Revista da SOCERJ - Abr/Mai/Jun 2002 Artigo de Revisão...

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57 Revista da SOCERJ - Abr/Mai/Jun 2002 1 Artigo de Revisão Histórico Todas as publicações sobre a história do marcapasso listam uma série de nomes que foram contribuindo durante os anos para termos o conhecimento e a aparelhagem de que dispomos hoje. A primeira citação de uma ressuscitação com a aplicação de choque elétrico no precórdio é de Aldini, em 1774 5 . Adams, em 1827 6 , e Robert Stokes, em 1846 7 , descreveram as crises apopléticas associadas à bradicardia que ficaram conhecidas como crises de Stokes-Adams. Em 1819, Aldini e Bichat utilizaram corações de prisioneiros decapitados para realizarem os primeiros experimentos com estimulação elétrica em corações humanos. Mas só em 1932 foi que Albert Hyman 8 construi o primeiro marcapasso e utilizou-o para ressuscitar vários pacientes, iniciando realmente a história da estimulação cardíaca artificial. Em 1958, na Suécia, Senning 9 e Elmquist implantaram pela primeira vez um marcapasso num ser humano, que funcionou por muito pouco tempo devido à precariedade de sua fonte geradora. Chardack, em 1965, introduziu comercialmente o marcapasso endovenoso. Deste ano em diante o crescimento e o desenvolvimento na bioengenharia foram meteóricos. Unidades cada vez mais sofisticadas e com possibilidades de tratar várias arritmias diferentes vêm sendo desenvolvidas. O tratamento das taquiarritmias potencialmente malignas e da Insuficiência Cardíaca Congestiva são os mais novos campos da terapia elétrica cardíaca artificial e serão abordados nos capítulos próprios. Componentes do marcapasso Na realidade o “marcapasso” é um sistema de estimulação elétrica artificial que fornece descargas ou pulsos elétricos ao coração. Ele é composto por uma unidade geradora que armazena os circuitos eletrônicos e a bateria, além de ser ligado ao coração por um ou mais cabos eletrodos ou catéteres. Os eletrodos apresentam na extremidade distal aletas que ajudam na sua fixação passiva às trabéculas do ventrículo direito ou delicados parafusos que são fixados ativamente ao coração por uma rotação do eletrodo ou de sua guia, após posicionados no local escolhido. São feitos de silicone ou poliuretano que revestem um conjunto de fios em paralelos ou coaxiais que se conectam à ponta ou ao anel do cateter. Estes eletrodos são muito maleáveis sendo necessário um guia de metal que passe por dentro deles e dê sustentação e torque para poderem ser manipulados durante o seu posicionamento. O guia é retirado após a fixação do eletrodo. Atualmente todos os catéteres são bipolares, isto é, os dois pólos estão dentro do coração, a ponta sempre é o pólo negativo e o anel, positivo. O cateter unipolar só tem a ponta dentro do coração, o pólo positivo é a unidade geradora ou a caixa do marcapasso. Isto acarreta uma diferença, tanto na estimulação quanto na sensibilidade do aparelho, como veremos a posteriori. Ainda há em uso eletrodos epimiocárdicos que eram suturados ou aparafusados no lado externo ou epicárdico do coração, técnica abandonada devido à menor morbidade da técnica endocárdica, com acesso pela veia cefálica, subclávia ou jugular. Principios básicos da estimulação cardíaca artificial José Carlos B M Ribeiro Hospital da Lagoa / Hospital Pró-Cardíaco

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57Revista da SOCERJ - Abr/Mai/Jun 2002

