Revista Linha Mestra · linha mestra, n.24, jan.jul.2014 ii sumÁrio . a estÉtica da escola e seus...

7
Revista Linha Mestra Ano VIII. No. 24 (jan.jul.2014) ISSN: 1980-9026 LEITURAS SEM MARGENS Bia Porto Artista visual | designer gráfica | designer de roupas infantis (JayKali) www.biaporto.weebly.com www.jaykali.weebly.com

Transcript of Revista Linha Mestra · linha mestra, n.24, jan.jul.2014 ii sumÁrio . a estÉtica da escola e seus...

Revista Linha Mestra Ano VIII. No. 24 (jan.jul.2014) ISSN: 1980-9026 LEITURAS SEM MARGENS

Bia Porto Artista visual | designer gráfica | designer de roupas infantis (JayKali) www.biaporto.weebly.com www.jaykali.weebly.com

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 II

SUMÁRIO

A ESTÉTICA DA ESCOLA E SEUS CORREDORES – A CURADORIA DO OLHAR PEDAGÓGICO ................................................................................................................................. 3435

Ester Malka Broner Giannella

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 3435

A ESTÉTICA DA ESCOLA E SEUS CORREDORES – A CURADORIA DO OLHAR PEDAGÓGICO

Ester Malka Broner Giannella1

Fig.01. Corredor. Arquivo pessoal

Que é feito daquelas caras escondendo o seu segredo? Dos corredores escuros com paredes só de medo?

Cecília Meirelles A estética escolar: que contribuição ela oferece na formação da memória cultural que

uma comunidade retém em sua vivência de escola? Refletir sobre esse assunto tão intrínseco ao cotidiano das pessoas nos remete ao

“palácio da memória” em seus aposentos mais guardados, aqueles em que se depositam as lembranças do nosso ser social aprendendo a conviver com os outros. No labirinto das recordações, o animismo quase olfativo das vivências pessoais compoem territórios como cenários: um canto abandonado do pátio interno, uma sala misteriosa titulada “dos professores” com escaninhos entulhados de provas, corredores abandonados, um tampo de carteira rabiscado de nomes e corações flechados.

Percorrendo essa arqueologia da cenografia escolar, faço um recorte para destacar um lugar: a passagem dos corredores, acesso às salas de aulas e outras dependencias, resgatando delas, imagens corriqueiras aparentemente áridas, julgadas sem importância.

Nossos olhos parecem já habituados à perspectiva desses ambientes que mais nos fazem lembrar a uma formatação prisional ou hospitalar . Espaços que remetem ao panóptico

1 Doutoranda da Faculdade de Educação; Unicamp; Campinas, SP. E-mail: [email protected]

A ESTÉTICA DA ESCOLA E SEUS CORREDORES – A CURADORIA DO OLHAR PEDAGÓGICO

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 3436

revisitado por Foucault (1975), como um lugar vigiado, controlador de atos e tempos de permanência. Alí não se desperdiça o ritmo nem o andamento com divagações. Tampouco há lugar para o olhar flâneur, evocado por Walter Benjamin (1994). O vazio designa a estética de um lugar sem imagens, sem memória e escora o silêncio das portas fechadas das salas de aula. Miradas furtivas projetam nas manchas das paredes descascadas, as percepções de uma cultura escolar.

Educadores, como transitamos pelos corredores da escola? Como percebemos esse espaço? Passivos, nos entregamos transeuntes dessas passagens, paralelas que não raro destilam uma sensação de desconformidade estética ou mesmo abandono. Passageiros de um olhar displicente com a paisagem, negamos ao corredor sua vocação fluvial que transforma em igarapés de gestação do conhecimento, as salas de aula que lhe fazem afluência.

O ir e vir dos passantes traçam rotas práticas, funcionais, impedindo uma percepção sensível desse campo “marginal”. Uma multidão de meninos e meninas move-se feito nômade confinada pelo tempo e pelas paredes cruas que rebaixam os olhos e a visão. A angústia, o desespero, sentimentos de incompetência, cumplicidades ocultas quiçá encontrem nessa passagem oca de um mundo, um respiro, uma antevisão dos intervalos, dos entrelugares e suas liberdades.

Numa outra dimensão do cotidiano escolar, talvez o saber vivificado no interior das salas de aula incite imagens que se desdobram em pensamento, mas enclausurado, encerra-se num mistério petrificado nos artefatos didáticos que só tem sentido para os moldes avaliativos. Contudo, que formas tomam pelas mãos das crianças e jovens, suas compreensões subjetivas do mundo incitadas por um curriculo escolar?

No labirinto do educador, um minotauro por dia

Como educadores reconhecemos as formas que contornam conteúdos curriculares nas

disciplinas, nas sequências didáticas, nos instrumentos de avaliação. Definimos a cultura escolar por uma extensa documentação curricular oficial, prescrita e circunscrita aos saberes disciplinares. Assim também a comunidade, somada às proprias experiencias escolares, desenha suas impressões e entendimentos acerca dessa instituição.

Mas o que acontece com as experiencias vividas por professores e alunos no processo de laboração dos conteúdos curriculares? Permaneceriam encobertos por documentações pedagogicas oficiais?

Aceitar a dimensão prescritiva do currículo como exclusiva é render-se a uma única possibilidade de aprendizagem na escola. É ceder, sem resistência, às reproduções ideologicas entorpecidas pela repetição de seus discursos. É desconsiderar o vigor formativo de sujeitos em interação com a cultura.

