REVISTA de TEOLOGIA

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REVISTA de TEOLOGIA NO CONTEXTO AFRICANO Número - 001 2014 Estudos de Teologia no Istha Paz, Reconciliação e Unidade no Contexto Angolano Perspectiva da Educação Teológica no Contexto da Serra Leoa A Perspectiva Teológica de África

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REVISTA de TEOLOGIA NO CONTEXTO AFRICANO

Número - 0012014

Estudos de Teologia no Istha

Paz, Reconciliação eUnidade no ContextoAngolano

Perspectiva da Educação Teológica no Contexto da Serra Leoa

A Perspectiva Teológica de África

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A Teologia no Contexto Africano Queremos dar-vos as boas vindas a uma nova experiência – uma Revista online com artigos da autoria de teólogos africanos. Algo de importante que temos aprendido nas últimas décadas é que as eternas verdades de Deus devem enraizar-se e ter relevância onde quer que sejam aprendidas e vividas. A isso se chama o “contexto” para o ministério. A cristandade está a amadurecer e a crescer em África. A Igreja Metodista Unida tem 16 escolas de teologia e colégios universitários para pastores no continente africano. Estes estabelecimentos de ensino destinam-se a ajudar os cristãos, cuja fé é crescente, a ver as verdades eternas através de uma perspectiva africana. Como é que a fé se aplica às suas vidas diárias? O que é que a história que nos fala de “Alimentar 5.000” significa no meio da pobreza? O que é que o “Príncipe da Paz” tem para dizer às nações africanas? Em 2011, foi criada a African Association of United Methodist Theological Institutions [Associação Africana das Instituições Metodistas Unidas de Teologia]. À medida que os decanos e os professores se reuniam, isso permitia-lhes partilhar as suas celebrações e os seus desafios e dificuldades. Também podiam falar, sob o ponto de vista teológico, sobre a sua vocação e sobre os seus objectivos para moldar os líderes espirituais tendo em conta o futuro da igreja. Com o intuito de expandir esse diálogo, criaram esta Revista chamada “A Teologia no Contexto Africano”, para que estas conversas se possam realizar em todo o mundo. A história de Pentecostes referente ao Espírito Santo conhecido em várias línguas, continua a ser a história em África. As instituições de teologia em África usam três línguas principais, que são o francês, o inglês e o português, para além dos dialectos locais e das suas variações, nomeadamente o swahili e o shona. Apesar de não podermos publicar esta Revista em todas as línguas, estamos a fazê-lo em três línguas. Convidamo-los a ler e a partilhar estes primeiros artigos e a manter-vos atentos aos próximos artigos que virão. Se quiserem entrar em contacto e conversar com a AAUMTI (African Association of United Methodist Theological Institutions), recomendamos que comuniquem directamente com o Presidente do Conselho Editorial, o Dr. Sidney Cooper, da Serra Leoa. O seu email é [email protected]. Reverenda Dra. Rena M Yocom Secretária Geral Adjunta Formação do Clero e Educação Teológica Junta Geral de Ensino Superior e Ministério Igreja Metodista Unida

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Contribuição pelo Professor Reverendo Nathanael Ohouo ESTUDOS DE TEOLOGIA NO ISTHA (Instituto Superior de Teologia de ABADJIN-DOUME na Costa do Marfim) CONTEXTO E FUNDAMENTAÇÃO A Universidade Metodista Unida na Costa do Marfim [Université Méthodiste Unie – Côte d’Ivoire (UMECI)], através do ISTHA, como instituição de formação permanente para os trabalhadores da Igreja Metodista Unida na Costa do Marfim, deve procurar organizar um simpósio (conferência, seminário) em colaboração com as várias entidades implicadas na vida da Igreja Metodista Unida na Costa do Marfim. Porquê esta conferência? Esta instituição de formação é muitas vezes interpelada através da pergunta que se segue:

Existe um equilíbrio perfeito entre a formação tal como a mesma é oferecida na sua própria estrutura e os problemas com os quais as igrejas metodistas unidas se defrontam e sobretudo as respostas que devem fornecer para os controversos problemas actuais que assombram todas as mentes da população da Costa do Marfim?

A dita conferência tem de ser definitivamente organizada para servir de apoio a esta problemática, tendo em conta que a necessidade mais premente que o ISTHA enfrenta actualmente é o trabalho para reconciliar a formação teológica e o compromisso social das igrejas. Como é óbvio, todos os elementos da Igreja Metodista Unida são chamados a oferecer as suas contribuições dado que:

As instituições de formação teológica e pastoral afastam-se cada vez mais das realidades da sociedade. A razão deve-se ao facto de que os Pastores e os Teólogos se comportam demasiadas vezes como “elites” acima das “massas populares”.

Infelizmente, as instituições de formação teológica e pastoral modelam muito frequentemente

o programa de ensino no programa das instituições ocidentais, as quais são, em geral, inundadas de grandes teorias que, frequentemente, não possuem uma fundamentação específica na vida quotidiana das populações.

A multiplicação dos centros de formação nas diversas regiões do continente africano requer

uma política global da sua rentabilidade, da sua complementaridade e da sua ligação.

Hoje em dia, as igrejas assemelham-se mais a centros de doutrinação e de formação; parecem-se mais com instituições à procura de novos membros do que a ambientes e locais através dos quais se providenciam ou se tentam providenciar soluções apropriadas e duradouras para os desafios sociais dos nossos dias. Por conseguinte, pertence-nos a nós optar por uma teologia realmente contextual, uma teologia que tem em conta os

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valores do Evangelho e a sua integração na sociedade da Costa do Marfim. A missão da Igreja consiste em acalentar e dar testemunho com base no Evangelho, espalhar as Boas Novas, com vista a elucidar os homens e as mulheres sobre as situações sociais, culturais, económicas e políticas do nosso país.

Numa sociedade da Costa do Marfim na qual os valores ancestrais já não têm direito a existir

e onde os jovens, sem qualquer ponto de referência, caem na droga, na delinquência, na prostituição e na homossexualidade;

As perturbações sociopolíticas têm originado um clima de intolerância em todo o lado.

Todos os trabalhadores e todos os intelectuais só procuram fugir deste país para uma “vida

melhor” no ocidente, um ocidente que mal os aprecia e quer. A Igreja é desafiada por uma sociedade africana que está em risco de explodir. Perante isto, que fazer?

Neste contexto, que constitui um novo desafio para a Igreja Metodista Unida da Costa do Marfim (EMU-CI) e para o Evangelho, os futuros líderes da EMU-CI devem ser preparados com vista a enfrentar o problema a fundo e a oferecer soluções concretas, justas e duradouras. DENOMINAÇÃO ISTHA DA UMECI - FORMAÇÃO TEOLÓGICA E PRÁTICA DA TEOLOGIA OU PRÁTICA ECLESIÁSTICA OBJECTIVOS O objectivo global é o seguinte: Redefinir a política da formação teológica. Além disso, existem os objectivos específicos que se seguem:

Interrogar a sociedade sobre os problemas que a minam; Procurar o esclarecimento da Bíblia; Suscitar que as Igrejas discutam o seu compromisso social; Capitalizar nas realizações; Partilhar as experiências; Iniciar um plano de acção prático.

BENEFICIÁRIOS

Os fiéis cristãos, tanto os homens como as mulheres; Os professores e os alunos das diferentes instituições de formação em África; Os dirigentes das Igrejas; Os pastores; As igrejas; Os leigos detentores de responsabilidades específicas;

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Os participantes sociais e políticos; As organizações eclesiásticas.

