Revista Da Cultura. Artistas Das Palavras

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EDIÇÃO 25 • agOstO DE 2009 • UMa PUBLICaÇÃO Da LIVRaRIa CULtURa CONHEÇA TÉCNICAS, HISTÓRIAS E PONTOS DE VISTA DE TRADUTORES BRASILEIROS RESPONSÁVEIS POR VERTER OBRAS ESTRANGEIRAS PARA O PORTUGUÊS NOUVELLE VAGUE ZUBIN MEHTA ANDRÉ DIAMANT ATIQ RAHIMI OSCAR QUIROGA RAUL SEIXAS JAIR RODRIGUES WOODSTOCK ZÉ DO CAIXÃO G.I. JOE ARTISTAS DAS PALAVRAS

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Revista Da Cultura. Artistas Das Palavras

Transcript of Revista Da Cultura. Artistas Das Palavras

  • E D I O 2 5 a g O s t O D E 2 0 0 9 U M a P U B L I C a O D a L I V R a R I a C U L t U R a

    Conhea tCniCas, histrias e pontos de vista

    de tradutores brasileiros responsveis por

    verter obras estrangeiras para o portugus

    nouvelle vague

    zubin mehta

    andr diamant

    atiq rahimi

    oscar quiroga

    raul seixas

    jair rodrigues

    woodstock

    z do caixo

    g.i. joe

    artistasdas palavras

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  • Apoio institucionalGesto cultural

    TEATRO CRISANTEMPO Rua Fidalga, 521 / tel. 3819 2287Ingressos venda na bilheteria com 1 hora de antecedncia

    Classificao etria 16 anos

    quintas, sextas e sbados 20h30 / domingos 19h00

    ESTREIA 20 DE AGOSTO

    DRAMATURGIA Ana Cristina Colla e Tadashi Endo DIREO Tadashi Endo

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    com Ana Cristina Collaum espetculo Lume Teatro

    APRESENTA

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  • carta ao leitor

    ou ter de falar mais uma vez do elogio feito pelo brilhante Jos Saramago Livraria Cul-tura, mais precisamente loja do Conjunto Nacional, em So Paulo. Eles nos visitou no ano passado e nunca vou esquecer de seu sem-blante dizendo: Isto uma catedral!. No dia seguinte, mais uma notcia inesquecvel: Sa-ramago escreve um texto sobre a Cultura em seu blog (caderno.josesaramago.org). E, no dia 21 de julho, mais uma surpresa: estou na loja dando uma volta, como sempre fao, quando recebo do meu filho Fabio o novo livro do Sa-ramago, chamado O caderno. Ele ento abre

    na pgina 124 e l est o lindo texto do blog, eternizado. Duas pginas para a frente, leio outra meno Cultura, desta vez em uma comparao entre os mercados livreiros do Brasil e de Portugal. Vocs podem imaginar o que para um livreiro com mais de 40 anos de experincia receber um livro de Saramago com elogios ao seu negcio? Se sim, senti mais ou menos o dobro do que voc pensou. Estou emocionado at agora! E, falando em emoo, estou ansioso para assistir mais uma vez ao Zubin Mehta. Como parte da progra-mao do Cultura Artstica, o maestro se apresenta em So Paulo em agosto com a Filar-mnica de Israel. A entrevista principal desta edio da Revista da Cultura com ele, que aceitou conversar com o reprter Irineu Franco Perpetuo pelo telefone. A maneira como a entrevista foi feita, alis, foi engraada. No horrio marcado, o reprter estava a postos em uma das salas da Livraria Cultura, com um telefone fixo conectado a um gravador sua disposio, mas a secretria de Zubin Mehta desmarcou. Ela anotou o nmero do celular do Irineu, prometendo ligar de volta, o que ningum acreditou que aconteceria. Pois , mas aconteceu. Irineu estava indo para casa, andando na rua em direo ao metr quando seu celular tocou. Era a secretria, perguntando se ele poderia conversar com Zubin Mehta. Ele parou ento no primeiro caf avistado e anotou as respostas em um pedao qualquer de papel (como todo bom jornalista). A conversa foi rpida, claro, mas rendeu timas linhas, como possvel conferir na pgina 14. Do clssico ao pop, a Revista traz ainda os 40 anos da Woodstock, um perfil do Raul Seixas, cujo nome virou gria para msica boa (todo mundo j ouviu ou at gritou uma vez na vida Toca Raul!!), uma reportagem sobre os 50 anos da Nouvelle Vague, entre outros textos interessantes. Boa leitura! Pedro Herz

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    Apoio institucionalGesto cultural

    TEATRO CRISANTEMPO Rua Fidalga, 521 / tel. 3819 2287Ingressos venda na bilheteria com 1 hora de antecedncia

    Classificao etria 16 anos

    quintas, sextas e sbados 20h30 / domingos 19h00

    ESTREIA 20 DE AGOSTO

    DRAMATURGIA Ana Cristina Colla e Tadashi Endo DIREO Tadashi Endo

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    com Ana Cristina Collaum espetculo Lume Teatro

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  • REVISTA DA CULTURA uma publicao mensal da Livraria Cultura S.A. Diretor- geral: Pedro Herz Diretora de redao: Thas Arruda Editor-chefe: Srgio Miguez Editor: Ruy Barata Neto Assistente de redao: Andr Sollitto Estagirio: Pedro dos Santos Diretora de arte: Carol Grespan Revisores: Mirian Paglia Costa e Julian Guilherme Colaboradores: Cludio Gil, Denise Mirs, Eduardo de Oliveira, Helder Ta-vares, Irineu Franco Perpetuo, Kelly de Souza, Luiz Rebinski Junior, Mariane Morisawa e Tatiana Bonum. Agrade- cimentos: A Recreativa, Camila Azenha, Cezar Bergantini, Jair Rodrigues, Jos Mojica Marins, Oscar Quiroga e Talita Correa de Oliveira Melo Produtoragrfica: Elaine Beluco Projeto grfico:SAX Editorial Pr-impresso e impresso: Pancrom Tiragem: 25 milexemplares Publicidade: Camila Dias ([email protected]) Jornalista responsvel: Thas Arruda(MTB 27.838). Todos os direitos reser-vados. Proibida a reproduo sem au-torizao prvia e escrita. O contedo dos anncios de responsabilidade dos respectivos anunciantes. Todas as informaes e opinies so de respon-sabilidade dos respectivos autores, no refletindo necessariamente a opinio da Livraria Cultura. Preos sujeitos a altera-o sem prvio aviso. Os preos pro-mocionais para associados do + Cultura so vlidos no perodo de 6/08 a 3/09.Contato:[email protected]

    NOSSA CAPA: ilustrao de Cludio Gil

    c u l t u r a n d o

    08 GRANDE MESTRE DO XADREZ:Andr Diamant o oitavo brasileiro aconquistar o mais alto ttulo do esporte

    09 CINEMA: Estreia do filme G.I. Joe retoma a febre de bonecos colecionveis

    10 LITERATURA: O escritor afego Atiq Rahimi fala do poder libertador da narrativa de fico

    11 LIvROS: Oscar Quiroga resolve estudar neuropsicologia e revela os ttulos fundamentais de astrologia

    12 CDS: Jair Rodrigues indica bons ttulos ao gravar novo show para DVD e CD em So Paulo 13 DvDS: Z do Caixo tira o flego de todos ao recomendar os melhores filmes de terror que j assistiu

    38 10 +:Grfico acompanha o ranking dos livrosmais vendidos de fico em portugus

    39 LER PARA SER: O comentrio de clientes da Livraria Cultura no Recife sobre suas compras

    40 AGENDA:Os destaques da programao de eventos das lojas da Cultura para o ms de agosto

    58 PASSATEMPO

    14 ENTREvISTA: Zubin Mehta comenta a impossibilidade de tocar Wagner em Israel e lembra de Eleazar

    18 A BELEZA NO TEMPO:O conceito do que belo se transformae hoje est ligado a questes de sade

    22 ROMANCE BRASILEIRA: O gnero agrada o pblico no pas e pode ser a salvao da indstria cinematogrfica

    24 CINEMA, MON AMOUR: A cinquentona Nouvelle Vague continua a ser vanguarda na era das cmeras digitais 26 O SONHO NO ACABOU: Em agosto de 1969, o festival de Woodstockmostrava para o mundo o poder paz & amor

    30 CAPA:As artimanhas das tradues que agregam ou no valor s obras da literatura universal

    34 ARTIGO: Cezar Bergantinipasseia pela fantstica criatividade de Balzac,explicando como ele seria uma holding hoje

    36 PERFIL: Raul Seixase sua msica continuam brilhando, mesmo20 anos aps a morte do Maluco Beleza

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    Esquea o elemento sorte. As-sim como no tabuleiro, a bem-sucedida carreira do enxadrista Andr Diamant resultado de estrat-gia, ttica e inteligncia. Aos 19 anos, o jovem deu um xeque-mate nas dificul-dades e passa a compor o seletssimo grupo de esportistas com o ttulo de Grande Mestre Internacional (GM), da Federao Internacional de Xa-drez (Fide), faanha conquistada por somente outros sete brasileiros. Ven-cedor de importantes campeonatos, como o Paulista, o Pan-Americano e o Brasileiro Absoluto de Xadrez, diz que no para por a: quer estar no topo com os melhores do mundo. Para isso, disposio e pacincia so peas fun-damentais. Entre inmeras viagens, treino, faculdade, ele divide seu tempo com os preparativos para o breve ca-samento e o pequeno Isaac, o filho de oito meses. Em algum momento da vida, achei que era louco, porque ma-tematicamente no dava para conci-liar. Agora, levo a coisa numa boa e no fundo todo mundo louco, cada um com a sua prpria loucura, brinca. De ascendncia judaica, Diamant disputa suas partidas usando o quip, mas, no dia a dia, afirma que no dispensa o bon. Gosto de usar em respeito minha religio, mas as pessoas dizem que d sorte, descontrai.

    E no foi s o vesturio caracterstico que teve papel fundamental em seu sucesso. Depois de aprender os primeiros movimentos do tabuleiro com a irm e o pai e de receber aulas particulares, aos 8 foi treinar no clube A Hebraca, de So Paulo, que o assiste em sua carreira. Aos 11, recebeu o patrocnio da entidade para um estgio em So Petersburgo, na academia de Alexander Khalifman, um dos melhores enxadristas do

    mundo. A ida para Rssia deu um sal-to em qualidade que o diferenciou de sua gerao, ele passou a ter um de-sempenho muito superior. Apostar em um talento sempre uma incgnita, porque a gente nunca sabe se vai che-gar l. O Andr realizou muito mais rpido tudo o que poderamos desejar, comemora Jos Luiz Goldfarb, ento, diretor cultural do clube e padrinho do enxadrista no esporte. Nem sempre as coisas foram fceis. Filho de pais sepa-rados, Andr Diamant foi morar com o pai em Jericoacoara, praia do litoral do Cear, o que o afastou do xadrez dos 13 aos 15 anos. Cheguei a pensar que ia parar, estava na vida boa, na praia. Mas, com 16 anos, voltei para So Pau-lo com o incentivo do Z Luiz, conta. Um ano depois, j era Mestre Inter-nacional. Outro grande desafio foi en-frentar a falta de incentivo que o jogo recebe no Brasil. Tenho vontade de fazer algo pelo xadrez brasileiro em co-munidades carentes e levar o esporte a

    crianas que no tm normalmente essa oportunidade, explica. Z Luiz Goldfarb endossa a opinio do enxadrista e diz que para formar um campeo, alm do prprio talento, preciso financiamento e estrutura social. O xadrez um desafio inteligncia humana, talvez o mais abstrato, refinado em termos de lgica e racioc-nio, alm de instrumento eficiente para melhorar a educao, garante.

