Revista de ARTIGOS CIENTÍFICOS...Elaborado no 1º Semestre 2018 ISSN 2179-8575 Volume 10 - nº 1 -...

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Elaborado no 1º Semestre 2018 ISSN 2179-8575 Volume 10 - nº 1 - Tomo II (K/Y) - jan./jun. 2018 Revista de ARTIGOS CIENTÍFICOS dos Alunos da EMERJ

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  • Elaborado no 1º Semestre 2018

    ISSN 2179-8575

    Volume 10 - nº 1 - Tomo II (K/Y) - jan./jun. 2018

    Revista de

    ARTIGOS CIENTÍFICOSdos Alunos da EMERJ

  • Elaborado no 1º Semestre 2018

    ISSN 2179-8575

    Volume 10 - nº1 - Tomo II (K/Y) - jan./jun. 2018

    Revista de

    ARTIGOS CIENTÍFICOSdos Alunos da EMERJ

  • Revista de artigos científicos dos alunos da EMERJ/Escola da Magistratura do Estado doRio de Janeiro. – v. 1, n. 1, 2009- . – Rio de Janeiro: EMERJ, 2009- . - v.

    Semestral

    ISSN 2179-8575

    1. Direito – Periódicos. I. RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

    CDD 340.05 CDU 34(05)

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    Revista de Artigos Científicos dos alunos da EMERJ1º Semestre de 2018

    DIRETOR-GERALDesembargador Ricardo Rodrigues Cardozo

    SECRETÁRIA-GERAL Ana Cristina Sargentelli Porto

    Diretor do Departamento de Ensino (DENSE)José Renato Teixeira Videira

    DENSE/Serviço de Monografia

    DENSE/BIBLIO - Divisão de Biblioteca DETEC - Departamento de Tecnologia de Informação e Comunicação

  • REVISTA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS Rio de Janeiro v. 10 n. 1 - TOMO II (K/Y) p. 813 - 1536 jan./jun. 2018

    SUMÁRIO

    KAThERInE BRAUER DA CUnhAA LINHA TÊNUE ENTRE OS CRIMES DE ESTUPRO, ESTUPRO DE VULNERÁVEL, VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E A CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR NO ÂMBITO DOS TRANSPORTES PÚBLICOS........................................................................................................................823

    KEILAh MEDELENE SILvA DE OLIvEIRAJUSTIÇA RESTAURATIVA: ANÁLISE DO INSTITUTO NO ÂMBITO INFRACIONAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR.......................................................................................................................839

    LíGIA FERnAnDA GOMES CAMpOSO JOGO DA BALEIA AZUL: UM DESAFIO PARA O DIREITO..........................................854

    LIvIA GuIMARãES GOMES DE MATTOSINCLUSÃO – DIREITO À EDUCAÇÃO AO ATENDIMENTO ESPECIALIZADO.INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - LEI Nº. 13.146/2015...........................870

    LUCAS MEnDES LAGESJULGAMENTO DA ADI Nº 4.275 E OS SEUS POSSÍVEIS EFEITOS EM OUTRAS ESFERAS DA VIDA CIVIL.................................................................................................885

    LUíSA CApAnEMA MARTInS VIEIRAO “ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL” E O DIREITO À INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DO SUPERENCARCERAMENTO.....................................................900

    MARCELA BECKER AThERInOLEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001: O DIREITO À PRIVACIDADE E A REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS...............................................................914

  • REVISTA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS Rio de Janeiro v. 10 n. 1 - TOMO II (K/Y) p. 813 - 1536 jan./jun. 2018

    MÁRCIA COSTA XAVIERO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE NO ESPAÇO DE CONSENSO DA PEQUENA CRIMINALIDADE...........................................................................................928

    MARCOS BLOISE MOURA SAnTOSA REGULAMENTAÇÃO DO LOBBY NO BRASIL COMO INDUTOR DA TRANSPARÊNCIA NAS RELAÇÕES ENTRE AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS: ANÁLISE DO PL Nº 1202/07...........................................................................................943

    MARIA JOSé TOSTES LONTRAO PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS........................................................................................................................958

    MARIANA ALvES ZANELLI AMARALA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DA LOTAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO.......................972

    MARIANA FARELO TAuFIEOS OBSTÁCULOS SENTIDOS PELAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA PARA O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO E AS SOLUÇÕES APRESENTADAS PELO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO...........................987

    MARIANA REIMãO SOARES GOMES MELLOBREXIT: A SAÍDA DO REINO UNIDO DA UNIÃO EUROPEIA E SEU IMPACTO NOFORNECIMENTO DE SERVIÇOS FINANCEIROS...........................................................1003

    MARInA CROCE GUILhERMInOA NECESSIDADE DE MUDANÇA NOS PARÂMETROS DA JUSTIÇA GRATUITA: UMA ANÁLISE DE SUA INFLUÊNCIA NEGATIVA NO JUDICIÁRIO..............................1017

    MARInA FERREIRA DA COSTAA EFICÁCIA DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS................................................................1032

    MÁRIO AUGUSTO CASTOR DE SOUSADESDOBRAMENTOS DA LEI Nº 13.245/16 NO INQUÉRITO POLICIAL À LUZ DOSISTEMA ACUSATÓRIO................................................................................................1047

    MARX ChI KOnG SIUCONTRIBUIÇÃO DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS NO COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL.............................................................................................1061

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    MAThEUS FARIA BITTEnCOURTO INCIDENTE DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA..............................................................1078

    MIChELLE DE SOUzA SILVEIRA TAVARESJUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA DIANTE DA MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE......................................................................................................................1093

    MIRIAM MESquITA REISLIBERDADE DE EXPRESSÃO NA INTERNET: UM DEBATE MOTIVADO PELO DIREITO AO ESQUECIMENTO......................................................................................1108

    pAMELA MAçAnA SILVAA EFICÁCIA DA PENA COMO MEDIDA DE RESSOCIALIZAÇÃO DO AGENTE.............1124

    pâMELA SOUzA CAMpOSANÁLISE DA INDICAÇÃO PARA COMPOSIÇÃO DAS CORTES SUPERIORES – EXPERIÊNCIA AMERICANA, BRASILEIRA E PORTUGUESA........................................1139

    pAULA AnTUnES pAES FERnAnDES SEnAA SITUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO OFENSOR E DA VÍTIMA COMO CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL....................................................1153

    pAULA RAqUEL OLIVEIRA MARqUES JESUSASPECTOS POLÊMICOS DA ENGENHARIA GENÉTICA NO DIREITO BRASILEIRO: TERAPIA GÊNICA, CLONAGEM TERAPÊUTICA E SEUS CONTORNOSÉTICO-PENAIS...............................................................................................................1167

    pAULO ROBERTO JEREMIAS GIRDwOOD DA COSTAO ACORDÃO Nº 2.780/16 DO TCU (REVISÃO DE PENSÕES ESPECIAIS DE FILHAS SOLTEIRAS): A VIOLAÇÃO AO DIREITO ADQUIRIDO, A USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS, A CONVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO DECURSO DO TEMPO E O DEFICIT NOS COFRES PÚBLICOS.....................................1183

    pEDRO hEnRIqUE DROLShAGEn LIMACOMO COMPATIBILIZAR O DIREITO À PRIVACIDADE E A AUTOEXPOSIÇÃOEXACERBADA EM UMA SOCIEDADE GLOBALIZADA..................................................1199

    pEDRO nOGUEIRA DE FARIA pEREIRAANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E DOS CRITÉRIOS PARA O EMPREGO DA NORMA DE SEPARAÇÃO POR CONVENIÊNCIA DO JUÍZO DOS PROCESSOS CONEXOS E CONTINENTES, DE ACORDO COM O ARTIGO 80, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL........................................................................................................1214

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    pEDRO pAULO BASTOS DE FREITASOS REFLEXOS DA AUSÊNCIA DA LISTA DE PRODUTOS ESSENCIAIS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO COTIDIANO..................................................................1230

    pRISCILA DA SILVA SIMõESANÁLISE QUANTO À VALIDADE DA SUSPENSÃO DO DIREITO DE VOTAR DO CIDADÃO CONDENADO POR SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO........1246

    pRISCILLA LAnDIM hEnRIqUES nETOA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 6º, §3º, II, DA LEI Nº 8987/95.....................1262

    pRISCILLA LEMOS VALIM DA SILVAOS ASPECTOS JURÍDICOS DA PORNOGRAFIA DE REVANCHE NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER..........................................................................................1276

    RAFAELLA vIEIRA DA ROSADIREITO DE LAJE: A NOVIDADE LEGISLATIVA CRIADA PELA LEI 13.465/17E SUAS QUESTÕES POLÊMICAS............................................................................................1292

    RAqUEL AnTUnES DA FOnSECA SOARESO DIREITO REAL DE LAJE COMO INSTRUMENTO DE EXERCÍCIO DA CIDADANIANAS COMUNIDADES MARGINALIZADAS............................................................................1306

    RODRIGO FOnSECA JOhAnnLEI Nº 13.303/2016 E ADI Nº 5.624 MC/DF: (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA LEI DAS ESTATAIS ÀS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS...........................................1321

