Revista Literação_ed 2

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PRODUÇÕES de alunos PROJETOS Do curso de Biblioteconomia da UFC ENTREVISTA com o contador de histórias Francisco Gregório Filho ARTIGOS Fabiano Seixas Fernandes Jefferson Veras Nunes Lídia Barroso Gomes Margarida Pontes Timbó MATÉRIA O Curso de Biblioteconomia da UFC comemora 47 anos de existência RESENHAS DE LIVROS para você ler durante o semestre L ! ter A ão c ~ Revista edição 2 ano 1

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| Revista LiterAção

PRODUÇÕESde alunos

PROJETOSDo curso de

Biblioteconomia da UFC

ENTREVISTAcom o contador de

histórias Francisco Gregório Filho

ARTIGOSFabiano Seixas Fernandes

Jefferson Veras NunesLídia Barroso Gomes

Margarida Pontes Timbó

MATÉRIAO Curso de Biblioteconomia

da UFC comemora 47 anos de existência

RESENHAS DE LIVROSpara você ler durante

o semestre

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edição 2 ano 1

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Revista LiterAção |

EditorialPrezados Leitores,

É com grande satisfação que apresentamos o lançamento de mais um fascículo da Revista LITERAÇÃO.

Neste número trazemos quatro artigos: o primeiro é resultado da palestra do Prof. Fabiano Seixas no Seminário Filosofando sobre Leitura, realizado pela turma do 2º semestre 2010.2 da disciplina Teoria e Prática da Leitura do Curso de Biblioteconomia. O artigo, Imaginando o Impossível, traz reflexões do filósofo David Hume sobre imaginação e impossibilidade utilizando a literatura, especificamente a poesia, na perspectiva de que o impossível é imaginável e, quem sabe, motivador de novas (re)criações. Texto bastante instigante para reflexão.

O segundo artigo, A Ciência da Informação e seus Paradigmas Dominantes: breves reflexões epistemológicas, do Prof. Jefferson Veras, também palestra do seminário já referido, traz um debate epistemológico sobre a Ciência da Informação, com o intuito de apresentar os paradigmas clássicos e contemporâneos que a norteia, sob a ótica de Rafael Capurro, e sua relação com as demais áreas do conhecimento. São considerações significantes para uma maior compreensão do que podemos entender sobre CI.

O terceiro artigo, A Leitura Literária e a Formação do Leitor Consciente, das autoras Lídia Gomes e Odalice Silva, enfatiza a importância da leitura literária como possibilidade para a formação do leitor, assunto dos mais significativos quando falamos de leitura, haja vista existir uma relação significante da literatura com o meio social, e a grande dificuldade que se apresenta, em todos os níveis educacionais, na construção de leitores cidadãos.

O quarto, A Leitura e a Pesquisa nos arquivos Pessoais do AEC-UFC, apresenta o valor da memória cultural do escritor cearense, através de fotografias, objetos pessoais, rascunhos, livros etc., ressaltando a importância de preservar e divulgar o acervo do autor cearense como parte da memória do Ceará.

Na seção Entrevista tivemos a grata satisfação de contar com Francisco Gregório Filho, contador de histórias, que nos apresenta um pouco da sua história de vida, da sua construção como leitor e a influencia dos avós para o desenvolvimento desse contador de histórias que encanta enquanto conta. Mais tivéssemos avós que contassem histórias e mais teríamos leitores e contadores de histórias.

Contamos, ainda, com uma matéria sobre os 47 anos do Curso de Biblioteconomia, por Jeane Reis e Socorro Soares, e uma segunda sobre Por que escolhi Biblioteconomia? de Cyntia Chaves, que vem nos mostrar que nem sempre as nossas escolhas dão certo, é preciso que sejamos escolhidos e encontremos satisfação pessoal para seguir adiante.

Trazemos, ainda, notícias dos nossos projetos de extensão e a seção de Entretenimento com alguns contos, resenhas de livros e as interessantes Bibliotiras.

Desejamos a todos uma ótima leitura, esperando sempre contar com a divulgação e sugestão de novos trabalhos.

Fátima Araripe

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COORDENAÇÃOProfa. Dra. Fátima Araripe

COLABORAÇÃOProf. Hamilton Tabosa

EDITORAÇÃOAmanda Alboino

TEXTOSGênesson Johnny L SantosJeane Reis Socorro SoaresAmanda AlboinoShéllida AraújoAline LimaMaria IlanaJamile TeixeiraMárcia Nepomuceno

REVISÃOShéllida Araújo e Gênesson Johnny L Santos

IMAGENSAmanda AlboinoCarlos Augusto Pinheiro

* Algumas imagens foram obtidas na web sem o nome de seus autores

COLABORAÇÃOPJ BrandãoCamila RabeloCarlos Augusto Pinheiro

BOLSISTASAline Lima Amanda AlboinoGênesson Johnny Jeane ReisSocorro SoaresShéllida Araújo

APOIOImprensa Universitária

CONTATOS (crítica, sugestões, elogios ou envio de textos)

[email protected]

PÁGINAS DA WEBwww.revistaliteracao.blogspot.com www.twitter.com/literacaoufcwww.facebook.com/Literacao

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Clube da LeituraLer para crerOnda LerOuvindo Histórias

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ART

IGO

SImaginando o Impossível Fabiando Seixas Fernandes EquipeA Ciência da Informação e seus Paradigmas Dominantes:Breves Reflexões Epistemológicas Jefferson Veras Nunes

A Leitura Literária e a Formação do Leitor ConscienteLídia Barroso Gomes

A Leitura e a Pesquisa nos arquivos Pessoais do AEC-UFCMargarida Pontes Timbó

Arvorãããão 37

Por que escolhi Biblioteconomia? 40

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ART

IGO

S Imaginando o ImpossívelFabiando Seixas Fernandes1

RESUMO: O presente artigo se propõe a verificar, através da literatura, a pertinência da opinião do filósofo escocês David Hume acerca da relação entre impossibilidade e imaginação; segundo Hume, o absolutamente inconcebível também é absolutamente impossível. Algumas construções poéticas compostas pela conjunção de idéias contrárias ou opostas foram analisadas, com o objetivo de verificar até que ponto é possível formar delas representação mental visual e/ou lingüística. A fim de empreender a análise, uma tipologia das estratégias literárias de conjunção entre idéias contrárias ou opostas foi esboçada.

