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UNIVERSIDADE DO ESTADO DEMATO GROSSO

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Ficha Catalográfica elaborada pela Coordenadoria de BibliotecasUNEMAT - Cáceres

Copyright © 2010 / Editora UnematImpresso no Brasil - 2009

Marilda Fátima DiasMaristela Cury SarianJaime Macedo FrançaGuilherme Angerames R. VargasJaime Macedo França

Coordenação EditorialRevisãoDiagramaçãoCapaArte Final/Capa Final

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estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Revista da Faculdade de Educação/Universidade do Estado de MatoGrosso: multitemática – Coordenação: Ilma Ferreira Machado. AnoVII, nº 11 (Jan./Jun. 2009) – Cáceres-MT: Unemat Editora.

Semestral

Multitemática

127 p.

ISSN 1679-4273 CDU – 37 (05)

M961

Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer

meios, sem a prévia autorização por escrito da editora.

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SUMÁRIO

EDITORIAL..................................................................................................................................07Ilma Ferreira Machado

ARTIGOSGASTO OU INVESTIMENTO: O QUE É FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃOSUPERIOR NO BRASIL?.................................................................................................................11Renato de Oliveira BritoFernando C. M. Louzada

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: IMPACTOS SOCIAIS DOSPROGRAMAS DE ALFABETIZAÇÃO..................................................................................................23Eliane Siqueira de Medeiros Lazari

ESTÁGIO NO CURSO DE PEDAGOGIA: AVANÇOS E DESAFIOS FRENTE ÀSPERSPECTIVAS REFLEXIVA E INVESTIGATIVA....................................................................................33Rita Buzzi Rausch

“RAÇA” E ESTADO DEMOCRÁTICO: AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL, A QUEBRA DOPACTO DE SILÊNCIO E A REDISCUSSÃO DE VALORES DA MODERNIDADE............................................53Priscila Martins Medeiros

HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO: UM RECORTE TEMPORAL SOBRE ASCARTILHAS.................................................................................................................................67Graziela Franceschet FariasHelenise Sangoi Antunes

O EMBATE QUALITATIVO/QUANTITATIVO NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO...........................................81Elizeth Gonzaga dos Santos LimaIvanete Bellucci P. AlmeidaChristiane Bellório Gennari StevãoAntonio Carlos Miranda

EM BUSCA DA EXCELÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: INQUÉRITO À SATISFAÇÃODOS ESTUDANTES EM PORTUGAL..................................................................................................97Maria de Lourdes MachadoMaria José Sá

OS SINAIS DA VIVÊNCIA NA EXPRESSÃO CORPORAL: UMA INTERPRETAÇÃOA CINCO MÃOS.........................................................................................................................115Vani Maria de Melo Costa

NORMAS DA REVISTA PARA APRESENTAÇÃO DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS......................................127

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EDITORIAL

A complexidade de situações e fatos, engendrados pela práticaeducativa, alimenta o processo de reflexão sobre as questões educacio-nais em vários países, inclusive, no Brasil. Nesse processo de discussão,alguns pontos são reiterados, outros são negados ou questionados, susci-tando a realização de estudos de aprofundamento e de novas pesquisasque contribuem para a ampliação da capacidade de entendimento dastemáticas discutidas e para a qualificação da produção científica no campoeducacional.

A leitura dos artigos que compõem a Revista da FAED/UNEMATde nº 11 evidencia uma dimensão que merece ser destacada, dada a suarelevância: as concepções de homem e sociedade como elementosdefinidores das políticas e ações delineadas para área da educação que,por vezes, contrapõem-se ou mesmo se antagonizam com a forma como asociedade está estruturada. Nesse sentido, no contexto da sociedade ca-pitalista, as lutas e discussões travadas em torno da educação manifes-tam-se nas relações de poder estabelecidas entre aqueles sujeitos quebuscam a transformação social e aqueles que procuram perpetuar o siste-ma vigente. Os embates travados nesse nível de relações permitem con-quistar alguns avanços em meio a alguns recuos, demandando anecessidade de se estabelecer algumas mediações para que a rupturaocorra e haja transformação social – o que não acontece de maneiratranquila, pelo contrário, é algo sempre conflitante.

É conflitante, por exemplo: a) a definição de políticas de médio elongo prazos para a educação de jovens e adultos, posto que, historica-mente, nesse campo, configurou-se a existência de programas paliativose descontínuos; b) a definição de políticas de inclusão social, pois, geral-mente, tendem a mascarar as reais diferenças entre os sujeitos e a refor-çar a discriminação; c) o financiamento da educação superior no Brasil, porser visto como gasto, e não como investimento; d) a relação teoria e práti-ca na formação de professores, principalmente por ocasião da realizaçãodo estágio supervisionado; e) o atendimento do interesse dos estudantesque desejam um currículo estandartizado e a marketização do ensino su-perior; d) a obscuridade ou não da vivência na expressão corporal da crian-ça em idade escolar; e) o uso ou não das cartilhas no processo dealfabetização e; f) o uso das abordagens quantitativas e qualitativas noprocesso de avaliação.

Na tentativa de superação desses conflitos, os autores apresen-tam possibilidades que poderão, gradativamente, produzir ações concre-tas rumo a uma mudança substancial no campo da educação.

Ilma Ferreira MachadoEditora da Revista da FAED/UNEMAT

Cáceres, junho de 2009.

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GASTO OU INVESTIMENTO: O QUE É FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃOSUPERIOR NO BRASIL?

Renato de Oliveira Brito1

Fernando C. M. Louzada2

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo: a) fazer reflexões sobre os conceitose as dimensões objetivas e subjetivas que sustentam o financiamento da educaçãosuperior no Brasil, tendo como base as definições de custo, investimento e financi-amento encontrados na literatura contemporânea e b) apresentar argumentos que

contrapõem as recomendações das instituições financeiras internacionais sobreeducação nos países em desenvolvimento, ou seja, de que a prioridade de investi-mentos não é para a educação superior e contra-exemplos da teoria crítica deChang (2009). Com base nessas reflexões, consideramos que o investimento emeducação superior pode criar alternativas para melhorar a educação e auxiliar nodesenvolvimento da sociedade brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: financiamento, educação superior, Teoria Crítica.

ABSTRACT: This article offers reflections on the concepts that underpin the fundingof higher education in Brazil and their objective and subjective dimensions, basedon the definitions of cost, financing and investment found in contemporary literature.It opposes the recommendations of international financial institutions on education

in developing countries that the focus of investment is not for higher education andthe against-examples of the Chang´s Critical Theory (2009). In this sense, we considerthat the investment in Higher Education can create alternatives to improve educationand to assist in the development of Brazilian society.

KEYWORDS: financing, higher education, Critical Theory.

O presente artigo pretende refletir sobre as dimensões objeti-vas e subjetivas que sustentam o financiamento da educação superior noBrasil, tendo como base as definições de custo, investimento e financia-mento encontradas na literatura contemporânea e nas recomendações

1 Pesquisador Visitante em Direitos Humanos pelo Centre for Social Science Research da Univer-

sidade de Cape Town – África do Sul (2005). Membro do grupo de pesquisa “Gestão Educacional,

Economia e Implicações Curriculares - CNPq”. E-mail: [email protected] Analista Sênior da Caixa Econômica Federal. Atualmente é mestrando em Educação pela Univer-

sidade Católica de Brasília e membro do grupo de pesquisa “Gestão Educacional, Economia e

Implicações Curriculares - CNPq”. E-mail: [email protected]

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do fórum mundial de Davos (Suíça, 2009), com vistas a aprofundar as dis-cussões sobre o tema e esclarecer os efeitos dessas dimensões na práticae no inconsciente dos brasileiros.

Conceitos sobre financiamento da Educação Superior no BrasilInicialmente, propomos ao leitor o esclarecimento sobre os con-

ceitos que permeiam a atividade educacional, notadamente aqueles quepertencem à esfera do financiamento público. O financiamento públicoda educação é derivado da lei que compõe a Constituição Federal de 1988,emendas como a de nº. 14/96 e Leis como as de número 9.394/96, 9.424/96e 9.473/97. Para tanto, buscamos as definições dos conceitos junto ao dici-onário eletrônico Michaelis sobre os seguintes verbetes: financiamento,gasto, dispêndio e investimento, os quais são transcritos a seguir:a) financiamento: sm (financiar+mento2) 1 Ação ou efeito de financiar. 2Concessão de prazo para o pagamento de dívidas comerciais. 3 Emprésti-mo de dinheiro;b) gasto: adj (part irreg de gastar) 1 Ação ou efeito de gastar. 2 Consumo. 3Despesa, gastamento. 4 Dispêndio. 5 Aquilo que se gastou. Gastos largos:despesas excessivas;c) dispêndio: sm (lat dispendiu) 1 Consumo, despesa, gasto.d) investimento: sm (investir+mento2) 1 Ato ou efeito de investir. 2 EconAplicação de capitais.

Segundo a enciclopédia eletrônica Wikipédia (2009), o termo“gasto” seria visto como sacrifícios financeiros com os quais uma organiza-ção, uma pessoa ou um governo têm que arcar a fim de atingir seus obje-tivos, sendo considerados como objetivos a obtenção de um produto ouserviço qualquer, utilizados na aquisição de outros bens ou serviços. Poroutro lado, o termo “investimento” refere-se à aplicação de recursos (di-nheiro ou títulos) com a expectativa de receber retorno futuro superior aoaplicado, compensando, inclusive, a perda de uso desse recurso durante operíodo de aplicação (juros ou lucros, em geral, a longo prazo).

As definições aqui descritas são aquelas de uso corrente por qual-quer usuário leitor de dicionários. Diante dessas descrições, pode-se in-ferir que mesmo descritas no âmbito do financiamento educacional, estasnão parecem ser as definições mais adequadas, tampouco demonstram aatitude mais correta quando se fala de custeio educacional. Tecnicamen-te, o Orçamento Geral da União trata o custeio da educação como gastoscorrentes. Como demonstrado na conceituação acima, as descrições de-notam algo que vai embora, sem retorno.

O leitor pode se perguntar onde queremos chegar com essa dis-cussão ou, ainda, o que está em jogo de fato com o financiamento da

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educação superior. Nossa pretensão é demonstrar que os conceitos utili-zados para o custeio da educação e praticados pelo governo, notadamentena esfera da educação superior, são insuficientes do ponto de vistaconceitual; mais ainda, quando são levados em consideração os aspectosde bem-estar, melhoria de condições e desenvolvimento social e culturalinerentes ao processo educacional. Nesse sentido, o custeio da educaçãoprecisa ser tratado como investimento, ou seja, é preciso investir com ointuito de melhorar e de criar condições de a sociedade se desenvolvercomo um todo. Quando se pratica financiamento educacional, reduz-se aatividade educacional à lógica mercantilista, tantas vezes defendida pelofenômeno da globalização do capital e da política neoliberal de paísescentrais (desenvolvidos).

O conceito de “financiamento” guarda consigo um prazo e umretorno tangível e material (dinheiro), o que não parece ser o mais ade-quado à realidade vivenciada, jurídica e politicamente no Brasil. Oreducionismo econômico gera subprodutos como custo-aluno, custo-es-cola, eficiência escolar, maximização de resultados e tantos outros con-ceitos amplamente utilizados no jargão econômico, mas que poucocontribuem para a melhoria e a universalização da educação no Brasil.

No entanto, a forma de lidar com o financiamento da educaçãosuperior tem mudado durante os últimos anos. Como exemplo disso pode-se citar a proliferação de instituições particulares que, como consequênciadesse financiamento, ofertam um grande número de vagas nas mais di-versas áreas do conhecimento. Enquanto isso acontece, a participação dauniversidade pública na formação de pessoal de nível superior, assim comoa qualidade do ensino e as possibilidades de avanço do campo científicono país, têm sido colocadas de lado, ano após ano.

Direcionando o foco dessas reflexões para a educação públicasuperior, tem-se o seguinte quadro: os recursos públicos estão legal eculturalmente direcionados para a educação básica ou fundamental.Sguissard (2000), no artigo “O Banco Mundial e a Educação Superior: revi-sando teses e posições?”, descreve um quadro aterrador da educação su-perior durante o segundo governo FHC, entre 1995/1999, período em quehouve redução do percentual financeiro aplicado à educação.

Nessa linha, a “crise” de financiamento da educação universitá-ria está inserida no interior de uma crise maior, que é a crise fiscal doEstado, desencadeada no final do século XX , quando, a partir dos anos de1980-90, o Banco Mundial passou a atuar como auxiliar na cobrança dadívida externa, fazendo com que os países endividados adotassem ajustesestruturais por meio de empréstimos específicos e, assim, privatizassemempresas públicas e abrissem seus mercados de produtos e, mais tarde,

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de serviços. Assim, esse período perdura até os dias atuais, mas a ênfasedo Banco Mundial, atualmente, vem sendo no corte de gastos públicos,visando ao pagamento da dívida externa, assim como o direcionamentode recursos educacionais para as séries iniciais do ensino fundamental.

Esse discurso esvazia a possibilidade de um ensino superior pú-blico, alinhado a objetivos estratégicos maiores dentro do Brasil. Não con-cretizar investimentos em educação superior pode significar, a médio elongo prazos, a frustração de desenvolvimento e melhoria tanto na estru-tura, quanto nas políticas governamentais e privadas no Brasil. É impor-tante ressaltar que, no nível superior, aprimora-se o senso crítico einstrumentaliza-se os profissionais tanto para o mercado de trabalho for-mal, quanto para a atividade educacional nos seus variados níveis. Enten-demos que o ensino público superior, assim procedendo, estariacumprindo satisfatoriamente seu objetivo principal, que é capacitar pro-fissionais para lidar com um porvir em melhores condições deenfrentamento.

O financiamento da educação superior chegou a ser visto, poralguns especialistas, como uma “síndrome de qualificação”, ou seja, o Es-tado financia a educação e forma um grande número de diplomados comnível elevado de ensino, mas, ao mesmo tempo, gera uma grande massade desempregados. Com base nesse discurso, a proposta para soluçãodessa suposta síndrome seria pôr fim à gratuidade do ensino superior.Outro argumento que começou a ser usado pelos organismos internacio-nais para a diminuição do financiamento educacional foi a divulgação docusto do aluno para os cofres públicos, com o objetivo também de justifi-car o congelamento salarial dos profissionais das universidades, fazendocom que os efeitos da educação para uma sociedade fossem resumidos aanálises de custo - beneficio.

A educação, que por vários séculos foi vista como um investi-mento do Estado para com a sociedade, realizado a médio e longo prazos,há alguns anos deixou de ser o centro das atenções de organismos inter-nacionais no que tange às políticas educacionais. Assim, vários países so-freram cortes bruscos nesse setor, em especial, na educação superior, queteve de se submeter às diretrizes impostas por esses organismos que selimitavam a financiar projetos e estudos para a redução dos gastos com oensino superior público e, com isso, buscar formas de otimizar a “eficiên-cia interna” do setor, isto é, adotar práticas de gestão empresarial quevisavam ao fortalecimento do setor privado.

No início do século XXI, sob a alegação de que a educação supe-rior é de fundamental importância dentro do mundo globalizado, surgemais um argumento favorável à expansão do setor privado, justificado

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pelo surgimento de uma “sociedade do conhecimento”. No entanto, aoferta não partiria mais do setor público, e sim do setor privado. De acor-do com dados do Banco Mundial (SGUISSARD, 2000), esse setor deveria servisto, doravante, como uma área de negócios ligada ao setor privado in-ternacional e a grandes firmas nacionais a ele associados, que estariamprontas para vender seus pacotes educacionais, consultorias, equipamen-tos, entre outros.

Dentro dessa linha de pensamento, foi enfatizada não só a ne-cessidade de diversificação das instituições, como defende o sistemaestratificado, com poucas universidades de pesquisa no topo, seguidaspor universidades que oferecem formação profissional em quatro anos,institutos isolados e centros vocacionais e/ou de formação técnica comduração de dois anos. As universidades de pesquisa atenderiam à eliteintelectual do país, contariam prioritariamente com verbas públicas, seri-am gratuitas, mas o uso de seu potencial seria para o desenvolvimento,isto é, para fazer projetos com o intuito de acelerar o desenvolvimentoeconômico do país e a competitividade das empresas. Também foi refor-çada a implantação de novas modalidades de oferta do ensino superior,como o ensino a distância, o semipresencial, bem como a oferta de cursosem blocos sequenciais.

As forças econômicas mundiais e a educação superior no BrasilNo parágrafo anterior, foi possível demonstrar o poder das for-

ças econômicas sobre a educação superior no Brasil. Isso é decorrência daobservância, muitas vezes acrítica, das recomendações do Consenso deWashington (SGUISSARD, 2000) e das instituições reguladoras do capitalinternacional (BID, FMI, etc.). Tais recomendações dividem-se em dez re-gras básicas que são: disciplina fiscal, redução de gastos públicos, reformatributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, in-vestimento estrangeiro direto com eliminação de restrições, privatizaçãode estatais, desregulamentação e direito à propriedade intelectual.

A educação superior, que até há pouco tempo era consideradacomo um Direito Social, traço legítimo, histórico e legal dentro de umaestrutura cidadã, passou a ser vista como mercadoria em função da impo-sição de determinados processos de mundialização dentro do âmbito edu-cacional, mais especificamente, nas negociações realizadas pela OMC queestiveram em curso do final de 2004 até o início de 2005. Tais negociaçõestraziam em seu bojo um discurso de que era necessário transformar ospovos dos países em desenvolvimento em cidadãos do mundo. No entan-to, esses cidadãos não foram alertados para o fato de que, nesse processo,passariam de sujeitos atuantes para objeto conduzido pela mão liberal e

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se tornariam cidadãos pouco ativos dentro do estado democrático e seri-am manipulados pelas políticas neoliberais, ou seja, estariam fadados aofracasso na medida em que não haveria diversidade cultural.

Alguns autores têm tratado dessa temática em tom crítico, de-fendendo a missão social da universidade e, por conseguinte, seu financi-amento, como afirma Broveto, Mix e Panizzi (2003, p. 31):

En el marco de su misión social, la UniversidadIberoamericana tiene tambien el papel fundamentalde desarollar nuevos criterios de pertinencia con el finde preservar la cultura de los pueblos. Lo que está enjuego es la supervivencia de los valores distintivos deIberoamerica, la construción misma de un proyectocomún regional [...]. La producción y difusión de bienesculturales debe responder a las necesidades deldesarollo integral de cada sociedad [...]. Solo lamundialización multicutural es aceptable, y es preci-so encararla desde nuestras proprias realidades,rechazando toda forma de globalización alienante pues,integrar el multiculturalismo en una visión democráti-ca es también una missión capital de la UniversidadPública contemporánea.

Para ilustrar esse cenário, vale destacar um trabalho publicadopela IBRD/WORLD BANK (2000) em parceria com a UNESCO, intitulado Aeducação nos países em desenvolvimento: riscos e promessas, produzidopor um grupo de especialistas de 14 países, dentre os quais estão Brasil,Estados Unidos, Palestina, África do Sul e Japão. Tal trabalho foi construídocom o intuito de se criar políticas educacionais alternativas e, ao mesmotempo, de delinear rumos para a educação superior nos países subdesen-volvidos. Com isso, acabou-se enfatizando a necessidade de emprésti-mos voltados à educação básica e, em decorrência disso, colocou-se oensino superior em segundo plano. Esses discursos já sinalizavam indíciosde que a educação passaria por mudanças bruscas no âmbito dos paísesem desenvolvimento e surgiria uma solução padronizada para a educaçãosuperior em escala mundial, a saber, a adoção do modelo de educaçãonorte-americana.

Tal sugestão de modelo, de certa maneira, já vinha sendo apre-goada ao longo das discussões e negociações de forma quase uniformepelos vários organismos internacionais como BID, Banco Mundial, Unesco,entre outros. Tal modelo de educação traz em sua essência uma autono-

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mia que se autofinancia, mas que ignora completamente a realidade e atrajetória histórica política de cada país e de cada universidade.

No entanto, algo no meio desse percurso mudou e o processomercantil e gerencial que concretizou o Extender Order na sociedade e naeducação brasileira (principalmente nos governos FHC e parte do governoLula) teve seu efeito contrário com a atual crise mundial, iniciada em se-tembro de 2008. Tal cenário foi delineado no início de fevereiro de 2009pelos resultados alcançados na última reunião de Davos, marcada por umaatmosfera pessimista em relação à realidade mundial e dando indícios deuma nova forma de protecionismo. Esse clima de pessimismo é objeto doartigo “Clima de pessimismo marca Davos” (TOTINICK; GIRÃO, 2009), noqual as autoras ressaltam o pronunciamento do primeiro ministro do Rei-no Unido, Gordon Brown e afirma:

Se não fizermos nada, a crise vai levar a uma nova for-ma de protecionismo, uma retração na globalização ea redução no comércio entre os países que, será segui-do rapidamente por uma velha forma de protecionis-mo comercial do passado. (TOTINICK; GIRÃO, 2009, grifonosso).

Nesse encontro em Davos, ficou evidenciado que a resolução dacrise internacional exigirá esforço conjunto de todos os países e não have-rá espaço para imposição de uma política ditada por poucos.Consequentemente, especialistas na área de educação começam a dese-nhar tal cenário de crise no âmbito das universidades. Segundo uma en-trevista com o sociólogo Boaventura Santos, publicada pela Secretaria deComunicação da Universidade de Brasília, com o advento da crise, as uni-versidades européias já cortaram 20% de seu orçamento e em instituiçõespúblicas americanas, como a Universidade de Wisconsin, os cortes che-gam a 50%. Ao mesmo tempo, o setor privado se vê ameaçado, pois reco-nhece que a abertura desenfreada de instituições de ensino já representaociosidade de vagas, na medida em que não há público para tantas facul-dades. Esse problema foi aventado pelo sociólogo nessa entrevista:

Não há público para tantas faculdades particulares.Elas estão fechando. Só vão sobreviver as que fizerempesquisa. Há uma tendência internacional de criaçãode franquias entre as grandes universidades e as pe-quenas. É um pacote fechado, que determina os cur-sos, os currículos e os professores. Essas franquias

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preferem as universidades que produzem patentes eque geram renda através delas. Para as Humanidadesisso é mortal. Por isso, elas precisam do Estado, doinvestimento público. As Humanidades não geram pa-tentes. Geram pensamentos [...]. A universidade vaipara onde o mundo vai e é por isso que uma boa uni-versidade deve ajudar a mudar o mundo. (MAGNO;MOTTA, 2003, p. 52).

As contradições do livre mercado induzem a situações como esta,na qual falta público para o contingente de vagas na IES particulares. Isso éverdadeiro em essência? Ou o modelo de financiamento do ensino supe-rior, posto à prova, mostra-se descolado da realidade econômico-finan-ceira dos estudantes brasileiros?

Não fizemos o que nos foi ditoOs veículos de imprensa estampam a manchete histórica: “A Câ-

mara aprova orçamento que prevê investimentos em educação da ordemde 10,5% do PIB, para o exercício de 2050”. O corpo da notícia traz aalvissareira informação de que os investimentos maciços em educação,notadamente na educação superior dos últimos 40 anos, sustentaram osavanços tecnológicos e o desenvolvimento econômico-social brasileiro.Numa exitosa parceria com países de pouca visibilidade e desenvolvi-mento econômico no cenário internacional, Brasil e Moçambique produ-zem energia de matriz alternativa e limpa. A cooperação técnica dos paísespermitiu o desenvolvimento de tecnologia e a troca de experiências en-tre renomadas IFES públicas, levando à produção de hidrogênio em largaescala, o que transformou, radicalmente, a realidade dos brasileiros e dosmoçambicanos nas 4 últimas décadas. O intercâmbio de pesquisadoresegressos de ambos os países, com demais integrantes da academia inter-nacional, foi resultado da política de investimentos em educação superioradotada pelo Brasil a partir de meados de 2010 e colocada como projetoestratégico de desenvolvimento nacional e global.

Esse cenário Changiano pode ser considerado idílico ou não. Naobra Os maus samaritanos: o mito do livre-comércio e a história secreta docapitalismo, Chang (2009) critica o modelo “universalizante” e neoliberalpropalado pela globalização. Seus artigos se contrapõem à história oficialdos sacrifícios necessários à implantação do livre comércio, que prevê aeducação como mercadoria com padrão internacional.

Um dos pontos que merece destaque em relação ao investimen-to em educação e auxilia essa discussão são os exemplos de países como a

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Coréia do Sul, Malásia e outros que contrariaram, ou melhor, pouco obser-varam o ditado popular “façam o que eu digo, mas não façam o que eufaço”. Esses países desenvolveram estratégias de desenvolvimento eco-nômico-social baseadas em investimentos na educação. Contrariando asrecomendações daqueles que chutaram a escada (CHANG, 2009), os sul-coreanos, que já conviveram com classes que variavam de 40 a 100 alunos,garantem, desde os anos de 1960, pelo menos seis anos de educação paratodas as crianças, mesmo com as desvantagens de um ensino poucoenvolvente e baseado na repetição. Além disso, para suprir a falta deengenheiros e cientistas, aumentou “o financiamento e o número de va-gas nas universidades” (CHANG, 2009, p.195) para essas áreas e diminuiuas vagas nos departamentos de humanas. O caso da Malásia traz um aspec-to vanguardista e bastante curioso: o Banco Central da Malásia tem seucorpo funcional eminentemente feminino e com profissionais qualifica-das. No entanto, é preciso lembrar que esse país está situado numa socie-dade de orientação islâmica, a qual impõe ao sexo feminino muitasrestrições à vida social fora dos lares (CHANG, 2009).

Afinal, por que esses aspectos são importantes para se pensar aEducação Brasileira? Em que os aspectos aqui abordados influenciam nasdiscussões sobre o financiamento da educação superior no Brasil? Essasindagações e questionamentos servem, em nossa opinião, para questio-narmos como temos abordado e enfrentado esse assunto na atualidade.Ainda que Chang não seja “a fé, a verdade e o caminho”, sua crítica articu-lada nos apresenta alternativas de desenvolvimento baseadas num pro-cesso educacional orientado e bem estruturado, segundo a diversidade eas condições de cada país. Dessa forma, é possível trilharmos caminhosalternativos para a concretização ou não do cenário descrito acima. Paratanto, entendemos ser necessário desmitificar e desmistificar conceitospara compreendermos melhor a lógica do financiamento educacional, afim de que haja maior envolvimento dos atores, de fato, envolvidos nesseprocesso, a saber, estudantes, professores e gestores.

Considerações FinaisOs temas propostos e discutidos neste texto não se esgotaram e

tampouco tiveram a intenção de esgotar o assunto financiamento educa-cional. A partir do questionamento sobre a função do custeio educacionalser encarado como gasto ou investimento, buscamos elucidar como osconceitos são formados e apreendidos pelos atores da educação brasilei-ra. A proposta dos governos de investirem em educação superior, em vezde financiá-la ou custeá-la, é traçar um caminho diferente e norteado pelaretroalimentação virtuosa do sistema educacional. Profissionais em edu-

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cação mais qualificados e conscientes terão mais condições de formarnovos profissionais com perfil semelhante, o que certamente implicarána melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio que, por suavez, capacitará melhor o pessoal técnico. Nessa esteira, os estudantestambém serão mais qualificados, o que poderá gerar empregos melhorremunerados e, por fim, haverá desenvolvimento e melhoria da socieda-de. Muito mais que a mera mudança conceitual, é necessária uma mudan-ça de atitude em relação à educação brasileira, que deve ser operada decima para baixo, da cabeça para o corpo.

A história recente tem demonstrado que o aceite e a observân-cia acrítica de preceitos direcionados à educação de países em desenvolvi-mento, originadas por instituições financeiras internacionais, atendemaos interesses dos detentores do capital, que pouco se importam se fal-tam professores, engenheiros, bibliotecários ou outro tipo de profissio-nal qualificado nos países que seguem suas orientações.

A mercantilização da educação e o seu financiamento puro e sim-ples, na realidade brasileira, atende pouco aos anseios de uma sociedademais justa e ao bem-estar social.

Dentro dessa perspectiva e observando a linha de pensadorescomo Boaventura, vê-se que ainda persiste, por parte dos defensores deuma educação superior pública de qualidade, a preocupação com um en-sino mercantilizado que nos leva à seguinte reflexão: seria o Fórum Eco-nômico de Davos o espaço mais propício para refletir acerca da conjunturada educação superior em países em desenvolvimento como o é o Brasil?Do ponto de vista econômico, a resposta sem dúvida seria afirmativa, masanalisando a situação pelo prisma de educação como investimento e con-siderando o projeto social da realidade nacional, não, pois isso colocariafim à função social da universidade.

Portanto, reafirmando o que dissemos anteriormente, aposta-mos em alternativas para o modelo de financiamento, custeio ou investi-mento para a educação brasileira que priorizam de forma estratégica asaplicações na educação superior. A capacidade instalada nesse nicho, jun-tamente com a pesquisa e a extensão inerentes às atividades das IFES,podem nortear a mudança e abrir os caminhos que o Brasil trilhará para odesenvolvimento sustentado. Sendo assim, quanto mais conhecermos osconceitos relacionados à questão do financiamento em educação superi-or e as possíveis consequências de uma política equivocada em relação aesse financiamento, tanto mais envolvidos estaremos na busca de solu-ções adequadas à realidade da sociedade brasileira.

Desejamos que este texto traga elucidação sobre o assunto eque provoque mais indagações e questionamentos sobre a questão do

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financiamento da educação no ensino superior, a fim de que mais e maisatores que vivenciam a educação no Brasil sejam envolvidos, com vistas ase tornarem sujeitos das decisões e dos rumos que a educação brasileiravenha tomar, na busca do seu desenvolvimento e bem-estar social.