RESULTADOS ESPERADOS No âmbito da conciliação da formação inicial, da expectativa das Igrejas e da prática eclesiástica, do compromisso das Igrejas para com uma sociedade mais justa e não violenta, este simpósio espera obter os resultados que se seguem:

1. Uma nova interpretação da teologia que tem em conta a vivência quotidiana das populações;

2. A elaboração de uma Teologia práxis comunitária; 3. Uma redescoberta assim como uma releitura do texto bíblico à luz dos problemas que

minam as nossas sociedades; 4. A emergência de uma nova pedagogia teológica e pastoral em ligação com a vivência

quotidiana das populações; 5. A introdução de novos métodos de disseminação do Evangelho; 6. A articulação de uma reflexão teológica em conformidade com o contexto de cada região

do continente africano; 7. A implementação de programas modulares de ensino pondo em evidência a relação entre

a teologia, a paz, a justiça e a reconciliação; 8. A emergência de uma nova sociedade; 9. Uma nova imagem e uma nova visão das Instituições de formação; 10. A aproximação das Instituições de formação entre si.

PLANO DETALHADO

As matérias ensinadas na Faculdade (UFR) de Teologia do ISTHA (Institut Supérieur de Théologie d’Abadjin-Doumé) estruturam-se como nas outras Faculdades de Teologia Protestante na Europa e em África em quatro campos disciplinares principais; por outras palavras, trata-se de um conjunto de disciplinas que se agrupam em quatro ramos principais: Disciplinas Bíblicas · Antigo Testamento · Novo Testamento · Filologia Bíblica Disciplinas Históricas · História do Cristianismo Antigo · História da Reforma · História das Religiões (diversas expressões da religião) Disciplinas Sistemáticas · Dogmatismo · Ética · Filosofia da Religião

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Disciplinas Práticas · Teologia Prática · Musicologia · Sociologia NB.: O programa propõe uma formação em Ciências Bíblicas (Antigo e Novo Testamento), em História do Cristianismo, em Teologia Sistemática e em Teologia Prática). São oferecidas algumas cadeiras em Ciências das Religiões. Todas estas disciplinas se caracterizam por uma diversidade de abordagens, mas têm em comum a vontade de dialogar entre si e de se articular em volta da mesma consulta e da mesma pesquisa. Examinemos em detalhe os elementos que constituem estes campos disciplinares. Disciplinas Bíblicas

I - 1. O Antigo Testamento

O ensino do Antigo Testamento tem como objectivo:

• O estudo dos diferentes livros da Bíblia Hebraica a que os cristãos atribuem o nome de Antigo Testamento;

• Um estudo sério da história e da literatura do Próximo Oriente antigo; • Iniciação da leitura e da crítica dos textos levadas a cabo pelos alunos que

frequentam estas cadeiras; • O conhecimento dos géneros literários e do universo conceptual dos antigos

israelitas, a partir do estudo das línguas dos antigos israelitas; • A percepção das questões teológicas dos livros do Antigo Testamento.

I - 2. O Novo Testamento

O estudo do Novo Testamento baseia-se na compreensão dos 27 livros que constituem, incluindo o Antigo Testamento, os textos fundamentais do cristianismo.

A metodologia utilizada cobre uma vasta gama de elementos, nomeadamente:

• Análise de textos; • História do cristianismo nascente; • Conhecimento sobre o ambiente religioso judeu e o grego e daí, o estudo das

línguas do Novo Testamento. • Estudo da teologia que se encontra incluída em cada texto. Trata-se de determinar

como, cada um à sua maneira, os autores do Novo Testamento decidiram dar conta da irrupção de Deus na vida de todo mundo, através da vida, da morte e da ressurreição de Jesus, o Cristo.

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Disciplinas Históricas O ensino da história do cristianismo compreende tudo aquilo que, nos séculos passados, foi dito, feito ou pensado em referência directa ou indirecta ao cristianismo. Tem em consideração e confronta:

1. A doutrina e as práticas; 2. A teologia e os costumes; 3. As teorias da religião.

Este curso também introduz a aprendizagem dos métodos históricos, assim como a reflexão sobre a validade do conhecimento e a compreensão da história. Disciplinas Sistemáticas Reflexão a fundo sobre o conjunto da fé cristã nas suas variadas relações com o mundo cultural e religioso dos dias de hoje. A teologia sistemática abrange vários componentes didácticos:

• Dogmático; • Teologia fundamental; • Teologias contemporâneas; • Filosofia da religião; • Teorias da religião; • Ética.

NB.: O ensino da ética baseia-se nas diferentes tradições representadas pela filosofia e pela teologia. Os princípios fundamentais da ética relacionam-se com os fundamentos e os tipos de argumentação provenientes da reflexão moral; as convergências e as divergências entre a ética secular e a ética religiosa serão tidas em consideração. A ética aplicada, um outro elemento essencial, realiza análises de estudos de casos em diferentes domínios de carácter humano e social (sexualidade, medicina, política, ambiente, etc.). Disciplinas Práticas O ensino da Teologia Prática faz apelo às diferentes tradições representadas pela Prática da Teologia, Sociologia, Musicologia, etc. APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DO GRAU DE BACHARELATO * Os Semestres de 1 a 5 proporcionam ao aluno a formação de base em Teologia Protestante. Eis aqui os ramos disciplinares da teologia protestante:

• Disciplinas Bíblicas (línguas antigas, Antigo Testamento e Novo Testamento); • Disciplinas Históricas (história das diversas expressões da religião: judaísmo,

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cristianismo, maometismo, entre outras); • Disciplinas Sistemáticas (dogmática, ética, filosofia); • Disciplinas Práticas (teologia prática, musicologia, sociologia das religiões).

A estas unidades pedagógicas pertencentes ao estudo da Teologia Protestante acrescentam-se:

• A formação em metodologia universitária; • A formação em cultura geral (durante os dois primeiros semestres), incluindo sessões

com dias consagrados à interdisciplinaridade em teologia; • A formação em línguas vivas, o que permite aos alunos aceder a literatura teológica não

francófona (por exemplo, em inglês). * No fim do segundo e no início do terceiro semestre, os alunos frequentam um estágio de 60 dias de sensibilização às realidades profissionais (SRP). * No sexto semestre, o aluno escolhe entre o curso de estudos fundamentais ou teóricos e o curso de estudos aplicados ou práticos. * O curso de estudos fundamentais ou teóricos aprofunda os campos disciplinares inerentes à Teologia Protestante e prepara assim a entrada dos alunos num programa para a obtenção do Mestrado. Este é o diploma exigido pela UMECI com vista à qualificação como membro do clero. * O curso de estudos aplicados ou práticos destina-se principalmente aos alunos que não pretendem continuar para além do grau académico de Bacharelato em Teologia. Este curso oferece uma prática pré-profissional específica, que propõe várias opções, nomeadamente, a teologia prática, a sociologia, a musicologia, o diaconato, o acompanhamento e o aconselhamento pastoral e a psicopedagogia. Esta formação destina-se mais particularmente aos alunos que pretendem vir a ser catequistas, educadores especializados ou assistentes sociais de obras eclesiásticas, músicos de igreja, visitadores de doentes hospitalizados, etc. OBTENÇÃO DA CARTA DE CURSO OU DIPLOMA DE BACHARELATO Os estudos têm uma duração de seis semestres. O diploma de Bacharel é concedido após a obtenção de 180 créditos (isto é, 30 créditos por semestre). Os créditos obtidos em outras Faculdades podem ser apresentados à equipa de formação para a obtenção de validação. A equipa de formação é responsável por todos os trâmites do curso e pela concessão do diploma ou carta de curso.