    RODRIGO GIL DOS SANTOSSIMPLES CORREÇÃO MONETÁRIA OU EFETIVA MAJORAÇÃO? UMA ANÁLISE DA (DES) PROPORCIONALIDADE NA “CORREÇÃO MONETÁRIA” DA BASE DE CÁLCULO DO IPTU NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, LEVADA A EFEITO PELA LEI MUNICIPAL Nº 6.250/2017..............................................................................................1338

    SERGIO MURILO GOnçALVES MARELLO(IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ADICIONAL DE 10% SOBRE O FGTS: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DA LEI COMPLEMENTAR Nº 110/01 APÓS O EXAURIMENTO DA SUA FINALIDADE..................................................................................1355

    STéFANIE MAZZA RIBEIROO DIREITO AO ESQUECIMENTO NA ERA DA INFORMAÇÃO: PROTEÇÃO DA HONRA E DA INTIMIDADE NAS MATÉRIAS JORNALÍSTICAS............................................1371

  • REVISTA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS Rio de Janeiro v. 10 n. 1 - TOMO II (K/Y) p. 813 - 1536 jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIOTALITA JUnqUEIRA pERALTAPRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA E EFEITO BACKLASH...................................................1386

    TAMIRES MARquES hENRIquECRIME DE ABANDONO INTELECTUAL VERSUS EDUCAÇÃO DOMICILIAR NO BRASIL – OS LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO ÂMBITO DA AUTONOMIA FAMILIAR.................................................................................................................................1400

    ThAíS ApARECIDA LIMA DA CUnhA“FALSA MEMÓRIA” NA PROVA TESTEMUNHAL DO POLICIAL.........................................1414

    ThAIS DE CASTRO CERqUEIRAA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENVOLVENDO ADOLESCENTES: UMA OPÇÃO PARA O COMBATE À SUPERLOTAÇÃO DAS UNIDADES DE INTERNAÇÃO.................................................................................................1430

    ThAíS MOTA LIMA vALLEA EVOLUÇÃO TELEOLÓGICA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E SUA IMPLEMENTAÇÃO NA ESTRUTURA DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO: DA IMPRESCINDIBILIDADE DO INSTITUTO PARA O COMBATE DA CULTURA DOENCARCERAMENTO...............................................................................................................1447

    ThALITA FERREIRA héRCULESA LIBERDADE RELIGIOSA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O CONFLITO COMA FUNÇÃO EDUCATIVA DO PODER FAMILIAR....................................................................1462

    ThIAGO DA CRUz RESEnDE DA MATTAOS EFEITOS DO MARCO CIVIL DA INTERNET PARA A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADEPOR MEIO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO.....................................................................1476

    ThIAGO DA SILVA pEnnAATIVISMO CONGRESSUAL: REAÇÃO LEGISLATIVA EM FACE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5105 – A “ÚLTIMA PALAVRA” DO STF?.....................1492

    YASMIM DOS REIS SILvAA CRISE INSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO FACE AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988...............................1508

    YuRI SALIBIANA SUPERVALORIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS ELETRÔNICAS.........................................................................1522

  • 823Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 2

    A LINHA TÊNUE ENTRE OS CRIMES DE ESTUPRO, ESTUPRO DE VULNERÁVEL, VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E A CONTRAVENÇÃO PENAL DE

    IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR NO ÂMBITO DOS TRANPORTES PÚBLICOS

    Katherine Brauer da Cunha

    Graduada pelo Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (IBMEC-RJ). Advogada.

    Resumo – O aumento no número dos casos de formas à violação da dignidade sexual no âmbito dos transportes públicos tem ganhado destaque midiático diante da ausência de um tipo penal incriminador específico para os casos em concreto. As penas aplicadas aos acusados variam entre estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante fraude, contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor e, algumas das vezes, não aplicação de pena, não havendo um consenso, diante da ausência de tipificação legal, sobre qual o melhor tipo vigente aplicável. A essência do presente artigo cientifico visa a abordar a diferenciação entre os crimes e a contravenção penal supracitados, apontando se realmente há adequação de algum tipo penal vigente e, se sim, qual (ais) poderia (m) ser melhor aplicado (s) nos casos de violação à dignidade sexual no âmbito dos transportes públicos, utilizando como parâmetro alguns casos que tiveram grande repercussão.

    Palavras-chave – Direito Penal. Crimes em espécie. Lei das contravenções penais.

    Sumário – Introdução. 1. O aumento dos casos de violação à dignidade sexual no âmbito dos transportes públicos e a necessidade de combate a essa conduta. 2. A diferença entre os crimes de estupro, estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude e seus âmbitos de aplicação nos transportes públicos. 3. A contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor e seu âmbito de aplicação nos transportes públicos. Conclusão. Referências.

    INTRODUÇÃO

    O trabalho apresentado aborda a diferença entre os crimes de estupro (art. 213, CP),

    estupro de vulnerável (art.217-A, CP), violação sexual mediante fraude (art. 215, CP) e a

    contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61, Lei nº 3.688/41), no âmbito de

    aplicação aos casos que têm ocorrido nos transportes públicos brasileiros.

    O número de casos de formas de violação à dignidade sexual em transportes públicos

    não é recente, mas é cada vez mais frequente e a falta de um tipo penal incriminador específico

    faz com que se tente enquadrar as condutas praticadas nos já existentes, mas que acabam por

    não comportar tal tipificação. Muitas das vezes, a pena acaba não sendo compatível com o teor

    da conduta praticada pelo agente, bem como, outras vezes, acaba por ser muito exasperada.

    Objetiva-se, assim, demonstrar as diferenças entre os crimes de estupro, estupro de

    vulnerável, violação sexual mediante fraude e a contravenção penal de importunação ofensiva

  • 824 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO3 ao pudor no âmbito dos transportes públicos, abordando se tais tipificações são mesmo

    adequadas para os casos que vêm ocorrendo ou se há a necessidade de criação de um novo tipo

    penal incriminador mais especifico pelo legislador.

    O objetivo específico do primeiro capítulo é discursar sobre o aumento dos números

    de violações à dignidade sexual nos transportes públicos, apresentando os casos atualmente

    polêmicos divulgados pela imprensa e problematizados pelo direito, ressaltando a importância

    de tal discussão diante do intenso clamor social pela punição dos respectivos agentes.

    O objetivo específico do segundo capítulo é apresentar as principais diferenças entre

    os crimes de estupro, estupro de vulnerável e de violação sexual mediante fraude, demonstrando

    seus âmbitos de aplicação no que tange aos casos de violação à dignidade sexual no âmbito dos

    transportes públicos. Demonstrar com quais objetivos tais crimes foram criados pelo legislador

    e quando eles podem ser aplicados aos casos de violação à dignidade sexual nos transportes

    públicos.

    O objetivo específico do terceiro capítulo é narrar sobre a contravenção penal de

    importunação ofensiva ao pudor, corroborando o objetivo de sua criação pelo legislador e seu

    âmbito de aplicação no que tange aos atos de violação à dignidade sexual nos transportes

    públicos.

    O artigo científico será realizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental,

    constituída principalmente de livros e artigos científicos, o que permite uma gama de fenômenos

    muito mais ampla, visto que é um tema atual e polemico. 1. O AUMENTO DOS CASOS DE VIOLAÇÃO À DIGNIDADE SEXUAL NO ÂMBITO

    DOS TRANSPORTES PÚBLICOS E A NECESSIDADE DE COMBATE A ESSA

    CONDUTA

    Os casos de violação à dignidade sexual das mulheres não são recentes, mas vêm

    ganhando números alarmantes, de modo que tal assunto passou a ter mais relevância na

    sociedade nos últimos tempos.

  • 825Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 4

    Segundo dados estatísticos, uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos, sendo

    somente de 30% a 35% os casos registrados. Ao todo, no Brasil, em 2014, 47,6 mil mulheres

    foram estupradas, contabilizando no estado do Rio de janeiro 5,7 mil casos. 1

    Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão vinculado à Secretaria de

    Segurança do Estado, revelam 507 queixas de estupro na cidade do Rio no ano de 2016. O

    número é 24% inferior ao de igual período (Janeiro a Maio) de 2015, quando houve 670

    registros. 2

    Apesar de grande parte dos casos ocorrerem em ambientes privados, a violência à

    dignidade sexual da mulher também é uma realidade no âmbito dos transportes públicos. Em

    pesquisa realizada pelo Data-Folha, quase metade das mulheres paulistanas (49%) declararam

    já ter sofrido assedio sexual em trens, ônibus e metrôs. Tal ato ocorre não só em decorrência da

    cultura machista enraizada em nossa sociedade, mas também pela facilidade gerada pela

    superlotação dos transportes públicos brasileiros.3

    Cabe ressaltar que tais casos de assédio não são exclusivos do Brasil. A titulo de

    exemplo, a Tailândia, desde o dia primeiro de Agosto de 2014 possui vagões exclusivos para

    mulheres nos trens. Tal decisão foi tomada decorrente da indignação do público após a morte de

    uma menina de 13 anos, que foi estuprada e assassinada dentro de um comboio por um

    empregado da empresa. 4 No Japão, Filipinas, Índia e Rússia, desde 2001, existem vagões

    exclusivos para mulheres nos horários de pico, visando evitar o assédio sexual. 5

    No Rio de Janeiro, a Lei nº 7.250/2016 fez alterações na Lei nº 4.733/2006 que dispõe

    sobre a destinação de espaços exclusivos para mulheres nos sistemas ferroviário e metroviário

    do estado. Tal lei foi regulamentada pelo Decreto nº 46.072/2017 de 30 de Agosto de 2017. Ela

    já estava em vigor desde Abril de 2016, mas precisava do decreto para ser efetivada.

