Revista Educação Infantil DRE Campo Limpo

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1 Revista Eletrônica de Educação Infantil DRE Campo Limpo DOT-P 2012 São Paulo

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Publicação dos trabalhos desenvolvidos pelos profissionais da Educação Infantil da DRE Campo Limpo para o Projeto "A Rede em rede".

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Revista Eletrônica de Educação Infantil

DRE Campo Limpo DOT-P 2012

São Paulo

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Sumário Revista Eletrônica de Educação Infantil ............................................................................... 1 Apresentação ........................................................................................................................... 3 A Rede em rede: um programa de formação continuada: paradoxos e desafios ......... 4 Somos Todos Educadores ................................................................................................... 10 UBUNTU! Valorizando a diversidade para a promoção da igualdade .......................... 14 Portfólio: um instrumento avaliativo na Educação Infantil ............................................... 27 Encantos e desencantos de uma CP ................................................................................. 30 Pensei que eles soubessem brincar de esconde-esconde............................................. 33 Um balanço do “Rede em Rede”: do acolhimento no círculo ao aconchego dos cantinhos, um novo olhar na organização da sala de aula. ............................................ 39 O Brincar na Educação Infantil: ........................................................................................... 42 Contribuições para o desenvolvimento e aprendizagem no espaço escolar ............... 42 Conhecendo os Pequenos Animais .................................................................................... 55 Autoria pedagógica do Professor de Módulo na EMEI: diferentes linguagens e Projetos Temáticos ................................................................................................................ 60

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Apresentação1

O surgimento de alguns erros nas situações de capacitação analisadas cumpre também um papel positivo porque permite compartilhar a impossibilidade de alcançar a perfeição e aceitar o erro como constituinte necessário do trabalho e como objeto de análise, a partir do qual se torna possível progredir.

Délia Lerner

Esta publicação pode parecer um intento ambicioso, afinal documentar práticas ou registrar reflexões não é tarefa fácil, menos ainda em grupos, duplas ou equipes, especialmente se considerarmos o turbilhão de fatos que ocorrem na escola cotidianamente, levando seus atores a trabalharem, a maior parte do tempo, na emergência, de modo tarefeiro e impulsivo.

Por outro lado, a maioria dos profissionais do ensino público municipal tem larga experiência, respeitável compromisso e, cada um em seu espaço, produz conhecimentos, implicando alunos, famílias e demais profissionais. Por isso, precisamos garantir espaço para voz e produção dos gestores e professores de nossas unidades educacionais, numa região populosa com condições econômicas muito contrastantes, ficando a população mais carente na dependência absoluta dos serviços públicos, dentre eles, a educação.

Por tudo o que foi exposto, compete às escolas oferecer uma educação da melhor qualidade ao seu público e esse foi o investimento buscado pelo Programa “A Rede em rede”, simultaneamente a ações e empreendimentos próprios das respectivas unidades.

Nosso desejo é que espaços como esse se tornem uma prática regular nas redes públicas em geral, pois há uma riqueza incalculável de práticas realizadas nas mais variadas unidades e com as diversas faixas etárias. Contudo, há um “olhar faltante” que predomina em nossa cultura, proliferada pelas mídias, de sempre destacar fatos tristes, falhas profissionais, baixos resultados, restando pouco espaço para divulgação de boas práticas e ricas experiências vivenciadas pelas crianças que frequentam as unidades de educação infantil, de 0 a 5 anos, nesse caso específico. Precisamos olhar para os profissionais que atuam no ensino público como autores de seus fazeres, num processo que passa pela investigação, planejamento, pesquisa, ação e documentação, fundamentados em teorias e criando teorias em decorrência de suas vivências e de seus saberes. Sabemos que há muitas outras experiências não explicitadas aqui e que, muitas vezes, o que ocorreu na prática é ainda mais rico que o revelado nos registros, com processos de interação valiosos. Com o tempo, ao assumirmos o registro como metodologia recorrente, as produções serão ainda mais fidedignas e os registros mais abundantes. Por fim, convidamos você para uma leitura generosa das produções aqui publicadas no intuito de compor conosco um olhar que acredita, valoriza e defende a educação.

1 Esta Revista é produto do trabalho realizado na Diretoria Regional de Educação Campo Limpo, no grupo de Gestores de CEI e EMEI, no Programa “A Rede em rede – a formação continuada na Educação Infantil – fase 7, 2012, coordenados pelas formadoras Elisabete Martins da Fonseca e Roseli Helena de Souza Salgado, orientadas pela equipe de DOT-EI – SME, assessorada pela Profª Drª Zilma de Moraes Ramos de Oliveira e sua equipe.

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A Rede em rede: um programa de formação continuada: paradoxos e desafios

Roseli Helena de Souza Salgado2

Se alguma coisa nos anima a escrever é a possibilidade de que esse ato de escritura, essa experiência em palavras, nos permita liberar-nos de certas verdades, de modo a deixarmos de ser o que somos para ser outra coisa, diferentes do que vimos sendo. (Jorge Larrosa e Walter Kohan)

Escrever é mais comprometedor que falar. Nós, profissionais da educação, somos, na maioria, bastante eloquentes, mas quando se trata de registrar, adiamos, esquecemos, desculpamos etc. A verdade é que nossas experiências precisam ficar documentadas, mais por nossas dificuldades que pelas certezas. Escrever as experiências nos ajuda a encontrar o sentido de nossas práticas, é um modo de nos pensarmos como educadores.

A experiência vivida, como formadora, no Programa “A Rede em rede: A Formação Continuada na Educação Infantil3

”, constituiu-se numa oportunidade ímpar em minha carreira, pois nesse período, envelheci, fiz amigos, aprendi, enfrentei desafios, duvidei, desanimei, acreditei e, principalmente, transformei o que sabia, ou achava que sabia.

Paradoxos e Desafios Do formador de formadores

A educação está repleta de paradoxos, mas acredito que sejam eles que lhe deem sentido. O maior de todos, vivi ao atuar no programa, pois, ao mesmo tempo em que me denominava formadora, estava me formando. Essa experiência me faz lembrar a história de Joseph Jacotot4

Para isso, contei, nos três primeiros anos, com a parceria valiosa da Profª Rosilda

, segundo o qual “não era o saber do mestre que ensinava ao aluno, nada o impedia de ensinar outra coisa além de seu próprio saber: ensinar o que ignorava.”(Rancière, 2007, p. 33) Claro que nem sou mestre, nem ignorante, mas havia muitas coisas acerca das quais eu sabia pouco ou quase nada e das quais tive de me apropriar, simultaneamente, à formação que ministrava.

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2 Formadora da DRE Campo Limpo Programa “A Rede em rede”.

: partilhamos angústias, construímos vínculos e estabelecemos cumplicidade, pois era um grande desafio atuarmos na formação de Coordenadores Pedagógicos, dentre os quais, muitos estavam iniciando no cargo, enquanto outros,

3 O Programa “A Rede em rede – a Formação Continuada na Educação Infantil” teve início em 2006, na Rede Municipal de São Paulo, promovendo a formação do Coordenador Pedagógico, Diretor de Escola e Professores. Em 2012 está em sua 7ª fase. 4 Trata-se da história de um extravagante pedagogo francês contada por Jacques Rancière no livro “O Mestre Ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual”. 5 Rosilda Silvio Souza, supervisora da DRE Campo Limpo na época.

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detinham larga experiência e exímia competência. Paralelamente, participamos da formação, que perdura até hoje, promovida pela equipe de DOT- Educação Infantil, da Secretaria Municipal de Educação, assessorada pela equipe da Profª Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, subsidiando-nos para uma atuação mais eficaz nas Diretorias. Mesmo assim, o trabalho era bastante difícil. Por outro lado, compreendo que não poderia ser de outra forma, afinal, as gestões de governo duram quatro anos e os Programas precisam ser implementados neste período, alcançando os formadores e seu público alvo, ao mesmo tempo. Na prática, esse tempo é ínfimo para colhermos resultados quando se trata de educação, onde as mudanças são morosas e, muitas vezes, quase imperceptíveis.

Fato é também que esta gestão se reelegeu, perfazendo um período de oito anos, o que favoreceu a sistematização de alguns princípios defendidos na formação, e outros ainda necessitando ter seu alcance expandido por meio de instrumentos eficazes de acompanhamento do trabalho realizado em todas as unidades. Aliás, esse é o “nó górdio” da formação: realizamos a mesma e não disponibilizamos de meios para acompanhar de modo consistente as repercussões nas práticas com as crianças. Emergem alguns indicadores na formação, mas acompanhar in loco seria o mais indicado. O que é muito difícil, pois para isso a equipe de formação deveria ser bem maior, ou estruturada de uma outra maneira. Do Coordenador Pedagógico

Deparamo-nos ainda com outro paradoxo: o conteúdo proposto na formação investe contundentemente no papel do coordenador pedagógico como formador de professores, priorizando esta ação em detrimento de uma infinidade de tarefas que o desviam desse foco o tempo todo. Trata-se de um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que esse papel é exigido dele, a realidade das unidades educacionais requer que assuma algumas tarefas mais condizentes com o papel de um Inspetor de Alunos ou Secretário de Escola (ATE). Além disso, divide tarefas com o diretor, especialmente nos Centros de Educação Infantil (CEI), onde a gestão da escola conta apenas com os dois profissionais. Seria negligente não citar isso aqui, pois é um obstáculo considerável ao que propomos na formação. Alem disso, há demandas cotidianas que, tanto no CEI, quanto na EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil), afastam o coordenador de suas atribuições, prejudicando a implementação do Programa. Mas isso não impede que esses “bravos” profissionais promovam às crianças matriculadas em suas unidades, a vivência de experiências nas diferentes linguagens e saberes presentes em nossa sociedade. Já há muita produção documentada explicitando isso, o que vem crescendo anualmente. Da dupla gestora A dupla gestora – diretor e coordenador pedagógico – é outro investimento promovido pelo programa. Talvez, a ação mais desafiadora, pois investir na formação conjunta de profissionais com atuações tão próximas e tão distantes não é tarefa fácil. São próximas, no sentido em que ambas atuam em prol de um trabalho que alcance as crianças, em diversidade e qualidade, distantes, pois se fecham em suas demandas diretas – diretor no burocrático e coordenador no pedagógico – afastando-se da prioridade de funcionamento da escola. Para a dupla, se disponibilizar a participar da formação, frequentar assiduamente, realizar as tarefas, analisar resultados, produzir materiais requer um esforço hercúleo deles e do

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formador, afinal a velocidade com que os fatos se sucedem na escola, a rapidez de um ano letivo, as divergências de opiniões e atitudes,, entre alguns gestores acabam, se não ficarmos atentos, por tornar inócua a formação. Na prática, temos duplas que crescem muito na formação, afinam-se em suas práticas, focam-se em seus projetos e fortalecem-se como parceiras. Por outro lado, há outras que realizam as tarefas separadamente, mal se comunicam, modificam-se na primeira oportunidade, sofrem rupturas e comprometem a qualidade das relações estabelecidas, em todos os segmentos, nas respectivas unidades educacionais. De qualquer forma, a formação aponta para onde a “ferida sangra”, investe na superação das divergências e dificuldades, implica a dupla numa tarefa comum e a compromete com o objetivo precípuo da escola: as aprendizagens das crianças. Na realidade, só por isso a dupla já teria um motivo para convergir suas ações, para além das incompatibilidades de outras ordens. A atuação da dupla gestora ainda é um terreno em construção, tanto no Programa quanto na educação brasileira. A produção acerca da temática tem crescido, mas ainda é incipiente, talvez, a partir de programas como esse, possamos organizar materiais que culminem numa produção mais consistente. Dos Professores A formação dos professores é sem dúvida um aspecto relevante da educação, em geral, e da Educação Infantil, em específico. Imaginariamente um trabalho fácil, pois as crianças são pequenas, mas pedagogicamente, um dos mais difíceis e exigentes trabalhos na área de educação. Por atuar diretamente com a criança, é o professor que estabelece os vínculos mais significativos, organiza ambientes promotores de aprendizagens, tem contato direto e constante com as famílias etc. Articular tudo isso e propiciar uma formação que dê conta de todos esses aspectos é um intento bastante ambicioso. Não bastasse a complexidade do papel do professor de educação infantil, temos os dificultadores provenientes das condições de trabalho, com muitos obstáculos por serem vencidos, que comprometem as ações de formação em continuidade desenvolvidas pelo Programa. A primeira delas é a quantidade de professores trabalhando nas unidades de Educação Infantil: é muito difícil alcançar todo o contingente. Outra dificuldade refere-se à jornada do Professor: expressivo número de professores, especialmente nas EMEI, acumula cargos, assumindo dois turnos de trabalho, o que compromete o dia todo, impedindo sua participação em cursos. A saída encontrada pela Secretaria Municipal de Educação foi dispensá-lo do ponto, no horário de aula em uma das turmas, o que permitiu um significativo aumento de adesões aos cursos e otimização dos recursos despendidos com a contratação de formadores para eles. Mas, ainda não garantiu o alcance máximo de participações, pois esbarra na dificuldade que muitas regiões da Diretoria de Educação enfrentam com relação à garantia de aula aos alunos, cujos professores estejam inscritos nas formações6

Em relação ao conteúdo e metodologia da formação, os professores são incentivados a se debruçarem sobre suas práticas e analisá-las à luz do currículo defendido em documento oficial da Rede - Orientações Curriculares- Expectativas de Aprendizagens e Orientações Didáticas de Educação Infanti (OCs). Isso tem

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6 Os Professores de Módulo, que deveriam substituir os professores que vão aos cursos, muitas vezes têm outras turmas atribuídas, em decorrências de afastamentos de professores por motivos diversos, acabando por impedir a liberação de professor para participar da formação.

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provocado o registro de boas práticas, realizadas em diferentes unidades, e atraído cada vez mais professores para a formação, pois há um conjunto de elementos que favorecem isso: formadores competentes, contratados pela Secretaria; conteúdos pertinentes às necessidades das crianças; respeito aos conhecimentos prévios dos professores e valorização de seu trabalho. Dos Documentos Produzidos Esse é um assunto polêmico. Tive a oportunidade de acompanhar desde o início a dificuldade que é produzir um documento para apoiar e garantir uma prática que contemple às necessidades da infância, à organização de uma Rede, às práticas dos professores, os interesses dos outros profissionais etc. O momento mais polêmico foi o da publicação das “Orientações Curriculares: Expectativas de Aprendizagens e Orientações Didáticas Educação Infantil, OCs, como ficaram conhecidas. Houve muita crítica, debates, polêmicas, o que me fez lembrar o prefácio de Rousseau (2004, p.3), no “Emílio”:

“Hesitei muito antes de publicá-la e não raro ele me fez perceber, durante o trabalho, que não basta ter escrito algumas brochuras para saber compor um livro. Depois, de vãos esforços para melhorá-la, creio que devo entregá-lo tal como está, julgando que é importante chamar a atenção do público para este ponto e que, mesmo que minha ideias fossem más, se fizesse com que outras boas ideias nascessem em outras pessoas, não teria perdido de todo o tempo.

