Apresentação artigos científicos para estagiários de psicologia (simplificado)
Revista de ARTIGOS CIENTÍFICOS...Elaborado no 1º Semestre 2018 ISSN 2179-8575 Volume 10 - nº 1 -...
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Elaborado no 1º Semestre 2018
ISSN 2179-8575
Volume 10 - nº 1 - Tomo II (K/Y) - jan./jun. 2018
Revista de
ARTIGOS CIENTÍFICOSdos Alunos da EMERJ
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Elaborado no 1º Semestre 2018
ISSN 2179-8575
Volume 10 - nº1 - Tomo II (K/Y) - jan./jun. 2018
Revista de
ARTIGOS CIENTÍFICOSdos Alunos da EMERJ
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Revista de artigos científicos dos alunos da EMERJ/Escola da Magistratura do Estado doRio de Janeiro. – v. 1, n. 1, 2009- . – Rio de Janeiro: EMERJ, 2009- . - v.
Semestral
ISSN 2179-8575
1. Direito – Periódicos. I. RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
CDD 340.05 CDU 34(05)
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Revista de Artigos Científicos dos alunos da EMERJ1º Semestre de 2018
DIRETOR-GERALDesembargador Ricardo Rodrigues Cardozo
SECRETÁRIA-GERAL Ana Cristina Sargentelli Porto
Diretor do Departamento de Ensino (DENSE)José Renato Teixeira Videira
DENSE/Serviço de Monografia
DENSE/BIBLIO - Divisão de Biblioteca DETEC - Departamento de Tecnologia de Informação e Comunicação
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REVISTA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS Rio de Janeiro v. 10 n. 1 - TOMO II (K/Y) p. 813 - 1536 jan./jun. 2018
SUMÁRIO
KAThERInE BRAUER DA CUnhAA LINHA TÊNUE ENTRE OS CRIMES DE ESTUPRO, ESTUPRO DE VULNERÁVEL, VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E A CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR NO ÂMBITO DOS TRANSPORTES PÚBLICOS........................................................................................................................823
KEILAh MEDELENE SILvA DE OLIvEIRAJUSTIÇA RESTAURATIVA: ANÁLISE DO INSTITUTO NO ÂMBITO INFRACIONAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR.......................................................................................................................839
LíGIA FERnAnDA GOMES CAMpOSO JOGO DA BALEIA AZUL: UM DESAFIO PARA O DIREITO..........................................854
LIvIA GuIMARãES GOMES DE MATTOSINCLUSÃO – DIREITO À EDUCAÇÃO AO ATENDIMENTO ESPECIALIZADO.INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - LEI Nº. 13.146/2015...........................870
LUCAS MEnDES LAGESJULGAMENTO DA ADI Nº 4.275 E OS SEUS POSSÍVEIS EFEITOS EM OUTRAS ESFERAS DA VIDA CIVIL.................................................................................................885
LUíSA CApAnEMA MARTInS VIEIRAO “ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL” E O DIREITO À INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DO SUPERENCARCERAMENTO.....................................................900
MARCELA BECKER AThERInOLEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001: O DIREITO À PRIVACIDADE E A REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS...............................................................914
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MÁRCIA COSTA XAVIERO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE NO ESPAÇO DE CONSENSO DA PEQUENA CRIMINALIDADE...........................................................................................928
MARCOS BLOISE MOURA SAnTOSA REGULAMENTAÇÃO DO LOBBY NO BRASIL COMO INDUTOR DA TRANSPARÊNCIA NAS RELAÇÕES ENTRE AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS: ANÁLISE DO PL Nº 1202/07...........................................................................................943
MARIA JOSé TOSTES LONTRAO PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS........................................................................................................................958
MARIANA ALvES ZANELLI AMARALA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DA LOTAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO.......................972
MARIANA FARELO TAuFIEOS OBSTÁCULOS SENTIDOS PELAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA PARA O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO E AS SOLUÇÕES APRESENTADAS PELO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO...........................987
MARIANA REIMãO SOARES GOMES MELLOBREXIT: A SAÍDA DO REINO UNIDO DA UNIÃO EUROPEIA E SEU IMPACTO NOFORNECIMENTO DE SERVIÇOS FINANCEIROS...........................................................1003
MARInA CROCE GUILhERMInOA NECESSIDADE DE MUDANÇA NOS PARÂMETROS DA JUSTIÇA GRATUITA: UMA ANÁLISE DE SUA INFLUÊNCIA NEGATIVA NO JUDICIÁRIO..............................1017
MARInA FERREIRA DA COSTAA EFICÁCIA DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS................................................................1032
MÁRIO AUGUSTO CASTOR DE SOUSADESDOBRAMENTOS DA LEI Nº 13.245/16 NO INQUÉRITO POLICIAL À LUZ DOSISTEMA ACUSATÓRIO................................................................................................1047
MARX ChI KOnG SIUCONTRIBUIÇÃO DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS NO COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL.............................................................................................1061
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MAThEUS FARIA BITTEnCOURTO INCIDENTE DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA..............................................................1078
MIChELLE DE SOUzA SILVEIRA TAVARESJUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA DIANTE DA MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE......................................................................................................................1093
MIRIAM MESquITA REISLIBERDADE DE EXPRESSÃO NA INTERNET: UM DEBATE MOTIVADO PELO DIREITO AO ESQUECIMENTO......................................................................................1108
pAMELA MAçAnA SILVAA EFICÁCIA DA PENA COMO MEDIDA DE RESSOCIALIZAÇÃO DO AGENTE.............1124
pâMELA SOUzA CAMpOSANÁLISE DA INDICAÇÃO PARA COMPOSIÇÃO DAS CORTES SUPERIORES – EXPERIÊNCIA AMERICANA, BRASILEIRA E PORTUGUESA........................................1139
pAULA AnTUnES pAES FERnAnDES SEnAA SITUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO OFENSOR E DA VÍTIMA COMO CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL....................................................1153
pAULA RAqUEL OLIVEIRA MARqUES JESUSASPECTOS POLÊMICOS DA ENGENHARIA GENÉTICA NO DIREITO BRASILEIRO: TERAPIA GÊNICA, CLONAGEM TERAPÊUTICA E SEUS CONTORNOSÉTICO-PENAIS...............................................................................................................1167
pAULO ROBERTO JEREMIAS GIRDwOOD DA COSTAO ACORDÃO Nº 2.780/16 DO TCU (REVISÃO DE PENSÕES ESPECIAIS DE FILHAS SOLTEIRAS): A VIOLAÇÃO AO DIREITO ADQUIRIDO, A USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS, A CONVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO DECURSO DO TEMPO E O DEFICIT NOS COFRES PÚBLICOS.....................................1183
pEDRO hEnRIqUE DROLShAGEn LIMACOMO COMPATIBILIZAR O DIREITO À PRIVACIDADE E A AUTOEXPOSIÇÃOEXACERBADA EM UMA SOCIEDADE GLOBALIZADA..................................................1199
pEDRO nOGUEIRA DE FARIA pEREIRAANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E DOS CRITÉRIOS PARA O EMPREGO DA NORMA DE SEPARAÇÃO POR CONVENIÊNCIA DO JUÍZO DOS PROCESSOS CONEXOS E CONTINENTES, DE ACORDO COM O ARTIGO 80, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL........................................................................................................1214
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REVISTA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS Rio de Janeiro v. 10 n. 1 - TOMO II (K/Y) p. 813 - 1536 jan./jun. 2018
pEDRO pAULO BASTOS DE FREITASOS REFLEXOS DA AUSÊNCIA DA LISTA DE PRODUTOS ESSENCIAIS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO COTIDIANO..................................................................1230
pRISCILA DA SILVA SIMõESANÁLISE QUANTO À VALIDADE DA SUSPENSÃO DO DIREITO DE VOTAR DO CIDADÃO CONDENADO POR SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO........1246
pRISCILLA LAnDIM hEnRIqUES nETOA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 6º, §3º, II, DA LEI Nº 8987/95.....................1262
pRISCILLA LEMOS VALIM DA SILVAOS ASPECTOS JURÍDICOS DA PORNOGRAFIA DE REVANCHE NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER..........................................................................................1276
RAFAELLA vIEIRA DA ROSADIREITO DE LAJE: A NOVIDADE LEGISLATIVA CRIADA PELA LEI 13.465/17E SUAS QUESTÕES POLÊMICAS............................................................................................1292
RAqUEL AnTUnES DA FOnSECA SOARESO DIREITO REAL DE LAJE COMO INSTRUMENTO DE EXERCÍCIO DA CIDADANIANAS COMUNIDADES MARGINALIZADAS............................................................................1306
RODRIGO FOnSECA JOhAnnLEI Nº 13.303/2016 E ADI Nº 5.624 MC/DF: (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA LEI DAS ESTATAIS ÀS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS...........................................1321
RODRIGO GIL DOS SANTOSSIMPLES CORREÇÃO MONETÁRIA OU EFETIVA MAJORAÇÃO? UMA ANÁLISE DA (DES) PROPORCIONALIDADE NA “CORREÇÃO MONETÁRIA” DA BASE DE CÁLCULO DO IPTU NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, LEVADA A EFEITO PELA LEI MUNICIPAL Nº 6.250/2017..............................................................................................1338