    De acordo com o decreto supracitado, os vagões exclusivos poderão ser utilizados por

    mulheres ou por pessoas que se identificam com o gênero feminino, como os transexuais. De

    modo excepcional, os vagões também poderão ser frequentados por homens nos seguintes

    1 NUNES, Fernanda. Uma mulher é violentada a cada 11 minutos no país. Disponível em: . Acesso em: 17 out.2017. 2 Ibidem. 3 PINHO, Lúcia. Assédio no transporte público e a necessidade de vagões exclusivos. Disponível em: . Acesso em: 17 out.2017. 4 RPP NOTÍCIAS. Tailandia: Estrenan vagones de tren solo para mujeres. Disponível em: . Acesso em: 17 out.2017. 5 EL MUNDO. Proponen en China vagones sólo para mujeres para evitar el acoso sexual. Disponível em: . Acesso em: 17 out.2017.

  • 826 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO5 casos: crianças de até 12 anos de idade, desde que acompanhadas por mulheres; homens que

    forem acompanhantes de mulheres portadoras de deficiência; agentes de segurança e policiais,

    desde que uniformizados e; profissionais de saúde para prestação de atendimentos de

    emergência.

    A Policia Militar deverá fazer a fiscalização dos vagões femininos nas estações e nas

    composições das concessionárias, de modo que os infratores serão notificados de uma primeira

    vez, ficando sujeitos a multa a partir da segunda infração, variando o valor de R$184,70 até

    R$1.152,77, de acordo com a reincidência. A fiscalização será feita em dias úteis, nos intervalos

    de 6h às 9h e de 17h às 20h.

    Do total dos valores arrecadados com as multas 70% serão destinados ao Fundo

    Especial da Polícia Militar do Rio e 30% ao Fundo Especial da Policia Civil, para serem

    direcionados às Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher.

    Cabe salientar que a regulamentação também obriga as concessionárias (SuperVia e

    MetrôRio) a treinarem seus funcionários para orientarem corretamente os passageiros e a

    veicularem campanhas publicitarias educativas, intensificando os avisos sonoros e vídeos

    educativos nos trens e estações. As concessionárias terão o prazo de 06 meses para se adaptarem

    às novas orientações e, caso não cumpram, também serão multadas, sendo os valores

    arrecadados destinados ao Fundo das Policias Civil e Militar.

    Assim, é incontroverso que tais avanços são extremamente significativos na luta contra

    os casos de assédio sexual em face das mulheres no âmbito dos transportes públicos. Ocorre que

    tais avanços ainda não são suficientes para diminuir quantitativamente a ocorrência frequente

    de crimes desse gênero.

    A proteção em três do Metrô ou da Supervia é significativa, mas deixa de lado os

    demais transportes públicos em que tais casos também são recorrentes, como no caso dos ônibus,

    serviços de taxi, uber e derivados.

    Dessa forma, apesar do avanço expressivo, ainda há muito o que se fazer para que tais

    casos sejam erradicados de forma definitiva.

  • 827Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 6 2. A DIFERENÇA ENTRE OS CRIMES DE ESTUPRO, ESTUPRO DE VULNERÁVEL E

    VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E SEUS ÂMBITOS DE APLICAÇÃO NOS

    TRANSPORTES PÚBLICOS

    O crime de estupro está previsto no art.213, do Código Penal6, incluído no Título VI –

    dos crimes contra a dignidade sexual, capítulo I – dos crimes contra a liberdade sexual.

    Considera-se violência sexual toda forma de atividade sexual não consentida, conforme

    definição dada pelo art. 2º, da Lei nº 12.845/13.

    A Lei nº 12.015/09 deu nova redação ao Título VI do Código Penal, que deixou de se

    chamar “Crimes contra os costumes” para se chamar “Crimes contra a dignidade sexual”. A

    dignidade sexual nada mais é do que uma das espécies do gênero dignidade da pessoa humana

    (art. 1º, III, da CRFB/88).

    Por meio desse diploma legal, foram fundidas as figuras do estupro e do atentado

    violento ao pudor em um único tipo legal (art. 213, CP), foi criado o delito de estupro de

    vulnerável (art. 217-A, CP) e inseriu o Capítulo VII com causas de aumento de pena.

    O crime de estupro é considerado delito pluriofensivo, pois protege mais de um bem

    jurídico: Liberdade sexual: ideia de que todos podem escolher como, quando ou com quem

    mantêm relações sexuais (autodeterminação); Vida: no caso de estupro qualificado pela morte;

    Integridade física: no estupro em que se emprega violência e; Liberdade individual: no estupro

    em que se emprega grave ameaça.

    É delito comum no que diz respeito ao sujeito ativo, ou seja, pode ser praticado por

    qualquer pessoa. Antigamente, não era delito comum, na medida em que conjunção carnal

    pressupunha a cópula carnal, de forma que o delito só podia ser praticado por homem. Hoje, não

    se exige nenhuma característica especial, podendo ser praticado por homem ou mulher. É

    também delito comum no que tange ao sujeito passivo, que pode ser qualquer pessoa.

    O núcleo do tipo penal é “constranger alguém”, utilizado no sentido de forçar, obrigar,

    subjugar a vitima ao ato sexual, de modo que aqui se faz necessário o dissenso da vitima. Trata-

    se, portanto, de modalidade especial de constrangimento ilegal, visto que se pratica com o

    objetivo de sucesso no congresso carnal ou na pratica de outros atos libidinosos.

    São formas de execução do crime a violência e a grave ameaça. A violência diz

    respeito a utilização de força física, no sentido de subjugar a vitima, para que com ela possa

    6 BRASIL. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/Del2848compilado.htm> . Acesso em: 23 abr.2018.

  • 828 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO7 praticar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A violência pode ser direta – se incidir sobre

    a própria vítima – ou indireta – se incidir sobre terceiros ou coisas que guardem relação de afeto

    com a vítima.

    O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a violência real é

    caracterizada também sempre que for empregada força física contra a vitima, cerceando-lhe a

    liberdade de agir, segundo a sua vontade. Demonstrado o uso de força física para se contrapor à

    resistência da vitima, resta configurado o emprego de violência real.7

    A grave ameaça, por sua vez, é a promessa de um mal futuro que pode ser direta,

    indireta, implícita ou explicita. Deverá ser séria, causando na vitima um fundado temor do seu

    cumprimento.

    Quanto à expressão “conjunção carnal” foi adotado o sistema restrito, de modo que se

    entende somente a cópula pênis-vagina, pouco importando se a introdução foi total ou parcial.

    Desse modo, se exclui a compreensão da cópula anal (sistema amplo) ou dos atos de felação

    (sistema amplíssimo). Assim, fica evidente que a conjunção carnal sempre pressupõe uma

    relação heterossexual.

    Na expressão “outro ato libidinoso” se incluem todos os atos de natureza sexual, que

    não a conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente, podendo ser

    invasivos ou não. Salienta-se que não é necessário que haja contato físico propriamente dito para

    que seja considerado ato libidinoso.

    No Rio de Janeiro, em 28 de Fevereiro de 2018, um homem foi preso após assediar

    uma mulher dentro de um ônibus da linha 348 (Candelária x RioCentro), em Bonsucesso. O

    caso ocorreu quando o veículo trafegava na Avenida Brasil. Segundo testemunhas, ele estava

    se masturbando, enquanto pegava na coxa da passageira. O homem foi levado para a 21ª DP

    (Bonsucesso), onde foi autuado por estupro.8

    Cabe destacar que, da breve analise de casos semelhantes, nota-se que o agressor na

    maioria das vezes não faz uso de violência ou grave ameaça, se aproveitando da “aglomeração”

    para atacar a vitima, de modo que, nesses casos, ausentes as condutas de violência ou grave

    ameaça, inerentes ao tipo penal de estupro, tal crime não pode ser imputado.

    7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 8.848/PE. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14748415/habeas-corpus-hc-81848-pe/inteiro-teor-103133846>. Acesso em: 23 abr.2018. 8 G1. Homem é preso por se masturbar e segurar coxa de passageira de ônibus na Zona Norte do Rio. Disponível em: < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/homem-e-preso-por-assedio-dentro-de-onibus-na-zona-norte- do-rio.ghtml>. Acesso em: 23 abr.2018.

  • 829Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 8

    O crime de estupro de vulnerável está tipificado no art.217-A, do Código Penal9, tendo

    sido introduzido no nosso ordenamento jurídico por meio da Lei nº12.015 de 07 de Agosto de

    2009, de modo a finalizar com a divergência que ocorria à época nos Tribunais Superiores no

    que tange a presunção de violência que constava no revogado art.224, a, do Código Penal.

