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Revista Ensaios & Diálogos

Revista das Faculdades Integradas Claretianas de Rio Claro, N.4, Jan/Dez 2011

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Diretor Geral Pe. Luiz Claudemir Botteon

Diretor Administrativo Pe. Brás Lorenzetti

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Coordenadoria Geral de Pesquisa e Iniciação Científica Prof. Ms. Pablo Rodrigo Gonçalves Conselho Editorial Profa Ms. Andréia Nadai Carbinatto Prof. Es. Ângelo Aparecido Zadra

Prof. Ms. Eduardo Feltran Barbieri Prof. Ms. João Carlos Picolin Prof. Dr. José Ademir Crivelari Prof. Ms. Manoel Valmir Fernandes Profª. Ms. Raquel Albano Scopinho Prof. Es. Mateus Colabone Neto Profª. Ms. Klausner Vieira Gonçalves Profª Es. Hosana Cristina Alves Prof. MS. Ronaldo Ribeiro de Campos Profa. Dra. Márcia Reami Pechula Revisão Textual Prof Ms. Lisiane Ferreira da Silva Pereira Editoração e Projeto Gráfico Prof. Ms. Pablo Rodrigo Gonçalves

Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores

Catalogação na Publicação

Pede-se Permuta Faculdades Integradas Claretianas – Rio Claro – SP Bibliotecário Responsável: Andréa Cristina Missono - CRB 8 - 7663. Av. Santo Antonio Maria Claret, n. 1724, Cidade Claret, Rio Claro–SP CEP 13.503-250 e-mail: [email protected] Telefone: (19) 2111-6000

Versão digital: http://www.claretianas.br/revista

Ensaios & Diálogos / Faculdades Integradas

Claretianas. — São Paulo: Gráfica Avenida, 2011.

163 p.

ISSN 1983-6341; n.2 Anual

1. Pesquisa 2. Periódico científico I. Faculdades Integradas

Claretianas

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – N. 3 – janeiro/dezembro de 2010

PREFÁCIO

A curiosidade sempre foi e sempre será uma característica antropológica. Por seu intermédio ocorrem os grandes avanços científicos e tecnológicos que, em muitos aspectos, contribuem para melhoria e aperfeiçoamento da vida humana, ainda que, em outros, beneficiam apenas uma pequena parcela da população. Com a curiosidade, acontece também o gesto de admiração que, segundo Platão, é a característica fundamental da atitude filosófica. Somente quem tem curiosidade e admiração será capaz de superar os condicionamentos naturais e sociais, e poderá oferecer propostas inovadoras, cujo objetivo é possibilitar a criação do conhecimento e não simplesmente a sua aquisição e transmissão. Essas duas características – curiosidade e admiração – estão presentes nas ações acadêmicas desenvolvidas pelas Faculdades Integradas Claretianas. Vendo o processo educacional como uma realidade contínua e sempre dinâmica, a Instituição realiza, com seriedade e criticidade, aquilo que lhe é exigido como Instituição de Ensino Superior: um ensino proposto por docentes competentes e preparados em suas respectivas áreas de atuação; uma extensão que apresenta cursos e projetos marcados com verdadeiro sentido de responsabilidade social; e uma pesquisa que reflete uma Instituição voltada para a criação e produção do conhecimento. Assim, a área da pesquisa vem se desenvolvendo gradativamente nas Faculdades Integradas Claretianas, o que pode ser constatado desde a realização dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), ao Programa Institucional de Iniciação Científica e à participação no PIBIC, que é um Programa de Iniciação Científica financiado pelo CNPq. Tais iniciativas mostram um novo rosto da Instituição, reforçando que o conhecimento não se efetiva somente com a sua transmissão, mas também com a sua criação e produção. Afinal, como dizia Paulo Freire, o professor, acima de tudo, é um pesquisador, se efetivamente pretende exercer a sua docência, segundo os critérios exigidos pela sua função de educador, que envolve profissão e, mais do que isso, vocação. Mas a condição de pesquisador não compete somente ao professor. Nesse particular, a Instituição está também gerando alunos pesquisadores, cuja presença se efetiva nos projetos de iniciação científica, implantados e em pleno desenvolvimento. O resultado dessa atividade vinculada à pesquisa está registrado no Núcleo de Pesquisa e Iniciação Científica (NUPIC), tão bem coordenado pelo Prof. Ms. Pablo Rodrigo Gonçalves, que acompanha a evolução desse trabalho, com todos os desafios e problemas que efetivamente fazem parte dessa atividade acadêmica. Na gestão da pesquisa e da Iniciação Científica, dois momentos são importantes na Instituição. O primeiro deles é o Congresso de Iniciação Científica, que se realiza uma vez por ano e que expõe o resultado dos projetos desenvolvidos durante o ano. Outro momento é a edição da Revista Institucional Ensaios & Diálogos, com artigos de professores e alunos, tanto da Instituição como de outras instituições convidadas. São dois momentos que se complementam e que refletem uma Instituição voltada para a pesquisa e, portanto, para a criação e produção do conhecimento. Assim, a Instituição, por meio do NUPIC, está lançando a quarta edição da Revista Ensaios & Diálogos, com diversos artigos em suas mais diferentes áreas de atuação. O caráter pluralista da revista se dá exatamente pela diversidade das temáticas propostas, que contemplam os diversos cursos da Instituição que, de alguma forma, desenvolveram algum tipo de pesquisa. Façamos contato com os artigos publicados e nos inteiremos dos conteúdos propostos, cada vez mais convencidos de que a educação se pauta no tripé – ensino, pesquisa e extensão – e que a pesquisa está sempre presente e atuante na Instituição; nesse caso, confirmada com o lançamento da quarta edição da Revista Institucional Ensaios & Diálogos. Parabéns a todos que se envolveram no processo de publicação da Revista e uma excelente leitura dos artigos selecionados! Prof. Dr. Sávio Carlos Desan Scopinho Diretor Acadêmico

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SUMÁRIO

O REAL VALOR DAS PESSOAS PARA AS ORGANIZAÇÕES CONCEIÇÃO, Bento Manuel Salvador da; MACHADO, Fernanda Harmitt........................................................ 7 A EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES EM UMA ESCOLA PROFISSIONALIZANTE MOREIRA, Anderson Donizeti; MACEDO; Roselene Aparecida de................................................................ 14 LITERATURA, POLÍTICA E DARWINISMO-SOCIAL: UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA DA TRAJETÓRIA CONTESTADORA DE RAUL POMPÉIA BALIEIRO, Fernando de Figueiredo....................................................................................................... 23 O POETA ROMANO HORÁCIO E A SÁTIRA LATINA SILVA, Semíramis Corsi. .................................................................................................................... 37 DESVENDANDO AS REDES SOCIAIS: O PAPEL DAS REDES SOCIAIS COMO FERRAMENTA DA PUBLICIDADE NA WEB SOUZA, Ibrahim Cesar Nogueira de...................................................................................................... 49 CONSIDERAÇÕES SOBRE A HIPÓTESE DO PERÍODO CRÍTICO PARA AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS SCOPINHO, Raquel Albano. ................................................................................................................ 64 A IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE DA MÃO DE OBRA NA LOGÍSTICA MENDONSA, Patrícia Dezan Pamplona; DE BONI Jorge Barthmann. ........................................................... 72 A MÚSICA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOUZA, Gabriela Martins de; BELO, Evelyn Monari.................................................................................. 83 O QUE É LOGÍSTICA? SIMONATO, Eder Benedito.................................................................................................................. 90 ESTUDOS CIENTÍFICOS NA ÁREA DE SECRETARIADO BELCHIOR, Raissa Klain; CORROCHER, Dayane Cristina; PASCON, Kelly Cristina ; CARMINATTI, Mariana; SCOPINHO, Raquel Albano.................................................................................101 EFEITOS DE UM TREINAMENTO DE KARATÊ NAS FUNÇÕES COGNITIVAS E MOTORAS EM IDOSO COM DEMÊNCIA MISTA VIANA, Eduardo Dias; PAIVA, Ana Clara de Souza; VASSOLER, Mariana Zanetoni; ANDRADE, Larissa Pires de; ANDREATTO, Carla Andreza Almeida; PIAZENTIN, Fernanda; COSTA, José Luiz Riani...................................111

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O Real Valor das Pessoas Para as Organizações

Bento Manuel Salvador da Conceição [email protected]

Faculdades Integradas Claretianas

Prof. Ms. Fernanda Harmitt Machado [email protected]

Faculdades Integradas Claretianas

Resumo

Este artigo, intitulado “O real valor das pessoas para as organizações”, é resultado de uma pesquisa de iniciação científica, de caráter qualitativo, que teve como base de estudo a revisão sistemática da literatura especializada, com dados obtidos de livros e canais virtuais com assuntos relevantes para a fundamentação das discussões do presente trabalho. O artigo tem como proposta realizar um estudo dos perfis desejáveis das pessoas para gerar valor para a área e contribuir para o desenvolvimento organizacional, especificamente, em relação à importância do fator humano nesse contexto, bem como a função delas dentro das organizações. Diante da consciência de que as organizações não sobrevivem sem as pessoas, a tendência é que estas sejam cada vez mais valorizadas, com condições de trabalho adequadas e respaldadas com aspectos legais que garantam a existência cada vez maior de mão de obra humana nas organizações. Palavras-Chaves: Organizações, Pessoas, Recursos Humanos, Valores.

1 Introdução

Este artigo vinculado à pesquisa de iniciação científica foi realizado em duas partes. A primeira foi

dedicada ao levantamento bibliográfico, que possibilitou a captura e agrupamento de teorias e estudos sobre a

temática de discussão para uma melhor compreensão e reflexão sobre o que venha a ser o real valor das

pessoas para as organizações. Já a segunda etapa contempla a junção das questões mais relevantes bem como

sua apresentação em consequência do levantamento e da análise dos dados.

Considerando-se que as organizações não funcionam sem o amparo das pessoas e estas, por sua vez,

não caminham na ausência das organizações, a área de recursos humanos é imprescindível, uma vez que se

apresenta como ponte de ligação entre dois extremos com interesses distintos, a organização e as pessoas, de

maneira a contribuir para identificar ou construir interesses comuns nesse contexto e gerenciar ações para o

desenvolvimento organizacional. A relevância desse fato comprova-se através da realidade atual, ou seja, a

existência de diversificadas organizações onde as pessoas convivem em um contexto que se transforma

diariamente e que, ao mesmo tempo, influencia e é influenciado pelas pessoas, seus interesses, necessidades,

capacidade técnica e comportamento. Assim como há diferentes estruturas organizacionais, há pessoas e

pessoas, sendo a área de recursos humanos determinante dessas relações organizacionais, atuando de forma

mais estratégica do que operacional. Nesse contexto, essa área está em fase de transição e sofrendo

significativas mudanças e inovações neste novo milênio, o que se deve à crescente globalização dos

negócios, à gradativa exposição e à forte concorrência mundial e principalmente, a cada vez maior valorização

das pessoas. Diante disso a palavra de ordem que se resumia em operacionalização passa a ser produtividade,

qualidade e competitividade, mais uma vez, enfatizando o valor das pessoas nas organizações.

Desta maneira as pessoas deixaram de ser um desafio e recursos organizacionais e tornaram-se as

vantagens competitivas das organizações e as principais parceiras dos negócios oferecendo-lhes livre dinâmica,

vigor e inteligência. (CHIAVENATO, 2007)

O presente estudo tem como objetivo maior demonstrar a importância das pessoas para as

organizações, num cenário atual globalizado e cheio de competitividade e sistemas tecnológicos altamente

sofisticados.

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Outra finalidade é a de provocar a curiosidade sobre este tema e de estimular uma posterior discussão e

o desenvolvimento de novos estudos acerca dele, através de uma pesquisa mais aprofundada, pois vários

autores consultados discutem o assunto, mas fica evidente, devido à importância e atualidade da temática, a

necessidade de serem estabelecidas discussões mais aprofundadas sobre a visão do real valor das pessoas para

as organizações.

2 Metodologia

Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos, em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam esses métodos são ciências, concluindo-se destas afirmações que a utilização de métodos científicos não da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos”. (MARCONI e LAKATOS, 2000,p.).

Para Ackoff apud Marconi e Lakatos (2000), o método é uma das formas de se avaliar as alternativas

para a ação científica, sendo as técnicas utilizadas por um cientista ou pesquisador fruto de escolhas

estabelecidas de acordo com suas decisões e interesses de pesquisa, tais decisões são tomadas dependendo das

regras estabelecidas pelos métodos de investigação e análise disponíveis, onde métodos são regras de escolha e

técnicas são as próprias escolhas.

Este trabalho será desenvolvido através de revisão de literatura, que é a atividade de localização e

consulta de fontes diversas de informações escritas, para coletar dados gerais ou específicos.

Tratando do mesmo assunto, Lima (1997), afirma que a pesquisa bibliográfica antecede as pesquisas

documentais, de campo, laboratório, representando o elemento chave de um estudo, devendo reunir um

conjunto de autores reconhecidos pela área, para a discussão das questões que tenham publicado, tornando-se

fundamentais para uma discussão teórica e cabendo ao pesquisador articular as informações coletadas,

desdobrando-as com um nível de análise crítica, não meramente descritiva.

As fontes de pesquisas bibliográficas são as publicações impressas ou digitais em forma de livros,

dicionários, enciclopédias, periódicos, resenhas, monografias, dissertações, teses, apostilas, boletins, entre

outras, que ajudam ou auxiliam a reforçar, justificar, demonstrar, esclarecer e explicar, o fenômeno estudado,

devendo ser utilizada para explicar o fenômeno ou temática estudada a fim de se dar credibilidade ao que está

sendo produzido em termos de produção acadêmica científica.

O ser humano é o único considerado um animal racional, ou seja, é a única espécie que tem capacidade

de discernimento, lógica, distinção do correto e do incorreto dentre outras características que só essa raça

apresenta. Diante disso observa-se, a importância desse elemento humano nas organizações, uma vez que elas

necessitam de uma produção com dinamismo, competência só alcançada pelas pessoas, que contribuem para o

andamento do fluxo organizacional. Este estudo tem grande relevância, pois aborda o grau de valorização que as

pessoas recebem, e até onde elas podem contribuir de acordo com sua valorização para o sucesso das

instituições.

Atualmente a valorização das pessoas por parte das organizações ocorre através de melhores salários,

capacitação, quantidade de funcionários satisfatória para o fluxo empresarial, estrutura física adequada, dentre

outros fatores. Esses aspectos têm contribuído para o crescimento das instituições, pois os indivíduos sentem-se

motivados, ou seja, valorizados para juntos atingirem a filosofia, missão e meta das corporações.

3 Breve histórico

Segundo Araújo (2006), já no século XX, antes dos anos 30, a administração de pessoal, como ficou

conhecida após 1930, tinha como função básica o recrutamento e a seleção de pessoas, que eram desenvolvidas

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quase ao mesmo tempo. Então a década de 30 marcou definitivamente o início sistematizado e regulado por

documentos legais da administração de pessoal. Desde então, a atual gestão de pessoas se manteve em

crescimento.

Observa-se, desta maneira, o início da preocupação com o modo de como as pessoas eram

administradas, qual a qualidade que elas deveriam apresentar através do recrutamento e da seleção de pessoas.

O escrito elaborado por Araújo (2006) diz que a história dos departamentos de pessoal no Brasil inicia-se

junto à legislação trabalhista na década de 30, com o movimento sindical e a proteção aos trabalhadores que

levaram às modificações significativas nas relações de trabalho no Brasil, surgindo naquele momento à proteção

social aos trabalhadores.

A evolução na gestão de recursos humanos, considerando o valor das pessoas, respeitando suas

necessidades humanas através da consideração dos direitos que o trabalhador deveria possuir ficou evidente e é

descrita a seguir.

Nas décadas de 40 e 50, a intervenção governamental nas relações trabalhistas se acentuou, mostrando

às empresas a necessidade de ampliação das funções do departamento de recursos humanos. Todavia, como

marco principal nas relações de trabalho teve-se, em 1943, a promulgação da legislação reguladora do trabalho

no Brasil, ou seja, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa legislação criou a carteira profissional,

regulamentou horários de trabalho, definiu férias remuneradas, instituiu as comissões mistas nas juntas de

conciliação, estabeleceu as condições de trabalho para menores, entre outras normas. Nas décadas de 60 e 70,

teve-se a promulgação de leis de segurança no trabalho, saúde ocupacional e pensões.

Com essas mudanças, o trabalhador obteve garantias e benefícios necessários para que ele, como

pessoa, apresentasse condições para uma saúde adequada, descanso e lazer. Fica explícito dessa maneira, que

as instituições estavam cientes de que um profissional valorizado oferecia mais vantagens do que desvantagens,

mostrando resultados, se não superados, esperados.

E atualmente no Brasil o modo como se faz gestão de recursos humanos tem sido um processo difícil de

mudança gradual, mas significativa. Se até bem pouco tempo atrás o foco dos administradores do departamento

de recursos humanos estava em realizar atividades burocráticas e de controle, hoje, a forma como se gerem as

pessoas passou a ser um diferencial estratégico independentemente do porte ou nacionalidade da empresa. Essa

mudança mostra que as empresas estão mais conscientes dos benefícios que esse tipo de tratamento traz para

os funcionários e contribuem para sua vida profissional, consequentemente contribuem para a realidade da

instituição, que será constituída de pessoas valorizadas e motivadas para o sucesso da empresa. (TEGOM, 2009)

4 As organizações

“As organizações não existem para si próprias, são meios representando um órgão social que visa à

realização de uma tarefa social”. (Drucker apud Kanaane 1999, p). Vieira (2009), afirma que a Gestão de

Pessoas é uma especialidade relativamente nova, que surgiu a partir do crescimento e do alto grau de

complexidade das tarefas das organizações. Suas origens remontam ao início do século XX, após o forte impacto

da Revolução Industrial, com a denominação Relações Industriais, atuando com a principal finalidade de buscar o

equilíbrio entre o capital e o trabalho (organização e pessoas), evitando-se ou diminuindo-se, os conflitos entre

os interesses das organizações e os interesses individuais das pessoas que trabalham nessas organizações,

interesses estes até então considerados totalmente incompatíveis e impossíveis de serem conciliados pelas

partes.

As organizações são estruturas fundamentais para a existência da gestão de pessoas, pois elas têm vida

a partir da existência dessa clientela para seu funcionamento e, consequentemente, necessita da gerência desse

grupo. Isso implica que, se uma instituição/organização almeja o sucesso, é imprescindível que ela tenha

funcionários altamente capacitados e com condições adequadas para o alcance dessa meta.

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Barnad apud Chiavenato (2009) apresenta a idéia de que uma organização é um sistema de atividade

conscientemente coordenado de duas ou mais pessoas, onde a cooperação entre elas é essencial para sua

existência e tem em conta que uma organização somente existe porque as pessoas são capazes de se

comunicarem e estão dispostas a contribuir com a ação, a fim de cumprirem um propósito comum. Existe uma

forte influência das organizações sobre a vida das pessoas, pois as organizações não funcionam sem as pessoas

e as pessoas não vivem sem as organizações, assim sendo, é fundamental o modo de como as pessoas vivem,

compram, trabalham, dentre outros.

Para se falar em gestão de pessoas e do real valor que ela representa para as organizações atualmente,

devemos considerar as transformações da administração de pessoal em gerenciar os recursos humanos da

empresa, a incorporação de conhecimentos técnicos e incursões teóricas do campo da administração, trazendo

profissionais com formação estratégica para a área de pessoas, que passa a ser ocupada por aqueles que

tenham assimilado as técnicas e abordagens de toda sorte do campo da administração. (ARAÚJO, 2006).

5 As pessoas nas organizações

Desde que nascemos fazemos parte de organizações, isso se considerarmos nossas famílias como a

primeira delas. A partir daí vamos, paulatinamente, adaptando-nos às normas e regras que nos são

apresentadas para que possamos nos inserir em outros ambientes organizacionais.

Vêm a escola, a igreja, o clube recreativo, dentre outros ambientes institucionais, e novas exigências de

comportamentos nos são feitas. Vamos então adequando nossa personalidade e testando nossos

comportamentos de acordo com os valores, regras e normas de todas essas organizações. Em certo momento de

nosso desenvolvimento psicossocial, ingressamos no mercado de trabalho e todos os aprendizados anteriores

começam a ser colocados em evidência dentro de um contexto produtivo. Nossas competências, habilidades e

atitudes passam a ser avaliadas continuamente, desde o processo seletivo para o primeiro emprego. É preciso,

então, lidar com os eventos organizacionais de maneira cada vez mais adaptativa e flexível, revendo

continuamente nossa postura pessoal e profissional. Afinal, somos seres providos de valores e para que tudo

corra bem se faz necessário que tenhamos comportamentos adequados e funcionais. Entretanto, muitas vezes

ainda não estamos com nosso potencial de relacionamento voltado eficazmente à produtividade.

Torna-se evidente a necessidade de intervenções externas e objetivas, focadas no desenvolvimento das

habilidades intra e interpessoais, visando a um melhor desempenho funcional. Mas de quem é essa

responsabilidade? Da empresa ou do funcionário? De ambos! Por parte da organização algumas estratégias

podem ser utilizadas, visando um melhor desempenho de seu colaborador. Por parte do colaborador, seu papel é

colaborar e aproveitar as oportunidades de desenvolvimento pessoal e aumento da sua empregabilidade.

Fortalece-se assim a parceria necessária para um excelente desempenho organizacional e extremamente

necessário na atualidade.

Desta forma, alguns percursos devem ser percorridos continuamente pela empresa para que sua missão

seja cumprida e sua visão seja atendida, utilizando-se a concepção de que as pessoas são as principais

responsáveis pelo sucesso ou fracasso de toda e qualquer estratégia competitiva adotada pela organização.

As pessoas são influências nas organizações e vice-versa, pois as organizações são influenciadas pelo

modo de pensar e sentir das pessoas. Atualmente a sociedade moderna é uma sociedade de organizações, sendo

elas mesmas uma administração das mais admiráveis instituições sociais que a criatividade humana já construiu,

e tendo em conta que as organizações de hoje são diferentes das de ontem, tanto nos aspectos econômicos,

como nos intelectuais, sendo que o homem moderno busca uma satisfação assim como as organizações, fazendo

com que estas interajam mais com as pessoas (CHIAVENATO, 1999).

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Através do esquema de Chiavenato (2008, p.97), entendemos melhor qual e relação entre as pessoas e

as organizações para a real análise da interdependência que eles possuem. O esquema deixa explícito o que as

pessoas oferecem e o que as organizações, por sua vez, proporcionam para as pessoas.

Figura 1- relação entre as pessoas e as organizações

6 As novas organizações

“Uma organização é um sistema socialmente estabelecido pelo conjunto de valores expressos pelos indivíduos que dela fazem parte, sendo assimilados e transmitidos sucessivamente pelos mesmos, com uma responsabilidade diante dos seus trabalhadores representando uma estrutura como elementos básicos para uma boa atuação organizacional e comprometimento com o ser humano” (Kanaane, 1999, p:28).

De acordo com Gil (2006), as empresas nos meados dos anos 80 sofreram sérios desafios, tanto

ambiental quanto organizacional, globalização da economia, evolução das comunicações, desenvolvimento

tecnológico, competitividade. Começaram a se questionar sobre a importância dos indivíduos para as

organizações, se seria necessário administrar as pessoas para se ter um maior rendimento e considerando-as

como parte do patrimônio dessas organizações, verificando-se em algumas organizações a tendência de

reconhecer os empregados como parceiros e não meros empregados.

Chiavenato (1999), diz que cada parceiro ou sócio se dispõe a investir nos seus recursos, já nas

organizações à medida que se obtém um retorno satisfatório, maior é a valorização dos empregados e estes, por

sua vez, demonstram o seu envolvimento com as atividades das organizações, desse modo é mostrada a

evolução ou a forma de como as organizações estão veem como os seus trabalhadores são importantes para

elas.

Nos dias de hoje, as novas organizações mostram-se bastante preocupadas com a busca cada vez maior

da perfeição, talvez pelo reconhecimento que isso acarreta, pela satisfação pessoal, pelos resultados benéficos

ou até mesmo para adquirir acreditação no caso das instituições de saúde. Isso demonstra como as pessoas

estão sendo cada vez mais valorizadas, e como as organizações estão dispostas a se adaptarem a nova condição

atual, pois só assim elas conseguem atingir seu objetivo. Prova disso é que pontos cada vez mais pessoais estão

Pessoas Oferecem contribuições

Para servir as necessidades Da organização,como:

• Trabalho • Habilidades • Compromissos • Esforço • Tempo

Para servir as necessidades das pessoas, como:

• Salário • Treinamento • Oportunidades • Benefícios • Segurança

Organização Oferece induzimentos

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sendo trabalhados para que isso ocorra, dentre eles podemos citar medidas que satisfaçam um tipo de perfil

específico de funcionários.

As organizações passaram a enxergar as pessoas como pessoas e não simples meros recursos

produtivos, e elas começam a deixar de adotar as estratégias de eliminar pessoas e benefícios que levam a

caminhar em sentido contrário do propósito de manter uma boa relação entre organização e pessoas, porque

dentro de um novo contexto as pessoas deixam de ser o problema das organizações e passam a ser a solução.

Atualmente também se pode dizer que as pessoas têm um real valor para as organizações porque elas deixaram

de ser um desafio para se tornar a vantagem, levando a um diferencial competitivo, passando a ser parceiras

principais das organizações porque são elas que dão o impulso necessário para que as organizações possam

alcançar os seus principais objetivos. (VIEIRA, 2008).

Tratando-se do mesmo tema, temos a seguinte declaração: “Já se notou ou se revelou dados históricos

que as organizações adotam uma reorganização e redefinição dos sistemas, alterando significativamente as

relações com os seus funcionários”. E como as organizações atualmente estão passando por mudanças e

transformações a cada dia que passa, seja introduzindo novas tecnologias ou modificando produtos e serviços,

alterando desta forma o comportamento das pessoas, e estas mesmas organizações tornando-se sistemas

sociais porque são compostos por pessoas e funcionam graças às atividades e à interação entre elas, deve-se

considerar o tratamento adequado para o equilíbrio de interesses de ambos.

E partindo-se do pressuposto que as organizações são sistemas integrados de subsistemas

interdependentes e intercambiáveis, identificando-se em um conjunto de elementos, ou seja, as relações de

poder e autoridade, o sistema de comunicação, o processo de liderança, o clima, a cultura, a estrutura

organizacional, os sistemas administrativos entre os mais significativos, correspondem às relações de poder e

autoridade nos níveis hierárquicos e fatores dinâmicos que correspondem ao funcionamento dos subsistemas

interagindo entre si, dando formas e conteúdos aos processos existentes, a sua própria estrutura e das pessoas

que dela fazem parte, introduzindo um melhor relacionamento entre as pessoas e as organizações.

Em estudos realizados no campo do comportamento humano nas empresas, fatores psicológicos e sociais

demonstravam a influência nos fatores de produção. Com isso resultaram na importância de valorizar mais as

relações humanas nas organizações, trazendo um refinamento à ideologia da harmonização entre trabalhadores

e as organizações. Essas relações passaram a constituir uma integração de indivíduos que passaram a colaborar

mais com as organizações e mostraram o seu real valor, além de encontrar a possibilidade de satisfazer as suas

necessidades sociais e psicológicas.

Através das funções e estreitamento de uma série contínua de processos que abordam como os

indivíduos ingressam nas organizações, como evoluem dentro delas, como é o seu desempenho e, enfim, como

eles deixam essas organizações, mostra-se o real valor das pessoas para as organizações sobre o novo

paradigma de ajudá-los a se tornar ativos organizacionais e valiosos para essas mesmas organizações.

(KANAANE, 1999)

7 Conclusão

Concluiu-se, após a análise da evolução de gestão de pessoas, que o real valor das pessoas para as

organizações é muito amplo haja vista que esse aspecto levou à criação de leis e sindicatos visando à valorização

dessa clientela que tanto contribui para a existência de instituições mantendo o fluxo organizacional.

Se atualmente deparamo-nos com instituições cada vez mais preparadas para sobreviver no mercado

competitivo, isso se deve ao grande reconhecimento que as pessoas recebem por parte das organizações,

levando-as a motivação para contribuição e alcance dos propósitos empresariais.

Diante da consciência de que as organizações não sobrevivem sem as pessoas, a tendência é que estas

sejam cada vez mais valorizadas, com condições de trabalho adequadas e respaldadas com aspectos legais que

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garantam a existência cada vez maior de mão de obra humana nas organizações, cada vez mais qualificada e

disposta a colaborar para a satisfação organizacional.

E através desta pesquisa, considerando que as organizações estão em constante crescimento e cada vez

mais estão tendo uma responsabilidade social maior com os seus trabalhadores, sugere-se se dê continuidade, a

esta pesquisa com uma pesquisa de campo para se constatar a verdadeira realidade das organizações em

relação a importância que e dada aos seus funcionários.

8 Referências bibliográficas ARAÚJO, Luiz César G. de. Gestão de Pessoas: estratégias e integração organizacional. São Paulo: Atlas, 2006.

CHIAVENATO, I. Administração de Recursos Humanos: Fundamentos básicos. São Paulo: Atlas, 2007.

CHIAVENATO,I. Administração nos novos tempos. 2ª edição. São Paulo;Atlas,2000.

CHIAVENATO,I.O Capital humano das organizações. 8ª edição.São Paulo; Atlas, 2008.

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011

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A Epistemologia da Prática Pedagógica de Professores em uma Escola Profissionalizante

Anderson Donizeti Moreira Discente das Faculdades Integradas Claretianas

[email protected]

Dra. Roselene Aparecida de Macedo Docente das Faculdades Integradas Claretianas

[email protected]

Resumo

É unânime o desejo de melhorar o sistema educacional brasileiro. Sabendo-se que, para uma melhor prática pedagógica, é preciso ao professor conhecer, em termos teóricos, o que, epistemologicamente, sustenta a sua prática, a presente pesquisa buscou levantar, por meio de questionários aplicados a professores de uma escola de ensino profissionalizante, dados sobre os fundamentos teóricos subjacentes a prática desses professores. A maneira como os sujeitos pesquisadores concebem o ensino e desenvolvem o seu trabalho pedagógico demonstra que a falta de conhecimentos teóricos que dão sustentação à sua prática pedagógica resultam em prejuízos ao desenvolvimento de um ensino voltado para a educação por competências, exigência fundamental à formação do homem do século XXI. Palavras-chave: Prática Pedagógica, Competências, Epistemologia

1 Introdução

O ensino tradicional considera que a aprendizagem ocorre pela transmissão do conhecimento do

professor para o aluno. Por essa maneira de conceber o ensino, basta que o professor transmita o conhecimento

ao aluno, o qual, por sua vez, memoriza-o e, por meio de uma avaliação, demonstra a seu professor o que

“sabe”. Nesse contexto, o processo ensino-aprendizagem ocorre de forma mecânica e sem a interação dos

alunos com o professor e com o meio, impossibilitando a aquisição de conhecimento a partir de vivências e

experiências. Utilizando essa prática pedagógica, a única preocupação do professor é a de dominar o assunto a

ser transmitido.

Atualmente, existem várias propostas didáticas fundamentadas em diversas teorias. Essas outras

correntes pedagógicas desenvolveram-se a partir das necessidades culturais, fixadas em diferentes contextos.

Sabendo-se, então, que o ensino tradicional não é o único método disponível para que o professor

desempenhe a sua prática pedagógica no intuito de poder fundamentá-la, compreendê-la e modificá-la, faz-se

necessário que os profissionais da educação conheçam as bases teóricas que os orientam.

Essa preocupação em conhecer os fundamentos teóricos que embasam a prática pedagógica dos

professores nasceu da orientação de que os instrutores de uma escola profissionalizante, da cidade de Rio Claro

– SP, viessem a praticar uma nova proposta educacional.

Essa nova proposta visa à formação de indivíduos para atender às necessidades do mercado de trabalho,

porém, com uma formação mais completa, que vai além do acesso aos conhecimentos técnicos. Para tanto, esse

projeto de dimensão nacional envolve várias áreas de aprendizagem e tem como proposta desenvolver em seus

alunos competências e habilidades. Para cumprir esse objetivo, foi adotada como fundamentação a formação

por competências, que busca situações de aprendizagem desafiadoras capazes de conduzir o aluno à ampliação

de seus recursos cognitivos e emocionais.

Em diálogo informal com instrutores e técnicos da unidade escolar, ficou evidente, por parte de alguns

docentes, a falta de embasamento teórico sobre questões epistemológicas envolvendo a nova proposta

educacional. Esses profissionais revelaram que conheciam superficialmente as ferramentas teóricas que

poderiam vir a auxiliar a sua prática pedagógica. Revelaram, ainda, que isso gera desconforto na elaboração de

planos de ensino, dos meios de avaliação e de desenvolvimento de atividades para as aulas que ministram.

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Paralelamente, durante o curso de Pedagogia, especificamente durante as aulas de Didática Geral, as

discussões sobre os conteúdos dos textos de alguns autores apontavam que a ação pedagógica do professor

influencia diretamente o processo de aprendizagem do educando. Sendo assim, conhecer as bases

epistemológicas nas quais se sustenta essa teoria é de vital importância para a garantia da eficácia do processo

ensino-aprendizagem.

Dentre os autores que compactuam com essa ideia, temos Weisz (2004), Libâneo (2000), Freire & Shor

(1986). De acordo com esses autores, toda prática é sustentada por uma teoria, mesmo que o professor não a

conheça ou não tenha claro para si suas afirmações e comprovações.

Esses foram os motivos, enfim, que orientaram os passos a serem seguidos para a realização desta

pesquisa, visando conhecer, entre os instrutores e técnicos de ensino que trabalham em uma escola de ensino

profissionalizante, qual a teoria pedagógica que sustenta a sua prática pedagógica e, também, em que medida a

prática dessa teoria poderá, ou não, contribuir para a implantação do projeto pedagógico dessa instituição,

denominado Projeto Estratégico de “Formação Profissional com Base em Competências” (SENAI/DN) que busca

atender às demandas da contemporaneidade, garantindo uma formação educacional que supra às necessidades

do mundo globalizado.

2 Uma nova proposta educacional no Ensino Profissionalizante

2.1 Concepções históricas da educação profissionalizante

A educação tem refletido, desde as comunidades tribais até a atualidade, as concepções ideológicas

presentes no momento histórico no qual ela está inserida. Isso leva os profissionais da educação a mudarem as

suas práticas pedagógicas em função das mudanças de paradigmas ocorridos no contexto social.

As constantes mudanças de paradigmas trouxeram modificações na educação como um todo, assim

como também no Ensino Profissionalizante, trazendo diversas modificações nos objetivos dessa modalidade de

ensino ao longo da história.

O Ensino Profissionalizante, em sua essência, foi associado à Educação das classes menos favorecidas,

pois, em seu âmago, trazia uma visão de ensino operacional. Segundo Aranha (2006, p.228): “O ensino técnico

no período do império era bastante incipiente. O governo se desinteressava da educação popular e também da

formação técnica, privilegiando as profissões liberais destinadas a minoria”.

O conhecimento mais amplo e aprofundado era direcionado aos indivíduos com formação escolar superior

ou secundária clássica. O trabalho manual ou braçal teve sempre uma conotação humilhante, por ser executado

pelos trabalhadores de classes sociais inferiores da sociedade.

Já no século XX, com a atividade industrial em plena expansão, buscou-se, por volta das décadas de 60 e

70, a formação de indivíduos que atendessem à escassez de mão-de-obra do momento. Para isso, acreditava-se

em uma formação que desenvolvessem os pré-requisitos necessários para a operação do maquinário industrial e

atendesse, assim, à demanda do setor fabril.

Nas décadas de 80 e 90, com o grande desenvolvimento tecnológico mundial, as empresas começaram a

requerer um novo perfil profissional. As qualidades, antes não valorizadas pelo setor, começaram a serem vistas

como imprescindíveis para o desenvolvimento da empresa. A educação profissional precisou mudar os currículos

de seus cursos para adaptar-se à nova condição do mercado profissional, melhorando a qualidade de ensino e

elevando o nível de conhecimento de seus educandos.

As melhorias na qualidade de ensino profissionalizante são decorrentes da criação de módulos de ensino,

que permitiram maior flexibilidade às instituições educacionais, visando atender as necessidades dos

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trabalhadores. Essas medidas possibilitaram a permanente reestruturação dos cursos, garantindo a consonância

entre as exigências do mercado de trabalho e a formação profissional.

Essa nova concepção é traduzida em termos de lei. Hoje, o artigo 39° da Lei Federal nº 9.394/96, atual

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, estabelece uma nova concepção para a educação

profissionalizante, caracterizando-a como modalidade de ensino voltada ao trabalho, ciência e tecnologia que

compõe o sistema de educação brasileiro e, portanto, instituição com papel importante para o desenvolvimento

da vida produtiva, pessoal do aluno e também da sociedade brasileira.

Nesse sentido, a educação profissionalizante pode contribuir significantemente para o progresso da

sociedade, pois faz parte do sistema educacional brasileiro.

2.2 O novo perfil profissional

A mudança de postura e de exigências das empresas fundamentou a nova concepção do ensino

profissionalizante, passando a considerá-lo como uma importante ferramenta para o desenvolvimento do país.

Reconhecida a sua importância para projetar o país, há alguns anos, vem sendo ampliado o número de escolas

técnicas.

Com a mudança do cenário mundial e dos sistemas de produção, o colaborador foi trazido para o centro

do processo produtivo. Sua visão crítica, criativa e inovadora passa a ser a chave para o sucesso da empresa.

Como indica Libâneo (2004), a partir desse novo contexto econômico, ocorre uma necessidade das instituições

escolares repensarem aos discentes as novas funções que os discentes exercerão na sociedade. Deste modo,

devem buscar formar indivíduos com novas competências profissionais e pessoais.

O trabalhador do século XXI, portanto, não deve apenas ter condições de executar a tarefa pela qual é

responsável, ele deve apresentar múltiplas capacidades de executar tarefas relacionadas, ou não, à sua função

específica. Nesse sentido, ele deve ser polivalente.

Além dessa característica, as empresas buscam colaboradores disciplinados e, ao mesmo tempo

autônomos, críticos, que estejam sempre dispostos a solucionar, de forma criativa e eficaz, as situações

inesperadas que possam aparecer na sua prática profissional. Nesse sentido, precisam ter características de

pessoas empreendedoras capazes de agir nesse mundo complexo. Como evidenciado no texto do documento

“Metodologia para elaboração de desenho curricular baseado em competências” do SENAI (2002, p. 7):

O mundo do trabalho exige cada vez mais um profissional que domine não apenas o conteúdo específico a sua atividade, mas que, igualmente, detenha capacidade crítica, autonomia para gerir seu próprio trabalho, habilidade para atuar em equipe e solucionar criativamente situações desafiadoras em sua área profissional.

O novo profissional do século XXI deve ter, assim, uma mente “aberta” e estar preparado para enfrentar

as incertezas do mundo globalizado. Ele deve, como orienta Freire (2007), ter a consciência de que é um ser

inacabado e, portanto, em constante modificação.

2.3 O Modelo baseado em competências profissionais

O Parecer do CNE/CEB, n° 16/99 (Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica), que

trata das Diretrizes Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico, já alertava, no final do século XX que o

mundo do trabalho vive em contínua mudança, o que exige um novo modelo educacional profissional centrado

em competências por áreas.

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A Lei 9.394/96 LDB (Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional) estabelece em seu art. 3°,

parágrafo III, que o ensino deve ser composto de pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas. Não

define, porém, uma teoria por meio da qual a prática educativa deva ser realizada.

Sabemos que as tendências pedagógicas que se concretizam na educação se constituem a partir de

diálogos com outras vertentes anteriormente sintetizadas, e que seus fundamentos epistemológicos definem a

prática pedagógica do trabalho a ser realizado pelo profissional da educação, orientando ações acertadas durante

o processo educacional.

A instituição, que é objeto de estudo da pesquisa, elaborou um Projeto Estratégico de Formação

Profissional (SENAI/DN), com base em competências, com o intuito de atender às novas demandas da

sociedade. Vem buscando, a partir de um novo modelo metodológico, uma nova teoria que sirva de base para

uma educação que contemple as competências e habilidades, necessárias à formação dos futuros profissionais

da sociedade contemporânea.

O Projeto Estratégico Nacional “Certificação Profissional Baseada em Competências”, juntamente com

outras ações da instituição, busca renovações das práticas pedagógicas na educação profissional, integrando-a

com o contínuo movimento do mercado de trabalho.

Diferentes autores, como Perrenoud (1999), Libâneo (2004), Ron (2010), definem competências como

sendo capacidade de mobilizar autonomamente conhecimentos e habilidades diversas, a fim de agir eficazmente

em determinado tipo de situação.

Fica claro, assim, que competência é a capacidade de solucionar, de forma eficaz, situações

imprevisíveis, novas do mundo complexo, através de um movimento de interligação de conhecimentos, já

anteriormente assimilados pelo indivíduo.

É essa capacidade de ação e resolução de situações diversas que o “Projeto Estratégico de Formação

Profissional com base em Competências” (SENAI/DN), da instituição busca desenvolver nos educandos. Essa

condição só é possível com a mobilização de conhecimentos, os quais devem ser assimilados pelos alunos em

situações teóricas e práticas, de modo que sejam capazes de responder à realidade da atividade industrial diária

do mercado de trabalho.

O “Projeto Estratégico Nacional” proposto pela instituição, teve início em 1999 nos departamentos

regionais pilotos. Participaram os departamentos Regionais da Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná,

Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, e posteriormente, expandiu-se para

todo o sistema educacional da instituição.

Na unidade escolar pesquisada, a nova proposta teve inicio com a formação do curso técnico

eletromecânico no ano de 2008, e se encontra em fase de aplicação nos cursos de aprendizagem industrial.

O “Ensino por Competências” busca resolver problemas antigos da Educação, tais como a falta de

interação entre a teoria e a prática, de forma a conduzir o aluno a refletir sobre o contexto do mundo de forma

complexa, já que as situações reais não são fragmentadas, não são isoladas, pois envolvem várias áreas do

conhecimento. O ensino por competências busca, desse modo, criar situações de ensino complexas, flexíveis,

que exijam os mesmos conhecimentos que as situações reais.

3 O educador no século XXI

O professor de século XXI não tem, e nem poderia ter, o mesmo perfil de comportamento daquele do

século passado, uma vez que a educação se manifesta a partir das concepções e necessidades presentes no

momento histórico na qual ela está inserida. Nesse sentido, o educador deve estar afinado com o momento

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histórico no qual esteja inserido e buscar, assim, desempenhar, com eficácia, o seu papel no cenário

educacional.

Como já declarado anteriormente, a prática pedagógica do professor é sempre uma atividade realizada

de acordo com concepções teóricas epistemológicas, mesmo sem que ele tenha consciência delas (WEISZ,

2004). Essa prática pedagógica indica as escolhas políticas e pedagógicas que sustentam o ato educacional do

professor e, mais ainda, a maneira como se dá, cognitivamente, a aprendizagem do aluno.

Sendo assim, é necessário que o professor faça, constantemente, uma autocrítica do seu trabalho, ou

seja, uma permanente reflexão sobre a sua prática pedagógica. Para tanto, tal qual orienta Morin (2000, p.30), é

necessário “manter uma luta crucial contra as ideias”. E, esse movimento, essa mudança de comportamento,

pelo que indica o mesmo autor, só pode ser feito com a ajuda de ideias.

Ao professor cabe, como tarefa fundamental, manter uma insaciável “fome” pelo saber e levar seus

educandos a tê-la também. Essa tarefa vai, muito além de simples transmissor do conhecimento. Esse

compromisso, portanto, consiste em provocar, nos educandos, o mesmo sentimento de dedicados pesquisadores

da vida, de seres que busquem curiosamente ser sábios. E, ao final, como afirma Freire (2006, p.86), “o que

importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.”

Buscando cumprir com o seu verdadeiro papel, o educador necessita, assim, agir como um mediador do

conhecimento, um articulador de situações de aprendizagem, um facilitador entre o aluno e o conhecimento.

Suas ações devem, portanto, promover no educando o desenvolvimento da autonomia, permitindo-lhe “tomar

iniciativas”, ou seja, garantindo-lhe a possibilidade de tomada de decisões.

Para que isso ocorra é de suma importância a articulação dos conteúdos a situações reais do cotidiano do

aluno. É preciso que o educador promova situações de aprendizagens que desenvolvam as Competências

necessárias à vida do individuo.

O conteúdo sem a “ligação” com situações reais leva ao desgaste da curiosidade epistemológica do

educando e promove frustrações com o ensino e a queda em seu desenvolvimento, como alerta Alves (2006,

p.18):

Os métodos clássicos de tortura escolar como a palmatória e a vara já foram abolidos. Mas poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma relação parece ter com sua vida?

Em consonância com essa ideia, Morin(2000), indica que o estudo de situações reais deve ocorrer a

partir de uma visão do global sem fragmentação de conteúdos, ou seja, “o conhecimento das informações ou dos

dados isolados é insuficiente. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram

sentido. (2000, p. 36)

Para que a competência seja desenvolvida, é necessário que ocorra a mobilização de conhecimento de

diversas áreas. Para tanto, é fundamental que, na prática pedagógica do educador, ele realize os conteúdos de

forma que o aluno sinta a necessidade de utilizar-se de conceitos trabalhados com os professores e mobilizá-los,

a fim de chegar a uma conclusão em uma determinada tarefa. Assim, o professor contemporâneo deve sustentar

uma visão de educação que gere o desenvolvimento global. Citando novamente Morin (2010, p. 22): “a

educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente,

estimular o pleno emprego da inteligência geral”.

O conhecimento global se desenvolve pela interdisciplinaridade, com o trabalho de inter-relação do

conteúdo de diferentes disciplinas para, por exemplo, realizar a solução de uma situação problema. Esse

trabalho constitui-se como importante, pois, de acordo com o mesmo autor:

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O todo tem qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes, se estas estiverem isoladas umas das outras, e certas qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restrições provenientes do todo. (MORIN, 2000, p.37)

O conhecimento deve, assim, se estender para resolver, modificar situações do cotidiano em interação

com o real. Nesse mundo de incertezas, determinadas situações exigem criatividade para se poder alcançar a

solução eficaz de problemas.

Ser criativo é exigência desse mundo globalizado no qual o conhecimento se multiplica segundo a

segundo, pois ser inovador depende de criatividade e de espírito empreendedor.

Para Macedo (2009), é justamente esse espírito empreendedor que auxiliará o indivíduo na tomada de

decisões frente a situações inesperadas. O pensamento auto-reflexível, por sua vez, levará o indivíduo a

enfrentar essa multiplicidade de situações complexas, presente no mundo contemporâneo.