1Artigo deRevisão

Histórico

Todas as publicações sobre a história domarcapasso listam uma série de nomes que foramcontribuindo durante os anos para termos oconhecimento e a aparelhagem de que dispomoshoje. A primeira citação de uma ressuscitaçãocom a aplicação de choque elétrico no precórdioé de Aldini, em 17745. Adams, em 18276, e RobertStokes, em 18467, descreveram as crisesapopléticas associadas à bradicardia que ficaramconhecidas como crises de Stokes-Adams. Em1819, Aldini e Bichat utilizaram corações deprisioneiros decapitados para realizarem osprimeiros experimentos com estimulação elétricaem corações humanos. Mas só em 1932 foi queAlbert Hyman8 construi o primeiro marcapassoe utilizou-o para ressuscitar vários pacientes,iniciando realmente a história da estimulaçãocardíaca artificial. Em 1958, na Suécia, Senning9

e Elmquist implantaram pela primeira vez ummarcapasso num ser humano, que funcionou pormuito pouco tempo devido à precariedade de suafonte geradora. Chardack, em 1965, introduziucomercialmente o marcapasso endovenoso. Desteano em diante o crescimento e o desenvolvimentona bioengenharia foram meteóricos.

Unidades cada vez mais sofisticadas e compossibilidades de tratar várias arritmiasdiferentes vêm sendo desenvolvidas. Otratamento das taquiarritmias potencialmentemalignas e da Insuficiência Cardíaca Congestivasão os mais novos campos da terapia elétricacardíaca artificial e serão abordados nos capítulospróprios.

Componentes do marcapasso

Na realidade o “marcapasso” é um sistema deestimulação elétrica artificial que fornece descargasou pulsos elétricos ao coração. Ele é composto poruma unidade geradora que armazena os circuitoseletrônicos e a bateria, além de ser ligado ao coraçãopor um ou mais cabos eletrodos ou catéteres.

Os eletrodos apresentam na extremidade distalaletas que ajudam na sua fixação passiva àstrabéculas do ventrículo direito ou delicadosparafusos que são fixados ativamente ao coraçãopor uma rotação do eletrodo ou de sua guia, apósposicionados no local escolhido. São feitos desilicone ou poliuretano que revestem um conjuntode fios em paralelos ou coaxiais que se conectam àponta ou ao anel do cateter.

Estes eletrodos são muito maleáveis sendonecessário um guia de metal que passe por dentrodeles e dê sustentação e torque para poderem sermanipulados durante o seu posicionamento. O guiaé retirado após a fixação do eletrodo.

Atualmente todos os catéteres são bipolares, isto é,os dois pólos estão dentro do coração, a pontasempre é o pólo negativo e o anel, positivo. O cateterunipolar só tem a ponta dentro do coração, o pólopositivo é a unidade geradora ou a caixa domarcapasso. Isto acarreta uma diferença, tanto naestimulação quanto na sensibilidade do aparelho,como veremos a posteriori. Ainda há em usoeletrodos epimiocárdicos que eram suturados ouaparafusados no lado externo ou epicárdico docoração, técnica abandonada devido à menormorbidade da técnica endocárdica, com acesso pelaveia cefálica, subclávia ou jugular.

Principios básicos da estimulação cardíaca artificialJosé Carlos B M Ribeiro

Hospital da Lagoa / Hospital Pró-Cardíaco

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A unidade geradora (UG) é alojada no subcutâneoabaixo das clavículas, à direita ou esquerda,conforme o desejo do paciente ou do cirurgião. Nosimplantes epimiocárdicos, praticamenteabandonados em nosso meio, a unidade geradoraera alojada no abdome e ainda podemos encontrarvários pacientes com sistemas epi emfuncionamento. Sua indicação atual se restringe àscrianças de baixo peso e de forma temporária empós- operatórios de cirurgia cardíaca.