    Tal artigo supracitado visa proteger o direito de liberdade que o individuo possui de

    dispor sobre o próprio corpo no que diz respeito aos atos sexuais, bem como proteger a dignidade

    sexual, visto que para a ocorrência de tal tipificação o sujeito deve ser presumidamente incapaz

    de consentir para o ato.

    O dolo é elemento subjetivo necessário ao reconhecimento do crime de estupro de

    vulnerável, devendo o agente ter conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos, ou que

    esteja acometida de enfermidade ou deficiência mental, fazendo com que não tenha o

    discernimento necessário para a pratica do ato, ou que, por outra causa, não possa oferecer

    resistência.

    Se, na hipótese concreta, o agente desconhecia tais características supracitadas, poderá

    ser alegado erro de tipo, afastando-se o dolo e, consequentemente a tipicidade do fato, visto que

    não é admissível também a modalidade culposa, diante da ausência de previsão legal expressa

    nesse sentido.

    Além das situações envolvendo menores de 14 anos, bem como pessoa que possua

    enfermidade ou doença mental, conforme observado anteriormente, o referido tipo penal se

    aplica a quem, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.

    Nesse sentido, o art.70, da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal,

    mesmo dizendo respeito às hipóteses da revogada presunção de violência, elenca situações em

    que se pode verificar impossibilidades de resistência da vitima, quais sejam: causas mórbidas

    (enfermidades, grande debilidade orgânica, paralisia etc.) ou de especiais condições físicas

    (como quando o sujeito passivo é um indefeso aleijado, ou se encontra acidentalmente tolhido

    de movimentos).

    No mesmo sentido, Rogério Greco10 cita ainda outras possibilidades, como os casos

    de embriaguez letárgica, o sono profundo, a hipnose, a idade avançada, a impossibilidade

    (temporária ou definitiva) de resistir, como nos casos dos tetraplégicos.

    9 BRASIL, op. Cit., nota 06. 10 GRECO, Rogério. Código penal comentado. Niterói/RJ: Impetus, 2014, p.745.

  • 830 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO9

    dentro-de-onibus-em-sorocaba.ghtml>. Acesso em: 23 abr.2018.

    O crime de violação sexual mediante fraude, por sua vez, está tipificado no art.215, do

    Código Penal11, incluído no Título VI – dos crimes contra a dignidade sexual, capítulo I – dos

    crimes contra a liberdade sexual.

    A Lei nº 12.015/09 uniu os crimes anteriores de posse sexual mediante fraude e

    atentado ao pudor mediante fraude, com inclusão de novos elementos, criando o crime de

    violação sexual mediante fraude tipificado no referido art.215, do Código Penal. Os elementos

    do tipo penal são: ter conjunção carnal, ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante

    fraude, ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vitima.

    Quando tal dispositivo versa sobre “outro meio que impeça ou dificulte a livre

    manifestação de vontade da vítima”, trata-se de uma interpretação analógica, ou seja, esse “outro

    meio” deverá ter uma conotação fraudulenta, segundo parte da doutrina. Há quem entenda, por

    sua vez, que basta que o agente se valha de qualquer meio que dificulte a manifestação de

    vontade da vítima, tolhendo-lhe a possibilidade de defesa que já caracterizaria outro meio

    fraudulento, inerente ao tipo.

    Salienta-se que por meio da fraude o agente induz ou mantém a vitima em erro, fazendo

    com que tenha um conhecimento equivocado da realidade.

    O verbo impedir diz respeito à impossibilidade de livre manifestação de vontade da

    vítima por estar viciada em virtude da fraude ou qualquer outro meio utilizado pelo agente, a

    fim de conseguir praticar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, enquanto que o verbo

    dificultar remete a mesma ideia, porém, aqui, a ideia da vítima, apesar de viciada, não está

    completamente anulada pela fraude ou qualquer outro meio utilizado pelo agente.

    No dia 26 de Setembro de 2017, um homem foi preso em flagrante após ejacular nas

    costas de uma mulher de 44 anos dentro de um ônibus do transporte coletivo em Sorocaba (SP).

    Ela notou que o homem "se esfregou" nela enquanto estava sentada no transporte, no entanto,

    devido ao ônibus estar lotado, ela só percebeu o ato depois que olhou para trás e viu o suspeito

    fechando a calça. Em seguida, ela viu o sêmen do homem em sua blusa. O sujeito foi preso em

    flagrante, sendo-lhe imputado o crime de violação sexual mediante fraude.12

    Em outro caso recente, um homem foi preso após ejacular na perna de uma mulher de

    23 anos dentro de uma composição do metrô, na manhã do dia 09 de Maio de 2018. A

    concessionária MetrôRio informou que a vítima viajava na Linha 2, sentido Botafogo, quando

    11 BRASIL, op. Cit., nota 06. 12 G1. Homem é preso em flagrante após ejacular em mulher dentro de ônibus em Sorocaba. Disponível em: < https://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/homem-e-detido-suspeito-de-ejacular-em-mulher-

  • 831Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 10

    lei/Del3688.htm>. Acesso em: 24 abr.2018.

    foi abordada dentro do trem. Ela foi conduzida à Delegacia Especializada no Atendimento à

    Mulher (Deam). Funcionários do MetrôRio a acompanharam para testemunhar o caso às

    autoridades policiais. 13

    A delegada que atuou no caso, Débora Ferreira Rodrigues, informou que o homem de

    35 anos é reincidente, já tendo sido preso anteriormente por caso idêntico em que teve a mesma

    conduta dentro de uma composição do metrô na estação de Vicente de Carvalho. Naquela

    ocasião, esse mesmo homem foi preso depois que encostou em uma mulher dentro do metrô,

    colocou o órgão genital para fora da calça e ejaculou em uma mulher. Ele foi autuado pelo crime

    de violação sexual mediante fraude.

    Analisando-se a redação do tipo penal de violação sexual mediante fraude ou por outro

    meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima, levando-se em

    consideração a superlotação dos transportes públicos, principalmente em horários de pico, não

    fica difícil observar que a vítima possa, em razão do aglomerado de pessoas, ficar impedida de

    manifestar sua vontade.

    Isso porque, embora não fazendo uso de violência ou grave ameaça nesses casos, o

    agente faz uso do espaço reduzido e do grande número de pessoas para praticar o delito, visto

    que, de antemão a vítima não tem como esboçar qualquer reação.

    Diante do exposto, demonstra-se evidente a dificuldade de se adequar a realidade dos

    fatos que vêm ocorrendo, no que tange à violação da dignidade sexual de mulheres no âmbito

    dos transportes públicos, em um tipo penal específico, de modo que, analisando caso a caso, tais

    condutas têm sido enquadradas em tipos penais diversos, o que por muitas das vezes gera revolta

    populacional decorrente da insegurança jurídica. 3. A CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR E SEU

    ÂMBITO DE APLICAÇÃO NOS TRANSPORTES PÚBLICOS

    A contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor esta prevista no art.61, da lei

    das contravenções penais - Decreto-lei nº 3.688 de 3 de Outubro de 194114, inserida no

    capítulo VII que dispõe sobre as contravenções relativas à policia de costumes. Tal

    13 COSTA, Célia. Homem é preso após ejacular na perna de uma mulher dentro do metrô no Centro do Rio. Disponível em: . Acesso em: 17 mai.2018. 14 BRASIL. Lei das contravenções penais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

  • 832 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO11

    contravenção atinge a dignidade sexual do ser humano, ou seja, atenta contra à autoestima do

    individuo em sua íntima e privada vida sexual.

    Contravenção penal é considerada pelo ordenamento jurídico penal como infração de

    menor potencial ofensivo, sendo cabível como penalidade a imposição de prisão civil e/ou de

    multa. No caso da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor é cabível somente a

    penalidade de multa constante no valor de duzentos mil réis a dois contos de réis. As penas de

    reclusão e detenção são reservadas unicamente aos crimes, ao passo que a prisão simples é

    destinada às contravenções.

    O pudor pode ser definido como sentimento de vergonha, timidez, mal-estar causado

    por qualquer coisa capaz de ferir a decência, a modéstia, a inocência. Trata-se da vergonha,

    constrangimento, de base cultural, para falar a respeito ou praticar determinados atos ligados à

    área da sexualidade, das funções fisiológicas, dos sentimentos íntimos, da afetividade etc.

    O verbo importunar, por sua vez, pode ser entendido como um desconforto, algo que

    cause um incômodo no individuo. Como versa sobre uma infração penal ligada a dignidade

    sexual, tal desconforto e incômodo estão atrelados a isso.

    Um dos principais casos que trouxe a questão da contravenção penal de importunação

    ofensiva ao pudor no âmbito dos transportes públicos foi o caso do passageiro que se masturbou

    e ejaculou em duas mulheres que viajavam ao seu lado durante um voo que fazia a rota Belém—

    Brasília, na manhã do dia 08 de Dezembro de 201715.

    O advogado das vítimas contou ao Correio Braziliense que, cerca de meia hora depois

    da decolagem, às 5hrs, uma das vítimas, que estava na poltrona do meio, acordou ao sentir que

    o homem havia pegado sua mão e colocado sobre o órgão sexual dele. Ela percebeu também

    que estava molhada na barriga e pernas com o esperma do agressor. A passageira que viajava

    na janela também acordou e estava com a perna suja.