O educador, como articulador de situações de aprendizagem, deve conscientizar seus alunos de que eles

são sujeitos da própria aprendizagem, condição que só é realizada com o exercício contínuo da curiosidade

epistemológica, propulsora do agir.

Como defende Freire (2007, p.32): “Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos

põe pacientemente incapazes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos”.

Ser professor atualmente, nesse mundo globalizado é, uma atividade complexa que deve ser entendida

como um despertar de curiosidades e organização de situações de aprendizagem, que encaminhem o aluno a

busca de respostas para sua curiosidade de forma autônoma, constituindo assim o verdadeiro conhecimento.

4 A abordagem metodológica

A fim de conhecer a concepção teórica que o docente utiliza em sua prática pedagógica, essa pesquisa

buscou levantar, por meio de um questionário respondido por cinco professores, situações relacionadas à

epistemologia da prática pedagógica. Para tanto, foram apresentadas questões relacionadas ao processo ensino-

aprendizagem, papel dos docentes no processo educacional, cursos de formação, concepções teóricas sobre

educação e o ensino por competências.

Os participantes foram devidamente instruídos quanto ao objetivo da pesquisa e sobre como aconteceria

à participação de cada um. Por estarem de acordo com os termos em que a pesquisa se realizaria, assinaram um

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Quanto aos nomes dos participantes, foi estabelecido que seriam

omitidos e, assim, seriam identificados por números.

5 Análise de dados

Em função da grande riqueza do material coletado e teor da pesquisa em questão, muitos dos dados

obtidos poderão, ainda, serem analisados em pesquisas futuras. Para este texto, criamos algumas categorias de

análise. Entre elas, buscamos saber se o professor tem clareza sobre a teoria utilizada em sua prática

pedagógica, se ele compreende, epistemologicamente, aspectos do processo ensino-aprendizagem de uma

metodologia voltada ao desenvolvimento de competências e se utiliza de estratégias de ensino capazes de

garantir a eficácia do aprendizado dos discentes.

Os dados coletados foram analisados com base nas linhas de pensamento dos autores citados

anteriormente.

Sobre os sujeitos da pesquisa, todos os docentes possuem formação superior, na área técnica em que

lecionam, sendo que a grande maioria possui complementação na área pedagógica. Esses conhecimentos são

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atualizados constantemente, por mais da metade dos docentes, o que para Libâneo (2004) é um ponto

fundamental, para um profissional que lida com desenvolvimento de saberes e formação humana.

É de suma importância, a constante autoavaliação de conhecimentos didáticos, para a garantia de um

ensino eficaz. A formação continuada de conhecimentos didáticos pedagógicos, segundo Libâneo (2004),

possibilita reflexões e mudanças de Práticas Pedagógicas. Os educadores mencionaram, em sua maioria, que

periodicamente analisam os fundamentos teóricos utilizados nas aulas que ministram, mas não argumentaram,

de forma clara, como isso ocorre e quais medidas costumam tomar a partir dessa análise.

Quando questionados sobre qual corrente pedagógica seus referenciais de prática pedagógica se

fundamentam, os docentes foram unânimes em se declararem como construtivistas, mas, ao responderem, no

que a educação deve ser centrada, parte deles alega que o professor deve ser o centro do processo,

caracterizando a presença de uma prática correspondente à tendência tradicional.

Na concepção sobre o papel do professor no processo educacional, os educadores 2 e 3 consideram que

o docente é o pilar central na transmissão do conhecimento, contradizendo a teoria construtivista de educação.

Já os demais educadores acreditam em um trabalho docente baseado na mediação entre conhecimento e aluno.

Segundo o docente 1, o professor “deve ser um mediador, provocando o questionamento do aluno, em

situações críticas na qual ele se depara, tanto na vida profissional, como na pessoal”.

Considerando as estratégias de aprendizagem, a maior parte dos sujeitos da pesquisa tem como

principal atividade as situações-problemas. Essa estratégia de ensino é essencial para a mobilização de

conhecimentos e, consequentemente, para o desenvolvimento de competências, tal qual evidência Perrenound.

Para esse autor, “visar ao desenvolvimento de competências é ‘quebrar a cabeça’ para criar situações-problemas

que sejam, ao mesmo tempo, mobilizadoras e orientadas para aprendizados específicos”. (1999, p. 60)

A resolução de situações-problemas é a forma mais utilizada pelos docentes para integrar teoria e prática

durante as aulas que ministram. A situação problema é, nesse sentido, uma estratégia de ensino fundamental,

para essa interação entre teoria e prática, uma vez que estimula a curiosidade epistemológica do aluno e,

conseqüentemente desenvolve competências.

Os docentes têm, como segunda estratégia de ensino mais usual em suas práticas pedagógicas, a aula

expositiva que, muitas vezes, é vista como um elemento do ensino tradicional, quando os alunos comportam-se

de maneira passiva durante a aula. Segundo indicou a maior parte dos docentes, os alunos têm a oportunidade

de discutir assuntos relacionados ao conteúdo trabalhado em sala de aula, o que estimula e não inibe a sua

curiosidade epistemológica, necessária para um bom aprendizado.

Essa oportunidade de discussão dos conteúdos durantes as aulas desenvolve capacidades intelectuais e

cognitivas dos alunos, pois os coloca como sujeitos ativos da própria aprendizagem. Assim, a aula expositiva, tal

como aponta Libâneo, quando participativa, pode ser um rico instrumento de aprendizagem, para a construção

de saberes educacionais. Fiquemos atentos às palavras utilizadas por esse autor, ao se pronunciar sobre esse

assunto:

A exposição lógica da matéria continua sendo, pois, um procedimento necessário, desde que o professor consiga mobilizar a atividade interna do aluno de concentrar-se e de pensar, e a combine com outros procedimentos, como o trabalho independente, a conservação e o trabalho em grupo. (1994, p.161)

Uma parte significativa dos docentes menciona que utiliza exercícios de fixação de conteúdos como

segunda estratégia de ensino mais utilizada em sala de aula, sendo a primeira, a aula expositiva. Como os

exercícios servem como forma memorizar os conteúdos “ensinados”, podemos identificar nesses procedimentos,

características do que Paulo Freire (2005, p. 66) considera como sendo uma “educação bancária”.

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Educação bancária, que se deve ao fato dos educandos serem como recipientes vazios, no qual o

professor deposita conhecimentos, proporciona situações para que o aluno o memorize e futuramente saque os

conhecimentos durante um processo de avaliação, um contexto educacional que não busca transformações, nem

desenvolvimento de competências.

No geral, os docentes que vêm trabalhando há mais tempo com a proposta de ensino por competências

explicitaram utilizar, com maior freqüência, atividades didáticas com assuntos mais globais, buscando

contextualizá-los. Citaram o trabalho com pesquisas e projetos, o que mostrou haver busca pela criação de

situações de aprendizagem verdadeiras, o que pode, de fato, gerar competências e habilidades, necessárias à

formação do profissional do século XXI.

As estratégias de ensino utilizadas pelos professores que utilizam há mais tempo a metodologia de

ensino por competências são apontadas como principal ferramenta para realizar a interligação dos conteúdos das

disciplinas do curso. Segundo o docente 3:

A resolução de uma situação problema envolve pesquisa e conhecimentos pré-adquiridos, seja durante a vida profissional ou em disciplinas anteriores. Articular situações problemas cada vez mais complexas envolvem tais conhecimentos, praticando a interdisciplinaridade dos conhecimentos outrora adquiridos.

Todos os docentes indicam ser a sua maior preocupação durante o processo educacional o

desenvolvimento de competências profissionais dos alunos. Porém, não explicitam uma preocupação com o

desenvolvimento global dos educandos, intenção que, naturalmente, por meio do desenvolvimento de situações

problemas deve ser desenvolvida.

Durante suas aulas, os professores declaram que buscam observar as características individuais de cada

aluno e procuram tratá-los de maneira diferente. Assim, a grande maioria dos docentes, indica, pelas respostas

apresentadas nos questionários respondidos por eles, que possibilitam aos alunos inserirem suas ideias na

elaboração do conteúdo a ser trabalhado.

6 Considerações finais

Educar, em seu sentido amplo, significa possibilitar situações de aprendizagem que geram as

competências necessárias a esta complexa vida do século XXI.

Os autores que deram sustentação teórica à pesquisa realizada enfatizam que, para a realização de um

trabalho pedagógico coerente e significativo, é de extrema importância que o professor conheça o que,

teoricamente, orienta a sua prática.

Nesse sentido, como indicam os autores já citados ao longo deste texto, é importante que o professor

conheça como se dá a construção do conhecimento para o aluno. A constante análise do processo de ensino-

aprendizagem auxilia as ações pedagógicas do professor.

O fato de o docente não ter claro para si os elementos epistemológicos que orientam a sua própria

prática pedagógica pode levar o processo educacional ao fracasso, uma vez que suas escolhas tornam-se

obscuras.

Sendo o ato educacional dotado de intencionalidade, que deve ter propósitos de desenvolvimento de

habilidades e competências para a vida, a constante análise e síntese dos fundamentos teóricos epistemológicos

do conhecimento é, portanto, uma das formas de promover a eficácia de todo processo educacional.

Os dados coletados no decorrer da pesquisa realizada mostraram que alguns professores executam,

durante sua prática pedagógica, ações que contradizem a concepção teórica que eles declaram adotar. Isso

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ocorre por desconhecerem, ou conhecerem, superficialmente, os fundamentos epistemológicos da escola

pedagógica que utilizam.

Os dados revelam, ainda, que são utilizadas estratégias didáticas tais como situações-problemas e

discussões de conteúdos com participação dos alunos, atividades que auxiliam o desenvolvimento global do

educando. Ao mesmo tempo, os mesmos professores que utilizam essas práticas declaram que o professor é o

centro de todo o processo educacional.

A contradição entre a prática e a concepção teórica de educação, por parte de alguns dos sujeitos

pesquisados, em nosso entendimento, impossibilita a eficiência do processo educacional, principalmente no

tocante ao desenvolvimento de competências que atendam às necessidades da sociedade atual.

A constante atualização de conhecimentos da maioria dos sujeitos pesquisados indica, porém, a

possibilidade de que possam compreender os fundamentos epistemológicos que utilizam durante a sua prática

pedagógica. Os dados revelam essa condição, já que esses docentes, ao utilizarem uma metodologia de ensino

afinada com a concepção construtivista, podem gerar competências fundamentais ao desenvolvimento integral

do sujeito em processo de formação.

O discurso e a prática coerentes do professor são condições imprescindíveis para uma prática pedagógica

plena, com vistas à formação de sujeitos capazes de mudar, não só a própria vida, mas a sociedade na qual está

inserido.

7 Referências bibliográficas

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Literatura, Política e Darwinismo-Social: Uma Análise Sociológica da Trajetória Contestadora de Raul Pompéia

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Literatura, Política e Darwinismo-Social: Uma Análise Sociológica da Trajetória Contestadora de Raul Pompéia

Fernando de Figueiredo Balieiro

UFSCar - Universidade Federal de São Carlos [email protected]

Resumo

O artigo se propõe a analisar a trajetória de Raul Pompéia no cenário intelectual e político finisecular brasileiro em que os autores correntemente permeavam várias esferas sociais como: a política, o jornalismo e a literatura. Em um contexto no qual as ciências biológicas gozavam de hegemonia para a explicação do social, o diagnóstico de degeneração da nação se difundia demarcando suas relações com as doutrinas racialistas. Em uma incorporação divergente, Pompéia trazia o repertório darwinista-social associando degeneração e crítica ao Segundo Império em decadência. Associado a grupos abolicionistas radicais, o autor de O Ateneu afasta-se de leituras racistas predominantes nos modos de se pensar a nação. Busca-se compreender como essas questões perpassam o pensamento político e as obras literárias de Pompéia. Palavras-chave: Raul Pompéia – Degeneração – Segundo Império – Abolicionismo

Em Raul Pompéia, havia effetivamente -, e quantos o conhecerão poderão bem, dar testemunho disto -, uma vibratilidade nervosa excessiva, superaguda, quase mórbida. A sua retina intellectual era de uma impressionabilidade exaggerada, e para os pontos affectados desta visão em que se retratarão as cousas e factos, prodigosamente augmentados, elle se concentrava inteiramente, deixando-se absorver, aniquilar por completo

Era dia 26 de dezembro de 1895 quando esta descrição de Raul Pompéia ocupava a primeira página do

renomado Jornal do Commercio, um dia após seu suicídio. Interpretação que reaparece em muitas outras

reconstituições de sua personalidade por seus contemporâneos ou biógrafos do século seguinte. Amparadas por

um modelo paradigmático da psiquiatria do século XIX, as mesmas descrições continuaram aceitas com suaves

mudanças durante as narrativas biográficas do século XX. Fazia-se dentro de uma episteme naturalista que

subordinava o modelo de compreensão de comportamentos aceitáveis e desviantes de uma norma socialmente

presumida a partir da oposição interdependente entre normalidade/patologia1.

Raul Pompéia aparece como uma criatura estranha; desde suas características físicas como portador de

um estrabismo exagerado, passando pelo seu comportamento sui generis de um recatamento exaustivo – não

tendo se relacionado amorosamente com nenhuma mulher –, até seu nervosismo extremo, sua sensibilidade

aguçada que muitas vezes consiste na explicação de seu radicalismo político, seu nacionalismo exaltado e seu

florianismo convicto. Para além dessa interpretação biologizante corrente, constatamos que Raul Pompéia

representava uma figura pública no fim de século brasileiro, por isso muita atenção foi direcionada a ele em

páginas de jornal, seja em polêmicas políticas, seja em insinuações vexaminosas de sua vida íntima.

Reconhecido hoje como um autor canônico da literatura brasileira, sua notoriedade se estende para além da

esfera das letras nacionais. Além de romancista, era novelista, um cronista de primeira mão, um intelectual

engajado, escultor e desenhista.

Ao adentrarmos na prosa de Pompéia, logo percebemos que sua compreensão se enriquece quando a

associamos à sua trajetória social. Não se trata de enfatizar traços puramente biográficos, mas em uma

perspectiva sociológica, relacioná-los com o contexto social em que estava inserido, objetivá-lo, atentando para

1 Antes que um dado natural e evidente, a presunção da normalidade ou patologia é resultado de discursos e práticas sociais. Entendidas como categorias que só existem em relação de oposição entre uma e outra, são fruto de um processo histórico de consolidação de uma sociedade burguesa. Estão vinculadas a formas de regulação dentro deste binário sustentadas pela legitimidade do saber médico que as naturaliza através da pressuposição de que se trata de um saber neutro e científico. Ver Miskolci, 2003a.

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os riscos das interpretações pautadas nas análises que colocam o foco no sujeito, negligenciando os

condicionamentos sociais. Afirma o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2005):

Tentar compreender uma carreira ou uma vida como uma série única e em si suficiente de acontecimentos sucessivos sem outro elo que não a associação a um ‘sujeito’ cuja constância não pode ser mais que a de um nome próprio socialmente reconhecido é quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações (p. 292).

O cenário das letras brasileiras do final do século XIX não apresentava autonomia, escritores dedicavam-

se, em muitos casos, não apenas à literatura, mas a outras profissões, especialmente à médica ou à jurídica,

bem como, participavam exaustivamente da vida política, como é o caso de Pompéia. Consideramos que uma

análise feita a partir do conceito de campo de Pierre Bourdieu se revela deslocada no tempo e no espaço no

contexto brasileiro da época. Consideramos que trazer o aparato conceitual de Bourdieu para o Brasil

oitocentista significa ir de encontro à sua própria metodologia que preza a aliança entre construção teórica e

defrontação constante com objetos empíricos2.

De qualquer forma, o ponto de partida bourdieusiano continua pertinente aos nossos objetivos no sentido

de buscar compreender o “espaço de forças estruturado que molda a capacidade de ação e de decisão de quem

dele participa” (MARTINS, 2004, p. 64) articulado com a trajetória social, ou as disposições, dos envolvidos.

Portanto, partir-se-á da trajetória de Pompéia em relação aos limites do espaço social; é com relação a este “que

se determinam em cada momento o sentido e o valor social dos acontecimentos biográficos...” (BOURDIEU,

2005, p. 292).

1 A inserção de Pompéia no contexto sócio-político do fim de século

A segunda metade do século XIX foi marcada por transformações consideráveis da sociedade brasileira.

A urbanização se consolidou nos grandes centros desde a vinda da Corte de Portugal para o Brasil em 1808, a

abertura dos portos e consequente integração do Brasil nas correntes internacionais de comércio. Acentuou-se

em 1822, com a Independência. Percebe-se o aumento de funções burocráticas e políticas nas capitais das

províncias, além da fundação de algumas faculdades (em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo) visando criar uma

elite capaz de governar. Junte-se a isto a expansão da lavoura cafeeira monocultora, que em contraste com o

latifúndio autosuficiente da colônia era um importante estímulo ao comércio interno. Constata-se também a

instalação de ampla rede ferroviária e aparecimento de primeiras indústrias. Nota-se o enfraquecimento das

bases econômicas do escravismo, especialmente depois da proibição do tráfico em 1850. Enquanto o trabalho

livre tornou-se mais viável e lucrativo em certas áreas, como no modernizado oeste paulista, verifica-se com o

aprofundamento da complexificação social brasileira, um aumento de populações urbanas que não dependiam

economicamente de forma direta do trabalho escravo.

Enquanto o regime de trabalho mostrava iminentes sinais de esgotamento, o sistema político se

encontrava descompassado com as transformações da sociedade. Setores que então se tornavam importantes,

social e economicamente, tinham pouca representação no parlamento. Isso deu margem a desigualdades na

representação política da nova elite em formação: “as novas elites urbanas não se sentiam suficientemente

representadas e os fazendeiros das áreas cafeeiras mais novas, que produziam boa parte da riqueza do país

sentiam-se peados pelas estruturas políticas do Império.” (COSTA, E., 1999, p. 15)

2 Reconhecemos a contribuição teórico-metodológica da obra do sociólogo francês, mas compreendemos que pensar em um campo literário exigiria problematizar a forma como este desenvolveu sua teoria em Regras da Arte, ou seja, inextricavelmente ligada com o processo de autonomização do campo artístico-intelectual na França de Gustave Flaubert. Objetivar um artista a partir deste conceito significa concebê-lo dentro de um microcosmo social autonomizado, não sendo isolado das outras esferas da sociedade, mas que refrata suas influências através de suas regras específicas desenvolvidas historicamente.

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Na década de 1870, o controle dos recursos políticos estava nas mãos do Partido Conservador

(representante dos estamentos senhoriais de Pernambuco e Bahia, além de cafeicultores do Vale do Paraíba).

Não obstante, nessa mesma década de gabinetes conservadores, assistiu-se às reformas de Visconde do Rio

Branco, caracterizadas por um viés liberal e modernizador, temendo o desmoronamento da ordem imperial.

Porém, estas reformas sofreram restrições no parlamento e foram freadas nos ministérios seguintes. Segundo

Angela Alonso:

a percepção da necessidade de reformas essenciais na organização da economia e do sistema político e o temor de abalar as instituições e a ordem social abriram para uma crise que desestabilizou o precário equilíbrio entre as facções da elite imperial e enfraqueceu o regime monárquico (ALONSO, 2002, p. 42).

Frente à hegemonia conservadora no executivo e legislativo, formam-se, juntamente com o Partido

Republicano, novos grupos, marginalizados politicamente, que desenvolvem formas de mobilização até então

inéditas, abalando profundamente as formas de fazer política do Segundo Império, restritas à discussão

cavalheiresca nas câmaras da Corte. Recorrem a estratégias de mobilização fora das instituições políticas,

organizando comícios, passeatas, intervenções públicas, além de intensa publicação de livros de doutrinas e

participação ativa na imprensa independente. Tais grupos seriam posteriormente denominados de Geração 1870.

Tinham em comum a crítica às instituições, valores e práticas fundamentais do regime imperial, que os

marginalizava e que apresentava sinais de esgotamento. Nesse sentido, incorpora-se certo repertório intelectual

estrangeiro (Positivismo, Evolucionismo, etc.) que permitiu a elaboração de respostas aos dilemas estruturais do

país (especialmente sobre o regime de trabalho e representação política), para que exprimissem seus anseios

políticos. Portanto, suas construções teóricas funcionavam como armas de combate, recursos de legitimação de

suas reivindicações por reformas (ALONSO, 2002).

No entanto, há que se ressaltar que esses grupos eram fundamentalmente contestadores e reformistas:

optavam por mudanças negociadas e paulatinas, exorcizavam as soluções revolucionárias (as teorias da

revolução, disponíveis em fins do século XIX, não são incorporadas pelo movimento). Defendiam a constituição

de uma intelligentsia para comandar as mudanças.

Podemos afirmar que a Geração 1870 era marcada por duas características centrais: renovação filosófica

e cultural e crítica ao status quo saquarema e suas principais instituições (o escravismo e a monarquia)3. Esses

dois elementos devem ser entendidos como imbricados na medida em que nos detemos na abrangência do

cenário intelectual oitocentista brasileiro, marcado pela não separação delimitada entre campo literário, político e

intelectual. Nas palavras de Alonso, “eram os mesmos grupos que davam a espinha dorsal da movimentação

política e da agitação intelectual: comícios abolicionistas e/ou republicanos, concursos literários, grupo de

estudos, saraus e efemérides literárias, banquetes e passeatas.” (ALONSO, 2002, p. 283) Reinterpreta-se a

tradição cultural nacional, deslegitima-se o nacionalismo indianista (representação luso-tupi é substituída por

uma tríade na qual entra o africano), criam-se novos símbolos e heróis nacionais.

Pompéia, nascido em 1863, oriundo de família da elite fluminense4, teve sua juventude marcada por tal

período efervescente e desde cedo adentrou na defesa da abolição da escravatura e da república. Seu primeiro

artigo abolicionista remete aos tempos de aluno do Colégio Pedro II, juntamente com suas primeiras leituras de

Darwin e Spencer, referências fundamentais no debate intelectual da época. Seu engajamento efetivo se deu em

3 Sobre a geração, consulte: Ventura (1991), Schwarcz (2001), Miskolci (2006) e Alonso (2000). 4 Nascido em 12 de abril de 1863 em Angra dos Reis, morou em casa-grande na fazenda de seu pai: Antônio Pompéia, juiz da comarca daquela região. Viveu por lá com sua mãe, Mathilde Umbelina de Castro Pompéia, e irmãos até a família mudar para a Corte, onde teve contato com os melhores colégios do país como o Colégio Abílio da Corte e o Colégio Pedro II.

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sua formação na Faculdade de Direito em São Paulo, em especial pelo ambiente social que ela proporcionava

(ALONSO, 2002, p. 121- 122).

Sua estada em São Paulo é marcada pela participação em pequenos jornais abolicionistas, através dos

quais rivalizava com republicanos escravocratas e também pela publicação da novela As Jóias da Coroa (1882),

uma paródia sobre a vida de Pedro II e seus próximos na Corte. Em seu enredo, nota-se a proximidade do

nome das personagens com figuras representativas do Império, tal como a personagem conde d’Etu

referenciando-se a conde d’Eu, bem como o Palácio de Santo Cristo representando o Palácio de São Cristóvão.

O futuro autor de O Ateneu se envolvia profundamente na causa abolicionista. Pode-se dizer que sua

vida em São Paulo foi marcada pelo mau desempenho escolar e participação intensa na propaganda abolicionista

(SCHMIDT, 1963). Funda o jornal Ça-Ira com Alcides Lima, Ernesto Correia, Macedo Soares e Brasil Silvado.

Neste folhetim, legitimam o homicídio do proprietário pelo escravo. Em artigo escrito em 1882 no folhetim O

Novo Distrito, intitulado Srs. Escravocratas, o escritor dizia enfaticamente: “todo homem escravizado tem o

direito do punhal”; “a idéia da insurreição indica que a natureza humana ainda vive” (p. 61).

Luís Gama5 é uma das influências mais importantes do abolicionismo de Pompéia. Sobre o qual, escreveu

vários artigos em jornais em diversas épocas de sua vida. Ainda em São Paulo publicou uma novela inacabada

com o nome de A Mão de Luís Gama. No Jornal do Commercio de 25 de agosto de 1883 noticia-se a Grande

Procissão Cívica ao túmulo de Luís Gama no dia seguinte. Na organização consta Raul Pompéia, Antonio Bento,

João Fernandes da Silva, Abílio Soares, representantes da comissão executiva do centro abolicionista.

Antonio Bento é considerado por Pompéia o seguidor de Luís Gama na causa abolicionista e assim,

elogiado em crônica pelo escritor que o conheceu e com o qual manteve relações. Segundo Lilia Moritz Schwarcz

(2001), após a morte do advogado combativo, Antonio Bento se tornou o principal “ativista” contra a escravidão.

A autora, analisando jornais paulistas do final do século XIX, chama a atenção para um jornal bastante diverso

dos outros: A Redempção, liderado por Antonio Bento e enfaticamente abolicionista. Mais do que isto:

tratava-se de um jornal ligado ao grupo dos caifazes, que praticavam o que na época era denominado como ‘abolicionismo ilegal’, já que seus membros não se apoiavam só nos ‘benefícios da lei’, mas antes buscavam, através de formas mais diretas, como incitamento à fuga, chegar à libertação total de grupos de escravos (SCHWARCZ, 2001, p. 86).

Antônio Bento atuava organizando fugas e sistema de proteção a escravos evadidos. A proximidade de

Pompéia desse grupo nos faz perceber que seu engajamento abolicionista não se deu a partir de um

posicionamento receoso que defendesse a abolição como um processo paulatino e que preservasse uma

distância entre uma intelligentsia e o povo a ser comandado, mas através da defesa de sua solução imediata e

admiração deste contato direto com os escravos. Há quem afirme que Pompéia participou diretamente do auxílio

às fugas dos escravos. É patente sua simpatia em artigo de 27 de agosto de 1888, intitulado Antônio Bento:

Houve infinitos esforços de todas as estratégias, de todos os terrenos, de todas as categorias. A luta de Antônio Bento em São Paulo é a mais interessante. O seu sistema era a emboscada, o segredo, o repente da aparição, a espantosa audácia, o atrevimento burlesco às vezes, que aterrava e fazia rir. E conseguiu, segundo a lição de Luís Gama, estender por toda a província o aparelho nervoso de seus expedientes (POMPÉIA, 1982, p. 263).

Perseguido politicamente juntamente com outros estudantes engajados é reprovado em disciplina, então

se transfere para a Faculdade de Recife para terminar seus estudos. Nas palavras de Afranio Coutinho:

5 Luís Gama foi uma das figuras abolicionistas eminentes do cenário paulista. Baiano de nascimento, filho de uma negra livre, foi vendido como escravo por seu pai de origem portuguesa. Alfabetizou-se e conseguiu sua alforria. Estudioso, tornou-se rábula, advogado não formado, o que naquela época era permitido. Era conhecido pelo seu posicionamento radical para o período.

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reprovado no terceiro ano (1883) por perseguição de um professor, segue com 93 acadêmicos para Recife, a fim de concluir o curso jurídico, e aí encontra o ambiente intelectual sob a influência de Tobias Barreto, que não parece ter causado grande impressão em Pompéia, já com o espírito formado pela escola francesa (1981 , p. 14).

A escola de Recife é marcada a partir da década de 1870 pela construção de uma nova concepção de

direito: aliada à biologia evolutiva, às ciências naturais e a uma antropologia física e determinista. A partir deste

período, contesta a teoria do direito natural, a qual é baseada em ordem social rígida e imutável e introduz um

discurso secular e temporal baseado nos modelos evolucionistas e social-darwinistas. Os integrantes dessa

escola, dos quais se destacam Tobias Barreto e Silvio Romero, consideravam-se representantes da vanguarda

científica do país. Percebe-se a elaboração de estudos que vêem na raça um elemento fundamental de análise

(SCHWARCZ, 1993, p.156) e a teorização da nacionalidade brasileira a partir da mestiçagem.

No Recife, Pompéia escreve Alma Morta e Canções sem Metro, obras influenciadas pelo ideário

darwinista-social da Faculdade. Porém, seu pensamento expresso em obras literárias, crônicas e especialmente

posicionamentos políticos, durante toda a sua vida, parecem tender às influências de seu grupo abolicionista de

São Paulo, como atesta Coutinho dentre outros biógrafos. Seu período em Pernambuco foi marcado por um surto

de febre amarela, do qual muitos de seus colegas morrem. A morte, após febre da personagem Franco em O

Ateneu é considerada como uma referência a este período de sua vida. Rodrigo Otávio (1978), seu companheiro

de moradia, conta que deixaram a Rua do Livramento para ir morar em Caxangá. Longe da vida acadêmica,

ressalta que suas leituras, não eram os “compêndios da escola e os volumes em voga”, mas o “engenho e

pensamento universais” (p. 195).

Formado em Direito, passando pelas duas instituições de formação na área jurídica do Brasil, Pompéia se

estabelece no Rio de Janeiro para se consolidar progressivamente como um cronista de renome. Contribui para

os jornais Gazeta da Tarde, Jornal do Commmercio, Diário de Minas e posteriormente até O Estado de São Paulo.

Junto com esta atividade, Pompéia é nomeado secretário da Escola de Belas Artes e posteriormente diretor da

Biblioteca Nacional. Nesse período, publica seu romance de maior repercussão até os dias de hoje no jornal

Gazeta de Notícias: O Ateneu (1888). Toda a contribuição do escritor, tanto em suas narrativas ficcionais como

em seus textos políticos, está envolvida nos parâmetros da discussão da época, marcadamente influenciada pelo

paradigma das ciências biológicas.

2 O Darwinismo-social à brasileira

Segundo Dain Borges, a intelectualidade da época compartilhava um diagnóstico de degeneração sobre

nosso país, o qual era muito difundido na literatura naturalista contemporânea de Raul Pompéia. Em princípio,

as ideias de degeneração foram absorvidas e espalhadas pela medicina do período que, por sua vez, se

relacionava diretamente com a produção ficcional: “A educação médica era tanto literária e retórica quanto

prática e a escrita médica frequentemente emprestava imagens da literatura romântica e naturalista, assim

como estas tomavam emprestado imagens da medicina” (BORGES, 2005, p. 49).

Esse diagnóstico tem sua origem na segunda metade do século XIX, quando se observa a difusão de um

ideário darwinista-social. Nesse referencial, fenômenos, comportamentos e processos sociais são compreendidos

a partir de um paradigma naturalista, segundo o qual a base explicativa da sociedade ancora-se na composição

biopsicológica dos indivíduos ou raças. Esta perspectiva “biologizante” se ancora em alguns pressupostos

explicativos: a ideia de “luta pela existência” frente a recursos limitados e a crença na hereditariedade de traços

físicos e comportamentais como essencial a essa competição que resultaria na “sobrevivência dos mais aptos”. O

discurso darwinista-social serviu para justificar desigualdades sociais dentro da Europa bem como sustentou

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práticas imperialistas. Não menos importante, criou enquanto abjetos os sujeitos sociais que não se adequassem

à norma burguesa: alcoólatras, prostitutas, sifilíticos, homossexuais, etc..

Nas palavras de Miskolci (2005), os teóricos darwinistas-sociais “foram os principais responsáveis pela

naturalização do que foi social e historicamente criado e por criar uma classificação que unificava todos os tipos

de desvio sob um termo tão genérico quanto assustador: degeneração” (p. 17). Trata-se de um conceito chave,

“um rótulo que carregava consigo o fardo de uma condição congênita, portanto sem a menor possibilidade de

cura e diante da qual nenhum esforço humano valeria a pena” (p. 18). O degenerado era tematizado de forma

exaustiva em sua diversidade de tipos, pois apresentava um risco à coletividade.

Essa corrente de pensamento foi responsável pelo desenvolvimento do lado sombrio daquilo que Foucault

(1999) denominou de biopoder. O filósofo francês atenta para transformações no poder político na consolidação

de uma sociedade moderna. Antes, a sociedade ocidental era marcada pelo predomínio de um poder soberano,

baseado no direito do governante de matar, especialmente quando o domínio de seu poder era ameaçado. Já

nas sociedades modernas, efetiva-se uma estatização do controle da espécie humana (biopoder). O que importa

agora é cuidar da vida, regulamentar um desenvolvimento saudável do corpo populacional que crescia em níveis

consideráveis. Desenvolve-se certo tipo de racismo de Estado, que tende a controlar e eliminar aquilo que

representa um risco de corromper a população. Concebe-se uma nova configuração da manifestação do poder

que tem em vista a administração salutar da coletividade. Nesse contexto, o degenerado era alguém que deveria

ser privado da convivência com indivíduos “normais”, ao mesmo tempo em que responsabilizado pelo

diagnóstico de “queda” de uma perfeição humana original.

A crença na degeneração tem uma longa história e pode ser caracterizada, segundo Borges, como “um

termo ‘guarda-chuva’, inclusivo, muito usado” (p. 44). Em outros termos, o uso da palavra degeneração se

expandiu menos pautado por um rigor conceitual do que por uma difusão acrítica. Em geral, ela carregava o

“sentimento de que o passado foi melhor, de que o presente era declinante ou decaindo de um tipo mais

perfeito, de que havia acontecido uma perda de status, de lugar, ou de energias distintivas” (BORGES, 2005, p.

44). Seu uso remonta ao século XVIII, com Buffon, mas se tornou progressivamente mais popular a partir de

meados do século XIX, com Gobineau, o qual “definia a degeneração como o processo histórico inevitável no

qual raças conquistadoras puras através da mistura com raças inferiores puras perdem suas qualidades especiais

e energia” (BORGES, 2005, p. 45); e Bénédict-Augostin Morel que tratou a degeneração como uma síndrome do

declínio psiquiátrico que se desenvolveria hereditariamente. No fin-de-siècle, degeneração era um conceito

consolidado e figurava como central em obras celebradas como as de Max Nordau (Degeneration, 1892) e

Gustave Le Bon (A Multidão, 1895).

Pompéia era, como seus contemporâneos, leitor assíduo de teóricos darwinistas-sociais cuja influência é

perceptível no conteúdo de Canções sem metro, Alma Morta e mesmo em O Ateneu. Se o termo degeneração

não aparece freqüentemente nos escritos de Pompéia, seu sentido é perceptível no desenrolar de sua obra, como

será tratado em tópicos posteriores. Não obstante, seu uso diferiu da forma como aparecia em alguns

posicionamentos de proeminentes intelectuais engajados e na produção literária, nas quais ela se encontrava

imbricada com a questão racial.

4 Degeneração e raça: o engajamento político divergente de Pompéia

As leituras darwinista-sociais foram incorporadas pelos teóricos brasileiros do final do século, com

ênfases diversas das do contexto original. Enquanto no Velho Continente o foco eram os desviantes da sociedade

burguesa, em nossa sociedade, marcada historicamente pela escravidão, o centro do debate era a questão

racial. Considera-se que a ideia de “raça” representou uma reorientação intelectual em reação ao Iluminismo na

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medida em que subordina o arbítrio do indivíduo a seu pertencimento a determinado grupo compreendidos em

termos biológicos. São três proposições básicas que se materializariam: o postulado da distância entre as raças

humanas similarmente ao que distingue o cavalo do asno (o que condenaria o cruzamento racial); a continuidade

entre caracteres físicos e morais; e a preponderância do grupo “racio-cultural” no comportamento do sujeito

(SCHWARCZ, 1993).

O “racismo científico” serviu como justificativa para o empreendimento imperialista europeu, mas em

nosso contexto ela se transformou em categoria central para a discussão da nacionalidade. A construção da

nação, uma comunidade imaginada que, nos termos de Benedict Anderson (1991), se baseia na construção de

uma “agremiação horizontal e profunda”, esbarrava nas teorias raciais deterministas que interpretavam o Brasil

como um exemplo de nação degenerada de raças mistas. A incorporação de todo um arcabouço racialista foi

levado a cabo pela geração de 1870 justamente em um momento em que a abolição da escravatura e o declínio

da ordem imperial se faziam evidentes. Se antes a nacionalidade era narrada nos termos do indianismo

romântico, agora o elemento negro entrava em cena.

A geração contestadora estava interessada na construção de uma nação em moldes diversos dos

existentes na ordem imperial. A nação seria fundamentada nos parâmetros da ciência, através da incorporação

seletiva das teorias darwinistas européias. O Brasil era visto sob a ótica dos europeus como um “espetáculo das

raças”, um país eminentemente degenerado por sua miscigenação. Os teóricos brasileiros, do mesmo modo,

elegeram a raça como uma categoria-chave para interpretação de nosso “povo”, caracterizado então como

resultado da fusão de três raças (brancos, índios e negros). Não obstante, tenderam a negligenciar aspectos de

tal teoria que demarcavam a inviabilidade do país enquanto nação. Ao contrário disto, ganhavam terreno

perspectivas que apontavam para sua evolução através de um processo de branqueamento via miscigenação.

A incorporação dessas teorias é feita tardiamente, no momento em que já perdiam crédito no contexto

de origem. Antes que uma cópia malfeita de teorias degenerativas da Europa, o que se verifica é uma

apropriação política daquelas doutrinas que davam legitimidade a estrutura de desigualdade social no momento

oportuno da abolição (ORTIZ, 1985, p. 30). Portanto, esta geração combativa se define por um lado por sua

postura abolicionista, mas por outro, pela sustentação científica de compreensões que embasavam uma

sociedade racista e moralmente conservadora.

Podemos citar dois teóricos racialistas do período que apontavam para caminhos opostos em suas

leituras darwinistas: Nina Rodrigues e Silvio Romero. O primeiro, médico baiano, formado na Faculdade de

Medicina da Bahia. Schwarcz (1993) atenta para os modelos social-darwinistas dessa faculdade, sendo que em

sua revista periódica, a Gazeta Médica da Bahia, a raça era tema fundamental para considerações e diagnósticos

sobre os destinos da nação. Nas palavras da autora: “esses cientistas farão uma leitura original da realidade

nacional ao apontar o cruzamento como nosso maior mal, ao condenar a hibridização das raças e sua

consequente degeneração” (SCHWARCZ, 1993, p. 208). Nesse contexto, Nina Rodrigues, abolicionista, postula a

inferioridade inata do negro e do mestiço. E, sendo assim, aponta para a ameaça da negritude em seu risco de

barrar a evolução nacional. Neste sentido, defende a impossibilidade de um código legal que abrangesse a

totalidade da população do Brasil, propondo dois códigos distintos a partir de critérios raciais.

Silvio Romero, proeminente pensador da Geração 1870, formou-se na Faculdade de Direito de Recife,

marcada desde a entrada de Tobias Barreto pela introdução de modelos evolucionistas e social-darwinistas, pela

superação de uma concepção metafísica de direito por outra secular e histórica. A leitura sui generis de Silvio

Romero foi para rumo diferente da interpretação do médico baiano. Romero, preocupado com a consolidação de

uma homogeneidade nacional, via na mestiçagem planejada um direcionamento para o branqueamento de nossa

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 30

população. Sua abordagem fazia eco a muitos outros posicionamentos políticos da época ao defender a

importância da imigração européia.

Nesse ponto, salientamos que se Pompéia tem uma trajetória comum, compartilhada com muitos desses

membros da geração 1870 e dos que a seguiram, ele se distingue por sua trajetória específica que resultou em

posicionamentos diversos dos aqui tratados. Em relação à imigração, Pompéia se posiciona sustentando-se no

argumento de Romero: “o problema gravíssimo da imigração” é apontado como tendo duas conseqüências pelo

contestador pernambucano. Uma positiva demais, no Sul, de “encher a torto e a direito as províncias meridionais

de estrangeiros” (ROMERO apud POMPÉIA, 1983b, p. 121) cujo resultado seria a separação, a independência

desta região. Uma negativa em excesso, e diz respeito a todo o norte do país, “do Espírito Santo para cima”

(ROMERO apud POMPÉIA, 1983b, p. 121). “Espíritos tacanhos e míopes, atufados nos fáceis interesses que os

cercam no Sul, espalharam por toda a parte o descrédito do bom clima do Norte e sua mortalidade para o

europeu” (ROMERO apud POMPÉIA, 1983b, p. 121), produzindo o depauperamento das populações nortistas e a

decadência daquela região.

O autor de O Ateneu utiliza-se da reflexão de Romero, mas seu foco não é a questão da homogeneidade

nacional e do branqueamento, mas o que chama de “dissolução de uma nacionalidade”. Dentro de um

pensamento marcadamente nacionalista, o cronista expressa uma preocupação bem cara às instabilidades do

início da Primeira República, mas direcionado aos estrangeiros que poderiam ameaçar a unidade nacional. Menos

do que uma apreensão com a miscigenação, Pompéia volta-se contra os europeus: “o regímen das vastas

aucleações segundo a nacionalidade dos emigrantes e os núcleos assim constituídos com diferença de raça e de

caráter entre os respectivos tenderão fatalmente a isolar-se como pequenas nações independentes” (1983b, p.

122). Defende então uma política de imigração bem conduzida, em um “sistema patrioticamente adotado”, em

direção oposta ao seguido, entendido como uma arriscada e “rendosa exploração às cegas de um contrato de

introdução de mil famílias, venha elas de onde vierem, vão para onde forem e como forem...” (1983b, p. 122).

Seu ponto de vista fica mais claro nas crônicas seguintes, nas quais Pompéia se posiciona contrariamente

à imigração italiana subvencionada e em massa, em direção oposta às ideias de Romero:

essa gente que nos chega a povoar o Brasil, e que não tem ensejo nem interesse em ser brasileira – são verdadeiramente colunas cerradas de soldados, sem armas, mas preparados, talvez sem pensar nisso, para se armar um dia em luta que não há de ser por nós (p. 219).

Em crônica de 25 de julho de 1892, Pompéia defende, contrariamente a imigração europeia, a

valorização do trabalho do negro brasileiro: “Da parte do agricultor, deve haver empenho em buscar a

colaboração desses homens de espáduas fortes e coração benigno” (1983b, p. 229). Nas palavras do autor,

“precisamos volver os olhos para o negro – o negro generoso e forte, que os declamadores da invasão injuriam e

desdenham” (POMPÉIA, 1983b, p. 229).

Nos escritos do cronista, a categoria raça não é refutada, mas seus posicionamentos não são articulados

a partir dela; especialmente após a proclamação da República, sua reflexão gira em torno da construção de uma

coesão nacional não norteada pelo esquema de pensamento determinista racial em voga. O que se destaca é

sua preocupação com a unidade nacional, alinhando-se com a política de Floriano Peixoto contra pretensões

separatistas que para ele estavam relacionadas aos interesses estrangeiros. Em O Clamor Maligno, discorre

sobre a importância política do “marechal de ferro”, contra a oposição que “contava com todos os auxílios

internacionais” (POMPÉIA apud OCTAVIO, 1978, p. 223).

A maior importância central de sua formação em São Paulo, em relação a sua estada em Recife, foi

destacada por diversos biógrafos. Schwarcz (1993) analisa sua especificidade em relação a outros centros de

formação de conhecimento. O conteúdo veiculado na revista oficial da Faculdade demonstra que aquele contexto

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apresenta uma influência direta do evolucionismo, mas uma assimilação com cautela do determinismo racial e

uma aposta no liberalismo político (SCHWARCZ, 1993, p. 180). A presença do conteúdo darwinista-social nos

romances de Pompéia é notável: a “luta pela existência” presente nas reflexões internas às cartas do enredo de

Alma Morta, os discursos do Dr. Cláudio em O Ateneu são alguns exemplos. O que importa é salientar sua

diferença dos romances naturalistas que em muitos casos associavam a degeneração com a categoria raça. A

incorporação deste repertório intelectual é visível em O Ateneu, em outro registro: encontra-se imbricando

degeneração e crítica às instituições imperiais.

5 O Ateneu e o Segundo Império

Aparentemente, a obra-prima do escritor não toca na questão da “degenerada ordem imperial”, focando

relações que se estabelecem dentro do microcosmo de um internato. A narrativa de O Ateneu desenrola-se a

partir da vivência de Sérgio no internato da “fina flor da mocidade brasileira” dirigido pelo pedagogo de

importantes contribuições à educação brasileira: Aristarco Argolo de Ramos. Sobre sua estadia nesse

educandário, o narrador retoma cronologicamente suas experiências e sentimentos: a relação conflituosa com os

colegas, a disciplina opressiva do diretor e dos bedéis, o interesse pelos diversos ramos do conhecimento, os

seus envolvimentos amorosos e os demais momentos de solidão e interação com os colegas; até a destruição

em chamas do internato premeditada por Américo, o furioso colega recém-matriculado.

Com um olhar mais atento, percebemos a descrição do ambiente e das personagens como algo

corruptor, perverso, imoral, ao mesmo tempo em que se tece relações entre aquele ambiente e o Segundo

Império. Mário de Andrade atenta para a descrição das personagens: “desde a caricatura imortal do Aristarco,

professores, colegas e criados, Raul Pompéia os desenha com malvadez, grotescos, invejosos, insensíveis,

perversos ou brutais” (1974, p. 174).

A caracterização do diretor do internato nos oferece um ponto de partida para a compreensão de como o

romance referencia-se a um contexto mais amplo. Aristarco é definido pelo narrador a partir de sua vivacidade e

ubiquidade no exercício da autoridade no educandário. Ao invés dos castigos físicos, um controle exaustivo que

marca com o medo a vivência dos alunos em seu instituto. Uma personagem singular que visa ao controle moral

dos internos e, assim, uma transformação moral da sociedade. A experiência pedagógica no internato é vivida

como um ambiente de terror.

Se parássemos a caracterização nestes pontos, poderíamos concordar com a visão do autor de

Macunaíma, segundo o qual O Ateneu é uma obra crítica de uma certa “dieta educacional”. No entanto,

atentamos para outros aspectos que vinculam a caricatura despótica de Aristarco com representações e símbolos

da monarquia e, ao mesmo tempo, ridicularizam a autoridade deste, demonstrando sua outra face: sua vaidade

e narcisismo. Em outros termos, a figura poderosa de Aristarco é constantemente desacreditada em passagens

que o vinculam às instituições imperiais de forma cômica.

A associação se torna mais evidente na solenidade da distribuição bienal dos prêmios, na qual Aristarco

ganha um busto que é coroado. A festividade acaba com a figura carregada simbolicamente da coroa no

busto de Aristarco e seu patético ciúme dirigido a sua própria homenagem: “Mas acabou de falar o professor,

viu-se Aristarco levantar-se, atravessar freneticamente o espaço atapetado, arrancar a coroa de louros ao busto.

Louvaram todos a magnanimidade da modéstia” (p. 87). Não é exagero afirmar que todo o sarcasmo presente

na construção da personagem Aristarco, figura associada à onipotência e sempre vinculada a representações da

monarquia, representa uma crítica do escritor contestador que traz em sua trajetória o abolicionismo e

republicanismo.