SERGIO MURILO GOnçALVES MARELLO(IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ADICIONAL DE 10% SOBRE O FGTS: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DA LEI COMPLEMENTAR Nº 110/01 APÓS O EXAURIMENTO DA SUA FINALIDADE..................................................................................1355
STéFANIE MAZZA RIBEIROO DIREITO AO ESQUECIMENTO NA ERA DA INFORMAÇÃO: PROTEÇÃO DA HONRA E DA INTIMIDADE NAS MATÉRIAS JORNALÍSTICAS............................................1371
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REVISTA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS Rio de Janeiro v. 10 n. 1 - TOMO II (K/Y) p. 813 - 1536 jan./jun. 2018
VOLTAR AO SUMÁRIOTALITA JUnqUEIRA pERALTAPRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA E EFEITO BACKLASH...................................................1386
TAMIRES MARquES hENRIquECRIME DE ABANDONO INTELECTUAL VERSUS EDUCAÇÃO DOMICILIAR NO BRASIL – OS LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO ÂMBITO DA AUTONOMIA FAMILIAR.................................................................................................................................1400
ThAíS ApARECIDA LIMA DA CUnhA“FALSA MEMÓRIA” NA PROVA TESTEMUNHAL DO POLICIAL.........................................1414
ThAIS DE CASTRO CERqUEIRAA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENVOLVENDO ADOLESCENTES: UMA OPÇÃO PARA O COMBATE À SUPERLOTAÇÃO DAS UNIDADES DE INTERNAÇÃO.................................................................................................1430
ThAíS MOTA LIMA vALLEA EVOLUÇÃO TELEOLÓGICA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E SUA IMPLEMENTAÇÃO NA ESTRUTURA DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO: DA IMPRESCINDIBILIDADE DO INSTITUTO PARA O COMBATE DA CULTURA DOENCARCERAMENTO...............................................................................................................1447
ThALITA FERREIRA héRCULESA LIBERDADE RELIGIOSA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O CONFLITO COMA FUNÇÃO EDUCATIVA DO PODER FAMILIAR....................................................................1462
ThIAGO DA CRUz RESEnDE DA MATTAOS EFEITOS DO MARCO CIVIL DA INTERNET PARA A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADEPOR MEIO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO.....................................................................1476
ThIAGO DA SILVA pEnnAATIVISMO CONGRESSUAL: REAÇÃO LEGISLATIVA EM FACE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5105 – A “ÚLTIMA PALAVRA” DO STF?.....................1492
YASMIM DOS REIS SILvAA CRISE INSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO FACE AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988...............................1508
YuRI SALIBIANA SUPERVALORIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS ELETRÔNICAS.........................................................................1522
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VOLTAR AO SUMÁRIO 2
A LINHA TÊNUE ENTRE OS CRIMES DE ESTUPRO, ESTUPRO DE VULNERÁVEL, VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E A CONTRAVENÇÃO PENAL DE
IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR NO ÂMBITO DOS TRANPORTES PÚBLICOS
Katherine Brauer da Cunha
Graduada pelo Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (IBMEC-RJ). Advogada.
Resumo – O aumento no número dos casos de formas à violação da dignidade sexual no âmbito dos transportes públicos tem ganhado destaque midiático diante da ausência de um tipo penal incriminador específico para os casos em concreto. As penas aplicadas aos acusados variam entre estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante fraude, contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor e, algumas das vezes, não aplicação de pena, não havendo um consenso, diante da ausência de tipificação legal, sobre qual o melhor tipo vigente aplicável. A essência do presente artigo cientifico visa a abordar a diferenciação entre os crimes e a contravenção penal supracitados, apontando se realmente há adequação de algum tipo penal vigente e, se sim, qual (ais) poderia (m) ser melhor aplicado (s) nos casos de violação à dignidade sexual no âmbito dos transportes públicos, utilizando como parâmetro alguns casos que tiveram grande repercussão.
Palavras-chave – Direito Penal. Crimes em espécie. Lei das contravenções penais.
Sumário – Introdução. 1. O aumento dos casos de violação à dignidade sexual no âmbito dos transportes públicos e a necessidade de combate a essa conduta. 2. A diferença entre os crimes de estupro, estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude e seus âmbitos de aplicação nos transportes públicos. 3. A contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor e seu âmbito de aplicação nos transportes públicos. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O trabalho apresentado aborda a diferença entre os crimes de estupro (art. 213, CP),
estupro de vulnerável (art.217-A, CP), violação sexual mediante fraude (art. 215, CP) e a
contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61, Lei nº 3.688/41), no âmbito de
aplicação aos casos que têm ocorrido nos transportes públicos brasileiros.
O número de casos de formas de violação à dignidade sexual em transportes públicos
não é recente, mas é cada vez mais frequente e a falta de um tipo penal incriminador específico
faz com que se tente enquadrar as condutas praticadas nos já existentes, mas que acabam por
não comportar tal tipificação. Muitas das vezes, a pena acaba não sendo compatível com o teor
da conduta praticada pelo agente, bem como, outras vezes, acaba por ser muito exasperada.
Objetiva-se, assim, demonstrar as diferenças entre os crimes de estupro, estupro de
vulnerável, violação sexual mediante fraude e a contravenção penal de importunação ofensiva
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824 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO3 ao pudor no âmbito dos transportes públicos, abordando se tais tipificações são mesmo
adequadas para os casos que vêm ocorrendo ou se há a necessidade de criação de um novo tipo
penal incriminador mais especifico pelo legislador.
O objetivo específico do primeiro capítulo é discursar sobre o aumento dos números
de violações à dignidade sexual nos transportes públicos, apresentando os casos atualmente
polêmicos divulgados pela imprensa e problematizados pelo direito, ressaltando a importância
de tal discussão diante do intenso clamor social pela punição dos respectivos agentes.
O objetivo específico do segundo capítulo é apresentar as principais diferenças entre
os crimes de estupro, estupro de vulnerável e de violação sexual mediante fraude, demonstrando
seus âmbitos de aplicação no que tange aos casos de violação à dignidade sexual no âmbito dos
transportes públicos. Demonstrar com quais objetivos tais crimes foram criados pelo legislador
e quando eles podem ser aplicados aos casos de violação à dignidade sexual nos transportes
públicos.
O objetivo específico do terceiro capítulo é narrar sobre a contravenção penal de
importunação ofensiva ao pudor, corroborando o objetivo de sua criação pelo legislador e seu
âmbito de aplicação no que tange aos atos de violação à dignidade sexual nos transportes
públicos.
O artigo científico será realizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental,
constituída principalmente de livros e artigos científicos, o que permite uma gama de fenômenos
muito mais ampla, visto que é um tema atual e polemico. 1. O AUMENTO DOS CASOS DE VIOLAÇÃO À DIGNIDADE SEXUAL NO ÂMBITO
DOS TRANSPORTES PÚBLICOS E A NECESSIDADE DE COMBATE A ESSA
CONDUTA
Os casos de violação à dignidade sexual das mulheres não são recentes, mas vêm
ganhando números alarmantes, de modo que tal assunto passou a ter mais relevância na
sociedade nos últimos tempos.
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825Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018
VOLTAR AO SUMÁRIO 4
Segundo dados estatísticos, uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos, sendo
somente de 30% a 35% os casos registrados. Ao todo, no Brasil, em 2014, 47,6 mil mulheres
foram estupradas, contabilizando no estado do Rio de janeiro 5,7 mil casos. 1
Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão vinculado à Secretaria de
Segurança do Estado, revelam 507 queixas de estupro na cidade do Rio no ano de 2016. O
número é 24% inferior ao de igual período (Janeiro a Maio) de 2015, quando houve 670
registros. 2
Apesar de grande parte dos casos ocorrerem em ambientes privados, a violência à
dignidade sexual da mulher também é uma realidade no âmbito dos transportes públicos. Em
pesquisa realizada pelo Data-Folha, quase metade das mulheres paulistanas (49%) declararam
já ter sofrido assedio sexual em trens, ônibus e metrôs. Tal ato ocorre não só em decorrência da
cultura machista enraizada em nossa sociedade, mas também pela facilidade gerada pela
superlotação dos transportes públicos brasileiros.3
Cabe ressaltar que tais casos de assédio não são exclusivos do Brasil. A titulo de
exemplo, a Tailândia, desde o dia primeiro de Agosto de 2014 possui vagões exclusivos para
mulheres nos trens. Tal decisão foi tomada decorrente da indignação do público após a morte de
uma menina de 13 anos, que foi estuprada e assassinada dentro de um comboio por um
empregado da empresa. 4 No Japão, Filipinas, Índia e Rússia, desde 2001, existem vagões
exclusivos para mulheres nos horários de pico, visando evitar o assédio sexual. 5
No Rio de Janeiro, a Lei nº 7.250/2016 fez alterações na Lei nº 4.733/2006 que dispõe
sobre a destinação de espaços exclusivos para mulheres nos sistemas ferroviário e metroviário
do estado. Tal lei foi regulamentada pelo Decreto nº 46.072/2017 de 30 de Agosto de 2017. Ela
já estava em vigor desde Abril de 2016, mas precisava do decreto para ser efetivada.