    No boletim de ocorrência, o caso foi registrado como contravenção de importunação

    ofensiva ao pudor. Ocorre que o advogado do caso entendeu à época que deveria ser enquadrado

    como crime, justificando que por tais atos, casos assim não são levados a sério e não recebem

    a devida importância.

    Cita a referida reportagem que para a advogada e doutora em direito pela Universidade

    de Brasília (UNB) Soraia Mendes, o caso deveria ser considerado como estupro de vulnerável,

    porque ocorreu sem consentimento e as vítimas estavam dormindo.

    15 VINHAL, Gabriela. Homem se masturba e ejacula em passageiras durante voo para Brasília. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2017/12/08/interna_cidadesdf,646506/homem-se- masturba-e-goza-em-passageiras-durante-voo-para-brasilia.shtml>. Acesso em: 24 abr.2018.

  • 833Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 12

    Cabe ressaltar que, diante da ausência das condutas de violência e grave ameaça

    inerentes ao tipo penal de estupro, a conduta dos agentes, em grande parte dos casos analisados,

    se enquadra na contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.

    Em levantamento feito pelo jornal Globo16, em sentenças de segunda instância do

    estado de São Paulo que analisam esses tipos de crimes, quase metade dos magistrados entendem

    que o acusado cometeu crime de estupro com violência. Por outro lado, uma turma de juízes

    considera que a pessoa constrangeu a vítima e, por isso, nesses casos, estaria enquadrado na lei

    de contravenções penais.

    Foram analisadas 13 decisões de segunda instância sobre casos semelhantes, em que

    em seis dos processos analisados se entendeu tratar de contravenção penal de importunação

    ofensiva ao pudor e em outros sete processos se entendeu tratar de crime de estupro.

    Em um caso de 2008, o TJSP aumentou a pena de um homem que havia sido preso em

    flagrante no vagão do metrô com as vestes sujas de sêmen. A vítima do assédio, uma mulher,

    relatou que ele havia se posicionado atrás dela no local e se masturbado enquanto a apalpava. A

    situação foi confirmada por testemunhas. Ao avaliar o caso, o magistrado aumentou a pena para

    seis anos de prisão, enquadrando o crime como estupro.

    Já em outra situação de assédio no metrô, um homem colocou as mãos por baixo das

    vestes da vítima. A mulher conseguiu fugir e foi auxiliada por um dos seguranças do metrô, que

    deteve o acusado. Ele foi condenado a oito anos e dois meses de prisão por estupro. No entanto,

    em segunda instância, foi decidido que ele teria a pena reduzida. Teve a acusação de estupro

    trocada por importunação ofensiva ao pudor, e a sanção foi reduzida ao pagamento de multa.

    Em um outro caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça17, um sujeito beijou uma

    adolescente se valendo, para tanto, de violência. O Tribunal de Justiça de origem absolveu o

    acusado do crime de estupro utilizando o argumento de que o beijo teria tido “a duração de um

    relâmpago”, sem aptidão para saciar a lascívia de qualquer pessoa, o que afastaria seu caráter

    libidinoso.

    A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, entendeu que a conduta em

    questão se desenvolveu em um contexto de indiscutível violência sexual contra a vítima,

    dizendo o Ministro Relator que se deve ter em mente que estupro é um ato de violência e não

    16 ARREGUY, Juliana; DANTAS, Tiago. Punição a assédio sexual em transporte divide juízes em SP. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/brasil/punicao-assedio-sexual-em-transporte-divide-juizes-em-sp-21777237>. Acesso em: 24 abr.2018. 17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº 1.611.910-MT. Relator: Ministro Rogério Schietti Cruz. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/diarios/129279062/stj-27-10-2016-pg-2587>. Acesso em: 24 abr.2018.

  • 834 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO13

    de sexo, de modo que se busca a satisfação da lascívia por meio de conjunção carnal ou atos

    diversos, mas sempre com o intuito de subjugar, submeter a vítima à força do agente.

    Diante do exposto, conclui-se no julgado que o “beijo roubado”, que envolve violência

    ou grave ameaça, caracteriza, sim, o crime de estupro, contudo, em se tratando de “beijo

    furtado”, vale dizer, sem violência ou grave ameaça a vítima, restaria contravenção penal de

    importunação ofensiva ao pudor.

    Como se percebe, é tênue a linha que separa o estupro da importunação ofensiva ao

    pudor, devendo-se, portanto, analisar o ato libidinoso praticado de acordo com o caso concreto,

    de modo a aplicar as sanções do tipo mais adequado casuisticamente.

    É importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça recentemente, em sede de

    Recurso Especial, condenou a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos a indenizar em 20

    mil reais uma passageira que sofreu assédio sexual em um vagão. A jovem sofreu assédio

    enquanto usava o transporte no horário das 18hrs. No interior do vagão, um homem se postou

    atrás, esfregando-se na região das nádegas da mulher, tocando-a várias vezes; ao se queixar com

    o agressor, viu que ele estava com o órgão genital ereto. A vítima narra que foi hostilizada pelos

    demais passageiros, que lhe chamaram de "sapatão” e que o mesmo homem importunou

    sexualmente outra passageira, de modo que lavraram boletim de ocorrência junto à Delegacia

    do Metropolitano. 18

    A Ministra Nancy Andrighi em seu voto ressaltou que é da natureza do contrato de

    transportes a chamada cláusula de incolumidade, pela qual se impõe ao transportador, mesmo

    que implicitamente, o dever de zelar pela incolumidade do passageiro, levando-o, a salvo e em

    segurança, até o local de destino.

    Afirmou que, apesar de ter sido causado por terceiro, o dano se enquadra dentro dos

    lindes dos riscos inerentes ao transporte e que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

    é firme no sentido de não afastar a responsabilidade do transportador, garantido direito de

    regresso na esfera do Direito Civil.

    Fundamentou que ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade física

    e psíquica daquele que é passageiro de um serviço de transporte de pessoas, o que embasou a

    condenação da referida Companhia ao pagamento de danos morais à vítima.

    18 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº 1.662.551. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/empresa-transporte-responde-assedio.pdf>. Acesso em: 17 mai.2018.

  • 835Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 14

    CONCLUSÃO

    Esta pesquisa constatou a dificuldade de se enquadrar as diversas formas de conduta de

    violação à dignidade sexual praticada no âmbito dos transportes públicos à algum tipo penal já

    existente. Depreende-se que a conduta deve ser analisada de forma individualizada, de modo que,

    dependendo do caso, algum tipo penal existente será mais adequado ou, até mesmo, nenhum

    tipo penal, havendo a não aplicação da pena.

    Diante dos casos midiáticos apresentados, tem-se que o mais comum atualmente é o do

    sujeito que ejacula sobre terceiro que se encontra dormindo e, consequentemente, é incapaz de

    anuir ou dissentir quanto ao ato de cunho sexual praticado. Nesses casos as formas de

    enquadramento aplicadas tem sido o estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante

    fraude ou a importunação ofensiva ao pudor.

    Conforme apresentado no decorrer do presente artigo, tem-se que o delito de estupro

    não seria aplicável à maioria dos casos, pois não há violência ou grave ameaça para dar substrato

    à tipicidade, elementos necessários para a configuração do referido tipo penal. Diante disso,

    resta reconhecer na conduta do sujeito que ejacula sobre terceiros a pratica de um ato libidinoso,

    pois visa satisfazer a lascívia do agente (requisito subjetivo) e possui sentido sexual (requisito

    objetivo).

    Desse modo, verifica-se que tal pratica estaria incursa nas penas do art.217-A, §1º do

    Código Penal (estupro de vulnerável), pois a ejaculação feita sobre terceiro adormecido

    implicaria em uma impossibilidade de oferecer resistência. Ressalta-se que, conforme citado

    anteriormente, Rogério Greco destaca que uma das formas de impossibilidade de oferecer

    resistência é o sono profundo.

    De outro modo, salienta-se que há quem defenda que estando a vítima acordada, ou

    seja, com possibilidade de oferecer resistência, poder-se-ia falar em contravenção penal de

    importunação ofensiva ao pudor, inexistente a violência ou a grave ameaça.

    Visando combater as divergências e a dificuldade dos aplicadores do direito quando da

    aplicação do tipo penal adequado a tais casos semelhantes, foi proposto o projeto de Lei nº

    312, de 2017 de autoria da Senadora Marta Suplicy do PMDB/SP que visa a alteração do Código

    Penal para prever o crime de molestamento sexual, designando pena de reclusão, de 03 a 06

    anos, a quem constranger ou molestar alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prática

    de ato libidinoso diverso do estupro.

    Ocorre que o novo possível tipo penal prevê, mais uma vez, a necessidade de violência

    ou grave ameaça para a caracterização do crime, de modo que os demais casos de ejaculação

  • 836 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO15

    em pessoas que se encontram dormindo, quando em sua grande maioria nem há contato físico

    entre o agente e a vítima, por exemplo, não estariam abarcados. Assim, não poderia o sujeito

    que pratica tais atos ficar incurso em tal nova tipificação penal.