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Há ainda quem afirme que todo o ambiente de terror expresso na experiência pedagógica do internato e

protagonizado pela caricatura onipotente de Aristarco represente na verdade a opressiva realidade do regime

comandado por Pedro II. Bosi afirma que “o romance é também um exercício de interpretação histórica, na

medida em que mostra como a violência compacta da escola é tecida com os mesmos fios que sustêm a trama

social do Segundo Império” (1988, p. 46). Silviano Santiago (2000) interpreta O Ateneu como uma metáfora do

Segundo Reinado e vincula a personagem Aristarco ao imperador.

Sob tal prisma, podemos voltar ao incêndio do internato e interpretá-lo não apenas como uma crítica a

uma “dieta educacional”, mas como uma representação do desmoronamento da ordem imperial rumo à

República. O aluno Américo parece representar todo um novo contexto de contestação republicana que marcou a

década de 1880: “Mostrou-se contrariado desde o primeiro dia. Aristarco tentou abrandá-lo; impossível: cada

vez mais enfezado. Não falava a ninguém. Era já crescido e parecia de robustez não comum. Olhavam todos

para ele como uma fera respeitável” (p. 92).

A Gazeta de Notícias interrompeu a publicação de O Ateneu em 14 de maio de 1888, dia em que a

abolição toma as páginas no jornal. Até esse momento não havia ocorrido o incêndio. Entre o dia 14 e o dia 17

não há publicação do romance. No dia 18, vem a público o desfecho em que aparece Américo e o incêndio do

internato. Não é possível afirmar se Pompéia criou esse final antes ou depois da abolição, mas é sugestivo

pensar na influência que pode ter tido a promulgação da Lei Áurea nos caminhos do romance.

O nome do incendiário é revelador. Leila Perrone-Moisés (1988) aponta o simbolismo da morte da

personagem Franco e a revanche de Américo. Estava colocada uma presente associação entre Monarquia e

Europa e República e América. Pompéia foi um grande crítico das influências perniciosas do capital estrangeiro

em nosso país. Heinsfeld (2007) postula que o sentimento americanista era muito difuso no período; afirma que

o momento era marcado pela xenofobia em relação aos portugueses que ocupavam grande parte dos postos de

emprego no Rio de Janeiro finissecular6.

Apontamos facetas do romance que demarcam a crítica pompeiana à monarquia através da

caracterização cômica da figura poderosa de Aristarco e ressaltamos como o enredo inclui um caráter

esperançoso encarnado na destruição do internato por Américo. O incêndio é feito uma catarse diante da

descrição enfaticamente pessimista de Sérgio-narrador sobre o ambiente em que estudara. O repertório

darwinista-social envolve a narrativa, caracterizando em caminhos diversos, importantes elos entre a

degeneração ali demarcada e o Segundo Império.

6 Darwinismo-social e degeneração: crítica ao status quo imperial

Ao mesmo tempo que a educação, como elemento da virtude, considere-se o vigor hereditário transmitido pelo sangue, o que constitui uma espécie de educação antecipada, e as forças adquiridas na luta com o meio ambiente, terceira espécie de educação (POMPÉIA, 1990, p. 33)

Esse trecho de Alma Morta, romance interrompido de Pompéia, escrito em seu período estudantil de

Recife, sintetiza o entendimento diverso sobre a conformação do caráter a partir da lente social-darwinista. A

questão da degeneração ora apontava para uma perspectiva redentora da educação, ora se aproximava de

interpretações deterministas hereditárias ou conformadoras do meio. Borges observa: “como qualquer ideia

6 Uma das medidas da República recém-implantada foi de naturalizar os estrangeiros que aqui estavam. Heinsfeld (2007) afirma que a participação política destes era vista com preocupação por parte dos brasileiros.

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hegemônica ou ‘paradigma’ científico, a degeneração menos frequentemente ditava conclusões do que fornecia

uma base tendenciosa para debates polêmicos e elaborações contraditórias” (2005, p. 47).

É interessante notar como divergentes concepções perpassam o romance de Pompéia e se revelam uma

preocupação marcante no desenrolar do enredo. Em primeiro lugar, ressaltemos os princípios norteadores da

pedagogia de Aristarco. Ele afirma ser sua preocupação central não os estudos dos internos, mas a formação do

caráter; sua proposta educacional objetiva a transformação moral da sociedade. Coloca-se ênfase redentora no

processo educativo tanto na formação moral individual e enquanto alicerce na construção de uma nova

sociedade.

Em conflito com tal perspectiva, emergem os discursos do professor Dr. Claudio presentes na narrativa.

Silviano Santiago (2000) sustenta que essa personagem é a única que nunca recebe uma crítica do narrador e

suas reflexões estão muito próximas das presentes em outros textos assinados por Raul Pompéia. É interessante

como tais passagens do romance focam uma discussão sobre arte tão presente no momento em que Pompéia

escreve o romance. Dr. Cláudio, em sua segunda palestra, disserta sobre esse assunto a partir de critérios e

conceitos influenciados pelo darwinismo: “o esforço da vida humana, desde o vagido do berço até o movimento

do enfermo, no leito de agonia, buscando a posição mais cômoda para morrer, é a seleção do agradável” (p. 47).

Assim, “a história do desenvolvimento humano nada mais é do que uma disciplina longa de sensações. A obra de

arte é a manifestação do sentimento” (p. 48).

Para Dr. Claudio, a arte não tem finalidade, ela é uma consequência da evolução humana. Se por um

lado as concepções de arte de Dr. Claudio se atêm aos princípios científicos do período, por outro lado postula-se

a superioridade da arte frente aos “preceitos que se combatem, acima das religiões que passam, acima da

ciência que se corrige; embriaga como a orgia e como o êxtase” (p. 50).

Pode-se dizer que, no período de publicação de O Ateneu há uma efervescência no debate intelectual

sobre a originalidade da literatura brasileira, dentro de um contexto maior de uma preocupação com a definição

de uma nacionalidade brasileira. Nas palavras de Roberto Ventura: “a crítica e a história literárias brasileiras

foram marcadas, até 1910, pelas noções de raça e natureza. As origens do ‘estilo’ literário eram atribuídas à

ação diferenciadora do meio ambiente ou da mistura étnica” (1991, p. 18).

Os intelectuais brasileiros do final do século XIX se depararam com todo um arsenal teórico que colocava

a “raça” como categoria essencial para a apreensão do social. É sobre essas bases que dão as discussões sobre

literatura no país. Silvio Romero, por exemplo, propõe o entendimento da nação como “resultado da progressiva

transformação das matrizes europeias pela ação do meio ou da mistura das raças” (VENTURA, 1991, p. 37). Sua

visão de arte se dá pela vinculação entre aspecto racial e cultural, definindo a cultura brasileira como

fundamentalmente mestiça, marcada pela fusão das raças. Nesta linha, a ação diferenciadora do mestiço

garantiria a autonomia diante das culturas europeias. A partir da influência de Gobineau, entendia a arte como

produto do cruzamento entre sensualidade do negro e espiritualidade do branco. O aspecto racial aparece de

forma incisiva em sua polêmica com Machado de Assis. O autor de Dom Casmurro é aqui avaliado segundo sua

origem mestiça, a qual corresponderia à falta de manejo do vocabulário e da frase. Machado, caracterizado como

tendo “índole psicológica indecisa”, segundo Romero, imitou os autores ingleses, utilizando-se da ironia, em

desacordo com a formação racial do brasileiro.

Outro grande crítico do período, Araripe Jr., critica a exclusão da influência do meio nos escritos de

Romero: “Araripe explica a diferenciação nacional a partir do impacto da natureza tropical sobre a mentalidade

europeia, ‘obnubilada’, ou seja, ofuscada pela exuberância local” (VENTURA, 1991, p. 89). Porém, em geral, sua

perspectiva vai ao encontro das ideias de Romero, enfatizando o caráter nacional como interação entre raças,

línguas, culturas e meio físico.

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Voltando-nos ao romance, percebemos que se a personagem Dr. Claudio não se utiliza do critério racial

em suas análises, bebe fortemente das mesmas fontes intelectuais darwinistas. Tais influências não se

restringem aos discursos do professor, mas estão espalhadas no romance, o que fez Mário de Andrade (1974)

vinculá-lo à escola naturalista: “é sempre aquela concepção pessimista do homem-besta, dominado pelo mal,

incapaz de vencer os seus instintos baixos – reflexo dentro da arte das doutrinas evolucionistas” (p. 184); “O

Ateneu representa um dos aspectos particulares mais altos do Naturalismo brasileiro” (p. 184).

A descrição do internato por Sérgio-personagem aponta para um problema tão levantado pelos teóricos

europeus e propagado no Brasil por médicos higienistas: o perigo do meio. O meio é caracterizado como quase

inescapável, contrabalanceando de um lado as máximas morais, o diretor e os bedéis e de outro as influências

perniciosas do ambiente:

O meio, filosofemos, é um ouriço invertido: em vez da explosão divergente dos dardos — uma convergência de pontas ao redor. Através dos embaraços pungentes cumpre descobrir o meato de passagem, ou aceitar a luta desigual da epiderme contra as puas. Em geral, prefere-se o meato (p. 36).

Uma influência perniciosa é encarnada na figura de Ângela, a empregada particular de D. Ema: vetor de

degeneração através da junção entre categorias de gênero e classe. Outra influência pode ser percebida na

narração de Sérgio. Referindo-se ao final do ensino primário, destaca o momento em que olhara pela segunda

vez um quadro dos meninos nus fraternais que lhe chamara atenção logo em sua entrada no internato:

Vestia-se ali de pureza a malícia corruptora, a ambição grosseira, a intriga, a bajulação, a covardia, a inveja, a sensualidade brejeira das caricaturas eróticas, a desconfiança selvagem da incapacidade, a emulação deprimida do despeito, a impotência, o colégio, barbaria de humanidade incipiente, sob fetichismo do Mestre, confederação de instintos em evidência, paixões, fraquezas, vergonhas... (p. 59).

Nota-se a descrição pessimista do ambiente oferecida por Sérgio. Ressalta-se a sensualidade, as paixões,

as fraquezas, as vergonhas que se materializavam nas relações homoafetivas dos próprios alunos. Seria o

internato então corruptor? É sobre este assunto que discorre a personagem Dr. Claudio em sua última palestra

presente no enredo. Esta personagem, de aguçada erudição, diverge do parecer vulgar de sua época e defende o

internato como a escola da sociedade, como o local onde se tempera o caráter, se exercita as almas no atrito

com as circunstâncias. O professor continua com um argumento que sustenta um traço congênito aos “capazes

de moralidade”: “felizes na loteria do destino. Os deserdados abatem-se” (p. 80). Continua a personagem:

no fundo a direção do caráter é invariável. A constância da bússola é uma; temos todos um norte necessário: cada um leva às costas o sobrescrito da sua fatalidade. O colégio não ilude: os caracteres exibem-se em mostrador de franqueza absoluta. O que tem de ser, é já. E tanto mais exato, que o encontro e a confusão das classes e das fortunas equipara tudo, suprimindo os enganos de aparato, que tanto complicam os aspectos da vida exterior, que no internato apagam-se no socialismo do regulamento (p. 80).

Esse traço congênito descrito por Dr. Claudio é vivificado pela personagem Franco, bode-expiatório dos

mecanismos disciplinares do colégio e das interações sociais com seus colegas. Servia de contra-exemplo para o

desempenho do colégio:

A nota do Franco, sempre má, devia seguir-se especial comentário deprimente, que a opinião esperava e ouvia com delícia, fartando-se de desprezar. Nenhum de nós como ele! E o zelo do mestre cada dia retemperava o velho anátema. Não convinha expulsar. Uma coisa destas aproveita-se como um bibelô intuitivo, explora-se como a miséria do hilota, para a lição fecunda do asco (p. 15).

Sérgio-narrador revela uma das ocasiões em que Franco estava de castigo no caminho da merenda e era

vítima de empurrões e beliscões “até que um grande, mais estouvado, fê-lo cair contra o portal, ferindo a

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cabeça. A este, Franco não respondeu; pôs-se a chorar” (p. 29). Posteriormente, Sérgio-narrador revela:

“Durante a conferência pensei no Franco. Cada uma das opiniões do professor, eu aplicava onerosamente ao

pobre eleito da desdita, pagando por trimestre o seu abandono naquela casa, alaguei do desprezo” (p. 81). Dias

depois, Franco morreu confirmando as teses fatalistas e degenerativas do professor.

No entanto, é na primeira palestra que essa personagem profere, por ocasião da inauguração do grêmio

literário, que percebemos alguns posicionamentos que apontam para outra direção do discurso darwinista. Dr.

Claudio critica o estado da arte em nosso país: “a arte significa a alegria do movimento, ou um grito de suprema

dor nas sociedades que sofrem. Entre nós, a alegria é um cadáver... Ao menos se sofrêssemos... A condição da

alma é a prostração comatosa de uma inércia mórbida” (p. 45).

A causa de nossa inércia mórbida não é a fusão das raças ou a determinação do meio, mas a instituição

do Império:

E não é o teto de brasa dos estios tropicais que nos oprime. Ah! Como é profundo o céu do nosso clima material! (...) É a obra moralizadora de um reinado longo, é o travasamento de um caráter, alargando a perder de vista a superfície moral de um império – o desmancho nauseabundo, esplanado, da tirania mole de um tirano de sebo!... (p. 45).

É interessante notar que um ano antes da publicação de O Ateneu, Pompéia

escreveu um artigo sobre o livro de Max Nordau, notório autor austro-húngaro que difundiu o conceito de

degeneração: As mentiras convencionais da nossa civilização. Nordau, no raciocínio do escritor brasileiro,

“perscruta as origens da sombria inclinação dos espíritos na época para o desesperado pessimismo, do que dão

testemunho principalmente as escolas literárias da atualidade” (POMPÉIA, 1991, p. 40). Este sintoma obscuro

“encontra a causa no desequilíbrio reinante entre o progresso espiritual e a falsidade das antiquadas instituições”

(POMPÉIA, 1991, p. 40). São as instituições ultrapassadas, como a monarquia, a causa do “desesperado

pessimismo” da literatura de seu tempo. A resenha de Pompéia termina com a conclusão do livro em sua

concepção:

Houve tempo em que se equilibraram as convicções individuais com as instituições da coletividade; o desequilíbrio reina e é insuportável. Para se obter novamente o equilíbrio só há: retrogradar, ou confiar no futuro. A volta ao passado é uma aspiração absurda. Trabalhemos pelo futuro” (POMPÉIA, 1991, p. 47).

A adesão do crítico brasileiro ao teórico estrangeiro é incondicional, conforme suas palavras: “a obra de

Max Nordau merece a consagração de um catecismo” (POMPÉIA, 1991, p. 40). A “sombria inclinação dos

espíritos da época” expressa na literatura aparece imbricada com a monarquia tanto na palestra de Dr. Claudio

quanto, fora do enredo, na resenha de Nordau. Para além de enfatizar mais uma vez a presença de uma crítica

republicana dentro do romance de Pompéia, cabe refletirmos sobre a associação entre degeneração e a

instituição ultrapassada da monarquia, como presente nos discursos supracitados. Tal relação pode ser pensada

através dos estreitos laços tecidos entre o Império e o internato no desenrolar do enredo, atravessados por uma

narrativa que expõe corrupções, o grotesco e as “imoralidades”.

Em muitos de seus escritos políticos, Pompéia ressaltou a “elevação moral” que significou o advento da

República. Em seu artigo Clamor Maligno pontua a “função de regeneração política” de Floriano Peixoto. Nesse

sentido, podemos ver a heterogênea descrição da corrupção que permeia O Ateneu como uma caracterização da

decadente ordem Imperial. A formação específica de Pompéia fez com que incorporasse a teoria hegemônica

darwinista-social e a direcionasse contra as instituições monárquicas através da mediação literária. Algo muito

corrente em seu tempo, segundo Borges. Para o historiador norte-americano, no final do Império “a retórica da

degeneração foi associada à crítica social e se manteve assim até durante os anos noventa e a primeira década

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do século XX quando a degeneração se tornou a ideologia central, quase-oficial, da República oligárquica

conservadora (1889-1930)” (2005, p. 48).

Nessa possível linha interpretativa, é fundamental ressaltar que o enredo termina com o incêndio do

Ateneu e com Aristarco abandonado por sua esposa. O internato que então simbolizaria o velho seria destruído

pelo novo, representado pelo aluno recém chegado Américo. Desta forma, temos em O Ateneu a concretização

da superioridade da arte defendida pelo professor Dr. Cláudio no enredo e, fora dele, sublinhada por Alfredo Bosi

como sua especificidade em relação aos romances contemporâneos: “o prestígio das leis férreas do darwinismo

coabita com um anarquismo sem peias, ressentido, incendiário” (1988, p. 34), sendo que o último permanece. A

obra de Pompéia não termina com a fatalidade dos princípios deterministas, mas com um incêndio,

representativo para Bosi do julgamento da civilização pela arte.

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Literatura, Política e Darwinismo-Social: Uma Análise Sociológica da Trajetória Contestadora de Raul Pompéia

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 37

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O Poeta Romano Horácio e a Sátira Latina

Semíramis Corsi Silva Universidade Estadual Paulista (UNESP/Franca)

Centro Universitário Claretiano de Batatais (CEUCLAR) [email protected]

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar aspectos do gênero satírico romano clássico e aspectos da vida e da obra de Horácio, um dos maiores poetas satíricos dessa época antiga. Para tanto utilizaremos uma bibliografia sobre o tema e analisaremos trechos de poemas de Horácio. Acreditamos que para estudar características de um gênero literário, por meio de obras de um poeta em especial, é extremamente necessário conhecer sobre sua vida e sobre seu contexto histórico e meio social, o que fizemos apresentando Horácio. Escolhemos a Sátira VIII, poema do livro Sátiras, como texto especial para demonstrarmos algumas características satíricas, especialmente no que tange à intenção moralizadora da sátira neste período. Observamos como neste poema, Horácio mostra os objetivos da sátira romana: tornar risíveis aspectos sociais e morais considerados ridículos pelo poeta, como a feitiçaria, tema da sátira escolhida. Palavras-chave: Roma Antiga – Sátira Latina – Horácio. – Sátira VIII.

1 Origens, motivos e autores satíricos

O termo sátira, em latim, satura, provavelmente se originou da expressão satura lanx, espécie de

alimento composto de vários ingredientes1, por isso a palavra equivale na literatura a um gênero que misturava

vários temas e/ou formas literárias (diálogo, fábula, historieta, preceitos, métrica variada, combinação de verso

e prosa). Vem daí a proximidade etimológica entre a palavra “sátira”, gênero literário e os vocábulos “saturar” e

“saturação”, utilizados na química e na física.

Há ainda estudiosos, como Theodor Mommsen, que acreditam que o termo satura derive do grego

sátyros, referindo-se as máscaras dos Sátiros, espíritos das florestas e das colinas e que acompanhavam o deus

Dionísio (SALVATORE, 1968, p. 33).

Ao estudarmos a sátira latina deparamo-nos com a discussão em torno das origens desse gênero. Há

duas correntes de afirmação sobre a originalidade da sátira: uma que a coloca como criação dos romanos e outra

que não defende sua originalidade em relação à literatura grega. Nas Sátiras I e II, Horácio define a sátira como

criação romana com influências da comédia grega. Alguns autores acreditam que Horácio, admirador

incondicional da cultura grega, quisera dar um título de nobreza à sátira latina, ligando-a, diretamente, à

comédia grega. Defende o romano Lucílio como criador do gênero satírico, mas vê algumas semelhanças com o

teatro grego:

1 Prato cheio de produtos da colheita que os antigos itálicos ofereciam aos deuses em ação de graças. Este ritual era realizado em clima festivo, onde o sagrado se misturava com o profano. (SALVATORE, 1968, p. 30).

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O Poeta Romano Horácio e a Sátira Latina

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Eupolis, Aristófanes, Cratino E os poetas da Comédia Antiga, Se ninguém lhes merecia ser descrito Como ladrão, malévolo, assassino, Adúltero, ou por outra causa, infame, Com a ampla liberdade o malsinavam. Após eles variando o metro apenas, A mesma propensão Lucílio teve, Faceto de sagaz e fino olfato (HORÁCIO, Sátiras, I, IV, 1 ao 9).

Nisto apraz, de modelo nisto sirva O que hão de escrito os cômicos antigos (HORÁCIO, Sátiras, I, X, 21 e 22). Pois que: quando Lucílio ousou primeiro Versejar neste gênero de escrita (HORÁCIO, Sátiras II, I, 94 e 95).

Especialistas defendem que a sátira latina teve influências das diatribes gregas, pregações populares de

filosofia em forma de monólogo, nas quais o pregador, em praça pública, expõe princípios de filosofia moral em

uma linguagem familiar e simples. De acordo com Salvatore (1968, p. 14), as influências da literatura moral,

filosófico-moralizante grega sobre a sátira latina são claras quando evidenciamos que os romanos não tiveram

uma filosofia própria.

Mas não é apenas de elementos filosófico-morais que se constitui o gênero satírico, há uma verdadeira

exposição dos costumes da sociedade de cada escritor. Desta forma, a sátira já se constitui de uma originalidade

peculiar, sendo diferente em cada sociedade e período em que aparece, pois retrata a vida e vícios de sua

época, utilizando temas, motivos e formas de expressão próprias do período em for escrita.

O motivo da discussão em torno das origens satíricas vem do costume em reconhecer influências gregas

em toda arte literária romana, porém na sátira, em absoluto, não podemos reconhecer imitações no que se

refere ao tema. Como já foi exposto, a sátira tem o cotidiano de seu autor como inspiração.

Assim, os motivos da sátira são resultado da observação dos vícios e distorções sociais, com discussões

de caráter moralizante. Ao censurar defeitos, a sátira mostrava os vícios que, segundo seus autores, estariam

colocando em risco o patrimônio ético que estruturava a sociedade, característica também peculiar à comédia

grega.

Qualquer obra de caráter satírico apresenta o caráter moralizante impregnado em sua composição,

voltado para a censura de padrões de comportamento que contrariam os valores aceitos pela sociedade ou por

grupos específicos desta, comportamentos que o satírico considerava marginais e desviantes. O escritor satírico

demonstra como deve ser a sociedade de acordo com a representação dos comportamentos desviantes em

situações de ridículo.

Podemos encontrar entre os satíricos, como em Horácio, uma verdadeira apologia aos costumes

ancestrais, pautados na tradição; mas há também, segundo Silva (1995, p. 73), os autores que contestaram a

ordem e os costumes vigentes, formulando novas formas de decência a serem seguidas.

Entre os escritores do período de passagem da República para o Império, não apenas satíricos, houve

uma forte reação contra os costumes helênicos introduzidos no mundo romano por meio das conquistas. Esses

autores viam, nas influências gregas, uma corrupção aos costumes que levaria fatalmente à quebra do mos

maiorum, os costumes ancestrais, como podemos perceber nos versos de Horácio abaixo:

Se perguntas porque, sem modo absorve Dos pais e dos avós a ilustre herança. (Horácio, Sátiras, I, II, 11 e 12).

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Lucílio2, o primeiro poeta propriamente satírico, já percebia esse “perigo” à moral romana. Lucílio,

membro de família abastada, viveu no século II a.C. (108-102 a. C), com ele fixou-se, definitivamente, a poesia

satírica. Adotando em suas primeiras sátiras diferentes metros poéticos, acabou fixando o hexâmetro, e desde

então, este tipo de verso caracteriza esta modalidade poética. (HARVEY, 1998, p. 314).

Outros autores satíricos romanos de destaque são: Horácio (65-8 a.C.), Marcial (40-104 d.C.) e Juvenal

(pouco se tem certeza sobre a vida desse poeta, que parece ter nascido entre 60-70 d.C. e escrito entre 92 e

128 d.C.).

Podemos destacar os seguintes motivos de crítica dos satíricos: crítica literária, crítica filosófico-moral,

crítica religiosa, crítica social e crítica dos costumes.

A sátira literária critica os longos poemas épico-trágicos e as poesias sobre assuntos mitológicos,

pregando uma poesia mais realista, própria do seu momento histórico. No campo da filosofia há uma busca por

equilíbrio, pelo meio termo sem excessos e bom senso (aurea mediocritas, meio termo dourado aristotélico).

Quem preza a áurea mediana, evita De um velho teto a sordidez seguro; Evita sóbrio majestoso paços, Alvo da inveja (Horácio, Odes, II, VII, 5 ao 8). Entre Tanais e o sogro do Viselo Há grão discrime: há certo modo em tudo: Há certas raias entre as quais consiste, Nem mais cá, nem mais lá, o justo acerto (Horácio, Sátiras, I, I, 138 ao 141).

Em matéria religiosa, as sátiras desse período banalizam o fanatismo dos ritos orientais introduzidos em

Roma com a expansão territorial. Tais poemas visam ao fim das superstições, definindo essas práticas sempre

como algo estrangeiro, oriental e não romano. Também as práticas de magia não escapam da observação dos

satíricos3. Criticam as súplicas religiosas e a adoração de imagens e estátuas, alguns autores consideraram a

mitologia pagã ridícula e fazem dela, também alvo de suas críticas.

Na sátira social, na qual o conservadorismo é mais explícito, vemos a crítica ao luxo e a nobreza na

virtude humana, como mostramos nos versos a seguir:

Marfim, nem atalho teto de ouro Em minha casa brilham; nem cortadas De África extrema os arquitraves pesam Sobre Himecias colunas (Horácio, Odes II, XVI, 1 ao 4). Ouse enfrear, famosos entre os vindouros Já que nós, ó maldade! Aborrecemos Viva a virtude, e quando a já não temos, Buscamo-la invejosos (Horacio, Odes, III, XIX, 29 ao 32). Virtude é fugir dos vícios torpe (Horácio, Epístolas, I, I, 59).

No âmbito da sátira moral, vemos aparecer motivos como o adultério, a avareza, a inconstância, os

costumes exóticos, etc. Os autores procuram, com isto, encontrar os verdadeiros bons valores na austeridade

antiga, na recuperação da tradição.

2 As primeiras sátiras latinas que temos notícia são atribuídas a Ênio e a Pacúvio, mas estas possuem um conteúdo, considerados pelos latinistas especialistas no assunto, moral insignificante, cabendo a Lucílio o título de primeiro satírico na definição exata do termo. 3 Cumpre ressaltar que havia dois tipos de magia em Roma: uma negativa e charlatã e uma incorporada no ritual dos deuses e positiva. A magia romana considerada nefasta era punida por leis e, em geral, as representações literárias sempre as trazem como prática feminina e errada. Mais informações sobre o assunto ver SILVA, Semíramis Corsi. A imagem da mulher feiticeira como expressão da diferença de gênero em Roma: os poemas de Horácio e Ovídio, Klepsidra, n. 27, 2006. Disponível em: http://www.klepsidra.net/klepsidra27/feiticaria.htm. Acesso em: 28/06/2010.

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As formas que se darão essas críticas, mais mordaz, mais severas ou de maneira mais branda, e seu

próprio conteúdo, variaram de acordo com o estilo de cada autor. Sabemos por meio de uma poesia de Horácio,

que houve uma lei, supostamente parte da Lei das Doze Tábuas, intitulada de Lex mala carmina, que punia

aqueles que proferiam carmens (versos) de ataque aos seus concidadãos:

A ignorância da lei - sabe que há penas E ação, contra o que ataca em maus poemas, Os seus concidadãos. (HORÁCIO, Sátiras, II, I, 118 ao 120).

Porém, mesmo sob penalidades estabelecidas por lei, o povo romano nunca deixou de rir dos defeitos e

vícios alheios, e segundo Salvatore (1968, p, 36), esse espírito sarcástico dos satíricos fora encontrado também

em outros estilos literários romanos, perpetuando no tempo e encontrando espaço em diferentes períodos.

Como pudemos perceber, Horácio foi um dos mais importantes poetas romanos satíricos,

apresentaremos a seguir alguns aspectos sobre sua vida e sua obra. Acreditamos que ao trabalhar com a

documentação literária para compreensão histórica, faz-se fundamental entender quem é o autor estudado,

aspectos de sua biografia e formação intelectual, além de sua inserção político-social no contexto analisado.

2 A vida de Horácio

Quinto Horácio Flaco (L. Quintus Horatius Flacus) foi um dos poetas romanos mais conhecidos,

classificado como um dos primeiros líricos e notável satírico. Nasceu em oito de dezembro do ano de 65 a.C., na

cidade de Venúsia4, na Apúlia (sul da Península Itálica), colônia latina que se juntara à rebelião de 90 a.C. e

ganhara, então, o direito de cidadania para seus habitantes.

Quero segui-lo, incerto se da Apulia Ou da Lucania sou: pois que o colono Venusino entre as duas terras lavra; (HORÁCIO, Sátiras, II, I, 53 ao 55). Sendo eu menino no Apulhez Volturo Fora das raias da natal Apulia, Lasso sono, e brincos me cobriram As fabulosas pombas (HORÁCIO, Odes, III, IV, 9 ao 12).

Segundo conjeturas, o nome de Horácio foi tirado por seu pai da tribo horaciana, que incluía a Venúsia.

Seu pai, um antigo escravo liberto, era coator exactium, coletor de pagamentos em leilões, e adquirira uma

pequena propriedade, tendo proporcionado ao filho a melhor educação da época. O poeta estudou primeiro em

Roma, com um mestre chamado Obílio; depois em Atenas, como era de costume entre os jovens de famílias

nobres. Horácio tratou com grande orgulho do pai, em seus poemas, cita sempre a educação que este lhe deu,

não mostrando nenhuma vergonha de ser filho de um liberto. Nunca fala da mãe, que provavelmente não

conheceu.

Costume tal a um pai óptimo o devo; Os vícios com exemplo me afeava Por que deles fugisse horrorizado Se me enxortava a ser frugal esparco, Satisfeito com os bens que dele herdasse (HORÁCIO, Sátiras I, IV, 146-150). E a meus amigos, caro, a um pai o devo, Que não quis, com seu pobre estéril campo, De Flávio professor mandar-me à escola, Onde iam filhos de centúrios altos (...)

4 A atual Venúsia (Venosa), que recebeu este nome por ser dedicada à Deusa Vênus, é uma pequena cidade situada na província de Potenza. Suas ruínas mostram traços de sua antiga grandeza, onde se encontra lápides com inscrições dos tempos romanos, as quais foram transcritas pelo célebre historiador Mommsen. Uma das antigas casas é conhecida como a casa de Horácio, estando em estado relativamente bem conservado. (GRANATO, 1935, p. 10, 11).

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Mas antes, desde minha tenra idade, Ousou levar-me a Roma, onde aprendesse As artes, em que instrui seus próprios filhos O Cavaleiro, o Senador. Quem visse. (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 92 ao 95 e 98 ao 101). Nem por isso, Mecenas, que em nobreza... Olhava para os somenos, como eu, filho De um pai que escravo fora: e quando afirmas Que nada importa o nascimento o probo (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 1, 8, 9, 10). Da senatoria lista me riscara Porque de livres pais não fui nascido. (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 27 e 28).

Passou sua infância na pequena propriedade agrícola do pai, não muito distante de sua cidade natal.

Esse período que viveu no campo lhe rendeu uma grande paixão pela vida em meio à natureza e cantou com

saudade estes tempos felizes em seus poemas

Com o início da guerra civil, após o assassinato de Júlio César, nos idos de março de 44 a.C., Horácio,

que estava na Grécia, foi comissionado para um alto cargo de tribuno militar no exército de Bruto e Cássio5. Mas

como o poeta não era envolvido com assuntos de guerra, fugiu ao pressentir uma derrota durante a batalha

decisiva em Filipos, na Macedônia, em 42 a.C.

Em 40 a.C., voltou para Roma beneficiando-se da anistia concedida aos vencidos, porém perdeu seus

bens confiscados pelos vencedores da guerra. Neste momento seu pai já havia morrido. Para sobreviver

trabalhou como escritor de um questor e escritor de poemas. É nessa fase que se encantada pela poesia, a

reconhecendo-a como irreversível em sua vida.

No ano de 39 a.C., é apresentado a Mecenas6 pelos amigos, e também poetas, Virgílio e Vário. Horácio

descreveu o primeiro contato entre os dois como insensível e rápido e cita que insistiu em mostrar sua origem

humilde de filho de um liberto. Nove meses depois do primeiro encontro, Horácio foi convidado para fazer parte

do círculo de poetas de Augusto7.

Como é de costume teu; e enfim me ausento Chama-me findo nono mês, e ordenas Que na lista dos teus meu nome inscreva. Tive em muito agradar-te, pois que estremas Do torpe honesto, não alta origem, Mas sim por inculpável peito e vida (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 80 ao 85).

A partir de então, Horácio começou a relacionar-se com Mecenas em uma grande amizade que durou

trinta anos, até a morte de ambos. Horácio, que tanto estimava o amigo, lhe dedica grande parte de seus

poemas, deixando para a posteridade traços da amizade e da personalidade do ministro das artes romanas.

Nem dizer posso, que de um fausto acaso Hei sorteado tão distinto amigo; Não, não te devo a sorte! O bom Virgílio; E depois Vário me abonou contigo (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 71 ao 74).

5 Os generais Bruto e Cássio lutaram contra Otávio, o futuro Augusto. Mais tarde Horácio, do lado de Augusto, se arrependerá desse momento em sua vida, reconhecendo a superioridade de Otávio. Na Epístola II, II, o poeta faz uma autocrítica dessa sua antiga posição. 6 Ministro das letras e das artes do governo do Imperador Augusto, amigo desse imperador e futuro amigo e patrocinador de Horácio. 7 Augusto foi o primeiro imperador romano, governou de (27 a.C. até 14 d.C.). A admissão de Horácio entre os poetas de Augusto reflete a colocação de Géza Alföldy (1989, p. 130) de que a ascensão social em Roma não se dava por questões econômicas especificamente, mas por uma relação direta, a amicitia, com o Imperador. Horácio guardava consigo a mácula de um filho de liberto, porém sua capacidade pessoal despertou o interesse do Imperador e o levou a ser admitido entre as altas ordens dos romanos. Alföldy cita o exemplo de Trimalquio, personagem da obra Satiricon de Petrônio, um liberto que, apesar de enriquecido, não ascendeu socialmente devido seu passado escravo.

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O Poeta Romano Horácio e a Sátira Latina

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Eu que devo fazer, que só contigo Posso prezar a vida (Sem ti me é grave a vida, e doce a morte) (HORÁCIO, Épodos, I, 7 ao 9).

Por intermédio de Mecenas, conheceu Augusto, que lhe ofereceu o cargo de seu secretário pessoal,

sendo este, porém, recusado pelo poeta. Para oferecer liberdade e independência a Horácio, em 33 a.C.,

Mecenas e Augusto lhe presentearam com a propriedade agrícola na Sabina, região próxima de Roma,

proporcionando-lhe o retorno a suas origens campestres. Essa chácara foi a grande fonte de inspiração do poeta,

onde ele se retirava em descanso para compor seus versos, como testemunha a seguir:

Assaz feliz só com a Sabina herdade (Horácio, Odes, II, XV, 13).

Horácio também dedicou grande amizade aos demais poetas augustanos, característica desse círculo,

que, além de trabalharem juntos eram grandes amigos. Foi amigo de Virgílio, a quem já havia conhecido antes

mesmo de fazer parte dos poetas da corte. Alguns de seus poemas são dedicados ao amigo poeta, em outros

tantos cita Virgílio.

Na saudade de tão querido amigo Que pejo ou termo pode haver? Ordena Tristes cantos, Melpomene, que o Padre Deu-te a voz doce e lira (HORÁCIO, Odes, I, XXII, 1 ao 4).

A última fase de sua vida decorreu tranquilamente, consagrando-se à elaboração de sua obra e aos

amigos que o visitavam em seu retiro campestre. Horácio morreu em 8 a.C., aos cinqüenta e sete anos, poucos

meses depois de Mecenas, sem nunca ter se casado. O biógrafo Suetônio o descreveu como baixo e gordo,

alguns autores o pintaram como tímido, austero e generoso. Horácio se retratou como um homem precoce

(HARVEY, 1998, p. 281).

3 A obra de Horácio

O poeta lírico-satírico Horácio voltou suas preocupações para questões morais, políticas e nacionais,

recusando-se a escrever poemas épicos, que celebrassem os feitos militares dos grandes homens. Horácio não

aceitou escrever épicos alegando não sentir prazer em cantar a guerra, porém cantou os feitos de Augusto em

frequentes homenagens por toda sua obra, sempre à sua maneira8.

Horácio encontrou nos líricos gregos modelos métricos para sua poesia lírica, buscando inspiração nos

eólicos Safo, Alceu, Arquíloco e Anacreonte. Mas seu lirismo era bastante individual. Seus temas mais comuns

foram o amor, a amizade, o vinho e a festa. Esses temas não estão de acordo com o que procurava o

Imperador, mas, conforme nos indica Pierre Grimal (1992, p. 67), são variações da alegria de viver, que só

tornou possível com o estabelecimento da paz romana proporcionada pelo fim das guerras civis. Assim, Horácio

reconhecia Augusto como um salvador, um verdadeiro representante do mundo divino na terra, com ele a festa

podia ser uma constante no cotidiano dos romanos.

Declarando-se apaixonado pela vida campestre, Horácio colocou a natureza como o lugar de refúgio para

a alma humana, louvou o campo de tal maneira que acabou se constituindo uma das fontes para o bucolismo

ocidental.

Um espaço de campo, não tão vasto”, Com seu vergel, perene e pura fonte Junto de casa um pequeno bosque [...] Eis o que anelei sempre (HORÁCIO, Sátiras, II, VI, 1 ao 4).

8 Alguns autores apontam o fato de Horácio recusar escrever épicos e assumir o cargo de secretário de Augusto, oferecido a Horácio por Augusto, como característica da liberdade que os poetas do círculo augustano tinham.

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E só ditoso aquele, que afastado Do entrépido do mundo Frugal, com seus próprios bois cultiva o campo Que de seus pais herdara, Livre de torpe lucro: assim viveram Os primeiros humanos O som medonho da guerreira tuba, Jamais o sobressalta (HORÁCIO, Épodo II, 1 ao 8).

Horácio se consagrou como poeta da festa e da busca da felicidade. Para ele, o prazer de estar com os

amigos é celebrado na festa e sendo o vinho um elemento fundamental da festa, Horácio o honrava em seus

versos. É no momento do festim que se cultivam, pelo poder do vinho, todos os valores humanos que integram a

visão de mundo do poeta: o amor, a amizade, a conversa, a dança, a música. (TRIGALI, 1995, p. 20).

Tenho de albano vinho um tonel cheio, Que nove anos excede; tenho, ó Filis, No jardim aipo, com que teça c’roas; Tenho grã cópia de era (HORÁCIO, Odes, IV, X, 1 ao 4). E, quando poderei feliz Mecenas (Assim aprouve Jove) Sob altos tetos celebrar contigo Os triunfos de César, Bebendo do bom cécubo guardado Para festivos dias? (HORÁCIO, Épodo IX, 1 ao 6).

No trecho abaixo Horácio descreve o movimento de empregadas domésticas ao arrumar sua casa em um

dia de festa:

Toda a turba se apressa; moços e moças, Juntos daqui e dali andam correndo; E tremulam as chamas ondendo Sórdido fumo ao teto (HORÁCIO, Odes, IV, X, 9 ao 12).

É de Horácio, também, o ideal do carpe diem, aproveite o dia, que era para o poeta a essência da

felicidade de viver: aproveitar cada dia como se fosse o dia supremo e assim, aproveitar toda a vida, já que a

morte é certa e não podemos prever o seu momento.

Caros, doces amigos Aproveite o dia enquanto a idade É forte, e vigorosa (HORÁCIO, Épodos, XII, 6 ao 8).

Em relação à filosofia, o poeta não se comprometeu com nenhuma corrente de pensamento9. Os

princípios morais que nortearam sua obra seguiam duas linhas específicas: a primeira, de origem estoicista,

levava o poeta agir sempre de modo a não se arrepender, privando-se de tudo que lhe pudesse causar mal à

saúde. A segunda linha procurava encontrar uma medida em todas as coisas, o meio termo dourado, de origem

aristotélica, que o levava a viver uma vida sem excessos.

Para o epicurista, a felicidade está no prazer, para o estoicista nas virtudes. Horácio vê na virtude um

meio para se atingir a felicidade, o prazer para ele é proporcionado pelo festim com os amigos ao redor do vinho.

(TRIGALI, 1995, p. 37).

No âmbito religioso, o poeta citou Júpiter como o deus supremo que regia o mundo por meio de

divindades menores. Mostrou-se crente no poder da oração e da liturgia, porém ridicularizou os excessos.

9 Segundo G. Perrota (Apud SALVATORE, 1968, p. 84), o carpe diem de Horácio não pode ser filiado ao Epicurismo por ser uma rápida expressão de prazer, de presença constante em sua poesia, antes de ser uma proposta filosófica.

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Recordava passagens de sua vida em que foi auxiliado por forças sobrenaturais, como na batalha de Filipos, e

um prodígio que aconteceu quando era garoto.

Desce do céu, Calíope, rainha, Eia com a flauta um longo canto entoa; Ou se ora apraz, com a voz aguda, ou a lira, Ou cítara de Apolo Ouvis? Me ilude acaso amável estro? Parece-me que eu ouço, e que divago Pelos sagrados lucos, que as amenas Águas e as auras cursam. Sendo eu menino no Apulhez Volturo Fora das raias da natal Apulia, Lasso de sono, e brincos e cobriam As fabulosas pombas (HORÁCIO, Odes, III, IV, 1 ao 12).

Horácio escreveu suas poesias em dois gêneros propriamente: um satírico, outro lírico. Porém, em suas

poesias de cunho satírico, vemos aparecer muito de seu lirismo individual e subjetivo. Dessa forma, geralmente

divide-se sua obra em dois momentos: um lírico-satírico, outro lírico propriamente. No primeiro momento, ele

escreveu o Livro dos Épodos, compostos entre 41 e 35 a.C., e as Sátiras, compostas entre 35 e 30 a.C. No

segundo momento, Horácio penetrou mais profundamente na sensibilidade humana, demonstra todo seu amor à

natureza e escreve as Odes, escritas entre 30 e 26 a.C., com exceção do quarto livro que é composto em 13 a.C.

O Carmem Saeculare é composto no ano de 17 a.C. e as Epístolas, entre 20 e 15 a.C.

O livro dos Épodos, constituído de 17 poemas lírico-satíricos, apresenta versos longos seguidos de outros

mais curtos, inspirados no poeta grego Arquíloco, criador do verso iâmbico. Esses poemas refletem de um lado

Horácio crítico, agressivo e até mesmo violento, desiludido com as perdas da guerra civil, de outro lado, refletem

um poeta que ama o campo e a amizade.

Nas Sátiras, Horácio mostrou sua preocupação moral, um amadurecimento literário e, talvez por já estar

sob proteção de Augusto na época que escreveu poemas no gênero satírico, não demonstrou nenhuma

preocupação financeira. Toda sua perspicaz crítica foi desenvolvida em dezoito sátiras, escritas em hexâmetros e

divididas em dois livros, contendo o primeiro dez poemas e o segundo os oito restantes.

Nas Odes, expressou seu lirismo em uma métrica variada. Segundo o próprio poeta, são seus principais

versos e os que o firmaram como poeta romano. Esses poemas tratam de eventos de sua própria vida, a

tranqüilidade advinda da pax augustana, as alegrias do campo e das festividades.

O Carmem Saeculare se constitui de uma ode em que o poeta canta a grandeza de Roma, oferecendo

homenagens aos deuses e lembrando a descendência heróica e divina de Augusto, através do herói Enéas, filho

de Vênus e Anquises. O poema escrito para celebrar os Jogos Seculares pode ser comparado a uma oração,

sendo escrito em tom da invocação habitual entre os romanos (GRIMAL, 1992, p. 68).

Nas epístolas, Horácio voltou a trabalhar a questão moral que norteia seu pensamento. Essa obra

consiste em cartas que procuram transmitir ensinamentos filosóficos e literários em geral, mostrando o auge da

maturidade intelectual do poeta. O primeiro livro é composto de vinte Epístolas, o segundo de duas, sendo a

Epístola endereçada aos Pisões - A Arte Poética (Ars Poética), a mais famosa delas. Esta poesia busca mostrar

aos Pisões a dificuldade do verdadeiro poeta em vencer, exercendo grande influência em todos os tempos, sendo

a obra mais impressa na Antiguidade e Idade média depois da Bíblia (SOUZA, s.d., p. 208).

A importância de Horácio para os romanos, entre outras questões, está na invenção da Epístola como

gênero literário, na introdução do Épodo e da Ode em Roma e na renovação do gênero satírico, mostrando sua

versatilidade e originalidade em todos os gêneros que escreveu. Para cada espécie de sentimento, que buscou

passar, usou uma métrica diferente, dando provas de toda sua autenticidade e criatividade.

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A influência horaciana pode ser sentida por quase toda poesia inglesa. Além disso, Horácio deixou vários

motivos literários conhecidos da poesia ocidental como o carpe diem e o bucolismo (HARVEY, 1998, p. 281). Sua

poesia serviu de inspiração para os poetas árcades brasileiros, como Tomás Antônio Gonzaga, Silva Alvarenga e

Cláudio Manuel da Costa, estes procuraram escrever sobre a natureza bucólica e fuga da cidade (fugere urbem),

o carpe diem, e a aurea mediocritas, temas celebrados na poesia de Horácio.

Neste momento, analisaremos um poema de Horácio mais especificamente e perceber seus sentimentos

e gostos.

4 A Sátira Horaciana: uma análise da Sátira VIII

O poema escolhido para análise é a Sátira VIII, conhecida como Refere-se Priapo às feiticeiras Canídia e

Sagana ou O Deus Priapo contra as feiticeiras Canídia e Sagana. A escolha de tal poema advém do fato de ele

ser considerado pelos críticos da obra de Horácio como a sátira de caráter mais agressivo escrita pelo poeta. Por

esse motivo voltaremos nossa atenção agora para a compreensão do tema e do tom desse poema.

No poema, Horácio descreve um tronco de figueira no qual foi esculpida a figura do Deus Priapo,

assistindo à cena que a conhecida Canídia, feiticeira que já havia aparecido também nos Épodos, e sua

companheira Sagana procedem de encantamentos e de magias.

Diferente do Épodo V, poema em que Canídia protagoniza outro ritual mágico, a Sátira VIII não

apresenta um tom trágico e sim um humor satírico. O local do ritual é o Esquilino, antigo cemitério de escravos e

pobres que Mecenas transformou em um grande jardim10. Quem descreve toda cena é o indignado espantalho de

madeira, imagem do Deus Priapo.

Fui tronco de figueira, inútil cepo! E esteve o carpinteiro quase a ponto De fabricar de mim pobre escabelo: Enfim quis-me antes Deus: e feito Nume, Eis-me aqui de aves e ladrões espanto: Coa destra, e com meu símbolo potente, Estes atemorizo, e no topete Pregada cana os pássaros enxota, E dos novos jardins lhes tolhe o pouso. Aqui o escravo outrora, em vil esquife, Dos companheiros seus trazia os corpos, Dos estreitos beliches arrojados: Da triste plebe era o comum jazigo. (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 1 ao 13).