    Apostando nisso, a Livraria Cultura de Porto Alegre organizou o Cul-tura Open de Xadrez, com o apoio da Federao Gacha de Xadrez e do Internet Xadrez Clube. A segunda edio do evento, realizada em junho deste ano, foi um sucesso e contou com a participao de 60 jogadores. A prxima edio est prevista para acontecer no incio de 2010. c

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    Grande mestre do xadrezAos 19 anos, o brasileiro Andr Diamant supera dificuldades e conquista o mais importante ttulo internacional do esporte

    Andr Diamant: Em algum momento da vida, achei que era louco

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  • P o r j u n i o r b e l l cinema

    Cada lanamento cinematogrfico, cada s-rie televisiva que faz sua estreia e cada HQ que chega s bancas logo gera miniaturas, figuras de ao colecionveis que fazem a cabea de garotos, tenham eles 8 ou 80 anos. Mas esse mercado s existe graas a quatro bravos soldados, representando as divises militares americanas, que desbravaram um ramo completamente novo de diverses e agora voltam s lojas brasileiras com o lanamento do filme G.I. Joe: A origem de Cobra.

    Stan Weston, um designer de brinquedos, de-cidiu aproveitar o sucesso obtido com as bonecas Barbie e criou uma linha de bonecos voltada para os meninos. O ento diretor da Hasbro, Don Levi-ne, aprovou a ideia e, em fevereiro de 1964, chega-va s lojas as figuras de 30 centmetros, os G.I. Joe.

    Com o passar dos anos, novas verses dos sol-dados foram criadas: de negros a no americanos,

    de enfermeiras a lutadores de kung fu, passando por personalidades

    como George S. Patton e Dwight Eisenhower. As

    sucessivas linhas de bonecos acabaram populari-zando o termo action figure, ou figura de ao.

    Em 1982, a Hasbro lanou uma linha de bonecos em menor escala: 10 centmetros. O tema militar continuou, mas agora a premis-sa era um combate entre as foras do bem, os Joes, e os inimigos, os Cobras.

    No Brasil, a antiga Estrela comercializou diver-sas linhas de bonecos: os bonecos maiores, chama-dos de Falcon, chegaram em 1978, e os pequenos G.I. Joes, batizados como Comandos em Ao, em 1984. Depois que a empresa suspendeu a produ-o, os Joes s voltaram ao pas em 2002, importa-dos pela Gulliver, que cancelou a importao um ano depois, devido s vendas baixas.

    De qualquer maneira, os soldadinhos foram colecionados por jovens em sua infncia, que le-varam o hobby para a vida adulta. o caso de Ederson Pegoraro, colecionador cujo acervo de miniaturas chega a 1.400 peas, editor do blog Sala de Justia-Br e redator responsvel pela ses-so sobre action figures da revista Mundo dos Su-

    per-Heris, da editora Europa. Ele comeou sua coleo com as figuras da Estrela, continuou com as da Gulliver e agora compra a srie comemo-rativa de 25 anos (lanada em 2007 nos EUA e s agora trazida ao Brasil pela Hasbro): Preten-do comprar tambm algumas figuras do filme.

    Csar Augusto outro colecionador que pou-pava a mesada dada pelos pais para comprar os pequenos militares. Hoje, sua coleo inclui 125 itens, entre figuras e veculos: Nunca me interes-sei em colecionar outros bonecos, apenas os Joes.

    O filme chega s telonas de todo o mun-do no dia 7 de agosto. Com direo de Ste-phen Sommers, esse o quarto longa baseado na linha de brinquedos, mas o primeiro a ser lanado nos cinemas.

    As expectativas sobre o filme so altas: En-caro o filme como diverso e acredito que ser uma boa histria de fico-cientfica, afirma Ederson. Sem dvida, um grande filme, mui-to esperado, e que conta com bons efeitos espe-ciais, atores e diretor, completa Csar. c

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    A estreia de G.I. Joe no cinema traz de volta ao Brasil a febre dos bonecos colecionveis surgidos nos anos 1960

    De volta ao!

    Cena do longa-metragem, com estreia prevista para o dia 7; frente, o eterno boneco Falcon em duas verses

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    literatura P o r s r g i o m i g u e z

    Atiq Rahimi, 47 anos, nasceu em Cabul, Afeganisto, filho de uma famlia ociden-talizada e liberal. Seu pai era monarquista, governador de uma provncia, e a me, professora (ambos moram atualmente nos EUA). Mas a boa condio social no suportou os mais de 40 anos de guerra e luta pelo poder no pas: o pai foi preso depois de um golpe de estado, o irmo comunista foi assassinado durante a invaso sovitica e ele, anarquista, fugiu a p, andando por nove dias e nove noites at a fronteira com o Paquisto, onde pediu asilo poltico na embaixada francesa. Ele conta rindo, apesar de os olhos transmitirem uma intensa tristeza, que sempre foi um bom menino e sua sorte foi ter frequentado uma escola franco-afeg. Em 2004 Rahimi apresentou no Festival de Cinema de Cannes a adaptao de seu livro Terra e cinzas e ganhou o prmio Regard dAvenir. Seu primeiro romance em francs os outros surgi-ram em persa e s depois foram traduzidos Syngu sabour Pedra-de-pacincia, que levou o

    Goncourt em 2008, a mais importante honraria liter-ria da Frana. O autor este-ve na 7 edio da Flip (Fes-ta Literria Internacional de Paraty), em julho, de onde falou sobre sua trajetria.

    Voc voltou a viver no Afeganisto? Voltei nos anos da ocupao sovitica, sem nunca parar de escrever, mas censuravam meus textos e a cidade havia sido destruda. Em 1984, sa clandestinamen-te e pedi asilo poltico. Em Paris, parei de escre-ver um perodo e passei a me dedicar ao cinema.

    Foi possvel esquecer seu pas natal? At o gol-pe do Taleban, em 1996, mantive distncia. Com esses fanticos no poder e a falta de ateno do mundo, voltei a me preocupar e me perguntava: O que se passa neste pas que sai de uma guerra e entra em outra? Conclu, ento, algo importante

    sobre o luto. O povo afego no soube fazer o luto aps a sada do exrcito sovitico, e, quando isso acontece, a gente se lana em vingana. funda-mental que uma nao viva o luto depois de uma guerra. A falta disso nos levou guerra civil e, pela posio geopoltica, vieram os Estados Uni-dos e criaram o monstro do Taleban. Eles deram armas milcia e incentivaram a violncia. Tudo isso me empurrou para o tema do luto, que est no livro Terra e cinzas. A palavra escrita, a lngua, manteve minha ligao com o lugar onde nasci.

    Voc esteve em Cabul depois da queda do Taleban? Estive em 2002 para fazer um docu-mentrio e encontrei as runas do que foi mi-nha casa. No podia acreditar em tanta misria, no medo e no dio nos rostos das pessoas. Era preciso retomar o sonho e alguma esperana e, por isso, escrevi meu ltimo livro em persa [publicado em francs sob o ttulo Le retour imaginaire (O retorno imaginrio).

    Fale um pouco sobre Pedra-de-pacincia. Este livro tem como mote uma fbula do ima-ginrio popular afego que diz que, quando uma pessoa encontra a pedra-de-pacincia, ela pode depositar nesta pedra todos seus males, angstias, segredos... A pedra escuta e absorve os sentimentos ruins da pessoa at o momento em que explode e a a liberta de suas culpas. O livro uma homenagem poeta afeg Nadia Anjuman, assassinada por seu marido com o aval de sua me, que a achava liberal demais.

    Como foi esse assassinato? Nadia organizava um festival de literatura em Herat, para o qual eu ha-via sido convidado. Alguns dias antes de embar-car, recebi a notcia de sua morte. Viajei mesmo assim e consegui ver seu marido assassino, que estava em coma porque havia tentado se ma-tar na priso, injetando gasolina na veia. uma histria de cl, da qual, por segurana, preciso manter certa distncia. Isso tudo no tem nada a ver com o livro, que uma fico de narrativa libertadora, como a pedra-de-pacincia.

    De Cabul a ParisO afego Atiq Rahimi transforma feridas de guerra em arte;novo livro retoma sonhos e esperanas de um povo em runas

    Atiq Rahimi fugiua p de Cabul,andando nove diase nove noites ato Paquisto, ondepediu asilo naembaixada francesa

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  • literaturaliteraturalivros

    No incomum que situaes inusitadas aconteam em nossas vidas. Uma de-las acordar pensando em algum que no v h anos e, no decorrer desse dia, a pessoa misteriosamente surgir sua frente. No pense em coincidncias. E sim que seu crebro est co-nectado com o crebro da outra pessoa. o que garante Oscar Quiroga, que h tempos tirou o estudo da astrologia do lugar-comum. Para ele, os crebros funcionam em rede e os neurnios no fazem sinapse apenas intracorporeamente, mas tambm com outros crebros. Isso j sab-amos do ponto de vista astrolgico e holstico. Meu desafio tentar provar neurologicamente.

    Psiclogo por formao, Quiroga se tornou o mais importante astrlogo no Brasil, e deve dedicar a prxima dcada ao estudo da neurop-sicologia e da neurologia. O sistema nervoso de uma perfeio abissal, e de to perfeito h mais perguntas sobre seu funcionamento do que respostas. Esse impacto que a neurocincia tem tido sobre todos os outros conhecimentos humanos impressionante. E isso me estimulou a retornar s origens. Foi em 1975, em Buenos

    Aires, que o astrlogo ingressou na faculdade de medicina, mas teve que abandonar trs anos mais tarde quando deixou a Argentina, em-purrado pela ditadura militar. Estudando atu-almente neuropsicologia na USP, Quiroga no se intimida com o ceticismo cientfico e diz que se sente mais confortvel com os cticos do que com os msticos. Uma dose de ceticismo mais saudvel do que uma dose de misticismo. Ao invs de iniciar um determinado conhecimento acreditando em tudo, comea-se questionando e desacreditando, para depois acreditar pela prova. Seno, vira tudo um angu csmico.

    Outro desafio driblar a banalizao da astrologia. No Brasil, um passo importante foi dado com a criao da Central Nacional de Astrologia (www.cnastrologia.org.br), movi-mento dedicado a trocar experincias. No fao parte, porque sou um libertrio por natu-reza, mas contribuo, porque acho importante haver essa comunicao entre os astrlogos, explica. Enquanto investe numa nova rea do conhecimento, Quiroga aponta os clssicos que o acompanham na astrologia.