Afirmariamos, desse ponto de vista, que mercê de uma identidade matricial de formação, uma escola é a mesma agência social de produção e reprodução de saberes a se apresentar à sua comunidade, de forma idêntica, em qualquer lugar de nosso país? Ratificamos, nessa visão, a atribuição do sentido de um não-lugar (Augé, 2012) para a

A ESTÉTICA DA ESCOLA E SEUS CORREDORES – A CURADORIA DO OLHAR PEDAGÓGICO

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 3437

escola, um território público desalojado de identidade, alteridade, apartado das percepções dos sujeitos que o vivem.

Mas como conhecer o que pensam as crianças e jovens sobre as coisas do mundo ao estudar em determinada instituição escolar?

O mundo que se apresenta e se debate na escola é transmutado em análise, em sintese, em signos através de uma elaboração sensivel por parte de seus atores. No compromisso com a cultura e com a sociedade, esses simbolos nascidos na pesquisa e na reflexão sobre ela, devem circular e comunicar seus processos. Em uma ecologia mais abrangente as experiências de aprendizagem se desenvolvem extrapolando as dimensões didáticas e avaliativas, para reconhecer tambem, outras perspectivas que alimentam a cultura de uma instituição. Sejam elas, éticas, estéticas, políticas ou institucionais, todas compreendem produções de linguagens diversas que transformam as palavras e ideias em signos e sentidos inerentes ao contexto. Fotografias, poemas, escritas autorais, desenhos, pinturas, formas que o pensamento em processo esculpe, pouco a pouco, uma especie de cenografia do conhecimento, comunicando a vocação da escola, a razão de ser do processo pedagógico, criando assim seus próprios bens culturais.

Que outras formas de documentação e registro a escola desenvolveu para comunicar essa vocação valendo-se, entre outros, da comunicação dos corredores, esses afluentes que acolhendo diferentes públicos, conduzem às câmeras de plasmação do conhecimento também denominadas salas de aulas?

Um fio de Ariadne para o labirinto

Fig.02. Exposição. Arquivo pessoal Concebendo portanto a escola um lugar de transmissão e produção de histórias dos

sujeitos e suas interpretações do mundo; um lugar de encontros que no embricamento de seus saberes provoque inquietações às gerações que alí convivem, um fluxo vivo de percepções e fruições das coisas do mundo em formas narrativas diversas; um espaço público e fecundo para a formação de uma cultura de aprendizagem, sonhemos:

A ESTÉTICA DA ESCOLA E SEUS CORREDORES – A CURADORIA DO OLHAR PEDAGÓGICO

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 3438

Com escolas mais abertas à visitação expondo para fora das salas de aula, em seus corredores e passagens, formas que tomam as imagens do pensamento, produções simbólicas criadas no processo de aprendizagem;

Fig.03. Exposição. Arquivo pessoal Com a formação de uma curadoria pedagógica, profunda conhecedora dos projetos,

intencionada em discutir a escola e seus referenciais com a comunidade a partir das produções e criações dos alunos, apresentada em exposições de caráter temporário, pelos espaços fora das salas de aula. E que fosse atuando como ponte, estabelecendo diálogos multidisciplinares entre o projeto pedagógico (a partir do trabalho elaborado pelos alunos) e o público, propondo recortes e convidando a comunidade a interessar-se pelo que pensam e produzem as crianças, jovens e professores de uma comunidade, enquanto se ocupam em projetos de conhecer e interpretar as histórias do mundo na escola;

Com a ideia de enfatizar os sentidos e os valores que vivificam os objetos culturais criados no processo de aprendizagem, para apreciá-los fora das salas como documentação simbólica, como memória, uma reserva cultural do projeto pedagógico a circular em espaços expositivos que incitariam, pela poética de suas edições, a ampliação das repercussões das ideias na comunidade;

Com o vigor de uma produção diferenciada de documentação pedagógica, especialmente no Ensino Fundamental, dando a ver outras formas de conceber e se dirigir às escolas, que desenvolvendo e comunicando a sua poética, fosse se tornando singular em sua produção de conhecimento e na memória de seus atores;

Com uma investigação da estética escolar, poéticas que denotam reflexão em processo, produzindo pensamento sobre as coisas em fotografias, imagens, escritas, vídeos, desenhos, mapas, instalações, registros de experimentações e significados que falam do mundo e também, da própria instituição.

Fossemos nós então nos embrenhando pelas veredas dos corredores da escola para ver o que podem dizer as antecâmeras das oficinas do saber, e pela dimensão estética dos

A ESTÉTICA DA ESCOLA E SEUS CORREDORES – A CURADORIA DO OLHAR PEDAGÓGICO

LINHA MESTRA, N.24, JAN.JUL.2014 3439

acessos, conferir como os saberes fluem nessas artérias transformando o fluxo da vida em signos, palavras e imagens, instigando a curiosidade pelo imprevisível na busca do sentido.

Fossemos nós, professores, alunos e coordenadores concebendo uma incrivel cenografia do currículo, afetando o cotidiano escolar na produção e também na recepção de suas formas. Fossemos nós nos perguntando o que a estética dos corredores apreende da escola, revela dela e a devolve como reflexão?

E tal como nos museus e galerias, os corredores abririam a escola oferecendo sua poética ao passante. É possível ampliar a fruição dessa tessitura?

Referências AUGÉ, M. – Não Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade /tradução: Maria Lucia Pereira – 9ª edição. – Campinas, SP: Papirus, 2012. BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1993. BENJAMIN, W. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. 2. ed. Trad. José Carlos Martins Barbosa; Hemerson Alves Baptista. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas, 3). FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 20ª ed. Petrópolis, Vozes, 1999. WITHERELL, C. Stories Lives Tell: Narratives and Dialogue in Education. Edited by Carol Witherell, Nel Noddings. New York: Teatchers College Press, 1991. PONTY-MERLEAU, M. O visível e o invisível. Trad. Jose Artur Gianotti e Armando Mora d’Oliveira – São Paulo: Ed. Perspectiva, 2009.