Horácio descreve o que elas vão buscar no cemitério: ossos e plantas maléficas. Priapo também descreve

o horário: a noite, quando a lua mostra sua argêntea face.

Não são ladrões ou feras avessadas A vexar estes sítios, mas aquelas Que com seus versos e peçonhas turvam Os humanos espíritos – Não posso Dar cabo delas, Ou fazer que deixem Daqui vir recolher mirrados ossos E maléficas plantas, mal que a Lua Vaga descobre a sua argêntea face. (HORÁCIO, Sátiras I, VIII, 25 ao 32).

As feiticeiras encontram em um grande estado de agitação, elas escavam a terra com as unhas e rasgam

um cordeiro com os dentes, um gesto sem dúvida ritual, mas que implica em uma profunda agitação. Segundo

Tupet (1976, p. 293), as feiticeiras da Antiguidade Clássica conheciam as propriedades de drogas tóxicas de 10 Essa informação acerca do Esquilino nos foi fornecida através do Prefácio da obra Sátiras de Horácio (1952, p. X), escrito por João Batista Melo e Souza. De acordo com o Prefácio da edição das Obras Completas de Horácio (1941, p. 15), escrito por José Pérez, o Esquilino ainda existia e não havia sido demolido por Mecenas, é neste cemitério que o próprio Mecenas será enterrado, mais tarde Horácio se juntou ao amigo sendo enterrado no mesmo túmulo.

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origem vegetal, o uso destas drogas poderia ser a causa desse estado de transe e da movimentação rápida

durante os rituais mostrado nos poemas.

Tal representação, mais do que uma fantasia do poeta, poderia reproduzir uma realidade da feitiçaria

antiga. Também na Écloga VIII, de Virgílio, pode ser notado este estado de agitação da feiticeira. Tupet (1976,

p. 301) acrescenta que este é um gesto ritual comum, praticado pelas bacantes que usavam vinho para entrar

em êxtase. As drogas, o haxixe em especial, eram absorvidas como poções, fumo ou ungüentos.

Horácio mostra Canídia com os cabelos soltos e em desordem, o que talvez fosse uma forma usada pelo

poeta para lhe conferir um aspecto engraçado e passível de riso e desdém, característica ímpar do gênero

satírico. Seus trajes são reconstruídos pelas indicações do poeta: Canídia usa uma longa toga preta e tem os pés

descalços, o que nos leva já em Horácio, a notar um estereótipo comum às representações de feiticeiras que

dura até os dias atuais.

Eu mesmo vi Canídia - solta a grenha, Nus os pés, sobraçada a negra toga. (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 33 e 34).

Horácio demonstra a palidez das feiticeiras e o uivo que elas emitem, o que poderia denotar uma

identificação dessas feiticeiras com os cães que acompanham as representações de Hécate, deusa romana da

magia. Elas rasgam o cordeiro com os próprios dentes e usam o sangue, jogado nas antigas fossas, para atrais

os manes. Nesse momento, Horácio se refere à verdadeira intenção do ritual: interrogar a alma dos mortos, um

rito de necromancia. Mas, mais do que apenas interrogar os mortos, elas querem seu auxílio em um ritual. O

cordeiro sacrificado poderia ser uma forma de atrair os manes ou de agradecer a eles pela ajuda.

Com a velha Sagana errar uivando: Dava-lhe palidez hediondo aspecto: Entram a esgravatar o chão coas unhas; Rasgam c’os dentes negra cordeirinha; Derramam sobre a cova o quente sangue, Para ali os Manes atraídos, Aos nefandos conjuros lhes respondam. (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 35 ao 41).

Em seguida, vemos um rito consagrado na magia de todos os tempos que é o uso de figuras com a

finalidade de representar o que se quer atingir. As feiticeiras trazem duas estátuas, uma de cera e outra de lã,

objetos que nos remetem à Lei da Similaridade estabelecida pelo antropólogo inglês James Frazer – imagem e

objeto semelhante que serve para sua representação. A cera tem uma maior recorrência nesse tipo de operação,

vemos mais referências a esse material nas descrições mágicas em diversas obras, mas a lã é um elemento

novo, pouco conhecido.

De acordo com J. Pley (apud, TUPET, 1976, p. 303), a lã seria usada em práticas mágicas com valores

medicinais, religiosos e mágicos por fornecer o material para as bandagens empregadas em curativos, estando

associada ao desatar de magias. Esta representação nos faria supor que o rito descrito nessa Sátira seria um

ritual que busca desfazer uma magia. Horácio não descreve, como faz no Épodo V, a vítima da magia, nos

permitindo levantar várias suposições, podendo este rito ser de magia amorosa ou vingativa. O fato é que a

figura de lã se mostra superior podendo representar Canídia ou a pessoa que quer desatar uma magia e a de

cera, amedrontada, a pessoa que se quer atingir, o feitor do outro ritual. Mas a feitiçaria também poderia ser

para Sagana ou para alguém que contratou o serviço das feiticeiras. Ao evocar a fúria Tisífone, a magia pode

demonstrar ter um valor de vingança, assim o boneco de cera representa o suplicante temeroso, vítima da

feiticeira representada no boneco de lã. Tanto a magia vingativa quanto a amorosa foram comuns em Roma,

como demonstram os defixios, plaquetas de chumbo com imprecações mágicas encontradas em antigas

encruzilhadas e santuários pelos arqueólogos.

Traziam dois bonecos, um de cera

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O Poeta Romano Horácio e a Sátira Latina

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E outro e lã, que, mais avantajado, Castigar o inf’rior ameaçava. Estava humilde e súplice o de cera, Como que com servis e duros tratos, Mui brevemente parecer temia: Por Hécate uma brada; a outra invoca A feroce Tisífone: do Averno As cadelas, e horríficas serpentes Viras então vagar: vermelha a Lua, Por tal não ver, cós túmulos se esconde. (HORÁCIO, Sátiras I, VIII, 42 ao 52).

Canídia chama por Hécate, Sagana invoca Tisífone. O nome de Tisífone, de criação alexandrina, estaria

relacionado a um “castigo mortífero”. As feiticeiras soltam um grito e se preparam para enterrar a barba de um

lobo e dentes de víbora. Esse rito parece neutralizar os efeitos dos encantamentos adversos preparados por

feiticeiras mais poderosas contra possíveis ataques dos mortos.

Soltam agudo, lúgubre alarido: Como a furto no chão de loba a barba, E o dente de manchada cobra escondem: De que sorte pegou na Cérea imagem Mais vivo lume; e de horror me encheram, Não sem vingança, os brados e feitiços Daquelas bruxas: pois que, abrindo as nalgas (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 60 ao 66).

Nesse momento o espantalho do Deus Priapo não agüenta mais ver a cena e emite terríveis sonidos com

os quais coloca em fuga as duas feiticeiras.

O tronco me estalou, bem como estala Disparada bexiga. Ei-las em fuga Para a cidade; e não sem grande riso E grande zombaria, cair viras Os dentes a Canídia, e à vil Sagana A levantada cabeleira, as ervas, E dos braços os vínculos do encanto. (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 67 ao 73).

Nos versos acima vemos uma descrição cômica e satírica das feiticeiras, o que lhes expõe ao ridículo.

Canídia perde os dentes e Sagana, de cabelos arrepiados, deixa as ervas que recolheu no cemitério cair dos

braços.

Portanto, a intenção dessa sátira parece ser a grande intenção que motivava a sátira romana antiga,

como percebemos no começo deste artigo, criticar um costume que para o poeta não era aceito (a prática de

magia) de forma risível e cômica. Nessa perspectiva, Horácio por ser um poeta satírico, apresenta a feiticeira

como uma figura pitoresca, sua clareza de detalhes reflete um aspecto engraçado e, ao mesmo tempo doloroso

da feitiçaria, sendo este poema uma sátira religiosa.

Entendemos ainda que as sátiras, como esta, eram formas de Horácio demonstrar preocupações comuns

da transição República-Império, preocupações com a moral do romano atingida pelas influências estrangeiras,

manutenção das tradições e do mos maiorum (costumes dos ancestrais) e reconhecimento de uma identidade do

romano, colocando sempre a magia como algo estrangeiro e ruim. Assim, a magia estaria como a cobiça, a

avareza, o adultério, temas também criticados por Horácio, difundida no período e colocando em risco o

patrimônio ético sobre o qual se estrutura a sociedade romana e que se precisava manter.

5 Considerações Finais

Em síntese, a sátira latina usava o cotidiano de seus autores como temática, além disso, esteve

intimamente relacionada com o contexto histórico de sua produção e com as preocupações morais, passíveis de

riso e repúdio, do mesmo. Para compreender melhor essa afirmação tomamos o poeta Horácio, importante

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satírico do início do Império Romano, como exemplo. Foi fundamental que analisássemos o contexto em que

Horácio viveu, sua formação, meio social e, assim, temas de seu interesse.

Notamos que, na época de Horácio, muitas foram as preocupações da elite, sua camada social, em

relação à moralização de Roma, o que fica claramente refletido em suas sátiras. Além disso, Horácio esteve

diretamente ligado ao círculo de poetas em torno do Imperador Augusto, primeiro imperador romano e político

de grandes preocupações com aspectos da moral romana, já que os mesmos passavam por mudanças devido

aos contatos com outras culturas. Assim, esse imperador buscou meios de defender os costumes ancestrais por

meio da divulgação de poemas, criação de jogos, obras arquitetônicas e especialmente leis, tendo ao seu lado

estiveram artistas e intelectuais da elite romana que compactuavam com seu pensamento e medidas.

É nesse sentido que vemos na Sátira VIII, objeto especial de nossa análise para compreensão da ligação

da sátira latina na obra de Horácio e a moralização do período, já que a ela trata de um tema repudiado pelos

romanos, a feitiçaria, demonstrada como prática feminina em tom risível, ou seja, digna de riso e fora do

universo masculino dos leitores de poemas no período de Horácio.

6 Referências bibliográficas ALFÖLDY, Géza. A História Social de Roma. Tradução de Maria do Carmo Cary. Lisboa: Editora presença, 1989.

FRAZER, James. O ramo de ouro. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Círculo do Livro: 1978.

GRANATO. Lourenzo. Os dulcíssimos gozos da vida campesina de Quintus Horatius Flacus. (65 a.C. – 1935 d.C.) São Paulo: Typographia Rossolillo, 1935.

GRIMAL, Pierre. O século de Augusto. Lisboa: Edições 70. Lugar da História, 1992.

HARVEY, Paul. Dicionário Oxford de literatura Clássica grega e latina. Tradução de Mario da Gama Kury. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1998.

HORÁCIO. Obras Completas. Tradução de Elpino Duriense, José Agostinho de Macedo Antonio Luís de Seabra e Francisco Antonio Picot. São Paulo: Edições Cultura, 1941.

__________. Sátiras. Tradução de Antônio Luís Seabra. São Paulo: Jackson Editores – Clássicos Jackson, vol. IV. 1952.

PETRÔNIO. Satiricon. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Abril Cultural, 1981 (Grandes Sucessos).

SALVATORE, Onofrio. Os motivos da Sátira Latina. Marília: Coleção Teses n. 07. 1968.

SILVA, Gilvan Ventura da. A representação da mulher na sátira romana: Amor e adultério em Horácio e Juvenal. Revista de História,Vitória. 04, 1995.

SILVA, Semíramis Corsi. A imagem da mulher feiticeira como expressão da diferença de gênero em Roma: os poemas de Horácio e Ovídio, Klepsidra, n. 27, 2006. Disponível em: http://www.klepsidra.net/klepsidra27/feiticaria.htm. Aceso em: 28/06/2010.

SOUZA, Rômulo Augusto de. Manual de História da Literatura Latina. Pará: Editora Serviço da Imprensa Universitária, s.d.

TRINGALI, Dante. Horácio poeta da festa: Navegar não é preciso: 28 Odes latim/português. São Paulo: Editora Musa, 1995 (Ler os clássicos; v.03).

TUPET, Anne-Marie. La magie dans la poesie latine. Des origines à la fin du régne d’Auguste. Vol. 01. Paris: Les Belles Lettres, 1976.

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Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web

Ibrahim Cesar Nogueira de Souza Faculdades Integradas Claretianas

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Resumo

Imersos na chamada cultura da convergência presenciamos uma mudança na forma com que as pessoas se posicionam diante das mídias. Os consumidores agora não apenas passivamente consomem mídia, mas também criam. Sua atenção está pulverizada no extenso leque de opções de entretenimento e informação que se abriu a ele. No espaço da web, que se tornou praticamente ubíqua nos grandes centros, a sociedade transforma suas relações sociais, agregando-se às chamadas redes sociais. Mas, se essa cultura da convergência deu poder aos consumidores também deu mais poder aos produtores de conteúdo. Se a publicidade tem a missão de criar mensagens persuasivas sobre produtos e marcas, a exploração das redes sociais se apresenta como uma ótima oportunidade de dirigir mensagens para públicos-alvos de específicos. Novos paradigmas e formas de publicidade estão surgindo, neste artigo esboça-se algumas características das redes sociais e algumas apropriações para a publicidade e propaganda. Palavras-chave: Redes Sociais, Sites de Redes Sociais, Cultura da Convergência, Publicidade 1 Introdução

Com a imersão de nossa sociedade no digital, a acessibilidade da mídia, comunicação e tecnologias

sociais se tornou praticamente ubíqua o que levou a uma mudança comportamental em nossas vidas diárias.

Isso é interessante não apenas porque parece significar que a propaganda pode atingir as pessoas todo o tempo,

não pode, mas também porque as pessoas podem acessar a propaganda todo o tempo, o que é muito mais

significante.

A relação do indivíduo com a mídia vem mudando com as novas tecnologias, em especial com a larga

adoção da web, no que se convencionou chamar de mídia social. Marcas e produtos agora podem ser acessados

pelas pessoas quando elas quiserem. Isso faz o antigo paradigma da propaganda virar de ponta-cabeça.

Novas formas de propaganda e de se relacionar com o consumidor estão surgindo como alternativas aos

antigos paradigmas, em especial nos sites de redes sociais, que mostraram que fizeram mais do que atrair

usuários e recursos publicitários dos sites tradicionais. Tornaram-se o destino primário dos usuários online e

parecem representar o próximo estágio na experiência online, servindo como pontos de controle para gerenciar e

enriquecer o estilo de vida das pessoas que estão acessando a web.

E o Brasil se apresenta como um dos países em que os sites de rede social mais encontram adeptos.

Desde a explosão das telecomunicações, o desenvolvimento acelerado da

tecnologia e a criação de novos protocolos sociais e usos da mídia, o Brasil passou de um país subdesenvolvido

para a nona economia do mundo e esse crescimento se reflete em sua forte presença na web.

Na primeira parte do presente estudo apresenta-se um panorama geral do que Henry Jenkins, principal

referencial teórico deste trabalho, chama de cultura da convergência e de que forma isso, aliado às condições

sociais, provoca diversas mudanças na ordem social e no comportamento dos indivíduos, que passam a se reunir

em grupos mais ou menos distribuídos sem estarem atrelados a fatores geográficos graças ao advento da

comunicação mediada por computador, formando um padrão de interação conhecido como redes sociais. A parte

seguinte define o conceito de rede social e sua mecânica particular, que emerge das conexões e interações de

seus atores. Na última parte, expõem-se formas em que a publicidade está sendo utilizada nessas redes. A

metodologia utilizada foi a de pesquisa bibliográfica tanto física quanto eletrônica, em uma tentativa de elucidar

conceitos e a estrutura das redes sociais e como a publicidade e a propaganda podem se adaptar aos novos

hábitos de consumo de mídia dos consumidores.

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Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web

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2 Segundo Dilúvio Kevin Kelly, ex-editor da consagrada revista norte-americana Wired, abriu uma apresentação proferida

em 2007 durante a conferência Eletronic Gathering compartilhando uma informação curiosa. Até aquele

momento, a web como conhecemos, com todo seu conteúdo gigantesco, tinha apenas 5.000 dias de existência.

Há dez anos ninguém poderia prever o que aconteceria. Quando imaginavam o que poderia ser o máximo que

chegaram a descrever foi “Será como a TV, só que melhor”. A TV era o padrão, o meio de comunicação em

massa que reinava. E tudo o que aconteceu não poderia ter sido previsto por ninguém. Se tudo aquilo havia

acontecido em cinco mil dias, disse Kevin Kelly, o que não iria aconteceria em outros cinco mil dias?

Já em 1950, Albert Einstein declarou que três bombas haviam explodido no século XX: a bomba

demográfica, a bomba atômica e a bomba das telecomunicações. O que Einstein chamou de bomba das

telecomunicações foi chamado por Roy Ascott, um dos primeiros e principais teóricos da arte em rede, de

“segundo dilúvio”, o das informações.

As telecomunicações geram esse novo dilúvio por conta da natureza exponencial, explosiva e caótica de seu crescimento. A quantidade bruta de dados disponíveis se multiplica e se acelera. A densidade dos links entre as informações aumenta vertiginosamente nos bancos de dados, nos hipertextos e nas redes. Os contatos transversais entre os indivíduos proliferam de forma anárquica. É o transbordamento caóticos das informações, a inundação de dados, as águas tumultuadas e os turbilhões da comunicação, a cacofonia e o psitacismo ensurdecedor das mídias. A guerra das imagens, as propagandas e as contra-propagandas, a confusão do espírito. (LÉVY, 2003, p.13)

Os contatos transversais de que cita Lévy estão provocando mudanças profundas em nossa forma de

entender e se relacionar com o mundo e, mais importante, uns com os outros. As pessoas estão comunicando

mais coisas a cada vez mais pessoas. Essas mudanças comportamentais, é claro, refletem-se na forma como

tomamos decisões de voto, como compramos e como nos deixamos influenciar ou não. Tópicos de grande

importância para a propaganda. E é nesse contexto que sites de redes sociais, como Orkut, Facebook e outros,

estão se tornando o meio primário de comunicação para um geração de consumidores digitalmente conscientes.

Sobre a bomba da explosão demográfica, Lévy apontava apenas dois caminhos: um deles é o

extermínio, a guerra, e isso implica em um desprezo pelas pessoas. O homem é reduzido a uma formiga,

esfomeado, aterrorizado, explorado, deportado, massacrado. O outro caminho é a exaltação do indivíduo,

tecendo incansavelmente relações entre as idades, os sexos, as nações e as culturas, criando redes sociais.

2.1 Cultura da convergência

A Galáxia de Gutenberg, conceito de McLuhan para se referir à revolução causada pela invenção da

imprensa dos tipos móveis que foi o pontapé inicial das comunicações e compartilhamento de informações,

expandiu-se para tornar-se a Biblioteca de Babel, metáfora apropriada de um conto de Jorge Luís Borges sobre

uma biblioteca interminável, infinita, que teria todos os livros do mundo, inclusive aqueles não escritos e todas

as possibilidades dos existentes, alguns deles indecifráveis. Essa metáfora é uma boa descrição para a web: um

conjunto de páginas ligadas umas às outras, em diversas línguas, em uma profusão interminável.. Isso acarretou

uma série de mudanças nas relações, produção, comportamento, protocolos culturais e economia. Mudanças

sociais e psicológicas que, em última instância, levaram a mudanças na própria topografia da subjetividade.

Nossos hábitos se alteraram, consumimos mídia de outras formas. Saímos da era da escassez de conteúdos,

para uma abundância virtualmente infinita. A mudança de paradigma é ainda mais brutal ao analisarmos os

chamados membros da Geração Y, os quais podemos chamar de “nativos da web” . Não que eles sejam

orientados a consumir determinado tipo de mídia ou mesmo se limitem a esta. O ser humano não consome

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Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web

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“mídia digital” ou “tradicional”. Ele escolhe a informação de maior valor para ele e a busca que lhe oferecer um

suporte melhor. Essa distinção é muito importante.

Essa conjuntura de diversas mídias e mudanças profundas vem causando muito otimismo em alguns,

pregando que a nova relação dos consumidores com a mídia irá criar sociedades melhores, melhores relações

sociais e formas mais efetivas de se fazer propaganda, como se a “nova mídia” fosse acabar de vez com a velha

e indesejável “mídia tradicional”. Mas também surgem os apocalípticos que pregam exatamente o oposto.

McLuhan (apud VIANA, 2009) já escreveu que “inúmeras confusões e sentimentos de desespero emergem

invariavelmente em períodos de grande transição tecnológica e cultural”. Pois é exatamente por um destes

períodos que estamos passando, vivendo o que Jenkins (2008) chama de cultura da convergência.

A cultura da convergência se expressa na mudança da lógica pela qual a cultura opera, com ênfase no fluxo de conteúdos pelos canais midiáticos. Define mudanças tecnológicas, culturais e sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura. Algumas das ideias comuns expressas por este termo incluem o fluxo de conteúdos através de vários suportes midiáticos, a cooperação entre as múltiplas indústrias midiáticas, a busca de novas estruturas de financiamento das mídias, e o comportamento migratório da audiência, que vai a quase qualquer lugar em busca das experiências que deseja. Talvez, num conceito mais amplo, a convergência se refira a uma situação em que múltiplos sistemas midiáticos coexistem e em que o conteúdo passa por eles fluidamente. Convergência é entendida aqui como um processo contínuo ou uma série contínua de interstícios entre diferentes sistemas midiáticos, não uma relação fixa. (JENKINS, 2008, p.332-333)

E o surgimento de um novo meio não implica na morte do outro. Os apocalípticos de plantão anunciaram

o fim da televisão e o fim da publicidade. E até mesmo há quem tenha decretado a data exata para o fim dos

jornais impressos . De acordo com o viés da cultura da convergência, os meios coexistem no ecossistema

midiático. Como assinala Jenkins, os velhos meios de comunicação em massa nunca morrem – nem

desaparecem necessariamente. O que morre são apenas as ferramentas que usamos para acessar o seu

conteúdo – a fita cassete, a betacam. São o que os estudiosos dos meios de comunicação chamam de

tecnologias de distribuição (delivery technologies).

Para entender o conceito de mídia, que aqui é entendido como análogo a meio de comunicação,

usaremos o modelo abordado pela historiadora Lisa Gitelman (apud JENKINS, 2008, p.40), que oferece um

modelo de mídia que trabalha em dois níveis: no primeiro, um meio é uma tecnologia que permite a

comunicação; no segundo, um meio é um conjunto de “protocolos” associados a práticas sociais e culturais que

cresceram em torno dessa tecnologia. Sistemas de distribuição são apenas e simplesmente tecnologias: meios

de comunicação são também sistemas culturais. Tecnologias de distribuição vem e vão o tempo todo, mas os

meios de comunicação persistem como camadas dentro de um estrato de entretenimento e informação cada vez

mais complicado.

Em suma, o conteúdo de um meio pode mudar, seu público pode mudar e seu status social pode subir ou

cair, mas uma vez que um meio se estabeleça, ao satisfazer alguma demanda humana essencial, ele continua a

funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação.

A grande mudança que ocorre, logo, não é em relação às mídias e aos meios. É uma mudança das

tecnologias de distribuição e mais importante, em relação aos protocolos. Protocolos, para usar a explanação de

Jenkins, expressam uma grande variedade de relações sociais, econômicas e materiais. E protocolos estão longe

de serem estáticos.

Na cultura da convergência, o conteúdo não mais se limita a uma única mídia, o mundo torna-se

transmidiático. Livros são adaptados em filmes, histórias em quadrinhos, jogos e são discutidos incansavelmente

por suas bases de fãs que criam uma rede social em torno do assunto. Se antes o nosso modelo de publicidade

se baseava em interromper o entretenimento da audiência para mostrar a propaganda, com a mudança dos

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protocolos e a onipresença de entretenimento em outros canais, esse modelo não está superado. Mas deve ser

entendido como uma possibilidade de mídia entre diversas outras que estão surgindo e sedimentando-se como

canais com grande audiência e envolvimento.

Chamam-se de mídias sociais esses meios que se desenvolvem no ambiente da web na comunicação

mediada pelo computador. Mídias pelas quais se desenvolve os “contatos transversais” de Lévy. Twitter, Digg,

MSN, Orkut, MySpace e Facebook sendo algumas das maiores expressões das mesmas.

2.2 A Publicidade e propaganda

Não há terreno do intelecto humano, principalmente entre as ciência humanas, que não haja um extenso

debate ontológico. Em Comunicação Social, qual seria a função da propaganda? A propaganda é uma tática

mercadológica, um instrumento de vendas (ALDRIGHI, 1989). Mas não se restringe a isso.

Uma imprecisão terminológica vem pontuando o estudo da área. Mas como não existe razão válida

etimológica para a adoção de uma em detrimento de outra, legando o termo a decisões arbitrárias de definição,

adotaremos apenas o termo propaganda, pois o mesmo engloba perfeitamente ambos significados, conceitos e

finalidades que ora um autor atribui a publicidade, ora atribui a propaganda (MARQUES DE MELO, 1998). Porém

convencionar-se-á referir à publicidade quando a mesma for associada à venda de produtos, exposição de novos

serviços, promoções, geralmente com objetivos imediatos. Já a propaganda opera na difusão idéias, crenças,

atitudes, com objetivos a longo prazo.

Randazzo (1997), citando Bovee e Arens, nos apresenta a seguinte definição:

A publicidade combina eficientemente as ciências do comportamento (antropologia, sociologia, psicologia) com as artes da comunicação (redação, dramaturgia, artes gráficas, fotografia e assim por diante) para motivar, modificar ou reforçar as percepções, crenças, atitudes e o comportamento do consumidor.

A propaganda e publicidade agregam valor aos produtos que anunciam. Surgida como uma forma de se

fazer público e diferenciar o excedente de produção das indústrias, foi se tornando cada vez uma atividade

focada em trabalhar com a imagem de produtos e marcas e ganhou uma força tão poderosa em nossa

sociedade, que é considerada por muitos como a mitologia de nossos tempos (RANDAZZO, 1997).

3 Redes Sociais

Redes sociais sempre existiram. Quando Aristóteles disse que o homem é um animal político, ele

chamava atenção para a necessidade natural de estar em um ambiente social e ser um agente determinante no

mesmo. Séculos mais tarde, Maslow iria incluir na sua famosa pirâmide das necessidades básicas conceitos como

reputação e prestígio, que fazem o capital social, que emerge em nossas ligações sociais. O animal político forma

conexões com outras pessoas define formas de convívio, em suma, forma redes sociais.

Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou

grupos; os nós das redes) e suas conexões (interações ou laços sociais) (WASSERMAN e FAUST, 1994;

DEGENNE e FORSÉ, 1999 apud RECUERO, 2009)

Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das

conexões estabelecidas entre os diversos atores. (RECUERO, 2009). Redes sociais não são sites de

relacionamento. Redes sociais são pessoas interagindo, não ferramentas de publicação ou interação.

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3.1 Sites de Redes Sociais

Plataformas de interação podem ser boas ferramentas de articulação e animação de redes, muitas vezes,

sendo seu único suporte. Os mais populares são os sites de redes sociais (SRSs). Muitas vezes são

erroneamente entendidos como a rede social em si, mas ele corresponde apenas uma plataforma, através do

qual a rede social irá se expressar. Estes, como definidos por Boyd & Ellison (2007) permitem i) a construção de

uma persona através de um perfil ou página pessoal; ii) a interação através de comentários; e iii) a exposição

pública da rede social de cada ator. A diferença entre sites de redes sociais e outras formas de comunicação

mediada pelo computador, como mensageiros instantâneos por exemplo, é o modo como permitem a visibilidade

e a articulação da rede social, a manutenção dos laços sociais estabelecidos no espaço offline.

Há dois conceitos trabalhados por Boyd e Ellison (2007) que ajudam a delimitar a definição: O primeiro é

a apropriação. O sistema utilizado para manter as redes sociais e lhe dar sentido, refere-se ao uso das

ferramentas pelos atores. O segundo é a estrutura, que apresenta um duplo aspecto. A principal característica

da estrutura é a exposição pública da rede de atores, que permite separar mais nitidamente esse tipo de site e

outras formas de comunicação mediada pelo computador. O duplo aspecto refere-se ao fato de que temos SRSs

em que a rede social se expressa pelo atores em sua “lista de amigos”, “conhecidos” ou “seguidores”. E há

outras que realmente está ativa através das trocas conversacionais dos atores, aquele em que a ferramenta

auxilia a manter. Nesse caso, a conexão é associada a um link, a uma adição ou a uma filiação preestabelecida

pela estrutura do sistema.

Assim, na categoria de sites de redes sociais estariam os fotologs, weblogs, microblogging e sistemas

como Orkut e Facebook, que são mais associados nesta categoria. E embora os SRSs atuem como suporte para

as interações que constituem as redes sociais, eles não são redes sociais per se. São sistemas que auxiliam a

apresentá-las, coordená-las, percebê-las e mesmo expressá-las. Mas são os atores sociais, aqueles que utilizam

os SRSs, que constituem essas redes.

Com base nessa definição, de acordo com Recuero (2009) existem dois tipos de SRSS: i) sites de rede

social propriamente ditos; e ii) sites de redes sociais apropriados.

3.1.1 Sites de redes sociais propriamente ditos

Sites de redes sociais propriamente ditos são aqueles que compreendem os sistemas focados em expor e

publicar as redes sociais dos atores. Somente a partir da publicação de um perfil que é possível interagir nesses

sistemas. São focadas na publicização dessas redes. Pertencem a esta categoria os sites tais como Orkut,

Facebook e Linkedin.

3.1.2 Sites de redes sociais apropriados

Sites de redes sociais apropriados são aqueles sistemas que não eram, originalmente, voltados para

mostrar redes sociais, mas que são apropriados pelos atores com este fim. É o caso dos fotologs, com sua

expressão máxima no serviço Fotolog, dos weblogs e de ferramentas de microblogging como o Twitter e o

Tumblr. A forma de interagir se dá através de um espaço pessoal, que é então apropriado pelo indivíduo como

um perfil, as redes sociais vão se criando através de links, comentários e outras formas passíveis de interação.

Um fator importante para ser considerado no estudo de sites de redes sociais e propaganda é que os

diversos sistemas não necessariamente representam redes independentes entre si. Com frequência, um mesmo

ator social pode utilizar diversos sites de redes sociais com diferentes objetivos. Assim, ferramentas diferentes

serviriam para propósitos diferentes em seu uso. Uma distinção vital ao se pensar em propaganda. Ao elaborar o

plano de mídia, a definição de quanto investir em cada mídia para que a mensagem publicitária chegue mais

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efetivamente em seu público-alvo específico, deve-se buscar entender qual os valores que os atores buscam em

determinada rede, para que através da propaganda possa enviar mensagens que os mesmos apreciarão.

3.2 Capital Social e Sites de Redes Sociais

Constroem-se valores nesses ambientes seja através da própria ferramenta, seja através do uso da

mesma. Para a propaganda, esta é uma das áreas que fornece as informações mais valiosas para se entender o

público-alvo ou como planejar uma campanha. Verificar os tipos de valores em cada site pode ajudar na

percepção do capital social construído nesses ambientes e sua influência na construção e na estrutura das redes

sociais.

Sites de redes sociais oferecem um grande diferencial, já que são capazes de construir e facilitar a

emergência de tipos de capital social que não são facilmente acessíveis aos atores sociais no espaço offline. A

primeira mudança significativa que esses sites proporcionam diz respeito ao capital social relacional, ou seja,

com as conexões construídas, mantidas e amplificadas. As conexões nesses sites não são iguais às offlines, já

que são mantidas pelo sistema e não pelas interações.

Recuero (2009) relaciona quatro tipos de valores mais comumente relacionados com os sites de redes

sociais: Visibilidade, Reputação, Popularidade e Autoridade.

3.2.1 Visibilidade

Os SRSs permitem aos atores estarem mais conectados, isso significa que há uma visibilidade social

maior para estes nós, sendo um nó, um ator em uma determinada posição em uma rede social. Quanto mais

conectado este estiver, maior a chance de que ele receba determinados tipos de informação que estão circulando

na rede e de obter suporte social quando solicitar. A visibilidade é um valor por si só, decorrente da presença do

ator na rede social. Mas ela também é a matéria-prima para outros valores que virão a seguir.

3.2.2 Reputação

A reputação é relacionada, de acordo com Buskens (1998 apud RECUERO, 2009), com as informações

recebidas pelos atores sociais a respeito do comportamento dos demais e o uso dessas informações no sentido

de decidir como se comportarão. A reputação é aqui compreendida como a percepção construída de alguém

pelos demais atores e portanto implica três elementos: o “eu”, o “outro” e a relação entre ambos. Esse conceito

implica diretamente que existem informações sobre quem somos e o que pensamos, que auxiliam outros a

construir, por sua vez, suas impressões sobre nós.

Partindo de Goffman (1975 apud RECUERO, 2009), a reputação seria uma consequência de todas as

impressões dadas e emitidas deste indivíduo. A reputação, pode assim, ser influenciada por nossas ações, mas

não unicamente por elas, pois depende também das construções dos outros sobre essas ações. Uma das grandes

novidades com a Internet e a web é que a reputação é mais facilmente construída através de um maior controle

sobre as impressões deixadas pelos atores. Ou seja, as redes sociais na Internet são extremamente efetivas

para a construção da reputação. Através da reputação é possível selecionar em quem confiar e com quem

transacionar. A reputação é, assim, um julgamento do outro, de suas qualidades. Uma marca pode se beneficiar

muito da exposição nos canais certos.

Mas é importante ressaltar que a reputação nas redes sociais não é simplesmente o número de leitores

de um blog ou o número de seguidores do Twitter. A reputação é relacionada às impressões que os demais

atores têm de outro ator, ou seja, do que as pessoas pensam de uma determinada blogueira, por exemplo. A

reputação é uma percepção qualitativa, que é relacionada a outros valores agregados.

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Quando falamos em redes sócias na web, não há um único tipo de reputação. Cada nó na rede pode

construir tipos de reputação baseados no tipo de informação que divulga em seu perfil, weblog, fotolog, etc.

Todos os nós, possuem em menor ou maior grau, algum tipo de percepção na sua audiência. A reputação,

assim, refere-se às qualidades percebidas nos atores pelos demais membros de sua rede social.

Ou seja, podemos gerenciar a própria reputação já que os atores podem construir impressões de forma

intencional. E é aqui que a propaganda pode-se apropriar das redes sociais. Com essa intencionalidade, poderia

trabalhar na construção de sua própria reputação, seja através das informações publicadas, a forma com que é

apresentada, seja através da construção da visibilidade social.

3.2.3 Popularidade

A popularidade é um valor diretamente associado com a audiência, que também é facilidade nas redes

sociais na web. Como a audiência é mais facilmente medida na rede, é possível visualizar as conexões e as

referências a um indivíduo, a popularidade é mais facilmente percebida e mesmo mensurada, ao ponto de poder

se seguir em tempo real as estatísticas de acesso, obtendo assim importantes dados.

Um nó mais centralizado na rede é mais popular porque há mais pessoas conectadas a ele e, por

conseguinte, esse nó poderá ter uma capacidade de influência mais forte que outros nós na mesma rede. A

popularidade, como valor, refere-se portanto, mais a uma posição estrutural do nó na rede do que a percepção

que os demais nós têm. A popularidade, logo, pode ser inferida a partir de um estudo estrutural da rede social e

tem um valor quantitativo. A popularidade também é mais facilmente percebida na web por causa da chamada

permanência ou persistência das interações naquele meio (BOYD, 2007 apud RECUERO, 2009).

Enquanto a visibilidade é um valor relacionado à capacidade de cada um de nós de se fazer visto, e

portanto há os que são mais vistos e outros que são menos vistos, a popularidade é uma característica

relacionada à posição estrutural. Apenas alguns nós possuem popularidade, mas todos possuem visibilidade.

A popularidade pode inclusive ser mensurada ao utilizar-se de algumas ferramentas e esses rankings

acabam influenciando a própria estrutura na rede social, pois aumenta a autoridade dos atores mais populares e

cria a necessidade de se ter muitas relações e aumentar a visibilidade naqueles que buscam tal atributo. Alguns

sites de redes sociais promovem os rankings, mas há diversas ferramentas de terceiros que mensuram a

popularidade, compartilhamento de informações e praticamente quaisquer outros atributos que sejam

valorizados naquela rede em particular.

3.2.4 Autoridade

Um quarto tipo de valor é a autoridade. A autoridade refere-se ao poder de influência de um nó na rede

social. Não é a simples posição do nó na rede, ou mesmo, a avaliação de sua centralidade ou visibilidade. É uma

medida da efetiva influência de um ator com relação à sua rede, juntamente com a percepção dos demais atores

da reputação dele.

Autoridade é uma medida de influência, da qual se depreende a reputação. A autoridade é também um

valor por si mesmo, na medida em que está relacionada á reputação, mas de forma diferente daquela do

compartilhamento de conhecimento, da contribuição.

4. Comunidades em Redes Sociais

Uma das grandes vantagens estratégicas no estudo das redes sociais na web para a publicidade e

propaganda é que podemos entender grupos com particularidades e suas dinâmicas mais facilmente do que os

observados fora de tais redes. Entre as variáveis envolvidas no processo de comunicação que levam as pessoas

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a responderem aos estímulos se encontram o interesse, exposição seletiva, percepção seletiva e memorização

seletiva (WOLF, 1995). Nas redes sociais da web podemos com uma margem de erro muito menor, criar

condições que nossas mensagens adéqüem-se a tais variáveis.

E, dentro dos sites de redes sociais existe um outro elemento que é muito importante para a publicidade

e propaganda, que são as comunidades. Dentre as várias definições, destaca-se a de Rheingold em tradução de

Recuero (2009, p. 137):

As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Rede [Internet], quando uma quantidade suficiente de gente adiante essas discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes sentimentos humanos, para formar redes de relações pessoais no ciberespaço.

As comunidades virtuais são grupos em torno de interesses em comum, e independentes da proximidade

geográfica. Tal formato da rede em agremiações pautadas por interesse é defendida por Wellman e Castells

(apud RECUERO, 2009) como resultado da ascensão do individualismo. O formato das comunidades e sites de

redes sociais é centrado nos interesses do indivíduo e não de um grupo. O papel do indivíduo na construção da

rede é predominante, já que ele obtém total controle sobre com quem interagirá e com quais pessoas construirá

os laços sociais, montando suas redes com base em seus interesses, valores, afinidades e projetos. A rede, em

suma, centra-se nos autores sociais, no que Wellman define como “individualismo em rede” (RECUERO, 2009).

Essa distinção é de suma importância. O indivíduo é protagonista nas redes sociais na web: seleciona

onde participar, com quem interagir e quais assuntos tratar. De forma tal que a pessoa pode isolar-se de

qualquer opinião contrária e somente reafirmar suas próprias convicções, o que não promove diálogos na

sociedade e isola os indivíduos ainda mais na massa.

4.1. Dinâmicas nas Comunidades

O indivíduo, então, seleciona as comunidades às quais se filia, pulverizando sua atenção para todo o

espectro de interesses que possam motivá-lo. O publicitário, ao fazer o levantamento de seu público-alvo

baseado em redes sociais, através da análise dos assuntos procurados, consegue assim criar mensagens

especialmente para ativar as prédisposições daquele indivíduo. O advento da comunicação mediada pelo

computador e o surgimento das redes sociais na web tornou a segmentação da publicidade uma prática ainda

mais precisa e refinada. É um espaço onde o indivíduo já acessa por interesse – as mídias sociais são aquelas

que indivíduo busca consumir em contraposição aquelas que “empurram” o conteúdo para um grande número de

pessoas, que seriam as das mídias tradicionais, que parecem sempre ser uma intromissão inserida durante o

entretenimento das pessoas ou invadindo o espaço e o cotidiano das pessoas. Pense nos comerciais na televisão

que interrompem os programas ou outdoors colocados na paisagem urbana.

Pela natureza da própria comunicação mediada pelo computador, a exposição aos conteúdos publicitários

é maior e pode acontecer quando a pessoa quiser e quantas vezes a mesma quiser. Logo a exposição seletiva

ganha contornos muito mais nítidos e que depositam no consumidor grande papel atuante, pois escolhe

efetivamente quando consumir esse material. Essa mudança na relação do consumidor está provocando grandes

revoluções na área. O anúncio tradicional é o paradigma dos meios de comunicação em massa e não exploram

todas as possibilidades da web. Cada vez mais surge a necessidade de se criar conteúdos. Surgem novas formas

de publicidade, tais como: vídeos contendo histórias serializadas em torno de produtos, sites contendo

informações, conteúdo e até mesmo requisitando criações dos consumidores, geralmente prática associada a

algum tipo de promoção e os famosos Alternative Reality Games, ou ARG’s, jogos de realidade alternativa que,

utilizando-se de narrativas transmidiáticas engajam os consumidores em aventuras em busca de pistas para a

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resolução de mistérios. O conceito de transmídia é intimamente ligado à cultura da convergência e refere-se a

conteúdos que são trabalhados em diversas e múltiplas mídias, não apenas uma.

[...]cada mídia faz o que pode fazer melhor – assim, uma história pode ser primeiramente introduzida em um filme, posteriormente desenvolvida na televisão, em romances, em histórias em quadrinhos, e por fim o seu mundo pode ser explorado e vivenciado através de jogos eletrônicos (games). Cada uma dessas franquias deve ser auto-suficiente, para permitir o consumo autônomo. Isso significa, por exemplo, que você não precisa ter visto o filme para apreciar o game e vice-versa. (JENKINS, 2003, p.135)

Quando as pessoas estão em uma comunidade em que são ativos, os outros membros têm um efeito

profundamente poderoso nelas. As sementes para a formação de grupos é muito anterior à web e a própria

formação da sociedade moderna. É parte fundamental de nossa natureza. O fato de apenas saber que algumas

pessoas estão no mesmo lado que determinado indivíduo e outros não estão, altera nossa identidade social

(TAJFEL et al. , 1971). A afiliação a grupos cresce rapidamente e até mais poderosamente se necessita de um

rito de iniciação (ARONSON e MILLS, 1959). E o rito pode assumir formas bem simples. A necessidade de convite

para acessar determinadas comunidades e sites, ou demonstrar domínio do assunto. Ou consumir determinada

marca.

Tajfel, através do paradigma dos grupos mínimos, demonstraram como os grupos podem surgir de

praticamente nada. O desejo de formar e associar grupos sociais é extremamente poderoso e parte de nossa

natureza. Entre outras coisas, pertencer a estes grupos nos dá um dos melhores presentes, a identidade social, e

esta contribui para a construção de quem nós somos. Objetos que nos apegamos representam uma extensão de

nós mesmos (BELK,1988), logo, o consumo de determinadas marcas e produtos também influencia nossa

identidade social. É por isso que muitas marcas andam apostando muito em mídias sociais, pois reforça a

identificação com a marca.

E uma vez que alguém associa-se a um grupo, este começa a ser levado em direção à conformidade.

Como já abordado, o papel do indivíduo é de protagonismo neste “individualismo em rede”, logo ele pode

escolher que tipo de informação consumir, jamais acessando canais de opinião divergente, se assim ele desejar.

As opiniões do grupo vão influenciando a do indivíduo e sedimentando conceitos.

A mudança no paradigma comunicacional dos meios de comunicação em massa para a mídia social

coloca muita responsabilidade nos atores e não em um editor que definirá qual informação será transmitida e

qual não. Logo, como se dá a dinâmica de elencação de temas a serem discutidos? Uma pesquisa mostrou que

se uma pessoa no grupo repete a mesma opinião três vezes, terá 90% do efeito de que três pessoas naquele

grupo repetição aquela mesma opinião (WEAVER et al, 2007). Parte da explicação poderia ser atribuída ao fato

de que grupos se formam com pessoas que compartilham de interesses mais homogêneos e logo, se

expressariam de forma parecida.

Mas o estudo demonstra que o poder da repetição se dá basicamente por causa de nossa memória. A

repetição da opinião aumenta a acessibilidade da mesma, logo presume-se que ela tenha uma prevalência

naquele meio, caso contrário seria imediatamente repelida por outro membro e abandonada. Os indivíduos

tendem a julgar as opiniões repetidamente expressas como um clima geral do grupo, um efeito já muito

conhecido, o da cristalização da opinião (WOLF, 1995).

Toda a publicidade vem se baseando no poder da repetição. A grande diferença, e vale notar, é que em

redes sociais trata-se de pessoas e sua influência sobre os outros. Por terem muitas vezes os mesmos valores,

são rápidos em adotarem decisões majoritárias, buscando a conformidade com o grupo.

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5. Apropriações da Publicidade & Propaganda das Redes Sociais

Tendo em vista todo o contexto sociológico, tecnológico e psicológico descrito até o momento, podemos

inferir que a grande mudança no que concerne à publicidade e propaganda reside no fato de que tendo a

atenção das pessoas se pulverizado pelos diversos meios. A publicidade deve se apropriar das mais diversas

mídias e espaços disponíveis para o planejamento direcionar determinadas mensagens a determinados públicos.

5.1. Ecossistema hostil

A web se mostra um ecossistema altamente hostil à presença de publicidade, entre 80 e 90% dos

usuários repelem a publicidade (Nielsen, 2004). De todas as formas de publicidade, a mais repelida é o pop-up

que se abre no centro da página, onde 95% das pessoas o rejeitam completamente.

A seguir, as formas mais repelidas de publicidade destacam elementos dela mesma que frustram o

usuário, terminam por incomodá-lo negativamente, o que pode vir a ser danoso para a imagem do anunciante.

Em segundo lugar, com 94%, estão os anúncios que demoram muito para carregar. Um dos fatores é ligado

diretamente à capacidade de banda dos usuários, porém os anúncios podem ser criados de forma a não serem

tão pesados ou usarem tecnologias que necessitam de maior banda. Tudo dependerá, é claro, de qual nicho de

usuários pretende-se atingir. Vídeos, elementos construídos em flash e peças embutidos de sons exigem uma

quantidade maior de banda, por isso podem demorar para serem carregados por usuários com as mais diversas

limitações de banda.

Uma das medições de conversão em publicidade na rede adotada é a taxa de cliques, logo, os anúncios

com maiores taxas de cliques significavam uma eficácia maior. A fim de levar o usuário a clicar nos mesmos,

muitos anúncios enganam os usuários, criando botões de fechar falsos ou mimetizando links e objetivos que o

usuário busca naquele site. Esse método é repelido por 94%, enquanto 93% detestam aqueles que não têm nem

mesmo o botão para fechar.