PALAVRAS - CHAVE: Literatura. Imaginação. Impossibilidade. David Hume.

ABSTRACT: The present article undertakes (with the help of literary examples) an examination of Scottish philosopher David Hume’s opinion concerning the relation between impossibility and imagination; according to Hume, that which is absolutely inconceivable must be also absolutely impossible. Some poetic constructions conjoining contradictory or opposing ideas were analyzed, with the intent to verify to what extend they would yield visual and/or linguistic mental representations. A typology of the literary strategies for conjoining contradictory or opposing ideas was sketched as support for our analysis.

KEYWORDS: Literature. Imagination. Impossibility. David Hume.

1 Fabiano Seixas Fernandes possui graduação em Licenciatura em Letras: Inglês (1999) e Doutorado em Literatura (2004), ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atuou como Professor Substituto na mesma instituição (2008-9). Atualmente, é professor de Língua Inglesa e Literatura da Universidade Federal do Ceará

Texto extraído do Currículo Lattes

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INTRODUÇÃO

Antes de mais nada, gostaria de solicitar que a reflexão a seguir fosse encarada como algo experimental. Gostaria de pôr à prova uma antiga intuição minha, combinando-a a uma antiga certeza filosófica alheia. A primeira diz respeito ao efeito da literatura (ou, ao menos, de dados procedimentos costumeiramente computados como literários) em nossa capacidade de compreensão do mundo; a segunda diz respeito a uma limitação dessa mesma capacidade. Gostaria de investigar até que ponto certa declaração do filósofo escocês David Hume acerca da relação entre imaginação e impossibilidade pode ser desafiada pelo que intuo como uma expansão em nossa faculdade imaginativa, proporcionada por determinados procedimentos literários relacionados à combinação de ideias contrárias ou opostas.

Portanto, nosso trajeto a cumprir será o seguinte: gostaria de analisar alguns exemplos poéticos da combinação de ideias contrárias ou opostas. Antes, porém, será necessário definir (ainda que provisória ou tentativamente) imaginação; como subitem dessa definição, explanarei a opinião de David Hume acerca do conceito, com ênfase na relação que estabeleceu entre o imaginável e o possível; a seguir, será necessário estabelecer alguns parâmetros de análise; então, poderei passar ao comentário de três exemplos poéticos do uso de ideias contrárias ou opostas.

1 O QUE É IMAGINAÇÃO ?

Brevemente, a imaginação pode ser definida como a capacidade mental de receber, vislumbrar e manipular imagens. Uma imagem seria como o “retrato mental” feito a partir de nossa experiência do mundo: o que vemos ou ouvimos grava-se em nossa memória, de modo que podemos não só reconhecer as pessoas, mas invocar mentalmente sua aparência e sua voz quando não estão presentes. Quando simplesmente evocamos uma imagem (por exemplo, o retrato mental que temos de nosso quarto ou de alguém conhecido), acreditamos que corresponde a algo real, externo a nós—que exprime, portanto, alguma verdade acerca do mundo que conhecemos. Nesse caso, as imagens estão relacionadas à memória.

Quando, porém, manipulamos diferentes retratos mentais (por exemplo, quando discorrem em nossa mente cenas que nunca ocorreram ou “criamos” pessoas que nunca existiram, tal como ocorre em sonhos), estamos exercendo o que propriamente conhecemos como imaginação: uma faculdade criativa a partir de imagens. Como ocorre no caso da memória, percebemos mentalmente objetos que não estão fisicamente presentes; ao contrário do que ocorre no caso da memória, não acreditamos nas imagens criadas desse modo—quer dizer, sabemos que não estão realmente presentes, e que tampouco correspondem a alguma realidade externa pontual e definida.

Essa é, em linhas gerais, a visão aristotélica do conceito. Ao longo da história da filosofia, maior ou menor ênfase foi dada a esse ou àquele seu aspecto, mais ou menos funções lhe foram delegadas, mas essa definição permanecerá a base de quanto disseram filósofos subseqüentes a seu respeito. Nossos interesses, contudo, compelem-nos a visitar um segundo momento da história da filosofia, para examinarmos o que disse David Hume acerca da imaginação. Assim como Aristóteles, Hume começa por distinguir entre memória e imaginação. Para Hume, tanto uma quanto outra dependem das ideias (que, em Hume como em outros filósofos, parece ser termo sinônimo ou substituto de imagem) que são geradas através de nossa experiência sensível. Enquanto, porém, a memória se restringe a reproduzir as seqüências e combinações de ideias tais quais as recebemos, a imaginação as pode reorganizar e transformar. Para Hume, porém, ambas as faculdades podem se confundir—é possível não estarmos certos se vivenciamos algo ou meramente o imaginamos, e crermos piamente na realidade dos sonhos enquanto sonhamos—, pois a diferença entre imaginação e memória deriva de um maior grau de vivacidade na segunda. Assim, para Hume, a inculcação pode intensificar a vivacidade de uma ideia por nós gerada, fazendo-a passar por memória; também pode ocorrer que, conforme nos distanciamos do que lembramos, a memória perca vivacidade, tornando-se indistinguível da imaginação (Treatise of human nature 1.3.5).

Embora não esteja seguro quanto ao critério apontado por Hume para distinguir entre uma faculdade e outra, é importante

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ressaltar que o problema é real. Reflexões e pesquisas mais recentes acerca da memória nos levam a concluir, por exemplo, que esta não necessariamente funciona como um depósito onde armazenamos imagens distintas às quais podemos recorrer à vontade. Em primeiro lugar, há o problema do que constituiria uma imagem. Por exemplo: o retrato mental que fazemos de qualquer amigo nosso incluirá um retrato mental de sua cabeça; quantos retratos mentais seriam necessários para retratar toda a cabeça desse amigo? Como estariam conectados? Estariam armazenados junto às demais imagens que compõem meu amigo, ou às demais cabeças de que me lembro? Também, de onde viria nosso retrato mental que corresponde ao conceito de cabeça? Possuímos mesmo representações imagéticas “abstratas” de conceitos que têm um forte componente sensível? Essa é uma conhecida disputa entre os empiristas. Finalmente—e não obstante a vivacidade que Hume atribui à memória—, pense-se em como são apagadas e imprecisas as representações visuais que somos capazes de trazer à mente. Certamente, reconhecemos muitos mais traços e detalhes em nossos amigos quando os vemos do que somos capazes de recuperar quando deles nos lembramos.