De acordo com o decreto supracitado, os vagões exclusivos poderão ser utilizados por
mulheres ou por pessoas que se identificam com o gênero feminino, como os transexuais. De
modo excepcional, os vagões também poderão ser frequentados por homens nos seguintes
1 NUNES, Fernanda. Uma mulher é violentada a cada 11 minutos no país. Disponível em: . Acesso em: 17 out.2017. 2 Ibidem. 3 PINHO, Lúcia. Assédio no transporte público e a necessidade de vagões exclusivos. Disponível em: . Acesso em: 17 out.2017. 4 RPP NOTÍCIAS. Tailandia: Estrenan vagones de tren solo para mujeres. Disponível em: . Acesso em: 17 out.2017. 5 EL MUNDO. Proponen en China vagones sólo para mujeres para evitar el acoso sexual. Disponível em: . Acesso em: 17 out.2017.
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826 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO5 casos: crianças de até 12 anos de idade, desde que acompanhadas por mulheres; homens que
forem acompanhantes de mulheres portadoras de deficiência; agentes de segurança e policiais,
desde que uniformizados e; profissionais de saúde para prestação de atendimentos de
emergência.
A Policia Militar deverá fazer a fiscalização dos vagões femininos nas estações e nas
composições das concessionárias, de modo que os infratores serão notificados de uma primeira
vez, ficando sujeitos a multa a partir da segunda infração, variando o valor de R$184,70 até
R$1.152,77, de acordo com a reincidência. A fiscalização será feita em dias úteis, nos intervalos
de 6h às 9h e de 17h às 20h.
Do total dos valores arrecadados com as multas 70% serão destinados ao Fundo
Especial da Polícia Militar do Rio e 30% ao Fundo Especial da Policia Civil, para serem
direcionados às Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher.
Cabe salientar que a regulamentação também obriga as concessionárias (SuperVia e
MetrôRio) a treinarem seus funcionários para orientarem corretamente os passageiros e a
veicularem campanhas publicitarias educativas, intensificando os avisos sonoros e vídeos
educativos nos trens e estações. As concessionárias terão o prazo de 06 meses para se adaptarem
às novas orientações e, caso não cumpram, também serão multadas, sendo os valores
arrecadados destinados ao Fundo das Policias Civil e Militar.
Assim, é incontroverso que tais avanços são extremamente significativos na luta contra
os casos de assédio sexual em face das mulheres no âmbito dos transportes públicos. Ocorre que
tais avanços ainda não são suficientes para diminuir quantitativamente a ocorrência frequente
de crimes desse gênero.
A proteção em três do Metrô ou da Supervia é significativa, mas deixa de lado os
demais transportes públicos em que tais casos também são recorrentes, como no caso dos ônibus,
serviços de taxi, uber e derivados.
Dessa forma, apesar do avanço expressivo, ainda há muito o que se fazer para que tais
casos sejam erradicados de forma definitiva.
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827Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018
VOLTAR AO SUMÁRIO 6 2. A DIFERENÇA ENTRE OS CRIMES DE ESTUPRO, ESTUPRO DE VULNERÁVEL E
VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E SEUS ÂMBITOS DE APLICAÇÃO NOS
TRANSPORTES PÚBLICOS
O crime de estupro está previsto no art.213, do Código Penal6, incluído no Título VI –
dos crimes contra a dignidade sexual, capítulo I – dos crimes contra a liberdade sexual.
Considera-se violência sexual toda forma de atividade sexual não consentida, conforme
definição dada pelo art. 2º, da Lei nº 12.845/13.
A Lei nº 12.015/09 deu nova redação ao Título VI do Código Penal, que deixou de se
chamar “Crimes contra os costumes” para se chamar “Crimes contra a dignidade sexual”. A
dignidade sexual nada mais é do que uma das espécies do gênero dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, da CRFB/88).
Por meio desse diploma legal, foram fundidas as figuras do estupro e do atentado
violento ao pudor em um único tipo legal (art. 213, CP), foi criado o delito de estupro de
vulnerável (art. 217-A, CP) e inseriu o Capítulo VII com causas de aumento de pena.
O crime de estupro é considerado delito pluriofensivo, pois protege mais de um bem
jurídico: Liberdade sexual: ideia de que todos podem escolher como, quando ou com quem
mantêm relações sexuais (autodeterminação); Vida: no caso de estupro qualificado pela morte;
Integridade física: no estupro em que se emprega violência e; Liberdade individual: no estupro
em que se emprega grave ameaça.
É delito comum no que diz respeito ao sujeito ativo, ou seja, pode ser praticado por
qualquer pessoa. Antigamente, não era delito comum, na medida em que conjunção carnal
pressupunha a cópula carnal, de forma que o delito só podia ser praticado por homem. Hoje, não
se exige nenhuma característica especial, podendo ser praticado por homem ou mulher. É
também delito comum no que tange ao sujeito passivo, que pode ser qualquer pessoa.
O núcleo do tipo penal é “constranger alguém”, utilizado no sentido de forçar, obrigar,
subjugar a vitima ao ato sexual, de modo que aqui se faz necessário o dissenso da vitima. Trata-
se, portanto, de modalidade especial de constrangimento ilegal, visto que se pratica com o
objetivo de sucesso no congresso carnal ou na pratica de outros atos libidinosos.
São formas de execução do crime a violência e a grave ameaça. A violência diz
respeito a utilização de força física, no sentido de subjugar a vitima, para que com ela possa
6 BRASIL. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/Del2848compilado.htm> . Acesso em: 23 abr.2018.
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828 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO7 praticar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A violência pode ser direta – se incidir sobre
a própria vítima – ou indireta – se incidir sobre terceiros ou coisas que guardem relação de afeto
com a vítima.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a violência real é
caracterizada também sempre que for empregada força física contra a vitima, cerceando-lhe a
liberdade de agir, segundo a sua vontade. Demonstrado o uso de força física para se contrapor à
resistência da vitima, resta configurado o emprego de violência real.7
A grave ameaça, por sua vez, é a promessa de um mal futuro que pode ser direta,
indireta, implícita ou explicita. Deverá ser séria, causando na vitima um fundado temor do seu
cumprimento.
Quanto à expressão “conjunção carnal” foi adotado o sistema restrito, de modo que se
entende somente a cópula pênis-vagina, pouco importando se a introdução foi total ou parcial.
Desse modo, se exclui a compreensão da cópula anal (sistema amplo) ou dos atos de felação
(sistema amplíssimo). Assim, fica evidente que a conjunção carnal sempre pressupõe uma
relação heterossexual.
Na expressão “outro ato libidinoso” se incluem todos os atos de natureza sexual, que
não a conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente, podendo ser
invasivos ou não. Salienta-se que não é necessário que haja contato físico propriamente dito para
que seja considerado ato libidinoso.
No Rio de Janeiro, em 28 de Fevereiro de 2018, um homem foi preso após assediar
uma mulher dentro de um ônibus da linha 348 (Candelária x RioCentro), em Bonsucesso. O
caso ocorreu quando o veículo trafegava na Avenida Brasil. Segundo testemunhas, ele estava
se masturbando, enquanto pegava na coxa da passageira. O homem foi levado para a 21ª DP
(Bonsucesso), onde foi autuado por estupro.8
Cabe destacar que, da breve analise de casos semelhantes, nota-se que o agressor na
maioria das vezes não faz uso de violência ou grave ameaça, se aproveitando da “aglomeração”
para atacar a vitima, de modo que, nesses casos, ausentes as condutas de violência ou grave
ameaça, inerentes ao tipo penal de estupro, tal crime não pode ser imputado.
7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 8.848/PE. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14748415/habeas-corpus-hc-81848-pe/inteiro-teor-103133846>. Acesso em: 23 abr.2018. 8 G1. Homem é preso por se masturbar e segurar coxa de passageira de ônibus na Zona Norte do Rio. Disponível em: < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/homem-e-preso-por-assedio-dentro-de-onibus-na-zona-norte- do-rio.ghtml>. Acesso em: 23 abr.2018.