    OS RAIOSE AS INICIAES, Alice A. BaileyEsse livro coloca a astrologia dentro de uma srie de outros conhecimentos. Faz 30 anos que tento decifrar os livros dela. E olha que deglutir apenas um pargrafo leva meses.

    THE ART OF SYNTHESIS, Alan Leo fundamental para quem quer entender um pouco de astrologia por uma via mais holstica, mas que no deixa de ser prtica. Alan Leo escreveu uns 15 livros, e esse uma obra-prima.

    A MENSAGEM DAS ESTRELAS, Max Heindel e Augusta Foss Este excelente livro est mais relacionado com as ideias de mundo da Ordem Rosa-cruz, focado diretamente em um estudo da astrologia concreta.

    A DOUTRINA SECRETA,Helena Petrovna BlavatskyFoi uma mulher de sabedoria sem igual. Enigmtica, dedicou-se a verter para a literatura a ideia de um universo vivo. A astrologia s pode existir justamente baseada nisso.

    TETRABIBLOS,Ptolomeu Foi o primeiro que tentou fazer uma obra-prima em astrologia. Muitas das coisas escritas j esto ultrapassadas, mas tem que ler para ter ideia do raciocnio astrolgico. um clssico.c

    Oscar Quiroga conta por que decidiu estudar neuropsicologia e aponta os clssicos da astrologia

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    Deixa isso pra l. Vem pra c. O que que tem? Eu no estou fazendo nada. Voc tambm! Os versos do primeiro grande sucesso de Jair Rodrigues, Deixa isso pra l, gravado em 1964, no deixam mentir: os 70 anos de vida e 50 anos de carreira do cantor so ver-dadeira festa. Se o incio o consagrou como precursor do rap, pelo ritmo fankeado da cano, seu novo trabalho, Festa para um rei negro, gravado ao vivo em So Pau-lo, traz verdadeira mistura de estilos do samba ao romntico, do sertanejo s can-es de raiz, com toda a versatilidade de crooner que marcou sua carreira musical.

    No repertrio do CD e DVD, o cantor apresenta clssicos da msica brasileira e grandes sucessos de sua carreira, como Ma-jestade, o sabi, Tristeza, Coisinha do Pai, e outras. Escolha difcil? Que nada! Jair ga-rante que foi o trabalho mais fcil do mun-do. Procurei fazer uma mistureba de tudo o que aconteceu comigo. E, em se tratando de um comemorativo, inclu msicas que j tm consagrao, conta. O desfile pelos

    estilos tambm integra a retrospectiva. Co-mecei cantando na noite, nos bares e boates em que se canta de tudo, todos os ritmos. Quis mostrar ao pblico um pouco dessa histria, de versatilidade, de gravar vrios estilos que eu j fazia nos anos 1950 e 1960.

    O novo trabalho de Jair Rodrigues conta tambm com participaes espe-ciais, como Max de Castro, Chitozinho e Xoror, Simoninha, Rappin Hood, Jorge Arago, Pedro Mariano e os filhos Luciana Mello e Jair Oliveira. Pel divide os micro-fones na msica Cidade grande, escrita pelo Rei do futebol, e gravada pelo cantor, pela primeira vez, em 1981. Esses 50 anos (de carreira) so s alegria. A cada dia, tenho vontade de seguir ainda mais. Enquanto Deus no me levar, estou a e pretendo estar sempre. Minha carreira sempre foi ponti-lhada com muita luta, sucesso, e agora s administrar tudo. O resto s alegria.

    Jair Rodrigues apresenta repertrio seletssimo e convida para a festa de um rei negro

    FAsCINAO O MeLHOR De eLIs ReGINA,elis Regina Adoro as compilaes dos melhores sucessos. Eu e Elis comeamos juntos. Em 1965, gravamos trs LPs ao vivo, Dois na bossa, e em meu show atual fao uma homenagem a ela.

    GRANDes VOZes,Agostinho dos santos Foi uma das minhas maiores influncias musicais. Quando comecei, era o cantor preferido dos frequentadores da noite. Assim como eram tambm Maysa, Silvio Caldas, Elizeth Cardoso, entre outros.

    sUPeR 3,Jamelo Sempre gostei, desde menino. Especialmente do clssico Matriz ou filial. uma influncia no samba. Nessa rea, lancei muita gente, como Martinho da Vila, Originais do Samba e Alcione.

    sIMPLes,Jair OliveiraTenho carinho especial por tudo o que Jairzinho faz, especialmente em seu excelente trabalho de arranjador. um menino com carreira definida e respeitada, um exemplo de trabalho e dignidade.

    NeGALuciana Mello Ouvimos Luciana em meio a duzentas outras cantoras e sabemos que ela. As letras e as melodias so muito bonitas. dedicada e no sofreu influncia de ningum, tem seu prprio trabalho.

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    Oua a entrevista exclusiva com Jair Rodrigues no www.blogdacultura.com.br

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    Com estilo funesto, Z do Caixo ater-rorizou muitos adolescentes ao longo de geraes. A cartola e a capa preta, peas indispensveis de seu traje, combinadas com as longas unhas que cultivou durante d-cadas e o olhar macabro, fazem dele um perso-nagem incomum na histria do cinema nacio-nal. Quem o criou foi Jos Mojica Marins, que dirigiu e encarnou o nefasto coveiro em 1964 no lanamento de meia-noite levarei sua alma. Ainda jovem, Mojica comeou a atuar como diretor na dcada de 1940, rodando fil-mes com baixo custo de produo e exibindo-os em cidades pequenas, o que o tornou um dos precursores do chamado Cinema Marginal.

    Aos 73 anos, Mojica est longe de se apo-sentar. Seu mais novo filme, A encarnao do demnio, de 2008, conta a histria do retorno do coveiro sdico s ruas de So Paulo, aps 40 anos de clausura, em busca da mulher que possa gerar seu filho perfeito. O longa-metragem en-cerra a trilogia iniciada em 1964, passando por Esta noite encarnarei no teu cadver, de 1967. O terror me encanta muito quando ele mexe, no com aquele medo que faz voc pular de sus-to, mas com o que fica na sua mente e que surge,

    de repente, quando voc est sozinho, revela Mojica com seu natural tom de voz assustador.

    A crena de Mojica na previso do povo Maia de que o mundo acabar em 2012 o motivou a escrever o roteiro para uma nova pelcula: Bola de fogo O extermnio final. Estou vendo o mundo caminhar para algo sem volta. Eu, que sempre me prostrei dian-te da mulher, por ach-la o ser mais forte da Terra, estou triste, porque ela est se tornan-do cada vez mais vulgar, diz. Seus projetos incluem uma produo, mesmo que seja um curta-metragem, sobre as mulheres do pas-sado, como Evita Pern e Anita Garibaldi.

    O talk-show que apresenta pontualmente meia-noite de sexta-feira no Canal Brasil, O estranho mundo de Z do Caixo, dirigido por Andr Barcinski, est em sua segunda tempora-da, desvendando o lado obscuro das celebrida-des. De viagem marcada para o Canad, onde receber homenagem em um festival de fantasia sobre terror, os planos de Mojica de voltar para o cinema e gravar dois curtas-metragens um do seu gnero favorito e outro a respeito da feiura tero de esperar. Enquanto isso, ele d a dica dos filmes que mais lhe causaram medo.

    O BEB DE ROSEMARY,Roman Polanski Um dos melhores filmes de terror feitos no mundo. Ningum, nem o prprio Roman Polanski, conseguiu fazer um filme que marcasse tanto sem jogar um fantasma ou um monstro na trama. Eu achei muito legal.

    TORRE DE LONDRES,(no disponvel em DVD)Rowland V. LeeEssa fita tem uma cena que marca a gente para o resto da vida. O garoto enfia a mo atravs de um orifcio e o Boris Karloff pisa na mo da criana. Uma cena que ficou na minha cabea.

    POLTERGEIST,Tobe HooperUm longa-metragem que me marcou, realmente, e que vai ficar para sempre. Acho que foi a fita mais bonita em relao ao efeito de ver os mortos levantarem da sepultura e sarem andando. Um filme fortssimo.

    OS OUTROS,Alejandro AmenbarEste realmente forte. O que mais me surpreendeu e me agradou nele foi o fato de eles estarem, a todo o momento, fugindo dos fantasmas quando, na verdade, eles mesmos que so os fantasmas da histria.

    HANNIBAL A ORIGEM DO MAL, Peter Webers Uma cena cuja sensao vou levar para o tmulo aquela em que matam a menina para comer diante do irmo. Significou algo impressionante para mim aquela menininha to bonitinha sendo usada como alimento.c

    Z do Caixo faz uma pausa na arte de assustar para revelar quais os filmes que mais lhe causam calafrios

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    o CarismtiCo maestro fala de sua empatia Com o Grupo la fura dels baus, do motivo para no toCar

    WaGner em israel e das boas lembranas do brasil

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    Atualmente, o senhor est regendo O Anel do Ni-belungo, de Wagner. Como surgiu a ideia dessa produo? Bem, cheguei a Valncia como convidado de Helga Schmidt, superintendente do Palacio de las Artes Reina Sofa. Como voc sabe, um teatro novo [foi inaugurado em 2005]. Visitei o teatro antes que ele ficasse pronto e propus o Anel, mas com a condio de faz-lo apenas se La Fura aceitasse participar.

    Por que o senhor queria La Fura dels Baus na produ-o? Ah, eu vi um espetculo deles no Festival de Salz- burgo [ustria] e foi amor primeira vista. Era uma montagem de A danao de Fausto, de Berlioz. De vez em quando me acontece isso: ver algum em cena e ime-diatamente querer trabalhar junto. E deu muito certo.

    O senhor acha que algum dia o Anel ser visto em Israel? Bem, vamos comear primeiro com uma aber-tura de Wagner, em concerto, e depois veremos. Um dia isso vai acontecer, mas as restries a Wagner por l so uma coisa humana, que temos que tratar com sensibilidade. Ainda h gente em Israel com nmeros nos braos, que foram tatuados nos campos de con-centrao. Essas pessoas no querem se lembrar de todo aquele terror. Temos que respeit-las.

    O senhor est trazendo ao Brasil sinfonias de Beethoven e poemas sinfnicos de Richard Strauss. Como foi montado o programa da turn? Bem, ti-vemos que ver o que j havamos feito nas outras cinco turns brasileiras, em primeiro lugar. Depois, escolhe-mos obras que soam muito bem com a orquestra. Eu gostaria de ter includo tambm uma pea de um com-positor israelense, mas, infelizmente, no foi possvel.

    O senhor tem alguma lembrana especial das outras vezes em que esteve por aqui? Sempre me lembro dos concertos ao ar livre, no Ibirapuera. Eu adoro essas oca- sies em que as pessoas no tm que pagar, nem se arru-mar; elas simplesmente vo ao parque para nos assistir. Lembro-me de uma vez no Ibirapuera em que chovia, fa-zia frio, e mesmo assim muita gente foi ver a apresentao.

    Como o senhor divide seu tempo em meio a tan-tos compromissos internacionais? Basicamente, eu vou trs vezes ao ano a Israel para passar um ms de cada vez com a Filarmnica. E tambm me desloco duas vezes ao ano para Florena [Itlia], para reger o Maggio Musicale Fiorentino. Neste ano, minha agen-da est um pouco apertada, pois tenho duas turns mundiais com a Filarmnica de Viena.