    Diante do exposto, fica evidente a intensa divergência de opiniões quanto ao tipo penal

    vigente adequado à aplicação dos atos de violação à dignidade sexual no âmbito dos transportes

    públicos, mas tais discussões vêm gerando pressão para a criação de um tipo penal especifico

    pelo Legislativo, principalmente diante da dificuldade do Judiciário no momento de aplicação

    da lei penal, o que gera, por muitas vezes, uma diferença grande de pena aplicada a sujeitos que

    cometeram delitos muito semelhantes. Ainda mais que em outras situações a vítima não se

    encontra dormindo, mas sofre assédio sexual em razão da superlotação dos transportes públicos

    brasileiros.

    Com a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que condenou a Companhia

    Paulista de Trens Metropolitanos a pagar danos morais à passageira que sofreu assédio sexual

    em um de seus vagões, mencionada anteriormente, abre precedente para que demais vítimas

    possam recorrer, ao menos à esfera cível, para tentar ter os danos do abalo em sua incolumidade

    físico-psíquica minimamente reparados.

    Ressalta-se que todas as formas de violência sexual devem ser combatidas pelo Estado,

    devendo o Poder Legislativo acompanhar a evolução social e adequar as nossas leis a este

    cenário constantemente evolutivo e inovador.

    De qualquer modo, enquanto não há tal previsão especifica, deverá ser feita a análise

    casuística, de forma a proporcionar a tipificação mais adequada ao caso concreto e evitar que tal

    comportamento continue se perpetuando na sociedade da forma crescente como tem ocorrido. REFERÊNCIAS

    ARAÚJO, Fausto Henrique de Moraes. A proteção penal da dignidade sexual em meios de transporte público. Disponível em: . Acesso em: 18 out.17.

    ARREGUY, Juliana e DANTAS, Tiago. Punição a assédio sexual em transporte divide juízes em SP. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/brasil/punicao-assedio-sexual-em- transporte-divide-juizes-em-sp-21777237>. Acesso em: 24 abr.2018.

    BARBOSA, Ruchester Marreiros. Ejacular em público só é importunação na cultura do estupro. Disponível em:

  • 837Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 16

    publico-importunacao-cultura-estupro?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook>. Acesso em: 18 set.17.

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  • 838 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

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  • 839Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 2

    JUSTIÇA RESTAURATIVA: ANÁLISE DO INSTITUTO NO ÂMBITO INFRACIONAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR

    Keilah Medelene Silva de Oliveira

    Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogada.

    Resumo – O presente artigo científico abordou a Justiça Restaurativa como forma alternativa e complementar à Justiça Tradicional para solução de conflitos, envolvendo adolescentes autores de atos infracionais. Foi realizado um estudo sobre esse método alternativo, sua compatibilidade com o sistema jurídico nacional e aplicabilidade, com ênfase na figura do jovem infrator, considerando sua realidade e possibilidade de reintegração social. Palavras-chave – Direito. Adolescente infrator. Justiça Restaurativa. Aplicabilidade. Ressocialização. Sumário – Introdução. 1. Aplicação da Justiça Restaurativa como método eficaz de resolução de conflitos à luz da realidade brasileira. 2. Compreensão da realidade para resgatar e transformar, não apenas castigar. 3. Aplicação restaurativa como alternativa eficaz de reinserção à sociedade do adolescente em conflito com a lei. Conclusão. Referências.

    INTRODUÇÃO

    A presente pesquisa científica tem como proposta analisar a contribuição da Justiça

    Restaurativa para o tratamento dos adolescentes infratores amparados pela Lei 8.069, de 13 de

    julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) e sua ressocialização, como

    medida apta a previnir futuras condutas ilícitas.

    O elevado número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em razão da

    prática de atos infracionais e o cenário crescente de jovens em contato com a criminalidade

    despertam a reflexão sobre a aplicação de métodos alternativos de resolução de conflitos,

    capazes de entender e solucionar os motivos que propulsionam essa realidade degradante.

    As medidas socioeducativas tipificadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

    demonstram graves falhas, carecendo o ordenamento jurídico brasileiro cada vez mais de um

    mecanismo alternativo ou complementar para lidar com os conflitos nessa seara. Em algumas

    situações, o Estado não está preparado para atender a demanda de oferecimento de condições

    para o cumprimento de medidas socioeducativas, por isso aplicam-se medidas que não se

    coadunam com os parâmetros exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Como não

  • 840 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO 3

    há estrutura e meios adequados para o seu cumprimento, o resultado é a ineficácia das

    mesmas, tanto no atendimento quanto na recuperação.

    Inicia-se o primeiro capítulo do trabalho abordando o sistema restaurativo,

    apontando-o como competente instrumento para a concretização de uma nova forma de

    justiça, eficaz na resolução dos conflitos, fomentando a inclusão social e o princípio

    constitucional da dignidade da pessoa humana.

    Segue-se, no segundo capítulo, uma análise sobre a realidade fática dos adolescentes

    infratores, as condições nas quais vivem, problemas enfrentamos, bem como a realidade

    jurídica, observando os obstáculos enfrentados pelas medidas socioeducativas durante sua

    execução, que acabam por tornar ineficaz sua função ressocializadora.

    O terceiro capítulo trata sobre a Justiça Restaurativa, como forma de resolução dos

    conflitos praticados por adolescentes, com potencial para contribuir para o retorno do jovem

    infrator à vida social, colocando em prática o que se entende por proteção integral e

    garantindo o tratamento especial ao adolescente.

    Por fim, a pesquisa é desenvolvida pelo método hipotético-dedutivo, uma vez que o

    pesquisador pretende eleger um conjunto de proposições hipotéticas, as quais acredita serem

    viáveis e adequadas para analisar o objeto da pesquisa, com o fito de comprová-la ou rejeitá-

    la argumentativamente. Para tanto, o pesquisador pretende se valer da bibliografia pertinente à

    temática em foco – analisada e fichada na sua fase exploratória da pesquisa (legislação,

    doutrina e jurisprudência) – para sustentar sua tese.

    1. APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MÉTODO EFICAZ DE

    RESOLUÇÃO DE CONFLITOS À LUZ DA REALIDADE BRASILEIRA

    Diferentemente do modelo retributivo, o modelo restaurativo observa o crime como

    um ato que afeta a vítima, o infrator e toda a comunidade, causando danos que devem ser

    restaurados numa dimensão social. Apresenta-se como uma proposta que destaca uma nova

    ética, pautada pela inclusão, pela co-responsabilidade e pela participação democrática,

    envolvendo de forma significativa os afetados diretamente pelo conflito, como o ofensor, a

    vítima e a sociedade, sempre na busca por soluções que tendem a reparar o dano a promover a

    harmonia.

  • 841Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 4

    Sua trajetória histórica no Poder Judiciário brasileiro iniciou-se há mais de uma

    década, utilizado nos conflitos envolvendo adultos que praticaram infrações penais de menor

    potencial ofensivo em Brasília e adolescentes que incorreram na prática de ato infracional, no

    Rio Grande do Sul e São Paulo1. Ressalta-se que, muito embora a legislação não regulasse

    expressamente a possibilidade de adoção da abordagem restaurativa nesses casos, os

    princípios e dispositivos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei 9.099/95

    permitiram que os projetos fossem desenvolvidos.

    Em 2012, foi promulgada a Lei nº 12.5942 , instituindo o Sistema Nacional de

    Atendimento Socioeducativo (SINASE), focado em regulamentar a execução das medidas

    socioeducativas destinadas aos adolescentes que pratiquem atos infracionais. Mais

    especificamente, em seu artigo 35, inciso III3, coloca-se a Justiça Restaurativa e as práticas

    comumente a ela vinculadas como meio prioritário de resolução de conflitos:

    Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.

    Dentre suas características, manifestam-se a voluntariedade na participação,

    multidisciplinaridade na intervenção, empoderamento dos envolvidos, horizontalidade das

    relações, valorização das soluções dialogadas, ressignificação do papel do ofendido e da

    comunidade no processo, a busca pela reintegração sem estigmas do ofensor na sociedade,

    bem como confidencialidade do procedimento – para que os envolvidos possam demonstrar

    sinceridade, em vez de esconder suas intenções e opiniões.

    1 LARA, Caio Augusto Souza. Justiça restaurativa como via de acesso à Justiça. Disponível em: Acesso em: 18 mar.2018. 2 BRASIL. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Dispõe sobre sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Disponível em: Acesso em: 09 mar. 2018. 3 Ibidem.

  • 842 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO 5

    Quem bem definiu o conceito de Justiça Restaurativa foi Sérgio Garcia Ramírez,

    entendida por ele como uma variedade de práticas que buscam responder o crime de uma

    maneira mais construtiva que as respostas dadas pelo sistema punitivo-tradicional, seja o

    retributivo, seja o terapêutico. Correndo o risco de simplificação excessiva, poderia-se dizer

    que a filosofia deste modelo, por ele apresentada, resume-se em responsabilidade, restauração

    e reintegração. Responsabilidade do autor, no sentido de que cada um deve responder pelas

    condutas que assume livremente; restauração da vítima, que deve ser reparada, e deste modo

    sair de sua posição de vítima; reintegração do infrator, restabelecendo-se os vínculos com a

    sociedade que ele também danificou com o ilícito4.

