência educativa”, a escola,

9 Sobre este aspecto – o da omis-são do Poder Público – , é in-dispensável a leitura de “Aná-lise do Esforço Financeiro doPoder Público com a Educação(1948-1956)”, anexo ao relató-rio final da Comissão de Edu-cação e Cultura do Conselho doDesenvolvimento, MEC.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 103: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

103

ao invés de reivindicação, é doação. Motivopor que sua instrumentalidade decresce.

Tratar de uma escola primária que seajuste ao Brasil, implica pensar antes nosbrasis vários em que nos dividimos. Impli-ca reconhecer, pela necessidade fundamen-tal da “organicidade” da escola, sermos umasociedade que oscila, desarmoniosamenteentre extremos, de um subdesenvolvimen-to absoluto, em que não se pode dizer oque já se disse do homem moderno – um“demitido da vida” – porque nem sequerfoi ainda admitido a ela, e um ritmo inten-so de desenvolvimento. E, entre osextremos, uma variedade de posições.

Não sendo possível a persistência des-ses descompassos, de que a nação realmentevem tomando cada vez mais consciência –mesmo porque não haverá integração naci-onal sem integração econômica – a tendên-cia é para a diminuição tanto quanto possí-vel rápida desses desencontros. Daí ser odesenvolvimento nacional um imperativoexistencial.

A escola primária há de assumir, então,um papel totalmente novo numa sociedadeassim. Novo e diversificado. Sempre volta-do, porém, para uma constante do momentonacional – a de seu desenvolvimento.

Daí não se explicar – a não ser pela“demora cultural” – uma escola primáriacomo a nossa, em qualquer dos brasis,maciamente sonora, antidemocraticamentepalavresca, sem diálogo, fugindo da reali-dade circunstancial como se seu encontrocom ela significasse um pecado medonho,que devesse evitar. Ou como se fosse essarealidade uma doença contagiosa de que de-vesse preservar seus indefesos alunos. Pa-rece-nos, pelo contrário, que, em qualquerdos brasis, deve a escola primária ser algoque responda às condições do contorno.Algo enraizado nele. Vinculado às demaisagências sociais sem se esquecer donacional. Nossas escolas primárias de cen-tros urbanos, industrializados ou industri-alizando-se, são escolas que desconhecemas necessidades do mercado de trabalho,

sem se lembrar de que é delas que devesair grande parte da mão-de-obra para essemercado. Deixemos claro que não estamospretendendo defender a profissionalizaçãoda escola primária. Não é tarefa sua aprofissionalização, mas oferecer um conhe-cimento básico a seus clientes com quepossam identificar-se com o seu meio enele atuar. E não será com uma “sabedoria”nocional e acadêmica, erradamente de te-órica às vezes chamada, que iremos pre-parar nossos meninos, nas cidades comonos campos, para as fábricas, para a uni-versidade ou para a agricultura. Para qual-quer que venha sendo o destino de nossoeducando, a escola primária que aí está é“veículo” inadequado. Memorizadora,palavresca e ociosa, ela não pode, de umlado, ajudar o novo clima cultural em for-mação ou por se formar – o do trabalho.De outro, ela não pode deter seu clienteproletário, subproletário ou rural, por maistempo, uma vez que, desafiado pela defi-ciência econômica, ele tem de se fazer “pro-dutivo” antecipadamente. Mais uma vezpalavresca – em qualquer dos brasis –antidialogal, ela estrangula outra dimen-são do nosso clima em constituição ou porse constituir – a da democratização do país.

Visitamos certa vez uma escola rural emSão Paulo, mantida pelo Rotary com a cola-boração do governo, com índices excelentesde matrícula e freqüência. Era uma escola decomunidade e de trabalho. Seus alunos per-maneciam nela. Seus alunos freqüentavam-na. Trabalhavam, porém, e – o importante –participavam das vantagens de seu trabalho.

A inadequacidade, a inorganicidade denossa escola primária assustam o observa-dor quando descobre que, numa sociedadeque tem de se fundar no trabalho, ela nãocria condições autênticas, nem mesmo parauma elite ociosa.

E a sua inadequacidade se reflete ou seagarra a ela com a mesma sensualidade queGilberto Freyre “descobre” no massapê doNordeste, que “se agarra aos pés da gente,com ares de garanhona”.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 104: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

104

O que a nossa escola tem de fazer éidentificar-se com as diversas característi-cas regionais e locais do Brasil atual e es-forçar-se por oferecer à sua clientela condi-ções com que se incorpore ao ritmo dedesenvolvimento e democratização do país.

Vale dizer que a escola de que precisa-mos urgentemente é uma escola em querealmente se estude e se trabalhe. Quandocriticamos, ao lado de outros educadores,o intelectualismo de nossa escola, não pre-tendemos defender posição para a escolaem que se diluíssem disciplinas de estudoe uma disciplina de estudar. Talvez nuncatenhamos tido em nossa história necessi-dade tão grande de ensinar, de estudar, deaprender, mais do que hoje. De aprender aler, a escrever, a contar. De estudar História.Geografia. De compreender a situação ouas situações do país. O intelectualismocombatido é precisamente esse palavreadooco, vazio, sonoro, sem relação com a reali-dade circundante, em que nascemos,crescemos, e de que ainda hoje, em grandeparte, nos nutrimos.

Temos de nos resguardar desse tipo deintelectualismo como também de uma posi-ção chamada antitradicionalista que reduzao trabalho escolar a meras experiências dis-so ou daquilo e a que falte o exercício, duro,pesado, do estudo sério, honesto, de queresulte uma disciplina intelectual.10 Não queestivéssemos agora, contraditoriamente, anegar afirmações anteriores, neste como emoutros estudos. Talvez aclaremos bem nos-sa posição quando reafirmamos que nossaescola não é teórica mas intelectualista,verbalista. Na verdade, teoria, tantoetimológica quanto filosoficamente – confor-me está bem expressa no pensamento platô-nico – não é apenas contemplação passiva.Implica também uma inserção na realidade,um contato analítico com o existente, paratestá-lo, comprová-lo, vivê-lo e vivê-lo ple-namente, praticamente. Por isso a teoria é ooposto do verbalismo e é tudo que não énossa escola. Tudo que, porém, ela precisaser. Reconhecemos as dificuldades que se

levantam para um trabalho assim. Para umapostura dessas. Dificuldades contidas no pró-prio “ciclo vicioso”, mais densas e rijas nasáreas mais fortemente subdesenvolvidas dopaís. Reconhecemos, inclusive com observa-ções próprias em escolas de zonas proletáriasnossas, os obstáculos, os estrangulamentosà formação de uma disciplina séria de estu-do nas classes primárias. São obstáculos que,estudados e conhecidos, precisam tercomportamento diferente – orgânico – daescola de que precisamos, amenizações quenos ajudem no trânsito em que vivemos.Como todo trânsito, cheio de contradições eóbices. Mas, como todo trânsito, contendocondições favoráveis. A sabedoria estána identificação destas condições e seuaproveitamento.

É interessante salientar aqui a impor-tância que vem sendo dada pela educaçãoatual da Rússia – cujos resultados estão aí àprova no seu estupendo desenvolvimentotecnológico – a uma disciplina séria de es-tudos a que são levados seus educandos.Importância em que se quer descobrir umacentuado gôsto tradicionalista, por isso,condenável.

É verdade que não podemos criar umadisciplina de estudo, um gosto ou umagulodice do saber, se intoxicarmos o educan-do com excesso de matéria ou se oferecermosconteúdo alienado à sua inteligência.

O que nos parece, porém, imperativo,é que nossa escola deve esforçar-se ao máxi-mo em despertar em sua clientela, inicial-mente, forte inclinação pelo saber, a que jun-te empenho igualmente forte em lhe ofere-cer adequado saber. Daí, a insistência naconstituição urgente da disciplina de estudoa que nos referimos.

Se, no trânsito que vivemos, não nossatisfaz essa escola verbalista que aí temos,da mesma forma não satisfará uma escolaque tema, ingenuamente, a formação dessadisciplina, porque se lhe possa chamar detradicional.

Se o trabalho da escola não deve serum fardo para seu aluno, que o esmague e o

10 Interessante a esse respeito a lei-tura de Ayala [s.n.t.].

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 105: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

105

aniquile, não pode, por outro, na atualida-de brasileira, se contentar com esse “faz-de-conta” em que vem se perdendo, comhorários até de três horas e anos letivospontilhados de dias “não”, além das fériasregulamentares.

A atualidade do país, pelo contrário,está a exigir de suas escolas formação bási-ca para seus educandos com que possaminterferir no processo do desenvolvimentoou na superação do “ciclo vicioso”.

Daí a urgente revisão do conteúdo des-sas escolas.11 De seus procedimentos didá-ticos. Revisão a que traga sua colaboraçãoindispensável o cientista social.

De uma revisão orgânica, resultaria a fi-xação ou a integração de nossa escola emsua comunidade local, com que travaria re-lações sistematizadas. Relações que ela esti-mularia, inicialmente, entre si e as famíliasdos educandos, a quem iria oferecendo con-dições de ingerência em seus própriosdestinos. Ingerência com que não sóintegraria as famílias com seu esforço, fazen-do-as conscientes de suas limitações, a seremsanadas em conjunto, mas, também, com queofereceria condições através de que as famí-lias experimentariam posições decisórias.Não será demais ressaltarmos a crença emexperiências desse tipo, no mundo atual,como caminho de “enraização” do homem,em Mannheim, (1953, p. 193) como emMarcel (1955), se bem que em termos dife-rentes. Experiências de afirmação do homemno seio de grupos limitados ou de pequenascomunidades. “Essas comunidades, dizMarcel, podem apresentar-se em formas di-versas: uma paróquia, sem dúvida, porémigualmente uma simples empresa, umaescola, que sei eu”... E essa comunidade es-colar não seria apenas a de professores e alu-nos, mas destes e mais todos os que nelatrabalham e as famílias dos educandos edepois acrescida de outras tantas famílias desua área de influência, que, motivadas, seincorporariam a seu trabalho.

O antidiálogo de nossa escola nãoé apenas interno. De seus pólos. Tão

comprometedor quanto este, contradizendotanto quanto este nosso processo de demo-cratização, é seu antidiálogo com o “seumundo”. É o seu isolamento.

Nossa constelação escolar, fechada e“assistencializadora”, não se adequa com afase atual do país, de sociedade “aprendiz”da democracia. Da “abertura”.

A tarefa de nossa escola é, pois, muitomais ampla e instrumental do que se podepensar. Temos, aliás, neste sentido, experi-ências pessoais. Conseguimos um êxito, àsvezes maior do que esperávamos, realizargrande parte das sugestões aqui apontadas.Realizamos, em termos positivos, experiên-cias de relações de escola com famílias edaquela com sua comunidade.

Eis objetivos, entre outros, que perse-guimos em nossos trabalhos experimentais:

a) Despertar as escolas situadas na ór-bita do experimento para os acon-tecimentos de sua comunidadelocal, estabelecendo entre elas e asagências da mesma comunidaderelações cada vez mais íntimas deque resultasse sua integração coma vida comunitária.

b) Despertar nelas a consciência da ne-cessidade de um trabalho conjunto,de tal forma que as dificuldades deuma unidade pedagógica fossemconhecidas e estudadas por todas.Suas relações assim passariam a sersistemáticas e não espontâneas,como infelizmente de modo geral osão entre nós. Essa “intimidade”com a análise de seus problemas iriadesenvolvendo nelas, cada vez mais,a consciência crítica de sua posiçãoe de sua tarefa em seu contexto.

c) Melhorar, por isso mesmo e para talfim, os padrões culturais e técnicosdo pessoal docente, preparando-opara a nova posição da escola. Novaposição da escola que exigia igual-mente preparação do pessoaladministrativo.

11 Essa revisão deveria serconcomitante com uma outrafundamental: a das escolas nor-mais ou institutos de educação.Experiência que nos interessa deperto neste campo foi a feita noSudão, há poucos anos, no sen-tido da formação de professoresajustados a seu novo clima cul-tural – o da democratização. VerConferente on EducationalProblems of Especial CulturalGroups (1951, p. 127).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 106: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

106

d) Promover todos os meios por quese estabelecesse intimidade entre es-colas e famílias, no sentido de ofe-recer a estas crescente ingerência nosdestinos daquela. Desta ingerênciaresultaria aprendizado existencial dademocracia, pela substituição de ve-lhos e culturológicos hábitos de pas-sividade por novos hábitos de par-ticipação e autogoverno, em relaçãode organicidade com o novo climacultural em elaboração, que vivemos.

e) Promover, em decorrência da iden-tificação da escola com a comuni-dade, melhores meios de assistênciaao aluno.

f) Tentar a promoção de alguma oualgumas das principais unidadespedagógicas da órbita da experi-ência em centros de comunidade,de que as demais passariam a ser“satélites”.

g) Estimular as famílias, em intimi-dade com as escolas, a criar asso-ciação sua, funcionando na pró-pria sede de cada escola. Grandeparte dos problemas considerados

de solução exclusiva da escola,passariam a ser de solução comum– da escola e das famílias, repre-sentadas democraticamente por suaassociação.

h) Sugerir que essas associações se pre-ocupassem, gradativamente, com avida comunitária, o que forçosamen-te as levaria a contatos com outros“grupos”, com agências sociais dalocalidade e com o Poder Público.

Após a criação em cada unidade pe-dagógica de uma associação das famílias,tentar agregá-las em federação, através deque seria possível uma cada vez maior“parlamentarização” de seus associados.

O que não nos parece possível é ajudaro rompimento do “ciclo vicioso” em que estáempenhado o país, sem que fenecerá histo-ricamente – e que só se faz com o povo pre-parado técnica e ideologicamente – com umaeducação inadequada, em que ressalta umaescola primária amofinada e quase totalmentesem sentido como a nossa. Às vezes tão forade tempo e do espaço que é como se fosseum fantasma.

Referências bibliográficasAYALA, Francisco. La crise actual de la ensenãnza. [s.n.t.].

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Análise do Esforço Financeiro do Poder Públicocom a Educação (1948-1956). Anexo ao relatório final da Comissão de Educação e Culturado Conselho do Desenvolvimento, MEC.

CONFERENCE ON EDUCATIONAL PROBLEMS OF ESPECIAL CULTURAL GROUPS.Cultural groups and human relations. Cidade: Teachers College, 1951.

FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. Recife, 1959.

FURTADO, Celso. A Operação Nordeste. Rio de Janeiro: Iseb, 1959.

GRUPO DE ESTUDOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. A escola e o meio estudantil.Rio de janeiro: MEC/Serviço de Documentação, 1959.

JASPERS, Karl. Razão e anti-razão em nosso tempo (Trad. do alemão por Vieira Pinto).Rio de Janeiro: Iseb, [s.d].

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 107: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

107

KIDER, Daniel. Reminiscências de viagens e permanência no Brasil (Províncias do Norte).São Paulo: Martins, 1951.

LUKACS, Georg. El asalto a la razón. México: Fundo de Cultura Economica, 1959.

MANNHEIM, Karl. Diagnóstico de nuestro tiempo. México: Fondo de Cultura Economica,1946.

______. Libertad, poder y planificación democratica, México: FCE, 1953.

MARCEL, Gabriel. Los hombres contra lo humano. Buenos Aires: Ed. Hochette, 1955.

MARÍAS, Julian. Introducción a la Filosofia. Madrid: Revista de Ocidente, 1960.

MOACYR, Primitivo. A instrução e as províncias: subsídios para a história da educaçãono Brasil (1834-1889). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940. 3v.

MYRDAL, Gunnar. Solidariedad o desintegración. México: Fondo de Cultura Economica,1956.

______. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: Iseb, 1960.

OLIVEIRA JÚNIOR, Ernesto Luís de. Ensino técnico e desenvolvimento. Rio de Janeiro:Iseb, 1959.

______. O ensino primário. Boletim da Capes, n. 42, 1946.

PINTO, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Iseb, 1956.

POPPER, Karl. A sociedade democrática e seus inimigos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1959.(título original: The open society and its enemies).

RESPOSTA do Ministério da Educação aos Inquéritos do Bureau Internacional de Educação.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 27, n. 66, p. 151, 1957.

SALGADO, Clóvis. Reforma de base. Boletim da Capes, n. 43, 1956.

WEIL, Simone. Raices del existir. Buenos Aires: Editorial Sud-Americana, 1954.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 95-107, jan./abr. 2005.

Page 108: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 109: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

109

I

Se há eterna infância e juventude nos homens e se riqueza de vida interior realmen-te a possuem os que não só não perdem as qualidades das fases anteriores daexistência, mas a um tempo as conservam e as superam, devem residir na criança

e no adolescente que guardamos em nós, a força, a pertinácia e a importância das primei-ras impressões das idades ultrapassadas e distantes. Nenhuma presença, de fato, maisenvolvente e mais comunicativa do que as recordações da infância. Ainda agora, são essasvozes, cândidas ou ardentes, as primeiras que me falam, no rumor de uma colméia deimagens e de lembranças, e as mesmas que me habituei a ouvir sempre que meu pensa-mento se voltava para o Itamarati ou acontecia conduzir-me a esta casa o dever de umacortesia, uma espécie de nostalgia de um convívio nunca experimentado ou a submissãoa um desses apelos que constituem uma honra e a que seria um desprimor renunciar.É que, na idade mais sensível ao mistério do tempo, do espaço e das coisas, e em que nos

O nacionalismo e o universalismo na cultura*

Fernando de Azevedo(São Gonçalo do Sapucaí-MG, 1894 – São Paulo-SP, 1974)

* Conferência pronunciada noMinistério das Relações Exte-riores, quando da instalação doInstituto Rio Branco. Publicadaoriginalmente na RBEP v. 7, n.21, p. 421-441, mar./abr. 1946.

1ª PARTE

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 110: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

110

parecem ilimitadas as possibilidades de ima-ginar, de criar e de ver em grande, a vossacarreira – a diplomacia – foi, como a Mari-nha, uma das que sobre mim exerceram maiorsedução, ficando por alguns anos um dessessonhos da adolescência que costumamsugerir as inspirações mais características efecundas da idade madura.

Os jovens tendem com freqüência a fu-gir à disciplina e à limitação dos horizontese procuram, mais ou menos intensamente,dar à sua vida um sentido que a ultrapasse eseja mesmo capaz de revesti-la do caráter deuma missão. Quando, em horas de isolamen-to, em que o espírito mergulha no passadopara atingir as profundidades do nosso serou à procura de paz, pela evasão do presen-te e de nós mesmos, em esforço por com-preender o que me despertara e mantinhaessa aspiração, parece-me que, em vossaforma de vida e de atividade, o que sobretudome atraía eram exatamente as perspectivasde viagens, o espírito de aventura e o gostodo desconhecido.

Era esse impulso, romântico e místi-co, de uma natureza inquieta que me faziaoscilar entre carreiras tão diversas, como adiplomacia e a armada, que julgava, porcertos aspectos comuns, me satisfazerem avocação para a liberdade, o novo e o ideal,com suas promessas de paisagens estranhase de mundos ignorados, e, portanto, de alar-gamento de horizonte em todas as dire-ções... Não foi, porém, a despeito dessesimpulsos, nem à vossa carreira nem à domar que me levaram as circunstâncias davida, tão caprichosa nas suas solicitaçõescomo o destino nos seus desígnios secretos.Vivendo, na minha pobreza, à margem deuma sociedade desprevenida, amável egalante, inebriada de festas e de prazeres,nunca chegou a interessar-me a tendênciade minha geração, apaixonada de literaturae de arte, mas falsamente estética, inclina-da, na sua boemia literária, antes a atrair ea seduzir do que a convencer e a lutar, eque, só depois da Primeira Guerra Mundial,foi despertada e impelida para a ação.

Na vida religiosa por algum tempo,como depois do humanismo que é um pon-to de vista universal e “um meio de dar àvida humana um conteúdo de eternidade”,refugiara-se então meu espírito atraído porseus pensamentos graves, por seu sentidoecumênico, suas mensagens de paz, seusplanos de conquista de almas, seu gosto pelavida interior, suas fugas para o mundo so-brenatural e a sentimento dessa presençatantas vezes sentida, do eterno no ser hu-mano. Somente mais tarde, no termo daguerra de 1914, quando já me havia integra-do numa corrente, vigorosa e idealista, im-buída de espírito crítico, penetrada da ciên-cia e da natureza e sacudida para os deveresdo pensamento e da ação, um oferecimentoexpressamente formulado por quem podiafazê-lo, me abria, para a carreira diplomáti-ca, o caminho que desejava tomar, mas emque não tardou a surgir um obstáculo deordem particular e irremovível às minhasantigas aspirações. A lembrança de um so-nho de adolescente que, em 1918, quase serealizou na sua plenitude e não podia estarpresente no convite com que vos dignasteshonrar-me, para vos falar da altura desta tri-buna, e essa repercussão prospectiva, tãopoderosa, das reações das primeiras idadesda vida tinham, pois, de dar ao meu senti-mento mais calor e vibração, ao encerrar ociclo de vossas conferências, como já havi-am influído nas minhas simpatias, váriasvezes manifestadas por uma das últimas e,certamente, das mais belas criações destacasa – o Instituto Rio-Branco.

II

Mas, como o Ministério em que se fun-dou e que, sendo das relações exteriores, é ocentro por excelência da cooperação interna-cional, o vosso instituto de ensino, de cultu-ra e de pesquisas tem ainda para mim, pelasorigens e finalidades, uma significação parti-cularmente grata a todos os que não perde-ram o culto do humanismo, considerado

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 111: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

111

como um instrumento de libertação. Se en-tre as quimeras de minha mocidade, atraídamuito cedo para mundos desconhecidos,antigos e modernos; se na minha própriaexperiência religiosa, que tanto contribuiupara desenvolver a idéia de igualdade doshomens, o sentido de catolicidade e a cons-ciência da dignidade da pessoa; se, entre asmiragens da ação e as contradições da luta,alguma “constante” existe, superior a todasas contingências de uma força singular, écertamente esse gosto do universal, esse sen-tido do humano, essa preocupação de resta-belecer, sobre as bases de uma nova concep-ção de vida e de pensamento, o valor e a“atualidade” de uma tradição que se perdeu– a do humanismo, que é, afinal, na justaobservação de Estelrich, uma “contribuiçãoindispensável à vida do espírito internacio-nal”. Ora, esse sentimento agudo da com-plexidade, esse sentido do relativismo his-tórico, esse espírito de finura, que dá afreqüentação maliciosa da diplomacia, essapesquisa do universal sob as diferenças queseparam e particularizam os povos, essa pro-cura das zonas de concordância, para cortaros conflitos pela submissão de todos à regrajurídica, à moral e à razão, não tendem adesenvolver essa herança prestigiosa dohumanismo, sempre renovado e alargadopela experiência e, portanto, a compreensãoe a solidariedade humana? Não constituema essência da função deste Ministério e nãoresidem à base de vossas atividades a crençana compatibilidade dos nacionalismos como culto do humanismo e a confiança funda-da nessa crença de dar ou restituir à ordeminternacional uma significação e uma forçaque a mantenham viva e fecunda e permi-tam à humanidade, pela coordenação dosinteresses e interpenetração das culturas,elevar-se até à civilização universal?

Pois é dentro desse espírito e fiel à tra-dição ilustre desta casa que Instituto, cria-do sob a invocação de Rio-Branco, um deseus numes tutelares, não só tomou inicia-tiva desses cursos, professados por autori-dades eminentes, mas entendeu pôr-lhes à

base ou dar-lhes, como coroamento, as re-flexões sobre o problema da cultura, nosseus aspectos nacionais e humanos ou dasrelações do humanismo e do ideal nacio-nal. Problema de suma importância que tocaà própria essência da cultura e para o qualvos atraiu a vossa vontade de síntese, culti-vada na inteligência das diversidades nacio-nais e na freqüência dos contatos e das tro-cas culturais, a que obriga a vossa profissãoe que não só constituem ocasiões de tomarconsciência de nós mesmos, de nossas sin-gularidades (pois é opondo-nos que nosdescobrimos e nos afirmamos), como nosconvidam a desprender o universal do con-tingente e a elevar-nos, pela pesquisa dassemelhanças, ao terreno comum em quepodem encontrar-se e pôr-se de acordo oshomens de todas as épocas e de todas aslatitudes. Mas também problema complexo,esse que não pode ser compreendido se aanálise do processo de elaboração da cultu-ra não se estender desde as raízes que mer-gulham na vida da comunidade, tomada emseu conjunto, na variedade de suas forças ede suas instituições, até o esforço criador esucessivo das livres atividades e iniciativasindividuais com que se desabrocha a cultu-ra, como numa esplêndida flor da história,na idéia tão complexa e fecunda dacivilização. É, de fato, do papel dacomunidade e do indivíduo na elaboraçãoda cultura e das ações e reações entre as ma-nifestações da vida espiritual ou ideológicae as condições da vida social, econômica epolítica, que nos esquecemos freqüentementequando estudamos a cultura de um povo –tomada esta palavra não no sentido em queé corrente na antropologia cultural, isto é, oconjunto das reações materiais e sociais deum grupo humano, mas na acepção em queagora a empregamos, de conjunto de valoresespirituais e das atividades e conquistasintelectuais, no domínio da filosofia e daciência, das letras e das artes.

No entanto, os fenômenos culturaisque, como os fenômenos físicos, têm suasdependências e condições, estão por tal

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 112: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

112

modo ligados às formas de vida social e aosdemais fenômenos do grupo, religiosos,morais, econômicos e políticos, que somen-te em face e à luz do sistema social geral épossível compreendê-los nos seus carac-teres, nas suas mudanças de ritmo, desentido e de direção. Se se admite a noçãofundamental da interferência dos fenôme-nos, cada um dos quais reage diversamen-te sobre os outros, sofrendo de maneiradesigual suas influências e repercussões;se os grupos e as instituições estão ligados,numa comunidade, pequena ou grande,étnica ou nacional, para exercerem ativida-des que são concorrentes e cujos ritmos sãoou tendem a ser harmônicos; se é verdadeque toda sociedade tem muitos sistemasculturais heterogêneos, mas que se influ-enciam uns sobre os outros segundo osmodos mais diversos, é por certo no corposocial inteiro que é preciso analisar os fe-nômenos de cultura, esclarecendo-os pelointerior, se se quer compreender os movi-mentos que agitam suas partes, seu senti-do e suas direções. Pois não é exato – paradarmos um exemplo – que uma sociedadede tipo feudal tem uma personalidade bemdeterminada e que as regras do direito, asformas de exploração da terra, o regime decavalaria, as relações entre os indivíduos ea literatura dos troveiros e dos trovadoresdependem estreitamente uns dos outros?Não encontramos no espírito de autorida-de, no sistema de relação entre os sexos,no tipo de educação, na submissão à lógicajurídica e às suas fórmulas, no desprezopelo trabalho manual e pela técnica, no gos-to da literatura e da erudição, outros tantosefeitos ou repercussões da estrutura da fa-mília brasileira, apoiada na escravidão eformada sob o regime da economiapatriarcal? As sociedades industriaismodernas não apresentam todas, ao ladode diferenças ligadas às condições especi-ais de cada meio, traços comuns pelos quaisse poderá facilmente reconhecê-las? Parece-me, pois, estarem com a razão os sociólogosque, crendo na ordem profunda dos

fenômenos sociais, não somente num sistemafechado, religioso, doméstico ou técnico, masigualmente numa sociedade inteira, acham quesó a análise de uma sociedade em seu con-junto pode projetar luz bastante sobre qual-quer das manifestações da vida social quetomarmos para objeto de nossas pesquisas.

III

De todas essas manifestações, as maisdifíceis talvez de dominar, nas influênciasque sofrem do meio como nas suas reper-cussões sobre ele, na seiva que por elascircula de suas raízes embebidas nas tradi-ções locais como no impulso para ouniversal, pela imensidade do horizonte queas rodeia, são certamente as da cultura – asatividades dessa camada intelectual que seforma acima e fora das classes e se caracteri-za pela sua função social, não só de criaçãoe de crítica, mas de difusão, organização etransmissão dos bens e valores espirituaisque constituem a herança, sempre amplia-da e renovada, de uma sociedade, de umpovo, ou de uma nação. É aí, nessas emi-nências em que, misturando-se indivíduosde todas as classes, se forma uma elite soci-al, mais ou menos densa e às vezes extre-mamente reduzida, de quantidade e quali-dade variáveis, que a cultura, expandindo-se com mais força, constrói e organiza, comsuas criações espirituais mais altas, os ele-mentos de sua mobilidade e de seus pro-gressos. É aí, nesse altiplano social, que,numa atmosfera mais livre, se desenvolvemos gérmens que produzirão os frutos da es-tação nova; é aí que reinam, na sua plenitu-de, a eterna inquietação e renovação do es-pírito, a dúvida fecunda, o desespero secre-to da meditação, o culto do pensamento, ogosto da especulação e da pesquisa que le-vam às descobertas e permitem aos homenspassar da simples aceitação passiva de rela-ções já criadas à verdadeira cultura que con-siste na “elaboração pessoal de relações ori-ginais”. É nesse pequeno setor da vida social,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 113: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

113

que trabalham, na obscuridade ou naglória, na liberdade ou sob um regime deopressão, sábios, pensadores e artistas cujasobras transcendem à própria nacionalida-de dos criadores e têm assegurada sua sig-nificação absoluta na sua universalidade.Mas, em contraposição a essa cultura supe-rior – obra de poucos, por sua natureza –, aque é inerente um princípio aristocráticoou de qualidade e que é elaborada pelas eli-tes do pensamento, cujas atividades se ca-racterizam pela sua tríplice função social deproduzir, de julgar e de transmitir os valo-res espirituais de um povo, forma-se, nascamadas populares das sociedades civili-zadas, uma cultura eminentemente tradici-onal, de usos e costumes, contos, lendas ecanções, práticas sem doutrinas e crençasserra teorias.

Nesse saber vulgar a que hoje chama-mos folclore, que é obra coletiva, produzi-da por longa sedimentação nas camadas po-pulares, acumulam-se sobrevivências de fa-tos ou resíduos de culturas extintas, conhe-cimentos e superstições, técnicas e artes,tudo o que se transmite por tradição oral ese articula, na vida social, às suas condi-ções mais primitivas. Resultado de umaacumulação permanente, obra de incessan-te elaboração em que é tão difícil a pesquisado individual, nenhuma cultura definemelhor o povo do que essa que trabalha suascriações à base do empirismo e do senti-mento, sendo ou parecendo ser, todavia,idêntica a todos os homens, apesar de suasextraordinárias diversidades de formas li-gadas às diferenças dos povos. Essa diver-sificação de duas culturas, em países decivilização mais complexa – uma, à base davida social, a do povo, e outra, a doscriadores – , é um aspecto particular dessemesmo processo de diferenciação social deque resultam a distinção de classes e a for-mação das elites. Mas, enquanto uma – acultura popular, em que é tão reduzido opapel do indivíduo – é anônima, espontâ-nea, coletiva, impermeável ou fechada àsinfluências externas e se identifica com a

tradição, a outra, a das elites, a qual tende aapoiar-se cada vez mais nas diferenças indi-viduais, é mais aberta às influências de ou-tras culturas e, por isto mesmo, suscetívelde se enriquecer e de renovar-se, de reduziras forças uniformizadoras da tradição querecua por toda parte em que o trabalho sedivide, diante das conquistas do individu-alismo. Estas camadas superiores podemlevar uma vida isolada, desarraigada do ele-mento social e da vida do povo, como entrenós no período colonial e no império, oupodem, ao contrário, abrir-se às suas influ-ências, sobretudo religiosas, literárias e ar-tísticas, tornando-se então a cultura obra detodo um povo, e a um tempo aristocrática –duplo caráter que é, na observação deBardiaieff, profundamente inerente àsépocas orgânicas.

Assim, pois, quando essa camada cul-tural não é penetrada pela vida social e pelacultura popular a que se sobrepõe, atingeao máximo a transcendência das elites emrelação à infra-estrutura espontânea; e, quan-do se abrem possibilidades e tendências àpenetração pela vida social e culturasubjacente, abaixa ao mínimo aquelatranscendência, como no caso do movimentode literatura e de arte moderna, maisachegada hoje, em nosso país, às fontespopulares. É o problema que estudouBardiaieff, da fusão entre essas camadas e aelite aristocrática, como a que se operou, naGrécia, graças ao contato religioso, e da rup-tura e do divórcio entre os criadores e opovo, como na Renascença. As influênciasda tradição pela qual exprime o temperamen-to nacional e que dá unidade original à cul-tura de cada país, se se fazem sentir em linhadireta, sobre as próprias elites, depositáriasda cultura superior, e que se sucedem e serenovam a cada geração, à maneira de elosde uma cadeia, podem ser exercidas tam-bém, de baixo para cima, como a seivaque sobe nas árvores, quer por umapermeabilidade maior das camadas intelec-tuais às influências da vida popular, querpela comunhão das massas com a cultura.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 114: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

114

Se, pois, o papel da comunidade é fun-damental na elaboração da cultura que semela não poderia existir, esse papel – porqueo esforço que a engendra não pode ser se-não o fato de um indivíduo – é diversa-mente limitado, conforme as condições so-ciais, econômicas e políticas, em cada época.Os indivíduos, à medida que as condiçõeslhes favorecem a libertação, não são apenaselementos, mas agentes e inventores sociais.Com o seu esforço criador, com suaspesquisas e suas descobertas, com otelefone, o cinema, o rádio, a aplicaçãoindustrial da energia infra-atômica, e outras,capazes de introduzir inovações que a es-trutura da sociedade jamais poderia prever,e de mudar ou precipitar curso dos aconte-cimentos e da história, o papel dos indiví-duos, de alcance revolucionário, não seriacomparável a “essas mutações bruscas quefazem surgir formas novas de vida”?

IV

Certamente, mais limitado nas socie-dades homogêneas e nas épocas de tradi-ção e, portanto, de culto da uniformidade ede horror às diferenças, o papel dos indi-víduos não assume essa importância senãonos períodos críticos ou de discussão emque culturas divergentes ou antagônicas sepõem em contato numa unidade nacionalou no interior de uma civilização. Se aemancipação progressiva do indivíduo,como pensa C. Bouglé, se explica por mu-danças produzidas na estrutura social e,especialmente, pela formação, no interiordas sociedades, de grupos diversos, cujoentrecruzamento favorece a diferenciação devalores, essa libertação da pessoa humanae essa expansão individualista, tomam novoimpulso nos períodos críticos que perma-necem necessários ao progresso e implicamuma ruptura ou um abalo na tradição. Osgrandes movimentos, de ebulição intelec-tual, não se realizam nas idades em que im-pera a tradição, que é estática, por definição,

e se caracteriza pela resistência ao movimentoe pela ausência de iniciativa, mas nessasépocas em que, sob a pressão de fatoresmúltiplos se estabelecem contatos, trocas econflitos entre culturas diferentes e se cho-cam com os padrões antigos, elementos cul-turais novos, rejeitados quase sempre à pri-meira tentativa de introdução e afinal assi-milados ou repelidos, conforme as reaçõesmais ou menos intensas em que revela opoder das forças em presença, tradicionaise renovadoras. É, segundo as variações dojogo de forças e de culturas de diversas na-turezas, de sua oposição, colaboração e con-corrência, que se ordenam os momentos deefervescência coletiva, de comunicações fe-cundas entre os indivíduos e de circulaçãode culturas. Os contatos de heranças cultu-rais diferentes, as misturas de correntes so-ciais e de civilizações e a difusão, que é afonte precípua de todas a dinâmica cultu-ral, constituem, por certo, o fator mais im-portante dessas transformações que se ope-ram e de que resulta a passagem de umaforma social que implica antes de tudo a tra-dição, para essas ‘sociedades de cooperação,heterogêneas e diferenciadas, que admitemo livre exame, o espírito crítico e a discussão.

Na variedade de influências coletivascom que se alarga o campo às intervençõesindividuais e se abre o caminho à apreen-são e à criação do universal, é fácil distin-guir pela sua importância esses fenômenosde trocas, de contribuições mútuas e deinterpenetração de cultura. Por maior queseja a resistência às inovações, opostas pelatradição e variável conforme as estruturassociais que reagem diversamente umas so-bre as outras e sofrem de maneira desigualas influências exteriores, nunca se produ-zem fenômenos dessa natureza sem que seoperem concentrações de energias esparsas,transformações mais ou menos profundasno conteúdo e na concepção de cultura enas relações entre a cultura e a personalida-de. Foi assim na Grécia, cuja civilizaçãonutrida dos mais diversos elementos orien-tais, encontrou sua época de esplendor na

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 115: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

115

Atenas democrática, aonde afluíam, comonum estuário, povos e culturas diferentes,assimiladas e ultrapassadas pelo gênio gre-go; foi assim em Roma, quando, vencedorada pequena península em que se desabro-chara, com as ciências e as artes, a mais belaflor da civilização, se deixou penetrar dasinfluências e seduções poderosas do povovencido; foi assim na Idade Média em queàs universidades, fundadas pelos papas paraserem centros de cristandade e de uma soci-edade universal, acudiam professores e es-tudantes de quase todos os países europeuse em que, sob o influxo do cristianismo, sedesenvolveu o espírito de catolicidade. Foiassim na Renascença com os humanistas,quando as descobertas dos manuscritos, gre-gos e latinos, lhes abriram, ao clarão da lâm-pada antiga, mais largas perspectivas para omundo. As repercussões, entre nós, das idéi-as dos enciclopedistas na organização do Se-minário de Olinda, em 1798; a influência daRevolução francesa na revolta liberal de 1817e na proclamação da Confederação do Equa-dor, em 1824; quase todos os movimentosliterários, desde o Romantismo até as cor-rentes modernas; o germanismo da Escolade Sergipe e as idéias positivistas dos fun-dadores da República, e todas as influências,americanas e européias, que desde a primeiraguerra mundial se cruzam mais intensamentee se entrelaçam, disputando-se a primazia,não esclarecem, no impulso que adquirirame nas oposições que suscitaram, essesproblemas ligados com a inércia e a dinâmicada cultura?

V

A cultura, que é um fenômeno própriodas aglomerações urbanas, tende sempre adifundir-se transbordando dos limites es-treitos da cidade em que se concentra, parase estender, com a formação dessas indivi-dualidades históricas a que chamamos na-ções, diferenciando-se de uma para outra,mesmo no interior de uma civilização.

As cidades foram sempre e permanecem osprincipais focos de cultura, nas suas maiselevadas manifestações espirituais. A razão,em que colocamos a expressão mais alta denossa personalidade, é sob a influência davida e das concentrações coletivas que sedesenvolveu, constrangindo cada um a ten-der à objetividade e à universalidade. Nãofoi em Atenas e em Roma – para lembrarsomente duas cidades antigas – , nestes Es-tados-Cidades, que a cultura atingiu o maisalto grau, alargando-se para esse sentidohumano da vida que impelia Sócrates a con-siderar-se “cidadão do mundo” e dilatava,até à visão de uma sociedade universal, opensamento de Cícero, sem perder, masantes acusando os caracteres peculiares aosdois povos? Certamente, ao culto do pensa-mento puro, ao sentido da beleza, à ordem,à proporção e medida, à justeza e flexibili-dade da forma adaptada exatamente ao queela quer exprimir, ao espírito de finura e aogosto da precisão – uma “invenção” dos gre-gos, como mostrou Bergson e que sem eles“nunca talvez teria aparecido no mundo” –,a todas essas qualidades do gênio grego,opõem os romanos, ainda através das pes-quisas de pura elegância, tão discretamentedissimuladas sob a gravidade do pensamen-to, qualquer coisa de sólido, de duro, deresistente, ou, para dizer tudo, de campo-nês senão mesmo de plebeu, que caracteri-zava esse povo de agricultores e soldados.Mas, sob essa qualidade rústica, essa perse-verança obstinada, com a qual traz o roma-no consigo não uma brilhante e múltiplaerudição, mas três ou quatro grandes sul-cos até o seu termo, como a nitidez no ata-que, a economia de palavras, o rigor no ar-gumento, uma total ignorância das habili-dades e das elegâncias, sob essa robustamentalidade em que se ganhava em saúde eem solidez o que se perdia em nuanças eem colorido, a cultura romana, tão marcadacomo a dos gregos, com seus caracteres esuas singularidades, já não se dilatava, comoa planta à procura de luz, para a civilizaçãouniversal a que serviu e em que se

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 116: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

116

incorporou com suas criações originais noplano moral, jurídico e político?

A formação das nacionalidades, cujaunidade surgiu, como um resultado histó-rico, da fusão progressiva de populações eprovíncias, línguas e costumes, concorreumais recentemente não só para acelerar esseprocesso de alargamento de cultura a co-munidades mais vastas, como também paramarcar, pelas fronteiras mais ou menos fe-chadas, as idiossincrasias das culturas par-ticulares, opondo-as umas às outras. Sejamquais forem os fatores determinantes danação – a raça ou maior homogeneidade decomposição étnica, a língua, a forçaorganizadora das dinastias, as conveniên-cias geográficas, a unidade de religião, a co-munidade de interesses, de lembranças ede tradições –, que todos eles contribuíram,em proporções variáveis, para a formaçãotão recente, mas largamente preparada nocurso da história, das unidades nacionais,é certo que esses e outros poderosos agen-tes de unificação, fundindo as culturas ur-banas e alargando, dentro de fronteiras, asinfluências de uma cultura nacional, orgâ-nica e homogênea, não serviram menos parafazer prevalecerem as diferenças sobre assemelhanças, entre nações e as suas res-pectivas culturas. A língua, por exemplo –organismo vivo, produto social e histórico,de elaboração coletiva, tão freqüentementeutilizada, por isso, como fundamento aoprincípio das nacionalidades – , se a anali-sarmos na sua estrutura íntima, isto é, noque ela revela sobre a mentalidade, as con-cepções e os sentimentos dos povos que aempregam, é uma espécie de marca de fá-brica imposta pela natureza aos diferentesagrupamentos étnicos ou nacionais de queela forma um dos caracteres distintivos. In-comparável fator de assimilação, no interi-or das comunidades nacionais, a linguagemtende naturalmente a ser uma barreira en-tre elas; a não ser para aqueles que, porseus conhecimentos, são capazes desobrepujá-la. Certamente nos países aber-tos à circulação normal de estrangeiros,

como de suas mercadorias e de suas idéiasprocessa-se uma transformação constante dacultura, no interior das unidades nacionais,não só pelas possibilidades criadoras e pelaatividade autônoma desses povos, como porempréstimos de outros elementos culturais,por migrações e por misturas dos povosportadores desses elementos. As singulari-dades e idiossincrasias, ligadas ao meio fí-sico, à mistura de sangue e, portanto, aostemperamentos nacionais, e à formação so-cial e histórica governam, porém, a limita-ção desses contatos e determinam a aceitaçãoou rejeição de numerosas influênciasexternas.

Mas todo o movimento de expansãocultural, resultante de uma nova concepçãode vida e de cultura em que, como numa sín-tese, se dissolveram os antagonismos, impor-ta, por sua natureza, num progresso no sen-tido da colaboração e da compreensão entrecidades e regiões de um país, entre povos nointerior de uma civilização ou entre civiliza-ções diversas. É um fenômeno constante,embora mais facilmente observável nos perí-odos críticos, esse da difusão da cultura,dentro de uma nação ou de uma para outra,não através de aspectos de certo modo tran-sitivos, mas de realidades fundamentais.A tendência a ultrapassar as fronteiras, a res-pirar os quatro ventos do espírito – tendênciavariável conforme as épocas – provém, so-bretudo, dessa necessidade de colaborar e decomunicar, que se estende da cidade à re-gião, da região ao país inteiro e, acima dasfronteiras, a outras nações, apesar da diver-sidade de línguas e fortes oposições inter-nas. Compreende-se que esses contatos e tro-cas culturais sejam mais freqüentes entrepovos aparentados uns com os outros, comoos latinos, todos de origem muito misturada,cuja língua saiu de Roma e que se preten-dem co-herdeiros da tradição, ou essas soci-edades nacionais, cujo conjunto constitui afamília ou o bloco ocidental e que são maisou menos aproximadas por filiação a partirde uma fonte comum e por contatos ou in-fluências prolongadas. Essas sociedades,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 117: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

117

quando as comparamos umas com as ou-tras, verificamos que guardam, de fato, den-tro de um círculo de civilização, numerosostraços comuns, predominando sobre traçosdiferenciais das diversas psicologias nacio-nais. Mas, apesar de resistências mais vi-vas, essas influências dispersas, porém fe-cundas, sempre se fizeram sentir, desde outempos antigos, entre civilizações diferentes,como a oriental, mais sutil e refinada, a oci-dental, de pensamento mais racional e cla-ro, e a africana, mais rude com seu estiloparticular, de uma poderosa originalidade,em cujo interior Leo Frobenius descobriu,entre os etíopes e os hamitas, uma oposiçãosemelhante à que exprime o dilema Oriente-Ocidente, a saber, que os primeiros são mís-ticos que se submetem ao mundo e se per-dem no cosmos e os segundos, muito maisconscientes de sua existência pessoal, seseparam do mundo e a ele se opõem, comoos europeus, para dominá-lo. A precisãoque, para Bergson, como há pouco vos lem-brava, foi “invenção” dos gregos, continua aser o privilégio de uma certa parte da huma-nidade; e é talvez porque se mantém impre-cisa, que não entrou em contato com a nossa,a inteligência oriental, por mais brilhante queseja... Mas, a despeito dessas oposições,ainda nos períodos em que se mantiveramobscuras e em sistemas mais ou menosfechados, as civilizações européias, asiáticae africana permutaram influências, refletindosuas imagens como os corpos, por suasradiações invisíveis, insensíveis sobre a re-tina, a que os físicos chamavam luz negra,imprimem constantemente sua imagem umsobre o outro, mesmo quando colocadosnuma completa obscuridade...

VI

A cultura, pois, quer entendida no con-ceito antropológico, isto é, todo o modo deum grupo humano, quer tomada no seusentido restrito e de nosso ponto de vistaocidental, como a descoberta e a valorização

da pessoa humana, o domínio e a utilizaçãodas forças naturais e a transmissão conscientedos valores e das conquistas espirituais atra-vés de gerações (o time-binder, de Korzybski),está sempre marcada pelo caráter de cada povo,que é uma função de sua história, de suastradições e de seus ideais. A cultura, na ob-servação de Warner Jaeger, em Paideis, é umagente plástico que se aplica do modo imedi-ato sobre o indivíduo, mas pressupõe sempreum substratum social e tem uma finalidadesuperindividual ou coletiva. Ao lado das di-ferenças que fazem de cada um de nós umapersonalidade irredutível, não é possível des-conhecer os traços que nos são comuns a to-dos e pelos quais cada um de nós pertence,na própria humanidade, a um povo que temo seu gênio e sua cultura tradicional. Todasociedade supõe um fundo comum a todosos seus membros e a sensibilidade própria decada um dos indivíduos que a compõem podecertamente modificar esse fundo, mas nãosuprimi-lo. A ironia, o humor, o sentido docômico, o ideal do gentleman e o fairplay, dosingleses, o seu bom senso e respeito à tradi-ção, essa desconfiança para com o pensamen-to racional e as construções puramente lógi-cas, que sempre lhes parecem suspeitas, o seuexperimentalismo e a sua submissão aos fatos;a gravidade do alemão, o seu sentido dotrágico, o seu espírito geométrico e de siste-ma, sua paixão pela obediência, a sua habitu-al adoração pelo chefe, pela disciplina e pelouniforme, sua tendência mística, tão perigosana política, e sua musicalidade que, na justaobservação de Ludwig, “sobe dos elementosmísticos da natureza e tem ajudado a fortalecê-los”; a devoção cavalheiresca do francês pelaliberdade, seu forte individualismo, o cultoda inteligência, o gosto da análise e o espíritode finura, sua tendência para as idéias gerais,os grandes princípios e para “tudo que se con-cebe muito clara e distintamente” e que se pren-de ao racionalismo, uma das manifestaçõesparticulares salientes do espírito francês; nãosão traços distintivos e fundamentais, liga-dos às mentalidades particulares dessespovos, tão diferenciados no interior do

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 118: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

118

círculo de uma mesma civilização, e pelosquais se pode facilmente reconhecê-los ecompreender-lhes as respectivas culturas,nos seus caracteres próprios, na resistên-cia a certas inovações, nos seus conflitosinternos e nas suas tendências?

Mas, se o conjunto desses traços, ele-mentos ou ideais que caracterizam e pelosquais se exprime a mentalidade de cada povo,penetra as diferentes culturas, imprimindo-lhes um cunho nacional e distinguindo-as,portanto, uma das outras, há elementos que,ao contrário, tendem a fundi-las, pelas ca-madas mais altas, e que se baseiam na expe-riência, na unidade fundamental ou nas con-quistas do espírito humano. Ao lado donacionalismo, o universalismo, como ten-dências diferentes e aparentemente opostas.As pesquisas, verdadeiramente fecundas,realizadas para a análise do “nacional” nacultura, isto é, dos traços e ideais que fazemprevalecer as diferenças sobre as semelhan-ças, devem ser, pois, acompanhadas da in-vestigação metódica do “universal”, dos tra-ços e tendências que fazem preponderar assemelhanças sobre as diferenças entre osgrupos sociais. Todas as culturas, por maisdiversas que sejam, magnificamente limita-das, quando atingem um alto nível nas suascriações, contribuem por esse modo, emproporções variáveis, para a civilização, emcuja estrutura inicial ou básica se misturam,no Ocidente, a idéia da missão e o sentidoda vida interior, herdados dos israelitas, oculto do pensamento puro que lhe veio dosgregos, e o sentido jurídico e político dosromanos. É exatamente em conseqüênciadessas diferenças específicas dos povos ede suas culturas, e, portanto, da diversida-de de tipos intelectuais que as sociedadesse esforçam por realizar e da variedade e ri-queza de suas contribuições originais, pro-veniente de todos os pontos do horizonte,que têm sido tão notáveis, em todos os seto-res, os progressos para a civilização univer-sal, constantemente enriquecida nas fontesmais diversas. Através de gerações sucessi-vas, em todos os povos e nas mais variadas

formas de civilizações, corre a civilização uni-versal como um rio milenar que se escondeàs vezes. para ressurgir depois, nos sumi-douros das idéias bárbaras; que se aperta nasgargantas ou se precipita nas cachoeiras, dasguerras e revoluções, mas se desenvolve,entre dificuldades e acidentes, alimentado poroutros rios mais ou menos densos, nascidosem fontes diversas, e que acrescentam a for-ça das concepções e das descobertas novasao volume regular do curso das águas.

Esse acervo ou resíduo de universali-dade, proveniente de todas as culturas na-cionais e que constitui o fundo comum, cadavez mais rico da civilização universal, nãoestá apenas ligado ao acréscimo incessantede conquistas e verdades adquiridas, mas àprópria natureza humana – agente da cultu-ra e matéria em que ela trabalha – e que, emessência, permanece idêntica através dostempos, sob a extrema variedade de seus ti-pos éticos e mentais. A capacidade de difu-são de certas tendências pelos povos maisdiferenciados, sob a pressão da vida e dascondições coletivas mostra a persistênciadesse fundo comum, tão pouco investiga-do, através da multiplicidade das formas decultura e de civilização. Não é, de fato, aidentidade fundamental do espírito huma-no que explica, por exemplo, as oscilaçõesperiódicas, em sociedades tão diferentes,entre os dois pólos do romantismo e doclassicismo, ligados à luta que existe no in-terior de todo o espírito, sempre que estejadotado de um fundo vital exuberante, e doqual, se nele triunfam a medida e a norma,nasce uma obra clássica tanto mais bela quan-to mais rebelde tenha sido a matériatrabalhada? Demais, se na variedade deformas de inteligência se encontram espíritosmais sensíveis às sugestões do ambiente,tocados do genius loci, que vivem ese inspiram do meio, para penetrá-loe compreendê-lo, ou procuram galvanizar asformas locais das culturas tradicionais, comoentre nós, Euclides da Cunha, na literatura,e Almeida Júnior, entre os pintores, outrosrevelam, como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 119: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

119

tendências mais universalistas, com seus“impulsos para horizontes ilimitados, paraas idéias gerais e as largas visões de con-junto. Mas, em todo o caso, nas própriasobras dos grandes criadores de valores, detradições e de tipos sociais e humanos, comoHomero e Virgílio, Dante e Shakespeare,Cervantes, Racine, Goethe ou Dostoiewski;nessas obras geniais que se diriam escritassob espécie aeternitatis e que valem na me-dida em que “aproximam o homem do tem-po do homem da eternidade”, não se ob-servam tão marcados, apesar da riqueza deseu conteúdo humano, os caracteres daépoca e do meio em que foram criadas, etão viva a luz das atmosferas, em que sebanharam, das mais diversas culturas?

VII

Essas duas correntes, igualmentesociais – a que se transpõe ao primeiro pla-no, na hierarquia dos valores, os fins na-cionais, e a outra, que nos leva a subordi-nar a estes ideais os fins humanos ou an-tes a harmonizá-los – , tão longe estão dese oporem, por sua natureza, que se com-pletam, na evolução do pensamento. Defato, no mundo contemporâneo, comoacentua Paul Fauconnet, “cada nação temo seu humanismo que se reconhece nofundo de seu próprio espírito”. Se há civi-lizações que nos impelem antes aohumanismo, seja o de fundo religioso, dassociedades cristãs, seja o da Renascença,pelo retorno à tradição antiga, o de inspi-ração romântica, como o que se inaugurouno século 19, em conseqüência das via-gens e explorações, ou de espírito racionale científico, da civilização atual, outras fa-zem triunfar na cultura os ideais nacionais,deslocando para estes o seu centro degravitação. Ao ideal que implica uma idéiade totalidade e de síntese e se opõe, por-tanto, à idéia de especialização e de parti-cularidade que se esforça por ultrapassar;a esse ideal que nos leva a ver os outros

homens entre nós e a reencontrar-nos ne-les, a considerar-nos “concidadãos de todoo homem que pensa”, segundo o famosoverso de Lamartine, ou cidadãos do mun-do, na velha aspiração de Sócrates, pode,portanto, ajuntar-se ou contrapor-se, con-forme os casos, sob a pressão das forçascoletivas, o ideal nacional que tende, nassuas formas agressivas, a sobrepor ao ho-mem o cidadão, a impelir a nação a alimen-tar-se de sua própria substância, recusan-do-se aos contatos e às trocas culturais, e aprocurar, dobrando-se sobre si mesma, acoesão interna e a homogeneidade dogrupo, num regime de autarquia e de isola-mento mantido pela exaltação do sentimentonacional. Foi o que se observou em algunspaíses, como entre outros, na Alemanha,na Itália e no Japão, com suas tendênciasfascistas, no período que mediou entre asduas guerras mundiais. A preponderânciado universalismo sobre o nacionalismo, oudeste sobre aquele, depende, pois, das for-ças de que, no momento dado, o ideal, o“social” dispõe, do impulso histórico queo dirige, do estado das instituições econô-micas e políticas no meio das quais opera,e da maneira porque são grupadas ou sedividem as correntes de pensamento e deopinião, em cada sociedade, numa épocadeterminada.