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GREJA METODISTA UNIDA. CONFERENCIA ANUAL DO LESTE DE ANGOLA. FACULDADE METODISTA DE TEOLOGIA DO QUÉSSUA. ARTIGO PARA REVISTA DO ENCONTRO DA AAUMTI, CELEBRADO EM NAIROBI, KENYA DE 15 – 17 /09 / 2013. PERSPECTIVA TEOLÓGICA AFRICANA: Paz, Reconciliação e Unidade no Contexto Angolano O Deus da história da humanidade revela-se às nações e estas respondem através da sua religião. Actos verdadeiros entre o Criador e o ser humano são interpretados e sistemátizados em conhecimento teológico. A religião e a teologia devem caminhar de mãos dadas para se obter uma experiência de fé que leve a uma perspectiva teológica equilibrada de paz, reconciliação e unidade. Se deve reconhecer que com a existência da Associação Africana das Instituições Teológicas da Igreja Metodista Unida (AAUMTI), à África está dando passos significativos para a materialização desta visão. Contudo, entende-se por Perspectiva Teológica Africana como a maneira em que os africanos encaram e abraçam os conceitos teológicos dentro das suas tradições religiosas e sócio-culturais. Tendo em conta a diversidade e também a complexidade religiosa existente no continente berço da humanidade, a presente abordagem mostra a realidade de Angola neste sentido. Não apenas por ser o contexto mais próximo, mas também porque é deste lugar, cujas instituições de ensino superior teológico da Igreja Metodista Unida se fazem representar no terceiro encontro magno organizado pela AAUMTI em Nairobi, Kenia do 15-17 de Setembro de 2013. Semelhante ao que acontece com os outros povos africanos, os angolanos dentro das suas tradições e culturas, também se podem considerar religiosos. Nos tempos dos seus ancestrais se vivia uma realidade de fé que prevalece até hoje. Em todas as tribos do País se encontra um nome para referir a Deus. Por exemplo, nas diferentes línguas nacionais de origem Bantu, se usa um termo específico para o Ser Supremo que rege o curso da vida. O povo Kimbundu, Tchokwe e Kikongo chamam Deus de “Nzambi.” Os falantes da língua Umbundu com a tribo do mesmo nome Lhe atribuiem o nome “Suku.” Esses atributos a Deus servem de testimunha da fé prática dos habitantes de Angola através dos tempos. Com a chegada dos missionários, se identifica a divindade com o Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Com tanta diversidade étinica e cultural existente nesse meio será possível a unidade na fé? Em Angola a voz da paz falou mais alto que os gritos da guerra. Os filhos de Deus durante o combate no campo de tiro que durou cerca de três décadas, isto é, de 1975 até o ano 2002, souberam preservar a fé com a perspectiva da esperança. Foi uma fé unificadora que transformou o conflito armado num ambiente pacífico. A paz é fundamental para qualquer sociedade, porque os seus benefícios são visíveis aos olhos de todas as pessoas. Com essa tranquilidade nos dias de hoje se pode materializar o mandamento de Cristo de levar as boas novas do reino de Deus à todos os lugares (S. Mateus 28:19). Isso não seria possível quando uma nação se encontra num estado de agitação militar. A calma vivida hoje traz consigo muitos benefícios, não só materiais, mas também espirituais. Por exemplo, a distribuição equitativa dos bens da nação a todos, o desfrute

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do sossego espiritual do ser humano no seu viver quotidiano, um clima de desenvolvimento sócio-económico com a reabilitação de infransestruras, a melhoria de condições básicas da população e além disso a unidade em meio da diversidade nos vários domínios: social, político, económico, cultural e religioso. Pelo accionar de Deus o País hoje respira os ares da paz. O contexto religioso, cultural e teológico actual é diferente aos tempos de guerra. Pode-se alegar que a paz e a unidade da nação foi possível porque os homens antes desavindos se entenderam. Mas, fazendo uma leitura teológica na distância histórica revela - se uma paz que gerou a unidade somente pela graça de Deus. Muitos anos de sofrimento fizeram com que pessoas de fé intercedecessem através da oração à Jesus, o Rei da Paz que prefiriu entrar triunfalmente na cidade de Jerusalém montando um jumentinho, símbolo de humildade e paz e não num cavalo que se traduz em poder e guerra. Neste sentido, os factos desta história mais uma vez confirmam a palavra de Deus quando diz:

Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne, desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar, em si mesmo, dos dois, um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus, em corpo, matando com ela as inimizades (Efésios 2: 14 -16).

A carta do apóstolo Paulo aos Efésios, no capítulo dois, versículo 14, refere a paz usando a palavra grega: eirhnh. Note-se que o substantivo feminino paz encontra-se na forma nominativa, conferindo que a eirhnh que recebemos como resultado da morte de Jesus na cruz, também é nossa. Deve-se lembrar a apresentação que usava Jesus para com seus discípulos e seguidores: “paz seja convosco” (João 20:19). No versículo 2:16 se estabelecem relações entre eirhnh e a reconciliação. Em língua grega, a palavra que usa o texto bíblico referido acima, para referenciar a acção de reconciliar é: apokatallaxh. O verbo reconciliar está conjugado no tempo verbal subjuntivo Aoristo activo, na terceira pessoa do singular. Isso quer dizer que o autor da reconciliação é o próprio Jesus Cristo; dele os homens recebem um grande legado, o ministério da reconciliação. Os seres humanos para viverem unidos e em reconciliação uns com os outros necessitam reconciliar-se primeiro com Deus e encontrar a paz de Jesus que ultrapassa os níveis de inteligência da humanidade, como recorda as Escrituras “E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos, em Cristo Jesus (Filipenses 4: 7). Será que os homens podem ter um acordo em meio do desacordo? A Igreja como veículo da palavra do Senhor no mundo, cumpriu com a sua missão reconciliadora para aproximar as partes angolanas em conflito até se alcançar este desiderato. Na Bíblia encontramos um exemplo claro indicando que é possível conviver em paz e união, mesmo que haja desentendimento e ruptura de laços de relacionamento interpessoal. Isto quer dizer que ainda que não se concorde com o próximo, ela ou ele continua a ser parte importante dentro do projecto divino. O livro de Actos, fala de uma briga ou desentendimento que aconteceu

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entre o apóstolo Paulo e o seu companheiro de viagem missionária chamado Bernabé. Tudo sucedeu porque enquanto Bernabé era de opinião que se levasse João Marcos na viagem que eles estavam a fazer, Paulo por sua vez não concordava com essa ideia. Como resultado, Bernabé foi acompanhado de Marcos para Chipre e Paulo tomou seu caminho para outro destino (Actos 15: 37-39). Até aqui já não existem dúvidas de que houve um desentendimento entre os companheiros de missão. Isso pode levar alguns de nós a levantar certas questões: será que Paulo, Bernabé e Marcos ficaram desentendidos para sempre? O que terá acontecido nas suas vidas após dessa discórdia? A resposta para essas perguntas podem ser encontradas na carta do próprio Paulo à Filémon, onde dentre muitos companheiros que com ele colaboravam no ministério, Marcos também foi mencionado “Saúdam-te Epáfras, meu companheiro de prissão, por Cristo Jesus, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores.” (Filém vv. 23-24). Esse facto é suficiente para mostrar que Paulo e Marcos apesar da divergência que tiveram, ainda voltaram a se reencontrar e dar sequência juntos trabalhando para expansão do Evangelho. Esse é um milagre que torna os desentendidos em cooperadores. Sobre que ponto de vista o conflito deve ser encarado? É verdade que em qualquer parte do mundo assim como aconteceu em Angola, o conflito traz consequências devastadoras a esfera da individualidade e colectividade. Mas, dentro da perspectiva teológica, o povo africano serve de encorajamento ao resto do mundo para apreciar o positivo no meio de um conflito. Nelson Mandela, cristão Metodista, um dos mais proeminentes líderes africanos, é um grande exemplo no processo reconciliador que reflecte o propósito de Deus para com o seu povo. Mandela ficou preso 27 anos, mas quando foi posto em liberdade pouco tempo depois se tornou Presidente da África do Sul. Muitos, talvez a maioria, pensavam que era justo que o recém-eleito presidente fizesse uma retaliação pela humiliação e maus tratos a que foi imposto enquanto estava preso. Mas, o estadista da nação Sul-africana não aproveitou da sua posição política para expandir a vingança sobre os autores de seus muitos anos de sofrimento. Ele fez absolutamente o contrário, optando pela via do diálogo, perdão e reconciliação. Em outras palavras, Mandela, digno exemplo para imitar, fez dos seus inimigos seus cooperadores. O ensino que se pode tirar desse facto mostra que desentendimentos podem ocorrer frequentemente entre os seres humanos. Quando isso acontece, deve-se sempre procurar meios pacíficos para resolver o problema e restabelecer os laços quebrados pela discórdia. Se assim se fizer obter-se-ia como resultado o resplandecer do amor de Deus entre as pessoas. Nesta altura, por causa de Cristo, já não haverá mais divergência, senão o perdão, já não se - sentira mais ódio, nem animosidade, senão amizade, irmandade, companheirismo e cooperação entre todos. A reconciliação é uma das causas teológicas pela qual Cristo sacrificou-se na cruz. Porém, a teologia contemporânea deve ter este enfoque reconciliador no anúncio das boas novas no dia-a-dia. A reconciliação encara a necessidade duma espiritualidade amadurecida. Trata-se de uma vida vivida em cristo, cheia, guiada e habilitada pelo Espírito Santo. A espiritualidade que precisa o crente para exercer o ministério da reconciliação; é uma vida como a que encarnou Jesus em