    O MSICO TEM IDEIAS PRPRIAS,

    qUE PODEM CONFLITAR COM AS DO REgENTE.

    NESSAS HORAS, O MAESTRO TEM qUE

    RESOLVER OS CONFLITOS

    DE MANEIRA DIPLOMTICA

    Neste ms, o Brasil recebe um dos mais cosmopolitas e requisitados regentes da atualidade: Zubin Mehta. frente da Filarmnica de Israel, Mehta faz duas apresentaes na Sala So Paulo, na srie de assinaturas da Sociedade de Cultura Arts-tica, em 10 e 11 de agosto. Haver ainda um concerto beneficente em prol da Congregao Israelita Paulista, no dia 9. Orquestra e regente tambm se exibem em Paulnia (SP), nos dias 8 e 12, e no Rio de Janeiro, no dia 13. Os programas trazem os poemas sinfnicos Don Juan, Ein Heldenleben e Till Eulenspiegel, de Richard Strauss, bem como as sinfonias 6 e 7, de Beethoven.Mehta est to ligado Filarmnica de Israel que muita gente nem sabe que ele, na verdade, no nasceu no Oriente Mdio, e sim em Mumbai ( poca, Bom-baim), na ndia, em 1936. Por coincidncia, no mesmo ano em que a orquestra qual seu nome seria asso-ciado foi fundada, por iniciativa de Bronislaw Huber-man, e ainda com o nome de Orquestra da Palestina.Filho de Mehli Mehta, violinista e regente fundador da Sinfnica de Bombaim, Zubin pretendia estudar medicina, mas acabou se encaminhando para a msi-ca, em Viena. Seu instrumento era o contrabaixo, e h um DVD (Franz Schubert The Trout) no qual ele o empunha com classe e elegncia, tocando o quinteto A truta, de Schubert, ao lado de feras como Daniel Ba-renboim (piano), Itzhak Perlman (violino), Jacqueline Du Pr (violoncelo) e Pinchas Zukerman (viola).Como regente, aps um perodo como assistente na Filarmnica Real de Liverpool e como titular na Sinfnica de Montreal, Mehta comeou a construir renome internacional no perodo em que colocou a Filarmnica de Los Angeles no mapa das grandes orquestras do planeta (1962-1978).Depois disso, foi ainda diretor musical da Filar-mnica de Nova York (1978-1991) e da Bayerische Staatsoper, em Munique (1998-2006). A relao com a Filarmnica de Israel antiga: Mehta foi nomeado, em 1969, Music Advisor (conselheiro musical) e, em 1977, diretor musical da orquestra, cargo que virou vitalcio em 1981.Celebrado por um estilo de regncia caloroso e comunicativo, que privilegia a teatralidade e a opulncia sonora, Zubin Mehta viu sua populari-dade transbordar das fronteiras da msica clssica quando, em 1990 e 1994, regeu os concertos dos Trs Tenores Jos Carreras, Plcido Domingo e Luciano Pavarotti que abriram as copas do mundo de futebol destes anos, e foram televisio-nados para todo o planeta.

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  • Com tantos deslocamentos, existe algum lugar que o senhor considere a sua casa? Minha casa oficial nos Estados Unidos, em Los Angeles, mas no vou muito para l. Fico mais na Europa, onde tenho uma bela residncia em Florena. E, como estou na minha 40 temporada com a Filarmnica de Israel, impos-svel no me sentir em casa por l.

    Qual o senhor avalia ter sido o seu maior feito duran-te todo esse perodo frente da Filarmnica de Israel? A orquestra se tornou mais internacional no repertrio e ganhou a flexibilidade de tocar nos mais diferentes estilos. Hoje, a Filarmnica muda seu temperamento e sonorida-de de acordo com o compositor que est executando.

    Existe algo como uma filosofia ou um mtodo de trabalho de Zubin Mehta? A honestidade para com os desejos do compositor. O compositor meu mes-tre, e a partitura, minha Bblia. Eu comeo o trabalho com a partitura e termino com a msica. E tambm importante o respeito personalidade do msico da orquestra. Ele um livre-pensador e tem ideias pr-prias, que, s vezes, podem conflitar com as do maes-tro. Nessas horas, o regente tem que resolver os confli-tos de maneira diplomtica e democrtica.

    No festival de Tanglewood (EUA), o senhor teve aulas com o maestro brasileiro Eleazar de Carva-lho (1912-1996). Que lembranas tem dele? Eleazar foi meu amigo durante toda a vida. Lembro-me at hoje da ltima vez em que estivemos juntos em um jantar delicioso. Ele era uma pessoa maravilhosa.

    H alguma coisa que o senhor lembre de ter apren-dido com ele? Olha, quando estava em Tanglewood, ns trabalhamos a Sinfonia de cmara, de Schnberg. Ele me deu muitas dicas de tcnica, e nessa partitura especfica, o que ele me ensinou levei para a vida. Mas, para mim, mais do que um mestre, ele era um amigo, ao qual sou muito grato.

    Quais so os seus hbitos de leitura? Leio mais quando estou no avio, viajando, ou ento quando tiro frias ou em feriados prolongados. No geral, no tenho muito tempo para leituras, porque sempre estou estudando repertrio. Veja, por exemplo, uma obra como o Anel do Nibelungo: por mais que voc a te-nha feito, sempre tem que voltar a ela e estudar.

    Quando o senhor arruma tempo para leitura, o que gosta de ler? Histria. Tenho muito interesse por

    saber o que fizeram nossos ancestrais. E, como minha vida tem transcorrido em diversos pases, acabei me interessando pela histria de todos eles.

    Em 2006, o senhor publicou uma autobiografia (Zubin Mehta: A partitura da minha vida: Lem-branas, escrita em parceria com Renate von Ma-tuschka). Como foi esse processo? No foi nada fcil. Primeiro, porque foi em alemo e tive que me-lhorar bastante meu conhecimento do idioma. De-pois, porque sou eu falando. E no fcil se abrir para ningum. Ento, ela [Renate] me provocou.

    O senhor gosta de ouvir gravaes? Ouve as suas ou as de outros maestros? Ah, as minhas eu no ouo, por-que fico muito nervoso. Ouo mais as dos grandes mes-tres do passado: Toscanini, Furtwngler, Celibidache.

    O senhor tem alguma gravao para sair? Bem, quando terminarmos a entrevista, voltarei para a Sinfo-nia n. 5, de Mahler, que gravei ao vivo com a Bayeris-che Staatsoper. Estou no processo de escolher os takes. Ela vai sair pela Farao Classics, uma gravadora especia-lizada em lanar registros de performances ao vivo.

    O senhor prefere as gravaes de performances ao vivo quelas feitas em estdio? gosto mais, sim, porque o resultado mais imediato, mais real e, hoje em dia, economicamente mais vivel, embora tam-bm tenha feito muitas gravaes em estdio. Ago-ra, mesmo quando gravo em estdio, eu nunca fao aquela coisa de gravar pedacinhos da obra para depois ir juntando: oito compassos aqui, depois oito compas-sos ali... No. Mesmo em estdio, eu sempre preferi fazer takes longos, com sentido e unidade.

    Hoje em dia, a gravao de performances ao vivo parece ter se tornado a regra, pelo menos no caso das peras, no? Faz muito tempo que no gravo uma pera em estdio. Todas as ltimas que tenho registrado La Traviata, Tristo e Isolda, Tannhu-ser - tm sido gravaes de performances. E esse Anel, que estamos fazendo em Valncia, tambm est sendo filmado e em qualidade HD.

    O que cultura para o senhor? Cultura o lao mais forte a unir as pessoas. Assim como a cincia. o caminho que leva de uma gerao outra. Por isso, os governos tm que apoiar tanto a cultura quanto a cincia. Sem a cultura, nos viveramos no deserto. Temos que apoiar a cultura, pois temos que cuidar do futuro de nossos netos.

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    ME DEU MUITAS DICAS DE TCNICA E, NA SINFONIA DE CMARA,

    O qUE ME ENSINOU

    LEVEI PARA A VIDA. MAIS

    DO qUE UM MESTRE,

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    Se voc perguntar para um grupo de 30 pessoas quem cada uma indicaria como cone da bele-za atual, ouvir nomes previsveis como Gisele Bndchen e Naomi Campbell, mas tambm outros mais ousados como Danielle Souza, co-nhecida por Mulher Samambaia. Todas elas com o aval miditico. Para a ala masculina, mesma disparidade, que flutuar de George Clooney ao cantor Latino, passando por jogadores de futebol

    e milionrios rabes. Quando o assunto beleza, no h unanimidade. Na construo da concepo de belo participam desde aspectos socio-culturais e pessoais at questes ligadas ao religioso e financeiro, sempre permeados pelo pano de fundo histrico. Um exemplo? Vernica Stig-ger, crtica de arte, tem um exemplo na ponta da lngua: As argolas de bronze que as mulheres de certas tribos tailandesas colocam em torno do pescoo, deformando o ombro e fazendo com que o pescoo parea mais longo, so belas para essas tribos, mas uma aberrao para outras. Isso s para mencionar alguns elementos racionais e concretos sobre re-ferncias estticas. Porm, h tambm outras questes mais subjetivas e atemporais que participam da percepo do que atraente. preciso notar que a noo de beleza um conceito abstrato e mutvel, diretamen-te relacionado eterna busca da perfeio, que possibilitaria ao homem aproximar-se do transcendental, acrescenta Helosa Dallari, professora de arte na FAAP (Fundao Armando Alvares Penteado SP). Por todos esses motivos, no raro coexistem em uma mesma fase padres de beleza contraditrios e igualmente aceitos, o que torna a discusso ainda mais instigante. Esse ser um dos temas discutidos na Semana da Beleza e Sa-de, que acontecer na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em So Paulo, de 24 a 27 de agosto, com palestras de especialistas da rea (confi-ra programao completa no site da Cultura). Entretanto, pode-se dizer que, grosso modo, possvel identificar uma definio de belo predomi-nante em cada poca. Acompanhe a evoluo cronolgica desse conceito.

    P o r T a T i a n a B o n u m

    A belezA no tempo

    VejA como As Artes plsticAs identificAm As trAnsformAes

    dos conceitos de belo Ao longo dA histriA

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    ANTIGUIDADE a beleza, at o sculo vi a.c. um conceito subjetivo e abstrato, ganhou

    uma percepo lgica com o filsofo grego pitgoras. ele aplicou a mate-mtica ao conceito de belo e preconizou que um corpo e um rosto bonito deveriam ser simtricos e proporcionais. o parmetro serviu de refern-cia para pintores e escultores, que passaram a perseguir esses ideais. ao olhar uma figura bela na antiguidade, tinha-se a impresso de ordem, harmonia e de medidas exatas. muito comuns eram o nariz desenhado, o perfil perfeito e os cabelos ondulados. alguns exemplos de obras: escul-tura de Apolo no templo de Delfo e a escultura Fauno Barberine (200 a.c.).