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WIKIPÉDIA, gasto – verbete, enciclopédia eletrônica. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Gasto>. Acesso em: 15. fev. 2009.

Recebido em: 23/03/2009

Aprovado em: 08/05/2009

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POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: IMPACTOS SOCIAISDOS PROGRAMAS DE ALFABETIZAÇÃO

Eliane Siqueira de Medeiros Lazari1

Não esperamos nada do século 21: é o século 21 que espera tudo de nós(MAYOR e BINDÉ)

RESUMO: Nesse texto, procuramos evidenciar que ao longo da história da Educa-

ção de Jovens e Adultos, especificamente da alfabetização, muitos projetos e pro-gramas foram executados por diversas instituições, porém, estes não possibilitaramrompimentos com o estado ou condição de analfabeto dos indivíduos. Uma políti-ca educacional bem definida num sistema de ações conjugadas entre instituiçõesde formação ou não, sociedade civil organizada, as esferas governamentais, orga-nizações não-governamentais – ONGs - poderá reverter esse estado ou condição e

gerar impactos sociais, melhorando a qualidade de vida das pessoas pouco ounão escolarizadas, que são excluídas socialmente, vislumbrando, assim, a supera-ção da relação dual de opressor-oprimido.PALAVRAS-CHAVE: alfabetização de jovens e adultos, impactos sociais, política edu-cacional, parcerias e opressão x oprimido.

ABSTRACT: In this text, seeking evidence that, throughout the history of Education,

Youth and Adults, specifically of literacy, many projects and programmes werecarried out by various institutions, but they do not possible disruptions to the stateor condition of illiterate individuals, and much has been discussed in recent decades.An educational policy in a well-defined system of combined action betweeninstitutions of training or not, civil society organisations, the beads governmental,non-governmental organizations - NGOs, could reverse this state or condition and

generate social impacts improving the quality of life of people just or not attendingschool, who are socially excluded, seeing thus overcoming of the dual-oppressedoppressive. KEYWORDS: literacy of young people and adults, social impacts, educational policy,partnerships and oppression x oppressed.

Pensar a educação hoje é muito mais do que se pensar em con-ceitos ou formas de educação. É uma busca que perpassa pela educação

1 Especialista em Planejamento Educacional. Assessora técnico-pedagógica da Secretaria de Es-

tado de Educação de Mato Grosso. Membro da equipe do Plano de Ações Articuladas – PAR/MT. E-

mail: [email protected]

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informal, não-informal e formal, vislumbrando o indivíduo como um todo,sem fragmentações. A exigência educacional na pós-modernidade, den-tro dos parâmetros escolarizáveis, vem impondo ao sistema condiçõesímpares em todos os tempos, fazendo ajustes para que se possa conjugarações que fogem das alçadas das instituições escolares, o que as transfor-mam num poderio de assistencialismo com alto teor de responsabilida-des e com padrões mínimos presos aos princípios da qualidade.

No cenário da educação no Brasil, a Educação de Jovens e Adul-tos tem registros significativos ao longo de sua história, como podemosconfirmar na literatura já publicada nacionalmente. Porém, essa modali-dade sempre foi colocada numa posição de posterioridade em relação àsdemais. A sua gênese está no processo de exclusão social advindo demodelos econômicos vigentes, cujo sistema da divisão social do trabalhocria a relação de opressor versus oprimido, em que um se sobrepõe aooutro numa relação dual de dominantes e dominados, confirmando asinúmeras dualidades nas relações marcadas pela e na história do homemna sociedade: corpo/alma, homem/natureza, homem/sociedade, traba-lho/salário, patrão/empregado, teoria/prática, entre outras.

Acreditar na Educação de Jovens e Adultos numa concepção deeducação para a vida é pensar os conceitos durkheimianos, cuja “educaçãoé essencialmente o processo pelo qual aprendemos a ser membros dasociedade. Educação é socialização [...] e socializar-se [...] é aprender oseu devido lugar nela” (RODRIGUES, 2002, p.32-33) e isso exige momentosde reflexões para poder se definir políticas educacionais, considerando osmomentos históricos que são extremamente ímpares. Que sujeitos que-remos formar? Que tipo de sociedade queremos? Para perpetuar, repro-duzir, revolucionar ou transformar? Educar para que tipo de vida?

Todas essas questões têm nos afrontado quando observamosque a educação no século XXI continua sendo um mecanismo de manu-tenção da ordem social. Uma educação, via de regra, fundamentada ora natransmissão, ora na tentativa da emancipação do homem, visando de fatoe de direito à sua liberdade. Isso nos remete ao questionamento do con-ceito de liberdade que se tem ao definir políticas educacionais, principal-mente de jovens e adultos.

Há de se considerar, acima de tudo, que a política do blocohegemônico neoliberal, com os efeitos da globalização, vinculados estri-tamente aos aspectos econômicos em que o mercado dita as regras, vemtravando batalhas no sistema educacional brasileiro que tem nos mostra-do o verdadeiro lugar de cada um nessa sociedade. O analfabeto, o poucoou não escolarizado, desprovido do mundo das letras, tem ocupado espa-ços cada vez menores, levando-se por um conformismo de sua condição

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social e principalmente econômica.Rodrigues (2002 p. 36), ao mencionar a sociologia de Marx, diz

que

[...] ele olhou à sua volta e percebeu que, para além dossinais aparentes de miséria e sofrimento das classestrabalhadoras [...] havia um processo histórico emcurso que, enquanto levava a burguesia à condição declasse dominante, expropriava dos trabalhadoresmanuais seus instrumentos de produção e seus sabe-res, transmitidos com zelo de geração para geraçãoatravés dos séculos [...].

De acordo com Marx (apud RODRIGUES, 2002, p. 37), consideran-do as chamadas leis da história, a luta entre classes sociais e as relações dedualidade perpetuam a condição de oprimido e opressor neste séculoXXI, visto que o trabalhador continua expropriado dos seus saberes e,para medidas paliativas nessas relações, tem-se pensado nesse sujeitoenquanto sujeito marginalizado socioeconômico e culturalmente, pro-pondo reaver ou resgatar a dívida social, primando pelas funções repara-dora, equalizadora e qualificadora, conforme prescrevem as DiretrizesCurriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos – Parecer N.º11/2000 – CEB/CNE.

Nesse sentido, as políticas educacionais no final do século pas-sado, especialmente as de alfabetização, possibilitaram discussões umpouco mais acirradas em torno da modalidade de Educação de Jovens eAdultos, considerando essa dívida social e os índices estatísticos apresen-tados em relação ao analfabetismo que, segundo o censo 2007, há 14,4milhões de brasileiros acima de 15 anos que são analfabetos literais e 33milhões de analfabetos funcionais no Brasil e, em Mato Grosso, 10,3% dapopulação acima de 15 anos é formada por analfabetos literais e 24,9% écomposta por analfabetos funcionais.

Hoje, as políticas educacionais já conseguem direcionar um olharmais focalizado e cauteloso para a demanda existente, com vistas a resga-tar essa dívida social para com aqueles que foram excluídos do processode escolarização em idade própria, não tendo acesso à escola ou não per-manecendo nela, conforme preveem as bases legais vigentes.

Há uma grande preocupação, em todo o território nacional, emalfabetizar jovens e adultos, atendendo as metas estabelecidas no PNE Nº10.172/2000. E, para isso, a sociedade civil organizada, por meio de insti-tuições governamentais e não governamentais, tem se mostrado sensibi-

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lizada e acessível à participação em projetos e programas, com o objetivode alfabetizar esses sujeitos que, por força da circunstância, não tiveramacesso à escola ou que dela foram excluídos.

O perfil do nosso aluno da alfabetização de jovens e adultos émarcado pela história das lutas entre as classes; são pessoas que comun-gam objetivos semelhantes, porém, com características homogêneas eheterogêneas ao mesmo tempo. Homogêneas porque são pessoas de con-dições econômicas, de moradia, de trabalho, emprego ou desemprego,nível de instrução educacional semelhantes e heterogêneas porque cul-turalmente originam-se de diversas regiões do país, com diferentes pro-fissões e com as mais variadas idades num mesmo grupo. Essa riqueza dediversidade e de semelhança possibilita-nos criar a consciência coletiva,consciência do mundo e, principalmente, a consciência de si próprio.

Nesse sentido, Paulo Freire (1987) deixa claro que nessa relaçãoé possível o homem “re-descobrir-se” por meio da prática da reflexão desi mesmo, “mas que ninguém se conscientiza separadamente dos demais.A consciência se constitui como consciência do mundo. Se cada consciên-cia tivesse o seu mundo, as consciências se desencontrariam em mundosdiferentes e separados” (ibidem, p. 14). Portanto, na soma de esforçospara conjugar ações, considerando as características homogênea e hete-rogênea dos alunos dos programas e/ou projetos de alfabetização, é ne-cessário pensar quem é esse aluno, o que de fato está a procura e o quepodemos lhes oferecer.

A partir da consciência de sua história de vida, esse sujeito “élevado a escrever a sua própria história” (ibidem, p.18), e para isso, nãobasta aprender a ler e escrever, fazer o uso dos códigos puro e simples-mente, mas sim fazer uso social da escrita e da leitura, visto que essemesmo sujeito vive numa sociedade letrada que lhe impõe, a cada mo-mento histórico, situações que apenas o ato de decodificar não é suficien-te. Desta forma, é necessário humanizar-se através das letras, dossímbolos, sentir-se liberto ou livre, não apenas para ocupar uma função nasociedade.

“A alfabetização não é um jogo de palavras, é uma consciênciareflexiva da cultura, a reconstrução crítica do mundo humano, a aberturade novos caminhos, o projeto histórico de um mundo comum, a bravurade dizer a sua palavra” (FREIRE, 1987, p. 20). Freire nos deixa em seusescritos a visão de mundo que muitos, embora com lentes armadas degraus elevados, não conseguem ver porque fazem da educação uma edu-cação depositária, bancária, reprodutora e alienada.

Enquanto se acredita que analfabeto é apenas o sujeito que nãodomina o código escrito, nasce o analfabeto funcional e o digital, talvez

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numa proporção menor porque são atores advindos do processo deescolarização, porém, com os mesmos estereótipos. Nesse sentido, te-mos os escritos de Ribeiro (1999), que trata das questões do alfabetismofocalizando quais as habilidades de leitura que caracterizam um indivíduocomo realmente capaz e apto para viver numa sociedade grafocêntrica, oque nos leva a observar que, mesmo escolarizados, os indivíduos apre-sentam graus de alfabetismo.

Como já mencionamos, faz-se urgente a necessidade de açõesconjugadas entre instituições e a sociedade civil. Essas ações nos dão con-ta de que é possível enfrentarmos os desafios herdados pela política dapseudodemocracia. Dessa forma, é necessário colocá-las no patamar dapedagogia da prática social educativa, para contemplar o século XXI. Épreciso também travar lutas para que essa pedagogia venha influenciar navida cotidiana do indivíduo, não apenas no seu intelecto, mas, acima detudo, no social, no econômico, no político e no seu interior por via daconsciência individual.

Acreditar que mudar o mundo é erradicar o analfabetismo é umgrande equivoco. Transformar o mundo e a sociedade perpassa tambémpela educação, em que a reciprocidade, a dialogicidade e a triadicidade(real, imaginário e simbólico) se estabelecem nas relações entre os ho-mens e destes com a natureza/sociedade. E, dessa forma, podemos pen-sar que sistematizar programas de alfabetização de jovens e adultos émuito mais que resgatar uma dívida social; é, acima de tudo, respeitar oindivíduo como homem, que é movido pelo maior elo, o amor. A socieda-de de classes, movida pelo acúmulo de capital, impõe, além daescolarização, a necessidade de competências, consideradas como capa-cidades que cada indivíduo desenvolve para articular, mobilizar os conhe-cimentos, as atitudes, as habilidades, as emoções, os sentimentos e cruzarinformações visuais (externas) e não-visuais (internas) para gerar novosconhecimentos.

No paradigma educacional e social emergente, é mister não maisreproduzir modelos estáticos de alfabetização de jovens e adultos, por-que se assim o fizermos, não estaremos propondo mudanças no grau dealfabetismo dos indivíduos. Paulo Freire, na década de 60, já possuía umavisão holística do processo de alfabetização; sentia necessidade dereinventar a educação para que esta fosse um instrumento de transforma-ção do homem e do mundo. É lamentável que apesar de suas ideias im-pregnarem muitas ações nacionais, ainda estão muito aquém de seremrealidade.

Brandão (1981, p.16), ao abordar o método Paulo Freire, afirmaque o nobre educador “imaginou criar uma ferramenta que ajudasse o

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homem a começar pelo começo; por um jeito mais humano de ensinar-aprender a ler-e-escrever”, porque o homem é um sujeito histórico, pro-duz a sua própria história e nela vive; é um sujeito que faz parte de umacultura, que trabalha, enfim, que tem educação. Acreditamos que, acimade tudo, esse sujeito, com o propósito de ser livre, estará preso nas alge-mas da marginalização social e, consequentemente, econômica, caso nãotenha acesso aos bens educacionais.

Sabemos que não existiu o método Paulo Freire de alfabetiza-ção propriamente dito porque o processo de alfabetização adotado porele, na época de sua experiência em Mossoró, consistia no método silábi-co. O que deu significado explosivo ao chamado “método Paulo Freire”foram as suas ideias e a forma como era trabalhada essa alfabetizaçãosilábica. Esta partia de temas geradores, os quais faziam parte da realida-de dos alfabetizandos, que se encontravam num círculo de cultura acom-panhados por um animador, cuja figura era a do alfabetizador. Essa propostade alfabetização pautada nos ideais freirianos proporcionou grandes con-tribuições para uma educação emancipatória, o que podemos chamar dehumanização, porque, para ele, se o ato de alfabetizar estivesse emdesconexão com o diálogo, este não teria sentido.

Segundo Brandão,

[...] o diálogo é o sentimento do amor tornando ação.As trocas entre o homem e a natureza são originaria-mente regida pelo diálogo [...] e as coisas que existemno mundo são dadas ao homem. Elas existem para elee se oferecem ao homem para serem dominadas porele. Para serem amorosamente transformadas esignificadas pelo homem e para ele. O homem respon-de à dádiva da natureza com o ato do trabalho [...] é asua parte no diálogo que deveria ser fundamental detodos os outros seres humanos. (BRANDÃO, 1981,p.103).

Nesse século XXI, a educação de jovens e adultos deverá estabe-lecer o interlúdio sócio-político-econômico e cultural no processo de alfa-betização, tendo por base a dialogicidade, o amor e o respeito nas relaçõeshomem-natureza, porque o trabalho só acontece quando da instituiçãodas relações entre os homens e destes com a natureza.

Ao nos reportarmos à história da evolução do ser humano, emMeksenas (2002) vemos que o homem, sendo descendente de um dosramos dos primatas, ao adotar uma postura ereta e ao utilizar a sua capaci-

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dade de pensar e lutar pela sobrevivência, sentiu a necessidade de fazeruso das mãos como instrumento ou ferramenta de sobrevivência, inclusi-ve para fabricação de outras ferramentas, nascendo, dessa forma, o traba-lho. Porém, isso não aconteceu num processo imediato e isolado, porqueo círculo de dependência se instaurou no processo em que cada um come-çou a se especializar em uma única atividade, criando um vínculo deinterdependência entre os indivíduos coletivamente, o que o autor cha-ma de “processo educativo coletivo através da linguagem” (p.17).

Nasceu, assim, o trabalho. E, dessa forma, o homem partiu emdireção à transformação da natureza em seu próprio benefício, instituin-do a exploração humana por meio da divisão social do trabalho, o que olevou a criar “novas formas de organizar a vida: as normas se tornaram leise as leis, por sua vez, fixaram costumes, tradições e maneiras de agir quesão tidas como convenientes pelo grupo social” (ibidem, p. 18). Nessesentido, confirma-se o aporte de Durkheim no nascimento da sociedade,cujo “interesse coletivo impõe regras às condutas individuais” (p.18).

Nessa trama de relações, nasce, na sociedade letrada, o indiví-duo com necessidades, que, por sua vez, aposta numa descrença da suacapacidade de lutar para sobreviver em meio aos blocos hegemônicosneoliberais e neoconservadores e julga desnecessário o acesso à leitura eà escrita.

Metaforicamente dizemos que é possível apagar o rastro deixa-do na areia da praia da vida dessas pessoas, ou seja, é possível fazer algono sentido de minimizar as marcas do analfabetismo. A geração de adul-tos, pouco ou não-escolarizados, não é fictícia, está aí, ninguém pode ne-gar, mas é urgente pensar nos jovens que estão seguindo a mesma trilha.Não basta nos sensibilizarmos com as necessidades dessas pessoas. Elasprecisam viver dignamente e independente de ser jovem ou adulto, asociedade letrada exige que as pessoas façam o uso social da leitura e daescrita, num ir e vir dos seus direitos e deveres. Portanto, cabe-nos açõesreflexivas e investigativas que possam, num futuro não muito distante,evitar os desastres do alfabetismo para com uma geração de jovens queestá emergindo diante de uma sociedade letrada.

Outros são mais otimistas. Acreditam que nunca é tarde para seaprender e procuram participar de programas e/ou projetos de alfabetiza-ção, pensando sempre na melhoria da qualidade de vida, principalmentena expectativa de um emprego melhor, que automaticamente lhes pro-porcionará uma renda maior e, consequentemente, um padrão de vidamelhor. Entretanto, estes encontram resistência na conciliação entre otrabalho e o estudo e, para atender essa demanda, é mister que saibamosadequar as suas necessidades às suas condições.

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O século XXI, posto como século do conhecimento, da informa-ção, da comunicação, é também o da solidariedade, o que nos permite uminvestimento para proporcionar aos jovens e adultos não somente o aces-so ao saber escolarizado, mas, acima de tudo, a sua permanência numaprojeção de aspirações sociais. O homem deve ser respeitado na sua con-dição humana, sem diferenças, pois todos têm saberes acumulados aolongo de suas vidas e é nesse ato de reciprocidade que se proporciona ocrescimento materializado na dialética e na história.

Esse homem, ao ter garantido os seus direitos e seus deveres,como prescreve a Carta Magna do País, poderá não mais fazer parte dosexcluídos socialmente, e sim dos que lutam pela superação da sociedadede classes em meio à transformação social, libertando-se de qualquertipo de coerção, haja vista que será um sujeito politizado.

Conforme Paro (1999, p. 102),

[...] a questão da educação enquanto fator de transfor-mação social inscreve-se no contexto mais amplo doproblema das relações entre educação e política. Esseproblema só pode ser adequadamente analisado setanto política quanto educação forem vistas em suasespecificidades, de tal modo que uma não se dilua naoutra e vice-versa.

Refletir sobre educação implica num ato político e todo ato polí-tico implica num ato educativo, que apesar de distintos, estabelecem umarelação de reciprocidade na dominação e na persuasão. Entretanto, nãopodemos nos esquecer de que nessa possibilidade de bifurcação e con-vergência, ao mesmo tempo está o aluno da modalidade de Educação deJovens e Adultos, especificamente, o da alfabetização. E é para essa clien-tela que devemos concentrar as nossas ações. As exigências idealizadaspara esse século estão cada vez mais estabelecidas e sistematizadas fren-te a um projeto hegemônico: alfabetizar para cidadania.

Nessa perspectiva, acreditamos que os impactos na vida dos jo-vens e adultos, pouco ou não-escolarizados, deverão ser significativos,não podendo mais ser nas proporções e dimensões dos programas sociaisgerados e gestados em perspectivas compensatórias, supletivas.

Os programas de alfabetização de jovens e adultos deverão tercaracterísticas próprias para esse público ao considerar a especificidadede cada grupo de alfabetizandos a partir da sua realidade, e não ficar circu-lando em torna dela, menosprezando a capacidade de cada um; é precisoproporcionar, além do mundo simbólico das letras, acessível através da

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leitura, da escrita e do saber matemático, o mundo dos impactos sociais,com orientações nas diversas áreas do conhecimento, com encaminha-mentos para práticas da vida; faz-se necessário estabelecer contratos di-dáticos coerentes e não coercitivos; construir, antes de mais nada, umarelação harmoniosa entre as partes envolvidas; respeitar as adversidadesculturais, religiosas e outras; criar espaços para produção de artefatos ca-pazes de gerar ou ampliar a renda familiar. Isso tudo poderá implicar noresgate da autoestima de cada um, melhorando, inclusive, o Índice deDesenvolvimento Humano no País.

Ficamos perplexos ao examinar, ao longo da história, as péssi-mas condições socioeconômicas a que são submetidos muitos jovens eadultos em decorrência do seu estado de analfabeto, bem como o fato denão usarem do seu conhecimento e de sua capacidade para a superaçãodessas condições. Essa questão implica no rompimento dos paradigmasunilaterais arraigados naqueles que estão alfabetizados, ou que apresen-tam graus de alfabetismo superiores e acreditam não haver necessidadede educar ou politizar o outro que, por motivos alheios à sua vontade, nãoteve acesso à alfabetização ou que dela fora excluído.

Queremos acreditar que para ampliar o nosso ativismo e gerar,de fato, impactos sociais comensuráveis na vida de milhões de brasilei-ros, como, por exemplo, aumentar a escolaridade, gerar ou ampliar a ren-da familiar, ter acesso aos bens culturais e outros requer ações no sentidode maximizar as oportunidades, por meio de parcerias entre instituiçõesde formação, as esferas governamentais e organizações não-governamen-tais - ONGs. Dessa forma, é possível estabelecer uma política educacionalpautada nos princípios éticos dos direitos humanos.

A efetivação de ações dessa natureza perpassa pelo crivo da for-mação dos profissionais que atuarão num projeto macro, visto que alémda formação didático-pedagógica, estes deverão estar imbricados e real-mente sensibilizados com a situação que ora se apresenta aos nossos jo-vens e adultos.

Segundo Brandão (1981, p.109), “o homem que se conscientiza éaquele que aprende a pensar do ponto de vista da prática da classe quereflete, aos poucos, o trabalho de desvendamento simbólico da opressãoe o trabalho político de luta pela superação”.

Mesmo assim, não daremos conta de resolver os problemas pon-tuais dos nossos cidadãos, haja vista que somente o domínio dos códigosda escrita não é suficiente para superar a sua condição de classe trabalha-dora explorada, estorquida, ou seja, oprimida. Enquanto houver a distri-buição das riquezas em proporções extremamente desiguais, nãosuperaremos essa situação.

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ReferênciasBRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é método Paulo Freire. São Paulo:Brasiliense, 1981.(Coleção primeiros passos). v.38.FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1987.(Coleção Questões da nossa época). v.23.________. Pedagogia do oprimido. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000.MEKSENAS, Paulo. Sociologia da educação: introdução ao estudo da esco-la no processo de transformação social. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2002(Coleção Escola e participação).PARO, Vitor Henrique. Administração escolar: uma introdução crítica. 8.ed. São Paulo: Cortez, 1999.RIBEIRO, Vera Masagão. Alfabetismo e atitudes: pesquisa com jovens eadultos. Campinas: Papirus; São Paulo: Ação Educativa, 1999.RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da educação. 3.ed. Rio de Janeiro:DP&A, 2002.SOARES, Leôncio José Gomes. Educação de jovens e adultos. Rio de Janei-ro: DP&A, 2002. (Diretrizes Curriculares Nacionais).

Recebido em: 24/10/2009Aprovado em: 06/04/2009

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ESTÁGIO NO CURSO DE PEDAGOGIA: AVANÇOS E DESAFIOS FRENTE ÀSPERSPECTIVAS REFLEXIVA E INVESTIGATIVA

Rita Buzzi Rausch1

RESUMO: A formação inicial de professores é um tema muito discutido e criticado.A efetiva relação entre teoria e prática é, ainda, para muitas instituições, apenasdiscurso. Nesse sentido, surgiram as perspectivas reflexiva e investigativa comoalternativas significativas na formação do professor que buscam romper com aconcepção epistemológica da racionalidade técnica. Essas perspectivas defendem

a construção de um professor profissional que em suas características básicasapresenta autonomia, crítica, reflexão e pesquisa. Com base nessas perspectivas,desenvolvemos uma nova forma de se conceber e operacionalizar o Estágio nocurso de Pedagogia na Universidade Regional de Blumenau. Hoje ele se inicia naprimeira fase do curso e se articula verticalmente e horizontalmente com as de-mais disciplinas da matriz curricular ao longo do curso. A pesquisa e a reflexividade

têm se apresentado como importantes processos na construção do professor-profissional.

PALAVRAS-CHAVE: professor reflexivo/investigativo, estágio supervisionado, Peda-gogia.

ABSTRACT: The initial formation of teachers is a much discussed and criticized

topic. The effective relationship between theory and practice are still theory formany institutions. In this sense, the reflective and investigative perspectivesappeared as significant alternatives in the formation of teachers seeking to breakwith the epistemological conception of technical rationality. These perspectivesstand by the construction of a professional teacher having autonomy, criticism,discussion and research as their basic features. Based on these perspectives it has

been developed a new way to design and operationalize the Internship in Pedagogicsat FURB University. Nowadays it starts in the first semester and is articulatedvertically and horizontally with other disciplines of the curriculum over the course.Research and reflection have been presented as important processes in theconstruction of teacher-training through the stage.KEYWORDS: reflective /investigative teacher, supervised internship, Pedagogics.

1. IntroduçãoNo nosso entender, elevar a qualidade da educação brasileira

1 Doutora em Educação pela UNICAMP. Professora da Universidade Regional de Blumenau. E-mail:[email protected]

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passa necessariamente por uma nova maneira de pensar/agir dos profes-sores. Nesse sentido, em sua formação, é preciso apresentar-lhes instru-mentos para que pensem de modo diferente, possibilitando, assim, odesenvolvimento de novas práticas de ensino.

Entretanto, conforme Pimenta (2000), os cursos de formação ini-cial de professores, por desenvolverem um currículo formal com conteú-dos e atividades de estágio distanciadas da realidade das escolas, numaperspectiva burocrática e cartorial que não dá conta de captar as contradi-ções presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído paragerir uma nova identidade profissional docente. Pimenta e Ghedin (2005)ressaltam também que o estágio que tem se desenvolvido nos cursos deformação de professores tem se caracterizado fundamentalmente por umacultura tecnicista. Segue um modelo técnico e científico, baseado quaseque exclusivamente no nível da informação e tem como habilidadecognitiva básica a memória, a descrição dos dados e o relato da experiên-cia como base do conhecimento.

O Curso de Pedagogia da FURB, desde a sua implantação, em1968, vem passando por várias reformulações curriculares numa tentativade adequação às novas concepções de ensinar e aprender, à legislaçãovigente, às novas exigências do papel do professor no contexto atual. Oestágio foi uma das atividades que mais sofreu alterações nessa trajetó-ria. Acompanhando o desenvolvimento histórico da educação no Brasil,inicialmente essa disciplina era ministrada nas duas últimas fases do cur-so. Primeiro em forma de microensino, seguindo o modelo norte-ameri-cano de Flanders, e depois em forma de regência pura em escolas doEnsino Fundamental, prevalecendo uma prática meramente instrumen-tal, obedecendo ao ciclo tradicional dos estágios de observação e regên-cia.

Atualmente, o estágio é entendido como um elemento funda-mental na formação profissional e como um dos espaços privilegiadospara a formação do docente crítico-reflexivo e na constituição dos saberesdocentes necessários à sua profissão. A proposta alicerça-se principal-mente na construção da autonomia conforme Freire (1996), Nóvoa (1992)e Contreras (2002); da crítica como defendem Giroux (1990) e Carr e Kemmis(1988); da reflexividade fundamentada nas ideias de Schön (2000), Alarcão(1996) e Sá-Chaves (2002) e da pesquisa como querem Zeichner (1993),André (2001), Lüdke (2001) e Pimenta (2002).

Nesse sentido, buscamos promover um estágio em que a refle-xão e a pesquisa sejam constantes e imbuídas de princípios que estimu-lem o pensar e o teorizar no fazer, bem como a análise e a crítica, tendo aleitura da própria prática como ponto de partida e de chegada. Com base

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nesse pressuposto, buscamos desenvolver uma formação em que o pro-fissional/pedagogo tenha como objetivo constante a investigação, o apren-der contínuo, a pesquisa e tenha como meta, também, a criação de umaatitude de compromisso, sendo co-responsável pela sua formação, crian-do e recriando a sua prática docente fundamentada em uma concepçãoemancipadora de ensinar e aprender.

O estágio na Pedagogia da FURB, portanto, busca delinear-se nosprincípios da perspectiva reflexiva/investigativa de formação do profes-sores. Relatamos, a seguir, algumas reflexões acerca de tais perspectivas,bem como alguns avanços e desafios na sua efetiva concretização no cur-so.

2. Perspectiva reflexiva/investigativa na formação de professores2.1. Refletividade docente: um desafio à formação do professor

Conforme Alarcão (1996), foi em 1980 que se iniciou a difusãodas ideias de Donald Schön, o que tem repercutido consideravelmenteem favor da vertente reflexiva na formação dos professores. As ideias deSchön, que lançaram a imagem do reflective practitioner, tiveram enormesucesso também pelo movimento da época em que se pretendia retirar oprofessor de uma posição passiva.