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cada fibra de seu ser; uma vida ausente de vaidade e egoísmo; livre para obedecer a Deus. Paulo Jimenez em seu livro: “Princípios da Educação Cristã”, expõe que um dos pilares do ensino bíblico-teológico, é que o povo viva no mundo duma maneira responsável. “A educação Cristã conduz a examinar e mudar nosso estilo de vida individual e social”; respaldada pela instrução teológica que faz discípulos para à transformação do mundo. Tendo em conta a necessidade da contribuição teológica no desenvolvimento social de uma comunidade ou mesmo um país, é importante que as escolas teológicas de ensino superior e não só em Angola, incluam nos seus curriculum académicos disciplinas que têm a ver com a matéria na área de resolução de conflitos. As cadeiras de psicologia pastoral, aconselhamento pastoral, teologia da reconciliação e outras ao estilo pedagógico de Jesus, devem ser preenchidas com conteúdos bíblico-teológico social que respondam neste sentido à realidade actual de Angola em particular e do continente africano em geral. Considerando Jesus Cristo como alicerce da teologia, se deve iniciar a educação cristã desde à infância, oferecendo um discipulado consciente e responsável. A perspectiva teológica em África tem a possibilidade de reinterpretar a sua história social apegando-se na pedagogia ao estilo de Jesus. A Dra. Mercy Nyman, especialista em pedagogia, na sua palestra sob o título Pedagogia Científica e Dinâmica, ao corpo docente e discente da Faculdade Metodista de Teologia do Quéssua, em Malanje-Angola, faz referência dos princípios metodológicos, para obtenção da formação académica baseada numa edução científica e ao mesmo tempo usando as experiências significativas vividas de cada pessoa. Nyman vai mais longe quando define estas experiências valorosas como:

O encontro extraordinário, poderoso e transformador de diversas realidades vividas que causam uma troca fisiológica no cérebro do ser humano, que mostra-se com a revelação do conhecimento permanente e sem esquecimento e se faz presente como alicerces na pedagogia científica e dinâmica (Nyman, Julho de 2013).

O processo do ensino aprendizagem que impacta o intelecto do ser humano e atinge a renovação da maneira de pensar, até gerar o conhecimento qualitativamente superior inclui uma prática pastoral que deve completar a formação teológica nas escolas de ensino superior a nível de África. Jesus no seu ministério como Mestre aproveitou todos os sucessos da vida quotidiana, para revelar a vontade de Deus e ensinar a partir da experiência de vida. Isto também é inspirador para criar conhecimento autêntico que impeça esquecer o ensino na área de teologia a luz das vivências e através das histórias dos diversos contextos africanos. É uma tarefa desafiante que tem os teólogos hoje. Fazer teologia prática no meio da dor, desolação, desavença, fome, ausência de teto, luto, marginalização e outras realidades difíceis de África, estimula a prosseguir às raízes wesleyanas legadas pelo movimento metodista, na Inglaterra, no século XVIII; desenvolver uma teologia prática do coração e da vida é o grande desafio. A teologia actual em Angola desempenha um papel profético e visionário que corresponde às experiências vividas pelo povo que habita nessa parcela do continente africano. De facto tem conquistado um espaço social que influencia na evangelização da população angolana. Por exemplo: todos os sábados no período da manhã o principal canal televisivo do País (TPA)

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transmite integralmente o culto da Igreja Metodista Unida. Para além disso também existem outras conquistas nos espaços radiofónicos tais como: a Rádio Kayros em Luanda, Ecos do Evangelho, um programa ecuménico das igrejas Protestantes da Rádio Nacional de Angola e a Voz do Senhor, um programa transmitido pela Emissora Provincial de Malanje. Nestas experiências os teólogos angolanos aproveitam a oportunidade para apelar a sociedade em relação a ética e formação de valores cristãos. A preservação da paz, reconciliação e unidade nacional encabeçam a agenda quotidiana na perspectiva teológica do país. As mulheres e homens comprometidos com a fé em Jesus Cristo, o reconciliador perfeito, empenham-se em fazer um trabalho pastoral que faça com que os objectivos já atingidos com a paz, a reconciliação e a unidade ao nível social sejam incluídos nos lares de todas famílias angolanas. Pois, é das famílias pacíficas, reconciliadas e unificadas que se construem sociedades justas e fortes. Angola está trilhando este bom caminho! É óbvio que uma boa parte das famílias enfrentam ainda problemas que faz com que a tranquilidade se distancie das mesmas. Contudo, acredita - se que estes problemas podem ser ultrapassados pelo poder Divino permitindo que o sorriso resplandeça nos seus rostos e o raiar de um novo dia venha cheio de graça. Essa é a esperança que faz com que o trabalho dos fiéis na solidificação da Paz, Reconciliação e Unidade Nacional se inclua dentro da Perspectiva Teológica Africana no contexto de Angola. Por: Rev. Dr. Leonardo Garcia Salgado Rev. Dra. Cleivy Benítez Rivalta Rev. Mestre Bernardo André Luís

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PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA NO CONTEXTO DA SERRA LEOA