    Nesse modelo de resolução de conflitos, afasta-se a ideia de apenas determinar a

    culpa e a consequente pena ao transgressor, para também fazê-lo compreender o que ocorreu,

    a consequência causada pela infração ou ato infracional e avocar a responsabilidade de não

    reincidir. Deve-se fazer com que o infrator reflita sobre seu ato e as consequências da infração

    por ele cometida, pois, com a compreensão de todas as implicações de sua conduta, maior

    será a probabilidade de que não volte a praticá-la. Sem “culpados” ou “inocentes”, mas alguns

    responsáveis pelas situações que geram conflito ou violência, a ideia não é simplesmente

    punir alguém pelo que houve no passado, mas construir em conjunto algo melhor para o

    presente e futuro.

    Sob o aspecto da atual conjuntura do sistema penal, muito se questionou sobre sua

    efetiva aplicabilidade à luz da realidade brasileira, se, de fato, funcionaria e seria aplicado,

    considerando seus pontos relevantes, ou seria um sistema com aplicação ainda distante, sem

    qualquer efetividade.

    Tem-se verificado progressiva ampliação e o fortalecimento dos debates, estudos e

    capacitações relativas à aplicação da Justiça Restaurativa, de modo a torná-la mais eficiente,

    bem como a verificação das técnicas mais adequadas de acordo com o contexto que permeia

    cada local e circunstância de implementação.

    Além disso, é possível constatar notório envolvimento de estudiosos de diversas

    áreas do conhecimento, tais como Serviço Social, Educação, Psicologia, Sociologia, entre

    outras – para melhor compreender os problemas oriundos das condutas desviantes e buscar

    alternativas para as penas que hoje são impostas, visivelmente ineficazes, não trazendo

    nenhum benefício nem para a sociedade e vítima, muito menos para o infrator –, bem como

    operadores do sistema de justiça, como juízes, promotores, defensores e advogados nessa

    4 RAMÍREZ. Sérgio García. Em busqueda de la terceira via: la justicia restaurativa. Revista de Ciencias Penales. Inter Criminis. Cidade do México: Inacipe, n.13, p. 204, abr./jun. 2005.

  • 843Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 6

    questão, o que permite depreender que a aplicação efetiva do modelo restaurativo não está

    distante, mas, configura-se, sim, como modelo alternativo e complementar de resolução dos

    conflitos.

    À luz da realidade brasileira, a discussão sobre o método já perpassa por vários

    estados e instâncias, o que demonstra progressivo interesse por tal modelo como alternativo

    para a resolução de conflitos. O Brasil é um dos países mais violentos do mundo e dono de

    uma população carcerária que cresceu oito vezes nos últimos 26 anos. Juízes, promotores e

    advogados acreditam que esse modelo de entendimento entre vítima e acusado pode ajudar a

    sociedade a compreender que justiça dentro da lei não depende apenas do sistema judiciário.

    Nesse ponto, é importante frisar que a Justiça Restaurativa, aqui analisada, não tem

    como finalidade extinguir o modelo tradicional de Justiça Retributiva, mas funcionar como

    uma alternativa, com a participação do infrator e vítima, ativamente, visando à dignidade da

    pessoa humana, consagrada na Constituição Federal de 1988.

    É possível, no Brasil, eficácia do método restaurativo, desde que observados os

    princípios e garantias fundamentais às partes, sendo uma oportunidade de adoção a uma

    justiça democrática, participativa e capaz de operar uma transformação na realidade do país.

    É bem verdade que ainda há, no Brasil, desafios a serem encarados, de modo a tornar

    esse sistema restaurativo mais efetivo. É preciso pensar na criação de um sistema de

    integração real entre Estado e demais instituições sociais, além de uma profunda mudança

    cultural na sociedade, haja vista que, para acolher práticas restaurativas e as sessões de

    mediação, o Estado deve garantir às crianças e adolescentes pleno exercício de sua cidadania,

    por meio de políticas públicas de inter-relação entre família, comunidade, Estado e a

    sociedade civil.

    2. COMPREENSÃO DA REALIDADE PARA RESGATAR E TRANSFORMAR, NÃO

    APENAS CASTIGAR

    Como um dos pontos de transformação, é fundamental que se examine a conjuntura

    jurídica, fática e a responsabilização daqueles que se encontram em conflito com a lei, em

    especial os adolescentes, objeto de análise do presente artigo.

    É notória a realidade degradante em que vive o Brasil no que diz respeito aos índices

    de violência. A sociedade contemporânea vivencia certo pânico social diante dos crescentes

  • 844 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO 7

    índices de criminalidade e violência propagados pelos meios de comunicação. Diariamente,

    tem-se noticiado a ocorrência de homicídios, latrocínios, furtos e roubos, e infelizmente, o

    que se tem constatado é que essas práticas criminosas têm contato com grande participação de

    adolescentes autores de atos infracionais, considerados “iniciantes na vida criminosa”.

    De acordo com os dados levantados pelo Sistema Nacional de Atendimento

    Socioeducativo (SINASE), referentes ao ano de 2016, foram 27.799 atos infracionais para

    26.450 adolescentes em atendimento socioeducativo em todo o país. Destaca-se que o número

    de atos infracionais supera o número de adolescentes e jovens em restrição e privação de

    liberdade pela possibilidade de atribuição de mais de um ato infracional a um mesmo

    adolescente5.

    Constatou-se pelos dados apresentados que 47% (12.960) do total de atos

    infracionais, em 2016, foram classificados como análogo a roubo (acrescido de 1% de

    tentativa de roubo) e 22% (6.254) foram registrados como análogo ao tráfico de drogas. O ato

    infracional análogo ao homicídio foi registrado em 10% (2.730) do total de atos praticados,

    acrescido de 3% de tentativa de homicídio6.

    Diante desse cenário, buscam-se justificativas para esse crescente aumento de

    adolescentes envolvidos nos conflitos, como falta de planejamento familiar, ausência

    disciplinar na família (contexto familiar desgastado e desestruturado), evasão escolar e a

    consequente falta de oportunidades - uma vez que ficam “presos” àquilo que o contexto

    social, em que vivem, oferecem-lhes. Neste ponto, não há como negar que o grau de

    escolaridade influencia, e muito, nas escolhas feitas por esses jovens, haja vista que o livre

    arbítrio e as oportunidades são limitadas pela realidade vivenciada.

    A única certeza que se tem sobre essa realidade é do descaso do poder público em

    concretizar efetivamente políticas públicas de qualidade em atenção aos direitos fundamentais

    de seus cidadãos, de forma que propiciem condições de sobrevivência com dignidade a todas

    as crianças e adolescentes, retirando-os de condições marginalizadas e constantes perigos.

    Dessa forma, livrando-os de um futuro degradante, consequente de suas condutas delituosas,

    bem como trazendo segurança à sociedade, que vive em constante temor.

    O histórico brasileiro mostra uma sociedade pouco preocupada com as crianças e os

    adolescentes, tratando-os como delinquentes, como problema do Estado. As crianças e os

    adolescentes só foram reconhecidos como sujeitos de direitos e em especial condição de 5 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Disponível em: Acesso em: 11 dez. 2017. 6Idem.

  • 845Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 8

    desenvolvimento, a partir da Constituição de 19887 e com a promulgação da Lei nº 8.0698, de

    1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, consolidando a Teoria

    Proteção Integral.

    Ao analisar a realidade presente no país, com a diminuição das condições materiais

    dos sujeitos, nota-se que acaba ocorrendo um direcionamento à miséria e à situação de

    marginalidade. Grossi e Bulla salientam que: A questão social hoje passa a ser objeto de um

    violento processo de criminalização, que atinge principalmente as classes mais

    desprivilegiadas economicamente, até chamadas de “classes perigosas”, e a resposta do

    Estado passa a ser a repressão e a segurança, ao invés de constituir políticas de proteção e de

    combate à pobreza.9

    O Estado apropria-se da mazela social, criando formas “alternativas” de combate à

    criminalidade, retrocedendo a práticas reducionistas e coercitivas, no lugar de resolver o

    problema em sua origem - como propor a reforma da base, com melhorias na educação e

    programas de planejamento familiar, com a finalidade de resgatar vidas da miserabilidade.

    Percebe-se, portanto, a substituição de um Estado de Bem-Estar Social - que deveria

    promover condições dignas para a sociedade e, assim, evitar o acirramento da prática

    criminosa - para um Estado que somente visa a reprimir e punir as condutas em conflito com

    a lei. É uma situação que gera estigmatização de toda uma classe e a criminalização de um

    estrato social por sua situação econômica. Diante disso, torna-se inevitável fazer a conexão da

    questão criminal com a questão social, que precisa ser tratada com seriedade e amplas

    reformas.

    Não havendo, ainda, políticas sociais eficazes de modo a evitar a prática de condutas

    criminosas, uma vez cometido o ato infracional, surge para o adolescente infrator, como

    consequência, a aplicação da medida socioeducativa pelo Estado, que tem como finalidade,

    pelo menos em tese, de ressocializá-lo, como forma de preservar não apenas a ordem pública

    e a segurança, mas também, e principalmente, a si próprio.