Schön (2000), em seus estudos, considerou que uma ação inteli-gente e reflexiva gera conhecimentos e permite equacionar problemascomplexos. Ao analisar a atuação de diferentes profissionais, partindo daobservação de um arquiteto, um músico e um psicanalista, chegou à con-clusão de que os bons profissionais utilizam um conjunto de processosque refletem talento, sabedoria, intuição e sensibilidade artística. Salien-tou que subjacente à prática dos bons profissionais, encontra-se uma com-petência artística no sentido de um profissionalismo eficiente, umsaber-fazer sólido, teórico e prático, inteligente e criativo, que denomi-nou artistry.

Embora os estudos de Schön não se voltassem à formação deprofessores, alcançou uma imensa repercussão no meio docente, impul-sionando várias produções sobre a necessidade de o professor refletirsobre sua prática. Assim, nas últimas décadas, a partir das ideias de Schön(2000), alguns teóricos enfatizaram a importância da reflexão crítica naformação profissional dos professores. Dentre eles, destacamos Alarcão(1996) e Sá-Chaves (2000). Cabe salientar que Sá-Chaves (2002), em suatese de doutoramento, mostrou que a teoria de Schön era possível tam-bém para a formação de professores.

Portanto, a partir desses estudos, o termo prático-reflexivo “tor-nou-se popular entre os professores, pois parece ligar o seu empenho no

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pensamento crítico com a sua ampla experiência de práticas acríticas. Des-te modo, ser um ‘prático-reflexivo’ tornou-se sinônimo de uma boa práti-ca” (DAY, 2001, p. 54).

Para Almeida (2001), Schön é um dos maiores críticos do modelotecnicista, pois suas ideias apontam para os limites de uma formação vol-tada para a reprodução e discute a substituição desse modelo por outro,que capacite o professor a refletir criticamente sobre as suas ações. Des-taca que, na formação de professores, a teoria é insuficiente para orientara prática docente e defende uma formação que articule teoria e práticapermanentemente. É no diálogo entre teoria e prática, buscando solu-ções para os desafios enfrentados, testando-as, observando as reaçõesdos alunos, procurando compreender os significados das perguntas e res-postas de seus alunos, avaliando-as e avaliando suas próprias ações que oprofessor aperfeiçoa seus conhecimentos. Em outras palavras, ao refletirsua prática, o professor desenvolve uma atitude investigativa que irácaracterizá-lo como produtor de conhecimentos sobre o ensino, e nãomais especialista técnico que apenas reproduz conhecimentos.

Conforme Lüdke (2000), a partir da proposta de Schön acerca doreflexive practitioner, surgiu a ideia de pesquisa como parte do trabalho doprofessor e do próprio professor como pesquisador. Daí a crítica ao proces-so de formação de professores, principalmente quanto à dicotomia teoriae prática e à distância entre as pesquisas acadêmicas e os problemas vivi-dos pelos docentes no dia-a-dia de sua profissão.

Schön (2000) definiu noções fundamentais para a constituiçãodo processo de reflexividade, o qual denominou de “praxiologia para areflexão”: conhecimento na ação (o conhecimento demonstrado na exe-cução da ação); reflexão na ação (o pensar sobre o que faz no mesmotempo em que está atuando); reflexão sobre a ação (reconstrói a açãomentalmente para analisá-la retrospectivamente); reflexão sobre a refle-xão na ação (reflexão crítica após realizar a ação). Desta forma, em grandeslinhas, os profissionais reflexivos, para Schön, refletem “na”, “sobre” e“para a ação”.

A reflexão na ação volta-se à tomada de decisão dos professoresdurante o processo ativo de ensinar. Para Schön (2000), existem três carac-terísticas principais nesse tipo de reflexão: ela é, pelo menos em certamedida, consciente, embora não precise se manifestar em forma de pala-vras; ela tem uma função crítica ao questionar a estrutura assumida doconhecimento na ação e ela dá lugar à experiência do momento. Assim, areflexão na ação pode ser entendida como uma espécie de conversa re-flexiva com a situação:

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Inventamos e experimentamos novas ações no sentidode explorar os fenômenos recentemente observados,de testar o nosso entendimento provisório sobre elesou de confirmar os passos que demos para melhoraras coisas [...]. O que distingue a reflexão-na-ação deoutros tipos de reflexão é o significado imediato querepresenta para a ação. (SCHÖN, 2000, p. 28-29).

A reflexão sobre a ação acontece em um momento à parte daprática, cuja prática é tomada como objeto de reflexão. É um tipo dereflexão mais sistemática que permite a análise, a reconstrução e areformulação da prática no sentido de planejar o ensino e a aprendizagemem termos futuros. Trata-se de um olhar retrospectivo e proativo sobre aação, refletindo sobre a reflexão na ação, analisando o que aconteceu,que significado atribuiu e qual poderia ter atribuído aos acontecimentos.Rompe com um conhecimento sedimentado em rotinas e em açõesautomatizadas, que reduz a reflexão e empobrece o pensamento sobre asbases das decisões. Por isso, a importância da reflexão sobre a ação serressaltada como elemento essencial do processo de formação inicial econtínua do professor.

Para Alarcão (1996), o desenvolvimento profissional do profes-sor parte principalmente desse último processo de reflexão, pois é nessadimensão reflexiva que ele faz uma análise do acontecido, buscando de-finir uma ação futura, construindo novas soluções. Para Day (2001), a re-flexão sobre a ação é muitas vezes acompanhada de um desejo de justiçasocial, emancipação e melhoramento e a profissionalidade implica a pre-sença dos diferentes tipos de reflexão.

Conforme Sadalla (2006, p.36),

[...] na medida em que o corpo docente é auxiliado arefletir sobre sua prática, a re-significar suas teorias,a compreender as bases de seu pensamento, tornan-do-se um pesquisador de sua ação, o professor podemodificá-la com mais propriedade. Quando ele entraem classe, fica sozinho com suas crenças e teorias arespeito dos alunos, as estratégias de ensino e de ava-liação, dos seus saberes e dificuldades, suas tomadasde decisão vão depender, fundamentalmente, dos pres-supostos que ele tem para subsidiar a sua ação. Eleestá considerando e avaliando as alternativas, base-ando-se em critérios para selecionar uma ou outra for-

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ma de agir. Assim, poderá buscar transformar suasdecisões a partir da reorganização de seu pensamen-to, que deverá estar fundamentado em um corpo sóli-do de saberes e conhecimentos.

O ideal seria que o professor avançasse do conhecimento na ação,que é intuitivo, experimental para uma reflexão na ação, na qual ele ques-tiona o seu conhecimento tácito até chegar ao nível de reflexão sobre areflexão na ação, em que por meio de uma sustentação e sistematizaçãoteórica, analisa e compreende sua prática, sinalizando alterações. Ser re-flexivo implica uma permanente análise sobre a ação, o que requer aber-tura de espírito, análise rigorosa e consciência social. Assenta-se, pois, nabusca de autonomia e melhoria de sua prática num quadro ético de valo-res democráticos e ecológicos.

Esse processo de reflexividade surge, então, como mola-mestrapara a mudança educacional, possibilitando aos professores a adoção deuma postura crítica frente às suas práticas e a estrutura na qual está inserida.A reflexão crítica exige que o professor se coloque dentro da ação, nahistória da situação, participando da atividade social e tomando partidoem face de uma ideia de futuro.

Entretanto, conforme Alarcão (1996), tornar-se um profissionalreflexivo é possível, mas difícil, pois existem vários fatores que limitamsua efetivação no desenvolvimento profissional dos professores. Dentreesses fatores, destaca: a falta de tradição em refletir; a resistência emmudar; a falta de condições e da exigência do processo de reflexão. Richert(apud ALARCÃO, 1996) constatou, em sua pesquisa, que existem váriosfatores de ordem organizacional que impedem a reflexão na educação eque os formandos em nível de formação inicial têm dificuldade em refle-tir sem a ajuda de um colega ou de um formador. Schön (2000) tambémdestacou a importância de ambientes de formação profissional práticaque combinem ação e reflexão, propondo que os formandos sejam inicia-dos por um prático que os apoie e os oriente, ajudando-os a refletir. As-sim, o pensamento reflexivo não se desenvolve espontaneamente, mas éum processo aprendido, e o formador tem um papel fundamental na suapromoção. Tal como indicou Alarcão (1996), o formador pode se utilizar devárias estratégias para promovê-la: perguntas pedagógicas; a observaçãode aulas; as narrativas; a análise de casos; o trabalho por projetos e ainvestigação-ação, o uso de portfólios e nós acrescentamos nesse rol apesquisa de uma maneira geral.

Portanto, essa perspectiva surge com a tentativa de romper comuma formação que considera o professor mero cumpridor de tarefas dita-

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das pelos chamados especialistas da educação. Por um longo tempo nahistória da educação, a gestão escolar, composta principalmente pelosdiretores, supervisores escolares, orientadores educacionais e, quandoexistiam, os psicólogos escolares e psicopedagogos, ditavam as normas,os conteúdos, as metodologias educacionais e aos professores cabia me-ramente o papel de executar determinações. A eles não cabia pensar,refletir e criticar, mas sim agir, fazer e obedecer. Frente o isso, para Ramalho,Nuñez e Gauthier (2003), faz-se urgente conhecer as possibilidades e asnecessidades dos professores acerca de sua docência para um diálogoconstrutivo que lhes possibilite compreender a profissionalização comotomada de consciência para serem eles, os próprios professores, constru-tores da sua identidade profissional. Defendem a ideia de que aprofissionalização docente tem que se converter em uma luta, numa con-quista dos próprios professores. Os professores têm que ter consciênciacrítica sobre o que representa para eles profissionalizar-se, sentindo ne-cessidade e desejo para atingir essa meta. A profissionalização é entendi-da, por esses autores, como o desenvolvimento sistemático da profissão,fundamentada na prática e na mobilização/atualização de conhecimentosespecializados e no aperfeiçoamento das competências para a atividadeprofissional.

Dessa forma, esse movimento apoia a ideia do professor profis-sional, que busca ser autor do seu trabalho e de sua formação. Comoprofissional, necessita fazer opções políticas, epistemológicas emetodológicas acerca do ofício de ensinar, ou seja, o ensino precisa estarnas mãos dos professores. Assim, a perspectiva radical/profissional impli-ca o reconhecimento de que os professores são profissionais que devemdesempenhar um papel ativo na formação dos propósitos e objetivos deseu trabalho docente. Como profissional, deve ser um agente estimuladorde mudanças que transforma e se transforma nesse processo.

Nessa perspectiva, o professor é considerado o elemento pri-mordial no processo educativo formal; é ele o dinamizador e mediador daaprendizagem. Entretanto, nem por isso atribui ao professor toda a res-ponsabilidade da mudança educacional, mas admite que nenhuma mu-dança aconteça sem que ele assuma a responsabilidade pelo seu trabalhoe o comando de sua profissionalidade.

2.2. A pesquisa como alternativa metodológica no desenvolvimento doestágio na formação inicial do professor

Para Imbernón (1994), a formação inicial do professor deveriacapacitá-lo à profissão em toda a sua complexidade e flexibilidade. Paratanto, faz-se necessário, segundo o autor, estabelecer uma formação que

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proporcione conhecimentos e promova atitudes que valorizem a necessi-dade de atualização permanente frente às mudanças da realidade. Osprofessores precisam estar preparados para entender as transformaçõesque vão surgindo e serem receptivos e abertos a concepções pluralistas. Épreciso, para isso, que os formadores introduzam na formação inicial umametodologia permeada pela investigação:

Deveriam proporcionar condições aos futuros docen-tes de serem capazes de analisar, criticar, refletir deuma forma sistemática sobre sua prática docente como objetivo de conseguir uma transformação escolar esocial e uma melhora na qualidade do ensinar e deinovar. (IMBERNÓN, 1994, p.50).

Entretanto, um estudo recente de Tardif e Zourhlal (2005), feitocom acadêmicos concluintes de cursos de formação inicial de professores,em Quebec, mostra que apenas a metade dos alunos/professores passoupor um curso de iniciação à pesquisa durante sua formação e menos de20% participaram de um projeto de pesquisa. Concluem que a formaçãopara a pesquisa durante a graduação ainda é parcial e se referem muitasvezes a atividades passivas, como a leitura e participação em congressos.

Historicamente, em se tratando da pesquisa na formação de pro-fessores, vem se delineando um debate acadêmico que a valoriza, princi-palmente a partir da década de 80, entendendo-a como componentenecessário à sua formação, considerando-a como parte integrante do tra-balho do professor e que, conforme André (2001), cresceu significativa-mente na década de 90, acompanhando os avanços da pesquisa etnográficae da investigação-ação.

Vários pesquisadores brasileiros desde então, em seus estudose pesquisas, vêm destacando a importância de ampliar e qualificar as ati-vidades de pesquisa na formação de professores. Fiorentini (2004) salien-ta que o futuro professor que se envolve em projetos investigativos podeser visto como principal protagonista de seu próprio movimento históricode vir a ser professor, cuja formação profissional começa antes de seuingresso na licenciatura, pois, enquanto estudante da escola básica,vivenciou modos de produzir a prática educativa e continuará a desenvol-ver-se após concluí-la, tendo a própria prática como campo de reflexão ede produção de conhecimentos.

Lüdke (2001, 2004) tem sido também uma das defensoras da pes-quisa na formação de professores:

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O futuro professor que não tiver acesso à formação e àprática de pesquisa, terá, a meu ver, menos recursospara questionar devidamente sua prática e todo o con-texto na qual ela se insere, o que o levaria em direçãoa uma profissionalidade autônoma e responsável. Tra-ta-se, pois, de um recurso de desenvolvimento profis-sional, na acepção mais ampla que esse termo possater. (LÜDKE, 2001, p. 51).

Dentre outras, queremos destacar uma pesquisa recente destapesquisadora, publicada em 2004, que realizou com seus orientandos daPUC/Rio. Eles investigaram aproximadamente 50 formadores de profes-sores, de diversas licenciaturas, em duas universidades do Rio de Janeiro.Os resultados dessa pesquisa mostraram que os formadores de professo-res entrevistados confirmaram a importância do lugar da pesquisa na for-mação e no trabalho do professor, seja ela aproximada do modelodominante na universidade, ou procurando formas mais ligadas às neces-sidades e aos problemas vividos pelos docentes da educação básica:

Alguns chegaram mesmo a afirmar que, embora reco-nheçam diferenças entre tipos de pesquisa para dife-rentes níveis de ensino, não aceitam qualquerdiscriminação que estabeleça hierarquias entre eles.Ou seja, há pesquisas de diferentes tipos, para dife-rentes finalidades, porém com o mesmo valor do pon-to de vista da construção do conhecimento e da buscade soluções para os problemas enfrentados. A funçãoda pesquisa é exatamente buscar conhecimentos queencaminhem essas soluções, sejam quais forem os re-cursos metodológicos e teóricos empregados. (LUDKE,2004, p. 188).

Os professores formadores consideraram a pesquisa importantee necessária à formação dos professores, defendendo sua presença noscurrículos de graduação. Cabe destacar, entretanto, que os formadoresinvestigados apontaram as bolsas de iniciação científica ainda como fatorprincipal para o desenvolvimento da pesquisa do futuro professor: “A ini-ciação à pesquisa ainda não figura como parte integrante e indispensávelno curso de formação, o que constitui indiscutível falha aos olhos dosnossos entrevistados” (LÜDKE, 2004, p189). Assim, em suas consideraçõesfinais, a pesquisadora salienta que nos encontramos em uma encruzilha-da fértil. De um lado, o reconhecimento de que a pesquisa é importante

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para o professor e, de outro, o desafio de lhe assegurarmos as condições ea abertura às formas de pesquisar necessárias para a busca de soluçõesaos seus problemas.

No exterior, os australianos Carr e Kemmis (1988), alicerçadosem uma teoria crítica, defendem a investigação-ação no sentidoemancipatório. Fundamentados em Stenhouse (este que deflagrou, naInglaterra, o movimento do professor como pesquisador e como profissi-onal) e buscando superar a limitação dos professores que têm reduzidasua autonomia profissional, propuseram que os próprios professores cons-truíssem coletivamente uma teoria de ensino por meio da reflexão críticae da investigação sobre seu próprio trabalho. Tal autonomia, segundoFiorentini (2004), seria alcançada quando os professores conseguissemadquirir condições de produzir conhecimentos que os habilitam a desen-cadear, gerir e controlar mudanças curriculares na escola; os processos deavaliação sobre sua própria prática pedagógica; a formulação de políticaseducacionais e a validação dos conhecimentos que produzem a partir desua prática profissional.

Carr e Kemmis (1988) preocuparam-se com a relação teoria eprática e defendiam que a realidade não é algo que existe e pode serconhecida independente do sujeito, mas ela é uma construção subjetiva.Os sujeitos constroem interpretações e significados diferenciados da rea-lidade:

Uma ciência social crítica será aquela que, para alémda crítica, alcance uma práxis crítica; isto é, uma for-ma de prática na qual o “esclarecimento” dos atores sedá diretamente em ação social transformadora. Issorequer a integração da teoria com a prática como mo-mentos reflexivos e práticos de um processo dialéticode reflexão, esclarecimento e luta política levada a cabopor grupos que têm como objetivo sua própria emanci-pação. (CARR; KEMMIS, 1988, p.144).

Portanto, para esses autores, isso pode ocorrer na formação ini-cial do professor com a supressão da divisão entre estudos educacionais,que se baseiam nos fundamentos da educação, e os estudos profissionais,que se centralizam nas metodologias de ensino e na prática docente, subs-tituindo-se por um currículo que privilegie o esforço comum entre profes-sor e acadêmicos em examinar problemas, buscar soluções e submetê-lasa comprovação prática. Assim, o formador de professores que não tiverbem claro o foco da reflexão e da investigação e evitar, no cotidiano, exer-

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cícios de observação, análise e reflexão da docência, pouco estará contri-buindo com a mudança almejada.

Enfim, para esses autores, a pesquisa constitui-se no elementoarticulador das relações entre teoria e prática numa visão dialética e apesquisa-ação é o tipo de pesquisa que pode favorecer esse processo nodesenvolvimento profissional do professor, principalmente pelas carac-terísticas básicas que a identificam: emancipação, participação, coopera-ção e crítica.

Um outro autor que defende consideravelmente a pesquisa naformação inicial de professores é o norte-americano Zeichner (1993). Se-gundo ele, é fundamental desenvolver, no acadêmico de cursos de licen-ciatura, atitudes que lhe permitam ser um educador que reconhece aimportância de sua profissão na sociedade. É preciso entender os profes-sores como produtores de conhecimento, em vez de vê-los, simplesmen-te, como consumidores, transmissores e implementadores doconhecimento produzido pelos outros.

Já na formação inicial, a universidade precisa assumir o seu pa-pel de provocar seus acadêmicos a produzirem conhecimentos, tomandocomo partida o papel didático da pesquisa, já que ela pode contribuir como desenvolvimento de professores autônomos e emancipados:

A pesquisa pode tornar o sujeito-professor capaz derefletir sobre sua prática profissional e de buscar for-mas (conhecimentos, habilidades, atitudes, relações)que o ajudem a aperfeiçoar cada vez mais seu traba-lho docente, de modo que possa participar efetivamentedo processo de emancipação das pessoas. Ao utilizarferramentas que lhe possibilitem uma leitura críticada prática docente e a identificação de caminhos parasuperação de suas dificuldades, o professor se sentirámenos dependente do poder sócio-político e econômi-co e mais livre para tomar decisões próprias. (ANDRÉ,2006, p. 221).

A pesquisa na formação inicial de professores pode contribuirpara que eles possam formar imagens e conceitos sobre sua profissão,além de aprenderem a problematizar e investigar sua própria prática. Con-forme André (2006), é o momento em que se deve oferecer ao futuroprofessor uma bagagem científica, cultural, contextual, psicopedagógicae pessoal sólida, capacitando-o a assumir a tarefa educativa em toda suacomplexidade, atuando reflexivamente, com a flexibilidade e o rigor que

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sua tarefa exige. O uso de metodologia presidida pela pesquisa, que leveà aprendizagem da reflexão educativa e que vincule constantemente teo-ria e prática é uma alternativa para a formação desse profissional que sedeseja.

Dessa forma, o desenvolvimento, nas licenciaturas, de ativida-des que tenham como base a pesquisa pode favorecer a formação de umprofessor reflexivo, pois o futuro docente começa a desenvolver atitudesde questionar, de investigar, de analisar o contexto escolar e social, assimcomo os procedimentos pedagógicos que realiza, apresentando suges-tões e soluções ao problema em estudo e à sua própria atuação docente.A pesquisa passa a ser constitutiva do trabalho do professor e sua práticacontribui para uma formação mais crítica e questionadora, tanto frente aoconhecimento que aplica, quanto em relação à produção de novos conhe-cimentos.

Em síntese, a literatura educacional analisada acerca do temamenciona como primeiro aspecto a ser tomado na formação inicial a pre-ocupação em formar professores autônomos e produtores de conheci-mento, capazes de superar os problemas que enfrentam no dia-a-dia daprofissão. Para conseguir tal objetivo, é necessário direcionar o trabalhocom vistas à formação do professor reflexivo, utilizando-se doquestionamento, do diálogo, da pesquisa na sua prática cotidiana.

3. Principais avanços e desafios do estágio da pedagogia frente à pers-pectiva reflexiva/investigativa

Neste percurso de formação de pedagogos na FURB, muitas con-cepções e práticas foram se consolidando e se ressignificando no proces-so ao longo do tempo. Na última década, várias foram as tentativas deavançarmos em uma proposta de formação de professores que se deli-neie na perspectiva reflexiva/investigativa.

Dentre os principais avanços frente a tal perspectiva, faz-se im-portante destacar:a) A definição da Política das Licenciaturas na instituição: As novas diretri-zes para a formação de professores em âmbito nacional estimularam ainstituição a discutir de maneira coletiva e sistematizar uma proposta quepossibilite a construção de uma identidade nos cursos de licenciatura.Identidade esta, inicialmente, em aspectos como: o perfil do professorem formação; os objetivos que devem nortear o processo de formação; asdiretrizes para a elaboração da matriz curricular. Essa definição foi funda-mental não só para uma integração e aproximação dos coordenadores decurso com a gestão institucional, mas, sobretudo, porque desencadeouum processo de análise e necessidade de reestruturar os Projetos Políti-

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cos Pedagógicos dos cursos de licenciatura.b) A contratação de um coordenador para os estágios das Licenciaturas:Compreendemos que esse profissional é de suma importância para a cons-trução da identidade do estágio nas licenciaturas. Conforme ResoluçãoInterna nº 92/2004, suas principais atribuições consistem em articular ecoordenar o intercâmbio entre entidades e escolas de Educação Básica,para ampliação de campos e oportunidades para o desenvolvimento deprojetos integrados de Estágios; coordenar e supervisionar, de forma glo-bal, a execução do Estágio Curricular Obrigatório, intermediando o conta-to entre as Unidades Concedentes e a Universidade; contatar, em conjuntocom o professor de estágio, as instituições interessadas em se tornar uni-dades concedentes; avaliar, em conjunto com o professor de estágio, ascondições de estágio das unidades concedentes; participar de discussõesjunto aos Colegiados dos cursos de licenciatura, no que se refere ao Está-gio Curricular Obrigatório; coordenar grupos de trabalho de professoresde estágio para propor projetos integrados e organizar reuniões periódi-cas com os professores de estágio para avaliação das atividades e sociali-zação das experiências.c) Formação para os formadores de professores: Como nos alerta Alarcão(2005), se queremos professores reflexivos, antes de mais nada, temosque ter formadores de professores reflexivos. Destaco o programa deFormação Institucional que tem aberto alguns momentos de reflexão co-letivos com enfoque para a formação do professor e, em alguns momen-tos, discussões mais específicas acerca dos estágios para todos osprofessores que atuam nas licenciaturas. Merece destaque também a ges-tão do Centro de Ciências da Educação, que vem oportunizando momen-tos pedagógicos de reflexão aos professores, respaldando discussõessignificativas à sua formação.d) O estágio ocorrendo ao longo do curso de formação: Atualmente, oestágio no curso de Pedagogia da FURB é realizado desde a primeira fasedo curso e percorre até a sétima fase, sendo que o curso fecha na oitavafase, com o Trabalho de Conclusão de Curso. Essa proposta prevê um tra-balho integrado com as demais disciplinas do currículo tanto verticalmen-te quanto horizontalmente. Defendemos que a problematização da práticatrabalhada coletivamente com as demais disciplinas, quando bem articu-ladas, podem assegurar uma melhor unidade teórico-prática. Nas dife-rentes fases do curso são realizados estudos reflexivos sobre educação,escola, docência, processos de ensinar e de aprender, entre outros. Conti-nuamente, a cada semestre, esses estudos são retomados e aprofundadosna medida em que também outras disciplinas do currículo vão acontecen-do. Esses conceitos, de forma crítica, vão se ampliando com o objetivo de

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oportunizar ao acadêmico a ressignificação de sua própria práxis. Essemovimento prático/teórico/prático é construído no sentido de se confi-gurar possibilidades de o acadêmico/professor desenvolver-se como umprofissional autônomo, crítico, reflexivo e pesquisador.e) O professor orientador mediando o processo in loco: Além das orienta-ções feitas na universidade, o professor acompanha os acadêmicos duran-te, praticamente, toda a sua intervenção docente. Na escola campo, apósa atuação dos acadêmicos/estagiários, reúnem-se professor e acadêmi-cos para a realização de um momento reflexivo in loco. Com a mediaçãodo professor orientador que instiga o pensar, levanta questionamentos,provoca autoavaliação, instala-se um processo dialógico sobre a ação de-senvolvida, definindo-se encaminhamentos para a próxima atuação. Oespírito de abertura, a ausência de preconceitos, a autoanálise, o domíniobásico dos elementos teórico-práticos em estudo são pontos fundamen-tais nesse processo de reflexão.f) A pesquisa como alternativa metodológica na operacionalização do es-tágio: A pesquisa tem sido uma atividade também utilizada para a realiza-ção dos estágios da Pedagogia. No primeiro semestre os acadêmicos têmse voltado a investigar de maneira coletiva a “Escola: que espaço é este?”Por meio de estudos teóricos e observações em diferentes realidadesescolares, buscam respostas a sua indagação. Do segundo semestre emdiante, passam a realizar pesquisas em subgrupos, geralmente nos mol-des da pesquisa de estudo de caso, participante e/ou ação, em que seleci-onam normalmente como coleta de dados a observação participante,entrevistas, questionários, fotografias e a intervenção docente. A partirda perspectiva investigativa, elaboram uma proposta teórico-metodológica de pesquisa, projetando um plano de ação para intervir e seautoavaliar.g) Definição de escolas “polo” como campo de estágio: Essa decisão deselecionarmos algumas escolas polo como campos de estágio têm nosauxiliado a manter um contato e envolvimento mais próximo entre uni-versidade e escolas, bem como um atendimento e acompanhamentoampliado aos nossos acadêmicos em formação.h) Tentativas de articulação de estágios de diferentes licenciaturas emescolas “polo”: Em alguns espaços, com a articulação da coordenação dosestágios, têm-se conseguido integrar algumas atividades com acadêmicosde diferentes licenciaturas em estágio em escolas polo, provocando umreflexão/ação interdisciplinar.i) Diferentes modalidades de registro da caminhada contribuindo com aautoformação do acadêmico: Além dos registros mais comuns, como pro-jeto e relatórios, têm-se incentivado a elaboração de portfólios reflexivos

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e memoriais de formação. O portfólio reflexivo, de acordo com Sá-Chaves(2005), pode ser definido como uma coleção, seleção e organização dotrabalho do futuro professor ao longo de certo tempo e que pode traduzira evidência da sua autorreflexão, aprendizagem e desenvolvimento pes-soal e profissional. Portanto, ele é muito mais do que uma mera compila-ção de dados, por ser resultado de um processo de seleção e reflexãosobre a aprendizagem enquanto construção do conhecimento. Para Nunese Moreira (2005), são três as características de um portfólio: a naturezalongitudinal, a diversidade de conteúdo e o caráter colaborativo e dialógicodos processos que subentende. Num memorial de formação, o acadêmicopassa a ser, ao mesmo tempo, escritor/narrador/personagem da sua his-tória. Trata-se de um texto em que os acontecimentos são narrados geral-mente na primeira pessoa do singular, numa sequência definida a partirdas memórias e das escolhas do autor, para registrar a própria experiên-cia. O importante é relatar o que, em sua formação, interferiu de algumamaneira na atuação profissional e o que, da experiência profissional, co-locou elementos ou interferiu no trabalho de formação. Trata-se, assim,de um texto reflexivo de crítica e autocrítica.