    IDADE MDIA no h preocupao com a beleza fsica. ela entendida apenas como

    consequncia de uma boa alma e de comportamento devoto. isso sim poderia transparecer na fisionomia, resultando em um rosto angelical, puro e cheio de piedade, ou seja, belo para a poca, como explica Marcus Vincius de Morais, mestre em Histria cultural pela unicamp (univer-sidade estadual de campinas -sp). Bocas muito pequenas e lbios finos simbolizavam fragilidade e ausncia de desejos carnais, por isso, eram valorizados, comenta o cirurgio plstico maurcio de maio. em relao ao corpo, o bonito era o bitipo longilneo (e no mais necessariamente proporcional), ombros estreitos e levemente cados, seios pequenos e o ventre proeminente. exemplos de obras: Madonna da Humildade, de ma-solino, Judith e Vnus, de lucas cranach.

    RENASCIMENTO

    a exata medida volta tona como ideal de beleza. desta vez, retoma-da por leonardo da vinci, que estuda profundamente a anatomia e a apli-ca em suas obras. seu mestre inspirador foi o romano marcos vitrvio, que viveu no sculo i a.c. e elaborou a teoria do Homem vitruviano, que demonstra a sequncia desejada de propores do corpo e do rosto hu-manos. a escultura David, de michelangelo, um exemplo deste aspecto do perodo. porm, diferentemente da antiguidade, ao observar uma obra renascentista, impossvel no notar a forte presena de realidade no re-tratar os corpos, em especial, os femininos. no renascimento, h a soma dos critrios de proporcionalidade do perodo clssico ao advento do na-turalismo: os corpos so rolios, os ombros largos, o busto proeminente e os quadris amplos e arredondados, comenta a professora de arte Helosa dallari. nesse contexto, celulites, gordura localizada, pneuzinhos e ondu-laes no corpo eram retratadas mais como sinais de volpia e nobreza, j que a ostentao alimentcia no era para todos. ser gordo, encorpado, ter braos rolios, hoje considerados motivos de vergonha, eram indcios de status social. possvel observar esses traos nas obras Hlne Four-ment como Afrodite, de peter paul rubens, e As trs Graas, de rubens.

    BARROCO E MANEIRISMOinquietao, subjetividade e mais espontaneidade so elementos as-

    sociados ao conceito de beleza. esses dois movimentos rompem com os parmetros clssicos, ainda fortes no renascimento, para propor ideias mais particulares e menos estagnadas do que belo. a beleza no uma qualidade das prprias coisas; existe apenas no esprito de quem as con-templa e cada um percebe uma beleza diversa, define david Hume, fil-

    Vnus de Milo, de Alexandros de Antiquia: ideal de beleza na Antiguidade; dir., Rita Hayworth como Gilda: padro contemporneo que persegue a juventude

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    sofo e historiador escocs. Agora, para ser bonito, no basta ter propor-o e simetria, preciso tambm possuir graa e formosura, dois conceitos menos concretos e palpveis, que abraam tambm elementos como espiri-tualidade, o fantstico e as emoes. A complexidade valorizada e h um refinamento evidente nas obras. Exemplos: Melancolia I, de Albrecht Drer, e Retrato de Madame Rcamier, de Jacques-Louis David.

    ROMANTISMOFunde caractersticas aparentemente contraditrias: ingnuo e fatal, selva-gem e sofisticado, harmonioso e assimtrico. A mistura desses contrapon-tos resulta no conceito do belo intenso e emocional, muitas vezes pendendo para o mgico, o desconhecido e o catico. Ser bonito pode incluir tambm o disforme, o extico e o mrbido. Uma mulher atraente pode ser plida

    e apresentar olheiras, ter lbios carnudos e avermelha-dos, ostentar uma cabeleira volumosa e indomvel, orgulhar-se de veias aparentes. o aspecto saudvel bvio demais para ser admirado, excessivamente sem mistrio. H uma intrigante noo perversa na esttica. obras: Aurlia, de rossetti, Safo, de Charles-

    Auguste Mengin, e Oflia, de John Everett Millais.

    MODERNISMOA ideia do ser perfeito se dilui, se distancia das referncias to trabalhadas nos pero-

    dos anteriores. No expressionismo e no cubismo, a figura humana pode se defor-

    mar e at mesmo desaparecer, como na abstrao, observa Veronica Sti-

    gger, escritora e crtica de arte. A esttica adquire forte aspecto ge-

    omtrico, pode lanar mo da des-continuidade e da fragmentao, mas sobretudo, chama ateno pela pro-

    vocao de corpos e rostos instigantes, mas, ainda assim, cheios de graa. Exem-

    plos: Les demoiselles dAvignon, de Pablo Picasso, e A negra, de Tarsila do Amaral.

    CONTEMPORANEIDADEA era Barbie, que persegue a juventude, a magreza e a alegria constante. A beleza en-

    tra na ditadura da felicidade e passa a ser um instrumento para alcan-la. a senha para o sucesso profissional, o reconheci-mento social e o entendimento amoro-so, opina Marcus Vincius de Morais, da Unicamp. Como tudo, se transforma num objeto de consumo e pode ser ad-quirida com cosmticos, procedimentos estticos ou cirurgias. A tecnologia avan-

    a no sentido de atender esta demanda social, nunca to valorizada em ne-nhum outro perodo histrico.

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    Joo Silvrio Trevisan, prmio Jabuti por Ana em Veneza, lana neste ms seu novo romance, que faz uma inteligente e cida crtica da socie-dade atual. Nela, a importncia dada beleza no ignorada. Veja o que o autor tem a dizer sobre o tema.

    Qual a importncia da beleza fsica para essa nova elite men-cionada em seu novo romance? os emergentes que povoam meu romance tm a beleza como meta, mas tambm como aliada para criar suas fortunas. Num contexto de competio social, a beleza fsica um recurso fundamental para vencer. Se a seduo em grande parte j se profissionalizou, atravs de padres mdico- cientficos de beleza, na atualidade, o narcisismo atingiu tal grau de exacerbao que usado para alavancar o consumo de produ-tos teis na construo desses padres de beleza. Apesar de nunca ter tido pretenso de ser belo, meu protagonista sofre de sudorese. A obsesso por seu prprio cheiro o leva a criar um desodorante que acaba se tornando sensao no pas e o trans-forma num grande empresrio na rea de perfumaria. sua ma-neira de exercer a seduo e ao mesmo tempo enriquecer.

    o que beleza para essa nova elite? H alguma persona-gem que simbolize a beleza? Nas sociedades atuais, a beleza fsica um poderoso mecanismo de ascenso social. Funciona como isca ou visgo. Existem inmeros emergentes que se tor-naram poderosos graas unicamente sua beleza. Hollywood emblemtica ao utilizar a beleza como mola propulsora de uma indstria inteira. Madonna e Michael Jackson se tornaram magnatas da indstria da msica de entretenimento utilizando esse mesmo parmetro de beleza fsica. Madonna pratica musculao compulsivamente. Michael Jackson no resistiu ao canto da sereia. Buscou to obsessivamente a beleza ideal, atravs de incontveis plsticas, que acabou por se deformar. um exemplo tpico do mito de Frankenstein na atualidade. Tambm no Brasil conhecemos muitos casos famosos de ascenso social gra-as beleza como nos casos de modelos que namoram um cantor de fama internacional ou um campeo de corridas ou um jogador de futebol de grande prestgio e assim se tornam celebridades a partir do nada. Em Rei do cheiro h o caso emblemtico de uma ascendente atriz de televiso que namora o protagonista e tem um fim trgico.

    o fato de Ruan, o personagem principal do livro, ter enriquecido com uma indstria de cosmticos tem alguma razo em especial? A magia dos perfumes tem a ver com a seduo, mas tambm com a obsesso pela felicidade. A necessidade de ser feliz se tornou at slogan poltico da esquerda. Nas sociedades narcsicas em que vivemos, nos-sos sentidos so manipulados at o limite pelo mercado. A simples fragrncia de um sabo em p pode mover nossa imaginao, a partir de um fator de persuaso extraordinrio como o olfato. o Brasil hoje o terceiro maior consumidor de artigos de perfumaria do mundo, tendo ul-trapassado at mesmo a Frana. No romance Rei do cheiro, me pareceu natural aproximar a nova elite de uma nova indstria to promissora.

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    A pensadora (1992): escultura de Fernando Bottero retoma beleza renascentista

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  • Pedro (Selton Mello) aban-donado pela esposa e apai-xona-se pela bela vizinha at perceber que a realidade no bem o que parece. Ele beija de lngua o ar, abraa o nada, dana sozinho como se esti-vesse enganchado em uma mulher em gagues tpicas da comdia fsica e de erros. Por outro lado, Vitria (Maria Manuella) vive um amor platnico, enquanto Amanda (Luana Piovani) a companheira ideal de qualquer homem. Os personagens de A mulher invisvel no deixam dvidas: trata-se de uma comdia romntica. No clssica, mas brasileira.

    A pelcula engrossou o caldo de sucesso de filmes similares que estrearam desde Se eu fosse voc, todos batendo a cifra de 1 milho de espec-tadores. At julho, foram vendidos 10,7 milhes de ingressos para filmes brasileiros, com renda de mais de R$ 50 milhes. Isso representa um cresci-mento de 206,3% comparado ao mesmo perodo

    do ano passado e faz que o produto nacional ocu-pe 19,4% do mercado, contra os 8,3% de 2008. O interessante que o grosso desses nmeros foi fa-turado com Se eu fosse voc 2, a maior bilheteria da retomada, at aqui, com 5,7 milhes de espectado-res, e Div, uma comdia dramtica com toques de romance, que arrastou 1,8 milho de especta-dores para as salas de cinema. A mulher invisvel at agora j fez 2 milhes.

    O ponto em comum entre os longas est na de-marcao de um estilo de comdia romntica que parece ser bem especfica do Brasil e que cai no gosto do pblico: menos romance e mais risadas, seja pelas situaes absurdas, as gagues fsicas ou o tom mais picante. Se eu fosse voc 2 traz um casal em crise que vive a troca de corpos e aprende a se colocar no lugar do outro. Novamente, portanto, a comdia fsica e de erros o forte da produo, uma boa diferena em relao ao formato mais conhecido no mundo, estabelecido pela indstria hollywoodiana que, em geral, trabalha com a fr-mula: garoto encontra garota; garoto perde garota

    e, no fim, garoto conquista garota. Ou da variao garoto encontra garota, eles no se gostam de cara e depois descobrem ser feitos um para o outro.

    O Brasil tem uma tradio mais forte de comdias do que de comdias romnticas. Fa-zemos pouco desse gnero mais puro, usamos muita comdia fsica, afirma Claudio Torres. Mas ele acredita que exista uma cara brasileira nessas obras recentes. A Itlia fez faroeste, por exemplo. O que o Brasil est fazendo , dentro desse gnero, acertar um tom mais brasileiro, reproduzir uma realidade mais nossa, completa.