Na realidade, hoje o documento é uma referência não só para a Rede, mas para outras regiões do país, Faculdades de Educação e espaços nos quais a infância e seu currículo sejam pauta de discussão. Ainda que para provocar reflexões, comparações e melhorias, o documento concretizou uma demanda da própria Educação Infantil, já contemplada nos “Referenciais Curriculares Nacionais de Educação Infantil”, porém, mais focado nos estágios da educação infantil, especialmente no que se refere à educação dos bebês. As produções documentais antecederam as OCs e continuam com documentos que evidenciam experiências de profissionais da Rede, passando pelos Gestores e professores, sempre enfatizando a criança como o mote principal. Há muita polêmica ainda, mas, de qualquer forma, elas suscitam discussões que instigam e promovem melhorias nos trabalhos realizados nas Unidades de Educação Infantil e comprovam um dos princípios defendidos na formação desde o seu início: o registro como instrumento para a melhoria da reflexão sobre a prática. Das crianças Toda essa reflexão só foi possível porque elas existem e são numerosas. Quiséramos que todas as famílias que necessitam de vaga na Rede Pública para suas crianças em idade de zero a cinco anos fossem atendidas. Mas esta é uma outra conversa. Hoje, as crianças atendidas na Rede contam com um trabalho cada vez mais qualificado, responsável e comprometido. Há muito por ser realizado, mas o investimento na formação tem contribuído bastante. Ajustes precisam ser feitos, acompanhamentos mais incisivos, incentivos, reconhecimentos e valorização também com relação ao trabalho desenvolvido com e para as crianças. A Secretaria tem proposto como meta promover a todas as crianças matriculadas na Educação Infantil a vivência de experiências com as diferentes linguagens e saberes que circulam em nossa sociedade. Para um público de tão

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tenra idade parece simples, mas requer que para isso o professor seja portador de amplo universo cultural e significativas vivências, o que nem sempre é assim. Pensar na criança e suas aprendizagens é pensar no professor e seu conhecimento, que precisa ser ampliado e aprofundado regularmente. Do Registro O registro talvez seja o grande desafio vivenciado na formação. Em 2006, quando o Programa teve início, a observação e o registro foram destacados como instrumentos metodológicos relevantes para o acompanhamento das práticas e aprendizagens das crianças. Muitas escolas já tinham instrumentos de registros bem estruturados, outras nem tanto. Mas o desafio em qualificar o registro e, mais que isso, torná-lo um meio para verificação das aprendizagens e desenvolvimento das crianças era igualmente compartilhado. Nesse percurso, os Coordenadores Pedagógicos foram apresentando os registros de seus professores, trocando e melhorando ideias no intuito de investir em documentações que fizessem sentido a todos e evidenciassem tanto os avanços quanto as dificuldades. Portfólios foram construídos, instrumentos criados, filmes editados, fotografias impressas ou reveladas, diários de bordo ajustados, trabalhos produzidos pelas crianças foram publicados em espaços diversos, dentro e fora da escola etc. Tudo isso revelando as concepções subjacentes às diversas práticas. No entanto, o desafio continua: trocar a retórica pela escrita, passar da memória para a documentação, mais que um desafio metodológico é um desafio cultural. São barreiras difíceis de serem enfrentadas, mas indiscutivelmente importantes para uma prática docente de boa qualidade, especialmente, quando se trata da Educação Infantil. Considerações Finais Muito mais poderia ser indicado, mas o intuito foi apenas de rememorar alguns aspectos e registrar determinados assuntos. Os desafios e paradoxos permanecem, alguns perdurarão outros nem tanto. Qualquer reflexão acerca da educação precisa considerar que a questão fundamental em nosso país hoje é de efetivamente situar a educação como prioridade política. Porque ela é em geral prioridade em discursos, mas não na prática, o que se evidencia nos orçamentos. Tendo em vista que o orçamento para a educação é estreito e mal administrado, isso acaba implicando que as condições de sua formação sejam precárias. Isso vale para a cidade de São Paulo. A formação não pode ter um tratamento mais adequado e ser aprimorada se não mudar a forma da sociedade, ou seja, se as forças políticas que dirigem a sociedade não assumirem, de fato, a educação como prioridade. Sem isso, as condições de trabalho nas escolas serão precárias e, portanto, as condições de trabalho nos espaços destinados à formação de professores também serão precárias. Especialmente se considerarmos a dura jornada de trabalho de muitos professores. De qualquer forma, fica o mérito de toda a produção feita nesta formação, no Programa “A Rede em rede” que, apesar dos percalços, compõe um acervo que tem apoiado as práticas e reflexões referentes à Educação Infantil, referendando práticas diversificadas e pertinentes às aprendizagens e ao desenvolvimento infantil.

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Referências Bibliográficas ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. 2a edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004. PMSP. Orientações Curriculares, expectativas de aprendizagem e orientações didáticas – Educação Infantil. São Paulo: SME, 2007.

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Somos Todos Educadores1

A organização da rotina diária nos Centros de Educação Infantil (CEIs) e as dificuldades encontradas pelos Gestores da Educação Infantil de conscientizar a todos da importância, do envolvimento e da participação efetiva no processo educativo, originaram-se uma série de questionamentos no grupo envolvido que gerou a construção desse artigo. Para nós, é de fundamental importância a promoção da educação integral deste ser humano: a criança, tão difundida por todos e, ao mesmo tempo, tão distante da nossa realidade.

A criança tem no CEI seu primeiro contato com a vida escolar, com a aprendizagem formal, com a Educação no seu sentido mais amplo, o que nos leva acreditar como é fundamental este momento na vida deste educando, e desta família que deve ser acolhida e conscientizada da sua importância como parceira neste caminho. Diante deste quadro, nosso grupo de Gestoras da DRE Campo Limpo, sentiu a necessidade de refletir, de pesquisar, de debater e implementar ações formadoras e sistemáticas, que ampliem o acesso ao conhecimento sobre as diversas formas de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, no educar, no cuidar e que os educadores possam visualizar a criança como centro de todo o processo educativo, garantindo a qualidade do atendimento na Rede Pública Municipal de Ensino. O grupo é formado pelos Gestores de três Centros de Educação Infantil (CEI) pertencentes à Rede Municipal de Ensino, localizados na Zona Sul de São Paulo: CEI Jardim Copacabana, criado em 1985 e atende a 146 crianças. CEI Jardim São Manoel, criado em 1981, atendendo a 116 crianças e CEI Jardim Rebouças, criado em 1981, atendendo a 108. As três unidades contam com diretora de escola, coordenadora pedagógica, professores de educação infantil, auxiliares de desenvolvimento infantil, agentes de apoio, agentes escolares, auxiliares técnicos de educação e funcionários terceirizados de cozinha e limpeza. Se partirmos do pressuposto de que a criança vai construindo sua própria identidade a partir das experiências que vai adquirindo com as pessoas e com as situações, é fundamental compreendermos a importância da responsabilidade da equipe gestora na escola de Educação Infantil. O gestor precisará intervir a fim de que haja coerência entre discurso e prática na Educação Infantil através de atos, gestos e intervenções, pois segundo Paulo Freire (2004), nessa escola, “o diretor é gente, o coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário

1 Relato conjunto: Amanda Roberta Marin Caldeira – Diretor de Escola – CEI Jardim Copacabana/DRE Campo Limpo/SME/Prefeitura de São Paulo. Ana Leticia Chaddad Magoga – Coordenador Pedagógico – CEI Jardim São Manoel/DRE Campo Limpo/SME/Prefeitura de São Paulo. Fabiana da Costa Silva Venâncio – Coordenador Pedagógico – CEI Jardim Rebouças/DRE Campo Limpo/SME/Prefeitura de São Paulo. Leonete de Faria Arruda – Coordenador Pedagógico – CEI Jardim Copacabana/DRE Campo Limpo/SME/Prefeitura de São Paulo. Rita de Cássia Felice – Diretor de Escola – CEI Jardim Rebouças/DRE Campo Limpo/SME/Prefeitura de São Paulo. Sueli Silva – Diretor de Escola – CEI Jardim São Manoel/DRE Campo Limpo/SME/Prefeitura de São Paulo.

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é gente. E a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo e irmão”.

De acordo com os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998), elaborar e implantar um projeto educativo requer das equipes de profissionais das Instituições um grande esforço conjunto por lidar com a diversidade que caracteriza o ser humano.

A direção da Instituição tem um papel chave neste processo quando auxilia a criação de um clima democrático e pluralista, devendo incentivar e acolher a participação de todos nas ações, possibilitando um projeto que contemple a resolução das divergências do grupo de trabalho e superando as expectativas de crianças, pais, docentes e comunidade. O coletivo de profissionais da Instituição de Educação Infantil, entendido como organismo vivo e dinâmico, é o responsável pela construção do projeto educacional e do clima institucional. A tematização da prática, o compartilhar de conhecimentos são ações que, conduzidas com intencionalidade, de acordo com os valores explicitados no Projeto Pedagógico, formam o coletivo criando condições para que o trabalho desenvolvido seja debatido, compreendido e assumido por todos, sendo o compartilhar um processo que contribui para que a Instituição possa consolidar-se como Unidade Educacional, na qual são expressas as teorias e os saberes que sustentam a prática pedagógica. E esse processo tece a unidade do projeto educativo que embora traduzida pelos diferentes indivíduos do coletivo, parte de princípios comuns, sendo a unidade construída dinamicamente por todos.

Para Vitor Paro (1998), “há que se romper... começando por estimular todos os setores da escola: educadores, alunos, funcionários e pais nas decisões sobre os objetivos e rumos da escola...” Diante dos questionamentos realizados por toda equipe técnica, administrativa e de apoio, a respeito de como intervir nas situações relacionadas às crianças, e das observações realizadas, por nós no cotidiano, decidimos organizar momentos de leituras e reflexões sobre aprendizagem, desenvolvimento infantil e sua relação com o papel de cada um, com datas e horários pré-determinados.

Um dos grandes desafios a serem superados é o de garantir a realização de encontros, devido à demanda de tarefas que surgem em nossa rotina diária, necessitando de atendimento imediato.

Confrontando o caminhar de cada escola, verificamos que cada uma adaptou o encontro de acordo com suas próprias características e necessidades.

O CEI Jardim Copacabana realiza encontros mensais, com duração de uma hora, enquanto que o CEI Jardim Rebouças realiza encontros quinzenais com a duração de 40 minutos, e no CEI Jardim São Manoel os encontros também são quinzenais e com metade da equipe num encontro e a outra metade no outro, com duração de 30 minutos em cada encontro. As reuniões são realizadas com todos os funcionários da unidade, exceto com os professores que já têm a formação no PEA, focando temas administrativos e pedagógicos tendo como dinâmica neste momento, o despertar para o conhecimento do desenvolvimento na faixa etária que trabalha e o compromisso dos participantes como co-autores no processo educativo.

Os temas estão focados na área pedagógica pela necessidade de esclarecer a importância das diferentes aprendizagens e a sua relação direta com a organização administrativa. Todos os grupos têm consciência de que o pedagógico e o administrativo não estão dissociados, porém o segundo pode tornar-se mais significativo na medida em que todos tenham claro para que e, para quem estão realizando seu trabalho. Os assuntos a serem desenvolvidos nos encontros ao longo

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do ano, virão ao encontro das necessidades que surgirem, e também a partir das ações e reflexões nos encontros de cada CEI.

RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA O relato a seguir serve para ilustrar a maneira como procuramos efetivar essa

concepção de trabalho coletivo na rotina de nossos CEIs. No CEI Jardim Rebouças, os encontros de formação partem de situações

reais e o estudo de casos faz parte da reflexão, sendo, portanto, o foco para conscientizar todos da importância de cada um no processo educativo.

A fim de sensibilizar a equipe, composta por agentes de apoio, agentes escolares, ATEs, funcionários terceirizados da limpeza e cozinha, iniciamos o encontro com a entrega de material de apoio para cada um dos participantes,com a seguinte citação:

”Em nenhuma outra fase da vida as crianças se desenvolvem tão rapidamente quanto até os 3 anos de idade. Daí a importância de entender como cada atividade ou brincadeira ensina”- Anderson Moço (2010)

A partir da leitura individual e coletiva da citação, iniciamos o debate,

discussão e entendimento de como as atitudes e ações de todos contribuem para a formação integral da criança.

Refletindo sobre o papel de todos a partir de uma situação-problema, que é a utilização correta dos banheiros pelas crianças quanto à autonomia, ao cuidar de si, respeito ao meio ambiente e ao desenvolvimento de hábitos sociais saudáveis que vão acompanhá-las por toda vida, afirmamos que todos somos educadores, independente da função que exercemos dentro do ambiente escolar.

Em seguida, relatamos para o grupo a situação problema, onde uma funcionária da limpeza está realizando a troca das toalhas de rosto das crianças, quando um menino entra no banheiro e dirige-se direto ao vaso, o que fazer? O relato foi problematizado, devendo a funcionária intervir e orientar a criança quanto à utilização do banheiro ou simplesmente a funcionária deve trocar as toalhas e continuar o seu trabalho? Todos foram unânimes na resolução da situação colocada, pois a funcionária pode, e deve, orientar a criança quanto ao uso correto do banheiro, tanto no levantar da tampa para utilizar o vaso, no abaixar e no apertar a descarga após o uso e na higienização das mãos ao sair.

Na clareza da situação e na reflexão sobre o papel de cada um no cuidar e educar da criança, concluímos que todos somos educadores, onde episódios como esse ilustram a necessidade de continuidade na formação, para que pequenas ações do cotidiano escolar fortaleçam o papel de cada um na construção de uma educação de qualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao registrarmos nosso percurso neste artigo, nos certificamos de que é um

caminho para a valorização de todos os envolvidos no processo educacional e das relações humanas nos CEIs.

Não podemos deixar de salientar que estamos estudando, debatendo muito mais a rotina, a importância de cada um e como o compromisso com o trabalho, com o próximo pode fazer a diferença para a criança atendida em nossos CEIs.

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Estamos tentando ampliar o olhar destes profissionais pautados no desenvolvimento infantil, na intencionalidade das ações, presentes no cotidiano escolar e a repercussão que tais ações possam trazer para o desenvolvimento integral da criança.

A cada encontro percebemos que temos que investir muito nessa formação, nesse alimento motivacional e na inclusão desse ser humano no contexto pedagógico, para que ele possa sair do automatismo e se torne parte de todo o processo educativo desta criança, para que ele volte a ter a mesma curiosidade, o mesmo encantamento e o mesmo brilho no olhar do seu tempo de criança, e consequentemente melhore as suas relações pessoais e profissionais.

Os encontros estão acontecendo, porém, às vezes há a necessidade de modificação de datas ou horários por conta das prioridades surgidas na rotina; no entanto, todos estão envolvidos e motivados, cobrando a não execução das ações e combinados pelo grupo.

Portanto, não podemos esquecer que há um longo caminho a ser percorrido em termos reais, no entanto, estamos caminhando no processo e que essa ação por menor que seja em comparação com o todo que é a Escola, possa contribuir para a tão utópica Educação que almejamos para a nossa sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004. Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998. PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. São Paulo, Ática, 1997. PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática: Participação da comunidade na escola. Nosso Fazer, Curitiba, ano 1, n.9 ago. 1995, p.1. MOÇO, Anderson. Revista Nova Escola – Ano XXV – nº 231 – Abril/ 2010 – pág. 42

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UBUNTU! Valorizando a diversidade para a promoção da igualdade1

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo resgatar as ações que foram encadeadas durante o primeiro semestre de 2012, no CEI Jardim Umarizal, em relação à diversidade etnicorracial, abordando a questão desde a gestão, formação de educadores, intervenções realizadas juntamente com as crianças nas múltiplas linguagens, acarretando reflexões, mudanças de olhares, aprendizagens significativas, parceria com as famílias, respeito à pluralidade cultural, social e etnicorracial e contribuindo, portanto, para a implementação da Lei 10.639/2003.

Palavras-chave: Diversidade, relações etnicorraciais, igualdade, identidade,

cultura, intervenção, parceria, preconceito, Lei 10.639/2003.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se pode aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela)

O CEI Jardim Umarizal está localizado no Jardim Umarizal, pertencente à região da DRE Campo Limpo/ SME/SP. Atualmente, atende 137 crianças na faixa etária de 0 a 3 anos e 11 meses.

Durante o início do período letivo ao realizar reuniões com toda a equipe escolar, algumas professoras relatavam algumas situações que revelavam preconceitos e sentiam necessidade de ampliar o trabalho com esta temática para todo o grupo. Por meio da escuta atenta das educadoras e da sensibilidade da equipe decidiu-se, então, que o Projeto Político Pedagógico do CEI Jardim Umarizal 2012, estaria totalmente focado na questão da diversidade etnicorracial e inclusão.

Segue-se excerto extraído do PPP da Unidade Educacional para melhor contextualização:

O desafio maior que se coloca para este ano de 2012 seria o trabalho com a valorização da diversidade e a temática da inclusão para um atendimento de maior qualidade no CEI, tendo em vista o perfil da demanda atendida e as dificuldades do grupo em lidar, principalmente, com crianças com necessidades educacionais especiais. Além disto, percebe-se que no cotidiano escolar, historicamente, tem-se reproduzido valores e padrões da classe dominante, priorizando-se, por exemplo, a visão eurocêntrica em detrimento de outras visões. Diante deste processo sócio-histórico-cultural brasileiro, nota-se que as referências históricas de outros povos ou etnias, suas contribuições à construção da sociedade brasileira ficaram às margens, foram ocultadas ou descaracterizadas,

1 CEI Jardim Umarizal/ DRE Campo Limpo/ SME-SP

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acarretando assim, uma imagem negativa destes sujeitos. Para desconstruir tais representações simbólicas tão arraigadas em nossa sociedade urge a necessidade de se trabalhar com estas questões desde a Educação Infantil. Cabe ressaltar a relevância do trabalho com esta temática tanto com as crianças quanto com os próprios adultos para a transformação de práticas e concepções. O recorte temático que se pretende priorizar refere-se a concepções e práticas em relação à inclusão, acolhendo todas as diferenças, combatendo preconceitos e práticas excludentes. É importante salientar também que não se trata de trocar um foco eurocêntrico por um africano ou algo do gênero, mas sim de ampliar o olhar para a questão da diversidade. (P.P.P. – CEI Jardim Umarizal, 2012)

Partindo do pressuposto de que os educadores interagem diretamente com as

crianças e que estes possuem um papel mediador das aprendizagens, bem como a necessidade de implementação da Lei 10.639/2003, passou-se a trabalhar nos horários coletivos, destinados à formação de educadores, o aprofundamento da temática através de vídeos, dinâmicas, oficinas, apresentações em Power Point, leituras, discussões, reflexões e tematização de práticas. Sendo assim, o PEA (Projeto Especial de Ação) da U.E. deste ano foi intitulado de “A inclusão e a diversidade nas múltiplas linguagens”.

Em princípio, embora esta fosse uma decisão coletiva, uma das grandes inquietações da maioria do grupo era de como se trabalhar com a questão da diversidade etnicorracial com crianças bem pequenas, principalmente, as da faixa etária de Berçário. Outro fato que cabe ressaltar é que algumas professoras negavam a existência do preconceito pelas crianças, afirmando que o preconceito estava no adulto. Durante os horários de formação houve intensos debates acerca do tema. Após tantos questionamentos, notou-se que aos poucos os profissionais iam mudando de atitudes e ampliando o olhar para esta temática. O trabalho com o vídeo “Boneca Negra” foi fundamental, pois ele evidencia a existência do racismo na infância. Por meio dele pôde-se perceber a necessidade de intervenções desde cedo.