4. Principais desafiosNesse percurso de ressignificação da atividade de estágio no

curso de Pedagogia da FURB, alguns desafios se fazem próximos e preci-sam ser enfrentados. Dentre eles, destacamos:a) superar a perspectiva da racionalidade técnica que ainda paira em nos-so currículo e PPP, construindo e sistematizando uma proposta de estágioespecífica do curso, assegurando a base reflexiva e investigativa na for-mação e atuação profissional do nosso acadêmico;b) estabelecer um relacionamento mais ampliado com as escolas, consi-derando-as espaços fundamentais de aprendizagem profissional, e nãosimples espaços de aplicação (CANÁRIO, 2001);c) assegurar, por meio do estágio, a indissociabilidade ensino, pesquisa eextensão: Compreendemos, conforme Lima (2002), que compete à uni-versidade não só a transmissão e produção do conhecimento, mas, sobre-tudo, a responsabilidade de fazer retornar à sociedade o conhecimentoproduzido, quer em nível objetivo imediato, quer no sentido maior dedesenvolvimento social, de melhoria da qualidade de vida da populaçãoem que está inserida. Dessa forma, podemos possibilitar, via estágio, odesencadeamento de uma prática profissional que privilegia a construçãoe reavaliação dos conhecimentos, levando a um repensar permanente deseus objetivos e de suas ações. Nesse processo, alunos, professores ecampo de estágio estabelecem-se um espaço social de participação cole-

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tiva e política. Conforme menciona Freitas, “nesse contexto, o saber en-tão produzido, construído à medida que o grupo em interação articula osaber local e o acadêmico, abre perspectivas de um novo conhecimento.Instaura-se um processo vivo, e a Universidade se engaja numa ação socialefetiva” (FREITAS, 2004, p.229);d) Definição de novos tempos-espaços de estágio: As legislações acercado estágio possibilitam a sua realização em diferentes contextos, paraalém da escola formal e da sala de aula. Realizar os estágios em ONGs,hospitais, presídios, centros sociais e comunitários, comunidades religio-sas entre outros são possibilidades a serem consideradas na formação deprofessores que atuarão em contextos complexos e diversos. Determina-da carga horária pode ser realizada em tempos diferenciados, aos finaisde semana, por exemplo, no sentido de facilitar a vida dos acadêmicosfrente às muitas dificuldades que enfrentam ao solicitar liberação no tra-balho;e) Definição de conceitos-chave por fase para serem trabalhados nas dife-rentes disciplinas por meio de um processo interdisciplinar, de maneirahorizontal e vertical, visando ao perfil do profissional que almejamos for-mar;f) Desenhar uma proposta de estágio centrada no processo de pesquisa demaneira contínua e ampliada ao longo do curso, e não somente ao longode cada semestre;g) Contribuir com a promoção de níveis mais complexos de reflexividadedos acadêmicos por meio dos registros das experiências dos estágios, vis-lumbrando a possibilidade de autoimplicação e um debruçar-se crítico-reflexivo do acadêmico sobre o seu processo de formação, promovendoníveis de lógica reflexiva críticos, metacríticos e metapráxicos é, certa-mente, um grande desafio a ser enfrentado.

5. Considerações finaisO estágio tem o objetivo de formar o profissional docente como

intelectual reflexivo-pesquisador, possibilitando a construção dos sabe-res docentes necessários para compreender e atuar na realidade educaci-onal e propor alternativas pedagógicas visando à construção de uma escolaque proporcione o bem-estar comum.

Para Pimenta e Ghedin (2005), no estágio, o estagiário, junta-mente com o professor orientador, deverá buscar compreender o exercí-cio da docência, os processos de construção da identidade docente, avalorização e o desenvolvimento dos saberes dos professores como sujei-tos e intelectuais capazes de produzir conhecimento, de participar de de-cisões e da gestão da escola e dos sistemas educativos. Por meio do estágio,

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o futuro professor deverá desenvolver a docência preparando-se paraefetivar as práticas de ser/estar professor, na dinâmica complexa da reali-dade de sala de aula e de sua profissão.

Na proposta de estágio da Pedagogia, buscamos oferecer condi-ções para que o acadêmico se perceba profissional, inserido em determi-nado espaço e tempo históricos, capaz de questionar e refletir sobre a suaprática, assim como sobre o contexto político e social no qual esta se de-senvolve. Até que ponto conseguimos atingir tal objetivo tem sido nossaconstante indagação.

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Recebido em: 09/01/2009

Aprovado em: 23/03/2009

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“RAÇA”1 E ESTADO DEMOCRÁTICO: AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL, AQUEBRA DO PACTO DE SILÊNCIO E A REDISCUSSÃO DE VALORES DA

MODERNIDADE

Priscila Martins Medeiros2

RESUMO: O pertencimento racial é um determinante significativo na estruturaçãodas diferentes formas de desigualdades no Brasil. Essa é uma discussão que setornou ainda mais intensa com a aprovação de políticas de ação afirmativa em 70instituições públicas de Ensino Superior em todo o Brasil, que estabeleceram me-

didas focadas para alguns grupos sociais, tais como negros, indígenas, deficientese oriundos de escolas públicas, para o acesso e permanência no ensino superior.Esse novo cenário deu início a uma verdadeira disputa jurídica entre o Estado, asinstituições de Ensino Superior e os indivíduos que se sentiram lesados por taispolíticas, além de trazer para o centro da agenda nacional a possibilidade de umarevisão dos princípios democrático-liberais e dos mecanismos de justiça social

utilizados no país. Frente a isso, este artigo tem como objetivo trazer uma pequenacontribuição teórica - pautada sociologicamente - para a discussão de um dosmaiores paradigmas da modernidade: os fundamentos da igualdade e da diferen-ça e as possibilidades de uma política pautada no reconhecimento. O texto trazuma abordagem que procura rediscutir os instrumentos jurídico-formais a partirdas contribuições de uma sociologia da diferença para a defesa das ações afirma-tivas no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: raça, ações afirmativas, pós-colonialismo, reconhecimento, pre-missas liberais.

ABSTRACT: The racial belonging is a determinant significantly in the structuring ofthe different forms of unequalities in Brazil. This is a discussion that became stillmore intense with the approval of politics of affirmative action in 70 public

institutions of superior teaching, in all Brazil, which there established measuresfocused for some black social, such as, native, groups defective and originatingfrom public schools, for the access and permanence in the superior teaching. Thisnew scenery gave beginning to a true legal argument between the State, theinstitutions of Superior Teaching and the individuals who felt harmed by such

1 Refiro-me à “raça” enquanto uma categoria ou conceito construído socialmente e que tem pas-sado por inúmeras ressignificações, desde seu surgimento, de acordo com o processo histórico ecom o contexto sociocultural no qual ocorre tal construção.2 Socióloga. Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e inte-grante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFSCar (NEAB/UFSCar). Contato: NEAB/UFSCar.Rodovia Washington Luís (SP-310), km 235, São Carlos – SP, CEP: 13.565-905. Telefone: (16) 3351-8408. E-mail: [email protected]

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politics, besides bringing to the centre of the national diary the possibility of arevision of the beginnings liberal-democratically and of the mechanisms of sociallyjustice used in the country. In front of that, this article has how I aim to bring asmall theoretical contribution - ruled sociologically - for the discussion of one of

the biggest paradigms of the modernity: them bases of the equality and of thedifference and the means of a politics ruled in the recognition. The text brings anapproach that tries to re-discuss the instruments formal-legally from thecontributions of a sociology of the difference for the defense of the affirmativeactions in Brazil.KEYWORDS: race, affirmative actions, powders-colonialism, recognition, liberal

premises.

1. IntroduçãoAs relações raciais formam uma categoria central para se com-

preender a formação da sociedade brasileira e das desigualdades presen-tes em todas as esferas da vida social. Essa é uma convicção pautada nãosomente na observação histórica, mas, sobretudo, no olhar sociológico darealidade do país, iniciado com obras fundamentais dos anos 30 do séculoXX e chegando aos dias atuais a uma gama imensa de estudos que relatama condição do negro no Brasil; estes estudos já apontam os resultados dosprimeiros sete anos de políticas de ação afirmativa voltadas para a popula-ção negra no acesso ao ensino superior3.

O marco inicial das denúncias de desigualdades raciais no Brasilsão os anos 50 do século XX, com o lançamento de um grande projetoencomendado pela UNESCO, que surgiu com o intuito de apresentar o paísao mundo como um modelo a ser seguido, pois teria resolvido de formatranquila a problemática racial4. A pesquisa acabou frustrando suas ex-pectativas iniciais ao ter identificado a discriminação racial persistente no

3 Os primeiros anos do século XX são especialmente importantes para compreendermos o desen-

volvimento de discursos racistas que permaneceram do decorrer de todo o século, porém, sem-pre com novas roupagens. Para a compreensão desses discursos, é imprescindível a leitura daobra Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre, que ainda hoje é muito citada, seja para apontar

seu ineditismo na discussão sobre o regime escravista e as relações raciais no Brasil, seja paradiscutir sobre suas limitações em romper com os discursos biologizantes da época, tais como osproferidos por Oliveira Vianna ou Nina Rodrigues. Como veremos mais adiante, a literatura bra-

sileira sobre as relações raciais seguiu por diferentes caminhos, desde as perspectivas de cunhoRedistributivo, até aquelas por vezes citadas como Saberes subalternos (título que faz referênciaaos trabalhos de Antonio Gramsci), entre os quais estão os Estudos pós-coloniais.4 Com o advento do projeto UNESCO, iniciaram-se pesquisas sobre relações raciais na Bahia, emPernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro, das quais participaram Thales de Azevedo, René Ribeiro,Roger Bastide, Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Edison Carneiro e Costa Pinto. Uma boa

referência para leitura é o texto de Marcos Chor Maio A história do projeto UNESCO: estudos raciaise ciências sociais no Brasil. Tese de Doutorado, IUPERJ, 1997.

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Brasil, país frequentemente descrito como um “paraíso racial”. A partir dadécada de 1980, o debate toma abrangência e destaque nacional devidoàs denúncias do Movimento Negro, que, naquele momento deredemocratização do país, ressurge bastante fortalecido. Além disso, namesma década são publicadas importantes análises sociais5 que reafir-mam categoricamente as desigualdades raciais já apontadas anteriormen-te. Com a Constituição Federal de 1988, o preconceito de raça ou cor passoua ser um crime inafiançável e imprescritível6, mas, apesar da importânciadesse fato e do rigor da legislação, ainda hoje existe a necessidade depropostas não só punitivas, mas também de caráter valorativo.

Só mais recentemente, a partir do governo de Fernando HenriqueCardoso, que vimos os primeiros avanços na temática racial a partir demedidas que sinalizaram o início do tratamento da questão como uma dasprioridades do Estado, e não mais como um assunto que “vem e vai” deacordo com as gestões governamentais. Reconhecidamente, esses anosforam importantíssimos, uma vez que a temática, antes abordada basica-mente no interior da academia, passou para a pauta política. No entanto,o tratamento da problemática racial, até 2001, ainda estava muito limita-do ao formato de programas. Alguns dos principais programas foram con-duzidos pelos ministérios: da Justiça (Programa Nacional de DireitosHumanos); do Trabalho (Projeto “Brasil: Raça e Gênero” e Programa deFormação Profissional) e da Cultura (Titulação de Remanescentes deQuilombos).

Em setembro de 2001, na III Conferência Mundial de Combate aoRacismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, pro-movida pela ONU e realizada em Durban, vimos a temática racial ganharuma grande redefinição em todo o mundo, em especial, no Brasil, últimopaís do mundo a abolir o trabalho escravo de pessoas de origem africana ea maior nação negra7 fora da África. Nessa ocasião, centenas de organiza-ções do movimento negro brasileiro e demais organizações da sociedade

5 Análises sociais feitas principalmente por Carlos Hasenbalg, Nelson do Valle e Silva e José Pastore.6 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo nº 5 parágrafo XLII, reza: “prática do racismoconstitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Esseparágrafo é regulamentado pela Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, modificada depois pela Lei

nº 9.459 de 13 de maio de 1997.7 O Censo Brasileiro pede às pessoas que se classifiquem dentro de uma das cinco categoriasestabelecidas: branco, preto, pardo, indígena e amarelo. Para propósitos estatísticos e por se-

melhanças em termos de indicadores sociais, pesquisadores uniram as categorias preto e pardoem uma única, denominada negro. Indiscutivelmente, o termo raça é uma categoria construídanas relações sociais, não apresentando o menor significado biológico. Ela é uma variável de gran-

de relevância nas pesquisas sociais, pois está constatado que o pertencimento racial defineposições socioeconômicas no país.

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civil se uniram com o propósito de repensarem as relações raciais no Brasile discutirem tanto formas de denúncia do preconceito e discriminaçãoquanto a elaboração de propostas de intervenção. Na conferência, o go-verno brasileiro admitiu que a população negra encontra barreiras legaisque impedem sua ascensão social no país, ou seja, que a concepção deuma democracia racial8 é ainda hoje muito cara para grande parcela dapopulação que ainda procura condições sociais e oportunidades realmen-te democráticas.

Desde a Conferência de Durban (2001) até os dias atuais, obser-vamos importantes iniciativas, tais como a nova política de desenvolvi-mento das comunidades quilombolas; a publicação da Lei 10.639(09.01.2003), que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio de todo o país; acriação, em julho de 2003, da SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas dePromoção da Igualdade Racial e o Programa Diversidade na Universidade,lançado no final de 2002. Em outubro de 2003, é criado o Grupo de TrabalhoInterministerial para promover um amplo debate sobre o Programa e aampliação do mesmo. Embora a proposta continuasse cercada de polêmi-cas, o governo decidiu criar o PROUNI – Programa Universidade para To-dos, através da medida provisória nº213, de 10.09.20049.

2. Ações afirmativas no Brasil e a quebra do silêncioAs discussões acerca das ações afirmativas10 para população ne-

gra se intensificaram muito após as primeiras medidas para aimplementação de cotas em universidades públicas para o ingresso degrupos minoritários historicamente discriminados da esfera acadêmica. Otema alcançou seu auge em meados do ano de 2003, quando foram ajuiza-dos mais de 200 mandados de segurança individual, três Representaçõesde Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio deJaneiro e duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) perante o

8 Segundo Guimarães, esse termo passou a ser utilizado na literatura acadêmica pela primeira vezpor Charles Wagley em 1952; porém, existem registros sobre sua utilização por Arthur Ramos e

Roger Bastide já durante a década de 1940 (GUIMARÃES, 2002, p. 139).9 Desde sua criação, em 2004, o ProUni concedeu bolsas de estudos em universidades privadaspara 430 mil estudantes. Do quantitativo de bolsas concedidas, 70% são integrais.10 As ações afirmativas são compreendidas neste artigo como sendo medidas que visam a mudan-ças nas mais diversas esferas da vida social, especialmente no que diz respeito aos discursos e àspráticas sociais, na defesa de um verdadeiro respeito e reconhecimento das diferenças étnico-

raciais, de gênero, de nacionalidade, entre outras especificidades. As ações afirmativas podemassumir diversos formatos, desde a reserva de vagas para grupos sociais específicos no mercadode trabalho até a reconfiguração de currículos escolares e de propostas pedagógicas com a utili-

zação de estratégias que desafiem preconceitos e legitimem as vozes daqueles cujos padrõesculturais não correspondem aos dominantes.

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Supremo Tribunal Federal contra as leis editadas pelo governo do Estadodo Rio de Janeiro11.

As disputas jurídicas a respeito da constitucionalidade das açõesafirmativas para a população negra demarcam um momento de extremaimportância para o Brasil: os movimentos sociais têm se pronunciado; opoder judiciário discute revisões a respeito do princípio da igualdade jurí-dica; assistimos ao surgimento de diversas propostas e projetos por partede órgãos públicos; os brasileiros como um todo estão discutindo um gran-de dilema nacional, silenciado e banalizado durante toda a história dopaís.

O fato de as universidades cariocas terem sido a primeira expe-riência de ações afirmativas no ensino superior brasileiro, somado àavalanche de reações conservadoras por parte de uma mídia hegemônica,provavelmente explicam o grande número de estudantes que seposicionaram contrariamente a esses programas por meio da justiça.

Consideramos, entretanto, que a publicização de posições con-trárias às ações afirmativas foi bastante positiva por dois motivos princi-pais: primeiro porque a massiva divulgação dos conflitos judiciais colocouem evidência a fragilidade do argumento sobre a pretensa existência deuma democracia racial brasileira e, em segundo lugar, porque o pior inimi-go na luta pela desnaturalização das hierarquias sociais é o silêncio, quecomeça a ser quebrado. Foucault é um autor que buscou realizar umaarqueologia do silêncio, silêncio dos sujeitados e que é o primeiro e maisforte componente dos processos de estigmatização, discriminação emarginalização. Foucault - que incomodou as correntes mais ortodoxasdas ciências humanas contemporâneas com a publicação de obras comoAs Palavras e as Coisas (1966), Vigiar e Punir (1976) e Microfísica do Poder(1979) quis compreender como se dão esses processos, que negam oudesfiguram as falas de muitos sujeitos e que operam no nível da percep-ção social, das instituições sociais, do aparelho judiciário, da família, doEstado e do senso comum (FOUCAULT, 2005; BRUNI, 1989). O conjunto dediscursos e práticas sociais presentes nessas dimensões formam o queFoucault chama de dispositivo, que é

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que en-globa discursos, instituições, organizações

11 A UERJ e as demais IES estaduais do Rio de Janeiro (UENF, UEZO, além da FAETEC – RJ) são asprimeiras a adotarem programas de ação afirmativa no Brasil, que surgiram a partir de leis esta-duais (no total foram aprovadas seis leis: Leis números 3.524/2000, 4.061/2001 e 4.061/2003, que

mais tarde foram substituídas pela Lei 4.151/2003. Esta foi alterada com a aprovação da lei 7.054de 17 de julho de 2007 que, por sua vez, foi revogada pela lei 5.346 em 11 de dezembro de 2008.

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arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medi-das administrativas, enunciados científicos, proposi-ções filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o ditoe o não dito são elementos do dispositivo. O dispositi-vo é a rede que se pode estabelecer entre esses elemen-tos. (FOUCAULT apud MISKOLCI, 2009).

No Brasil, quando se busca discutir a discriminação racial e a ado-ção de medidas específicas, tais como as ações afirmativas, uma das pri-meiras reações contrárias é a defesa de que não se deve falar sobre oracismo, pois isso acirraria os conflitos raciais. E, então, busca-se no Brasila perpetuação de uma espécie de pacto de silêncio estabelecido pelo mitoda democracia racial e no qual nenhum dos lados deve se manifestar, ouseja, não se faz a autocrítica sobre as práticas racistas e os sujeitados nãodevem questionar ou incomodar o racismo estabelecido. O exercício dosilêncio significa afundar no esquecimento as palavras imperfeitas; é orompimento do diálogo e a separação compreendida como algo já adqui-rido, desde sempre.

Um exemplo recente de manifestações contrárias ao abalo dasbases racistas no Brasil aconteceu no Rio Grande do Sul, pichadas nosmuros da UFRGS. Em junho de 2007, quando o Conselho Universitário vo-tava o sistema de reserva de vagas para a instituição, uma aluna da gradu-ação entrou com pedido de liminar junto ao TRJ para impedir a criação doprograma. A liminar foi concedida e o reitor, José Carlos Ferraz Hennemann,entrou com recurso. Enquanto isso, estudantes favoráveis àimplementação do programa de ações afirmativas faziam vigília em frenteà reitoria como forma de apoio ao pedido de recurso. Dias depois, adesembargadora Paula Beck Bohn, da 2ª Vara da Justiça Federal, voltou nadecisão e permitiu o prosseguimento da votação. Após a aprovação doprograma, alunos picharam frases racistas nos muros da escola de enge-nharia, que diziam: “Negro, só se for na cozinha do RU (restaurante uni-versitário)” e “Voltem para a senzala”, demonstrando o caráter secular dedominação, muito longe da imagem freyriana do “harmonioso paraíso tro-pical”, noção esta que é insistentemente resgatada nos dias atuais poralguns jornalistas e inclusive por professores universitários12.

Se antes a igualdade jurídica (ou formal) era um princípio, naprática, “adormecido” nas linhas constitucionais, pode-se afirmar que elefoi fortemente sacolejado com o debate das ações afirmativas no Brasil,

12 Acontecimentos noticiados no jornal Zero hora, em 29/01/2008. Discussão completa no texto de

Priscila M. Medeiros, intitulado Raça e Estado democrático: o debate sociojurídico acerca das po-líticas de ação afirmativa no Brasil, 2009.

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que vêm questionar essa que é uma das mais famosas promessas damodernidade.

Ações afirmativas e a rediscussão de valores da modernidadeO tão aclamado argumento da igualdade tem sido um dos pontos

mais debatidos entre estudiosos das ações afirmativas. Alguns desses es-tudiosos, empenhados pela implementação das ações afirmativas no país,tornaram-se amplamente citados em trabalhos acadêmicos, como é o casodo ministro do STF, Joaquim Barbosa Gomes, autor do famoso livro Açãoafirmativa e princípio constitucional da igualdade: o direito como instru-mento de transformação social: a experiência dos EUA (2001). Nessa obra,Gomes define a igualdade como sendo uma construção jurídico-formalsegundo a qual a lei, genérica e abstrata, deve ser igual para todos, semqualquer distinção e completamente neutra.

As constituições americana (1787) e francesa (1791) consagraramo liberal-individualismo e a premissa da igualdade de oportunidades, se-gundo a qual o Estado se abstrai de quaisquer intervenções na vida econô-mica e social e os “cidadãos” “desenvolvem livremente suas aptidõessegundo suas qualidades pessoais”. Opondo-se aos mecanismos vigentesanteriormente para a promoção e definição de status social a partir dedistinções hereditárias, a nova ordem igualou todos a partir do méritoindividual como medida para repartição de bens, recursos e mobilidadesocial. A defesa da igualdade de oportunidades não surgiu como uma forçacontrária à escravidão e à subordinação de povos inteiros ao colonialismo:a França manteve suas colônias até 1962, década em que ainda vigoravammedidas segregacionistas nos Estados Unidos. É sobre a base de pensa-mento político do liberal-individualismo que permaneceram todas as cons-tituições seguintes, de forma praticamente intacta até, pelo menos, o fimda Primeira Guerra Mundial, quando inicia uma inflexão dentro do pró-prio conceito universalista da igualdade, pressionada por levantes popu-lares - como os ocorridos no México, em Moscou e São Petersburgo - e quese aprofunda ao longo do século XX, com a explosão de debates sobre osaspectos civis, políticos, sociais e econômicos do Direito (MOEHLECKE,2004).

Entre as tentativas de trazer novas formulações à igualdade datradição liberal, destaca-se John Rawls, com a publicação de Uma Teoriada Justiça, em 1971, que influenciou os debates sobre ação afirmativa nosEstados Unidos. Rawls estabeleceu uma ordem entre os elementos desua teoria e definiu dois princípios básicos de justiça:

1º) Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais

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abrangente sistema total de liberdades básicas iguaisque seja compatível com um sistema semelhante deliberdades para todos;2º) As desigualdades econômicas e sociais devem serordenadas de tal modo que, ao mesmo tempo: a) Tra-gam o maior benefício possível para os menos favore-cidos, obedecendo às restrições do princípio dapoupança justa, e b) Sejam vinculadas a cargos e posi-ções abertos a todos em condições de igualdade eqüi-tativa de oportunidades. (RAWLS apud MOEHLECKE,2002).

Rawls visualiza duas interpretações possíveis para o princípio daigualdade: o sistema de liberdades naturais e a igualdade liberal de oportu-nidades, com as quais ele discorda e responde defendendo a noção deigualdade democrática. A liberdade natural, afirma Rawls, é sinônima dearistocracia natural e é aquela que prevê a igualdade formal e a garantiade acesso de todos aos bens e posições sociais. Mas, de acordo com oautor, essa concepção está limitada às circunstâncias e arbitrariedadesque influenciam na distribuição de bens. Para Rawls, a igualdade liberal deoportunidades, assim como discutimos há pouco, é um exercício demeritocracia, pois estabelece como justas as distribuições desiguais, pau-tadas na noção de diferenças naturais de capacidades e talentos. Rawlscritica o mérito, pautado na noção de capacidades inatas, e se pergunta seisso seria resquício da ideia religiosa de “dom”, distribuído de acordo como pertencimento a determinadas castas (MOEHLECKE, 2004).

Ao rejeitar essas duas noções de igualdade, Rawls sugere a igual-dade democrática, que é uma combinação do princípio da distribuiçãoequitativa de oportunidades com sua concepção de diferenças, compreen-didas como características intrínsecas à estrutura da sociedade e que po-dem ser inatas ou determinadas socialmente. Para ele, a sociedade devedar mais atenção àqueles que são oriundos de posições sociais menosfavorecidas, com a intenção de reparar o desvio das contingências na dire-ção de uma “genuína igualdade de oportunidades”. De qualquer forma,Rawls estabelece um debate dentro dos limites liberais com o objetivo deaperfeiçoar seus mecanismos.

No Brasil, Joaquim Barbosa Gomes (2001) coloca em discussãoque a neutralidade do Estado Liberal tem se revelado bastante ineficaz ereduzida basicamente aos limites jurídicos e, então, a igualdade passa aser analisada sob outra ótica, na qual a atenção recai sobre a distinçãoentre essa igualdade formal de uma igualdade substancial. Esta última diz

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respeito a uma igualdade materializada a partir da percepção das hierar-quias sociais e da adoção de medidas para corrigir as desigualdades.

Charles Taylor, por sua vez, é um autor que busca na teoriahegeliana do reconhecimento os fundamentos de crítica ao pensamentoliberal, questionando a pretensa neutralidade em suas concepções, car-regadas de valores eurocêntricos e cristãos e a possibilidade de falarmosem direitos humanos universais, que não sejam eles mesmos expressõesdas tradições ocidentais. Um ponto bastante marcante em sua teoria é adimensão expressiva da linguagem, que instrumentaliza as representa-ções, tanto no âmbito individual quanto no social. Para Taylor, a imagem eos conceitos que formamos sobre nós mesmos dependem do reconheci-mento dado externamente pelos demais sujeitos e a falta do reconheci-mento, ou o reconhecimento errôneo, ocasiona a interiorização de umsentimento de inferioridade. Taylor, no entanto, vislumbra a possibilida-de de convivência entre o reconhecimento e a tradição liberal. Sua ques-tão é a observância dos elementos subjetivos, mas dentro dos limitesliberais: ele se posiciona a favor de políticas multiculturais e se refere aoexemplo de Quebec para mostrar como é possível um Estado liberal pro-teger grupos sociais historicamente não reconhecidos (MATTOS, 2006;MOEHLECKE, 2002).

Apesar dos resultados serem bastante questionáveis, o que ve-mos tanto em algumas literaturas internacionais quanto brasileiras é umesforço de vários autores no sentido de avaliar o verdadeiro alcance doprincípio liberal da igualdade e também seu substrato, suas raízes. Aindaque reconheçamos que grande parte dessas literaturas traz novas propos-tas apenas colocadas sobre um terreno intacto de pressupostoseurocêntricos, percebemos que as críticas levantadas por estudantes eseus advogados, contrários às ações afirmativas no ensino superior, aindasão alcançaram nem mesmo esse patamar do debate e ainda recorrem aconcepções de igualdade já questionadas inclusive pelos mais conserva-dores.

Como já discutimos há pouco, os princípios da igualdade e domérito guiaram o processo de transição do antigo regime europeu para oEstado democrático moderno. Esses dois princípios foram construídos deforma interligada de uma tal maneira que a igualdade atua como iediareguladora do mérito, oferecendo, no decorrer da história, os critériospara que este se perpetue. Assim, esses fundamentos continuam a agircomo mecanismos de regulação de instituições e legislações até os diasde hoje.

Na obra A Economia das trocas simbólicas (2007), Pierre Bourdieudiscute como o sistema de ensino oferece os mecanismos para a perpetu-

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ação de privilégios e hierarquias sociais, distribuindo o capital cultural deforma desigual entre os grupos sociais, o que não difere, em sua essência,dos mecanismos de clientelismo e parentesco do antigo regime. De acor-do com o autor,

Ao apresentar as hierarquias sociais e a reproduçãodestas hierarquias como se estivessem baseadas nahierarquia de ‘dons’, méritos ou competências que suassanções estabelecem e consagram, ou melhor, ao con-verter hierarquias sociais em hierarquias escolares, osistema escolar cumpre uma função de legitimaçãocada vez mais necessária à perpetuação da ‘ordemsocial’ [...] os novos mecanismos culturais e escolaresde transmissão viriam apenas reforçar ou substituiros mecanismos tradicionais, como por exemplo, atransmissão hereditária de um capital econômico, deum nome de família ou de legado de relações sociais[...]. (BOURDIEU, 2007, p. 311-312).

Dessa forma, o argumento do mérito esconde em si dois proble-mas básicos: primeiro porque questões que são de ordem social são trans-formadas em questões específicas do sistema educacional, no intuito dedesviar o foco da cadeia de privilégios existente. E, em segundo lugar, oprincípio do mérito é sustentado por uma imagem de igualdade de opor-tunidades e de procedimentos democráticos; então, os sujeitos que sãohistoricamente aprovados em um processo seletivo universitário come-moram, como se suas aprovações fossem imprevistas. Sobre esse segun-do problema do princípio do mérito, Bourdieu diz:

Os mecanismos objetivos que permitem às classesdominantes conservar o monopólio das instituiçõesescolares de maior prestígio se escondem sob a roupa-gem de procedimentos de seleção inteiramente demo-cráticos cujos critérios únicos seriam o mérito e otalento, e capazes de converter aos ideais do sistemaos membros eliminados e os membros eleitos das clas-ses dominadas, estes últimos os ‘milagrosos’ levadosa viver como ‘milagroso’ um destino de exceção queconstitui a melhor garantia da democracia escolar.(BOURDIEU, 2007, p. 313).

A universidade pública brasileira se mostra como um verdadeiro

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celeiro das elites, um espaço blindado contra milhões de jovens que pres-tam vestibulares anualmente. A sociedade brasileira precisa se perguntarse é possível defender o mérito construído sobre a enorme discrepânciade acesso entre, por exemplo, brancos e negros: em 2005, apenas 6,6%dos jovens negros frequentavam o ensino superior (público e particular);entre os brancos, o percentual era de 19%, quase três vezes maior(CICONELLO, 2008). O ingresso ao ensino superior é um elemento centralpara mudar, positivamente, os rumos de uma vida: os números mostramque cada ano de acréscimo de escolarização representa 10% de aumentona renda de um indivíduo. Além disso, dados de 2002 mostram que umindivíduo com Ensino Médio tinha uma probabilidade de 17,6% de estardesempregado, mas se ele possuísse diploma universitário, esse percentualcaía para 5,4% (IPEA, 2006).