Mas, se, para a compreensão de proble-ma tão complexo; é preciso acompanhar ojogo dessas forças e instituições sociais, cujaação, lenta e constante, desprende pouco apouco no homem da natureza o homem dacidade, no homem da polis o cidadão, e nocidadão o homem universal, não é menosnecessário verificar em que condições sãopossíveis os fluxos e refluxos dessas duascorrentes, os movimentos de exaltação e de-pressão que sofrem o nacionalismo e ouniversalismo, no curso da história. Essesdiversos movimentos não tomam, aos nossosolhos, toda a sua importância real, a não serquando analisamos e conseguimos penetraras causas que os fizeram nascer ou lhesfavoreceram a propagação. A passagem do

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 120: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

120

cosmopolitismo ao ideal nacional, e donacionalismo ao ideal humanístico, liga-se a fatos e condições especiais, cujoestudo, retomado várias vezes, esperaainda resultados mais vastos, fundadosem análises mais profundas. Todos, noentanto, concordam em pensar que osmovimentos de idéias e os modos decomunicação que evoluíram paralelamenteem função uns dos outros; o surto de dou-trinas e de religiões, de tendênciasuniversalistas, como o cristianismo, tãovigorosamente impelido pelo espíritoecumênico ou de catolicidade; a misturade raças e de culturas; a difusão das idéiasdemocráticas e do racionalismo científicoe tecnológico, são outros tantos fatos queconcorreram para o desenvolvimento dohumanismo, de fundamentos diversos énos aspectos sucessivos que, nele, histo-ricamente se podem distinguir. Para osque não compreendem a vida e o poderdas idéias e não sabem acompanharsua repercussão sobre os fenômenoseconômicos e políticos e a influência des-tes sobre as idéias, não será fácil a apre-ciação, no seu conjunto, dos esforços edas obras próprias a assegurar o acordoe a harmonia entre os homens, e dos meiospróprios a preparar o homem para rece-ber essas obras e conquistas do espíritohumano. Pode bem ser que as idéiasdependam das necessidades e de suasatisfação, mas nem por isso elas existemmenos; e essas forças, ora refreadas oraem sua livre expansão, não é possívelignorá-las.

Nas rotas de migrações em que ospovos são estimulados pelo intercâmbiode mercadorias como de conhecimentos,abrem-se e alargam-se perspectivas para ocosmopolitismo, pela interpenetração deraças e de raças de cultura e, portanto, peladifusão de idéias. O intercâmbio e a mis-tura de padrões culturais na antiguidademediterrânea, em que se acenderam, emAtenas e em Roma, os focos de duas gran-des tradições literárias; a expansão do cris-

tianismo, cujas universidades na idademédia, destinadas a todos os europeus, flo-resceram sob a proteção da Igreja, que nãoconhecia fronteiras; a emigração para aItália, dos sábios bizantinos, depois datomada de sua capital pelas hordas turcas;o movimento da Renascença, em que oespírito ocidental se achegou, para reno-var-se, às fontes da cultura antiga que pre-tendeu rejuvenescer; as viagens de explo-radores e naturalistas no século 19; o êxodode sábios, pensadores e artistas, acossadosde seus países, pelas guerras e revoluções,e que encontraram, em nações, como oMéxico e os Estados Unidos, não só refú-gio mas as condições favoráveis a seus tra-balhos e pesquisas; as missões científicase técnicas que cruzam os ares e os oceanosem todas as direções, para levarem a ou-tros povos seu espírito e seus métodos, mos-tram como sempre foram fecundas para ohumanismo as migrações, o intercâmbiocomercial, os contatos e a difusão de cul-turas diferentes, a circulação de estrangei-ros ilustres e o saber que disseminararn,estimulando, como o antagonismo de ten-dências rivais, a vitalidade de outros povose provocando suas reações criadoras. Emrazão mesmo dessa intensificação da vidainternacional que reside à base dohumanismo e lhe favorece a expansão, podeacontecer também, como já se observouentre 1918 e 1939, que as nações, ao invésde se abrirem às trocas econômicas e cultu-rais, se esforcem, ao contrário, por concen-trar-se sobre si mesma, a fim de melhorse, afirmarem em sua independência eoriginalidade. Na crise pela qual passou acultura individualista e de que o misticis-mo e o nacionalismo foram a duplamanifestação, o Fausto moderno procuroua alma mediável no “messianismo” daspátrias. Mas, se com a criação das ideolo-gias nacionais, a explosão dos nacionalis-mos abalou tão profundamente vários paí-ses, em dois continentes, não chegou a atin-gir senão superficialmente, e através de re-sistências pertinazes, os povos americanos.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 121: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

121

Em nosso país, como nos Estados Unidos,a formação secular do povo, à base de umaconstante miscigenação, de raças e de cul-turas, o processo de democratização socialque daí resultou, e o “sentido nacional”do brasileiro que se formou, em conseqüên-cia, como observa Gilberto Freyre, “tempe-rado por uma simpatia tão larga pelo es-trangeiro que importa em universalismo”,constituíam um sistema de garantias con-tra a irrupção e a preponderância do nacio-nalismo exagerado sobre as tradiçõestendenciais universalistas.

VIII

Em conseqüência das descobertas ci-entíficas e das invenções, como das vitóri-as dos democráticos, parece-me que essastendências já se acentuam por toda parte ese inaugura uma nova época de humanismoem que tudo conspira para fazer desabro-charem, na cultura, as idéias e crençasuniversais. As transformações que ocorre-ram, no tempo de nossa geração, como oautomóvel, o cinema, a aviação, e o rádio e,mais recentemente, a utilização industrialda energia intra-atômica, de aplicações difí-ceis de prever, e que importam num mara-vilhoso progresso das técnicas de transportee de comunicação de idéias, tenderão a en-curtar cada vez mais as distâncias, aproxi-mando povos e culturas, e alargando o ca-minho à civilização universal. O livro, ocinema, o rádio e a televisão propagam decada país e por todas a parte todas essasinquietações e angústias, alegrias e esperan-ças, às quais sábios e artistas, escritores epolíticos, emprestam uma voz para as faze-rem concorrer à transmissão e à conserva-ção do que constitui em nós a humanidade.O que se afigurava pura utopia, como aformação de um sistema de segurança in-ternacional, uma moeda comum de cursogeral na América ou mesmo em todos ospaíses, uma língua universal, já passou doreino das quimeras para o das cogitações

graves nos conselhos dos povos que concorremou aspiram a contribuir eficazmente, numregime de liberdade e de justiça social, para areedificação da cultura democrática.

Nunca, em qualquer época da história,se adquiriu consciência tão viva da série deprogressos tanto materiais como morais eintelectuais, realizados pela humanidade noseu conjunto, num sentimento tão profun-do do alcance de todas essas transformaçõestécnicas e econômicas que, modificando amentalidade, prepararam uma nova concep-ção de vida e de cultura, criam novos valo-res sociais e instalam por todos os países,apesar das diferenças, e oposições, novasformas de convivência humana. E se à basedesse novo humanismo reside a ciência, nãoserá somente pelo prestígio de suas desco-bertas, e pela esperança de descobertas maisaltas, nem somente porque, tendendo cadavez mais à especialização, faz por isso mes-mo realçar a necessidade e desenvolver oespírito de cooperação. É sobretudo por sero espírito científico um método geral de pen-samento, de cuja difusão e vitória se podeesperar essa união dos espíritos que dobrao poder de uma nação e alarga cada vezmais o campo da civilização universal: “Pormais diferentes quanto a doutrinas e crençasque possam ser homens vindos de todos ospontos do horizonte intelectual, a aceitaçãodessa mesma disciplina do espírito, escreveFrancisque Vial, forma, de fato, um terrenosólido de verdades adquiridas sobre o qualpodem encontrar-se e pôr-se de acordo”.

Seja qual for o ponto de vista em quenos colocamos para apreciá-las, não é pos-sível desconhecer a importância e a difusãodessas tendências positivas da nova era queacharam a fórmula precisa e corrente no es-pírito científico, nos seus métodos e nassuas verdades fundamentais. É por isso que,para um filósofo como Léon Brunschvicz,o problema do humanismo não se pode nãosomente resolver mas nem mesmo pôr, a nãoser que comecemos por meditar longamentea herança de sinceridade, de precisão e deprofundidade que o feliz esforço da ciência

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 122: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

122

conquistou para nossos filhos. Para aqueles,porém, que, julgando não cultivar a ciên-cia, senão o espírito de análise que a pro-duz, não esperam possa ela constituir umaarmadura ideal, própria a sustentar uma sín-tese orgânica do pensamento; para aquelesque entendem, apoiados na idéia deFrobenius, que, tendo passado, no cursodos séculos, da emoção e da participação,ao conhecimento e ao espetáculo, convémao homem, se ele quer compreender-se a simesmo, fazer o caminho inverso, do pen-samento para a emoção, da análise para aintuição, a aproximação de círculos de ci-vilizações tão diversas, como o africano, oasiático e o europeu, poderá abrir, com asoportunidades de contatos mais íntimos deculturas, relativamente assimiláveis, umlargo campo de observações, capazes de nosdarem respostas a essas e outras questões.É possível, com efeito, perguntar se a hu-manidade, no ocidente, não padece de umabuso de análise de um respeito exageradodas idéias claras, e em que medida, umacivilização, como a oriental, tão rica de sen-tido poético e religioso da vida e que entre-viu a ação de forças obscuras de que perde-mos o segredo, poderá modificar a mentali-dade racionalista e positiva do ocidenteou transformar-se sob suas poderosasinfluências. Pela primeira no mundo se põea um tempo, e em todos os continentes, oproblema do contato e do conflito dessasduas grandes civilizações, de natureza, vi-talidade e atividade muito diferentes, quetêm de reagir fortemente uma sobre a outra,quando postas em presença ou misturadaspela conquista, pelo desenvolvimento docomércio e das técnicas ou mesmo simples-mente pela difusão dos meios mais moder-nos de expressão e de comunicação deidéias. Talvez o homem de nosso tempo,“sorvendo na sua própria fonte as inspira-ções originais do espírito ocidental”, venhaa tentar o esforço de lhes renovar o poder,combinando-as ao fogo do pensamento, coma vasta matéria fornecida pela experiênciaoriental.

IX

Mas, a todos esses problemas de conta-tos e aproximações internacionais, de trocase relações entre tipos de civilização, nenhu-ma instituição pode ser mais sensível do queeste Ministério, em que a idéia de coopera-ção é erigida em sistema e uma de cujas fun-ções é exatamente a de ativar a colaboraçãointernacional, em todos os domínios, e favo-recer, por esta forma, a mútua compreensãodos povos. Pela natureza de vossas ativida-des que vos obrigam a contatos diretos e fre-qüentes com as realidades estrangeiras e aconfrontos das mais diversas experiências,estais, de fato, em condições especiais paraapreciar melhor o papel considerável do ele-mento internacional na cultura das elites enas instituições do ensino superior, como ovosso Instituto, de criação ainda recente;apreender, com mais segurança, através dediferenças profundas, a vida comum dahumanidade, que nunca foi mais rica, maisintensa, mais solidária do que em nossos tem-pos; observar se as grandes correnteshistóricas do leste para o oeste retomaramsua marcha, deslocando, como já parece aalguns, da Europa para a América, o centrode cultura ocidental, e seguir o pensamentohumano através de suas formas e evoluções,marcar-lhes as partes caducas e a ascensãoprogressiva para maior clareza, amplitude ecompreensão. Por mais viva, porém, que sejaa sensibilidade de vossas antenas para captaratravés do contingente o universal e o sentidoda nova civilização, é no amor de nossafamília particular – fração ponderável e, paranós, a mais querida da grande família humana– que continuarão a alimentar-se as nossasenergias e a procurar inspirações nas nossasatividades. A palavra grega que ainda reper-cute em nossos ouvidos, quando nos inter-rogamos sobre nossos deveres sociais – “omais seguro dos oráculos é defender sua pá-tria” – , sempre se juntou à voz da Américae à do mundo para orientarem nossosembaixadores e ministros, como o Barão doRio-Branco, em quem tão intimamente

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 123: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

123

andavam associadas a idéia da universali-dade que lhe ditou os princípios gerais e osmétodos e o sentimento profundamentenacional que o levou a aplicá-los em defesade nosso país, na solução pacífica de seusproblemas de fronteiras. Bela e fecunda, naverdade, quase sem desmaios, é a lição se-cular que se desprende da vida, das ativida-des e do espírito tradicional desta casa, peloseu respeito à razão e pelo seu culto da

justiça e do direito, de que foi o intérpretemais completo esse admirável homem deEstado, cujo descortínio, na frase de Euclidesda Cunha, “depois de engrandecer-nos noespaço, engrandeceu-nos no tempo”; que fezda decisão arbitral uma religião e cujo amorao Brasil se alargava para esse ideal humanoque, nas suas próprias palavras, não era “oda formação de dois mundos rivais, mas deum só mundo unido”.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 109-123, jan./abr. 2005.

Page 124: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 125: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

125

I – Introdução

Otema da presente exposição correspondia a uma necessidade teórica definida, que deixou de existir com a alteração da estrutura, do espírito e dos finsdo primitivo planejamento deste symposium. Nele, o que prevalecia era a

intenção de examinar como se poderia explorar construtivamente, no Brasil, os recur-sos postos a serviço da educação pela ciência ou pela pedagogia baseada no conheci-mento científico. O diagnóstico da situação educacional brasileira constituía um pontode referência indispensável, tanto para a avaliação da viabilidade das soluções quantopara a apreciação do tipo de colaboração a ser prestada pelos cientistas sociais.

No plano definitivo, porém, o diagnóstico da situação educacional brasileira foi con-sagrado como eixo do symposium. Em conseqüência desse deslocamento de ênfase, o temaque nos havíamos proposto ficou um tanto fora de lugar e excessivo no contexto geral.Isso nos levou a encará-lo de outro modo, que permitisse redefini-lo em termos dos pro-blemas que se tornaram substantivos.

A ciência aplicada e a educação como fatoresde mudança cultural provocada*

Florestan Fernandes(São Paulo-SP, 1920 – São Paulo-SP, 1995)

* Trabalho apresentado noSimpósio de Problemas Educa-cionais, realizado no Centro Re-gional de Pesquisas Educacio-nais de São Paulo, em setembrode 1959. Publicado original-mente na RBEP v. 32, n. 75, jul./set. 1959, p. 28-78.

1ª PARTE

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 126: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

126

Embora as noções de “ciência aplicada”e de “educação” sejam de uso corrente e ade “mudança cultural provocada” seja fa-cilmente inteligível, pareceu-nos prudenteexaminá-las à luz de algumas implicações,fundamentais do ponto de vista sociológico.Quanto às considerações de ordem teórica,limitamo-nos a apontar em que sentido a“ciência aplicada” e a “educação” podemser descritas como fatores de “mudançacultural provocada”. Por fim, demos a maioratenção possível à situação educacionalbrasileira, com o duplo objetivo de assina-lar a influência exercida pela educação como“fator de mudança” e de estabelecer polari-zações práticas suscetíveis de orientar,especificamente, o aproveitamento dacolaboração dos cientistas sociais nesta área.

II – “Ciência Aplicada”,“Educação” e “Mudança

Cultural Provocada”

Essas três noções possuem importân-cia capital para a inteligência e a discussãodo nosso tema. Todas elas são de uso cor-rente na linguagem dos educadores contem-porâneos. Mesmo a noção mais complexa,de mudança cultural provocada, encontroualguma voga no pensamento pedagógico sis-temático, especialmente depois que as refle-xões sobre a dinâmica da educação na civili-zação industrial foram associadas aos requi-sitos e aos fins do planejamento das ativida-des educacionais. Pelo que nos ensina a ex-periência, entretanto, isso não contribuiupara introduzir maior homogeneidade naconceituação desses termos. Ao contrário,apenas consagrou ambigüidades a que nosacostumamos, devido à exploração delescomo “noções-chaves” em diferentescontextos de pensamento.

É certo que a presente discussão estálonge de exigir precisão conceitual rigorosa.Contudo, ela requer uma espécie deprocedimento operacional que permitapôr em evidência as implicações ou os

pressupostos que darão sentido à manipu-lação desses termos pelo autor. Assim, anoção de “ciência aplicada” formou-se numaera em que as ciências sociais ainda esta-vam em emergência e na qual a concepçãoliberal do mundo restringia os interesses doscientistas na esfera da prática. Doutro lado,a “educação” e a “mudança cultural” serãovistas, nesta exposição, através das relaçõesde ambas com a “ciência aplicada”, ou seja,como técnicas racionais de controle basea-das no conhecimento cientifico. Não seriamelhor tornar explícitos os argumentos deimportância central, no sistema de referên-cia imposto pela discussão sociológica dotema?

A concepção corrente de ciência apli-cada é estreita e antiquada, pois dá demasia-da proeminência a critérios tecnológicos emdetrimento dos critérios propriamente ex-perimentais do pensamento científico. Elafoi construída ao longo do desenvolvimen-to das ciências naturais e em resposta àsexigências práticas da primeira revoluçãoindustrial. Daí suas limitações. De um lado,o modelo de conhecimento com que ope-ram aquelas ciências prescinde da aplica-ção como critério regular de descoberta daverdade e de prova. Elas puderam conhecerrápido progresso teórico sem que se inclu-íssem as atividades relacionadas com a apli-cação entre as fases do trabalho científicopropriamente dito. É certo que vários pro-blemas surgidos na esfera da aplicação de-ram margem a investigações que produzi-ram resultados teóricos revolucionários.Conseqüências desta ordem não chegarama alterar, no entanto, nem a organização dotrabalho científico nem a tendência a isolara “pesquisa fundamental” da “aplicação”.Doutro lado, como Mannheim demonstroucom grande penetração, o tipo de reflexãoque orientou, praticamente, a exploração dasdescobertas científicas obedeceu ao modelodo “pensamento inventivo”, particularmenteinfluente na era de mudança culturalassociada à primeira revolução industrial.A capacidade criadora dessa modalidade de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 127: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

127

pensamento é óbvia. Contudo, graças ao jogode duas influências intelectuais diversas,ela acabou adquirindo caráter e fins técnicos.Primeiro, o pensamento inventivo foiaproveitado, extensamente, em setoresque permitiam concentrar as energiasintelectuais na solução de um problemaprático particular (ou de um grupo deter-minado de problemas práticos), com baseem conhecimentos e em meios de controlejá descobertos. Com isso, o problema trans-formava-se numa unidade autônoma e iso-lada de trabalho que erguia desafios à inte-ligência, mas na área da análise dos meiosde controle e da produção original de co-nhecimentos com eles relacionados. Segun-do, o critério experimental de prova pas-sou a ser o sucesso alcançado na combina-ção de conhecimentos e de meios disponí-veis na produção de um bem cultural novo,cuja forma, estrutura e utilidade só ao “in-ventor” seria capaz de representar-se previ-amente. Em outras palavras, como regra, opensamento inventivo (como ele foi carac-terizado aqui) não precisava preocupar-secom o progresso teórico do conhecimentocientífico, cabendo-lhe a tarefa específica delidar com ele praticamente.

Pondo de lado outros aspectos daquestão, isso indica que a concepção deciência aplicada, ainda hoje dominante, élargamente pré e anticientífica. Ela é pré-científica porque mantém, de modo dis-farçado, o divórcio entre “teoria” e“aplicação”, herdado do conhecimentoespeculativo. Ela é anticientífica porqueexclui, também de maneira disfarçada, fa-ses legítimas e necessárias do trabalho ci-entífico da órbita nuclear do pensamentocientífico. Além disso, semelhante concep-ção de ciência aplicada traduz a existênciade grave anomalia na civilização moderna,pois implica duas coisas:

1ª) que os especialistas mais devotadosaos valores da ciência (os “cientis-tas”, que trabalham no campo dapesquisa fundamental) tendam a

desinteressar-se do destino práticode suas descobertas;

2ª) que os especialistas mais dedicadosao aproveitamento prático dos co-nhecimentos científicos (os “técni-cos” e “inventores”, que trabalhamno campo da tecnologia científica)tendam a negligenciar, de forma na-turalmente variável, os alvos intelec-tuais e as obrigações morais que de-vem orientar as atividades doshomens de ciência.

A anomalia não está tanto na divergên-cia dos centros de interesse, a qual poderiaser corrigida pela própria evolução do pen-samento científico. Ela reside, especialmen-te, nas zonas de fricção e de conflitos,fomentadas pela expansão livre e com fre-qüência extracientífica do setor tecnológico.

A preservação dessa concepção de ci-ência aplicada encontrou forte apoio na éti-ca liberal, que chegou a exercer profundasinfluências na elaboração da parte pragmá-tica da teoria da ciência, defendida por au-toridades como Stuart Mill, Whewell,Jevons, Pearson, Claude Bernard, Mach, etc.,no passado, ou como Heisenberg,Eddington, Jeans, Reichenbach, etc., nopresente. Todavia, em todos os campos daciência tende a aumentar a insatisfação pro-duzida por suas limitações e inconsistênci-as. Embora não possamos discutir, nomomento, essa questão a fundo, pensamosque é indispensável, pelo menos, indicaros principais focos de renovação de nossaconcepção de ciência aplicada.

Está fora de dúvida que a antiga con-cepção de ciência aplicada possui uma in-consistência visceral: ela não decorre daprópria natureza do ponto de vista científico.Antes, corresponde, claramente, à maneirapela qual os cientistas (ou os siste-matizadores da teoria da investigaçãocientífica) tentaram definir as funções da ci-ência no mundo em que viviam. Por isso,muitas questões cruciais foram equacionadase resolvidas através de idéias e valores de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 128: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

128

procedência extracientífica. A própriaciência, por volta dos séculos 18 e 19, nãohavia passado por um desenvolvimentoinstitucional que oferecesse uma imagemcompleta dos requisitos pragmáticos do pon-to de vista científico e da variedade de pa-péis sociais, legitimamente atribuíveis aoshomens de ciência. Isso quer dizer que arevolução intelectual resultante do adven-to da ciência não afetou de modo homogê-neo e simultâneo todas as esferas do pen-samento científico. Durante certo tempo,apenas as atitudes essenciais à conduçãodas investigações e à exploração sistemáti-ca de seus resultados teóricos foram objetode análise racional e de codificação. Na áreaem que se colocavam os problemas relati-vos a “o que fazer?” com as descobertas ci-entíficas, prevaleceram critérios pré-cientí-ficos de avaliação e de julgamento. Em con-seqüência, os próprios cientistas acabaramdefinindo seus papéis sociais e as funçõessocioculturais da ciência em termos da con-cepção do mundo dominante na sociedadea que pertenciam. Esse processo teve im-portância prática reconhecível, pois deuorigem a avaliações da ciência acessíveis aosargumentos do “senso comum” e facilitoua integração dela no sistema civilizatório dassociedades européias modernas. Mas intro-duziu, no universo de valores especiais docientista, imensa ganga intelectual que iriaprejudicar e até retardar a evolução orgâni-ca do pensamento científico.

O reconhecimento dessa inconsistên-cia e de seus fundamentos intelectuais cons-titui uma conquista recente do pensamen-to científico hodierno. Ela se revela, predo-minantemente, através de argumentos par-ciais e às vezes confusos sobre as implica-ções supracientíficas da teoria da ciência,que herdamos do século 19. Contudo, taisargumentos têm a vantagem de envolver umnovo estilo de reflexão sobre os problemaspráticos da ciência. Procura-se responder àquestão de “o que fazer?” com os conheci-mentos científicos, mediante a assimilaçãodo raciocínio pragmático aos procedimentos

intelectuais empregados pela ciência. É ca-racterístico desse estilo de reflexão:

1°) a tendência a basear a nova concep-ção de ciência aplicada em princípi-os e em valores coerentes com oponto de vista científico;

2°) a tendência a incluir, explicitamen-te, no horizonte intelectual do cien-tista, a teia de interações e de influ-ências mútuas da ciência com a so-ciedade;

3°) uma visão mais complexa da “res-ponsabilidade científica”, a qualacrescenta à antiga concepção de queo cientista precisa de votar-se aoprogresso teórico de seu ramo deatividades a convicção de que lhecompete, como obrigação essencial,desempenhar papéis construtivos naexploração prática das descobertascientíficas.

Desse modo, a noção emergente deciência aplicada tenta responder, ao mesmotempo, à necessidade de converter esse se-tor do conhecimento em parte orgânica dopensamento científico e ao dilema moral aque foram expostos os cientistas, com a perdade controle sobre o destino dado aos pro-dutos do seu labor intelectual.

A transformação da antiga concepção deciência aplicada é parte de um processo maisamplo de reconstrução de todo o universocientífico. Por isso, ela pode ser descrita atra-vés de propriedades marcadamente distin-tas, conforme a perspectiva de que se enca-re o referido processo. A formação e o de-senvolvimento das ciências sociais represen-tam, seguramente, a mudança mais profun-da que afetou o universo científico em nos-sa era. Esse evento revolucionou a teoria daciência, que o tornou possível. O ponto devista científico foi estendido à observação eà explicação de fenômenos cuja ordem in-terna só podia ser abstraída, caracterizada einterpretada mediante a construção de sis-temas lógicos de referência de tipo “aberto”

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 129: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

129

e “descontínuo”. A principal conseqüên-cia dessa extensão do ponto de vista cientí-fico, para a ciência aplicada, evidencia-sena inserção da aplicação nos limites do pro-cesso de investigação científica. O conheci-do exemplo de como Freud chegou à expli-cação da histeria ilustra bem esse fato.O tratamento clínico ofereceu-lhe meios paraidentificar as falhas das explicações anteri-ores, para coligir os dados indispensáveisà formulação de hipóteses mais consisten-tes e para comprovar a validade da explica-ção assim descoberta. O que importa res-saltar é que a relação entre a teoria e a apli-cação se modificou, simultaneamente, emdois planos diferentes. De um lado, a apli-cação deixou de ser mero processo técnico.Ela adquiriu significação precisa, como fontede verificação de conceitos, de hipóteses ede explicações, com base na observação am-parada pela experiência. De outro lado, emvirtude da natureza do conhecimento teóri-co concernente a fenômenos que se passamem sistemas abertos e descontínuos, a pre-visão deixou de ser simples função do al-cance da teoria. O conhecimento teórico queexplica as condições de produção de umfenômeno, com referência a um sistemaunívoco e fechado, também explica as con-dições de sua alteração, o que lhe confereenorme eficácia prática. O mesmo não sedá, em regra, com a espécie de conhecimen-to teórico com que lidam, predominante-mente, os cientistas sociais. A previsão as-segurada por esta espécie de teoria dá fun-damento objetivo à escolha inteligente dosfins e dos meios, mas é insuficiente paraconduzir todas as operações impostas pelaaplicação. A influência dinâmica do pro-cesso técnico que ela acarreta depende detantas variáveis que se torna impraticávelpredeterminar os efeitos de dada interven-ção sem reajustar-se o conhecimento teóricoinicial às sucessivas alterações introduzidaspor ela nas condições de produção dofenômeno. Neste caso, pois, a aplicação re-quer a previsão proporcionada pela teoriamais o conhecimento objetivo dos efeitos

provocados concretamente pelas tentativasde intervenção. Tal conhecimento precisa serobtido, naturalmente, pela observação e pelainterpretação, mediante recurso sistemáticoaos procedimentos usuais de investigaçãocientífica dos fenômenos ocorridos nas si-tuações submetidas a controle racional. Poraí se vê que as ciências sociais suscitaramuma compreensão mais complexa da impor-tância da aplicação no pensamento científico,bem como das relações de interdependênciaque se podem estabelecer entre ela, a teoriae a pesquisa fundamental.

O universo da ciência foi convulsiona-do, em nossa época, por outra ocorrênciadramática. Trata-se da fissão do núcleo e dasperspectivas que o domínio da energia nu-clear abre ao controle da natureza pelo ho-mem. Essa ocorrência refletiu-se de váriasmaneiras na área do pensamento científico,que nos interessa aqui. É sabido que ela deuorigem a campos de alta especialização, nosquais só os cientistas mais competentes po-dem assegurar o sucesso de planos práti-cos. Mas, acima de tudo, cumpre atentar paraas repercussões dela no horizonte intelec-tual dos homens de ciência. Essa ocorrên-cia abalou-os a ponto de compeli-los a re-voltarem-se contra as atitudes conformistase alienatórias inculcadas pela educação ci-entífica liberal. O pólo positivo da rebeliãoestá na revisão da “ética científica”, atual-mente definida por obrigações que dizemrespeito, particularmente, à participação ati-va dos cientistas no controle das aplicaçõesde suas descobertas. Como escreve o quí-mico norte-americano F. Daniels, “já passoua era da irresponsabilidade do cientista, di-ante das conseqüências de seu trabalho”.Atrás dessas impulsões críticas ocultam-seinsatisfações provocadas pelas tendências deprofissionalização das atividades científicas,quase sempre em torno de posições maisou menos desprovidas de prestígio social.Por isso, elas são mais significativas do queparecem. Elas estimulam os cientistas a acei-tar técnicas, idéias e valores consagrados emoutros grupos profissionais, especialmente

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 130: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

130

na esfera da luta impessoal pela parcela depoder de que necessitam, para enfrentaremas obrigações inerentes a seus papéissociais. Em resumo, as novas polarizaçõesideológicas dominantes nos círculos cien-tíficos encontram pleno apoio na presentecondição profissional dos cientistas. Comoresultado dessa situação, há uma disposiçãomais realista de espírito, na avaliação dasespecialidades relacionadas com a ciênciaaplicada. O reconhecimento da utilidadeespecífica que elas possuem para oprogresso geral da ciência ou para os inte-resses fundamentais dos cientistas estáarruinando as prevenções que rebaixavamsua dignidade intelectual.

Por fim, a ciência contribuiu para criarum mundo no qual suas funções são cadavez mais vitais e complexas. Em conseqüên-cia, modificaram-se as relações dela com obem-estar e a segurança das coletividadeshumanas. A chamada segunda revoluçãoindustrial traduz, claramente, esse fato, quedemonstra ser essencial, em nossa era, omodo de utilizar os conhecimentos propor-cionados pela ciência. Qualquer que seja osetor que examinemos – da física àsociologia –, o progresso científico é contadopela capacidade das nações em mobilizar,organizadamente, seus recursos em benefí-cio da posição delas na estrutura internaci-onal de poder. O hiato entre o saber cientí-fico e o proceder prático tende a desaparecer,sob o modelo da ação planificada.Reconhecidamente ou não, o planejamentotornou-se o símbolo organizatório da civili-zação produzida pela ciência. Limitando-nos ao que nos interessa, parece claro quea era do planejamento, dando primazia aoconhecimento das técnicas de controle ra-cional das situações, concede primazia à fasede exploração prática das descobertas cien-tíficas. A teoria tornou-se, sob muitosaspectos, instrumental, prevalecendo o ob-jetivo de convertê-la de “saber sobre algu-ma coisa” em “saber para alguma coisa”.Tal transformação teve seus inconvenientes,principalmente onde subordinou a

pesquisa fundamental a interesses utilitários.Mas teve o mérito de restabelecer a impor-tância de um dos móveis básicos da ciência,que quase chegou a submergir sob a influ-ência anacrônica de modelos pré-científicosde raciocínio: a conquista de poder sobre anatureza ou o ambiente nela produzido pelaatividade humana. Deste ângulo, os desen-volvimentos do pensamento moderno sãoconstrutivos. Eles conduzem a retificaçõesque dão à ciência aplicada o papel que eladeve ter na civilização científica. Além dis-so, lançam as bases para uma teoria integralda ciência, na qual a pesquisa, a teoriae a aplicação aparecem como fases inter-dependentes de um complicado processo depercepção, explicação e alteração darealidade.

O conceito de educação prescinde dequalquer clarificação. Existe um consensomínimo substancial entre educadores ecientistas sociais sobre o que ela significa,tanto para a organização da experiência eo desenvolvimento da personalidadequanto para a sobrevivência e o funciona-mento normal das coletividades humanas.Todavia, é preciso reconhecer que esse en-tendimento resulta de um clima de idéiasque exerce limitada influência na vidaprática. Em menor ou maior escala, as prá-ticas educacionais ainda se subordinam,mesmo nos países em que a civilizaçãocientífica alcançou florescimento extremo,a técnicas, a normas e a valores obsoletos.A concepção básica de educação sistemá-tica, que inspira e dá sentido a essas prá-ticas educacionais, constitui a expressãode uma experiência válida para o passa-do, para épocas nas quais as escolas con-corriam muito pouco para a socializaçãoda personalidade ou a preparação para avida. Aqui, portanto, a revolução que seoperou na mentalidade média dos educa-dores e dos cientistas sociais permanececonfinada e inoperante.

Por isso, o que deve atrair nossa aten-ção é o caminho a seguir para vencer asforças de inércia e de conservantismo

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 131: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

131

socioculturais. Adaptar a educação aosrecursos fornecidos pela ciência e àsexigências da civilização científica represen-ta a tarefa de maior urgência e gravidadecom que se defrontam os educadores e oscientistas sociais no presente. Essa tarefanão é tão simples, quando passamos daesfera da teoria para a da aplicação. Alémdos obstáculos opostos às inovações neces-sárias, pelo jogo dos interesses sociais oupela estrutura rígida do sistema de institui-ções educacionais, convém considerar as di-ficuldades erguidas pela inexistência deuma perspectiva comum na escolha dos finse dos meios das atividades educacionais.Uma disciplina de síntese, na qual a pes-quisa fundamental e a teoria fossem explo-radas, sistematicamente, na análise dos pro-blemas educacionais e dos modos deresolvê-los, poderia contribuir, poderosa-mente, para a formação desse horizonte in-telectual comum. Acontece, porém, que apreparação científica dos educadores se res-sente de seu caráter predominantemente “in-formativo” e “livresco”. Em regra, falta-lhesdomínio autêntico do ponto de vista cientí-fico. Doutro lado, a experiência dos cien-tistas sociais na área da educação nasce doscentros de interesses impostos por eventu-ais investigações sobre as condições e osefeitos psicossociais ou socioculturais dasatividades educacionais. Ao contrário doeducador, sua capacidade de situar os pro-blemas educacionais em ângulos práticos émuito pobre. Em conseqüência, a discipli-na de síntese, que o educador aprovaria,daria proeminência a modelos pré-científicosde aproveitamento do raciocínio prático edas descobertas da ciência. Tentativas dotipo da que Kilpatrik empreendeu, de cons-truir uma “filosofia da educação” fundadanos dados da ciência, ilustram razoavelmen-te essa afirmação. Os cientistas sociais, porsua vez, dariam seu apoio a disciplinas desíntese nas quais prevalecessem o ponto devista de suas especialidades científicas e asistematização teórica. Nem mesmo um so-ciólogo da envergadura de Mannheim

escapou a esse vírus, igualmente presentenas orientações de psicólogos, economistase cientistas políticos.

O problema central que se coloca con-siste naturalmente em descobrir meios paraajustar nossa capacidade de intervenção,na esfera da educação, aos recursos forne-cidos pelo conhecimento científico e aosrequisitos ou às exigências da vidamoderna. A síntese teria de corresponder,obviamente, a questões de ordem prática,equacionadas à base de cooperação inter-disciplinar. Aqui se evidencia a fecun-didade da nova concepção de ciênciaaplicada. Ela é que subministra, de fato, oponto de vista que torna possível a fusãode perspectivas e centros de interesses, apa-rentemente exclusivos. Primeiro, situandoos problemas em um nível de maior com-plexidade, oferece fundamento objetivo àreintegração de conhecimentos e de estilosde pensamento no plano em que a práticarequer consciência racional da situação eplena inteligência dos fins, dos meios e daspossibilidades de combiná-los, frutifera-mente, em dadas condições de alteração darealidade. Segundo, localiza e delimita acontribuição específica do educador, esti-mulando-o a propor alvos que só podemser definidos através de raciocínio pragmá-tico puro: os fins ideais, que não se reali-zam, parcial ou totalmente, nas condiçõesreais de organização e de funcionamentodo sistema educacional considerado.Terceiro, projeta a contribuição do cientistaem um contexto no qual o raciocínio teó-rico pode ser associado, de forma positiva,ao raciocínio pragmático: mediante a análi-se dos efeitos presumíveis da intervençãoracional, tendo em vista a eficácia dos meiosde controle disponíveis, as tendências dereintegração inerentes às condições reais deorganização e de funcionamento do siste-ma educacional considerado e o grau decongruência dos fins ideais propostos comas referidas tendências dinâmicas.

Essa discussão também sugere osentido em que se deve entender a noção

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 132: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

132

de “mudança cultural provocada”. Nãobasta a referência ao conteúdo intencionalpara caracterizar a inovação cultural,que cai nessa categoria. Os estudospsicológicos e etnológicos sobre as basesperceptivas e cognitivas da dinâmica cul-tural indicam que, sob esse aspecto, asinovações culturais resultam, com fre-qüência, da atividade intencional dosagentes humanos. O que distingue a mu-dança cultural provocada da mudançacultural espontânea, portanto, não é oconteúdo intencional dos processos queas produzem, mas a maneira pela qual eleé elaborado. Assim, na primeira espéciede mudança, o conteúdo intencional ade-re a um horizonte cultural que confere aosagentes humanos a possibilidade de es-colher fins alternativos ou exclusivos ede pô-los em prática através de meios queassegurem, no mínimo, controle racionaldo desencadeamento e das principais fa-ses do processo. Em outras palavras, issoquer dizer que o horizonte cultural emquestão permite basear a escolha dos finse dos meios na desirabilidade de certosefeitos, cuja relação com determinadas ne-cessidades pode ser posta em evidênciaantes deles serem produzidos e cuja pro-dução pode ser prevista, regulada edirigida pelos agentes humanos.

A moderna civilização científica etecnológica constitui, na história da evo-lução humana, o exemplo mais completodo domínio desse tipo de horizontecultural do homem. A ciência aplicada e aeducação nela operam como polarizadoresde tendências dinâmicas. A ciência apli-cada, como fonte de conhecimentos e detécnicas de exploração prática imediata nasolução de problemas novos; a educação,como mecanismo de preservação ou dedifusão de tais conhecimentos e técnicasou, principalmente, como influênciaformativa do horizonte cultural, que fez damudança provocada um recurso adaptativoessencial da civilização científica etecnológica.

III – A ciência aplicada e aeducação como fatores de

mudança cultural provocada

A tendência a conceber a solução deproblemas práticos como uma questão abs-trata, como se a eficácia das atividades hu-manas apenas dependesse do domínio in-telectual dos fins e dos meios, ainda hojeprevalece nos diferentes círculos dos“homens de ação”. Em esferas como as daciência aplicada e da educação, nas quais seimpõe o recurso a especialistas e a explora-ção intensiva do raciocínio abstrato, essatendência é, naturalmente, mais acentuadae absorvente. Os problemas e suas soluçõessão vistos de uma perspectiva que lembra,teoricamente, a mentalidade utópica doséculo 18 e, praticamente, o modeloparacientífico de utilização das descobertasdas ciências pelos técnicos e inventores doséculo 19.

É inegável que essas duas orientaçõesintelectuais tiveram importância dinâmicadefinida no horizonte cultural em que seformaram. A mentalidade utópica foi umafonte de confiança racional na ciência e nasoportunidades que ela parecia oferecer aoaperfeiçoamento material e moral do homem.Desse ângulo, contribuiu poderosamentepara a fomentação e a propagação de umanova concepção do mundo, que só encon-trava obstáculos e resistências no antigohorizonte cultural, em desintegração. Porsua vez, o modelo de aproveitamento doraciocínio científico, explorado pelo “pen-samento inventivo”, exerceu profunda in-fluência no desenvolvimento da civilizaçãotecnológica, urbana e industrial. Como su-gere Mannheim, ele encontrava plena justi-ficação na fase em que o “inventor” podiaoperar com unidades de trabalho que podi-am ser representadas como produtos de“sua” imaginação e de “sua” atividadecriadora. Contudo, também é inegável queambas as orientações ficam deslocadas, tan-to teórica quanto praticamente, numa eraem que a percepção, a explicação e a

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 133: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

133

manipulação dos problemas práticos exi-gem, como requisito intelectual, que se com-preendam as relações entre meios e fins emtermos das exigências e das potencialidadesdas situações de existência social.

Em vista das implicações desta ponde-ração, julgamos conveniente situar, aqui,três temas de maior significação geral.Primeiro, em que sentido é possível enca-rar a ciência aplicada e a educação comofatores sociais construtivos. Segundo, comoopera o elemento racional na mudançacultural espontânea. Terceiro, como secomporta o elemento racional quando as con-dições de mudança cultural podem sersubmetidas a controle exterior inteligente.

Um elemento societário qualquer podeser descrito, sociologicamente, como “fatorsocial construtivo” quando concorre paraatender ou regular a satisfação de necessidadessociais novas, impostas pela diferenciaçãointerna do sistema societário considerado.Portanto, ele se define através das funções quedesempenha como “força” de transformaçãosocial, abstraindo-se a natureza dos efeitos quecontribui para produzir (alterações na áreada especialização de atividades sociais, dainstitucionalização de ações ou relaçõessociais, da reintegração parcial ou global desistemas axiológicos, etc.). São fatos patentese reconhecidos:

1º) que a civilização tecnológica e in-dustrial repousa num ritmo de ex-pansão altamente instável, que en-gendra, de forma contínua, novasnecessidades sociais;

2º) que o desenvolvimento da ciênciase prende às repercussões dessasnecessidades, seja na esfera da ex-plicação do mundo, seja nos siste-mas de adaptações e de controlessociais daquela civilização;

3°) que as transformações sofridas pelaeducação sistemática na vida moder-na resultaram, de modo variávelmas persistente, das funções que elapassou a desempenhar, direta ou

indiretamente, na satisfação dasreferidas necessidades sociais.

Se tais presunções são verdadeiras,como acreditam os cientistas sociais, é pos-sível assinalar, na teia de vinculações daciência e da educação com a organização dasociedade de classes, certas influênciasdinâmicas, que elas exercem como fatoressociais construtivos.

Atendo-nos ao essencial, podemosapontar três níveis distintos em que a ciênciaaplicada e a educação parecem operar comofatores sociais construtivos em nossacivilização. Quanto à ciência aplicada, es-ses níveis dizem respeito ao ritmo e conti-nuidade do processo de racionalização, aodomínio dos recursos que garantem as vári-as modalidades de intervenção racional e àexpansão orgânica da concepção científicado mundo. É óbvio que, em certo ponto dodesenvolvimento social de nossa civilização,a ciência e suas aplicações aparecem comoprodutos das tendências à racionalização dosmodos de conceber e de explicar e mundo.A partir do momento em que os efeitos daracionalização passaram a transparecer nosdiferentes setores da vida social, porém, aciência e suas aplicações passaram a contarentre os requisitos intelectuais desse pro-cesso e da crescente ampliação de suas fron-teiras. Isso ocorre de tal forma que se tor-nou impossível pensar na solução de pro-blemas práticos, no presente, sem recorrera conhecimentos e a procedimentos propor-cionados pela ciência aplicada ou por seusdesenvolvimentos tecnológicos. As ligaçõesda ciência aplicada com o domínio dos re-cursos para a intervenção racional tambémsão evidentes. De um lado, ela condiciona oavanço da espécie de tecnologia relacionadacom o conhecimento científico. A descober-ta de procedimentos técnicos que permitemproduzir e controlar certos efeitos úteis, deesquemas de organização racional das ativi-dades humanas (inclusive na esfera do tra-balho científico) e de processos que garan-tem a exploração econômica de semelhantes

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 134: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

134

procedimentos ou esquemas está diretamen-te associada aos progressos da ciênciaaplicada. De outro lado, ela oferece os ali-cerces e os principais estímulos intelectuaisque dão sentido ao planejamento como basede reconstrução social da vida moderna. Porfim, o que aparentemente possui maior im-portância, por causa do destino da civiliza-ção industrial e urbana, os resultados inte-lectuais da ciência aplicada estão concor-rendo para introduzir maior equilíbrio eunidade no pensamento científico. Comose sabe, o predomínio de móveis teóricos ea relativa negligência dos móveis práticos,que aquele acarretava, impediam que sedesse igual relevo, na concepção científicado mundo, às diferentes condições e valo-res da vida humana. Em particular, nenhu-ma imagem do homem, construída pela ci-ência, podia conduzir a uma representaçãoda pessoa, plenamente coerente com o ca-ráter racional do pensamento científico,antes de este se converter em fonte de ori-entação do comportamento humano na vidaprática.

Quanto à educação, sua operação comofator social construtivo, nos três níveis aserem considerados, precisa ser entendidaà luz das exigências impostas pela civiliza-ção científica e tecnológica ao comportamen-to inteligente do homem. Primeiro, o fun-cionamento e o desenvolvimento desse sis-tema civilizatório repousam na transmissãoeficiente de complexo acervo de conheci-mentos, boa parte do qual deve ser com-partilhada pelo maior número possível deindivíduos. Apesar da especializaçãoimperante na área de produção do saber ci-entífico, este se destina à coletividade. Devebeneficiá-la como um todo: seja no planointelectual, graças à função formativa quepreenche na constituição do horizonte cul-tural do homem comum e à posição domi-nante que ocupa no sistema racional de con-cepção do mundo criado pela própriaciência; seja no plano utilitário, em virtudedas diferentes vinculações da vida cotidia-na, na sociedade de massas, com noções,

artefatos, técnicas e serviços produzidos combase nos conhecimentos científicos e natecnologia científica; seja no plano moral,por causa das conseqüências ético-sociais,fundadas em valores de racionalidade estrita,do elevado ideal de liberdade e de respeitoà pessoa, inerente à concepção científica domundo. Daí a existência de complicadosistema de comunicação simbólica, em cons-tante enriquecimento e expansão, que con-fere à educação sistemática uma importânciadinâmica, jamais igualada em outros siste-mas civilizatórios conhecidos. Segundo, aracionalidade do saber científico não derivado respeito invariável a uma ordem estáticade valores consagrados, mas da capacidadeda inteligência em descobrir e utilizar co-nhecimentos compatíveis com a objetivida-de dos eventos materiais ou humanos. Porisso, esse tipo de saber demanda disposi-ções intelectuais que só podem ser continu-amente desenvolvidas e apuradas medianterigorosa preparação especializada. O que sechama de “vocação científica” representa oproduto médio desse esforço educacionaldirigido, que tem por fim a formação damentalidade científica, sem a qual não ha-veria progresso na ciência e na tecnologiacientífica. Terceiro, o saber científico assi-nala a maior revolução já ocorrida na histó-ria cultural do homem. Ele opõe, a todas asformas possíveis de alienação social depessoas, de grupos ou de coletividades hu-manas, argumentos e avaliações que desmas-caram seus fundamentos antinaturais esupra-racionais (nas relações dos homenscom as mulheres, dos pais com os filhos,dos adultos com os jovens, dos civilizadoscom os primitivos, dos brancos com os ne-gros, dos ricos com os pobres, dos podero-sos com os desprotegidos, dos cultos comos incultos, etc.). A tarefa de adestrar o ho-mem para agir integramente nos marcos desemelhante moralidade racional cabe à edu-cação sistemática. Embora os educadores setenham descuidado das referidas implica-ções práticas do saber científico (com rarasexceções, como a de Lawrence K. Frank),

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 135: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

135

parece evidente que o circuito da revoluçãoprovocada pela ciência se fechará quando aescola for capaz de despertar, em todos osindivíduos, os sentimentos de eqüidade, asatitudes de tolerância simpática e os ideaisde autonomia na solidariedade requeridospelo pensamento científico.

Os resultados dessas explanações co-locam uma questão de magna importância.Dadas a natureza e as tendências dasinfluências sociodinâmicas da ciência apli-cada e da educação na civilização tecnológicae industrial, como se explicam o padrão he-terogêneo e o ritmo descontínuo assumidospelos efeitos de ambos os fatores na evolu-ção desse sistema civilizatório? As desco-bertas feitas pelos sociólogos que se dedi-caram à investigação dos processos de per-cepção e de consciência sociais nas formasem que eles se evidenciam através do hori-zonte cultural do homem moderno permi-tem responder a tal questão. De váriasorientações, investigadores como Marx,Engels, Tonnies, Nash, Max Weber, Sombarte Mannheim (para só citarmos os princi-pais), descobriram que a significação do ele-mento racional na vida prática do homemmoderno sofreu considerável transforma-ção: restrita no contexto de uma concepçãotradicionalista, patrimonialista e sagrada domundo, herdada da sociedade medieval,estendeu-se a todas as esferas do compor-tamento social humano, com a formação eo desenvolvimento da sociedade capitalistae de classes. Essa transformação foi, aomesmo tempo, quantitativa e qualitativa.O elemento racional inseriu-se em todos ostipos de ação e de relação sociais, emboraseus efeitos se fizessem sentir com maiorrapidez e especificidade no campo da eco-nomia, da política e da administração. Graçasa essas circunstâncias, os processos pelosquais os seres humanos explicam,etnocentricamente, suas condições de exis-tência adquiriram uma feição secularizadae racional. As tradições, as obrigações mo-rais e as convicções religiosas deixaram derestringir a visão intelectual do homem

comum, com referência seja aos eventos na-turais, seja aos eventos propriamentehumanos. Em termos da atividade do ho-mem como agente “criador de cultura”, issorepresentava um progresso sem precedentediante de outras civilizações. De um ladoporque promovia o alargamento do horizon-te cultural do homem, no aproveitamentopragmático de suas experiências. Na antigaconcepção do mundo, experiências do pas-sado e do presente eram relacionadas entresi toda vez que se impunha a solução dealgum problema na vida prática. Mas preva-lecia a aspiração de modelar o presente pelopassado. Na nova configuração, ao contrá-rio, as experiências do passado começarama ser manipuladas seletivamente, como re-cursos instrumentais, onde fosse patente suaeficácia para resolver os problemas novos.No demais, o presente passou a ser gover-nado, de maneira crescente, pelo futuro: porrepresentações ideais de organização da vidaprática, que podiam ser antecipadas, men-talmente, como possíveis, legítimas enecessárias. De outro lado, porque inspirouuma espécie de revolução copernicana nasatitudes humanas. Os modelos de padroni-zação e de organização das atividades sociaisdos homens passaram a ser relacionados comos interesses e com os valores perseguidosdeliberadamente. O prestígio inerente aocaráter conspícuo do tradicional, ao exem-plo legado pelo antepassado ou à consagra-ção de origem religiosa deixou de influenciaras avaliações práticas no processo de subs-tituição das antigas normas e instituiçõessociais. A eficácia e a compatibilidade comos interesses ou com os valores, defendi-dos conscientemente, erigiram-se em crité-rios normativos da reconstrução social. Noconjunto, o elemento racional alargava detal forma o campo de decisão do homem,que este passou a conceber-se como senhordo próprio destino.

Uma noção como essa funda-se, subs-tancialmente, no domínio sobre as condi-ções naturais e artificiais do ambiente pelohomem. É claro que tal domínio não se

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 136: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

136

estabeleceu como efeito de um processomecânico. Ele se firmou lentamente, em co-nexão com as alterações ocorridas na posi-ção relativa do elemento racional no hori-zonte cultural do homem moderno. Comosugerem as análises de Marx, de Nash e deMax Weber, durante algum tempo o elemen-to racional apenas se inseria nas atividadesintencionais que podiam ser toleradas noâmbito da ordem tradicionalista, patri-monialista e sagrada. Os setores nos quaiso elemento racional conseguiu encontrarmaior expressão, como o da burocracia e odo direito, estavam submetidos a controlerígido. Por isso, foi a expansão paulatinadaquelas atividades, especialmente no pla-no da vida econômica, que repercutiu deforma explosiva na estrutura do pensamen-to, forçando seja a utilização livre das téc-nicas de cunho racional existentes, seja acriação de novas técnicas intelectuais quepudessem corresponder à necessidade dedar relevo ao elemento racional na vidaprática. A formação e o desenvolvimentoda ciência e da tecnologia baseada no co-nhecimento científico exemplificam a dire-ção tomada por esse processo. Contudo, oprocesso evoluiu de tal modo que as ino-vações só parcialmente constituíam oproduto do elemento racional da situação.Os fatores e as condições irracionais (naforma de hábitos, de normas, de instituiçõesou de valores sociais) continuavam a exercerextensa e profunda influência ativa. Comfreqüência, fins escolhidos racionalmenteeram atingidos por meios irracionais. Nasituação global, as condições e os fatoresirracionais operavam como mecanismos deobstrução ou de solapamento, dificultandoe retardando a descoberta ou a utilizaçãodas técnicas racionais que se impunham.A análise retrospectiva demonstra, no en-tanto, que essa circunstância não chegou aser totalmente prejudicial. Para se reconhe-cer isto, é bastante que se atente para o fatode que o elemento racional fazia parte deum contexto mais amplo, no qual concor-ria e se articulava com elementos irracionais

de várias categorias. Sua importância relati-va, na prática, dependia do equilíbrio quese estabelecesse, mediante a ação humanainteligente, entre os elementos racionais eirracionais da ação. Esse fato explica por-que o elemento racional desempenhou in-fluências dinâmicas revolucionárias, apesarda atividade concorrente e neutralizadoradas condições e dos fatores irracionais.Doutro lado, a conveniência de uma combi-nação íntegra entre fins, meios e condiçõesda ação não constituía um dilema, na pers-pectiva dos agentes sociais. Contava, acimade tudo, o propósito de alcançar os finscolimados, através dos meios e das condi-ções realizáveis na prática. Daí a conseqü-ência inevitável: um modelo heterogêneo deintervenção, incapaz de submeter todas asfases dos processos conscientes de inova-ção cultural a móveis e a procedimentosracionais.