A UG é composta em seu maior volume pela bateria,ou fonte geradora, (Figura 1) que alimenta umcircuito eletrônico sofisticadíssimo com inúmerascapacidades de funcionamento, circuitos dememória fantásticos que armazenam até oeletrograma intracavitário durante uma arritmiacardíaca prévia e circuitos elétricos que levam oimpulso elétrico até o coração durante toda a vidaútil do aparelho. Há ainda vários outroscomponentes que protegem o aparelho de descargaselétricas, por exemplo, os que revertem ao modoassincrônico quando acionados e outros quepermitem a troca de informações com umcomputador externo, por exemplo, umprogramador de marcapassos. Através desteprogramador podemos, por meio de ondas de radiofrequência, modificar a frequência do marcapasso,sua energia de saída, seu modo de funcionamentoe dezenas de parâmetros cada vez mais específicosna sua aplicação, facilitando sua adaptação eacompanhamento. Podemos também monitorar suaenergia restante, sua vida útil e extrair informaçõesde sua memória que podem ser impressas em papelou gravadas em discos para posterior análise.

Figura 1Imagem radiográfica de uma unidade geradora de marcapassomostrando metade de seu volume ocupado pela bateria. Várioscomponentes elétricos e eletrônicos são vistos.

A unidade geradora é trocada quando se esgota suabateria. Apresenta uma vida útil de 5 a 15 anos,dependendo de sua programação e modo defuncionamento e este desgaste é acompanhado porrevisões periódicas. Os eletrodos, se bemimplantados, têm uma vida útil longa, mais de 15anos, alguns ainda em uso por mais de 20 anos. Sósão retirados em ocasiões especiais e com técnica ematerial específico para o procedimento. Quandofora de uso são em geral abandonados e sepultadosisoladamente dentro da bolsa do marcapasso.

Figura 2Comando e demanda. O terceiro QRS é um batimentoespontâneo. O MP sente esta despolarização e recicla a partirdele. Os demais são estimulados ou comandados pelo MP, coma espícula precedendo o QRS.

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A estimulação cardíaca artificial possui umanomenclatura própria que deve ser entendidainicialmente para facilitar o resto da aprendizagem.Vamos tentar nas próximas linhas explicar essestermos de uma maneira bem simples.

Comando

É a capacidade de um foco elétrico de despolarizaro coração. Normalmente o comando do coração ésinusal, por isto o ritmo normal é o sinusal. Numataquicardia ventricular o comando é de um focoventricular. Num ritmo de marcapasso dizemos quehá comando ou o comando é do MP se em seguidaao estímulo do MP houver uma despolarizaçãocardíaca (Figura 2). Podem haver ocasiões em quea energia cedida pelo MP é insuficiente para tal,então dizemos que há uma perda ou uma falha decomando. É uma falha grave, pois num pacientedependente pode causar graves sintomas.

Esta energia é gerada por uma fonte ou bateria,manuseada pelos circuitos eletrônicos, enviadaatravés do eletrodo; vence, então, uma barreira nainterface eletrodo-coração e por fim despolariza ocoração. Qualquer problema em todo este caminhopode acarretar uma perda de comando (Figura 3).Esgotamento de bateria, aumento de limiar e fraturade eletrodo são as causa mais comuns.

Figura 3Falha de comando ventricular. Algumas espículas são seguidasde QRS e outras não, mostrando falha intermitente de comandodo MP.

Limiar de comando ou de estimulação é a menorenergia necessária para despolarizar o coração. Estepulso de energia que o marcapasso fornece tem umaamplitude (medida em Volts) e uma duração doestímulo, ou largura de pulso (medida emmilisegundos). Podemos variar ambos os fatorespara conseguir uma maior ou menor quantidadede energia em cada pulso. Quanto maior a

amplitude aplicada a um pulso elétrico, menor alargura de pulso necessária para manter a mesmaenergia e vice-versa.

Nas avaliações periódicas que os portadores demarcapassos realizam, são aferidos o limiar deestimulação, e a energia ofertada pelo marcapassopode ser diminuida ou aumentada conforme anecessidade.