Em Reuniões e Jornadas Pedagógicas também foram previstos momentos, com toda a equipe escolar para o trabalho com estas temáticas, sendo destinadas ao planejamento de ações, bem como formação com especialistas na U.E. Para a reunião de 15/03, convidou-se a Equipe da Tenda de Jogos, da USP, para a oficina de jogos étnicos e multiculturais. No dia 16/03, elaborou-se os planos de prioridades para a viabilização das propostas focadas na diversidade etnicorracial e inclusão. No dia 05/05, convidou-se a formadora de SME, Sra. Eliane Gonçalves, para ministrar uma palestra para a equipe docente, a qual foi intitulada de “Educação Etnicorracial: Um olhar reflexivo sobre o protagonismo das crianças”. Para as reuniões pedagógicas de 03 de agosto e 05 de outubro, convidou-se a formadora de SME, Luciana Barbosa, para ministrar palestras e oficinas também referentes às relações etnicorraciais para toda a equipe.

No trabalho com as crianças tem se procurado promover a reflexão sobre esta temática e desenvolver um trabalho atento à questão da diversidade nas múltiplas linguagens. Podem-se citar inúmeras intervenções que foram realizadas

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tanto em situações que revelavam atitudes preconceituosas quanto no sentido de positivar a imagem do negro e valorizar a diversidade etnicorracial, social e cultural no âmbito da U.E. A seguir serão evidenciadas algumas ações realizadas:

Foram proporcionadas vivências para a valorização da cultura indígena, tais como a contação, leitura, reconto e manuseio de histórias que remetem aos povos indígenas, bem como a exploração de fotografias, instrumentos musicais, objetos, adereços, instrumentos de caça e pesca, alimentos, entre outros, evidenciando assim, um pouco do legado cultural indígena para a cultura brasileira.

As professoras do Berçário I, ao apresentarem os bonecos multiétnicos às

crianças, notaram a dificuldade de algumas em manusear os bonecos negros. Levando isto em consideração, as professoras tiveram a idéia de criar uma “mãe negra” para que as crianças tivessem interesse por estes bonecos. Sendo assim, organizou-se uma apresentação em um ambiente aconchegante onde todos os grupos da U.E. puderam apreciar a boneca negra acompanhada de vários bonecos (índios, negros e brancos). O destaque estava na boneca negra, a qual estava muito bem vestida e adornada com um colar dourado e flor no cabelo. A boneca não tinha nome, então uma das professoras solicitou que as crianças sugerissem um nome para a boneca. Vários alunos visitaram o ambiente, onde as crianças se serviam

com balas de goma “oferecidas” pela boneca negra, visualizaram jogos da cultura africana, manuseando as peças dos mesmos, tal como a mancala e brincando com os bonecos, mas a atenção ainda estava na boneca negra, a qual era lindíssima e maior que as demais. Aproveitando este momento único foi perguntado às crianças como ela deveria ser chamada. Tal foi a surpresa de todos que uma das crianças sugeriu: “- Princesa negra!” Todos aprovaram o nome e assim

ela foi chamada. As professoras gostaram bastante do evento, tendo atingido os objetivos propostos.

Pensou-se também em proporcionar um ambiente da sala que promovesse o respeito à diversidade. Além das fotografias das crianças expostas, criou-se uma

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“trilha da diversidade” no Berçário I. Reuniram-se materiais pesquisados em livros e calendários, onde havia fotos de pessoas de diferentes etnias (indígenas, africanos, orientais, brancos, negros) e de diferentes gêneros. Para maior percepção dos bebês pensou-se em expô-las em local de fácil visualização para eles, por isto colocou-se uma trilha no chão da sala e cobriram-se as fotos com contact. Com a trilha pronta, as crianças passaram a explorá-la. O objetivo principal desta atividade foi oferecer aos bebês a oportunidade de visualizar diferentes etnias, trabalhando também com o movimento corporal, noção espacial e equilíbrio. As crianças demonstraram estar surpresas, olhando bem devagar várias vezes e, inicialmente, somente uma criança teve a percepção de fazer a trilha. Ela engatinhou olhando foto por foto e fez todo o percurso da trilha. Com a intervenção das educadoras, as demais crianças cobriram o percurso, mas preferiram ficar em pé, sem engatinhar. A experiência proporcionada chamou a atenção não somente das crianças da turma, mas também de outras turmas, professoras e funcionários.

A turma do Berçário II também investiu no

ambiente que

valorizasse a

diversidade, com fotografias e painéis. Além do manuseio pelas crianças e brincadeira simbólica com bonecos multiétnicos, as professoras realizaram algumas encenações, iniciando com uma brincadeira de pega-pega e de futebol utilizando dois bonecos (negro e branco). Neste momento, as crianças observavam com atenção e

demonstravam se divertir. Após esse momento, colocaram-se os personagens sentados em sequência como se fossem a platéia e apresentando todos da turma, um por vez, recitando poesias, cantando, virando cambalhotas, dançando, etc. Quando finalizava a apresentação, as crianças batiam palmas entusiasmadamente. Esta atividade foi realizada com sucesso e proporcionou de forma lúdica a apresentação dos bonecos que fazem parte do “Projeto Amigos da Turma” e que são levados para passar o final de semana com as famílias. Na turma do Mini-Grupo I A/B, iniciou-se com recortes de revistas com pessoas de diferentes etnias. Em atividades permanentes como leitura, contação e reconto de história incluiu-se algumas como: “Ana e Ana”, “Tanto, Tanto”, “Como é bonito o pé de Igor” e outras. No tapete literário expuseram-se livros que contemplam a diversidade para o manuseio das crianças. Além disto, houve a exploração de vestimentas e tecidos que remetem a cultura africana.

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Realizou-se exposição de painéis africanos que retratavam o cotidiano. Os

educandos foram levados a apreciar e a relatar suas impressões. Uma criança falou: “- Eles estão tocando música!”, outra “- É uma mulher!’’.

A turma do Mini-Grupo I, juntamente com a turma do Berçário II, durante a roda de conversa na sala, apresentou o livro “Princesa Arabela, mimada que só ela” e comentou-se um pouco da história, que despertou a curiosidade e interesse. Leu-se, então, a história, a qual causou encantamento.

No dia seguinte, preparou-se uma cabana com tecidos africanos onde foi realizada a contação da mesma história. Na roda de conversa, as crianças comentaram o que foi mais significativo

para elas, tais como o elefante e o aniversário. Na semana seguinte, organizou-se um pequeno cenário (panô) e realizou-se,

novamente, a contação da mesma história com tecidos africanos que eram retirados de uma caixa conforme a seqüência da história. As crianças pareciam encantadas com os personagens, acompanhando atentamente. Após a contação convidou-se as crianças a explorarem os cantos previamente preparados com tecidos, fantoches, bonecas de pano, livros e caixa utilizada na contação.

Em outra ocasião, foi proporcionado um acolhimento para as crianças da turma com o espaço previamente preparado com tule branco, cantinhos com bonecas multiétnicas e com deficiências, jogos africanos (ayô/ mancala e jogo da velha) e DVD de histórias animadas que remetem à questão da diversidade étnicorracial da Coleção “A Cor da Cultura”, fatores que tornaram o ambiente interessante, causando fascínio e curiosidade. Os objetivos eram de propiciar o contato e a vivência de brincar e imaginar com jogos da cultura africana e bonecas negras.

Conforme as crianças iam chegando à sala, dirigiam-se aos cantos de seu

interesse, porém a grande maioria foi para o canto dos jogos, neste caso para o jogo da velha, sendo necessária a intervenção para explorar outros cantos, organizar a brincadeira e ensinar como jogar. Conforme ocorreu a intervenção e mediação das educadoras, as crianças se direcionaram para outros cantos como o das bonecas onde interagiram e brincaram. Algumas crianças também se interessaram em assistir o DVD. As crianças se envolveram tanto que foi necessário prolongar o tempo previsto para esta atividade. Em outro momento, as bonecas brancas foram colocadas propositalmente em um canto menos atrativo. Já as negras e indígenas colocadas sobre um tecido colorido em cima de colchonetes que deixou o espaço bonito e aconchegante. Notou-se que, inicialmente, as crianças dirigiram-se ao canto

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onde estavam as bonecas brancas, mas ao olharem ao lado imediatamente foram para o canto onde estavam as bonecas negras e indígenas, brincando com interesse e entusiasmo. Houve a intervenção das educadoras levando as bonecas brancas para o tapete onde estavam as bonecas indígenas e negras, promovendo a igualdade.

Conforme as crianças se envolviam no faz-de-conta, realizaram-se intervenções durante a brincadeira a fim de verificar a existência ou não de preconceito, fazendo as seguintes perguntas: “-Qual é a boneca mais bonita?” (referindo-se a uma boneca branca com cabelo danificado e uma negra com cabelo penteado e enfeitado) “-Qual se parece mais com você?” Para os meninos fez-se a primeira pergunta, mas as respostas de meninos e meninas foram iguais ao classificarem a boneca branca como a mais bonita. Na segunda, a maioria das respostas foi a mesma escolhendo a boneca branca. Fez-se outra pergunta: “- Porque esta é a mais bonita?” As crianças não conseguiram formular uma explicação para a resposta. Então, a educadora problematizou, evidenciando que ambas possuíam algumas características semelhantes (olhos, boca, cabeça, etc).

Daí a importância de se propiciar um brincar com bonecas de diversos grupos étnicos, bem como a valorização das diferenças, da beleza negra, o (re) conhecimento de referenciais de sua etnia e, consequentemente, de se passar uma imagem positiva de negros e indígenas para que as crianças tenham oportunidade de brincarem e se identificarem, ou seja, tenham orgulho de sua origem e fortaleça a identidade do grupo.

Na turma do Mini-Grupo I – C/D deu-se início ao tema da diversidade e inclusão com a história “Menina bonita do laço de fita” no momento de roda de conversa. As professoras fizeram a leitura da história, as crianças realizaram o reconto, como também a pintura da personagem principal e, posteriormente, trabalhou-se a identidade com as próprias crianças em relação às características físicas, resgatando as especificidades de cada um.

Colocou-se duas figuras na lousa, uma da personagem da história e outra de uma criança branca para que eles pudessem visualizar e fazer o reconhecimento da aprendizagem acima mencionada. Após essa etapa, apresentaram-se na roda os “Amigos da Turma” e as crianças tiveram a oportunidade de observar as características de cada um e manusear os bonecos, interagindo entre si.

Planejou-se, em seguida, a atividade de pesquisa em revistas, onde as crianças iriam explorar as figuras e encontrar as que se associavam ao tema para a confecção de um painel. Observou-se nessa atividade, que as crianças apresentavam uma boa noção do tema, pois trouxeram figuras do índio, japonês,

negro, contemplando o objetivo da vivência. O painel foi colocado em exposição na parede central da sala para a visualização das crianças, o que gerou curiosidade e observação no dia-a-dia, inclusive na Reunião de Pais, as crianças orgulhosas,

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apontavam para o painel mostrando aos pais a sua contribuição naquela obra coletiva. As professoras da turma consideraram este primeiro momento como bastante positivo e que trouxe uma devolutiva satisfatória e tem sido aperfeiçoada no decorrer do ano.

Na turma do Mini-Grupo I E/F, também se selecionou a história “Menina Bonita do Laço de Fita” para ser trabalhada com as crianças. Pensou-se em construir fantoches para a apresentação de teatro pelas crianças e para elas. A história selecionada fez um sucesso! As professoras fizeram a leitura da mesma para as crianças. Após a leitura, notou-se que muitas crianças se identificaram com ela. Após ter passado o DVD de histórias animadas da Coleção “A Cor da Cultura” (que tinha a história da “Menina Bonita do Laço de Fita” também), no horário de formação (PEA), as professoras se interessaram em passar para as crianças também o vídeo. Então, combinou-se a data destinada a este fim e passou-se a

história no Data Show para todas as crianças do CEI. Elas ficaram bastante encantadas e toda vez que viam o Data Show montado perguntavam se ia passar “Menina Bonita do Laço de Fita”. Desta forma, não houve dúvidas em relação à história selecionada.

O passo seguinte foi a construção dos fantoches. Foram disponibilizadas nas mesas e no chão sucatas e materiais diversos para a confecção dos personagens referentes à história.

As crianças da turma demonstraram bastante interesse e devido à atividade ser realizada no parque, as crianças de outras turmas também quiseram participar. Cada criança escolheu o grupo que queria fazer parte, sendo divididos por personagens: coelho branco, menina bonita, mãe da menina e coelha negra. De início as crianças cobriram com papel caixas de leite cortadas e garrafas pets, com lã acrílica também.

No dia seguinte, as crianças pintaram os materiais produzidos. Ficaram bastante entretidos, novamente, fazendo misturas de cores e pintando seus bonecos. Concluídas as pinturas foi realizado o acabamento e logo, as sucatas tomaram formas e se transformaram em belos bonecos. Com os personagens concluídos, foram construídos outros elementos cênicos para contribuir com a contação da história. Finalizado o processo de construção, houve a apreciação do vídeo gravado com as crianças. Elas mostravam-se bastante satisfeitas com as atividades e aparentavam entusiasmo em vê-las na televisão, dizendo o tempo todo: “-Olha, eu!” “-Olha fulano, ciclano”, etc...

No outro dia, quando tudo ficou pronto, o espaço foi preparado para a apresentação. Então, dramatizou-se a história e as crianças assistiram ao teatro, juntamente com as professoras. Foi possível notar a expectativa das crianças em relação ao teatro e o encantamento produzido pelos bonecos. Elas assistiram atentamente cada parte da história. Ao encerrar a dramatização, conversou-se com as crianças para saber o que

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acharam da experiência e comentou-se se elas lembravam quem havia construído aqueles bonecos e logo, elas iam dizendo, apontando para eles: “- Fui eu que pintei!”, “–Fui eu que fiz!” E antes mesmo de se propor o reconto, uma criança, já foi levantando a mão dizendo que queria contá-la. Então, lá foi ela protagonizar a história e realizou o reconto com o auxílio das professoras.

Propôs-se, então, o reconto com toda a turma. Organizou-se um ambiente convidativo à brincadeira simbólica, ao reconto com os fantoches construídos e cenários, possibilitando escolhas pelas crianças. Elas manusearam os bonecos e deram asas à sua imaginação, criando seus diálogos, interpretando e tentando contar partes da história “Menina Bonita do Laço de Fita”.

Enfim, as experiências proporcionadas foram bastante significativas e produtivas às crianças e chamou a atenção das demais educadoras, que se interessaram bastante pelo projeto e o desenvolveram também, posteriormente, fazendo oficinas de construção de bonecos também nos horários coletivos para a contação de histórias para as crianças. Com os bonecos construídos proporcionaram-se momentos de interação com todas as turmas para a contação de histórias. Para finalizar, foi elaborado um vídeo (movie maker) sintetizando o projeto e sendo apreciado pelas crianças, professoras e famílias. Sendo assim, avaliou-se este projeto de forma muito positiva, promovendo a valorização da ação da criança e o seu protagonismo em todo o processo, “dando a vez e a voz à criança”.

Ainda na tentativa de promover o protagonismo das crianças, as professoras proporcionaram uma apresentação de teatro com as crianças do Mini-Grupo II- B para as demais turmas. A história escolhida pelas crianças também foi “Menina Bonita do Laço de Fita”. Após a leitura, contação e reconto da história, foi possível proporcionar a apresentação do teatro em que as crianças do Mini-Grupo II – B foram os personagens. Cada uma escolheu aquele que queria ser na dramatização. Houve a intervenção da professora somente na escolha da personagem principal, devido à observação cotidiana em que uma criança mostrava-se identificar com a personagem.

Todas as crianças do CEI puderam apreciar o teatro. Após a dramatização,

observou-se que as crianças agiram com maior naturalidade, interpretando a história a partir dos elementos cênicos do ambiente. Diante desta observação, a professora preparou o ambiente da sala com cantos que lembravam partes da história, a fim de verificar se as crianças interpretariam a história de forma mais espontânea sem a preocupação com a apresentação. No primeiro momento, houve apenas a exploração dos objetos no faz-de-conta sem referência à história, mas, em alguns momentos, era possível notar que as crianças iam construindo suas narrativas remetendo a mesma. A partir daí surgiram diversos comentários das crianças que revelavam suas hipóteses sobre o assunto, tal como: “Professora, quando eu crescer, vou ficar preta também?”, ou então “Professora, eu não tomo café!”, afirmado por uma criança afro-descendente. Por meio da escuta atenta das falas das crianças foi possível intervir em muitas situações como essas.

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A fim de valorizar a cultura africana, propôs-se, também, a apreciação de músicas africanas para a observação de diferentes línguas.

Houve ainda sessões simultâneas de contação de histórias, em que as crianças puderam escolher a história que gostariam de ouvir. Em uma das sessões simultâneas fez-se a contação da história “Ana e Ana” através de livro e bonecas. Durante a experiência, uma das professoras ofereceu as bonecas para as crianças manusearem. Notou-se que, de forma geral, as crianças gostaram, porém houve uma criança que se recusou tocar na boneca. Uma professora interferiu, questionando porque não quis tocar nela e a criança afastou-se, sorriu e negou-se, novamente. A história “Menina Bonita do Laço de Fita” foi contada através dos fantoches construídos pelas crianças e a história “Princesa Arabela, mimada que só ela”, com tecidos.