Pergunto-me se essa deficiência em nossa recuperação de imagens poderia ter relação com outro importante componente das pesquisas atuais em memória: a atual ênfase filosófica e psicológica não é mais visual (como no caso das imagens), mas lingüística. Tanto nossa categorização quanto nossa retenção de traços sensíveis podem ser afetadas pela proeminência cognitiva da linguagem articulada. Não é necessário que me lembre de cada detalhe de meu cachorro: sei o que são cachorros (sei reconhecê-los, desenhá-los, ainda que mal, e descrevê-los), sei quais partes os compõem; talvez esse conhecimento (prévio à nossa adoção de um cachorro como animal de estimação), por assim dizer, abrevie a precisão de nossas representações visuais mentais. Esse jogo se torna ainda mais complexo se percebermos que uma mesma “imagem” pode ser (e normalmente é) categorizada variamente: o conceito/imagem a cabeça de meu amigo pode pertencer a diversos conjuntos—que nem sempre permitirão ser representados visualmente—: o das cabeças de meus outros amigos, o de cabeças humanas

em geral, o de cabeças de outras formas de vida, etc.

Como se vê, o conceito de memória como armazenamento parece não lidar muito bem com a possibilidade da multi-categorização de nossas ideias, nem com o fato de que não é simples a tarefa de encontrar unidades conceituais/visuais mínimas, indivisíveis. Em conseqüência das ressalvas feitas, tende-se atualmente a abandonar metáforas armazenais para a explicação da memória e se lhe atribuir um papel recriador muito forte. Lembrar não é simplesmente resgatar, mas, em certa medida, reorganizar—o que pode, sim, induzir ao exagero e ao erro. Hume, portanto, parece intuir corretamente uma certa zona de indefinição entre lembrar e criar.

Mesmo assim, não podemos negar que, apesar da real importância de nossa compreensão lingüística do mundo, as imagens parecem ter papel cognitivo fundamental. Quando estudamos determinados conceitos abstratos, é comum recorrermos a tabelas, gráficos ou esquemas de cores; essa recorrência nos mostra tanto a fraqueza de nossa capacidade imagética (não conheço ninguém capaz de visualizar mental e precisamente um gráfico) quanto nossa necessidade de “concretizar” o abstrato—de compreendê-lo através de algum tipo de analogia plástica.

Para o que nos interessa aqui, essas ressalvas mostram que, para tentarmos compreender a interpretação de recursos literários, é necessário balancear o que pode ser compreendido plasticamente, e o que faz sentido proposicional. Assim, no que segue, conceberei imaginação no sentido mais amplo de “alteração e ordenação consciente de ideias, sejam representadas plástica, sonora ou lingüisticamente”. Tentarei, porém, na medida do possível, buscar uma interpretação visual, plástica, para metáforas literárias que façam apelo ao sentido da visão.

1.1 Imaginação e impossibilidadeAo tratar dos conceitos de espaço e tempo,

David Hume nega sua indivisibilidade infinita. Para tanto, serve-se de argumentos que acabam definindo mais precisamente as características da imaginação. Ei-los abaixo:

Wherever ideas are adequate representations of objects, the relations, contradictions, and

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agreements of the ideas are all applicable to the objects; […] The plain consequence is, that whatever appears impossible and contradictory upon the comparison of these ideas, must be really impossible and contradictory, without any farther excuse or evasion.

Sempre que ideias representarem adequadamente objetos, as relações, contradições e concordâncias dessas ideias serão inteiramente aplicáveis aos objetos; […] A evidente conseqüência é que, quanto pareça impossível e contraditório ao ser comparado a essas ideias será realmente impossível ou contraditório, sem desculpa ou evasiva. (HUME: Treatise of human nature1)

’Tis as established maxim in metaphysics, That whatever the mind clearly conceives includes the idea of possible existence, or in other words, that nothing we imagine is absolutely impossible. We can form the idea of a golden mountain, and from thence conclude that such a mountain may actually exist. We can form no idea of a mountain without a valley, and therefore regard it as impossible.

É uma máxima estabelecida da metafísica a que afirma que quanto a mente conceba claramente inclui também a ideia de sua possível existência, ou, em outras palavras, que nada do que possamos imaginar é absolutamente impossível. Podemos conceber a ideia de uma montanha de ouro, e daí concluir que tal montanha poderia de fato existir. Não podemos conceber a ideia de uma montanha sem vale, e portanto julgamos que isso seja impossível. (Ibid.)

Cada uma das passagens acima mostra que, para Hume, a capacidade de manipulação imagética é um critério para determinar “impossibilidades e contradições”. Uma representação mental conforme ao objeto que representa evidenciará todas as falhas e contradições deste; se a falha é de tal maneira crucial que torna a existência desse objeto inviável, como parece ser o caso de construtos mentais como uma montanha sem vale ou água seca, então o objeto seria, além de inexistente, inimaginável. Podemos expressá-lo lingüisticamente, mas a mente não conseguiria, segundo Hume, tecer-lhe representação.

Nigel Thomas, em seu verbete sobre imaginação para o Dictionary of Philosophy of Mind, vê algumas possíveis objeções atuais a isso:

Hume’s maxim is very questionable, however. Although examples that seem to favor it can be multiplied, it is also not hard to come up with

apparent counter-examples. It seems to me that I am incapable of imagining curved space-time, but I am reliably informed that it is not only possible but actual. Conversely, countless science fiction buffs have imagined traveling faster than light, which is supposedly impossible. Perhaps some version of the maxim can be saved by sufficiently ingenious maneuvers, probably including the restriction of its scope to some or other subspecies of possibility (perhaps it applies to logical, conceptual, or metaphysical, but not to physical possibility) […].