Embora sumária, a digressão acima re-vela o que nos parece essencial. O desen-volvimento do processo da racionalizaçãodos modos de conceber e de explicar o mun-do, bem como das maneiras correlatas deagir, foi lento, gradual e descontínuo. A açãointeligente, na esfera em que ela conduz àcriação de bens culturais, limitava-se, ne-cessariamente, à solução de problemas ime-diatos, elevados ao campo da consciênciapela atividade prática. As bases perceptivase cognitivas da ação inteligente eram, por-tanto, bastante acanhadas, no que concerneao papel atribuído aos critérios racionais depensamento e de intervenção na realidade.O sujeito não precisava acumular conheci-mentos exaustivos e profundos sobre osobjetos e suas relações com a atividade hu-mana organizada, para transformá-los. Bas-tava considerá-los no plano em que eles ofe-reciam alguma espécie de interesse práticoe operar, intelectualmente, com os proble-mas assim evidenciados. Os procedimentosempregados pelo inventor, pelo reformadorsocial e pelos “homens de ação” ilustrambem o que ocorria. O inventor convertia seusproblemas em uma unidade técnica de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 137: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

137

trabalho, deixando de relacioná-la seja como progresso teórico dos conhecimentos ex-plorados, seja com as conseqüências queela poderia desencadear no sistema econô-mico e na sociedade. Sua curiosidade e in-tervenção restringiam-se à construção do en-genho que produzisse, regularmente, o efei-to técnico desejado. Tomando comoreferência pensadores como Hobbes eRousseau, constata-se que o reformador so-cial procedia de forma similar. O conheci-mento objetivo da realidade social ambien-te interrompia-se onde fosse possívelevidenciar o fundamento irracional daordem social existente ou das instituiçõesconsideradas. Além disso, contentavam-secom a enunciação dos requisitos racionaisda reconstrução social, negligenciando ou-tras questões, inclusive as referentes à re-percussão das alterações previstas fora doâmbito da situação de interesses que dese-jassem modificar. Se procedimentos dessanatureza tinham pleno curso entre os inte-lectuais voltados para os problemas práti-cos, não é de admirar-se que os “homensde ação” – na economia, na administraçãoe na política – se ativessem à significaçãodas técnicas racionais para a solução dosproblemas do presente que ameaçassem,diretamente, a continuidade das institui-ções sociais a que associavam seu prestígioe seu poder. O teor altamente pragmáticoda previsão, neste nível, achava uma fontede distorção e de empobrecimento na con-vergência para interesses imediatos, em de-trimento da situação total e da importânciade lidar com eles tendo em vista a funçãodinâmica que ela possui no contexto social.Por isso, a exploração prática do elementoracional sofria uma sorte de efeito derecorrência. Mesmo onde a escolha inteligen-te de fins podia amparar-se na manipulaçãode meios racionais, em condições relati-vamente favoráveis aos intentos práticosperseguidos, os resultados alcançados refle-tem menos a eficiência das técnicas racionaisempregadas que a seleção de seus efeitos porforças socioculturais do meio ambiente.

À luz dessas reflexões, é possível res-ponder à questão proposta. A ciência aplica-da e a educação receberam, na civilizaçãotecnológica e industrial, um desenvolvimen-to que exprime a interdependência de duasordens contraditórias de condições e defatores. Primeiro, no plano da consciênciaracional dos fins, dos meios e das condiçõesideais para pô-los em prática: a natureza abs-trata do saber científico-positivo ou dos raci-ocínios baseados em sua aplicação favoreceua acumulação rápida de conhecimentos so-bre os alvos que devem orientar, racionalmen-te, a ação humana nessas esferas. Segundo,no plano da consciência social dos fins, dosmeios e das condições ideais para pô-los emprática: o grau de secularização das atitudese da racionalização dos modos de perceberou de explicar o mundo revelou-se insufici-ente para criar, acima das diferenças de inte-resses e de valores grupais, alvos coletivosde aproveitamento racional das poten-cialidades socioculturais da ciência aplicadae da educação. A articulação das duas or-dens de condições e de fatores, através dassituações sociais de existência e da contínuatransformação delas, tem favorecido seja oalargamento da consciência pelo influxo devalores polarizados socialmente, seja apermeabilidade da consciência social a in-fluências especificamente racionais. Noentanto, desequilíbrio persistente das duasordens de condições e de fatores vem contri-buindo para reduzir o poder atuante daciência aplicada e da educação. Só as poten-cialidades de ambas que lograram incorpora-ção à consciência social e, em conseqüência,reconhecimento societário de que são“valiosas” e “necessárias”, são exploradas efe-tivamente e encontram campo para operarcomo mecanismos de mudança da situaçãoexistente. Isso ilustra, empiricamente, o queacontece com o elemento racional na mudan-ça cultural espontânea. Tolhido entre “forças”de efeitos contraditórios, o que conta não ésua capacidade interna de expansão, mas omodo pelo qual ela chega a ser aproveitadasocialmente.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 138: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

138

Estudos recentes, entre os quais sesalientam as contribuições histórico-sociográficas de Bernal, evidenciam as con-seqüências negativas da incapacidade doscientistas em intervir, regular e extensamen-te, na área de aproveitamento prático dasdescobertas científicas. A presente organi-zação do trabalho científico possui tais de-ficiências que permitem, quanto aos desen-volvimentos da ciência aplicada, estreitapredominância dos interesses econômicose comerciais sobre as conveniências cientí-ficas, as razões humanitárias e, mesmo, asegurança ou o bem-estar das nações.O predomínio de interesses extracientíficose supra-racionais conduz, num setor em quea produção de conhecimentos deveria serregida por normas e valores especiais oupor interesses que afetam as nações comoum todo e a humanidade, à atrofia paulati-na da pesquisa fundamental, ao progressi-vo estrangulamento dos móveis teóricos dopensamento científico na pesquisa aplica-da e à perturbação do curso ou dos efeitosdo processo de institucionalização das ati-vidades científicas. Como se sabe, a nor-malidade deste processo é vital para a evo-lução da civilização industrial e tecnológica.Dele dependem, especialmente:

1º) a articulação dos diferentes níveisdo trabalho científico, de acordocom os requisitos teóricos e as pos-sibilidades práticas do pensamentocientífico;

2º) o melhor entrosamento entre a pro-dução e a exploração dos conheci-mentos científicos, ou seja, entre aciência e a sociedade;

3°) a continuidade das tendências quevêm assegurando a expansão inter-na do sistema das ciências e suaposição como estrutura intelectualdominante do nosso sistema racio-nal de concepção do mundo.

Todavia, o impacto das condições e fato-res irracionais faz-se sentir, principalmente,

sobre aquele processo. Por paradoxal quepareça, isso prejudica, sobretudo, o desenvol-vimento da ciência aplicada e o alcance de suacontribuição para a alteração do mundo emque vivemos. Como já indicamos, a ciênciaaplicada constitui a área menos diferenciada eintegrada do pensamento científico. Em con-seqüência, os impactos sofridos pelo proces-so de institucionalização das atividades cien-tíficas concorrem, diretamente, para retardara descoberta e o domínio de técnicas eficien-tes de controle racional das “forças” postas aserviço do homem pela ciência.

Fenômeno similar ocorre com a educa-ção. A formação e o desenvolvimento da eco-nomia capitalista, da democracia e da socie-dade de classes deram origem a um hori-zonte cultural tipicamente caracterizado pelograu de importância nele atribuída ao com-portamento inteligente, baseado na consci-ência e na escolha racionais de fins e demeios. Técnicas, conhecimentos e valoresintelectuais, antes privativos de castas oude estamentos que exerciam funções religio-sas, políticas ou burocráticas, passaram aser indispensáveis às atividades cotidianasdo homem comum, tornando-se “univer-sais” e “acessíveis” a todos. Vários fatores,cuja análise não caberia aqui, fizeram da “de-mocratização da cultura” um requisito inte-lectual da vida prática moderna, queconferiu à educação sistemática funçõessocializadoras relacionadas com todas asatividades sociais nucleares da civilizaçãoindustrial e tecnológica. Como aconteceucom os cientistas na esfera do pensamentosistemático, os educadores constituíram-seintérpretes das exigências da nova situaçãohistórico-social. Formularam e propagaramideais pedagógicos coerentes com as funçõesda educação escolar em sociedades, cujosistema organizatório consagra, pelo menosteoricamente, a igualdade fundamental detodos os indivíduos; idênticas oportunida-des mínimas de preparação para a vida, comorequisito para a plena fruição dos direitossociais e a aceitação responsável dos deve-res correlatos; e o acesso, apenas restringido

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 139: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

139

pelas disposições ou capacidadespessoais, às diferentes posições sociais,com as probabilidades correspondentes desegurança, de prestígio e de poder. Do mes-mo modo que os cientistas com referên-cia à institucionalização das atividadescientificas, os educadores foram privadosdo controle racional das diretrizesultradidáticas e das condições exterioresdo progresso educacional. Em conseqüên-cia, não puderam intervir, eficazmente, nassituações concretas que regulam o fun-cionamento das escolas e graduam suainfluência dinâmica na vida social. Aocontrário, tiveram de ajustar-se a umarealidade educacional em flagrantecontradição com os recursos racionais ecom as polarizações ideológicas ouutópicas de sua consciência profissional.

Pode-se argumentar que semelhantesconclusões incidem em limitaçõesgrosseiras. Primeiro, elas não fazem honraao papel criador dos educadores no mun-do moderno. Segundo, elas omitem que astransformações substanciais por que pas-sou a educação sistemática nos últimos tem-pos são produtos da frutificação natural dosideais pedagógicos propagados peloseducadores.

Na verdade, elas não foram expostascom esse espírito. Pretendíamos ressaltarsomente que, no contexto da mudança cul-tural espontânea, o elemento racional sofrereelaborações que acabam desviando o cur-so da intervenção intencional ou da criaçãoinovadora. Mas, também achamos que émelhor considerar a questão do ângulo emque as atividades dos educadores se apre-sentam sob os aspectos mais favoráveis.Tomemos, por exemplo, os projetos tão bemsucedidos de Elsie R. Clapp e colaborado-res, em escolas rurais de Jefferson Countye Arthurdale.1 Que nos revelam eles? Deum lado, que o educador moderno estálonge de ter aproveitado, inteligentemente,todas as oportunidades abertas à sua ação,em virtude dos conhecimentos de que dis-põe e do amparo que pode receber no seio

das comunidades. Os educadores respon-sáveis pelos dois projetos souberam tirarpartido construtivo dessas oportunidades.Servindo-se delas, conseguiram organizarescolas capazes de preencher as funções aque se destinavam e, o que é ainda maisimportante, criar centros ativos de interes-ses para os habitantes das duas comunida-des. De outro lado, que o grau de sucessoda intervenção do educador depende daelasticidade com que ele pode operar, emdo sistema social, com os problemas educa-cionais enfrentados. Nos casos em apreço,essa elasticidade era, no essencial, quase ili-mitada. Tanto as populações afetadas quan-to o poder público estavam interessados nosucesso da intervenção e em seus possíveisefeitos para o desenvolvimento das duas co-munidades. Isso quer dizer que a interven-ção dos educadores assumiu a forma de umprocesso técnico, no qual o emprego dos re-cursos racionais disponíveis foi reguladopela natureza dos propósitos visados e pelasexigências da situação.

Seria conveniente indagarmos, agora, oque ocorreria se o educador voltasse suaatenção para problemas educacionais cujasolução exigisse alterações parciais ouglobais na estrutura e no funcionamento dosistema social considerado. O relatório daComissão Presidencial sobre a EducaçãoSuperior nos Estados Unidos, elaboradoentre 1946-1947 por George F. Zook e cola-boradores, representa um bom exemplo“neutro”. Trata-se de um documento rigo-roso, lúcido e objetivo. As medidas práti-cas nele recomendadas só levariam a acentuarcertas tendências da democratização do en-sino superior nos Estados Unidos, pormeios indiretos, definidamente relacionadoscom os encargos financeiros do governofederal nessa área. O documento não chegoua ferir a imaginação pública nem a iluminara ação oficial. Entretanto, dez anos depois,quando os russos suplantaram os norte-ame-ricanos no terreno dos foguetes termo-nucleares, os argumentos nele discutidos seimpuseram de forma dramática! Em uma

1 Ambos os projetos podem serconsiderados como exemplosde mudança cultural espontâ-nea. Seja porque não se fez ne-nhuma tentativa de prévio da si-tuação e de controle das condi-ções ou dos efeitos da interven-ção, seja porque esta foi inter-rompida assim que as escolaspaca funcionar normalmenteocasião em que foram largadas aseu próprio destino. Ambas asiniciativas fazem parte da difu-são das técnicas e instituiçõeseducacionais modernas nomundo rural.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 140: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

140

obra sociológica notável, AugustHollingshead esclarece objetivamente aquestão, evidenciando como os ideaisdemocráticos são minados pelo sistema declasses sociais. Os membros das camadasdominantes pensam como se a ideologiademocrática fosse respeitada integralmentee como se a competição só favorecesse osrealmente mais capazes.

Essa ideologia [escreve Hollingshead] fa-lha em considerar o fato de que o sistemasocial não provê todos os competidorescom oportunidades iguais. Nem reconhe-ce que o sistema de classes é mantido,em parte, pelo controle das posições ofi-ciais pela classe superior. [...] Um tercei-ro fato, ignorado por essa ideologia, é queo controle da classe superior tende aproduzir a manipulação das funções insti-tucionais segundo os interesses dos indi-víduos e das famílias que possuemriqueza, prestígio e poder.

Neste plano, em que a educação apare-ce como expressão da estrutura dasociedade em que se integra, termina afaculdade do educador de lidar com os pro-blemas educacionais em termos estritamen-te racionais. Ele pode, em função de suaintegridade intelectual, estabelecer os requi-sitos e os alvos ideais da educação sistemá-tica e, mesmo, apontar como e porque elesdeixam de ser obedecidos na prática. A me-nos que o sistema social se transforme emdada direção, porém, ele não dispõe demeios técnicos para converter seus conhe-cimentos em princípios normativos doprocesso educacional.

Com essa discussão, podemos encer-rar a análise do nosso tema, condensandoos resultados a que chegamos em três tópi-cos principais. Primeiro, por causa de suasconexões com os processos psicoculturaisda consciência, a influência potencial doelemento racional não sofre alterações nodecorrer da mudança cultural espontânea.Assim, os ideais de democratização do en-sino, independentemente dos graus de suarealização na prática, estão subjacentes a

todas as tendências de renovação dos siste-mas educacionais modernos. Segundo, osmeios intelectuais que servem para escolhere dirigir as atividades intencionais de fun-damento racional, na mudança cultural es-pontânea, não asseguram, de modo invariá-vel, domínio determinado sobre a realiza-ção dos fins desejados. O processo de mu-dança pode ser interrompido em alguma desuas fases, antes de completar-se ou de pro-duzir os efeitos esperados, sem que seusagentes possam impedir tais decorrências.O exemplo acima, sobre a impossibilidadede nivelar as oportunidades educacionaisem uma sociedade de classes, apesar dosincentivos ideológicos favoráveis, ilustraempiricamente essa afirmação. Terceiro, aconcorrência do elemento racional com con-dições e fatores irracionais reduz, na mu-dança cultural espontânea, o alcance e a efi-cácia da interação intencional. Razões e cri-térios incongruentes com os intentos decunho racional interferem tanto nas avalia-ções quanto na seleção dos efeitos desejá-veis das inovações. Reportando-nos aoexemplo anterior: as racionalizações quedissimulam a interferência da posição soci-al na limitação das oportunidades educacio-nais opõem resistências insidiosas àsmedidas de democratização do ensino.

Poderá parecer estranho o fato de dar-mos tanta atenção ao papel do elemento ra-cional na mudança cultural espontânea.Contudo, esse fato era essencial para a pre-sente discussão. Ele permite estabelecer doispontos de sumo interesse para a análise deoutra questão concernente ao comportamentodo elemento racional na mudança culturalprovocada. Em primeiro lugar, que na edu-cação, como em outras esferas da atividadeintencional, a intervenção e seus graus desucesso não dependem, apenas, da consci-ência dos fins e da disponibilidade de meiosintelectuais para atingi-los, mas também damaneira pela qual essas duas edições se re-lacionam com impulsões coletivas paramudança. Em segundo lugar, que o proces-so de mudança espontâneo, na educação

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 141: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

141

como em outros níveis da cultura, podeparalizar-se ou interromper-se antes de pro-duzir todos (ou os principais) efeitos espe-rados pelos agentes e objetivamente possí-veis nas condições de integração da ordemsocial estabelecida. Estes dois pontos for-necem os fundamentos e os limites dentrodos quais precisam ser consideradas as pos-sibilidades de manipulação de educaçãocomo fator racional de mudança. O primei-ro indica que precisamos estar preparadospara manter e melhorar o entrosamento denossos recursos e os nossos alvos educacio-nais com a evolução do sistema social. Masconcorre para dissipar a presunção, tão di-fundida em nossa época, de que a educa-ção confere ao homem a capacidade demodificar, a seu talante, a realidade social.Ela não tem esse poder, embora isso nãodiminua o interesse pelo referido entro-samento, que serve de base à compreensãosociológica da importância da educaçãocomo fator do progresso social. O segundomostra que também precisamos estar pre-parados para aumentar o entrosamento denossos recursos e alvos educacionais coma organização e com o funcionamento dosistema social. Deixa patente, porém, queas vias racionais só são dinamicamenteconstrutivas quando o processoeducacional corresponde a necessidadespercebidas no plano da consciência social.Em conjunto, os dois pontos alimentam aconvicção de que a manipulação racionaldas condições externas do processo educa-cional apresenta interesses práticos especí-ficos. Isso parece verdadeiro tanto no quediz respeito à seleção e à intensificação deefeitos desejáveis quanto no que concerneà neutralização ou à eliminação de fontesde interferência, cujo controle possa serobtido através de técnicas racionais.

Em outras palavras, as vinculações daeducação sistemática com a ordem social dasociedade de classes, vista quer estáticaquer dinamicamente, suscitam problemaspráticos que não podem ser enfrentados,com sucesso, no nível da mudança cultural

espontânea. Esta confina o elemento racio-nal a um número reduzido de atividadesintencionais discretas ou desarticuladas,subordinando ao acaso e à concorrência dascircunstâncias o desfecho de intervençõesfundadas no comportamento inteligente e naação deliberada. Daí a necessidade de recor-rer a formas mais complexas de pensamento,nas quais a maior elaboração do elementoracional permita:

1°) apreender como surgem e quais sãoas conseqüências diretas ou indire-tas daqueles problemas;

2°) pôr em evidência até que ponto elespoderiam ser corrigidos ou solucio-nados, através das técnicas conhe-cidas ou exploráveis de controle;

3°) identificar e avaliar, objetivamente,os efeitos presumíveis da interven-ção racional, tomando em conta, iso-lada e globalmente: a natureza e gra-vidade dos problemas; a eficáciacomprovada dos meios de controledisponíveis ou mobilizáveis eventu-almente; a qualidade das influênci-as inerentes às condições neutras,favoráveis e adversas da situaçãoconcreta; o grau de consciência, al-cançado socialmente, sobre tais pro-blemas e a conveniência de submetê-los a alguma espécie de controle; asrepercussões dos efeitos desejadosna integração e no funcionamento desubunidades do sistema educacio-nal e neste como um todo; a impor-tância dinâmica do processo totalnas relações do sistema educacionalcom a ordem social.

Chegamos, assim, a uma perspectivaintelectual plenamente coerente com ohorizonte cultural do homem moderno.A percepção e a explicação dos problemaseducacionais são situadas em tal plano quea reflexão sobre eles adquire maior consis-tência nos três níveis distintos do conheci-mento (empírico, teórico e prático) e os

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 142: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

142

projeta numa dimensão histórico-volitivaem que as experiências do presente sãoassociadas às do passado para prevenir ofuturo. Com isso, complica-se naturalmen-te o processo técnico, determinável pelasatividades intencionais dos agentes. Mas,em compensação, ele ganha nova eficiência,por ajustar-se às situações histórico-sociaise aos problemas práticos criados peladiferenciação das funções da educaçãosistemática na civilização tecnológica eindustrial. Pela primeira vez na históriacultural do homem, este pode propor-se,conscientemente, os alvos da educaçãosistemática em termos das necessidades dosindivíduos, da expansão interna dossistemas educacionais e do desenvolvi-mento do meio social ambiente.

O que caracteriza a mudança culturalprovocada, em relação ao elemento racio-nal, é a extensão dos limites da açãointencional. Além da escolha deliberada dosalvos, ela envolve o conhecimento objetivodos meios, das condições e dos mecanis-mos através dos quais aqueles precisam seratingidos. Em outras palavras, o elementoracional penetra em todos os níveis do com-portamento inteligente dos agentes, demodo a ordenar as atividades por eles de-senvolvidas no plano relativamente abstra-to em que se definem suas intenções deintervir na realidade, seja em função dosfins, seja em função dos meios e das con-dições da própria intervenção. Isso colocaduas questões básicas. Primeiro, como ouporque a ação inteligente e deliberada, ori-entada racionalmente, pôde alcançar tama-nha importância dinâmica na vida socialcotidiana. Essa questão, segundo nosparece, já foi respondida acima. Os efeitosdos processos de secularização e de racio-nalização não se fizeram sentir apenas natransformação da perspectiva social dos in-divíduos, mas também nos seus critérios eideais de organização e de controle das ati-vidades humanas. Por isso, aqueles efeitosrepercutiram, extensa e profundamente, emtodas as áreas em que a institucionalização

dependia, de maneira direta ou indireta, dosnovos critérios e ideais de organização e decontrole das atividades humanas. É assimque se explica, sociologicamente, a forma-ção e a evolução das chamadas “organiza-ções formais” (como a grande empresa, asassociações nacionais e internacionais ou oEstado), no mundo moderno. Segundo, seé possível conceber o homem, em face daextensão tomada pela influência do elemen-to racional nos processos de transformaçãoou de produção da cultura, como senhor dasua vontade e do seu destino. Parece evi-dente que a análise sociológica não preten-de, no caso, sugerir que o indivíduo se li-berta com o progresso da civilizaçãotecnológica e industrial, dos vínculos mate-riais, psicoculturais e morais que o ligam àvida social organizada. Ao contrário, elaprocura salientar como a preservação des-ses vínculos se associa à formação e ao de-senvolvimento de uma ordem social, queprecisa assegurar maior autonomia à pessoa,como condição para a normalidade de seusajustamentos às situações socais de existên-cia. Esses ajustamentos exigem tal volume evariedade de energias psíquicas e de apti-dões intelectuais, que o indivíduo jamaispoderia corresponder a seus papéis sociaissem dispor de um mínimo de liberdade, deiniciativa e de segurança, regulado pelos me-canismos organizatórios da vida social.Verifica-se, portanto, que a importância cres-cente do elemento racional é conseqüênciade um processo social pelo qual os recur-sos culturais do homem são reajustados àsexigências da vida em sociedade na era dacivilização tecnológica e industrial.

O estabelecimento desse ponto apresen-ta enorme interesse científico. É que ele per-mite situar o significado geral do processoque estamos analisando. O fato de termosconsciência das origens e das funções dacrescente influência do elemento racional navida prática não nos coloca em situação pe-culiar, perante outros povos e outrasculturas. Ele traduz, somente, uma diferençade perspectiva, assegurada pelo horizonte

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 143: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

143

cultural do homem moderno. Mas, o domí-nio racional, por este alcançado sobre cer-tas situações de existência, possui signifi-cação comparável ao poder conferido ao ho-mem por outras formas de saber, em outrascivilizações.

Qual é a natureza desse domínioracional? Certos autores, como Mannheim,falam em “planejamento experimental”.O uso desta expressão justifica-se: de umlado, pelas oportunidades abertas à inter-venção racional nas organizações formais;de outro, porque é presumível que o de-senvolvimento da concepção científica domundo imporá o modelo do raciocínio ci-entífico também às atividades práticas dohomem. Contudo, a crescente influência doelemento racional na mudança culturalprovocada não se baseia, necessariamente,na eliminação das condições e dos fatoresirracionais da vida humana. Isto ocorre, cer-tamente, nas esferas em que as condições eos fatores irracionais se articulam a fontesde interferência destituídas de apoio estru-tural ou funcional na ordem social existen-te. Em regra, porém, o domínio racional ca-racteriza-se pelo modo de lidar com condi-ções e com fatores irracionais que, não sen-do elimináveis no presente, operam comofontes de interferência, porque sua influ-ência dinâmica transcende aos limites dasnecessidades satisfeitas por determinadasinstituições, grupos ou valores sociais. Emsuma, o irracional persiste, em proporçõesvariáveis, nos diferentes níveis da vida so-cial. Não obstante, a intervenção racionalconsegue submetê-lo a controle indireto, porser capaz de representar-se, antecipadamen-te, como seus efeitos poderão repercutir nasatividades intencionalmente voltadas paraa alteração da realidade.

Daí a evidência que se impõe: a dife-rença entre a mudança cultural espontâneae a mudança cultural provocada (quanto aopapel do elemento racional, encarado noslimites da civilização tecnológica e indus-trial) é antes de grau que de natureza. Umae outra são processos da mesma ordem, que

preenchem funções análogas. Distinguem-se uma da outra somente com referência aosrecursos técnicos e intelectuais, postos àdisposição do homem no campo do com-portamento inteligente e do controle delibe-rado das “forças” conhecidas do meioambiente. Essa constatação é deveras impor-tante, por causa de suas implicações práti-cas para o tema que nos preocupa aqui.A transição do estilo de pensamento ine-rente à mudança cultural espontânea para oimposto pela mudança cultural provocadapode efetuar-se gradualmente, em conexãocom os progressos conseguidos na tec-nologia e com o agravamento das exigênciasda situação. Em face da educação sistemáti-ca, isso significa que a nossa capacidade delidar com os problemas educacionais dopresente e de resolvê-los de modo mais efi-ciente depende, diretamente, do sucesso quetivermos em utilizar os dados da ciência noplanejamento das atividades educacionais.

É preciso que se tenha em mira, entre-tanto, que aqui se trata, sobretudo, de ex-plorar os conhecimentos científicos em finspráticos. Muitos dados da ciência só pode-rão ser utilizados, convenientemente, pelospróprios educadores. Outros, no entanto,exigirão novas modalidades de cooperaçãoentre os educadores e especialistas com trei-namento científico. Em particular, certasmodificações na estrutura e no funciona-mento dos sistemas educacionais, paraadaptá-los às funções formativas, adquiri-das pela educação sistemática no presente,ou para ajustá-los às formações ocorridas noambiente social, impõem problemas práti-cos que não poderão ser resolvidos, com efi-cácia, sem a colaboração íntima e contínuados educadores com os cientistas sociais.Em sua maior parte, esses problemas aindanão foram investigados cientificamente.Doutro lado, o interesse por eles surge numaárea definidamente especializada do sabercientífico: a da ciência aplicada. Isso querdizer que as circunstâncias estão favorecen-do fortes solicitações ao maior desenvolvi-mento da pesquisa científica aplicada sobre

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 144: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

144

os problemas educacionais do mundomoderno. Mesmo que a formação do edu-cador o provesse com melhor treinamentopara lidar com os conhecimentos e com astécnicas fornecidas pelas ciências sociais,ele não poderia resolver sozinho todas asquestões que teria de enfrentar na transfor-mação deliberada do sistema educacional.Por sua vez, o cientista social não estariaem condições de prestar uma colaboraçãoconstrutiva, ainda que o educador pudes-se esclarecê-lo a respeito da natureza dosalvos e do alcance dos meios para atingi-los, sem investigar, previamente, os proble-mas educacionais do duplo ângulo de suaemergência e dos efeitos presumíveis daintervenção racional. Como já vimos, asintenções e os ideais não asseguram efici-ência nem continuidade às atividades deli-beradas do homem. Para reduzir ou evitaro impacto das condições e dos fatores irra-cionais, o cientista social precisa investigara situação educacional-problema e analisarcomo poderá ela reagir a determinadas ten-tativas de intervenção nos elementosnucleares de sua estrutura.

Como decorrência desse tipo de pro-cedimento, que tende a firmar-se e a difun-dir-se em nossa era, será possível concen-trar as energias intelectuais e os recursosinstrumentais do homem na solução dosproblemas educacionais do presente quepossuem importância específica para a for-mação da personalidade, o equilíbrio dinâ-mico da ordem social e o desenvolvimentoda civilização baseada na ciência e natecnologia científica. Desse ângulo, é fácilperceber como a concepção científica domundo se está refletindo na maneira pelaqual se tira proveito construtivo da educa-ção sistemática. Esta deixou de ser conce-bida como fim em si mesmo, como regaliaou como valor supremo, para ser relacio-nada com as necessidades fundamentais davida e com os modos inteligentes desatisfazê-las, que parecem assegurar conti-nuidade ao progresso do nosso sistemacivilizatório. Em última instância, ela tende

a converter-se, no clima moral produzidopelo pensamento científico, em um dos fa-tores racionais de controle dos elementosnaturais e artificiais do ambiente pelohomem.

IV – O dilema educacionalbrasileiro

Poucos países, no mundo moderno,possuem problemas educacionais tão gravesquanto o Brasil. Como herança do antigosistema escravocrata e senhorial, recebemosuma situação dependente inalterável na eco-nomia mundial, instituições políticas fun-dadas na dominação patrimonialista e con-cepções de liderança que convertiam a edu-cação sistemática em símbolo social dos pri-vilégios e do poder dos membros das cama-das dominantes. O fardo era pesado demais,para ser conduzido, com responsabilidadee espírito público construtivo, num sistemarepublicano que se transformou, rapidamen-te, numa transação com o velho regime, doqual se tornou mero sucedâneo político.Enquanto as condições internas se agrava-vam, pela atividade contínua e irrefreada dosmecanismos socioeconômicos que provo-cam, nos países de estrutura econômica de-pendente, devastação com empobrecimentoeconômico-demográfico de áreas férteis eexpansão desordenada de centros circuns-tancialmente ativos de produção, novas exi-gências histórico-sociais alargaram as fun-ções da educação sistemática, adaptando-aao funcionamento do sistema de classes so-ciais e do regime democrático. No conjunto,os problemas educacionais, resolvidos deforma insatisfatória no passado ou nascidoscom a dinâmica da própria situaçãohistórico-social no presente, tiveram que serenfrentados com recursos deficientes e ob-soletos, além disso mal aproveitados, emvirtude da mentalidade prática predominan-te, que incentivava seja a busca de soluçõesimprovisadas, seja o abandono delas a umdestino quase sempre ingrato, devido às

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 145: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

145

influências conservantistas de vários círcu-los e instituições sociais. Em contraste fla-grante com essa realidade, alterou-se demodo revolucionário a vinculação das fun-ções da educação sistemática com a organi-zação da sociedade brasileira. Graças à for-mação e ao desenvolvimento do sistema declasses sociais e do regime democrático, aeducação sistemática passou a ocupar posi-ção central entre os fatores que concorrem,estrutural e dinamicamente, para o equilí-brio e o progresso da vida social. O concur-so de todas essas razões, de fundamentosnegativos ou positivos, sugere até que pontoo Brasil necessita, imperiosamente, de mo-dalidades práticas racionais de tratamentodos problemas educacionais. É preciso re-correr a elas: tanto para resolver problemaseducacionais que se revelam demasiado com-plexos para as técnicas tradicionais de ma-nipulação e de controle quanto para conse-guir condições mais favoráveis à utilizaçãoprodutiva dos recursos disponíveis ou maiorcontinuidade e eficiência na política educa-cional. Daí o interesse fundamental damencionada possibilidade de associar edu-cadores e cientistas sociais em projetos quecontribuam, definidamente, para a desco-berta de meios adequados, econômicos erápidos de intervenção racional na estruturae no funcionamento do sistema educacionalbrasileiro. Ela envolve ônus financeirosseveros, para um país pobre e destituído,inclusive, de uma rede escolar para atenderàs emergências. Mas abre perspectivasencorajadoras, por permitir articular asolução dos problemas educacionais ao co-nhecimento e ao controle efetivos dos fatoresresponsáveis pelo estado de pauperismo, desubdesenvolvimento e de desequilíbrioinstitucional da sociedade brasileira.

Nesta parte do trabalho, pretendemosfocalizar duas questões específicas:

1º) em que consiste o “dilema educacio-nal brasileiro”;

2°) como os cientistas sociais de-vem encarar sua participação e

responsabilidade nos projetos de re-construção do sistema educacionalbrasileiro.

É claro que outros temas e problemasmereceriam ser discutidos aqui, dado o ob-jeto da exposição. Limitamo-nos, entretan-to, às duas questões que parecem exigir exa-me imediato. Será difícil a cooperação en-tre educadores e cientistas sociais, se osúltimos não adiantarem seus pontos de vis-ta sobre a situação educacional brasileira eseus papéis intelectuais nos planos de tra-tamento prático dos problemas educacio-nais brasileiros. Neste terreno, é imperio-so combater a noção de que o sociólogo pode“resolver” os problemas educacionaisbrasileiros. Semelhante expectativa é infun-dada e precisa ser removida, definitivamen-te, do horizonte intelectual dos educadores.Os problemas educacionais brasileiros sópoderão ser resolvidos através de mudançasocial organizada. Isso quer dizer que odestino prático das contribuições dos soci-ólogos depende, diretamente, da maneirapela qual eles forem incluídos nesse pro-cesso social. Doutro lado, também indicaque o sucesso final de qualquer projeto deintervenção na realidade, por mais “cientí-fica” e “positiva” que seja sua orientação,constitui uma função das possibilidades demudança do meio social ambiente. Os es-pecialistas precisam dispor, além dos co-nhecimentos sobre a situação e os alvos aserem atingidos, de condições de trabalhosocialmente ordenadas, suscetíveis de re-gular, institucionalmente, sua participaçãona elaboração e na aplicação de planos decontrole racional. Daí o interesse do Cen-tro Brasileiro de Pesquisas Educacionais:ele introduz o planejamento, como proces-so social, na esfera da educação sistemáti-ca no Brasil e confere ao sociólogo, dentrodele, papéis sociais que lhe permitem cola-borar, regularmente, nas fases de elabora-ção e de aplicação de planos de controleeducacional em que se imponha a utilizaçãode conhecimentos sociológicos.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 146: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

146

Os problemas educacionais brasileiros,vistos de uma perspectiva macrosso-ciológica, apresentam-se, em grande parte,como produtos de nossa incapacidade deajustar as instituições educacionais às di-ferentes funções psicoculturais e so-cioeconômicas que elas devem preencher ede criar um sistema educacional suficien-temente diferenciado e plástico paracorresponder, ordenadamente, à variedade,ao volume e ao rápido incremento das ne-cessidades escolares do País como um todo.Quanto ao primeiro aspecto: as instituiçõeseducacionais brasileiras apenas satisfazem,de modo parcial, irregular e insuficiente,as necessidades escolares de setoressemiletrados e letrados, com característicasou com aspirações urbanas, da sociedadebrasileira. Mesmo o ensino primário, queabrange a rede mais extensa, permeável epenetrante de instituições escolares existen-tes no Brasil, mal atende aos requisitos fun-damentais da alfabetização, no seio de umapopulação escolar constituída, predomi-nantemente, por imaturos extraídos dos re-feridos círculos sociais. Ele é, na forma ena substância, indiferente aos recursos for-necidos pelo meio social ambiente à educa-ção sistemática e totalmente alheio às ne-cessidades escolares que variam em escalalocal ou regional. Em conjunto, as escolasnão são instituições organizadas para ser-vir às comunidades, em interação constru-tiva com seus centros de interesses e deatividades: elas visam, ao contrário, desen-volver aptidões e um estado de espírito quedá, ao brasileiro letrado, a convicção de queele não está à margem da “civilização” e do“progresso”. Com isso, empobrecem-se asfunções potenciais da educação sistemáti-ca, em dos os níveis do ensino, e a escolapassa a operar, indistintamente, como merofator de transmissão e de preservação daparcela de “cultura” herdada através docomplexo processo de colonização. Assimse explica como e porque problemas edu-cacionais graves, cujas repercussões nega-tivas são visíveis e notórias, não foram

submetidos a nenhuma tentativa de ins-titucionalização, embora seja essa uma esfe-ra na qual a ação voluntária e inteligenteencontra certo reconhecimento e aprovaçãosociais. As instituições escolares não se ajus-tam, nem estrutural nem funcionalmente, àsexigências específicas da porção da socie-dade total a que se destinam. Por isso, seurendimento efetivo só conta no plano parao qual elas estão organizadas, que é o dainformação pura e simples, da escola pri-mária à superior. Nas áreas de expansãodemográfica da sociedade brasileira, as po-pulações aborígenes, em processo deacaboclamento, e as populações caboclas, emvias de proletarização, não recebem nenhu-ma espécie de assistência educacional apro-priada. Nas áreas em regressão demográfica,econômica e social, provocada pelo declínio,interrupção ou paralisação das atividadesprodutivas, as populações locais não encon-tram, nas escolas, ensino apto a ampará-lasno processo de readaptação ao meio ambi-ente. Nas áreas em que a produtividade as-segura crescimento demográfico contínuo,expansão da agricultura e prosperidade denúcleos urbanos regionais, as instituiçõesescolares não contribuem para facilitar oajustamento de segmentos flutuantes dapopulação, para educar o “homem docampo” nem para formar o “homem dacidade”. Nas áreas em que as tensões étnicaspoderiam ser aliviadas ou removidas,mediante intervenções irradiadas partir daescola, esta permanece insensível aos pro-blemas humanos que se desenrolam em seupróprio nicho. Nas áreas em que a urbani-zação e a industrialização atingem certa in-tensidade, as várias camadas da população,incluindo-se entre elas os “nativos” e os “ad-ventícios”, não acham, nas escolas, a neces-sária preparação para o “estilo urbano devida”, com suas variadas exigências na di-ferenciação do ensino especializado. Emsuma, as instituições escolares brasileirasestão organizadas para satisfazer as funçõesestáticas universais da educação sistemáticana civilização letrada do Ocidente, mas sem

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 147: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

147

entrosá-las às flutuações socioculturais davida humana na sociedade brasileira e emcompleto detrimento das potencialidades di-nâmicas da própria educação sistemática.

Isso situa, naturalmente, o segundoaspecto: como as instituições escolares brasi-leiras não se adaptam senão às funçõesestáticas universais da educação sistemática,elas se integram umas nas outras como seconstituíssem um superorganismo autônomo.É claro que semelhante condição não pre-judica nem a unidade estrutural nem acontinuidade funcional do sistema de ins-tituições escolares como um todo. Mas li-mita fundamentalmente a zona dentro daqual a educação sistemática pode operarcomo fator social construtivo. A plas-ticidade na diferenciação representa um re-quisito essencial dos sistemas nacionais deeducação. Ao mesmo tempo que ajusta asinstituições escolares às flutuações do meioambiente, natural e humano, ela restringe eunifica as tendências de variação, contendo-as nos limites das pressões externas e dasexigências cruciais da situação histórico-social. Por paradoxal que pareça, isso sig-nifica que o insucesso, nesse nível, afetadiretamente a possibilidade de dar proemi-nência eficiente aos móveis ultralocais esupra-regionais da educação sistemática.Portanto, mesmo deixando de lado a ques-tão de saber se as limitações apontadas con-finam a seleção dos móveis nacionais dasinstituições escolares, concentrando-os emalvos ideais compatíveis com as funçõesestáticas universais da educação sistemáti-ca, é evidente que a falta de plasticidade nadiferenciação se associa a deficiências norendimento global do sistema educacionalcomo um todo. Deixando de satisfazernecessidades psicoculturais e socio-econômicas que variam regionalmente, osistema educacional brasileiro deixa depreencher funções socializadoras quecondicionam, inevitavelmente, o equilíbrioe o ritmo de desenvolvimento da sociedadebrasileira. Um exemplo é suficiente parademonstrar, empiricamente, essa conclusão.

A estabilidade e a evolução do regime de-mocrático estão exigindo a extensão das in-fluências socializadoras da escola às cama-das populares e a transformação rápida doestilo imperante de trabalho didático, pou-co propício à formação de personalidadesdemocráticas. Na medida em que restringea procura ou repele, de várias maneiras, oscandidatos à escolarização, bem como pelainércia que revela à mudança interna, o sis-tema educacional brasileiro inclui-se entreos fatores adversos a esse desenvolvimen-to. Por conseguinte, em vez de acelerar a di-fusão e o fortalecimento dos ideais de vida,consagrados legalmente, ele interfere noprocesso como fator de demora cultural.

Essa breve digressão mostra-nos em queconsiste o “dilema” educacional brasileiro.Como ocorre com outros países subdesen-volvidos, ele é de fundo institucional. Osistema educacional brasileiro abrange ins-tituições escolares que não se ajustam, nemqualitativa nem quantitativamente, a neces-sidades educacionais prementes, que sãocompartilhadas em escala nacional ou quevariam de uma região para outra do País.Daí ser urgente e vital alterar a estrutura, ofuncionamento e o modo de integração des-sas instituições. O aspecto prático do“dilema” revela-se neste plano: o reconheci-mento dos problemas educacionais de maiorgravidade e a realização dos projetos dereforma educacional esbarram, inelutavel-mente, com diversos obstáculos, do apego atécnicas obsoletas de intervenção na reali-dade à falta de recursos para financiarinclusive as medidas de emergência. Emresumo, o referido “dilema” possui dois pó-los, ambos negativos. Primeiro, instituiçõesdeficientes de ensino, que requeremalterações complexas, onerosas e profundasem três níveis distintos: a) como unidadesde trabalho didático, em sua organizaçãointerna; b) como parte de um sistema comu-nitário de instituições sociais, em suas co-nexões funcionais com as necessidadesestáveis e variáveis do meio social imediato;c) como parte de um sistema nacional de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 148: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

148

vida, em suas conexões funcionais com osrequisitos dinâmicos da continuidade daordem social inclusiva. Segundo, meios deintervenção insuficientes para fazer face,com expectativas definidas de sucesso, àsexigências práticas da situação nesses trêsníveis. Todavia, não resta outra alternativasenão a de explorar as possibilidades decontrole, asseguradas pelos meios de inter-venção disponíveis. A esse respeito, o Brasilestá em posição análoga à dos demais paísessubdesenvolvidos, a qual conduz ao maiscompleto e perfeito círculo vicioso que amente humana pode conceber. As condi-ções de subdesenvolvimento geram proble-mas cuja gravidade aumenta em função dasdificuldades materiais ou humanas emresolvê-los, o que faz com que a intervençãodeliberada, quando bem secedida, contri-bua muito pouco para alterar a situaçãoinicial. O esforço precisa ser repetido, po-rém, quantas vezes isso for indispensável,para não se perder a pequena vantagem con-quistada. Pensamos que este esboço remataa caracterização do que chamamos “dilemaeducacional brasileiro”. A relação entremeios e fins, no que concerne às perspecti-vas de controle dos problemas educacionaismais prementes, não prenuncia nenhumaespécie de êxito seguro e rápido. Talcircunstância indica, de ângulo inteiramentepositivo, que a transformação do sistemaeducacional de um povo em fator de de-senvolvimento depende, de modo direto,da intensidade, do volume e da direção dasesperanças coletivas depositadas na edu-cação sistemática. Não há dúvida de que aeducação modela o homem. Mas é este quedetermina, socialmente, a extensão das fun-ções construtivas da educação em sua vida.

É neste plano que se deve colocar ediscutir a outra questão, relativa à respon-sabilidade dos cientistas sociais nos proje-tos de tratamento prático dos problemaseducacionais brasileiros. As atividades e ascontribuições dos psicólogos, dos etnólogose dos sociólogos inserem-se, culturalmen-te, nesse processo social mais amplo, pelo

qual os mencionados problemas são eleva-dos à esfera de consciência social. Há, aqui,dois aspectos fundamentais a considerar.Primeiro, o significado desse processo;segundo, a sua função.

Quanto ao significado, parece óbvio queele evidencia uma condição peculiar à situ-ação histórico-cultural dos países subdesen-volvidos: os cientistas sociais são chama-dos a tomar parte decisiva em atividades in-telectuais que concorreram para provocar,na França, na Inglaterra, na Alemanha ounos Estados Unidos, o clima espiritual quetornou possível a própria constituição e oflorescimento das ciências sociais. Nestasnações atingiram-se importantes progressosna secularização da cultura e na racionaliza-ção dos modos de conceber e de explicar omundo antes do aparecimento das ciênciassociais. Nos países subdesenvolvidos, en-tretanto, a importação de certas técnicas in-telectuais é que favorece a ampliação do ho-rizonte cultural além dos limites da concep-ção pré-científica e pré-industrial do mun-do, independentemente do ritmo de desa-gregação da ordem social existente e dos seusreflexos nas formas de consciência social.Isso faz com que os intelectuais, especial-mente os que possuem alguma formação ouinformação na área da tecnologia ou do pen-samento científicos, tenham de assumir obri-gações específïcas como agentes de mudançacultural. O atrativo exercido pelas ciênciassociais, nesses países, explica-se, assim, peloque se espera delas, como fonte de alar-gamento do horizonte cultural e do refina-mento das formas de consciência social.

Quanto à função, duas são as conexõesrelevantes. De um lado, o processo em ques-tão relaciona-se com mecanismos que regu-lam a expansão dos estilos de pensamentoe de ação, inerentes à civilização tecnológicae industrial. Esta conexão traduz a existên-cia de certas forças, na órbita dessa civiliza-ção, que operam no sentido de diminuir adistância cultural das várias unidades naci-onais, nela integradas. De outro, ele concor-re, nos sistemas organizatórios de sociedades

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 149: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

149

pré-industriais ou em fase incipiente deindustrialização: a) para introjectar, no ho-rizonte cultural, alvos e modelos racionaisde ação; b) para fomentar, na consciênciasocial, o desejo de atingi-los.

Esta conexão interessa-nos de perto,porque situa, claramente, como as influên-cias secularizadoras ou racionalizadoras dosintelectuais se relacionam com a dinâmicada ordem social pré-industrial no presente.Por seu teor e por seus objetivos, elasalimentam propósitos que adquirem, no pla-no societário, caráter radical e revolucioná-rio, ainda que não se polarizem politicamen-te ou o façam de modo neutro. Não obstante,apesar de tais tendências serem percebidassocialmente, em particular pelos círculosconservantistas, elas só são combatidasquando se vinculam a aspirações polariza-das político-partidariamente. Os interessessociais, pressupostos pela alteração da or-dem pré-industrial, são tão múltiplos e uni-ficados que facilitam a racionalização dasreferidas influências secularizadoras eracionalizadoras. A confiança na “objetivi-dade” do pensamento científico tem algo aver com a motivação dessas reações. Masseu papel parece secundário, pois o queconta, na dinamização das diferentesimpulsões inovacionistas do comportamen-to coletivo, são os motivos centrais, defini-dos em termos do proveito que cada cama-da social espera tirar do “progresso” ou do“desenvolvimento”.

Em suma, a situação do trabalho doscientistas sociais, nos países subdesenvol-vidos, envolve-os em complexa teia de in-teresses sociais aos quais eles não podemser “indiferentes”. A gravidade dos proble-mas sociais soma-se à impossibilidade decompreendê-los objetivamente e de tratá-loseficazmente, através dos recursos intelec-tuais fornecidos pela herança cultural daordem pré-industrial. Em conseqüência, ointeresse da coletividade pelo tipo de saberque eles podem produzir não provém dacompreensão do que aquele saber significateoricamente, mas de pressentimentos e de

percepções que associam sua ausência ainsucessos na vida prática. A veracidadedesta afirmação pode ser comprovada, facil-mente, pela análise dos motivos explícitosda fundação da Escola de Sociologia e Polí-tica e da Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras, em São Paulo. Ambos os exemplosmostram que, mesmo nos círculos letrados,essas iniciativas se justificaram medianterazões práticas, sendo insignificante a im-portância atribuída, inicialmente, ao papelque as duas instituições poderiam desem-penhar, no campo da produção significativapara o progresso das ciências ou da filosofia.Contudo, tais expectativas não foram nemsão, na sociedade brasileira, estreitamente“utilitárias”. É o que sugere o fato de não seter pensado em criar papéis sociais especi-ficamente práticos para os cientistas sociais.O que se pretendia, abertamente, era reno-var a herança cultural do passado, pelaassimilação de uma modalidade mais com-plexa, precisa e eficiente de conhecimento.Vendo-se as coisas desse ângulo, é claro quese atribuía, insensivelmente, tarefas práti-cas aos cientistas sociais, pelo menos combase na presunção de que a produção inte-lectual deles contribuiria, de modo espon-tâneo, para o alargamento do horizonte cul-tural e para o refinamento das formas deconsciência social. Outra conclusão que seimpõe: as expectativas examinadas concen-tram-se em torno da “utilidade” que os co-nhecimentos científicos podem ter, social-mente, depois de produzidos. Não se vol-tam para a maneira pela qual eles são obtidos.Por isso, em nenhum ponto pode dizer-seque elas constituem “ameaças” à integridadedo pensamento científico. O que entra emjogo é antes a sensibilidade do cientista so-cial na escolha dos temas de suas investiga-ções, esperando-se que ela se volte para osproblemas sociais do País, que a naturezados procedimentos e o modo de explicar oobjeto.

Ao surgirem as primeiras possibilida-des de relacionar, organizadamente, a pes-quisa científica com a aplicação dos

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 150: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

150

conhecimentos por ela obtidos, nem se al-terou esse clima moral, nem se formaramexpectativas nocivas ao trabalho científicopropriamente dito. Deu-se, apenas, um pas-so importante no sentido de conduzir o de-senvolvimento das ciências sociais emdireção aos efeitos desejados no nível daconsciência social. Ligando-se, defi-nidamente, certo tipo de investigação à aná-lise de certo tipo de problemas, como ocorrecom o Centro Brasileiro de Pesquisas Edu-cacionais, a pesquisa não passou a sofrernenhuma limitação, mas os problemas edu-cacionais brasileiros ganharam novas pos-sibilidades de conhecimento sistemático ede tratamento objetivo. Os cientistas compreocupações teóricas poderão temer seusreflexos no desenvolvimento unilateral dasinvestigações, que tenderão a concentrar-se sobre os fenômenos educacionais e emsuas conexões com outros fenômenos, re-levantes para o processo educacional oupara a organização das instituições educa-cionais. Mas tais desvantagens são ampla-mente compensadas, teoricamente, pelasperspectivas abertas à pesquisa inter-disciplinar e para o desenvolvimento dasciências sociais aplicadas.

Em última análise, a questão reduz-sea saber se os cientistas sociais estão dis-postos a assumir responsabilidades que,embora não afetem suas obrigações funda-mentais perante os valores do pensamentocientífico, acarretam evidente fortalecimen-to das pressões indiretas dos círculos lei-gos sobre fases do trabalho científico até hojedeterminadas, arbitrariamente, pelosinteresses intelectuais dos própriosinvestigadores. Assim, os sociólogosmostraram-se pouco propensos, no passa-do, a admitir que tais tipos de pressões in-terferissem na realização de projetos apa-rentemente destituídos de significaçãoprática, como acontece com as investigaçõesfeitas nos campos da sociologia sistemáticae da sociologia comparada. Doutro lado,sempre pretenderam assegurar-se a avalia-ção final da importância relativa dos

resultados de suas investigações, segundocritérios extrapragmáticos. Em disciplinascomo a psicologia e a economia, em que issonão ocorreu em tão larga escala, os cientis-tas se interessaram pela aplicação porque estase incorporava, definidamente, no processode investigação propriamente dito. Mas tam-bém os psicólogos e os economistas tenta-ram manter-se autônomos em relação aoscírculos leigos, que poderiam intensificar ainfluência dos motivos práticos, em detri-mento dos motivos empíricos e teóricos, nodesenvolvimento de suas investigações.

No entanto, é preciso ponderar:

1°) que o mundo social em que vivem,presentemente, os cientistas sociais,já não é o mesmo que o do passado;

2°) que o teor positivo de uma investi-gação científica depende, exclusiva-mente, dos procedimentos emprega-dos na sua realização e na verifica-ção dos seus resultados.

A primeira conseqüência contribuiupara que se alterassem fundamentalmente,mesmo em países como a França, aInglaterra, a Alemanha ou os EstadosUnidos, as expectativas concernentes aos pa-péis intelectuais dos cientistas sociais. Es-perar-se deles, atualmente, contribuições quetendam a associar projetos de investigaçãoàs tendências de planejamento e de contro-le racional dos problemas sociais. A segun-da conseqüência leva-nos ao que é essenci-al, no momento. As pressões indiretas e oencadeamento regular da pesquisa científi-ca a projetos práticos só prejudica o teorpositivo das investigações se os especialis-tas deixarem os motivos práticos interferi-rem, livremente, no curso de seu trabalho ena qualidade de suas contribuições. MaxWeber, aliás, demonstrou com invulgarbrilho que a neutralidade não constitui umrequisito da “objetividade” nas ciênciassociais; e as pesquisas que estão sendo fei-tas por sociólogos ingleses, nos campos dasociologia industrial e da sociologia urbana,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 151: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

151

principalmente, atestam não só que isso épossível, mas, ainda, que os motivos práti-cos, tratados convenientemente, contribu-em para alargar os resultados positivos daexplicação sociológica. Ambos os exemplosmerecem exame atento, numa época em queas oportunidades de pesquisa empírica ede desenvolvimento teórico das ciências so-ciais tendem a depender, modo crescente,da conjugação de motivos empíricos e demotivos teóricos com motivos práticos. Peloque sabemos, essa conjugação não repre-senta, em si mesma, um perigo para asciências sociais, pois estas dispõem de re-cursos metodológicos que conferem aos in-vestigadores a possibilidade de conhecer,objetivamente, a espécie de influênciaexercida, no decorrer dos projetos de in-vestigação, por fatores extracientíficos e acapacidade de remover as perturbações queeles possam introduzir, eventualmente,na observação ou na interpretação dosfenômenos investigados.