5.1.1 Cegueira de banners

A cegueira de banners é um fenômeno observado através do emprego de testes de usabilidade com

diversos usuários o qual demonstrou que, além de se irritarem com a presença dos mesmos, seu padrão de

visualização tende a ignorar completamente as áreas contendo banners (NIELSEN, 2007; BENWAY e LANE,

1998). Dos diversos estudos sobre o tema, geralmente conclui-se que a “cegueira” é causada por: i) a

acomodação por estímulo repetitivo (usuários frequentes do site tendem a se familiar com a interface do mesmo

e evitar os anúncios); ii) más experiências prévias (banners inúteis e mentirosos ou que levam à sites com

conteúdo malicioso); e iii) a expectativa do usuário ao entrar no website (que busca no mesmo determinado

conteúdo).

Logo, a publicidade deve buscar formas alternativas de atingir seu público na web além do banner, que é

muitas vezes ignorado, principalmente por usuários frequentes de uma página na internet.

5.2 Indicações

Dos consumidores na web, 78% confiam em outros usuários, apenas 14% deles confiam na publicidade.

O pontapé inicial de todos os sistemas de recomendação de produtos na internet ocorreu com o surgimento

dessa tecnologia no site da Amazon.com, que foi lançado em 15 de maio de 1997 (COLE, 2008). Os potenciais

consumidores de um produto, além de poderem ver uma foto, ler as características, preço, condições de

pagamento e envio também tem à sua disposição, a opinião de compradores do mesmo. Que podendo

expressar-se livremente podendo exaltar tanto os benefícios como os defeitos, influenciando no momento da

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compra. Há diversas formas de estimular os consumidores a falarem sobre os produtos, e a publicidade pode

encontrar formas de aumentar o engajamento do mesmo.

5.3 Marketing de Conteúdo

Com a cultura da convergência e um maior cardápio de mídias, o público começou a buscar. Cresceu a

consciência de que não deveriam apenas criar conteúdo que interrompesse o entretenimento ou a informação

das pessoas, mas que criasse conteúdo com caráter publicitário.

Mas ainda mais importante que isso, a mesma cultura que deu poder ao consumidor, permitindo que

suas criações atingisse a uma audiência vasta de pessoas fora dos veículos tradicionais, também abriu

possibilidades para as empresas que antes tinham suas oportunidades de enviar mensagens nos grandes

veículos, agora podem fazê-lo em outros canais, para públicos diferentes e muitas vezes com maior efeito, já

que uma das características deste ambiente é a atenção dedicada e a forma com que as pessoas socializam

conteúdos que apreciam.

5.4 Branding

O branding ou gestão de marcas, ganha um terreno com as redes sociais e as novas formas de

expressão trazidas com as mídias sociais que nunca tiveram, pois agora mais do que nunca, há formas mais

precisas de medir os efeitos de determinadas ações sobre a imagem de uma marca vindo diretamente das

pessoas. Surgiram inclusive ferramentas para medição semântico-linguística de como as pessoas se expressam

em sites de redes sociais a respeito desta ou daquela marca.

Marcas segundo a definição de Bullmore (apud YAKOB,2008)) são “feitas e de propriedade das pessoas

[...] pelo público [...] por consumidores” e que “[...] a imagem de uma marca é algo subjetivo. Duas pessoas

nunca, quer similares sejam, terão precisamente a mesma visão da mesma marca”. Feldwicks (apud YAKOB,

2008) coloca isso de outra forma dizendo que “uma marca é simplesmente uma coleção de percepções na mente

do consumidor”.

A imagem de qualquer marca em particular será subjetiva, como qualquer experiência dos seres

humanos, mas ainda assim existirão em relação a um entendimento da percepção coletiva da marca.

Wittgenstein (apud YAKOB, 2008) argumentou que não existe algo como uma linguagem privada: a ideia de uma

linguagem que seria inteligível a não ser para ser cunhador original é impossível, pois não poderia funcionar

como um código de comunicação para começar assim como não haveria formas de um usuário assinalar

significados aos signos supostos. Da mesma forma, argumenta Yakob (2008) uma marca de sentido apenas

individual não faria sentido. O entendimento de qualquer marca existe em relação ao entendimento coletivo

daquela marca. Marcas, assim como linguagens, só podem existir se houver uma percepção coletiva do que elas

significam. Logo, a definição que Yakob nos oferece é uma coleção de percepções coletivas na mente dos

consumidores.

Isso aplicado ao conceito defendido por Searle (apud YAKOB, 2008) de que opiniões subjetivas

coletivamente podem criar uma realidade epistemologicamente objetiva, leva à tese de que marcas seriam uma

forma de realidade construída socialmente. Muitos profissionais de marketing gostam de ver as marcas como um

fenômeno exclusivamente psicológico, mas o que torna a marca forte é a natureza coletiva e social dessas

percepções (EARLS, 2008). As preferências individuais são, elas mesmas, formada no interior de culturas. E,

para funcionar, deve participar da dinâmica social das pessoas, fazer parte da vida delas. Com as pessoas cada

vez mais pulverizando sua atenção na cultura da convergência e gastando cada vez mais tempo navegando na

web, as redes sociais mostram-se como um ambiente extremamente fértil para criação, manutenção e

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Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 60

monitoramento dessas percepções coletivas a respeito das marcas, que podem capturar em tempo real as

emoções de seus consumidores a respeito das mesmas enquanto abre um canal de comunicação direta com eles.

Um fenômeno já observado e descrito pela psicologia é definido como “prova social” ou “validade social”

(Ribeiro, 2008). O comportamento das pessoas tende a se alterar com base no número de pessoas que adotam

determinada postura, compram determinados produtos e o status que é atribuído a estes agentes. Belk (1988)

tratou o consumo como um processo de práticas interdependentes que não privilegiam a compra, ou o momento

da troca, mas que de forma contínua agrupa e articula o self como fonte de comunicação do consumidor. Na

pesquisa de Belk, os consumidores criam e expressam suas identidades sociais e pessoas através da acumulação

de bens materiais. Os consumidores comunicam quem são com um processo sócio-semiótico que liga as

significações de seus sistemas pessoais intangíveis e crenças culturais no sistema de valores dos bens materiais

(BACHA, SANTOS E STREHLAU, 2009).

Logo, consumir determinada marca ou produto não apenas supre uma carência ou se trata de um

impulso de compra determinado apenas naquele momento. É um processo interno e articulado em que o

indivíduo cria sua própria personalidade. Assim como a participação da pessoa em uma rede social cria sua

identidade e a valida, associar-se a uma marca, ajuda aos consumidores a compartilharem e fortalecerem uma

marca, enquanto associam a mesma a uma parte de sua identidade e que é reforçada pela rede em que

pertence.

E dentro dessas redes, surge o que Jenkins (2008) chama de “comunidades de marca” que

desempenham funções em nome da marca como compartilhar informações, perpetuar a história e a cultura da

marca e fornecer assistência a outros consumidores. Mas importante para o estudo das marcas e as redes sociais

é que “exercem pressão sobre os membros para que se mantenham fiéis ao grupo e à marca”. Como se

envolvem em movimentos on-line conseguem sustentar as conexões sociais por longos períodos e, assim,

podem intensificar o papel que a comunidade desempenha em suas decisões de compra, aumentar o número de

consumidores casuais a um envolvimento mais intenso com o produto (JENKINS, 2008)

A definição de Robert Kozinets (apud JENKINS, 2008) é que estas sejam focadas em apenas um produto

ou em uma linha, ou marca, é uma rede social onde “grupos de consumidores com interesses semelhantes

buscam e trocam, de forma ativa, informações sobre preços, qualidade, fabricantes, revendedores, ética da

empresa, história da empresa, história do produto e outras características relacionadas ao consumo”. Reafirmam

suas identidades ao aderirem a determinada marca, criando uma experiência mais sólida.

6 Considerações Finais

Ao analisarmos alguns números sobre o Brasil, chegamos rapidamente à conclusão de que, embora não

tenhamos o maior número de usuários, somos um dos maiores mercados na Internet. O Brasil apresenta a

quinta maior população na internet com 64,8 milhões de usuários1. 27,5 milhões acessam regularmente a

Internet de casa, número que sobe para 36,4 milhões se considerados também os acessos do trabalho. 38% das

pessoas acessam a web diariamente; 10% de quatro a seis vezes por semana; 21% de duas a três vezes por

semana; 18% uma vez por semana. Somando, 87% dos internautas brasileiros entram na Internet

semanalmente. Por isso, o brasileiro é o que mais passa tempo na internet. Na última medição, o tempo foi de

48 horas e 26 minutos, considerando apenas a navegação em sites. O tempo sobe para 71h30m se considerar o

uso de aplicativos on-line (MSN, Emule, Torrent, Skype etc). E mais do que nunca, o ambiente virtual também

se tornou espaço de compra para o brasileiro. A previsão para o primeiro semestre de 2009 era de R$ 4,5

bilhões, mas, mesmo com crise, o faturamento foi de R$ 4,8 bilhões, 27% a mais em relação ao mesmo período

1 Fonte: Ibope Nielsen Online, julho de 2009.

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 61

de 2008. O valor médio das compras é de 323 reais. A previsão é que o ano feche em R$ 10,6 bilhões. Com um

amplo cenário para a publicidade e propaganda, sendo que é o terceiro veículo com maior alcance no país2.

O Brasil é um ótimo campo de análise para pesquisas sobre redes sociais e propaganda na internet como

bem ilustrou Cavallini (2009), por diversas razões entre as quais: O brasileiro é o povo que mais se desagrada

com o fato de não poder controlar, qualificar e interagir com o conteúdo da televisão3. Demonstramos ser

interativos por natureza.

Colocar o brasileiro como o povo mais interativo do mundo vai ao encontro de várias outras pesquisas

sobre comportamento e consumo de meios e tecnologias. É o brasileiro que tem o maior tempo de navegação

residencial mensal na internet4. Em relações às comunidades e redes sociais, é no Brasil que: existe a maior

penetração na categoria redes sociais5; mais tempo consumindo blogs e comunidades6; maior rede de amigos

nas comunidades7 e; o maior número de contatos em comunicadores instantâneos8. Os brasileiros são também

os mais ativos lendo blogs, compartilhando fotos, subindo vídeos e gerenciando o próprio perfil em comunidades

online9.

É o país com maior índice tanto que a agência de mídia Universal McCann chamou de

“superinfluenciadores”: internautas que espalham suas opiniões e recomendações no que chamamos de mídia

social, como blogs, comunidades e mensageiros instantâneos10. Em suma, o brasileiro demonstra ser bem

integrado e ativo em múltiplas redes sociais. Tanto que, a próxima fronteira e tendência sendo o celular, motivou

a Motorola a lançar com exclusividade em nosso país o modelo Motocubo A45, voltado principalmente para uso

de mídias sociais, explorando a familiaridade de nossos jovens em interagir em redes sociais (Ditolvo, 2009).

A comunicação integrada e o conhecimento do consumidor mostram-se imperativos no ambiente da

cultura da convergência. Não apenas como espaço para ser explorado com propaganda, a expansão da internet

e da web propiciaram que as redes sociais se expressassem e fossem mais facilmente estudadas, o que fornece

dados valiosos para um publicitário a fim de conhecer o público-alvo.

A comunicação integrada consiste no conjunto articulado de esforços, ações, estratégias e produtos de

comunicação, planejados e desenvolvidos por uma empresa ou entidade, com o objetivo de agregar valor à sua

marca ou de consolidar a sua imagem junto a públicos específicos ou à sociedade como um todo. Inclusive, o

termo de transmídia, como nota Cavallini (2009) parece ser uma versão evoluída de comunicação integrada. O

conteúdo já nasce em várias camadas e intercala com sucesso entre ações de massa e nicho.

As aplicações para a publicidade e propaganda são vastas. Propaganda política, promoções, gestão de

marca, identidade, publicidade institucional, entre outras áreas. Não há campo que não possa de beneficiar com

a nova ecologia no qual os consumidores se organizam e se realizam socialmente. Mais do que novas

ferramentas ou tecnologias, o que as marcas mais precisam hoje em dia é desenvolver novas conversas, novas

formas de se comunicar com seus consumidores, de interagir com eles, tornando-se parte de sua dinâmica

social, de forma orgânica.

2 Fonte: Ibope Nielsen Online, julho de 2009. 3 Fonte: Television in Transition: Evolving consumption habits in broadcasting media worldwide. Accenture Consumer Broadcast Survey 2008. 4 Fonte: IBOPE Nielsen Online, novembro de 2008. 5 Fonte: comScore World Metrix, setembro de 2008. 6 Fonte: IBOPE Nielsen Online, maio de 2008. 7 Fonte: When did we start trusting strangers? How the internet turned us all into influencers, setembro de 2008. Universal McCann; Circuits of Cool 2008. Microsoft Digital Adversiting Solutions e MTV Network. 8 Fonte: Circuits of Cool 2008. Microsoft Digital Adversiting Solutions e MTV Network. 9 Fonte: Power to the People – Social Media Tracker – Wave 3, março de 2008. Universal McCann. 10 Fonte: When did we start trusting strangers? How the internet turned us all into influencers, setembro de 2008. Universal McCann.

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Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 62

As redes sociais emergem dos atores e suas conexões. Desenvolvem-se na web através de diversas

plataformas, mas encontram suporte para desenvolvimento e ferramentas específicas através de Sites de Redes

Sociais que ainda permitem a eclosão das chamadas comunidades (grupos de pessoas que compartilham de

interesses comuns e que ajuda os indivíduos a criarem uma identidade social através da afiliação e interação

entre eles). É nesses ambientes extremamente segmentados que a publicidade e propaganda pode se apropriar

e criar mensagens efetivas.

As revoluções não acontecem simplesmente por mudanças tecnológicas, mas sim através de mudanças

de comportamento, as revoluções que parecem tomar de assalto nossa cultura alterando nossa forma de

consumir mídia e se relacionar com os outros somente acontecerá com a mudança dos comportamentos,

incluindo o comportamento dos anunciantes e das agências publicitárias que podem criar mensagens efetivas e

que agradem ao público nos contextos e mídias prediletos deles, explorando amplamente as redes sociais. Não

acredite naqueles que declaram a morte da propaganda. Uma nova forma, muito mais envolvente, efetiva e

interessante está surgindo. Uma verdadeira revolução.

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011

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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas

Raquel Albano Scopinho Faculdades Integradas Claretianas

[email protected]

Resumo

O estudo da aquisição de línguas é um campo que detém várias vertentes, tais como aquisição de língua materna, aquisição de segunda língua ou de língua estrangeira, mecanismos de aquisição, entre outros. Neste artigo, visamos abordar apenas um dos aspectos inerentes ao processo de aquisição da LE, sendo ele as considerações sobre a hipótese do período crítico, enfocando mais particularmente a aquisição de LE. Por meio de um levantamento bibliográfico, evidencia-se que muitos autores abordam a correlação entre o processo de aquisição de línguas e os fatores biológicos; contudo, a hipótese do período crítico é refutada por vários autores que se dedicam aos estudos acerca do processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Palavras-chave: língua estrangeira, aquisição, hipótese, período crítico.

1 Introdução

No cenário da linguística aplicada, temos presenciado várias correntes que versam sobre as faixas etárias

e os pontos positivos ou negativos do processo cronológico para a aquisição de línguas estrangeiras. Lenneberg,

por exemplo, faz menção às influências dos fatores neurológicos, que apresentam comportamentos distintos

durante o desenvolvimento humano, na aquisição de uma segunda língua. (Elliot, 1982, p. 29).

O estudo da aquisição de línguas é um campo que detém várias vertentes, tais como aquisição de língua

materna (LM), aquisição de segunda língua (L2) ou de língua estrangeira (LE), mecanismos de aquisição, entre

outros. Neste trabalho abordaremos apenas um dos aspectos inerentes ao processo de aquisição da LE, sendo

ele as considerações sobre a hipótese do período crítico, enfocando mais particularmente a aquisição de LE.

Salientamos que, neste artigo, não levaremos em consideração a distinção entre segunda língua e língua

estrangeira. O ensino de segunda língua está voltado para os alunos que realizam o seu processo de ensino e

aprendizagem/aquisição em contexto de imersão e a língua estrangeira está vinculado ao processo de ensino e

aprendizagem/aquisição realizado fora do contexto de imersão. Como estamos num país não-falante da língua

inglesa, adotaremos o termo “língua estrangeira” indistintamente.

E, com relação ao conceito de aquisição, para Krashen (1985), existe uma distinção entre aquisição –

“processo subconsciente idêntico ao processo que a criança utiliza ao aprender sua primeira língua”; e

aprendizagem – “processo consciente que resulta em saber sobre a língua” (KRASHEN, 1985, p. 1). Como existe

uma grande discussão acerca desse tema, não enfocaremos tal distinção nesse trabalho. Portanto, com o intuído

de facilitar a

leitura, adotaremos somente o termo aquisição para nos referimos ao processo de aquisição e de aprendizagem

de LE.

2 Aquisição de línguas e fatores biológicos

Muitos autores abordam a correlação entre o processo de aquisição de línguas e os fatores biológicos.

Para exemplificar esta afirmação, podemos citar a concepção inatista, tendo Chomsky (in Lyons, 1970) como seu

maior expositor, a qual defende a existência de um dispositivo de aquisição da linguagem – DAL (também

conhecido por LAD, language acquisiton device) no cérebro humano, atuante somente até os 11 anos de idade.

Ou seja, segundo essa teoria, há uma predisposição inata na criança em adquirir a língua, evidenciando dessa

forma as características universais das línguas. Portanto, se o DAL atua somente até os 11 anos de idade de uma

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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 65

pessoa, podemos entender que, para os inatistas, seria então muito difícil haver aquisição de línguas depois

dessa faixa etária, limitando esse processo a um período específico do desenvolvimento humano.

Segundo Elliot (1982, p. 29), “a afirmação mais ambiciosa que apóia a base biológica da capacidade para

a linguagem é que há um período crítico para a aquisição da linguagem, a saber, entre 18 meses e o início da

puberdade, na maioria das pessoas.” Para sustentar essa afirmação, a autora busca Lenneberg (1967) para

embasar boa parte de sua análise.

Lenneberg (1964, 1967) retoma a hipótese do período crítico elaborada por Penfield e Roberts (1959).

Esses autores estudaram o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem de crianças e adultos que

haviam sofrido lesões cerebrais, comparando os efeitos colaterais das lesões cerebrais ocorridas no hemisfério

esquerdo com as ocorridas no hemisfério direito.

Nosso cérebro é composto por dois hemisférios unidos pelo chamado corpo caloso. Segundo presumiu

Lenneberg (1964, 1967), do nascimento do ser humano até ele completar aproximadamente 18 meses, os

hemisférios seriam funcionalmente idênticos, mesmo eles não sendo estruturalmente homólogos, como

acreditava Penfield (1963, apud Scovel, 1988). Para Lenneberg, somente após esse período, o funcionamento

dos hemisférios começaria a se especializar, passando a controlar diferentes áreas da atividade humana. As

funções características da linguagem ficariam sob a regência do hemisfério esquerdo; mas, na eventualidade de

ocorrer uma lesão no hemisfério esquerdo, o direito assumiria o controle dessas funções e esse quadro se

manteria até a época da puberdade. Na puberdade, essa plasticidade cerebral se consolidaria e os hemisférios

assumiriam o controle de outras funções das atividades humanas. Em vista disso, caso o ser humano não tivesse

desenvolvido a linguagem até a puberdade, por qualquer que fosse o motivo, “seria muito difícil, senão

impossível” (Elliot, 1982), fazê-lo após essa faixa etária.

Assim sendo, para Lenneberg (1964, 1967) havia um período crítico para aquisição da linguagem - dos

18 meses à puberdade -; porém, ele não nega a possibilidade do adulto se comunicar em outra língua, visto que

o autor faz uma separação entre “comunicação” e “aquisição”.

Apesar de seu trabalho estar voltado basicamente para aquisição de LM, ele deixa uma importante

contribuição para os estudos de LE, conforme salienta Pizzolatto (1995, p. 24):

Lenneberg (1967, p. 176), no entanto, também abre um precedente para a aquisição de L2 ao afirmar que: “A maioria dos indivíduos com inteligência média está apta a aprender uma segunda língua depois do início de sua segunda década de vida, embora a incidência de bloqueios para a aprendizagem da língua aumente rapidamente depois da puberdade. A aquisição automática a partir da mera exposição a uma língua dada parece desaparecer depois dessa idade e as línguas estrangeiras devem ser ensinadas e aprendidas através de um esforço laborioso. Sotaques estrangeiros não podem ser vencidos facilmente após a puberdade”. [tradução de Pizzolatto]

Vários autores citados por Elliot (1982), tais com Curtiss (1977), Dennis e Whitaker (1977), Snow e

Hoefnagel-Höhle (1978), entre outros, por meio de diferentes pesquisas, contestaram o pensamento de

Lenneberg. Ressaltaremos, brevemente, os resultados do trabalho de Snow e Hoefnagel-Höhle (1978), por

abordar mais especificamente o processo de aquisição de LE. Os autores verificaram que adultos e adolescentes

de 12 a 15 anos de idade desenvolveram mais as suas capacidades linguísticas em holandês, durante o primeiro

ano vivido na Holanda, do que as crianças de 3 a 4 anos de idade, analisadas nas mesmas condições. Desse

modo, eles contradizem a hipótese do período crítico, atestando que é possível adquirir uma LE após a

puberdade, ou seja, após o período crítico.

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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 66

3 Plasticidade cerebral

Os estudos neurológicos, que abordam o comportamento dos hemisférios em relação ao processo de

aquisição da linguagem, têm fornecido análises relevantes para a Linguística Aplicada. Algumas pesquisas da

área atestam a existência de um modelo inter-hemisférico para a linguagem, no qual o hemisfério esquerdo

ficaria responsável pela forma e pela funções motoras; e, por sua vez, o hemisfério direito controlaria o conteúdo

e a expressividade da linguagem (Danesi, 1994). Desse modo, a comunicação - a fala - seria controlada pelo

hemisfério esquerdo e a contextualização - o discurso - estaria sob o comando do direito, abordando dois

importantes conceitos relevantes para as pesquisas da área de Linguística Aplicada, a comunicação e a

contextualização.

Outro fator contestado na teoria de Lennerberg diz respeito à plasticidade do cérebro. Cohen (1995), ao

escrever sobre o cérebro no envelhecimento humano, atesta que sua anatomia não é estática. O peso do cérebro

continua a aumentar durante umas duas décadas, mesmo com a estabilidade do número de células cerebrais

depois dos primeiros anos. Os corpos celulares dos neurônios se expandem em tamanho e os dendritos em

comprimento e em número. É este o fato que explica o aumento do peso cerebral. “Mais dendritos significa mais

interconexões entre os neurônios e talvez funções mais complexas bem como melhores. A capacidade contínua

dos neurônios gerar novos dendritos representa um componente da plasticidade do cérebro em contrapartida

para com a plasticidade comportamental”. (Cohen, 1995, p.196).

O cérebro não gera novos neurônios além do complemento original; contudo, os neurônios existentes

podem se adaptar para aumentar o número e talvez a natureza de suas comunicações. No caso de degeneração

ou danos causados a eles, têm uma capacidade regeneradora caso o corpo celular tenha permanecido viável. A

célula nervosa somente morrerá se o corpo celular permanecer inviável.

Um corpo celular intacto permite a um neurônio danificado regenerar um axônio, bem como dendritos. Em casos de dano cerebral em que vários neurônios são destruídos, os neurônios sobreviventes proximais reagem com a geração de dendritos adicionais de seus corpos celulares em um esforço para compensar as ligações intercelulares rompidas como resultado das células nervosas perdidas. (Cohen, 1995, p. 196).

O termo que o autor usa para descrever esse processo é “germinação dendrítica compensatória”. Essa

capacidade do cérebro que envelhece de manter um circuito adequado entre as células nervosas viáveis é um

determinante importante de sua flexibilidade. Quando temos uma doença que afeta a suficiência desse circuito,

os neurônios restantes reagem para sua estrutura, chamada de arquitetura. A arquitetura de um neurônio é

composta, em grande parte, por axônios e dendritos. “Os cientistas imaginam que até o ponto em que essa

arquitetura possa ser elaborada – bem como a germinação dendrítica compensatória – a riqueza do circuito pode

ser mantida entre as pessoas sadias, e parcialmente restaurada entre os doentes.” (Cohen, 1995, p. 196).

Outro fator que deve ser considerado é o processo de adaptações químicas que, somado às variações

anatômicas no cérebro amadurecido, expande o conjunto de reações que podem determinar a plasticidade do

cérebro.

É importante ressaltar que essas adaptações não são somente resultantes de reações aos danos

causados; elas podem advir em resposta a estímulos positivos; ou seja, por meio de um ambiente que favoreça

ao exercício mental.

Tem havido um certo número de tentativas, por exemplo, para estudar o impacto de ambientes enriquecidos na plasticidade do cérebro. Os pesquisadores quiseram saber se o exercício mental exerce efeito sobre o tecido cerebral semelhante ao do exercício físico sobre os músculos. Os resultados de vários desses estudos foram fascinantes, e ainda mais quando o cérebro estudado estava envelhecendo. (Cohen, 1995, p. 197)

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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 67

Além dos fatores citados, devemos enfatizar que a exposição a ambientes cognitivamente estimulantes

também incide efeitos à plasticidade cerebral. Os efeitos de um ambiente estimulante contribuem muito para um

envelhecimento saudável e esse fato também se aplica ao cérebro que envelhece em um ambiente mentalmente

estimulante.

A plasticidade, nas palavras de Sé e Lasca (2005, pp. 13-14), “é um conjunto de processos fisiológicos,

no nível celular e molecular, que explica a capacidade das células nervosas de mudarem suas respostas em

função de determinado estímulo. Isto é, quanto mais o nosso organismo interage com o ambiente e se insere em

contexto socializador, mais ele se modifica”.

Além dos aspectos biológicos da plasticidade cerebral e de ambientes estimulantes, outro dado a ser

considerado é o fator motivacional. Villani (2007, p. 54), que aborda mais especificamente a questão da

aprendizagem da língua inglesa na terceira idade, atesta que “a vontade de aprender é suficiente para que esse

processo ocorra da mesma forma seja aos 10 anos seja aos 80 anos. A única diferença entre a aprendizagem

destes dois grupos, por exemplo, é a velocidade com que este aprendizado se dá.”

Como Vilani (2007), acreditamos no papel da motivação na assimilação de novos conhecimentos,

atitudes e hábitos e concordamos que ela pode ocorrer em qualquer idade. Contudo, ressaltamos que temos

vários aspectos responsáveis pela diferenciação do processo de ensino e aprendizagem de LE, não sendo a

velocidade de assimilação o único fator a ser considerado.

Alguns estudos neurológicos que abordam o comportamento dos hemisférios em relação ao processo de

aquisição da linguagem têm fornecido análises relevantes para a Linguística Aplicada. Eles atestam a existência

de um modelo inter-hemisférico para a linguagem, no qual o hemisfério esquerdo ficaria responsável pela forma

e pelas funções motoras; e, por sua vez, o hemisfério direito controlaria o conteúdo e a expressividade da

linguagem (Danesi, 1994). Sé e Lasca (2005) têm a mesma posição. Para elas,

(...) os níveis fonético-fonológico e morfossintático parecem estar muito mais relacionados ao hemisfério esquerdo do que ao direito, enquanto a situação inversa parece ocorrer com os níveis pragmático-discursivo. A localização da Prosódia não está muito bem determinada, mas sabe-se que as áreas ativas pertencem, na maioria das pessoas, ao hemisfério direito (Mac-Kay, 2003). No caso do nível léxico-semântico, as estruturas responsáveis pelo seu processamento parecem estar distribuídas em ambos os hemisférios. (Sé e Lasca, 2005, p. 26)

Dessa forma, percebemos que a plasticidade cerebral é, para muitos cientistas e diversos estudiosos do

processo de ensino e aprendizagem, algo comprovado e que possibilita a aquisição de línguas em qualquer faixa

etária.

4 Aquisição/aprendizagem

O ensino comunicativo reconhece a importância da contextualização e da comunicação no processo de

aquisição de LE. Tradicionalmente, o ensino de línguas focava a forma; até mesmo o método áudio-lingual, que

inovou na maneira de ensinar, também tinha o seu foco na forma. Mais recentemente, as pesquisas mostram a

necessidade de fornecer ao estudante experiências reais de comunicação, pois tais pesquisas constataram que

muitos estudantes ainda não conseguiam se comunicar, mesmo tendo o conhecimento das formas. Outro fator

destacado por essa proposta de ensino é a contextualização; para o insumo ser relevante e gerador de aquisição

da LE, ele deve ser contextualizado. Assim, no ensino comunicativo de línguas, o alvo deixa de ser a forma, e

esta passa a ser adquirida naturalmente como parte do processo de aprender a se comunicar. Sustentado por

pensadores como Krashen, autor das hipóteses do monitor, do insumo, da aquisição-aprendizagem, da ordem

natural e do filtro afetivo, o ensino comunicativo assume que os estudantes são capazes de adquirir a estrutura

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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 68

gramatical e o vocabulário de maneira natural, através do oferecimento de insumos significativos; assim, a

competência comunicativa é desenvolvida por meio da negociação dos significados (Hinkel & Fotos, 2002, p. 4).

Krashen (1985), ao apresentar a hipótese da aquisição-aprendizagem, se opõe à hipótese do período

crítico, evidenciando que até na fase adulta a pessoa pode vir a adquirir uma LE. Salienta que o processo de

aquisição da LE não precisa ser necessariamente perfeito ou que o aprendiz vá atingir um grau de proficiência e

competência linguística igual ao de um nativo. E traz também um tema bastante abordado pelos pesquisadores

da Linguística Aplicada, que é a questão da distinção dos processos de aquisição de LE e de LM.

Essa questão da distinção dos processos de aquisição de LE e LM também encontra amparo em Ellis

(1997). O autor pontua que essas diferenças podem apresentar origens bem variadas, tais como: no processo de

aquisição de LE, normalmente ocorre um maior distanciamento em relação à inserção social na língua-alvo;

outro ponto ressaltado por ele é que a possibilidade do falante apresentar mecanismos distintos para a aquisição

de LE e LM pode estar correlacionada ao fato da maioria dos aprendizes estar “distante” da gramática universal.

Nas palavras do autor: “É também possível que a aquisição da língua materna e da segunda língua valha-se de

diferentes mecanismos de aprendizagem porque a maioria dos aprendentes adultos não tem mais acesso à

gramática universal [tradução nossa1]” (Ellis, 1997, p. 68).

Por um lado, não vemos no ensino comunicativo, tomando como base a vertente defendida por Krashen,

o melhor modo de aquisição de LE, visto que seria mais indicado para aquisição de segunda língua. Por outro,

concordamos com o autor no que se refere à aquisição de língua em diferentes faixas etárias. Krashen, Long e

Scarcella (1979) atestam que os trabalhos sobre aquisição de línguas em relação à faixa etária são consistentes

e possibilitam as seguintes generalizações:

os adultos processam os primeiros estágios de desenvolvimento sintático e morfológico melhor

que as crianças;

esses mesmos estágios são processados mais rapidamente por crianças mais velhas do que pelas

mais jovens, desde que o tempo e a exposição aos insumos sejam constantes;

os aprendizes que são expostos a uma segunda língua em ambiente natural durante o seu

período de infância, geralmente atingem maior proficiência linguística do que aqueles que se

deparam com a língua-alvo pela primeira vez já na fase adulta.

Mais uma vez, temos Ellis (1997) em concordância com os pensamentos de Krashen. Ellis não só não

acredita no limite imposto pela hipótese do período crítico, como vai um pouco mais além. Para ele, não é

impossível atingir, na íntegra, uma competência linguística numa LE. Em seu trabalho, o autor traz o exemplo de

Julie, uma inglesa que se viu obrigada a aprender árabe aos 21 anos de idade, sem ter tido nenhum estudo da

língua antes dessa idade. Aos 26 anos, depois de ter morado no Cairo, Julie foi submetida a vários testes e sua

competência linguística foi avaliada como a de uma falante nativa.

Mas, por outro lado, Ellis destaca a maior facilidade em adquirir uma LE para aqueles que tenham

contato com a língua-alvo mais cedo e constata que a idade inicial de contato com a língua-alvo é mais

representativa do que a quantidade de tempo em exposição a ela; ou seja, quanto mais cedo o aprendiz se

expõe à língua-alvo, melhores resultados obterá na competência linguística, otimizando, dessa forma, o tempo

de exposição na LE. O autor faz um adendo em relação a um dos aspectos beneficiados pela a exposição precoce

à língua-alvo - a questão da pronúncia; para ele, a idade crucial para um bom desempenho desse aspecto se dá

provavelmente antes dos seis anos.

1 Texto original: “It is also possible that L1 and L2 acquisition draw on different learning mechanisms because most adult L2 learners no longer have access to UG.” (Ellis, 2003, p. 68)

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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 69

Pizzolatto (1995) faz uma interessante constatação a respeito de Krashen, Long e Scarcella, dizendo que

para esses autores “as limitações emergentes na puberdade para a aquisição de L2 são de ordens não

neurológicas, ou seja, são prioritariamente de ordem cognitiva e de ordem afetiva” (op. cit., pp. 24-25), se

referindo à hipótese do filtro afetivo de Krashen. Segundo o proponente dessa hipótese, o insumo compreensível

por si só não faz com que a aquisição aconteça; é necessário que o aprendiz permita emocionalmente a sua

entrada. Brown (2000) atesta que, para Krashen, ocorrerá melhor aquisição em ambientes nos quais a

ansiedade seja baixa e que a resistência não exista; ou seja, nos quais o filtro afetivo seja baixo. Por

conseguinte, quanto menor for o filtro afetivo, mais insumos o aprendiz deixará entrar.

Fazendo um contraponto com Ellis (1997), que também traz a questão do tempo de exposição - citada

anteriormente -, podemos dizer que a quantidade de insumo relevante está associada mais aos fatores de ordem

afetiva do que, necessariamente, ao tempo de exposição na língua-alvo. Assim, haverá maior possibilidade de

aquisição quando forem oferecidos insumos contextualizados, relevantes ao aprendiz que esteja predisposto a

deixar que o insumo seja adquirido; portanto, podemos dizer que não há uma relação direta desse processo de

aquisição de LE com a faixa etária do aprendiz.

Alguns gerontólogos (Haddad, 1986; Magalhães, 1989; entre outros) procuram compreender o idoso e

suas relações socioculturais e físicas, e como se dá o processo de aquisição da linguagem. O adulto na terceira

idade geralmente demonstra, por um lado, maior segurança e autoconsciência – aspectos positivos para o

processo de aquisição de uma nova língua; mas, por outro lado, ele é mais suscetível a fatores externos, tais

como problemas de saúde e de família. A questão afetivo-cultural é outro fator que difere o público adulto em

geral do público adulto da terceira idade, tendo este maior necessidade de socialização. Tal necessidade reflete

no comportamento em sala de aula, sendo o estudante considerado, muitas vezes, como indisciplinado, o que

não é bem verdade (Pizzolatto, 1995).

Recentemente têm surgido pesquisas sobre o processo da aquisição de línguas que abordam mais

especificamente o adulto na terceira idade, englobando as características peculiares dessa faixa etária

(Pizzolatto, 1995; Morandi, 2002; Silva, 2004; Villani, 2007; Scopinho, 2009, entre outros). Essas pesquisas

mostram os aspectos a serem considerados na relação de ensino-aprendizagem e no processo de aquisição de

uma língua estrangeira; porém, nenhuma delas atesta a impossibilidade da aquisição da LE na terceira idade.

Encontramos várias ressalvas em relação à particularidade do processo de aquisição dessa faixa etária. Segundo

alguns pesquisadores, tais como Scopinho (2009), com o passar da idade, a acuidade auditiva diminui e este

fator interfere na capacidade de memorização do adulto; outro aspecto está relacionado à visão: há uma grande

tendência de depararmos com adultos na terceira idade com problemas oftalmológicos, como a catarata, doença

que causa a degeneração do cristalino e que leva à perda da nitidez e afeta a distinção cromática; e outros

problemas que dificultam a visualização dos materiais didáticos, ou a pronúncia de determinados fonemas, entre

outros.

Pizzolatto (1995, p. 19) atesta que “é possível aprender uma língua estrangeira na terceira idade, desde

que o aluno possua (internamente) e encontre (externamente) condições favoráveis no processo de ensino-

aprendizagem, dadas as características dessa faixa etária.” Em sua pesquisa, o autor confirma a afirmação acima

por meio de uma análise interpretativista. Esses dados foram coletados após dois semestres letivos de coleta de

dados numa universidade particular do interior do estado de São Paulo - que já oferecia curso de inglês para a

terceira idade há anos e, por solicitação dos próprios alunos da Universidade da Terceira Idade, o inglês passou a

ser disciplina regular; - e com um grupo de 10 alunos com mais de 55 anos que tiveram aulas numa escola de

inglês ministradas pelo próprio autor.

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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 70

Elliot (1982, p. 33), também apoiando a possibilidade de aquisição de línguas independente da faixa

etária da pessoa, conclui sua análise sobre a hipótese do período crítico da seguinte forma:

A aquisição de uma segunda língua após o período crítico pode ser bastante eficiente e a aquisição da primeira língua seria ainda possível. O padrão de desenvolvimento durante a infância e adolescência talvez dependa crucialmente das aptidões de processamento de informações acessíveis à criança. Contudo, não devemos concluir desses estudos que os fatores biológicos são irrelevantes para a capacidade de aprendizagem da língua, mas sim que a relação entre a aquisição da linguagem e sua base biológica é mais enganosa e decepcionante do que indicaram as explicações anteriores.

Tendo em vista as pesquisas realizadas no processo de ensino e aprendizagem/aquisição de línguas

estrangeiras, acrescidas das informações advindas da neurologia, as quais asseguram não só a plasticidade

cerebral, mas a aquisição de línguas estrangeiras nas diversas faixas etárias, refutamos a hipótese do período

crítico proposta por Lenneberg (1964, 1967).

5 Considerações finais

Diante do exposto, podemos perceber que muitas das conjecturas existentes a respeito da hipótese do

período crítico perpassam várias vezes pelo conceito de aquisição de LE. Em vista disso, antes de atestarmos a

existência do fator biológico como preponderante no processo de ensino-aprendizagem de LE, precisamos então

nos perguntar o que entendemos pelas expressões: “aquisição” ou “aprendizagem” de LE, “grau de proficiência”

na língua-alvo, “competência comunicativa”, “competência linguística”, “pronúncia perfeita”, “se comunicar

apesar da língua”, “saber sobre a língua”, entre outros termos utilizados para auferir a capacidade do aprendiz

em se comunicar numa LE. Existe uma grande discussão e certa discordância a cerca desses termos e de como

devemos tratar a questão da aquisição de LE.

Outro aspecto que devemos considerar, ao falarmos da hipótese do período crítico, é o fato de que

muitos pensadores que debruçaram os seus estudos nessa análise, deixaram de enfocar outros fatores presentes

no processo de aquisição de LE, tais como, os fatores afetivos, motivacionais e socioculturais. Por conseguinte, a

questão trazida pela hipótese do período crítico aborda, com certa propriedade, apenas um dos fatores

componentes desse processo de aquisição, que é o fator biológico. Para uma análise mais contundente, temos

que relacionar a análise desse fator biológico aos fatores lingüístico-cognitivos, afetivos e socioculturais.

6 Referências Bibliográficas

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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 71

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 72

A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Patrícia Dezan Pamplona Mendonsa Faculdades Integradas Claretianas [email protected]

Jorge Barthmann De Boni Faculdades Integradas Claretianas

[email protected]

Resumo

A logística é uma área chave para a operacionalização das empresas. Cada vez mais vem ganhando espaço como fonte de vantagem competitiva para as organizações. A mão de obra qualificada para esta área é fundamental para a efetiva execução de suas atividades. O presente artigo procura apresentar algumas questões relacionadas ao fator humano na logística e seus impactos sobre a organização. Palavras-chave: Logísitica, Mão de Obra, Qualidade.

1 Introdução

A logística consiste no conjunto das atividades de movimentação e armazenagem necessárias em uma

empresa, visando facilitar desde a aquisição da matéria-prima até o transporte o produto final, assim como o

fluxo de informações geradas durante o processo, agilizando e melhorando o desempenho da produção do

produto final.

Durante todo o processo logístico, a qualidade é uma das principais exigências e necessidades dentro da

empresa. Entende-se por qualidade, o atendimento dos clientes continuamente, evitando que, durante o

processo existam erros, defeitos, tempo desperdiçado, desperdício de material, produtos inseguros ou

insatisfatórios, entre outros.

Sendo a logística uma área que acompanha todos os processos dentro da empresa, é necessário que a

mão de obra aplicada seja adequada as necessidades da organização, acompanhando todos os processos de

forma a otimizar os resultados finais. Sem profissionais competentes para a área, os processos acabam se

perdendo pelo caminho, atrapalhando todo o andamento produtivo, consequentemente, não apresentará um

resultado segundo os padrões de qualidade esperados pelo consumidor.

Cabe à equipe de recrutamento e seleção da corporação, selecionar os profissionais mais capacitados

para atuar na área de logística, através de acompanhamento de suas habilidades e formação especializada.

Apesar da abertura de muitos cursos de especialização na área logística no país, a maioria das empresas ainda

sofre com a escassez de mão de obra especializada na área. Muitas vezes, os cursos oferecidos não preparam o

profissional tão bem, quanto a própria experiência do indivíduo na área. Segundo o executivo César Gomes,

entrevistado pela revista FATOR (2010), um dos maiores problemas enfrentados por eles é a falta de mão de

obra especializada no setor. Para Gomes, ”é preciso que o profissional seja bastante flexível – esteja 24 horas à

disposição e preocupado com o projeto - e criativo para

lidar com os imprevistos durante o transporte de cargas especiais. Também precisa conhecer muito bem

assuntos relacionados à operação portuária e à viabilidade de transportes em diferentes modais”. O executivo

afirma ainda que tais qualidades são difíceis de serem

encontradas nos funcionários por não dependerem apenas de sua formação acadêmica, mas também, de sua

vivência dentro das experiências na área logística, além de seu comprometimento pessoal com os projetos e

metas empresariais das quais ele é chave importante. “Não estou afirmando que uma universidade é ineficiente

para essa formação. Só que acredito que a prática realmente é muito importante e confere vantagem

competitiva ao profissional”, afirma Gomes.

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 73

A dificuldade encontrada por Gomes em encontrar mão de obra realmente qualificada para o setor

logístico é comum no mercado de trabalho atual. Com o crescimento econômico do país, a falta de mão de obra

não assola apenas o setor logístico, mas vários outros setores que não conseguem suprir a necessidade de

funcionários qualificados para tal. "Toda vez que o Brasil cresce 4,5% ou mais, falta mão de obra qualificada",

disse o professor da Universidade de São Paulo José Pastore, especialista em trabalho. No mercado, prevê-se

que o Produto Interno Bruto (PIB) suba de 5% a 6% este ano. O déficit de trabalhadores qualificados é

preocupante na construção civil, mas ocorre também no agronegócio, na saúde, em hotéis e até em alguns

ramos da indústria (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2010).

A qualificação da produção e os processos sendo apresentados com mais agilidade pelo setor logístico

são cada dia mais dificultados graças ao principal problema já citado anteriormente: a falta de qualificação do

funcionário. O processo de seleção do funcionário deve atender primeiramente ao seu enquadramento dentro do

perfil da empresa, tendências de mercado e resposta às responsabilidades atribuídas a ele dentro do cargo do

qual ele pretende ocupar.

Devido a esse tipo de dificuldade, a empresa precisa procurar novas formas de suprir suas necessidades,

optando por meios alternativos, para que não se perca o nível de qualidade na produção e a confiança do

mercado consumidor. Entre as principais alternativas, temos os processos de terceirização dentro das empresas,

que consiste em repassar para uma prestadora de serviços especializada todo o serviço de determinado setor,

nesse caso, para o logístico. A terceirização pode ser uma boa alternativa se bem administrada e acompanhada,

sendo obtidos casos de sucesso, alcançando as metas traçadas pela empresa. Essa prática visa à redução de

custo e o aumento da qualidade da mão de obra. Deve estar de acordo com os objetivos estratégicos da

empresa, para que o resultado final seja realmente satisfatório (VIANA, 2010).

2 A importância da logística nas empresas

A logística, percebida como área funcional, é considerada hoje como uma área diferencial, que traz

resultados para as organizações. A logística era utilizada desde a Antiguidade em construções que conhecemos

hoje como a Muralha da China ou as Pirâmides do Egito, que para sua realização, precisaram de planejamento

tanto de materiais como de mão de obra. Mais tarde, a logística teve grande contribuição nas estratégias

militares de armazenamento de armas, combustível para as tropas, munição, entre outras funções. Com a

ascensão do capitalismo e a produção com necessidade cada vez maior rapidez e eficiência, o uso da logística

empresarial, mostra-se indispensável para atender às necessidades do mercado e, principalmente, suprir as

necessidades dos consumidores, acompanhando desde o fluxo e armazenamento da matéria-prima até seu ponto

de consumo, sendo assim, fator importante em diversos ambientes da organização, para um bom andamento

das atividades (DORN, 2010).

Além da contribuição nos diversos setores para que o produto final tenha o nível de qualidade exigido

pelo consumidor, a logística precisa otimizar os processos dos quais faz parte, considerando fatores como

aumento de competitividade, menor custo de produção, reaproveitamento de materiais e evitando o desperdício

de material, melhoria contínua do processo e utilização de maneiras cada vez mais hábeis e inovadoras para

administrar e melhorar todas as etapas a serem percorridas até a apresentação do produto final, pronto para o

consumo. Considera-se, portanto, que as principais metas da logística são disponibilizar o produto certo aos

clientes, na hora certa, na quantidade correta, no local certo, nas condições adequadas a um preço competitivo.

Sendo que nesse fluxo de materiais, há também um fluxo de suas respectivas informações, pois as atividades

logísticas afetam os índices de preços, custos financeiros, produtividade, custos de energia e satisfação dos

clientes.

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 74

A competitividade criada por uma empresa depende primordialmente de seu desempenho, portanto, o

sistema de logística deve estar sempre em boas condições para que não seja prejudicado o atendimento ao

cliente. O setor logístico deve sempre estar preocupado em inovar, procurando novas tecnologias que facilitem

as diversas áreas no qual atua, buscando um melhor aproveitamento de tempo e material de maneira eficaz.