A máxima de Hume [correspondente a nossa 2a citação] é, contudo, bastante questionável. Ainda que abundem exemplos favoráveis, tampouco é difícil elencar aparentes contra-exemplos. Parece-me que sou incapaz de imaginar um contínuo espaço-tempo curvo, mas sei de fontes fidedignas que isso é não só possível, mas real. Entretanto, inúmeros volumes de ficção científica imaginaram viagens cursadas acima da velocidade da luz, o que supostamente seria impossível. Talvez alguma versão da máxima possa ser salva por argüidores suficientemente engenhosos, provavelmente através da inclusão de restrições de escopo para uma ou mais subespécies de possibilidade (talvez seja aplicável somente a possibilidades lógicas, conceituais ou metafísicas, mas não físicas) […].(THOMAS: 2004, online)

A meu ver, Thomas parece se precipitar em seus contra-exemplos. Em primeiro lugar, a máxima humeana afirma que é impossível o que não pode ser imaginado, mas daí não se segue que tudo quanto é possível possa ser imaginado; Hume não se manifesta sobre o possível ser inconcebível—o que torna o exemplo acerca do espaço-tempo inadequado. (Quanto ao segundo exemplo, trataremos dele mais adiante.) Concordo, porém, com o fato de que ressalvas seriam necessárias à máxima. Do modo como entendo que Hume a formulou, imaginar estaria restrito a imagens, e as impossibilidades a impossibilidades conceituais. Portanto, seria impossível formar representação visual de água seca, pois a água é precisamente o que deixa as coisas molhadas. Ainda assim, outras ressalvas de Thomas parecem apropriadas:

It is, however, worth mentioning that the maxim has very little purchase if imagination is interpreted after the fashion of those who would deny its essential connection with imagery. Clearly we can pretend or mistakenly believe that impossible things are possible, and we suppose an impossibility every time we set up a sound reductio ad absurdum proof.

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É, contudo, digno de menção o fato de a máxima ser de pouca monta se a imaginação for interpretada à maneira dos que lhe negam conexão essencial com imagens. Claramente, podemos fingir ou erroneamente acreditar que coisas impossíveis são possíveis, e supor impossibilidades sempre que elaboramos uma bem-montada prova do tipo reductio ad absurdum.(Ibid.)

Essa ressalva vem ao encontro do que disse anteriormente, e foi levada em consideração quando expus o conceito de imaginação com o qual trabalharei abaixo. Porém, ainda que nem todas as criações imaginárias sejam essencialmente visuais, o problema de como compreendemos certos enunciados que implicam impossibilidade semântica ou lógica permanece sem solução. Mesmo que não possamos visualizar água seca ou um sol negro, o que de fato compreendemos ao nos depararmos com expressões semelhantes em poemas, contos ou romances? É realmente verdade que as compreendemos? Caso negativo, o que acontece quando nos deparamos com elas, digamos, em um poema?

2 LITERATURA, CONTRADIÇÃO E IMPOSSIBILIDADE

Passemos à segunda parte de nossa investigação. Segundo Hume, a impossibilidade de que se imagine algo implica na impossibilidade de que exista; destarte, testaremos a compreensibilidade de alguns exemplos literários do impossível, a fim de verificar se são de fato incompreensíveis, e, caso afirmativo, se isso implicaria impossibilidade de os traduzir para algum outro tipo de representação, visual ou lingüística. O método empregado será, por questões práticas e devido ao estado ainda inicial dessa reflexão, o da auto-auscultação: ao refletir sobre os exemplos abaixo, vejo em mim que esforços faço para resolvê-los, levando inicialmente em conta seu sentido literal2.

Antes, porém, de testá-los, seria pertinente traçar alguns parâmetros de análise. A compreensibilidade de uma imagem literária, segundo nosso conceito de imaginação, poderia ser verificada de dois modos:

* Imagético. Modo restrito. O enunciado permite ao leitor parafraseá-lo (mentalmente) por meio de imagens.

* Lingüístico, conceitual ou semântico3. Modo amplo. O enunciado permite ao leitor parafraseá-lo (mentalmente) por meio de palavras.

Por sua vez, a concorrência de ideias contrárias ou opostas poderia ocorrer em três níveis:

* Contraste. Nível mais fraco. Aproximação de conceitos contrários ou opostos sem que um altere o outro. Passível de paráfrase visual e/ou lingüística.

* Contradição. Nível entre o médio e o forte. Interferência (mormente unilateral) entre conceitos contrários ou opostos porém não mutuamente excludentes. Passível de resolução, e portanto de paráfrase visual e/ou lingüística.

* Impossibilidade. Nível absoluto. Inter-ferência (mormente unilateral) entre conceitos opostos ou contrários mutuamente excludentes. Não admitiria, segundo Hume, resolução nem paráfrase visual e/ou lingüística.

A compreensão conceitual foi descrita como “modo amplo”, pois é mais abrangente que a imagética: em tese, qualquer enunciado compreendido imageticamente poderia também ser compreendido por conceitos expressos lingüisticamente—havendo alguns casos, inclusive, nos quais a possibilidade de compreensão imagética, embora exista, é irrelevante. Nosso objetivo é investigar se, de fato, a literatura é capaz de produzir locuções do terceiro nível (ou seja, conceitualmente impossíveis), a fim de verificar se isso impediria a compreensão de qualquer modo.

2.1 Exemplo 1

[Hippolyte :] Vous voyez devant vous un prince déplorable, D’un téméraire orgueil exemple mémorable. Moi qui, contre l’amour fièrement révolté, Aux fers de ses captifs ai longtemps insulté; […] Par quel trouble [a] me vois-je emporté loin de moi ? [b] Un moment a vaincu mon audace imprudente : Cette âme si superbe est enfin dépendante.

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[b] Depuis près de six mois, honteux, désespéré, Portant partout le trait dont je suis déchiré, Contre vous, contre moi, vainement je m’éprouve : [c] Présente je vous fuis, absente je vous trouve ; […] [d] Maintenant je me cherche, et ne me trouve plus.

[Hipólito:] Vedes à vossa frente um lastimoso príncipe,De um temeroso orgulho exemplo memorável.Eu que, contra o amor soberbamente oposto,De seus cativos insultei as correntes;[…] Com que emoção [a] me vejo apartado de mim![b] Um momento venceu minha audácia imprudente:Esta alma arrogante está enfim submissa.Em desespero, envergonhado, [b] há seis meses,Levando a toda parte o dardo que me fere,Contra vós, contra mim, inutilmente eu luto:[c] Presente, eu vos evito, ausente, eu vos encontro;[…] [d] Agora eu me procuro e não me encontro mais.(Jean Racine: Phèdre 2.3, ll.529-32, 536-42, 548. Trad. Joaquim Brasil Fontes. Grifos meus.)