Semelhantes considerações assinalamque os cientistas sociais podemcorresponder, ativamente, às responsabili-dades novas, que se abrem graças ao alarga-mento das obrigações inerentes a seus pa-péis intelectuais no mundo em quevivemos. Dessa perspectiva, seus ajusta-mentos estarão subordinados a aptidões,variáveis de especialista a especialista, deenfrentar com ânimo construtivo o referidoacréscimo de obrigações. A ética científicanão impõe nenhuma limitação, dada a im-portância que possui, para a ciência, a trans-formação de conhecimentos positivos emforças socialmente úteis à vida humana. Omesmo não se pode dizer dos interessessociais, disfarçados atrás dos motivos prá-ticos, que impulsionam as expectativas deutilização dos conhecimentos ou da coope-ração direta dos cientistas sociais. É por estarazão que tem surgido, especialmente entreos etnólogos e os sociólogos modernos, certatendência à evasão das tarefas práticas. Aantecipação de como suas contribuiçõesserviriam, no fundo, como instrumento de

dominação e de perpetuação de alienaçõesda pessoa humana, nas relações de “coloni-zadores” com “nativos” ou de “patrões” com“operários”, contraria e com freqüência neu-traliza o entusiasmo dos cientistas sociaispela sua inclusão em projetos práticos. Oscientistas sociais dos países subdesenvol-vidos debatem-se, naturalmente, com dra-mas íntimos dessa envergadura. Contudo,a situação histórico-cultural do meio ambi-ente oferece compensações especiais, mes-mo nos setores em que os especialistas te-nham plena consciência de que os benefíci-os de sua intervenção são monopolizadospelas camadas dominantes. Resta-lhes a con-vicção de que, a longo termo, os efeitos daintervenção se acabam refletindo em outrasesferas da vida social, com repercussões fa-voráveis à mudança interna do sistema so-cial global e às demais camadas dapopulação.

Por aí se vê que a situação histórico-cultural dos países subdesenvolvidos esti-mula certa homogeneidade no plano damotivação das expectativas de utilização dasciências sociais, alimentadas pelos leigos, edas disposições a corresponder a elas, sen-tidas pelos cientistas sociais. O verdadeiroóbice à participação eficiente dos cientistassociais em planos práticos emana da limita-ção de recursos financeiros e institucionais.Como tal questão não interessa à presentediscussão, trataremos, a seguir, de duas im-plicações básicas. Primeiro, os motivos prá-ticos que poderiam justificar, do ponto devista dos cientistas sociais, o acréscimo deobrigações resultante da cooperação com oseducadores, no tratamento racional dos pro-blemas educacionais brasileiros. Segundo,o modus faciendi dessa colaboração, queexpõe os cientistas sociais brasileiros à con-tingência de trabalhar, intensivamente, naárea das ciências sociais aplicadas, na qualsão limitados os recursos teóricos emetodológicos fornecidos pelas geraçõesanteriores de cientistas.

A caracterização, feita acima, do “dilemaeducacional brasileiro” mostra-nos que

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 152: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

152

o sistema educacional brasileiro precisa seradaptado, em condições de penúria de mei-os institucionais e financeiros, a várias fun-ções que se impõem, em escala local, regio-nal ou nacional, à educação sistemática naatualidade. Além disso, tendo-se em contaa situação histórico-cultural do País, é pa-tente que as medidas a serem tomadas nes-sa esfera possuem importância dinâmicaespecífica:

a) diretamente, para as tentativas devalorização de fatores humanos davida econômica, subaproveitadosou desperdiçados no presente, emgrande parte por causa da persis-tência variável de atitudes e deconcepções pré-capitalistas deprodução, de consumo ou de troca;

b) indiretamente, para a criação, o fo-mento e a difusão de incentivos ede alvos ideais de atuação social,consistentes com os requisitos ma-teriais e morais da organização davida humana na civilizaçãocientífica, tecnológica e industrial.

É este quadro, em que as necessidadesimediatas com os meios disponíveis paraatendê-las e os efeitos desejadossocietariamente servem como “sistema dereferência”, que dá ao cientista social umavisão própria dos motivos práticos, susce-tíveis de levarem-no a querer participaçãoregular e ordenada nos processos de inter-venção e de controle racionais dos proble-mas educacionais brasileiros. Em contrastecom os componentes das várias camadassociais e com a mentalidade típica dos“homens de ação”, a motivação dos ajusta-mentos do cientista social não é confinadapelos interesses sociais particulares de queele participa como membro de determina-da camada social. A educação científica for-nece-lhe suficiente plasticidade e capacida-de de abstração para lidar, objetivamente,com as diferentes situações de interessessociais e com as exigências decorrentes que

sejam relevantes no plano da integração dosistema societário global. Por isso, ele nãoprocura justificar sua intervenção, naprática, mediante móveis que acarretem com-pensações imediatistas. Embora viva de seusalário e compartilhe das preocupaçõescotidianas dos demais membros da classesocial a que pertença, para ele é deveras maisimportante saber como e porque a contri-buição que possa dar, na qualidade decientista, torna-se “necessária” e “útil” emdeterminada situação histórico-social.

Deste ângulo, tanto os ideais pedagógi-cos, que imprimam sentido às atividades doseducadores ou ao rendimento dos sistemaseducacionais, quanto os valores culturais,que orientem a atuação dos movimentossociais, são encarados, pelo cientista social,como “dados da situação”. Não lhe cabeapreciar a essência desses ideais ou valoresnem sua qualidade, como produções abs-tratas da inteligência humana, mas estabele-cer as vinculações deles com as situaçõessociais de vida, para verificar se corres-pondem ou não às exigências dinâmicas,recorrentes e variáveis, das necessidadeseducacionais impostas pelas situaçõesconsideradas. Em conseqüência, o cientistasocial opera com as opções e as preferênciasaxiológicas no plano em que elas se apre-sentam como parte das condições materiaise morais da vida humana socialmente orga-nizada. Entre seus intentos empíricos, teó-ricos ou práticos não se inclui a pretensãode substituir as matrizes socioculturais des-sas opções e preferências pela atividade re-flexiva dos próprios cientistas sociais. Por-tanto, escolhas que envolvam opções oupreferências axiológicas por ideais pedagó-gicos ou por valores culturais não se inse-rem entre os motivos práticos substanciaispara os cientistas sociais. Tais opções e pre-ferências acabam tornando-se cruciais emseu trabalho, porém elas são abstraídas emanipuladas no próprio curso dos proces-sos de investigação e de tratamento dos pro-blemas educacionais. Não obstante, os al-vos dos educadores e dos movimentos

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 153: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

153

sociais definem-se, diretamente, nesseplano, porque os referidos ideais e valorescondicionam e orientam a atividade de am-bos na percepção, na explicação e no con-trole dos problemas educacionais. Isso deixade ocorrer com os cientistas sociais, em vir-tude da “perspectiva objetiva” de que enca-ram os ideais pedagógicos e os valoresculturais. Descartando-se das preocupaçõesque pressupõem a apreciação dos problemaseducacionais em termos do caráter substan-cial ou do teor instrumental dos ideais pe-dagógicos e dos valores culturais, os cien-tistas sociais perdem certas possibilidadesde elaboração intelectual, mas podemconcentrar-se no exame de certas relações,que são igualmente importantes para oconhecimento e o controle societários dosprocessos educacionais. São, naturalmente,as relações que existem entre a estrutura eo funcionamento dos sistemas educacionaise a organização das sociedades humanas.

Os motivos práticos decisivos, para oscientistas sociais, definem-se no nível des-sas relações. Importa-lhes estabelecer, prin-cipalmente, como as fricções, as des-continuidades ou as inconsistências, per-cebidas nas relações do sistema educacio-nal com a organização do sistema societárioinclusivo, repercutem, dinamicamente, navida social. De um lado, para saber se taisrepercussões afetam, direta ou indiretamen-te, as condições de eunomia do sistemasocietário considerado. De outro, para sa-ber como a sociedade se comporta diantedos efeitos disnômicos dessas repercussões.As modalidades de reação societária sãomuito variadas. Assim, aqueles efeitos po-dem ser suportados como as ocorrênciascataclísmicas, contra as quais o homem nadapode. Mas eles também podem ser percebi-dos e explicados socialmente, pelos agen-tes humanos, como acontece na modernasociedade de classes, e levados à consciên-cia social como “problemas sociais”.Quando isso ocorre, a área de percepção ede explicação estende-se às possibilidadesde controle, pelo menos dos efeitos

disnômicos entendidos socialmente comosendo mais graves e perturbadores. Sob esteaspecto, há dois pontos a esclarecer. Oprimeiro diz respeito à operação desses me-canismos na civilização tecnológica e indus-trial. A progressiva racionalização dos modosde conceber e de explicar o mundo, bemcomo dos modos de agir, deu origem a situa-ções que só podem ser incluídas na esferade consciência social mediante o empregosistemático de técnicas e de procedimentosracionais. Em outras palavras, isso significa,pura e simplesmente, que a reação societáriaa muitos “problemas sociais” passou a de-pender da especialização de certas atividadesintelectuais, que vêm sendo atribuídas a ci-entistas sociais e a técnicos em serviçossociais. O papel desempenhado por Marx,no movimento socialista, ilustra bem esseprocesso. Todavia, ele é mais geral em nos-sa época, em que os cientistas sociais e ostécnicos em serviços sociais são aproveita-dos, extensamente, nos mais variados pro-jetos de organização racional do trabalho,de planejamento ou de controle racional dos“problemas sociais”, como o desemprego, oalcoolismo, as depressões, as doenças men-tais, a delinqüência, a desorganização dafamília, etc. O segundo refere-se à manifes-tação dos mecanismos espontâneos de cons-ciência social na sociedade brasileiracontemporânea. Como é sabido, no Brasilcoexistem, historicamente, diversas ordenssocioculturais, constituídas ao longo da evo-lução social do País. Onde prevalecem asconcepções tradicionais do mundo e a do-minação patrimonialista, a reação societáriaaos “problemas sociais” é regulada por pres-sões conservantistas, que restringem asmanipulações conscientes das tensões am-bientes ao que afeta os interesses sociais dascamadas dominantes e são mais ou menoshostis aos influxos renovadores de conhe-cimentos e técnicas de consciência social,difundidas a partir dos núcleos urbanos.Onde a “cidade” encontra relativo flo-rescimento autônomo, os aludidos conhe-cimentos e técnicas de consciência social são

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 154: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

154

acolhidos como valores sociais, mas alcan-çam reduzida exploração na vida cotidiana:o desenvolvimento alcançado pelas insti-tuições sociais, da escola aos partidos, ofe-rece restrito apoio estrutural e funcional àutilização construtiva de mecanismos com-plexos de controle social. Por fim, onde osnúcleos urbanos atingem desenvolvimentointenso e a “metrópole” configura-se comounidade social de vida, aparecem condiçõespropícias ao emprego contínuo e construti-vo das formas de consciência social secula-rizadas e racionais. As próprias instituiçõessociais, como as escolas, os jornais ou ospartidos concorrem para entrosar ohorizonte cultural às exigências de situa-ções de convivência que subordinam a ca-pacidade de ajustamento a processospsicossociais ou socioculturais conscientes.Em conjunto, portanto, vemos que existemdiferentes níveis organizatórios na so-ciedade brasileira e que as influênciasintegrativas uniformizadoras não são,ainda, bastante fortes para impor mecanis-mos de consciência social sequer ho-mologamente homogêneos.

Transpondo-se essas conclusões parao plano em que os motivos práticos caemno campo de trabalho dos cientistas sociais,é evidente que os problemas humanos dasociedade brasileira incentivam os especia-listas a desejarem sua inclusão regular emprojetos de intervenção deliberada nos pro-cessos socioculturais, independentementede outras considerações, sobre a continui-dade e o alcance dos meios disponíveis oua eficácia desejável em projetos dessanatureza. Além dos motivos práticos quejustificam, em condições histórico-sociaisdiferentes, a participação dos cientistas so-ciais em projetos racionais de planejamen-to ou de controle – os quais aparecem, emalgum grau, vinculados aos problemas so-ciais das “grandes cidades” brasileiras –temos que considerar a importância espe-cífica de sua contribuição em face dos ní-veis organizatórios da sociedade brasileira,mais ou menos privados de mecanismos

efetivos de consciência social. Embora sesaiba que a mudança social não constituiuma função da consciência alcançada, inte-lectual ou socialmente, sobre os fatores, osefeitos e as possibilidades de controle dosproblemas sociais, tal consciência representao primeiro passo a ser dado na luta dohomem pelo domínio de suas condiçõesreais de existência. Por isso, os cientistassociais brasileiros não só compartilham dosmotivos práticos, que estão alimentando orápido desenvolvimento contemporâneo dasciências sociais aplicadas, mas têm sólidasrazões para se interessarem, especialmente,pelas oportunidades abertas ao aproveita-mento regular de seu trabalho, onde for pos-sível associar os conhecimentos científicosà transformação da sociedade brasileira.Algumas dessas razões são bem conhecidas,inclusive no que elas poderão significar paraa adaptação do sistema educacional brasi-leiro às necessidades socioculturais dopresente.

Restringindo-nos ao essencial, pareceque são três os grupos de razões práticasque situam, no horizonte intelectual dos ci-entistas sociais, o valor específico de suacolaboração organizada com os educadoresbrasileiros. Em primeiro lugar, é precisoconsiderar o significado geral de suas con-tribuições, na criação de tendências objeti-vas de percepção e de explicação dos pro-blemas educacionais brasileiros. Os resul-tados de suas investigações sobre tais pro-blemas podem exercer influências constru-tivas tanto na mentalidade dos educadoresquanto na dos leigos. A razão disso ésimples. As condições histórico-sociais doPaís têm fomentado disposições de espírito,ainda hoje fortemente ativas, polarizadas emtorno de concepções em conflito da ampli-tude e das funções da educação sistemática.Entre os educadores, o confronto de nossaspossibilidades educacionais com as de paí-ses mais adiantados conduz à convicçãode que se deve acelerar as transformaçõesdo sistema educacional brasileiro, de modoa ajustá-lo ao grau de desenvolvimento

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 155: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

155

comportado pelos padrões importados deorganização das atividades educacionais edas instituições escolares. Entre os leigosletrados, em geral das camadas sociais do-minantes ou leais a seus interesses e valo-res, prevalecem inclinações que revelam cer-to pessimismo sobre a eficácia de nossasinstituições escolares, relativa indiferençapelo funcionamento das escolas e pelo tra-balho dos mestres ou dos alunos, um ceti-cismo bem definido a respeito da capacidadedo “povo” em aproveitar os benefícios daeducação sistemática e um temorindisfarçável pelas conseqüências da demo-cratização do ensino, em seus diferentesníveis.

É claro que ambas as tendências pos-suem algumas influências construtivas. Oseducadores atuam como uma força deradicalização da mudança educacional, pro-pagando ideais renovadores de ensino e re-alizando ou dirigindo reformas educacio-nais urgentes. As atitudes conservantistasdos leigos concorrem, por sua vez, para se-lecionar as impulsões inovadoras, difundi-das pelos educadores, moldando-as à ca-pacidade receptiva do meio socioculturalbrasileiro. Em conjunto, as duas tendênci-as corrigem-se mutuamente, embora os efei-tos finais mantenham latentes as tensõessubjacentes, em prejuízo do equilíbrio dosistema educacional brasileiro e de suaintegração à sociedade inclusiva. Doutrolado, também é evidente que ambas as ten-dências exercem influências negativas. Oeducador tende a operar antes como agentede difusão cultural que como intérprete re-alista das exigências específicas da situa-ção educacional brasileira. As inovações porele defendidas são, com freqüência, resul-tantes de confrontos que conduzem àsuperestimação de potencialidades não de-senvolvidas da educação sistemática no Bra-sil, em regra concebidas abstratamente, porcausa da negligência com que é encarada aanálise complementar dos fatores so-cioculturais que poderiam permitir o cote-jo delas com as necessidades efetivas, as

possibilidades institucionais e os recursosdo meio social brasileiro. Limitações dessaordem patenteiam-se mesmo em um docu-mento recente, de importância histórica,como o Manifesto dos Pioneiros da Educa-ção. As conseqüências negativas da atitudedos leigos letrados transparecem, abertamen-te, na dinâmica do sistema educacional.Nessas atitudes estão a raiz e a fonte de per-sistência de um dos principais males queafetam o funcionamento e o desenvolvimen-to das instituições escolares no Brasil, aausência de controles e de pressões sociaisindiretas, orientados positivamente, susce-tíveis de fiscalizar a qualidade, a variedadee a eficiência do ensino, em seus diversosníveis. Isso faz com que os leigos letradosdeixem de assumir os papéis sociais que de-corram do entrecruzamento de interesses ede obrigações sociais entre as demais insti-tuições e a escola, e com que se destrua,pela base, qualquer espécie de consensocoletivo sobre o significado das escolas e dosserviços de educação sistemática como va-lores sociais. Em conjunto, as duas tendên-cias contribuem, de formas diferentes, paramanter o rendimento das instituições esco-lares em nível de subaproveitamento dasoportunidades ou dos recursos educacionaisdo ambiente. Seus conflitos geram, alémdisso, o maior obstáculo à expansão e à di-ferenciação do sistema educacional brasilei-ro, que consiste na falta de diretrizes médi-as, universalmente aceitas, sobre a impor-tância da educação sistemática para a for-mação moral do homem, para o equilíbriosocial e, em particular, para o desenvolvi-mento da sociedade brasileira. Aqui está, vi-sivelmente, o fator sociodinâmico dadescontinuidade de nossa política educacio-nal, cujos reflexos na perturbação do ensi-no são bem conhecidos.

Dessa perspectiva, os cientistas sociaisrepresentam-se o valor prático de suas con-tribuições encarando-as através das funçõesque elas podem desempenhar, efetivamen-te, como “técnicas racionais de consciênciasocial” no meio sociocultural brasileiro.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 156: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

156

Elas trazem consigo a possibilidade de alar-gar o horizonte intelectual tanto dos educa-dores quanto dos leigos letrados. Emboranão possam, por si mesmas, suprimir osconflitos existentes entre ambos, os quaispromanam de fontes socioculturais, escla-recem-nos a respeito das origens deles e in-troduzem novos critérios de avaliação dasituação educacional brasileira e de suas exi-gências, relevantes para a sobrevivência e oprogresso do País. Tais critérios, pondo ên-fase nas relações formais e funcionais daeducação sistemática com o mundo socialambiente, são mais facilmente aceitáveis,desde que se tornem acessíveis e inteligí-veis. Por isso, alargando o horizonte inte-lectual comum, os critérios dessa naturezaestendem e aumentam a influência dos ele-mentos psico ou sociodinâmicos, que de-terminam o teor objetivo dos mecanismosde consciência social. A mesma perspecti-va sugere que os cientistas sociais têm sóli-das razões para estimar, positivamente, osresultados práticos presumíveis de sua co-laboração organizada com os educadoresbrasileiros. Uma instituição como o CentroBrasileiro de Pesquisas Educacionais dá aoseducadores a oportunidade de pensar, emseus projetos de intervenção no sistema edu-cacional brasileiro, não só em termos dosrequisitos técnicos e dos alvos ideais doprocesso educacional, mas também tendoem vista a importância sociocultural relati-va das necessidades educacionais a serematendidas e a capacidade da sociedade bra-sileira em absorver, de fato, as inovaçõeseducacionais mais ou menos urgentes.

Em segundo lugar, é preciso conside-rar o significado das contribuições dos ci-entistas sociais para a reconstrução do sis-tema educacional brasileiro. Dadas as pola-rizações negativas do que chamamos “dile-ma educacional brasileiro” e a complexida-de das tarefas com que arcam os educado-res, para intervir, simultaneamente, nos trêsníveis em que os problemas educacionaisbrasileiros desafiam sua capacidade de ação,parece óbvio que as exigências práticas da

situação requerem aproveitamento contínuoe intenso de técnicas racionais de controle.Deste aspecto, não enfrentamos apenas osinconvenientes e as limitações da mudançacultural espontânea. Temos que arrostar, tam-bém, dificuldades e obstáculos que sãopeculiares aos países subdesenvolvidos.“Crescer”, nestes países, implica“reconstruir”, dentro de condições poucofavoráveis quanto à disponibilidade demeios financeiros, institucionais ouhumanos e à sua utilização eficiente. Porisso, a intervenção racional defronta-se coma necessidade de corrigir os efeitos produ-zidos pelo subaproveitamento generalizadodos serviços e das instituições sociais, parater sucesso na criação de condiçõessocioculturais indispensáveis à assimilaçãode novos serviços e instituições sociais.A eficácia da mudança cultural espontâneacai, de maneira inapelável e acentuada, emvirtude da tendência dominante, na menta-lidade do senso comum, a negligenciar osproblemas que estão, aparentemente, “resol-vidos” e incorporados à órbita da adminis-tração. Atendo-nos ao nosso tema, pareceque as múltiplas reformas do nosso sistemaeducacional atestam que a gravidade da si-tuação educacional brasileira nos tirou atéas pequenas vantagens, proporcionadaspelo crescimento espontâneo, como formade seleção e de manipulação dos problemasnascidos das inconsistências das institui-ções educacionais. Semelhante procedimen-to seria construtivo, se o sistema educacionalbrasileiro correspondesse satisfatoriamente,como um todo, pelo menos às necessidadeseducacionais mínimas das diferentes zonassocioculturais do País. Como isso não acon-tece, os educadores são forçados a cogitarsobre planos complexos de intervenção, queenvolvem a “reconstrução” como modalida-de de intervenção deliberada na realidade.

Desse ângulo, os cientistas sociais pos-suem razões para supor que suas contribui-ções são úteis e necessárias. Os resultadosde suas investigações mostram, na verdade,duas coisas sumamente importantes para os

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 157: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

157

educadores, em um país como o Brasil. Deum lado, quais são as condições e os fato-res socioculturais responsáveis pelosubaproveitamento dos recursos educacio-nais do ambiente e pelas inconsistênciasinerentes à estrutura ou ao funcionamentodas instituições escolares. De outro, se ecomo os efeitos de tais condições e fatoresatuam como obstáculos à expansão e à dife-renciação das funções da educação sistemá-tica, apesar de semelhantes ocorrências se-rem comportadas quer pelos padrões de or-ganização das atividades educacionais, querpelas necessidades educacionais básicas dedeterminados setores da população ou destacomo um todo. Isso significa que os conhe-cimentos especializados, fornecidos peloscientistas sociais, dão aos educadores apossibilidade de submeter os problemaseducacionais a uma espécie de controle ra-cional que corresponda aos requisitos e aosalvos da reconstrução educacional propri-amente dita, que não pode estar subordina-da a outros modelos de intervenção, senãoos envolvidos pela mudança culturalprovocada.

Em terceiro lugar, é preciso considerarcomo a especialização se está refletindo nastarefas intelectuais, exigidas pela realizaçãode planos periódicos de reconstrução edu-cacional ou de intervenção localizada nocontrole dos problemas educacionais. Oestilo de tratamento prático de tais ques-tões, pressuposto pela nova mentalidade ra-cional, acarreta o desdobramento das atri-buições rotineiras dos cientistas sociais,com a conseqüente formação de papéis in-telectuais específicos, nas fases “técnicas”dos planos educacionais. Sabemos que issonão acontecia no passado, pois cabia aos“homens de ação”, em colaboração com oseducadores, resolver os problemas suscita-dos pela formulação e pela execução de dada“política educacional”. Em nossos dias,porém, é impossível restringir aos “homensde ação” e aos educadores a responsa-bilidade pela solução dos problemaseducacionais, especialmente quando esta se

subordina a planos educacionais propria-mente ditos. Neste caso, a cooperação regu-lar dos cientistas sociais se impõe tanto naescolha racional dos fins quanto na seleçãoe na exploração racionais dos meios. Ape-sar da familiaridade dos educadores com osmétodos e os problemas das ciências sociais,eles dependem dos cientistas sociais:

a) seja para a determinação da viabili-dade dos fins, que possam ser esco-lhidos abstratamente;

b) seja para a definição de fins cuja des-coberta só pode ser conseguidamediante investigação das exigên-cias concretas de certa situaçãoeducacional;

c) seja para a escolha dos meios maisadequados à consecução dos finsvisados, em determinadas circuns-tâncias histórico-sociais;

d) seja para a previsão e a verificaçãodo rendimento obtido, durante arealização dos planos educacionais.

É óbvio que, no nível que estamos con-siderando, as razões práticas são represen-tadas, pelos cientistas sociais, em termos deutilidade dos planos educacionais como fa-tores de ajustamento das funções da educa-ção sistemática à economia capitalista, à so-ciedade de classes e ao regime democrático.Em suma, elas caem em seu horizonte inte-lectual pelos efeitos que os planos educaci-onais poderão produzir na eliminação dosdesequilíbrios ou das inconsistências, exis-tentes entre o sistema educacional brasilei-ro e as exigências da ordem socialestabelecida. Desta perspectiva revela-se,nitidamente, a espécie de influênciasociocultural construtiva reservada, atravésdo planejamento educacional, aos papéisintelectuais dos educadores e dos cientistassociais. Graças às oportunidades de traba-lho cooperativo, criadas por uma institui-ção como o Centro Brasileiro de PesquisasEducacionais, os papéis intelectuais de am-bos são inseridos, diretamente, na esfera em

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 158: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

158

que a atividade humana se volta, inteligen-te e racionalmente, para a alteração do esta-do de subdesenvolvimento do País e a cor-reção de suas conseqüências que afetem aspossibilidades de progresso.

Quanto ao modus faciendi da coopera-ção entre educadores e cientistas sociais, adiscussão precedente mostra que os segun-dos só oferecerão contribuições construti-vas sob dupla condição:

1ª) de prestarem sua colaboração comoe enquanto cientistas, mesmo nasfases técnicas dos processos de in-tervenção na situação educacionalbrasileira;

2ª) de subordinarem suas investigaçõesaos propósitos e aos modelos deraciocínio científico nas ciênciassociais aplicadas.A primeira condi-ção é deveras importante, emboranão pareça óbvia.

Na verdade, o risco de o cientista soci-al converter-se em “homem de ação” e pro-ceder de acordo com as normas práticas,tradicionalmente usadas na solução dos pro-blemas educacionais, sempre existe. As con-seqüências desse risco precisam ser evita-das, pois o que justifica a inclusão do cien-tista social no processo é sua capacidadede dar ao educador assistência especializa-da, seja na obtenção de conhecimentos so-bre as origens e as perspectivas de controleracional dos problemas educacionais, sejana supervisão do curso e dos efeitos dastentativas de controle racional, efetivamentedesenvolvidas com base em tais conheci-mentos. Se a transformação eventual dedado cientista social em “homem de ação”não prejudicar a normalidade do processo,sob esses aspectos, é lógico que nada há aobjetar contra ela. A segunda condição, porsua vez, parece-nos óbvia. Ainda que o ci-entista social deva, para ser útil em proces-sos dessa natureza, prestar sua colabora-ção em termos estritamente científicos, o fatoé que os alvos das investigações passam a

ser determinados, nessas circunstâncias, poruma combinação especial e primordial demotivos empíricos, teóricos e práticos. Aexperiência negativa acumulada pelos “tra-balhadores sociais”, pelos “engenheiros so-ciais” ou pelos “reformadores sociais” acon-selha-nos a evitar tanto o empirismo estrei-to quanto o pragmatismo exagerado. Ambasas tendências conduzem ao malogro tão fa-cilmente quanto à pseudo-solução dos pro-blemas, salientando a conveniência de es-tender-se os alvos empíricos ou teóricos dasinvestigações até onde for necessário, emvista dos conhecimentos fundamenteis, con-seguidos, previamente, sobre dados proble-mas sociais e seus fatores psicossociais, eco-nômicos ou socioculturais. Mas os motivospráticos se inserem aqui, na forma em queeles são assimiláveis pelo pensamento cien-tífico, na delimitação do ponto de vista dasinvestigações. Por isso, os cientistas sociaisperdem a lïberdade de proceder como se ope-rassem nas áreas da pesquisa fundamental.Seus interesses pelos motivos empíricos outeóricos das investigações deixam de ser re-gulados, assim, pelos alvos da “ciênciapura”. Os limites dentro dos quais eles pre-cisarão ser elaborados passam a dependerdos motivos práticos, vinculados à espéciede controle que se pretenda alcançar sobrecertos problemas sociais. Transpondo-seessas reflexões para o plano da cooperaçãodos cientistas sociais com os educadores bra-sileiros, fica patente que os alvos nuclearese dominantes de suas investigações terão depolarizar-se em torno dos problemas educa-cionais brasileiros e das possibilidades deintervenção racional, asseguradas pelo sis-tema sociocultural brasileiro, no controleparcial ou global dos referidos problemas.

Isso nos leva à conclusão de que os ci-entistas sociais devem cooperar, mas comestudos de interesse definido para a solu-ção dos problemas educacionais brasileiros.Tais estudos não possuirão teor meramente“utilitário” nem os cientistas sociaiscorresponderão, através deles, a obrigaçõesou papéis intelectuais de caráter “técnico”.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 159: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

159

Ao prestarem semelhante colaboração aoseducadores brasileiros, os cientistas sociaisnão estarão convertendo as ciências sociaisem técnicas sociais ou em artes sociais.Estarão respondendo, estritamente, aosrequisitos do raciocínio científico em umaárea na qual o intervalo entre o conheci-mento empírico ou teórico e a aplicação éde molde a exigir investigações especiaissobre o objeto da intervenção racional, omodo de pô-la em prática e os efeitos quedela se podem esperar, garantidas determi-nadas relações entre meios e fins. Em con-seqüência, supomos que semelhantecooperação apenas estende os limites den-tro dos quais são aproveitados, de modosistemático, os procedimentos científico-positivos de observação, de análise e de in-terpretação dos processos que ocorrem nomundo social humano. Resta-nos discutir,portanto, apenas duas questões, que exi-gem esclarecimento especial, concernentesàs modalidades e ao alcance prático dosestudos que resultarem da mencionada co-laboração dos cientistas sociais com oseducadores brasileiros.

Os cientistas sociais podem, natural-mente, oferecer vários tipos de contribui-ções aos educadores. A rigor, a escolha dosobjetos das investigações particulares e aprópria estratégia a ser seguida no trabalhode pesquisa ou de interpretação dependemda natureza do problema educacional cujocontrole se pretenda alcançar. Isso significaque os cientistas sociais terão de operar, po-sitivamente, com “unidades de pesquisa”abstraídas a partir de motivos práticos. Noentanto, as referidas unidades poderão serselecionadas, indiferentemente, em qualquerdos níveis em que os educadores precisamenfrentar os problemas educacionais. Asimplicações relevantes, a esse respeito, re-lacionam-se com as possibilidades do edu-cador de definir, logicamente, seus proble-mas práticos em termos que permitam en-cetar o processo de investigação. Sob esteaspecto, é possível distinguir três situaçõestípicas:

a) o educador possui meios para defi-nir, com base em elaborações abs-tratas de valores ou de experiênciaspráticas, os alvos da intervenção ra-cional ou dos planos educacionais;

b) o educador tem elementos para de-sejar certa alteração na organizaçãode serviços ou de instituições edu-cacionais, mas não dispõe de conhe-cimentos sobre a natureza dos alvosa serem propostos;

c) após escolher os alvos da interven-ção, os meios por ela requeridos eas etapas a serem observadas nodecorrer dela, bem como dee ter dadoinício aos planos assim estabeleci-dos, o educador necessita de conhe-cimentos objetivos sobre a naturezados efeitos provocados e das reper-cussões deles no curso do processode intervenção.

Na primeira situação, o cientista socialseria chamado para colaborar na escolha ra-cional dos meios. É o que aconteceria, porexemplo, se o educador pretendesse alterara estrutura da escola primária brasileira, como propósito de favorecer a confiança dos alu-nos na própria capacidade de avaliação, dedecisão e de ação. Nesse caso, o cientistasocial precisaria efetuar pesquisas quemostrassem: como atuam as influênciaspsico e sociodinâmicas inerentes à estrutu-ra atual da escola primária, às formas de li-derança nela predominantes e às experiên-cias socializadoras extra-escolares dos alu-nos; os modelos de organização dassituações escolares, compatíveis com aspotencialidades estruturais e funcionais denossas escolas primárias, capazes de prote-ger a formação de personalidades democrá-ticas, mesmo mantendo-se estáveis outrasinfluências mais ou menos adversas doambiente. A elaboração interpretativa pro-porcionaria, objetivamente, conhecimentodos meios manipuláveis nas condições re-ais de consecução dos fins. Na segundasituação, o cientista social seria chamado

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 160: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

160

para colaborar na escolha racional dos fins.É o que aconteceria, por exemplo, se o edu-cador pretendesse “adaptar” as funções doensino primário a determinada regiãosociocultural do País. Nesse caso, o cientistasocial precisaria efetuar pesquisas que reve-lassem: as necessidades educacionais efe-tivamente atendidas pelo ensino primário,no contexto sociocultural da região consi-derada; as necessidades educacionais, re-conhecidas abertamente pela população ouidentificáveis por procedimentos indiretos,que deixam de ser satisfeitas de modo variá-vel ou permanente. A elaboração inter-pretativa forneceria, objetivamente, os finsa serem focalizados em planos de reformados educadores. Na terceira situação, ocientista social seria chamado para colaborar(após eventual participação em fases pre-paratórias, ligadas com a escolha racionaldos meios ou dos fins), nas fases de execu-ção dos planos educacionais, para lidar comos problemas relacionados com o controleracional das combinações possíveis demeios e de fins. É o que aconteceria, porexemplo, se o educador pretendesseverificar até que ponto as tentativas de“adaptação” das funções do ensino primá-rio a determinada região sociocultural doPaís estariam concorrendo para aumentar autilização construtiva dos recursos educa-cionais do ambiente e para fomentar a crista-lização de novos focos de desenvolvimentoou de progresso. Nesse caso, o cientistasocial precisaria efetuar pesquisas que evi-denciassem: o grau de sucesso conseguidona “adaptação” das funções do ensino pri-mário às necessidades educacionais daregião; os efeitos interferentes, provocadospor obstáculos imprevistos ou por lapsosna manipulação de condições e de fatoresdinâmicos, e a espécie de influênciaexercida por eles no curso esperado do pro-cesso e na consecução gradual dos objetivosvisados. A elaboração interpretativa ofere-ceria, objetivamente, uma visão global dosacertos, dos erros e das correções estruturalou funcionalmente necessárias, imprimindo

ao planejamento educacional um critério“experimental” (para usarmos uma qualifi-cação já explorada por Mannheim).

A questão do alcance das contribuiçõesdos cientistas sociais, no nível prático emque ela se coloca em virtude da colaboraçãodeles com os educadores, apresenta duaspolarizações. Uma, “teórica”, que permitecalcular a importância relativa das contri-buições dos cientistas sociais tendo em vis-ta os tipos de controle requeridos pelos pro-blemas educacionais. Outra, “instrumental”,que deriva dos recursos institucionais, dis-poníveis regularmente pelos educadores,para a utilização, de forma produtiva, dascontribuições dos cientistas sociais naelaboração e na execução dos planoseducacionais. Devido à primeira polarização,é claro que o alcance prático dascontribuições dos cientistas sociais nãodepende, apenas, da gravidade e complexi-dade dos problemas educacionais. A dis-posição dos educadores, em enfrentá-losmediante técnicas científicas, também contacomo um elemento crucial. Por isso, emúltima instância, o significado prático dascontribuições dos cientistas sociais, enten-dido em termos de meras potencialidadespragmáticas, varia com a capacidade dospróprios educadores em definirem os pro-blemas, que caem no seu campo de ação, eem formularem a espécie de colaboração deque precisam. Devido à segunda polariza-ção, o alcance prático efetivo das contribui-ções dos cientistas sociais subordina-se,diretamente, à plasticidade com que o siste-ma institucional se altera, para ajustar-se aexigências novas da situação histórico-social.Como os cientistas sociais, os educadorestêm limitado poder para introduzir inovaçõessubstanciais no sistema institucional. Aindaassim, por força de seus papéis intelectuaisespecializados, o seu campo de iniciativa, aesse respeito, é incomparavelmente maior,pelo menos no que tange às instituições edu-cacionais. Daí uma conseqüência deverasimportante: o valor “instrumental” das con-tribuições dos cientistas sociais depende,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 161: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

161

grandemente, da capacidade dos educadorestirarem proveito delas, modificando, se pre-ciso, a própria organização das instituiçõesque disciplinam e orientam suas atividadescriadoras. O planejamento educacional é umbom exemplo desse fato. O sucesso ou oinsucesso dos planos educacionais não cons-titui função exclusiva da eficácia prática deconhecimentos específicos fornecidos aoseducadores pelos cientistas sociais. Ambasas condições também se relacionam, direta-mente, com o esforço realizado pelos educa-dores no sentido de dotar a rede formal deinstituições educacionais de serviços ajus-tados aos requisitos estruturais e funcionaisdo planejamento, como complexo deatividades sociais interdependentes.

Deste ângulo, as responsabilidades as-sumidas pelos cientistas sociais são ampla-mente compensadas pelas que cabem aoseducadores. Como ocorre com outras for-mas de cooperação, também aqui o resulta-do final deve ser visto como produto daconjugação de iniciativas e de realizações.Contudo, convém não exagerar os efeitosinovadores, socialmente construtivos, des-sa colaboração. Ela é insuficiente, por simesma, para libertar a educação sistemáticadas teias invisíveis que restringem ou

deterioram as funções das escolas brasilei-ras, como fatores de progresso social. Comisso, queremos dizer que se impõe associaras reformas e os planos educacionais a ou-tras modalidades de intervenção na realidade.A compartimentalização, imperante nos ser-viços públicos brasileiros, revela-se notoria-mente no funcionamento das instituiçõeseducacionais e na mentalidade com que oseducadores procuram enfrentar os problemaseducacionais brasileiros. Ela precisa ser com-batida, para ceder lugar a um estilo de açãoque nos leve a considerar a solução dos pro-blemas educacionais à luz dos vários fatoresque concorrem em sua produção e, por isso,precisam ser manipulados simultaneamente.A contribuição dos cientistas sociais poderáser deveras construtiva para a constituiçãode tal estilo de ação e da mentalidade corres-pondente, favorável à conjugação dos servi-ços públicos, onde isso for recomendável.Não obstante, mesmo que esta condição serealize, convém não esquecer que a eficáciadas medidas educacionais – inclusive das queparecerem bem sucedidas – será ilusória,enquanto elas não encontrarem condições devida social organizada suscetíveis de preser-var ou de renovar a espécie de “melhoria”que acarretarem.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 125-161, jan./abr. 2005.

Page 162: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 163: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

163

Introdução

Não é problema fácil estabelecer-se marcos significativos para delimitar os váriosperíodos em que se pretende dividir a história da humanidade. Todas asdivisões adotadas têm provocado controvérsias.

Geralmente, utiliza-se a própria sucessão dos séculos, tendo como ponto de partida onascimento de Cristo, considerado o acontecimento mais importante, ao menos parao chamado mundo ocidental e cristão. Numeram-se, então, os séculos, antes e depoisdesse evento.

A história da humanidade é, porém, um processo contínuo e, nem sempre, o iníciodos séculos caracteriza-se por acontecimentos decisivos.

Assim, por exemplo, muitos historiadores têm colocado o princípio do século 20 noano de 1904, no qual verificou-se um fato da maior importância que deveria influirprofundamente no curso posterior do processo histórico.

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Novae suas repercussões na realidade educacionalbrasileira*

Paschoal Lemme(Rio de Janeiro-RJ, 1904 – Rio de Janeiro-RJ, 1997)

* Publicado originalmente naRBEP v. 65, n. 150, p. 255-272,maio/ago. 1984.

1ª PARTE

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 164: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

164

Nesse ano, a França e a Inglaterra, asduas nações mais desenvolvidas da épocae tradicionais inimigas, numa reviravoltahistórica, firmaram um pacto – a Ententecordiale – com o qual, em aliança com oImpério Russo, prepararam-se para enfren-tar a Alemanha de Bismarck, aliada aoImpério Austro-Húngaro.

O mundo vivia então na terceira etapado regime capitalista – a fase denominadaimperialista –, e tratava-se de realizar umanova partilha do mundo conhecido daépoca, em busca de matérias-primas paraalimentar e desenvolver os parques indus-triais daqueles dois países, em grande ex-pansão, e de mercados para a venda dosrespectivos produtos, ameaçados pelaconcorrência da Alemanha em ascensão.

Como se sabe, o choque produziu-seviolento entre esses dois blocos, resultan-do na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Ao término desse primeiro grandeconflito mundial, um novo mapa tinha sidotraçado para o mundo e o chamado AncienRégime e a Belle Époque, definitivamentesepultados. E mais do que isso, a Revolu-ção Russa de 1917 vinha acenar com no-vos caminhos para a humanidade, com osurgimento de um novo regime econômi-co, político e social – o chamado socialismo– que se deveria opor ao até então estabele-cido regime capitalista.

Pela importância desses acontecimen-tos históricos e por suas conseqüências éque há historiadores que consideram tam-bém como marcos iniciais do século 20 ofim da guerra de 1914-1918 ou ainda avitória da Revolução Russa, em 1917.

Panorama do Brasil nesseperíodo

No último terço do século 19, o Brasilpassou por significativas transformaçõeseconômicas, políticas e sociais, resultantes,principalmente, do impacto produzido pelaGuerra do Paraguai (1865-1870), da abolição

da escravidão negra (1888) e, por fim, com aqueda do Império e o advento da República(1889).

A gradativa influência das ForçasArmadas na vida política do País, as trans-formações econômicas e sociais verificadasno campo e nas cidades, o crescimento dapopulação, a intensificação do processo deurbanização e industrialização foram asmodificações mais importantes ocorridasnesse período histórico. E todas essas trans-formações aceleram-se profundamente coma ocorrência da Primeira Grande GuerraMundial.

O Brasil, formalmente independentedesde 1822, era contudo dependente eco-nomicamente, principalmente da Inglaterra,já desde a “abertura dos portos às naçõesamigas”, em 1808, na qual esse país rece-beu o privilégio de tarifas preferenciais paranos vender seus produtos. A Inglaterra era,a esse tempo, o país mais desenvolvido in-dustrialmente e dele recebíamos quase tudoem troca de nossa produção agrícola, prin-cipalmente do café, de que chegamos a ser omaior produtor mundial. (Entre 1900 e 1914o Brasil produziu quase 76% de toda aprodução mundial de café.)

Conforme diz Peter Evans em seu livroA tríplice aliança – as multinacionais, asestatais e o capital nacional – no desenvol-vimento dependente brasileiro (Rio deJaneiro, Zahar, 1982):

Em fins do século 19, o Brasil começava afazer sua própria farinha de trigo ou seutoucinho; tudo o que era manufatura vi-nha, provavelmente, das fábricas da Grã-Bretanha, e era paga com os rendimentosda agricultura. Não há melhor maneira decompreender a estrutura da dependênciaclássica do que examinando as relaçõesentre o Brasil e a Grã-Bretanha antes daPrimeira Guerra Mundial (p. 59).

Nossa agricultura, fonte de quase todosos nossos recursos era, porém, atrasada, enossa indústria mal ensaiava os primeirospassos. A abolição da escravidão negra e a

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 165: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

165

substituição gradativa do trabalho escravopela mão-de-obra do imigrante estrangeiro,provindo especialmente do sul da Europa,intensificou nossa produção agrária. Mas acrise econômica mundial, ocorrida no úl-timo terço do século 19, atingiu-a duramen-te, ocasionando o abandono dos campospelas cidades, ampliando-as e estimulandoo processo de industrialização pela transfe-rência de capitais acumulados na agricul-tura, pela penetração do capital estrangeiroe pelo conseqüente crescimento e melhoriada rede de transportes, notadamenteferroviário.

Conforme escreve Herci Maria RebeloPessamílio, no estudo intitulado “A dinâ-mica social do café”, incluído na publica-ção O café no Brasil (Ministério da Indús-tria e do Comércio. Rio de Janeiro: InstitutoBrasileiro do Café, 1978):

Além do café, foi a indústria a nova vozque se ergueu pedindo mão-de-obra maisqualificada, impossível de recrutar entreos escravos de baixo nível cultural queviviam nas lavouras. Os de mais elevadonível cultural tiveram sua entradabarrada por ocasião da proibição do tráfi-co nas zonas situadas ao norte do Equa-dor, pelo acordo entre Portugal e a Ingla-terra, em 1815. Portanto era preciso, comurgência, conseguir trabalhadores assa-lariados, que ofereciam menor risco deperda que o capital investido no escravo.Para a expansão do processo de industria-lização, urgia acelerar a libertação dos es-cravos e facilitar assim a vinda de imi-grantes. Vemos assim um dos pontos emcomum entre o grupo cafeicultor, que ne-cessitava de braços, e o grupo de industri-ais, que necessitava dinamizar um mer-cado interno (p. 15).

Com a eclosão da guerra de 1914-1918,todo esse processo acelerou-se ainda mais,pois o País, impedido de receber os produ-tos estrangeiros manufaturados, foi obriga-do a expandir e diversificar sua indústriae, portanto, a urbanização.

Terminada a guerra, passou o Brasil areceber novos contingentes de imigrantes,

por causa do desemprego e da desorganiza-ção da economia européia. Nessas novascorrentes imigratórias vinham operários denível profissional e cultural mais elevado,inclusive partidários de idéias sociais avan-çadas, especialmente anarquistas italianos,que muito influenciaram a formação ideoló-gica de nossa até então incipiente classeoperária.

Segundo dados colhidos no estudo ci-tado por Herci Maria Rebelo Pessamílio (p.14), dos anos de 1891 a 1900 entraram noBrasil 1.129.315 imigrantes; de 1901 a 1910,631.000; e de 1911 a 1920, 707.704. E, se-gundo Edgard Carone (in: A RepúblicaVelha; I. Instituições e classes sociais, p. 13),citado por Herci Maria Rebelo Pessamílio emnota de pé de página (p. 14):

Os imigrantes são preferencialmente ita-lianos, portugueses, espanhóis, alemães,russos, sírios. A predominância dos italia-nos na mão-de-obra agrícola (também nosetor industrial) é total. Calcula-se, em1908, que 7/10 dos trabalhadores do cafésão italianos; o resto distribui-se entreportugueses e espanhóis.

A educação, o ensinoe a cultura nesse período

O Brasil era então um país de analfa-betos. Para não repetir estatísticas secas, queestão à disposição, em publicações oficiais,para quem as queira utilizar, alinharemosapenas uma citação colhida no belo trabalhode Nicolau Sevcenko, intitulado: Literaturacomo missão – tensões sociais e criaçãocultural na Primeira República (São Paulo,Brasiliense, 1983):

Em artigo publicado em 1900, JoséVeríssimo exporia abertamente a chaga dacultura erudita brasileira, respaldando-anum panorama bem mais amplo e con-creto. À parte os problemas políticos, seusóbices fundamentais repousavam sobre aprópria estrutura social da Nação, reper-cutindo na área da cultura.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 166: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

166

[...]O número de analfabetos no Brasil, em1890, segundo a estatística oficial, era,em uma população de 14.333.915 habi-tantes, de 12.213.356, isto é, sabiam lerapenas 16 ou 17 em 100 brasileiros ouhabitantes do Brasil. Difícil será, entre ospaíses presumidos de civilizados, encon-trar tão alta proporção de iletrados. As-sentado esse fato, verifica-se logo que àliteratura aqui falta a condição da cultu-ra geral, ainda rudimentar e, igualmente,o leitor e consumidor dos seus produtos(p. 88).

As poucas escolas públicas existentesnas cidades eram freqüentadas pelos filhosdas famílias de classe média. Os ricos con-tratavam preceptores, geralmente estrangei-ros, que ministravam aos filhos o ensinoem casa, ou os mandavam a alguns poucoscolégios particulares, leigos ou religiosos,funcionando nas principais capitais, em re-gime de internato ou semi-internato. Mui-tos desses colégios adquiriram grandenotoriedade.

Em todo o vasto interior do País haviaalgumas precárias escolinhas rurais, emcuja maioria trabalhavam professores semqualquer formação profissional, que aten-diam às populações dispersas em imensasáreas: eram as substitutas das antigas aulas,instituídas pelas reformas pombalinas, apósa expulsão dos jesuítas, em 1763.

As classes intelectuais viviam fascina-das pela cultura francesa e, na literatura,continuávamos submetidos aos modelosportugueses.

Ao terminar a Primeira Grande GuerraMundial toda essa nossa precária estruturade educação, ensino e cultura entrou numprocesso de transformação acelerado.

O desenvolvimento e a diversificaçãoda indústria traziam como conseqüêncianatural a necessidade de uma melhor pre-paração de mão-de-obra, com reflexos naquantidade de escolas e na qualidade doensino. A chegada de grandes contingen-tes de imigrantes estrangeiros, como vimos,portadores de uma educação mais

aprimorada, elementar, profissional, e mes-mo de nível secundário, passou a pressio-nar nossa precária estrutura de ensino, nosentido de sua melhoria. De outro lado, asrelações sociais propiciadas pela intensifi-cação da urbanização e a criação de novascategorias de empregados, no comércio, deescritório e de funcionários públicos, agi-ram no mesmo sentido da exigência de umensino mais eficiente, não somente em rela-ção ao 1º grau, mas também no tocante ao 2ºgrau, de caráter geral e profissional.

O movimento demodernização da educação

e do ensino

Essas transformações econômicas, po-líticas e sociais que vinham em gestação,desde os fins do século 19 e, mais precisa-mente, com o advento da República, come-çaram a se manifestar com maior intensida-de a partir dos anos 20.

Em 1922, a mocidade militar, especial-mente do Exército, o setor mais numeroso eatuante das forças armadas, rebela-se contrao predomínio das oligarquias agrárias quedominavam a política do País, com o cha-mado “coronelismo”, o “capanguismo”, o“voto de cabresto”, as eleições “a bico-de-pena”, as atas falsas, o manipulado “reco-nhecimento de poderes”, uma justiça tardae tendenciosa, e outras muitas manifestaçõesde atraso em que vivia o País.

O levante militar de 5 de julho de 1922,no Rio de Janeiro, e que resultou na chama-da “Epopéia dos 18 do Forte”, foi a primei-ra manifestação dramática desse protesto.Em 1924, o segundo “5 de Julho”, emSão Paulo, dá prosseguimento a esseinconformismo de nossa mocidade militar,que teve seqüência na chamada “ColunaPrestes”, que percorreu 24 mil quilômetrosdo território nacional, sempre perseguida porforças governamentais superiores. Esse mo-vimento somente veio a cessar, em 1927, coma internação dos remanescentes da Colunana Bolívia, já depois da posse do novo

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 167: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

167

presidente da República, Washington Luís,em novembro de 1926. Essa reação da mo-cidade, especialmente militar, passou àhistória com a denominação geral de“tenentismo” e foi fator importante para odesencadeamento da Revolução de 1930.

Por essa mesma época, os meios cultu-rais brasileiros eram também abalados poracontecimentos muito importantes e que seconcretizaram especialmente no Rio de Ja-neiro e São Paulo com a chamada “Semanade Arte Moderna”. Influenciada a princípiopelas novas correntes que se formaram naEuropa do após-guerra, nos campos dasartes plásticas, na literatura e na música,conhecidas como o surrealismo, o futuris-mo, o dadaísmo, etc., adquiriu entre nósum poderoso caráter nacionalista que pre-gava nosso rompimento com os modelos eu-ropeus que então dominavam nossas ma-nifestações artísticas. Impelia-nos, além dis-so, a nos voltar para as coisas de nosso País,para as características de nossa terra e denossa gente, nossos costumes e realidades,que até então desprezávamos e desconhecía-mos completamente. O precursor dessatomada de posição por nossas classesintelectuais é, com toda a justiça, conside-rado Euclides da Cunha, com o aparecimen-to do seu monumental Os sertões, em 1902.

Euclides da Cunha e também LimaBarreto, diz Nicolau Sevcenko (op. cit., p.122-123), revelaram em suas obras:

O mesmo empenho em forçar as elites aexecutar um meio giro sobre seus própri-os pés e voltar o seu olhar do Atlânticopara o interior da Nação, quer seja para osertão, para o subúrbio ou para o seu se-melhante nativo, mas de qualquer formapara o Brasil e não para a Europa.

Essa ânsia de transformações que agi-tava o País, não podia deixar de repercutirintensamente nos setores de educação e doensino, ou seja, da transmissão da cultura.Os educadores brasileiros, por seus elemen-tos mais progressistas, em breve, estavamtambém engajados na crítica à nossa precária

“organização” escolar e aos nossos atrasa-dos métodos e processos de ensino. E comoresultado dessas preocupações, abriu-se ociclo das reformas de educação e ensino.

As idéias e diretrizes que procuravamconcretizar-se nas realizações dessas reformas,evidentemente, não surgiram por geração es-pontânea na cabeça dos educadores. Elas eramimpulsionadas, de um lado, pelas condiçõesobjetivas caracterizadas pelas transformaçõeseconômicas, políticas e sociais que delinea-mos anteriormente. De outro lado, começa-ram a chegar até nós, da Europa do pós-guerra, um conjunto de idéias que pregavama renovação de métodos e processos de ensi-no, ainda dominados pelo regime de coerçãoda velha pedagogia jesuítica. Esse movimen-to de renovação escolar, que passou a serconhecido como o da “Escola Nova” ou“Escola Ativa”, baseava-se nos progressosmais recentes da psicologia infantil, que rei-vindicava uma maior liberdade para a criança,o respeito às características da personalidadede cada uma, nas várias fases de seu desen-volvimento, colocando o “interesse” como oprincipal motor de aprendizagem. Era o queJohn Dewey, considerado o maior filósofo eeducador norte-americano, pregava como umaverdadeira revolução – “a revoluçãocopernicana” – em que o centro da educaçãoe da atividade escolar passava a ser a crian-ça, com suas características próprias e seusinteresses e não mais a vontade imposta doeducador. Havia, além disso, após a catástrofede 1914-1918, uma aspiração generalizada deque, através dessa educação assim renovada,pudesse se conseguir a formação de umhomem novo, que passaria a encarar a con-vivência entre os povos, em termos deentendimento fraternal, que conduziria ahumanidade a uma era de paz duradoura,em que os conflitos sangrentos fossem defi-nitivamente banidos e substituídos pelos de-bates e resoluções de assembléias em queestivessem representados todos os povos.