O espaço foi todo preparado para tais vivências, de forma acolhedora e

aconchegante. Na história “Princesa Arabela”, a professora contadora da história utilizava uma vestimenta africana, mais especificamente, da Nigéria. As crianças, ao adentrarem o espaço da contação, logo notaram as diferenças da vestimenta da professora, observando-a e admirando-a. Uma criança, com certo espanto, disse: “-Nossa! Que roupa estranha!” Neste momento ela interveio, lembrando-as sobre o vídeo “Bichos da África”, que haviam assistido no dia anterior, dizendo que na África (Nigéria) se veste assim. Por meio desta fala também se pôde perceber a necessidade de intervenção, no sentido de proporcionar vivências como estas com maior regularidade, para que se apropriem e valorizem a cultura africana.

Estas são algumas das intervenções que foram realizadas até o momento com as crianças, mas ainda estão previstas outras atividades, tais como o trabalho com adinkras2

Em relação ao trabalho com as famílias, durante a reunião de pais, expôs-se a proposta pedagógica da U.E. e solicitou-se a parceria das famílias em projetos. Para que houvesse uma maior compreensão dos pais sobre a necessidade de se trabalhar a questão diversidade, passaram-se os vídeos “Boneca negra” e “Inclusão”, seguidos da discussão sobre os mesmos. Nota-se que as famílias reconheceram a importância do projeto pedagógico da U.E. Propôs-se também o

, apreciação de filme que apresenta referência de herói negro como “Kiriku e a feiticeira”, entre outros.

2 É uma linguagem de ideogramas impressos, em padrões repetidos, sobre um tecido de algodão.

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início do projeto “Amigos da turma”, que consiste em a criança levar um boneco multiétnico ou representando alguma deficiência, para passar o final de semana com a criança em casa. Em parceria com o CEI, a família deve incentivar a cuidar do boneco como se fosse uma criança, respeitando as diferenças. Ao devolver o boneco ao CEI, deve-se trazer um relato de como foi a experiência para ser problematizada. As professoras do Mini-Grupo II-A iniciaram com o Projeto “Amigos da Turma” e puderam intervir em algumas situações, ressignificando-as em rodas de conversa.

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Desta forma, o trabalho com esta questão transcendeu os “muros” do CEI e a temática passou a fazer parte dos lares das crianças. Os resultados superaram as expectativas, pois as crianças cuidaram bem dos bonecos juntamente com as famílias, as quais puderam perceber situações em que as crianças manifestavam algum tipo de preconceito em relação à cor, gênero ou alguma deficiência e intervir

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de forma que as crianças pudessem refletir sobre suas ações e aceitar as diferenças. Por outro lado, algumas crianças se identificaram mais com os bonecos, por perceberem que havia bonecos tão belos e parecidos com elas e seus colegas. Tudo isto tem colaborado de maneira significativa para as aprendizagens das crianças, contribuindo, portanto, para a luta contra o preconceito e discriminação, prevenção ao bullying e oferecendo motivos para que as crianças afro-descendentes se orgulhem de sua origem, fortalecendo a identidade do grupo e educando para a igualdade racial.

Por meio destas experiências ficou ainda mais evidente a necessidade de intervenção em situações cotidianas e que se forem realizadas atividades diárias que contemplem os diferentes grupos étnicos, colocando o negro e o indígena em situações positivas - já que é mais comum vê-los retratados de forma negativa ou desfavorável - podem-se desconstruir determinadas representações simbólicas (presentes também em frases e piadas) e modificar comportamentos preconceituosos. Sendo assim, cabe a nós, educadores, estudar a verdadeira história dos negros, sua contribuição e influência na cultura da humanidade, desconstruindo a mentalidade racista e preconceituosa que foi formada durante séculos, transformando assim a realidade.

Para o desenvolvimento desse projeto o princípio da gestão compartilhada esteve presente no sentido de disponibilizar os recursos financeiros e mobilizar os pais para contribuição voluntária à APM para a compra de materiais de consumo, confecção de brinquedos e de bonecos representando a diversidade etnicorracial e a inclusão. Além disso, a equipe gestora organizou as reuniões de pais, os horários coletivos e vinda de profissionais capacitados para ministrar palestras e desenvolver oficinas. Outra ação desenvolvida pela equipe gestora foi a de envolver todos os profissionais no projeto, inclusive na confecção de sacolas para que as crianças pudessem levar os bonecos “Amigos da Turma” para casa, bem como a participação dos agentes de apoio e auxiliares técnicos educacionais nas atividades realizadas em sala de “aula”. A participação dos auxiliares também foi fundamental para a organização dos espaços, participação nas brincadeiras e registros filmados e fotografados.

Finaliza-se este artigo com o provérbio africano "Ubuntu" (inspirado na palestra ministrada pela Sra. Eliane Gonçalves na U.E.), cujo significado é "Eu sou o que sou devido ao que todos nós somos".

Referências bibliográficas: BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm

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São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. DOT. Orientações Curriculares: Expectativas de Aprendizagem para a Educação Étnico-racial na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo : SME / DOT, 2008.

Este artigo foi elaborado com a participação da equipe docente e gestora do

CEI Jardim Umarizal – 2012. Professoras de Educação Infantil Agda Costa Macedo De Jesus Ana Maria Chaves De Aguiar Ana Paula Aparecida Silva Sebastião Bianca Gomes Cardozo Daniela Thais De Andrade Ferreira Debora Honorio De Jesus Idalina Roseli De Souza Janete Antonia De Lima Jenilda De Carvalho Matilde Ribeiro Keli Cristina Ipaves Mota Luzia Martha Da Silva Magali Rose Meirinho Margarete De Souza Henrique Maria Ferreira Neta Maria Lucia Pereira Torres Da Silva Miriam Neves De Medeiros Raquel Maldonado De Freitas Raquel Pereira Bispo Regina Afonso Batista Rosana Rita De Siqueira Rosemara Westim Ribeiro Figueiredo Rosenilda Silva Souza Shirley Diniz Santana Soraia Barros Sena Sueli Alves Dos Santos Costa Walkiria Telles Da Silva Wellengnilce Mesquita Zara Aparecida Audi Pavoletti Coordenadora Pedagógica: Leticia Augusta Arakaki Diretora de Escola: Adelia Maria Rocha Barriento

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Portfólio: um instrumento avaliativo na Educação Infantil Cristina Adriana da Silva

Eleni Madalena Vieira Gildezio Bispo de Araujo

Tárcia Borges Moura de Oliveira1

O presente Artigo, elaborado e redigido pelos professores discriminados abaixo, é uma ação reflexiva vivenciada atualmente pela Equipe Docente do CEI Vereador Cid Franco, endereçado para apresentação na revista eletrônica da SME junto ao Seminário da DRE Campo Limpo.

Com a transformação das creches em CEI, nos termos do Decreto 40.268/01 e o Decreto 41.588, respeitadas as normas emanadas pela Deliberação 03/97 e Indicação CME 04/97 foi necessário uma nova reflexão sobre a prática educativa, sendo esta ainda, um desafio aos estudiosos e aos educadores ativos e atuantes em Educação Infantil. Por meio de Avaliação realizada pelo CEI Vereador Cid Franco no final do ano de 2011, e com base nas leituras realizadas no Programa de Estudos Continuados no próprio CEI com Hoffmann (2004) e Perrenoud (1999), percebeu-se a lacuna existente entre a teoria e a prática avaliativa dos alunos da instituição, já que o relatório semestral e o registro de acompanhamento da criança durante o ano de 2011 eram insuficientes para perceber, por registros, o desenvolvimento efetivo do aluno. A equipe docente sentiu então que precisava rever a prática avaliativa contemplando mais elementos que indicassem fielmente o desenvolvimento cognitivo e de aprendizagens específicas, partindo-se do pressuposto do quê avaliar, como e quando. Para tanto, selecionamos indicadores2

Entendeu-se que o Portfólio de Avaliação

voltados para os diversos campos de experiências, onde cada grupo de professores, divididos por turma e período, escolheu quatro indicadores que norteariam o processo pedagógico, o planejamento e a avaliação escolar em 2012.

3

Gandini, L.; Goldhaber, J. In: Raizer (2007, p. 61) comentam que:

seria o instrumento mais adequado para documentar o desenvolvimento na Educação Infantil. Não se avalia aleatoriamente, acompanham-se as experiências pertinentes aos indicadores, oportunizando vivências variadas. A avaliação se efetivará segundo o objetivo focado. Na escolha das atividades avaliativas para o portfólio, espera-se alcançar os objetivos trabalhados sempre de maneira lúdica, espontânea e prazerosa. Com isso, o professor terá um norteador para sua prática pedagógica tornar-se eficaz, efetivando-se os resultados.

Na educação infantil quando documentamos algo, estamos deliberadamente optando por observar e registrar os acontecimentos em nosso ambiente a fim de pensar e comunicar as surpreendentes descobertas do cotidiano das crianças e os extraordinários

1 Relato – Professoras CEI Vereador Cid Franco: 2 Elencamos como indicadores, conteúdos da Orientação Curricular de Educação Infantil, cujo processo de aprendizagem pudesse ser demonstrado em forma de registro, por escrito. 3 Portfólio de Avaliação registra o processo de aprendizagem do educando.

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acontecimentos que ocorrem nos lugares onde elas são educadas. A documentação contribui para a aprendizagem, pois armazena materiais significativos e ricos à compreensão do desenvolvimento infantil nas diferentes áreas e, ainda, sistematiza e organiza os fatos segundo a ordem cronológica dos acontecimentos.

Os materiais de registro avaliativo devem ser criteriosamente aplicados, para que realmente sejam ricos à compreensão do desenvolvimento infantil. Para a composição do portfólio faz-se necessário o acompanhamento das produções das crianças, observando seu processo criativo, destacando os registros que documentam suas conquistas. Na Educação Infantil o processo é espontâneo, mas não podemos deixar que aconteça de forma espontaneísta, como a própria Hoffmann (2000) defende:

Mediação significa um estado de alerta permanente do professor que acompanha e estuda a história da criança em seu processo de desenvolvimento. Entendida nesse sentido, a avaliação mediadora é um processo espontâneo, sem ser espontaneista. Ou seja, é espontâneo enquanto amplia o olhar sobre a criança em suas manifestações diversas e singulares do dia-a-dia. Mas não é um processo espontaneísta, porque se fundamenta em premissas teóricas consistentes sobre o desenvolvimento infantil e na definição de objetivos significativos para a ação pedagógica, que constituem o embasamento à observação e análise cotidiana pelo professor das descobertas e manifestações das crianças. (p.31)

Essa mediação só aconteceria mediante os dados empíricos. Pôde-se então planejar as ações de acordo com os indicadores pré-estabelecidos pelos professores viabilizando as ações futuras, modificando-as quando necessário e fortalecendo o processo de mediação que cabe ao professor efetivar. Neste processo de mediação, é importante que os registros sejam utilizados para o planejamento das futuras intervenções e acompanhamento das aprendizagens. Como afirma Hoffmann (2000):

“A avaliação em educação infantil precisa resgatar urgentemente o sentido essencial de acompanhamento do desenvolvimento e de reflexão permanente sobre as crianças em seu cotidiano, como elo da continuidade da ação pedagógica. (p.48)”

Os registros de avaliação tornaram-se instrumentos de reflexão. Garantindo assim como afirma Hoffmann (2000) “... o elo de continuidade da ação pedagógica”. A apresentação do portfólio na reunião de pais, do primeiro semestre, evidenciou mais uma vez, aos envolvidos, o avanço significativo do desenvolvimento infantil das crianças no CEI. Há que se mostrar, também, a satisfação e a compreensão dos pais no tocante ao significado do processo avaliativo apresentado no portfólio, onde, ao vê-lo, esse pai compreende e identifica os avanços no desenvolvimento das crianças. Esse é um projeto piloto construído através de tentativas. É continuo de revisão e ação, possibilitando realizar um estudo sobre a prática avaliativa, suscitando diversas reflexões a todos os envolvidos. Por se tratar de caminhar junto com o aluno, o mesmo envolve etapas que não se encerram em si mesmas, conduzindo os educadores à percepção da própria prática e às novas descobertas.

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REFERÊNCIAS GANDINI, L.; GOLDHABER, J. In: RAIZER, C.M. Portfólio na educação infantil: desvelando possibilidades para avaliação formativa, Universidade Estadual de Londrina, Centro de Educação, Comunicação e Artes, Programa de Pós-Graduação. 2007p.61disponível em:<http://www.uel.br/pos/mestredu/images/stories/downloads/dissertacoes/2007/2007%20-%2raizer,%20cassiana%20magalhaes.pdf> Acesso em: 20 jul 2012. GANDINI, L.; GOLDHABER, J. Duas reflexões sobre a documentação. In Gandini, Lella; Edwards, Carolyn. Bambini. Abordagem italiana à educação infantil. Porto Alegre. Artmed, 2002. p. 150-169 HAMZE, Amélia. Educador: Orientações para pais e professores. O mito avaliação. Brasil Escola. Disponível em: <http:// http://educador.brasilescola.com/trabalho-docente/o-mito-avaliacao-aprendizagem.htm>. Acesso em 17 jul. 2012. HOFFMANN, J; Silva, M.B.G.da. Ação Educativa na Creche. 6ª ed, Mediação Editora, Porto Alegre, 2000. PERRENOUD, P. Avaliação da Excelência à Regulação das Aprendizagens Entre duas Lógicas. Artmed Editora, Porto Alegre, 1999. Cidade de São Paulo (município) Decreto nº 40.268, 31 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/.../decreto40268_1251394509.doc> Acesso em 13 jul. 2012 Cidade de São Paulo (município) Decreto nº 41.588, 28 de dezembro de 2001 Disponível em: <http://ww2.prefeitura.sp.gov.br//arquivos/secretarias/gestaopublica/merenda/legislacao/0002/decreto_41588.pdf> Cidade de São Paulo (município) Deliberação CME n° 03/97. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/cidadania/conselhosecoordenadorias/educacao/0003deliberacao3-97.doc> Cidade de São Paulo (município) Indicação CME nº 04/97 - Disponível em: <http:// www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/.../indicacao4_97_1251402213.doc>

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Encantos e desencantos de uma CP Sueli O. Vasconcelos Coordenadora Pedagógica EMEI Catulo da Paixão Cearense

De minha janela vejo meu tempo passar, confirmando-me a todo instante que a história não volta. Das janelas frias das salas de aula do ensino fundamental, e das cortinas e portas coloridas das salas da educação infantil também vejo meu tempo passar. Durante vinte anos estive à frente de adolescentes que gostavam da história das guerras talvez porque as sentissem agitadas como eles. Ou preferiam os mistérios das pirâmides com o encanto que parece estar escondido nas múmias. Com o tempo... a rotina estressante das horas de trabalho acrescida ainda dos sentimentos trazidos no olhar de cada colega, de cada aluno... ou até a falta deste olhar, até me distanciaram do encanto da História, do aprender e do ensinar. Quase desisti. Mas os anos de formadora no Projeto Letra e Vida (PROFA) significaram para mim um novo encantar, seja da professora alfabetizadora que tinha sonhos, seja do aluno que descobria que a história da sua própria vida era História. Essa experiência com a formação de professores me fez crer que seria possível atuar na coordenação pedagógica de uma escola, e a oportunidade surgiu numa escola de educação infantil. Cheguei. O que fazer? As crianças brincavam. Brincar na escola? Sabendo que o ambiente alfabetizador leva à aprendizagem da leitura e escrita, cheguei achando que poderia propor este caminho. Brincando se aprende? Quantas perguntas me fiz, quantas leituras e cursos de formação no Rede em Rede foram precisos! E veio a proposta de um PEA “Brincando se Aprende” e um projeto de leitura para que atingíssemos inclusive a comunidade. Foi encantador entender que hoje em dia as crianças aprendem a brincar na escola e a gostar de ler desde pequenino, e isso passou a ser uma fala comum entre todos os professores. Aquela a avaliação diagnóstica sobre a fase da escrita, na educação infantil, deixou de ser o foco de aprendizagem. Outros desafios me trouxeram reflexões acerca das quais criei expectativas: a diversidade – tanto a que encontrei entre os professores, como a que verifiquei entre as crianças... e outras. Tratar a diversidade com a concepção de que somos iguais perante a lei, respeitando democraticamente as diferenças, é necessário; avaliar que tudo deve ser comum e igual para todos é sempre complicado. Por um lado professores esperando e propondo atividades iguais para as 35 crianças da sala, expondo 35 trabalhos exatamente iguais; e por outro lado, eu esperando que igualmente todos os professores compreendessem uma nova proposta e se dispusessem, em tempo curto, a quebrar paradigmas, e ainda que todos os combinados fossem experienciados pelos professores. Eu esperava ainda que todos eles avaliassem, discutissem suas intervenções e inferências, com registros qualitativos, revendo constantemente o planejamento.

Certa vez, trabalhei o texto de L. Boff, “Todo ponto de vista é a vista de um ponto” e então passei a fazer diversas dinâmicas com vistas à compreensão de que num universo de tantas pessoas com idades e formações as mais diversas, não

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poderíamos dar o mesmo peso e a mesma medida para tudo, e que não poderíamos tratar os diferentes problemas da mesma forma. A diversidade mostra que “cada um compõe a sua história, e cada ser em si compõe o dom de ser feliz, de ser capaz” como dizem Renato Teixeira e Almir Satter na linda canção “Tocando em frente”.