Em nosso primeiro exemplo, podemos ver um modo simples de manipulação de ideias contrárias ou opostas: em [b], as locuções um momento/há seis meses pertencem a enunciados diferentes. Essas locuções, por assim dizer, não se tocam: uma não é predicado da outra, uma não redefine ou explica a outra. Entretanto, expressando ambas certa duração e opondo-se quanto ao traço [+singular]/[+plural], sua justaposição gera o que acima foi chamado contraste. O momento singular em que Hipólito se apaixona é discretamente comparado à pluralidade temporal do sofrimento que disso resultou. Segundo o método aqui empregado, parece-me que seria mais fácil visualizar um momento (ou seja: uma cena) que seis meses. Não obstante, o contraste é semântico, e sua base visual, caso a admitamos, é praticamente irrelevante para

a compreensão.Também [c] apresenta contraste semântico.

Os elementos de cada par de conceitos—presente/ausente, evitar(fugir)/encontrar—encontram-se em enunciados distintos e não se interferem; o paralelismo sintático entre os enunciados parece reforçar que os comparemos e sintamos sua contrariedade. Mesmo assim, há de se convir que nada há de incoerente no verso: é plausível fugir de alguém que se encontra presente, e reencontrá-lo após haver estado ausente (apesar de, aqui, Hipólito provavelmente querer dizer que reencontra a todo instante a lembrança de sua amada Arícia, e não a própria).

Os exemplos [b] e [c] foram aqui incluídos pela necessidade de se estabelecer algo como uma “tipologia da contrariedade”: nem todo uso de conceitos semanticamente opostos ou contrários é incoerente, ou beira à ininteligibilidade. Por sua vez, os exemplos [a] e [d] apresentam construção mais complexa, sendo candidatos adequados à verificação do postulado de Hume acerca da imaginação.

Em [d], ocorre contraste semântico no par procurar/não encontrar. Porém, o tratamento de ambos os verbos como reflexivos (procurar a si mesmo/não encontrar a si mesmo) gera problemas em seu sentido literal. Não se pode procurar aquilo de cujo paradeiro estamos cientes (procurar implica desconhecimento), muito menos se já estiver conosco (procurar implica a [aparente] ausência do procurado); como estamos sempre conosco mesmos, em sentido literal, procurar e encontrar não atuariam como verbos reflexivos. Podemos, contudo, visualizar alguém procurando algo; podemos mesmo nos visualizar buscando algo como nosso duplo ou nosso gêmeo idêntico—ou seja, ao afrouxarmos o conceito de identidade (de “unicidade” para “semelhança extrema física ou funcional”), as proposições se tornam compreensíveis. Temos aqui, portanto, um tipo cognitivamente menos radical de impossibilidade, que nossos parâmetros iniciais não haviam previsto: a impossibilidade imagética analogicamente compreendida. Emprestando algo de algum outro conceito ou imagem, um enunciado impossível gera aparência de compreensão. (Esse seria o caso do segundo exemplo de Thomas: imaginar viagens mais rápidas que a velocidade da luz. Essas viagens são concebidas analogicamente, a partir de nosso conhecimento quotidiano da

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velocidade, e não de nosso conhecimento da velocidade da luz—que, além de pouco preciso na maioria dos casos, é por demais abstrato e muito afastado de nossa experiência do que seja velocidade. Desse modo, a impossibilidade física dessas viagens não interfere em nossa imaginação delas. Se válido, contudo, esse raciocínio estaria de acordo com a descrição de que a velocidade da luz é inimaginável.)

Em nível supra-literal, o problema tem solução ainda mais simples: Hipólito fala, na verdade, de não se reconhecer mais: de estranhar suas ações e infelicidade atuais, incompatíveis com o que anteriormente fazia e sentia. Assim, outro componente de nosso processo de fazer sentido de enunciados impossíveis está na leitura do impossível como expressão enfática ou dramática do possível—como metáfora, alegoria etc.

Em [a], o mesmo tipo de expansão semântica ocorre com apartar: a rigor, ninguém pode se apartar de si mesmo—exceto quando, em nível literal, operamos uma “trapaça cognitiva” e, em nível supra-literal, partimos para interpretações de outra ordem (por exemplo, apartar-se de uma parte fundamental de si mesmo).

A sermos rigorosos com o postulado de Hume, [a] e [d] são literalmente impossíveis; nossa capacidade interpretativa nos leva a buscar caminhos que os resolvam, portanto não os sentimos como tal. O que imaginamos não é derivado diretamente do que lemos, mas de algum desvio interpretativo. Por enquanto, permanece válido que o impossível seja inimaginável.

2.2 Exemplo 2

Sou [e] o escravo que libertou o amo,[f] o discípulo que ensinou o mestre.Sou [g] a alma que ontem nasceu no mundoe [g] no mesmo instante criou este mundo vetusto.(Jalal ud-Din Rumi, Divan do Shams de Tabriz. Trad. José Jorge de Carvalho. Grifos meus.)

Temos aqui a estrofe inicial de um poema sufi. Em linhas gerais, a literatura mística busca um meio de aproximação não-racional da Divindade: a razão é considerada limitada ou inadequada, sendo a experiência direta do Divino uma melhor forma de conhecimento. Uma das estratégias do discurso místico, portanto, é o uso de figuras de linguagem contraditórias que, ao desafiar os limites da

racionalidade e da linguagem, abririam as vias para a iluminação.

No caso de [e] e [f], vemos, como em [a] e [d], inconsistências semânticas. Os predicados usualmente atribuídos a amo e mestre (libertar e ensinar, respectivamente) foram atribuídos a seus papéis complementares. No caso de [f], temos uma contradição conceitual: apesar de ensinar ser o atributo principal do mestre e aprender o do discípulo, nada impede que o contrário ocorra de vez em quando4 ; nada há de particularmente inconcebível no ato descrito, apesar de sua quebra de expectativas. Além disso, como em [b], a compreensão deve ser vista antes como conceitual, pois o fato de admitirmos algum tipo de cena mental relacionada a [f] seria de pouca monta para sua compreensão: poderíamos, certamente, imaginar mestre e aluno sentados conversando, mas, a rigor, nada haveria nessa representação visual em si que evidenciasse se alguém está aprendendo algo, ou quem. Atos são menos dóceis à representação visual que seres.