Como pontos centrais da logística, podemos destacar:

Visão integrada e sistêmica de todos os processos da Empresa. A ausência deste conceito faz

com que cada área / departamento da empresa pense e trabalhe de forma isolada. Isto gera

conflitos internos por poder e faz com que os maiores concorrentes de uma empresa estejam

dentro dela mesma;

Fazer com que as “coisas” (materiais e informações) se movimentem o mais rápido possível,

conseguindo assim otimizar os investimentos em ativos (estoques);

Enxergar toda a cadeia de suprimentos como parte importante do seu processo. Seus

Fornecedores, Colaboradores, Comunidade e Clientes são como elos de uma corrente e estão

intimamente interligados. Por isso, devemos sempre avaliar se suas necessidades e expectativas

estão sendo plenamente atendidas;

O Planejamento (Estratégico, Tático e Operacional) e a constante Avaliação de Desempenho, por

meio de indicadores, são ferramentas gerenciais essenciais para o desenvolvimento de um bom

sistema logístico;

O uso de sistemas de informação (ERP, WMS, TMS …) que forneçam suporte as decisões que

precisam ser cada vez mais velozes e em um ambiente de incertezas e competição muito

grande;

O aumento da colaboração entre Fornecedor e Consumidor através do compartilhamento de

informações relevantes para o nível de serviço desejado (MEIRIN, 2010).

Considerando a importância do setor logístico dentro de uma empresa, é necessário que seu

funcionamento seja eficaz. Para isso, como fator primordial, temos a seleção e recrutamento de profissionais

capacitados na área, otimizando a prestação dos serviços dos quais a logística faz parte e atende. Uma das

grandes dificuldades no setor atualmente é conseguir esses profissionais capazes de desempenhar as funções

logísticas com facilidade. Com processos complexos e que exigem a rapidez tanto física como intelectual, a área

logística necessita de profissionais cada vez mais bem preparados para que a demanda possa ser atendida. Sem

o profissional capaz de dominar todos os processos logísticos e desenvolver formas de diminuir custos e tempo

para que cada tarefa seja desenvolvida, as novas tecnologias empregadas já não são tão evolutivas assim. Toda

a revolução tecnológica na qual estamos inseridos de nada adianta, se não existir mão de obra especializada

para colocá-la em prática.

3 A importância do bom profissional na área Logística

Segundo pesquisa publicada pelo site de “O Globo”, 2/3 dos empregadores brasileiros tem falta de mão

de obra qualificada. O Brasil ocupa o 2º lugar no ranking mundial com escassez de profissionais. Após a crise

que assolou o mundo, a economia, principalmente a brasileira, vem apresentando crescimento novamente. Com

esse crescimento econômico, a necessidade de mão de obra é cada vez mais maior para acompanhar as

demandas impostas pelo mercado que se encontra novamente em ascensão. Ocorre que, apesar das novas

oportunidades de mercado se multiplicarem, também multiplica-se a dificuldade em formar profissionais

especializados em cada área, graças a situação decorrente de deficiências em preparo técnico, nível de

escolaridade e experiência, repetindo a mesma situação enfrentada pelo Brasil apenas durante o regime militar.

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 75

O setor privado está investindo na capacitação de seus próprios quadros, dada a fragilidade da formação

de recém-graduados e de muitos diplomados que estão à margem das inovações e da falta de formação de

profissionais de nível técnico, casos que podemos verificar em empresas como a Petrobrás e a Embraer. Para

suprir a necessidade de profissionais qualificados, muitas empresas acabam recorrendo a outros países que

ofereçam o perfil procurado pelos empregadores. Encarando o problema em sua superestrutura, podemos chegar

a conclusão de que, o Brasil, deveria investir em um planejamento estratégico para que a falta de mão-de-obra

não emperre o desenvolvimento econômico. Um dos maiores problemas notados como resultante da falta de

mão de obra especializada é o desespero em obter-se o diploma universitário, sem investir realmente na

formação. O diploma representa apenas a formação de uma graduação e não de um verdadeiro profissional da

área. A procura por cursos cada vez mais rápidos que garantam logo o diploma acadêmico, que nem sempre

garantem em sua grade o conhecimento profissional necessário, satura o mercado de profissionais formados,

mas não qualificados.

O exemplo da América Latina Logística (ALL) é um relato da atual realidade: a empresa já sofria com os

efeitos de anos de abandono do setor ferroviário brasileiro. Sem profissionais disponíveis na área, a alternativa

foi criar uma universidade capaz de qualificar jovens para cargos exigidos dentro da concessionária de transporte

ferroviário.

"Não conseguiríamos contratar nenhum profissional sem esse curso. Hoje temos dificuldade, mas ela é

minimizada por essa especialização", diz o gerente de Gestão da ALL, Rodrigo Paupitz1. Este ano, a empresa

deve capacitar 2 mil pessoas. A previsão é que todas sejam aproveitadas no grupo, que também tem um braço

na área de transporte rodoviário. Quando atitudes como as da ALL não são possíveis, as empresas apelam até

para a recontratação de profissionais já aposentados, salientando ainda mais a dificuldade em encontrar no

mercado ativo, profissionais capazes de desempenhar as funções exigidas pela empresa dentro do contexto em

que está inserida.

A qualidade de mão de obra hoje, diante de todas as dificuldades enfrentadas no mercado, torna-se fator

importante e diferencial nos processos dentro de uma empresa. Com a competitividade de mercado cada vez

mais acirrada, corporações que não acompanharem além dos avanços tecnológicos, a qualificação de sua mão de

obra acabam perdendo espaço para quem melhor se preparou.

Quando o mercado tinha uma concorrência menor, os ciclos de produtos eram mais longos, era possível

manter áreas isoladas dentro de uma empresa que dessem conta de atividades isoladas, entre elas, compras,

armazenagem, distribuição, entre outras. Hoje, com o mercado cada vez mais globalizado e em plena era da

rapidez na prestação de serviços, proliferam cada vez mais produtos e materiais com tempo de vida curtos, bem

como, a exigência maior dos clientes, surgindo a necessidade de manter um sistema de Logística Integrado, que

respondesse a todas as necessidades apresentadas. Essa evolução dentro do setor logístico, apresenta uma

maior complexidade no pensamento logístico empresarial, exigindo ainda mais qualificação dos profissionais da

área. Dada toda a evolução desse pensamento com o passar dos anos, o que é necessário hoje para um

profissional especializar-se nessa área e enfrentar os reais problemas apresentados pelas corporações? Segundo

Figueiredo e Arkader (2010 p.5)

Em termos de conteúdo dos cursos de Logística, tem se destacado o uso de sistemas automatizados e de inovações propiciadas pelo avanço nas tecnologias de informação, tais como o EDI, que trazem vantagens de tempo e facilitam a integração de elos na cadeia, bem como a disseminação de conceitos gerenciais como o JIT, o QR, o ECR e o CRP. Além da abordagem dos sistemas logísticos, o novo ensino de Logística dá especial ênfase às pessoas e ao seu relacionamento tanto dentro das empresas (e suas distintas áreas) quanto entre as empresas em uma cadeia de suprimentos. Outra tendência importante parece ser a utilização mais intensa de tecnologias (como as de banco de dados) no ensino da Logística, dando aos treinandos a

1 ALL***

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 76

oportunidade de participarem de simulações de situações como as que irão viver na realidade do mercado.

O Ensino da Logística no Brasil, diferente de países europeus e dos Estados Unidos, não atende às

necessidades de aprendizado apresentadas pelos autores. O Brasil ainda é deficiente no ensino de logística, que

causará consequentemente a escassez de mão de obra especializada. Essa deficiência é decorrente

principalmente de dois fatores: graças à grande inflação que o país enfrentou durante a década de 80, fechando

assim a economia do país, isolando-o do acirramento da concorrência e das inovações da tecnologia da

informação e de informações importantes adquiridas a partir dos principais aprimoramentos de estudos dentro

da área Logística. A redução de desperdícios, e portanto de custos, associadas a programas de redução de

estoques, não fazia sentido aos olhos de empresas preocupadas em lidar com índices astronômicos de inflação.

Além disso, as barreiras alfandegárias protegiam o produtor nacional, diminuindo o poder do cliente, que não

dispunha de alternativas de fornecimento. Sendo assim, Serviço ao Cliente era uma expressão só encontrada

nos textos de Marketing e soava como pura teoria. Outro importante conceito na coordenação da cadeia de

suprimentos, as Parcerias entre compradores e fornecedores, demorou igualmente a chegar e ainda hoje é

polêmico e cheio de controvérsias no ambiente empresarial brasileiro. A segunda razão está na formação de

grande parte do corpo docente no Brasil. Geralmente, a formação acadêmica dos atuais professores é voltada

para áreas isoladas como Produção ou compras, etc. dificultando ainda mais ao estudante o conceito de Supply

Chain Management, acostumado a lidar com os problemas logísticos por apenas um ângulo de toda a cadeia.

Hoje, o bom profissional da área deve adequar-se aos problemas enfrentados pelo mercado no qual está

inserido, acompanhando as evoluções e tendo a consciência de toda a importância que ela exerce dentro da

empresa. O bom profissional deve adquirir o conhecimento necessário para exercer suas funções com eficácia,

selecionando todas as ferramentas necessárias e formas mais adequadas para otimizar seu desempenho. Além

disso, deve manter uma visão globalizada e estratégica da empresa, que integre sua função às necessidades

apresentadas, mantendo uma posição de liderança e integração com sua equipe, desenvolvendo a habilidade em

desenvolver o trabalho em equipe, sobretudo, o interfuncional (Figueiredo; Arkader, 2010).

Segundo Mussetti (2000), a capacitação logística deve ater-se a cinco pontos principais. Entre eles:

Capacitação estratégica: Responsabiliza-se pela participação na definição, implementação,

execução e controle das vontades, desejos e possibilidades da organização produtiva. Deverá

haver uma preocupação conjunta quanto ao envolvimento do ambiente externo (forças de

mercado: concorrência, fornecimento e clientes) e dos recursos de base (visão histórica e de

capacitações internas à empresa) para a formulação estratégica. Essa capacitação envolve a

gestão de todas as demais e, portanto, é fundamental que profissionais oriundos da área de

logística, e, principalmente, conceitos de logística integrada estejam envolvidos em seus

processos decisórios.

Capacitação de estrutura organizacional: Deve desenvolver-se coordenadamente com os

propósitos estratégicos, oferecendo agilidade e flexibilidade para enfrentar novos desafios e

mudanças (associação com gerenciamento de processos e mudanças). O desenvolvimento da

capacitação de estrutura organizacional é fundamental para o sucesso estratégico das

organizações, pois se responsabiliza pelo arranjo dos recursos de maior valor para as

organizações e os recursos humanos. Associada aos aspectos logísticos essa capacitação

enfrenta, hoje, grandes desafios dentro de uma abordagem contingencial, tais como:

centralização ou descentralização das funções e decisões logísticas, a autonomia funcional

(“empowerment”), a integração interna de processos, os relacionamentos externos para a

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 77

integração de processos com fornecedores e clientes, os arranjos virtuais, a estrutura funcional

de poder e outros.

Capacitação de Infraestrutura física: Responsabiliza-se pela disponibilização dos recursos físicos

de infraestrutura, básicos para o desenvolvimento da organização produtiva (hardware, software,

equipamentos, prédios etc.). Esta deverá estar atenta às necessidades do sistema logístico e

integradas às necessidades gerais da organização, alinhando-as aos objetivos estratégicos. Para

essa capacitação é fundamental estar em constante atualização quanto às inovações

tecnológicas, que geram novas oportunidades de ganhos competitivos.

Capacitação de integração de processos e gerenciamento de mudanças: Associa-se aos aspectos

operacionais e funcionais. É através dessa capacitação que se concretizam as ações, apoiadas

pelas capacitações de estrutura organizacional, de infraestrutura física e de sistemas e tecnologia

de informação e sistemas de medição de desempenho, segundo padrões de excelência funcional

e agilidade na absorção de mudanças dirigidas às orientações estabelecidas pela capacitação

estratégica.

Capacitação de sistemas e tecnologia de informação e sistemas de medição de desempenho: É

um canal de mão dupla pelo qual as decisões processadas pela esfera estratégica podem ser

transmitidas às partes que colaborarão para a sua execução e pelo qual se exercerá um

sensoriamento do que está sendo executado para o retorno das informações. Essa capacitação é

suporte para o processamento funcional (interação de processos) e para a estrutura

organizacional, na medida em que os relaciona com os direcionamentos estratégicos. Ela deverá,

também, desenvolver agilidade de comunicação (interna e externa) e de processamento,

facilitando as operações, o controle e o direcionamento dos processos. Juntamente com a

capacitação estratégica, a capacitação de sistemas e tecnologia de informação e sistemas de

medição de desempenho também deverá fornecer mecanismos para o estabelecimento de

referências e comparações internas e externas, envolvendo processos similares e distintos.

Analisando a atual situação do setor logístico, a especialização de seus profissionais e a obtenção de

metas traçadas a partir das capacitações desenvolvidas em seu sistema, criam um diferencial importante, que

possibilita a competitividade de mercado. Prestar um serviço logístico de excelência tem sido o objetivo de

inúmeras empresas que diferenciaram seu atendimento, causando uma superação das expectativas de seus

clientes, que passou a ser uma nova forma de garantir sua lealdade. É através do serviço que as empresas

procuram diferenciar seus produtos, fazendo com que os clientes percebam mais valor naquilo que estão

comprando.

O consumidor dos dias atuais tem muito bem definido o que espera dos produtos que adquire: eles

devem atender melhor às suas necessidades, estarem disponíveis no momento certo, a um preço adequado e

com altos níveis de qualidade. Esse novo perfil de cliente vem provocando uma mudança nos mercados de

consumo e consequentemente nos mercados comerciais e industriais.

Todos esses elementos modificaram a ideia de “logística” com o passar dos anos, atribuindo maior

importância ao setor, caracterizando-o como fator chave para um melhor desenvolvimento dentro da empresa.

Na logística atual,

ao mesmo tempo em que se busca a redução de estoques e maior qualidade do serviço logístico, a competição entre as empresas, num ambiente globalizado, passou também a exigir custos reduzidos e prazos curtos no ciclo do pedido. Para se conseguir essa façanha de melhorar o nível de serviço e ao mesmo tempo reduzir custos, as empresas lançaram mão, em larga escala, da tecnologia da informação. Por outro lado, abrindo suas fronteiras, antes muito protegidas, e buscando se concentrar nas atividades de seu “core competence”,as empresas de classe mundial

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 78

passaram a terceirizar muitas de suas atividades, e buscaram parcerias com fornecedores e clientes. (Novaes, 2004)

Com diferentes formas de atuação, pouca mão de obra qualificada e necessidade de permanente

atualização nos processos pelos quais a logística deve integrar, a excelência na prestação de serviços do setor

torna-se um pouco difícil. Muitas vezes, visando a novas e mais rápidas formas de trabalho, as corporações

acabam encontrando na terceirização uma forma mais prática de realizar seus serviços. Seja utilizando serviços

de armazenagem, como a própria mão de obra tão escassa dentro da empresa, os serviços terceirizados acabam

adquirindo importância no papel que a empresa lhe apresenta para desempenhar. Contudo, o lucro e a rapidez

podem agregar novos problemas às corporações, que, muitas vezes, contratam os serviços terceirizados sem ter

consciência das atitudes a serem tomadas e os planos a serem desenvolvidos a partir disso. A terceirização pode

ser considerada um bom aliado ao setor logístico, mas também apresenta seus riscos.

3 Terceirização: uma tendência de mercado

A terceirização está aumentando significativamente em todas as empresas do mundo todo, sendo

responsável por fatias elevados do faturamento de algumas grandes corporações. Pesquisas recentes feitas na

Europa indicam que mais de 50% das companhias têm desejo de aumentar o nível de terceirização que estão

praticando. Para se chegar ao conceito de terceirização é necessária a implantação de sistemas próprios para

que possam refletir no serviço que for terceirizado.

A terceirização no setor logístico pode ser feita através de serviços sem complexidade nenhuma como

aluguel de novos ambientes que sirvam para a armazenagem até atividades que envolvem total responsabilidade

como transferir a função da distribuição a terceiros, em sua totalidade.

Os motivos ligados à terceirização são geralmente ligados à obtenção de maior lucro e maior rapidez nos

processos logísticos. Em princípio, os setores apresentados como terceirizados podem apresentar uma séries de

ganhos, com a redução de ativos e do custo de mão de obra, o aumento da flexibilidade para modificação de

capacidade, o acesso de tecnologia de ponta, além, da possibilidade de se concentrar nas atividades-chave. As

empresas que fazem parte do mercado atual já têm atividade terceirizada presente principalmente em áreas

como a armazenagem, o transporte, a distribuição de produtos, entre outras.

A obtenção de resultados satisfatórios ligados à terceirização vai depender diretamente da empresa que

os contrata, caso ela não esteja acompanhando os resultados, perdendo o controle das operações, não

acompanhando novos meios de desenvolvimento tecnológico. Entre os pontos mais delicados nas atividades

terceirizadas e talvez, um dos mais cruciais, está o gerenciamento do relacionamento entre as organizações, já

que o contratante e contratado devem manter uma relação de apoio e lealdade para que a estratégia dê certo.

Utilizando-se da terceirização, a empresa deve primeiramente saber o quanto ela será lucrativa e quais

são as estruturas necessárias para a implementação de tal serviço em seu cotidiano. Observa-se na terceirização

dos serviços de logística uma tendência em crescimento não só em todo o mundo, mas também no Brasil. Isso

ocorre devido ao crescente nível de sofisticação exigido para implementação dos programas de logística e do

gerenciamento da cadeia de abastecimento. Com a terceirização, a empresa tem formas mais flexíveis e rápidas

de trabalhar, satisfazendo o tão exigente consumidor de seu produto.

Nos últimos anos, de acordo com os resultados da pesquisa sobre panorama logístico brasileiro

(COPPEAD, 2003) constatou-se que a terceirização é uma das práticas gerenciais mais executadas no país;

principalmente pelo fato de envolver atividades com alto grau de complexidade. Em vários casos, mesmo

terceirizando o serviço e otimizando seus resultados, o custo final não sofreu alteração, não comprometendo o

preço oferecido ao consumidor graças a boa administração da corporação e dos prestadores de serviço.

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 79

Vários processos devem ser considerados como decisórios no processo de terceirização de atividades, já

que a prioridade é aumentar a vantagem competitiva visando melhorar os resultados da empresa.

Como a maioria dos problemas enfrentados hoje é proveniente do aumento da competição e da

instabilidade dos mercados, há uma forte tendência à especialização de processos ou serviços que envolvam alta

complexidade, sendo crescente a desverticalização de algumas operações (FLEURY, 1999).

Por envolver alta complexidade em todos os processos logísticos, nota-se uma crescente evolução na

contratação e terceirização de Provedores de Serviços Logísticos e Operadores Logísticos em todo o mundo,

inclusive no Brasil, Wanke (2004), com o propósito de melhorar o nível de rentabilidade nos serviços de

distribuição aos clientes e consumidores.

A terceirização de serviços logísticos, com planejamento e controle vem facilitar o fluxo de produtos,

diminuindo o distanciamento entre produção e demanda de modo que os clientes tenham bens e serviços de

acordo com suas necessidades. Com o passar dos anos e a evolução nas técnicas e tecnologias desenvolvidas na

área logística, a necessidade de adaptar-se é crucial para a sobrevivência no mercado.

O uso dos operadores logísticos (OL) e prestadores de serviços (PSLs) logísticos é hoje uma tendência.

Os sistemas operacionais e gerenciais da parceria entre empresas e seus prestadores de serviços logísticos têm

alcançado grandes resultados, atingindo os níveis de lucratividade e excelência em produtos traçados como

metas pelas empresas e adequando-se às necessidades dos clientes, além de criar maior competitividade de

mercado.

A falta de mecanismos adequados de comunicação entre contratante e os PSLs/OLs, pode comprometer

todo o rendimento da cadeia e posteriormente suas prioridades competitivas. Para que isso não aconteça, a área

de TI desenvolve hardwares, softwares e sistemas de gerenciamento para que toda a cadeia logística tenha um

melhor desempenho final.

Segundo dados da pesquisa, 90% das empresas que terceirizaram algum tipo de serviço estavam

satisfeitos, já que conseguiram reduzir em 85% dos casos os custos com atividades logísticas e

consequentemente focar mais em suas competências centrais (76%).

As vantagens da terceirização de serviços são alcançadas apenas com a ajuda de profissionais

capacitados, bom gerenciamento dos processos, caso contrário, a terceirização pode apresentar uma ameaça a

toda a cadeia logística, afetando assim a empresa como um todo. Entre possíveis problemas que poderão ser

encontrados dentro de um processo de terceirização, colocando em risco o bom funcionamento da relação entre

as partes envolvidas podemos encontrar: o gerenciamento inadequado; funcionários com pouca experiência na

área na qual desempenham uma função; falta de comprometimento da empresa com relação aos objetivos a

serem alcançados; desatualização tecnológica; custos ocultos apresentados durante o processo de terceirização

como transporte de equipe, estadias e gerenciamento de projetos, entre outros e falta de vivência empresarial.

Pode-se minimizar os riscos da terceirização através de contratos claros e objetivos, com previsão de

mecanismos de revisão e flexibilização periódicos, e uma política de recursos humanos bem direcionada e

definida. A terceirização permite que a empresa se concentre em como utilizar a tecnologia, e não, em como

fazê-la.

Para Gonçalves (2005 p.21), uma empresa capacitada para a terceirização, necessita apresentar:

- Política de administração de fácil auditagem; - Know-how apropriado; - Qualidade de custos competitivos; - Infra-estrutura e logística compatível; [...] Para isso convém examinar: - Contrato social e alterações contratuais; - Responsabilidade dos sócios, tanto legais como contratuais; - Seguros para Acidentes de Trabalho; - Capital Social Compatível com o Faturamento;

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 80

- Relacionamento com instituições financeiras nos últimos dois anos; - Bens imóveis para garantias e futuras condenações; - Estrutura patrimonial; - Curriculum dos executivos e pessoal de primeira linha; - Se presta serviços para mais de uma empresa naquela atividade; - Informações comerciais e financeiras; - Composição da Folha de Pagamento; - Data e Forma de Pagamento de salários e adicionais; - Contratos individuais de Jornada de Trabalho; - Contrato interempresarial de serviço e produção; - As últimas convenções coletivas de trabalho; - Corpo jurídico; - Decisões administrativas; - FGTS; - Registro de empregados; - Autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, no caso de cessão de mão de obra temporária (p. 21).

Na contratação da prestadora de serviço, o ideal é selecionar pelo menos três empresas e comparar

entre elas, qual oferece as maiores vantagens e que mais acompanham as necessidades segundo o perfil da

contratante.

4 Conclusão

O setor logístico vem ganhando notoriedade dentro das empresas, considerando-se primeiramente que é

a partir dele que são desempenhadas as funções mais vitais presentes nas corporações. Com o advento da

logística, novas técnicas foram implantadas bem como, mão de obra necessária para utilizá-las. Contanto, a mão

de obra que deveria ser aplicada no setor é notoriamente escassa no atual mercado. Os avanços tecnológicos e

as novas formas de aplicar os processos logísticos contribuem para um melhor desempenho da empresa, seja

diminuindo seus custos, aumentando sua agilidade ou otimizando o produto final destinado a um consumidor

cada vez mais exigente.

Os profissionais dessa área devem, primeiramente, acompanhar as novidades tecnológicas, adequando-

se aos novos horizontes e objetivos traçados pelo mercado atual, possibilitando a manutenção da

competitividade entre empresas, oferecendo através de mecanismos muitas vezes complexos, a possibilidade de

melhor desempenhar as funções atribuídas ao setor. Nem sempre as empresas encontram esse tipo de

profissional disponível no mercado e acabam procurando novas alternativas para que seu desempenho seja

compatível às necessidades, principalmente, de seu consumidor. Com esse déficit profissional, as empresas são

obrigadas muitas vezes a terceirizar seus setores de forma a facilitar os processos ou simplesmente, por não

encontrar mão de obra especializada para realizar as tarefas. É comum que empresas procurem por profissionais

prestadores de serviço ao invés de manter um profissional permanente, contratado diretamente pela empresa

por inúmeras vantagens que muitas vezes a terceirização oferece. Contanto, a idéia de terceirização só poderá

ser lucrativa se bem administrada e acompanhada com atenção, caso contrário, os danos causados poderão ser

irreversíveis.

A logística poderá ser o caminho para a diferenciação de uma empresa aos olhos de seus clientes, para a

redução dos custos e para agregar valor, o que se refletirá no aumento da lucratividade. Uma empresa mais

lucrativa e com menores custos estará, sem dúvida, em uma posição de superioridade em relação aos seus

concorrentes. Porém, a logística por si só não alcançará esses resultados, sendo necessário que esteja inserida

no processo de planejamento de negócio da organização e alinhada com os demais esforços para atingir sucesso

no seu segmento de atuação. Não necessariamente sendo só dela a responsabilidade de um negócio bem

sucedido, mas que ela seja vista como uma opção real já adotada por muitas empresas e até mesmo, por

países para o desenvolvimento do aumento da competitividade, porque competir é preciso.

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 81

Acompanhando a tendência de mercado e o alto grau de competição que aumenta a cada dia que passa,

o setor logístico precisa constantemente de inovação tanto em seus métodos de trabalho como em seus

equipamentos. É necessário sempre adequar os processos logísticos à clientela à qual eles estão atendendo

visando um melhor desempenho para gerar a satisfação do consumidor atendendo os princípios de qualidade,

competitividade e rapidez.

O ideal seria que os profissionais da área obtivessem uma formação completa e tivessem vivência

corporativa, acompanhando todos os processos logísticos e com a capacidade de colocá-los em prática. A

escassez da mão de obra no setor, obriga as corporações a rumarem para alternativas que condizem com suas

necessidades de mercado, na maioria das vezes, ao invés de investir na formação e na especialização do

profissional, a empresa acaba por optar por formas mais viáveis de tornar adquirir mão de obra: profissionais já

aposentados que voltam aos cargos que antes ocupavam ou profissionais de outros países, qualificados para as

vagas que não são facilmente preenchidas no país por falta de qualificação.

Cabe ao profissional capacitar-se acompanhando as tendências, empenhando-se na realização das

tarefas designadas assim como, cabe à empresa investir mais em seus profissionais, gerando, assim, mão de

obra qualificada e permanente, criando maior elo entre empregado e empregador, possibilitando além do vínculo

empregatício, uma identificação do funcionário com a empresa. Para a empresa, a lucratividade também poderá

ser maior considerando que, os processos de terceirização em muitos casos geram grande margem de lucro,

mas precisam ser muito bem administrados, assumindo assim possibilidade de alto risco.

5 Referências bibliográficas

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FIGUEIREDO, Kleber; ARCADER, Rebecca. Da distribuição Física ao Supply Chain Management: o pensamento, o ensino e as necessidades de capacitação em Logística. COPPEAD- Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2010

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A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 82

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 83

A Música no Processo de Alfabetização

Gabriela Martins de Souza Faculdades Integradas Claretianas

[email protected]

Evelyn Monari Belo Faculdades Integradas Claretianas

[email protected]

Resumo

Este trabalho de iniciação científica baseia-se na idéia do uso da música como recurso de aprendizagem visando a um ensino de qualidade, principalmente quando se fala em alfabetização, pois a música favorece a interação sociocultural significativa, o que facilita a aprendizagem da leitura e a produção de textos. Ela estimula a capacidade cognitiva e afetiva do indivíduo, o que influenciará positivamente no desenvolvimento da escrita, aproximando o sujeito de seu objeto de conhecimento de uma maneira diferente da situação formal de alfabetização escolar. Palavras-Chave: música; alfabetização 1 A importância da música nas séries iniciais do ensino fundamental

“A educação musical não deve visar formação de possíveis músicos do amanhã, mas sim a formação integral das crianças de hoje”.

(Teca Alencar Brito).

A música é a linguagem de expressão que colabora para os processos de aquisição do conhecimento,

sensibilidade, sociabilidade e gosto artístico. Ela pode ser abordada na escola como som ambiente, histórias,

dramatizações, recreação e aprendizagem. Assim, compreendemos que:

[...] Uma das tarefas primordiais da escola é assegurar a igualdade de chances, para que toda criança possa ter acesso à música e possa educar-se musicalmente, qualquer que seja o ambiente sócio-cultural de que provenha. (CHIARELLI apud PRADA, 2008, p. 15)

Não é preciso uma aprendizagem técnica musical, mas sim despertar na criança por meio da música a

capacidade de sentir, viver e apreciar esse gênero.

Sabemos que podemos utilizar a música para desenvolver e aperfeiçoar outras áreas do conhecimento

como, por exemplo, a alfabetização e o raciocínio lógico-matemático, promovendo, principalmente, a integração

de saberes e a socialização.

Observamos que, na maioria das vezes, a mídia contribui para a veiculação de músicas que se

constituem em um padrão que caracteriza um nível cultural isento de conteúdos que o saber legitimado

considera adequados. Nesse sentido, caberá à escola, resgatar alguns valores já esquecidos. Entre tais valores,

observamos que as relações estabelecidas entre as crianças nos permitem verificar que as gírias, por exemplo,

integram

seu vocabulário, permitindo a interpretação de uma realidade que, por vezes, não representa os valores sociais

já estabelecidos e consolidados.

Confirmando tais reflexões, observamos que, na Grécia antiga, a música constituía os modelos

educacionais, pois a importância e a necessidade de uma educação que valorizasse o corpo e a alma encontrava

neste elemento – a música – a possibilidade do desenvolvimento das virtudes a partir da temperança e do

equilíbrio propiciados pelo seu ensino, pois: “Na Grécia, a música era considerada fator fundamental na formação

dos cidadãos, tanto quanto a filosofia e a matemática, e o ensino começava na infância”. (SCHILARO, 1990,

p.13)

Atualmente, as propostas curriculares nos permitem observar que o educando terá maior compreensão

da linguagem musical através de vivências lúdicas, sendo que: “Educar musicalmente é propiciar à criança uma

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A Música no Processo de Alfabetização

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 84

compreensão progressiva da linguagem musical, através de experimentos e convivência orientada.”

(MARTINS,1985, p.47)

O professor, com uma postura crítica e reflexiva deverá propiciar situações em que a criança possa olhar

o mundo e se expressar, pois o educando constrói seu pensamento através da interação com o ambiente visto

que, “olhar o mundo é aprender a perceber significados em todas as coisas” (SCHILARO, 1990, p.18).

A educação musical deverá estar presente na Educação Física também, pois é uma área do conhecimento

na qual a criança desenvolve a linguagem corporal através de exercícios, atividades rítmicas, jogos, brinquedos e

rodas cantadas. Considerando o contexto do ensino da música na Europa no século XVII, observamos que

predominavam duas tendências: uma, o Racionalismo, defendia o ensino da teoria musical e, a outra,

denominada Sensorialismo, era compreendida pela prática musical (SCHILARO, 1990).

Adequando o contexto apresentado ao que se propõe este trabalho, já no século XX, podemos considerar

a linguagem musical no período que compreende a Escola Nova. Assim, é possível constatar que tal linguagem

era considerada necessária e acessível a todos, assumindo uma importante função nos sistemas educacionais.

O período de alfabetização é o que mais ganha vantagens do ensino da linguagem musical quando em

suas atividades estimula-se o desenvolvimento da coordenação visomotora, imitação, atenção, raciocínio,

linguagem e expressão corporal. Desenvolver essas funções envolve os aspectos psicológicos e cognitivos que se

usa para aprender.

Observamos que o processo de aquisição/apropriação do conhecimento é consolidado a partir da

interação da criança com o meio ambiente e, assim, compreendemos que cabe ao educador permitir o

desenvolvimento de situações de aprendizagem nas quais a criança descubra, analise e compreenda os ritmos do

mundo, tanto por meio da observação quanto por meio do contato com os instrumentos musicais, da apreciação

e participação em teatros, do desenvolvimento da dança, do conhecimento e exploração dos elementos do

folclore, entre outros.

Quando a criança tem uma idéia e a expressa, ela está representando e, quando canta, manifesta a

representação anterior.

Sendo uma linguagem, a música permite o desenvolvimento da expressão e a transmissão de emoções e

sentimentos, que podem conduzir a criança ao reconhecimento de valores. Trata-se de um elemento que pode

ser trabalhado em todas as áreas da educação envolvendo temas diversificados e permitindo ao educando,

sobretudo, a vivência lúdica como fator que permite a compreensão do conhecimento que se constituirá como

base de sua vida.

De acordo com Prado e Figueiredo (2008) há autores que afirmam que atividades musicais na escola

podem ter objetivos profiláticos no aspecto físico, pois, objetivamente, buscam oferecer atividades capazes de

promover o alívio de tensões devidas à instabilidade emocional e fadiga. No aspecto psíquico, promove processo

de expressão, comunicação e descarga emocional através do estímulo musical e sonoro. Já no aspecto mental,

proporciona situações que podem contribuir para estimular e desenvolver o sentido da ordem, harmonia,

organização e compreensão.

Estabelecer um planejamento de atividades nas quais o processo de ensino e aprendizagem permite a

incorporação e o uso da música como um elemento que facilita a constituição do sentimento e o

desenvolvimento de uma educação que auxilie na formação do cidadão oferecendo condições de estabelecimento

de uma sociedade “reformulada” é um objetivo necessário a ser atingido com a realização de propostas que

priorizem a educação musical. O produto obtido são crianças que se expressam e aprendem a relacionar-se com

o mundo.

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A Música no Processo de Alfabetização

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 85

[..] O que temos observado é que as crianças mais novas têm uma maior capacidade de invenção e de criação musical, que tende a cair com o desenvolvimento. Isto tem para nós, como causa principal, a forma como é apresentada a música para a criança. (QUELUZ, 1984. p.64-65).

Um exemplo de atividade com a música é uma atividade que, comumente, é denominada pelos

educadores como “Roda Cantada”, que tem grande valor educativo no desenvolvimento infantil, o que facilita a

socialização, coordenação visomotora, percepção visual, raciocínio lógico e linguagem verbal.

Na escolha do repertório, deve ser preservada a expressividade infantil e deve-se também ter objetivos

definidos. O repertório tem que ser variado, com melodias relacionadas às diversas áreas de estudo,

considerando, também, o que é denominado como “conhecimento prévio”. Podemos estabelecer algumas

comparações a partir da análise do seguinte quadro:

Quadro 1: Comparação entre áreas e temas

ÁREAS TEMAS DAS CANÇÕES Integração Social Entrada/ saída da escola Raciocínio Lógico Matemática; Linguagem Ed. Física Reconhecimento do corpo; Lateralidade Estudos Sociais Datas Comemorativas Artes Cores Matemática Exploração do ambiente (maior, menor, alto,

baixo, etc). Linguagem Dramatizações e canções que contam histórias

Fonte: SCHILARO, 1990, p. 103

Assim sendo, além de uma escola que possa assegurar o acesso à música, caberá ao educador abraçar

esse instrumento de trabalho e explorar ao máximo do potencial criador da criança, já que, dependendo da

forma que a música é apresentada, pode acontecer de seu desenvolvimento decair. O educador deve propiciar a

todo momento situações nas quais a criança seja capaz de interagir com o ambiente e se expresse, sempre

respeitando o ambiente sociocultural de cada um, pois só assim acontecerá a construção de seu conhecimento.

2 Música e ensino: Uma parceria que “Dá Certo”

Fundamentar o ensino dos anos iniciais de escolarização no uso da música como recurso para promover

situações de aprendizagem pode ser considerado um elemento muito importante que visa oferecer um ensino de

qualidade. Em linhas gerais, qualidade é sempre um elemento a ser observado nas propostas de ensino que se

estabelecem como necessárias, por meio de metas a serem atingidas em um determinado período de tempo.

Essa condição nos remete a pensar nas novas propostas expressas, principalmente, nas diferentes

formas de organização de currículos e programas que, na realidade, caracterizam o que denominamos

reorganização curricular. Neste sentido, o trabalho que desenvolvemos nos permite observar de que maneira a

música interfere, diretamente, na aprendizagem significativa, expressa na visão de diferentes teóricos.

Entre eles, ressaltamos Morin (2007) que nos convida a refletir sobre uma prática pedagógica voltada à

integração dos saberes, desconsiderando uma educação que prioriza os conteúdos fragmentados, como vem

ocorrendo na grande maioria das escolas brasileiras.

Assim, na condição de um dos pensadores mais importantes do século XX, Morin propõe o

desenvolvimento do pensamento complexo, uma reforma do pensamento por meio do ensino transdisciplinar que

possa contribuir com a formação de cidadãos “planetários”, ou seja, homens verdadeiramente solidários e aptos

a enfrentar os desafios dos tempos atuais. O homem não se separa da natureza e da cultura, mas sim, é o

conjunto da obra. No entanto, a educação é sua aliada pois nunca temos o produto final “pronto e acabado”.

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A Música no Processo de Alfabetização

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 86

Morin (2007) discorda de afirmações que consideram um único método, teoria ou estratégia de

pensamento como elementos que possibilitam ao indivíduo o entendimento do mundo da maneira como ele

realmente é. Para ele, a educação tem a ver com a maneira pela qual é interpretada sob a ótica do indivíduo.

Pensar globalmente é o que possibilita uma reflexão do indivíduo. Entretanto, ainda hoje, permanece a

herança do passado onde os saberes abordados de forma fragmentada tornam complicada a abordagem

defendida pelo autor citado.

Consequentemente, temos na educação que fragmenta os conteúdos e não permite a reflexão humana

como referência a compreensão de um mundo de forma isolada, na qual não há conectividade entre o que é real

e o que é idealizado.

É seguida a “norma” de um ensino disciplinar, que auxilia no avanço do conhecimento e torna-se, de

certa forma, insubstituível. Ainda de acordo com Morin (2007), as conexões não são estabelecidas entre as

diferentes disciplinas porque se tornam invisíveis quando são fragmentadas. É necessário, inquestionavelmente,

contextualizar o conhecimento.

Considerando a música como elemento fundamental no estabelecimento das diferentes propostas

pedagógicas, observamos que temos em mãos a possibilidade de integrar as diferentes áreas do conhecimento

em simples “atitudes” que, bem planejadas, muito contribuem para o desenvolvimento global das crianças.

Em linhas gerais, uma música integra as diferentes áreas do conhecimento a partir das diferentes

linguagens que constituem o rol dos “conteúdos” que, fragmentados, “perdem o sentido”.

Uma das principais manifestações da importância da música consiste na possibilidade de ser um

elemento auxiliar na elaboração e execução de atividades que integram os processos de aquisição do domínio da

leitura e da escrita.

Para Teberosky e Ferreiro (1999), aprender a escrever não é apenas um processo cognitivo. Trata-se de

uma atividade social e cultural, “porque a desigualdade econômica e social se manifesta também na distribuição

desigual de oportunidades educacionais” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 20). A educação nos remete a um

padrão da sociedade que nos faz ser aceitos por ela como cidadãos aptos a atuarem, o que seria essencial a

criação de vínculos entre cultura e conhecimentos, o que nos faz repensar as idéias de Morin (2007), já que o

homem não se separa de sua natureza nem de sua cultura, sendo assim o conjunto da obra.

Não haveria motivo para ignorar a multiplicidade, complexidade e entrelaçamento entre os traços e

marcas culturais dos indivíduos e das relações sociais no ensino da música nas classes de Ensino Fundamental.

Não é possível pensar, por exemplo, em uma educação de caráter musical desarticulada quanto ao restante das

disciplinas da grade curricular. Se assim fosse teria algum significado ao educando? “Bastam 45 minutos de aula

de música semanais, de modo desarticulado dos demais conhecimentos que estão sendo trabalhados pelos

professores, para potencializar a educação musical na escola?” (BELLOCHIO, 2001, p.46)

Sobre isso, Sekeff (1996, p.145) afirma: “[...] mais do que a herança genética, é exatamente a cultura

que determina a música dos povos e justifica as suas realizações (ao mesmo tempo em que sua música vai

constituir também sua cultura)”.

A integração de saberes apresentada por Morin (2007), seria sim uma reflexão certa quanto à integração

da música, desconsiderando seu ensino fragmentado e sem significado.

A música favorece a interação sociocultural “significativa”, pois seus elementos (ritmos e melodias)

atuam no aspecto cognitivo e criativo do sujeito, o que favorece a aprendizagem da leitura e a produção de

textos no processo de alfabetização, estimulando também o desenvolvimento de sua capacidade afetiva e

cognitiva.

[...] os princípios ortográficos desenvolvem-se na criança à medida que vai escrevendo. Neste processo, a criança consegue ultrapassar os aspectos “gramaticalizados” ou “codificados” para

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A Música no Processo de Alfabetização

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 87

elaborar seu material, investindo-o de significação própria em uma atividade criativa. A música, como atividade criativa, pode naturalmente favorecer o aparecimento de situações problema, propondo novas formas de utilização e manuseio da linguagem e propiciando a construção de hipóteses de escrita. (BRAGIO apud PRADO; FIGUEIREDO, 2005)

A música é um excelente recurso estimulador para o desenvolvimento da leitura de textos e hipóteses de

escrita. Além da música ser um quesito obrigatório no Ensino Fundamental (inserido na Arte), é uma linguagem

artística que, quando trabalhada integrando-a com as demais disciplinas tem a incumbência de educar.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil, o trabalho com a música tem

como objetivo explorar, expressar e produzir silêncio e sons, com a voz, o corpo e materiais diversos. Leva-se

em conta a interpretação de músicas/canções, a participação em brincadeiras e jogos cantados e rítmicos,

escuta de diferentes obras musicais e a participação em qualquer situação que se integre a música, de forma

geral.

Para Avelllar (1995), é necessário pensar sobre as formas de inserção da música no currículo regular,

sobre as estratégias de sua integração aos demais saberes e, sobre suas possíveis contribuições para o

desenvolvimento da alfabetização.

Podemos acreditar que a música influenciará positivamente no desenvolvimento da escrita, aproximando

o sujeito de seu objeto de conhecimento, de uma maneira diferente da situação formal de alfabetização escolar.

3 Entrevistas

Para a conclusão dessa pesquisa, foi realizada uma entrevista com duas professoras de Escola Pública de

Ensino Fundamental de uma escola do interior paulista, para saber se utilizam a música como um instrumento de

trabalho para a educação de seus alunos:

Questionário: Professora n.º 01 (P1)

1. Você utiliza a música como ferramenta para educação de seus alunos, abrangendo-a em alguma disciplina? Se

sim, de que modo?

R.: Sim. As crianças, em geral, gostam da descontração oferecida pela música. Tanto para os alunos de 1.º ano

quanto para os alunos de 3.ª série, tenho aplicado a música como ferramenta auxiliar. Procuro sempre encaixar

a música nos conteúdos, principalmente nos projetos que nos são propostos para o trabalho. Um exemplo pode

ser o projeto trânsito, que compreende o trabalho com músicas do domínio popular ou mesmo gravadas por

algumas apresentadoras de programas televisivos infantis.

2. Como você compreende a importância da música nas séries iniciais do ensino fundamental?

R.: Como um elemento fundamental para o auxílio na compreensão dos códigos lingüísticos. Compreendo que o

processo de alfabetização tem um início, mas não um fim. Por isso, trabalhar os conhecimentos e procedimentos

pertinentes à leitura e escrita a partir da música pode ser extremamente significativo e estimulante para o

desempenho das crianças.

3. O que você acha que deve ser valorizado e/ou repensado hoje na educação, já que hoje se pensa em preparar

a pessoa para a vida desconsiderando o acúmulo de conhecimento?

R.: O significado da aprendizagem para o educando bem como a possibilidade de desenvolvimento de suas

competências e habilidades, que são onseqüências de uma aprendizagem adequada às diferentes necessidades

do indivíduo.

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A Música no Processo de Alfabetização

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 88

Questionário: Professora n.º 02

1. Você utiliza a música como ferramenta para educação de seus alunos, abrangendo-a em alguma disciplina? Se

sim, de que modo?

R.: Utilizo música diariamente com meus alunos. O uso da música faz parte da minha rotina (entrada, lanche,

lavar as mãos, ao contar histórias...) para manter a organização dos alunos e estes percebem a seqüência das

atividades. É muito utilizado durante a alfabetização com músicas que sabem de cor (a música nova é muito

bem trabalhada, cantada para que ocorra a escrita espontânea, com alfabeto móvel ou ainda para identificar

palavra-chave por meio da leitura).

2. Como você compreende a importância da música nas séries iniciais do ensino fundamental?

R.: Fundamental, pois a música é prazerosa e estimulante, pode ser usada de acordo com o conteúdo a ser

trabalhado e interesse dos alunos. Requer do educador uma atitude de respeito que valoriza as formas de

expressão dos alunos. Para o aluno, a música é importante pois a criança interage, sente, expressa e comunica-

se, melhora a percepção da memória auditiva o que favorece no processo de alfabetização; melhora a percepção

de rimas e versos. A linguagem musical desenvolve a expressão, equilíbrio, favorece o autoconhecimento e a

aprendizagem.

3. O que você acha que deve ser valorizado e/ou repensado hoje na educação, já que hoje se pensa em preparar

a pessoa para a vida desconsiderando o acúmulo de conhecimento?

R.: Acredito que o professor deve preparar suas aulas, planejar, elaborar, ter claro seus objetivos. Os conteúdos

devem ser valorizados para formar o aluno com qualidade de ensino preparado para ser um cidadão consciente e

preparado para o trabalho.

3.1 Análise dos resultados

De acordo com os dados coletados, apresentamos algumas considerações sobre as informações obtidas

com a aplicação dos questionários.

De forma geral, podemos observar que a música é, certamente, um instrumento de trabalho que, se

utilizado corretamente, ou seja, se inserido no contexto do educando e integrado aos demais conteúdos, permite

que sejam atingidos resultados satisfatórios, importantes para o desenvolvimento da criança. É importante

considerar que as teorias fundamentam as atividades a serem realizadas no cotidiano das crianças, mas não é

possível concordar com apenas uma ou outra teoria, sendo necessário o efetivo trabalho do educador em sala de

aula e também no momento do planejamento, oferecendo condições ao desenvolvimento pleno do educando.

Para P1, o ensino da música auxilia no desenvolvimento tanto para os alunos do 1.º ano quanto para os

alunos da 3.ª série. A pedagogia de projetos é uma realidade em seu trabalho. Diversos são os temas que

podem ser trabalhados nesta forma de organização do trabalho pedagógico e, apesar da professora não haver

relatado na entrevista, os projetos podem ser organizados em diários, semanais, mensais, bimestrais,

trimestrais, anuais. Enfim, pode-se compreender que a música é um recurso que auxilia no processo de ensino e

aprendizagem.

Em comparação com P2, podemos compreender que sua compreensão envolve uma visão sobre a música

enquanto um elemento que requer maior atenção quanto à sua aplicabilidade, pois não se trata apenas de

utilizá-la como um elemento que permite uma forma lúdica de aprendizagem, mas contempla o desenvolvimento

da criança em seu aspecto global. Neste sentido, teremos a oportunidade de contribuir com a formação de uma

criança capaz de agir e pensar com maior autonomia em sua manifestação de expressão.

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A Música no Processo de Alfabetização

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 89

Nas entrelinhas das respostas obtidas, percebemos que a ludicidade expressa com o trabalho que se

concretiza com a música é fundamental para que a criança expresse em sua aprendizagem aspectos pertinentes

à sua identidade.