E se essas aspirações não se concretiza-ram, não se deve debitar aos educadores ofracasso...

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 168: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

168

O ciclo de reformas deeducação e ensino

Já em 1909, Antônio Carneiro Leão, umintelectual pernambucano, que pode serconsiderado como um pioneiro, publicavaum livrinho – Educação, em que pregavaessas idéias de renovação escolar; de 1912a 1919 percorreu o País, de norte a sul, fa-zendo conferências de propaganda da edu-cação popular; em 1917, publica O Brasil ea educação e Pela educação profissional; em1919, Pela educação; e, por fim, em 1923,Os deveres das novas gerações brasileiras.

Em 1920, Sampaio Dória realiza, noEstado de São Paulo, o que pode ser consi-derada como a primeira dessas reformas re-gionais de ensino. Nos anos de 1922-1923,Lourenço Filho, educador de São Paulo, échamado pelo Estado do Ceará, para reali-zar a segunda dessas reformas. Na Bahia,em 1924, é a vez de Anísio Teixeira, depoisde fazer, nos Estados Unidos da Américado Norte, cursos de educação, na Univer-sidade de Colúmbia, onde foi aluno de JohnDewey. José Augusto Bezerra de Menezes,no Estado do Rio Grande do Norte, nosanos de 1925-1928, dá continuidade a essemovimento. Antônio Carneiro Leão, em1922-1926, no antigo Distrito Federal e, pos-teriormente, em 1928, no Estado dePernambuco dá prosseguimento a esse es-forço de modernização do ensino público.A vez do Estado do Paraná chega, nos anosde 1927-1928, com Lisímaco Costa. E nes-ses mesmos anos, Francisco Campos em-preende, em Minas Gerais, a renovação doensino público, criando em Belo Horizonte,a Escola de Aperfeiçoamento para pro-fessores diplomados pelas escolas normaiscomuns. Para a organização desse estabele-cimento, fez vir da Europa uma missão denotáveis educadores, chefiada por EdouardClaparède, o grande psicólogo suíço. Entreos membros dessa missão contava-se Hele-na Antipoff, assistente de Claparède, e que,posteriormente, radicou-se no Brasil, reali-zando importante trabalho no setor de

Psicologia e da educação de crianças excep-cionais e deixando entre nós grande núme-ro de discípulos.

Mas a mais importante e profundadessas reformas foi, sem dúvida, a reali-zada no antigo Distrito Federal, então Ca-pital da República, durante os anos de1927-1930, liderada por Fernando deAzevedo. Dela resultou a elaboração de umverdadeiro código moderno de educação,o que se verificava pela primeira vez noBrasil. Essa legislação foi aprovada peloDecreto nº 3.281, de 23 de janeiro de 1928,e complementada por um regulamento queconstava de 764 artigos, baixada pelo De-creto nº 2.940, de 22 de novembro de 1928.Essas datas incorporaram-se definitiva-mente à história da educação, como mar-cos notáveis do movimento de moderni-zação da educação e do ensino no Brasil.E, com toda a justiça, essa realização pas-sou a ser conhecida como “ReformaFernando de Azevedo”. Sobre ela, entreoutros, escreveu o eminente pensadoruruguaio, doutor Manuel Bernardes:

Parecia impossível. Mas era assim. O Riode Janeiro realizava, num arranco formi-dável, mas não por surpresa e às cegas,senão num arranco refletido, medido, de-liberado, metódico, integral, o que nenhu-ma capital do mundo pôde ainda realizar,nem mesmo Bruxelas, onde quase todosos professores e mestre-escolas estão con-vencidos de que a “escola ativa”, a novaforma científica e humana de ministrar ainstrução se impõe a todos os espíritoscultos, mas onde a escola congregacionista,que açambarca mais da metade da infân-cia escolar, opõe uma barreira espessa aoavanço do ideal contemporâneo. O Rio deJaneiro, que há trinta anos fez quase umarevolução e queimou bondes nas ruas parase opor à vacina obrigatória, acaba de sesituar, nesta matéria transcendental dainstrução pública, à frente de todas ascapitais do mundo civilizado.

E Adolphe Ferrière, considerado umdos pioneiros europeus dessa “escola nova”,escrevia na revista Pour l’Ère Nouvelle, órgão

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 169: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

169

oficial da Liga Internacional para a EducaçãoNova (n. 67, abr. 1931, ano 10):

Quelle surprise de rencontrer au Brésilune des formes les plus complètes deI’éducation nouvelle. Hier encore, c’étaitau point de vue pédagogique um des paysles plus arrierés du monde. Aujourd’hui– précision: depuis la loi scolaire duDistrict Fédéral de Rio de Janeiro de 1928– il rivalise avec le Chili et le Méxique,en Amérique, avec Vienne, en Europe,avec Turquie, en Asie.

A Reforma Fernando de Azevedo in-centivou também o aparecimento de todauma literatura especializada, antes escassaou mesmo inexistente, de autores brasilei-ros ou estrangeiros, dos mais conceituados.Assim, o próprio Fernando de Azevedo reu-nia em volume os trabalhos que publicoudurante a elaboração da Reforma, dando-lhe o título sugestivo de Novos caminhos enovos fins e o subtítulo esclarecedor de “Anova política da educação no Brasil”. DeJônatas Serrano tivemos A Escola Nova, emque, de acordo com sua filosofia católica devida, expõe os princípios dessa nova cor-rente da pedagogia. Um pouco mais tarde,entre muitos outros trabalhos de valor, apa-receram: Técnica de pedagogia moderna, deEverardo Backheuser; A educação e seuaparelhamento moderno, de FranciscoVenâncio Filho; e ainda Introdução aoestudo da Escola Nova, de Lourenço Filho,obra considerada como um verdadeiromarco na divulgação de todas as correntesrenovadoras da educação que nos chegavamda Europa e dos Estados Unidos e tambémsobre as realizações brasileiras na matéria.

Muitas revistas especializadas começa-ram também a ser publicadas com os mes-mos objetivos. A própria Diretoria Geral deInstrução Pública do Distrito Federal lan-çou o Boletim da Instrução Pública, reper-tório e registro de todas as iniciativas daReforma que se realizava na Capital e emoutras regiões do País e também noestrangeiro.

Os nomes das mais eminentes figurasde educadores que lideravam esse movi-mento da chamada Escola Nova, em váriospaíses do mundo, e que inspiravam os edu-cadores brasileiros, passaram a se tornar fa-miliares entre nós, por suas obras, que aquichegavam e eram ou não traduzidas, ou tam-bém em revistas especializadas tais como:Claparède, Binet, Simon, Decroly, Ferrière,Montessori, Durkheim, Kerschenstein,Dewey, Kilpatrick, Wallon, Piéron,Thorndike, e até mesmo, Lunatshartky, oprimeiro ministro da Instrução Pública daUnião Soviética, após a Revolução de 1917.

A Associação Brasileira de Educação(ABE), onde se congregaram os educadoresbrasileiros mais eminentes e atuantes, des-de sua fundação, em 1924, assumiu a lide-rança de todos esses movimentos de reno-vação da educação e do ensino no País, apoi-ando-os e promovendo a realização de pa-lestras, debates, cursos e conferências, con-vocando para isso autoridades e especialis-tas, nacionais e estrangeiros. E, a partir de1927, iniciou a série de conferências nacio-nais, em várias das capitais dos estados bra-sileiros, onde eram debatidos os mais im-portantes problemas referentes à educação,ao ensino e à cultura do País. As atividadespromovidas pela ABE foram de tal impor-tância que se pode afirmar, sem exagero, queninguém conseguirá escrever a história daeducação do Brasil sem compulsar, pelo me-nos, as atas dessa agremiação e os anaisdas referidas conferências nacionais deeducação.

Conforme se verifica pelo que expuse-mos até aqui, essas reformas de educação eensino restringiram-se às áreas dos váriosestados da federação. O governo federal qua-se nada realizava, a não ser algumas refor-mas no âmbito dos ensinos superior e se-cundário, preso que estava à letra do artigo35 da Constituição de 1891, que limitava aação do Poder Central apenas a esses doisgraus do ensino. Todas as outras modalida-des (pré-primário, primário, normal, profis-sional, etc.) estavam entregues às Unidades

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 170: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

170

Federadas. Essa situação só veio a se modi-ficar após a Revolução de 1930, quando sedeu uma maior concentração de poderes nogoverno federal, pela diminuição da influ-ência das oligarquias locais, que antes co-mandavam todos os aspectos da políticanacional.

A Revolução de 1930e a educação

Evidentemente, não cabem aqui refe-rências pormenorizadas às causas gerais eparticulares e às variadas conseqüências docomplexo e importante evento, de carátereconômico, político e social que passou afigurar na história brasileira com a denomi-nação de “Revolução de 1930”. Nosso ob-jetivo é muito mais restrito e assim somen-te abordaremos os aspectos que dizem res-peito ao presente estudo, ou seja, os que sereferem aos problemas de educação eensino.

Entretanto, como ponto de partida paraas considerações que faremos em seguida,julgamos útil transcrever aqui, como umaespécie de definição das características ge-rais desse importante acontecimento histó-rico, o seguinte trecho que encontramos notrabalho do sociólogo Octávio Ianni,intitulado O colapso do populismo no Brasil(2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,1971):

É no século 20 que o povo brasileiro apa-rece como categoria política fundamen-tal. Em particular é depois da PrimeiraGuerra Mundial – e em escala crescente,a seguir – que os setores médios e prole-tários, urbanos e rurais, começam a con-tar mais abertamente como categoriapolítica. Por isso, pode verificar-se que arevolução brasileira, em curso neste sé-culo, é um processo que compreende aluta por uma participação cada vez mai-or da população nacional no debate enas decisões políticas e econômicas.O florescimento da cultura nacional, ocor-rido em especial nas décadas de vinte e

cinqüenta, indica a criação de novas mo-dalidades de consciência nacional. Nessequadro é que se inserem os golpes, as re-voluções e os movimentos que assinalamos fluxos e os refluxos na vida política na-cional. Mas, esses acontecimentos não sãoapenas políticos, nem estritamente inter-nos. Eles são, em geral, manifestações derelações, tensões e conflitos, que os seto-res novos ou nascentes no País estabele-cem com a sociedade brasileira tradicio-nal e com as nações mais poderosas comas quais o Brasil está em intercâmbio. Poressas razões, devemos tomar sempre emconsideração que os golpes armados ocor-ridos no Brasil, desde a Primeira GuerraMundial, devem ser encarados como ma-nifestações de rompimentos político-eco-nômicos, ao mesmo tempo interno e ex-ternos. Às vezes, essas relações não sãoimediatamente visíveis, isto é, não podemser comprovadas empiricamente, de mododireto. Mas, geralmente, elas guardamvinculações estruturais verificáveis noplano histórico. Em última instância, es-ses rompimentos são manifestações deruturas político-econômicas que marcamo ingresso do Brasil na era da civilizaçãourbano-industrial (p. 13-4).

Vitoriosa a Revolução de 1930, em 24de outubro desse ano, com o fato inédito dadeposição do presidente da República, en-cerrava-se o ciclo da Primeira República ouRepública “Velha” e a vigência da 1ª Cons-tituição Republicana, de 24 de fevereiro de1891. Com a posse a 3 de novembro, aindade 1930, de Getúlio Vargas, como chefe deum Governo Revolucionário Provisório, ini-ciava-se a Segunda República ou República“Nova”.

Cedendo às influências de todo aquelemovimento de renovação da educação e doensino, que, como vimos, desde a décadade 20, levara várias das Unidades Federadasa empreender reformas nesse setor, o Go-verno Revolucionário, pelo Decreto nº19.402 de 14 de novembro de 1930, cria oMinistério da Educação e Saúde, antiga rei-vindicação dos educadores brasileiros. Paraministro foi nomeado Francisco Campos, ele-mento ligado às idéias e às realizações do

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 171: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

171

movimento de modernização do ensino,conforme assinalamos anteriormente. Noano seguinte, 1931, o novo ministro prepa-ra e submete ao chefe do governo três im-portantes decretos, que são sancionados namesma data de 11 de abril: o de nº 19.850,criando o Conselho Nacional de Educação,como “órgão consultivo do Ministro da Edu-cação e Saúde nos assuntos relativos ao en-sino”; o de nº 19.851, “que instituía o Esta-tuto das Universidades Brasileiras”; e o denº 19.852, que dispunha sobre a organiza-ção da Universidade do Rio de Janeiro. Em18 de abril de 1931, pelo Decreto nº 19.890,é totalmente reorganizado o ensino secun-dário, em moldes modernos, terminandoassim o antigo regime dos “exames parcela-dos” ou dos “preparatórios”. Era essa tam-bém uma das reivindicações mais insisten-tes dos reformadores do ensino brasileiro.Por fim, pelo decreto de 30 de junho, aindade 1931, é alterado o plano do ensino co-mercial e criado o curso superior deadministração e finanças.

Mas, essas providências do GovernoRevolucionário, apesar de muito importan-tes, podiam ser consideradas como fragmen-tárias e mantinham o mesmo critério ante-rior do governo federal continuar alheio aosproblemas do ensino popular, de 1º e 2ºgraus, tal como acontecia na vigência daConstituição de 1891.

Em face dessa situação, os educadoresmais atuantes, congregados na AssociaçãoBrasileira de Educação, resolveram convo-car uma de suas conferências nacionais,para, de certa forma, pressionar o governofederal, e levá-lo a adotar uma posição maisafirmativa e abrangente em relação aos pro-blemas globais de educação e ensino, defi-nindo uma verdadeira política nacional paraesse setor, como já vinha fazendo em algunsoutros.

Essa conferência nacional foi a quarta,convocada pela Associação Brasileira deEducação, e realizou-se no Rio de Janeiro,em dezembro de 1931, tendo como temageral: As grandes diretrizes da educação

popular. O chefe do Governo Revolucioná-rio Provisório – Getúlio Vargas – , especial-mente convidado, instalou os trabalhos daconferência e, em memorável discurso, dis-se aos educadores presentes que os consi-derava convocados para encontrarem uma“fórmula feliz” com a qual fosse definido oque ele denominou de “o sentido pedagógi-co” da Revolução de 1930, que o Governose comprometia a adotar na obra em queestava empenhado de reconstrução do País.

Dessa conferência e dessas afirmaçõesdo chefe do governo resultaram duas inicia-tivas muito importantes: uma, direta e ime-diata, que consistiu na assinatura de umConvênio Estatístico entre o governo fede-ral e os estados para adotar normas depadronização e aperfeiçoamento, das esta-tísticas de ensino, em todo o País, até entãoreconhecidamente muito precárias, o quedificultava a elaboração de estudos e pes-quisas mais sérios e profundos sobre asituação da educação e do ensino no País.

A outra iniciativa da Conferência seria aelaboração de um documento em que os maisrepresentativos educadores brasileiros, aten-dendo à solicitação do chefe do GovernoRevolucionário, procurariam traçar as dire-trizes de uma verdadeira política nacional deeducação e ensino, abrangendo todos os seusaspectos, modalidades e níveis. Houve en-tão sérias divergências entre os participantesda Conferência, o que redundou até na reti-rada do grupo dos educadores católicos, quediscordaram das primeiras redações dodocumento, em aspectos fundamentais, taiscomo prioridade outorgada ao Estado para amanutenção do ensino, ensino leigo, escolaúnica, coeducação dos sexos, etc. Afinal, odocumento foi concluído e aprovado peloplenário da Conferência e divulgado pelaimprensa não especializada, em março de1932. Trazia como título principal o deManifesto dos Pioneiros da Educação Nova,era dirigido “Ao Povo e ao Governo” e ondese propunha “A reconstrução educacional noBrasil”. Seu redator principal foi Fernandode Azevedo.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 172: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

172

O Manifesto dos Pioneirosda Educação Nova

O Manifesto dos Pioneiros tornou-se,indiscutivelmente, um documento histórico,não somente pelo seu caráter abrangente,como dissemos, na definição de uma políticanacional de educação e ensino, mas tambémporque foi único no gênero em toda a históriada educação no Brasil.

O documento dos educadores brasilei-ros estava perfeitamente dentro do contex-to daquelas aspirações que, desde a décadade 20, como vimos, procuravam imprimiraos problemas da educação e ensino umaorientação mais de acordo com as corren-tes renovadoras nessa matéria e as necessi-dades do País, que se ia transformando.Basta atentar para o fato de que o redatordo documento, como dissemos, foiFernando de Azevedo, líder da mais pro-funda das reformas que se realizaram, nes-se setor, no País; e entre os vinte e cincosignatários restantes figuram os nomes deoutros tantos educadores, cientistas e inte-lectuais, diretamente ligados ao movimen-to de modernização da educação, do ensi-no e da cultura no Brasil. São eles: AnísioTeixeira, Lourenço Filho, Afrânio Peixoto,Roquete-Pinto, Sampaio Dória, AlmeidaJúnior, Mario Casassanta, Atílio Vivaqua,Francisco Venâncio Filho, Edgar Süssekindde Mendonça, Armanda Alvaro Alberto,Cecília Meireles, entre outros.

Mas, sua elaboração e lançamento sóse tornou possível em vista do ambiente edas expectativas que a Revolução de 1930criou para o Brasil e para o povo brasileiro.

Numa análise mesmo superficial dodocumento, é possível, desde logo, desta-car, em sua orientação e finalidades, algu-mas características fundamentais:

1. O documento é permeado por umaconcepção de educação natural eintegral do indivíduo, com o respeitoà personalidade de cada um, mas,ao mesmo tempo, sem esquecer que

o homem é um ser social e tem porisso deveres para com a sociedade:de trabalho, de cooperação e de soli-dariedade. Seria, assim, uma educa-ção acima das classes, que não se des-tinaria a servir a nenhum grupo par-ticular, mas aos interesses do indiví-duo e da sociedade em geral, que nãodevem ser conflitantes.

2. A educação deve ser um direito detodos, de acordo com suas necessi-dades, aptidões e aspirações, den-tro do princípio democrático daigualdade de oportunidades paratodos.

3. Por isso mesmo, deve caber ao Esta-do, como representante de todos oscidadãos, assegurar esse direito, tor-nando-se assim a educação umafunção essencialmente pública.

4. Para assegurar esse direito democrá-tico a escola deve ser única, obriga-tória, pelo menos até um certo nívele limite de idade, gratuita, leiga, efuncionar em regime de igualdadepara os dois sexos.

5. O Estado adotará uma política glo-bal e nacional, abrangendo todos osníveis e modalidades de educação eensino.

6. Entretanto, na organização dos ser-viços e dos sistemas de educação eensino será adotado o princípio dadescentralização administrativa.

7. Os métodos e processos de ensinoobedecerão às mais modernas con-quistas das Ciências Sociais, da Psi-cologia e das técnicas pedagógicas.Os mesmos critérios serão adotadospara a medida da aprendizagem e aapuração do rendimento dos siste-mas escolares.

8. A educação e o ensino devem obe-decer a planos definidos, constitu-indo sistemas em que os educandospossam ascender, através de umaescada educacional contínua, dasescolas pré-primárias, às primárias,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 173: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

173

secundárias e ao ensino superior,de acordo com sua capacidade,aptidões e aspirações, e nuncapor suas diferenças em podereconômico.

9. Os professores, de todos os graus emodalidades de ensino, devem serformados dentro de um espírito deunidade, constituindo-se numcorpo profissional consciente desuas responsabilidades perante aNação, os educandos e o povo emgeral; para isso, devem receber re-muneração condigna, para que pos-sam manter a necessária eficiênciano trabalho, a dignidade e o prestí-gio indispensáveis ao desempenhode sua missão.

10.E como definição final do espírito edo caráter do Manifesto, devemoscitar as palavras com que se inicia eas que aparecem no fecho dodocumento. São as seguintes asprimeiras afirmações do texto:

Na hierarquia dos problemas nacionais,nenhum sobreleva em importância e gra-vidade ao da educação. Nem mesmo o decaráter econômico lhe podem disputar aprimazia nos planos de reconstrução na-cional. Pois, se a evolução orgânica do sis-tema cultural de um País depende de suascondições econômicas, é impossível de-senvolver as forças econômicas ou de pro-dução, sem o preparo intensivo das forçasculturais e o desenvolvimento das apti-dões à invenção e à iniciativa, que, são osfatores fundamentais do acréscimo deriquezas de uma sociedade.

E são estas as palavras finais doManifesto:

Mas, de todos os deveres que incumbemao Estado, o que exige maior capacidadede dedicação e justifica maior soma desacrifícios; aquele com que não é possí-vel transigir sem a perda irreparável dealgumas gerações; aquele em cujo cum-primento os erros praticados se projetammais longe nas suas conseqüências,

agravando-se na medida que recuam notempo; o dever mais alto, mais penoso emais grave é, de certo, o da educação que,dando ao povo a consciência de si mesmoe de seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpe-tua a identidade da consciência nacional,na sua comunhão íntima com consciênciahumana.

O Manifesto, conforme dissemos, apa-receu na imprensa diária, não especializada,em março de 1932. Posteriormente, em ju-nho desse mesmo ano, foi publicado umvolume pela Companhia Editora Nacional,de São Paulo, precedido de uma introduçãoredigida por Fernando de Azevedo e segui-da por algumas apreciações críticas de várioscomentaristas e por um Esboço de um Pro-grama Educacional Extraído do Manifesto,em dez itens. Mesmo com o risco de alon-gar demasiadamente o presente estudo, creioque é conveniente reproduzir aqui, comodocumentação e mais completa compreen-são do verdadeiro caráter do documento,esse anexo, redigido por solicitação de gran-de número de interessados. Além disso,constituindo, atualmente, o referido volu-me obra rara, parece-me que será útil ainclusão aqui, na íntegra, desse Esboço.

Ei-lo:

A Nova Política EducacionalEsboço de um Programa Extraído

do Manifesto

1. Estabelecimento de um sistema com-pleto de educação, com uma estruturaorgânica, conforme as necessidades bra-sileiras, as novas diretrizes econômicas esociais da civilização atual e os seguintesprincípios gerais:

a) a educação é considerada, em todos osseus graus, como uma função social eum serviço essencialmente público queo Estado é chamado a realizar com acooperação de todas as instituiçõessociais;

b) cabe aos Estados federados organizar,custear e ministrar o ensino em todosos graus, de acordo com os princípios e

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 174: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

174

as normas gerais estabelecidos naConstituição e, em leis ordinárias pelaUnião, a que competem a educação nacapital do País, uma ação supletivaonde quer que haja deficiência demeios e a ação fiscalizadora, coorde-nada e estimulada pelo Ministério daEducação;

c) o sistema escolar deve ser estabelecidonas bases de uma educação integral; emcomum para os alunos de um e outrosexo e de acordo com suas aptidões na-turais; única para todos e leiga, sendo aeducação primária gratuita e obrigató-ria; o ensino deve tender gradativamenteà obrigatoriedade até 18 anos e àgratuidade em todos os graus.

2. Organização da escola secundária (de6 anos) em tipo flexível, de nítida finali-dade social, como escola para o povo, nãoproposta a preservar e a transmitir as cul-turas clássicas, mas destinada, pela suaestrutura democrática, a ser acessível eproporcionar as mesmas oportunidadespara todos, tendo, sobre a base de umacultura geral comum, as seções deespecialização para as atividades depreferência intelectual (humanidades eciências), ou de preponderância manuale mecânica (cursos de caráter técnico).

3. Desenvolvimento da educação técnico-profissional de nível secundário e superi-or, como base da economia nacional, coma necessária variedade de tipos de escolas:

a) de agricultura, de minas e de pesca(extração de matérias-primas);

b) industriais e profissionais (elabo-radores de matérias-primas);

c) de transportes e comércio (distribui-ção de produtos elaborados); e segun-do métodos e diretrizes que possamformar técnicos e operários capazes emtodos os graus da hierarquia industrial.

4. Organização de medidas e instituiçõesde psicotécnica e orientação profissionalpara o estudo prático do problema da ori-entação e seleção profissional e adaptaçãocientífica do trabalho às aptidões naturais.

5. Criação de universidades de tal ma-neira organizadas e aparelhadas quepossam exercer a tríplice função que lhes

é essencial, de elaborar e criar a ciência,transmiti-la e vulgarizá-la, e sirvam, por-tanto, na variedade de seus institutos:

a) à pesquisa científica e à cultura livre edesinteressada;

b) à formação do professorado para as es-colas primárias, secundárias, profissi-onais e superiores (unidade na prepa-ração do pessoal do ensino);

c) à formação de profissionais em todasas profissões de base científica;

d) à vulgarização ou popularização cientí-fica, literária e artística, por todos osmeios de extensão universitária.

6. Criação de fundos escolares ou especiais(autonomia econômica) destinados à ma-nutenção e desenvolvimento da educação,em todos os graus, e constituídos, além deoutras rendas e recursos especiais, de umaporcentagem das rendas arrecadadas pelaUnião, pelos Estados e pelos Municípios.

7. Fiscalização de todas as instituiçõesparticulares de ensino, que cooperarãocom o Estado na obra de educação e cultu-ra, já como função supletiva, em qualquerdos graus de ensino, de acordo com as nor-mas básicas estabelecidas em leis ordiná-rias, já como campos de ensaios e experi-mentação pedagógica.

8. Desenvolvimento das instituições deeducação e de assistência física e psíqui-ca à criança na idade pré-escolar (creches,escolas maternais e jardins de infância) ede todas as instituições complementarespré-escolares e pós-escolares:

a) para a defesa da saúde dos escolares,como serviços médico e dentário esco-lares (com função preventiva, educativaou formadora de hábitos sanitários eclínica, pelas clínicas escolares, colô-nias de férias e escolas para criançasdébeis) e para a prática de educaçãofísica (praças de jogos para crianças,praças de esporte, piscinas e estádios);

b) para a criação de um meio escolar na-tural e social e o desenvolvimento doespírito de solidariedade e cooperaçãosocial (como as caixas escolares,cooperativas escolares, etc.);

c) para articulação da escola com o meiosocial (círculos de pais e professores,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 175: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

175

conselhos escolares) e intercâmbio in-terestadual e internacional de alunose professores;

d) para a intensificação e extensão da obrade educação e cultura (bibliotecas es-colares, fixas ou circulantes, museusescolares, rádio e cinema educativo).

9. Reorganização da administração esco-lar e dos serviços técnicos de ensino, emtodos os departamentos, de tal maneiraque todos esses serviços possam ser:

a) executados com rapidez e eficiência,tendo em vista o máximo de resultadocom o mínimo de despesa;

b) estudados, analisados e medidos cien-tificamente, e, portanto, rigorosamen-te controlados nos seus resultados;

c) constantemente estimulados e revistos,renovados e aperfeiçoados por um cor-po técnico de analistas e investigado-res pedagógicos e sociais, por meio depesquisas, inquéritos, estatísticas eexperiências.

10. Reconstrução do sistema educacionalem bases que possam contribuir para ainterpretação das classes sociais e a for-mação de uma sociedade humana maisjusta e que tenha por objeto a organizaçãoda escola unificada, desde o jardim de in-fância à universidade, “em vista da sele-ção dos melhores”, e, portanto, o máximodesenvolvimento dos normais (escola co-mum), como o tratamento especial deanormais, subnormais e supernormais(classes diferenciais e escolas especiais).

Conclusões

Do que ficou exposto, conclui-se facil-mente que o Manifesto dos Pioneiros daEducação Nova pressupunha a existência deuma sociedade homogênea e democrática,regida pelo princípio fundamental daigualdade de oportunidade para todos.

Entretanto, esta não é, infelizmente, arealidade no tocante à sociedade brasileira,desde seus primórdios até os dias atuais.

Por isso mesmo é que as indicações con-tidas no Manifesto, para resolver o problema

educacional brasileiro, até hoje, nãopuderam ser levados à prática.

Mas, não somente os preceitos inscri-tos nele, como também todas as outras me-didas de caráter democrático que têm sidopropostas até hoje.

Assim aconteceu com as disposições docapítulo sobre educação e cultura adotadaspela Constituição de 16 de julho de 1934,que foi derrogado com a implantação denossa primeira experiência declarada degoverno autoritário, o chamado “EstadoNovo”, de 10 de novembro de 1937.

Também as memoráveis realizações deAnísio Teixeira, em sua administração noantigo Distrito Federal (1931-1935), na qualo grande educador procurou levar à práticaos princípios inscritos no Manifesto e quedeve ser considerado como o ponto maisalto a que atingiu, no Brasil, a procura desoluções para o nosso problema educacional.Como se sabe, a tentativa do nosso “esta-dista da educação” sossobrou golpeada pelareação que se desencadeou no País, após oslevantes armados, dirigidos pela insensatezde alguns jovens militares, naqueles trági-cos dias de novembro de 1935. Desseepisódio dramático restou, para a históriada educação brasileira, a carta, edificante ecorajosa, com que Anísio Teixeira demitiu-se do cargo de Secretário de Educação eCultura do antigo Distrito Federal.

O “Estado Novo” (1937-1945) talveztenha adotado uma orientação mais “realista”em matéria de educação, pois considerou oensino profissional, para formação de mão-de-obra, como o dever básico do Estado; e,mais tarde, reformou o ensino de 2º grau,dividindo-o em compartimentos estangues,cada um para atender, separadamente,às necessidades de formação de nossajuventude, de acordo com a divisão emclasses realmente existente na sociedadebrasileira (ensino secundário, normal,industrial, comercial e agrícola).

Depois, veio a hecatombe da SegundaGuerra Mundial e com a vitória das chama-das “potências democráticas”, em coalizão

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 176: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

176

com a União Soviética, sobre o nazi-facismo,tivemos aqui, como repercussão, a recons-titucionalização do País, e a promulgaçãoda Constituição de 18 de setembro de 1946.Nela, reapareceriam, com algumas amplia-ções, os dispositivos sobre educação e en-sino constantes da Constituição de 1934,e, além disso, dispunha, como novidademaior a elaboração de uma Lei de Diretri-zes e Bases da Educação Nacional. Essa leicomplementar somente 15 anos mais tardefoi promulgada (Lei nº 4.024, de 20 de de-zembro de 1961). Porém, passados 10 anos,já no segundo regime autoritário de gover-no, instalado a 19 de abril de 1964, foi mo-dificada, na parte relativa aos ensinos de1º e 2º graus, pela Lei nº 5.692, de 11 deagosto de 1971. O ensino superior, univer-sitário ou de 3º grau já tinha sido reformado,mediante a Lei nº 5.540 de 1968.

Mas, apesar de todas essas reformas, ainsatisfação e as críticas veementes continua-ram a ser dirigidas contra toda a nossa orga-nização de educação e ensino, em todos osseus aspectos. E a expressão que mais se ouve,em todos os setores de nossa sociedade, éque a educação e o ensino estão mergulha-dos numa crise profunda e não se vislumbrameios nem modos de tirá-la dessa situação.

As pessoas interessadas nessas questões,e que são muitas, pois que se trata de proble-mas que dizem respeito, praticamente, a todoo povo brasileiro, perguntam-se perplexas:por que têm fracassado todas essas medidasdemocráticas ou democratizantes que têmsido propostas, ao longo de todos esses anos,para tentar resolver as deficiências desse setorbásico da vida nacional?

Por que chegamos ao ano de 1982 coma revelação dessas cifras estarrecedoras, apu-radas pela Pesquisa Nacional de Amostrasde Domicílios, realizada pelo Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE),referentes à educação e ao ensino?

Eis algumas dessas cifras:

Como uma cruel cartomante, o sistemade ensino já traçou o futuro das crianças

brasileiras – a maioria delas não tem futu-ro algum. De acordo com o exaustivo qua-dro sobre a educação no País, traçado peloPNAD-82, conclui-se que, em cada grupode 100 brasileiros, apenas 74 terão algumcontato com a escola – 26 já devem serdescartados liminarmente e permanece-rão analfabetos a vida inteira. Dos 74, umgrosso contigente de 62 pessoas terá aces-so somente ao 1º grau do ensino, onde sedá a formação básica, e ficarão por aí. So-brarão não mais de 12, a quem se oferece-rá o privilégio de cursar o 2º grau. E des-ses 12 apenas 4, solitários vencedores su-premos no pelotão inicial de 100, terãoacesso à Universidade.

E adiante:

Há no País, segundo o levantamento, 26milhões de pessoas acima dos 7 anos quenão sabem ler nem escrever – um númeroequivalente à soma das populações de Mi-nas Gerais e do Rio de Janeiro e que, pro-porcionalmente, ao todo, representa 26%da população, coloca o Brasil, em termosinternacionais, numa taxa de analfabetis-mo idêntica à do Paraguai.

E em seguida:

Pior ainda, no entanto, é que, ao contrá-rio do que transparecia em levantamen-tos anteriores, o número de analfabetosvem crescendo. Se de 1970 a 1976 o Paísregistrou um progresso significativo aofazer cair a taxa de analfabetismo de 34%para 25%, de 1976 a 1982 a taxa voltoua subir, situando-se nos atuais 26% (Re-vista Veja, n. 763, de 16/11/1983, p. 86-87).

Assim, passados exatamente 50 anos dolançamento do Manifesto dos Pioneiros daEducação Nova (1932-1982), a situação emrelação aos problemas básicos da educaçãoe do ensino agravaram-se, chegando-se aesses deploráveis aspectos, revelados pelareferida pesquisa oficial.

E, volta-se a perguntar: por que issoaconteceu, apesar dos inegáveis esforços demuitas autoridades e de grande número deeducadores honestos, e ainda o indiscutível

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 177: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

177

e extraordinário desenvolvimento materialdo País nesse meio século?

É que essa situação decorre, fundamen-talmente, do fato da estrutura da sociedadebrasileira continuar a ser profundamenteantidemocrática. E isto é facilmentecomprovável em face dos dados oficiais so-bre a concentração da renda no País, espe-cialmente nos últimos anos, pelos quais severifica que uma minoria de brasileiros vemse tornando cada vez mais rica, enquanto amaioria do povo empobreceu grada-tivamente. E comprova-se ainda mais pelosresultados da mesma pesquisa realizada peloIBGE, e que são os seguintes:

O número de brasileiros com rendimen-tos mensais de até dois salários mínimossubiu de 28 milhões 36 mil para 32 mi-lhões 62 mil, apresentando um cresci-mento de 24, entre 1980 a 1982. A pes-quisa, baseada em levantamentos feitosentre outubro e dezembro de 1982, reve-la também que 10 milhões 86 mil e 492brasileiros recebem mensalmente atémeio salário mínimo. Outros 11 milhões776 mil e 83 recebem entre meio e umsalário mínimo, o que significa que umtotal de 21 milhões 625 mil 575 brasilei-ros vivem com até um salário mínimo.Na faixa compreendida entre um e doissalários mínimos estão 12 milhões 884mil 388 pessoas.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílio (PNAD) –1982 mostra tambémque 4 milhões 945 mil 20 pessoas nãoapresentavam remuneração, embora tra-balhassem períodos de 39 a 49 horas oumais mensalmente. A maior parte dos nãoremunerados se encontram vinculados àsatividades agrícolas, representando umtotal de 4 milhões 340 mil 825 pessoas.

A população residente no País está esti-mada em 122.507.125 e a população eco-nomicamente ativa em 49 milhões 884mil 736 (pessoas ocupadas mais as de-sempregadas, ou seja, aquelas com 15anos ou mais que continuam procurandoemprego). A PNAD trabalha com o con-ceito de pessoas economicamente ativas,abrangendo as com 10 anos ou mais.

Segundo Jessé Montelo, presidente doIBGE, em 1982, a população economica-mente ativa com 15 anos ou mais era de46 milhões 928 mil e 800 pessoas.

– Somos um País pobre. A população épobre mesmo – conceituou o presidentedo IBGE, após apresentar os dados relati-vos à evolução dos rendimentos das dife-rentes faixas de renda entre 1970 e 1982.

E, para completar esse quadro sombrio,acrescente-se as seguintes informaçõescolhidas ainda na mesma fonte:

O Brasil chegou ao fim de 1983 com umadívida externa de 100 bilhões de dólares,com uma inflação de 212% e uma quedade produção, comandada pelo setor indus-trial, estimada em 5%, em relação a 1982.Números iguais a esses não foram vistosnem na famosa crise de 1929 que marcouo fim da República Velha (Jornal do Bra-sil, Retrospectiva 83, sábado, 31 de de-zembro de 1983, p. 1).

E ainda mais:

O Brasil terminou 1983 com mais de 10milhões de desocupados, o que significa22% de desempregados e subocupados napopulação economicamente ativa de 45milhões de pessoas. Um estudo do Institu-to de Planejamento da Seplan garante que,se o Governo não criar programasemergenciais, o Brasil chegará a 1986 com,aproximadamente, 14,5 milhões de deso-cupados, sem contar com os chamados de-salentados, aqueles que se acomodaram enem procuram mais trabalho [...].

E adiante:

Não devemos esquecer que o estilo, a con-dução e os objetivos da política econômi-ca no contexto atual têm provocado efei-tos exatamente diversos daqueles quenos parecem socialmente mais justos, re-clamam os técnicos, e alertam para osdrásticos efeitos que o aumento do de-semprego, conseqüência imediata dessapolítica, já está causando à população. Emprimeiro lugar, a queda da qualidade devida, sobretudo no setor de baixa renda.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 178: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

178

Em segundo, o aumento excessivo damortalidade infantil e das doençastransmissíveis, as quais o Governo teráque remediar com recursos tão elevadosquanto os que utilizaria numa política deempregos. (Jornal do Brasil, domingo, 8/1/84, 1º cad., p. 15).

Daí, a grave crise social em que mergu-lhamos, com essas taxas inéditas de desem-prego; aumento da pobreza, em geral; aumen-to da criminalidade juvenil e até infantil; au-mento das taxas de mortalidade infantil, etc.

Toda essa terrível situação teria, evi-dentemente, de levar às drásticas repercus-sões, apontadas anteriormente, sobre o setorde educação e ensino.

E nesse ponto das considerações quevenho alinhando, mais uma vez acode-meà memória aquela dramática advertência deBenito Juarez, a grande figura da revoluçãomexicana, que certo dia encontrei, por meroacaso, mas sintomaticamente, no n. 89, demaio/jun. de 1948, à página 28, da Revistado Clube Militar do Rio de Janeiro, e quedizia o seguinte:

Ainda que se multipliquem as escolas eos professores sejam bem pagos, semprehaverá escassez de alunos enquanto exis-tir a causa que impede a assistência àescola... Essa causa... e a miséria geral...O homem que não pode dar alimento àfamília, vê a educação dos filhos comoobstáculo à luta diária pela subsistência.Elimine-se a pobreza... e a educaçãoseguirá em forma natural...

Tudo isso que vem acontecendo emnosso País, apesar de suas potencialidadesem riquezas naturais e das qualidades ex-cepcionais de seu povo é, sem dúvida,o resultado do desenvolvimento econômico

inteiramente distorcido que temos tido, des-de a nossa constituição como Nação. Politi-camente independentes, desde 1822 conti-nuamos, entretanto, a ser extremamente de-pendentes dos recursos estrangeiros, emcapitais e tecnologia, para a exploração denossas riquezas, e, portanto, completamen-te vulneráveis à pressão dos interesses dasnações do chamado mundo desenvolvido.E, além disso, o próprio desenvolvimentomaterial que alcançamos vem beneficiandoapenas uma minoria do povo brasileiro, coma exclusão da maioria dos benefícios desseinegável progresso material que conse-guimos. Logramos assim um falso desenvol-vimento ao mesmo tempo dependente eexcludente da maioria dos brasileiros. E essacircunstância só poderia gerar a situaçãodramática em que nos encontramos nos diasde hoje.

Daí decorrem forçosamente as frustra-ções e as desilusões dos educadores que,em sua boa-fé, insistem em imaginar que aeducação e o ensino escolares são os fatoresfundamentais para modificar essa situação...

Ao contrário, porém, somente quandoalcançarmos um regime verdadeiramentedemocrático é que se criarão as condiçõespara que possa florescer uma educação de-mocrática, na qual prevaleça o preceito fun-damental da democracia que é a igualdadede oportunidades para todos.

Assim, o problema fundamental do Bra-sil é a democratização de sua sociedade paraque possa haver a participação eqüitativa dopovo brasileiro nos resultados do trabalhode todos. E somente assim será possívelrealizar os ideais dos educadores que, certodia, lançaram Ao Povo e ao Governo o Mani-festo dos Pioneiros da Educação Nova, paraa Reconstrução Educacional no Brasil.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.

Page 179: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

179

Primórdios

O25° aniversário do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos leva a recordarduas ordens de coisas: sua organização inicial, seus primeiros trabalhos; e, pornatural associação, projetos anteriores que tenham visado a criar órgãos para

estudo geral das coisas do ensino em nosso país.As idéias relativas a essa matéria vinham de longe. Já em 1823, na Constituinte do

Império, eram elas consideradas, paralelamente às grandes realizações com que então sesonharam: “escolas em todas as cidades e vilas, liceus em todas as comarcas, e universida-des nos locais para isso mais indicados”... Nem uma nem outra coisa haviam de vingar,por prematuras.

Dois projetos, não obstante, renovam a idéia em 1826 e 1827. É que, desde o começodo século, nações da Europa haviam criado os seus ministérios de Instrução Pública,

Antecedentes e primeiros tempos do Inep*

Lourenço Filho(Vila de Porto Ferreira-SP, 1897 – Rio de Janeiro-RJ, 1970)

* Publicado originalmente naRBEP v. 42, n. 95, p. 8-17, jul./set. 1964.

1ª PARTE

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 179-185, jan./abr. 2005.

Page 180: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

180

ou conselhos, ou comissões, destinados afundar os serviços escolares em bases menosincertas.

Em 1834, centralizando alguns servi-ços públicos, veio o Ato Adicional à Cons-tituição a descentralizar os serviços do en-sino primário e normal. Poderia parecer,assim, supérfluo um órgão central para oexame das questões gerais do ensino noBrasil.

Quase cinqüenta anos haviam depassar, com efeito, sem que a idéia voltassea ser debatida. Mas, a de um órgão colegiadopara assessoramento da administração, essalogo aparece, em 1846, na forma de umConselho Geral de Instrução Pública, se-gundo projeto apresentado à Câmara dosDeputados.

Projetos similares, de cunho governa-mental, são enviados ao Parlamento, em1870, pelo ministro do Império Paulino deSouza e, sete anos depois, por José Bentoda Cunha Figueiredo, titular da mesmapasta. Em 1872, com a reforma Leôncio deCarvalho, sugere-se um Conselho Superiorde Instrução Pública.

Expedida por decreto a ser referenda-da pelas cortes, deu essa reforma motivoaos grandes pareceres sobre o ensino ela-borados pelo deputado Rui Barbosa. Nãodesejava ele apenas um órgão colegiado, masoutro também que servisse à documenta-ção e à difusão de novas idéias sobre o en-sino, com investigação de seus problemasna vida nacional. A exemplo de institui-ções similares, ensaiadas nalguns países daEuropa – a Hungria, a Holanda, a França, aBélgica, além de outros – esse órgão recebiao nome de Museu Pedagógico.

Esse título museu não restringia a idéiados estudos de que se devessem encarre-gar a instituição. Naqueles países funcio-navam tais órgãos para coleta da estatísticadas escolas, de informações sobre métodose procedimentos didáticos, como tambémsobre condições gerais das populações. Emduas palavras, informavam e investigavam.Mas, como à época se sentisse que o ensino

deveria perder a feição essencialmente ver-bal com que se realizava, insistia-se na idéiade exemplificação de certo material didáti-co, em artefatos e aparelhos, nos quais sepudesse apoiar o ensino objetivo. Daí, onome adotado.

É sabido que não tiveram andamentoos substitutivos de Rui, de que seus pare-ceres representaram copiosa fundamentação.Contudo, muitas das idéias expostas nãoficaram perdidas, e em especial a do centrode estudos que pleiteara. Nos últimos anosdo Império justificaram algumas iniciativascolaterais, digamos assim, como a da Expo-sição Pedagógica, realizada em 1883, e ou-tras, de cunho privado, como a da Socieda-de Promotora de Instrução, com um inten-so movimento de palestras, estudos e deba-tes, e mesmo o esboço de um museudidático.

Já na República, dá-se corpo à idéia como chamado Pedagogium, instituto que deve-ria “ser um órgão propulsor de reformas emelhoramentos de que carecesse a educa-ção nacional”, tal como no próprio ato decriação se veio a dizer (Decreto n° 667, de16 de agosto de 1890). Como repartição fe-deral, teve existência efêmera. Em dezem-bro de 1896, passou à jurisdição do DistritoFederal, com natural redução de seu pro-grama. Ainda assim, o Pedagogium prestougrandes serviços à difusão de modernosconhecimentos sobre o ensino, até julho de1919, quando foi extinto. Bastará dizer quenele funcionou um laboratório de psicolo-gia para aplicações do ensino, instaladograças aos esforços de Medeiros deAlbuquerque.

Em 1911, havia-se criado o ConselhoSuperior do Ensino, para exame de ques-tões do ensino secundário e superior. Em1923, transforma-se ele no Conselho Nacio-nal de Instrução e, em 1931, no ConselhoNacional de Educação, que perdurou até apromulgação da recente Lei de Diretrizes eBases. Em qualquer dessas fases, as ativida-des desse órgão colegiado teriam de sermuito diversas das de um centro para

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 179-185, jan./abr. 2005.

Page 181: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

181

documentação e pesquisa. Nada, portanto,de estranhar que em 1917 o deputadoMonteiro de Souza se batesse pela criaçãode uma Repartição Geral do Ensino Públi-co e da Educação Nacional, com muitas dasatribuições que mais tarde deveriamconstituir o programa do Inep.

Esse projeto não seria aprovado. Deve-ria despertar, porém, ensaios governamen-tais de estudos pedagógicos, como outrasiniciativas por parte de pessoas cultas.Repetia-se a história. É assim que, ao ensejodo centenário da Independência, promoveo Ministério da Justiça e Negócios Interio-res duas conferências nacionais, respecti-vamente dedicadas à instrução primária eao ensino secundário e superior. Um pou-co por efeito dessas reuniões, vem a serestabelecida, em 1923, a Associação Brasi-leira de Educação, cujo programa inicialabrangia muitos dos pontos visados peloMuseu Pedagógico, tal como figurava noprojeto de Rui.

Valiosos trabalhos logo passou essaagremiação a realizar, na forma de inquéri-tos, pesquisas e reuniões nacionais paradebate pedagógico. Muitos deles influíramno sentido de projetar os problemas doensino no plano mais amplo das questõesda vida social e política. E, não se poderánegar, que toda essa atividade muito con-correu para que se criasse, logo após arevolução nacional de 1930, o Ministérioda Educação.

Criação e estrutura inicialdo Inep

Essa secretaria de Estado teve estrutu-ra muito singela nos primeiros tempos.Quando, em 1936, o Ministro GustavoCapanema cuidou de reorganizá-la, aceitoua idéia de um de seus colaboradores no sen-tido de que se estabelecesse, de par com oDepartamento Nacional de Educação e oConselho Nacional de Educação, um órgãonovo, com o título de Instituto Nacional de

Pedagogia. O Departamento seria órgão exe-cutivo por excelência; o Conselho, órgãoconsultivo, para assessoramento geral; e oInstituto, fonte primária de documentação einvestigação, com atividades de intercâmbiogeral e assistência técnica. A perspectivageral dos trabalhos de cada um desses ór-gãos, como seus respectivos títulos indica-vam, seria sempre nacional.

O projeto Capanema converteu-se na Lein° 378, de 13 de janeiro de 1937, diplomaesse que na legislação federal se destaca porhaver sido o primeiro a consagrar princípi-os e normas de “organização racional” dosserviços públicos. Num dos seus artigos, eracriado o Instituto Nacional de Pedagogia parao fim de “realizar pesquisas sobre os pro-blemas do ensino nos seus diferentesaspectos”.

Na exposição de motivos, redigida porGustavo Capanema, mais se explicava oprograma:

Não possui, ainda, o nosso país um apare-lho central destinado a inquéritos, estudos,pesquisas e demonstrações, sobre os pro-blemas do ensino, nos seus diferentes as-pectos. É evidente a falta de um órgão des-sa natureza, destinado a realizar trabalhosoriginais nos vários setores do problemaeducacional, e, ao mesmo tempo, a reco-lher, sistematizar e divulgar os trabalhosrealizados pelas instituições pedagógicas,públicas e particulares. Além disso, incum-bir-se-á de promover o mais intenso inter-câmbio no terreno das investigações relati-vas à educação, com as demais nações emque este problema esteja sendo objeto departicular cuidado de parte dos poderespúblicos ou das entidades privadas.

Dado os múltiplos encargos que areestruturação prevista na lei cometia aoMinistro, não foi logo instalado o InstitutoNacional de Pedagogia. Em 30 de julho de1938, expediu-se, porém, o Decreto-Lei n°580, que lhe alterou a denominação paraInstituto Nacional de Estudos Pedagógicos,definindo também, de modo mais amplo,a competência e a estrutura do novo órgão.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 179-185, jan./abr. 2005.

Page 182: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

182

Seu programa era deste modoresumido: “o Instituto funcionará como ocentro de estudos de todas as questões edu-cacionais relacionadas com os trabalhos doMinistério” – explicação que se tornavanecessária por atender, então, a mesma pastaàs questões de saúde pública.

Note-se que aí não se falava de um cen-tro, mas do centro. Despido de qualquerfunção administrativa, deveria a instituiçãocumprir importantes funções:

[...] organizar a documentação relativa àhistória e ao estado atual das doutrinas etécnicas pedagógicas; manter intercâm-bio com instituições do país e do estran-geiro; promover inquéritos e pesquisas;prestar assistência técnica aos serviçosestaduais, municipais e particulares deeducação ministrando-lhes, medianteconsulta ou independentemente dela, es-clarecimentos e soluções sobre problemaspedagógicos; divulgar os seus trabalhos.

Além desses pontos, dois outros cons-tavam do referido decreto-lei. O Inep deve-ria promover investigações sobre os proble-mas de orientação e seleção profissional,“cooperando com o Departamento Admi-nistrativo do Serviço Público, por meio deestudos e providências executivas nos tra-balhos de seleção, aperfeiçoamento, espe-cialização e readaptação do funcionalismopúblico da União”.

Essa circunstância esclarece por que,além das seções básicas de documentaçãoe intercâmbio, e de inquéritos e pesquisas,teria o Inep duas outras – de psicologia apli-cada e de orientação e seleção profissional– mantendo, ademais, um Serviço deBiometria Médica.

Aparentemente dispersos, esses encar-gos aí se associavam e tal fato tem a suaexplicação particular. Em nosso país, a essaépoca, eram escassos os quadros de pesso-al entendido em orientação e seleção pro-fissional, não se contando seus técnicossenão pelos dedos, entre médicos e educa-dores. E como, ao mesmo tempo, se haviaestabelecido o Inep e esse Departamento,

o DASP, o qual deveria iniciar seus traba-lhos com um intenso programa de recruta-mento de pessoal, segundo um “sistema demérito”, quis-se assim aproveitar, da melhorforma, os poucos elementos disponíveis.

Essa é a razão pela qual, examinandoos arquivos do Inep, verifica-se que, apesarde seu título, já nascia ele com um conjun-to de auxiliares lotados no Serviço deBiometria Médica, maior que o dos técnicosdestinados a realizar estudos propriamentepedagógicos. Nos anos seguintes, aqueleconjunto ainda mais deveria crescer e,de tal forma que, em 1943, possuía o dobrode servidores das demais dependência doInep. Como seria natural, esses serviçosespecializados deveriam desligar-se depois.

Teria essa associação de serviços preju-dicado o Inep?... É de acreditar que não. Deuma parte, por ela se atendia a serviços exe-cutivos de alto interesse público, dentro decritérios objetivos, perfeitamente imparciais,o que deu ao novo órgão inegável prestígiosocial. De outra, certos estudos de biometriae seleção, por exigirem fundamentação ob-jetiva, a ser apurada por critérios estatísti-cos, proporcionou a um grande número detécnicos orientação de base científica, mui-to conveniente. As reuniões de estudo, fre-qüentes entre elementos dos dois grupos deserviços, interessados todos nos problemasde capacidades humanas, formação profis-sional e mercado de trabalho, comunicaramao programa geral do Inep um sentidorealista muito proveitoso.1

Curioso é que as instalações dos pri-meiros tempos, relativamente acanhadas,forçavam os técnicos a uma maior aproxi-mação e interesse pelos serviços comuns.As instalações se resumiam nalgumas salasdo velho edifício do Calabouço, onde fun-cionavam várias repartições e, na maior partedele, o Museu Histórico Nacional. Diga-sede passagem que a proximidade desseMuseu igualmente lhe foi muito útil.

Quanto ao pessoal, surgiu o Inep commeia dúzia de servidores. Já em 1939, podeele contar, porém, com elementos mais

1 O Inep contou desde o iníciocom a colaboração do Dr. Anto-nio Gavião Gonzaga, na direçãodo Serviço de Biometria Médi-ca, e com a dos drs. AlcebíadesCosta, Décio Olinto, EduardoMarques Tinoco e Joaquim deAzevedo Barros, todos interes-sados em pesquisas. Contoutambém com um especialistaem bioestatística, o saudoso Dr.Eurico Rangel.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 179-185, jan./abr. 2005.

Page 183: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

183

numerosos e de grande valor, escolhidosentre os aprovados em concurso de títulose provas para constituirem o primeiro nú-cleo da carreira de Técnicos de Educação,criada pela Lei n° 378. Apenas concluídoesse concurso, em fevereiro desse ano, novedos candidatos aprovados foram lotados noInep, quatro dos quais como chefes das se-ções técnicas. Para o desempenho dessasfunções, o diretor do Inep utilizou o crité-rio objetivo de aproveitamento dos quatroprimeiros classificados no concurso.2

Atividades dosprimeiros anos

Árduos teriam de ser os trabalhos dosprimeiros anos do Inep. Seu programa eracomplexo e sua organização devia partir, abem dizer, do nada. A maior prova da ne-cessidade de um órgão de sua natureza efunções compreende-se pelo seguinte fato:a não ser o Serviço de Estatística de Educa-ção e Saúde, dirigido pelo grande brasilei-ro que foi Mário Augusto Teixeira de Freitas,do qual o Inep recebeu farto material paraestudo, as contribuições que lhe puderamfornecer todas as demais repartições do Mi-nistério foram muito escassas. Tal situaçãodecorria da própria tradição dos serviçosgerais do Ministério. Para alguns deles opedido de material de estudo chegava mes-mo a parecer estranho, senão mesmo intro-missão indébita nos “segredos” dasrepartições.