O caso de [e] é aparentemente mais complexo. Diferentemente da relação entre o traço [+ensinar] e os conceitos de mestre e discípulo (preferencialidade para o primeiro), o traço [+libertar] tem relação de exclusividade com o de amo (ou proprietário de escravos): só quem possui outra pessoa pode libertá-la. Conseqüentemente, se o enunciado for tomado em sentido literal, temos uma impossibilidade conceitual. Como em [d], porém, há também aqui uma aparência de compreensão: em nível supra-literal, é possível imaginar que a liberdade concedida pelo escravo não é do mesmo tipo que a liberdade que lhe concederia um amo: não se trataria de alforria, mas de liberação espiritual. [E] nos apresenta outro caso de impossibilidade semântica analogicamente compreendida.

[G] não difere de [e]. A alma é gerada dentro daquilo que ela própria gera; é causa e conseqüência de um mesmo fenômeno, sendo a conseqüência anterior à causa. São feridos aqui dois princípios fundamentais da causalidade: sua unilateralidade e sua seqüência temporal. Segundo Hume, esse seria um exemplo claro de impossibilidade—algo que não pode ser concebido, e que portanto não existe. Porém, também [g] pode ser compreendido analogicamente; surpreendentemente, nossa cognição plástica teria grande importância

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para isso. No caso da unilateralidade causal, podemos, para compreender o enunciado, imaginar (visual e/ou lingüisticamente) processos recíprocos: o mais simples seria concebermos duas setas formando juntas um círculo, sendo que uma aponta para a parte traseira da outra, conforme a figura abaixo.

Outras imagens úteis seriam, por exemplo, a de duas pessoas se alimentando uma à outra ou trocando presentes. Certamente, trata-se de uma transferência inválida do ponto de vista estritamente semântico (o causal não pode ser recíproco nem simultâneo), mas que no entanto nos auxiliaria a ter a sensação de que a proposição é compreensível5.

Também o problema da seqüência temporal é analogicamente resolvível. Sendo o tempo concebido metaforicamente a partir do espaço , e podendo o espaço ser representado graficamente, nada nos impede de inverter a direção do tempo mentalmente ou em um pedaço de papel, representando-o mediante linhas e setas. Outro modo de compreendermos o aspecto temporal de [g] seria através da aplicação da reversibilidade de certos atos que se processam no tempo ao próprio tempo: ir e vir, enrolar e desenrolar, clicar os botões de “refazer” e “desfazer” de um processador de textos etc. Em ambas as soluções, trata-se de um esforço de compreensão que desvirtuaria o sentido estrito do conceito de causalidade, mas que seria eficaz em nos auxiliar a sentir que compreendemos.

Ao final das contas, conseguimos compreender os enunciados do poema de Rumi, e mesmo representá-los plasticamente. A sermos, porém, rigorosos com o que disse Hume, ainda não estou seguro de que [g] seria concebível: analisamos como [g] foi montada, mas isso não garante que consigamos formar dela correlato lingüístico ou visual literal. Hume ainda parece ter razão.

2.3 Exemplo 3

Yes and No

Across a continent imaginaryBecause it cannot be discovered nowUpon this fully apprehended planet—

No more applicants considered,Alas, alas—

Ran an animal unzoological,Without a fate, without a fact,Its private history intactAgainst the travestyOf an anatomy.

Not visible not invisible,Removed by dayless night,Did it ever fly its groundOut of fancy into light,Into space to replaceIts unwritable decease?

Ah, the minutes twinkle in and outAnd in and out come and goOne by one, none by none,What we know, what we don’t know.

Sim e não

Cruza continente imaginário (Pois à descoberta ’inda não aptoSobre este planeta plenicapto—Sem mais vaga a novos pretendentesAi, ai—)

Correndo animal azoológico Sem fato, sem fado,Seu secreto histórico intocadoFrente à imposturaDe uma anatomia.

Nem invisível, nem visível,Remoto por noite sem dia,Percorreu já a via que conduzDo devaneio à luzE ao espaço para retraçarSeu fim inescrevível?

Ah, cada minuto pisca e apaga,E são e não são e vêm e vão,Uma a um, nenhum a nenhum,Quanto sabemos, quanto não.(Laura Riding Jackson)

Finalmente, passaremos à análise de um poema inteiro, cujo título mesmo já parece convidar à leitura contrastiva. Talvez as duas singelas palavras que o intitulam—sim e não—constituam o par opositor mais elementar de todos: a afirmação e a negação, o positivo e o negativo, o existente e o inexistente. Normalmente, espera-se que entre o sim e o não haja possibilidade de escolha: ou sim, ou não. Mas não parece ser o caso. Aqui, a conjunção aditiva obriga sim E não a co-existirem.

A primeira estrofe nos introduz a um

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continente, inicialmente descrito como “imaginário”. Em princípio, e em conformidade com o conceito de imaginação tal como acima proposto, imaginário estaria oposto a real, mas vemos em seguida que não parece ser bem esse o caso: não é imaginário por não existir, mas por não podermos ter dele experiência direta (ainda). Novamente, contudo, a razão pela qual não podemos ter dele experiência se deve ao fato de que nosso planeta é fully apprehended (plenicapto): o continente é imaginário, pois não há espaço mais no mundo para que seja real. Ou seja, a cada nova linha, o adjetivo imaginário muda de sentido: de “imaginário como criação da mente” (nosso sentido elementar) para “imaginário como especulação sobre o possível” para “imaginário porque impossível (inviável)”. Ao final, o estatuto desse continente pende para o irreal; não obstante, o advérbio ainda gera o pressuposto que talvez possa (vir a) existir. Falamos, portanto, de algo que está entre a fantasia e o desconhecido.

Na segunda estrofe, descobrimos que a preposição across (que inicia a primeira), é satélite do verbo ran. Quem run across (cruza correndo) o continente é um “animal azoológico”: um animal que não é animal. Como nos primeiros exemplos, somos convidados por outra impossibilidade conceitual a buscar sentidos supra-literais: em que circunstâncias um animal não seria uma animal? Um animal morto não é mais um animal; um animal ainda no ovo ou no útero não é ainda um animal; um animal imaginário não é bem um animal. De que modo nosso animal em particular escaparia à sua classe? O restante da estrofe nos ensinará mais a seu respeito: fato, fado e histórico—os três atributos que lhe são relacionados, sendo dois negados e um pressuposto—poderiam representar as três instâncias temporais: fado é o que nos caberá em sorte no futuro; fatos acerca de algo ou alguém, se verdadeiros, pertencem ao presente (ao eterno presente); histórico é claramente relacionado ao passado. Esse animal não tem presente nem futuro, e seu passado está intacto—intocado, ou seja, ainda não descoberto ou vasculhado.