REVERENDO DR. SIDNEY A. COOPER

O QUE É A EDUCAÇÃO TEOLÓGICA? A educação teológica é o estudo da palavra de Deus. É centrada em Deus. É o tipo de formação que se realiza em seminários, universidades e institutos de ensino superior. É uma formação holística que abrange matérias tais como os Estudos do Velho Testamento, os Estudos do Novo Testamento, a Teologia Sistemática, a Filosofia, a língua grega e a língua hebraica entre outras. A educação teológica destina-se a moldar a mente, o corpo, a alma e o espírito através da autoridade da Bíblia para a missão de Deus. Forma, guia e apresenta testemunhos aos alunos para que estes conheçam Deus. Sem uma adequada e relevante educação teológica, o próprio futuro da igreja, o seu diálogo com a sociedade e a sua participação na luta quotidiana e nos desejos das pessoas comuns estão todos comprometidos e ameaçados. Quanto menos igrejas e os seus responsáveis estiverem a investir na educação teológica, cada vez mais o futuro da Cristianismo ficará nas mãos daqueles que promovem uma imagem deturpada da identidade cristã e comprometem o diálogo e a coexistência com outras igrejas assim como com outras tradições religiosas. A educação teológica é crucial para a interacção entre a igreja e a sociedade onde tantas questões exigem uma posição perspicaz do cristianismo. O seu papel nunca se limita unicamente à formação dos seus pastores, mas a atenção e a ênfase devem constituir a renovação e a formação de todo o povo de Deus. Sem um empenhamento aumentado na educação teológica em prol da justiça social, da unidade da igreja, para criar a consciência social, o discernimento político, o envolvimento social e a participação cristã no processo de transformação das sociedades, é possível que vejamos um aumento da fragmentação da liderança cristã nas nossas igrejas crescentes da Serra Leoa que precisam do nosso investimento. O único remédio adequado é o investimento na educação. A falta de educação e de formação teológicas, muitas vezes, constitui uma das causas mais profundas da ignorância sobre os contextos sociais. As igrejas que levam a sério a sua responsabilidade pela educação teológica dos leigos e dos futuros pastores, que demonstram um adequado sentimento de participação e que prestam apoio às igrejas em relação a todos os níveis de educação teológica académica e não académica, estão melhor equipadas para contrariar e impedir as tendências para as tensões na Serra Leoa dos dias de hoje. A educação teológica que seja relevante para as realidades do contexto do continente africano e que se caracterize pelas circunstâncias da vida será apreciada. Existe a necessidade de uma relevante educação teológica para todo o povo de Deus, com o intuito de capacitá-lo a participar no ministério. Neste sentido, as igrejas e os ensinantes teológicos são convidados a considerar muito seriamente a complexa e variada natureza do contexto africano, assim como a elaboração de uma teologia em várias línguas locais. É necessária a criação de novos métodos e de matéria de educação teológica à luz dos determinados factores políticos, económicos e plurireligiosos da aldeia global.

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A Natureza da Educação Teológica A educação teológica possui algumas características especiais as quais a distinguem de outras disciplinas pedagógicas. A teologia baseia-se no encontro com Deus e consiste na experiência e na expressão do nosso encontro com Deus e na reflexão sobre este encontro. Como tal, desenrola-se através da revelação e da reflexão. Todos os cristãos partilham o encontro com Cristo que nos chama, que nos abraça no baptismo e nos integra na vida divina através do espírito. A palavra de Deus dirige-se e abrange todos os cristãos. Por conseguinte, todos os cristãos são chamados ao trabalho teológico. Ao contrário de muitas outras disciplinas que se podem limitar a transmitir um conjunto de conhecimentos, por natureza, a educação teológica implica a formação da fé, que empenha plenamente uma pessoa. A educação teológica é um processo que tem várias implicações.

A educação teológica é uma jornada de fé que precisa de incidir sobre o desenvolvimento espiritual e, no entanto, com toda a facilidade torna-se numa disciplina académica que empenha a mente, mas não a alma. A experiência dos alunos nos seminários, muitas vezes, torna-se numa experiência de secura espiritual. Apesar de os alunos entrarem no seminário para aprofundar a sua fé, com muita frequência, sentem-se encurralados entre este desejo e uma percepção de que não se sentem à vontade para revelar quaisquer sentimentos de inadequação espiritual.

A educação teológica precisa de assegurar que ao formar as pessoas, não vai prejudicá-las. Para algumas pessoas em África, a educação teológica, muitas vezes, tem sido dolorosa, alienante e destrutiva. Muito poucos ‘espaços seguros’ têm existido nos seminários para exprimir a nossa fúria ou para curar as nossas feridas à medida que tentarmos remediar uma fé destroçada no conflito entre a teologia e as experiências vividas. A nossa teologia debate-se com aquilo que significa ser uma África criada à imagem de Cristo. Será que aqui, criámos Cristo à imagem ocidental, uma imagem de um branco abastado? Será que os nossos irmãos e irmãs no ocidente assumem que a experiência de fé e de igreja é a mesma para todas as pessoas, independentemente do local onde se encontram? Será que a nossa formação da fé tem tido suficientemente em consideração os antecedentes culturais e históricos, assim como o sexo dos alunos? A educação teológica tem de ser homogénea. A formação que não consegue abordar as implicações de não contextualizar a formação da fé arrisca-se a afastar-se da verdade ou mesmo a ser mais prejudicial do que benéfica.

Como é que vamos abordar estas questões? A nossa educação teológica deve permitir que os alunos integrem a teologia com a sua fé no âmbito do seu próprio contexto. Quando aprofundamos a nossa fé através da educação teológica, quer esta seja formal ou informal, encontramos culturas que são diferentes umas das outras. Também encontramos vestígios de culturas que floresceram entre dois ou quatro mil anos. Para muitos de nós, a região do mundo sobre a qual se escreve, encontra-se muito longe de nós geograficamente. Por conseguinte, existem dizeres e referências que pura e simplesmente não compreendemos, dado que o nosso meio é tão diferente.

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A educação teológica é um instrumento que tem por objectivo enriquecer as pessoas do ponto de vista teológico. A palavra de Deus deve dirigir-se a todo o povo de Deus. Deve falar-nos na nossa língua materna e não em latim, grego, hebraico ou seja qual for a linguagem teológica do momento. Deus fala-nos na nossa cultura e não unicamente na nossa língua. A palavra tornou-se humana para que os seres humanos possam ouvir, ver, sentir e aceitar a palavra de Deus e, desse modo serem salvos. A educação teológica pode valorizar as pessoas ou pode torná-las competentes para servir as instituições relevantes. Deve valorizar e enriquecer todo o povo de Deus. Quanto melhor conhecemos a nossa teologia, melhor podemos tomar decisões informadas a todos os níveis da nossa fé. Tudo isto estava nas mentes daqueles que se esforçaram por criar instituições teológicas na Serra Leoa em 1975.

O Contexto da Serra Leoa

Teologia e educação teológica são conceitos extremamente difíceis de definir. A nossa definição dependerá muitas vezes do nosso contexto, isto é, de onde vimos e o nosso ponto de entrada na questão que se concentra à volta das nossas vidas, um Deus que é difícil de compreender. Por conseguinte, não é possível concordar numa definição ampla, mas os eruditos reconhecem e concordam que existe uma grande diferença de opiniões em relação àquilo que diferentes grupos de pessoas consideram ser a educação teológica. Graças a Deus que o meu objectivo através deste documento não se trata de decidir, mas simplesmente de compartilhar perspectivas sobre a educação teológica. Reconhece-se que a educação teológica, muitas vezes tem tido um papel essencial em relação ao desenvolvimento de muitas nações do mundo, incluindo a Serra Leoa. Os primeiros ensinamentos da igreja ajudaram a adaptar muitas das nossas leis, quer estas sejam escritas ou não. Se aceitarmos que a educação teológica, na verdade, forma e tem impacto sobre a vida das pessoas desde os seus primeiros anos, as nossas casas passam a ser a primeira sala de aula na qual aprendemos a falar e a viver a solicitude e o amor de Deus. Hoje em dia, muitas pessoas estão empenhadas em educação teológica sem saber que estão a fazer teologia, tal como muitas pessoas têm tendência em conhecer a Deus sem ler sobre Ele na Bíblia. Em África e em todo o mundo, os primeiros missionários eram professores, médicos e administradores, cada um com o seu papel individual e tinham oportunidade tomar iniciativas de liderança e mudar as suas atitudes, comportamentos e pontos de vista sobre a vida. Isso também estimulou o desenvolvimento e o aproveitamento das aptidões instintivas. Em 1975 o Instituto Superior de Teologia e de Gestão e Centro de Formação da Igreja (anteriormente chamado Instituto Superior Teológico da Serra Leoa e Centro de Formação da Igreja) foi estabelecido. Antes do estabelecimento deste instituto superior, os alunos para o ministério ordenado em várias denominações eram formados quer na Faculdade de Teologia do Instituto Superior de Fourah Bay ou no Instituto Superior Bíblico da Serra Leoa (actualmente chamado Instituto Superior Evangélico de Teologia [Evangelical College of Theology – TECT]).