Não obstante, urgia coletar material,coordená-lo e dispô-lo para indagações úteisaos problemas de eficiência do ensino emais questões educacionais, de qualquernatureza.

Como fontes básicas de documentação,além dos dados estatísticos disponíveis,pôs-se o Inep a organizar um ementário ge-ral da legislação sobre o ensino e educação,a partir dos primeiros atos do Reino Unido;ao mesmo tempo, fazia completar e publi-car a bibliografia pedagógica brasileira desde

a mesma época, para o que se serviu de umlevantamento começado na extinta DiretoriaNacional de Educação. Uma e outra dessasfontes continuaram a ser atualizadas, logo aelas se juntando elementos, da legislação es-tadual e indicações de estudos insertos empublicações periódicas.3

O aspecto propriamente histórico en-controu um colaborador espontâneo na fi-gura do inesquecível pesquisador PrimitivoMoacyr, auxiliado, com rara dedicação, peloDr. Rui Guimarães de Almeida, também in-felizmente já desaparecido. A ambos se devea publicação da obra A Instrução e a Repú-blica, em sete volumes, que o Inep editounos anos de 1941 e 1942.

Todo esse trabalho de reconstituição erafatigante. Na realidade, obscuro. Mas, a sim-ples classificação de todo esse material esta-tístico, legislativo e bibliográfico, começavaa revelar as realidades da educação nacio-nal, em seus aspectos capitais, no plano dasrealizações públicas e nas da iniciativa pri-vada, como também no das idéias. O balançode cada semestre propunha novos pro-blemas a serem analisados, descobria rela-ções, indicava condições atuantes no pro-cesso educacional, fossem de ordemdemográfica, econômica, institucionais, oupropriamente políticas. Assim, diferentesperspectivas de estudo começaram a ser ca-racterizadas, quer no plano nacional, quernos das diferentes regiões do país.

Acompanhando-se a marcha das publi-cações, primeiramente mimeografadas e de-pois impressas, dos anos de 1939 a 1945,pode-se facilmente apreender princípios deordem metodológica que foram empregados.4

Entre os estudos impressos, devem serdestacados os vinte volumes que se dedica-ram à Organização do Ensino Primário eNormal, cada um dos quais referentes a umEstado, e os dois volumes de síntese, deno-minados Situação Geral do Ensino Primá-rio e Administração dos Serviços de Educa-ção, ambos editados no ano de 1941. Aindaque modestas, essas publicações revelaramaos órgãos de administração do ensino nas

2 Eram eles: Dr. Murilo Braga deCarvalho, depois Diretor de Se-leção do DASP e Diretor do pró-prio Inep; Prof. Paschoal Leme,que permaneceu na carreira, tor-nando-se conhecido publicistaem assuntos educacionais; PadreHelder Câmara, depois Diretordo Instituto de Pesquisas Educa-cionais da antiga Prefeitura doDistrito Federal; o Prof. ManoelMarques de Carvalho, depoisencarregado de missões culturaisem dois países latino-america-nos. Em três dessas chefias, su-cederam depois o Prof. JacirMaia, Rui Guimarães de Almeidae Armando Ilildebrand. O Servi-ço de Expediente foi primeira-mente chefiado pelo oficial-ad-ministrativo Otto Florianode Almeida, sucedido peloDr. Antônio Luís Baronto, quepermaneceu no Inep, ao qualprestou assinalados serviços. ABiblioteca Pedagógica foi organi-zada pelo Prof. Martiniano Perei-ra da Fonseca, hoje aposentado.Como auxiliares do gabinete doDiretor trabalharam BartiraLoretti, Hadjine GuimarãesLisboa e Selene Bastos Tigre.

3 O ementário da legislação foitodo ele levantado por um com-petente jurisperito, o saudoso Dr.Mário Calmon. O levantamen-to e análise bibliográfica teve acompetente colaboração de DéaVeloso Barros e Albino JoaquimPeixoto Junior.

4 A lista dessas publicações cons-tam do relatório “O InstitutoNacional de Estudos Pedagógi-cos em sete anos de atividades”,publicado na Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos, v. 6,n. 16, outubro de 1945, e tam-bém em separata.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 179-185, jan./abr. 2005.

Page 184: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

184

unidades federadas a extensão relativa doseu trabalho na obra comum da educaçãonacional, e certos índices de eficiência ou,ao contrário, de déficit; propunham-lhes,ademais, novas preocupações quanto ànecessidade de planejamento, financiamen-to e preparação do pessoal docente eadministrativo intermediário.

Com tudo isso, estabelecia-se um laçode novo entendimento entre tais órgãos e oMinistério. Começaram aqueles a admitirque, através do Inep, o governo federal lhespoderia prestar assistência de ordem técni-ca, sem qualquer desejo de impor nada,mas, simplesmente, de esclarecer, estabele-cer confrontos, inspirar métodos de pes-quisa na ação administrativa. Muitos dosEstados sentiram, por isso mesmo, ainsuficiência de seus quadros técnicos.

Daí, para uma nova fase de compreen-são, o movimento foi rápido. Quase todasas unidades federadas passaram a enviarchefes de serviço, diretores e inspetores paraestágio em seções do Inep e, logo também,para cursos de administração escolar de quese encarregaram o diretor e os técnicos donovo órgão. Tal cooperação encontrou mai-or motivo de ordem prática logo que se ins-tituiu o Fundo Nacional de Ensino Primá-rio, resultante de esforços do MinistroCapanema, com apoio nas investigações doInep.5

Em 1944, já dispondo de material or-ganizado e pessoal mais treinado, podia oInstituto lançar o seu órgão de divulgaçãoperiódica, a Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, que manteve durante dois anostiragem mensal, absolutamente pontual.Tornou-se depois esse órgão trimestral,mantendo sempre, no entanto, o mesmo altonível dos primeiros números. É muito difí-cil que hoje se encontre um estudo sobreeducação no Brasil, de maior tomo, que nãofaça referência à documentação ou a traba-lhos insertos nessa revista. A análise dosartigos dos números iniciais chega mesmoa surpreender quanto a certas posições as-sumidas pelo Ministério da Educação, por

meio do Inep, nessa recuada época de vinteanos atrás. A tese democrática era aí umaconstante.

Conclusão

O intuito destas notas não é apresentarcompleto relatório, o qual foi feito e publi-cado, como atrás se mencionou. O desejodo autor destas linhas é apenas relembraralguns fatos e os esforços de certo grupo depessoas, para propor, enfim, esta questão:De que modo, e até que ponto, terão os tra-balhos do Inep, nessa fase e depois, con-corrido para o aperfeiçoamento e o alarga-mento do pensamento pedagógico do paíse, conseqüentemente, para o progresso denossas instituições educacionais?...

A resposta não é fácil. O que se podechamar processo educacional é uma decor-rência da vida social em toda a sua comple-xidade e plenitude. Abrange condições pro-priamente ecológicas, demográficas e econô-micas, e o progresso de uma filosofia socialque à ação política bem possa inspirar; mas,com isso, certamente, a ação de educacionistas(passe lá o termo) ou de pedagogistas porprofissão, analistas educacionais queadmitam investigação objetiva.

Para maior proveito da ação desses úl-timos e, sem dúvida, mais perfeita compre-ensão de todas aquelas condições e circuns-tâncias, é que se faz necessário um órgão dedocumentação, pesquisa e divulgação peda-gógica. Não será, pois, demasiado dizer queo transcurso da educação brasileira, nos úl-timos vinte e cinco anos, não teria sidoexatamente o mesmo, se caso o Inep nãofosse criado, firmado o seu programa edesenvolvido seus serviços.

Claro que, nesse lapso, teve ele de en-frentar muitos tropeços e, por vezes, deve-se confessar, certas incompreensões perfei-tamente naturais por parte daqueles que fa-cilmente cedem a soluções emocionais, e nãoàs que possam provir de estudos pacientese indagações mais fundamentadas.

5 Aos estágios e cursos do Inepnão concorreram apenas educa-dores nacionais, mas de diver-sos países latino-americanos,em especial da Bolívia, Chile,Paraguai e Venezuela.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 179-185, jan./abr. 2005.

Page 185: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

185

Entre essas pessoas, ressalvadas assuas melhores intenções, incluem-se certa-mente os políticos, ou pelo menos certa clas-se de políticos, assim como de pensadoressociais e publicistas, interessados pelascoisas da educação, mas nem sempre beminformados.

Quanto aos políticos, em especial, pode-se lembrar o que, examinando o seu indis-pensável papel nas decisões relativas a pro-blemas econômicos, escreveu Gustavo Cassel,em pequenino trecho que se tornou clássico:

O político em seu trabalho está acostuma-do a concentrar toda a atenção no poder,sendo por isso muito natural para ele quetudo se possa conseguir desde que se dis-ponha de mando ou de poder político. Narealidade, os políticos chegam a crer que,pelo exercício do poder, sejam eles capa-zes de proibir que ocorram as conseqüên-cias lógicas e naturais de seus próprios atos.

Um dos resultados dos trabalhos doInep tem sido o de revelar conseqüênciaslógicas e naturais da ação política em matéria

de educação, quer isso agrade ou desagrade.Esse pensamento foi o que o animou, desdea sua fundação, ao tempo em que o autordeste artigo o dirigiu, e que os seus doissucessores no cargo ainda ampliaram, im-primindo maior extensão e intensidade aostrabalhos sob sua responsabilidade.

O que o Inep hoje representa é a elesque especialmente se deve – ao malogradoMurilo Braga de Carvalho, tão cedo desapa-recido, e a Anísio Spínola Teixeira, figurade dedicação exemplar à causa da educaçãodo país, batalhador infatigável, semeador deidéias.

À medida que o tempo passa, levandoa sociedade brasileira a uma maior consci-ência de seus próprios problemas sociais,mais e mais as funções do Inep serãocompreendidas. Assim também, os esforçosde seus dirigentes e os técnicos que ao pro-grama da instituição se têm consagrado.Na vida de organizações de sua espécie,vinte e cinco anos representam apenas umprimeiro passo. E esse, em direção certa, foitransposto.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 179-185, jan./abr. 2005.

Page 186: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 187: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

2ª PARTE LEITURAS DA RBEP

Page 188: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 189: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

189

2ª PARTE

Resumo

O artigo trata da história do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep)desde sua fundação, em 1938, até 2002. Utiliza matérias publicadas na Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos (RBEP) como fonte principal. Discute as articulações políticasque permitiram que o Inep, no período de 1938 a 1971, fosse instalado e se consoli-dasse como um órgão estatal utilizado pelos escolanovistas para exercer a liderançaintelectual na elaboração e implantação de políticas para a educação. Discute ashipóteses de que os diversos momentos de crise e indefinição da RBEP coincidem comos momentos de crise e indefinição do próprio Instituto e que, a partir da década de1980, a Revista paulatinamente deixa de ser um instrumento de exercício da liderançapelo Inep.

O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos:uma leitura da RBEP

José Carlos Rothen

Palavras chave: Inep, RBEP,Lourenço Filho, Anísio Teixeira,Documentação.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 190: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

190

O Instituto Nacional de Estudos Peda-gógicos (Inep), instalado em 1938 como umórgão vinculado ao Ministério da Educaçãoe Saúde, constituiu-se, na sua história, comoum órgão autônomo que buscou exercer aliderança intelectual das reformas educaci-onais brasileiras. O Inep contou, a partirde 1944, com a Revista Brasileira de EstudosPedagógicos (RBEP) como um instrumentopara a divulgação da sua produçãointelectual e para influenciar na formaçãodas concepções brasileiras de educação. Aimportância atribuída pelo Instituto àRevista permite que a história do Inep possaser reconstruída a partir de sua própria edo material nela publicado.

A história do Inep – e, conseqüente-mente, da sua Revista – é marcada por pro-cessos de descontinuidade. Os estudosconsultados utilizam normalmente o recur-so de dividir a história do Inep e da RBEPem períodos, podendo os critérios para aperiodização ser divididos em internos eexternos. Os autores que utilizam critériosinternos são Britto (1984), Gandini (1995)e Saavedra (1988); os que utilizam critériosexternos são Alvarenga (2000), Castro(1984), Rosas (1984), Saviani (1984) eSguissardi e Silva Jr. (1998).

Jader de Medeiros Britto, que foi edi-tor da RBEP, no Editorial do número 150,maio a agosto de 1984, divide a história daRevista em três períodos: de 1944 a 1951;de 1951 a 1964 e o posterior a 1964. Noprimeiro período, o Inep foi dirigido porLourenço Filho e Murilo Braga, sendo aênfase maior dos artigos publicados naRBEP relacionada a questões intrinsecamen-te pedagógicas (administração escolar epsicologia escolar). No segundo período,sob a direção de Anísio Teixeira, a RBEPtorna-se tribuna do debate em relação à de-mocratização do ensino. No terceiro perío-do, no qual a figura dos diretores do Inepnão é tão marcante quanto nos anteriores, aênfase da RBEP dá-se em relação à admi-nistração do ensino. Britto afirma ainda,nesse Editorial, que, na nova fase iniciada

em 1983, a Revista tinha como objetivo apro-ximar-se da produção oriunda da comuni-dade acadêmica.

Raquel Gandini não faz uma perio-dização propriamente dita. Ao estudar aRBEP nos seus primeiros anos, ela utilizacomo critério para delimitação do períodoa ser estudado (1944-1952) a influência deLourenço Filho no Inep e, conseqüente-mente, na Revista.

Silvia Maria Galiac Saavedra, funcioná-ria de carreira do Inep, na sua dissertaçãode mestrado, ao expor a história do Inep,utiliza como critério de periodização ainstitucionalização do tipo de pesquisa rea-lizada pelo Instituto. Ela divide a históriado Inep em quatro momentos: o de 1937 a1951, período que ela nomeia comoo da “Institucionalização da PesquisaEducacional”, no qual a influência de Lou-renço Filho é marcante e a maioria das pes-quisas está relacionada com a psicologia; de1952 a 1963, que ela nomeia como o da“Perspectiva Interdisciplinar da Educação”,é o período em que o Inep é dirigido porAnísio Teixeira; de 1964 a 1976, o da“Pesquisa do esvaziamento ou o esvaziamen-to da pesquisa”, é caracterizado por um len-to processo de eliminação das condiçõesinternas para o desenvolvimento da pesquisaeducacional; e de 1976 a 1984, que seria operíodo da “Tentativa da Transformação”.

Amélia Domingues Castro (1984), aoanalisar a presença da Didática na RBEP,utiliza como marco as grandes reformas doensino, propondo a seguinte periodização:“Da reforma Capanema à LDB de 1961”; da“LDB de 1961 à de 1971”; e a partir de 1971.

Paulo Rosas (1984), em seu artigo so-bre a Psicologia na RBEP, utiliza como cri-tério o desenvolvimento da Psicologia noBrasil. Rosas propõe três fases: de 1920 a1939, de 1940 a 1959, e de 1960 a 1979.Como se observa, Rosas inicia a suaperiodização anteriormente ao primeironúmero da RBEP; este fato pode ser expli-cado por Rosas ter o objetivo de apresentaro contexto do desenvolvimento da

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 191: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

191

Psicologia no Brasil no qual é desenvolvidoo seu estudo sobre a Revista.

Dermeval Saviani (1984), ao analisar aFilosofia da Educação na RBEP, utiliza comocritério a vinculação dos artigos por ela pu-blicados com as correntes educacionaisbrasileiras. Ele baseia-se numa periodizaçãoprovisória dessas correntes educacionaisconstante de artigo publicado no ano anterior,assim: de 1945 a 1960, concepção humanistamoderna; de 1960 a 1969, articulação entre aconcepção humanista moderna e a tecnicista;de 1969 em diante, em que domina aconcepção tecnicista e as manifestações dafilosofia analítica. Segundo a sua análise, atéo ano de 1962 são publicados exclusivamenteartigos com enfoque humanista moderno(Escola Nova) e, a partir dessa data, tambémartigos com a visão tecnicista.

Lídia Alvarenga (2000), ao apresentaro resultado de sua análise bibliométrica so-bre as publicações na RBEP, entre os anosde 1944 e 1974, referentes à institucio-nalização da pesquisa educacional, utilizacomo marco para a sua periodização omandato dos presidentes da República.

Valdemar Sguissardi e João dos ReisSilva Junior (1998), ao analisarem a produ-ção sobre o ensino superior presente naRBEP, utilizam como critério a conjunturapolítica e a vinculação entre análise políticae acadêmica. Os autores propõem três perío-dos: o primeiro, do nascimento e consoli-dação da Revista, de 1944 a 1964; o segundo,da presença prioritária do Estado, de 1964a 1980; o terceiro, da presença prioritáriada sociedade civil e da crítica às políticaspúblicas, de 1980 a 1995.

O estudo que se segue utilizará comobase a conciliação das periodizações inter-nas com as externas, buscando assim, aomesmo tempo, compreender a organizaçãointerna do Inep e como ele se insere na redede poder mais ampla. Propõe-se a seguinteperiodização:

– período da influência de LourençoFilho (1944 a 1951);

– período da influência de AnísioTeixeira (1952 a 1971), que será sub-dividido em dois: de 1951 a 1961,que é marcado pelo debate da LDB/61, e o de 1962 a 1971, que é marca-do pela discussão da Reforma Uni-versitária e do ensino de 1o e 2o graus;

– período da busca de identidade, quepode ser subdividido em quatro: odo fortalecimento do Inep como cen-tro de documentação (1972 a 1975);o da tentativa de desmonte do Inep(1976 a 1980); o da aproximação dacomunidade acadêmica (1980 a1995); e o da transformação do Inepem agência de avaliação (1995 a 2001).

Ressalta-se que a RBEP, neste estudo, éao mesmo tempo fonte de pesquisa e objetode estudo: é fonte por fornecer os artigos edocumentos que serão estudados para iden-tificar as concepções que norteiam o exercí-cio no Inep na elaboração de política públi-ca para o ensino superior; é objeto porser um dos instrumentos utilizadospelos escolanovistas para instaurar a suahegemonia política e intelectual no campoeducacional.

1. Antecedentes e primeirostempos do Inep (1936 a 1951)

Esta seção, que recebe o nome de umartigo de Lourenço Filho (1964) em come-moração aos 25 anos da RBEP, tratará doperíodo que é normalmente caracterizadocomo aquele em que é marcante a influênciadesse educador. Discutir-se-á a hipótese deque nesse período o Inep é instalado e seconsolida graças às articulações por elepromovidas.

O Inep é criado e se desenvolve numperíodo em que se busca a racionalizaçãodo Estado mediante a ação dos técnicos.Autores que fizeram parte da AssociaçãoBrasileira de Educação (ABE), comoFernando de Azevedo (1964), Lourenço

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 192: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

192

Filho (1964) e Paschoal Lemme (1984), afir-mam que a idéia da criação de um órgão depesquisa que fornecesse subsídios para aspolíticas públicas tem a sua origem nos con-gressos promovidos por essa Associação,cujos princípios educacionais foram expres-sos em 1932 no “Manifesto dos Pioneirosda Educação Nova”, dirigido ao povo e aoGoverno. Segundo Ester Buffa (1984, p.302), esses princípios são: “a laicidade, aobrigatoriedade do Estado em assumir aeducação, a co-educação dos sexos, etc.”

Fernando de Azevedo (1964) afirma quedois tipos básicos de fatos foram a base paraa formulação das idéias para a criação doInep. O primeiro foram as reformas educa-cionais realizadas entre 1925 e 1935; citacomo exemplo a reforma levada a cabo porele no Distrito Federal, a de Lourenço Fi-lho em São Paulo e a de Anísio Teixeira noRio de Janeiro, três nomes que estãoentre os signatários do “Manifesto dosPioneiros”. É interessante notar que eleomite outros reformadores, como, porexemplo, Francisco Campos. O segundotipo de fato foi a implantação da cadeira deSociologia em diversas instituições.

O Inep será constituído a partir de1938, tendo como base a Psicologia e não aSociologia, como teria sido, segundoFernando Azevedo, a idéia original. Outroaspecto a ser considerado é que, a partir dainstauração do Estado Novo, não foram to-dos os que capitanearam as reformas edu-cacionais na década de 1920 que encontra-ram espaço. Raquel Gandini (1995, p. 126)afirma que “os reformadores que foram al-çados ao poder no Estado Novo foram aque-les que apresentavam, já na década de 1920,preferências mais autoritárias, como, porexemplo, Francisco Campos, ou mais‘técnicas’, como Lourenço Filho”.

A primeira tentativa da instalação do Inepocorreu em 1936, quando Gustavo Capanema,ao reformular o Ministério da Educação eSaúde, cria o Instituto Nacional de Pedagogiaa partir da sugestão de Lourenço Filho. Noprimeiro momento, o Instituto não é

implantado. Lourenço Filho (1964, p. 11)justifica: “dado os múltiplos encargos que areestruturação prevista na lei cometia aoMinistro, [o Inep] não foi logo instalado”.

Somente em 30 junho de 1938, o Inep,mediante o Decreto-Lei no 580, é instaladocom suas atribuições ampliadas e com umnovo nome: Instituto Nacional de EstudosPedagógicos. A leitura do referido decreto-lei fornece indícios para se compreender porque, em 1938, apesar dos múltiplos encargosdo ministro, foi possível a sua instalação.Nos artigos 2o e 3o são apresentadas as suasfunções:

Art. 2o Compete ao Instituto Nacional deEstudos Pedagógicos:

a) organizar documentação relativa à his-tória e ao estudo atual das doutrinas edas técnicas pedagógicas, bem comodas diferentes espécies de instituiçõeseducativas;

b) manter intercâmbio, em matéria depedagogia, com as instituições educa-cionais do país e do estrangeiro;

c) promover inquéritos e pesquisas sobretodos os problemas atinentes à organi-zação do ensino, bem como sobre os vá-rios métodos e processos pedagógicos;

d) promover investigações no terreno dapsicologia aplicada à educação, bemcomo relativamente ao problema da ori-entação e seleção profissional;

e) prestar assistência técnica aos serviçosestaduais, municipais e particulares deeducação, ministrando-lhes, medianteconsulta ou independentemente desta,esclarecimentos e soluções sobre os pro-blemas pedagógicos;

f) divulgar, pelos diferentes processos dedifusão, os conhecimentos relativos àteoria e à prática pedagógicas.

Art. 3o Constituirá ainda função do Insti-tuto Nacional de Estudos Pedagógicos coo-perar com o Departamento Administrati-vo do Serviço Público [Dasp], por meio deestudos ou quaisquer providências execu-tivas, nos trabalhos atinentes à seleção,aperfeiçoamento, especialização e rea-daptação de funcionalismo público daUnião (O Instituto..., 1945, p. 98).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 193: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

193

Observa-se que, na alínea “c”, apareceo termo “pesquisas” e na “d”, o termo “in-vestigações”. As pesquisas são referentes aproblemas educacionais e as investigaçõesreferem-se à psicologia aplicada à educação,bem como aos problemas da orientação ede seleção profissional – assim, a pesquisaestá relacionada com temas educacionais ea investigação, com a psicologia e a seleçãode pessoal. O artigo 3o é mais explícito: umadas funções do Inep está diretamente vin-culada ao Departamento Administrativo doServiço Público (Dasp), que tem funções nãodiretamente relacionadas à educação.Lourenço Filho (1964, p. 12) justifica queesta vinculação ocorreu para aproveitar ospoucos elementos disponíveis para exerce-rem as atividades de recrutamento de pes-soal pelo Dasp e das atividades especificasdo Inep. Esta justificativa permite levantara hipótese de que Lourenço Filho vinculouas atividades do Inep com as do Dasp paraconseguir a sua instalação.

Segundo a retrospectiva histórica deLourenço Filho (1964, p. 10), o InstitutoNacional de Pedagogia foi pensado dentrode uma nova estrutura do MEC, que seapoiaria em três órgãos: o DepartamentoNacional de Educação (órgão executivo), oConselho Nacional de Educação (órgão deassessoramento geral) e o Instituto Nacionalde Pedagogia (órgão de documentação einvestigação).

O Inep, ao ser implantado, torna-se umórgão que teria tripla função: a de documen-tação, a de pesquisa e a de divulgação pe-dagógica (Lourenço Filho, 1964). Ao ladodessas quatro funções, que freqüentementeestiveram presentes em maior ou menorgrau, o Inep caracterizou-se por executarpolíticas públicas.

O Inep, nos seus primeiros tempos, édirigido por Lourenço Filho, que se man-tém no cargo até o final de 1945. Com o fimdo Estado Novo, assume, em 1946, MuriloBraga de Carvalho, que dirige o Institutoaté 1951, quando morre em um acidente deavião (Azevedo, 1964, p. 25; Saavedra, 1988,

p. 45). Murilo Braga, funcionário de carreirado Inep, tinha forte vinculação com LourençoFilho e dá continuidade ao seu trabalho depesquisa na área de psicologia, documentaçãoe divulgação de conhecimentos educacionais.A marca pessoal de Murilo Braga foi que oInstituto assumiu a responsabilidade pelasconstruções escolares, que era responsabili-dade do Departamento Nacional de Educaçãoaté a sua extinção, com o fim do Estado Novo(Saavedra, 1988, p. 45).

Em 1944 é fundada a Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos (RBEP) que, nos seusprimeiros anos, seria mensal; posteriormen-te, com Murilo Braga, torna-se trimestral, e,na década de 1970, quadrimestral. O pri-meiro número inicia com a “Apresentação”do então ministro da Educação e Saúde,Gustavo Capanema, seguida pelo Editorial,provavelmente redigido por LourençoFilho.1 Esses dois textos são relevantes portrês motivos: primeiro, por transparecer nodiscurso de Lourenço Filho a idéia de auto-nomia do Inep em relação ao Ministério daEducação; segundo, por definir a linha edi-torial da Revista que, em linhas gerais, seráseguida até 1980; e, terceiro, por apresentara estrutura das seções da Revista que nãoirá ser alterada substancialmente até a déca-da de 1970 e só será radicalmente re-formulada em 1983. Passa-se, aqui, a analisarcada um desses itens.

1.1 Autonomia do Inep

Gustavo Capanema (1944, p. 3) inicia oseu texto afirmando que a RBEP “apresenta-se como órgão [revista, periódico] oficial dosestudos e pesquisas pedagógicas do Minis-tério da Educação” – frise-se que, paraCapanema, a RBEP é uma publicação oficialdo Ministério; Lourenço Filho, por sua vez,ao defender uma postura pluralista da Re-vista, afirma que ela pertence ao Inep(Editorial, 1944, p. 6).

A RBEP se consolidará como uma re-vista do Inep que publica atos oficiais, mas

1 Ruy Lourenço, filho de Louren-ço Filho, afirma em carta a Ra-quel Gandini que “os Editoriaisdos nº 1 (jul. 1944) a 19 (jan.1946) foram redigidos por Lou-renço Filho”.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 194: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

194

a seleção dos mesmos será feita por quem aedita. A partir do número 2, agosto de 1944, écontinuamente publicada no verso da capa aseguinte ementa:

Revista Brasileira de Estudos Pedagógi-cos, órgão dos estudos e pesquisas do Mi-nistério da Educação, publica-se sob a res-ponsabilidade do Instituto Nacional deEstudos Pedagógicos, e tem por fim expore discutir questões gerais da pedagogia e,de modo especial, os problemas da vidaeducacional brasileira. Para isso aspira acongregar os estudiosos dos fatos educa-cionais no país, e a refletir o pensamentodo seu magistério. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos publica artigos decolaboração, sempre solicitada; registra,cada mês, resultados de trabalhos reali-zados pelos diferentes órgãos do Ministé-rio e dos Departamentos Estaduais deEducação; mantém seção bibliográfica,dedicada aos estudos pedagógicos nacio-nais e estrangeiros. Tanto quanto possa, aRevista Brasileira de Estudos Pedagógi-cos deseja contribuir para a renovaçãocientífica do trabalho educativo e para aformação de uma esclarecida mentalida-de pública em matéria de educação. (grifonosso)2

Apesar de a ementa repetir no seu inícioa fala de Capanema, nela torna-se explicitoque a responsabilidade da publicação daRBEP é do Inep. A análise da apresentaçãográfica da Revista fornece outro indício deque a direção do Inep compreendia o Insti-tuto como autônomo: na capa é feita refe-rência ao Instituto e ao Ministério da Edu-cação, contudo, a Revista é identificadacomo uma publicação do Inep. No versoda capa, a partir do número 2, sãopublicadas a ementa da Revista e a atribui-ção dos créditos à comissão de redação, e aúnica identificação institucional apresenta-da é o nome de Lourenço Filho como dire-tor do Inep. Portanto, não é impresso onome do ministro da Educação. Em 1946,já na gestão de Murilo Braga, deixa-se deapresentar a comissão de redação, e, no ver-so da contracapa, é impressa a identificação

institucional completa do Inep, não haven-do nenhuma referência ao ministro da Edu-cação. A partir de 1947, consta na Revistauma página de rosto trazendo os mesmosdados da capa. No verso da capa é apresen-tada a ementa e, no verso da página de ros-to, a identificação institucional. Os nomesdo ministro da Educação e do presidenteda República só serão impressos a partir donúmero 142, maio/agosto de 1978, em umapequena referência no verso da capa. Nonúmero 175, referente ao período setembroa dezembro de 1992, mas publicado em se-tembro de 1994, é impresso no verso da capao nome do presidente da República (ItamarFranco), do ministro da Educação e do se-cretário-geral do MEC, com o mesmo desta-que dado no verso da página de rosto aodiretor do Inep, ao gerente do SistemaEditorial e ao editor executivo.

1.2 Linha editorial da RBEP:“Primeiros Tempos”

Gustavo Capanema, pela negação, defi-ne a linha editorial da RBEP. Destacam-se,aqui, dois aspectos na apresentação deCapanema: primeiro, que não há mais ne-cessidade de discussões teóricas e, pela ne-gação, pode-se inferir que é papel da Revis-ta publicar aspectos práticos; segundo, queé ponto pacífico que a linha teórica domi-nante é a da Escola Nova e dos métodosativos. Lourenço Filho, por sua vez, iniciao Editorial afirmando que existe a tendên-cia de fortalecimento de um ponto de vistanacional. Lourenço Filho não é tão explícitocomo Capanema, ao desconsiderar a impor-tância das análises teóricas, mas frisa a im-portância do estudo da prática educacional.

A Revista também se propõe exercer aliderança das reformas educacionais,“animada do sincero desejo de contribuirpara a formação de uma esclarecida menta-lidade pública em matéria educacional”([Editorial], 1944, p. 6). A expressão“esclarecida mentalidade pública”,

2 A ementa é publicada até o nú-mero 142, maio/agosto de 1978.Na última publicação ela recebea seguinte redação: “Revista Bra-sileira de Estudos Pedagógicos,órgão de estudos e pesquisas doMinistério da Educação e Cultu-ra, publicada sob a responsabi-lidade do Instituto Nacional deEstudos e Pesquisas Educacio-nais, tem por objetivo avaliar asquestões gerais de pedagogia e,de modo especial, os problemasda vida educacional brasileira.Para tanto, pretende congregar osestudiosos dos fatos educacio-nais e refletir o pensamento deseu magistério. Publica artigos,registra resultados de trabalhosefetuados pelos diferentes órgãosdo Ministério e pelas secretariasde Educação e Cultura. Quantopossível, espera contribuir paraa formação de uma esclarecidamentalidade pública, em maté-ria de Educação”. Comparandoas duas publicações, observa-seque, no geral, a ementa se man-tém até 1978. Além da atualiza-ção dos nomes dos órgãos ofici-ais e de estilo da redação, as úni-cas alterações significativas naementa referem-se ao fato de apalavra “solicitado” e a frase“mantém seção bibliográficadedicada aos estudos pedagógi-cos nacionais e estrangeiros”serem excluídas.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 195: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

195

formulada por Lourenço Filho, ao ser lidaà luz da “Apresentação” de Capanema, podeser entendida como a adoção do modeloescolanovista. A expressão de LourençoFilho é repetida na ementa da Revista trans-crita acima até o número 143, janeiro/abrilde 1979, inclusive. A suposta pluralidadeproposta por Lourenço Filho acima, quandotranscrita na ementa, é restringida, pois nelaé expresso que a Revista “publica artigos decolaboração sempre solicitada”. O termo “so-licitada” aparece até 1966. Mesmo quandoa palavra “solicitada” é retirada do texto,não é apresentado na Revista nenhumprocedimento para que o leitor envie arti-gos. Somente após 1983, quando a RBEP étotalmente reestruturada, são apresentadosos procedimentos e normas para envio deartigos.

Do exposto, conclui-se que na “Apre-sentação” e no Editorial é definido que aRevista adota na sua criação a seguinte li-nha editorial: o ponto de vista nacional, as-sume a postura escolanovista e trata de te-mas práticos. Alguns estudos posterioresmostram que a Revista realmente adota essapostura.

Gandini (1995, p. 15), ao estudar a Re-vista no período de 1944 a 1951, afirma queé utilizada como critério para inclusão deartigos na Revista a exigência de tratar sobrea organização da educação nacional. Observa(p. 36) que, nesse período, a maioria dosartigos publicados está relacionada coma psicologia aplicada à pedagogia e àorganização do trabalho. No mesmo sentido,Rosas (1984) observa que a RBEP, principal-mente até 1960, publica grande quantidadede artigos relacionados com a Psicologia.

Castro (1984), ao estudar a presençada Didática na RBEP, afirma que esse tema étratado, principalmente nos anos 1944-1945, com enfoque instrumental e ênfaseem técnicas e recursos. Nesse período é claraa presença dos signatários do “Manifestodos Pioneiros da Educação Nova”. Semdefinir com precisão o período, ela observaque, na fase seguinte, a intermediária,

é dada ênfase na discussão das concepçõespsicopedagógicas. Ela ainda cita uma faseteórica com ênfase na pesquisa. Apesar de aautora demonstrar-se frustrada porque a di-dática só aparece nos dois primeiros anosda Revista, pode-se compreender, com suaanálise, que os aspectos práticos propostosno Editorial do primeiro número estão pre-sentes principalmente nas discussõespsicopedagógicas.

Saviani (1984) afirma que a RBEP publi-cou até 1984 pequeno número de artigos re-lacionados à Filosofia, fato que é coerente coma proposta da linha editorial de não publicarartigos de discussão teórica. Ele observa que,até 1962, a grande maioria dos artigos ou éde autores que adotam a visão da EscolaNova, nos termos de Saviani, humanistamoderna, ou trata de temas relacionados comessa abordagem. Após esse período há arti-culação da visão escolanovista com a visãotecnicista.

Buffa (1984), ao analisar a presençados conflitos ideológicos nas discussõesque precederam a LDB/1961, nota que aRevista publica artigos dos defensores daescola pública, principalmente os autoresvinculados à visão escolanovista.

1.3 Estrutura da RBEP

No Editorial do primeiro número é apre-sentado o conteúdo que a RBEP irá publicar:opiniões, trabalhos realizados pelos diferen-tes órgãos do Ministério, dados estatísticos,os textos da lei, as decisões administrativasda maior relevância, estudos de aplicação(normas estabelecidas pela prática), notasbibliográficas, informes sobre a vida educa-cional nos Estados e no estrangeiro e a trans-crição de artigos da imprensa. Na leitura dosumário do primeiro número observa-se quea Revista foi dividida em cinco seçõesprimárias (Editorial, Idéias e Debates,Documentação, Vida Educacional, e Atos ofi-ciais) e quatro seções secundárias (Informa-ção dos Estados, Informação do Estrangeiro,

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 196: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

196

Bibliografia e Através das Revistas eJornais).

Segundo Gandini (1995, p. 27-28),estas seções mantêm-se quase inalteradasdurante todo o período. Ela aponta que háesporadicamente a inclusão da seçãoOrientação Pedagógica, a exclusão da seçãosecundária Bibliografia (resenhas) em algunsnúmeros e que, por duas vezes, a seçãoDocumentação foi dividida em Documen-tação e Documentação Histórica.

No número 79, julho/setembro de1960, foi inserida a seção secundária Notaspara a História da Educação. Esta seção éinaugurada com a republicação do Mani-festo dos Pioneiros da Educação Nova. Nes-se mesmo número, foi extinta a seção VidaEducacional, sendo as suas seçõessecundárias incorporadas à nova seção.

2. Tempos de Anísio Teixeira(1952 a 1971)

Com o falecimento de Murilo Braga,Anísio Teixeira assume a direção do Inepem 4 de julho de 1952 e se mantém no car-go até abril de 1964. A influência de AnísioTeixeira no Inep estende-se além do perío-do em que dirigiu o Instituto; ela perduraaté a sua morte, em 1971, acidentalmente,em um elevador. O período da influênciade Anísio Teixeira (1952 a 1971) serásubdivido em dois subperíodos: de 1951a 1961, que é marcado pelo debate da LDB/1961, e o de 1962 a 1971, que é marcadopela discussão da Reforma Universitária edo Ensino de 1o e 2o graus.

A passagem de Anísio Teixeira peloInep é tão marcante que muitos o conside-ram o verdadeiro fundador do Inep. Umdos inúmeros exemplos do reconhecimen-to da importância de Anísio Teixeira é afala de Aparecida Joly Gouveia em Seminá-rio organizado por Vanilda Paiva ao assu-mir a direção do Inep, na década de 1980,para discutir as linhas de atuação doInstituto. Assim diz ela:

... assisti aos primeiros dias do Inep, tra-balhando sob a direção do professor Aní-sio Teixeira, e tenho acompanhado a suatrajetória de uma forma mais ou menospróxima, em diferentes ocasiões (Linhas...,1985, p. 338).

2.1 O Centro Brasileiro dePesquisas Educacionais

(CBPE)

Apesar de não ter fundado o Inep, pode-se afirmar que Anísio Teixeira refunda o Inepcom a criação, em 1953, do Centro de Docu-mentação Pedagógica, com a função “deintegrar a atividade de pesquisa e de docu-mentação, facilitando a sistematização dostrabalhos e a posterior divulgação de seusresultados” (Saavedra, 1988, p. 51).

Em 28 de dezembro de 1955, um pou-co antes da posse de Juscelino Kubitschekde Oliveira como novo presidente da Repú-blica, é criado o Centro Brasileiro de Pes-quisas Educacionais (CBPE) pelo Decreto nº38.460. A criação de um órgão de pesquisadentro de um instituto de pesquisa podeser compreendida como a busca de umaruptura com o passado do Inep – o passadoligado ao Estado Novo. Essa posição de rup-tura pode ser identificada em dois textoscomplementares de Anísio Teixeira: o pri-meiro é o seu discurso de posse como dire-tor do Inep e, o segundo, é o artigo intitulado“A administração pública brasileira e a edu-cação”, publicado no mesmo número em queé publicado o decreto que institui o CBPE.

O “Discurso de Posse” tem tom menoscontundente que o segundo discurso. É in-teressante relembrar que este foi proferidoem um momento de consternação pelo trá-gico falecimento de Murilo Braga, durante osegundo governo de Getúlio Vargas. O tomde ruptura é explícito quando AnísioTeixeira, ao se referir à “Revolução de 1930”,afirma que se sabe como uma revoluçãoinicia, mas não como ela termina. O tom deruptura se mantém mesmo quando no dis-curso faz uma menção elogiosa a Lourenço

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 197: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

197

Filho, e que pode ser interpretada comouma crítica a Murilo Braga.

Nesse discurso, Anísio Teixeira faz umdiagnóstico da educação brasileira, afirman-do, em linhas gerais, que há despreparo dasociedade para enfrentar os novos desafios,e que o ensino é ornamental e livresco.Como solução propõe retomar o processode reconstrução da escola iniciada nasdécadas de 1920 e 1930. A reconstrução de-veria ocorrer não através de atos legais, maspela sanção da opinião pública e da consci-ência educacional. Sugere ainda buscar naciência não receitas prontas, mas um itine-rário de construção e reconstrução da escola.

No artigo “A administração públicabrasileira e a educação”, publicado no iníciode 1956, Anísio Teixeira faz veemente críticaà postura centralizadora do Estado Novo,que, segundo sua interpretação, buscavapara o Estado a mesma racionalizaçãouniformizadora da indústria.

O novo desenho da estrutura do Inep,mediante a implantação do CBPE, busca aomesmo tempo fortalecer a pesquisa e adescentralização das ações do Instituto. Jun-tamente com o CBPE, são fundados os Cen-tros Regionais de Pesquisa,

No número 61, janeiro/março de 1956,logo após a apresentação do decreto que ins-titui o CBPE e das justificativas de AnísioTeixeira e do ministro da Educação e CulturaAbgar Renault, é publicado um relatórioredigido pela técnica Lúcia MarquesPinheiro, intitulado “Organização e funçõesdo Centro de Documentação Pedagógica daFrança”. A leitura desse relatório permiteafirmar que o CBPE foi criado à “imagem esemelhança” do centro francês. Permite ain-da ao leitor compreender como deverá sero funcionamento do órgão recém-criado. Noinício do relatório, Pinheiro afirma sernecessário compreender o significadodo termo “documentação pedagógica”.Ela assim o define:

Tudo que possa representar instrumentoútil ao educador ou ao estudioso de

educação, quer se trate de material de es-tudo ou de auxílio didático para realiza-ção de seu trabalho, é objeto de interessedo Centro. Seu objetivo é esclarecer e darao administrador, ao estudioso de educa-ção, ao professor, instrumentos úteis a seustrabalhos e procurar estimular os mestresa buscarem os meios mais seguros de seaperfeiçoarem (Pinheiro, 1956, p. 154).

O CBPE, a partir dessa definição dePinheiro e da descrição feita por ela doCentro de Documentação Pedagógico daFrança, teria a função de elaborar, de formadescentralizada, pesquisas e experimentoseducacionais, centralizar a documentação elivros sobre educação e disseminar a infor-mação, principalmente na formação deprofessores. Em três palavras: pesquisar,documentar e disseminar.

O exercício do poder e a constituiçãode um saber educacional no período em queAnísio Teixeira esteve à frente do Inep nãodevem ter sido tão tranqüilos como Saavedradescreve e como se encontra em outros rela-tos de veneração à figura de Anísio Teixeira.3

Dois fatos permitem levantar essa hipótese:primeiro, a promulgação do decreto que ins-titui o CBPE nos dias que antecedem à trocade governo; segundo, apesar de as duas cam-panhas promovidas pelo Inep – a Campa-nha de Inquéritos e Levantamentos do En-sino Médio e Elementar (Cileme) e a Cam-panha do Livro Didático e Manuais deEnsino (Caldeme) – e sua absorção pelo CBPEestarem previstas na justificativa de AbgarRenault, a Caldeme é extinta no dia 11 dejaneiro de 1956 pelo Decreto nº 38.556, tam-bém assinado por Renault, tendo as suasatribuições transferidas à Campanha Nacio-nal de Material de Ensino junto ao Departa-mento Nacional de Educação (DNE).4

O CBPE continua a tradição do Inep emmanter-se autônomo em relação ao Ministé-rio da Educação. Isto pode ser observadonas conclusões do trabalho de MarcusVinícius da Cunha (1991), ao estudar“a educação no período Kubitschek”,afirmando que, apesar de neste período a

3 Ver, por exemplo, as “falas” doseminário realizado por VanildaPaiva (Linhas..., 1985) ou o tex-to de Maria Helena Guimarãesde Castro (1999).

4 O decreto que, na prática, extin-gue a Caldeme foi publicado noDiário Oficial no dia 12 de ja-neiro de 1956. Contudo, naRBEP, ele só foi publicado nonúmero 62, abril/junho de 1956,apesar de o número 61, janeiro/março de 1956, publicar o dis-curso de posse do ministro Cló-vis Salgado, com data de 2 defevereiro. Provavelmente oseditores da RBEP devem ter con-siderado não aconselhável pu-blicar no mesmo número a con-tradição de Abgar Renault.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 198: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

198

preocupação do governo em relação à edu-cação ser a de privilegiar a formação demão-de-obra técnica, os educadores vin-culados aos Centros Regionais tinham pre-ocupações que não coincidiam com estaorientação governamental.5 No mesmo sen-tido, Libânia Nacif Xavier (1999, p. 82)afirma que o CBPE mantém com o poderdo Estado uma relação “nem totalmente in-dependente nem propriamente autônoma”,isto devido a seu caráter de assessoramentotécnico e por manter ligações com órgãosinternacionais.

2.2 A linha editorial da RBEPde 1952 a 1961

No período de 1952 a 1961 são publi-cados na Revista artigos referentes à discus-são e elaboração da LDB/1961. Ester Buffa(1984), ao analisar “os conflitos ideológi-cos ocorridos durante a tramitação da Leide Diretrizes Bases e a participação daRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos”,afirma que a Revista tomou o partido dosdefensores da escola pública.

Como textos exemplares do posi-cionamento da RBEP neste período reto-mar-se-ão o “Discurso de Posse” de AnísioTeixeira e o seu texto complementar,intitulado “A administração públicabrasileira e a educação”.

Os dois textos apresentam como ogrande problema a ser enfrentado a cons-trução de uma escola que atenda, por umlado, as demandas de uma sociedade empleno avanço tecnológico e, por outro, queseja um instrumento da democracia. No dis-curso de posse, Anísio Teixeira (1952)propõe como método para a construção depropostas educacionais o conhecimento ci-entífico, a análise científica das experiênci-as e a valorização da diversificação ao invésde terem o fundamento nas leis

Na argumentação de Anísio Teixeira épossível identificar os princípios básicosadotados na linha editorial da RBEP que

não são problematizados e aqueles em relaçãoaos quais se busca o consenso.

Anísio Teixeira parte do diagnóstico deque a sociedade brasileira estaria em umperíodo de intenso processo de industriali-zação e conseqüente urbanização e que oensino oferecido é defasado em relação àsnecessidades sociais. Teixeira, ainda, assu-me a posição de que, apesar de os métodoslevarem em consideração o indivíduo, osobjetivos da educação não se direcionam aosinteresses do indivíduo em ascendersocialmente (Teixeira, 1952, p. 73-75).

Anísio Teixeira entende que a “revolu-ção de 1930” foi um marco de moderniza-ção e democratização do País, e que esseprocesso é interrompido pela implantaçãode um modelo centralizador pelo EstadoNovo.

No texto “A administração pública bra-sileira e a educação”, Anísio Teixeira for-mula toda a sua argumentação na tentativade estabelecer o consenso sobre a idéia deque as ações do Estado devem ser descen-tralizadas. Ele parte da constatação de que,no Estado Novo, a utilização da “correta”distinção entre os serviços-meio e osserviços-fim6 acarretou um processo deineficiência ao centralizar e supervalorizaros serviços-meio principalmente na ação doDasp (Teixeira, 1956, p. 13).

Na mesma linha de crítica ao processode centralização e uniformização, ele criti-ca, no início do texto, a utilização dos méto-dos de organização industrial pelo Estado,pois este modelo é mais fruto da produçãoem massa “do que uma aspiração ou umideal” (Teixeira, 1956, p. 3).

Após longa argumentação defendendoa descentralização das atividades do Esta-do a partir da crítica das mazelas da cen-tralização, Anísio Teixeira reforça o princi-pio básico de que a escola deve ser autôno-ma e, conseqüentemente, diversificada. Aautonomia e a diversificação só são possí-veis se a legislação apenas “indicar os ob-jetivos da educação a fixar certas condiçõesexternas e a prover recurso para que a

5 Cunha não cita este fato paramostrar a autonomia do CBEP,mas sim para relativizar a afir-mação de que o governoKubitschek voltava-se para a for-mação profissionalizante.

6 Os serviços-meio são aqueles re-lacionados diretamente com aorganização do Estado, porexemplo, a administração dosrecursos, a seleção e administra-ção de pessoal, o orçamento etc.Os serviços-fim são aqueles quebuscam atingir os objetivos doEstado, por exemplo, as ativida-des exercidas por uma escola ouum hospital.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 199: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

199

mesma se efetive” (Teixeira, 1956, p. 21).Ele ressalva que “as limitações dessa auto-nomia devem ser apenas aquelas limitaçõesimpostas pela necessidade de eficiência” epelos objetivos gerais da educação (p. 20-21). A defesa da tese de que as escolasdevem ser autônomas não significa, paraAnísio Teixeira, que sejam privadas;ele sugere que funcionem à moda dasfundações (p. 22).

3. O Inep nos Tempos deReformas (1962 a 1971)

Durante o período compreendido en-tre 1962 e 1971, o Inep debate, através daRBEP, o modelo de universidade a serimplantado no Brasil. Nesta seção discute-se a hipótese de que os membros doConselho Federal de Educação ligados aAnísio Teixeira e que mantêm forte vínculocom o Inep utilizam-se da RBEP como meiode divulgação das suas idéias referentesao modelo de Universidade a ser adotadono Brasil.

3.1 Os diretores do Inep

Anísio Teixeira assume a direção doInep em 4 de julho de 1952 e se mantém nocargo até o golpe militar de março de 1964.Seu afastamento da direção do Inep não sig-nificou a diminuição de sua influência noInstituto. Em abril de 1964, Carlos Pasquale,representante da educação particular,assume a direção do Inep.

Saavedra (1984, p. 69-70) afirma que aindicação de Pasquale tinha a intenção dedestruir o trabalho de Anísio Teixeira, o quenão ocorreu de imediato. Observando os cré-ditos institucionais apresentados nos primei-ros números da RBEP, tem-se que Pasqualemantém praticamente a mesma estruturaorganizacional do coração do Inep, o CentroBrasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE)e com as mesmas pessoas. Como se podeobservar no Quadro 1, apenas a Divisão deEstudos e Pesquisas Sociais não aparece naestrutura administrativa do CBPE após o gol-pe de 1964. É interessante lembrar que ÚrsulaAlbershein substituía Darcy Ribeiro nacoordenação dessa divisão.

Quadro 1 – Estrutura administrativa do CBPE

Em 1966, Carlos Pasquale afasta-se doInep para assumir a Secretaria de Educaçãodo Estado de São Paulo e indica ao ministroAragão, em reunião da Unesco realizada emBuenos Aires, Carlos Mascaro para assumir

a direção do Instituto. Mascaro era funcio-nário de carreira do Inep e tinha ligaçõescom Anísio Teixeira. A gestão de Mascaro émarcada pela desconfiança dos militares emrelação às atividades desenvolvidas pelo

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 200: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

200

Inep, apenas encontrando apoio no ministroAragão (Saavedra, 1988, p. 75).

No período de Mascaro, o Inep parti-cipou do Grupo Nacional de Desenvolvi-mento das Construções Escolares median-te “realização de estudos, levantamentos,treinamento de pessoal e outras iniciativasque lhe foram atribuídas” (Saavedra, 1988,p. 76). Antecipando a participação do Inepnesse grupo, no número 104, outubro/de-zembro de 1966, são publicados dois arti-gos sobre construções escolares na seção“Estudos e Debates” e a bibliografia sobreconstruções escolares na seção “Documen-tação”. Ainda na administração de Mascaro,o Inep participou da Comissão do LivroTécnico e do Livro Didático (Colted); nesseperíodo, a única referência à Colted encon-trada na RBEP é a publicação da Portariano 69 de 13 de março de 1967, que define oseu Regimento, publicado no número 107,julho/setembro de 1967.

Em 11 de abril de 1969, Guido Ivan deCarvalho assume o Inep e mantém-se nocargo até março de 1970, quando o gabine-te da direção foi transferido para Brasília.Seu sucessor, Walter de Toledo Piza, dirigeo Inep até janeiro de 1972. A fase final dagestão de Mascaro e dos diretores que o se-guiram é marcada por tentativas dereestruturação. Na primeira, Mascaro for-mula projeto para tornar o Instituto autô-nomo, com a intenção de fortalecê-lo,proposta não aceita. Na segunda, de Carva-lho, no ano de 1969, propõe-se transformaro Instituto em uma fundação, proposta tam-bém não aceita. Na terceira, na gestão dePiza, foram feitos estudos por pessoaslevadas por ele para reestruturação do Inepcom a extinção dos centros regionais(Saavedra, 1988). A partir de depoimentos,Saavedra (1988, p. 77) descreve o final dadécada de 1960 como uma fase em que oInstituto sofre intervenção e pressãoexterna.

Nesse contexto de tentativas de des-monte do Inep, a RBEP será uma tribunade discussão da Reforma Universitária,

que será consolidada, em 1968, com a apro-vação, pelo Congresso Nacional, do conjuntode leis que é denominado como lei da Re-forma Universitária. O termo “tribuna” deveser compreendido aqui com o mesmo senti-do que se atribui à RBEP, como a tribunados debates que precederam à elaboração daLDB/1961, isto é, a tribuna de um dos gru-pos rivais das lutas em torno da LDB nadécada de 1950. Na década de 1960, a RBEPserá principalmente a tribuna da parte doConselho Federal de Educação ligada aAnísio Teixeira e/ou ao Inep.7

3.2 Estrutura da RBEP

Seguindo uma estrutura próxima à doprimeiro número, do 85 ao 87 e do 89 ao91, a RBEP adota a seguinte divisão: Edito-rial; Estudos e Debates; Documentação (coma seção secundária Conselho Federal de Edu-cação); Notas para História da Educação (comas seções secundárias Informação do País;Informação do Estrangeiro; Livros; Atravésde Revistas e Jornais, e Atos Oficiais). Apartir do número 88, outubro/dezembro de1962, a seção Notas para História da Educa-ção é extinta, e as suas seções secundáriassão inseridas na seção Documentação.

A seção secundária Conselho Federalde Educação é publicada a partir da instala-ção do CFE. O antigo Conselho Nacional deEducação não tinha seus documentos pu-blicados em uma seção equivalente nos nú-meros anteriores da RBEP. Essa seção secun-dária publica pareceres que também são pu-blicados na revista editada pelo próprioConselho, a Documenta. O que diferenciauma publicação da outra é que a Documen-ta publica quase todos os documentos pro-duzidos pelo CFE enquanto a RBEP apenaspublica pareceres selecionados. Estaduplicidade de publicação por revistas ofi-ciais pode ser um indicativo da importân-cia atribuída pelos editores da RBEP aosdebates que ocorriam no CFE sobre aReforma Universitária.