Como parte de um continente aquém da apreensão humana, esse animal também não pode (ainda?) ser apreendido. Sua história não pode ser estudada; de que modo a história de um animal é estudada? Se imaginássemos

volumes científicos com títulos como História dos elefantes, parece-me que o mais natural seria falarmos em história como sinônimo de evolução; portanto, o animal em questão seria não um indivíduo, mas uma classe, e sua história seria as transformações adaptativas de sua anatomia, que o levariam, por exemplo, de peixe a anfíbio a réptil a ave ou mamífero. O animal, portanto, não é zoológico na medida em que não pode ser estudado. Como não sabemos se existe ou não, todos os dados a seu respeito ficam em suspenso, impedindo sua apreensão (tanto no sentido de conhecimento, para que ingresse na Zoologia, quanto no de captura, para que ingresse em um zoológico). A terceira estrofe confirma a suspensão pelo novo par opositor visível/invisível (cuja justaposição, para efeitos de nossa análise anterior, segue o padrão da impossibilidade conceitual): não é invisível, pois não é um atributo até então encontrado em animais, mas não é visível, pois está aquém de nossos olhos. Está envolto na treva de nossa ignorância.

O cerne da terceira estrofe é uma pergunta: esse animal teria cruzado a barreira entre a imaginação (a especulação) e a luz (o conhecimento); teria chegado a habitar o espaço? Teria nos dado a possibilidade de especular acerca de seu fim? Retornamos aqui a um ponto abordado na primeira estrofe: não sabemos se o animal está disponível ou não—ou seja, se existe em nós como hipótese ou ficção.

A estrofe final, aparentemente uma digressão que interrompe a ponderação acerca do incógnito animal, retoma a estrutura de justaposição de pares opositores do título, encerrando-se com o par que, segundo me parece, é o cerne temático do poema: What we know, what we don’t know (quanto sabemos/quanto não [sabemos]). O poema nos convida, verdadeiramente, à imaginação do possível: poderíamos, certamente, fechar os olhos e visualizar um animal qualquer em nossa mente, mas esse animal seria ou a representação mental de um animal que existe de fato ou um animal puramente imaginário. O animal de “Sim e não” não é nenhuma dessas coisas—a bem da verdade, talvez seja uma delas, mas não sabemos qual. O poema insistentemente nos convida a conceber o verdadeiramente inconcebível: o desconhecido. Só podemos conceber aquilo

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que já conhecemos (como uma galinha), ou de que já temos indício (como um dinossauro). O animal de “Sim e não”, sem ser puramente ficcional, tampouco é puramente especulativo.

Se nos deixarmos verdadeiramente levar pelo mistério e pelas indagações do poema, a mim parece difícil crer que esse animal, que nada tem de contraditório7, seja imaginável. Porém, através de nossa incapacidade imagética, Laura Riding nos convida a uma experiência conhecida: “Sim e não”, mas que um poema acerca de um animal duvidoso, é um poema acerca de nossas dúvidas, de nossa ignorância. Através da expansão de uma impossibilidade contingente (alguns enunciados no poema, como vimos, implicam impossibilidades semânticas, porém resolvíveis em nível supra-literal), “Sim e não” nos convida não ao conhecimento formal de um ser, mas ao conhecimento como vivência direta de uma condição humana: a ignorância.

3 CONCLUSÕES

Chegamos ao final de nosso exercício. Para encerrar, devo dizer em primeiro lugar que me sinto ainda inclinado a concordar com David Hume, quando afirma que o impossível não pode ser imaginado: quando analisados, nossos exemplos não retornaram impossibilidades conceituais que pudessem ser resolvidas plástica ou semanticamente em nível literal.

Vimos, também, através de minha tentativa de interpretação literal e supra-literal dos enunciados poéticos elencados, que a criatividade interpretativa humana busca desvios e mesmo ligeiras trapaças para alcançar a compreensão do incompreensível. Sob essa luz, a poesia pode ser concebida como uma das tentativas humanas de romper os limites cognitivos de sua linguagem e de seus sistemas de pensamento.

Finalmente, nosso último exemplo pareceu render algo verdadeiramente inimaginável, mas de modo algum impossível. Analisando-o, vimos ainda que a literatura pode se servir dessa impossibilidade mesma para suscitar outros tipos de experiência epistêmica. Mesmo que a literatura não pareça ter força para concordar com Thomas e julgar questionável o julgamento de Hume, é certamente forte o bastante para transformar a impossibilidade em potência, e criar a partir dela.

REFERÊNCIAS

BORGES, Jorge Luis. H. G. Wells y las parábolas. In: Obras completas I: 1923-1949. 5. ed. Barcelona: Emecé, 1996. p. 275-6

HUME, David. Book One. Of the Understanding. In: NIDDICH, P. H.; SELBY-BIGGE, L. A. Treatise of human nature. 2. ed. rev. [S.l.]: Oxford, 1978. p. 08-10, 29-33, 84-6.

JACKSON, Laura Riding. Yes and no. Disponível em: <http://www.unc.edu/~ottotwo/LRJselpoems.html>. Acesso em: 11 jun. 1997.

RACINE, Jean. Fedra. In: EURÍPEDES; SÊNECA; RACINE, Jean. Hipólito e Fedra: três tragédias. São Paulo: Iluminuras, 2007. p. 353-489.

RUMI, Jalad ud-Din. O escravo que reina. In: ______. Poemas místicos: divan de Shams de Tabriz. São Paulo: Attar, 1996. p. 79.

THOMAS, Nigel J. T. Imagination. In: ELIASMITH, C. (Ed.) Dictionary of Philosophy of Mind. Disponível em: <http://philosophy.uwaterloo.ca/MindDict/imagination.html>. Acesso em: 11 maio 2004.