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Durante vários anos, a Igreja Metodista Unida preocupou-se com a adequação do modelo universitário para a formação pastoral de todos os candidatos ao ministério. Os dirigentes destas três instituições reuniram-se em várias ocasiões para discutir esta questão e para orar por ela. A Igreja Metodista Unida compreende a necessidade de criar a sua própria escola de Teologia com a sua própria singularidade e identidade. O desejo de criar uma escola de teologia resulta dos princípios específicos reivindicados pela nossa tradição metodista e pela nossa teologia wesleyana.

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A PERSPECTIVA TEOLÓGICA DE ÁFRICA Preparado pelo Reverendo Nito Armando Joaquim e pelo Sr. Filipe Augusto Hoguane Escola Teológica de Cambine O tema da perspectiva teológica de África poderia ser compreendido como o desafio que os africanos enfrentam de fazer com que a teologia do cristianismo se torne autenticamente africana. A África deve ter os seus próprios teólogos, ou seja, teólogos africanos nascidos em África, enraizados em África, assim como na cultura africana ou na filosofia africana, responsáveis por pesquisar, explorar, analisar e envolver-se numa reflexão teológica profunda. Tal como afirmou Gabriel Setiloane, compete aos teólogos africanos exprimir uma reflexão africana sobre a Divindade, a partir de uma perspectiva proveniente de um contexto e de uma cultura africana ao nível das bases e da população local. A perspectiva teológica de África apela para que os teólogos africanos pensem, escrevam e vendam obras de teologia, porque a África é rica e possui uma teologia oral. Tal como John Smith Mbiti declarou, “A teologia oral é criada nos campos, pelas populações, através das canções, dos sermões, dos ensinamentos, das orações, das conversas, etc. É a teologia ao ar livre, muitas vezes não gravada, muitas vezes ouvida apenas por pequenos grupos de pessoas e, por conseguinte, não chega às bibliotecas e aos seminários. Como sabemos, desde o início, a missão cristã em África era cristianizar e civilizar todo o continente africano. Por “civilização” entende-se que os africanos deveriam seguir a cultura ocidental e, consequentemente, os africanos tinham perdido a sua própria identidade e filosofia. Como tal, estas precisam de ser recuperadas para que os africanos possam passar a ser autênticos africanos e verdadeiros cristãos. Segundo a opinião de B.S. Chuba na sua reflexão sobre o tema da “teologia cozinhada numa panela africana”, esta é, por conseguinte, uma teologia pertinente e adaptada a um determinado contexto, completamente criada pelos povos indígenas e na qual estes participam com entusiasmo sem excluir a participação de povos provenientes de outros contextos. Uma teologia cujo contexto é africano, cuja língua é africana, cujos defensores são eles próprios africanos e cuja meta (objectivo resultante da fé) é africana. Não obstante, é importante começar por referir que a maioria dos povos africanos no continente vivem sob o peso da pobreza, calamidades naturais, doenças endémicas, desemprego, desrespeito pelos direitos humanos, conflitos políticos e violência, assim como outros factores que constituem grandes desafios para as instituições governamentais e não-governamentais, incluindo as diversas religiões. Por conseguinte, dado que estamos a falar sobre a perspectiva teológica em África, é essencial referir que Moçambique é um dos países africanos composto por mais de 20.226.296 habitantes, de acordo com o senso de 2007, e está dividido em três regiões geográficas principais, nomeadamente: o Norte, o Centro e o Sul de Moçambique, com as suas ricas e diversas culturas e religiões. Durante as últimas 3 décadas, algumas catástrofes naturais e de natureza política, fizerem com que Moçambique se tornasse num dos países mais pobres de África e, consequentemente, de todo o mundo. Estes e outros factores levam o país a manter-se dependente do apoio financeiro internacional. Por conseguinte, a questão primordial sobre a qual os moçambicanos devem

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reflectir refere-se à integração social, nomeadamente mais justiça e igualdade, liberdade do exercício democrático, mais informações actualizadas, o direito de todas as pessoas à igualdade de oportunidades, ao emprego, à educação e a uma boa saúde, a fim de abordar as elevadas taxas de violência e de criminalidade, a pobreza, a SIDA e o VIH, entre outros problemas. Consequentemente, a igreja tem de levar a cabo a sua missão, a missão do amor, da paz, da liberdade, da justiça, da caridade e da solidariedade para todas as pessoas. Para cumprir a sua missão, a igreja tem de formar as pessoas que poderão levar a mensagem de salvação a todos os cantos do país. Tendo em conta os desafios acima mencionados, a Igreja Metodista Unida em Moçambique responde a estes problemas de várias formas. Entre estas, promovendo a educação através da construção de escolas; providenciando os cuidados de saúde principalmente nas zonas rurais através da construção de hospitais; através do abastecimento de água; oferecendo abrigo e cuidados aos órfãos através da criação de orfanatos; proporcionando bolsas de estudo para o ensino superior e outros tipos de formação social, quer para pastores ou para leigos, sem atender à filiação religiosa ou à política dos beneficiários. A história do Metodismo em Moçambique começou em 1890 na Província de Mongwe-Inhambane por um missionário chamado Erwin H. Richards proveniente da América do Norte que era formado em medicina e no domínio pastoral. Trabalhava em conjunto com a sua esposa Margheret e com a assistência da Igreja Metodista Episcopal. Algum tempo depois, fundou as igrejas em Chicuque e em Cambine (ambas na Província de Inhambane, no Sul de Moçambique). Estes dois locais passaram a ser a “panela” onde se “cozinhou” o metodismo africano e moçambicano, usando um dialecto local, o CHITSUA, como a língua oficial para todas as celebrações do culto e mesmo na conferência anual 99,9% das pessoas usam este coloquialismo. Este artigo, cujo tema é “A Perspectiva Teológica de África” pretende examinar o crescimento histórico do Seminário de Teologia de Cambine. Cambine é um seminário histórico que foi criado há vários anos no seio da Missão de Cambine. Era uma simples escola bíblica criada para dar a conhecer a Bíblia aos povos indígenas e ajudá-los a estudá-la. Desde o seu início, a missão de Cambine começou com uma escola secular apenas para rapazes e um internato para raparigas em Chicuque. A razão pela qual era apenas uma escola para os rapazes era porque nesta região em particular e no Sul de Moçambique em geral, os rapazes e as raparigas não podiam receber a mesma educação e no mesmo local, dado que os rituais africanos de preparação para os rapazes e para as raparigas também eram separados nessa base. O Seminário de Teologia de Cambine está situado na Província de Inhambane, no Sul de Moçambique (África austral), e faz parte de uma Igreja Metodista Unida. A igreja tem duas missões, nomeadamente, a missão de Chicuque e a missão de Cambine e é nesta última que se localiza o Seminário de Teologia. Este está rodeado de Escolas Seculares (de nível O, de nível superior e uma escola técnica e profissional), um centro de saúde, a paróquia de Cambine, dormitórios para as mulheres e para os homens que frequentam as escolas seculares e outros dormitórios para os estudantes de teologia. Também existe um orfanato e um projecto agrícola. Em 1923, os missionários introduziram um programa de estudo da Bíblia com a duração de três anos, a fim de formar elementos interessados da população local como pregadores e evangelistas.