Quando professora, por vezes ouvi coordenador dizer que não dominava o conteúdo de História, o que me fazia sentir autônoma, porém só. Eu não tinha claro o conceito de formação do aluno, e sim o de conteúdo específico. Na educação infantil esse conceito de formação é mais claro. E por não se tratar do conhecimento científico e humanístico acumulado ao longo da história dos povos, e sim por tratar de experiências de aprendizagens (Orientações Curriculares para a Educação Infantil), trabalhei com todos visando essa prática voltada à formação do aluno como pessoa.

Posso avaliar que as leituras, observações, ponderações e discussões realizadas durante todos estes anos já apontam para uma interiorização do conceito de formar a criança de hoje, porém verifico ainda resistências que mostram um não querer mudar, apesar de tanto se confirmar que a criança de hoje não é mais como a de antes.

Mas como o tempo de assimilação de conceitos e práticas não é exatamente o mesmo para todos, foi encantador observar mudanças na visão de professores, que passaram a ter um olhar para o protagonismo infantil propondo e expondo atividades, onde cada criança encontra também ali sua identidade.

A jornada dupla de trabalho, as salas de aula com 35 crianças, a preocupação que alguma criança se machuque, e a criança que chora... e a outra que bate... fazem o professor ter um dia estressante. E eu, que por vezes entro na sala de aula, por alguns minutos, vejo o quanto me é difícil pensar com 35 crianças falando ao mesmo tempo. Eu, que tanto quis meus alunos adolescentes concentrados em um silêncio absoluto para que produzissem boas reflexões e bons textos, e sei que a interação com o outro é tão necessária à aprendizagem, fui me acostumando com a fala das crianças e passei a ouvi-las, procurando saber também dos professores o que ouviram das crianças. E então, o quê e como fazer? A resposta veio no encanto da pedagogia da escuta.

Pela primeira vez me vi num trabalho cujo ambiente é predominantemente feminino, onde a sensibilidade e as emoções por vezes se sobrepõem ao profissional. Pequenas coisas podem significar grandes conflitos nas relações interpessoais.

Sempre trabalhei em escolas da periferia de São Paulo. Cinema, teatro, concertos, exposições, leituras, livrarias... não fazem parte do universo de vida da maioria dos professores. Assim descobri que há quem conheça os espaços culturais da cidade, somente como acompanhantes de alunos em excursões.

Como coordenadora propus alguns passeios só com grupo de funcionários e professores, entre os quais uma visita guiada ao Teatro Municipal. É encantador notar que estes contatos significaram conhecimento e referência para algumas pessoas que agora comentam quando veem alguma matéria na TV sobre espaços culturais da cidade.

E assim, fui percebendo que é preciso sentir o encanto pela leitura, pela arte, as descobertas científicas, o brincar... para ser o modelo leitor, criativo, investigativo, amante da arte, para as crianças – ser um referencial. A formação acadêmica que temos não necessariamente proporciona este encanto.

Pude observar que o tema educar e cuidar não é ainda muito claro para os professores e acredito que seja justamente por conta do papel de ser o professor

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aquele que trabalha com o saber, com o conhecimento. O cuidar, no imaginário de parte dos educadores, aparece quase como o cuidado com o corpo e a sobrevivência da criança, muito embora este conceito já não mais se sustente, e traga conflitos de concepções. O entendimento de que ambos os conceitos formam a criança não é tão simples, porque a formação do professor ainda é a de que a educação infantil prepara para o ensino fundamental. E continua a preocupação muito forte sobre como entregar os alunos para o primeiro ano, para que não haja críticas à educação infantil, para que na EMEF ninguém diga que na educação infantil só se brinca. Permeia na prática cotidiana o viés alfabetizador.

Como é encantador sentir o professor descobrir a aprendizagem nos seus alunos através do brincar, vibrar com as novas tentativas, relatar um novo olhar, querer criar novas formas de ensinar, e perceber as diferenças, o crescimento e o ritmo em cada aluno seu.

E como coordenadora, para não perder o encanto é preciso entender que o projeto pedagógico na escola pública segue em tempos diferentes porque o caminhar de cada professor tem seu ritmo, com planos para recomeçar, a cada ano, um pouco mais engajado na proposta, e reconhecendo que a escola precisa ser pensada para a criança do séc. XXI.

Como me encanta atuar com o foco na aprendizagem dos alunos em idade de 4 a 6 anos – e quantas leituras e práticas realizadas me trouxeram as lembranças de meus filhos quando eram criança! Se pudesse voltar o tempo, com o encanto deste olhar de educador da educação infantil, talvez tivesse outras respostas para eles!

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Pensei que eles soubessem brincar de esconde-esconde

EMEI Catulo da Paixão Cearense Luciana Pires Nunes Lima

Venho de uma prática pedagógica na qual os cursos de formação trouxeram teorias desvinculadas da prática, e muitas vezes isso me deixava desmotivada, pois nossa realidade em sala de aula é bem diferente. Contudo minha ânsia em descobrir práticas inovadoras sempre foi maior que essas frustrações pós-formação. Em 2011, mais uma vez me inscrevi em um curso: “Jogos e Brincadeiras” do Rede em Rede. A princípio pensei que fosse mais um curso igual a tantos outros que já havia participado.

Qual não foi a minha surpresa! Reconheci desde o primeiro encontro, que o Formador, uma pessoa com uma vasta experiência na Educação Infantil, trazia para os professores a proposta da aplicação da prática com o brincar com um retorno sob a ótica teórica que avaliaria a aprendizagem em cada brincadeira.

Num primeiro instante nada pareceu tão diferente de outros cursos de formação, mas a dinâmica do Formador e o envolvimento de um grupo comprometido com a educação, tornou essa formação esclarecedora e especial.

Achei muito interessante a proposta do curso, pois em cada tema apresentado, nós professores teríamos que planejar as atividades propostas, aplicá-las durante o decorrer da semana com os nossos alunos e fazer um relatório da experiência vivida para compartilhá-la com o grupo de formação, já no encontro seguinte.

A experiência que mais me marcou foi a aplicação da primeira proposta que era a brincadeira de esconde-esconde. Esta brincadeira, tão conhecida no universo infantil, era a mesma que fazíamos todos os anos, em todas as turmas, porém o meu olhar com relação à sua prática foi que mudou: o olhar pedagógico de ver a brincadeira como uma prática, cujos passos (e quais passos) iriam me guiar para estimular e avaliar a aprendizagem.

A minha turma, de Infantil II, era composta de vinte e cinco meninos e dez meninas, sendo quatro alunos com necessidades educacionais especiais. Dentre estes, um aluno com síndrome de “Asperger” e, por isso, com muita dificuldade de relacionamento e entendimento de regras e combinados. Assim, era uma turma que exigia de mim uma dedicação dobrada.

Parti então para o primeiro passo: A roda da conversa. Este era o momento em que tirávamos as regras dos jogos e brincadeiras, perguntei aos próprios alunos, como faríamos para que todos pudessem participar. Quando questionados se conheciam as regras da brincadeira a maioria demonstrou conhecer, porém com a prática da atividade descobri que muitos não conheciam as regras, que só corriam... corriam... sem saber o porquê.

Como fazer para que todos participassem da brincadeira? Essa indagação me angustiava a todo o momento, e por vários dias daquela semana. Eles me surpreenderam com a sugestão, na roda de conversa, de que cada um que fosse se esconder levaria consigo um colega especial para juntos se esconderem e assim todos poderiam brincar.

Segundo passo: organizar um espaço da brincadeira que permitisse às crianças esconderem-se e depois correr. Iniciada a brincadeira tive que lidar também

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com o fato de estar ocupando um espaço da escola (quiosque com mesas de azulejo, idealizado para atividades com tinta), que não é utilizado diariamente pelas crianças, e então muitas vezes ocupado com outros fins por funcionários. Escolhido pelos próprios alunos como espaço ideal, pois seria exclusivo para eles, a brincadeira foi realizada por vários dias, consecutivamente. Foi uma quebra de rotina (!), e uma escuta da criança. E a brincadeira continuou!

Terceiro passo: nova roda de conversa para retomar as regras e avaliar a apreensão dos conceitos, e propor brincar novamente.

Quarto passo: repetir a brincadeira por mais vezes, sempre fazendo as inferências diretamente com as crianças relembrando-lhes as regras combinadas na roda.

Quinto passo: observar as crianças brincarem de esconde-esconde livremente: quando alguma saía da regra, era imediatamente corrigida por eles mesmos. Enquanto as crianças brincavam, eu pude observar quem havia compreendido as regras do jogo.

O olhar de avaliar a criança a partir da prática de ensinar a mesma brincadeira por várias vezes, permitia a cada vez avaliar mais crianças...

Sentir nos alunos senso de coletividade e acolhimento que tão afetuosamente inseriram as crianças especiais, me deixou muito satisfeita e empolgada com as demais propostas que vieram no decorrer da Formação.

O envolvimento dos alunos me incentivou ainda mais nas aplicações das atividades com a turma. Como eles também estavam motivados, a indisciplina reduziu bastante e eles se tornaram mais parceiros e solidários no decorrer do ano.

Na continuação do curso apliquei outros jogos e brincadeiras. E percebi que a sequência didática, com o apontar regras, rodas de conversas e inferências, ensinando jogar e brincar, mostrou que aos poucos as crianças estavam se apropriando do método, compartilhando com as que não sabiam, como também criando novas regras.

Toda esta sequência de atividades foi acompanhada por uma auxiliar pedagógica do CIEE, que em seguida levou-a como proposta didática no curso de Pedagogia, e afirmou ter sido bastante elogiada pelos professores e colegas da faculdade. 1

Roda de conversa para os combinados de quem iria “bater”

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Vou me esconder dentro da geladeira 3

Vou me esconder embaixo deste banco

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Estamos escondidos! 5

Será que vão me achar?

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1, 2, 3 Paulo e Kayke 7

Me acharam!

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Correndo para se “salvar”

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Um balanço do “Rede em Rede”: do acolhimento no círculo ao aconchego dos cantinhos, um novo olhar na organização da sala

de aula. Marli Pereira - Diretora de Escola

Raquel Bazo Paro - Coordenadora Pedagógica EMEI Salomão Jorge

“Para educar uma criança é preciso toda uma aldeia”.

Provérbio africano

O brincar é a capacidade de inventar o mundo. Esta necessidade humana presente no desenvolvimento das crianças alimenta seu imaginário e a fantasia, elementos que aos poucos darão lugar ao pensamento organizado.

Considerando o espaço como local de vida e de transformação e a partir das orientações recebidas no “Rede em Rede”, a dupla gestora da Emei Dep. Salomão Jorge elaborou um plano de prioridades que contemplasse a organização das salas de aula com um novo olhar para o brincar, junto à outras linguagens simbólicas como música, atividades plásticas, canto, movimento, contação de histórias, etc. Um espaço que marcasse a identidade da “infância”, acolhedor e aconchegante, destacando as polaridades e impulsionando o desenvolvimento da fantasia.

Organização de sala com mesas e cadeiras.

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Em 2010, começamos com uma sala organizada com a roda e os cantinhos, atendendo a acolhida e despedida. Compramos mesinhas de madeira para formar um dos cantinhos da sala e uma máquina de costura para fazer as roupas, capas das princesas e príncipes e bonecas de pano.

Aos poucos e amarradas às propostas das Reuniões Pedagógicas, as salas de aula tradicionais, com mesas, cadeiras para as crianças mais a mesa e cadeira da professora foram “repaginadas”. Saíram algumas mesas e as cadeiras foram colocadas no centro da sala, formando o círculo.

Esta roda abriu possibilidades para os “cantinhos”, cenário aconchegante e acolhedor, acessível às crianças e adultos, seguros, organizados, bonitos e agradáveis, possibilitando interações, novas aprendizagens e produção de conhecimentos, numa atmosfera de alegria, esperança e momentos para fazer nada.

Com poucas mesas na sala, a professora passou a usá-las como espaço de trabalho, vivenciando um olhar para uma nova arquitetura espacial focada no fazer pedagógico específico da infância. Com “um olho no peixe e outro no gato”, trabalha com um grupo de crianças fazendo o “torcidinho”1

enquanto outras, envoltas em capas de princesa/príncipe, brincam de faz-de-conta, acolá no cantinho de leitura, algumas crianças estão “concentradas na leitura”, outro grupo na cabaninha, cuida das bonecas e prepara o “almoço” enquanto outros fazem nada “embaixo da pia”.

Organização das salas com o círculo. Ao fundo, cantinho da leitura, cantinho do baú. 1 torcidinho: quando dois fios de lã ou algodão, torcidos em sentidos contrários, são soltos, formando um único fio.

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Neste cenário as vivências de novos mundos, agora de modo mais significativo, favoreceram as interações e as aprendizagens das crianças. Essa idéia foi amadurecendo e atualmente todas as salas têm no círculo o “ninho onde cabem todas as crianças”.2

2 Claro que todos os anos, devido ao rodízio de professoras, sofremos revezes que nos fazem pensar, avaliar, retroceder, mas sempre focando a infância como elemento norteador do Projeto Pedagógico.

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O Brincar na Educação Infantil: Contribuições para o desenvolvimento e aprendizagem no espaço

escolar

Fernanda Souza de Oliveira1

“O professor Pardal gostava muito do Huguinho, do Zezinho e do Luizinho e queria fazê-los felizes. Inventou, então, brinquedos que os fariam felizes para sempre, brinquedos que davam certo sempre: uma pipa que voava sempre, um peão que rodava sempre e um taco de beisebol que acertava sempre na bola. Os três patinhos ficaram felicíssimos ao receber os presentes e se puseram logo a brincar com seus brinquedos que funcionavam sempre. Mas a alegria durou pouco. Veio logo o enfado. Porque não existe nada mais sem graça que um brinquedo que dá certo sempre. Brinquedo, para ser brinquedo, tem de ser um desafio. Um brinquedo é um objeto que, olhando para mim, me diz: "Veja se você pode comigo!". O brinquedo me põe à prova. Testa as minhas habilidades. Qual é a graça de armar um quebra-cabeça de 24 peças? Pode ser desafio para uma criança de 3 anos, mas não para mim. Já um quebra-cabeça de 500 peças é um desafio. Eu quero juntar as suas peças! Para isso, sou capaz de gastar meus olhos, meu tempo, minha inteligência, meu sono.”

Rubem Alves Resumo O presente artigo aborda o desenvolvimento humano como algo complexo que envolve aspectos físicos, cognitivos, afetivos e emocionais. Trata-se de um estudo que buscou em teóricos fundamentar o papel do brincar no desenvolvimento do indivíduo e com isso ampliar a ação dos educadores na educação infantil, proporcionando a reflexão e atuação lúdica tendo no brincar a base para educação das crianças. Dentro desta dinâmica observamos a brincadeira como ação que favorece o desenvolvimento e a escola como espaço onde este brincar pode ocorrer, principalmente dentro da modalidade da educação infantil; para isso, buscamos fundamentar esta prática através de estudos nas horas coletivas (JEIF) e realização de projetos pedagógicos que tinham por objetivo o resgate das brincadeiras infantis ao longo do ano letivo, ampliando o repertório das crianças e direcionando o olhar do professor para os benefícios desta prática. Introdução

O homem é movido pela necessidade de agir no mundo e o ato motor é a primeira experiência significativa de atuar sobre ele; assim, o brincar, algo natural da criança, representa uma valiosa maneira de estar em contato com a realidade a sua volta, de expressar o que se sente e o que se deseja, de aprender, evoluir e se desenvolver.

Durante a brincadeira, diferentes mecanismos como imaginação, concentração, fala, habilidades motoras, raciocínio lógico, entre outros são mobilizados; permitindo que a criança exponha aquilo que está sentindo, a forma como vê o mundo e a forma como gostaria que ele fosse.

1 Coordenadora Pedagógica EMEI Francisca Júlia da Silva

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Nas palavras de Winnicott (1975, p. 63): “o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação”.

Ao brincar a criança não só reproduz sua realidade como a recria de formas variadas, apoiando-se em fatos e experiências já vivenciados. Nesta ação, a imaginação também tem grande contribuição para o desenvolvimento da criança quando permite que esta entre em contato com o faz-de-conta e amplie suas experiências humanas, indo além do que a realidade lhe permite ir, baseando-se em fatos narrados, imagens ou outros episódios que permitam ser reproduzidos durante as brincadeiras (PINTO; GOES, 2009).

No entanto, contar com todos estes benefícios requer ações que ofereçam à criança a oportunidade de brincar e de estar com o outro. Segundo Vygotsky citado por Oliveira (1993), nenhuma ação do homem sobre o mundo é direta, todas elas são mediadas seja por instrumentos ou signos.