Frente aos argumentos de igualdade de oportunidades e do mé-rito individual, o Multiculturalismo traz a defesa da diversidade culturalcomo uma alternativa política e como um valor a ser perseguido e incenti-vado. Em várias situações, vemos o Brasil sendo descrito, enaltecido emostrado ao resto do mundo como um país que possui um traço distintivoe singular em sua cultura, consequência de uma diversidade que trazunicidade, ou seja, uma unidade vinda da mestiçagem. Sobre a perspecti-va da diferença cultural, Bhabha compreende que

[...] na tradição liberal – particularmente no relativismofilosófico e em algumas formas de antropologia – aidéia de que as culturas são diversas, e de que emcerto sentido a diversidade de culturas é uma coisaboa e positiva que deve ser incentivada, já é conhecidahá algum tempo. É um lugar-comum das sociedadespluralistas e democráticas dizer que elas podem in-centivar e acomodar a diversidade cultural.(RUTHERFORD apud SILVÉRIO, 2005).

O problema é que o incentivo à diversidade ocorre dentro delimites universalistas, que mantêm intactos valores, interesses e normasetnocêntricos. O discurso sobre a diversidade cultural é agradável aosouvidos de quem ouve, mas funciona no sentido de permanência daspráticas racistas, em que as particularidades desse diverso são reduzidas,folclorizadas e exotizadas. É a partir desse entendimento que autoresassociados aos Estudos Culturais, especialmente os Estudos Pós-Coloni-ais, optam pelo conceito de diferença. A diferença nada tem a ver comconstruções identitárias homogeneizadoras, nem a uma dada herança bi-

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ológica ou cultural, ou, ainda, a pertença simbólica a algum lugar de nasci-mento, moradia ou inserção social. Além do mais, o sujeito do pós-estru-turalismo é sempre imprevisível, incerto, provisório e circunstancial, oque rompe com a concepção iluminista do sujeito fixo, estável e aprisio-nado em fronteiras (HALL, 2006). No lugar de identidade, autores comoGilroy, Hall e Bhabha preferem falar em identificação, como posição tran-sitória nas redes de significação dos sujeitos. A diferença aqui discutidanão traz distinções ou classificações binárias pré-existentes e essenciais,como é pensada ao modo ocidental, mas sim algo criado no momento dodiscurso, no processo mesmo de sua manifestação, ou seja, a diferença éuma articulação social e uma complexa negociação, e não umapersonalização (BHABHA, 2007; COSTA, 2006).

Essa distinção entre diversidade e diferença não é apenas umaquestão conceitual ou teórica. Muito além disso, a escolha entre uma ououtra concepção tem impactos práticos no momento de se pensar empolíticas para os diferentes grupos sociais. A diversidade cultural não deveser discursivamente introduzida nas propostas de políticas públicas sem adevida atenção e respeito às diferenças que se manifestam na interaçãoentre os grupos. Esse é, sem dúvida nenhuma, um importante desafio dereflexão colocado para todos aqueles que dialogam sobre a complexida-de da questão racial no Brasil e que apoiam a implementação de políticasde ação afirmativa.

ReferênciasBHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: EditoraPerspectiva, 2007.BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Bra-sil. Emendas constitucionais ns. 1 a 45 devidamente incorporadas. 2. ed.rev. e ampl. Barueri, SP: Manole, 2005.BRUNI, José Carlos. Foucault: o silêncio dos sujeitos. Tempo Social - Revis-ta de Sociologia da USP, São Paulo, v. 1, p. 199-207, 1º sem. de 1989.CICONELLO, Alexandre. O desafio de eliminar o racismo no Brasil: a novainstitucionalidade no combate à desigualdade racial. From poverty topower: how active citizens and effective States can change the world.USA: Oxfam International, 2008.COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, anti-racismo, cosmopolitismo.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 31. ed. São Paulo: Editora Vozes, 2005.GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional daigualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

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Recebido em: 31/10/2008Aprovado em: 13/03/2009

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HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO: UM RECORTE TEMPORAL SOBRE ASCARTILHAS

Graziela Franceschet Farias1

Helenise Sangoi Antunes2

RESUMO: Este artigo pretende realizar um recorte temporal acerca da História daAlfabetização no Brasil, no período compreendido entre os séculos XX e XXI. Nessadireção, pesquisa-se sobre as cartilhas utilizadas por professoras alfabetizadoras

da época. Acredita-se que a alfabetização deve se converter em uma experiênciasignificativa para as crianças, em que a reflexão sobre a escrita e a leitura consi-dere o seu valor como objeto social, permitindo-lhes a manipulação e a apropria-ção deste objeto, a fim de que possam transformá-lo e recriá-lo. Situar as cartilhasde alfabetização, em nível histórico e atual, é uma forma de valorizar as escolas eas alfabetizadoras, assim como suas memórias, suas histórias de vida pessoal e

profissional e os processos pelos quais elas traçaram trajetórias de vida. Relembraros métodos de alfabetização utilizados antigamente e na atualidade permite-nosconcretizar os objetivos aqui elencados. Os procedimentos metodológicos possu-em caráter qualitativo, a partir dos estudos realizados por Bogdan e Biklen (1994);Fazenda (1995); Gatti (2002); Goldenberg (2003). A partir do levantamento biblio-gráfico, percebe-se que as pesquisas acerca da História da Alfabetização, realiza-das por Mortatti (2000), Frade e Maciel (2006), Peres (2007), Trindade (2004),

revelam-nos que algumas cartilhas continuam a circular nesta década e que algu-mas outras vão surgindo para dar suporte à alfabetização de adultos no ensinonoturno (EJA), bem como em escolas rurais do Rio Grande do Sul. Nesta perspecti-va, surgem novas editoras, especialmente criadas para esse fim, publicandocartilhas e livros didáticos.PALAVRAS-CHAVE: história da alfabetização, cartilhas, processos formativos.

ABSTRACT: This paper aims at presenting a passage in time about the history ofliteracy in Brazil, during the 20th and 21st centuries. In this way, primers used byliteracy tutoring were analyzed. It is assumed that literacy should be a significantexperience for children, in which reflection on the writing and reading has a valuablecorporate purpose, allowing them to manipulate and appropriate this object, so

that they can transform and recreate it. Approaching educational, historical andcurrent literacy level is to valorize schools and teachers, as well as memories,

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria(PPGE/UFSM). E-mail: [email protected] Profª. Drª. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria(PPGE/UFSM). E-mail: [email protected]

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personal and professional life stories and also processes which drew lifetrajectories. Reminding previously used historical methods and current literacymakes possible to reach the research objectives. The methodological procedureswere based on a qualitative character, considering studies by Bogdan; Biklen (1994);

Fazenda (1995); Gatti (2002); Goldenberg (2003). A bibliographical research aboutthe literacy history by Mortatti (2000), Frade; Maciel (2006), Peres (2007), Trindade(2004) show us that some educational materials are still being used nowadays,and some new ones emerge to support adult literacy (EJA), as well as in Rio Grandedo Sul State rural schools. Considering that, new publishers especially created forthis purpose emerged, publishing educational materials and textbooks.

KEYWORDS: literacy history, primers, training processes.

Alguns ensaios iniciaisCom base em estudos já realizados pelo Centro de Estudos e

Investigações em História da Educação (CEIHE) em Pelotas, pelo Centro deDocumentação do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) e peloProjeto “Memória da Cartilha”, da Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS), destaca-se, neste trabalho, a importância de estudos quevalorizem as abordagens históricas das cartilhas.

Como pioneiro, iniciando os estudos em História da Alfabetiza-ção e Cartilhas no município de Santa Maria/RS, está o Grupo de Estudos ePesquisa em Formação Inicial, Continuada e Alfabetização (GEPFICA/CNPq/UFSM), coordenado pela Pesquisadora do Programa de Pós-Gradu-ação em Educação (PPGE), Profª. Helenise Sangoi Antunes, que, desde oano de 2007, com o do projeto de iniciação científica (BIC/FAPERGS)intitulado “Narrativas e Memórias de Alfabetizadoras: um estudo sobre ascartilhas utilizadas para a alfabetização nas escolas rurais da região deSanta Maria-RS”, vem desenvolvendo pesquisas acerca dessa temática.

Desde então, estudar a história da alfabetização, assim como acirculação das cartilhas utilizadas para fins de alfabetização no Rio Grandedo Sul e em Santa Maria, tornou-se um desafio para o GEPFICA, que contacom a participação de doutores, mestres, mestrandos e acadêmicos deiniciação científica, para que juntos possam enriquecer a produção cientí-fica do grupo e da Linha de Pesquisa sobre Formação, Saberes e Desenvol-vimento Profissional do Programa de Pós-Graduação em Educação no qualestão envolvidos.

Sendo assim, este artigo tem por objetivo realizar um recortehistórico voltado à História da Alfabetização e das Cartilhas no Rio Grandedo Sul e em Santa Maria. Trata-se de um desafio, uma vez que este estudodemanda tempo, paciência e principalmente persistência. Com referên-cia ao recorte histórico, buscamos conhecer e obter exemplares de

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cartilhas produzidas e editadas entre os séculos XX e XXI, visto que asprimeiras datam do século XIX, mais precisamente de 1834. Para tanto,reportamo-nos aos acervos bibliográficos e históricos disponíveis em bi-bliotecas públicas, centros de pesquisa e em arquivos pessoais das cola-boradoras da pesquisa.

No início do século XX até meados da década de 60, 70, caberessalvar a predominância de escolas rurais no Brasil (THERRIEN;DAMASCENO, 1993) e que somente a partir de então, em detrimento doprocesso de urbanização brasileiro, começam a surgir as primeiras escolasurbanas, com o objetivo de atender a população em ascensão.

Diante desse movimento de aceleração econômica e social, aEducação no meio rural também sofreu mudanças e até os dias de hojetem tentado conviver com as consequências causadas, principalmente,pela saída da população do meio rural para o meio urbano e, tão logo, pelafalta de zelo e valorização para com o lugar onde vivem.

Com o início da Globalização, a partir dos anos 70, principalmen-te as grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, tornaram-se polosatrativos de trabalho e expectativa de vida. As populações que até entãoresidiam no meio rural passaram a ocupar o espaço urbano de formadesordenada e acelerada:

A instituição escolar desempenhou um papel funda-mental na produção de uma força de trabalho discipli-nada e capaz de se integrar em modalidades decrescente racionalidade da organização do trabalho,baseada na hierarquia, na segmentação das tarefas ena dissociação entre o trabalhador e o produto do seutrabalho. A cobertura do território nacional por umarede de escolas baseava-se numa concepção dehomogeneidade e uniformidade deste mesmo territó-rio. (CANÁRIO, 2008, p. 39).

Analisando o fragmento acima e transpondo-o para a realidadedo Rio Grande do Sul, a situação configurou-se de modo semelhante. Eradepositada nas escolas rurais a esperança de que a situação do meio ruralpudesse converter em algo que trouxesse prosperidade e oportunidadesde trabalho:

Percebe-se, assim, a necessidade de uma política edu-cacional voltada para a sociedade rural, envolvendo aampla gama de experiências e princípios deste meio. É

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preciso ter clareza quanto ao espaço físico da escola,a formação dos professores, material didático, ativi-dades desenvolvidas, metodologias, avaliação, horá-rios escolares, enfim, fatores determinantes da culturarural. As falhas não estão somente nos conteúdos enas estruturas do ensino, mas no enfoque situado e navisão de mundo atual. Faz-se necessário planejar como homem rural a educação que lhe é destinada, partin-do de seus valores, necessidades, linguagem e modode vida, numa proposta intercultural de conteúdos.(BRASOLIN; ECCO, 2008, p.5).

Nesse contexto, quanto às cartilhas utilizadas pelas professorasalfabetizadoras rurais, não havia distinção, com relação à circulação dascartilhas para a alfabetização, entre o espaço urbano e rural, ou seja, adesvalorização do meio rural e suas especificidades foram “esquecidas”desde sempre. Dentre todo o estudo bibliográfico realizado, pode-se per-ceber a existência de somente uma cartilha que se destinou, como pode-mos observar por seu próprio nome, ao ensino do meio rural, intituladaNa roça: cartilha rural para alfabetização rápida, de autoria de RenatoSêneca Fleury, editada pela Editora Melhoramentos, porém, sem data.

Não havia, e atualmente continua não havendo, uma delimita-ção espacial para a abrangência desse material impresso, pois os limitesentre o meio urbano e o meio rural existem a partir dos limites imaginári-os impostos pelos homens.

História da educação e da alfabetização no Brasil: recorte espacial e tem-poral

No decorrer desse discurso, percorre-se a história da educação eda alfabetização no século XX e no início do século XXI permeando-se pelaideia de que, neste período, a educação brasileira e o cenário educacionalpassaram por um forte desprestígio teórico e de valor:

Um dos aspectos em que se reflete com mais intensida-de a crise atual da cultura intelectual é o grau de ten-são que, ao longo da última metade do século, adquirea polêmica entre relativismo e universalidade, matiza-dos pelo constante renascer das tendênciasetnocêntricas. Esta polêmica não pode ser enfrentadade maneira dicotômica; nela se encontram presentes,ao menos, três componentes em mútuainterdependência e relativa autonomia: o indivíduo, a

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cultura singular e a aspiração à comunidade univer-sal, o que requer três níveis de análise independentes ecomplementares. (GOMÉZ, 2001, p. 34).

Percebe-se, pela leitura do fragmento acima, que independen-temente do período histórico, deparamo-nos com a ideia de indivíduoúnico imerso na cultura social em que se encontra inserido, assim como nacomunidade, que é heterogênea, e à qual ele também pertence.

Por esse viés reflexivo, entende-se que a história da alfabetiza-ção se caracteriza por ser um campo da educação imensamente promissor,tanto em termos de pesquisas quanto em termos de materiais bibliográfi-cos disponíveis. Faz-se necessário lembrar que centros de excelência empesquisas na área, como por exemplo, o Centro de Estudos e Investiga-ções em História da Educação (CEIHE), fundado em 2000, é um grupo depesquisa cadastrado no CNPq e vinculado à Faculdade de Educação (FaE)da Universidade Federal de Pelotas. Nesse centro, situado ao Sul do RioGrande do Sul, desenvolvem-se estudos em nível de Especialização eMestrado, além da manutenção de um grupo de História da Alfabetização,criado em 2005, cujo objetivo principal é desenvolver estudos com o pro-jeto intitulado: “Cartilhas Escolares – ideários, práticas pedagógicas e edi-toriais: construção de repertórios analíticos e de conhecimento sobre ahistória da alfabetização e das cartilhas (MG/RS/MT, 1834-1996)”, coorde-nado pela professora Drª. Eliane Peres, em parceria com outros dois Esta-dos, Minas Gerais e Mato Grosso.

Em Minas Gerais, essas pesquisas têm sido largamente incenti-vadas pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdadede Educação (FaE/UFMG), sob coordenação geral da Professora Drª. IsabelCristina Alves da Silva Frade. No Rio Grande do Sul, encontra-se um gran-de acervo histórico das cartilhas de alfabetização situado na bibliotecasetorial da Faculdade de Educação da UFRGS, intitulado Projeto “Memóriadas Cartilhas”, sob a coordenação da Professora Drª. Iole Maria Trindade(TRINDADE, 2004).

Nesse ínterim, este artigo se utilizará de fontes de dados jácoletados por esses centros de excelência em pesquisas em História daEducação, principalmente as informações coletadas pelo CEIHE, para arealização de um recorte temporal da elaboração, produção e circulaçãodas cartilhas a partir do século XX, com edições e re-edições datadas atémeados do ano 2000.

Dos levantamentos realizados até então, encontram-se catalo-gados mais de 500 livros escolares de alfabetização (FRADE; MACIEL, 2006),dos quais a maioria é somada como cartilhas de alfabetização. Há uma

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prevalência das editoras de São Paulo e de Minas Gerais, característicaimpulsionada pelos lucros da lavoura de café e pelas ideias republicanas.

A expansão da escola pública primária no Estado de São Paulo,segundo Frade; Maciel (2006), iniciada no final do século XIX acelerou odesenvolvimento do mercado editorial e possibilitou a profissionalizaçãodo escritor didático. Editoras já tradicionais no segmento de livros didáti-cos, como a Livraria Francisco Alves, fundada no Rio de Janeiro, em 1854,expandiram seus negócios em São Paulo, abrindo sua primeira filial em1893. Outras, como a Editora Melhoramentos (1915) e a Editora MonteiroLobato & Cia (1918), apareceram em São Paulo e logo fizeram do livrodidático (e da literatura infantil) um importante ramo de negócios. Tam-bém se pode citar a Brasil S/A, Editora do Brasil em Minas Gerais, F.T.D. S/A, Editora Lemi, Editora Vigília, Imprensa Oficial, entre outras:

Com indústria e mercado livreiros em franca expan-são e o livro didático consolidado como instrumentoprivilegiado de ensino, mediador entre as tematizações,normatizações e concretizações pedagógicas, intensi-fica-se, de um lado, a necessidade de controle por par-te dos órgãos oficiais que aprovam, autorizam ecompram livros didáticos para distribuição entre osalunos pobres das escolas públicas e, de outro, a pre-ocupação com os critérios de seleção, por parte dosprofessores, decorrente da garantia de “autonomiadidática”, assim como críticas à importância excessi-va atribuída a esses instrumentos de ensino. (MORTATTI,2000, p. 199).

A partir do século XX, mais especificamente após os anos 50,ampliaram-se os espaços de convivência por meio das salas de aula, prin-cipalmente por meio dos chamados Grupos Escolares, os quais tinham porobjetivo generalizar o ensino e minimizar o tempo escolar. Professor ealuno atuavam na sala de aula de maneira sincronizada, opondo-se aosmétodos de ensino individual que perdurava no século XIX:

Embora também sejam muitas as cartilhas produzidaspor professores paulistas, sobretudo a partir de 1930,continuam a circular no Estado de São Paulo algumasdas cartilhas produzidas no final do século passado enas primeiras décadas deste século, conforme se podeobservar pelo número de suas edições em listagem

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contidas em catálogos de editoras. (MORTATTI, 2000,p. 201).

Além disso, essa nova organização escolar, que também pressu-punha a uniformização e seriação dos conteúdos, distribuídos gradual-mente nos quatro anos do curso primário, passou a exigir uma variedadebem maior de livros didáticos adaptados ao ensino graduado de todas asmatérias do currículo: Quanto às cartilhas produzidas a partir do final dadécada de 1930, o número parece ter aumentado significativamente comose pode observar nas relações de livros autorizados, contidas em publica-ções oficiais e em outras fontes, como catálogos de editoras e acervosparticulares (MORTATTI, 2000, p. 202).

Segundo Frade e Maciel (2006), até meados da década de 90, operíodo se caracterizava pela centralização da política de livros didáticos,incluídos os de alfabetização via implantação do Plano Nacional do LivroDidático. Em 1996, instaura-se no Brasil a política de avaliação das cartilhaspelo governo federal, que assegurava a regulação, a avaliação e a comprade livros para alfabetizar.

Nessa época, praticamente cessaram as edições das cartilhas dealfabetização, pois os ideários “construtivistas” passaram a negar os mé-todos tradicionais de ensino-aprendizagem, iniciando um verdadeiro fe-nômeno “não-cartilha” (FRADE; MACIEL, 2006) e gradativamente foramcedendo espaço aos pré-livros que utilizavam o método global para alfa-betizar:

Outra manifestação do relativismo do pensamento pós-moderno é o historicismo radical, o qual afirma aimanência radical e insuperável de toda a realidadeindividual e social às coordenadas históricas em quese desenvolve. As informações transistóricas ou oscontrastes e as comparações entre épocas carecem desentido ao se dissolver o cenário histórico concretoque as configurou. Não apenas se nega a possibilida-de de buscar o sentido da história e seu horizonteteleológico, como também a mera possibilidade decompreensão de épocas diferentes e distantes, cujocontexto desapareceu. (GOMÉZ, 2001, p. 37).

É fato que as cartilhas mostraram-se, principalmente no séculoXIX e XX, como uma primeira experiência na área da alfabetização, o quepermitiu que a sociedade atual experimentasse métodos divergentes,

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embora nos estudos de Antunes, Bopp e Farias (2007), vinculados às pes-quisas do GEPFICA, tenham constatado professoras alfabetizadoras quese utilizam das cartilhas como material de apoio para planejar e desenvol-ver sua aulas.

A partir da consolidação da Política Nacional do Livro Didático em1997, acervos de livros e cartilhas de alfabetização como o Ceale (FaE/UFMG), o Projeto Memória da Cartilha (FaE/UFRGS) e o CEIHE (FaE/UFPel)têm crescido e fomentado pesquisas de cunho histórico e de conheci-mento sobre as cartilhas, revivendo memórias de um período não muitodistante da História do Brasil.

As cartilhas no Rio Grande do Sul: um legado histórico para a alfabetizaçãoCom base nos dados produzidos, principalmente pelo Centro de

Estudos e Investigações e História da Educação (CEIHE), locado na Faculda-de de Educação da Universidade Federal de Pelotas, discorrer-se-á acercada trajetória percorrida pela história da alfabetização no Estado do RioGrande do Sul. O CEIHE possui, atualmente, 122 títulos de cartilhas/livrosde alfabetização catalogados (PERES, 2006) e que, em sua maioria, foramproduzidas principalmente nas décadas de 70, 80 e 90.

Nos estudos de Peres (2007), destacam-se as figuras marcantesdas professoras gaúchas Nelly Cunha, Cecy Cordeiro Thofehrn, Teresa IaraPalmini Fabreti e Zélia Maria Sequeira de Carvalho, autoras de inúmeroslivros escolares entre os anos de 1950 e 1980, no Rio Grande do Sul. Dentreas cartilhas produzidas por elas, podemos citar: Estrada iluminada (1962),Viva o circo (1969), Alegria, Alegria (1973), Nossa terra nossa gente (1974),Tapete verde (1976), Tempo presente (1977), entre outras. Os exemplaresdestas e de muitas outras cartilhas de alfabetização encontram-se dispo-níveis no acervo bibliográfico e histórico do CEIHE.

Conforme Peres (2007), Frade e Maciel (2006), as cartilhas esco-lares foram produzidas no Rio Grande do Sul por editoras de destaquecomo a Tabajara, com a cartilha “Marcelo, Vera e Faísca” (1961); Selbach,com a “Cartilha Maternal ou Arte de Leitura - Methodo João de Deus” (n/c); Editora Globo, com a “Cartilha de Zé Toquinho” (1948), entre outras,algumas delas existentes neste século:

Ao trabalhar com cartilhas e pré-livros produzidos noEstado gaúcho percebe-se que, entre os anos de 1950 e1970, houve uma significativa ‘política’ de produçãode livros didáticos. Essa produção local foi incentiva-da, principalmente, pelo CPOE (Centro de Pesquisas eOrientação Educacional), órgão criado em 1943, e li-

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gado à Secretaria de Educação e da Cultura. Sua fun-ção principal era a “realização de estudos e investiga-ções psicológicas, pedagógicas e sociais, destinadosa manter em bases científicas o trabalho escolar.

O CPOE teve um papel marcante nos rumos do ensinoprimário sul-rio-grandense: orientou, decidiu, fiscali-zou, controlou, pesquisou, determinou projetos e prá-ticas pedagógicas para a escola primária, entre asdécadas de 40 e início de 70. As imposições pedagógi-cas mais marcantes do CPOE estavam relacionadas aocurrículo escolar, aos livros e às leituras, à organiza-ção das classes e à elaboração das provas finais.(PERES, apud FRADE; MACIEL, 2006, p. 127).

A partir do referencial acima, percebe-se a relevância deste Cen-tro de Pesquisas para o Estado do Rio Grande do Sul, o qual desempenha-va o papel de regulamentador e incentivador das publicações e ediçõesdas cartilhas que se utilizavam do método global de contos (PERES, 2007).

Incentivados por essas pesquisas, ressalta-se que a memória eas autobiografias de professoras alfabetizadoras desempenham um pa-pel de fundamental importância, visto contribuírem para que as mesmasrecordem sobre suas atividades, seus processos de construção da leitura eda escrita e os métodos de alfabetização por elas utilizados:

A pesquisa (auto) biográfica é uma forma de históriaauto-referente, portanto plena de significado, em queo sujeito se desvela para os demais. Produzir pesquisa(auto) biográfica significa utilizar-se do exercício damemória como condição sine qua non. A memória éelemento chave do trabalho com pesquisa (auto) bio-gráfica, em geral: Histórias de vida, biografias, autobi-ografias, Diários, Memoriais. A pesquisa (auto)biográfica, embora se utilize de várias fontes, tais comonarrativas, história oral, fotos, vídeos, filmes, docu-mentos, utilizam-se da rememoração, por excelência.Esta é componente essencial na característica do (a)narrador (a) na construção/reconstrução de sua sub-jetividade. Esta também é componente essencial comque o pesquisador trabalha para poder (re) construirelementos de análise que possam auxiliá-lo na refletircompreensão de seu objeto de estudo, ao tentar articu-

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lar memória e conhecimento, procurando edificar uma“arqueologia da memória”. (ABRAHÃO, 2004, p. 202-203).

Nesse sentido, a partir dos estudos realizados até o presentemomento com treze (13) professoras alfabetizadoras que participaramcomo colaboradoras para esta pesquisa, percebeu-se que quanto àscartilhas utilizadas, encontramos, nas respostas, um número de 10 profes-soras que utilizam ou utilizaram cartilhas como recurso para alfabetiza-ção. Assim, as cartilhas citadas3 por elas foram: Caminho suave, Cartilhaquero-quero (elaborada especificamente para a zona rural de Santa Ma-ria), Cartilha João-de-barro, Coleção Marcha criança, Porta aberta, Pipo-ca, Método lúdico de alfabetização, Toca do tatu, Alegria do saber.

Com isso, é possível inferir o quanto as memórias e os relatosautobiográficos constituem-se em mecanismos repletos de riqueza, tan-to de detalhes, quanto de histórias de vida distintas, vividas por professo-ras durante sua afirmação enquanto alfabetizadoras. Segundo Bosi (1999,p.55),

[...] na maior parte das vezes, lembrar não é reviver,mas repensar, com imagens e idéias de hoje, as experi-ências do passado. A memória não é sonho, é traba-lho. [...] A lembrança é uma imagem construída pelosmateriais que estão agora a nossa disposição, no con-junto de representações que povoam nossa consciên-cia atual.

A contribuição de Bosi (1999) reitera a importância da utilizaçãodos relatos autobiográficos na busca de relacionar-se o cotidiano escolaràs lembranças da escolha profissional e do processo de formação. Ao ins-taurar a possibilidade de reflexão, o ser humano passa a repensar e modi-ficar as ações anteriormente adotadas, criando espaços para novas práticasdocentes.

Reitera-se a ideia de que as pesquisas na área da história daalfabetização utilizam-se das memórias para fundamentar seus escritos,

3 As cartilhas citadas acima constituem parte da coleta de informações realizada através dasentrevistas semiestruturadas aplicadas a treze (13) professoras alfabetizadoras de escolas ru-

rais de Santa Maria/RS, como recurso metodológico do projeto de iniciação científica intitulado:“Narrativas e memórias de professoras alfabetizadoras: um estudo sobre as cartilhas utilizadaspara a alfabetização nas escolas do campo (rurais) da região de Santa Maria/RS”, sob a coordena-

ção da Professora Helenise Sangoi Antunes. Esta pesquisa conta com uma bolsa de iniciaçãocientífica da FAPERGS (BIC) e uma bolsa de iniciação científica do CNPq (PIBIC).

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assim como de acervos documentais, cartas, bilhetes, fotografias, entreoutros.

Para que se possa rememorar a partir deste artigo, dispõe-se dedois quadros (quadro 1 e quadro 2), com cartilhas indicadas pelo CPOE nosanos de 1950 e 1960 (PERES apud FRADE; MACIEL, 2006, p. 156-158):

QUADRO 1- Cartilhas indicadas para o 1º ano pelo CPOE – 1950

Fonte: FRADE, e MACIEL, 2006.

QUADRO 2 - Cartilhas indicadas para o 1º ano pelo CPOE - 1960

Fonte: FRADE, e MACIEL, 2006.

Conforme Peres (apud FRADE; MACIEL, 2006, p. 156), “o Centrode Pesquisas e Orientações Educacionais (CPOE) esteve sempre a frentena difusão do método global de ensino da leitura”. As cartilhas citadas nosquadros 1 e 2 acima foram produzidas e editadas levando em conta ométodo global de alfabetização, o qual esteve em evidência no Rio Gran-de do Sul entre as décadas de 1950-1970. Dentre elas, O livro de Lili e Sarita

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e seus amiguinhos circularam amplamente no Rio Grande do Sul nesteperíodo (PERES, 2006).

Assim, nas lembranças de professoras alfabetizadoras, alunos ealunas que passaram pelas escolas nas décadas de 1930 a 1980, permane-cem vivos os nomes e as imagens dessas cartilhas. Dentre elas, a Upacavalinho, O livro de Lili, Cartilha Sodré e Cartilha das crianças, entre ou-tras, as quais circularam pelo século XX e permanecem, em alguns Estadoscomo o Rio Grande do Sul, na memória e nas bibliotecas particulares demuitas destas professoras alfabetizadoras, além daquelas integradas emacervos históricos de instituições de ensino superior (IES) públicas do Bra-sil.