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Na sua obra intitulada “Church, State and People in Mozambique, an historical study with special emphasis on Methodist development in the Inhambane region » [A Igreja, o Estado e a População em Moçambique, um estudo histórico com ênfase especial no desenvolvimento metodista na região de Inhambane] (1994, p. 275), Alf Helgesson estipula que, “durante os anos 1930, o encerramento de centenas de escolas rurais significava um número continuamente crescente de alunos nestas Escolas Centrais”. Em 1941, pouco depois da Concordata e do acordo missionário terem sido executados, havia 172 rapazes no internato de Cambine. Esse foi o ano em que as Escolas Primárias Rudimentares do Governo português em toda a colónia foram transferidas para diversas missões católicas. Este acontecimento parece ter acelerado o crescimento das Escolas Centrais Protestantes. Em 1954, treze anos mais tarde, a Escola de Cambine estava a transbordar com 1134 alunos. A Escola de Teologia de Cambine abriu a 21 de Setembro de 1941; mais tarde, em 2007, era conhecida como Seminário de Teologia, porque só formava pastores e pastoras. A mudança de nome foi o resultado de uma longa discussão entre os alunos e o missionário brasileiro, Nadir Cristiano de Carvalho, que era professor no Seminário de Teologia. O objectivo era de diferenciar a educação secular da educação teológica. O primeiro grupo de alunos começou a seguir uma formação teológica em 1942. Antes desse ano, os pastores tinham que receber a sua formação fora do país. Além disso, era preciso satisfazer certas condições necessárias para poder receber esta formação. Uma das condições necessárias era ter frequentado com êxito uma formação bíblica, o que poderia corresponder a quatro anos de estudos, e após isso era preciso demonstrar a sua vocação ou o apelo divino para o aluno poder ser recomendado para frequentar uma escola de teologia onde poderia passar mais quatro anos de estudos. Estes alunos deviam ser recomendados pelos seus distritos eclesiásticos e deviam ser homens casados. Era um longo trajecto para atingir o nível de formação teológica, dado que após ter concluído os seus quatro anos de estudos, também era exigido que os candidatos tivessem alcançado a maturidade na sua vida cristã. Deviam ser chamados por Deus ou demonstrar a sua dedicação à congregação local, através da participação em todos os programas da igreja local e do distrito e manifestando o seu interesse em frequentar os estudos bíblicos em Cambine, ou então, outros membros da igreja os propunham para solicitar à igreja que os enviassem para Cambine, a fim de frequentarem os estudos bíblicos. Se os candidatos cumprissem todas as condições necessárias com êxito, poderiam então ser recomendados para continuar os seus estudos de teologia. Desde 1963, a duração dos estudos bíblicos foi reduzida e os candidatos podiam passar, a partir daí, dois anos de estudos bíblicos em Cambine e, depois disso podiam ser recomendados para quatro anos de teologia. Além disso, de 1998 a 2009, os candidatos eram directamente recomendados à escola de teologia durante quatro anos e, a partir de 2010, o período de tempo dos estudos foi reduzido para três anos. Como se pode observar, a duração dos estudos no seminário tem sido progressivamente reduzida. Por um lado, pode dizer-se que se trata de uma consequência de problemas financeiros e, por outro lado, que é uma forma de estabelecer uma ligação com os institutos governamentais que oferecem estudos com a duração de três anos. Como já mencionámos, no início, este tipo de estudos era apenas oferecido aos rapazes. No entanto, mais tarde, em 1977, duas mulheres foram aceites para frequentar os seus estudos de

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teologia em Cambine, que ambas concluíram com êxito em 1979 e foram nomeadas como pastoras da igreja. Muitas pessoas admiraram o seu sucesso, mas também pensavam em todos os desafios e problemas com que estas pastoram se iriam defrontar no seu ministério pastoral. A partir daí, o ministério das mulheres pastoras foi introduzido na Igreja Metodista Unida em Moçambique e, em 2009, as mulheres pastoras celebraram, na missão de Cambine, os seus trinta anos de ministério. Para além dos seus estudos de teologia, todos os alunos também se dedicavam a outras actividades, sobretudo à agricultura, à criação de animais e, as suas esposas também frequentavam sessões de estudo da bíblia, e outras actividades como a costura, entre outras. Como sabemos, dois anos após a independência do país, proclamada a 25 de Junho de 1975, Moçambique viveu uma guerra civil que durou cerca de 16 anos e que acabou no fim de 1992. Em Outubro de 1986, Cambine sofreu ataques de guerrilha incríveis e a população fugiu. A escola de teologia foi fechada. Reabriu em 1994, após o acordo de cessar-fogo entre a RENAMO e o Governo (Acordo Geral de Paz). Neste processo, a RENAMO era liderada por Afonso Macacho Marceta e o Governo da FRELIMO era liderado por Joaquim Alberto Chissano (o Presidente da República de Moçambique). Este acordo permitiu que as populações de diferentes regiões pudessem continuar as suas actividades e os seus estudos. O Seminário de Teologia de Cambine encontrava-se relativamente perto do local onde decorreu este acontecimento histórico. O Seminário de Teologia de Cambine tem diplomado centenas de ministros, homens e mulheres, que têm ido trabalhar em diferentes paróquias da Igreja Metodista Unida, e alguns deles que passaram a ser bem conhecidos no seio do governo. Actualmente, o seminário tem 26 alunos; quatro são casados e os outros ainda são solteiros, entre os 20 e os 37 anos de idade. O corpo docente é formado por 9 professores, 3 missionários provenientes da Alemanha, do Burundi e do Brasil e é considerado um dos melhores corpos docentes dos seminários locais do país. Os professores são diplomados por institutos de ensino superior muito conceituados. O Reverendo Thomas Gunther e a Reverenda Maisa Gomes de Oliveira são missionários oriundos da Alemanha e do Brasil. Ambos são titulares de graus académicos e a reverenda frequentou cursos acelerados de inglês na Universidade de África. Dioudone é um outro missionário oriundo do Burundi e é titular de um diploma da Faculdade de Agronomia, da Universidade de África, no Zimbabué. Os outros seis professores são moçambicanos que obtiveram os seus diplomas na Universidade de África, com excepção do bispo reformado, João Somane Machado, que se formou na Universidade Metodista de São Paulo, no Brasil e é titular de um mestrado da Universidade Protestante de Kinshasa, na República Democrática do Congo. Júlio André Vilanculos, o Decano do seminário, é actualmente um candidato a doutoramento pela Universidade de Pretória, na África do Sul (ensino à distância). É titular de um bacharelato e de um mestrado da faculdade de teologia da Universidade de África, no Zimbabué. O Reverendo Moisés Gujamo é titular de um bacharelato da faculdade de teologia e de um mestrado em filosofia da Universidade de África; o Reverendo Nito Armando Joaquim, a Reverenda Iliana Lucite Pereira e Filipe Hoguane são todos titulares de bacharelatos da faculdade de teologia da Universidade de África. Dado que estamos a reflectir sobre o tema da Perspectiva Teológica de África, a missão do