    O cineasta, depois de Redentor, queria um filme mais leve e que falasse de amor. Por isso, apostou no projeto de A mulher invisvel. A busca foi de mais comunicao com o pblico, sim. Fiz essa opo pela comdia romntica, um gnero de que o pblico gosta, o distribuidor gosta. No d prmios, mas a base da pirmide desde Chaplin, diz Torres, que tem dois outros projetos da mesma seara na manga. Em O homem do futuro, o pro-tagonista volta no tempo para aprender a no ser

    Romance brasileiraCom mais piadas do que cenas de amor, a comdia

    romntica nacional assume nova roupagem e vem aumentando a bilheteria do cinema no pas

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  • panaca. Wagner Moura est convidado para viver o personagem. E A sogra, que ele escreveu para a me, traz Fernanda Montenegro como uma vi-va vigarista que dirige um negcio bem comum. Amarra o casamento das filhas com o objetivo de ficar com o dinheiro dos maridos depois do divr-cio delas. A complicao da trama que a mais nova se apaixona de verdade. Gostei de comdia romntica. um gnero subestimado pela crtica. Mas que, quando voc consegue colocar verdade, o pblico reconhece. Precisa ter sentimento, falar sobre a vida, afirma o cineasta.

    Para Jos Carlos de Oliveira, diretor-geral da Warner Brasil, adaptar formatos estrangeiros puros, como as clssicas comdias romnticas americanas, dificilmente daria certo no Brasil. O brasileiro tem um senso de humor um pou-co diferente. Ns gostamos de rir de ns mes-mos. Ns nos permitimos mais pimenta, mais tempero. Jos Alvarenga, diretor de Div e de Os normais 2, continuao bem mais picante do sucesso de 2003 que chega aos cinemas em 28 de agosto, acredita que h alguns toques bra-sileiros nesse gnero. Mas no um formato totalmente nacional. At porque esses filmes recentes so urbanos, e as buscas, as solides, se repetem. Seja no Rio, em So Paulo, Nova York, Paris ou Londres, vivemos o mesmo tipo de presso. Os amores vo se modificando, de acordo com os novos laos, diz.

    Se eu fosse voc 2 e A mulher invisvel so bem diferentes de produes como Lisbela e o prisio-neiro, de Guel Arraes, mais fortemente identifica-da com o jeito brasileiro. Em geral, as comdias ro-mnticas tm mesmo essa pegada mais universal. Uma das razes pelas quais nos apaixonamos por

    A mulher invisvel porque funciona em Ipanema ou na Califrnia, diz Jos Carlos de Oliveira. Clau-dio Torres acredita que os sentimentos retratados por elas so partilhados por todos. Quem no teve desiluso, levou um chute? Quem no conhe-ce o cara que no quer casar, a mulher que procura o prncipe?, pergunta. Tanto que, normalmente, esse tipo de filme no costuma viajar ou seja, ser comprado por outros territrios. Mas seu formato, sim. o caso do prximo longa de Torres, que vai ter remakes na Turquia e nos Estados Unidos e ne-gocia com ndia e Mxico.

    COINCIDNCIA A concentrao de comdias romnticas ou

    com pitadas de romance nesse primeiro semestre parece ter sido orquestrada. Jos Alvarenga no acredita. No existe isso no cinema brasileiro. O que aconteceu foi que houve uma srie de com-dias, todas com qualidade. No foi de propsito, diz. Claudio Torres afirma que no existe um con-trole industrial do que est sendo produzido e nem quando. Teve uma poca que saram na sequncia Cidade de Deus, Carandiru, Tropa de elite. Eles no combinaram. Foi o acaso. Este ano tem uma concentrao grande de comdias. No um mo-vimento arquitetado, afirma. E vai alm: Toda vez que algum produz um bom roteiro, encontra es-pao nas distribuidoras, no importando o gnero.

    Carlos Eduardo Rodrigues, diretor de Ope-raes da Globo Filmes, coprodutora de Se eu fosse voc 2, Div, A mulher invisvel e Os nor-mais 2, tambm acha que foi uma coincidncia. No temos essa preciso, garante.

    Mas, assim como surgiram vrios outros filmes sobre a realidade social brasileira depois de Cidade

    de Deus, esperado que mais comdias romnti-cas ou comdias rasgadas com toques de roman-ce apaream. uma questo de mercado. Voc no vai vender chocolate se as pessoas querem mo-rango. Funciona assim para todas as reas. Mas eu acho que no basta ser comdia. Precisam ser bons filmes, com capacidade de comunicao, qualida-de tcnica, maestria narrativa, afirma Alvarenga.

    Carlos Eduardo Rodrigues pensa que, agora, elas tendem a ser favorecidas em detrimento dos longas-metragens de temtica social. Neste mo-mento de crise, em que todo o mundo est preocu-pado com seu emprego, com sua vida, voc ter uma resposta favorvel de um filme de realidade brasi-leira mais difcil. Mas tudo depende. Se aparecer outro Cidade de Deus, outro Tropa de elite..., diz.

    Para ele, apesar de as comdias sofrerem certo preconceito dos cineastas, graas ao sucesso das que apareceram, novas ideias devem surgir. Esta-mos atentos s oportunidades, afirma Rodrigues, que diz estar olhando dois projetos na rea. A War-ner tambm trabalha em alguns roteiros. A gente acredita na comdia romntica, diz Jos Carlos de Oliveira, que espera que o cinema brasileiro deixe de ser visto como um gnero. fundamental para a gerao de uma indstria. Para ter uma indstria forte, a gente precisa ter produes audiovisuais bacanas, que tenham orientao de gnero. Eu es-tou otimista, acho que finalmente estamos crian-do msculo, com uma mistura bacana entre obras voltadas para o mercado e filmes autorais.

    Rodrigues, porm, no acredita que o gnero o fundamental. No o tema, o contedo. mais difcil agradar a muitos do que agradar a meia dzia. um desafio que se coloca para o rea-lizador: a vontade de alcanar muitas pessoas. FO

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    Da esquerda para a direita: o ator Selton Melo em momento divertido do filme A mulher invisvel; os comediantes Lus Fernando Guimares, Cludia Raia e Fernanda Torres em cena de mnage-a-trois no indito Os normais 2; a protagonista Dbora Falabella atuando no romntico Lisbela e o prisioneiro

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  • Em uma poca de ascenso do cinema digital, em que o pro-cesso cinematogrfico se tor-na mais barato e, consequen-temente, mais democrtico, os preceitos e as preocupaes que moveram os cineastas da Nouvelle Vague, h cinquen-

    ta anos, esto cada vez mais atuais. Referncia inspiradora para vrias geraes, o movimen-to encabeado por jovens crticos oriundos da Cahiers du Cinma, a revista vanguardista criada por Andr Bazin, ainda se mantm pre-sente em esprito e como influncia em diver-sos realizadores do cinema contemporneo.

    Batizada pela jornalista Franoise Giroud, em 1958, a Nouvelle Vague chegou com o propsito de romper com a chamada tradio de qualida-de do cinema francs de ento, que se notabi-lizava, basicamente, por adaptar obras literrias de prestgio. Com o prmio de melhor direo no Festival de Cannes de 1959, Os incompreen-didos, de Franois Truffaut, inaugura uma nova fase no cinema francs (e mundial), em que dire-tores extremamente criativos passam a ser vistos como os verdadeiros autores de seus filmes. a politique des auteurs, na qual o diretor soberano em todo o processo cinematogrfico, do roteiro edio. E exatamente esse esprito de liberdade esttica que, segundo crticos e especialistas, ecoa no atual cinema feito no suporte digital.

    Se voc pensar que as possibilidades das bitolas alternativas de hoje, como a digital, por exemplo, libertam o criador do sistema de pro-duo mais complexo, isso vai trazer a possibi-lidade de um cinema mais autoral, inclusive por permitir criar um cinema menos convencional, explica Celina Alvetti, professora de cinema do curso de comunicao social da Pontifcia Universidade Catlica do Paran (PUC-PR). Mas o que os filmes de autores to complexos e idiossincrticos como os de Godard, Claude Cha-brol, Jacques Rivette e Alain Resnais ainda podem oferecer hoje? A Nouvelle Vague a ruptura de-finitiva para os novos cinemas. Interessante que o conjunto de filmes do perodo no tem, neces-sariamente, caractersticas dramticas, temticas e formais comuns. O que os une justamente a inveno, a ausncia de parmetros, a vontade de transgredir tambm esteticamente, diz Celina.

    TRANSGRESSOPara Srgio Rizzo, crtico de cinema da Folha

    de S. Paulo, aps o primeiro impacto causado pelo movimento francs, cada cineasta passou a se dedicar s suas prprias preocupaes, mas todos continuaram fiis ao esprito da Nouvelle Vague e tambm aos dividendos, na imprensa e no mercado, gerados pelo movimento.

    Rizzo, assim como a maioria dos crticos, cita Os incompreendidos e Acossado, estreia de Godard, rodado no mesmo 1959, como os filmes

    CINEMA, mon amour

    Cinquenta anos depois, o Carter libertrio e transgressor da nouvelle vague volta tona Com o advento das

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  • mais representativos da Nouvelle Vague. Diferen-tes entre si, as estreias da dupla Godard-Truffaut anunciam algo em comum: o desejo de transgre-dir. Enquanto Truffaut constri uma espcie de autobiografia de sua infncia difcil, com o anti-heri Antoine Doinel vivendo as desventuras da delinquncia juvenil, o filme de Godard d conta da iconoclastia de seu autor. Acossado (cujo pri-meiro roteiro foi escrito por Truffaut) tem um toque de thriller noir, com direito a traio, per-seguio policial e tiroteio ao final da histria. Alm do ritmo apressado, o filme inaugura os jump-cuts, cortes repentinos no meio das sequn- cias que, anos depois, se tornariam bastante uti-lizados por diferentes cineastas e at pela publici-dade. Tudo isso embalado por uma trilha sonora jazzstica de tirar o flego.

    Apesar da aparente disparidade temtica, os filmes compartilham o esprito personalista que seus autores tanto louvaram como crticos nas pginas da Cahiers du Cinma. no que acre-dita Rafael Ciccarini, editor da revista de cine-ma Filmes Polvo. A Nouvelle Vague no foi um conjunto de normas rgidas, mas sim um con-junto de ideias e posturas compartilhadas por um grupo, como o privilgio da escrita cinema-togrfica sobre a literria, a afirmao do autor e a negao do que chamavam de tradio de qualidade. Os filmes, portanto, eram diferentes entre si, mas mantinham esses pressupostos.

    E nesse processo de formao da gerao que fez da Nouvelle Vague um dos movimentos mais carismticos do cinema mundial, o nome de Andr Bazin reverbera com fora. Fundador da Cahiers du Cinma, Bazin foi uma espcie de men-tor intelectual dos jovens cineastas que queriam mudar os rumos do cinema francs de ento. No papel de mestre, foi o responsvel por apresentar o repertrio cinematogrfico que forjaria o cinema singular dos jovens da Nouvelle Vague. Das refe-rncias mais bvias do neorrealismo italiano, pas-sando pelos cones do cinema americano, como Alfred Hitchcock e Orson Welles, os cineastas franceses, sob a tutela de Bazin, formaram-se, na

    prtica, assistindo e dis- cutindo muito cine-ma. Foi o que lhes deu o entendimento neces-srio para realizar um

    cinema extremamente crtico, mas ao mesmo tempo afinado com a tradio dos realizadores autorais inseridos no esquema hollywoodiano.