Demanda, circuito de sensibilidade

O MP tem um circuito de sensibilidade que percebeo sinal da despolarização cardíaca espontânea erecicla seu tempo de espera para emitir ou não umpulso de energia. Se houver um ritmo mais rápidoque o programado no marcapasso, este pode ficarem “demand” ou em espera de uma freqüência maislenta para poder estimular o coração (Figura 2). Afreqüência em um minuto dos estímulos domarcapasso chama-se freqüência de pulso e otempo entre um batimento sentido e o próximoestimulado é o intervalo de escape. Em geral estesvalores são iguais, mas podem ser programadosdiferentemente em situações especiais. Quando ointervalo de escape é maior que o intervalo entredois batimentos estimulados, dizemos que há umahisterese, ou a histerese é de tantos batimentos amenos que a freqüência de pulso (Figura 4). Aprogramação da histerese permite que o marcapassoespere mais tempo por um ritmo intrínseco dopaciente permitindo mais tempo de estimulaçãonatural do coração.

Figura 4Histerese. O período de escape após uma estimulação anterior(after pace) é correspondente à freqüência do marcapasso. Operíodo de escape, após um sense anterior (after sense), pode serprogramado independentemente, sendo chamado de histerese.

O MP apresenta um período, logo após adeflagração do pulso elétrico, em que fica

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momentaneamente cego, sem sentir sinais naquelemomento (blanking period). Geralmente esteperíodo é de 40 a 100ms. Depois há um período emque o MP sente os sinais mas não reage a eles; é operíodo refratário ventricular, ou atrial (PRA-período refratário atrial, PRV- período refratárioventricular, PVARP – período refratário atrial pósventrículo). Todos estes tempos podemevidentemente ser programados conforme anecessidade (para impedir uma taquicardiamediada pelo marcapasso, por exemplo).

O potencial produzido pelo estímulo elétrico do MPchama-se potencial evocado. Na maioria dos MPeste potencial (QRS) não é sentido, pois está dentrodo blanking ventricular. Alguns MP são dotados decircuitos que sentem este potencial evocado apóscada batimento, sabendo, portanto, quando hácomando do MP ou não. O software inserido nosseus circuitos fazem com que ele execute uma

medida de limiar periodicamente e corrija suavoltagem de saída conforme o valor achado. Destaforma o MP cicla com a menor energia possível eeconomiza muito sua bateria. Caso haja umaperda de comando durante a medida de limiar, oMP envia, 40 a 100ms após o impulso semcomando, um novo impulso com 5 V querecupera o comando sem praticamente interferirna freqüência cardíaca. Novamente procede àmesma medida e assim vai periodicamenteajustando-se (mecanismo de auto captura)(Figura 5).

Figura 5MP executando o processo de medida de limiar pelo processode autocaptura. A voltagem de cada estímulo vai diminuindoprogressivamente até que haja perda de comando de doisestímulos seguidos. Imediatamente após (40ms), o MP envia umestímulo de segurança de 5 Volts.

1ª letra 2ª letra 3ª letra 4ª letra 5ª letraCavidade Cavidade Modo Capacidade Terapia deestimulada sentida de funcionamento de programação arritmiasÁtrio A O Programável PacingVentrículo V Inibido Multiprogramável ShockDuplo (AeV) D Trigado C omunicação D pacing+shockO nenhuma O Duplo Resposta de freqüência O

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Unipolar e Bipolar

Na realidade toda estimulação é bipolar, pois aenergia elétrica necessita de dois pontos, negativoe positivo para poder fluir. Quando os dois pólosestão dentro do coração, isto é, um pólo negativona ponta do eletrodo e o pólo positivo em umanel posicionado um pouco mais afastado daponta, chamamos esta estimulação de bipolar.Quando o pólo positivo é a própria caixa do MPou unidade geradora, chamamos de unipolar(Figura 6).

Figura 6Sistema unipolar com um pólo na caixa do MP e outro na pontado eletrodo e bipolar com os dois pólos, ponta (negativo) e anel(positivo).