7 Na Revista, além dos temas rela-cionados com a Reforma Univer-sitária, também são publicadostextos sobre outros temas, comoeducação e desenvolvimento,formação de professores, cons-truções escolares, televisãoeducativa (principalmente na se-gunda metade da década de 1960),ensino profissionalizante de ní-vel médio, ensino primário, en-tre outros temas.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 201: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

201

Até o número 97, janeiro/março de 1965,inclusive, a Revista publica todas as citadasseções. A partir do número seguinte, a se-ção secundária Conselho Federal de Educa-ção deixa de ser publicada regularmente, nãosignificando isto que o CFE é excluído daRevista, mas sim que muitos dos seus pare-ceres, indicações e estudos especiais sãopublicados como artigos na seção Estudos eDebates e na seção Documentação. A partirdo número 101, janeiro/março de 1966,algumas seções secundárias deixam de serregularmente publicadas.

Na seção Estudos e debates são publi-cados artigos que expressam a opinião deseus autores. Na seção Documentação sãopublicados estudos realizados pelo Inep, le-vantamentos bibliográficos sobre temas es-pecíficos, extratos de documentos com con-clusões de conferências e artigos assinados.Na seção secundária Através de Revistas eJornais são reproduzidos artigos assinadosque foram publicados em outros veículos.O estudo das idéias presentes na RBEP nes-se período não pode se restringir à seçãoEstudos e Debates, pois elas estão presen-tes também em outras seções.

3.3 O Manifesto dosPioneiros do Inep ao povo eprincipalmente ao governo:

os primeiros númerospós-golpe de 1964

Os dois números que se seguem ao gol-pe militar de 1964 são significativos paracompreender a posição do Inep diante dainstauração dos governos militares. Essesdois números devem ser lidos no todo, bus-cando-se a tese defendida pelo autor/editore não dos autores dos artigos específicos. Éprovável que os autores dos artigos não te-nham consciência de que o seu texto façaparte da argumentação do editor na defesade uma tese.

Apesar de os dois números teremcomo datas de capa abril/junho e setembro/

dezembro de 1964, nas páginas finais daRevista obtém-se a informação de que elesforam compostos e impressos no ano de1965, fato que permite inferir que houvetempo de maturação para a seleção dos tex-tos a serem apresentados, e, por isso cons-tituírem um “Manifesto dos Pioneiros doInep ao povo e principalmente ao gover-no”.8 Nesses dois números identificam-seas seguintes manifestações: o Inep não irácontra as decisões dos governantes milita-res relativas à ordem pública; não há rup-tura da normalidade legal com o golpe; oInep ainda continua vinculado a AnísioTeixeira; a grande reforma educacional a serrealizada é a universitária; e o ConselhoFederal de Educação é o órgão que deverealizar a reforma universitária, com o apoiodas pesquisas realizadas pelo Inep.

O número 94, abril/junho de 1964,conta com apenas 145 páginas, sendo umdos números com menos páginas entre ospublicados de 1962 e 1971.9 Este número épublicado com algumas alterações na apre-sentação gráfica. Entre outras possíveismudanças, observa-se que na capa é altera-da a ordem da indicação institucional dapublicação que foi respeitada desde o pri-meiro número; agora, na parte inferiorda capa, é impresso na primeira linha“Ministério da Educação e Cultura” e, nasegunda, “Instituto Nacional de EstudosPedagógicos”.10

A expressão “publicada pelo InstitutoNacional de Estudos Pedagógicos” é retirada.Nas páginas internas não se faz referênciaao nome do ministro da Educação. Essesaspectos gráficos sugerem que o Inep não sesobrepõe ao Ministério da Educação e Cul-tura ao mesmo tempo em que se apresentacomo independente. A segunda alteraçãoconsiste em que na seção secundária Con-selho Federal de Educação aparecem os tí-tulos dos pareceres, o que não ocorria nosnúmeros anteriores.11 Essa alteração se tor-na relevante se se considerar que o primei-ro título de parecer publicado é “AtoInstitucional e Competência do Conselho”.

8 O nome desta seção é uma refe-rência ao Manifesto dos Pionei-ros da Escola Nova ao Povo eao Governo.

9 A média de páginas da Revistano período é de 208 páginas (+/– 40). Esse número é maior ape-nas que o número 93, janeiro/março de1964, e o número 98,abril/junho de 1965, que con-tam respectivamente com 124 e117 páginas.

10 Tradicionalmente era impressona primeira e na segunda linha“Publicada pelo Instituto Naci-onal de Estudos Pedagógicos” e,na terceira, “Ministério da Edu-cação e Cultura”.

11 No número 93, janeiro/março de1964, não é publicada a seçãosecundária Conselho Federal deEducação.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 202: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

202

A terceira alteração que se observa éque, a partir desse número, na seção se-cundária Através de Revistas e Jornais, éimpressa, ao final dos artigos de jornal, adata em que foram publicados nos veícu-los de origem. Essa alteração informa aoleitor se o artigo foi publicado antes ou de-pois do golpe e, principalmente, que a Re-vista entende não haver, com o golpe, rup-tura da normalidade,12 pois se encontramalguns artigos com datas anteriores ao gol-pe e outros com datas posteriores.

A idéia da continuidade da normali-dade legal torna-se clara quando a Revista,primeiro, publica, na seção secundária AtosOficiais, decretos e portarias promulgadosno governo de João Goulart; segundo, aopublicar, na seção Estudos e Debates, umartigo de Paulo Ernesto Tolle (do ConselhoEstadual de Educação de São Paulo), no qualo autor reconstrói a discussão relativa aosaspectos legais do conceito de “cátedra”constante dos pareceres do CFE.

No Editorial do número 94, abril/junho de 1964, é apresentado o discursode posse de Carlos Pasquale, em que esteexalta as atividades técnicas de documen-tação e pesquisa do Inep e dos seus cen-tros regionais, deixando claro que irá man-ter a estrutura do Instituto; ressalta o papeldo Instituto na formulação de políticas pú-blicas para a educação; afirma que a LDB/1961 impôs um sistema de organização ad-ministrativa descentralizada e flexível.Nesse discurso, Carlos Pasquale deixatransparecer a vinculação com as idéias deAnísio Teixeira, excluindo-se a defesa dePasquale da importância da escola particular.

Na seção secundária Conselho Federalde Educação, é reproduzido o parecer doCFE intitulado “Ato Institucional e compe-tências do Conselho”, que teve como relatorPéricles Madureira de Pinho, que, à época,era diretor executivo do CBPE. Em linhasgerais, Pinho (1964a, p. 217) afirma que édireito de um “governo revolucionário” agir“sem controle jurisdicional nem invocaçãode dispositivos jurídicos da ordem

anterior”. Sendo assim, as intervenções nasuniversidades para o “controle” da ordempública e “as situações juridicamente confi-guradas pelo Ato Institucional constituemfato consumado cuja apreciação escapa àcompetência” do CFE. Tanto a publicaçãodo parecer pela Revista como o fato de o seurelator ser o diretor do CBPE são claros si-nais de que o Inep se alinha à “Revolução”,ou, pelo menos, não se opõe a ela. Aqui,utiliza-se o termo “Revolução” em vez de“golpe” para indicar que provavelmente nes-se período não há clareza para os editoresda RBEP de que o movimento militar é umGolpe de Estado. No auge dos aconteci-mentos, muitos intelectuais consideraramque se estava promovendo apenas oreordenamento político do País e não umGolpe de Estado.

Interpreta-se, aqui, que, no número 94é manifesto que a reforma universitária de-verá ser feita pelo CFE. Esta posição é ex-pressa no citado artigo de Paulo Ernesto Tolle(1964). O autor toma para análise o tema quegerou maior polêmica dentro do CFE: aextinção ou não da cátedra, citando a posi-ção de vários conselheiros e de juristas con-sultados pelo Conselho sobre o tema. Aimpressão que se passa ao leitor é que asdiscussões no CFE são acirradas, fundamen-tadas e profícuas. É possível que o leitorconclua: o CFE é o órgão competente parafazer a reforma universitária.

Na seção Através de Revistas e Jornaisé reproduzido o artigo de Antônio Callado,“Brado de alerta da Universidade do Brasil”,em que retoma os argumentos do professorJorge Felipe Kafure na sua proposta deRegimento Analítico da Universidade doBrasil (atual UFRJ). No artigo, Callado re-força a idéia de que a reforma universitárianão deve criar um modelo único para o País,mas sim possibilitar a criação de váriosmodelos que atendam às diversas realidadesde um país desigual. Esta posição é a mesmadefendida pelo CFE nesse período.

Na seção Documentação é publicado odiscurso do presidente Castelo Branco,

12 Os artigos são: “Educação, pré-requisito para o desenvolvi-mento”, discurso de posse deSuzana Gonçalves na Capes;“Cultura para o povo”, deYolanda Bettencourt, publicadono Painel Brasileiro, em janeirode 1964; “Novas técnicas para aformação do operário”, deGustavo Lessa, publicado na re-vista Educação, número 46, edi-tada pela Associação Brasileirade Educação (ABE); “Brado dealerta da Universidade deBrasília”, de Antônio Callado,publicado pelo Jornal do Brasil,em 26 de abril de 1964.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 203: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

203

proferido na Universidade do Ceará, emque, além de enfatizar que a universidadetem papel relevante para o desenvolvimen-to do País, do perigo das infiltrações políti-cas nos campi universitários e de que a pre-ocupação maior do governo será com aerradicação do analfabetismo, também afir-ma que será de responsabilidade do CFEelaborar o Plano Nacional de Educação.

No segundo número da RBEP pós-golpede 1964 (número 95, setembro/dezembro),são publicados quatro artigos na seção Estu-dos e Debates que podem ser considerados,juntamente com o Editorial desse número,emblemáticos da postura a ser assumida peloInep, ou pelo menos da linha editorial daRBEP. Os dois primeiros artigos são deLourenço Filho e de Fernando de Azevedoem comemoração aos 25 anos da fundaçãodo Inep, apesar de o Instituto ter completadoo seu Jubileu de Prata em 63. Os dois artigosseguintes são de Anísio Teixeira e de AbgarRenault, respectivamente, tratando do ensinosuperior.

O Editorial, que é intitulado “Antesdo Dicionário Brasileiro de Educação”, éassinado por Péricles Madureira de Pinho,diretor executivo do CBPE e conselheirodo CFE, que relatou o parecer no qual oCFE se isenta de analisar as intervençõesdos militares nas universidades brasileiras.No Editorial, Pinho, evitando ao extremoser indelicado, critica a proposta doconselheiro Celso Kelly da edição, peloInep, do Dicionário Brasileiro de Educação.Na sua linha de argumentação, Pinhoaborda quatro pontos: primeiro, afirma que,na época da elaboração do regimento in-terno do CFE, teria se contraposto à idéiado então secretário-geral Celso Kelly de ins-tituir um órgão de estudos e pesquisas li-gado ao CFE, argumentando que o Inepatenderia a essas necessidades do Conse-lho; segundo, apresenta a proposta doconselheiro; terceiro, relembra a competên-cia histórica do Inep na edição de docu-mentação pedagógica, mas afirma que, porcausa do costumeiro atraso na entrega de

monografias dos colaboradores do Inep, aedição do Dicionário torna-se inviável;quarto, propõe que seja elaborado um Pla-no de um Repertório da Educação noBrasil. Na argumentação de Pinho ressalta-se a concepção de que o Inep é o órgão queatende às necessidades do CFE em relaçãoaos estudos e pesquisas.

O artigo de Lourenço Filho (1944) apre-senta o histórico dos primeiros anos do Inepe conclui ressaltando a sua importância. Namesma linha, Fernando de Azevedo narrade “memória” os fatos que teriam inspiradoa criação de um instituto de pesquisaseducacionais: a ação dos reformadores daEducação e a implantação da cadeira deSociologia. O artigo de Fernando de Azeve-do foi escrito após o golpe militar de 1964,sendo isto evidente na seguinte menção aAnísio Teixeira: “seu diretor até há pouco”.Com a observação do momento em que oartigo foi escrito, leia-se a sua conclusão:

O que Lourenço Filho instituiu e organi-zou, dando-lhe sentido, forma e vida, Aní-sio Teixeira consolidou e desenvolveu,fundando mais tarde, com Abgar Renault,os Centros de Pesquisa Educacionais, noRio de Janeiro, em S. Paulo, no Recife, emBelo Horizonte, Salvador e Porto Alegre,como núcleos de estudos e pesquisas e deirradiação, pelo País, de seus trabalhos ede suas conclusões. Eles constituem – eesperamos sejam, de fato –, a nascente denovo pensamento pedagógico, constante-mente revisto e testado pela análise dascondições e necessidades da vida nacio-nal, na diversidade de seus aspectos e desuas regiões (Azevedo, 1964, p. 26).

Os artigos de Abgar Renault (1964) ede Anísio Teixeira (1964), em linhas gerais,defendem a mesma tese e seguem a mesmaestrutura de argumentação. Ao discutiremo papel da universidade nos seus dias, osdois autores defendem que a universidadetem um papel mais amplo que a simplesformação de profissionais. Ao argumenta-rem, os autores utilizam como justificativaos exemplos norte-americanos.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 204: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

204

O título dos artigos reproduzidos naseção Através de Revistas e Jornais permiteafirmar que eles fazem parte de uma mes-ma linha de raciocínio do editor/autor, sãoeles: “Reforma do Ensino Superior”, de B.Girord le L’ain, traduzido do Le Monde):“Modernos estudos de custos e de investi-mentos em educação”, de Jayme Abreu;“Instrução programada”, de João Paulo doRio Branco; “Progresso na indústria cria aera dos técnicos no Brasil”, de Joaquim Fa-ria Góes Filho; e “Escola pública é cami-nho para integração social”, de AnísioTeixeira.

Interpretando o conjunto do número apartir do título do Editorial – “Antes doDicionário Brasileiro de Educação” –, tem-se a defesa de que a função do Inep, antesde outras atividades, é a de oferecer ao CFEestudos e pesquisas sobre a reformauniversitária. O conjunto também deixaclaro que o Inep ainda assume a posturados signatários do Manifesto dos Pioneirosda Educação Nova.13

3.4 Editores da RBEP(1962 a 1971)

Os editores da RBEP não são apre-sentados até o número 97, janeiro/marçode 1965. Apenas é impresso o nome dosdiretores do Inep/CBPE e dos coordena-dores das Divisões do CBPE. Este fato su-gere que os dirigentes do Inep e do CBPEsão os responsáveis pela linha editorialda Revista. A partir deste número, é atri-buído o crédito às pessoas que trabalha-ram efetivamente na elaboração das revis-tas, ficando a responsabilidade pela edi-ção a cargo do Chefe da Redação e doConselho de Redação.14 Considerando-seaté o número 124, outubro/dezembro de1971, tem-se:

– Jader de Medeiros Britto exerceu afunção de Redator-Chefe durantetodo o período;

– Jayme Abreu, coordenador da Divi-são de Estudos e Pesquisas Educa-cionais,15 Lúcia Marques Pinheiro,coordenadora da Divisão de Aper-feiçoamento do Magistério, e PériclesMadureira de Pinho, Diretor doCBPE, participaram do Conselho deRedação em todos os números;

– Elza Rodrigues Martins, coordena-dora da Divisão de Documentação eInformação Pedagógica,16 participoudo Conselho de Redação na grandemaioria dos números.

– Carlos Pasquale participou do Con-selho de Redação na maioria dosnúmeros durante a sua gestão comodiretor do Inep;

– Carlos Correa Mascaro participou doConselho de Redação durante a ges-tão de Pasquale como substituto des-te e de todos os números durante asua gestão como diretor do Inep;

– Guido Ivan de Carvalho participoudo Conselho de Redação de todosos números durante a sua gestãocomo diretor do Inep.

O levantamento dos créditos atribuídosna Revista permite concluir que, durante operíodo de 1962 e 1971, há estabilidade daspessoas que conduzem a linha editorial. Asgrandes mudanças que ocorrem a partir de1965 são:

– Jader de Medeiros Britto é apresen-tado como Redator-Chefe;

– Os editoriais deixam de ser assina-dos, salvo raras exceções, o que su-gere que eles são redigidos por Jaderde Medeiros Britto;

– A seção secundária ConselhoFederal de Educação deixa de serpublicada com regularidade. Dos 28números publicados entre 1965 e1971, em apenas quatro númerosconsta esta seção. Os pareceres, emmenor número, são publicados emoutras seções da RBEP.

13 A visão de que a “Revolução”não fora um Golpe de Estado éque permite a tentativa de con-ciliar a visão liberal dos signatá-rios do “Manifesto dos Pionei-ros da Educação Nova” com omovimento militar.

14 Atualizando os termos tem-se,respectivamente, o Editor e oConselho Editorial da Revista.

15 Os coordenadores das divisõesdo CBPE são apresentados ape-nas até o número 96, outubro/dezembro de 1964.

16 A partir do número 113, janeiro/março de 1969, Elza RodriguesMartins é apresentada como di-retora do CBPE.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 205: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

205

3.5 Os autores da RBEP(1962 a 1971)

A identificação da influência dos auto-res não pode ser considerada apenas peloseu volume de produção, mas também pelacontínua publicação dos seus trabalhos naRBEP; assim os dados estatísticos são estu-dados pela sua distribuição no tempo. Operíodo analisado é dividido em quatrosubperíodos: de 1/1962 a 3/1964; de 4/1964a 12/1966; de 1/1967 a 12/1968 e de 1/1969a 12/1971. Como critérios de periodizaçãoutilizaram-se os seguintes marcos: o golpemilitar de 1964, a promulgação do Decreto-Lei nº 53/66, sobre a Reestruturação dasUniversidades Federais, e a promulgação daReforma Universitária de 1968.

A leitura da identificação institucionaldos autores da Revista permite afirmar queos autores das matérias publicadas oupertencem ao Inep, aos Centros Regionaisde Pesquisa ou ao CFE, ou, ainda, a órgãosdo Executivo. Dos autores que têm três oumais trabalhos publicados na Revista,apenas quatro aparentemente não têmvinculação com nenhum órgão oficial.17

Desconsiderando os pareceres que fo-ram publicados na seção Conselho Federalde Educação, os dez autores que mais pu-blicaram trabalhos na RBEP têm a seguinteorigem institucional: cinco são ligados ex-clusivamente ao Inep/CBPE, dois ao CFE etrês ao Inep e CFE.18

Considerando a publicação nos perío-dos demarcados e o volume de produção,observa-se a seguinte distribuição dos au-tores que tiveram maior volume de publi-cações na RBEP:

– publicação nos quatro períodos,com mais de 20 trabalhos: JaymeAbreu (CBPE – 35 trabalhos) eAnísio Teixeira (Inep/CFE – 29trabalhos);

– publicação nos quatro períodos,com mais de 10 trabalhos (inclusi-ve) e menos de 20: Newton Sucupira

(Universidade do Recife/CFE – 18trabalhos), Valnir Chagas (Universi-dade do Ceará/CFE – 16 trabalhos),Pe. José de Vasconcelos (CFE – 13trabalhos);

– publicação nos quatro períodos, commenos de 10 trabalhos: Nádia Fran-co da Cunha (CBPE – 9 trabalhos),Lúcia Marques Pinheiro (CBPE – 7trabalhos) e Heloísa Marinho (Insti-tuto de Educação da Guanabara – 5trabalhos);

– publicação em três períodos, commais de 10 trabalhos: Celso Kelly(CFE – 12 trabalhos);

– publicação em três períodos, commenos de 10 trabalhos: Durmeval Tri-gueiro (CFE e Coordenador dos Co-lóquios Estaduais para a Organiza-ção dos Sistemas de Ensino – 9 tra-balhos), Péricles Madureira de Pinho(CBPE/CFE – 9 trabalhos), LourençoFilho (Professor Emérito da Univer-sidade do Brasil – 8 trabalhos), CarlosPasquale (Inep/CEE-SP – 7 trabalhos),Michael John McCartty (CBPE – 7trabalhos), Maurício Rocha e Silva(CFE – 6 trabalhos), J. A. Lauwerys(Universidade de Londres – 5 traba-lhos), Aparecida Joly Gouveia (Cen-tro Regional de Pesquisas Educacio-nais-SP/USP – 5 trabalhos);

– os conselheiros que mais publica-ram na RBEP ao longo do períodoforam Anísio Teixeira, NewtonSucupira, Valnir Chagas, Pe. José deVasconcelos, Celso Kelly, DurmevalTrigueiro e Maurício Rocha e Silva.

Dos 18 autores citados com maior quan-tidade de trabalhos publicados na RBEP aolongo do período estudado, sete são ligadosao Inep/CBPE/Centros Regionais, seis aoInep e ao CFE, três ao CFE, um ao Institutode Educação do Estado da Guanabara e umà Universidade de Londres.19

Os dados estatísticos apresentadosnesta seção reforçam a hipótese de que a

17 São eles: Heloísa Marinho (Ins-tituto de Educação da Guanabara,cinco trabalhos), J. A. Lauwerys(Universidade de Londres, cincotrabalhos), Carlos Chagas (Uni-versidade do Brasil, quatro tra-balhos) e Samuel Pfromm Netto(USP, três trabalhos). É muitoprovável que esses autores façamparte dos Centros Regionais dePesquisas Educacionais ou sejamperitos da Unesco. Lourenço Fi-lho é apresentado como Profes-sor Emérito da Universidade doBrasil. Na seção Através de Re-vistas e Jornais, não é apresenta-da a identificação institucionaldos autores.

18 Ligados exclusivamente ao Inep/CBPE são: Jayme Abreu, NádiaFranco da Cunha, Lourenço Filho,Lúcia Marques Pinheiro e CarlosPasquale. Ligados exclusivamen-te ao CFE são Newton Sucupira eValnir Chagas. Ligados ao Inep eao CFE são Anísio Teixeira,Durmeval Trigueiro e PériclesMadureira de Pinho.

19 Almeida Junior, que no períodoentre 1944 e 1952 foi um dosautores que mais publicou naRBEP (Gandini, 1995); entre osanos de 1962 e 1966 tem deztrabalhos publicados, sendosete como relator de pareceres.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 206: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

206

RBEP, além de ser uma revista editada porum órgão oficial, publica preferencialmenteartigos de autores que têm alguma ligaçãocom o Inep e com o Conselho Federal deEducação.

3.6 Leitor imaginário(1962 a 1971)

A identificação do leitor imaginário doseditores da RBEP, devido à distância histó-rica, consiste apenas no levantamento dealgumas hipóteses. Propõe-se como hipó-tese que ele seja: historiador da educação eformulador/”implantador” de políticaeducacional. Para fundamentar esta hipó-tese analisar-se-á, abaixo, brevemente, o tipode material que é publicado e dois editori-ais nos quais é apresentada uma auto-aná-lise do papel da Revista para a educaçãobrasileira.

No Editorial do número 100, outubro/dezembro de 1965, ao serem relatadas asdificuldades financeiras que a Revista en-contrava para ser publicada, o editor afirma:

Ao ser lançado o centésimo número, regis-tra-se a continuidade editorial alcançadapela RBEP, apesar dos obstáculos que seantepõem, entre nós, a publicação de natu-reza técnica, visando a um grupo limitadode leitores (Editorial, 1965b, p. 219 – grifonosso).

Ressalta-se nesta citação que o editortinha a consciência de que o grupo de lei-tores era limitado por se tratar de umarevista de natureza técnica.

No Editorial do número 110, abril/ju-nho de 1968, é exposto o papel da RBEPnas reformas educacionais que estavamocorrendo. O autor afirma:

A Revista Brasileira de Estudos Pedagó-gicos vem-se esforçando por refletir es-sas preocupações e esse estado de espíri-to, divulgando estudos e documentosque oferecem subsídios para suacompreensão (Editorial, 1968a, p. 225).

Os documentos publicados pela Revistano período consistem de artigos discutindoas reformas e modelos educacionais, sínte-se de congressos, estudos estatísticos sobrea situação da educação no Brasil, modelosde organização educacional de outros paí-ses, legislação educacional e pareceres/in-dicações do CFE. Durante todo o períodosão publicados decretos com a aprovação deregimentos de universidades. A publicaçãodesses materiais técnicos fornece dados aonúmero limitado de leitores da RBEP, isto é,para os formuladores/”implantadores” depolítica educacionais, visando a compreen-são da história da educação e modeloseducacionais.

3.7 A linha editorial da RBEP(1962 a 1971)

Visando à identificação da linha edito-rial da Revista, explicitar-se-ão os modelose regras adotados para a construção doconhecimento da realidade, os problemasconsiderados legítimos e os princípiosbásicos: os não problematizados e aquelesem relação aos quais se busca o consenso.

Os procedimentos metodológicos paraessa análise serão os seguintes: a análise doseditoriais da RBEP, procurando identificaras concepções explicitadas pelos editores darevista; o que é publicado na RBEP; o quenão é publicado apesar de ter relevância nodebate; o que é publicado com atraso; e odestaque dado aos documentos ao serempublicados.

3.7.1 Os modelos e regrasadotados para a construção do

conhecimento da realidade(1962 a 1971)

Nos editoriais da RBEP, nos quais sãoanalisadas as funções do Inep e da Revista,aponta-se que o papel do Instituto é o decoordenar pesquisas e de divulgar os seus

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 207: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

207

resultados. Nos editoriais encontram-se asseguintes afirmações:

Dada a organização descentralizada ediversificada dos serviços de ensino, ao Inep,como instrumento de coordenação nacio-nal da obra educativa do País, compete co-lher, analisar e divulgar os dados sobre asexperiências que se ensaiam nas várias uni-dades da Federação (Editorial, 1965a, p. 6).

O objetivo dos Centros, especialmente con-signado no decreto que os instituiu, é a pes-quisa das condições culturais e escolares edas tendências de desenvolvimento decada região e da sociedade brasileira comoum todo. É ainda a elaboração de planos,recomendações e sugestões para a revisãoe a reconstrução educacional do País, figu-rando ainda o preparo de material de ensi-no, incluindo livros de fonte e de texto, e otreinamento e aperfeiçoamento de admi-nistradores escolares, orientadores educa-cionais, especialistas de educação e pro-fessores de escola normais e primárias(Editorial, 1966a, p. 5).

Jayme Abreu, no Editorial do número106, abril/junho de 1967, ao criticar as pro-posições defendidas na III Conferência deEducação, defende que as propostas na áreade educação devem fazer referência à expe-rimentação, como ocorre em outras áreas doconhecimento. Péricles Madureira de Pi-nho, no Editorial do número 109, janeiro/março de 1968, ao discutir a formação deprofessores, defende tese próxima da deAbreu, isto é, de que as propostas para for-mação de professores devem ser baseadasna experimentação.

O modelo que as pesquisas e a experi-mentação educacional devem seguir é apre-sentado por Jayme Abreu no Editorial donúmero 115, julho/setembro de 1969, noqual, ao retomar as propostas da Conferên-cia de Atlantic City, defende que a experi-mentação deve estar vinculada à análiseteórica.

Os editores são claros na definição domodelo teórico a ser utilizado nos traba-lhos publicados pela Revista, a saber,

o escolanovista. A defesa desse modelopode ser identificada, conforme visto ante-riormente, nos números 94, abril/junho de1964, e 95, setembro/dezembro de 1964. NoEditorial do número 100, outubro/dezem-bro de 1965, os editores são explícitos nadefesa do modelo escolanovista:

Não obstante o pioneirismo do mestre[Rui Barbosa], é com a elite de educado-res, que subscrevem o manifesto históri-co de 1932 pela “educação nova” que seafirma entre nós uma orientação real-mente modernizadora no campo do ensi-no como uma das manifestações vigoro-sas da cultura brasileira em florescência,a partir da Semana de Arte Moderna de1922 (Editorial, 1965b, p. 217).

Os editores da RBEP consideram que omodelo organizacional da Universidade deBrasília (UnB) deve ser seguido pelas ou-tras instituições. Esta hipótese baseia-se nosseguintes indícios: primeiro, no Editorial donúmero 91, julho/setembro de 1963, ao de-fenderem a extinção do sistema de cátedras,utilizam como referência os Institutos Cen-trais da UnB; segundo, a publicação no nú-mero 85, janeiro/março de 1962, e no número89, janeiro/março de 1963, respectivamentedos decretos que instituíram a FundaçãoUniversidade de Brasília e a Aprovação doEstatuto da Universidade de Brasília;20 ter-ceiro, vários dos artigos que são publicadosna RBEP utilizam o modelo da UnB comoreferência.

Portanto, os editores da RBEP utilizamcomo regras e modelos para a definição dalinha editorial da Revista a articulação entrea teoria e a experimentação, os princípiosescolanovistas e o modelo organizacional daUniversidade de Brasília.

3.7.2 Os problemas consideradoslegítimos (1962 a 1971)

As grandes questões referentes ao ensi-no superior que os editores da RBEP

20 No período entre 1962 e 1971também são publicados decre-tos de aprovação de outros esta-tutos de universidades federais.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 208: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

208

consideram relevantes durante o períodode 1962 e 1971 são as relativas: à formaçãode profissionais que atendam às necessi-dades de desenvolvimento do país (Edito-rial, 1966b, p. 183; Editorial, 1968b, p. 218-219); à expansão do ensino superior (Britto,1962, p. 3); à identificação de fontes de re-cursos para a educação (Abreu, 1970, p. 6)e à formação de professores (Pinho, 1968,p. 6).21

3.7.3 Os princípios básicos:os não problematizados

(1962 a 1971)

A tônica principal da linha editorial daRBEP refere-se à necessidade do planejamen-to da educação visando ao desenvolvimentodo País. Os outros princípios básicosadotados pelos editores da Revista são deri-vados deste. Como exemplo da adoção des-te princípio, no Editorial do número 98,abril/junho de 1965, Jayme Abreu (1965, p.162) elogia a atuação dos participantes da IConferência de Educação por defenderem aarticulação dos esforços e o “planejamentoao invés da conduta acidental”. Na mesmalinha, o autor do Editorial do número 107,julho/setembro 1967, ao defender o papeldas escolas particulares, o faz afirmando quea expansão e as atividades dessas escolasdevem estar relacionadas com o planejamen-to da educação. Lúcia Marques Pinheiro, noEditorial do número 117, janeiro/março1970, critica o fato de a expansão das opor-tunidades educacionais não estar vinculadaa um planejamento educacional.

Os editores da RBEP assumem a idéiade que a formação de profissionais deve serplanejada para que esteja vinculada às ne-cessidade do desenvolvimento do País. Noinício da década de 1970, Jayme Abreu, noEditorial do número 119, julho/setembrode 1970, ao analisar os altos custos da edu-cação, defende que a formação de profissi-onais deve atender às necessidades de re-cursos humanos do País.

Ao tratar sobre o planejamento da ex-pansão do ensino superior, os editores daRBEP assumem a visão de que deve ocorrera expansão das vagas nas instituições exis-tentes e não a expansão das universidades.No Editorial do número 91, julho/setembrode 1963, intitulado “Institutos Universitári-os e a Pesquisa Científica”, Newton Sucupiracritica o sistema de cátedra por não permitira racionalização do uso dos recursos. O au-tor do Editorial do número 112, outubro/dezembro de 1968, ao fazer crítica velada àReforma Universitária, aponta que um dosdefeitos da expansão do ensino superior éo da proliferação de novas universidadese do conseqüente desperdício de recursos.

Os editores da Revista defendiam asubstituição do sistema de cátedra pelo sis-tema departamental. Esta posição torna-seevidente quando, no número 91, julho/se-tembro de 1963, é publicada, na seção se-cundária Conselho Federal de Educação, adiscussão dos conselheiros em relação àmanutenção ou não do sistema de cátedrae, no Editorial, assinado por NewtonSucupira (1963), o sistema de cátedra éapontado como uma das causas da nãoreestruturação das universidades.22

O princípio mais repetido nos editoriaisda Revista é o da articulação entre a formaçãoacadêmica e a profissional ou, em outrostermos, a articulação entre formaçãoacadêmica e utilitária. Por exemplo, no Edi-torial do número 92, outubro/dezembro de1963, Celso Kelly (1963, p. 8), ao discutir asvirtudes da LDB/1961, afirma que o ensinomédio, “é, ao mesmo tempo geral e vocacional,cuida da formação do homem e o inicia numaprofissão ou carreira”. Anísio Teixeira defen-de a articulação entre o ensino acadêmico e outilitário, ao discorrer sobre o aspecto revo-lucionário da educação, no Editorial do nú-mero 90, abril/junho de 1963. Jayme Abreu,ao discursar sobre o investimento na educa-ção, no Editorial do número 119, julho/se-tembro de 1970, defende explicitamente aeducação humanística como requisito paraa formação utilitária.

21 Outras questões recorrentes naRBEP são as que se referem aconstruções escolares e às tele-visões educativas.

22 O Editorial é uma versão resu-mida do artigo de NewtonSucupira intitulado “Universi-dades e Institutos”, publicadona seção Através de Revistas eJornais do número 85, janeiro/março de 1962. Além de o Edi-torial conter as mesmas idéiasdo artigo, em algumas partes aredação é a mesma.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 209: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

209

Os editores da RBEP compreendiamque o Conselho Federal de Educação (CFE)seria o fórum apropriado para a discussãoe elaboração da Reforma Universitária. Ape-sar de o CFE ser apenas citado em dois edi-toriais,23 ocorrem os seguintes indícios: apublicação da seção secundária ConselhoFederal de Educação; mesmo quando essaseção é extinta, os pareceres dos conselhei-ros continuam a ser publicados em outrasseções da Revista; o relatório da ComissãoMeira Mattos, que faz crítica veemente à atu-ação do CFE, não é publicado na RBEP; apublicação do artigo de Paulo Ernesto Tolleque reconstrói o debate ocorrido no CFEem torno do sistema de cátedras no primei-ro número após o golpe militar; a publica-ção dos Decretos-Leis nº 53/66 e nº 252/67,que reestruturaram as universidades fede-rais, é antecedida por nota que informaserem eles baseados em parecer/indicaçãodo CFE.

Resumindo, os editores da RBEP utili-zam como princípios básicos na elaboraçãoda linha editorial da Revista, principalmenteem relação ao ensino superior, a idéia danecessidade do planejamento da educação.Coerentemente com essa idéia, entendemque a formação de profissionais deve aten-der às necessidades de desenvolvimento doPaís, que deve ocorrer a expansão das va-gas e não das universidades, e que a forma-ção profissional seja articulada com autilitária. Para a implantação dessasconcepções deve ocorrer a substituiçãodo sistema de cátedra pelo sistemadepartamental, além de o CFE ser conside-rado o fórum adequado para as discussõesreferentes à Reforma Universitária.

3.7.4 Os princípios básicos:aqueles em relação aos quais

se busca o consenso(1962 a 1971)

No período entre 1962 e 1971, os acon-tecimentos históricos colocam a RBEP diante

do fato de que há crescente processo de le-gislação referente à educação. No caso espe-cífico da Reforma Universitária, tem-se, emum primeiro momento, o estabelecimentodos decretos-leis que reformulam as univer-sidades federais e, em um segundo momen-to, a promulgação das leis e decretos queimplantam a Reforma Universitária.

Nos editoriais da RBEP é explícita a po-sição dos editores contrária ao estabelecimen-to da Reformas Educacionais através da pro-mulgação de legislação. Tomam-se aqui, al-guns exemplos. No Editorial do número 32,outubro/dezembro de 1963, Celso Kelly, aoanalisar a LDB/1961, defende que a virtudedessa lei é permitir a elaboração de diversasreformas complementares. No Editorial donúmero 106, abril/junho de 1967 – no qualsão publicados, na seção Legislação, os De-cretos-Leis nº 53/66 e nº 442/67, quereestruturam as universidades federais –Jayme Abreu (1967) não faz nenhuma refe-rência aos Decretos-Leis, mas prefere criti-car as teses defendidas na III Conferênciade Educação por não se basearem na pes-quisa metódica, mas, sim, em opiniões; atri-bui essa postura à “nossa formação culturallítero-jurídica”.24 Não é possível afirmar ca-tegoricamente que a crítica de Jayme Abreutenha como objetivo a promulgação dos ci-tados decretos-leis. Contudo, é um indíciode que os editores da RBEP se posicionamcontra as reformas feitas por legislação.

Os editores procuram conciliar, na li-nha editorial da Revista, a tese contrária àpostura de fazer a Reforma Universitáriamediante decretos-leis com a valorização daurgência do CFE na sua elaboração. Deve-seentender esta tentativa como tensão entre asteses contrárias à promulgação de legislaçãoe as que valorizam a participação do CFE.

Essa tensão quanto à publicação dosdecretos-leis de reestruturação das univer-sidades federais é observada, por um lado,no Editorial de Jayme Abreu, que questionaas teses que defendem a reformulação daeducação via legislação, e no fato de os edi-tores da Revista relutarem em publicar os

23 O CFE é citado nos editoriais donúmero 94, abril/junho de 1964,e do número 95, setembro/de-zembro de 1964.

24 As Conferências de Educaçãoforam organizadas, nesse perío-do, pelo Inep. No número 106,abril/junho de 1967, é publica-do, na seção Documentação, odiscurso de Anísio Teixeira naIII Conferência de Educação.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 210: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

210

Decretos-Leis nº 53/66 e nº 252/67, pois elesforam publicados apenas no número 106,com data de capa de abril/junho de 1967 enão no número 105, janeiro/março de 1967,como seria de esperar.25 Por outro lado, an-tecedendo a apresentação dos decretos-leis,tem-se a seguinte informação ao leitor:

Com base no Parecer-Indicação número442/66 do Prof. Valnir Chagas, aprovadopelo Conselho Federal de Educação no mêsde agosto último, o Pres. Castelo Brancoexpediu os seguintes Decretos-Leis queconsubstanciam a doutrina e diretrizes fir-madas pelo Conselho (Reestruturação...,1967, p. 313).

A tensão acima descrita pode seridentificada no destaque dado na Revista adois pareceres/indicação de Valnir Chagas.O primeiro, o Parecer/Indicação nº 442/66,foi publicado na seção secundária Conse-lho Federal de Educação do número 103,julho/setembro de 1966; o segundo é a In-dicação nº 48/67, intitulada “Continuida-de e terminalidade do processo de es-colarização”, publicada na seção primáriaEstudos e Debates do número 110, abril/junho de 1968. No primeiro, Valnir Cha-gas elabora a proposta de lei que, com pe-quenas alterações de redação, constituirá oDecreto-Lei nº 53/66, sobre a Reestruturaçãodas Universidades Federais; portanto, noparecer é proposta a redação de legislação.A Indicação nº 48/67 é um texto doutriná-rio no qual Valnir Chagas defende que to-das as etapas do ensino devem permitir acontinuação dos estudos e, ao mesmo tem-po, que o estudante que interrompa os es-tudos obtenha qualificação profissional.Portanto, é um parecer que, apesar de in-fluenciar a legislação futura, não contém aproposta de uma lei. Considerando que aseção secundária Conselho Federal de Edu-cação, entre os anos de 1965 e 1967, épublicada apenas três vezes, que os docu-mentos publicados nessa seção têm desta-que gráfico menor que os publicados nasoutras seções26 e que nesse período os

pareceres eram publicados nas seções Estu-dos e Debates e Documentação, pode-se in-ferir que os documentos que produzem dou-trinas são mais valorizados pelos editoresdo que os documentos que propõemlegislação. Poder-se-ia argumentar, contraria-mente a esta inferência, que não seria ade-quado publicar uma proposta de legislaçãona seção primária Estudos e Debates;contudo, é importante ressalvar que, nesseperíodo, a linha editorial da Revista indicariaque o Parecer/Indicação nº 442/66, de ValnirChagas, deveria ser publicado na seçãoDocumentação, na qual o destaque é omesmo ao dado à seção Estudos e Debates.

No número 111, julho/setembro de1968, é apresentado o relatório do Grupode Trabalho da Reforma Universitária e, tam-bém, publicado o artigo de Newton Sucupira(1968) intitulado “A Reestruturação dasUniversidades Federais”, no qual o autordefende a promulgação dos Decretos-Leis nº53/66 e nº 442/67. É interessante notar que,na Revista, Newton Sucupira é identificadocomo sendo da Universidade do Recife enão como membro do CFE; não se diz que oartigo foi apresentado no “II Seminário so-bre Assuntos Universitários” promovidopelo CFE e nem que o artigo foi publicadoanteriormente na separata da revista Docu-menta número 31, em novembro de 1967.Pode-se interpretar que a demora da publi-cação resulta da linha editorial da Revista,que defende que a Reforma Universitária nãodeve ocorrer mediante legislação, e que eleé finalmente publicado nesse número porrelatar que os princípios presentes nos De-cretos-Leis nº 53/66 e nº 442/67 são resulta-dos das doutrinas e jurisprudências elabo-radas pelo CFE.

No número 124, outubro/dezembro de1971, o autor do Editorial, ao discutir a im-portância da formação profissional do ma-gistério, ressalta que a legislação sem a prá-tica não reformula a educação. É interessan-te notar que os editores da RBEP mantêmposição contrária a Reformas Educacionaisvia legislação, mesmo depois de feitas as

25 Os Decretos-Leis nº 58/66 e nº252/67 são, respectivamente, de18 de novembro de 1966 e de 28de fevereiro de 1967. No núme-ro 105, janeiro/março de 1967, épublicado o discurso de possede Carlos Pasquale como diretordo Departamento Regional doSenai, em São Paulo, proferidoem 10 de março de 1967. Comoos decretos-leis têm a sua publi-cação anterior ao discurso dePasquale, eles poderiam ter sidodivulgados pela Revista no nú-mero anterior ao número no qualforam publicados.

26 Na seção secundária ConselhoFederal de Educação, a letra temcorpo menor do que nas seçõesprimárias Estudos e Debates eDocumentação.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 211: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

211

reformas legislativas do ensino superior ede 1o e 2o graus.27

Os editores da RBEP, diante dos fatosque conduzem à Reforma Universitária de1968, buscam estabelecer o consenso de queela não deve ocorrer por meio de normasestabelecidas pela legislação. Entende-se queos editores da Revista não desconsideraramas idéias contrárias à sua visão, como foiusual na sua história, pelo fato de que aelaboração da legislação estava contandocom a participação efetiva de dois conse-lheiros do CFE próximos ao Inep: ValnirChagas e Newton Sucupira.

Considerando a postura hesitante doseditores da Revista em relação à publicaçãoou não das teses em favor da Reforma Uni-versitária mediante a promulgação de legis-lação, propõe-se a seguinte hipótese: o gru-po de conselheiros que utiliza a RBEP paraexercer a liderança moral e intelectual noperíodo entre 1966 e 1968 divide-se em doissubgrupos divergentes. De um lado estãoAnísio Teixeira e Durmeval Trigueiro e, deoutro, Newton Sucupira e Valnir Chagas.

4 O Inep em tempos deindefinições e de busca deidentidade (1972 a 2002)

De sua instalação (em 1938) até 1971, oInep tem seus projetos e planos de ação coin-cidindo com os projetos e planos das figuraseminentes de Lourenço Filho e AnísioTeixeira. Terminados os períodos de influên-cia destes, o Inep entra em longo tempo deindefinições e busca de identidade própria.

Nesta seção será reconstruída a histó-ria do Inep compreendida entre os anos de1972 e 2002. Discutir-se-á a hipótese de queos diversos momentos de crise e indefiniçãoda RBEP coincidem com os momentos decrise e indefinição do próprio Instituto eque, a partir da década de 1980, a Revista,paulatinamente, deixa de ser um instrumen-to do exercício da liderança pelo Inep naelaboração de políticas públicas.

Em um primeiro momento, será trata-do o subperíodo compreendido entre osanos de 1972 a 1975, denominado temposde documentação; em um segundo, de 1976a 1979, tempos de desmonte; o terceiro, de1980 a 1995, tempos da comunidade acadê-mica; e o último, de 1995 a 2002, tempos daagência de avaliação.

4.1 Tempos dedocumentação: 1972 a 1975

Em janeiro de 1972, o coronel Ayrtonde Carvalho Mattos assume a direção doInep. Segundo o perfil traçado por Saavedra(1988, p. 82), Mattos não tinha nenhum vín-culo significativo com a educação; é consi-derado um administrador hábil e, por isso,conseguiria dar os encaminhamentos neces-sários para a intervenção no Instituto quetinha o “estigma de esquerdista”. No mes-mo ano, em novembro, pelo Decreto no

71.407,28 o Inep é reestruturado, tendo aseguinte finalidade descrita no artigo 1o:

... como órgão central de direção superior,exercer todas as atividades necessárias aoestímulo, coordenação, realização edifusão da pesquisa educacional no País.

Em relação às competências apresenta-das no decreto da sua instalação em 1938,são marcantes as seguintes diferenças: pri-meiro, não é previsto o oferecimento de as-sistência técnica do Instituto aos serviçosestaduais, municipais e particulares de edu-cação; segundo, em 1938, é previsto que oInep irá promover pesquisas, inquéritos einvestigações; em 1972, usam-se os termos“estímulo, coordenação, realização”.

O Decreto nº 71.407 mantém a existên-cia do CBPE e dos Centros Regionais, con-tando cada um deles com Secretaria Execu-tiva, Coordenação de Estudos e PesquisasEducacionais e Coordenação de Publicações,Documentação e Informações. No Decreto nº38.460/1965, de instauração dos Centros,

27 A Lei 5.692/71 foi publicada nonúmero 123 (p.114-129, jul./set.1971).

28 É interessante notar que em1938 o Inep é instalado a partirde um decreto-lei e que em 1972ele é alterado por um decreto.Todas as outras alterações doInep também ocorrem por decre-to, excluindo a de 1997, que éalterada por medida provisória.Na medida provisória o legisla-dor tem a perspicácia de sim-plesmente revogar o decreto-leide 1938.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 212: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

212

previa-se, no seu artigo 4o, que eles “teriamregime de financiamento especial e gozandode flexibilidade e independência das cam-panhas nacionais de educação”, tendo ape-nas como exigência a aprovação, pelo mi-nistro da Educação, dos planos elaboradospelo Inep. Em 1972, ao contrário, os Cen-tros não teriam independência, de tal ma-neira que seriam nomeados, em comissão,pelo Presidente da República, tanto o dire-tor do CBPE e de cada um dos CentrosRegionais como os coordenadores previstos.

Apesar da reforma do Inep prever aexistência dos Centros Regionais de Pes-quisa, ainda no ano de 1972 foram extin-tos o Centro Regional de São Paulo e al-guns órgãos regionais de outros Estados(Saavedra, 1988, p. 82).

Mattos, à frente do Inep, lança doisprogramas: “o Programa Anísio Teixeira, vol-tado para estudos, levantamentos e pesquisas,e o Programa Lourenço Filho, para a criaçãode um subsistema de documentação e infor-mação educacional” (Saavedra, 1988, p. 84).A grande marca de Mattos foi a modernizaçãodos serviços do Inep:

No ano de 1975, o órgão estava totalmen-te renovado, com inúmeros equipamen-tos de microfilmagem, terminal ligado aosistema Prodasen, as atividades sendo de-senvolvidas por equipes de especialistase funcionários treinados e, diferente doque havia sido prognosticado, um relaci-onamento de trabalho bastante tranqüi-lo, quer entre os servidores, quer entreestes e a direção (Saavedra, 1988, p. 89).

A ênfase na modernização dos proces-sos de documentação dada por Mattos é quepermitiu titular esta seção como “Temposde documentação”:

Carvalho Mattos estabeleceu um progra-ma de trabalho alicerçado nas modernastécnicas organizacionais. A nosso ver, osetor mais beneficiado foi o de documen-tação e informação com o projeto DIE [Do-cumentação e Informação Educacional](Saavedra, 1988, p. 130).

No período de Mattos, a pesquisa reali-zada e coordenada pelo Inep direciona-seprincipalmente para o fortalecimento da ten-dência psicopedagógica (Saavedra, 1988, p.130). No estudo de Paulo Rosas (1984) so-bre a psicologia na RBEP, os números dedi-cados a esse tema são: o número 126, abril/junho de 1972, “dedicado ao estudo da cri-ança carenciada”; o número 127, julho/se-tembro de 1972, “o diagnóstico dos defici-entes mentais”; o número 139, julho/setem-bro de 1976,29 que trata sobre o bem-dota-do; e, o número 141, janeiro/abril de 1977,que traz vários artigos sobre a influência dosaspectos gráficos de jornais e revistas infantise juvenis.

A RBEP, nesse período, teve os núme-ros 134 e 136 censurados por seu conteú-do, tendo sido a tiragem recolhida edestruída, ficando apenas alguns exempla-res guardados por funcionários (Saavedra,1988, p. 131).30 A defesa da publicação des-ses números teria sido um dos motivos dodesligamento de Mattos no final de 1975. Éinteressante notar que até o número 134, aRBEP apresenta editorial; a partir desse nú-mero não haverá mais a publicação sistemá-tica de editorial. Após o número 136, a RBEPfica um ano sem circular. No número 137,janeiro/março de 1976, é anexada uma pe-quena folha esclarecendo que, por decisãodo Conselho de Redação, os números refe-rentes a 1975 passam a circular com data doano de 1976, corrigindo assim o “aparenteatraso”. É a primeira grande crise naperiodicidade da revista.

4.2 Tempos de desmonte:de 1976 a 1979

Após a rápida passagem de FranciscoCruz Barbosa Lopes, por cinco meses, nadireção do Inep, assume, em 2 de agosto de1976, Maria Mesquita Siqueira, com a mis-são de transferir o Inep definitivamente paraBrasília (Saavedra, 1988, p. 91-92). Em tomde quem viveu a dramaticidade dos fatos,

29 Apesar deste número ser lança-do depois da saída de Mattos doInep, provavelmente a RBEP ain-da sofre influência da tendênciapsicopedagógica implantada porele.

30 Ao consultar mais de uma bi-blioteca, não se sentiu a falta des-ses números; ou os procedimen-tos de recolhimento dos núme-ros não obtiveram resultados oueles foram posteriormentereeditados. Na biblioteca daPUC de Campinas, há os seguin-tes registros de entrada: os nú-meros 133, 134 e 135, no dia 6de abril, e o número 136, no dia23 de junho de 1976.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 213: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

213

Saavedra descreve a reunião em que os fun-cionários foram comunicados da mudança:

Professora Maria Mesquita de Siqueira,que, no dia 31, reúne toda a equipe doCentro e comunica a transferência totaldo órgão para Brasília. Foi a primeira vezque os funcionários a viram. Não houverasequer tempo nem oportunidade para umconhecimento do que se fazia no CBPE.Não houve qualquer argumento que mo-dificasse a situação. Era mudar ou sair,simplesmente (Saavedra, 1988, p. 132).

Ao transferir todos os órgãos do Ineppara Brasília, a biblioteca do Instituto foidoada para a UFRJ. Provavelmente essadoação buscasse atender ao reclamo dos in-telectuais cariocas da perda que seria a trans-ferência da Biblioteca do Inep, que contavacom mais de 73 mil volumes (Saavedra,1988, p. 93).31 Em 14 de junho de 1977,pelo Decreto nº 79.809, o CBPE é definiti-vamente extinto. No artigo 3o do referidodecreto são definidas as competências doInep:

I – Coordenar a pesquisa educacionalno País, estabelecendo, anualmente,em consonância com as entidades in-teressadas, um programa de estudos,pesquisas e experimentação de âm-bito nacional, complementado coma manutenção de um fluxo perma-nente de informações;

II – Estimular a pesquisa educacional noPaís, mediante apoio financeiro a en-tidades que tiveram seus projetos in-cluídos no programa anual, prestarassistência técnica para a elabora-ção e/ou desenvolvimento de proje-tos e colaborar no preparo de recur-sos humanos;

III – Realizar pesquisas educacionais bá-sicas e aplicadas, constantes do pro-grama anual;

IV – Difundir trabalhos desenvolvidospelo órgão, bem como trabalhos deoutras fontes, que contribuam parao aprimoramento da educaçãonacional;

V – Operar e manter um sistema de docu-mentação e informações educacionais

que apóie a realização de estudos, pes-quisas e experimentação e possibiliteao Inep exercer sua função de órgãocoordenador da pesquisa educacionalno País.

Em linhas gerais, o decreto prevê que oInep continuaria com a sua tripla função:pesquisa/documentação/disseminação dainformação. Em relação à pesquisa educaci-onal, o Inep deixa definitivamente de ter afunção de realizá-la e passa a ter a função decoordenar e financiar as pesquisas realiza-das por outros, isto apesar do inciso III pre-ver a realização de pesquisas pelo Instituto.Essa alteração, de certa forma, facilita a apro-ximação da comunidade científica, que bus-ca o financiamento das suas pesquisas. Con-siderando os recursos (ou a falta deles) paraa realização das novas atribuições do Inep,percebe-se que as mudanças visam esvaziaro Instituto em vez de procurar novos ru-mos. Como visto acima, o Inep perdeu a suabiblioteca. Em relação ao quadro de funcio-nários, segundo o relato de Saavedra (1988,p. 95-96 e 132), contava-se com poucos re-cursos humanos. Finalmente, sobre os re-cursos financeiros para estimular a pesqui-sa: alguns depoimentos no seminário reali-zado por Vanilda Paiva em 1985 informamque o Inep não contou com os recursos ne-cessários ao desenvolvimento de suas ativi-dades (Linhas..., 1985).

A crise que se instalou no Inep com aalteração do regimento, com a transferênciapara Brasília e pela drástica redução de fun-cionários tem reflexos na periodicidade epontualidade da RBEP. Em 1977 é publica-do apenas o número 141, e, na capa, a indi-cação dos meses (janeiro a abril) mostra quea sua periodicidade passou de trimestralpara quadrimestral. No ano de 1978 é pu-blicado apenas o número 142, referente amaio/agosto. Sguissardi e Silva Jr. (1998, p.101-102) identificam que os números refe-rentes ao biênio 79/80 (do 144 ao 148) nãotiveram conselho editorial. Essa falta de con-selho editorial torna-se patente nas poucas

31 Saavedra relata a indignação dosintelectuais cariocas em relaçãoà perda da biblioteca para de-monstrar a insatisfação geral emreferência à transferência do Ineppara Brasília.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 214: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

214

subdivisões da RBEP, contrariando a tradi-ção da revista. O número 145, setembro/dezembro de 1979, pode ser considerado oápice da crise por falta de conselho editorial;nesse número não há divisão em seções.