Neste sentido, e pensado na escola como local que propicia atividades de interação, acreditamos que seja possível uma atuação do professor nos momentos de construção coletiva transformando os momentos lúdicos em oportunidades de aprendizagem. Já que no brincar a criança faz uso de regras, trabalha sua autonomia, entra em contato com situações onde estão presentes o ganhar e o perder e aprende a respeitar seu espaço e o espaço do outro. Justificativa Se pensarmos nas concepções de infância e brincadeiras ao longo dos anos, veremos que hoje as crianças têm muito mais estímulos e contato com uma variedade enorme de brinquedos do que antigamente, no entanto, essa variedade acaba por minimizar os contatos sociais que tanto eram estabelecidos no passado. Hoje as crianças brincam muito mais sozinhas, com seus brinquedos interativos dentro de seus lares. Para Meira, “o excesso de estímulos acaba por apagar a possibilidade criativa da criança, na medida em que não possibilita o tempo de suspensão necessário para a criação própria da brincadeira” (MEIRA, 2003, p. 75). Hoje, a educação infantil tem um formato que atende as crianças seis horas diárias, se formos considerar toda a dinâmica do ir e vir, a maioria dessas passa mais tempo na escola (e em seu trajeto) do que dentro de casa. É na escola que ela encontra seus pares, tem contato com sua cultura e constrói conhecimentos sobre várias temáticas a partir das experiências que lhe são oferecidas e vivenciadas; é na escola também que a criança brinca e aprende sobre normas, conceitos, regras; que imagina, se imagina, constrói, destrói e reconstrói. Se tratando de crianças de 4 a 6 anos de idade, é através da brincadeira que todo esse desenvolvimento se dará. Apesar da brincadeira ser pauta das mais variadas discussões, e ser defendida por muitos, é sabido que ainda há lugar dentro da educação onde o brincar é entendido como simples forma de passar o tempo, ou mesmo para preencher o “espaço” vago entre uma atividade ou outra “mais importante” do que o brincar. Por esses motivos e entendendo a necessidade de se resgatar a infância, num momento em que a sociedade valoriza muito aquilo que é produtivo ou resultado; os projetos sobre o brincar foram elaborados, acompanhados e aqui compartilhados com a intenção de que novas reflexões sejam iniciadas, práticas repensadas e novos olhares construídos. O Brincar e a Educação

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A idade pré-escolar é o momento em que o brincar está mais forte na criança. Nesta idade suas habilidades motoras já são mais seguras e precisas, ela já tem domínio do próprio corpo, já é capaz de observar e representar ações do seu cotidiano, é quando começa a utilizar o brinquedo de maneira criativa. Para Ferland (2006) nesta idade a imaginação da criança está muito presente em suas atividades. Utiliza diversos materiais e cria diferentes histórias; já é capaz, com base em suas vivências, de exercer papéis e impor regras; pode brincar com outras crianças, e os amigos nesta fase se tornam muito importantes.

Segundo as Orientações Curriculares para Educação Infantil (BRASIL, 2007), a educação infantil deve privilegiar o conhecimento sobre si e o outro, explorar o contato com a natureza, a relação com as demais crianças através de brincadeiras, a percepção do espaço através do movimento, o imaginário através do brincar, a linguagem oral através do ouvir e contar história, poemas e parlendas que permeiam as relações dentro do grupo, bem como o contato com objetos diversos que favoreçam essas experiências.

Analisar a criança dentro do ambiente escolar é uma oportunidade para refletir sobre práticas educativas. Galvão (1996) realizou uma pesquisa na qual pretendeu observar a questão do movimento no cotidiano de uma pré-escola. Constatou que, a atividade motora que deveria ser priorizada nesta modalidade de ensino, foi pouco identificada. A preocupação maior estava voltada para a realização correta das atividades propostas

a permissão do movimento limitava-se a deslocamentos operacionais. Isto é, permitido que se saísse do lugar para atividades como mostrar a lição para a professora, esclarecer dúvidas, guardar ou distribuir material, recolher a tarefa dos colegas. Em qualquer outra situação o movimento era visto e tratado como transgressão, como atividade perturbadora (GALVÃO, 1996, p. 42).

A intenção da professora observada era a de manter a sala em ordem, os

alunos comportados, sentados, concentrados. No entanto a pesquisadora observou a dificuldade que as crianças tinham de se manter imóveis após terminarem suas atividades, já que necessitavam se expressar motoramente (ficar de pé, andar, correr). Numa compensação ao movimento anterior de concentração sedentária durante a realização das atividades (GALVÃO, 1996).

Galvão utiliza Wallon para fundamentar a inquietação das crianças e as dificuldades que apresentam para reproduzirem o comportamento esperado pela professora. Modificações que ocorrem no desenvolvimento infantil por volta dos seis, sete anos de idade, permitem que as crianças acompanhem disciplinas escolares, pois após esta idade, fica mais fácil subtrair da criança ocupações espontâneas e fazê-las seguir outras. Antes disso a criança é toda motora, toda expressiva. “As exigências posturais feitas pela professora pareciam ignorar as características do processo de consolidação das disciplinas mentais, exigindo da criança um grau de estabilidade e de controle do comportamento superior às possibilidades da idade” (GALVÃO, 1996, p. 43).

Com base nesta indicação percebemos a importância que o brincar deve ter dentro da educação infantil, que deve privilegiar principalmente a criança, seu movimento criativo e sua imaginação. O Projeto Pedagógico

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Priorizamos o trabalho por projetos, pois acreditamos que estes propiciam uma aprendizagem ampla e significativa; onde o professor assume o papel de mediador das atividades que propõe, e o aluno é entendido como autor de sua aprendizagem, sendo sujeito ativo na construção de seu conhecimento e competências. Anexo 1

Projeto: CINCO MARIAS, CARRINHO DE MÃO: O RESGATE DE BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Duração: de fevereiro de 2012 a dezembro de 2012. Público alvo: Alunos do Infantil I e II Introdução: O homem é movido pela necessidade de agir no mundo e o ato motor é a primeira experiência significativa de atuar sobre ele; assim, o brincar, algo natural da criança, representa uma valiosa maneira de estar em contato com a realidade a sua volta, de expressar o que se sente e o que se deseja, de aprender, evoluir e se desenvolver. Justificativa: O brincar é uma ação universal que traz benefícios à saúde física e mental de crianças e adultos. Durante a brincadeira, diferentes mecanismos como imaginação, concentração, fala, habilidades motoras, raciocínio lógico, entre outros são mobilizados; permitindo que a criança exponha aquilo que está sentindo, a forma como vê o mundo e a forma como gostaria que ele fosse. Objetivos: O projeto tem o objetivo de resgatar as brincadeiras infantis, hoje muitas vezes substituídas por brinquedos e aparelhos eletrônicos; Possibilitar que as crianças explorem o ambiente através de jogos; Que estabeleçam laços de amizade, confiança e cooperação; Que se desenvolvam nos aspectos físico, psíquico e motor; Exercício de diferentes funções intelectuais e corporais; Desenvolvimento da linguagem corporal; Respeito às regras e combinados; Possibilitar diferentes formas de relacionar-se com os outros; Apropriação e produção de cultura, já que as brincadeiras tradicionais transmitidas de geração em geração constituem importante herança cultural. Áreas Trabalhadas: Conhecimento de si, do outro e do ambiente; Experiências de brincar e imaginar; Exploração da linguagem corporal; Exploração da linguagem verbal; Exploração da natureza e da cultura; Conhecimento matemático; Linguagens artísticas. Estratégias: • Propor um ambiente onde diferentes experiências possam ocorrer, para isso ressaltamos que o tempo da criança na escola de educação infantil deve ser aproveitado para que conhecimentos sejam construídos através do brincar em duplas, em grupos, em jogos com regras ou simbólicos; • É possível organizar tempos e espaços para que as crianças possam brincar com a sonoridade de palavras, com variações de um gesto, ou de uma postura

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corporal; aprender a cantar e fazer os gestos esperados ao participar de cirandas e brincadeiras de roda; a brincar de esconde-esconde, jogar bola, brincar de pique, de seguir o mestre, de lenço atrás, de caça ao tesouro etc. Possam aprender a montar quebra-cabeça com ajuda e a explicar a um ou mais colegas como se participa de um jogo de regra usando suas palavras e a sua forma de entender o jogo e seu funcionamento; serem estimuladas a brincar de cantar, de dançar, de desenhar, de escrever, de jogar futebol; • Outra aprendizagem que deve continuar a ser estimulada é a construção de brinquedos com sucatas sem necessariamente usar algum modelo, ou considerando as possibilidades de empilhá-los, encaixá-los, montá-los, movê-los, e a construção de casas e cidades com diferentes materiais; • Estudo da biografia e releitura das obras do artista plástico brasileiro Ivan Cruz, que reproduz as brincadeiras infantis. Produto Final: Exposição das representações das brincadeiras realizadas pelas crianças e das releituras das obras de Ivan Cruz; construção de brinquedos com sucata; apresentação para as demais turmas da brincadeira preferida da sala, assim, todos terão a oportunidade de ensinar e aprender novas brincadeiras. Envolvidos: Professores, equipe de apoio e gestores. Orientação e acompanhamento: Fernanda Souza de Oliveira Anexo 2

PROJETO QUEM COCHICHA O RABO ESPICHA: DESENVOLVENDO A COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL ATRAVÉS DE

ATIVIDADES LÚDICAS Duração: de fevereiro de 2012 a dezembro de 2012. Público alvo: Alunos do Infantil I e II Introdução: “Defende-se por princípio democrático que todas as crianças tenham direito aos bens de sua própria cultura. Dentre eles, a linguagem verbal, uma das mais importantes heranças culturais, responsável por mudanças no modo como as sociedades se organizaram com reflexos no próprio modo de pensar das pessoas, não pode ser esquecida”. Caderno Orientações Didáticas: Expectativas de Aprendizagem.

Justificativa: A linguagem verbal é construída dentro da sociedade e constitui uma importante forma de comunicação, porém não a única. Na escola, a comunicação, a partir das diferentes linguagens, é algo a ser privilegiado e levado muito a sério, considerando que o ambiente escolar é muitas vezes o ambiente social mais frequentado pela criança. Diferente do que muitas pessoas pensam a fala não é algo que vem pronto, junto com o desenvolvimento, mas algo que é adquirido a partir das relações sociais. Partimos do princípio de que trabalhar a fala de maneira lúdica é o mesmo que brincar, utilizando palavras. Objetivos: Possibilitar que a criança observe e participe de situações comunicativas diversas; Que desenvolvam a oralidade expressando o pensamento e sensações; Que construam narrativas; Levem recados; Formalizem frases;

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Façam uso do dialogo para solucionar conflitos; Enriqueçam o repertório e aprendam novas palavras e significados; Organizar oralmente seu pensamento; Relatar fatos que compõem o cotidiano; Recontar eventos e histórias, respeitando a ordem dos acontecimentos. Áreas Trabalhadas: Conhecimento de si, do outro e do ambiente; Experiências de brincar e imaginar; Exploração da linguagem corporal; Exploração da linguagem verbal; Exploração da natureza e da cultura; Conhecimento matemático; Linguagens artísticas. Estratégias: • Realização de rodas de conversa sobre os mais variados temas; • Garantir nas rodas de conversa, espaço para que todos possam falar, se assim desejarem; estimular com questionamentos e envolvendo outros participantes na conversa; • Realizar durante o ano letivo trabalhos com trava-línguas, parlendas, o que é, o que é? e cantigas de roda; • Realizar as sessões simultâneas de leitura de histórias; • Incentivar o reconto de histórias e situações diversas; • Construções de histórias coletivas, tendo o professor como escriba; • Utilizar como estratégia a transmissão oral de avisos e recados; • Incentivar a fala para resolução de conflitos; • Ampliar o repertório através de jogos simbólicos e brincadeiras imaginárias, emprestando sempre que necessário, vocabulário para que a brincadeira da criança se enriqueça. Produto Final: Todos os registros feitos no decorrer do ano letivo: fotografias, escritas coletivas, representações artísticas, registros escritos (respeitando a ideia da criança sobre a escrita, com legenda se necessário). Envolvidos: Professores, equipe de apoio e gestores. Orientação e acompanhamento: Fernanda Souza de Oliveira

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Anexo: Registros Fotográficos

Cabana na sala de aula.

Mercadinho. Brinquedoteca da USP.

Casinha. Brinquedoteca da USP.

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Faz-de-conta. Parque da escola.

Brincadeira da estátua. Turma Infantil II Prof. Marly Bhering

“Seu mestre mandou” Turma Infantil II Prof. Juliana Barbosa

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Pular Elástico. Turma Infantil II Prof. Marineide Moreira

Rolar Pneu. Turma Infantil II Professora Marineide Moreira

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Corre Cotia Turma Infantil II Professora Sandra Almeida

Pular Corda Turma Infantil II Professora Angela Santos

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Brincadeira de roda.

Ônibus construído com tecido. Turma Infantil I Profs. Daniela Tito Aline Silva

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Carrinho de mão Turmas do infantil II Profs. Marineide Moreira Luciria Grigonio Sandra Almeida

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Referências Bibliográficas BRASIL, Orientações curriculares : expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para Educação Infantil / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo : SME / DOT, 2007. FERLAND, F. O modelo lúdico: o brincar, a criança com deficiência física e a terapia ocupacional. São Paulo: Roca, 2006 GALVÃO, I. A questão do movimento no cotidiano de uma pré-escola. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n° 98, p.37-49, ago. 1996. MEIRA, A. M. Benjamin, os brinquedos e a infância contemporânea. Psicologia & Sociedade; 15 (2): 74-87; jul./dez.2003 OLIVEIRA, M. K. Vygotsky aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993. PINTO, G; GOES, M.C.R. Deficiência mental, imaginação e mediação social: um estudo sobre o brincar. Rev. bras. educ. espec., Marília, v. 12, n. 1, abr. 2006 Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-65382006000100003&lng=pt&nrm=iso>. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.

Brincadeira de pé-de-lata. Turma Infantil II Prof. Rosana Leite

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Conhecendo os Pequenos Animais1

Michele Adriana Schulle

Tudo começa na roda... O que era pra ser tema de roda de conversa, tomou outra proporção dado o

interesse das crianças diante de um folheto explicativo sobre a dengue. Na roda, antes de enviar o folheto para casa, a professora fez a leitura e mostrou as imagens, o interesse foi geral, as crianças levantaram várias questões que foram anotadas pela professora para serem respondidas posteriormente, decidindo naquele momento, sair com o grupo para fotografar os possíveis “perigos de dengue” na escola. Foi uma aventura, tudo parecia perigoso: ralo, poças d`água, brinquedos esquecidos no parque... “vamos tirar foto desses potes, se chover vai encher de água e o mosquito vai botar ovo!” gritava uma criança diante de tamanha ameaça. A entrega do “dossiê” à diretora Sandra, alertando sobre os possíveis focos de dengue na escola.

O envolvimento das crianças era nítido e motivador para que aquela oportunidade não fosse perdida. A professora revelou aquelas fotos utilizando-as novamente em outra roda de conversa, em que o grupo decidiu elaborar um texto coletivo para encaminhar junto às fotos para a direção da escola a fim de “acabar com os perigos da dengue”. No dia seguinte, a expectativa era grande... “prô, você viu se piolho é inseto?”, “todos os insetos transmitem doenças?”, “todos os animais pequenos são insetos?”... Foi difícil acalmá-los.

Depois, todos sentados em roda, a professora explicou que os insetos são os animais cujo corpo é dividido em três partes, com seis patas. Explicando isso, mostrou uma imagem de piolho no papel colocando-a no meio da roda, foi instantâneo, as crianças começaram a contar as patas e para surpresa de todos, sim: “o piolho é um inseto que anda na nossa cabeça!”.

Crianças contando as patas do piolho para conclusão: piolho é inseto.

1 EMEI Profª Alaíde Bueno Rodrigues Ano de realização: 2011 – Segundo semestre. Infantil II Professora: Michele Adriana Schulle; Coordenadora Pedagógica: Eloiza Maria Neves Silva; Diretora: Sandra Matos dos S. Bragato Lopes

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O olhar atento e sensível do professor diante das possibilidades...

Perceber o surgimento de um problema que estimule a curiosidade é fundamental para o nascimento de um projeto que envolva as crianças em uma aprendizagem significativa. Até então, o trabalho que a docente havia pensado em desenvolver sobre dengue, foi tomando outro rumo, o de pesquisa e exploração da curiosidade infantil sobre esse mundo de animais minúsculos que tanto as fascinam, desse momento em diante, a hora do parque, virou a hora da caça.

A caça aos bichos no parque, momento de investigação e entusiasmo.

As crianças procuravam pelos bichos em todos os cantos e quando encontravam, estes eram levados à sala de aula, lugar que virou laboratório científico de pesquisa. Observação:

Leitura:

Catalogação de espécies:

Registro:

Nenhum momento era perdido, além da aprendizagem, as crianças adquiriram autonomia, organização e respeito pelos pequenos animais. Tudo o que era encontrado vivo, era devolvido “à natureza”.

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O momento mais incrível dessa aventura, foi no dia que as crianças encontraram um gafanhoto e um louva-a-deus. Na teoria é muito difícil pra elas conseguirem diferenciar um bicho do outro... mesma cor, mesmo tamanho...tão parecidos! Tivemos a oportunidade única de confrontá-los...compará-los minuciosamente... e claro, registrarmos esse momento de encantamento e admiração.