A estimulação unipolar apresenta uma espícula noeletrocardiograma de maior amplitude, muito maisfácil de ser observada. Entretanto pode estimulartambém a musculatura peitoral ou estruturas quese coloquem dentro de seu campo elétrico. Aestimulação bipolar não produz esta estimulaçãoindesejada, mas produz uma espícula de mínimaamplitude, muito difícil de ser observada, além dealguns estudos mostrarem que pode ser uma fontede arritmias ventriculares.

A sensibilidade unipolar tem um poder muito maiorde sentir os fenômenos elétricos, no entanto podesentir atividades elétricas musculares esqueléticasque podem fazer o MP ciclar erroneamente. Asensibilidade bipolar restringe o campo deobservação dos fenômenos elétricos a uma antenaintracardíaca de 1 a 3 cm, que é a distância entre ospólos dos eletrodos, sendo muito mais difícil o sensede um sinal elétrico extracardíaco, da musculaturado indivíduo ou uma interferência externa.

Modernamente todos os eletrodos são bipolares eatravés de programação podemos estimular emunipolar e sentir em bipolar, por exemplo(configuração mais utilizada).

Tipos de marcapassos

Os marcapassos podem ser atriais, quando oeletrodo só é fixado no átrio; ventriculares, os maiscomuns e o átrio ventricular (bicameral ou duplacâmara), com um cateter no átrio e outro noventrículo. Neste último o comando e o senseacontecem em ambas as câmaras cardíacas como sefossem dois marcapassos, interligados por umintervalo AV programável. Assim, se o átrio não sedespolarizar espontaneamente, o MP o estimula eespera o intervalo AV programado; se nesteintervalo o ventrículo não se despolarizar, ele oestimulará e assim começará outro ciclo cardíaco.

Com o intuito de normatizar estes conceitos duassociedades, americana e européia, desenvolveramum quadro de referência de 5 letras com ossignificados abaixo especificados.

No uso corriqueiro, só as três primeiras letras sãoutilizadas. VOO é um marcapasso fixo que não senteo ventrículo, só o estimula. AAI é o marcapassoque estimula o átrio, sente o átrio e se inibe quandopercebe uma onda P (despolarização atrial)(Figura 7). VVIR é o marcapasso ventricular comresposta de freqüência, ou biosensor. DDD é omarcapasso que estimula e sente o átrio e oventrículo e triga o estímulo ventricular ao átriosentido ou estimulado. É um MP átrio ventricularou dupla câmara ou bicameral e é o mais implantadoatualmente. Há um modo de estimulação VDD emque o MP só sente o átrio, não o estimula e, emseguida, a um intervalo AV sente ou estimula oventrículo. Neste último tipo de estimulação, utiliza-se um cateter semelhante ao cateter ventricular, masna metade do seu comprimento existem dois anéisque ficam encostados no átrio apenas sentindo-o,sem estimulá-lo. A vantagem é que só se coloca umeletrodo ao invés de dois como num aparelho DDD.Caso o átrio não seja sentido, ele funcionará comoum VVI comun, ciclando na sua freqüênciaprogramada.

Em relação à capacidade de programação, todos osmarcapassos hoje em dia são multiprogramáveis etêm telemetria bidirecional (C) que permite umatroca de informações entre o programador e omarcapasso.

Nos marcapassos mais modernos, há um parâmetrochamado “Automatic Mode Switch” que pode sertraduzido para Mudança Automática do modo defuncionamento. Um MP DDD ou DDDR, quandosente uma taquiarritmia atrial, acima de umdeterminada freqüência que programamos, reverteautomaticamente ao modo VVI ou VVIR, evitando

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Figura 7MP AAI com a espícula do MP se mostrando antes da onda P econdução AV e despolarização ventricular espontâneas.

Figura 8Mudança automática de modo de funcionamento (Mode Switch).O marcapasso DDD reverte ao modo VVI quando sente um ritmoatrial rápido, neste caso um flutter atrial. Quando cessa ataquiarritmia, o MP volta ao funcionamento inicial (DDD).

assim que o ventrículo alcance freqüências elevadas.Quando o ritmo volta ao normal, o MP volta aofuncionamento inicial (Figura 8).