    O fato de Bazin ter servido como uma esp-cie de mentor ajudou a construir um repertrio cinematogrfico, a pensar cinema, a ter vontade de expressar-se por meio do cinema. Nesse senti-do, possvel dizer que ele tenha ajudado a forjar o autor em Truffaut, por exemplo, diz Celina.

    INFLUNCIAPara Ciccarini, a essncia nouvellevaguia-

    na nunca deixou de acompanhar os cineastas que fizeram parte do movimento, por mais di-vergentes que fossem suas ideias. O fazer cine-ma foi uma consequncia natural do exerccio do pensar e importante que seja dito que no foi um processo de evoluo. Eles nunca deixaram de ser crticos e, mesmo antes de fa-zerem filmes, se consideravam cineastas. Para eles, pensar cinema fazer cinema e fazer cine-ma , necessariamente, tambm pens-lo.

    Tal frescor trazido pelos cineastas franceses no demorou a reverberar em outras cinema-tografias. A defesa incondicional de um cine-ma de autor, a leitura de filmes para alm de seus enredos, a mise-en-scne como afirmao de estilo e a cmera discursando pelo autor so caractersticas que se tornaram fundamentais para vrias geraes de cineastas, no mundo todo, aps a ascenso da Nouvelle Vague.

    Alm de exercer grande influncia nos no-vos cinemas das dcadas de 1960 e 1970, como o brasileiro e o alemo, o carter transgressor da Nouvelle Vague se faz onipresente no cinema de gente que conquistou a alcunha de autor mesmo inserido na grande indstria, como David Lynch, Woody Allen e Quentin Tarantino. Alis, Acossa-do um filme marcado pelo dilogo entre baixa e alta cultura, caracterstica que faria a fama de Tarantino a partir dos anos 1990. Tarantino apenas mais um nome talvez o mais pop, assim digamos que foi influenciado pelo cinema das figuras da Nouvelle Vague. No toa a produto-ra dele [Tarantino] se chama Band a Part, que um filme de Godard dos anos 1960. Mas im-portante dizer que um realizador bastante di-ferente, muito ligado a questes do cinema e do mundo contemporneo, finaliza Ciccarini.

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    O sOnhO nO acabOuH 40 anos, o mtico Woodstock marcou o ideal de paz e amor do movimento Hippie que levantou para o mundo a atual e inescapvel bandeira ecolgica

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  • As mudanas ganharam velo-cidade nos anos 1960. com a plula anticoncepcional, nos estados Unidos as mulheres j militavam pelo amor li-vre, mas a luta dos jovens se estendia pela igualdade de

    direitos nas grandes marchas contra o racismo e a guerra do vietn e pela liberao das drogas, como forma de ampliao de conhecimento. se-guiam baladas de protesto de joan Baez ou j o rock eltrico dos Beatles e dos rolling stones, que da europa se espalhava para o mundo da mesma forma que a minissaia. o festival de Woodstock, em agosto de 1969 Woodstock Music & Art Fair, An Aquarium Exposition in White Lake, N.Y., 3 Days of Peace & Music tornou-se a re-presentao do ideal da gerao paz e amor.

    agora, 40 anos depois, enquanto o mesmo michael Lang, promotor responsvel pelos tais trs dias (que se emendariam com a segunda-feira, ao som de jimi hendrix), seguia atrs de patrocina-dores para reviver aquele que foi um festival his-trico, o cineasta ang Lee j havia apresentado em cannes o seu Taking Woodstock, para ser lan-ado em 14 de agosto (18 de setembro no Brasil).

    natural de chaochou, zona rural em taiwan, com 14 anos em 1969, ang Lee no teria muita informao sobre os hippies de Woodstock, mas se empolgou por fazer o filme depois de ler o livro de elliot tiber: Taking Woodstock: A True Story of a Riot, a Concert, and a Life. o autor, representado no filme pelo comediante demetri martin, tinha 34 anos quando se tornou o responsvel inespera-do por garantir o festival em uma fazenda na cida-de de Bethel (69 quilmetros a sudeste de Wood-stock), depois da licena negada por Wallkill, cidade tambm do estado de nova york.

    Est tudo lse o filme de ang Lee toma por base um perso-

    nagem real , o documentrio Woodstock On- de Tudo Comeou, de michael Wadleigh, que mostra o que aconteceu na fazenda de 2,4 km, com 500 mil pessoas, mais que o dobro do esperado pelos organizadores, sem comida, gua ou acomodaes suficientes, em meio a po-as de lama, mas que protagonizaram um sonho de muitos sexo, drogas e rocknroll.

    e sem que sobreviesse a hecatombe prevista pelos representantes do sistema, contestado pela contracultura que reagia famlia tradicio-nal, considerada hipcrita, e aos governos com suas guerras e bombas atmicas.

    Woodstock j era resultado de tudo isso, alm da msica. dos mais conhecidos pelos brasileiros, revezaram-se por l joan Baez (grvida de seis me-ses do filho Gabriel e com o marido david preso), carlos santana, janis joplin, creedence clearwater revival, The Who, jefferson airplane, joe cocker, Blood, sweat & tears e johnny Winter. j na ma-nh de segunda-feira e com cerca de apenas 30 mil na resistncia, depois de uma chuva que trans-formou o pasto em um lamaal, jimi hendrix de-dilhou na guitarra sua inesquecvel verso para o hino americano, The Star-Spangled Banner.

    se the doors, de jim morrison, realmen-te cancelou na ltima hora, seu baterista, john densmore, tocou com a banda de joe cocker. consta que Bob dylan no foi porque seu fi-lho ficou doente, que Led Zeppelin e jethro tull no aceitaram o convite, que elvis presley no foi convidado... e ainda diz a lenda que os Beatles condicionaram sua ida participao da banda de yoko ono o que lhes foi negado.

    o documentrio teve edio de thelma schoonmaker e martin scorsese (!). comprado pela Warner Bros. por Us$ 100 mil, foi lanado em 1970. a verso do diretor, de 1994, tem mais performances musicais. e engarrafamentos, he-licpteros do exrcito com mdicos voluntrios e alimentos doados para os jovens, entrevistas (como a do encarregado da limpeza dos banhei-ros qumicos que no reclamava do trabalho, ao contrrio, e dizia que tinha um filho no vietn e outro ali, no festival), os recados lidos do micro-fone do palco, avisando sobre um nascimento e que o tal cido marrom no era venenoso, s ruim. h max yasgur, o surpreso dono da fa-zenda alugada por Us$ 75 mil na poca (mais Us$ 25 mil para os vizinhos). mais policiais rin-do, vizinhos reclamando ou apoiando, uma brin-cadeira de escorrega na lama, tendas vendendo cigarros e maricas, filas de jovens para telefonar de orelhes a seus pais, freiras de hbito e jovens nus, no lago (e, ao contrrio do que se esperaria, moas se depilando). da hecatombe, resultaram duas mortes uma por overdose de herona e outra por acidente quatro abortos e dois nascimentos.

    michael Lang calcula terem sido investidos (no diz por quem) Us$ 2 milhes para a realiza-o do festival de Woodstock. inicialmente pre-visto para 50 mil pessoas, foram vendidos 200 mil ingressos antecipados nas lojas de disco da Grande nova york e pela caixa postal da radio city sta-tion por Us$ 18 poca ou Us$ 24 na porta. com a chegada de tanta gente, as cercas foram dobradas e o pblico simplesmente foi entrando.

    Acima, o cartaz de divulgao do festival; no palco, performances histricas de Jimi Hendrix, Janis Joplin (ambos na pgina ao lado, esq.) e de Joan Baez (abaixo)

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    impossvel errar em um presente que agrada os cinco sentidos do seu pai.

    A Livraria Cultura e a World Wine criaram o Deguste Cultura, uma ideia inteligente e deliciosa de presente para o seu pai. Escolha um vinho de um dos pases participantes (Itlia, Frana, Chile, Argentina, Espanha e Portugal) e junte a ele um livro, um CD ou um DVD da mesma nacionalidade. Depois, s colocar dentro desta embalagem exclusiva e dar de presente. No dia 09 de agosto, presenteie seu pai com grandes histrias.

    Seis pases diferentes para voc harmonizar vontade.

    Produto disponvel na loja de artes da Livraria CulturaAv. Paulista, 2073 So Paulo

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    o festival de monterey, em 1967, j havia levado 200 mil pessoas quele que seria um mar-co o vero de amor dos hippies , assim como os festivais pop, de newport, em 1968 e 1969 (este, em junho, com hendrix). e naquele ano de 1969, no qual o homem pisaria na lua em julho, Woodstock entraria para a histria em agosto.

    mas em 1970, entre julho e outubro, morre-riam jimi hendrix, jim morrison, letrista e voca-lista (The doors), e janis joplin (ela, comprova-damente por overdose de herona), os trs com 27 anos. no fim daquele 1970, em dezembro, john Lennon lanava o disco John Lennon/Plastic Ono Band, no qual a cano God decreta que o sonho acabou e ele diz no acreditar em mais nada, de Buda a kennedy, do tar Bblia, da ioga a hitler, a no ser nele e em yoko. Lennon tambm morreria jovem aos 40 anos, em 1980.

    AgorA Em junho

    michael Lang esgotou possibilidades cor-rendo atrs de patrocinadores e ao menos Us$ 8 milhes para marcar os 40 anos de Wood- stock em agosto, com um festival em nova york e outro em um aeroporto abandonado de Berlim. mas lanou, em junho, novo dvd Woodstock: 3 Days of Peace and Music com quatro horas de 18 performances, incluindo cinco bandas que no esto na verso anterior, paralelamente rhino records, que colocou venda uma caixa com seis cds. Lang tambm lanou um livro, The Road to Woodstock, com holly George-Warren.

    foram publicados outros livros entre junho e julho nos estados Unidos: Back to the Gar-den: The Story of Woodstock, de pete forna-tale; Woodstock: Three Days That Rocked the World, de mike evans, paul kingsbury e mar-tin scorsese, e Woodstock Peace, Music & Memories, de Brad Littleproud e joanne hague.

    Por Aquiapesar da ditadura, nos principais centros

    brasileiros a contracultura se fazia presente. dinho Leme, baterista da banda os mutantes, tem certe-za de que viveu uma poca privilegiada, em que

    tudo comea pelos Bea-tles. no Brasil, lembra, havia extrema criativida-de, novidades em vrias reas. dinho lembra de muita gente com 13, 14 anos tocando em casa, errando tudo, mas tocando. no festival de mi-dem, em cannes, em 1968, o grupo foi chamado de les Beatles brsiliens depois da apresentao que incluiu Dom Quixote e Caminhante Noturno. os mutantes saram de l para os estados Unidos, onde, naquele ano, o festival de monterey teve jimi hendrix pela primeira vez. em 1969, os mutantes ficaram um ms no olympia de paris. a gente sabia que era um pouco diferente. no porque queria ser diferente, mas porque ouvia diferente, pensava diferente. o tom Z, os novos Baianos, o Gil, o caetano, o torquato neto (o anjo tor-to da tropiclia, letrista, que se suicidou um dia depois de fazer 28 anos, em 1972), o Guilherme arajo (produtor musical e depois empresrio de vrios artistas). muitas pessoas foram se juntando.