Outra experiência marcante, foi quando o Gabriel trouxe uma aranha de pelúcia, que funcionava como a aranha de verdade. Ela descia pela teia e ficava quietinha até o momento que alguém tocava fazendo sua teia vibrar. Nesse momento, a aranha sabia que ali estava a presa e atacava... A professora propôs uma brincadeira em que todos poderiam “virar a aranha” prestes a atacar, era só ficar bem concentrado de olhos fechados:

Observação da aranha de pelúcia trazida pelo aluno Gabriel.

Vivência: Sentindo-se como a aranha segurando a teia.

Fazendo arte com os bichos:

Diante da proposta do Projeto Especial de Ação de 2011, que era explorar o tridimensional nas artes plásticas, a professora propôs que as crianças tentassem modelar bichos com massinha, os pequenos animais eram confeccionados sem dificuldades e rendiam boas brincadeiras. Era um momento tão prazeroso para as crianças, que foi repetido diversas vezes espontaneamente, bastava ter massinha e lá estavam os bichos. Foi quando outra proposta foi feita, e claro, aprovada pela turma toda: Cada criança poderia escolher e confeccionar o bicho preferido, utilizando outros materiais, e levá-lo para casa depois.

Formando o bicho com rolinhos de jornal e cola:

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Criando a massa e fazendo a “cobertura”.

Antes que cada criança levasse seu bicho para casa, montamos uma exposição para apresentar o projeto às famílias com intenção de valorizar o trabalho dos pequenos cientistas arteiros, evitando que as esculturas fossem rejeitadas e jogadas no lixo. Afinal, cada bichinho daquele, era bonito para nós que participamos do processo de confecção e sabíamos da importância que cada um tinha para a criança que o modelou, por mais torto e imperfeito que pudesse parecer. Aranhas na teia

Bicho pau e joaninha vivendo em harmonia

Formigas no formigueiro com folhas colhidas no jardim da escola

Borboletas

Abelhas

E aquele que começou essa história e já estava esquecido... o mosquito:

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Só uma coisa era motivo de decepção para os pequenos cientistas, tinha um bicho muito querido que nunca fora encontrado naqueles momentos de caça no parque. As crianças olhavam, procuravam entre os gravetos das árvores e nada de encontrá-lo. Até que ao final desse processo de descobertas, a escola realizou passeio ao Instituto Butantã, e lá estava ele, o bicho pau!

Agora sim, pudemos encerrar nossa aventura naquele ano letivo, com a certeza de que as descobertas daqueles olhinhos tão curiosos, estavam apenas começando, e que a vida, a partir daquele momento, seria muito mais experimentada que assistida por meros telespectadores.

A curiosidade fertiliza o solo da aprendizagem, não há nada mais prazeroso que ver uma criança desperta para descobrir os

mistérios da vida. Ativa. Ela desafia e motiva o fazer pedagógico. Michele A Schulle – Setembro de 2012.

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Autoria pedagógica do Professor de Módulo na EMEI: diferentes linguagens e Projetos Temáticos

Ana Maria Rodovalho Simone Fabíola Marques dos Santos

Lilian Haffner da Rocha Oliveira Lígia Vergueiro Veloso

Pamela Carvalho da Silva Rosimeire Ferreira de Oliveira

Sylvie Bonifácio Klein

[...] Pra se contar uma história há-de se mergulhar nela

sem medo de morrer afogado há-de se levá-la às alturas

sem medo de despencar do alto. [...]

Pra se contar uma história há-de se cantar cada palavra

com gosto de palavra nova e cada palavra nova

o som dos sinos trazer consigo a ecoar desde o sempre até ao infinito

fundindo silêncio e grito de toda memória...

Por Batista Filho

Introdução

A história recente das políticas municipais de educação de São Paulo é marcada por alterações com consequências estruturais (e pedagógicas) nas Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs). Dentre elas, podemos citar a alteração do turno de funcionamento das turmas de 4 horas para 6 horas diárias na maioria das EMEIs da rede; a incorporação dos Centros de Educação Infantil à Secretaria de Educação com o início (ainda modesto) da articulação do trabalho entre as duas instituições; a alteração da idade de ingresso no ensino fundamental para seis anos e a nova carreira dos profissionais docentes que atuam na escola, definidos pela Lei Municipal nº 14.660/07.

Todos esses pontos mereceriam aprofundamentos e problematizações, porém esse texto tem como foco apresentar o relato de experiência da nossa unidade educacional (EMEI Dona Julitta Prado Alves de Lima) com os professores do módulo da unidade que não possuem regência de turma, situação gerada a partir da última alteração apresentada1

1 Antes havia dois tipos de profissionais docentes nas escolas: o professor titular e o professor adjunto. O primeiro, com lotação na própria unidade educacional, a quem era atribuídas as regências de turma. O segundo, com lotação nas Diretorias Regionais de Educação, tinham como função a substituição de professores quando da ocorrência de faltas, licenças, afastamentos, etc, porém sem lotação definitiva em uma única unidade escolar. Mais informações ver Leis Municipais nº 11.229/92, 11.434/93 e 14.660/07.

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Primeiramente, nos deparamos com o desafio de contar com este profissional na escola em um trabalho integrado com o projeto pedagógico da unidade e de colaboração no desenvolvimento das atividades com os alunos. Até então, o professor substituto ou eventual tinha uma vivência na unidade bastante restrita, substituindo o professor regente de sala em suas ausências. De modo geral, e em especial na Diretoria Regional de Educação (DRE) de Campo Limpo, ter este profissional na escola era quase um privilégio, dada a falta de profissionais para a regência de classes nas unidades escolares da região. Normalmente começávamos o ano com um professor eventual, que não garantia o atendimento das necessidades da escola nos três turnos de aulas existentes à época e dificilmente chegávamos ao meio do ano com este professor, pois ele acabava sendo convocado para escolher classe em outra escola.

Em 2008, com a nova dinâmica de escolha/atribuição de aulas e a permanência do professor na escola durante todo o ano letivo, abriu-se a possibilidade de se pensar um trabalho mais integrado. Como toda mudança, no início não tínhamos muita clareza de como este professor poderia contribuir com a escola para além dos momentos de substituição do professor regente. Algumas tentativas foram realizadas: buscamos, primeiramente, fazer com que o professor de módulo acompanhasse os professores de sala de aula, colaborando, principalmente, com aqueles que tinham alunos com necessidades educacionais especiais ou quando a atividade a ser desenvolvida em sala demandasse a presença de mais de um professor. Apesar de saber que em outras unidades este modelo foi bem sucedido, em nossa escola ele não se mostrou eficiente naquele momento.

Uma segunda tentativa foi a de atribuir ao professor de módulo o acompanhamento, junto com os Auxiliares Técnicos Educacionais (ATEs), dos horários de lanche e almoço das crianças. Em 2009 a proposta foi realizada de forma muito interessante, principalmente no período intermediário, com a colaboração das professoras contratadas que se dispuseram a contribuir firmemente com o propósito de tornar o horário das refeições um momento de aprendizado para as crianças, garantindo nessa vivência a não dicotomização entre cuidar e educar e a função dos profissionais que atuam com crianças pequenas.

No entanto, com o término do contrato e com a chegada de novos professores, a iniciativa se desestruturou e abriu-se novamente um espaço para pensar o trabalho dos professores da unidade sem regência de turmas.

No começo de 2011 chegou à direção a proposta de uma das professoras do módulo, Ana Maria, para desenvolver um projeto de leitura e contação de histórias com as crianças. A proposta vinha ao encontro do Projeto Pedagógico da escola e do Projeto Especial de Ação (PEA) daquele ano "Leitura: porta aberta para o mundo", bem como do Projeto Entorno, de cuja formação a direção vinha fazendo parte desde 2010, trazendo o material para a discussão na unidade e fazendo a socialização das discussões nas reuniões pedagógicas.

Foi por meio desta iniciativa individual que a unidade encontrou um modelo para agregar o professor de módulo ao trabalho mais efetivo com as crianças, dando-lhe uma identidade e um espaço justo e necessário no cotidiano da escola.

A iniciativa foi tão positiva e os resultados do trabalho com as crianças tão enriquecedor que já no final de 2011, ao perceber que ficaria no módulo da unidade em 2012 outra professora, Fabíola, também procurou a direção e apresentou a sua intenção de desenvolver um outro projeto, agora na área de corpo, movimento e musicalização.

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Em 2012, considerando estas duas iniciativas individuais e em conversa com a nova coordenadora pedagógica da unidade, chegou o momento da equipe técnica incorporar a proposta e incentivar que ela ser tornasse institucional e compusesse nosso Projeto Pedagógico. Foi fundamental nesse momento considerar que a professora de módulo2

No início do ano, a coordenadora discutiu a proposta com as demais professoras de módulo, cada uma em seu turno de trabalho, para que elaborassem também seus projetos, intervindo para que a temática e as atividades propostas pudessem ser um trabalho prazeroso para as crianças e para elas próprias.

, ainda que sem regência, poderia assumir projetos pedagógicos interessantes e dessa maneira ser reconhecida dentro das suas práticas e convicções pedagógicas inseridas em um contexto com a sua autoria pedagógica. Surge ainda para essa profissional a participação de forma mais efetiva nos momentos cotidianos da prática docente: planejamento, registros e avaliações passam a fazer parte também do cotidiano do professor do módulo, mesmo sem a regência de uma turma específica, agora atuando com todas as turmas de seu período. Portanto, a partir dos projetos já propostos de cada professora, organizou-se um horário dentro da rotina de cada turma para essa atividade.

[..] o Prof. Francisco Whitaker Ferreira afirma que “quem planeja é mesmo quem faz” (Ferreira, 1979, p. 25), ou seja, o planejamento precisa ser feito por aqueles que efetivamente executarão a ação. Do contrário, aceitaremos a existência de uma suposta autonomia do método de planejar e transformaremos tal atividade em tarefa específica de uma minoria, oque nos levará a acentuar a dicotomia entre pensar e fazer e, conseqüentemente, a desvincular os que pensam dos resultados da ação[...] (Padilha, 2007, p.17)

Cabe dizer que a escola funciona em três turnos de professores (manhã,

intermediário e tarde) e que temos hoje cinco professoras de módulo (sem regência atribuída) na escola, estando ainda o último período com vaga a ser preenchida para essa função. Hoje temos cinco projetos em andamento na unidade, cada um explorando uma linguagem diferente, de acordo com as preferências das professoras e respeitando o projeto pedagógica da escola: Era uma vez, Brinquedos cantados, Alimentação saudável, Matemática através dos jogos e Brincadeira de criança. Os projetos realizados com as professoras do período intermediário acontecem com as turmas de crianças da manhã e da tarde, abrangendo toda a escola. Os outros acontecem dentro do horário da professora.

A seguir, apresentaremos um pouco de cada projeto, destacando como surgiram, quais foram os objetivos pensados, como se desenvolveram nesse primeiro semestre e como percebemos a aceitação e envolvimento das crianças, professores e pais envolvidos. Projeto “Era uma vez...”

No ano de 2011, inicia o trabalho na unidade a Professora Ana Maria,

primeira a propor essa forma de trabalho entre os professores de módulo sem regência.

Durante todo esse ano a escola discutia nas reuniões pedagógicas e nos horários coletivos o tema da leitura na educação infantil. Assim, esse projeto surgiu

2 Usaremos aqui o feminino por tratarem-se todas de professoras mulheres.

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da compreensão de que desenvolver o hábito da leitura é um processo que deve começar cedo e estender-se por toda a vida. Acreditamos que a criança que ouve histórias desde cedo, que tem contato direto com livros e que é estimulada nesse universo certamente terá um desenvolvimento que facilitará sua expressão verbal e o processo de letramento.

O desenvolvimento das narrativas não é natural nas crianças, mas sim fruto da experiência socialmente construída, a partir do contato com a escuta e a produção das narrativas. Além de um vasto repertório de histórias, as crianças também podem desenvolver o que chamamos de ´comportamentos leitores`. (PMSP, 2007, p.85)

Além disso, a literatura infantil é um instrumento que leva a criança a

desenvolver a imaginação, as emoções e sentimentos, conhecer e se apropriar de valores éticos de uma determinada sociedade, familiarizar-se com o mundo da escrita e consequentemente inserir a criança no mundo letrado.

Sentindo a necessidade de contribuir de outra maneira na formação das crianças e atribuir mais sentido à sua prática com os pequenos, a Profa Ana Maria propôs à direção um projeto de contação de histórias intitulado “Era Uma Vez...”. A princípio a ideia era apenas reunir semanalmente as crianças de cada turma e fazer a leitura de um livro. No entanto, assim que o projeto foi apresentado às crianças, todos ficaram muito animados e o projeto foi “crescendo”: entraram em cena novos recursos como a menina Julitta (uma fantoche que, todos os dias, conversa com as crianças sobre diferentes assuntos e apresenta a história que será lida ou contada), músicas e vídeos relacionados à história que ouvimos e um “baú mágico” de onde saem os livros.

Em pouco tempo as crianças de todas as turmas estavam extremamente envolvidas, perguntavam pela amiga “Julitta” ao encontrarem a Profa Ana pelo corredor e ficavam curiosas em saber qual a próxima história que ouviriam. A partir de um trabalho lúdico, envolvendo mistérios do baú, conversa com a “Julitta” e leitura prazerosa, também houve preocupação em apresentar às crianças informações como quem eram os autores e ilustradores dos livros e o que faziam. Ao final do ano letivo foi possível observar que as crianças identificavam e reconheciam os autores e ilustradores trabalhados, que adquiriram o gosto pelos momentos de história e que no futuro estariam mais provocadas à adotar um comportamento leitor. Pelo sucesso do projeto em 2011, esse ano ele foi reeditado, momento no qual novos livros, histórias, fantoches, músicas e vídeos foram acrescentados ao planejamento. Projeto “Brinquedos Cantados”

Esse projeto surge da percepção da Profa. Fabíola de que, em sala de aula, ao ouvir uma música, a maioria das crianças ficava parada. Somente alguns alunos movimentavam-se e quando isso acontecia era de forma tímida e pouco ritmada. As falas das demais professoras em relação à essa linguagem também revelavam que ela era pouco explorada em nossa unidade: “Não trabalho música com eles porque vira bagunça!”, “Essas crianças não sabem dançar direito!”, “Até tento dar música para eles, mas não dá, não sabem ouvir sentadinhos...”.

Consideramos de grande importância o estímulo para que a criança descubra sons e ritmos, aliando-os aos movimentos e produzindo novos. Procurávamos que as crianças saíssem da “mesmice” dos movimentos criados pelos adultos para que apenas os reproduzissem. Sabendo o quanto é importante para o ser humano falar,

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movimentar-se e expressar-se musicalmente exprimindo suas emoções por meio da dança, buscou-se, pela realização desse projeto, ampliar o contato das crianças com a música, acompanhando ritmos, melodias e descobrindo sons e silêncios, bem como desenvolvendo a noção e expressão de ritmos por meio da audição, reconhecendo a existência dos mesmos, reproduzindo-os e expressando-se corporalmente.

Entre outros objetivos desse projeto estão: identificar sinais de comando; perceber sons e descobrir que podemos produzi-los, explorar possibilidades de gestos e ritmos corporais; ouvir, perceber e discriminar eventos sonoros e produções musicais, bem como exploração, expressão e produção do silêncio e de sons com a voz, o corpo e materiais sonoros diversos; brincar com a música, criar e reproduzir criações musicais; desenvolver a atenção, o gosto e a sensibilidade em relação à música.

O projeto foi dividido em três etapas: o brincar com o corpo, a audição e conhecimento de instrumentos musicais simples (pandeiro, tambor e chocalho), nas quais trabalhamos também ritmo, timbre e intensidade, e finalmente conhecer e explorar diferentes gêneros musicais (clássico, jazz, rock, MPB, música de outros países).

As músicas de diferentes gêneros incitam diferentes respostas motoras, conforme o andamento seja rápido ou lento, a melodia seja alegre ou triste, o ritmo seja uma valsa ou um samba. A utilização de materiais diversos, além da música, cria desafios interessantes que sugerem a criação de movimentos que interajam com esses objetos. [...] Conhecer , pela apreciação ao vivo ou em vídeo, diferentes estilos de dança (além de outras expressões da cultura corporal, como o circo, por exemplo) e coreografias e descrevê-las, imitá-las, adaptá-las, analisá-las, interpretá-las reproduzi-las, individualmente ou em grupo, amplia o repertório cultural e gestual das crianças e incrementa suas possibilidades criativas. (PMSP, 2007, p. 72)

Apesar de ser algo novo em nossa escola, as regras foram combinadas,

explicadas e entendidas por todos e consequentemente obteve-se uma resposta muito boa e as crianças passaram a esperar ansiosos pela chegada da professora desse projeto.

Uma dificuldade entre as crianças que logo foi vencida foi a idéia do “não sei...”. Apresentava-se a música e não era oferecida opção de gestos para acompanhar, como historicamente é feito nessa faixa etária. Foi difícil para os pequenos se darem conta de que não havia certo ou errado, mas sim, “criativo e muito criativo”.