Em relação ao tratamento das arritmias, já há umcódigo próprio para desfibriladores-cardioversores;desta forma a última letra quase não é utilizadaatualmente. Não vamos neste capítulo tratar detaquiarritmias ou aparelhos antitaqui.

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Biosensores

Biosensor é um mecanismo que existe em certosmarcapassos que detecta uma demanda metabólicaaumentada e automaticamente acelera ou alenteceos seus batimentos. Podem sentir o movimento dopaciente (mecanismo mais comun), suamovimentação respiratória (volume minuto), atemperatura, intervalo QT e vários outrosparâmetros que demonstrem a necessidade de umamaior freqüência cardíaca. Há um mecanismo quepode medir a contratilidade cardíaca (mecanismode alça fechada) e continuamente corrigir afreqüência de estimulação. Podem ser programadosvários parâmetros desta resposta de freqüência, suaaceleração, desaceleração, limiar de sensibilidade,freqüência mínima e máxima e outros fatores quepodem melhorar e adaptar a interação domarcapasso ao paciente. Os mecanismos maisutilizados nos MP atuais são os de movimento evolume minuto e alguns MP têm incorporadosambos os tipos de sensores, sendo mais sensíveisna sua curva de variação de freqüência.

Freqüência magnética, influência do imã sobre omarcapasso

Existem vários tipos de freqüências em ummarcapasso. A freqüência de demanda ou basalou freqüência mínima (lower rate) é a menorfreqüência em que o marcapasso estimula ocoração. A freqüência máxima (upper rate) é amaior freqüênca em que o coração é estimulado.Por exemplo, em um marcapasso DDDprogramado em 60 e 120 bpm respectivamente,se o coração se despolariza abaixo de 60 bpm, eleestimula o átrio nesta freqüência mínima e, se oventrículo não o fizer espontaneamente, o MPdespolarizará o ventrículo. Se a freqüênciaintrínseca sinusal for aumentando, num esforçofísico por exemplo, o marcapasso sentirá o átrioe estimulará o ventrículo, sempre acompanhandoa freqüência atrial até um máximo de 120 bpm.Acima deste valor de freqüência atrial, ele nãomais triga o ventrículo ao átrio na razão 1:1,mantendo uma freqüência máxima ventricular de120 bpm. Num marcapasso com biosensor (AAIR,VVIR, DDDR) sempre programamos a freqüênciamínima e máxima com que a estimulação poderáser realizada, além de determinarmos a curva deaceleração, a sensibilidade do sensor, adesaceleração e vários outros parâmetros.

Existem marcapassos que são dotados de umfreqüência especial de repouso que passa afuncionar à noite no horário que for programadoou quando o nível de movimento cair abaixo de um

valor mínimo por um período mais prolongado.Esta freqüência passa a valer independente dasoutras anteriores.

Quando se coloca um imã sobre o marcapasso,este passa a não reconhecer os sinais elétricos quesão captados pelo eletrodo (sinais cardíacos ouextracardíacos), passando a funcionarassincronicamente, fixamente, independente dehaver um QRS próprio ou não (VOO). Em algunsmarcapassos, há um aumento de freqüênciaenquanto o imã estiver posicionado sobre aunidade geradora. Em outros este aumentoocorre só por alguns pulsos, voltando depois àsua freqüência normal. Vários fabricantesutilizam esta freqüência magnética paramodificar a saída de energia em alguns destespulsos, permitindo ao médico saber se a energialiberada para aquele paciente tem uma faixa desegurança ou não. Embora em algunsmarcapassos esta propriedade de se manterassincrônico, quando sobre a ação de um campomagnético possa ser desprogramada, a noção quese deve ter é de que sempre que se coloca umimã sobre o marcapasso ele fica assincrônico (poristo se recomenda a utilização de um imã sobre oMP quando um bisturi elétrico é usado). Narealidade o funcionamento do imã é muito maiscomplexo que isto e diferente em cada marca deaparelho; uma excelente e bem completadescrição pode ser encontrada na publicação daREBLAMPA nº 13.2 de abril/junho de 2000.1