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829Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018
VOLTAR AO SUMÁRIO 8
O crime de estupro de vulnerável está tipificado no art.217-A, do Código Penal9, tendo
sido introduzido no nosso ordenamento jurídico por meio da Lei nº12.015 de 07 de Agosto de
2009, de modo a finalizar com a divergência que ocorria à época nos Tribunais Superiores no
que tange a presunção de violência que constava no revogado art.224, a, do Código Penal.
Tal artigo supracitado visa proteger o direito de liberdade que o individuo possui de
dispor sobre o próprio corpo no que diz respeito aos atos sexuais, bem como proteger a dignidade
sexual, visto que para a ocorrência de tal tipificação o sujeito deve ser presumidamente incapaz
de consentir para o ato.
O dolo é elemento subjetivo necessário ao reconhecimento do crime de estupro de
vulnerável, devendo o agente ter conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos, ou que
esteja acometida de enfermidade ou deficiência mental, fazendo com que não tenha o
discernimento necessário para a pratica do ato, ou que, por outra causa, não possa oferecer
resistência.
Se, na hipótese concreta, o agente desconhecia tais características supracitadas, poderá
ser alegado erro de tipo, afastando-se o dolo e, consequentemente a tipicidade do fato, visto que
não é admissível também a modalidade culposa, diante da ausência de previsão legal expressa
nesse sentido.
Além das situações envolvendo menores de 14 anos, bem como pessoa que possua
enfermidade ou doença mental, conforme observado anteriormente, o referido tipo penal se
aplica a quem, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.
Nesse sentido, o art.70, da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal,
mesmo dizendo respeito às hipóteses da revogada presunção de violência, elenca situações em
que se pode verificar impossibilidades de resistência da vitima, quais sejam: causas mórbidas
(enfermidades, grande debilidade orgânica, paralisia etc.) ou de especiais condições físicas
(como quando o sujeito passivo é um indefeso aleijado, ou se encontra acidentalmente tolhido
de movimentos).
No mesmo sentido, Rogério Greco10 cita ainda outras possibilidades, como os casos
de embriaguez letárgica, o sono profundo, a hipnose, a idade avançada, a impossibilidade
(temporária ou definitiva) de resistir, como nos casos dos tetraplégicos.
9 BRASIL, op. Cit., nota 06. 10 GRECO, Rogério. Código penal comentado. Niterói/RJ: Impetus, 2014, p.745.
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830 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO9
dentro-de-onibus-em-sorocaba.ghtml>. Acesso em: 23 abr.2018.
O crime de violação sexual mediante fraude, por sua vez, está tipificado no art.215, do
Código Penal11, incluído no Título VI – dos crimes contra a dignidade sexual, capítulo I – dos
crimes contra a liberdade sexual.
A Lei nº 12.015/09 uniu os crimes anteriores de posse sexual mediante fraude e
atentado ao pudor mediante fraude, com inclusão de novos elementos, criando o crime de
violação sexual mediante fraude tipificado no referido art.215, do Código Penal. Os elementos
do tipo penal são: ter conjunção carnal, ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante
fraude, ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vitima.
Quando tal dispositivo versa sobre “outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação de vontade da vítima”, trata-se de uma interpretação analógica, ou seja, esse “outro
meio” deverá ter uma conotação fraudulenta, segundo parte da doutrina. Há quem entenda, por
sua vez, que basta que o agente se valha de qualquer meio que dificulte a manifestação de
vontade da vítima, tolhendo-lhe a possibilidade de defesa que já caracterizaria outro meio
fraudulento, inerente ao tipo.
Salienta-se que por meio da fraude o agente induz ou mantém a vitima em erro, fazendo
com que tenha um conhecimento equivocado da realidade.
O verbo impedir diz respeito à impossibilidade de livre manifestação de vontade da
vítima por estar viciada em virtude da fraude ou qualquer outro meio utilizado pelo agente, a
fim de conseguir praticar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, enquanto que o verbo
dificultar remete a mesma ideia, porém, aqui, a ideia da vítima, apesar de viciada, não está
completamente anulada pela fraude ou qualquer outro meio utilizado pelo agente.
No dia 26 de Setembro de 2017, um homem foi preso em flagrante após ejacular nas
costas de uma mulher de 44 anos dentro de um ônibus do transporte coletivo em Sorocaba (SP).
Ela notou que o homem "se esfregou" nela enquanto estava sentada no transporte, no entanto,
devido ao ônibus estar lotado, ela só percebeu o ato depois que olhou para trás e viu o suspeito
fechando a calça. Em seguida, ela viu o sêmen do homem em sua blusa. O sujeito foi preso em
flagrante, sendo-lhe imputado o crime de violação sexual mediante fraude.12
Em outro caso recente, um homem foi preso após ejacular na perna de uma mulher de
23 anos dentro de uma composição do metrô, na manhã do dia 09 de Maio de 2018. A
concessionária MetrôRio informou que a vítima viajava na Linha 2, sentido Botafogo, quando
11 BRASIL, op. Cit., nota 06. 12 G1. Homem é preso em flagrante após ejacular em mulher dentro de ônibus em Sorocaba. Disponível em: < https://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/homem-e-detido-suspeito-de-ejacular-em-mulher-
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831Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018
VOLTAR AO SUMÁRIO 10
lei/Del3688.htm>. Acesso em: 24 abr.2018.
foi abordada dentro do trem. Ela foi conduzida à Delegacia Especializada no Atendimento à
Mulher (Deam). Funcionários do MetrôRio a acompanharam para testemunhar o caso às
autoridades policiais. 13
A delegada que atuou no caso, Débora Ferreira Rodrigues, informou que o homem de
35 anos é reincidente, já tendo sido preso anteriormente por caso idêntico em que teve a mesma
conduta dentro de uma composição do metrô na estação de Vicente de Carvalho. Naquela
ocasião, esse mesmo homem foi preso depois que encostou em uma mulher dentro do metrô,
colocou o órgão genital para fora da calça e ejaculou em uma mulher. Ele foi autuado pelo crime
de violação sexual mediante fraude.
Analisando-se a redação do tipo penal de violação sexual mediante fraude ou por outro
meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima, levando-se em
consideração a superlotação dos transportes públicos, principalmente em horários de pico, não
fica difícil observar que a vítima possa, em razão do aglomerado de pessoas, ficar impedida de
manifestar sua vontade.
Isso porque, embora não fazendo uso de violência ou grave ameaça nesses casos, o
agente faz uso do espaço reduzido e do grande número de pessoas para praticar o delito, visto
que, de antemão a vítima não tem como esboçar qualquer reação.
Diante do exposto, demonstra-se evidente a dificuldade de se adequar a realidade dos
fatos que vêm ocorrendo, no que tange à violação da dignidade sexual de mulheres no âmbito
dos transportes públicos, em um tipo penal específico, de modo que, analisando caso a caso, tais
condutas têm sido enquadradas em tipos penais diversos, o que por muitas das vezes gera revolta
populacional decorrente da insegurança jurídica. 3. A CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR E SEU
ÂMBITO DE APLICAÇÃO NOS TRANSPORTES PÚBLICOS
A contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor esta prevista no art.61, da lei
das contravenções penais - Decreto-lei nº 3.688 de 3 de Outubro de 194114, inserida no
capítulo VII que dispõe sobre as contravenções relativas à policia de costumes. Tal
13 COSTA, Célia. Homem é preso após ejacular na perna de uma mulher dentro do metrô no Centro do Rio. Disponível em: . Acesso em: 17 mai.2018. 14 BRASIL. Lei das contravenções penais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
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832 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO11
contravenção atinge a dignidade sexual do ser humano, ou seja, atenta contra à autoestima do
individuo em sua íntima e privada vida sexual.
Contravenção penal é considerada pelo ordenamento jurídico penal como infração de
menor potencial ofensivo, sendo cabível como penalidade a imposição de prisão civil e/ou de
multa. No caso da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor é cabível somente a
penalidade de multa constante no valor de duzentos mil réis a dois contos de réis. As penas de
reclusão e detenção são reservadas unicamente aos crimes, ao passo que a prisão simples é
destinada às contravenções.
O pudor pode ser definido como sentimento de vergonha, timidez, mal-estar causado
por qualquer coisa capaz de ferir a decência, a modéstia, a inocência. Trata-se da vergonha,
constrangimento, de base cultural, para falar a respeito ou praticar determinados atos ligados à
área da sexualidade, das funções fisiológicas, dos sentimentos íntimos, da afetividade etc.
O verbo importunar, por sua vez, pode ser entendido como um desconforto, algo que
cause um incômodo no individuo. Como versa sobre uma infração penal ligada a dignidade
sexual, tal desconforto e incômodo estão atrelados a isso.
Um dos principais casos que trouxe a questão da contravenção penal de importunação
ofensiva ao pudor no âmbito dos transportes públicos foi o caso do passageiro que se masturbou
e ejaculou em duas mulheres que viajavam ao seu lado durante um voo que fazia a rota Belém—
Brasília, na manhã do dia 08 de Dezembro de 201715.