Considerações FinaisComo resultado desta pesquisa, após o contato com as escolas e

as professoras rurais, construiu-se um “Memorial de Cartilhas”, com ima-gens de cartilhas que as professoras puderam manusear e usar como su-porte para seus exercícios de rememorar. Concomitantemente, muitasdelas se referiram às Cartilhas Sodré, Caminho suave, Cartilha na roça eUpa cavalinho como cartilhas igualmente utilizadas por suas professorasalfabetizadoras há mais de 50 anos, cuja memória permanece viva. Em2008, pode-se contar com o fomento do Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico (CNPq), via Programa Institucional deBolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UFSM), para a construção, através dosdiários de campo, de um Banco de Dados institucional de acesso público,para que outros estudos na área possam utilizar essa mesma ferramentacomo suporte para novas pesquisas sobre o tema.

Nesse sentido, observando os quadros 1 e 2, destaca-se a pre-sença de cartilhas que utilizam o método alfabético, o método fônico emétodo silábico. Porém, a análise das cartilhas a partir desses métodosnão é o objetivo deste artigo. Assim, acredita-se que situar em nível histó-rico e atual as cartilhas de alfabetização que circularam no século XX é umaforma de valorizar a escola pelas quais avós, pais e até mesmo os pesqui-sadores deste estudo permaneceram no período escolar, além das memó-rias, as histórias de vida pessoal e profissional e os processos pelos quaisas professoras alfabetizadoras projetaram suas vidas.

Nesse raciocínio, espera-se que outras pesquisas surjam da von-tade de manter acesas as lembranças escolares das professorasalfabetizadoras, considerando-se o que tanto fizeram pela sociedade con-temporânea.

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Recebido em: 24/10/2008

Aprovado em: 09/03/2009

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O EMBATE QUALITATIVO/QUANTITATIVO NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO1

Elizeth Gonzaga dos Santos Lima2

Ivanete Bellucci P. Almeida3

Christiane Bellório Gennari Stevão4

Antonio Carlos Miranda5

RESUMO: Este texto discute questões sobre a utilização das abordagens quantita-tiva e qualitativa no processo de avaliação. Leva em conta a problemática dapesquisa educacional qualitativa/quantitativa, as diferentes formas de investiga-

ção e os subsídios das diversas áreas do conhecimento que auxiliam as estruturasda avaliação. As análises teóricas estão sustentadas nos autores Bogdam, Santos,Gamboa Dias Sobrinho, Ristoff e outros. O estudo mostra que as abordagensquantitativas e qualitativas, enquanto técnica, não são dicotômicas, e sim com-plementares. O método de avaliação precisa buscar os pontos fortes e fracos, maspara além de produzir dados materiais, precisa possibilitar discussão e tomadas

de decisão.PALAVRAS-CHAVE: avaliação, qualitativo/quantitativo, pesquisa educacional.

ABSTRACT: This text argues questions on the use of the boardings quantitative andqualitative in the evaluation process. It takes in account the problematic one ofquantitative the qualitative educational research/, the different forms of inquiryand the subsidies of the diverse areas of the knowledge assisting the structures of

the evaluation. The theoretical analyses are supported in authors Bogdam, Santos,Gamboa, Dias Sobrinho, Ristoff and others. The study sample that the quantitativeand qualitative boardings, while technique, is not dicotômicas and yescomplementary. The method of necessary evaluation to search strong and weak thepoints, but stops beyond producing given material, needs to make possible quarreland taking of decision.

KEYWORDS: evaluation, qualitative/quantitative, educational research.

1 Texto elaborado para conclusão da disciplina de Seminários Avançados em Avaliação – Programade Pós-Graduação FE-UNICAMP, 2004/1.2 Professora da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT. Doutora em Avaliação peloPrograma de Pós-Graduação em Educação FE/UNICAMP, habilitação em Pedagogia. E-mail:[email protected] Professora da Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo e METROCAMP, doutoranda doPrograma de Pós-Graduação FE/UNICAMP, habilitação em Análise de Sistema.4 Professora da Faculdade Integrada do Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa – IPEP, mestre pelo

Programa de Pós-Graduação FE/UNICAMP, habilitação em Matemática.5 Dourando do Programa de Pós-Graduação FE/UNICAMP, habilitação em Matemática.

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Introdução

Se queremos conhecer objetivamente o estado de umadeterminada realidade, precisamos construir nume-rosos indicadores quantitativos, lembrando sempreque a dimensão qualitativa aí também se apresenta,pois todas as atividades humanas são orientadas porcritérios sociais e escolhas pessoais ou intersubjetivas.(DIAS SOBRINHO, 1997, p. 83).

Ao iniciarmos uma discussão emblemática como esta, reportamo-nos ao campo das configurações perceptuais. Segundo os Gestaltistas,qualquer flutuação no campo perceptual provoca rupturas e distorções noque vemos; assim, quando olhamos uma mesma figura, ora vemos umvaso branco recortado sobre um fundo preto, ora vemos dois rostos deperfil frente a frente recortados sobre o fundo branco. Qual das imagens éverdadeira? Ambas e nenhuma, mas o todo. É essa a ambiguidade e acomplexidade do tema que está em discussão. Se pensarmos o embatequantitativo e qualitativo, qual das abordagens está correta? Responderí-amos, como na questão acima, ambas e nenhuma, mas o todo. A supera-ção dessa dicotomia paradigmática, voltando o olhar para o todo e nãopara as partes, vem se constituindo um desafio no campo da avaliação e éo foco dessa discussão.

Nesse texto, propomo-nos a examinar questões que perpassama discussão do quantitativo e qualitativo nas pesquisas educacionais eque têm sido foco de questionamentos entre os pesquisadores da área.Existem diferenças entre pesquisas quantitativas e qualitativas? Em quecontextos teóricos emergem a pesquisa quantitativa e a qualitativa? Adicotomia quantitativo/qualitativo está superada? É possível utilizar téc-nicas quantitativas no estudo qualitativo sem descaracterizá-lo? É possí-vel utilizar o quantitativo e o qualitativo no processo de avaliaçãoemancipatória? Essas e outras questões estão abordadas nesse texto.

O embate quantitativo/qualitativo: contextos históricos e epistemológicosSegundo Santos (1995), a ciência moderna nasceu sustentada pelo

modelo de racionalidade técnica e constituiu-se a partir da revolução ci-entífica do século XVI e foi se desenvolvendo nos séculos seguintes com odomínio das ciências naturais. Somente nos séculos XVIII esse modelo deracionalidade se estende às Ciências Sociais, mas é no século XIX queacontece sua expansão. Em Descartes encontram-se as ideias matemáti-cas como fundamento da ciência. As ideias que presidem à observação e à

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experimentação são ideias claras e simples, a partir das quais se podeconstruir um conhecimento mais profundo e rigoroso da natureza. A ma-temática forneceu à ciência moderna o instrumento privilegiado de análi-se, a lógica da investigação e o modelo de representação da matéria.

A partir desse lugar central da matemática, a ciência modernatem como fundamento básico a quantificação, ou seja, conhecer significaquantificar. O rigor científico se afere pelo rigor das medições. O que nãoé quantificável é cientificamente irrelevante. Para Santos (1995, p. 15), ométodo científico da ciência moderna se assenta na redução da complexi-dade: “O mundo é complicado e a mente humana não o pode compreen-der completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depoispoder determinar relações sistemáticas entre o que se separou”.

As leis da ciência moderna são um tipo de causa formal que pri-vilegia o modo de funcionamento das coisas em detrimento de qual oagente ou qual o fim das coisas. Um conhecimento baseado em leis temcomo pressuposto a ideia de ordem e estabilidade:

Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matériaé uma máquina cujas operações se podem determinarexatamente por meio de leis físicas e matemáticas, ummundo estático e eterno a flutuar num espaço vazio[...]. Essa idéia do mundo-máquina é de tal modo pode-rosa que se vai transformar na grande hipótese uni-versal da época moderna, o mecanicismo (SANTOS,1995, p. 17).

No século XVIII, o estudo da natureza começa a ser transportadopara o estudo da sociedade. Assim como foi possível descobrir leis para anatureza, também seria possível descobrir as leis da sociedade. A partirdessas idéias, criaram-se condições para a emergência das ciências sociaisno século XIX. O Positivismo de Comte e Durkheim agrega-se à ciênciamoderna, que surgiu no racionalismo cartesiano e no empirismobaconiano. Para os positivistas, só existia duas formas de conhecimentocientífico: 1 – as disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciênciasempíricas, segundo o modelo mecanicista das ciências naturais e 2 – asciências sociais nasceram para ser empíricas. As Ciências Sociais assumemo modelo mecanicista com vertentes diferenciadas. Santos (1995) apontaduas vertentes. A primeira, e dominante, constituiu em aplicar ao estudoda sociedade todos os princípios epistemológicos e metodológicos quepresidiam ao estudo da natureza desde o século XVI e a segunda, queaparecia raramente, consistia em reivindicar para as ciências sociais um

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estatuto epistemológico próprio, com base na especificidade do ser hu-mano e suas relações com a natureza.

Para estudar os fenômenos sociais como se fossem naturais, comopretendia Durkheim, era necessário reduzir os fatos sociais às suas di-mensões externas, observáveis e mensuráveis. Em oposição a essa con-cepção, alguns teóricos como Weber e Thomas Kuhn defendiam que ocomportamento humano é subjetivo e ao contrário das ciências naturais,não pode ser descrito e explicado com base apenas nas suas característi-cas exteriores.

Essas vertentes antagônicas para o estudo dos fenômenos soci-ais que aparecem no limiar da história trouxeram contribuições importan-tes para o surgimento da pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais, masinstigou a dicotomia entre os fenômenos naturais, que são quantificáveis,e os fenômenos sociais, não quantificáveis. A oposição entre os teóricosfez emergir na atualidade uma crise paradigmática. Em situações de cri-ses, quando um determinado paradigma não resolve uma série de ano-malias acumuladas, outras posições da produção do conhecimentodestacam-se, focando o momento histórico e o contexto de incerteza.

Essa nova visão de analisar os fenômenos sociais leva à busca deopções metodológicas investigativas, tendo como perspectiva a crítica àanálise e à interpretação da realidade. Nesse contexto, os padrões decientificidade são questionados pelos pesquisadores das ciências exatas,mas a posição do sujeito e sua práxis no contexto das ciências sociaisservem de fonte para o desenvolvimento de um novo conhecimento ci-entífico.

Professores e pesquisadores lançam mão, então, demetodologias qualitativas; crescem os estudos de casos, a pesquisa parti-cipante, a pesquisa-ação e os questionamentos conscientizantes aumen-tam entre os pesquisadores.

Abordagens qualitativa e quantitativa no estudo dos fenômenos sociaisPara André (1995), a abordagem qualitativa surge no final do séc.

XIX, quando os cientistas sociais começaram a questionar se o método deinvestigação das Ciências Físicas e Naturais, numa perspectiva positivistade conhecimento, serviria ainda como modelo para o estudo dos fenôme-nos humanos e sociais. Weber e Dilthey contribuem significativamentepara o desenvolvimento da abordagem qualitativa, ao defender que ofoco da investigação deve centrar-se na compreensão dos significadosatribuídos pelos sujeitos as suas ações, colocando os significados dentrode um contexto.

Segundo Bogdan (1994), os anos 60 do século XX foram época de

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mudanças sociais com a atenção voltada para os problemas educativos, oque fez reavivar o interesse pela investigação qualitativa. Nesse período,aumentou-se a publicação de artigos com abordagem qualitativa. Paraesse autor, mesmo assim, a pesquisa qualitativa ainda era marginal emeducação, apenas praticada pelos mais heterodoxos. Já na década de se-tenta, há um aumento do uso dos métodos qualitativos, tendo esse reco-nhecimento crescente em campos como a investigação avaliativa. Contudo,prosseguiam os debates metodológicos entre os investigadores quantita-tivos e qualitativos.

Os investigadores qualitativos entendem os seus trabalhos pau-tados no estudo do comportamento humano e que este é demasiada-mente complexo e de caráter essencialmente interpretativo. Em oposição,os investigadores quantitativos entendem os seus trabalhos a partir dacoleta de fatos sobre o comportamento humano, os quais após seremarticulados, proporcionam um modo de verificar e elaborar uma teoriaque permitisse estabelecer relações de causalidade e predizer o compor-tamento humano: “O objetivo dos investigadores qualitativos é o de me-lhor compreender o comportamento e experiência humanos. Tentamcompreender o processo mediante o qual pessoas constroem significadose em que consistem estes mesmos significados” (ibidem, p.70).

A pesquisa qualitativa frequentemente é vista de forma descon-fiada sob o olhar dos quantitativistas, principalmente no que se diz res-peito à metodologia; para alguns, esse tipo de pesquisa não tem comocomprovar sua fidedignidade. As diferenças são muitas e variam desde aclassificação dos sujeitos e a intencionalidade da amostra até a definiçãodas hipóteses levantadas para o estudo.

Enquanto o objetivo da investigação quantitativa é encontrarfatos, descrevê-los estatisticamente e encontrar relações entre variáveis,os objetivos da investigação qualitativa são desenvolver conceitos a partirda descrição de múltiplas realidades e desenvolver a compreensão, dan-do ênfase ao processo, e não somente ao resultado e produto. A primeiraapresenta dados quantitativos, contáveis, medidos e analisados estatisti-camente para comprovar a validade do estudo; utiliza amostras amplas,estratificadas, precisas e aleatórias para diminuir a chance depropensionalidade; a relação com os sujeitos da pesquisa é distante e decurta duração. A segunda apresenta dados descritivos, discurso dos sujei-tos, documentos pessoais, notas do campo, amostras intencionais de nú-mero reduzido e não representativa estatisticamente; a relação com ossujeitos é empática, o contato é intenso e há uma relação de confiança.

Na pesquisa qualitativa são várias as técnicas de coleta de dados;uma delas se dá por meio de questionários abertos por darem total liber-

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dade ao sujeito: “[...] A dicotomia que se estabelece na prática, de umlado, deixa à margem relevâncias e dados que não podem ser contidos emnúmeros, e de outro lado, às vezes contempla apenas os significados sub-jetivos, omitindo a realidade estruturada” (MINAYO, 2000 p.28).

Ao se tratar da análise dos dados, pode-se encontrar outra dife-rença significativa; na pesquisa quantitativa, os dados colhidos são anali-sados a partir da estatística, comprovando ou não o seu grau de validade.Segundo Lakatos (2002, p. 218), a supervalorização dos números e o seuuso excessivo e a sofisticação são riscos de que se precisa ser alertadoconstantemente. A estatística é um instrumento, e não um fim em si mes-mo, ainda quando indispensável.

Na pesquisa qualitativa, a análise de dados é a mais complicadafase da pesquisa, na qual o pesquisador deverá ser capaz de analisar a falado sujeito dando um caráter interpretativo para as relações por ele esta-belecido. Os investigadores qualitativos utilizam as técnicas de trabalhode campo, como a observação participante, entrevistas em profundidadeou etnografia. Registram seus apontamentos por escrito como forma depreservar os dados para analisar, incluindo grande quantidade de descri-ções, registros de conversas e diálogos. Assim, algumas críticas já se apre-sentavam à investigação qualitativa e a mais comum é que erademasiadamente descritiva.

Bogdan (1994) apresenta algumas características fundamentaisda investigação qualitativa: a fonte direta de dados é o ambiente natural;tem caráter descritivo; interesse mais pelo processo do que simplesmen-te pelos resultados ou produtos; análise de dados se dá de forma indutivae o significado é de suma importância na abordagem qualitativa. Segundoesse autor, os anos oitenta e noventa foram marcados pelas discussõessobre as diferenças entre a investigação quantitativa e qualitativa e se asduas podem e devem ser articuladas.

A coleta de dados deve fornecer às nossas pesquisas informa-ções que nos permitam responder aos nossos questionamentos em rela-ção ao problema a que se propõe a investigação. Portanto, para que essesresultados possam ser confiáveis, tanto a coleta dos dados quanto a análi-se deve ser objetiva e rigorosa.

O que deve determinar a escolha pela pesquisa qualitativa ouquantitativa é a natureza da pesquisa. O problema que desencadeou oestudo leva à escolha da metodologia. Essa escolha metodológica deveestar clara e ter suporte conceitual e técnico quanto ao uso dos procedi-mentos e instrumentos, tanto para a coleta como para o processo de aná-lise dos dados.

A coleta de dados deve ser planejada rigorosamente e, nessa

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fase de planejamento, o pesquisador deve ter clareza sobre os instru-mentos que serão utilizados. Podem ser utilizados como instrumentos: oquestionário, as entrevistas estruturadas ou semi-estruturadas, o grupofocal, a observação planejada, dentre outros. As formas de elaboração eaplicação devem ser discutidas dentro do grupo de pesquisadores que secomprometerão com esse trabalho. Leva-se em conta que essa etapa re-quer certo período de tempo extenso; deve-se executá-la com cautela, osobjetivos da pesquisa devem estar claros, a população bem definida edeve-se respeitar alguns procedimentos para sua construção.

O processo de planejamento de uma pesquisa atinge a etapa dadefinição de variáveis. Segundo Barbetta (2001), variáveis são característi-cas que podem ser observadas ou medidas em cada elemento da popula-ção sob as mesmas condições. Uma variável observada ou medida numelemento da população deve gerar apenas um resultado. As variáveis sur-gem quando perguntamos “o quê?”. Se pensarmos a construção de umavariável, na prática, podemos demonstrar da seguinte forma:Ex1

As variáveis podem ser: qualitativas e quantitativas; quando ospossíveis resultados são medidos ou se encontram numa escala de núme-ros, esta variável é considerada como quantitativa, da mesma forma se osresultados obtidos são atributos ou qualidades, a variável é consideradaqualitativa.

Observe a figura:

FIGURA 1 - Classificação dos dados em termos de mensuração (BARBETTA,2001, p. 28).

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As variáveis quantitativas têm o objetivo informativo, por exem-plo, dizer que o professor trabalha na escola há vinte anos é mais informa-tivo do que dizer que trabalha há muito tempo. Existem característicasque podem ser mensuradas de várias formas e nem sempre fica evidentequal a mais apropriada. Quando queremos levantar o nível de satisfaçãode um professor com o seu trabalho, podemos mostrar de duas maneiras:a) Em termos do trabalho que você realiza na escola você se sente:( ) muito satisfeito ( ) pouco satisfeito ( ) razoavelmente satisfeito( ) insatisfeitob) Atribua uma nota de 0 (zero) a 10 (dez) relativa ao seu grau de satisfaçãocom o seu trabalho. NOTA:__________.

No primeiro caso, temos uma variável qualitativa, na qual orespondente emite sua opinião dentre as quatro qualidades apresenta-das. No segundo caso, o respondente vai mensurar sua opinião numa es-cala de zero a dez, atribuindo o seu grau de satisfação em relação ao seutrabalho.

Em alguns casos, pode-se utilizar mais de uma variável em ummesmo item, como exemplificado abaixo, numa pergunta feita para pro-fessores:1)Que tipo de material didático você costuma usar em sala de aula?( ) retroprojetor ( ) quadro de giz ( ) data show ( ) vídeos( ) outros. Especificar:___________.

Nesse caso, o respondente pode assinalar mais de uma alterna-tiva, o que implica na associação de várias variáveis em um mesmo item,tais como: 1) Quantidade de professores que utilizam retroprojetor; 2)Quantidade de professores que utilizam vídeos; 3) Quantidade de profes-sores que utilizam retroprojetor e vídeos, entre outros.

A seguir, transcrevemos um quadro resumo que caracteriza asabordagens quantitativas e qualitativas apresentado por Bogdan (1994).

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QUADRO RESUMO - CARACTERÍSTICAS DAS ABORDAGENS QUALITATIVA EQUANTITATIVA

Fonte: BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 72-74.

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Na discussão do quantitativo e qualitativo, Bogdam levanta umquestionamento: será possível a utilização conjunta das abordagens qua-litativa e quantitativa? Em resposta a essa questão, Bogdam, afirma quealguns autores como Cronbach, Huberman e outros já utilizavam as duasabordagens em suas investigações. Essa prática é comum quando se cons-troem questionários para entrevistas abertas. Pode-se ainda utilizar aobservação em profundidade para descobrir por que duas variáveis estãoestatisticamente relacionadas e em outros casos é possível investigar, to-mando como método, a combinação das técnicas quantitativas e qualitati-vas, lembrando sempre que essas têm fundamentos epistemológicos queas diferenciam.

Existem estudos que integram componentes qualitativos e quan-titativos. Cada vez mais a estatística descritiva/analítica e os resultadosqualitativos têm sido apresentados conjuntamente. Bogdan (1994) apre-senta sérios problemas na condução de um estudo com a utilização dasduas abordagens, principalmente se os investigadores foreminexperientes; em vez de conseguirem um estudo conjunto, acabam nãoapresentando qualidade em nenhuma das técnicas e acabam se preocu-pando mais com o método do que com o problema em estudo. SegundoTrivinos (1987), a estatística deve servir como elemento auxiliar do pes-quisador, e não como instrumento fundamental.

Gamboa (2002, p. 88) contribui com essa análise e diz: “a técnicaé a expressão prático-instrumental do método, sendo este, por sua vez,uma teoria científica em ação. As teorias são maneiras diversas de ordenaro real, de articular os diversos aspectos de um processo global e deexplicitar uma visão de conjunto”.

É importante perceber que anteriormente ao método, é precisoter clareza em relação às concepções de sujeito e de objeto que susten-tam a investigação, seja ela quantitativa, qualitativa ou a combinação dasduas abordagens. Portanto, antes de escolher que abordagem utilizar numainvestigação, é necessária a definição de outros elementos mais comple-xos. Como diz Gamboa (2002, p. 89), “as opções técnicas só tem sentidodentro do enfoque epistemológico no qual são utilizadas e elaboradas”.

Para superar a dicotomia quantidade-qualidade, é necessáriopensar a dimensão técnica como parte constitutiva da pesquisa, e nãocomo o fim. Entender que a técnica é um meio a insere em um todo maiorque lhe dá sentido. Dessa forma, retomamos a pergunta que deu início aeste texto: Qual das abordagens está correta? Respondemos como inicial-mente, as duas e nenhuma, mas o todo. Para Gamboa, na medida em querecuperamos o todo, relativizamos as partes.

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O quantitativo/qualitativo no processo de avaliaçãoPara Dias Sobrinho (1997), avaliar implica construir um profundo

conhecimento daquilo que interrogamos e a atribuição de significadosaos fatos, dados e informações que colhemos. Dessa forma, a construçãodesse conhecimento implica decidir sobre que avaliação queremos, quaisos princípios que sustentam o processo, que metodologia utilizar, quais osinstrumentos serão elaborados e como serão coletados os dados. Osparadigmas que sustentam o embate quantitativo e qualitativo estarãoconstantemente permeando as discussões sobre a avaliação.

A avaliação é um instrumento que produz conhecimento sobrealguma coisa, seja uma instituição, um sistema, etc., possibilitando a re-flexão e mudanças. Numa análise epistemológica, a avaliação contribuipara a compreensão das práticas pedagógica e administrativa de uma ins-tituição, de um sistema ou dos resultados da aprendizagem. Dessa forma,oportuniza a reconstrução, contribuindo para a sua consolidação enquan-to espaço de produção e disseminação do saber. Conceber a avaliaçãoenquanto produtora de conhecimento é criar uma cultura de avaliação naqual os avaliados e avaliadores estarão a cada dia refletindo sobre suasações e dinamizando-as, na medida em que as executam.

O conhecimento é uma construção que se faz na interação, é umprocesso dialógico. Paulo Freire (2000) explica essa construção em poucaspalavras: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os ho-mens se libertam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. É nesse con-texto de produção do conhecimento que abordamos a avaliação. Aavaliação assim pensada possibilita uma reflexão e uma reinvenção con-junta da ação político-pedagógica, contribuindo para a construção da di-versidade e do respeito às mais variadas formas de conhecer, de ser, deagir, de pensar e de viver. Dias Sobrinho (1997) afirma que a avaliação é umempreendimento ético e político.

O paradigma de avaliação como controle e regulação vinculou oprocesso de avaliação à mensuração, à medida, à comparação e à classifi-cação. Opera-se uma relação entre avaliação e número. O autor acimacitado afirma que a quantidade, além de ser a dimensão mais visível e fácilde operar, sempre se mostrou como a mais confiável e capaz de emprestarum caráter científico à avaliação. A quantidade, com o objetivo de classifi-cação e ranqueamento, torna-se um instrumento de controle e seleção e,portanto, de hierarquização social.

A concepção de avaliação regulatória pode ser entendida comomedição; surge com o desenvolvimento da psicologia experimental, di-ante da utilização dos métodos das Ciências Naturais às Ciências Sociais ea necessidade da objetividade para comprovar a cientificidade, o que pas-

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sa a ser aplicado a avaliação da aprendizagem. Nessa perspectiva, a avali-ação passa a se reduzir à elaboração de instrumentos de medição e à inter-pretação quantitativa dos resultados.

Dias Sobrinho (1997), discutindo as interfaces do quantitativo equalitativo em avaliação, distingue quatro gerações. A primeira era pre-dominantemente técnica, não distinguia avaliação de medida. Tratava-sede medir através de testes objetivos o rendimento escolar. A segundageração também se dedicou à elaboração de testes, voltada à verificaçãodo alcance dos objetivos e às diferenças individuais. Essa fase foi marcante,pois se começa a distinguir medida e avaliação, embora o papel do avalia-dor ainda seja técnico, constituía-se em descrever padrões e critérios emrelação ao sucesso ou fracasso de objetivos. A terceira geração se caracte-riza para além da medida e da técnica e valoriza o julgamento de valor,mas o papel dos avaliadores se tornou muito complexo e descritivo, poistinham a função de julgar, o que se tornou difícil frente à pluralidade devalores e de ideias. A quarta geração passa a ter a negociação como ele-mento principal de integração. A avaliação passa a envolver as dimensõespolíticas, sociais e culturais, o processo se torna participativo e acolhe emconjunto as preocupações, percepções e os pontos de vista dos interessa-dos.

O método de avaliação precisa dar conta de buscar os proble-mas, as divergências, as dúvidas, os pontos fortes e fracos, mas, para alémde diagnosticar, precisa possibilitar discussão, análise conjunta e tomadasde decisão. Nesse aspecto, a função da avaliação passa a sertransformadora, propositiva, busca mudança nas ações. Com essa função,as medidas quantitativas são insuficientes, uma vez que são restritas aoslevantamentos de quantidades. Há uma necessidade dos números, dasmedidas, da estatística como meio que possibilitará análises e discussõesconjuntas que levará a uma descrição qualitativa.

Nessa perspectiva, quantidade e qualidade são dimensõesinseparáveis de uma mesma realidade. Dias Sobrinho (1997, p. 83) corro-bora com essa ideia e afirma:

Se queremos conhecer objetivamente o estado de umadeterminada realidade, precisamos construir nume-rosos indicadores quantitativos, lembrando sempreque a dimensão qualitativa aí também se apresenta,pois todas as atividades humanas são orientadas porcritérios sociais e escolhas pessoais ou intersubjetivas.

Batista (2003) afirma que a avaliação está impregnada de sentido

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político, técnico, ético, estético e dialético. A dimensão política define afinalidade da ação pedagógica. É essa dimensão que nos leva a fazer esco-lhas e pensar as concepções que temos de educação, de sociedade, demundo, dentre outras. Essa dimensão nos faz refletir sobre: que educaçãooferecemos? Que sociedade queremos? Que escola queremos? E queavaliação adotaremos? A dimensão técnica especifica quais os recursosutilizar no processo de avaliação, qual o trajeto e o caminho que vamospercorrer para buscar informações úteis para as análises avaliativas. Adimensão ética é o elemento mediador entre as dimensões política etécnica, fundamenta e dá sentido à organização e ao desenvolvimento daavaliação. É ela que valoriza a ação social e orienta para o sentido da valo-rização humana e caracteriza a avaliação como ação transformadora. Adimensão estética articula o intelectual e o afetivo, respeita a criatividade,a diversidade e a maneira de ser de cada um. É na relação sujeito/sujeitoque ocorre a avaliação emancipatória, na qual o outro é entendido comooutro que também produz conhecimento. Batista (2003) apresenta a figu-ra abaixo, na qual caracteriza essas dimensões da avaliação:

Dimensões da avaliação

A decisão de qual o tipo ou o enfoque de avaliação que vamosutilizar para procedermos a uma avaliação do processo educacional impli-ca em escolhas que devem levar em consideração essas dimensões, poisenvolve sujeitos.

Essa escolha deve ser por um processo de avaliação que não uti-liza as medidas e os dados quantitativos para classificar, rankear, ou seja,para excluir. A escolha de indicadores e/ou dados quantitativos é umaopção metodológica necessária como meio para alcançar o fim principal

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da avaliação, que é a transformação da realidade. Dias Sobrinho (1997)afirma que a quantidade é uma questão de ênfase, e não de exclusão.Santos (2000), discutindo o pilar da emancipação, afirma que ela só podeacontecer na valorização e no reconhecimento do outro como outro quetambém faz parte do processo. House (2000), discutindo ética e poder naavaliação, afirma que é preciso difundir o poder, o que implica pensar umanova ética pautada na responsabilidade social. Freitas (2001), discutindoas implicações conceituais para uma prática avaliativa, afirma que a avali-ação é um processo dinâmico e de permanente acomodação e, portanto, adefinição dos parâmetros de avaliação e dos indicadores deve ser concre-tizada em uma tensão entre aquilo que são os interesses e os compromis-sos do Curso, da Universidade. Acrescentamos que ela precisa atender osinteresses locais. Para isso, é necessário levar em consideração as concep-ções de educação, de sociedade e de mundo configuradas no Projeto Pe-dagógico da Instituição, do sistema, dos cursos ou da escola.