Intervalo AV (AV delay)

É o intervalo eletrônico entre o estímulo atrial (pacedAV delay) ou o sense de uma despolarização atrialprópria (sensed AV delay) e o estímulo ventriculara seguir (Figura 9). Pode ser comparável ao intervaloPR no ECG. Nos modelos atuais há uma correçãoautomática deste intervalo, encurtando-o com oaumento da freqüência cardíaca (intervalo AVdinâmico). Pode ser programado um valor mínimo(para as maiores freqüências), um valor máximo(para a freqüência mínima) e a velocidade deencurtamento deste intervalo. Existem modelossofisticados que fazem uma caça automática aobatimento ventricular próprio, alongando ointervalo AV para permitir uma despolarizaçãoventr icular espontânea, a justando-seautomaticamente aos novos valores.

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Figura 9MP DDD. No segundo batimento a onda P é sentida e após ointervalo AV (sentido) é deflagrada a espícula ventricular. Noquarto batimento tanto o átrio como o ventrículo são estimulados(Intervalo AV estimulado).

Bateria

As primeiras baterias foram de uma liga demercúrio e zinco, depois vieram as bateriasrecarregáveis e atômicas, mas as baterias de lítio /iodo deram o melhor resultado e são as utilizadasatualmente. Não produzem gases, são seladas epequenas o suficientes para permitir um tamanhoreduzido do marcapasso. Não são recarregáveis, poristo, quando acaba a fonte energética, é necessáriotrocar a unidade geradora e não somente sua bateria.Conhecendo a capacidade da bateria e o gasto deenergia do gerador, o marcapasso pode nos informarqual a vida útil que ainda resta.

Podemos, através dos programadores, saber aimpedância do eletrodo, seu limiar de comando esense, corrigindo qualquer falha que haja. Sempreque possível, e desde que haja uma boa faixa desegurança, o marcapasso deve ser programado parafornecer uma energia menor, pois assim há umamaior duração da bateria, aumentando alongevidade do marcapasso. Estas medidas sãorealizadas novamente em cada avaliação periódicapara checar a integridade do sistema.

Os circuitos eletroeletrônicos do MP compensam aqueda da energia cedida pelas baterias, mantendouma oferta fixa ao eletrodo-coração. Quando estaenergia vai chegando ao final, em geral a freqüênciamagnética e a freqüência de estimulação começama cair até 10% de seu valor inicial. Este é o períodopara a troca da unidade geradora. Durante asrevisões periódicas pode ser medida a impedânciada bateria e diretamente sua voltagem e consumo,facilitando o acompanhamento.

Eletrocardiografia de Marcapasso

O MP se mostra no traçado eletrocardiográfico comouma espícula ou uma inscrição rápida antes da ondaP (MP atrial) ou R (MP ventricular). Às vezes é dificilde serem notadas, havendo a necessidade de seremprocuradas em todas as derivações, pois podem teruma orientação espacial tal que em uma derivaçaonão se mostrem, enquanto em outra, são facilmenteobservadas. Quando a estimulação é unipolar, aespícula é muito mais facilmente visível do que naestimulação bipolar e isto é uma causa freqüentede falha na interpretação dos traçados deeletrocardiografia dinâmica.