O advogado das vítimas contou ao Correio Braziliense que, cerca de meia hora depois
da decolagem, às 5hrs, uma das vítimas, que estava na poltrona do meio, acordou ao sentir que
o homem havia pegado sua mão e colocado sobre o órgão sexual dele. Ela percebeu também
que estava molhada na barriga e pernas com o esperma do agressor. A passageira que viajava
na janela também acordou e estava com a perna suja.
No boletim de ocorrência, o caso foi registrado como contravenção de importunação
ofensiva ao pudor. Ocorre que o advogado do caso entendeu à época que deveria ser enquadrado
como crime, justificando que por tais atos, casos assim não são levados a sério e não recebem
a devida importância.
Cita a referida reportagem que para a advogada e doutora em direito pela Universidade
de Brasília (UNB) Soraia Mendes, o caso deveria ser considerado como estupro de vulnerável,
porque ocorreu sem consentimento e as vítimas estavam dormindo.
15 VINHAL, Gabriela. Homem se masturba e ejacula em passageiras durante voo para Brasília. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2017/12/08/interna_cidadesdf,646506/homem-se- masturba-e-goza-em-passageiras-durante-voo-para-brasilia.shtml>. Acesso em: 24 abr.2018.
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833Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018
VOLTAR AO SUMÁRIO 12
Cabe ressaltar que, diante da ausência das condutas de violência e grave ameaça
inerentes ao tipo penal de estupro, a conduta dos agentes, em grande parte dos casos analisados,
se enquadra na contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.
Em levantamento feito pelo jornal Globo16, em sentenças de segunda instância do
estado de São Paulo que analisam esses tipos de crimes, quase metade dos magistrados entendem
que o acusado cometeu crime de estupro com violência. Por outro lado, uma turma de juízes
considera que a pessoa constrangeu a vítima e, por isso, nesses casos, estaria enquadrado na lei
de contravenções penais.
Foram analisadas 13 decisões de segunda instância sobre casos semelhantes, em que
em seis dos processos analisados se entendeu tratar de contravenção penal de importunação
ofensiva ao pudor e em outros sete processos se entendeu tratar de crime de estupro.
Em um caso de 2008, o TJSP aumentou a pena de um homem que havia sido preso em
flagrante no vagão do metrô com as vestes sujas de sêmen. A vítima do assédio, uma mulher,
relatou que ele havia se posicionado atrás dela no local e se masturbado enquanto a apalpava. A
situação foi confirmada por testemunhas. Ao avaliar o caso, o magistrado aumentou a pena para
seis anos de prisão, enquadrando o crime como estupro.
Já em outra situação de assédio no metrô, um homem colocou as mãos por baixo das
vestes da vítima. A mulher conseguiu fugir e foi auxiliada por um dos seguranças do metrô, que
deteve o acusado. Ele foi condenado a oito anos e dois meses de prisão por estupro. No entanto,
em segunda instância, foi decidido que ele teria a pena reduzida. Teve a acusação de estupro
trocada por importunação ofensiva ao pudor, e a sanção foi reduzida ao pagamento de multa.
Em um outro caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça17, um sujeito beijou uma
adolescente se valendo, para tanto, de violência. O Tribunal de Justiça de origem absolveu o
acusado do crime de estupro utilizando o argumento de que o beijo teria tido “a duração de um
relâmpago”, sem aptidão para saciar a lascívia de qualquer pessoa, o que afastaria seu caráter
libidinoso.
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, entendeu que a conduta em
questão se desenvolveu em um contexto de indiscutível violência sexual contra a vítima,
dizendo o Ministro Relator que se deve ter em mente que estupro é um ato de violência e não
16 ARREGUY, Juliana; DANTAS, Tiago. Punição a assédio sexual em transporte divide juízes em SP. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/brasil/punicao-assedio-sexual-em-transporte-divide-juizes-em-sp-21777237>. Acesso em: 24 abr.2018. 17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº 1.611.910-MT. Relator: Ministro Rogério Schietti Cruz. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/diarios/129279062/stj-27-10-2016-pg-2587>. Acesso em: 24 abr.2018.
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834 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO13
de sexo, de modo que se busca a satisfação da lascívia por meio de conjunção carnal ou atos
diversos, mas sempre com o intuito de subjugar, submeter a vítima à força do agente.
Diante do exposto, conclui-se no julgado que o “beijo roubado”, que envolve violência
ou grave ameaça, caracteriza, sim, o crime de estupro, contudo, em se tratando de “beijo
furtado”, vale dizer, sem violência ou grave ameaça a vítima, restaria contravenção penal de
importunação ofensiva ao pudor.
Como se percebe, é tênue a linha que separa o estupro da importunação ofensiva ao
pudor, devendo-se, portanto, analisar o ato libidinoso praticado de acordo com o caso concreto,
de modo a aplicar as sanções do tipo mais adequado casuisticamente.
É importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça recentemente, em sede de
Recurso Especial, condenou a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos a indenizar em 20
mil reais uma passageira que sofreu assédio sexual em um vagão. A jovem sofreu assédio
enquanto usava o transporte no horário das 18hrs. No interior do vagão, um homem se postou
atrás, esfregando-se na região das nádegas da mulher, tocando-a várias vezes; ao se queixar com
o agressor, viu que ele estava com o órgão genital ereto. A vítima narra que foi hostilizada pelos
demais passageiros, que lhe chamaram de "sapatão” e que o mesmo homem importunou
sexualmente outra passageira, de modo que lavraram boletim de ocorrência junto à Delegacia
do Metropolitano. 18
A Ministra Nancy Andrighi em seu voto ressaltou que é da natureza do contrato de
transportes a chamada cláusula de incolumidade, pela qual se impõe ao transportador, mesmo
que implicitamente, o dever de zelar pela incolumidade do passageiro, levando-o, a salvo e em
segurança, até o local de destino.
Afirmou que, apesar de ter sido causado por terceiro, o dano se enquadra dentro dos
lindes dos riscos inerentes ao transporte e que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
é firme no sentido de não afastar a responsabilidade do transportador, garantido direito de
regresso na esfera do Direito Civil.
Fundamentou que ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade física
e psíquica daquele que é passageiro de um serviço de transporte de pessoas, o que embasou a
condenação da referida Companhia ao pagamento de danos morais à vítima.
18 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº 1.662.551. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/empresa-transporte-responde-assedio.pdf>. Acesso em: 17 mai.2018.
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VOLTAR AO SUMÁRIO 14
CONCLUSÃO
Esta pesquisa constatou a dificuldade de se enquadrar as diversas formas de conduta de
violação à dignidade sexual praticada no âmbito dos transportes públicos à algum tipo penal já
existente. Depreende-se que a conduta deve ser analisada de forma individualizada, de modo que,
dependendo do caso, algum tipo penal existente será mais adequado ou, até mesmo, nenhum
tipo penal, havendo a não aplicação da pena.
Diante dos casos midiáticos apresentados, tem-se que o mais comum atualmente é o do
sujeito que ejacula sobre terceiro que se encontra dormindo e, consequentemente, é incapaz de
anuir ou dissentir quanto ao ato de cunho sexual praticado. Nesses casos as formas de
enquadramento aplicadas tem sido o estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante
fraude ou a importunação ofensiva ao pudor.
Conforme apresentado no decorrer do presente artigo, tem-se que o delito de estupro
não seria aplicável à maioria dos casos, pois não há violência ou grave ameaça para dar substrato
à tipicidade, elementos necessários para a configuração do referido tipo penal. Diante disso,
resta reconhecer na conduta do sujeito que ejacula sobre terceiros a pratica de um ato libidinoso,
pois visa satisfazer a lascívia do agente (requisito subjetivo) e possui sentido sexual (requisito
objetivo).
Desse modo, verifica-se que tal pratica estaria incursa nas penas do art.217-A, §1º do
Código Penal (estupro de vulnerável), pois a ejaculação feita sobre terceiro adormecido
implicaria em uma impossibilidade de oferecer resistência. Ressalta-se que, conforme citado
anteriormente, Rogério Greco destaca que uma das formas de impossibilidade de oferecer
resistência é o sono profundo.
De outro modo, salienta-se que há quem defenda que estando a vítima acordada, ou
seja, com possibilidade de oferecer resistência, poder-se-ia falar em contravenção penal de
importunação ofensiva ao pudor, inexistente a violência ou a grave ameaça.
Visando combater as divergências e a dificuldade dos aplicadores do direito quando da
aplicação do tipo penal adequado a tais casos semelhantes, foi proposto o projeto de Lei nº
312, de 2017 de autoria da Senadora Marta Suplicy do PMDB/SP que visa a alteração do Código
Penal para prever o crime de molestamento sexual, designando pena de reclusão, de 03 a 06
anos, a quem constranger ou molestar alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prática
de ato libidinoso diverso do estupro.