    Ocorre que, diante da realidade em que se apresenta legitimada pelo uso sistemático

    da força na reprodução social de relações de subordinação e opressão, em que adolescentes

    pobres são especialmente vulneráveis, remete a um desafio, como pensar a socioeducação,

    campo convencional do uso da força, da privação de liberdade, na perspectiva de defesa de 7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 8 Idem. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 mar. 2018. 9 GROSSI, Patrícia Krieger; BULLA, Leônia. A Questão Social. Material discutido em sala de aula não publicado. Disciplina Serviço Social e Políticas Sociais. Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUCRS – Mestrado. 2005/2. (2005, p.4).

  • 846 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO 9

    direitos? Seria a pura e simples aplicação da medida socioeducativa capaz e suficiente de

    promover a ressocialização e a educação do adolescente como descreve sua finalidade?

    Sabe-se - a partir do que se constata diariamente nos noticiários televisivos, bem

    como por meio da realidade apresentada na Vara da Infância e da Juventude - que a simples

    aplicação da medida não diminuiu a reincidência de forma absoluta ou, ao menos,

    considerável. O que se percebe é a necessidade de se implementar métodos eficazes de

    solução de litígio, além da medida, bem como aplicar políticas públicas reformadoras da

    realidade, capazes de trazer oportunidades para esses jovens marginalizados.

    Nesse sentido, Pedra10 aduz que:

    Talvez seja a ineficácia na execução das medidas socioeducativas um dos motivos que tanto tem contribuído para que os jovens se envolvam cada vez mais com o mundo do crime. Quer enquanto menor, quer após alcançar a maioridade penal. Violência gera violência, portanto, se considerarmos que, a omissão da família, da sociedade, sobretudo do Estado, é uma violência para com os jovens, estes se sentirão no direito de revidar com violência[...] A forma com que se tem aplicado as medidas socioeducativas, muito tem contribuído para que os adolescentes tenham uma personalidade deformada, com sentimento de revolta, receio, preconceito, tristeza e abandono social, contribuindo também para que se voltem para o mundo do crime.

    Como alternativa possível, tenha-se o fortalecimento da esfera pública, com novas

    relações entre Estado e sociedade civil nas formas como se constituem políticas públicas e o

    próprio Sistema de Justiça. Segundo Bravo e Pereira11, isto remete a pensar em formas de

    trabalhar no fortalecimento dos sujeitos coletivos; dos direitos sociais e na necessidade de

    organização para sua defesa; construir alianças com os sujeitos, destinatários dos serviços na

    sua efetivação.

    Nesta perspectiva de contribuir junto ao sistema de justiça no sentido de estar

    buscando novas formas para além de simplesmente aplicá-las, ou seja, novas formas de

    “como” aplicá-las e democratizá-las frente aos conflitos que reclamam a intervenção estatal é

    que se busca conectar as demandas expressas na ampliação do Estado Penal com a Justiça

    Restaurativa.

    As medidas aplicáveis aos casos de delinquência juvenil, isto é, aos autores de atos

    infracionais, devem sempre buscar a reflexão do jovem sobre sua conduta praticada. Ainda

    que o adolescente incorra em erro, deve-se observar a sua condição de pessoa em

    10PEDRA, Solange Aparecida Tristão. A ineficácia da aplicação da medida socioeducativa de obrigação de reparar o dano. Monografia apresentada ao curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em 3 de dez.2017. 11 PEREIRA,Potyara Amazoneida Pereira. Estado, regulação e controle democrático. In: BRAVO, Maria Inês Souza ; PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira (org) Política social e democracia. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2001.

  • 847Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018

    VOLTAR AO SUMÁRIO 10

    desenvolvimento, sendo necessário que as medidas cumpridas não sejam vistas apenas como

    punições, mas também como ensinamentos.

    A justiça restaurativa permite que a vítima perceba a realidade, a história de vida do

    ofensor, o que o motivou, o que o incentiva a agir de maneira errada. O diálogo proposto, por

    meio da justiça restaurativa, permite que a efetividade desse tipo de solução de litígio. Isso

    porque a vítima tem a oportunidade de olhar nos olhos do ofensor e contar para ele qual foi o

    impacto na vida dela e tem uma possibilidade de ouvir do autor qual é a história dele, por que

    ele chegou ali.

    Esse diálogo, proposto na técnica restaurativa, além de ser direcionado para que haja

    um acordo entre as partes, visando a reparação do dano causado à vítima, também permite

    que as causas que motivaram o ofensor a praticar o ato condenado sejam levadas em

    consideração, de modo que sejam criadas condições que evitem a reincidência.

    É uma nova proposta de aplicação de justiça carregada nos princípios que vêm ao

    encontro de formas e estratégias que visam a prevenir e que podem contribuir através da

    efetivação de processos sociais, pois estes virão incluir, co-responsabilizar e estimular a

    participação democrática dos sujeitos. Visa uma mudança de paradigma, subvertendo a lógica

    da punição como combate à violência.

    3. APLICAÇÃO RESTAURATIVA COMO ALTERNATIVA EFICAZ DE REINSERÇÃO

    À SOCIEDADE DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

    Inicialmente, é preciso ter consolidado que a justiça restaurativa não é sinônimo de

    impunidade. Pelo contrário, é muito mais difícil fazer com que o ofensor tenha

    responsabilidade e reconhecimento da gravidade do ato praticado e as consequências deste à

    vítima. Na punição retributiva, geralmente, o ofensor acha que, por ter cumprido sua medida

    socioeducativa, está livre, podendo cometer novamente o mesmo ato infracional.

    Nesse sentido, o professor Marcelo Salmaso12 ressalta que é muito mais difícil se

    responsabilizar pelo ato praticado e encarar o mal que fez para outra do que a simples

    punição. Para ele, é a punição que desresponsabiliza, pois, normalmente, o ofensor cria uma

    12 Marcelo Salmaso, juiz e coordenador do Núcleo da Justiça Restaurativa da Comarca de Tatuí e membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJ-SP – Disponível em: < https://tab.uol.com.br/justica-restaurativa/#frases-2 >. Acesso em 12 abr.2018.

  • 848 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    VOLTAR AO SUMÁRIO 11

    série de desculpas para fazer o que fez, é punido, encara-se como vítima desse sistema e, por

    fim, pensa “vou cumprir essa pena, fico quite com a sociedade e posso voltar a fazer o que

    estava fazendo”.

    Diante desse cenário, há necessidade de que seja desenvolvido um trabalho mais a

    fundo, além da simples aplicação das medidas socioeducativas, com mais eficácia, maior

    contato com esse adolescente em situação de perigo, promovendo sua ressocialização e

    reeducação, de modo a transformar suas escolhas, reintegrando-os na sociedade, na família e

    na comunidade.

    Como já abordado no presente trabalho, muitos desses adolescentes infratores sobre

    os quais incidem a aplicação da medida socioeducativa, após cumprirem-na, cometem

    novamente atos infracionais, tornam-se reincidentes, o que mostra, infelizmente, que somente

    isso não basta. O ordenamento jurídico carece cada vez mais de um mecanismo para lidar

    com os conflitos nessa seara.

    Deve-se atentar para a implementação de programas interdisciplinares de modo a

    transformar sua realidade, proporcionando-lhes alternativas para uma vida digna fora da

    marginalidade em que vivem, em observância ao princípio da dignidade humana bem como

    ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente.13

    A justiça restaurativa é um dos métodos que contribuem para essa responsabilização

    do adolescente pela restauração no âmbito social, uma vez que promove sua reflexão sobre os

    danos causados à vítima, bem como as consequências não só na esfera patrimonial, mas que

    repercutem na vida emocional (como frustrações, traumas, medos, perdas) da vítima. Trata-se

    de um diálogo - conforme já abordado no presente artigo - que busca a construção de um

    acordo que atenda às necessidades de todas as partes, uma vez que a vítima também escuta os

    motivos que impulsionaram a prática do ato infracional, bem como realidade do infrator.

    Pensando-se em alcançar os problemas internos, de repercussão externa, com o qual

    as crianças e adolescentes envolvidas com a prática de ato infracional convivem diariamente,

    onde quer que elas estejam, e suplantá-los, chegou-se à ideia da aplicação de práticas

    restaurativas, em especial a do Círculo de Construção de Paz, devido à sua composição

    13 Nesse sentido, Rosane Porto afirma que o que se vê é que muitos são os investimentos públicos em construções de instituições para medida de internamento e pouco incentivo aos Estados e os municípios com programas de medidas em meio aberto. Se o contrário ocorresse, além de reduzir custos para os cofres públicos, maiores seriam as possibilidades de retorno jovem em conflito com a lei para a sociedade, no sentido de o adolescente estar próximo de sua família e conseguir inserção na comunidade. PORTO, Rosane Teresinha Carvalho. Ajustiça restaurativa e as políticas públicas de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil: uma análise a partir da experiência da 3ª vara do juizado regional da infância e da juventude de Porto Alegre. 2008. 182 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas) - Universidade de Santa Cruz