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Seminário de Teologia de Cambine é formar, instruir e edificar líderes cristãos para servirem a igreja e a sociedade. (Por exemplo, Leonardo Massango, um pastor diplomado por esta Escola de Teologia, e nomeado para o Norte de Moçambique, serviu como director da Comissão Nacional das Eleições na província de Cabo Delgado, e depois, foi chamado para trabalhar no departamento nacional onde se encontra até agora). Com base nesta perspectiva, os alunos são formados para serem criativos, independentes no seu trabalho e decisivos nas suas reflexões e nas suas acções. Isto transforma os espíritos colonizados, desenvolve a sua fé num contexto africano e ajuda os alunos a dedicar-se arduamente às suas tarefas. Este Seminário de Teologia ajuda os alunos ou os pastores formados a procurar a justiça, a paz, o amor e a minorar o sofrimento humano na comunidade, ajudando os seus membros a descobrir e a utilizar certos recursos locais, com vista a desenvolverem projectos e aumentarem os seus rendimentos. O seu objectivo é garantir a educação, a formação dos pastores locais (pregadores leigos com responsabilidade pastoral) e a promoção de sessões de formação prática para os pastores no ministério (pastores ordenados). Tendo isto em conta, são desenvolvidas certas áreas, tais como o aconselhamento pastoral e bíblico, a história e a teologia wesleyana. Com o intuito de desenvolver e de actualizar as suas actividades, o seminário estabeleceu parcerias com outras escolas de teologia. Além disso, existe um projecto chamado SOL_AFRICA através do qual o seminário envia leitores universitários para a Faculdade de Teologia no Brasil (Universidade Metodista de São Paulo, no Brasil), para que estes recebam formação em certas áreas. O seminário também envia um leitor para o Seminário de Teologia Unido de Ricatla (Maputo, Moçambique) para ensinar o Metodismo e a Teologia Wesleyana durante um semestre. A biblioteca está bem equipada, dispondo de obras sobre teologia e filosofia, dicionários de português, livros de história, entre outros, mas a maior parte destas obras não são da autoria de autores africanos nem de teólogos africanos. Um grande número destas obras são em português, mas no contexto da América Latina e no contexto alemão, porque foram traduzidas para português a partir do alemão e outras obras são da autoria de eruditos brasileiros. Também existem muitas obras em inglês, mas estas são principalmente utilizadas pelos professores e por alguns alunos. A falta de obras da autoria de teólogos africanos, que poderiam oferecer a verdade e as reflexões do contexto africano, é um grande desafio que deve ser resolvido. Neste Seminário, em geral, os professores trabalham arduamente, lendo textos provenientes de outros contextos, de outras culturas e de outras perspectivas e, depois, têm de apresentá-los às mentes africanas que vivem uma realidade muito diferente daquela que viviam os autores dos ditos textos. Por conseguinte, os professores devem contextualizar o seu ensino, para poderem responder às realidades dos africanos. Por exemplo, existe um curso chamado “A Teologia Africana”, mas existem apenas quatro obras da autoria de teólogos africanos. Por conseguinte, as obras de teologia da autoria de autores africanos seriam extremamente vantajosas tanto para os alunos como para os professores. A maior parte destes livros são obtidos através de doações feitas por certos missionários e universidades, em particular pela Faculdade de Teologia de São Paulo, no Brasil, assim como por outras entidades. Para que este Seminário funcione da melhor forma, existe uma excelente organização estratégica, pedagógica e administrativa. Esta organização corresponde aos objectivos e à alta qualidade do programa de estudos, respeitando simultaneamente os princípios concebidos pela Junta de Ensino Superior e Ministério Ordenado, assim como as realidades concretas do processo e do desenvolvimento do ensino teológico, tanto a nível nacional como internacional.

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Desde o primeiro ano dos estudos, os alunos começam a trabalhar numa paróquia local como auxiliares do pastor ou do capelão, obtendo dessa forma uma experiência prática; no segundo ano, trabalham em outras paróquias pertencentes à Igreja Metodista Unida, durante os fins-de-semana. Prestam ajuda aos pastores na celebração dos sacramentos e dos casamentos, na oferta de aconselhamento pastoral, nos projectos e nas reuniões da igreja, etc. Isso ajuda os alunos a conhecer, a familiarizar-se e a experimentar a prática da teologia. Discutem certas questões problemáticas ou dificuldades, que têm de resolver na prática. Além do mais, este Seminário é abençoado por ter professores dedicados e bem equipados, formados não só em teologia, mas cuja maior parte já tinham sido professores em escolas seculares e outros continuam a trabalhar como professores em estabelecimentos de ensino do governo. Um grande número de professores formou-se na Universidade de África. Estes professores participaram e organizaram muitas sessões de formação prática e teórica e alguns deles especializaram-se em certas áreas, a fim de desenvolver os temas de uma perspectiva teológica africana. Em relação às parcerias, o Seminário é membro de uma associação de instituições que ensinam a teologia evangélica em Moçambique. Desta forma, a instituição está em vias de ser reconhecida pelo governo. Em relação a isso, os professores são chamados para participar em debates ou em sessões de formação. Tal como outras instituições em funcionamento em África, o seminário também enfrenta vários desafios, nomeadamente: 1) Em matéria de salários: como indicámos anteriormente, todos os professores obtiveram os seus diplomas em universidades, mas nenhum deles recebe um salário compatível com as suas habilitações. Por outro lado, os salários não são pagos a tempo, e por vezes, os professores não são pagos durante quatro a cinco meses. Por isso, os professores têm de dedicar-se à agricultura e à criação de galinhas, para obter algum rendimento adicional. Não obstante, os alunos recebem os seus subsídios mensais da parte da Conferência Anual do Missouri, e não precisam de muito apoio financeiro da parte das suas famílias. 2) Em matéria de transporte: o seminário está situado no interior do país, o que quer dizer que se encontra longe da estrada principal. Por isso, torna-se difícil para os professores e para as suas famílias obter o transporte necessário para poder ir fazer compras na cidade ou vila. 3) Em matéria de alojamento: os edifícios do seminário e de toda a missão de Cambine são bastante velhos, estão em mau estado e são praticamente inabitáveis. As famílias sofrem muito, sobretudo durante a estação das chuvas. Por outro lado, existe um outro desafio que o seminário tem de enfrentar, referente à formação de professores. Temos três professores com bacharelatos, que gostariam de continuar os seus estudos; infelizmente, não existem nenhuns fundos nem meios para os ajudar a continuar a sua formação. Por conseguinte, torna-se um desafio para o seminário descobrir parceiros que possam ajudar os ditos professores e também alguns excelentes alunos diplomados, a continuar os seus estudos.

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No entanto, Cambine não representa apenas desafios; também existem factores positivos, tais como: 1) A formação das esposas: existe um projecto para a formação das esposas dos professores em residência e dos alunos em vários domínios com o objectivo comum de obter autonomia económica; especificamente, aprendem a utilizar máquinas de costura e frequentam também sessões de estudo da Bíblia. 2) Projecto de sensibilização sobre o VIH/SIDA na sociedade: o Seminário oferece um curso para instruir os pastores sobre como viver e trabalhar com as pessoas infectadas pelo VIH/SIDA e com as pessoas que sofrem as consequências. Cremos que isto contribuirá para a redução do número de mortes devido a esta pandemia. Perspectivas: um projecto a favor da auto-sustentabilidade – o Seminário está a criar um projecto agrícola que tem por objectivo a formação agrária dos alunos de teologia. Isso deve-se ao facto de que a maior parte dos nossos alunos depois de terem terminado os seus estudos trabalharão em zonas rurais e, em alguns casos, sem salário. Por conseguinte, conhecimentos sobre certas técnicas de produção agrícola e pecuária poderão ser úteis nas suas vidas, para que não tenham de depender das contribuições financeiras de leigos. Para concluir, os missionários proclamaram e ensinaram o evangelho aos africanos, mas fizeram-no no seu próprio contexto. Esqueceram-se de responder às realidades dos africanos. Por conseguinte, os próprios africanos devem desenvolver uma teologia enraizada na cultura africana. Precisamos de descolonizar as nossas mentes da filosofia ocidental e devemos pôr em primeiro plano a mente e o espírito africano. Por outras palavras, devemos compreender e interpretar a Bíblia no contexto africano.

A parede de pedras amareladas pertence à capela, que está ligada à escola de teologia, e tem capacidade para entre 80 e 100 fiéis praticantes. A escola tem quatro salas de aula, um escritório para o decano ou a diaconisa, uma biblioteca e um escritório para o/a secretário/a, e uma capela.

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Outra perspectiva visual do Seminário de Teologia de Cambine

Harvey J. Sindima, Drums of Redemption: an Introduction to African Christianity [Tambores da Redenção: Introdução à Cristandade Africana]; Westport, London: Praeger, 1994, Pg. 155 Klaus Fiedler, at all, Theology Cooked in an African Pot [Teologia Cozinhada em Panela Africana], Zomba: ATISCA, 1997, Pg. 45 Documento de proposta de regulamento interno da Escola Teológica de Cambine na sua página 2 (do documento oficial dos regulamentos internos do Seminário de Teologia de Cambine).