Ocorre que o novo possível tipo penal prevê, mais uma vez, a necessidade de violência
ou grave ameaça para a caracterização do crime, de modo que os demais casos de ejaculação
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836 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO15
em pessoas que se encontram dormindo, quando em sua grande maioria nem há contato físico
entre o agente e a vítima, por exemplo, não estariam abarcados. Assim, não poderia o sujeito
que pratica tais atos ficar incurso em tal nova tipificação penal.
Diante do exposto, fica evidente a intensa divergência de opiniões quanto ao tipo penal
vigente adequado à aplicação dos atos de violação à dignidade sexual no âmbito dos transportes
públicos, mas tais discussões vêm gerando pressão para a criação de um tipo penal especifico
pelo Legislativo, principalmente diante da dificuldade do Judiciário no momento de aplicação
da lei penal, o que gera, por muitas vezes, uma diferença grande de pena aplicada a sujeitos que
cometeram delitos muito semelhantes. Ainda mais que em outras situações a vítima não se
encontra dormindo, mas sofre assédio sexual em razão da superlotação dos transportes públicos
brasileiros.
Com a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que condenou a Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos a pagar danos morais à passageira que sofreu assédio sexual
em um de seus vagões, mencionada anteriormente, abre precedente para que demais vítimas
possam recorrer, ao menos à esfera cível, para tentar ter os danos do abalo em sua incolumidade
físico-psíquica minimamente reparados.
Ressalta-se que todas as formas de violência sexual devem ser combatidas pelo Estado,
devendo o Poder Legislativo acompanhar a evolução social e adequar as nossas leis a este
cenário constantemente evolutivo e inovador.
De qualquer modo, enquanto não há tal previsão especifica, deverá ser feita a análise
casuística, de forma a proporcionar a tipificação mais adequada ao caso concreto e evitar que tal
comportamento continue se perpetuando na sociedade da forma crescente como tem ocorrido. REFERÊNCIAS
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BARBOSA, Ruchester Marreiros. Ejacular em público só é importunação na cultura do estupro. Disponível em:
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837Revista de Artigos Científicos - V. 10, n.1, Tomo II (K/Y), jan./jun. 2018
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VOLTAR AO SUMÁRIO 2
JUSTIÇA RESTAURATIVA: ANÁLISE DO INSTITUTO NO ÂMBITO INFRACIONAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR
Keilah Medelene Silva de Oliveira
Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogada.
Resumo – O presente artigo científico abordou a Justiça Restaurativa como forma alternativa e complementar à Justiça Tradicional para solução de conflitos, envolvendo adolescentes autores de atos infracionais. Foi realizado um estudo sobre esse método alternativo, sua compatibilidade com o sistema jurídico nacional e aplicabilidade, com ênfase na figura do jovem infrator, considerando sua realidade e possibilidade de reintegração social. Palavras-chave – Direito. Adolescente infrator. Justiça Restaurativa. Aplicabilidade. Ressocialização. Sumário – Introdução. 1. Aplicação da Justiça Restaurativa como método eficaz de resolução de conflitos à luz da realidade brasileira. 2. Compreensão da realidade para resgatar e transformar, não apenas castigar. 3. Aplicação restaurativa como alternativa eficaz de reinserção à sociedade do adolescente em conflito com a lei. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa científica tem como proposta analisar a contribuição da Justiça
Restaurativa para o tratamento dos adolescentes infratores amparados pela Lei 8.069, de 13 de
julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) e sua ressocialização, como
medida apta a previnir futuras condutas ilícitas.
O elevado número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em razão da
prática de atos infracionais e o cenário crescente de jovens em contato com a criminalidade
despertam a reflexão sobre a aplicação de métodos alternativos de resolução de conflitos,
capazes de entender e solucionar os motivos que propulsionam essa realidade degradante.
As medidas socioeducativas tipificadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
demonstram graves falhas, carecendo o ordenamento jurídico brasileiro cada vez mais de um
mecanismo alternativo ou complementar para lidar com os conflitos nessa seara. Em algumas
situações, o Estado não está preparado para atender a demanda de oferecimento de condições
para o cumprimento de medidas socioeducativas, por isso aplicam-se medidas que não se
coadunam com os parâmetros exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Como não
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840 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO 3
há estrutura e meios adequados para o seu cumprimento, o resultado é a ineficácia das
mesmas, tanto no atendimento quanto na recuperação.
Inicia-se o primeiro capítulo do trabalho abordando o sistema restaurativo,
apontando-o como competente instrumento para a concretização de uma nova forma de
justiça, eficaz na resolução dos conflitos, fomentando a inclusão social e o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
Segue-se, no segundo capítulo, uma análise sobre a realidade fática dos adolescentes
infratores, as condições nas quais vivem, problemas enfrentamos, bem como a realidade
jurídica, observando os obstáculos enfrentados pelas medidas socioeducativas durante sua
execução, que acabam por tornar ineficaz sua função ressocializadora.
O terceiro capítulo trata sobre a Justiça Restaurativa, como forma de resolução dos
conflitos praticados por adolescentes, com potencial para contribuir para o retorno do jovem
infrator à vida social, colocando em prática o que se entende por proteção integral e
garantindo o tratamento especial ao adolescente.
Por fim, a pesquisa é desenvolvida pelo método hipotético-dedutivo, uma vez que o
pesquisador pretende eleger um conjunto de proposições hipotéticas, as quais acredita serem
viáveis e adequadas para analisar o objeto da pesquisa, com o fito de comprová-la ou rejeitá-
la argumentativamente. Para tanto, o pesquisador pretende se valer da bibliografia pertinente à
temática em foco – analisada e fichada na sua fase exploratória da pesquisa (legislação,
doutrina e jurisprudência) – para sustentar sua tese.
1. APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MÉTODO EFICAZ DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS À LUZ DA REALIDADE BRASILEIRA
Diferentemente do modelo retributivo, o modelo restaurativo observa o crime como
um ato que afeta a vítima, o infrator e toda a comunidade, causando danos que devem ser
restaurados numa dimensão social. Apresenta-se como uma proposta que destaca uma nova
ética, pautada pela inclusão, pela co-responsabilidade e pela participação democrática,
envolvendo de forma significativa os afetados diretamente pelo conflito, como o ofensor, a
vítima e a sociedade, sempre na busca por soluções que tendem a reparar o dano a promover a
harmonia.
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VOLTAR AO SUMÁRIO 4
Sua trajetória histórica no Poder Judiciário brasileiro iniciou-se há mais de uma
década, utilizado nos conflitos envolvendo adultos que praticaram infrações penais de menor
potencial ofensivo em Brasília e adolescentes que incorreram na prática de ato infracional, no
Rio Grande do Sul e São Paulo1. Ressalta-se que, muito embora a legislação não regulasse
expressamente a possibilidade de adoção da abordagem restaurativa nesses casos, os
princípios e dispositivos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei 9.099/95
permitiram que os projetos fossem desenvolvidos.
Em 2012, foi promulgada a Lei nº 12.5942 , instituindo o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE), focado em regulamentar a execução das medidas
socioeducativas destinadas aos adolescentes que pratiquem atos infracionais. Mais
especificamente, em seu artigo 35, inciso III3, coloca-se a Justiça Restaurativa e as práticas
comumente a ela vinculadas como meio prioritário de resolução de conflitos:
Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.
Dentre suas características, manifestam-se a voluntariedade na participação,
multidisciplinaridade na intervenção, empoderamento dos envolvidos, horizontalidade das
relações, valorização das soluções dialogadas, ressignificação do papel do ofendido e da
comunidade no processo, a busca pela reintegração sem estigmas do ofensor na sociedade,
bem como confidencialidade do procedimento – para que os envolvidos possam demonstrar
sinceridade, em vez de esconder suas intenções e opiniões.
1 LARA, Caio Augusto Souza. Justiça restaurativa como via de acesso à Justiça. Disponível em: Acesso em: 18 mar.2018. 2 BRASIL. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Dispõe sobre sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Disponível em: Acesso em: 09 mar. 2018. 3 Ibidem.
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VOLTAR AO SUMÁRIO 5
Quem bem definiu o conceito de Justiça Restaurativa foi Sérgio Garcia Ramírez,
entendida por ele como uma variedade de práticas que buscam responder o crime de uma
maneira mais construtiva que as respostas dadas pelo sistema punitivo-tradicional, seja o
retributivo, seja o terapêutico. Correndo o risco de simplificação excessiva, poderia-se dizer
que a filosofia deste modelo, por ele apresentada, resume-se em responsabilidade, restauração
e reintegração. Responsabilidade do autor, no sentido de que cada um deve responder pelas
condutas que assume livremente; restauração da vítima, que deve ser reparada, e deste modo
sair de sua posição de vítima; reintegração do infrator, restabelecendo-se os vínculos com a
sociedade que ele também danificou com o ilícito4.