Nas falas de P1 e P2, temos a oportunidade de verificar que a música é retratada como um elemento que

orienta e determina o desenvolvimento das habilidades e competências do aluno, o que, consequentemente,

potencializa seu desempenho em diferentes aspectos do processo de ensino e aprendizagem. A valorização da

música enquanto instrumento auxiliador deste processo simboliza a valorização dos conteúdos que constituem a

grade curricular voltada ao trabalho que deve resultar na formação do cidadão.

4 Considerações finais

O desenvolvimento da pesquisa que concretizou o projeto de iniciação científica nos permite verificar a

importância da música no contexto escolar como elemento integrador e motivador no processo de aprendizagem

da escrita, o que contribui para um ambiente estimulante, prazeroso e rico, proporcionando uma aprendizagem

mais significativa, uma vez que a integração dos saberes facilita sua compreensão e o resgate de informações.

Para tanto, não podemos considerar apenas o processo de alfabetização, sendo ele muito importante

quando se trata do ensino fundamental. Temos na música um instrumento muito amplo, que pode ser bem

explorado em vivências lúdicas, nas quais o processo de aprendizagem ocorre de forma efetiva, seja qual for o

tema, matéria, assunto a ser desenvolvido. Em outras palavras, trata-se da possibilidade de pensar globalmente

para efetivação de uma aprendizagem significativa e não apenas abraçar um método, como antigamente,

isolando as atividades em detrimento de sua contextualização, tornando a aprendizagem fragmentada.

Para que os educadores possam aderir ao trabalho de integrar a música ao conteúdo, eles deverão ter

em mente uma escola aberta, uma escola do século XXI, pensando não na quantidade de conteúdos, mas a

qualidade que terão os conhecimentos transmitidos, para a formação do aluno como uma pessoa inteira, com

sua criatividade, expressão, sentidos, críticas, etc.

5 Referências bibliográficas

AVELLAR, Rosa Maria Gentil de. O Desafio de continuar a alfabetização. São Paulo. JM Editora: 1995.

FERREIRO Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999.

MOREIRA, Marco e MASINI, Elsie F. S. Aprendizagem significativa: A teoria de David Ausubel. São Paulo, Moraes, 1982. p.3.

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes. Disponível em: www.centrorefeducacional.com.br/setesaberes.htm. Acesso: 29/07/2009

PRADO, Adriana; FIGUEIREDO, Eliane. Análise e influência da música no processo do desenvolvimento da escrita. Universidade Federal de Goiás (UFG). Décimo Quinto Congresso,2005.

QUELUZ, Ana G. A pré-escola centrada na criança: uma influência de Carl Rogers. São Paulo, Pioneira, 1984. p.64-65.

REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. 3v.:Il.

SCHILARO SANTA ROSA, Neruda. Educação musical para a Pré Escola. Editora Ática, 1990. Disponível em: http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_noticias/noticias_educacao/id110900.htm#musica acesso em:15/07/2009

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011

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O Que é Logística?

Prof. Esp. Adm Eder Benedito Simonato Faculdades Integradas Claretianas

[email protected]

Resumo

No dia a dia profissional, e mesmo acadêmico, as pessoas são pegas de surpresa se perguntando “O que é mesmo logística”? Neste artigo, buscamos simplificar o entendimento específico do que é logística e do envolvimento das áreas diretamente dependentes da mesma como, administração de materiais e distribuição física sem se estender ao fluxo de informações. Ainda apresentamos áreas de recente estudo e aplicação da logística, como é o caso dos “operadores logísticos” e a “logística reversa”. Este trabalho tem como objetivo auxiliar o leitor na sua introdução ao assunto. Palavras-chave: logística, suprimento, materiais, distribuição, reversa.

1 Introdução

É comum nos dias atuais exercitarmos nossa atenção para textos como os que seguem: “No mercado

globalizado e com grande competitividade é necessário estudar estrategicamente como as funções que

influenciam no processo de fabricação dos bens e serviços podem colaborar para o sucesso das operações”. E

ainda “O elemento primordial dentro desse novo cenário e a necessidade absoluta de satisfação do cliente e para

atender essas exigências será necessário o esforço de várias áreas dentro das organizações”.

Pelo nosso entendimento não é necessário o usual cabedal de palavras que enaltecem conceitos e

condições de realização inalcançáveis. Desejamos simplesmente “explicarmos aos já envolvidos” ou talvez

“elucidarmos para os leigos” o que é logística. Porem, este não deixará de suprir o assunto que abordarmos, com

todas as explicações necessárias ao entendimento mínimo das características que norteiam o seu conteúdo.

A intenção é a de sermos simples e diretos nas argumentações, a fim de atingirmos a todos os níveis de

pessoas interessadas no universo da logística.

Partindo de pesquisa dos autores de base acadêmica e de profissionais da área, desejamos prender a

atenção dos leitores através da visão mais operacional possível sobre o assunto e com peculiaridades

comparativas, ligadas ao dia a dia das pessoas e dos profissionais que venham a ler e usar este material.

Junta-se ao assunto partes de pesquisa efetuada em áreas que na primeira impressão nada tem em

comum com a logística. Mas, ao discorrer sobre elas e colocadas no local e no momento certo, tomamos

consciência de sua importância para a melhor condição de operacionalização de todo o sistema logístico aqui

tratado. Nenhuma das partes deixa de se interligar umas as outras. O que vem fazendo da logística um dos

conceitos gerenciais mais modernos. São dois os conjuntos de mudanças que atuam na sua operacionalidade, o

primeiro

de ordem econômica, e o segundo de ordem tecnológica. As mudanças econômicas criaram novas exigências

competitivas, enquanto as mudanças tecnológicas tornam possível o gerenciamento eficiente e eficaz das

operações logísticas cada dia mais complexas e havidas por demanda.

Estamos convictos de que o material aqui disposto não é nenhum tratado que somente por si possa por

fim ao assunto. Simplesmente desejamos facilitar a compreensão deste assunto, juntando em um único local

uma base de referência para conhecimento de um processo sou sistema logístico.

2 O que é logística?

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O Que é Logística?

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 91

Visto que as atividades industriais necessitam de matérias-primas, componentes, equipamentos e

serviços, pois isto é parte fundamental de qualquer organização que produz. É essencial coordenar e planejar a

movimentação de todos estes itens, na busca pela melhor condição de operação no menor tempo e ao menor

tempo possível (DIAS, 1993).

A logística, como evolução da filosofia administrativa, representa uma nova visão empresarial, uma nova

ordem das coisas. Uma evolução tão consolidada nos últimos cinquenta anos que acabou por se transformar em

um ramo específico de estudo. A logística é uma das áreas que mais ganha adeptos a cada dia que passa e que

também é foco estratégico das organizações para melhoria de seu desempenho econômico, produtivo e social.

Os ganhos potenciais resultantes de se rever à administração das atividades logísticas estão

transformando a disciplina numa área de importância vital para uma grande variedade de empresas, se não dizer

para todas.

Se logística viesse ou derivasse de lógica, não estaria tão errada por pensamento a pessoa que

determinasse que pela “lógica” nossa vida atual, como a conhecemos, depende estritamente da logística. Que

nossa “lógica” de sobrevivência depende da “lógica” com a qual tudo que comemos, bebemos, vestimos,

utilizamos e descartamos chega até nós, nossas residências ou está a disposição de nossas vontades, ou ainda a

disposição de poucos centímetro de nossas mãos, ali nas prateleiras, para que possamos usufruir. Tudo através

de um complexo e emaranhado processo de operações e de tomadas de decisões sem fim chamado logística.

Pela etimologia, “logística” é uma palavra de origem francesa que se refere originalmente à arte militar

como suporte de abastecimento de tropas e responsável pelo apoio à tática e a estratégia de guerra, com o

objetivo de vencer as batalhas.

A logística moderna também é controversa. Ela existe desde o início da civilização e não constitui de

forma alguma uma novidade. No entanto, a implementação das melhores práticas logísticas aliada a tecnologias

de ponta, levou a mesma a ser uma das áreas operacionais mais desafiadoras e interessantes da administração,

nos últimos tempos.

Como no processo logístico, em sua origem ligada às operações militares, eram necessário mover

equipamento, armas, munições, primeiros socorros no local e no tempo certo, esses militares trabalhavam em

silêncio, como atividades de apoio secundário, o que relegava aos mesmos pouca importância. Nas empresas no

início das atividades logísticas, elas também não tinham seu reconhecimento, eram consideradas com pouca

importância resumindo-se em transporte e armazenagem não agregando valor algum no produto acabado.

Segundo Ballou (1993), a definição de logística é o tratamento das atividades de movimentação e

armazenagem, que facilitam o fluxo de produtos desde o ponto de aquisição da matéria-prima até o ponto de

consumo final, assim como dos fluxos de informação que colocam os produtos em movimento, com o propósito

de providenciar níveis de serviço adequados aos clientes a um custo razoável.

Já Novaes (2001) define, em sua literatura, que o sistema logístico é o processo de planejar, programar

e controlar de maneira eficiente o fluxo e a armazenagem de produtos, bem como os serviços e informações

associados, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos

do consumidor.

Cita Fleury (2008), que a logística integrada deve ser vista como um instrumento de marketing, uma

ferramenta gerencial capaz de agregar valor por meio de serviços prestados.

Com o passar do tempo, os valores agregados no processo logístico foram: valor de lugar: que se refere

à distância percorrida do fornecedor ao destino final; valor de tempo: entrega no prazo prometido; valor

qualidade: com as especificações corretas com que saiu da empresa; e valor de informação: o cliente pode

rastrear onde está seu pedido.

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O Que é Logística?

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 92

Podemos definir o sistema logístico na empresa como o conjunto de recursos (mão-de-obra, recursos de

produção, máquinas, veículos, elementos de movimentação e armazenagem) empregados para desenvolver

fisicamente todas as operações de fabricação, espaço físico para armazenagem e movimentação, que permitam

assegurar o fluxo de materiais desde os fornecedores até o cliente. Seria com certeza mais simples e de pontos

já bem definidos e muito estudados. Contudo o sistema logístico é, além do fluxo de matérias um grande

sistema de troca de informações, tecnicamente chamado de fluxo de informações. Por ele passam pedidos,

recebimentos, valores, dados de mercado, eficiência de frotas, eficácia de profissionais, ou seja, tudo aquilo que

estimula o sistema logístico quanto as operações e tomadas de decisões.

Coordenar o fluxo de bens e serviços, decidir quanto, quando, como movimentar os produtos e onde

comprá-los é preocupação constante na logística. Essas decisões ocorrem no canal de suprimentos, no canal de

distribuição e processos internos da empresa, todos dentro da cadeia de suprimentos. Para a sua boa

administração necessita-se que sejam coordenadas com outras atividades dentro da empresa, especialmente

com a produção, no que diz respeito ao planejamento, a programação e ao controle da produção (DIAS, 1993).

A maioria das firmas de serviços ou agências e instituições governamentais, assim como todas as

empresas privadas, necessitam do auxílio de um especialista em logística em vários graus. Acontece que a

demanda pôr profissionais em logística tem sido superior à oferta de pessoal treinado, sendo esta escassez

particularmente aguda em nível de gerência. Daí nosso ideal de criar algo de rápido entendimento e assimilação,

para ajudar na compreensão do que é simples e direto, sem necessariamente abreviar de qualquer maneira a

formação dos futuros tomadores de decisões nesta área de estudos e profissão.

Logo a logística, a administração, os planejamentos, estão tão entranhados nos afazeres e tarefas dentro

das empresas, no cotidiano de abastecimento das cidades, na rápida evolução de nosso padrão de vida, que

chega a ser difícil de distinguir o que é pura e simplesmente uma coisa da outra. A “administração atual” se

cobre de jargões e conceitos logísticos, em contrapartida a logística se utiliza de todos os conceitos já estudados

pela administração, ela busca administrar tudo para que aconteça corretamente. O “planejamento estratégico”

por si só já não acontece sem o mínimo do “planejamento logístico” para que ele próprio aconteça.

Ou seja, a logística é dada como ferramenta ou mesmo como tecnologia a ser utilizada por empresas de

grande, pequeno e médio porte. Ferramenta ou tecnologia que tem alto valor agregado, grande aplicabilidade e

vasta rede de informações e que, portanto, pode mudar o jogo no mercado entre as organizações, se bem

utilizada pelas mesmas.

Contudo se tornou tão fragmentado o seu emprego no modo de pensar e na utilização de seu jargão que

muitas vezes o emprego de ferramentas e tecnologias mais corretas é deixado de lado, esquecidas mesmo,

gerando grandes equívocos, perda de tempo, capital e foco.

A logística, então, tem por prioridade uma visão empresarial e não empresarial que se disponha não só a

entendê-la, mas como também a ser ela própria uma nova ordem das coisas. Ser a logística, a condição do

caminho de compreensão do próprio processo de existência do ser humano ao longo da história, passado e

presente, almejando um futuro.

Por isso todos estão integralmente tomados pelas condições e consequências desta área de estudos e/ou

área de operacionalidade que compõe nossos padrões de vida atualmente. Por si só, entendê-la é fator de

sobrevivência nas condições diárias na qual sub-existimos até então, existimos atualmente e nos coloca de

frente a dúvida da subsistência no futuro.

Nenhuma organização no mundo tem possibilidade sozinha de existir, e sendo assim, coexistir torna-se

fator chave para a qualificação e o crescimento de que todas elas tanto desejam. Logo, a logística tem este papel

fundamental de interligar estas existências e de movimentar todos os recursos necessários entre as

organizações, empresas de transformação e de prestação de serviços e o mercado.

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O Que é Logística?

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 93

Dada a complexidade de operações, controles e ação da logística, como explicar ao leigo ou mesmo ao

profissional quais são as bases de operação da logística, o que ela é e como pode ser entendida?

A logística, ao longo dos anos, tem sido conhecida por vários nomes, tais como: administração de

transportes, distribuição, distribuição física, suprimento, administração de materiais, operações e logística, ou

seja, uma interligação contínua de atribuições desagregadas de áreas nem sempre afins. Atualmente o termo

mais utilizado é o de logística empresarial.

Essa interligação contínua de atribuições segue desde a extração e coleta (ex. minérios, recursos

naturais da flora, etc.), do preparo do solo e da colheita (ex. lavouras, etc.) e em todos os lugares de geração de

recursos básicos para utilização de uma organização (ex. usinas hidroelétricas, usinas térmicas geradoras de

energia elétrica, combustíveis fósseis, etc.). Tudo isso somente para dizer do início do processo, ou seja, da base

necessária para que todo o restante do processo se desencadeie.

Depois, estando a base pronta, quando olhamos para dentro das empresas, em todas as movimentações

geradas dentro destas, temos novamente um grande volume de tarefas, controles, organização, arrumação,

entre outros no quesito tangível. Sem falar do quesito intangível que podem ser: confiabilidade dos dados que

representam os estoques, veracidade na coleta de informações; em suma, acreditar que tudo que está escrito

existe, esta lá, e está em ordem e pronto para ser utilizado.

Na sequência, se o processo da organização é parcial, temos também o deslocamento de materiais

parcialmente processados e de mais insumos para outras organizações, que por sua vez repetem todos os

quesitos tratados acima. Se entendermos nesse momento estar pronto o produto, então temos, por sua vez, o

“produto acabado”. Este será direcionado a novos estoques sejam eles estáticos ou em movimento, portanto

novos quesitos a serem trabalhados, que por sua vez farão com que eles entrem nas programações de

distribuição, derivadas dos pedidos feitos pelos clientes pulverizadores do mercado. A distribuição é a solução de

aproximar o produto do mercado consumidor, ou seja, de tirá-lo da empresa e leva-lo para o mais próximo

possível do consumidor.

Nessas condições, a movimentação tem a função de, num primeiro momento, agrupamento,

aglomeração e adequação para o transporte. Num segundo momento, a movimentação tem a função de

pulverização para o mercado, ou seja, as enormes cargas e embalagens que saem dos transformadores

(empresas, organizações, etc.) tem que ser reduzidas a ponto unitário, visando o individuo que vai consumi-lo.

Lembramos que o consumidor também gera todo um processo de movimentação, através de seu deslocamento

até os pontos de aquisição e o seu retorno a residência ou local de consumo do produto.

2.1 A visão econômica da logística na sociedade

Segundo Fleury (2008), um dos pensamentos logísticos mais importantes hoje é o Supply Chain

Management (gerenciamento da cadeia de suprimentos), ele processa o sistema logístico, que trata do fluxo de

materiais e informações internas e externas nas empresas. Com o relacionamento que surge ao longo da cadeia,

busca-se assegurar seus melhores resultados em termos de redução de desperdício e agregação de valor ao

serviço logístico.

É necessário para o planejamento da rede logística, ter uma localização das denominadas facilidades, os

transportes, a movimentação de materiais, o nível de integração das atividades logísticas e o sistema de

informação correspondente, a fim de adequar os diversos fluxos de materiais e mercadoria em toda cadeia

logística.

De acordo com Fleury (2008), o transporte é, em geral, responsável pela maior parcela dos custos da

logística. Tanto numa empresa, quanto na participação dos gastos logísticos em relação ao PIB (Produto Interno

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O Que é Logística?

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 94

Bruto), em nação com relativo grau de desenvolvimento. Representa o transporte o elemento mais importante

do custo logístico na maior parte das empresas e instituições.

Todos esses fatores criaram uma série de preocupações, dentre elas a preocupação contínua para a

redução de seus custos. Cabe destacar a integração entre os diversos modais de transporte, também conhecida

como intermodalidade, e o surgimento de operadores logísticos, ou seja, de prestadores de serviços logísticos

integrados, capazes de gerar economia de escala ao compartilharem sua capacidade e seus recursos de

movimentação com vários clientes.

Esses operadores são especialistas em suas áreas de atuação e conseguem com uma certa margem

diluírem mais os custos de estrutura e de equipamentos, ou seja, a mesma estrutura e os mesmos

equipamentos aplicados em várias empresas, em várias operações, sem a necessidade de que cada empresa

necessite investir em sua própria estrutura ou equipamentos.

Quando tocamos no ponto dos “modais de transporte”, estamos falando das diversas formas de

transporte existentes as quais compõem estruturas próprias e diversas vezes também interligadas. São eles:

modal rodoviário – efetuado principalmente por caminhões de grande, médio e pequeno porte; modal aquaviário

– dividido em seguimentos como o pluvial (rios e lagos), o marítimo de cabotagem (embarcações pelo mar

contornando as costas dos continentes) e o marítimo internacional (embarcações que atravessam os oceanos);

modal aeroviário – basicamente grande, médias e pequenas aeronaves; modal ferroviário – estritamente trens

de médias e longas composições (diversos vagões); e modal dutoviário – estritamente feito por tubulações de

longa distância. Vale lembrar que, com exceção do modal dutoviário, em todos os demais modais acima, temos

tanto a logística de cargas – estas nas mais variadas formas, quantidades, pesos, densidades, volumes, etc. –

quanto a logística de transporte de pessoas (passageiros).

3 O que é cadeia de suprimento?

O gerenciamento da cadeia de suprimentos é o coração do negócio pelo seu controle do fluxo dos

produtos e serviços. O processo da cadeia de suprimentos se inicia com a compra de materiais, continua com a

conversão destes materiais em produto acabados e vai até a entrega dos produtos e serviços para atender às

necessidades dos consumidores e clientes.

Em termos funcionais, a cadeia de suprimentos cobre partes das tradicionais funções de manufatura,

compras, logística e distribuição. O grande desafio é transformar a matéria-prima em um produto que o

consumidor quer, com a melhor qualidade e o menor custo, incluindo inovação tecnológica, segurança e

preocupação com o meio ambiente.

Analisar quais são os melhores fornecedores de matéria-prima, melhores tipos de distribuição e

armazenagem, quais fábricas produzem para quais regiões e o gerenciamento das fábricas, fazem parte das

atividades da cadeia de suprimentos.

Para Dias (1993) a realidade do sistema logístico é a condição necessária do planejamento em todas as

circunstâncias do sistema de fluxo de materiais, desde o fornecimento até a entrega no cliente final.

O planejamento do fluxo de materiais remete-nos à pura e simples necessidade de projeção da

existência futura da empresa, pois é necessário quantificar todas as necessidades de material, mão de obra,

recursos financeiros, equipamentos, espaço e tempo em toda a cadeia para que o futuro da empresa não seja

uma dúvida. Tudo isso em função de uma previsão de demanda de mercado. Simplesmente para que a empresa

continue a existir.

Para Dias (1993), “quanto maior for o período do planejamento, em termos de tempo, entre a decisão e

a implantação, mais importante se torna o planejamento da distribuição”. Observamos porém que, dentro desse

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 95

pensamento ampliam-se exponencialmente as variáveis de operações e as variáveis de possibilidades de não

operacionalização, em função das condições do momento em cada ação, ou seja, a operação depende em grande

parte de variáveis voláteis como: mão de obra, tempo, disponibilidade de equipamentos em perfeitas condições,

entre outras. Daí a condição imprescindível do sistema de controle em cada ação.

As empresas têm modernos e integrados sistemas de armazenamento e distribuição permitindo controle

total de todo o processo confirmando o destaque conquistado pela logística nos negócios.

Uma cadeia de suprimento não é uma cadeia de negócios com relacionamentos um a um e comunicação

unilateral, mas uma rede de trabalho com múltiplos negócios e relacionamentos, com a comunicação fluindo em

todas as direções.

3.1 Aspectos do processo produtivo perante a cadeia de suprimentos.

A produção, através dos pedidos recebidos, determinará a quantidade de recursos humanos, espaço,

tempo, finanças, tecnologia e de equipamentos que serão necessários para atender ao plano de produção, porém

esta depende de outras áreas para andamento do processo, assim como já descrevemos anteriormente. Tudo

gira em torno da unidade produtiva, e de como a administração da cadeia de suprimentos está totalmente

inserida neste universo.

Ballou (1993) coloca a logística empresarial como sendo o ponto de referência do processo produtivo da

empresa. Esta logística empresarial dentro da administração da cadeia de suprimentos foca as bases de

operação da movimentação e da armazenagem de materiais, máquinas e produtos acabados em relação ao fluxo

contínuo dos mesmos no processo produtivo. Essas bases de operação versam sobre as áreas de administração

de materiais e a distribuição física, assim como já vimos anteriormente.

Apesar de essas bases estarem entre os extremos da administração da produção, ambas têm os

processos de operação com uma atuação bem próxima. Controlam e empregam: transporte; manutenção de

estoque; processamento de pedidos; embalagem de proteção; armazenagem; manuseio de materiais e

manutenção de informações. Os quesitos diferentes ficam por conta da “obtenção”, que é de controle da

administração de materiais e a “programação de produção”, que e de controle da distribuição física.

A manufatura industrial e as empresas de prestação de serviços têm reconhecido cada vez mais a

importância estratégica da administração da cadeia de suprimentos, a fim de favorecer cada vez mais a

competitividade da empresa e a valorização da organização com um todo.

4 O que é administração de materiais?

Como parte do entendimento integral desse assunto e para fácil compreensão, citemos como exemplo a

nossa existência. É comum nos dias de hoje ver as pessoas preocupadas com a administração do seu “material”

humano de existência. Humor à parte, nossa saúde está intimamente ligada ao modelo de administração de

material que efetuamos no nosso dia a dia, ou seja, diretamente ligado a administração do que temos

“acumulado”, ou a aquilo que continuamos a “receber” e também com aquilo que temos a “despachar”, sendo

esta administração constantemente pressionada pelos “períodos de tempo”, no nosso caso nossa própria

existência.

Se pegarmos como exemplo a atual ojeriza em torno da obesidade dos seres humanos, aquilo que

descrevemos acima é a simples administração de materiais. A administração do “acumulado” em nosso peso

corporal, a administração do que “receber” para nossa existência, ajudando no controle do acúmulo e se possível

diminuindo este acúmulo ao diminuir o recebimento daquilo que é excedente. E por último a administração do

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O Que é Logística?

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 96

que temos a “despachar” (expedir, expelir), a fim de mantermos ou diminuirmos os níveis de acumulo e também

para que se abra espaço para novos recebimentos. Pois, nosso corpo tem espaço limitado, dai haja vista a

quantidade de produtos medicinais a disposição no mercado para ajuda ao aparelho digestivo, do começo ao fim

do processo.

Assim como no exemplo acima ou em muitos outros como; o guarda-roupa de sua casa, a despensa do

armário de sua casa, o depósito do sótão ou do porão de sua casa, a lixeira da rua, os depósitos de lixo da

cidade, em todas as etapas da cadeia de suprimentos, ou em qualquer outro lugar. A administração de materiais

é assunto universal que tem encaixe em todos os modelos de operações conhecidos, sejam eles, industriais,

comerciais ou de prestação de serviços. Os “produtos medicinais” são as ferramentas de controle e auxílio na

tomada de decisão para agilização do processo, para que flua a administração de materiais. Com isso a

administração de materiais é parte intrínseca da cadeia de suprimentos e com total dependência da logística nos

processos e procedimentos.

4.1 A necessidade dos estoques

Segundo Dias (1993) esperava-se, então, que o dinheiro investido em estoque seja o lubrificante

necessário para a produção e o bom atendimento das vendas. A função da administração de estoque é

justamente maximizar esse efeito lubrificante no feedback dado pelo departamento de vendas com o índice das

vendas não realizadas, para que haja o ajuste do planejamento da produção.

Sem o estoque é impossível uma empresa trabalhar, pois ele funciona como um elemento de

amortecimento entre o contínuo recebimento de matérias-primas, de equipamentos e outros insumos, entre os

vários estágios da produção, na distribuição dos produtos acabados, até a venda final do produto acabado para

uso do consumidor.

O controle dos estoques depende de um sistema eficiente, o qual deve fornecer, a qualquer momento, as

quantidades que se encontram à disposição e onde estão localizadas, as compras em processo de recebimento,

as devoluções ao fornecedor e as compras recebidas e aceitas, assim com o que deve ser expedido. O controle

das funções referente ao almoxarifado deve fazer parte do conjunto de atribuições de cada setor envolvido, ou

seja, recebimento, armazenagem e distribuição.

Quanto aos “tipos de estoques”, estes podem ser encontrados na forma de matéria-prima, produto em

processo ou em elaboração como parte da produção, produto acabado, materiais e embalagens e produtos

necessários para manutenção. Reparo e suprimentos de operações, estes últimos não necessariamente utilizados

no processo de fabricação (exemplo materiais elétricos, ou de limpeza, ou de itens de segurança, etc.), estoque

de equipamentos de sobrevivência ou para alimentação, entre outros. Estoques então, são todos os bens e

materiais mantidos por uma organização para suprir demandas futuras.

5 O que é distribuição física?

A distribuição física na cadeia de suprimentos, não que seja, mas é entendida como a grande

“utilizadora” da logística no seu sentido mais comum. Ao entendermos que o produto na fábrica não chega

sozinho a prateleira da mercearia, do supermercado, da padaria, do bar, da loja de produtos para animais, dos

grandes magazines, das lojas de roupas, acessórios, brinquedos, na concessionária de veículos, na papelaria, ou

de qualquer outro estabelecimento comercial com o chamado PDV (Ponto de Venda) para o consumidor final.

Começaremos a sublimar e a imaginar o tamanho da operação necessária para o carregamento, transporte,

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 97

fracionamento (pulverização) e entrega dos bens de consumo produzidos pelas empresas, até mesmo para o

setor de prestação de serviços.

Conforme Ballou (1993), a distribuição física é o ramo da logística empresarial que trata da

movimentação, estocagem e processamento de pedidos dos produtos finais da empresa que não planeja

executar processamentos posteriores. Após a finalização da produção o produto fica na responsabilidade da

logística, ou seja, da saída dos depósitos até o consumidor final, e ela deve preocupar-se em garantir a

disponibilidade dos produtos requeridos pelos clientes à medida que eles desejam e se isso pode ser feito a um

custo razoável.

O objetivo geral da distribuição física, como meta ideal, é o de levar os produtos acabados para os

lugares certos, no momento certo e com o nível serviço desejado, pelo menor custo possível. Na distribuição

física existem alguns componentes, tais como: instalações fixas, estoque de produtos, veículos, informações

diversas, hardware e softwares diversos, custos e pessoal. As instalações fixas fornecem o espaço destinado a

abrigar as mercadorias até que sejam transferidas para as lojas ou entregues aos clientes. O estoque de

produtos acabados quando aumenta o seu nível, pelo fato de existir muitas opções no mercado, acaba por se

transformar em um encargo para as empresas.

No sistema de distribuição “um para muitos”, são mercadorias carregadas e destinadas a diversas lojas

ou clientes, executando uma rota predeterminada. Entretanto esse tipo de sistema é influenciado por fatores do

tipo: a divisão da região a ser atendida, a distância e velocidade para o trajeto, o tempo de parada em cada

cliente, o tempo de ciclo, a sua freqüência, quantidade de mercadoria a ser entregue, medição em toneladas,

metros cúbicos, caixas ou paletes, a densidade da carga, dimensões e morfologia, o seu valor unitário, o

acondicionamento, e não se esquecendo também do seu grau de fragilidade, periculosidade, compatibilidade e

custo global do serviço.

Seguindo esse tipo de sistema, vamos à escolha do tipo de veículo, o qual dependente de alguns dos

fatores já destacados, resultaria em buscar solucionar da melhor forma possível o atendimento das necessidades

dos clientes, apresentando um serviço que resulte em um veículo que preencha a sua capacidade e que faça com

ele uma entrega com uma determinada rapidez, porém com um custo menor possível. (NOVAES, 2001).

A movimentação de produtos é de fato transportar os produtos de um local de origem até um

determinado destino minimizando ao mesmo tempo os custos financeiros, que são os gastos internos para

manter a frota própria ou gastos externos para a contratação de terceiros. Minimizar os custos temporais, ou

seja, o tempo pelo qual o produto fica inacessível durante o transporte. Entretanto esse item tem-se tornado

uma questão importante na pauta dos gerentes de empresas de transporte, à medida que várias estratégias que

envolvem a cadeia de suprimento, como as práticas da filosofia JIT, buscam reduzir os estoques das fábricas e

dos centros de distribuição.

Outro item busca ainda diminuir os gastos ambientais, seja de forma direta, com a redução e

readequação de trajetos e cargas melhorando o desempenho do consumo de energia (combustível e óleo

lubrificante), e se de forma indireta, interferir para que o transporte não cause danos ambientais e

consequentemente engarrafamentos, poluição sonora, etc. Embora pareça simples e até comum apurar esses

custos com o meio ambiente, ainda estamos aquém da boa prática de gestões conscientes e das variáveis

tratadas aqui, elas não cobrem todos os aspectos dessa questão.

6 O que são operadores logísticos?

O avanço da tecnologia do sistema de informação propiciou nas últimas décadas um avanço na

integração de informações e sistemas entre as mais diversas empresas no diversos seguimentos existentes.

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O Que é Logística?

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Sistemas isolados de produção, de venda no mercado distribuidor e de controle e conferência de materiais no

início da cadeia de suprimentos, hoje trocam informações, viabilizam relatórios, pedidos, emissão de documentos

automaticamente, realizando um planejamento meticuloso desde a extração de matéria prima até ao calculo das

necessidades do mercado consumidor.

É este cenário inovador da computação e da facilidade de troca de informações que propicia o

aparecimento dos Prestadores de Serviços Logísticos (PSL’s). Tratados comumente como “Operadores

Logísticos”, estes são empresas que olham para a cadeia de suprimentos e identificam as necessidades

específicas de determinados seguimentos de mercado e buscam gerar a solução necessária e mais apropriada

para ele. Hoje, pode-se dizer que grandes empresas, principalmente as multinacionais, não operam sem uma

boa parceria com um operador logístico. Está cada vez mais difícil uma empresa verticalizar por completo a sua

operação, visto os altos custos dos investimentos, falta de mão de obra especializada e busca constante por

estudos de melhorias nas áreas operacionais como um todo. É muito complexo para uma organização cuidar de

todos os detalhes de operações de produção, logística e comercio. Daí a busca por parceiros especializados que

dominem por completo a área em que atuam, dando o melhor retorno no serviço prestado.

Existem, sobre o ponto de vista operacional, dois tipos básicos de operadores logísticos: operadores

baseados em ativos e operadores baseados em informação e gestão. Os operadores baseados em ativos se

caracterizam por possuírem investimentos próprios em transporte, armazenagem, etc. Os operadores baseados

em gestão e informação que não possuem ativos operacionais próprios.

Eles vendem conhecimento e experiência de gerenciamento, baseado em sistemas de informação e

capacidade analítica, que lhes permite identificar e implementar as melhores soluções pra cada cliente, com base

na utilização de ativos de terceiros. Existe uma controvérsia sobre as vantagens de um tipo de operador sobre o

outro.

Os que defendem os operadores baseados em ativos argumentam que eles são mais sólidos e

comprometidos, devido aos investimentos especializados que detém. Por outro lado, os defensores dos

operadores baseados em informação afirmam que por não estarem comprometidos com ativos específicos, são

mais flexíveis na busca da melhor solução possível para atender um determinado cliente.

Em todo o mundo, o ambiente econômico e empresarial tem passado por grandes transformações, que

vem se acelerando nos últimos anos. Como resultado, as operações logísticas têm se tornado complexas o que

tende a gerar mais custos, também sofisticadas tecnologicamente implicando em maiores e mais freqüentes

investimentos e mais importantes sob o ponto de vista estratégico, por permitir maior agregação de valor e

maior diferenciação competitiva favorecendo a utilização de especialistas.

Dependendo do que se solicite, existem variabilidades passíveis de discussão, para dirimir e esclarecer

tais variabilidades é melhor utilizar-se da seguinte pauta: busca de dados sobre a operação; reuniões para

esclarecimento; visitas às instalações da contratante e da contratada.

Com relação à busca de dados sobre a operação, as informações que serão passadas para o operador

variarão de acordo com a sofisticação da resposta que se quer obter. Para uma cotação, uma breve descrição

das atividades, do volume e alguma peculiaridade que exista, como por exemplo, sazonalidade, são suficientes

para respostas satisfatórias.

A redução de custos deve ser entendida como consequência e nunca como finalidade de adoção do

processo. A terceirização só deve ser vista como corte de custos, em ultima instância.

7 O que é logística reversa?

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O Que é Logística?

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No mercado, após a pulverização dos produtos para os clientes, geram-se no pós-consumo, resíduos e

detritos do uso e transformação deles. Estes por sua vez seguirão dois caminhos distintos, que podem ser: como

primeira opção, do cliente para as áreas de reciclagem e reaproveitamento; ou como segunda opção, do cliente

para as áreas de descarte e decomposição. Na segunda opção o processo é um tanto quanto simples: o

cliente/consumidor embala seus resíduos ou detritos e disponibiliza em local específico, uma empresa

especializada (organização, entidade, etc.) também com toda uma estrutura logística, quesitos e tal, faz a

coleta, o transporte e a descarga dos resíduos e detritos em área previamente destinada a esta finalidade

específica. Nesse caso, o homem não sabe quando poderá reutilizar novamente os recursos naturais

transformados e descartados.

Agora vamos olhar para aquela primeira opção, a do cliente para as áreas de reciclagem e

reaproveitamento. Nesse caso, os resíduos e detritos, após embalagem e disposição pelo cliente/consumidor,

após coleta pela empresa especializada, são direcionados para centros de limpeza e triagem, ou seja, novas

empresas com processos completos de movimentação as quais cuidarão da transformação destes descartes,

transformando-os novamente em insumos de utilização na produção primária e secundária dos processos

industriais.

Ou talvez quem saiba, após alguns séculos, se retornarem ao estado natural de insumos, então novo

início de movimentação ao logo da cadeia logística iniciar-se-á novamente com a movimentação da extração.

“logística Reversa”, o termo em si parece até espionagem industrial. Pouco se sabe sobre a origem do

termo, o mesmo foi sendo talhado ao longo do processo de aprimoração dos estudos sobre a logística,

aparecendo em diversos artigos escritos a partir da década de sessenta. Nos últimos tempos, começou a ser

utilizado livremente para identificar o retorno de bens de consumo, materiais de consumo, produtos acabados e

de pós-consumo, os quais até então, não se imaginava que voltassem mais.

Para o empresário ou gestor do século passado a sua preocupação era somente a de coletar ou comprar

as matérias-primas e os insumos necessários para a transformação e fabricação dos bens de consumo. A partir

daí colocar o produto acabado no ponto de venda e pronto, estava encerrada a sua responsabilidade no

processo. Voltar com algum produto ou mesmo com o que restava dele após o seu uso e consumo era

inconcebível.

No momento atual, a nova onda ou moda é o tratamento dado ao termo, como negócio verde, mais para

a adequação do pensamento a conscientização do momento e também para incentivar os gestores a criarem e

modelarem novos negócios a partir do processo logístico reverso. Essa onda está pressionando os empresários e

gestores a investirem em novos negócios voltados para a logística reversa, a fim de que sua empresa atinja um

conceito de aceitabilidade melhor, em relação aos concorrentes, para que possa explorar a sua imagem no

mercado fortalecendo o volume de negócios e consequentemente o faturamento. Sendo assim, uma palavra

chave no processo da logística reversa, a “sustentabilidade”, é o ponto de partida para que todo operador

logístico crie e integre procedimentos e processos para a efetiva operação do sistema logístico reverso.

Na verdade além de garantir novas vagas de trabalho e ser também fonte de renda para diversas

pessoas e famílias que vivem já atualmente da reciclagem, a logística reversa passa a ser encarada como o novo

desafio a ser solucionado com ideias, procedimentos e processos, além da necessidade de conscientização

educacional da população em geral, como já frisado acima, quanto à necessidade e conveniência da reciclagem

para a perpetuação da existência humana em comunidade. Não serão simplesmente convenções, reuniões,

organizações não governamentais e governos que solucionarão o problema. Sendo necessário a efetiva

participação e adesão da população dos centros urbanos para que o processo aconteça e ganhe proporções de

negócios empresariais, a fim de chamar a atenção de investidores e capitalistas.

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O Que é Logística?

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8 Conclusões

É a logística que movimenta o mundo e que faz as coisas acontecerem no universo empresarial. Como a

existência de estruturas empresariais é à base de operação da logística, a lógica da necessidade de existência

física de itens e produtos para a operação logística é consequência dela, ou seja, a logística depende da

administração organizacional para existir e a administração organizacional depende da logística para

operacionalizar essa existência.

Logo, mais fácil é dizer que a logística está tão entranhada nas organizações e no dia a dia das pessoas,

da sociedade, de cidades e países, que é tecnicamente impossível de suprimi-la do contexto de planejamento,

execução, direção e controle das empresas. Administrar é estar envolvido com a logística, estar envolvido com a

cadeia de suprimentos, com a administração de materiais, com a distribuição física e com os sistemas reversos.

Essa mesma logística, quando existente, é farta e abundante pela opulência de suas operações, e traz

crescimento e desenvolvimento para as comunidades, paises e às organizações, quando inexistente, é a outra

face da moeda. Comunidades, paises e empresas podem se isolar e consequentemente entrar em estado

lamentável de existência devido à falta de investimentos e adequação de uma logística mínima. Se observadas

algumas regiões do mundo onde as condições de vida são subumanas, nota-se singularmente a falta de infra-

estrutura logística básica nessas regiões.

Conclui-se com isto que a melhor administração possível aplicada à logística, é fonte geradora de

recursos e de estruturas que levarão melhorias contínuas aos padrões de comportamento de vida das pessoas e

para a comunidade em geral. Daí a logística ter o cunho social como uma de suas variáveis mais importantes,

devido à finalidade cabal da logística que é atender as necessidades finais dos indivíduos. Este é o mais

importante motivo de se estudar, entender e melhorar a logística ao nosso redor.

9 Referências bibliográficas

BALLOU, Ronald H. logística empresarial: Transportes, administração de materiais e distribuição física. São

Paulo: Atlas, 1993.

DIAS, Marco. Administração de materiais: uma abordagem logística. São Paulo: Atlas, 1993.

FLEURY, Paulo Fernando logística empresarial: a perspectiva brasileira. São Paulo: Atlas, 2008.

NOVAES, Antônio G. logística e gerenciamento da cadeia de distribuição: estratégia, operação e avaliação. Rio de

Janeiro: Campus, 2001.

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011

101

Estudos Científicos na Área de Secretariado

Mariana Carminatti Faculdades Claretianas de Rio Claro [email protected]

Raquel Albano Scopinho

Faculdades Claretianas de Rio Claro [email protected]

Resumo

Observa-se uma constante mudança na área secretarial, o que a torna mais complexa precisando cada vez mais de teorias mais concisas e profissionais mais bem preparados para atuar na área. Na busca por uma melhor consolidação de temas relacionados ao Secretariado, o presente artigo procura saber qual a importância de uma epistemologia mais robusta para a área. Para tanto, investiga-se, através de um questionário, o interesse dos profissionais da área com relação à bibliografia tanto do Secretariado quando de outras áreas. No que se refere à metodologia, utiliza-se a abordagem qualitativa e pesquisas bibliográficas e de campo. Em suma, os resultados apontaram para o desinteresse dos profissionais com relação à epistemologia da área e mais ainda para a carreira acadêmica. Em um momento em que o secretariado procura se firmar como área da ciência e valorizar mais a profissão, este fato se torna um obstáculo, impedindo sua evolução, deixando os cursos de secretariado sem professores formados na área e a bibliografia escassa. Palavras-chave: Secretariado, Epistemologia, Bibliografia.

1 Introdução

A produção de trabalhos científicos é essencial para todas as áreas da ciência, uma vez que através

desses estudos tem-se acesso a novas ideias proporcionando a formação de profissionais mais versáteis e com

maior capacidade para exercer as atividades relacionadas às suas respectivas áreas de conhecimento. A

pesquisa quando incentivada facilita o processo cotidiano de estudo das matérias universitárias e proporciona a

produção de trabalhos universitários de maior qualidade e com informações bibliográficas inseridas de maneira

correta e mais confiável. Além disso, esses estudos favorecem a produção de novas doutrinas e correntes

ideológicas, fazendo com que os profissionais e estudantes da área se tornem mais críticos.

Um movimento vem sendo feito por alguns profissionais e estudantes da área do secretariado executivo

para que a produção de trabalhos científicos seja mais incentivada para os profissionais em atuação, bem como

nos cursos oferecidos pelas faculdades, e desta maneira criar uma epistemologia mais consolidada para a área.

Ações como a do Prof. Ms. Raimundo Nonato Jr. que, como docente da UNICENTRO no Paraná, coordena

um grupo de discussões na universidade com o objetivo de desenvolver trabalhos sobre assuntos envolvendo a

área do secretariado e os divulga em um Blog

(http://secretariadoeciencia.blogspot.com), são essenciais para a profissão. Não há um grande interesse, por

parte dos Profissionais Secretários, em desenvolver pesquisas cientificas, bem como nota-se, em grande parte

dos cursos de Secretariado Executivo, estudantes que estão sendo preparados somente para a carreira

empresarial, deixando de lado a pesquisa. Dessa forma contamos cada vez mais com um bibliografia

desatualizada. Segundo Nonato Jr (2009, p.01 ), “os conhecimentos empíricos e teóricos em Secretariado

Executivo tornam-se constantemente mais complexos, demandando que se estabeleçam teorizações e

discussões com os saberes científicos”.

O objetivo deste artigo não é formar uma epistemologia do Secretariado Executivo, mas sim saber qual a

importância de uma epistemologia mais robusta para a área analisando as necessidades e interesses dos

estudantes e profissionais da área, tentando conscientizar e incentivar a consolidação das teorias secretariais.

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Estudos Científicos na Área de Secretariado

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 102

2 Entendendo a Epistemologia

Epistemologia pode ser definida, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, como “Episteme = ciência,

conhecimento + Logia, ou seja, é o conjunto de conhecimentos que tem por objetivo o conhecimento científico,

visando explicar os seus condicionamentos, sejam eles técnicos, históricos, sociais, matemáticos ou linguísticos,

sistematizar suas relações, esclarecer os seus vínculos, e avaliar os seus resultados e aplicações.” (HOLANDA,

1999, p. 780)

Historicamente, houve discussões sobre qual seria o meio mais importante para o saber. Seria a razão

que desenvolvia o papel principal nesse processo ou seria a experiência (empirismo)? Para os que defendem a

razão, as verdades necessárias são obtidas através da intuição e inferências racionais. Já para os empiristas as

observações e experimentos são cruciais para a investigação.

A história da ciência moderna sustenta o empirismo, porém em ambos os casos, razão ou empirismo, o

que se discute é se o caminho que elas utilizam para alcançar os resultados é confiável. Para resolver essa

questão, os céticos sugerem que não podemos simplesmente assumir um desses caminhos de forma definitiva e

que, para mostrar que esses caminhos são confiáveis precisa-se de muito questionamento e trabalho.

Os argumentos céticos definem a epistemologia. Os primeiros céticos foram Pyrro de Elis (360-270 AC) e

os sucessores de Platão na Academia. O mais famoso dos céticos foi Renê Descartes, que, em suas “Meditações”,

concorda em identificar a epistemologia como uma tentativa essencial e preliminar para a física e para a

matemática, de modo a tentar estabelecer as bases da certeza como uma introdução a ciência. (GRAYLING,

2010)

O epistemólogo e um dos principais estudiosos da História da Ciência, Thomas Kuhn (2000), em seu livro

A estrutura das revoluções cientificas, defende que um paradigma científico é um conjunto de crenças, técnicas e

valores compartilhados por uma comunidade que serve de modelo para a abordagem e soluções de problemas. A

ciência normal é encarregada de apresentar e resolver as questões que surgem no interior do paradigma. Para

ele, não existe um método científico que determina as práticas da investigação científica, mas sim um conjunto

de regras que são relativas, cada uma, a diferentes paradigmas. Enquanto houver problemas cujas soluções

encaixam-se no que prevê o paradigma, a ciência normal funciona adequadamente. Entretanto, quando

começam a aparecer problemas que divergem totalmente das expectativas esperadas, o paradigma original

começa a enfraquecer e uma nova concepção de mundo começa suceder à antiga compreensão da ciência

normal.

Castañon (2007) cita em seu livro, Introdução a epistemologia, que, no século passado, a palavra

epistemologia foi progressivamente perdendo sua acepção ampla, de teoria do conhecimento, para ganhar uma

acepção mais estrita, de estudos metódicos da ciência moderna e suas aplicações, limites, métodos,

organizações e desenvolvimento. Ao mesmo tempo, filósofos franceses passaram a usar o termo para designar o

sentido bem amplo de estudos gerais dos “saberes”. Castañon (2007, p.14) define a Teoria do Conhecimento

como “a disciplina filosófica que estuda as condições de possibilidade de todo e qualquer conhecimento, mesmo

que este conhecimento não seja cientifico.”