Como o MP está estimulando o ventrículo de umamaneira totalmente antinatural, criando uma frentede onda que parte da ponta do eletrodo, o QRSestimulado é sempre alargado, como umaextrasístole ventricular. O ECG de 12 derivações nãoé muito importante para a observação do MP, mas

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nos dá uma visualização da espícula caso seja difícilde vê-la numa só derivação e uma noção de ondeestá posicionado o eletrodo. Quase sempre D1 e aVLtêm o padrão de BRE. D2, D3 e aVF negativosmostram um posicionamento na ponta de VD(Figura 10), enquanto que um QRS positivo nestasderivações mostram uma posição em trato de saídade VD. Geralmente V1 tem padrão de BRE, pois aestimulação é em VD, mas certos pontos do septointerventricular produzem um padrão de BRDquando estimulados. Outro aspecto interessante doECG completo é observado no pacientecoronariopata, em que uma isquemia ou mesmo uminfarto pode não ser notado no ECG, pois aaberração que a estimulação artificial provoca nocomplexo QRS mascara as alterações agudas. Se omédico dispuser de um traçado antigo do pacientecom o MP e puder compará-lo com o da fase aguda,diferenças no QRS e no segmento ST podemcorroborar a suspeita clínica. No entanto a derivaçãomais utilizada para a análise do MP é mesmo D2.

Figura 10Fibrilação atrial com MP VVI. Nota-se o padrão de BRE e o eixopara cima, mostrando estar o eletrodo em ponta de VD.

Deve sempre ser procurado a espícula e o QRSestimulado. Quando o MP é exclusivamenteventricular (VVI) há uma dissociação AV com umritmo atrial independente do ventricular. Quandoo MP é bicameral (Figura 11), átrio ventricular, aonda P natural pode ser observada antes da espículaventricular. Caso a freqüência atrial seja inferioràquela programada no MP, há também uma espículaantes da onda P, mostrando que o átrio é comandadopelo MP. Seguindo-se à despolarização atrial naturalou comandada, ocorre um intervalo AV (delay AV)e depois a estimulação ventricular. Às vezes a frentede onda ventricular produzida pelo MP colide coma frente de onda natural conduzida pelo nó AV euma parte do coração é despolarizada pelo MP,enquanto outra parte, pela condução normal. Assimo QRS resultante é um batimento de fusão, maisparecido com o batimento do MP, se esta frente deonda despolarizar maior massa cardíaca do que afrente de onda natural; ou mais parecido com obatimento espontâneo, se a frente de onda naturalfor predominante (Figura 12). A fibrilação atrial,devido à irregularidade do QRS espontâneo, é omaior exemplo de batimentos de fusão. Quando oritmo espontâneo for mais rápido que oprogramado, o MP se inibe e passa a se reciclar apóscada batimento.

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Figura 11 (acima)MP DDD. Observa-se uma espícula antes da onda P e do QRS. Oquinto QRS da tira do meio é uma extrasístole ventricular e oMP sente-a e se recicla tanto no átrio como no ventrículo.

Figura 12 (abaixo)Marcapasso VVI. O quarto complexo QRS apresenta umaespícula inicial seguida de um complexo QRS resultante da fusãode uma despolarização espontânea e um QRS estimulado.

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Um dos problemas graves da estimulação cardíacaartificial é a perda de comando, pois pode haveruma pausa prolongada sem batimentos cardíacos.No ECG vemos uma ou várias espículas soltas, quenão são seguidas da despolarizaçao ventricular(QRS) (ver Figura 3).

A perda de sensibilidade (perda de sense oudemanda) pode ser diagnosticada quando há umaespícula numa posição em que não deveria ocorrera estimulação, pois o MP deveria estar em tempoespera. Se esta espícula cair fora do períodorefratário ventricular, poderá comandar o coraçãoe às vezes causar arritmias perigosas (Figura 13).

Não há aqui a pretensão de detalhar os achadoseletrocardiográficos em uma exposição tão curta; háinúmeros detalhes em cada modelo diferente deunidade e novidades permanentes. Mesmo assim,os conceitos básicos discutidos acima norteiam estefuncionamento.

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Figura 13Falha de sensibilidade. O quarto complexo QRS é um batimentoespontâneo, não deveria existir a espícula do MP logo após suainscrição, mostrando uma baixa sensibilidade do MP emreconhecer o batimento e reciclar.