Nesse modelo de resolução de conflitos, afasta-se a ideia de apenas determinar a
culpa e a consequente pena ao transgressor, para também fazê-lo compreender o que ocorreu,
a consequência causada pela infração ou ato infracional e avocar a responsabilidade de não
reincidir. Deve-se fazer com que o infrator reflita sobre seu ato e as consequências da infração
por ele cometida, pois, com a compreensão de todas as implicações de sua conduta, maior
será a probabilidade de que não volte a praticá-la. Sem “culpados” ou “inocentes”, mas alguns
responsáveis pelas situações que geram conflito ou violência, a ideia não é simplesmente
punir alguém pelo que houve no passado, mas construir em conjunto algo melhor para o
presente e futuro.
Sob o aspecto da atual conjuntura do sistema penal, muito se questionou sobre sua
efetiva aplicabilidade à luz da realidade brasileira, se, de fato, funcionaria e seria aplicado,
considerando seus pontos relevantes, ou seria um sistema com aplicação ainda distante, sem
qualquer efetividade.
Tem-se verificado progressiva ampliação e o fortalecimento dos debates, estudos e
capacitações relativas à aplicação da Justiça Restaurativa, de modo a torná-la mais eficiente,
bem como a verificação das técnicas mais adequadas de acordo com o contexto que permeia
cada local e circunstância de implementação.
Além disso, é possível constatar notório envolvimento de estudiosos de diversas
áreas do conhecimento, tais como Serviço Social, Educação, Psicologia, Sociologia, entre
outras – para melhor compreender os problemas oriundos das condutas desviantes e buscar
alternativas para as penas que hoje são impostas, visivelmente ineficazes, não trazendo
nenhum benefício nem para a sociedade e vítima, muito menos para o infrator –, bem como
operadores do sistema de justiça, como juízes, promotores, defensores e advogados nessa
4 RAMÍREZ. Sérgio García. Em busqueda de la terceira via: la justicia restaurativa. Revista de Ciencias Penales. Inter Criminis. Cidade do México: Inacipe, n.13, p. 204, abr./jun. 2005.
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questão, o que permite depreender que a aplicação efetiva do modelo restaurativo não está
distante, mas, configura-se, sim, como modelo alternativo e complementar de resolução dos
conflitos.
À luz da realidade brasileira, a discussão sobre o método já perpassa por vários
estados e instâncias, o que demonstra progressivo interesse por tal modelo como alternativo
para a resolução de conflitos. O Brasil é um dos países mais violentos do mundo e dono de
uma população carcerária que cresceu oito vezes nos últimos 26 anos. Juízes, promotores e
advogados acreditam que esse modelo de entendimento entre vítima e acusado pode ajudar a
sociedade a compreender que justiça dentro da lei não depende apenas do sistema judiciário.
Nesse ponto, é importante frisar que a Justiça Restaurativa, aqui analisada, não tem
como finalidade extinguir o modelo tradicional de Justiça Retributiva, mas funcionar como
uma alternativa, com a participação do infrator e vítima, ativamente, visando à dignidade da
pessoa humana, consagrada na Constituição Federal de 1988.
É possível, no Brasil, eficácia do método restaurativo, desde que observados os
princípios e garantias fundamentais às partes, sendo uma oportunidade de adoção a uma
justiça democrática, participativa e capaz de operar uma transformação na realidade do país.
É bem verdade que ainda há, no Brasil, desafios a serem encarados, de modo a tornar
esse sistema restaurativo mais efetivo. É preciso pensar na criação de um sistema de
integração real entre Estado e demais instituições sociais, além de uma profunda mudança
cultural na sociedade, haja vista que, para acolher práticas restaurativas e as sessões de
mediação, o Estado deve garantir às crianças e adolescentes pleno exercício de sua cidadania,
por meio de políticas públicas de inter-relação entre família, comunidade, Estado e a
sociedade civil.
2. COMPREENSÃO DA REALIDADE PARA RESGATAR E TRANSFORMAR, NÃO
APENAS CASTIGAR
Como um dos pontos de transformação, é fundamental que se examine a conjuntura
jurídica, fática e a responsabilização daqueles que se encontram em conflito com a lei, em
especial os adolescentes, objeto de análise do presente artigo.
É notória a realidade degradante em que vive o Brasil no que diz respeito aos índices
de violência. A sociedade contemporânea vivencia certo pânico social diante dos crescentes
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VOLTAR AO SUMÁRIO 7
índices de criminalidade e violência propagados pelos meios de comunicação. Diariamente,
tem-se noticiado a ocorrência de homicídios, latrocínios, furtos e roubos, e infelizmente, o
que se tem constatado é que essas práticas criminosas têm contato com grande participação de
adolescentes autores de atos infracionais, considerados “iniciantes na vida criminosa”.
De acordo com os dados levantados pelo Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), referentes ao ano de 2016, foram 27.799 atos infracionais para
26.450 adolescentes em atendimento socioeducativo em todo o país. Destaca-se que o número
de atos infracionais supera o número de adolescentes e jovens em restrição e privação de
liberdade pela possibilidade de atribuição de mais de um ato infracional a um mesmo
adolescente5.
Constatou-se pelos dados apresentados que 47% (12.960) do total de atos
infracionais, em 2016, foram classificados como análogo a roubo (acrescido de 1% de
tentativa de roubo) e 22% (6.254) foram registrados como análogo ao tráfico de drogas. O ato
infracional análogo ao homicídio foi registrado em 10% (2.730) do total de atos praticados,
acrescido de 3% de tentativa de homicídio6.
Diante desse cenário, buscam-se justificativas para esse crescente aumento de
adolescentes envolvidos nos conflitos, como falta de planejamento familiar, ausência
disciplinar na família (contexto familiar desgastado e desestruturado), evasão escolar e a
consequente falta de oportunidades - uma vez que ficam “presos” àquilo que o contexto
social, em que vivem, oferecem-lhes. Neste ponto, não há como negar que o grau de
escolaridade influencia, e muito, nas escolhas feitas por esses jovens, haja vista que o livre
arbítrio e as oportunidades são limitadas pela realidade vivenciada.
A única certeza que se tem sobre essa realidade é do descaso do poder público em
concretizar efetivamente políticas públicas de qualidade em atenção aos direitos fundamentais
de seus cidadãos, de forma que propiciem condições de sobrevivência com dignidade a todas
as crianças e adolescentes, retirando-os de condições marginalizadas e constantes perigos.
Dessa forma, livrando-os de um futuro degradante, consequente de suas condutas delituosas,
bem como trazendo segurança à sociedade, que vive em constante temor.
O histórico brasileiro mostra uma sociedade pouco preocupada com as crianças e os
adolescentes, tratando-os como delinquentes, como problema do Estado. As crianças e os
adolescentes só foram reconhecidos como sujeitos de direitos e em especial condição de 5 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Disponível em: Acesso em: 11 dez. 2017. 6Idem.
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desenvolvimento, a partir da Constituição de 19887 e com a promulgação da Lei nº 8.0698, de
1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, consolidando a Teoria
Proteção Integral.
Ao analisar a realidade presente no país, com a diminuição das condições materiais
dos sujeitos, nota-se que acaba ocorrendo um direcionamento à miséria e à situação de
marginalidade. Grossi e Bulla salientam que: A questão social hoje passa a ser objeto de um
violento processo de criminalização, que atinge principalmente as classes mais
desprivilegiadas economicamente, até chamadas de “classes perigosas”, e a resposta do
Estado passa a ser a repressão e a segurança, ao invés de constituir políticas de proteção e de
combate à pobreza.9
O Estado apropria-se da mazela social, criando formas “alternativas” de combate à
criminalidade, retrocedendo a práticas reducionistas e coercitivas, no lugar de resolver o
problema em sua origem - como propor a reforma da base, com melhorias na educação e
programas de planejamento familiar, com a finalidade de resgatar vidas da miserabilidade.
Percebe-se, portanto, a substituição de um Estado de Bem-Estar Social - que deveria
promover condições dignas para a sociedade e, assim, evitar o acirramento da prática
criminosa - para um Estado que somente visa a reprimir e punir as condutas em conflito com
a lei. É uma situação que gera estigmatização de toda uma classe e a criminalização de um
estrato social por sua situação econômica. Diante disso, torna-se inevitável fazer a conexão da
questão criminal com a questão social, que precisa ser tratada com seriedade e amplas
reformas.
Não havendo, ainda, políticas sociais eficazes de modo a evitar a prática de condutas
criminosas, uma vez cometido o ato infracional, surge para o adolescente infrator, como
consequência, a aplicação da medida socioeducativa pelo Estado, que tem como finalidade,
pelo menos em tese, de ressocializá-lo, como forma de preservar não apenas a ordem pública
e a segurança, mas também, e principalmente, a si próprio.