Em março de 1979, com a mudança doministro da Educação, assume Letícia Ma-ria Santos de Faria, funcionária de carreirado Inep. Em sua gestão, busca avaliar a or-ganização interna do Instituto e a relevân-cia das pesquisas financiadas. A tônica daadministração de Faria foi no sentido devalorizar o pessoal técnico do Inep e detransformar as atividades técnicas emprojetos (Saavedra, 1988, p.100-102).

4.3 Tempos da comunidadeacadêmica: 1980 a 1995

É difícil precisar a data em que o Inepse aproxima da comunidade acadêmica.32

Esse processo de aproximação pode sermarcado com a administração do coronelAyrton de Carvalho Mattos na primeirametade da década de 1970, quando o seudiretor faz visitas a vários centros de pes-quisas. Nessa gestão, o Inep deixa de serpromotor de pesquisas e inquéritos e pas-sa a ter o papel de estimular, coordenar erealizar pesquisas. Mas esse é o momen-to em que, por um lado, aumenta signifi-cativamente o poder de ingerência do pre-sidente da República no Instituto e, poroutro, a ênfase da administração é dadaaos procedimentos internos. Pode ter-secomo marco ainda a reestruturação de1977 porque ela reforça o papel do Inepcomo financiador da pesquisa educa-cional; contudo, esse é o momento de des-monte e da extinção do CBPE. Escolheu-se a data de 1980 como marco por nãocoincidir com o início do mandato de ne-nhum dos diretores do Inep. Ressalta-seque, por um lado, há aproximação da co-munidade acadêmica com o Inep, e, poroutro, a ligação dos novos diretores comessa comunidade.

Hélcio Ulhôa assume o Inep em 1981.Saavedra (1988, p. 103) assim descreve oseu perfil: sociólogo, ex-reitor da Universi-dade Federal do Piauí, com ligações com acomunidade acadêmica e com experiênciaadministrativa no MEC como chefe de gabi-nete do ministro Eduardo Portella. Na suaadministração, Ulhôa, busca transformar oInep no mediador entre o MEC e a comuni-dade educacional. Saavedra, após deixartransparecer o seu desagrado pela possíveldesvalorização por Ulhôa dos funcionáriosda casa, descreve sua política de pesquisa:

Para o Programa de Pesquisas foramestabelecidas duas linhas de atuação: a li-nha de Fomento, destinada ao apoio técni-co-financeiro a projetos encaminhados porinstituições, fortalecendo a demanda es-pontânea de fora para dentro, ou seja, apoi-ando a diagnose feita pelos próprios pes-quisadores das necessidades do estudo ci-entífico das questões educacionais; e, a li-nha de Demanda, voltada para dentro doMEC, isto é, para o atendimento às solici-tações das Secretarias-fim no sentido deoferecer o conhecimento da realidade edu-cacional. Essa “linha” caracterizaria amediação do Inep entre o MEC e a comu-nidade educacional (Saavedra, 1988, p.103-104).

Em relação às atividades de documen-tação, Ulhôa criou o Sistema de InformaçõesBibliográficas em Educação, Cultura e Des-porto (Sibe), sendo a sua biblioteca-núcleoo Centro de Informações Bibliográficas doMEC (Cibec). Também reorganizou todo osistema de documentação histórica do Inepe da educação em geral (Saavedra, 1988, p.106; Costa, 1984, p. 246-247).

Em relação às publicações do Inep, noperíodo de Ulhôa foram lançados dois no-vos periódicos: Em Aberto e o Informativo.O primeiro teria a função de incentivar areflexão crítica e o debate; o segundo, deapresentar as realizações do Inep. Observa-se que a soma das linhas editoriais das duasnovas revistas coincide com a linha editorialda RBEP. Provavelmente essa opção editorial,

32 É possível se falar em rea-proximação, considerando queos Centros Regionais de Pesqui-sa Educacional, criados na segun-da metade da década de 1950,tinham como objetivo o estreitocontato com a comunidade.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 215: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

215

somada à idéia de oferecer novos rumos aoInep, fez com que a RBEP não tenha sidoeditada entre os anos de 1980 e 1983.

Em abril de 1983 assume Lena CastelloBranco Ferreira Costa, professora da Uni-versidade Federal de Goiás e Conselheirado CFE. Costa, ao assumir o Inep, relançaa RBEP, com nova estrutura. O Editorial as-sinado pelo Comitê Editorial apresenta osnovos rumos da Revista.

Continuidade traduzida no compromisso decontribuir para que se aperfeiçoe a elabo-ração em nosso país, mediante a dissemi-nação de estudos, propostas, debates e in-formações, inspirados sempre nos mais ele-vados padrões intelectuais e éticos da pes-quisa e do conhecimento. Mudança dianteda situação anterior, que se prolongou pordécadas, de quase exclusividade desta re-vista como periódico de abrangência naci-onal dedicado a temas educacionais, em simesmos nem sempre consensuais.[...]Sem deixar de divulgar as políticas, osprojetos e as idéias do MEC, buscará serum órgão que abra espaços para idéias econtribuições daqueles que se dedicamao estudo e à busca de meios e modosque levem à ampliação e à melhoria dasoportunidades educacionais, a serviço dopovo brasileiro (Editorial, 1983, p. 7).

Assim, a RBEP assume o duplo papelde ser um veículo do debate dos interessa-dos sobre questões educacionais e de di-vulgação das políticas, projetos e idéias doMEC. Esse objetivo da revista é encontradojá no seu primeiro número, em 1944, mas aementa publicada por muitos anos na re-vista indicava que os artigos seriam“solicitados”. A partir do número 147, maio/agosto de 1983, é demonstrado na Revista ointeresse pela efetiva colaboração da comu-nidade, ao apresentar, como o fazem outrasrevistas acadêmicas, as normas de publica-ção e a existência de consultores para avaliaros artigos recebidos. A partir dessemomento, publica colaborações, em vez deartigos solicitados. Outro indicador dessaaproximação é o fato de o comitê editorial

da RBEP contar com figuras da comunidadeacadêmica, funcionários de carreira do Inepe pessoas historicamente ligadas ao Inep. Em1984 eram eles:

Valnir Chagas, Navarro de Brito, HelenaLewin, Luis Antônio Rodrigues da Cunha,Maria Laís Mousinho Guidi, Carlos RobertoJamil Cury, José Luis Domingues, BernadeteGatti, Vera Candau, Newton Sucupira, Mag-da Soares, Walter Garcia e Jader de MedeirosBritto (Costa, 1984, p. 247)

Em uma vista panorâmica pelos núme-ros que seguem – do 147, maio/agosto de1983, ao 198, maio/agosto de 2000 – encon-tra-se farta distribuição de artigos de auto-res ligados à comunidade acadêmica. Essaaproximação é reforçada nos artigos que ava-liam a história da revista e do Inep. Na edi-ção comemorativa dos 150 números da RBEP,em 1984, a grande maioria dos artigos é deautores vinculados à Universidade. Em ou-tros números são publicados esporadica-mente outros artigos com caráter histórico,analisando a RBEP e o Inep, todos de auto-res ligados às instituições acadêmicas.33

Em 1985, Vanilda Paiva, ao assumir oInep, na Nova República, promove um se-minário convidando funcionários de carrei-ra do Instituto e várias pessoas ligadas àcomunidade acadêmica para avaliar e pro-por a linha de atuação para o Inep. Nas di-versas falas reproduzidas na RBEP, trans-parece que a função do Instituto estariabaseada no tripé pesquisa/documentação/disseminação da informação. Em relação àpesquisa, o debate deu-se em torno do pa-pel do Inep em referência às pesquisas rea-lizadas pelo MEC e pela comunidadeacadêmica (Linhas..., 1985).

Ainda na Nova República, apesar de todaa discussão promovida por Vanilda Paiva, oInep deixa de ser um órgão de fomento àpesquisa e volta a cumprir o papel deassessoramento do Ministério da Educação(Inep, 2002). Durante o governo de José Sarney,o Inep ainda terá dois outros diretores, PedroDemo e Manuel Marcos Maciel Formiga.

33 São eles: “A educação no perío-do Kubitschek: os Centros dePesquisa do Inep”, de MarcusVinicius Cunha (1991); “A im-prensa periódica e a pesquisahistórica: estudos sobre o Bole-tim de Educação Pública e aRevista Brasileira de EstudosPedagógicos”, de DianaGonçalves Vidal e Marilena Jor-ge Guedes de Camargo (1992);“A produção intelectual sobreeducação superior na RevistaBrasileira de Estudos Pedagógi-cos (RBEP)”, de ValdemarSguissardi e João dos Reis SilvaJr (1998); “Regionalização dapesquisa e inovação pedagógi-ca: os Centros de Pesquisas Edu-cacionais do Inep (1950-1960)”,de Libânia Nacif Xavier (1999);“Contribuições para os estudossobre a pesquisa educacional noBrasil: análise de artigos da Re-vista Brasileira de Estudos Pe-dagógicos (1944-1974)”, deLídia Alvarenga (2000).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 216: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

216

No início do governo Collor, o Inepquase foi extinto (Inep, 2002). A RBEP,que sempre foi sensível às crisesdo Instituto, registra novamente osdescompassos por que ele passa. Duranteo governo Collor, é publicado apenas ovolume 71, correspondente a 1990, tendosido os seus três números (167, 168 e169) encadernados juntos, contendosumários independentes.

Apesar dos poucos dados encontradossobre o retorno do Inep à condição de ór-gão de assessoramento do MEC, levanta-seaqui a hipótese de que, no período em queo Inep se afasta da comunidade acadêmica,a RBEP contínua próxima, pois ela mantéma mesma política editorial instaurada em1983. A relação histórica da Revista com a

comunidade acadêmica pode ser caracteri-zada por quatro momentos: o primeiro, queé anterior a 1983, é o monólogo do Inep; osegundo é a tentativa de diálogo entre o Inepe a comunidade acadêmica; o terceiro é omonólogo da comunidade acadêmica que seinicia no final da década de 1980, pois nes-se período a Revista deixa de ser um órgãode divulgação das ações do Ministério daEducação e do Inep – por exemplo, nos nú-meros posteriores ao seminário realizado porVanilda Paiva, não se encontrou artigos dosdiretores do Inep apresentando a sua pro-posta de atuação no Instituto nem a legisla-ção sobre as reestruturações realizadas noInstituto; o quarto momento é o da tentativade retomar o diálogo na segunda metade dadécada de 1990, como veremos em seguida.

Quadro 2 – Data de publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 217: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

217

O possível descompasso entre as fun-ções do Inep e a linha editorial da RBEP po-dem explicar a crise de pontualidade de cir-culação instaurada no final da década de1980.

Com a crise do Inep durante o gover-no Collor, a RBEP deixou de ter relativapontualidade e passa a contar comconstante atraso.34 A partir de 1994 éimpressa nas primeiras páginas da Revista,logo acima da ficha catalográfica, a data depublicação da Revista. No Quadro 2, emque se apresenta a data da capa e a de pu-blicação da Revista, pode-se observar que,em 1994, há um esforço para atualizar asua periodicidade, tanto que, nesse ano,no mês de dezembro, são publicados doisnúmeros. Na mudança de governo em1995, é publicado apenas um número; em1996, dois, e em 1997, um.

4.4 Tempos da agência deavaliação: 1995 a 2001

Em 1995, ao iniciar o governo deFernando Henrique Cardoso e tendo comoministro da Educação Paulo Renato Souza,a direção do Inep é assumida por MariaHelena Guimarães de Castro, professora doDepartamento de Ciência Política da Uni-versidade Estadual de Campinas (Unicamp).Em 1996, Castro afasta-se da direção do Ineppara assumir a Secretaria de Avaliação e In-formação Educacional (Sediae), sendo subs-tituída pelo diretor-executivo Og RobertoDória. Nesse período, no verso da páginade rosto da RBEP, ao serem apresentadosos créditos institucionais, primeiro apare-ce o nome Secretaria de Avaliação e Infor-mação Educacional e o da sua secretária;na seqüência é apresentada a direção doInep. Este fato indica que as atividadesdo Inep estavam vinculadas à Sediae.

Para atender à nova política implanta-da pelo ministro da Educação, o Instituto étransformado em autarquia pela MedidaProvisória nº 1.568/1997 (que, ao ser

aprovada pelo Congresso Nacional, tornou-se a Lei nº 9.448). A nova organizaçãodo Inep é instituída com as seguintesfinalidades:

I – organizar e manter o sistemade informações e estatísticaseducacionais;

II – planejar, orientar e coordenar o de-senvolvimento de sistemas e proje-tos de avaliação educacional, visan-do o estabelecimento de indicado-res de desempenho das atividadesde ensino no País;

III – apoiar os Estados, o Distrito Federale os municípios no desenvolvimentode sistemas e projetos de avaliaçãoeducacional;

IV – desenvolver e implementar, na áreaeducacional, sistemas de informa-ção e documentação que abranjamestatísticas, avaliações educacio-nais, práticas pedagógicas e de ges-tão das políticas educacionais;

V – subsidiar a formulação de políticasna área de educação, mediante aelaboração de diagnósticos e reco-mendações decorrentes da avalia-ção da educação básica e superior;

VI – coordenar o processo de avaliaçãodos cursos de graduação, em con-formidade com a legislação vigente;

VII – definir e propor parâmetros, crité-rios e mecanismos para a realiza-ção de exames de acesso ao ensinosuperior;

VIII – promover a disseminação de infor-mações sobre avaliação da educa-ção básica e superior;

IX – articular-se, em sua área de atua-ção, com instituições nacionais,estrangeiras e internacionais,mediante ações de cooperaçãoinstitucional, técnica e financeirabilateral e multilateral.

Nesse período, o Inep cumpre basica-mente duas funções: a de produzir e disse-minar a informação educacional e a de ava-liação do sistema educacional brasileiro. Otradicional papel do Inep em disseminar ainformação é realizado pelo Cibec por meiode sua biblioteca e do site do Inep. Com areformulação, Maria Helena Guimarães de

34 A identificação da pontualida-de da RBEP é uma tarefa difícil.A impressão que se tem é que aRevista, em diversos momentosda sua história, foi pontual, masé uma impressão difícil de com-provar. Em alguns momentos,apresenta uma data de publica-ção que mostra o seu atraso; porexemplo, o número 19, com datade capa de janeiro de 1946, trazno colofão: 1947 – Imprensa Na-cional Rio de Janeiro – Brasil.Os números 94 e 95, com datade capa de 1964, informam quea Revista foi composta e impres-sa em 1965. A partir do número175, indica sempre a data deimpressão mostrando o seuatraso.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 218: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

218

Castro retorna à presidência do Instituto e,em palestra proferida na UFRJ, apresenta,com propriedade, a nova configuração doInstituto:

[...]o Inep foi virtualmente refundado em 1997,quando assumiu como missão a produçãoe disseminação de informações para subsi-diar as políticas educacionais dos diferen-tes níveis de governo [...]. Com a redefiniçãodas competências e responsabilidades dostrês níveis de governo, efetivada por meioda Emenda Constitucional nº 14 e da novaLDB (Lei nº 9.423, de 20 de dezembro de1996), emergiu com maior nitidez o novopapel a ser desempenhado pelo Inep, comoórgão responsável pelo desenvolvimento desistemas nacionais de avaliação e da pro-dução das estatísticas educacionais (Castro,1999).

Em setembro de 1998 é feita nova ten-tativa de atualizar a periodicidade da Re-vista com a edição cumulativa dos três fas-cículos (188/189/190, jan./dez. 1997) queformam o volume 78, o qual é iniciado porum aviso “Aos leitores”, em que a presidentado Inep, Maria Helena Guimarães de Cas-tro, anuncia nova reformulação da RBEP.Além de prometer a reformulação gráfica,Castro assim descreve as seções que serãoimplantadas:

A primeira parte da revista abrigará trêsseções distintas. A seção ‘Estudos’ será ocu-pada por artigos inéditos, estimulando aprodução acadêmica na área educacional.A seção “Segunda Edição”, conforme estáexplicitado no seu conceito, promoverá oresgate de trabalhos relevantes para a com-preensão do desenvolvimento histórico edo cenário atual da educação brasileira.Por fim, a seção “Questão em Debate”abrirá espaço para que sejam suscitadosnovos temas e novos ângulos de abordagempara animar o debate educacional.

Na sua segunda parte, a RBEP privilegia-rá publicação de artigos de caráter técni-co sobre temas diretamente ligados àsáreas de atuação do Inep – Avaliação eEstatísticas Educacionais. A intenção é

divulgar os resultados mais relevantes pro-duzidos pelos sistemas de avaliação, pe-los censos educacionais e pelas pesquisascorrelatas realizadas pelo Inep (...).

A terceira parte da RBEP será dedicadaaos informes do Centro de Informações eBiblioteca em Educação (Cibec) sobre asbases de dados e as atividades do Inep (...)(Castro, 1998, p.3-4).

Pelas seções descritas por Castro, aRBEP destinar-se-ia a divulgar a produçãoda comunidade acadêmica sobre educação,a estimular o debate e a divulgar a produçãodo Instituto. No número 191, janeiro/abrilde 1998, acontece a prometida reformulação,contudo a seção Questão em Debate nãoaparece. A presença da comunidade acadê-mica neste novo período da Revista não ga-rante o seu diálogo com o Instituto, pois asseções destinadas a cada uma das partes es-tão apenas justapostas, não havendo efetivodebate, dado que a grande maioria dos arti-gos da comunidade acadêmica não versasobre temas relacionados à políticaeducacional. Dos 45 artigos publicados entreos anos de 1999 e 2002, apenas oito tratamsobre política educacional.

Nessa nova fase, a periodicidade daRevista continua irregular: em 1999 são pu-blicados dois números; em 2000, apenas um;em 2001, dois; e em 2002, também dois. Estefato sugere que a RBEP não é compreendidacomo um instrumento do Instituto para oexercício de uma liderança intelectual dasreformas educacionais, como foi desde o seulançamento em 1944, até o ano de 1971. Apostura da nova linha editorial da Revista écoerente com a postura assumida pelo Ins-tituto de ser uma agência de avaliação doMinistério da Educação. Na “Apresentação”de Castro ao número 191, janeiro/abril de1998, afirma:

Com essas inovações, a RBEP busca adequar-se às mudanças lideradas pelo Ministério daEducação, aliando à sua tradição o dinamis-mo atual que vem transformando a realidadeeducacional do País (Castro, 1998, p. 5).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 219: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

219

Conclusão

O Instituto Nacional de Estudos Peda-gógicos (Inep) foi concebido em 1936, nagestão do ministro da Educação e SaúdeGustavo Capanema. A sua instalação ocor-reu em 1938, graças à habilidade políticade Lourenço Filho, que vinculou as ativi-dades do Instituto ao Departamento Admi-nistrativo do Serviço Público (Dasp), órgãoque tinha prestígio no Estado Novo. Estavinculação permitiu, por um lado, o desen-volvimento de pesquisas educacionais; e,por outro, que a estrutura inicial do Inepvisasse atender às necessidades do Dasp.Em relação às atividades referentes à edu-cação, o Inep, em sua história, caracterizou-se por desenvolver atividades relacionadasà documentação, à pesquisa e à divulgaçãopedagógica e executar políticas públicaspara a educação.

A Revista Brasileira de Estudos Pedagógi-cos (RBEP), desde o seu primeiro número, foiuma publicação oficial do Inep, mantendoautonomia em relação ao Ministério daEducação. Durante o período em queLourenço Filho teve forte influência no Inep(1938-1952), a sua linha editorial manteve-secoerente com a proposta apresentada no seuprimeiro número: adota o ponto de vista na-cional, assume a postura escolanovista e tratade temas práticos. Na gestão de Murilo Braga(1946-1952) como diretor do Inep, os artigosrelacionados aos temas práticos tiveram ovolume de publicação diminuído, porém osde psicologia aplicada aumentaram. A Revistapublica até 1983 apenas artigos solicitados, oque evidencia a proposta de os seus editoresexercerem a liderança moral e intelectual emrelação à educação.

Anísio Teixeira, ao assumir a direçãodo Inep em 1952, retomou o objetivo detornar o Instituto um órgão de pesquisaseducacionais. Em 28 de dezembro de 1955,criou o Centro Brasileiro de Pesquisas Edu-cacionais (CBPE) e os Centros Regionais dePesquisas Educacionais. O CBPE foi umcentro de pesquisa dentro de um instituto

de pesquisa, fato que se deve interpretarcomo a tentativa de Anísio Teixeira rompercom o passado do Inep.

O “Discurso de Posse” de AnísioTeixeira e seu artigo “A administração pú-blica brasileira e a educação” são textosparadigmáticos. A análise desses textos per-mite conhecer as questões, modelos, regrase princípios que são referência para a pro-dução de conhecimentos expressos nos ar-tigos publicados na Revista nesse período.A produção desses conhecimentos é conse-qüência do exercício do poder em um Apa-relho de Estado, o Inep. E a RBEP, ao publi-car as concepções de um grupo, é o instru-mento para que se consolide a liderançaintelectual e moral desse grupo.

No período 1962 a 1971, a influênciade Anísio Teixeira no Inep (e conseqüente-mente, na RBEP) é marcante, mesmo após oGolpe Militar de 1964, quando deixa de exer-cer o cargo de diretor do Instituto.

A análise estatística dos autores presen-tes na RBEP revela que os que mais publica-ram têm ligação com o Inep e/ou com o CFE.Nesse período, a composição do Conselhode Redação praticamente mantém-se inal-terada, o que permite a constância da sua li-nha editorial. A leitura dos editoriais e a vi-são geral do que é publicado, do que não épublicado e de quando é publicado permiteafirmar que os editores da Revista adotaramcomo regras e modelos para a definição dalinha editorial os seguintes aspectos: a arti-culação entre a teoria e a experimentação, osprincípios escolanovistas e o modeloorganizacional da Universidade de Brasília.

Os editores da RBEP posicionaram-secontrários à visão de que a Reforma Universi-tária deveria ser realizada mediante atoslegislativos. Diante da promulgação das legis-lações referentes à Reforma Universitária, oseditores procuram conciliar a posição contrá-ria à Reforma Educacional mediante legisla-ção com o fato de que a legislação que estavasendo elaborada tinha forte influência do CFE.

Entre os anos de 1972 a 2002, o Ineppassa por várias crises e momentos de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 220: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

220

indefinição. O primeiro tempo desseperíodo é o da direção do coronel Ayrtonde Carvalho Mattos, que assume o Inep coma função explícita de nele intervir, já queera considerado uma instituição “esquer-dista”. Na reestruturação promovida pelocoronel Mattos, o Inep abandona o papelde realizar pesquisas próprias e passa a seruma agência de promoção e estímulo à pes-quisa educacional. Durante a sua gestão, oInep fortalece o papel de documentaçãomediante a modernização do sistema dosserviços por ele prestado. Em relação àspesquisas, o Instituto retoma a tradição depromover pesquisas psicopedagógicas, fatoque se materializa nas publicações da RBEP.

Os tempos de documentação, como énomeado aqui o período do coronel Mattos,terminam com a crise instaurada pela cen-sura a dois números da RBEP. A posturade Mattos em defender a publicação dosdois números censurados é coerente com atradição de independência do Instituto.

Entre os anos de 1975 e 1979 o Ineppassa por tempos de desmonte, marcadospela transferência do Inep para Brasília, adoação de sua biblioteca para a Universi-dade Federal do Rio de Janeiro, novamudança no seu regimento, no qual éaprofundada a transformação do Inep emagência financiadora de pesquisa em vez derealizá-las, e a extinção definitiva do CBPE.

Os tempos de desmonte são percebidosna RBEP em dois fatos: primeiro, nos anosde 1977 e 1978 é publicado apenas um nú-mero por ano; segundo, nos anos de 1979 e1980 ela é lançada sem contar com ConselhoEditorial. Estes fatos sugerem que o Instituto,apesar de não ter sido extinto, não tem umadefinição clara de linha de atuação.

A partir do início da década de 1980,o Inep aproxima-se da comunidade acadê-mica, tanto por contar com dirigentes per-tencentes a esta comunidade como pelo fatode transformar-se em uma agênciafinanciadora de pesquisas, mesmo compoucos recursos. A RBEP, no início dessetempo, deixa de ser publicada. No ano

1983, é relançada com o objetivo de(re)estabelecer o diálogo com a comunidadeacadêmica.

Durante o governo de José Sarney, a Re-vista deixa de ser um periódico que tem inti-ma relação com o Inep. Nesse momento, o Inepvolta a ter o papel de assessoramento do Mi-nistério da Educação, e a RBEP continua pró-xima à comunidade acadêmica, não mais comoum canal de diálogo, mas como um instru-mento de monólogo da comunidade acadêmi-ca. A pouca importância dada à Revista peloInstituto torna-se notória com os constantesatrasos e irregularidades na sua publicação.

Os tempos de agência de avaliação ins-tauram-se na segunda metade da décadade 1990, quando o Inep é novamentereestruturado com a finalidade de tornar-seo órgão do MEC responsável pela avaliaçãodo sistema do ensino superior, além de man-ter a sua tradicional atividade de disseminara informação das pesquisas educacionais.A Revista, no ano de 1999, novamente éreestruturada, visando assumir o papel dediscutir com a comunidade acadêmica as po-líticas educacionais implantadas pelo Insti-tuto, a avaliação do ensino superior. Apesarda reorganização da Revista para se estabe-lecer o diálogo do Inep com a comunidadeacadêmica, até o ano de 2002 a irregularidadeda publicação da Revista sugere que ela nãoé um instrumento considerado prioritáriopara esse diálogo.

A história da RBEP e da sua linha edito-rial até o início da década de 1980 se confun-de com a história do Inep. Ela, aos poucos,deixa de ser um órgão (periódico) que refleteo movimento interno do Instituto, tanto quea legislação que o reformulou no governoSarney e a que o reformulou no governoFernando Henrique Cardoso não sãopublicadas na Revista. É possível que a novafase de revitalização da Revista, que se iniciaem 2003, consiga estabelecer o diálogo com acomunidade acadêmica e volte a refletir omovimento interno do atual Instituto Nacio-nal de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira. A história dirá.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 221: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

221

Referências bibliográficas

ABREU, Jayme. Editorial. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 47,n. 106, p. 179-188, abr./jun. 1967.

_______. Editorial: Consideração sobre uma política nacional de investimento em educa-ção. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 59, n. 119, p. 5-14, jul./set. 1970.

_______. Editorial: I Conferência Nacional de Educação. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro, v. 43, n. 98, p. 161-164, abr./jun. 1965.

_______. Editorial: Uma política para a pesquisa educacional no Brasil. Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 52, n. 115, p. 6-12, jul./set. 1969.

ALVARENGA, Lídia. Contribuições para os estudos sobre a pesquisa educacional no Bra-sil: análise de artigos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (1944-1974). RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 81, n. 198, p. 244-272, maio/ago. 2000.

AZEVEDO, Fernando de. Na pesquisa das raízes de uma instituição. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 42, n. 95, p. 18-26, set./dez. 1964.

BRITTO, Jader de Medeiros. Editorial: Presença da Revista na Educação Brasileira. RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 239-240, maio/ago. 1984.

BUFFA, Ester. Os conflitos ideológicos ocorridos durante a tramitação da Lei de Diretrizese Bases e a participação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 65, n. 150, p. 303-313, maio/ago. 1984.

CAPANEMA, Gustavo. Apresentação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio deJaneiro, v. 1, n. 1, p. 3-4, jul. 1944.

CARNEIRO, Otávio Dias. Editorial: Educação e desenvolvimento econômico. Revista Bra-sileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 38, n. 87, p. 3-6, jul./set. 1962.

CASTRO, Amélia Domingues. A didática na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicosum percurso de quatro décadas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65,n. 150, p. 291-300, maio/ago. 1984.

CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Aos leitores. Revista Brasileira de Estudos Pedagó-gicos, Brasília, v.78, n. 188/189/190, p. 3-4, jan./dez. 1997.

_______. Apresentação: a nova RBEP. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília,v. 79, n. 191, p. 5, jan./abr. 1998.

_______. O Inep ontem e hoje. Palestra proferida no evento “Um olhar sobre Anísio”,promovido pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Riode Janeiro (CFCH/UFRJ) e pela Fundação Anísio Teixeira, em 2 de setembro de 1999.Disponível em: http://www.inep.gov.br/download/noticias/1999/inep_ontem_e_hoje.doc.Acesso em: 19 dez. 2002.

COSTA, Lena Castelo Branco Ferreira. Inep: Novos rumos e perspectivas. Revista Brasilei-ra de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 241-254, maio/ago. 1984.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 222: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

222

CUNHA, Marcus Vinicius da. A educação no período Kubitschek: os Centros de Pesquisado Inep. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 72, n. 172, p. 175-195, maio/ago. 1991.

[EDITORIAL] Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 5-6, jul. 1944.

EDITORIAL: Atividades do Inep programadas para 1965. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro, v. 43, n. 97, p. 5-7, jan./mar. 1965a.

EDITORIAL: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – 100 números a serviço da edu-cação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 44, n. 100, p. 217-219,out./dez. 1965b.

EDITORIAL: Dez anos de trabalho. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janei-ro, v. 45, n. 101, p. 5-7, jan./mar. 1966a.

EDITORIAL: Universalização do ensino primário, dever primordial de uma democracia.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 45, n. 102, p. 183-184, abr./jun. 1966b.

EDITORIAL. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 44, n. 110, p.225-226, abr./jun. 1968a.

EDITORIAL. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 50, n. 112, p.217-219, out./dez. 1968b.

EDITORIAL: Habilitação profissional do magistério e o ensino fundamental. RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 56, n. 124, p. 267-269, out./dez.1971.

EDITORIAL. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 64, n. 147, p. 7, maio/ago. 1983.

GANDINI, Raquel. Intelectuais, estado e educação: Revista Brasileira de Estudos Pedagó-gicos (1944-1952). Campinas/SP: Editora da Unicamp, 1995. 249 p.

O INSTITUTO Nacional de Estudos Pedagógicos em sete anos de atividades. Revista Bra-sileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 16, p. 95-135, out. 1945.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Umpouco da história do INEP. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/institucional/historia.htm>. Acesso em: 19/12/2002.

KELLY, Celso. Editorial: Lei de Diretrizes: Reforma de Base da Educação Nacional. Re-vista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 40, n. 92, p. 3-9, out./dez.1963.

LEMME, Paschoal. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 255-272, maio/ago. 1984.

LINHAS de atuação do Inep (Seminário). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília,v. 66, n. 153, p. 305-343, maio/ago. 1985.

LOURENÇO FILHO, Manoel B. Antecedentes e primeiros tempos do Inep. Revista Brasi-leira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 42, n. 95, p. 8-17, set./dez. 1964.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 223: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

223

PASQUALE, Carlos. Editorial: Da educação depende o resgate de condições sociais injus-tas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 41 n. 94, p. 131-133, abr./jun. 1964.

PINHEIRO, Lucia Marques. Editorial: Desenvolvimento democrático pela escola primária.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 52, n. 117, p. 5-8, jan./mar.1970.

PINHEIRO, Lúcia Marques. Organização e funções do Centro de Documentação Pedagógi-ca da França. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 24, n. 61, p. 154-169, jan./mar. 1956.

PINHO, Péricles Madureira de. Editorial. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio deJaneiro, v. 49, n. 109, p. 5-7, jan./mar. 1968.

_______. Ato Institucional e competência do Conselho. Revista Brasileira de Estudos Peda-gógicos, Rio de Janeiro, v. 41, n. 94, p. 237-238, abr./jun. 1964b.

_______. Editorial: Antes do dicionário brasileiro de educação. Revista Brasileira de Estu-dos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 42, n. 95, p. 5-7, set./dez. 1964a.

REESTRUTURAÇÃO das universidades federais [Decreto-Lei nº 53, de 18 de novembrode 1966; Decreto-Lei nº 252, de 28 de fevereiro de 1967]. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro, v. 47, n. 106, p. 313-317, abr./jun. 1967.

RENAULT, Abgar. Cultura e universidade. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Riode Janeiro, v. 42, n. 95, p. 48-59, set./dez. 1964.

ROSAS, Paulo. A Psicologia na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasi-leira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 314-336, maio./ago. 1984.

SAAVEDRA, Silvia Maria Galiac. Passos e descompassos de uma instituição de pesquisaeducacional no Brasil: a realidade do Inep. Brasília, 1988. 279 f. Dissertação (Mestrado emEducação) – Universidade de Brasília.

SAVIANI, Dermeval. A filosofia da educação no Brasil e sua veiculação pela Revista Brasi-leira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, n. 150, p.273-290, jun./ago. 1984.

SGUISSARDI, Valdemar; SILVA JR., João dos Reis. A produção intelectual sobre educaçãosuperior na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP). Revista Brasileira de Estu-dos Pedagógicos, Brasília, v. 79, n. 193, p. 95-112, set./dez. 1998.

SUCUPIRA, Newton. Editorial: Institutos Universitários e a Pesquisa Científica. RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 40, n. 91, p. 3-5, jul./set. 1963.

_______. A reestruturação das Universidades Federais. Revista Brasileira de Estudos Peda-gógicos, Rio de Janeiro, v. 50, n. 111, p. 83-95, jul./set. 1968.

TEIXEIRA, Anísio. Discurso de Posse do Prof. Anísio Teixeira no Instituto Nacional deEstudos Pedagógicos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 17, n.46, p. 69-79, abr./jun. 1952.

_______. A administração pública brasileira e a educação. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro, v. 24, n. 61, p. 3-23, jan./mar. 1956.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 224: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

224

TEIXEIRA, Anísio. Editorial: Revolução e educação. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro, v. 39, n. 90, p. 3-7, abr./jun. 1963.

_______. A universidade de ontem e de hoje. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,Rio de Janeiro, v. 42, n. 95, p. 27-47, set./dez. 1964.

TOLLE, Paulo Ernesto. Exame e redefinição do conceito de cátedra no ensino superior.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 41, n. 94, p. 164-188, abr./jun.1964.

VIDAL, Diana Gonçalves; CAMARGO, Marilena Jorge Guedes de. A imprensa periódica ea pesquisa histórica: estudos sobre o Boletim de Educação Pública e a Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 73, n. 175, p.407-430, set./dez. 1992.

XAVIER, Libânia Nacif. Regionalização da pesquisa e inovação pedagógica: os Centros dePesquisas Educacionais do Inep (1950-1960). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,Brasília, v. 80, n. 194, p. 81-92, jan./abr. 1999.

José Carlos Rothen, doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba(Unimep), é professor do curso de mestrado do Centro Universitário do Triângulo.

Abstract

This paper presents the history of Inep (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos),from the year of its foundation (1938) to 2002. The articles published by the Revista Brasi-leira de Estudos Pedagógicos are the main sources of analysis. The article discusses thepolitical alliances, made from 1938 to 1971, that allowed Inep to be installed and consolidatedas a state institution used by a group called escolanovistas to employ their intellectualleadership in the elaboration and implementation of educational policies. It also discussesthe hypothesis that the periods of crises and uncertainty lived by the Journal (RBEP) coin-cide with the moments of crises and uncertainty lived by Inep itself, and from 1980 on,RBEP is gradually discharged as an instrument of leadership by Inep.

Key words: Inep, RBEP, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, documentation

Recebido em 21 de junho de 2004.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 189-224, jan./abr. 2005.

Page 225: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

225

Breve bibliografia sobre a RBEP

ALVARENGA, Lídia. Contribuições para os estudos sobre a pesquisa educacional no Brasil:análise bibliométrica de artigos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (1944-1974).Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 81, n. 198, p. 244-272, maio/ago. 2000.

Analisa, na perspectiva da Ciência da Informação, 206 artigos da Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos (RBEP), selecionados do universo de cerca de 2.224, publicados de1944 a 1974. Os critérios de seleção foram norteados por princípios da arqueologia dosaber, de Michel Foucault. A partir das categorias empíricas “produtividade de artigos”,“temáticas relevantes” e “produtividades de autores”, consideram-se as fases de governosbrasileiros: Estado Novo, Dutra, Vargas, Kubitschek, Jânio-Goulart e governos militares.Os resultados podem se constituir em subsídios para uma descrição do processo deinstitucionalização da pesquisa educacional no Brasil, como um campo disciplinar, e apon-tam para outra vertente de estudo que identifica sistemas de exclusão no processo deprodução da literatura periódica.

BRAGANÇA, Inês Ferreira de Souza. Algumas imagens sobre docência e formação nadécada de 60: revisitando a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Brasília, v. 82, n. 200/201/202, p. 7-14, jan./dez. 2001.

Busca concepções sobre docência e formação em artigos publicados pela Revista Brasi-leira de Estudos Pedagógicos (RBEP) na década de 60, com a perspectiva de capturar algunslampejos do passado, de momentos de perigo, densos de contradições e de possibilidadespara a educação brasileira. Para tanto, primeiramente, mergulha no estudo de artigos quetratam das referidas questões, para, em um segundo momento, analisar as relações daproblemática tal como foi posta naquele contexto e como se apresenta nos desafios atuais.

BUFFA, Ester. Os conflitos ideológicos ocorridos durante a tramitação da Lei de Diretrizese Bases e a participação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 301-313, maio/ago. 1984.

No Brasil, a luta pelo ensino público assumiu formas diversas na história e subsisteainda hoje, por isso, focalizam-se os conflitos ideológicos ocorridos durante a tramitação

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 225-229, jan./abr. 2005.

Page 226: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

226

da LDB (Lei nº 4.024/61), que opunham defensores do ensino privado aos do ensinopúblico, com destaque para a atuação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Nosdias atuais, a questão se coloca em termos de defender o ensino superior público dasdiferentes tentativas emanadas do MEC de privatizá-lo. Mais do que isso, é preciso que oEstado, tomado na acepção de conjunto das forças sociais, assuma de vez, seja via ensino“público”, seja via ensino “privado”, a tarefa de educar as novas gerações.

CASTRO. Amélia Domingues de. A didática na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 291-300, maio/ago.1984.

Entendendo que os textos publicados pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicosconstituem amostra significativa da experiência didática brasileira, procurou-se investigaralguns aspectos de sua evolução, como, por exemplo, orientações teóricas e práticas eespaço atribuído aos diferentes problemas do ensino. As três etapas do período conside-rado, entre as quais se intercalam as Leis de Diretrizes e Bases de 1961 e 1971, revelamdiferenças quanto aos aspectos pesquisados.

DANTAS, Andréa Maria Lopes. A gestão Lourenço Filho no Instituto Nacional de Estu-dos Pedagógicos e a organização da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos: o impressocomo dispositivo de assessoria técnica. Educação em Foco [UFJF], Juiz de Fora, v. 7, n. 2,p. 153-172, set.2002/fev.2003.

Analisa, a partir da concepção do “impresso como dispositivo de assessoria técni-ca” o protocolo de constituição da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, no ano de1944. O período admitido para a análise compreende os anos de 1938 a 1945 e agregam-se ao estudo duas publicações editadas pelo Instituto no período que antecedeu a divul-gação da Revista – os Subsídios para a História da Educação Brasileira e a série Boletim– além de documentos de circulação interna do Ministério da Educação e Saúde. Afundamentação teórica parte das formulações de Roger Chartier, Michel de Certeau ePierre Caspard, especialmente no que concerne ao entendimento da função do impressoe de seus usos, formas de distribuição, destinatários visados, a formação de rede desaberes e a determinação de comunidades de leitores. Conclui que a edição da RBEP sófoi possível no momento em que o Inep já havia estabelecido um padrão de leitura,através de outros materiais impressos. Desse modo, a idéia da Revista é construída,desmembrada em outros materiais e reorganizada a partir de materiais previamente testadose postos a circular.

GANDINI, Raquel Pereira Chainho. RBEP (1994-1952): intelectuais, educação e Estado.1990. 411 f. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Estadual de Campinas,Campinas, 1990.

Apresenta as características da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos e a perspectivados intelectuais em relação à função do Estado na educação.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 225-229, jan./abr. 2005.

Page 227: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

227

GIL, Natália de Lacerda. A ameaça do analfabetismo: uma análise do discurso oficial nadécada de 1940. Quaestio: Revista de Estudos de Educação, Sorocaba, v. 5, n. 2, p. 117-127, nov. 2003.

Refere-se a um esforço de identificação dos modos pelos quais a discussão em tornodos índices de analfabetismo revelados pelo recenseamento populacional de 1940 figu-rou nos discursos oficiais sobre educação. A partir da análise dos artigos publicadosentre 1944 e 1952 na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, do Inep, buscou-se osargumentos em torno dos números e as ações sugeridas como adequadas à solução doproblema. Por um lado, nos textos publicados na revista discutia-se a necessidade deproporcionar a aquisição da letra e da escrita aos jovens e adultos e, por outro, indica-vam-se as preocupações em vista da lenta expansão da escola primária. Também sedestacaram no periódico do Inep as considerações acerca da Campanha de Educação deAdultos levada a efeito em 1947.

GIL, Natália de Lacerda. Razão em números: a presença das estatísticas nos discursoseducacionais divulgados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (1944-1952). 2002.172 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo,2002.

Evidencia as relações entre a expansão da “escola de massas” no Brasil e a cres-cente preocupação com o aperfeiçoamento das estatísticas de ensino e ressalta apertinência do estudo dos discursos sobre educação que se utilizavam das estatísticasveiculadas num periódico oficial, em vista da importância atribuída aos levantamen-tos quantitativos por aqueles que decidiam os rumos da educação nacional. Para tanto,procedeu-se à caracterização geral da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos com ointuito de explicitar sua conformação interna e o papel relevante atribuído ao periódi-co no quadro das questões administrativas do ensino. No “Capítulo 1” busca-se apon-tar as relações entre a construção dos modernos Estados nacionais e o aperfeiçoamen-to do aparato estatístico. O Capítulo 2 atém-se à análise da presença dos números naRevista. O Capítulo 3 atenta para a construção argumentativa dos artigos que recorrema dados educacionais oficiais.

ROSAS, Paulo. A Psicologia na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasilei-ra de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 314-336, maio/ago. 1984.

Expõe as principais tendências da Psicologia no Brasil, com ênfase na Psicologiaaplicada (clínica, educacional e do trabalho. Centraliza sua análise em três fases: a) 1920-1939, fase marcada pela implantação da Psicologia no País; b) 1940-1959, quando se deua consolidação da prática psicológica e começou-se a delinear o perfil do profissional dePsicologia; c) 1960-1979, fase caracterizada pelo reconhecimento legal da Psicologia comoprofissão independente e pela instituição da formação acadêmica do psicólogo. Assina-lando o papel exercido pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, na divulgação detemas psicológicos, lança a proposta de que a Revista volte a promover o intercâmbio entrea Psicologia e a Educação.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 225-229, jan./abr. 2005.

Page 228: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

228

ROTHEN, José Carlos. Funcionário intelectual do Estado: um estudo de epistemologiapolítica do Conselho Federal de Educação. 2004. 214 f. Tese (Doutorado em Educação) –Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2004.

Mostra as ações dos membros do Conselho Federal de Educação que influenciaram aefetivação da Reforma Universitária de 1968. A tese é uma tentativa de comprovar asseguintes hipóteses: a implantação da reforma Universitária de 1968 atende às demandasde um contexto; a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos é um instrumento utilizadopelos conselheiros ligados ao Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova ou aos seus signa-tários para exercer a liderança intelectual e moral da Reforma Universitária; estes conse-lheiros dividem-se em dois subgrupos a partir de 1966; e o exercício do poder dosconselheiros em um aparelho de Estado, além de ter forte influência na criação de umarealidade – o sistema universitário brasileiro decorre da reforma universitária de 1968 –consolidando uma concepção da Universidade.

SAVIANI, Dermeval. A Filosofia da Educação no Brasil e sua veiculação pela RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65,n. 150, p. 273-290, maio/ago. 1984.

Testa uma periodização das principais concepções de Filosofia da Educação no Bra-sil, tomando como ponto de referência os artigos veiculados pela Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Na primeira parte aborda-se, à guisa de antecedentes, a Filosofia daEducação no período anterior à fundação da Revista. Na segunda parte reconstitui-se atrajetória dessa disciplina nos últimos 40 anos para, na terceira, verificar se houve ou nãocorrespondência entre a periodização proposta e a evolução da temática veiculada pelaRevista. Em conclusão, faz-se um breve registro do recente desenvolvimento da concepçãodialética de Filosofia da Educação no Brasil.

SGUISSARDI, Valdemar; SILVA JR. João dos Reis. A produção intelectual sobre edu-cação superior na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP): período 1968-1995. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 79, n. 193, p. 95-112, set./dez. 1998.

Estuda a trajetória do tema Educação Superior na Revista Brasileira de Estudos Peda-gógico (RBEP), editada pelo Inep desde 1944. Destaca as diversas fases dessa instituiçãoao mesmo tempo em que discorre sobre as vicissitudes por que passou a política educaci-onal e pedagógica no âmbito do Estado e da sociedade civil no Brasil. O percurso históricopercorrido pela RBEP e pela temática da educação superior em suas páginas é periodizadoem três momentos claramente definidos. No primeiro, enfoca-se o nascimento, a naturezae a consolidação da RBEP (1944-1964). No segundo (1964-1979), a forte presença do Esta-do na definição das políticas educacionais, com destaque para a reforma educacionalorquestrada pelo governo militar-autoritário. No terceiro (1980-1995), a presença marcanteda sociedade civil, quando esta se redemocratizava e quando a produção intelectual tinhaorigem especialmente nos programas de pós-graduação em educação, que à época seconsolidavam.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 225-229, jan./abr. 2005.

Page 229: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

229

VIDAL, Diana Gonçalves; CAMARGO, Marilena Jorge Guedes de. A imprensa periódicaespecializada e a pesquisa histórica: estudos sobre o Boletim de Educação Pública e aRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília,v. 73, n. 175, p. 407-430, set./dez. 1992.

O interesse em se estudar periódicos para a realização de análises históricas reside napossibilidade da leitura de manifestações contemporâneas aos acontecimentos. Na análisedo Boletim de Educação Pública privilegiou-se a sistematização de informações sobre oseu ciclo de vida, situando a revista no seu momento histórico e procurando perceber apublicação dentro das injunções políticas que lhe deram origem. Com respeito à RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, o enfoque incidiu sobre dois movimentos: um, técnicoe burocrático, ligado diretamente ao programa do Inep; e outro, teórico, refletindo as idéi-as dos autores da revista, a observação dos fatos educacionais, exame dos princípios eanálise de questões de aplicação.

XAVIER, Jurema Brasil. A relação entre tecnologias da comunicação e educação naperspectiva da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – 1944/1994. São Paulo, 2002.156 f. : il. + anexos.

Apresenta uma perspectiva histórica das relações, projetos e propostas que ocorreram,na segunda metade do século 20, entre as tecnologias de comunicação e a educação noBrasil, com a finalidade de contribuir para a compreensão de como os educadores e pensa-dores brasileiros viram no decorrer do período, a contribuição dos meios de comunicaçãopara a educação. Para realizar o trabalho foi analisado um veículo de mídia, a Revista Brasi-leira de Estudos Pedagógicos, e os artigos nela editados, buscando compreender as diferentesfalas sobre o tema em um novo contexto econômico, político e social que então se consolidavano país e que podemos definir como o período da modernização do Brasil.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 225-229, jan./abr. 2005.

Page 230: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60
Page 231: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

231

APRESENTAÇÃO

Criada em 1944, a Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos (RBEP) tem periodici-dade quadrimestral. Publica artigos inédi-tos de natureza técnico-científica, resultan-tes de estudos e pesquisas que contribuampara o desenvolvimento do conhecimentoeducacional e que possam oferecer subsí-dios às decisões políticas na área. Seu pú-blico leitor é formado por professores, pes-quisadores e alunos de graduação e pós-graduação, técnicos e gestores da área deeducação.

A RBEP compõe-se das seguintesseções:

“Estudos” – publica artigos inéditos,resultantes de estudos, pesquisas, debatese experiências relacionadas à educação eáreas afins.

“Segunda Edição” – reedita trabalhosrelevantes, que se caracterizem como fun-damentais à compreensão da evoluçãohistórica da educação.

“Avaliação” e “Estatística” – publicamartigos de caráter técnico sobre temas liga-dos às áreas de atuação do Inep, e têm comoobjetivo subsidiar a formulação e o processodecisório das políticas do setor.

“Cibec” – publica informes sobre asbases de dados e atividades do Centro deInformações e Biblioteca em Educação(Cibec). Publica também notas sobre lança-mentos editoriais e resumos das teses rece-bidas pelo Centro, que tratem de temaseducacionais.

Independentemente de seu formato, aRBEP acha-se aberta a sugestões e à indica-ção de trabalhos e contribuições teóricas quefaçam avançar o conhecimento e estimulema reflexão sobre a educação.

NORMAS EDITORIAIS

Os artigos encaminhados à RBEP sãosubmetidos à aprovação de especialistas re-conhecidos nos temas abordados. De acor-do com os pareceres emitidos, o artigo seráprogramado para publicação ou devolvido

ao autor, para reformulação e posteriorenvio, quando será novamente avaliado.

A aceitação do artigo implica automati-camente a cessão dos direitos autoraisrelativos ao trabalho.

A publicação de qualquer matéria estásubordinada à prévia aprovação do Inep eao atendimento das condições especificadasnas Normas para Apresentação de Originais,que se encontram a seguir.

O setor de revisão reserva-se o direitode efetuar alterações nos originais, respeita-dos o estilo e as opiniões dos autores, comvistas a manter a homogeneidade e aqualidade da revista.

Os autores receberão três exemplarespelo trabalho publicado na revista.

As colaborações deverão ser enviadaspara o seguinte endereço:

Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-sas Educacionais (Inep/MEC)

Coordenação-Geral de Linha Editoriale Publicações

Esplanada dos Ministérios, Bloco L,Anexo 1, Sala 418

CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61) 2104-8438 e (61) 2104-8042Fax: (61) [email protected]@inep.gov.br

NORMAS PARA AAPRESENTAÇÃO DE

ORIGINAIS

Com vistas a facilitar o tratamento e adisseminação dos trabalhos enviados parapublicação nos periódicos do Inep, apresen-tamos algumas normas técnicas para oestabelecimento de padrões de estilo eapresentação dos textos.

Meios

Os originais deverão ser encaminhadosem papel formato A-4 (3 cópias) e emdisquete ou CD, ou ainda mediante correio

RBEPRBEPRBEPRBEPRBEPInstruções aoscolaboradores

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 231-233, jan./abr. 2005.

Page 232: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

232

eletrônico, em arquivo formato Word,digitados em espaço 2, com extensão máxi-ma de 40 laudas (de 1.400 caracteres, comespaço, cada lauda).

As ilustrações deverão ser limitadas àcompreensão do texto e poderão ser envia-das em papel, desde que possuam nitidez,ou em meio magnético com, no mínimo,200 dpi de resolução (não serão aceitas có-pias xerox ou fax). Somente serão aceitosgráficos, quadros e tabelas (de preferência,em Excel), desenhos e mapas, se emcondições de fácil reprodução.

Título

O título do artigo deve ser breve, espe-cífico e descritivo, contendo as palavrasrepresentativas do seu conteúdo.

Resumos

Os artigos enviados para a RBEP deve-rão ser acompanhados, obrigatoriamente, deresumos em português e inglês, com 10linhas no máximo.

Palavras-chave

Os artigos enviados à RBEP devemconter palavras-chave, referentes ao seuconteúdo, escolhidas em vocabulário livreou controlado.

Citações

As citações devem ser acompanhadaspor uma chamada para o autor, com o anoe o número da página. A referência biblio-gráfica da fonte da citação virá em lista úni-ca ao final do artigo. A exatidão e a adequa-ção das citações e referências a trabalhosconsultados e mencionados no texto são deresponsabilidade do autor.

Notas

As notas de rodapé devem ser evita-das. Quando necessárias, que tenham a fi-nalidade de: indicações bibliográficas; ob-servações complementares; realizar remis-sões internas e externas; introduzir umacitação de reforço e fornecer a tradução de

um texto. As indicações das fontes deverãoser feitas nos textos.

Referências bibliográficas

As referências bibliográficas devemconstituir uma lista única no final do arti-go, em ordem alfabética por sobrenome deautor; devem ser completas e elaboradas deacordo com as normas da Associação Brasi-leira de Normas Técnicas (ABNT) – NBR6.023.

• Monografias: autor; título em itálico;edição; imprenta (local, editor e ano de pu-blicação); descrição física (número de pági-nas ou volumes); série ou coleção. Exemplo:

FLORIANI, José Valdir. Professor e pes-quisador : exemplificação apoiada naMatemática. 2 ed. Blumenau: Furb,2000. 142 p. (Programa Publicações deApoio à Formação Inicial e Continuadade Professores).

• Artigos em periódicos: autor; título;nome do periódico em itálico; local ondefoi publicado; nº do volume; nº do fascícu-lo; páginas inicial e final do artigo; mês; ano.Exemplo:

GOROVITZ, Matheus. Da educação dojuízo de gosto. Revista Brasileira de Es-tudos Pedagógicos, Brasília, v. 79, n. 193,p. 86-94.

Ilustrações

As ilustrações devem vir acompanha-das das fontes e de título que permita com-preender o significado dos dados reunidos.Quadros, tabelas e gráficos devem obedeceràs normas de apresentação tabular do IBGE.

Siglas

As siglas devem vir acompanhadas donome por extenso.

Destaques

O uso de negrito deve ficar restrito aostítulos e intertítulos; o de itálico, apenas paradestacar conceitos ou grifar palavras emlíngua estrangeira.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 231-233, jan./abr. 2005.

Page 233: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60

233

Reedição

Textos para reedição deverão ser apre-sentados na forma originalmente pu-blicada, de modo a assegurar a indicaçãoda fonte primitiva. No caso de tradução,anexar cópia da folha de rosto da publicaçãooriginal.

Currículo

Devem constar do trabalho informaçõesquanto à titulação acadêmica do autor e res-pectiva instituição; atividades que desem-penha; instituição a que está vinculado;endereços residencial, profissional eeletrônico completos.

Somente serão aceitos os trabalhos que preencherem as condições acima.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 231-233, jan./abr. 2005.

Page 234: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - Edição Especial 60