Freitas (2001) ainda afirma que é preciso debater esses compro-missos mínimos para que haja um compromisso coletivo com certosparâmetros básicos:

Isso se torna mais fácil se combinado com uma açãolocal de definição de parâmetros, de definição de indi-cadores locais. É isso que quero enfatizar: por que essainsistência de que os indicadores têm que ser locais enão saírem de um grupo de iluminados, ou não de umaação administrativa de uma Pró-Reitoria, por exem-plo? Porque a avaliação só tem sentido se ela forconsumida localmente. Não faz sentido avaliar paraalimentar os computadores centrais. O que fazer de-pois com esses dados? Ou eles servem para consumolocal, para uma reflexão local, ou poucos vão alteraras práticas. (FREITAS, 2001, p. 5).

Nessa perspectiva, a utilização das abordagens quantitativa, qua-litativas ou quanti/qualitativas não definem a avaliação. O que caracterizaesse processo são as mudanças nas práticas e ações desenvolvidas. O de-safio com o qual a Universidade/escola se depara o tempo todo e se con-fronta, exige reformulações complexas, difíceis de ocorrerem devido àsua rigidez funcional e organizacional. Pode-se, através da avaliação, iden-tificar as dificuldades e passar a (re)orientar quais os pontos de vista apartir dos quais a Universidade/escola deve defrontar esse desafio.

Nessa concepção de avaliação, temos que adotar a qualidade

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para além da quantidade.

Considerações FinaisAs análises feitas e os resultados obtidos nos permitem obser-

var que a pesquisa educacional que envolve investigação qualitativa e/ouquantitativa, dependendo de como for manipulada por seus investigado-res, pode denotar um resultado favorável ou desfavorável dos cursos, daUniversidade, da escola ou, ainda, da sala de aula e da própria avaliação. Adiferença conceitual pode estar na forma de apropriação dos resultados,nos critérios utilizados e nos referenciais avaliativos. Dessa forma, a pro-blemática da avaliação não pode ser concentrada apenas nas técnicas uti-lizadas, se quantitativas, qualitativas ou quanti/qualitativas, mas na formaque serão processados e utilizados seus resultados. ParafraseandoGamboa (2002), é preciso dar valor para as questões epistemológicas, comoas concepções de sujeito, de mundo, de sociedade e de educação.

No processo de avaliação, essas questões devem superar as ques-tões técnicas. Assim, é preciso levar em consideração o todo, e não ape-nas as partes. Dias Sobrinho (2002) afirma que o processo de avaliaçãoprecisa ser tecnicamente viável e politicamente legítimo. O método pre-cisa ser levado em consideração para que o processo de avaliação sejaconfiável e viável, mas não pode ultrapassar os valores éticos. A técnicadeve estar sustentada pela ética. Pode-se, dessa forma, criar uma culturade avaliação que contribua para uma ação transformadora.

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Recebido em: 31/10/2008

Aprovado em: 18/05/2009

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EM BUSCA DA EXCELÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: INQUÉRITO À SATISFA-ÇÃO DOS ESTUDANTES EM PORTUGAL

Maria de Lourdes Machado1

Maria José Sá2

RESUMO: Ir ao encontro das necessidades dos estudantes tornou-se uma tarefacomplexa nos nossos dias. O estudante actual deseja conveniência, um currículoestandardizado e valor de retorno do seu grau académico. São “clientes” pelosquais as instituições de ensino superior (IES) têm que competir. Na Europa grandes

mudanças estão em curso. O European Welfare State não pode dar educação gra-tuita a todos. A massificação e a marketização do ensino superior criaram umnovo ambiente de competitividade. As instituições de ensino superior necessitamir ao encontro das expectativas da sua “clientela”. Estes e outros desafios não têmrecebido a atenção sistemática que lhes foi dispensada, por exemplo, nos EUA. Oestudo descrito neste artigo decorreu em todo o Portugal continental, Madeira e

Açores e envolveu todas as universidades e politécnicos públicos e considerávelnúmero de universidades privadas e outros estabelecimentos de ensino superiorprivado. O estudo incidiu sobre as expectativas e satisfação dos estudantes com asua experiência no ensino superior e constitui uma primeira tentativa de introdu-zir a ferramenta de gestão das matrículas (GEM) em Portugal.PALAVRAS-CHAVE: satisfação dos estudantes, ensino superior, gestão estratégicadas matrículas.

ABSTRACT: To meet students’ needs has become a complex task nowadays. Today’sstudent wishes convenience, a standardized curriculum and return value of his/heracademic degree. They are ‘clients’ that higher education institutions (HEI) have tocompete for. In Europe, big changes are under way. The European Welfare Statecannot give free education to everybody. Higher education’s massification and

marketization have created a new environment of competitiveness. Higher educationinstitutions need to meet their ‘clientele’s’ expectations. These and other challengeshave not been receiving the systematic attention that has been given to them, forinstance, in the United States. The study described in this paper was carried outthroughout all of Continental Portugal, Madeira and the Azores, and involved allpublic universities and polytechnics and a significant number of private universities

and other higher education private establishments. The study focused on thestudents’ expectations and satisfaction with their experience in higher education

1 Investigadora. Cipes-Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior e Instituto Politécnicode Bragança. E-mail: [email protected] Investigadora. Cipes-Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior. E-mail:[email protected].

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and is a first attempt of introducing the enrolment management (GEM) tool inPortugal.KEYWORDS: students’ satisfaction; higher education; strategic enrolmentmanagement.

IntroduçãoO ensino superior é fulcral no apoio ao desenvolvimento

económico, social e cultural da nossa sociedade global e as faculdades deensino superior, institutos e universidades estão entre as mais antigas,estáveis, adaptativas e duradouras instituições do mundo. Ao longo dahistória, as instituições académicas procuraram responder às exigênciasdas condições ambientais em constante mudança e evolução. No séculoXXI, um conjunto de factores significativos estão a alterar a paisagem doensino superior. Estas grandes mudanças estão a forçar as IES a abordar assuas operações de uma forma mais proactiva, de modo a que se posicionemestrategicamente, no sentido de aproveitar as oportunidades e a confron-tar as ameaças num ambiente de crescente competitividade. Desta for-ma, as instituições de ensino superior necessitam de interpretar asnecessidades vitais da sociedade contemporânea, de viver no ambientede mercado, de ser inovadoras, bem como de desenvolver as estruturasinternas que lhes permitirão realizar as suas novas missões.

1. O ensino superior em PortugalA origem das universidades portuguesas remonta a meados do

séc. XIII. A primeira universidade foi criada em 1290. Contudo, em 1970havia apenas quatro universidades públicas. Mais recentemente, o ensi-no superior português tem vindo a evoluir rapidamente. As décadas de 70e 80 representam a expansão do sistema de ensino superior público coma criação dos institutos politécnicos e a emergência do sector privado. Apublicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 46/86) formalizou oensino superior português no sistema binário tal como hoje é conhecido.Actualmente, o ensino superior português (ESP) é composto por institui-ções universitárias e politécnicas, ambas públicas e privadas, e pela Uni-versidade Católica. Todas as instituições podem atribuir o grau de bacharele graduação. Os graus de pós-graduação de mestre e doutor são atribuídosapenas pelas universidades. O número total de estudantes no ensino su-perior atingiu os 366.729 em 2006-07. Neste ano, as instituições públicasrepresentavam 72,6%, as instituições privadas 24,7% e a Universidade Ca-tólica 2,7% do total de estudantes matriculados. Este sector privado é omaior na Europa. As instituições públicas estão sob a supervisão do Minis-tério responsável pelo ensino superior e instituições, tais como escolas

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militares, reportam ao Ministério da Defesa. As instituições privadas, apesardo facto de pertencerem a entidades privadas, têm igualmente obriga-ções e uma estrutura que reporta ao Ministério responsável pelo ensinosuperior.

O crescimento do ensino superior português tem sido impressi-onante. Mudanças muito significativas ocorreram nos últimos 35 anos.Evoluiu de um sistema de elite para um sistema massificado. Este cresci-mento surgiu de um aumento nas graduações na escola secundária quedesejavam um ensino superior, um rápido aumento no número de mulhe-res que desejavam continuar os seus estudos e taxas crescentes de de-semprego. Portugal ocupa o 1º lugar e acima da média na Europa dos 15 nocrescimento anual do número de alunos no período entre 1975 a 2001 (verGráfico 1).GRÁFICO 1. Taxa de crescimento anual do número de estudantes matricu-lados no ES (EU-15)

Fonte: MCTHES, 2006, p.10.

Porém, mais recentemente, as instituições de ensino superior, eparticularmente as instituições privadas e os institutos politécnicos, en-frentaram um declínio nas matrículas. Por outro lado, a taxa de insucessoé relativamente elevada e a taxa de graduação é baixa. Assim, as institui-ções de ensino superior estão a ser desafiadas a responder à crescentecompetitividade. Adicionalmente, apesar da sua história de séculos, oensino superior Português está a ser alvo de críticas consideráveis.

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2. O contexto europeuÉ importante colocar o ensino Superior português no contexto

europeu apropriado, de forma a melhor compreender os desafios e opor-tunidades que ele apresenta.

Em primeiro lugar, a maioria das instituições e sistemas no seiodo ensino superior europeu são públicas e, como tal, obtêm os seus pode-res e autoridade da parte do Estado. Existe um elevado grau de diversida-de entre as IES entre os diversos países e também dentro destes, queobscurece o conhecimento público sobre a qualidade institucional.

Em segundo lugar, desenvolveu-se um sector do ensino superiornão universitário em alguns países Europeus, o qual coloca desafios àsinstituições universitárias. De facto, as instituições de ensino superiornão universitário competem com as instituições universitárias por alunos(TAYLOR et al., 2008).

Em terceiro lugar, os países europeus criaram uma elevada quan-tidade de sistemas nacionais de garantia de qualidade, mas poucos abor-dam adequadamente a crescente internacionalização do ensino superior.Se o ensino superior europeu espera expandir o seu papel em termos deinternacionalização, bem como ver os resultados da Declaração de Bolo-nha, deve expandir os seus esforços de forma a conseguir articular-se comoutros países.

Em quarto lugar, a mobilidade estudantil e a transferência decréditos entre países podem ter vindo de alguma forma a diluir-se nosúltimos 20 anos. Originalmente, a transferência de créditos era baseadanuma “equivalência”. Tal foi reduzido para “reconhecimento” e foi agorasubstituído por “aceitação”, que permite a transferência de trabalho es-trangeiro com uma classificação claramente menor.

Em termos globais, pode apontar-se para três objectivosconsensuais para o ensino superior europeu: 1) criar uma força de traba-lho altamente qualificada; 2) elevar a pesquisa ao mais alto nível interna-cional; e 3) satisfazer as exigências do público de um ensino superior aomais alto nível.

A década de 90 foi um período de transição de forte crescimentodo ensino superior europeu. Os gastos durante este período cresceram28%, embora as matrículas tenham expandido 40% (BENGTSSON, 2001). OEuropean Welfare State estava a começar a sentir a estirpe do aumentodas exigências de serviços e do decréscimo de recursos. O Estado-provi-dência tinha desde há séculos providenciado um ensino superior por umataxa nominal ou, mais frequentemente, sem qualquer taxa. Na décadaactual, pode observar-se a emergência de taxas de matrícula em universi-dade significativas em muitos países para suprir o apoio governamental

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insuficiente. Em contraste com os aumentos das matrículas, as taxas deconclusão não estavam a aumentar. Em Portugal, por exemplo, a taxa deconclusão é apenas de 42% (OECD, 2002). O movimento em direcção àmassificação num ambiente de quasi-mercado apresenta desafios ao en-sino superior europeu com os quais não se tinha antes confrontado. Estáagora abertamente à procura de estratégias que possam melhorar a situa-ção.

3. Gestão estratégica das matrículas (GEM)A gestão estratégica das matrículas (GEM) é uma prática comum

nos Estados Unidos há muitos anos (HOSSLER; BEAN, 1990), mas não éainda prática genérica na Europa. A GEM é definida como “a comprehensiveprocess designed to help an institution achieve and maintain optimumrecruitment, retention and graduation rates of students, where ‘optimum’is defined within the academic context of the institution” (DOLENCE, 1996,p.33). Uma das primeiras exigências da GEM é dar às IES a informaçãonecessária sobre a satisfação dos estudantes para que possam melhorar orecrutamento, a fidelização, a satisfação e a graduação dos estudantes(RAUTOPURO; VAISANEN, 2000).

Os questionários de satisfação dos estudantes não são uma for-ma frequente de avaliação na Europa, de acordo com Wiers-Jenssen,Stensaker e Grogaard (2002). Mesmo nos Estados Unidos, onde a GEM tevea sua origem, os estudos que focam especificamente a satisfação dos es-tudantes são relativamente exíguos na literatura (BEAN; VESPAR, 1994). AGEM exige uma avaliação de todos os aspectos da vida do estudante e vaimuito para além da sala de aula. Conceptualizações teóricas, tais como omodelo Quality of Student Life (QSL), estão em linha com as exigências daGEM. O QSL vê a satisfação dos estudantes como um constructomultidimensional que envolve a interacção de factores e processos pes-soais, interpessoais, sociológicos e contextuais (BENJAMIN; HOLLINGS,1995).

Poderá também argumentar-se que termos tais como taxas eavaliações são errados, uma vez que os estudantes não têm necessaria-mente conhecimento das realidades dos assuntos aos quais estão a reagir.Válido ou não, aquilo que um estudante percebe orientará a sua tomadade decisão. Assim, estes pontos de vista subjectivos são aquilo que deveser medido e trabalhado (TAYLOR, 1981).

Um modelo GEM longitudinal foi proposto por Bean e Metzner(1985) e continua a ser um quadro de referência no estudo do sucesso dosestudantes. Aborda variáveis de background, variáveis organizacionais,informação académica, integração social, influências ambientais e atitu-

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des, expectativas e percepções dos estudantes. Enquanto o modelo foipersistindo, muitas metodologias para a sua implementação evoluíram eavançaram (ESKILDSEN, et al., 1999; WALLACE, 1999).

Os instrumentos empregam uma perspectiva desenvolvimentale focalizam-se amplamente em diversos aspectos da experiência educativaglobal do estudante (WIERS-JENSSEN, STENSAKER; GROGAARD, 2002). Deentre os mais notáveis está o Student Satisfaction Inventory (ELLIOTT;SHINN, 1999). Um componente importante do Noel/Levitz StudentSatisfaction Inventory (SSI) é a utilização de uma escala de atributos múl-tiplos, que mede a variação do grau de satisfação do estudante com cadaatributo, bem como a importância relativa de cada atributo (ELLIOTT; SHIN,2002). O SSI é, contudo, culturalmente enviesado fora dos EUA. Na Europa,torna-se importante desenvolver um instrumento que reflicta a diferenterealidade da sua comunidade de ensino superior. O Estado Providênciareduziu a necessidade de múltiplas estratégias de financiamento para osestudantes. Os estudantes raramente se transferem entre instituições.Em Portugal, os campuses de muitas instituições estão dispersos e nãoreflectem o ambiente típico de um campus residencial americano. Os es-tudantes de engenharia, por exemplo, podem estar tão deslocados relati-vamente a outros alunos que podem nunca contactar com eles.

Um ponto em comum entre os Estados Unidos e a Europa é oreconhecimento da importância do corpo docente no sucesso global deum esforço de GEM. Obter o seu envolvimento é também um dos maioresdesafios do processo. Frequentemente, quando os docentes são confron-tados com um “assunto de matrículas”, perdem o interesse pensando queo mesmo pode e deve ser tratado pela Gestão de Admissões e Matrículas.Decorrente da experiência e das observações de ambas as autoras da cul-tura do ensino superior europeu, parece claro que o uso alargado do ter-mo “matrícula” é provavelmente desaconselhado pela razão atrás citada etambém porque o processo é realmente muito maior e complexo do queisso. Porém, uma discussão das alterações ao léxico da gestão estratégicaé melhor ser deixada para outro manuscrito. Neste artigo, o termo gestãoestratégica das matrículas continuará a ser utilizado.

4. Projecto de pesquisaO timing para a introdução da gestão estratégica das matrículas

na Europa não poderia ter sido melhor. Naturalmente que a Europa é com-plexa e diversa, pelo que esforços como este devem expandir-se de paíspara país. O nosso projecto foi um esforço à escala nacional no seio dePortugal. Uma das autoras esteve igualmente envolvida numa pesquisanacional em planeamento estratégico institucional no ensino superior

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português. Ao mesmo tempo que os esforços eram relativamente novos,as instituições estão claramente cientes da importância do planeamentoe muito abertas à orientação ao nível da sua implementação. Estareceptividade relativamente ao planeamento institucional será uma ala-vanca e tornará a introdução da GEM mais bem-vinda.

Este estudo de âmbito nacional procurou identificar as percep-ções dos estudantes relativamente às expectativas e satisfação referen-tes aos grandes aspectos da sua experiência no ensino superior. O objectivogeral foi o de informar os decisores educacionais da situação actual e alertá-los para os benefícios na utilização da GEM. O objectivo último foi veraumentadas as percentagens de estudantes que concluem a sua gradua-ção com sucesso. O projecto fez uma descrição credível da satisfação dosestudantes. Articulou igualmente o processo de GEM e disponibilizou umaanálise em profundidade da forma como a mesma deveria ser introduzida.Publicações, apresentações em conferências têm vindo a seguir-se, asquais têm fornecido os meios para a informação e inspirado a liderançaeducacional e outras acções de follow-up estão a materializar-se.

Foi administrado em nível nacional um questionário aos estu-dantes de graduação (undergraduate students). O mesmo recolheu res-postas relativamente ao nível de satisfação e importância de aspectoschave da experiência dos estudantes no ensino superior. Estes resultadosserviram de base para recomendações e estratégias que as IES poderãoconsiderar no sentido de criarem uma relação mais forte e mais relevantecom os estudantes. Através de um processo de GEM, as IES estarão melhorcapacitadas para ir ao encontro das necessidades da actual população es-tudantil de graduação. O estudo focou-se na população de graduação porvárias razões importantes. Em primeiro lugar, este grupo representa omaior grupo importante no seio da população estudantil em geral. Emsegundo lugar, é o grupo mais dependente de serviços residenciais e deexperiências que a instituição pode oferecer. Em terceiro lugar, enquantoestudo nacional, teve que focalizar-se de forma a poder ser gerido. Cadasubgrupo de estudantes é único e não se rende a uma metodologia ouquestionário uniformes. Certamente que pesquisa subsequente envol-vendo outros subgrupos de estudantes deve seguir-se, mas necessitariade abordar factores diferentes.

Acreditamos que evidência convincente aponta para a necessi-dade de acção decisiva por parte das IES em Portugal, no sentido de au-mentar as taxas de sucesso dos estudantes com base nas percepções dosestudantes que fazem parte da amostra. Insights importantes devem serpercebidos por cada uma das IES com base nos seus relatórios personali-zados das conclusões, para os tipos institucionais mais amplos no seio do

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sistema que estarão em condições de perceber qual o estatuto do seusector como parte do empreendimento global e pela liderança nacionalque poderá visualizar uma tapeçaria no nível nacional de forças e fraque-zas, que apontam para atributos de sucesso ou fracasso dos estudantes.As medidas de satisfação dos estudantes são o reino do inquérito, masestratégias de gestão de matrículas mais alargadas para promoção do su-cesso dos estudantes são o output último deste projecto.

Reconhecer a necessidade de acção e possuir o conhecimentoque permita implementar planos de acção eficazes são coisas diferentes.É provavelmente seguro afirmar que o ensino superior português possui aprimeira, mas falta-lhe o último. A nossa intenção é mobilizar o sistemano sentido de serem envidados esforços proactivos para melhorar a satis-fação dos estudantes e, muito mais importante, o sucesso dos estudan-tes. O maior impacto deste projecto resulta dos esforços das IES quedesejem levar para os seus campuses para implementação os resultados erecomendações para a gestão estratégica das matrículas. Vemos esteprojecto como a fonte das bases empíricas e recomendações práticas parauma acção eficaz. Os benefícios últimos deste projecto irão para as insti-tuições que ponham as estratégias em prática.

Este estudo engloba todo o Portugal continental, Madeira e Aço-res. As metodologias de amostragem a seguir explicadas ponderaram adistribuição das IES por todos os sectores. Assim, foi atingida uma repre-sentação proporcional relativamente a todas as regiões. Enquanto este éum estudo nacional, foi possível efectuar análises focalizadas e recomen-dações pelas regiões mencionadas (ver Tabela 1).TABELA 1. Distribuição da Amostra por Tipo Institucional (Estudantes Ma-triculados no ano lectivo 2006/2007)

O questionário inquiriu estudantes do 1º e último ano em cadaárea de estudo para todos os tipos de IES. O questionário recolheu infor-mação sobre os dados demográficos dos estudantes, escolhas e expecta-

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tivas pessoais, satisfação e importância de factores nas áreas dosacadémicos, apoio académico, crescimento pessoal e processos e servi-ços institucionais; finanças e apoio financeiro e percepções globais da IES.Comentários adicionais eram também possíveis. Serão devolvidos a cadaIES participante, para sua informação e utilização, resultados confidenci-ais com um texto explicativo.

Um elevado número de factores foi medido através do questio-nário. Numerosas questões foram identificadas através da análise das res-postas. Adicionalmente, estas variáveis têm múltiplas interacções erelações. Assim, tratou-se de uma análise em profundidade emultifacetada através das muitas dimensões. A análise examinou diver-sas características dos estudantes, diferenças entre áreas de estudo e per-cepções da importância e grau de satisfação associadas com a suaexperiência global específica no ensino superior. Em última instância, aanálise focalizou-se nas forças e fraquezas internas por tipos institucionaise oportunidades e ameaças externas das quais se pode e deve tirar vanta-gem ou confrontar. Esta tarefa caracterizou e definiu detalhadamente asituação actual da satisfação dos estudantes de graduação no ensino su-perior português. Parece importante destacar que estas medidas estão nocerne da vitalidade institucional. A complacência deixou de ser um méto-do de manutenção do status quo. As IES têm que se confrontar com asrealidades e ajustar as suas operações de gestão em conformidade. Co-nhecer as necessidades, desejos e aspirações dos estudantes é funda-mental para esta tarefa. É o primeiro passo chave no aumento do sucessodos estudantes.

A meta última do projecto é disponibilizar informação ao siste-ma português de ensino superior, para que este a utilize e melhore afunção central de criar uma população academicamente educada.Actualmente, Portugal está em último lugar na Europa, com 9% da suapopulação adulta possuindo um curso superior (BENGTSSON, 2001). Osobjectivos são os de:1. Criar uma base de dados detalhada sobre a satisfação dos estudantes degraduação no sistema de ensino superior português;2. Fornecer insights e análises dos dados que foquem a atenção nas forçase fraquezas no seio do sistema;3. Produzir documentação escrita que possa ser amplamente disseminadapara uso e benefício das IES em Portugal;4. Fornecer um fórum que irá permitir às IES portuguesas partilhar e apren-der acerca de métodos estratégicos de melhorar o recrutamento, satisfa-ção, fidelização e graduação dos estudantes; e5. Construir um quadro de referência e fornecer aconselhamento que co-

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loque o pensamento colectivo das IES portuguesas em linha com um pro-cesso comprovado de gestão estratégica das matrículas.

5. Alguns resultados preliminaresÉ importante colocar a medida da satisfação dos estudantes numa

perspectiva apropriada. A satisfação dos estudantes é um ingrediente es-sencial para a fidelização dos estudantes, que é o factor último no sucessoe graduação dos estudantes.

Este estudo não se debruça simplesmente sobre o que faz osestudantes felizes. Trata-se de estudar que factores são importantes enecessários para que eles tenham sucesso na IES que escolheram. Tal con-duz, logicamente, àquilo que a IES pode fazer de forma a ir ao encontrodessas necessidades e providenciar um ambiente de aprendizagem quepromoverá o sucesso. Das medidas de satisfação dos estudantes a umapopulação melhor formada pode parecer um grande passo, mas com to-das as etapas intermédias que a gestão das matrículas fornece postas nodevido lugar, é uma ponte importante que pode ser atravessada (TAYLOR;WILKINSON; WILSON, 1991).

Conforme descrito anteriormente, o questionário inquiriu estu-dantes do primeiro e último ano em cada área de estudo para todos ostipos de IES. O questionário recolheu informação sobre dados demográficosdos estudantes; escolhas e expectativas pessoais; satisfação e importân-cia de factores nas áreas dos académicos, apoio académico, crescimentopessoal e processos e serviços institucionais; finanças e apoio financeiro epercepções globais sobre a IES.

Os resultados que a seguir se apresentam referem-se a 10 000questionários recolhidos.

Os dois factores com mais peso na tomada de decisão dos estu-dantes para a entrada no ensino superior Português são “Obter conheci-mentos que permitam uma carreira aliciante” (40,2%) e “Obter um grauacadémico” (19,5%) (ver gráfico 2).

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GRÁFICO 2. Qual a importância que cada um dos seguintes factores tevena sua tomada de decisão na entrada para o ensino superior?

Se a melhor instituição dentro dos cursos que os estudantes pre-tendiam frequentar determina 25,5% das escolhas, seguida pela proximi-dade da residência habitual que determina 25,2 % das escolhas, a reputaçãoacadémica da instituição influencia a escolha de 15,6% dos estudantes(ver gráfico 3).

GRÁFICO 3. Porque é que decidiu escolher esta instituição em particular?

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No questionário administrado procurou-se relacionar a satisfa-ção com a importância destes mesmos factores. Conforme os gráficos quese seguem, podemos verificar que a satisfação está sempre abaixo daimportância que os estudantes atribuem aos mesmos factores.

No que se refere aos aspectos acadêmicos, a “Oferta de discipli-nas de opção” atinge o nível mais baixo de satisfação. Este factor sugere aapetência dos alunos por um curriculum mais flexível. Também a“Interacção com os docentes fora da aula” apresenta um nível baixo desatisfação (ver gráfico 4).GRÁFICO 4. Académicos

As “Condições dos laboratórios” e o “Tamanho das turmas” sãoos dois factores que apresentam o mais baixo índice de satisfação no queconcerne o apoio académico aos estudantes.GRÁFICO 5. Apoio Académico

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No que concerne o desenvolvimento pessoal “Ter mais conheci-mentos” e “Obter melhores capacidades de trabalho” aparecem como osdois factores mais importantes para os estudantes. Por outro lado, estesfactores apresentam também o mais elevado índice de satisfação.GRÁFICO 6. Desenvolvimento Pessoal

As “Instalações desportivas” e “Actividades não curriculares” es-tão abaixo do centro da escala. Um outro factor que aparece em cima dalinha do centro da escala é “Serviços de saúde para estudantes” (Gráfico7).

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GRÁFICO 7. Processos e Serviços

Os estudantes inquiridos mostram os índices mais baixos de sa-tisfação “Com o prestígio social do curso que frequenta” e “Com a institui-ção”. Refira-se que o grau de insatisfação com estes dois factores reflecteprovavelmente preocupações de futuro designadamente com aempregabilidade.GRÁFICO 8. Que importância atribui e qual o seu grau de satisfação com osseguintes factores:

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Os estudantes classificam de uma forma positiva a imagem e areputação da instituição que frequentam. Nos gráficos anteriores verifi-camos como constante que os valores da satisfação estão abaixo da im-portância que os alunos atribuem a estes mesmos factores, contudo, osestudantes atribuem uma nota positiva à imagem e reputação das respec-tivas instituições (ver gráfico 9).GRÁFICO 9. Como classificaria, em termos globais, os seguintes aspectosrelativos à sua instituição?

Os resultados apresentados reflectem que existe um gap entrea satisfação e a importância a sugerir que as instituições de ensino superi-or portuguesas têm um trabalho importante a fazer para atingir níveis desatisfação esperados pelos estudantes. Os resultados preliminares suge-rem a necessidade de estratégias de mudança para as instituições de en-sino superior portuguesas. Por outro lado, este estudo fornece àsinstituições informação para engajar práticas que aumentem as taxas desucesso dos estudantes.

Este é o primeiro estudo do género em Portugal e sugere-se arealização de estudos subsequentes e mesmo a criação de um observató-rio nacional à semelhança do que acontece no Reino Unido, onde as insti-tuições de ensino superior chegam a ser listadas num ranking por índicede satisfação dos estudantes.

6. Comentários finaisEste estudo providencia as instituições de ensino superior por-

tuguesas com informação, compreensão e capacidades para estas melho-rarem as taxas de sucesso dos estudantes. É desejável uma taxa de

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graduação pós-secundária elevada, com benefícios para a sociedade por-tuguesa. Uma força de trabalho educada é importante para uma economiapróspera. O conhecimento, não o dinheiro ou a terra, é agora a moeda noreino da nossa economia do conhecimento emergente. Os países que pos-suem pessoas com qualificações são mais competitivos. Os que não aspossuem ficam para trás. Seria pacífico declarar que quando um país au-menta a proporção da sua população com formação académica completa,irá prosperar com isso.