    ArrAncAndo As PEncEs

    e se o documentrio de Woodstock mostra um mar azul de jeans, rapazes de bandanas nos cabelos compridos, barbichas e culos redondi-nhos, de grau ou escuros, coletes, batas indianas, colares e pulseiras de miangas, h tambm al-guns com cala e camisa sociais, cabelos curtos e repartidos do lado. a maioria das garotas est de cabelos compridos e soltos, com vestidos lon-gos floridos, pantalonas estampadas, shorts, co-lares e pulseiras de miangas, muitas de top less...

    regina Boni, dona da loja Ao Dromedrio Ele-gante fundada em 1968 na rua Bela cintra, nos jardins, em so paulo tornou-se figurinista de os mutantes, da jovem Guarda, dos novos Baia-nos e at do chacrinha. rejeitava-se a ditadura da moda rompendo-se as costuras e as pences. era uma ruptura de comportamento: ruptura moral, poltica, sexual e social. propunha-se liberdade de expresso, a busca de uma nova esttica: da esttica do amor. a roupa uma linguagem, enfatiza regi-

    na. minha minissaia era quase na calcinha; usava veludo de seda, que era muito sensual, e muita coi-sa que encontrava em bazar e em brechs: plumas, bordados e lantejoulas. no era uma moda cara.

    dA forA Ao jEitoa psicloga helena albuquerque, do de-

    partamento de psicanlise do instituto sedes sa-pientiae, foi tirada do cinema astor, na avenida paulista, pelo juizado de menores e levada de-legacia com um amigo. tinha 17 anos em 1970 e no poderia assistir ao filme Woodstock, proibido para menores de 18, lembra. os anos 1960 e 1970 foram dcadas de busca da utopia socialista, do desejo de experimentar outras formas de convi-vncia social e familiar, como diz helena. era toda uma questo cultural, depois da chegada do rock, do movimento feminista, da plula, da liberdade sexual e da abertura do mercado de trabalho para a mulher. a mulher foi a protagonista principal. mudou e provocou mudanas. dona de casa e me eram guas passadas; agora, ela tinha mais opes de realizao pessoal. os jovens daquelas dcadas buscavam tambm o autoconhecimen-to. e as drogas eram uma via para isso e no para escapar de conflitos. a inteno era outra.

    helena observa que o ideal revolucionrio caiu com a quebra da utopia do comunitrio e a falncia dos regimes comunistas. a poltica perdeu espao entre os jovens, hoje mais indi-vidualistas e imediatistas, para os quais o grande valor o dinheiro. mas agora a poca de tran-sio, com novas formas de famlia, mudanas grandes; por exemplo, com a possibilidade da re-produo assistida. talvez algo naquele sentido esteja recomeando pela via da ecologia. c

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    Teste seus conhecimentos sobre o Festival nas palavras cruzadas do passatempo na pgina 58

    O criador do festival Mike Lang (acima no centro) conversa com produtores; ao lado a multido enfrenta a chuva de um dos trs dias de festa

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  • impossvel errar em um presente que agrada os cinco sentidos do seu pai.

    A Livraria Cultura e a World Wine criaram o Deguste Cultura, uma ideia inteligente e deliciosa de presente para o seu pai. Escolha um vinho de um dos pases participantes (Itlia, Frana, Chile, Argentina, Espanha e Portugal) e junte a ele um livro, um CD ou um DVD da mesma nacionalidade. Depois, s colocar dentro desta embalagem exclusiva e dar de presente. No dia 09 de agosto, presenteie seu pai com grandes histrias.

    Seis pases diferentes para voc harmonizar vontade.

    Produto disponvel na loja de artes da Livraria CulturaAv. Paulista, 2073 So Paulo

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    P o r R u y B a R a t a N e t o

    ALMA de escritorTraduTores precisam ser arTisTas das palavras para

    verTer livros de uma lngua para ouTra; esTe processo, no raro, reviTaliza as obras liTerrias originais

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    cinco anos aps sua morte, em 2003, o es-critor chileno Rober-to Bolao tornou-se um dos mais famosos autores latino-ame-ricanos nos Estados Unidos. A traduo para o ingls de seu

    ltimo romance, 2666 (originalmente de 2004, mas publicada por l em novembro de 2008), causou um enorme frisson entre os leitores norte-americanos. O livro foi listado pela The New York Times Review como um dos melhores do ano passado e, ainda em maro deste ano, levou o The National Book Critics Circle Awards de melhor fico. Tais conquistas so raras para um autor de lngua hispnica que, ironicamen-te, ganhou status de best seller em um pas co-nhecido por no privilegiar tradues.

    A tal Bolaomania como definiu a The Economist o mais recente exemplo de como um escritor pode ser recriado em outro idioma. O peruano Julio Ortega, professor da disciplina Estudos Hispanoamericanos da Universidade Brown (EUA), em crtica publicada no peridico espanhol El Pas, ressalta o fato de a verso tradu-zida ter feito de Bolao um autor diferente para os norte-americanos. O Bolao que se l em in-gls no o mesmo que lido em espanhol, ga-rante Ortega. Seu texto ganha outra vida, outra funo. O crtico peruano argumenta que a tra-duo ressalta um aspecto mais vitalista de sua narrativa e a insere dentro de um estilo caracteris-ticamente yanqui, mais prximo de Jack Kerouac, o beat autor de On the Road P na estrada.

    A anlise ressoa em outra crtica de Michael Saler, do suplemento literrio da edio inglesa do jornal The Times, que atribuiu o sucesso de 2666 expectativa de crticos e leitores do pas em tor-no do trabalho, j que haviam sido positivamente surpreendidos com o livro anterior de Bolao, The savage detectives (Os detetives selvagens), lanado no incio de 2008. Saler tambm destaca a voz exuberante, informal, do autor, que ecoa primeira vista vrios clssicos norte-americanos. Embora ele tenha citado Huckleberry Finn [per-sonagem de Mark Twain em As aventuras de Huckleberry Finn] como uma inspirao, o livro traz a marca de On the road e The catcher in the rye (O apanhador no campo de centeio), [de J. D. Salinger], diz Saler, para quem so brilhantes as tradues de Natasha Wimmer, responsvel por verter as duas obras de Bolao para o ingls.

    O caso de Bolao mais um entre tantos outros da literatura cujos holofotes so vol-tados para o trabalho da traduo. O prprio Ortega lembra de Edgar Alan Poe, que foi con-siderado um autor menor at ser traduzido por Charles Baudelaire, que, em francs, deu nova dimenso sua obra. Em outro exemplo, Modesto Carone, um dos principais tradutores de Franz Kafka para o portugus, lembra que a primeira traduo do escritor checo para o espanhol, feita por Jorge Luis Borges, trouxe muito mais do estilo literrio do argentino do que de Kafka. No Brasil, quando se deparou com uma traduo de A peste, de Albert Ca-mus, assinada pelas iniciais G.R., Carone teve a certeza de conhecer o escritor por trs do tex-to em portugus e mais tarde recebeu a confir-mao de que se tratava do grande Graciliano Ramos. Era quase uma viso do Camus pelo Graciliano, mas era fantstica, analisa Carone, tambm escritor e vencedor do prmio Jabuti de 1999 com seu romance Resumo de Ana.

    FIDELIDADEOs exemplos citados, conforme salienta

    Carone, so excepcionais, fruto do trabalho de verdadeiros artistas da palavra. As grandes tradues geralmente so feitas por escritores com pleno conhecimento de sua lngua, pois o resultado da traduo s pode ser conferido no idioma de chegada. a que est a prova dos nove, diz. Ao contrrio, se ele tiver apenas o domnio da lngua estrangeira, na hora de ver-ter o texto no encontra ferramentas para trans-mitir a complexidade do autor original.

    Mas, por estar ligado obra de outro escritor, comprometido em transport-la fielmente para sua lngua, o tradutor no deve interferir tanto na obra original a ponto de se tornar um coautor em outra lngua. Se me considerasse uma coau-tora das obras que traduzo, todos os meus tra-

    balhos seriam tradues moda Lya Luft e no traria o mundo do autor estrangeiro para o leitor de minha lngua, que o verdadeiro objetivo, explica a tradutora de Thomas Mann e Virginia Woolf e tambm escritora de romances como A asa esquerda do anjo. O tradutor precisa de-saparecer para que o autor estrangeiro aparea.

    Com ela concorda o escritor e jornalista Ruy Castro, que, embora no seja tradutor por profis-so, j verteu para o portugus obras de escritores como F. Scott Fitzgerald, Dorothy Parker e Woody Allen. Segundo ele, pelo fato de traduzir autores com os quais tem certa identificao, talvez apa-ream em suas tradues elementos comuns entre o seu texto e o do estrangeiro. Mas o que interessa o autor, e no o tradutor, diz Castro.

    Como defendia o pensador e escritor alemo Goethe, citado por Carone, no geral h trs tipos de tradues: a primeira torna a obra traduzida parte da literatura da lngua para a qual foi ver-tida, como parece ter sido o caso de Bolao; a segunda a mais comum, na qual o idioma de partida e o de chegada tendem a se encontrar em um momento em comum. Uma delas sai de si mesma e encontra a outra em um determinado ponto, resultando em algo novo, explica Carone. E a terceira, considerada a mais utpica por ele, a traduo que supera o original. Embora exis-tam tradues perfeitas de Macbeth, feitas por Manuel Bandeira, em que sentimos o drama e toda a poesia da pea, difcil observarmos algo dessa natureza. Para Lya Luft, a boa traduo aquela em que o leitor no percebe que est lendo uma obra traduzida, embora saiba que .

    SUBJETIVIDADEPorm, esse processo de transmisso da

    literariedade do original estrangeiro tem qual-quer coisa de inexplicvel, de um mistrio que se aproxima da prpria criao artstica. Walter Carlos Costa, professor da ps-graduao em

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    Estudos da Traduo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) hoje considerado um dos grandes centros da rea no Brasil diz que, assim como um autor s vezes perde o controle sobre a sua criao e deixa fluir sua narrao ao gosto de seus personagens, o tradu-tor tambm pode inconscientemente ser leva-do por um processo pessoal de traduo. Costa ilustra sua afirmao com um exemplo do poeta concretista e tradutor Haroldo de Campos, que, embora tenha criado o conceito de transcria-o para demarcar o salto real de um idioma para outro e, com isso, admitido uma recriao do original, adotou um processo mais literal de transmisso para o portugus do poema O infi-nito, do italiano Giacomo Leopardi. Nessa tra-duo, ele seguiu muito mais o original seman-ticamente do que ele diz na teoria que defende. Uma coisa a ideologia do tradutor, e outra a forma como ele escreve, explica Costa.

    Por conta desse aspecto subjetivo da tra-duo que pode revitalizar o original estran-geiro, o filsofo, crtico, ensasta e tradutor alemo Walter Benjamin chega a afirmar no texto A tarefa do tradutor [no livro Ange-lus Novus] que um texto literrio original apenas a primeira manifestao. A obra, de acordo com ele, s plenamente desenvolvi-da aps vrias tradues.

    Como lembra Walter Costa, Jorge Luis Borges, ao se referir s tra