Percebendo a apropriação da escuta musical e de apreciação das músicas elencadas no primeiro momento do projeto, pode-se afirmar que o momento mais marcante foi durante a festa junina interna da escola, quando colocamos um cd trabalhado no projeto e todas as turmas dançaram juntas no pátio, dançaram pelo prazer de dançar, e não porque lhes foi solicitado. Isso mostra que o trabalho tem valido a pena! Projeto “Alimentação Saudável”

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A proposta interdisciplinar desse projeto está relacionada à prática da Profa. Lígia em outra unidade da rede municipal, na DRE Ipiranga. Na unidade em que estava no ano anterior, foi solicitado à essa professora que desenvolvesse um projeto em relação à alimentação das crianças na escola, tendo em vista o desperdício de alimentos que se verificava ao final do dia. Este projeto teve início naquela unidade, porém devido à falta de professores não foi finalizado. Já na EMEI Julitta e provocada pela coordenação a pensar um projeto com o qual se identificasse, a Profa. Lígia retomou a temática e decidiu se aprofundar no tema da alimentação, uma vez que esse assunto também era importante para nossa unidade, que realiza, desde 2009, a proposta de self-service nos horários de alimentação com as crianças pequenas. Apesar do self-service proporcionar autonomia na alimentação, respeitar as escolhas das crianças e estimular uma alimentação saudável, a recusa por alguns tipos de alimentos ainda é freqüente, tendo sendo a alimentação uma preocupação recorrente na observação das crianças.

Além disso, o alimento aparece não só para nutrir o corpo, mas também o relacionamento entre as pessoas em um ambiente adequado onde as pessoas conversem, experimentem sabores, construam preferências, constituam lembranças de cheiros e paladares. Quando provemos alimento a alguém, além de todos os nutrientes que oferecemos, também alimentamos sua imaginação e cuidamos para que participe de costumes culturais junto com outras pessoa. (PMSP, 2007, p. 45)

Antes de iniciar a sistematização do projeto, foi feita uma pesquisa com as

professoras das turmas em relação à alimentação das crianças bem como a aceitação diante dos alimentos oferecidos na escola para confirmar as impressões apontadas acima. A professora passou também a acompanhar em alguns momentos os horários de refeição dos pequenos, na busca de encontrar estratégias para despertar o interesse deles para uma alimentação saudável. As falas das professoras revelavam a preocupação com o tema, pois consideravam que as crianças não comiam direito e que ficavam um período longo na escola (6 horas). As professoras observavam também o rendimento das crianças que não se alimentavam, percebendo que não tinham tanta energia e disposição quanto às demais. Na observação das refeições das crianças, foi percebida a falta de motivação nesse momento e a necessidade da ludicidade para introduzir determinados alimentos nas refeições.

A elaboração do projeto se baseou em etapas para que fosse despertado nas crianças o porquê de uma alimentação saudável e como o desenvolvimento deles depende desta questão. A primeira etapa foi utilizar a Arte como forma de introdução da temática e interesse pelo tema. As telas “Rodolfo I” e o “Cozinheiro” do pintor Giuseppe Arcimboldo foram o disparador para tratarmos do assunto. Após apreciarem as pinturas, sentamos em roda para discutir o que tinham visto e conversar sobre o olhar que tem das refeições que realizam, tanto na escola, quanto em casa. Nestas conversas, descobrimos que a cultura familiar de cada criança interfere notoriamente no modo de comer, o que comer e como comer e que muitas vezes não comem na escola por simplesmente não estarem em seus ambientes familiares. As crianças fizeram releituras das obras, que foram expostas no refeitório como forma de incentivo e para atentá-los ao assunto. Em uma turma, recriamos um Rodolfo através de seus próprios desenhos de vegetais e frutas que foi denominado

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pelas crianças de “Rafael”. Esta atividade trouxe respostas positivas, pois as crianças davam devolutivas nos corredores dizendo que haviam comido tudo e que iriam crescer fortes e saudáveis. O projeto havia começado a dar frutos...

Posteriormente outras atividades foram propostas: degustação de um legume conhecido por todos e bastante utilizado na instituição (cenoura). A estratégia utilizada para essa proposta foi um caixa surpresa colorida e chamativa, onde a cenoura encontrava-se em diferentes formas: o legume in natura para manipularem e cheirarem; cru em pequenos pedaços; cru ralada com um “pó mágico” salpicado (sal) e por fim temperada e cozida. À medida que as surpresas saiam da caixa eles ficavam ainda mais interessados e estimulados a comer, os olhinhos brilhantes a espera da novidade era encantador, e, praticamente todas as crianças participaram da degustação, houve ainda aqueles que não gostavam de cenoura e passaram a comê-la. Trabalhamos também com a textura do alimento em relação a duro (cru) e macio (cozido). A repercussão se deu também em casa, quando na reunião de pais pode-se constatar que a alimentação das crianças demonstrava algumas mudanças. Os pais relataram as falas de seus filhos e tiveram algumas mães que agradeceram a iniciativa do projeto, não só o de alimentação como todos os outros que a escola vem desenvolvendo. Um pequeno disse a sua mãe que precisariam ir ao mercado para comprar cenoura porque a partir daquele dia ele adorava o legume, a mãe até se surpreendeu porque ele sempre se recusava a comer qualquer vegetal. Um outro disse que só comeria em casa se tivesse o “pó mágico” pois ele deixou o alimento muito saboroso.

O projeto, ainda em andamento, pretende com as diferentes linguagens utilizadas ampliar o paladar e o conhecimento das crianças sobre os hábitos alimentares: foram utilizados vídeos de personagens conhecidos e histórias com fantoches e há ainda uma previsão de realização de plantio de vegetal com as crianças, atividade com as famílias em um sábado relacionado também à alimentação e a perspectiva de continuar o projeto até o final do ano letivo.

Percebe-se que a cada etapa vivenciada as crianças se interessam ainda mais para conhecerem a importância dos alimentos e que para o quê serve cada um. O envolvimento das professoras também foi essencial, elas acompanharam as atividades, participaram dos registros e também degustaram o legume, aproximando o que foi feito no projeto até o momento com seu planejamento de sala.

Projeto “A Matemática através dos Jogos”

Diante da proposta da coordenação de elaboração de um projeto para trabalho com as crianças do período, a professora Pamela se questionou principalmente sobre qual tema viria ao encontro das necessidades das crianças, de tal forma que fosse possível atender aos objetivos levantados pelo grupo nos planejamentos anuais e contemplá-los em sua realidade e especificidades da faixa etária, despertando interesse e curiosidade. A partir desse questionamento optou por trabalhar com o “Projeto Jogos Matemáticos”, uma vez que participou do curso oferecido pela DRE3

3 Curso de formação sobre “Conhecimento Matemático” destinado aos professores das Unidades de Educação Infantil, como parte do Projeto da Secretaria Municipal de Educação intitulado “A Rede em Rede: a formação continuada na educação Infantil”

. A formação proporcionada pela DRE possibilitou e ajudou a viabilização dessa proposta.

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Hoje sabemos que a relação entre o jogo e Matemática é muito significativa, principalmente na Educação Infantil, tendo em vista que desde o nascimento a criança encontra espaço para explorar ambientes e descobrir elementos da realidade na qual está inserida. A vivência de experiências diversificadas possibilita o desenvolvimento da linguagem matemática (envolvendo, entre outras coisas, o raciocínio lógico, a criatividade e a capacidade de resolver problemas, buscando novas respostas frente a diferentes situações). Assim sendo, o trabalho com Matemática na Educação Infantil deve priorizar o avanço do conhecimento, favorecendo e ampliando situações para que sua exploração seja significativa, rica e desafiadora. Pensando assim, o objetivo de trabalhar com um projeto de jogos matemáticos foi propiciar à criança um ambiente rico em experiências necessárias ao seu desenvolvimento, complementando o trabalho do professor regente da turma.

Após solucionar o tema do Projeto que desenvolveria, o próximo passo foi buscar soluções para as situações impostas pela própria organização da unidade e suas condições materiais de trabalho. Foi necessário pensar em qual ambiente da escola esse projeto seria realizado e a sua adequação para aplicação do projeto, levando em consideração a linha do tempo já em andamento na escola e a rotina dos alunos de utilização dos espaços variados (pátio, parque, salas de aula, de informática e brinquedoteca); quais eram os recursos materiais disponíveis (jogos, materiais, sucatas, papéis, etc) e quais eram as possibilidades de organizar os alunos em pequenos grupos para que o andamento do Projeto tivesse um excelente resultado.

Esses questionamentos foram solucionados dentro das possibilidades da escola atualmente. Foi proposto que a turma fosse dividida em dois grupos, para que fosse possível acompanhar os jogos de regras de maneira mais efetiva. O horário de realização dessa divisão foi combinado com cada professora regente de turma. Os jogos e materiais localizados e selecionados para o Projeto foram separados e guardados em local acessível a todos, porém com destaque à organização para não prejudicar a utilização dos mesmos pela Profa. Pamela.

A princípio, com o objetivo de conhecer cada grupo e o conhecimento que cada um já tem sobre a temática, foi proposto atividades de conhecimento quantitativo e qualitativo de quantidades utilizando jogo de dados. Nesse momento a professora se deparou com um imenso entusiasmo e ótima aceitação por parte das crianças. Entre os jogos propostos (já realizados com as turmas e os que ainda estão no planejamento) foram utilizados tanto jogos tradicionais comercias (prontos) como jogos confeccionados na unidade a partir de sugestões indicadas no curso de formação. São eles: dominó de contos de fada, dominó tradicional, jogo de dados, “colheita com tampinhas”, quebra-cabeças de formas geométricas, jogos de encaixe relacionando numerais e quantidades, tangram, entre outros.

Esse Projeto iniciou-se, na prática com as crianças, no mês de junho/2012, justificado por dificuldades encontradas no turno, com muitas faltas no início do ano e substituições a serem feitas pelas professoras de módulo. Apesar do período de realização do Projeto ser ainda muito curto para uma análise do seu desenvolvimento, percebemos que poder trabalhar com um grupo pequeno de crianças com um objetivo claro e pré-estabelecido tem proporcionado atividades lúdicas, nas quais as crianças demonstram alegria durante a ampliação de seus conhecimentos. Temos certeza de que o retorno será notório no desenvolvimento das crianças e poder contemplar e observar estas mudanças nos impulsiona e nos motiva em nosso trabalho, mudando muitas vezes nossa visão sobre nossas

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práticas pedagógicas, com vistas a promover uma aprendizagem de matemática significativa para as crianças. Projeto “Brincadeira de criança: um resgate as brincadeiras tradicionais”

A partir da sugestão da coordenadora de possíveis temáticas para o trabalho na unidade, e pensando em algo que estivesse de acordo com o projeto pedagógico da escola e agradasse tanto as crianças quanto a professora, surge o projeto de resgate das brincadeiras tradicionais. Foi pensando na própria infância e nas brincadeiras de rua das quais participava com os amigos da vizinhança que a professora Rosimeire escolheu essa temática para desenvolver com os diferentes grupos de crianças da EMEI em 2012. As lembranças de nossa infância nos remetem às brincadeiras simples, e ao prazer e felicidade de compartilhar momentos com outras crianças, quando ao fim da brincadeira deixava sempre um gosto de “quero mais”. Essa vivência social e cultural tão cara à infância é responsável por uma parte importante da formação de todo ser humano. Regras, companheirismo, estratégias e autonomia são aspectos caros ao desenvolvimento humano que são aprendidos e apreendidos brincando.

Atualmente percebemos que as crianças estão sempre com pressa, não têm paciência de esperar a vez, querem que seja tudo rápido e do seu jeito até nos momentos de brincadeiras. Consideramos fundamental refletir um pouco sobre os ritmos de vida da contemporaneidade, sobre os tempos de viver e de ser impostos pelas rotinas estabelecidas para crianças e adultos. Refletir sobre essa temática inclui refletir também sobre a própria organização dos tempos e espaços da EMEI para os grupos de crianças que têm nesse espaço uma referência. Essa reflexão, apesar de não priorizada nesse artigo, tem sido alvo de discussões constantes em nossa unidade, ainda que estabelecer mudanças nas formas de organização dos tempos e espaços da escola continuem sendo muito difíceis, por diferentes motivos que vão desde a concepção mesmo de infância e educação até as condições objetivas de trabalho na escola.

Contudo, ao pensar as brincadeiras tradicionais inseridas em um projeto realizado pela professora do módulo, estamos também estabelecendo que uma das nossas prioridades pedagógicas é destacar o eixo do brincar e imaginar no cotidiano da instituição. Portanto, o objetivo deste projeto não é apenas resgatar as brincadeiras tradicionais, mas considerar que a partir da vivência dessas experiências possa haver o desenvolvimento de valores na relação com as outras pessoas, como o espírito de união, amizade, companheirismo e solidariedade.

Entre as brincadeiras sugeridas às crianças nesse período estão: pular corda, passa-passa 3 vezes, elefantinho colorido, pega-pega em diferentes versões, esconde-esconde, passa anel, amarelinha e cabo de ferro. As poucos já foi possível perceber que as crianças estão começando a ter mais paciência na relação entre elas, bem como passaram a incentivar e ensinar os colegas na hora das brincadeiras.

As vivências do projeto, pautadas em brincadeiras simples, estão conquistando as crianças, que ao término de cada atividade sempre pedem mais, o que nos possibilita avaliar positivamente essa experiência.

Algumas considerações

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O trabalho em cada projeto tem-se revelado bastante animador. As crianças em suas conversas e ações proporcionam uma avaliação positiva: perguntam sobre quando vai ser a “aula” de cada professora, conversam pelos corredores com as professoras dos projetos e mostram o que lembram, dançam e fazem referências aos projetos com muita regularidade pela escola. Além disso, em reunião de pais as professoras se apresentaram em cada turma, recebendo muitos elogios e reconhecimento pelo trabalho: os pais disseram que as crianças “querem tirar som dos objetos em casa”, pedem para comer algum tipo de alimento, explicam que a aula da Profa Ana é com a “Dona Julitta”, etc. Os pais reconheceram nos projetos uma oportunidade das crianças vivenciarem outras experiências, com sensibilidade, ludicidade, prazer e felicidade nas atividades propostas. Por fim, o envolvimento dos professores regentes das turmas também foi essencial. Apoiando a iniciativa, todos concordaram em compartilhar um horário com as crianças para que elas pudessem participar dos projetos, perguntam sobre o que foi feito, questionam para as crianças se gostaram ou não, participam juntos etc. A participação dos professores, alguns em maior e outros em menor grau, possibilitou o sentimento de igualdade nas funções e de parceria educativa.

É possível afirmar que o trabalho relatado nos Projetos somente foi possível porque houve integração e diálogo entre direção, coordenação e professoras. Considerar diferentes papéis dentro da mesma atribuição para os professores é fundamental na atual estrutura da rede municipal. Contudo, consideramos importante ressaltar nos professores de módulo sem regência (parte deles novos no magistério municipal, ingressantes dos últimos concursos) sua possibilidade de contribuir com o cotidiano pedagógico com um trabalho que lhe pertence desde o planejamento, passando pela execução e avaliação. Como afirma Freire (2006, p. 80), “o educador é sujeito de sua prática, cumprindo a ele criá-la e recriá-la”. Esse era, também, o espírito da proposta apresentada. Podendo organizar o trabalho tematizando suas práticas com algo que lhe proporciona autoria, acreditamos seja também possível incentivar, entre a equipe, propostas e práticas pedagógicas inovadoras dentro do que vem sendo pensado para a educação infantil, e em especial pelas problematizações que foram realizadas nos últimos períodos pelas formações da DRE de Campo Limpo, onde se buscou garantir o protagonismo da criança e a diversidade de linguagens a serem trabalhadas no nosso cotidiano.

Grandes são os desafios ainda encontrados na nossa unidade para que a proposta de projetos com os professores de módulo seja realmente como gostaríamos. Encontramos primeiramente dificuldades no próprio módulo docente da unidade, ainda incompleto. As ausências dos professores (pelos mais diferentes motivos, sem discutir seus méritos) também acabam fazendo com que esses professores vivam “a incerteza” sobre a sua jornada diária. Na falta do professor regente de sala, o projeto é interrompido e a programação é adiada para que a turma seja assumida pelo professor do módulo. Essa oscilação na regularidade gera prejuízos para as práticas, interrompendo a continuidade do trabalho.

Também é um desafio conseguir organizar os horários da unidade tendo em vista as demandas (de alimentação, de utilização dos diferentes espaços, de limpeza dos ambientes e de acompanhamento pela equipe de apoio em determinados horários), bem como os ambientes a serem utilizados. E, ainda que haja uma destinação prioritária das verbas da unidade para a viabilização do trabalho com as crianças, sentimos que os recursos materiais ainda estão fora do esperado. Por fim, não poderíamos deixar de mencionar que a quantidade de crianças por turma (35) é um grande dificultador para o aprimoramento das práticas

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e dos olhares sobre todas as crianças e sobre cada uma em particular. Ainda assim, buscamos “vencer o inimigo invencível”...

Para a gestão, fica o aprendizado de que não há respostas prontas e certas para todos os desafios. Precisamos ter um canal aberto de comunicação com os profissionais que formam nossas equipes e incentivar as boas iniciativas. Muitas vezes as respostas aos desafios partem do próprio grupo, sendo aceitas com maior comprometimento dessa forma. Temos a convicção de que as crianças são, sem dúvida, as que mais se beneficiam quando os projetos saem do campo das intenções e ganham o espaço da sala de aula. Bibliografia FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. 7ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2006. PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento Dialógico. 7ª. Ed. São Paulo: Ed. Cortez, 2007. PMSP. Orientações Curriculares, expectativas de aprendizagem e orientações didáticas – Educação Infantil. São Paulo: SME, 2007.