Este projecto visa resultados no nível institucional. Contudo, overdadeiro impacto positivo para Portugal será sentido quando a popula-ção for melhor formada e contribuir de formas mais significativas para asubsistência do país. Actualmente, a economia e a competitividade domercado em Portugal não é uma força particular. Os dados demográficosmostram um declínio da população. Tal projecta uma força de trabalhomenor no futuro, que tem que sustentar de forma produtiva uma popula-ção cada vez mais envelhecida e ao mesmo tempo manter o crescimentoeconómico. Um primeiro passo é aumentar a percentagem dos estudan-tes que se graduam e que integram a força de trabalho com as qualifica-ções que lhes permitam dar um contributo económico e social significativo.O impacto da nossa pesquisa produz uma importante primeira parte daequação e é uma parte importante. Temos que construir a força educativado país com um passo de cada vez. Um dos primeiros passos necessários éum processo sistemático para melhor graduar os nossos jovens e colocá-los na sociedade em papéis válidos, contributivos e remunerados. Tudoisto requer uma perspectiva visionária. Quando plantamos uma árvore,não esperamos que ela frutifique a curto prazo, mas sabemos que o esfor-ço produzirá benefícios a longo prazo numa escala mais ampla. Esta é anossa expectativa para este projecto.

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Recebido em: 12/01/2009Aprovado em: 21/05/2009

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OS SINAIS DA VIVÊNCIA NA EXPRESSÃO CORPORAL: UMA INTERPRETA-ÇÃO A CINCO MÃOS1

Vani Maria de Melo Costa2

RESUMO: O tema Os sinais da Vivência na Expressão Corporal: uma interpretação acinco mãos, resultou de um apanhado pelas obras de Lev Semenovich Vygotski(TOMO IV/1986), Henri Wallon (1984), Aurora Garcia (2003) e Alexander Lowen(1977, 1979, 1982, 1983). Os três primeiros são teóricos cuja formação é consis-tente com o materialismo histórico-dialético, por esta razão, fazem parte do grupo

de psicólogos que ressaltam o Enfoque Histórico Social, introduzido na Psicologiapor L. Vygotski. O último possui formação psicanalítica, com experiência em tera-pia bioenergética. O objetivo deste trabalho é mostrar que a Vivência não é obscu-ra, como supôs L. Vygotski: uma categoria do desenvolvimento de difícil observação.Mesmo sendo introspectiva, pessoal e única, esta categoria pode ser revelada pelaExpressão Corporal, conceituada pela autora como: a manifestação do ser em rela-

ção com o entorno e com o outro, a que o corpo exterioriza através de postura,posições, movimentos, gestos e sinais (MELO COSTA, 2006). Para esta demonstração,a autora dialogou prioritariamente com L. Vygotski no tocante ao conceito devivência. O diálogo abrangeu os demais autores, para extrair deles a demonstra-ção de como é possível visualizar as características da vivência na expressãocorporal da criança em idade escolar.PALAVRAS-CHAVE: Expressão Corporal, Desenvolvimento, Situação Social de Desen-

volvimento, Vivência, Tônus muscular, Equilíbrio corporal, Emoções e Sentimentos.

ABSTRACT: The issue Signs of the Experience in Body Expression, an interpretation ledto five hands of an overview by the works of Lev Semenovich Vygotski (Tomo IV/1986), Henri Wallon (1984), Aurora Garcia (2003) and Alexander Lowen (1977,1979, 1982, 1983). The first three are theorists whose formation is consistent with

the historical and dialectical materialism, for this reason they are part of a groupof psychologists who points out the Social Historical Approach, introduced inpsychology by L. Vygotski. The latter has psychoanalyst formation with experience

1 Texto elaborado a partir dos pressupostos de L. S. Vygotski (TOMO IV/1986); H. Wallon, Los origenesdel carácter en el niño. Editorial Lautaro, Argentina (1984); Aurora Morey Garcia, Psicopatología

infantil: su evaluación y diagnóstico. Editora Félix Varela, Ciudad de La Habana, Cuba (2003);Alexander Lowen Bioenergética, (1983) e outras (1977, 1979, 1982); Vani Maria de Melo Costa, Aexpressão corporal e sua relação com a situação social de desenvolvimento em crianças de idade

escolar de um assentamento campesino brasileiro, 2006.2 Professora efetiva na disciplina Psicologia da Educação no Departamento de Pedagogia daUNEMAT do campus Jane Vanini em Cáceres-MT. Mestre em Ensino Público pela Universidade Fe-

deral do Mato Grosso (UFMT) e doutora em Ciências Psicológicas pela Universidade de Havana,Cuba.

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in bioenergetic therapy. This paper shows that the Experience is not as obscure asassumed by L. Vygotski: a category of the development of difficult observation. Althoughintrospective, personal and unique, this category can be revealed by the BodyExpression, conceived by the author as the manifestation of the being in relation with

the environment and the other, to externalize the body through posture, positions,movements, gestures and signals (MELO COSTA, 2006). For this demonstration, theauthor spoke primarily with L. Vygotski about the concept of experience. The dialo-gue covered other authors, to draw from them a demonstration of how you can viewthe characteristics of the experience in the body expression of the child in school.KEYWORDS: Body Expression, Development, Social Development Situation,

Experience, Muscle tone, Body balance, Emotions and Feelings.

IntroduçãoO bielo-russo Lev Semenovich Vygotski, falecido em 1934, aos 38

anos, produziu uma gama de ideias e conceitos organizados e publicadosapós sua morte. Ofereceu o legado teórico-científico que redefiniu oInteracionismo como tendência teórica da Psicologia, também contribuiupara a evolução dos conceitos de desenvolvimento e de aprendizagem.Entre os postulados vigotskianos, encontra-se o conceito de Vivência, umacategoria de difícil observação, quase de inatingível comprovação científi-ca, devido ao seu grau de subjetividade. Contudo, em 2006, Costa defen-deu a tese de doutorado: Estudo da expressão corporal e sua relação coma situação social de desenvolvimento de crianças em idade escolar de umassentamento da Reforma Agrária e comprovou que as expressões corpo-rais inconscientes são únicas e irrepetíveis. São assim porque exteriorizama autopercepção atribuída de sentidos, sentimentos e emoções do sujei-to, quando em interação com os demais. Costa, em sua pesquisa, verificouque os resultados da aplicação de técnicas de investigação demonstraramser possível investigar a vivência refletida na Expressão Corporal. Assim,no presente artigo, a autora propõe a socialização dos resultados da suapesquisa, dialogando com outros autores que direta ou indiretamentepodem contribuir na interpretação da Expressão Corporal. O primeiro au-tor neste diálogo é com Lev Semenovich Vygotski (1986), de quem extraiuos conceitos de situação social de desenvolvimento e vivência. O segundoautor é Henri Wallon (1984), com a relação entre tônus muscular e emo-ção. Um terceiro, a doutora Aurora Garcia (2006), com a sua pesquisa acer-ca do desenho enquanto representações do sujeito, consequentemente,representações da expressão corporal. Por último, e não menos impor-tante, Alexander Lowen (1983), com as descrições das expressões corpo-rais dos pacientes, motivadas pelos estados de ânimo e o tipo derelacionamento social, sobretudo familiar. Assim, o primeiro diálogo com

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L. Vygotski é feito para esclarecer o ponto focal de contraposição da auto-ra. Os três diálogos seguintes se realizam para destacar os argumentos dacontraposição proposta neste trabalho. A partir de então, a autora tece assuas argumentações, ancorada na contribuição de alguns aportes e ofere-ce uma forma diferente de interpretação das vivências da criança em ida-de escolar, por meio da interpretação de suas expressões corporais.

Lev Semenovich Vygotski e a concepção de vivência como categoria dedesenvolvimento

A Expressão Corporal não foi objeto de estudo de L. Vygotski(1986); o autor estabeleceu categorias do desenvolvimento essenciais paraa interpretação das expressões corporais, entre elas, a Situação Social deDesenvolvimento (SSD) e a Vivência. O modo como o autor compreendecada uma dessas categorias define a conduta corporal do indivíduo, a exem-plo, quando define a vivência como uma categoria de desenvolvimentode difícil observação e de difícil mensuração e descreve, com detalhes, ascondutas corporais da criança em crise de idade. Com isto, L. Vygotski feza relação entre conduta corporal e vivência e é neste aspecto que esteautor contribuiu significativamente com os elementos que favorecem ainterpretação das expressões corporais dos escolares.

A Situação Social de Desenvolvimento (SSD) é a categoria centraldos estudos de L. Vygotski, em que se denota a complexidade dos siste-mas de atividade e de comunicação que promovem a gênese de novasformações psicológicas em cada etapa do desenvolvimento da criança.Sobre a SSD, L.Vygotski comentou: “Ao inicio de cada período de idade arelação que se estabelece entre a criança e o entorno que o circunda,sobretudo o social, é totalmente peculiar, especifica, única e irrepetívelpara cada idade […]. A situação social de desenvolvimento para cada ida-de, determina, regula todo o modo de vida da criança ou sua existênciasocial” (VYGOTSKI, 1986, p. 264). O sistema de atividades e de comunica-ções define o modo como a criança interage em seu ambiente. O modocomo a criança se percebe no ambiente denota o nível de participação nasatividades sociais e culturais, assim como o nível de comunicação com aspessoas do entorno. Por sua vez, o nível de participação da criança em seuambiente define o modo de adaptação e aceitação no grupo social.

Na categoria Vivência, há de se considerar que a criança chega aomundo e de imediato é submersa em um intrincado sistema de relações eações que a permitem situar-se no entorno que lhe coube viver. Essa afir-mação é aclarada por L. Bozhovich e sua consideração acerca da ideia de L.Vygotski sobre esta categoria é a seguinte: “a vivência é a relação afetivada criança com o meio” (BOZHOVICH, 1976, p. 99). Desde tenra idade, a

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criança desenvolve funções naturais às quais se agregam novos conteú-dos, comparados com outras em meio a um efervescente ambiente decomunicações e de informações vivenciadas por ela. As informações ga-nham sentidos, fazendo com que a criança se afete ao ambiente; por suavez, o ambiente influencia o seu desenvolvimento. A Vivência é pessoal,única e irrepetível, com sentido relativo apenas ao momento dado. Cadaevento do ambiente é percebido de maneira diferente e os indivíduosreagem de modo pessoal às mudanças em seu entorno. Por exemplo, amorte da mãe pode não afetar o caráter de uma criança pequena quetenha uma figura de apego substituta, como por exemplo, a avó. Todavia,pode marcar sensivelmente o caráter de outra em idade escolar apesar damãe substituta (BOZHOVICH, 1976). O exemplo mostra a face subjetiva davivência.

Ambas as categorias são fundamentais na interpretação da Ex-pressão Corporal; a SSD define as condições em que o sujeito se desenvol-ve e a Vivência delineia os sentidos que o sujeito atribui a si mesmo, aautopercepção exteriorizada pelo corpo, por meio de posturas, posições,movimentos, gestos e olhares.

Henri Wallon (1964), expressão corporal e tônus muscularH. Wallon oferece completude aos significados da Expressão

Corporal com a ideia de gênese, ou seja, a forma como o corpo se movi-menta e reage emerge de três manifestações da conduta e se desenvolvepor meio de diferentes tipos de sensações: a primeira, interoceptiva, asegunda proprioceptiva e a última exteroceptiva.

A sensação interoceptiva é referida à sensibilidade visceral, aproprioceptiva, às sensações ligadas ao equilíbrio e aos movimentos, e aexteroceptiva refere-se à sensibilidade do mundo exterior (WALLON, 1964).As funções interoceptivas são precoces e as exteroceptivas as mais tardiasno desenvolvimento infantil. Os movimentos iniciais têm relações com asnecessidades básicas do recém- nascido (sugar, agarrar, chorar diante damoléstia ou da sensação de incômodo e outros). O recém- nascido de-monstra ter as condições que facilitam a sensibilidade interior (ainteroceptividade), que é provocada pela excitação que vem do exterior;são as sensações de doce e amargo às quais reage expressando prazer,náusea ou dissabor. As relações familiares do bebê são importantes nodesenvolvimento da sua noção de espaço, para que se perceba como umentre os familiares e para que desenvolva as sensações exteroceptivas. Odesenvolvimento das sensações interoceptivas, proprioceptivas eexteroceptivas contribuem para o desenvolvimento da percepção da cri-ança enquanto posição na família, o que ela é, como é, quem é, como a

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querem, como a reconhecem e como a tratam. A percepção de si mesmono meio familiar influencia no desenvolvimento das emoções e dos sen-timentos. A criança pequena relaciona-se com os demais familiares repro-duzindo as condutas que observa, a princípio, com ações não atribuídas decritério próprio; essa valoração surgirá mais tarde, com mais idade.

A consciência corporal, para H. Wallon, vai além da percepçãosinestésica; a dificuldade da autopercepção é mais que mera percepçãofísica, é a dificuldade para distinguir entre o eu e o outro, dificuldade estamais relacionada à infância, até mais ou menos dois anos de idade. Orecém-nascido reage ao desconforto e às sensações de mal-estar que esteprovoca. A sensibilidade proprioceptiva parece ser a noção do própriocorpo, impregnado ainda da vida uterina, com unidade e coesão no espa-ço, justa distribuição e continuidade de tempo, percebida através dosmovimentos provocados pela resistência do corpo a tudo que ameaça oseu equilíbrio geral. A proprioceptividade evolui em dependência de vá-rios fatores que intimamente se articulam ao desenvolvimento, é o efeitodos mecanismos relacionados ao movimento, à posição do corpo, à ação eestática frente às forças exteriores da gravidade. Tais fatores possibilitammanter melhor o equilíbrio geral e favorece a realização da ação pretendi-da (WALLON, 1964). O equilíbrio é importante para a proprioceptividadeporque, durante os primeiros meses de vida, o bebê se desenvolve apartir de conexões motrizes, sensoriais e mentais. Posteriormente, apren-derá a controlar as forças exteriores com a força de seus músculos parapoder realizar as ações que deseja, ou alcançar algo que chama a sua aten-ção. A conquista do equilíbrio corporal depende de um desenvolvimentosuperior que a faz entrar em contato com o objeto e ampliar as suas expe-riências; com isso, as ações futuras se tornarão mais efetivas (WALLON,1964).

As energias não esvaídas concentram-se em partes do corpo, for-mam nódulos energéticos ou pontos de tensão muscular que causam des-conforto e sensações de dor. O excesso de tensão muscular pode paralisara ação do corpo, dificultar o raciocínio e a capacidade afetiva da pessoacom o entorno.

Aurora Garcia (2006) - a representação do eu no desenho infantilA doutora Aurora Garcia (psicóloga cubana e professora na Uni-

versidade de Havana) desenvolve estudos acerca de desenhos infantis eos interpreta como representações do eu. A preferência da autora é pelosdesenhos espontâneos, embora afirme que os desenhos elaborados apartir de consignas pré-estabelecidas também são reveladores. As cate-gorias de interpretação utilizadas pela doutora A. Garcia são: posição na

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folha, tamanho, cores, reforçamento e detalhamento.Posição do desenho na folha: seguindo a cruz da afetividade3, as

crianças que posicionam seus desenhos na parte superior da folha geral-mente são idealistas, confiantes e sonhadoras. Na parte inferior, são rea-listas, desconfiadas e cautelosas. O espaço à esquerda da folha é preferidopelas crianças tímidas, inseguras e emocionalmente instáveis. Já a opçãopela direita denota desejo por liberdade, mudança ou transformação.

Tamanho de desenho: o tamanho do desenho é diretamente re-lacionado à autoestima e à autopercepção do indivíduo, deste com o ou-tro, com pertences materiais, com o espaço pessoal e familiar oucomunitário. A autoaprovação ou desaprovação sempre tem como causa otipo de vida e de relações interpessoais que se estabelecem com o entor-no e com o outro, como tal se reflete no desenho, momentaneamente ouconstantemente.

Reforçamento: um reforçamento denota preocupação é repre-sentado com traços repetidos em um mesmo lugar do desenho. Oreforçamento no teto da moradia expressa preocupação com a opiniãodos vizinhos sobre a família. Quando o reforçamento aparece na frente damoradia, a preocupação é com a subsistência familiar. O reforçamento nafigura humana, além da preocupação, pode também representar medo,ira, raiva, ansiedade, desconforto ou incômodo. Os membros do corpo,quando causam dor, são representados com reforçamento no local exatoda dor; muitas vezes, o membro inferior ou superior dolorido é reproduzi-do em desarmonia com o seu par, pode ser menor, mais fino ou mais curto.

Cores: o uso das cores é opcional; cada indivíduo tem preferênci-as que oscilam conforme o estado de ânimo. Assim, o não uso das coresnão implica necessariamente em problemas de ordem mental ou emoci-onal. Contudo, expressará sempre um estado afetivo. A opção por coresquentes, tal como o vermelho e o amarelo, em todas as suas tonalidades,é a retratação de um temperamento ativo, instável, impulsivo, expansivoe barulhento. A opção por cores frias, o verde e o azul, em todas as suastonalidades, é indicativa de temperamento ameno, suave, flexível, sensí-vel e calmo. As cores se misturam nos desenhos e, nesse caso, a interpre-tação deverá ser por partes, pelo seu significado e pelo contexto daelaboração.

Detalhamentos: desenhos com muitos detalhes são caracteristi-camente femininos. Os masculinos geralmente não apresentam riquezade detalhes. Em ambos os gêneros, o detalhamento também revela traços

3 Método usado pela doutora A. Garcia para identificar a natureza e/ou significados dos desenhos,segundo o nível de aspiração e as condições para realizá-los.

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de uma personalidade minuciosa, zelosa ou perfeccionista.A doutora A. Garcia afirma teoricamente ser possível identificar

a representação do eu do sujeito em seus desenhos, o que confirma arepresentação também da vivência vygotiskiana e da proprioceptividadewaloniana.

Alexander Lowen (1979) - a expressão corporal e a vivênciaAlexander Lowen construiu verdadeiros paradigmas de interpre-

tação das expressões corporais e mesmo não sendo um materialista, alinha bioenergética de tratamento que defende é de um holismo históri-co e dialético pouco observado e valorizado pelo meio científico. Suametodologia de investigação clínica não deixa dúvidas quanto à importân-cia da história de vida, das condições sociais, das relações familiares e/ouescolares e das impressões pessoais como componentes da história devida, que se constitui a partir das informações e interpretações obtidas narelação paciente e terapeuta. A bioenergética do corpo se define pelasrelações sociais, por isso, as reações de fechamento do corpo ao exterior,apagamento do corpo, a armadura corporal e outros artifícios para a prote-ção do corpo mesmo. O autor aborda as sintonias e os desajustes desintonia da Expressão Corporal com a realidade, as mesmas que levam oindivíduo a criar um intrincado sistema de mecanismos de defesa, com osquais enfrenta as dificuldades da vida, seus encantos e desencantos. Adescrição dos pacientes é detalhada, elaborada a partir de posturas físi-cas, posição do corpo, movimentos, gestos e pequenas alterações capazesde mudar o sentido geral de uma expressão corporal. Nas terapiasloweanas, cada palavra parece passar pelo filtro do corpo, a aceitação ounão da relação dos pacientes com o seu corpo revela detalhes da históriade vida dos mesmos. Além disso, também observa o paciente sem limitar-se à presença física, ou ao momento do diálogo; Lowen busca a históriafamiliar. Com isso, demonstra conceber o individuo não como um ser iso-lado em si mesmo, e sim como fruto das relações sociais presentes emsuas expressões corporais.

A. Lowen critica a educação familiar autoritária, a imposição dosvalores e conceitos dos pais sobre os filhos; também critica a exigência deuma obediência cega, uma atitude frequente nos ambientes familiares,não favorecedora da elaboração de ideias e conceitos próprios. A obedi-ência originada de excessos de autoritarismo dos pais pode provocar nosfilhos o abandono do próprio corpo. Por sua vez, os pais entregaram osseus na infância. O medo do castigo faz com que a criança entregue o seucorpo à imagem que desejam dela, abandona o eu verdadeiro e trabalhade forma exaustiva sobre uma imagem não autentica (ideia do sujeito

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sobre si mesmo), e sim a mais próxima daquela que outras pessoas que-rem ver nela. A criança pressionada por autoritarismo desiste de tentarser compreendida e cria ilusórias formas de ser, como defesas do psicoló-gico contra realidade negada. Com isso, o eu esquecido se distancia de simesmo. Um exemplo disso é o autorretrato elaborado pelo adulto, querepresenta o próprio corpo com formas e traços corporais iguais aos quefazia quando criança, ou seja, com a mesma dificuldade de autopercepção.O que uma pessoa adulta (não dotada das habilidades artísticas) repre-senta no desenho é a rigidez de um corpo desconhecido em seus detalhese sem as características que a diferenciam das demais pessoas.

O autoritarismo familiar leva o indivíduo ao narcisismo, que étambém uma forma de autoabandono. No narcisismo, a autopercepçãotoma como refém o eu, aprisionando-o em imagens ilusórias, muitas ve-zes, reforçadas pela aceitação social. Assim, distanciado do eu, o indiví-duo perde o contato com os sentidos, sendo pouco a pouco recoberto pelarigidez muscular, comprometendo a respiração profunda, a expressão e aagilidade corporais. O indivíduo de corpo rígido se aparta de suas essênci-as e se protege atrás da armadura corporal. É o que acontece quandomáscaras e padrões sociais de conduta são impostos, sem sentido paraele, indivíduo. A. Lowen propõe a possibilidade de um reencontro do indi-víduo consigo mesmo, paradoxal à primeira vista. Segundo ele, para reen-contrar as sensações do corpo, será preciso outro tipo de abandono.Significa que o relaxamento libera o sujeito do excesso de tensão muscu-lar. Para conseguir esse estado de placidez, é necessário deixar de lado astensões, as preocupações e as angústias. Em verdade, abandonar-se aorelaxamento significa renascer na história de vida, conhecer a naturezados próprios desejos, potencialidades ainda não desenvolvidas. Nesseestado, o sujeito abandonará seu corpo rígido para dar lugar ao corpo fle-xível, o que permite mostrar a sua identidade. O abandono a que se refereA. Lowen é do ego narcisista e egoísta, possuidor do corpo rígido, separa-do da autopercepção e fruto da educação autoritária. Portanto, é necessá-rio liberar-se da autopossessão do ego para que o sujeito possaexpressar-se livremente (LOWEN, 1979). Não significa necessariamenteque o corpo deva liberar-se da mente, e sim expurgar os efeitos das ten-sões emocionais sobre ele.

O diálogo com os autores na interpretação da expressão corporal e asinformações acerca da vivência do sujeito

A possibilidade de interpretação da Expressão Corporal encon-tra em H. Wallon um forte aliado. A primeira sensação é a interoceptiva, asensibilidade visceral do sujeito, a que permite a autoexistência, que re-

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lacionada aos movimentos e ao equilíbrio, possibilita a percepção da exis-tência no espaço. A forma como o indivíduo expressa a suaproprioceptividade ao mundo externo seria a sua sensação deexteroceptividade. Significa dizer que a sensibilidade do mundo exterioré percebida na medida em que o mundo interior (do indivíduo) aprende arelacionar-se com o exterior (WALLON, 1964). As sensações definidas porH. Wallon oferecem a dimensão dialética do desenvolvimento da criança.No desenvolvimento do equilíbrio e o do movimento está explicita a in-terferência dos fatores externos na constituição da percepção da própriaexistência. O bebê expressa proprioceptividade de acordo com o que re-cebe do exterior, pois expressa o que recebe e recebe o que expressa.Nessa direção, a autopercepção é construída segundo o nível de adapta-ção e aceitação sociais do indivíduo. O comportamento de bebês combons níveis de aceitação/adaptação é diferente de outros, advindos deambientes difíceis. Bebês não desejados e não aceitos têm dificuldadepara encontrar o seu lugar no mundo, são apáticos, irritadiços e tensos,mostram-se desconfiados e retém energias no corpo. O esvair da tensãocorporal depende, então, dos níveis de adaptação e de aceitação do sujei-to no mundo, consequentemente, tais problemas são exteriorizados pelaExpressão Corporal. Essa afirmação foi cientificamente comprovada porMelo Costa (2006), ao interpretar as impressões dos pés dos sujeitos desua pesquisa de doutorado. Os sujeitos tensos, irritadiços e agressivos,advindos de ambientes familiares difíceis, apresentaram nas pegadas fo-cos de concentração ou de tensão muscular. Nas fotos desses mesmossujeitos, as concentrações apareceram no ombro, peito e maxilar.

O estudo da doutora A. Garcia contribui para a interpretação daexpressão corporal e mostra ser possível tal interpretação a partir da aná-lise dos desenhos elaborados pelo sujeito. O sujeito representa no dese-nho o seu mundo tal como ele o vê e sente. Mais do que isso, representaa si mesmo neste mundo, tal como se sente percebido pelas pessoas doentorno. Com isso, o desenho torna-se um valioso recurso de interpreta-ção da expressão corporal do sujeito pela forma como objetiva a suavivência.

As emoções como o prazer, a alegria, a cólera - aqui compreendi-das como os reflexos da experimentação de sentimentos - e estes com-preendidos como a interpretação dos sentimentos acerca do entorno, aexemplo a dor, o medo, a culpa a vergonha e outros são elas (as emoções)as causadoras das tensões exteriorizadas pelo corpo. E esse parece ser umconsenso entre H. Wallon e A. Garcia. As energias decorrentes dos efeitosdas emoções provocadas pelos sentimentos das ações podem se dissiparou concentrar, com isso, provocar o surgimento de focos de tensões em

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diferentes partes do corpo.Quando A. Lowen denomina os focos de retenção de energia, ou

da rigidez corporal da armadura, mostra a sua consequência sobre o corpoque se tornou desconfiado porque doou e não recebeu o retorno com amesma qualidade da doação. Assim, o sujeito cria as armaduras corporaisde proteção para evitar novos sofrimentos. Contudo, essa mesma arma-dura restringe a respiração e afeta, ainda mais, o estado de ânimo,consequentemente, a autoestima e a autoimagem do sujeito. Essa ideialoweana foi observada nos exercícios de coordenação e agilidade motorasaplicados por Melo Costa como técnica de pesquisa, cujos sujeitos apre-sentaram severas dificuldades de execução. A pesquisadora buscou ní-veis de ajuda para esses sujeitos, aplicando-lhes cotidianamente exercíciosde relaxamento; foi quando notou uma deficiência na capacidade respira-tória. Assim, passou a exercitar com eles a respiração profunda. A partir deentão, os sujeitos começaram a ter êxito nos exercícios de coordenação eagilidade motoras. O êxito na execução dos exercícios melhorou o estadode ânimo e elevou a autoestima, os sujeitos se mostraram maisautoconfiantes e predispostos às atividades do grupo da pesquisa. Naopinião de Melo Costa, as comprovações de sua pesquisa permitem aafirmação científica de que a vivência é passível de observação, mas nãoqualquer tipo de observação. Foi preciso a programação metodológica devárias técnicas, em uma aplicação semanal sistemática, com os mesmosgrupos de sujeitos, por mais de dois anos, de fevereiro de 2003 a agosto de2004. A vivência não é totalmente inatingível, tampouco inobservável,porque o canal de observação de sua observação é a interpretação daExpressão Corporal.

ConclusãoO estudo do ambiente em que a criança vive possibilita a com-

preensão das circunstâncias em que ela sente a partir de seu entorno,juntamente com as experiências individualizadas que passam a formarparte de seu modo de ser. Para compreender as vivências de uma criançanão basta deter-se às condições externas, o que torna este estudo muitocomplexo. Entretanto, é possível identificar alguns aspectos vinculadosao desenvolvimento afetivo, graças à análise das vivências da criança, asque ela exterioriza através da Expressão Corporal, observadas nas mani-festações das condutas corporais cotidianas, cujos sentidos esclarecem otipo de relação familiar e escolar que a criança estabelece. As impressõesdos pés revelam aspectos da expressão corporal, mesclados pelos fatoresinternos e externos da vivência. Os desenhos infantis retratam aautopercepção do seu autor em relação à situação social de desenvolvi-

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mento. As fotos propiciam o congelamento de aspectos da expressão cor-poral para posterior análise comparativa com os demais dados da investi-gação. A Vivência se manifesta na Expressão Corporal como sinais quecarecem da interpretação apropriada dos pais e dos professores para me-lhorar a relação entre a criança e o adulto. Em muitas situações, os sinaissão pedidos de socorro de algo que a criança em idade escolar não podeexplicar porque não consegue expressar-se verbalmente bem, o que tor-na essencial o estudo da Expressão Corporal nessa idade.

Referências:GARCÍA, Morey Aurora. Psicopatología infantil: Su evaluación y diagnósti-co. Ciudad de La Habana: Editora Félix Varela, 2003.LOWEN, Alexander. Corpo traído. 6. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1979.v. 11.______. O corpo em terapia: a abordagem bioenergético. São Paulo:Summus Editorial,1977. v. 4.______. Bioenergética. 7. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1982. v.15.______. O corpo em depressão, as bases biológicas da fé e da realidade. 6.ed. São Paulo: Summus Editorial, 1983.______. Narcisismo: negação do verdadeiro eu. São Paulo: Cultrix, 1983.MELO COSTA, Vani Maria de. O aluno problema no cotidiano escolar e fami-liar: um estudo de caso etnográfico. 160f, 1997. Dissertação (Mestrado emEducação), Faculdade de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso,Cuiabá.______. A expressão corporal e sua relação com a situação social de desen-volvimento em crianças de idade escolar de um assentamento campesinobrasileiro. 150f, 2006. Tese (Doutorado em Ciências Psicológicas) - Faculda-de de Psicologia, Universidade de Havana.VYGOTSKI, L.S. Obras escogidas. Madrid España: Editora Aprendizaje Visor,1986. t.4.WALLON, H. Los origenes del carácter en el niño. Argentina: Editorial Lautaro,1964.

Recebido em: 11/06/2008

Aprovado em: 28/04/2009

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