Ocorre que, diante da realidade em que se apresenta legitimada pelo uso sistemático
da força na reprodução social de relações de subordinação e opressão, em que adolescentes
pobres são especialmente vulneráveis, remete a um desafio, como pensar a socioeducação,
campo convencional do uso da força, da privação de liberdade, na perspectiva de defesa de 7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 8 Idem. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 mar. 2018. 9 GROSSI, Patrícia Krieger; BULLA, Leônia. A Questão Social. Material discutido em sala de aula não publicado. Disciplina Serviço Social e Políticas Sociais. Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUCRS – Mestrado. 2005/2. (2005, p.4).
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846 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
VOLTAR AO SUMÁRIO 9
direitos? Seria a pura e simples aplicação da medida socioeducativa capaz e suficiente de
promover a ressocialização e a educação do adolescente como descreve sua finalidade?
Sabe-se - a partir do que se constata diariamente nos noticiários televisivos, bem
como por meio da realidade apresentada na Vara da Infância e da Juventude - que a simples
aplicação da medida não diminuiu a reincidência de forma absoluta ou, ao menos,
considerável. O que se percebe é a necessidade de se implementar métodos eficazes de
solução de litígio, além da medida, bem como aplicar políticas públicas reformadoras da
realidade, capazes de trazer oportunidades para esses jovens marginalizados.
Nesse sentido, Pedra10 aduz que:
Talvez seja a ineficácia na execução das medidas socioeducativas um dos motivos que tanto tem contribuído para que os jovens se envolvam cada vez mais com o mundo do crime. Quer enquanto menor, quer após alcançar a maioridade penal. Violência gera violência, portanto, se considerarmos que, a omissão da família, da sociedade, sobretudo do Estado, é uma violência para com os jovens, estes se sentirão no direito de revidar com violência[...] A forma com que se tem aplicado as medidas socioeducativas, muito tem contribuído para que os adolescentes tenham uma personalidade deformada, com sentimento de revolta, receio, preconceito, tristeza e abandono social, contribuindo também para que se voltem para o mundo do crime.
Como alternativa possível, tenha-se o fortalecimento da esfera pública, com novas
relações entre Estado e sociedade civil nas formas como se constituem políticas públicas e o
próprio Sistema de Justiça. Segundo Bravo e Pereira11, isto remete a pensar em formas de
trabalhar no fortalecimento dos sujeitos coletivos; dos direitos sociais e na necessidade de
organização para sua defesa; construir alianças com os sujeitos, destinatários dos serviços na
sua efetivação.
Nesta perspectiva de contribuir junto ao sistema de justiça no sentido de estar
buscando novas formas para além de simplesmente aplicá-las, ou seja, novas formas de
“como” aplicá-las e democratizá-las frente aos conflitos que reclamam a intervenção estatal é
que se busca conectar as demandas expressas na ampliação do Estado Penal com a Justiça
Restaurativa.
As medidas aplicáveis aos casos de delinquência juvenil, isto é, aos autores de atos
infracionais, devem sempre buscar a reflexão do jovem sobre sua conduta praticada. Ainda
que o adolescente incorra em erro, deve-se observar a sua condição de pessoa em
10PEDRA, Solange Aparecida Tristão. A ineficácia da aplicação da medida socioeducativa de obrigação de reparar o dano. Monografia apresentada ao curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em 3 de dez.2017. 11 PEREIRA,Potyara Amazoneida Pereira. Estado, regulação e controle democrático. In: BRAVO, Maria Inês Souza ; PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira (org) Política social e democracia. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2001.
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VOLTAR AO SUMÁRIO 10
desenvolvimento, sendo necessário que as medidas cumpridas não sejam vistas apenas como
punições, mas também como ensinamentos.
A justiça restaurativa permite que a vítima perceba a realidade, a história de vida do
ofensor, o que o motivou, o que o incentiva a agir de maneira errada. O diálogo proposto, por
meio da justiça restaurativa, permite que a efetividade desse tipo de solução de litígio. Isso
porque a vítima tem a oportunidade de olhar nos olhos do ofensor e contar para ele qual foi o
impacto na vida dela e tem uma possibilidade de ouvir do autor qual é a história dele, por que
ele chegou ali.
Esse diálogo, proposto na técnica restaurativa, além de ser direcionado para que haja
um acordo entre as partes, visando a reparação do dano causado à vítima, também permite
que as causas que motivaram o ofensor a praticar o ato condenado sejam levadas em
consideração, de modo que sejam criadas condições que evitem a reincidência.
É uma nova proposta de aplicação de justiça carregada nos princípios que vêm ao
encontro de formas e estratégias que visam a prevenir e que podem contribuir através da
efetivação de processos sociais, pois estes virão incluir, co-responsabilizar e estimular a
participação democrática dos sujeitos. Visa uma mudança de paradigma, subvertendo a lógica
da punição como combate à violência.
3. APLICAÇÃO RESTAURATIVA COMO ALTERNATIVA EFICAZ DE REINSERÇÃO
À SOCIEDADE DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
Inicialmente, é preciso ter consolidado que a justiça restaurativa não é sinônimo de
impunidade. Pelo contrário, é muito mais difícil fazer com que o ofensor tenha
responsabilidade e reconhecimento da gravidade do ato praticado e as consequências deste à
vítima. Na punição retributiva, geralmente, o ofensor acha que, por ter cumprido sua medida
socioeducativa, está livre, podendo cometer novamente o mesmo ato infracional.
Nesse sentido, o professor Marcelo Salmaso12 ressalta que é muito mais difícil se
responsabilizar pelo ato praticado e encarar o mal que fez para outra do que a simples
punição. Para ele, é a punição que desresponsabiliza, pois, normalmente, o ofensor cria uma
12 Marcelo Salmaso, juiz e coordenador do Núcleo da Justiça Restaurativa da Comarca de Tatuí e membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJ-SP – Disponível em: < https://tab.uol.com.br/justica-restaurativa/#frases-2 >. Acesso em 12 abr.2018.
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VOLTAR AO SUMÁRIO 11
série de desculpas para fazer o que fez, é punido, encara-se como vítima desse sistema e, por
fim, pensa “vou cumprir essa pena, fico quite com a sociedade e posso voltar a fazer o que
estava fazendo”.
Diante desse cenário, há necessidade de que seja desenvolvido um trabalho mais a
fundo, além da simples aplicação das medidas socioeducativas, com mais eficácia, maior
contato com esse adolescente em situação de perigo, promovendo sua ressocialização e
reeducação, de modo a transformar suas escolhas, reintegrando-os na sociedade, na família e
na comunidade.
Como já abordado no presente trabalho, muitos desses adolescentes infratores sobre
os quais incidem a aplicação da medida socioeducativa, após cumprirem-na, cometem
novamente atos infracionais, tornam-se reincidentes, o que mostra, infelizmente, que somente
isso não basta. O ordenamento jurídico carece cada vez mais de um mecanismo para lidar
com os conflitos nessa seara.
Deve-se atentar para a implementação de programas interdisciplinares de modo a
transformar sua realidade, proporcionando-lhes alternativas para uma vida digna fora da
marginalidade em que vivem, em observância ao princípio da dignidade humana bem como
ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente.13
A justiça restaurativa é um dos métodos que contribuem para essa responsabilização
do adolescente pela restauração no âmbito social, uma vez que promove sua reflexão sobre os
danos causados à vítima, bem como as consequências não só na esfera patrimonial, mas que
repercutem na vida emocional (como frustrações, traumas, medos, perdas) da vítima. Trata-se
de um diálogo - conforme já abordado no presente artigo - que busca a construção de um
acordo que atenda às necessidades de todas as partes, uma vez que a vítima também escuta os
motivos que impulsionaram a prática do ato infracional, bem como realidade do infrator.
Pensando-se em alcançar os problemas internos, de repercussão externa, com o qual
as crianças e adolescentes envolvidas com a prática de ato infracional convivem diariamente,
onde quer que elas estejam, e suplantá-los, chegou-se à ideia da aplicação de práticas
restaurativas, em especial a do Círculo de Construção de Paz, devido à sua composição
13 Nesse sentido, Rosane Porto afirma que o que se vê é que muitos são os investimentos públicos em construções de instituições para medida de internamento e pouco incentivo aos Estados e os municípios com programas de medidas em meio aberto. Se o contrário ocorresse, além de reduzir custos para os cofres públicos, maiores seriam as possibilidades de retorno jovem em conflito com a lei para a sociedade, no sentido de o adolescente estar próximo de sua família e conseguir inserção na comunidade. PORTO, Rosane Teresinha Carvalho. Ajustiça restaurativa e as políticas públicas de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil: uma análise a partir da experiência da 3ª vara do juizado regional da infância e da juventude de Porto Alegre. 2008. 182 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas) - Universidade de Santa Cruz