Para o autor, é extremamente importante estudar a epistemologia antes de estudar qualquer tipo de

ciência. Se não se sabe o que é o conhecimento, de onde ele vem e como obtê-lo, como se pode afirmar que

conhece algo sobre alguma coisa ou até mesmo que o seu conhecimento é científico?

Villela (2010) explica em seu ensaio filosófico que:

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Estudos Científicos na Área de Secretariado

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 103

Epistemologia é um termo recorrente em Filosofia e designa ou dá nome à Disciplina (1) que, não obstante sua aplicabilidade variável, sempre tratará de estudar, averiguar, analisar a “Ciências (biologia, psicologia, filosofia, química, física etc.)”, buscando agrupar, ou reagrupar, os Conhecimentos relativos às mesmas. É um campo de Estudo que assume tantos formatos quanto forem necessários; podendo, desse modo, ser Lógica,Sociologia, Filosofia do Conhecimento, Psicologia, História etc. (s/p)

Esse agrupamento dos conhecimentos relativos à área deve ser analisado e feito para o entendimento

correto do que é o Secretariado Executivo e suas finalidades. Desta maneira, baseando-se no ensaio filosófico de

Villela, o formato estudado neste artigo é o da Teoria do Conhecimento Científico que realiza o processo de

criação, teorização e validação do conhecimento cientifico.

Para Nonato Jr. (2009), a epistemologia é importantíssima para qualquer ciência ou área do saber que

queira se legitimar social e filosoficamente, formando assim teorias que sustentem os mais diversos processos

empíricos e técnicos realizados na profissão. Os estudos epistemológicos, acrescenta Nonato Jr (2009, p.64,

apud Blanche, 1992), “são responsáveis por definir os critério científicos de uma área ou conhecimento peculiar,

se tornando assim indispensáveis para que um ramo profissional se torne legitimo e confiável como área do

conhecimento cientifico.”

Uma vez que o Secretariado Executivo ainda encontra dificuldades de ser considerada uma área da

ciência, é importante que se estude e forme teorias mais robustas a respeito desta área para que ela se legitime

como tal.

3 A história da profissão do secretariado

De acordo com Senôma (2010), os mais antigos a realizar a atividade de secretariado foram os escribas,

os quais tiveram grande destaque nos anos 300 a.C. pelo fato do imperador Alexandre Magno, conhecido como

Alexandre, o Grande, apreciar muito o trabalho destes. Seu grande apreço pelos Escribas devia-se ao fato de

que a partir de seus registros, ele poderia conhecer melhor as diversas características de povos a serem

conquistados. Nessa época, a profissão era exercida somente pelo sexo masculino. Apenas com a Revolução

Industrial, ocorrida no século XIX, por falta de mão-de-obra masculina, houve o surgimento da figura feminina

atuando na área, tanto na Europa, como nos Estados Unidos. No Brasil, a mulher surge como secretária apenas

na década de 50 e é nessa mesma época que há a implantação de cursos voltados para a área como, por

exemplo, datilografia e técnico em secretariado.

O trabalho do profissional secretário mudou muito com o decorrer do tempo, se antes precisava ser um

exímio datilógrafo e fazer exatamente o que o chefe pedia, hoje ele assume uma posição mais independente,

tomando decisões e filtrando o que deve ou não chegar às mãos da chefia. A datilografia e a taquigrafia foram

deixadas para trás e substituídas pelas novas tecnologias. Dessa forma, a característica primordial de um bom

secretário deixa de ser um simples executante e passa a assumir um caráter de gestor.

O profissional secretário que atuar em grandes corporações é praticamente um assessor da presidência

ou diretoria para a qual trabalha. Em muitos casos, além de gerenciar atividades desenvolvidas na empresa,

administra a vida e a agenda particular dos executivos. Trata-se, portanto, de uma tarefa de extrema confiança,

que exige discrição absoluta.

Nas décadas de 60 e 70, houve a expansão da profissão, mas somente a partir dos anos 80 a categoria

conseguiu, por meio de muita luta, a regulamentação da profissão com a assinatura da lei nº 7.377, de

30/09/1985. Tal ato assegura, entre outros direitos, o de somente exercer a profissão os diplomados, no Brasil

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Estudos Científicos na Área de Secretariado

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ou no exterior, por curso superior de Secretariado. Desse modo, a classe ganhou força, surgindo os sindicatos

dos secretários como, por exemplo, o Sindicato das Secretárias de São Paulo (SINSESP) e a Associação das

Secretárias do Estado e Minas Gerais (ASSMG) em 1987, que mais tarde no mesmo ano se transformou em

Sindicato das Secretarias e Secretários do Estado de Minas Gerais (SINDSEMG).

Em 1988, foi criada a Federação Nacional de Secretárias e Secretários (Fenassec) em Curitiba, Paraná;

uma entidade sindical de segundo grau, de direito privado, sem fins lucrativos, que representa a categoria

secretarial em todo o território nacional. A Fenassec é constituída por vinte e quatro sindicatos e visa, além de

mobilizar o profissional de secretariado para o exercício de direitos e deveres, coordenar, proteger, defender e

orientar geral e legalmente a categoria das secretárias e secretários, buscando desenvolver o ser humano como

um todo.

Em 7 de julho de 1989, foi publicado o Código de Ética Profissional, criado pela União dos Sindicatos, que

proporciona o direcionamento correto da atuação do Secretário como, por exemplo, o fato de somente pessoas

legalmente credenciadas nos termos da lei poder exercer a profissão. Fixa também normas de procedimentos

dos profissionais, assim como seus direitos e deveres, tais como: defender a integridade moral e social da

profissão, direcionar seu comportamento profissional sempre a bem da verdade, entre outros.

Para os profissionais do secretariado, a conquista dos sindicatos e da Federação foi de grande

importância para garantir os seus direitos e definir as diretrizes da profissão fortalecendo assim a categoria. A

Fenassec luta, desde 1997, para conseguir criar o Conselho Profissional de Secretariado que pretende aumentar

o número de vagas no mercado de trabalho, além de fiscalizar o exercício profissional e possibilitar o

aprimoramento e a formação de mão de obra especializada.

4 Estudos específicos da área do Secretariado

O tema deste artigo surgiu ao observar os temas que seriam abordados nos Trabalhos de Conclusão de

Curso pelos formandos de 2010, de uma turma do curso de Secretariado Executivo Trilíngue de uma faculdade

particular no interior do Estado de São Paulo. Através dos trabalhos propostos, pode-se constatar que a grande

maioria buscou suporte na bibliografia de outras áreas como, administração, comunicação, marketing,

psicologia, entre outras. Até mesmo para a realização deste artigo, foi árduo contar com a bibliografia do

secretariado, pois muito do que se buscou para o embasamento teórico advinha de relatos de postura do

profissional perante às situações vividas na profissão ou mesmo de livros sobre arquivologia e redação de cartas,

que estão alicerçadas em teorias de outras áreas. De certa forma, o arcabouço teórico no qual, normalmente, os

cursos de formação de secretários estão alicerçados não contribue para a formação epistemológica de questões

eminentemente secretariais, como por exemplo: Como e por que surgiu o secretariado? Qual o seu objetivo?

Quais os obstáculos enfrentados pela profissão?

Surgiu, então, a curiosidade de verificar como o profissional secretário busca suporte para suprir as suas

dúvidas relacionadas às atividades de cunho secretarial e gestacional, as quais eles exercem cotidianamente.

Uma vez que o secretariado é considerado uma área da ciência, é preciso que os graduandos e

graduados na área tenham interesse em pesquisar mais sobre essa ciência para que tenhamos uma teoria sobre

o Secretariado mais respalda e alicerçada no conhecimento produzido pela própria área.

Nonato Jr (2009) cita em seu artigo, Epistemologia do Secretariado Executivo, que:

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A importância deste tipo de pesquisa justifica-se pela necessidade que há na área de Secretariado Executivo em debater temas contemporâneos ligados às relações cientificas e culturais da profissão, além de fortalecer os laços teóricos que sustentam o conhecimento secretarial. (s/p)

Trazer à tona assuntos atuais sobre a área é importante e urgente, pois observa-se que a maioria dos

graduados no curso de Secretariado Executivo busca por carreiras empresariais, deixando de lado as pesquisas,

empobrecendo assim a bibliografia da área. Outro fato importante a ser ressaltado é a baixa demanda de

professores especializados na área secretarial, justamente devido ao foco maciço de alguns cursos na carreira

corporativa do profissional secretário. Contamos com pouco incentivo e baixa conscientização para esse fato

tanto nas instituições de ensino superior, quanto nos ambientes de trabalho.

Uma melhor consolidação dos temas relacionados ao secretariado ajudaria esses profissionais no

exercício da sua função? Para Nonato Jr, é de grande relevância que se compreenda melhor as relações teórico-

filosoficas do conhecimento na área do Secretariado, pois na ciência atual, se faz cada vez mais necessária a

compreensão das áreas do conhecimento, sendo preciso entender desde suas motivações técnico-operacionais

até sua proposta epistemológica.

Em um de seus artigos publicados no site da Fenassec, Nonato Jr. (2010) enumera os obstáculos

epistemológicos enfrentados pelo Secretariado, como a falsa idéia de que as Ciências Aplicadas, a qual o

Secretariado se enquadra, não necessitam de fundamentação teórica. Neste caso, “aplicação” é erroneamente

identificado como “tecnicismo”, na realidade “o conhecimento aplicado como o próprio nome indica, caracteriza-

se por seu interesse prático. Isto é, que os resultados sejam aplicados e utilizados na solução de problemas que

ocorrem na realidade.” (Marconi & Lakatos, 2002, p.20)

Outro obstáculo citado pelo autor é o fato da dificuldade do Secretariado ser visto como área do

conhecimento. Para muitos empregadores e alguns autores que abordaram este tema, o Secretariado é uma

prática, mas o Secretariado não se restringe apenas à prática. Esse fato se faz verdadeiro, visto que há quarenta

anos existem os cursos de bacharelado em Secretariado Executivo, sendo eles oferecidos por faculdades em todo

o país e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de Secretariado Executivo, instituídas na Resolução nº

3, de 23 de junho de 2005, salientam que:

Art. 3º O curso de graduação em Secretariado Executivo deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação e aptidão para compreender as questões que envolvam sólidos domínios científicos, acadêmicos, tecnológicos e estratégicos, específicos de seu campo de atuação, assegurando eficaz desempenho de múltiplas funções de acordo com as especificidades de cada organização, gerenciando com sensibilidade, competência e discrição o fluxo de informações e comunicações internas e externas.

Parágrafo único. O bacharel em Secretariado Executivo deve apresentar sólida formação geral e humanística, com capacidade de análise, interpretação e articulação de conceitos e realidades inerentes à administração pública e privada, ser apto para o domínio em outros ramos do saber, desenvolvendo postura reflexiva e crítica que fomente a capacidade de gerir e administrar processos e pessoas, com observância dos níveis graduais de tomada de decisão, bem como capaz para atuar nos níveis de comportamento microorganizacional, mesoorganizacional e macroorganizacional. (CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2005, pp. 79-80)

Mais um fator que ainda obstrui a questão epistemológica está ligado à dificuldade que a FENASSEC tem

encontrado para conseguir aprovação do Conselho Profissional de Secretariado, o qual, sem dúvida, valorizará a

profissão do Secretariado no Brasil e fiscalizará o desrespeito e as negligências que possam ocorrer na profissão.

Apesar dos muitos obstáculos encontrados para a formação da Teoria do Conhecimento do Secretariado,

existe muito sendo feito como. O surgimento de periódicos especializados - como a Revista Excelência da

FENASSEC, a Revista Secretária Online de do Conselho Profissional de Secretariado de Portugal -, algumas

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Estudos Científicos na Área de Secretariado

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 106

revistas acadêmicas, disponíveis eletronicamente - como por exemplo: Secretariado Executivo em Revist@,

Expectativa, entre outras -, bem como alguns sites - como o Blog Secretariado e Ciência - são bons exemplos e

um estímulo para que novos meios de comunicação e divulgação de conceitos relacionados à área sejam criados.

O Blog Secretariado e Ciência é coordenado pelo Prof. Ms. Raimundo Nonato Jr. e por meio dele são promovidas

discussões abordando temas atuais relacionados com a profissão. Essas iniciativas são vitais para a área

secretarial, visto que a área vem se reformulando com o passar do tempo, tornando-se cada vez mais próxima

das novas tecnologias.

Partindo dessa reflexão acerca da profissão de secretariado, será avaliado aqui o interesse e as

dificuldades dos profissionais secretários com relação à bibliografia da sua área.

5 Metodologia

Para a realização deste trabalho, foi feita uma pesquisa de levantamento de dados, que se caracteriza,

segundo Marconi e Lakatos (2002), pela obtenção de dados através de pesquisa documental, pesquisa

bibliográfica e de contato direto, na qual foi enviado por e-mail um questionário para quinze profissionais da área

de secretariado. Entre estes profissionais estão: recém-formados no curso de Secretariado Executivo (3),

estudantes do quarto e do sexto semestre do mesmo curso (1 e 3), profissionais formados há mais de cinco anos

na área (2) e profissionais secretários formados em outras áreas (6). Foram escolhidos para participar da

pesquisa profissionais, tanto do setor público, quanto do setor privado.

Quanto ao questionário, ele é composto por sete questões abertas, as quais têm o propósito de

investigar com que frequência o profissional secretário precisa buscar teorias embasadoras da própria área

secretarial para elucidar situações e dúvidas relacionadas ao exercício da profissão ou durante o curso; bem

como, inquirir se estas soluções são encontradas no acervo do Secretariado ou se é preciso buscá-las na

bibliografia de outras áreas. Além desse foco, os participantes de pesquisa foram questionados sobre o(s)

tema(s) que eles acham necessário(s) ter uma abordagem mais específica dada pela própria literatura do

Secretariado e no que esta nova abordagem os ajudaria no exercício da sua profissão. Outro ponto observado

pela pesquisa foi o interesse desses profissionais quanto à leitura de livros teóricos.

6 Análise dos dados

A análise dos dados foi feita utilizando o método qualitativo, uma vez que a pesquisa qualitativa é aquela

que se baseia na significação e contextualização dos dados e não da mera exposição das informações (Marconi &

Lakatos, 2007).

Dentre os quinze participantes da pesquisa, dez responderam ao email enviado e entre os dez, um

participante não quis responder ao questionário, pois trabalha na área de Secretariado, porém não tem

graduação na mesma e achou que não deveria responder às questões. Esse fato mostra que existem

profissionais que, mesmo atuando na área, se excluem da categoria de secretário por não serem graduados no

curso.

Dos nove participantes restantes, todos cursam ou cursaram Graduação em Secretariado Executivo. Três

estão no 6º semestre do curso de Secretariado Executivo Trilíngue e concluirão o curso em dezembro de 2010;

outros três estão cursando pós-graduação nas áreas de Comércio Exterior, Gestão Empresarial e Docência para o

Ensino Superior e três não fazem curso algum atualmente. Portanto, podemos perceber que dos nove

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Estudos Científicos na Área de Secretariado

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 107

participantes, apenas um decidiu seguir a carreira acadêmica. Esse dado reforça a informação de que poucos são

aqueles profissionais secretários que se dedicam a carreira acadêmica e, dessa forma, observa-se o problema

citado anteriormente com relação a falta de pesquisadores e professores formados na área. O interesse dos

profissionais quando buscam os cursos de secretariado está bem mais focado na carreira corporativa e muitos

chegam a desconhecer a vertente acadêmica da profissão.

Quando perguntados se costumam ler livros técnicos e quais as áreas mais recorrentes, mais da metade

dos participantes respondeu que sim, que costuma ler livros técnicos. Contudo, apenas 22.5% lê livros técnicos

para fazer trabalhos da faculdade ou para suprir alguma necessidade no trabalho. O restante não lê livros.

Quanto às bibliografias lidas, as mais recorrentes foram elas: Gestão de Pessoas, área de Educação,

Comércio Exterior, Língua Inglesa, Secretariado, Finanças e Redação. A falta de interesse pela leitura,

principalmente de livros técnicos é evidente entre os profissionais da área e entre os estudantes. O que se

observa nos cursos universitários é que a maioria dos alunos só lê livros quando é preciso fazer algum trabalho

acadêmico e que, normalmente, os profissionais em atuação não sentem a necessidade de reciclarem seus

conhecimentos.

Com relação à leitura de livros que abortam temas secretariais, esse número cai e um dos fatores que

faz com que isso aconteça é a falta de temas mais atuais sobre a área. O que muitos dos participantes da

pesquisa relataram é que os livros do Secretariado são muito superficiais e abordam simplesmente temas

técnicos. Este dado aponta para a necessidade de se pensar nas questões epistemológicas do secretariado e da

urgente propositura de bibliografias mais condizentes com a realidade da profissão de secretário.

Três dos participantes relataram que costumam ler livros sobre secretariado, enquanto os outros

participantes não buscam a bibliografia da área ou, quando precisam de alguma informação relacionada com a

profissão, utilizam a internet como ferramenta para tirar as suas dúvidas. Os livros da bibliografia do

Secretariado citados foram: O livro azul da secretária, de Márcio Eustáquio Guimarães; Epistemologia e Teoria do

Conhecimento em Secretariado do Prof. Ms. Raimundo Nonato Júnior e Secretária: um guia prático de Ivanize

Azevedo.

Ainda que a maioria dos participantes da pesquisa não leia livros sobre a área, 78% deles, como foi

mencionado anteriormente, já buscou ao menos uma vez a bibliografia ou sites relacionados ao Secretariado

para auxiliar em suas atividades no trabalho e todos eles conseguiram encontrar o que precisavam. Isto mostra

como a bibliografia é importante para uma área da ciência e como é importante que se mantenha essas

ferramentas de auxílio atualizadas para que continuem ajudando os profissionais da área quando necessário.

Durante a graduação, oito participantes utilizaram a bibliografia de outras áreas para realizar trabalhos

acadêmicos ou tirar dúvidas. Segundo um dos participantes, essa busca em outras áreas ocorre porque o curso é

pautado na formação pluralista, utilizando-se de fundamentos das multiteorias para formar o profissional

secretário. Essa pluralidade já pode ser observada quando os participantes citaram os livros técnicos que

costumam ler. Alguns profissionais buscam ler livros sobre a área que trabalham, por exemplo, se ele é

secretario do diretor do departamento de Comércio Exterior, em geral, lê livros relacionados ao Comércio

Exterior, visando entender melhor as atividades da área. As áreas mais pesquisadas pelos participantes de

pesquisa foram: Logística, Comunicação, Psicologia, Economia, Relações Internacionais, Marketing,

Contabilidade, Inglês, Administração, Historia, Letras e Pedagogia.

A mesma busca por bibliografia de outras áreas se repete quando falamos do ambiente de trabalho,

embora três participantes tenham dito que não buscam na bibliografia de nenhuma área respostas para suas

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Estudos Científicos na Área de Secretariado

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 108

dúvidas no exercício de suas funções, a maioria relatou que necessita do auxílio de diversas bibliografias para

sanar problemas seu ambiente trabalho. O fato da profissão utilizar multiteorias pode ser a causa desse fato. Ou

seja, o profissional secretário, ao contrário do que muitos pensam, exerce uma profissão que não se restringe

apenas as atividades técnicas como redigir cartas e atender ligações, sua função é de assessor e por isso é

preciso que o profissional esteja atualizado sobre o conteúdo de diversas áreas. Um exemplo de uma atividade

exercida por muitos Secretários e que é preciso mais do que manuais de Secretariado para ser realizada, é a

preparação e o controle do Budget1 de departamento. E, para que este trabalho seja bem feito, é necessário que

o profissional entenda alguns conceitos de finanças.

Objetivando verificar quais as necessidades dos profissionais com relação aos temas abordados pela

bibliografia do Secretariado, foi perguntado quais temas eles acham imprescindíveis para a atuação profissional

deles que não tem sido abordado pela bibliografia do Secretariado. Do total de respostas obtidas, percebemos

que houve, praticamente, um empate - 55.5% disse não sentir falta de nenhum tema, enquanto 44.5% gostaria

que temas como Contabilidade e Finanças, Psicologia, Gerenciamento de viagens e Educação em Secretariado

fossem abordados com mais ênfase na bibliografia da área secretarial. Desse modo, podemos dizer que a

temática da bibliografia na área é controversa e necessita ser mais debatida. Salientamos ainda que três

participantes não quiseram responder a esta questão.

Ressaltamos que, apesar da maioria dos participantes ter dito que não sente falta de nenhum tema na

bibliografia do Secretariado, seis deles, mais da metade dos participantes, acreditam que a abordagem dos

temas acima, relacionados com a profissão, ajudaria a trazer um melhor entendimento sobre o que é o

secretariado, e que este entendimento agregaria mais valor a profissão e ajudaria o profissional a entender

melhor o ambiente organizacional, melhorando sua capacidade com relação à liderança dentro das organizações,

além de fortalecer a formação do secretário executivo. Há aqui uma divergência de pensamentos, pois ao

mesmo tempo em que estes profissionais não sentem falta de nenhum tema na bibliografia do secretariado, eles

acham importante que a bibliografia da área seja mais robusta. Assim pode-se concluir que é necessária uma

consolidação dos temas pertinentes à área secretarial para que até mesmo os profissionais da área entendam

melhor o que é o Secretariado.

7 Considerações finais

Durante a produção deste artigo, vários obstáculos foram encontrados o que dificultou a sua realização,

como por exemplo, a falta de livros que abordam temas recentes sobre secretariado, como já foi dito

anteriormente a maioria dos livros da área traz temas voltados ao tecnicismo da profissão e já estão muito

ultrapassados. Por esse motivo, não foi possível contar com um ampla bibliografia do secretariado como fonte de

informações. Boa parte da base teórica deste artigo teve que ser retirada de livros de outras áreas de

conhecimento, como da filosofia, por exemplo, além de sites e artigos sobre secretariado publicados na Internet.

Até mesmo o livro do Prof. Ms. Raimundo Nonato Jr., Epistemologia e Teoria do Conhecimento em Secretariado

Executivo, publicado em 2009, e que está contribuindo de forma relevante para a pesquisa na área, foi de difícil

acesso, já que ele não está disponível em livrarias. Depois de muitas buscas, consegui-se adquirir o livro

diretamente do autor, por meio de contatos pessoais.

1 Orçamento anual feito pelas empresas. Muitas vezes é de responsabilidade do profissional secretário coordenar os gastos e reportar para a diretoria mensalmente os resultados.

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Estudos Científicos na Área de Secretariado

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Com relação aos estudantes e profissionais do Secretariado, nota-se que são poucos os que têm

interesse por assuntos relacionados à epistemologia da profissão ou à formação de novos professores para a

área; a grande maioria está interessada apenas em exercer a profissão em empresas e deixa de lado as

pesquisas acadêmicas. Isto causa uma deficiência nos cursos oferecidos pelas faculdades e por isso que boa

parte das matérias dos cursos de Secretariado é ministrada por docentes formados em outras áreas, como

Administração e Marketing, e, em alguns casos, a instituições de ensino superior não contam nem mesmo com

secretários para ministrar as disciplinas específicas da área, com Técnicas Secretariais, Gestão Secretarial,

Gestão de Rercusos Secretariais, entre outras.

Como foi citado, a profissão está passando por uma grande revolução saindo de uma atividade antes

vista como tecnicista e se tornando uma profissão que requer um profissional mais crítico, capaz de lidar com

todas as situações em seu papel como assessor. E, para tal, o embasamento epistemológico é fundamental.

8 Referências Bibliográficas

CASTANON, G. Introdução à Epistemologia, São Paulo: Pedagógica e Universitária, 2007, pp. 13-14.

CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR. MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais Resolução nº 03, de 23 de junho de 2005. DOU. nº 121, de 27/06/2005, Seção 1, PP. 79-80.

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HOLANDA, A. B. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1999.

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MARCONI, M. e LAKATOS, E.M. Técnicas de pesquisa. 5º ed. São Paulo: Atlas, 2002, pp. 25-26.

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VILELLA, F. R. Epistemologia Ensaio Filosófico. Disponível: htpp://www.recantodasletras.com.br, acessado em 06/08/10, às 20:00

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Estudos Científicos na Área de Secretariado

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 110

ANEXO – Questionário aplicado

Nome:

Graduação:

Cargo:

1. Está fazendo algum curso atualmente? Se sim, qual e quando concluirá?

2. Você costuma ler livros técnicos? Quais as áreas que estes livros normalmente abordam?

3. Com relação ao secretariado, você costuma ler livros especificamente voltados para a área? Qual foi o

último livro da área que você leu?

4. Alguma vez você precisou buscar na bibliografia do secretariado informações para auxiliá-lo no trabalho?

Se sim, conseguiu encontrar?

5. Enquanto estava cursando a faculdade de Secretariado, precisou consultar a bibliografia de outra área

para realizar algum trabalho acadêmico? Se sim, quais foram as áreas mais recorrentes?

6. No exercício da sua função, você já precisou utilizar a bibliografia de outra área para esclarecer dúvidas?

Se sim, quais foram as áreas mais recorrentes?

7. Qual tema, necessário para a sua atuação profissional, não tem sido abordado pela bibliografia da área

do Secretariado?

8. No que esta teoria ajudaria no seu exercício profissional?

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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011

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Efeitos de um Treinamento de Karatê nas Funções Cognitivas e Motoras em Idoso com Demência Mista

Eduardo Dias Viana

Faculdades Integradas Claretianas [email protected]

Ana Clara de Souza Paiva

Faculdades Integradas Claretianas [email protected]

Mariana Zanetoni Vassoler

Faculdades Integradas Claretianas [email protected]

Larissa Pires de Andrade

UNESP -Universidade Estadual Paulista [email protected]

Carla Andreza Almeida Andreatto

UNESP -Universidade Estadual Paulista [email protected]

Fernanda Piazentin

[email protected]

José Luiz Riani Costa UNESP -Universidade Estadual Paulista

[email protected]

Resumo

O objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos de um treinamento de karatê nas funções cognitivas e nas atividades motoras de um idoso com demência mista. O paciente estava clinicamente diagnosticado com demência mista. O participante passou por uma anamnese, seguida de avaliação cognitiva e motora, pré e pós treinamento. Foi elaborado um protocolo sistematizado, que visou fortalecimento, flexibilidade, técnicas de posturas, ataque (socos e chutes), bloqueios (defesas) e katas (luta imaginaria com vários oponentes). O protocolo foi realizado durante quatro meses. Os resultados encontrados foram manutenção das funções cognitivas. Em relação a função motora houve resultado positivo no equilíbrio estático e dinâmico. Conclui-se que o treinamento adaptado e sistematizado do karatê contribui para melhora de equilíbrio estático e dinâmico, além de contribuir para a manutenção do status cognitivo. Podendo contribuir assim para a realização das atividades de vida diária de um paciente com demência mista. Palavras-chave: Demência Mista, Karatê, Idoso, Funções Cognitivas, Equilíbrio.

1 Introdução

Demência constitui uma síndrome caracterizada por declínio de memória e de outras funções cognitivas,

de intensidade suficiente para interferir de maneira significativa no

desempenho funcional do paciente (FONSECA et al., 2008). A doença de Alzheimer (DA) é a enfermidade

neurodegenerativa mais prevalente em idosos (QIU; WINBLAD; FRATIGLIONI, 2009), e a demência vascular

(DV) constitui a segunda maior causa de demência (GALUCCI et al., 2005). A DA é condição neurodegenerativa

em que ocorre acúmulos de placas amilóides extracelulares e emaranhados neurofibrilares intraneuronais,

enquanto a DV ocorre secundariamente a doença cerebrovascular (DCV) isquêmica (na maioria dos casos) ou

hemorrágica (FONSECA et al., 2008).

As lesões da DA e da DCV (especialmente as de natureza isquêmica) freqüentemente ocorrem em

associação. As lesões vasculares concomitantes em pacientes com DA podem acarretar aumento dos efeitos

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patológicos, acentuando o comprometimento cognitivo (ENGELHARDT, 2004). A coexistência de DA e DCV

recebe comumente a terminologia de demência mista (DM) (FONSECA et al., 2008). A DM é uma condição

patológica ainda mal definida cuja importância vem se afirmando cada vez mais (ENGELHARDT, 2004). De

acordo com estudos epidemiológicos, estima-se que mais de um terço dos pacientes com DA apresentam

também lesões vasculares, e proporção similar de pacientes com DV exibam alterações patológicas

características de DA (GALUCCI et al., 2005).

A presença de lesões vasculares nos pacientes com DA pode estar subestimada e parece estar associada

à deterioração clínica mais rápida. A apresentação mais comum de demência mista é a de um paciente com

sintomas e características clínicas típicas de DA que sofre piora abrupta, acompanhada pela presença de sinais

clínicos de DVC (GALUCCI et al., 2005). Apesar do número de similaridades entre DA e DV, tem relativamente

função superior a memória verbal de longo prazo e maior comprometimento da função frontal executiva

(GALUCCI et al., 2005).

Fatores de risco de acidentes vasculares desempenham um papel significativo no desenvolvimento e

progressão de demência, enquanto amplas redes sociais e engajamento ativo em atividades mentais, sociais e

físicas podem adiar o início da demência (QIU; WINBLAD; FRATIGLIONI, 2009).

Nesse sentido de engajamento ativo em diversas atividades, cabe destacar a prática de exercício físico

regular. Um estudo de revisão sistemática, realizado recentemente, investigou os efeitos do exercício em

pacientes com DA, mostrando melhora nas seguintes funções cognitivas: linguagem, atenção e funções

executivas (COELHO et al., 2009).

Christofoletti et al. (2009), realizaram um estudo de caso, envolvendo protocolo de intervenção motora

generalizada e observaram melhora dos sintomas depressivos e dos componentes da capacidade funcional em

paciente com diagnóstico clínico de DA.

Heyn et al. (2004), constatou benefícios nas funções cognitivas e nos distúrbios de comportamento em

pacientes com demências, além de observarem resultados positivos em relação à melhora da força muscular, da

aptidão física e da performance funcional.

O karatê, como uma arte marcial, tem grande procura pela sociedade, por ser um meio de auto-defesa e

uma prática ideal de atividade física. A prática regular de karatê desenvolve força, velocidade, coordenação

motora e condicionamento físico (FRITZSCHE, RASCHKA, 2008). Carvalho (2004) e Stemberg et al. (2006),

afirmam que a prática do exercício físico é componente essencial nos cuidados com a saúde. As peculiaridades

desta atividade contribuem para a prevenção e a recuperação de males orgânicos, psicológicos e sociais,

auxiliando no desenvolvimento integral dos praticantes.

De acordo com Yamaguchi (2004), a prática do Tai Chi Chuan (arte marcial chinese de estilo suave)

auxilia no equilíbrio de pessoas da terceira idade, contribuindo na prevenção de quedas, na elevação da auto

estima e autocontrole. Além disso, a literatura mostra que há benefícios na área de saúde mental, regulando os

estados mentais e humor do praticante, auxiliando no desenvolvimento da concentração e integração social

(PALERMO et al, 2006). Entretanto, não foi encontrado nenhum estudo de intervenção que utilizou a prática do

Karatê em pacientes com demência, mais especificamente na demência mista.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos de um treinamento de karatê nas funções

cognitivas e nas atividades motoras de um idoso com demência mista.

2 Caso clínico

Paciente

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FCPA, 74 anos, sexo masculino, branco, casado, 15 anos de estudo e natural de uma cidade do interior

do estado de São Paulo, Brasil. Está clinicamente diagnosticado com demência mista associado a transtornos

depressivos de moderado à severos. Além disso, apresenta diabétis melitus (insulina dependente há 40 anos) e

como consequencia comprometimento neuropático. Fumou durante 50 anos e manteve um estilo de vida

sedentário. O cuidador relata que o paciente sofre quedas constantes e tem dependência para a realização de

algumas das atividades de vida diária. No início da doença, o paciente apresentou episódios de esquecimento,

depressão e déficit de força musculoesquelética. Ao longo dos anos houve piora do quadro comportamental,

memória recente e desorientação espacial.

3 Protocolo de Avaliação

Para a avaliação cognitiva foi aplicado o seguinte instrumento:

a)Mini-Exame do Estado Mental (MEEM): (FOLSTAEIN et al., 1975; Brucki et al., 2003) compõem-se

de setes categoriais - orientação para tempo, orientação para local, registro de três palavras, atenção e cálculo,

recordação das três palavras, linguagem e praxia visuo-construtiva. O escore do MEEM varia de 0 e 30 pontos,

sendo que valores mais baixos apontam para possível déficit cognitivo.

Para a avaliação motora foram aplicados os seguintes instrumentos:

a) Escala de Equilíbrio Funcional de Berg (EEFB): (BERG et al., 1989), é composta por 14 itens

envolvendo tarefas funcionais específicas em diferentes situações e bases de apoio. Cada tarefa é sub-dividida e

pontuada de acordo com o grau de dificuldade. O escore total varia entre 0 e 56 pontos, sendo que quanto

menor a pontuação maior o risco de quedas.

b) Timed Up And Go (TUG): (PODSIADLO, RICHARDSON, 1991), avalia o equilíbrio dinâmico, o tempo

para se levantar de uma cadeira com braços, deambular por uma distância de 3 metros e retornar à cadeira,

bem como número de passos, são registrados. Maiores valores de tempo e número de passos representam maior

risco de quedas.

4 Protocolo de Treinamento

As sessões foram realizadas três vezes por semana em dias não consecutivos, as aulas tiveram duração

de 60 minutos por um período de quatro meses. As intervenções aconteceram em uma sala de judô na Unesp de

Rio Claro SP, Departamento de Educação Física. O paciente passou por uma entrevista com um delegado da

Federação Paulista de karatê para garantir que o paciente não teve vivências anteriores com essa modalidade.

O protocolo de treinamento foi criado baseando-se nas capacidades físicas e patológicas do paciente,

assim, um programa sistematizado de movimentos adaptados do karatê foi desenvolvido.

A aferição da pressão arterial foi realizada no momento (pré e pós) de cada sessão de treinamento e sua

freqüência cardíaca foi monitorada durante toda a atividade.

A aula foi dividida da seguinte forma: vinte minutos iniciais foram compostos por uma série de exercícios

de aquecimento e alongamento, trabalhando as articulações de todo grupo muscular e os quarenta minutos

finais foram compostos por movimentos adaptados do karatê.

As primeiras sessões de treinamento foram realizadas com o objetivo de desenvolver a similaridade com

a modalidade e as técnicas posturais, bases fundamentais do karatê, importante ferramenta utilizada para a

melhora do equilíbrio, deslocamentos dinâmicos, coordenação e fortalecimento dos membros inferiores. Estes

movimentos foram realizados repetidamente durante nove aulas. A segunda parte do protocolo foi desenvolvida

envolvendo técnicas com utilização dos membros superiores com duração de mais nove aulas. Assim, podemos

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observar que estes movimentos podem estimular a cognição, tempo de reação e todos os componentes da

capacidade funcional.

Estas duas atividades englobam movimentos dinâmicos que trabalhados em associação evoluem para

duas técnicas específicas, denominadas, kihon e kata. Estas duas técnicas foram trabalhadas até o final do

protocolo oferecendo o maior número de estímulos para o paciente.

5 Resultados e Discussão

Em um período de quatro meses de treinamento foram realizadas 40 sessões de treinamento, sendo que

o paciente não compareceu em três sessões por motivos de consultas pré-determinadas pelo seu médico.

Os dados foram coletados antes e após o treinamento, sendo transformados em valores representados

em gráficos.

Na avaliação cognitiva do MEEM, pré e pós treinamento, os valores mantiveram-se parecidos,

demonstrando que não houve declínio cognitivo do individuo (Figura 1).

Figura 1: Mini-Exame do Estado Mental (MEEM).

Esse resultado corrobora com estudos que investigaram os efeitos do exercício físico nas funções

cognitivas em pacientes com demências.

Christofoletti et al., 2009, observaram atenuação das funções cognitivas após a realização de um

protocolo de intervenção motora generalizado aplicado em uma paciente com diagnóstico clínico de doença de

Alzheimer. O instrumento de avaliação cognitiva, utilizado no estudo de Christofoletti, investigou: orientação,

linguagem, compreensão e expressão, memória antiga e recente, aprendizado, atenção, funções executivas e

percepção. Apesar de ser um instrumento de avaliação cognitiva que abrange vários domínios este não mostrou

aumento da pontuação, em nenhum desses domínios, após o protocolo de intervenção motora generalizado.

Mostrando assim, que o paciente manteve essas funções, após o protocolo de intervenção. Esse tipo de

resultado é importante, no que se refere a pacientes com demência, visto que a progressão da doença é

evolutiva e irreversível. Atenuar as funções cognitivas é uma estratégia de tratamento importante e que deve ser

considerado nessa população.

O treinamento de karatê, utilizado no presente estudo corrobora com o estudo de Christofetti et al.,

2009, pois, também mostrou manutenção das funções cognitivas. Quando observados os domínios que

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compõem o mini exame do estado mental, houve diminuição de um ponto no domínio atenção e cálculo no

momento pós intervenção do treinamento de karatê.

Friedman e Tappen, 1991, observaram melhora na linguagem em pacientes com doença de Alzheimer,

após treinamento de caminhada associado com conversação. Cott et al., 2001 ao comparar dois grupos de

pacientes com DA: um com atividades de conversação e outro com atividades de conversação associado a

caminhada, observaram que houve melhora na linguagem, no grupo que realizou as atividades associadas

(caminhada mais conversação). O mesmo resultado foi encontrado por Tappen et al. (2002), que realizaram

métodos parecidos com o de Cott e colaboradores. Apesar do protocolo de karatê apresentar verbalização de

alguns comandos, não se obteve melhora no domínio linguagem. Entretanto, houve atenuação deste domínio, o

que se pode afirmar que é um resultado positivo visto a deterioração da doença.

Lindenmuth e Moose (1990), realizaram um estudo de intervenção motora em pacientes com doença de

Alzheimer, por meio de exercícios somáticos e de relaxamento isotônico, durante oito semanas comparando-se

com um grupo controle que não passou por nenhum tipo de intervenção motora (grupo controle). O grupo de

intervenção teve melhora significativa nas habilidades cognitivas quando comparados com o grupo controle. No

protocolo de intervenção motora de movimentos do karatê não houve melhora da cognição, mas manteve

preservadas as habilidades cognitivas, mostrando que tal prática em pacientes com demência, pode favorecer o

retardo da evolução da doença.

Figura 2: Escala de Equilíbrio Funcional de Berg (EEFB).

Em relação aos benefícios motores, a prática de treinamento de movimentos do karatê proporcionou

melhora no equilíbrio funcional, havendo aumento de 65% na pontuação do momento pré para o pós na Escala

de Equilíbrio Funcional de Berg (Figura 2). O protocolo de movimentos do karatê, utilizado nesse estudo,

objetivou desenvolver a similaridade com a modalidade e as técnicas posturais, importantes ferramentas

utilizadas para a melhora do equilíbrio, de deslocamentos dinâmicos, de coordenação e de fortalecimento dos

membros inferiores.

Hernandez et al. (2010), investigou os efeitos de um protocolo de intervenção motora generalizado em

pacientes com doença de Alzheimer. Os resultados encontrados no estudo de Hernandez mostraram atenuação

do equilíbrio funcional, quando comparados com um grupo de pacientes que não participou do grupo de

intervenção motora (grupo controle). O grupo controle, pelo contrário, apresentaram piora do equilíbrio

funcional.

A literatura mostra que pacientes com doença de Alzheimer caem mais do que pacientes sem demência -

este fenômeno de ocorrência de quedas apresenta-se três vezes mais freqüentes em pacientes com DA

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(IMAMURA et al., 2000). Uma explicação para tais eventos seria que o comprometimento cognitivo de pacientes

com demência de Alzheimer pode estar associado a um maior risco de quedas (SHERIDAN, HAUSDORF, 2007).

Christofoletti et al., (2007) também observaram melhora do equilíbrio em pacientes com diagnóstico

clínico de DA. Para tanto, investigou três grupos com pacientes que tinham o diagnóstico clínico de DA. O

primeiro grupo foi acompanhado por uma equipe interdisciplinar, contendo: fisioterapeuta, terapeuta ocupacional

e educador físico. O segundo grupo foi assistido, apenas, por um fisioterapeuta. Já o terceiro grupo não foi

acompanhado por nenhum profissional, designado assim de grupo controle. Todos os grupos foram avaliados nos

momentos pré e pós seis meses. O grupo um e dois, que participaram de intervenções motoras, foram capazes

de melhorar o equilíbrio.

Figura 3: Time Up and Go (TUG) pontuação por tempo.

Figura 4: Time Up And Go (TUG) pontuação por passos

Além de contribuições do protocolo de movimentos do karatê no equilíbrio funcional, podemos observar

melhoras no equilíbrio dinâmico, avaliados pelo Timed Up And Go. Foi observado um menor tempo de execução

deste teste no momento pós intervenção (de 11,34 segundos para 8,2 segundos) (Figura 3). Em relação ao

número de passos também foi observado menor número de passos (de 15 para 12 passos) para a execução do

teste no momento pós protocolo de movimentos do karatê (Figura 4). Segundo Podsiadlo e Richardson, (1991),

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menores tempo e número de passos para a execução deste teste representam diminuição no risco de ocorrerem

quedas.

Hernandez et al. (2010) realizaram um protocolo de intervenção generalizado, ou seja, trabalhava todos

os componentes da capacidade funcional. Este protocolo foi realizado em um grupo com pacientes com

diagnóstico de DA por seis meses. Outro grupo de pacientes com DA não participaram de nenhum grupo de

intervenção motora (grupo controle). Os resultados encontrados foram manutenção do equilíbrio dinâmico

(passos e tempo), enquanto que, no grupo controle, houve piora dessas variáveis.

6 Conclusão

Este estudo mostrou que o treinamento sistematizado e adaptado do karatê, para um paciente com

demência mista, contribuiu para a manutenção das funções cognitivas e melhora do equilíbrio estático e

dinâmico.

Em relação às funções cognitivas, houve estabilidade da demência, observando-se, inclusive, um

comportamento positivo em sua auto-estima demonstrando-se mais ativo e confiante para suas tarefas de vida

diária.

Ao final do protocolo o participante passou por uma avaliação prática com o delegado da 4ª região da

Federação Paulista de Karatê demonstrando os movimentos aprendidos dentro do treinamento e sendo graduado

com o 6º Kyu, ou seja, trocou a faixa branca pela faixa amarela. Sabendo-se dos benefícios que a atividade

proporcionou, seria necessário que novos estudos fossem realizados com esta população para se confirmar uma

nova forma de tratamento não-farmacológico.

7 Referências Bibliográficas

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Instruções para submissão de artigos

A Revista Ensaios & Diálogos é um periódico anual publicado pelas Faculdades Integradas Claretianas de Rio

Claro, no formato digital, disponível na internet e impresso. Este periódico é dirigido à comunidade científica:

professores, alunos de graduação e de pós-graduação, assim como profissionais que atuam em diversas áreas

do conhecimento. Nesse sentido, a Revista Ensaios & Diálogos vem a ser mais um veículo para a divulgação da

pesquisa, cuja finalidade é disseminar e divulgar o conhecimento, ampliando e promovendo o debate acerca de

assuntos de interesse da comunidade científica e da sociedade em geral.

A Revista Ensaios & Diálogos está disponível para a publicação de artigos de desenvolvimento teórico, para

trabalhos empíricos e ensaios.

Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor

novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes, nos diversos campos de conhecimento abordados

pela Revista.

Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o conhecimento na área por meio de pesquisas metodologicamente

bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas e adequadamente analisadas.

Os ensaios compõem formas mais livres de contribuição científica. Tais artigos devem ser caracterizados por

abordagens críticas e criativas, revelando novas perspectivas e levando os leitores a reflexões sobre temas

relevantes na área de conhecimento apresentada.

Outros trabalhos podem ser submetidos:

1. Temas em Debate: matéria de caráter ensaístico, opinativo, sobre temas da atualidade.

2. Relatos de experiências: descrição de experiência individual ou coletiva de proposta de intervenção pontual,

que faça o contraponto teoria/prática e indique com precisão as condições de realização da experiência relatada.

Contribuição para a solução de problemas técnicos do setor.

3. Resenhas: relativas a publicações recentes (livros e periódicos recentemente publicados, como também

dissertações e teses), nacionais ou estrangeiras.

Sobre o processo de seleção dos trabalhos

A seleção dos trabalhos inscritos será feita pelo Conselho Editorial da Revista;

Os trabalhos selecionados serão encaminhados para a revisão textual que encaminhará as sugestões de

alteração para o autor.

Os autores deverão realizar as correções sugeridas e submeter novamente o artigo que será enviado para nova

revisão textual.

Page 119: Revista Ensaios & Diálogos Revista Ensaios & Diálogos Revista das Faculdades Integradas Claretianas de Rio Claro, N.4, Jan/Dez 2011

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 120

Formatação dos artigos

1. Os artigos devem ter até 18 páginas, incluindo as referências bibliográficas.

2. A primeira página do artigo deve conter o título, o resumo, palavras-chave e nome do(s) autor(es). O título

deve ser conciso, porém informativo, não ultrapassando 20 palavras. O resumo deve conter o objetivo da

pesquisa, procedimentos metodológicos e as conclusões, não excedendo 150 palavras. O artigo deve conter até

5 palavras-chave. O nome do(s) autor(es) deve vir seguido do nome da Instituição e do endereço eletrônico. O

título do artigo e o nome dos autores com o e-mail devem estar centralizados.

3. A formatação do artigo deve ser: editor de texto Word for Windows 6.0 ou superior, tamanho do papel A4,

todas as margens com 2,5 cm, fonte Arial 11 e espaçamento 1,5 linha. O corpo do texto deve ter alinhamento

justificado. O título do artigo deve estar em formato Arial, tamanho 14 e o título das seções deve ser colocado

em Arial 12 e negrito.

4. As referências bibliográficas devem ser citadas no corpo do texto com indicação do sobrenome e ano de

publicação. As referências bibliográficas completas deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do

texto, de acordo com as normas da ABNT (NBR-6023).

5. Diagramas, quadros e tabelas devem ser numerados seqüencialmente; apresentar título e fonte, bem como

ser referenciados no corpo do artigo.

6. Os artigos devem ser entregues no formato digital, devidamente identificado com nome do(s) autor(es).

Os artigos devem ser submetidos para o e-mail: [email protected]

Podem ser submetidos artigos e demais colaborações, nas seguintes linhas de pesquisa:

1. Administração;

2. Ciências Contábeis;

3. Letras;

4. Sistemas de Informação;

5. Publicidade e Propaganda;

6. Direito;

7. Educação Física;

8. Pedagogia;

9. Secretariado Executivo;

10. Gestão Ambiental;

11. Recursos Humanos;

12. Logística;

13. Processos Gerenciais;

14. Serviço Social;

15. Ciências Biológicas.

16. Engenharia

Conheça a versão da revista na internet pelo endereço: http://www.claretianas.br/revista.