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NOTAS

1 Todas as traduções minhas, exceto quando indicado.

2 Pode talvez causar certa estranheza que um crítico literário se ocupe primordialmente com o sentido literal de uma imagem poética, quando uma de suas principais funções seria justamente a de comentar ou explanar seus possíveis sentidos extraliterais (alegórico, metafórico, político etc.). Porém, no caso específico da investigação sendo levada a termo, é apenas no sentido literal que a conjunção de idéias contrárias ou opostas poderia ser cognitivamente impossível; qualquer sentido extraliteral que inferíssemos de uma imagem poética absurda seria justamente uma tentativa de resolver essa impossibilidade. Além disso, acredito que a leitura literária é uma leitura que soma sentidos: o texto literário, semanticamente potencializado pelo uso de recursos tidos como literários e pela leitura que dele se faz como texto literário, agrega níveis distintos de significado a uma mesma proposição ou enunciado. O primeiro desses níveis é o literal. Cito um exemplo fornecido pelo escritor argentino Jorge Luis Borges: “Esa naturaleza plural es propia de todos los símbolos. Las alegorías, por ejemplo, proponen al lector una doble o triple intuición, no unas figuras que se pueden canjear por nombres sustantivos abstractos. […] La hambrienta y flaca loba del primer canto de la Divina Comedia no es un emblema o letra de la avaricia: es una loba y es también la avaricia, como en los sueños” (1996).

3 Como conceitos são compostos por traços semânticos e formalizados por meio de palavras, não me parece que venha ao caso distinguir rigorosamente entre os termos conceitual, semântico e lingüístico; por hora, prefiro empregá-los conjuntamente para designar esse modo de compreensão.

4 Estejamos, contudo, cientes de que essa é uma interpretação contemporânea. Não é impossível que, quando o poema foi escrito, [f] funcionasse exatamente como [e].

5 Como explicação provisória, poderíamos especular que, quando há divergência irreconciliável entre sujeito e predicado, tendemos a nos focar em um deles, substituindo inconscientemente o outro por um equivalente adequado: em [g], ao que parece, ao inferirmos que o enunciado estabelecia uma relação de causalidade, levamos em conta os atributos explicitados no texto (ou seja, os predicados atribuídos a essa relação causal) e os redirecionamos para outro tipo de processo ou relação mais compatível.

6 Por exemplo: expressões como “se eu pudesse fazer o tempo voltar para trás” e “você tem uma vida toda pela frente” mostram nossa compreensão do passado e do futuro é calcada em nossa relação com o espaço.

7 Uma vez que as contradições em sentido literal são resolvidas no ato da leitura.

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1 INTRODUÇÃO

A discussão em torno da identidade da Ciência da Informação (doravante CI) é evocada por vários autores da área, desde o seu advento até os dias de hoje. Questões do tipo: “o que é a CI?”, “qual o seu objeto de estudo?”, ou, ainda, “em que área do conhecimento a CI se insere?” já duram décadas e talvez ainda estejam longe de serem respondidas de forma satisfatória.

Ao longo do seu desenvolvimento, a CI pôde testemunhar o surgimento e a consolidação de subáreas específicas que entendem de diferentes maneiras o modo como ela lida com a informação - frequentemente tomada como seu principal objeto de estudo. Baseadas em várias correntes e perspectivas teórico-metodológicas, cada uma de suas subáreas se sustenta em concepções divergentes e até conflitantes de informação.

Assim, o objetivo principal deste artigo é lançar luzes sobre o debate epistemológico, envolvendo o surgimento e a consolidação da CI enquanto campo do saber, chamando atenção para algumas daquelas correntes teóricas que, por muito tempo, orientaram - e ainda continuam orientando - as pesquisas desenvolvidas na disciplina.

Nesse sentido, abordam-se aqui parte dos paradigmas clássicos e contemporâneos da CI e de suas relações com outras áreas do conhecimento. De antemão, cabe ressaltar que a intenção não é esgotar a discussão acerca dos paradigmas da área, mas apenas apresentar de forma didática um sucinto panorama de sua construção epistemológica.

Vale destacar que muitas podem ser as divisões com relação às subáreas específicas e correntes teóricas que compõem a CI. Contudo, baseando-se na classificação feita por Rafael Capurro (2003), neste artigo serão apresentados apenas três paradigmas principais, denominados pelo próprio autor como “paradigmas dominantes”. São eles: o paradigma físico, o paradigma cognitivo e o paradigma social. Obviamente, essa classificação é mais de cunho exploratório do que explicativo. Na verdade, o que se tem sobre a formação da CI são apenas fragmentos, histórias inacabadas que, certamente, com o passar dos anos, sofrerão acréscimos e omissões.

Ao apontar a presença de três paradigmas dominantes na CI, Rafael Capurro busca alertar para a importância de se considerar as “relações análogas, equívocas e unívocas entre diversos conceitos de informação e respectivas teorias e campos de aplicação”

1 Jefferson Veras Nunes é professor Assistente do curso de Bacharelado em Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará, lecionando as disciplinas de Teorias da Informação e da Comunicação, Informação e Sociedade e Fundamentos Teóricos da Biblioteconomia e Ciência da Informação.

Texto extraído do Currículo Lattes

A Ciência da Informação e seus Paradigmas Dominantes:

Breves Reflexões Epistemológicas

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Jefferson Veras Nunes 1

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(CAPURRO, 2003, p. 4). Nesse sentido, optou-se por dividir este artigo em duas partes principais. Na primeira, busca-se apresentar um panorama geral e contextualizado da CI. Na segunda, tem-se o intuito de explorar os limites e as imprecisões de cada paradigma dominante apontado por Rafael Capurro.

2 UMA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Caracterizado pela sucessão de diferentes modelos epistemológicos, o século XX testemunhou o aparecimento de várias disciplinas científicas, influenciadas, principalmente, pelo desenvolvimento das Ciências Sociais. Paralelamente a isso, foi possível assistir também ao aparecimento de um novo saber especializado, e mais do que um saber, uma disciplina científica, cujo objeto é a compreensão da informação em seus mais variados aspectos.

Segundo Araújo (2003; 2009), pode-se dizer que há certo consenso entre os autores da área em torno da ideia de que a CI surgiu em meados do século XX, caracterizada, principalmente, pelo desenvolvimento tecnológico provindo do Pós-Guerra. Logo nos primeiros anos da CI, a discussão em torno do enorme volume de produção científica, bem como dos meios utilizados para gerir essa produção, dava o tom das discussões sobre o papel do campo. Isso resultou no entendimento de que a CI se constituiria, na verdade, numa espécie de “Ciência da Informação Científica”.

Com frequência, aponta-se que a CI foi fortemente influenciada pelo trabalho de Vannevar Bush, intitulado As we may think, divulgado em 1945, no qual o problema da explosão informacional é identificado como algo a ser solucionado pelas máquinas. Além disso, a obra Cybernetics or control and communication, publicada originalmente em 1948, por Norbert Wiener, seguida de Mathematical theory of communication, lançada um ano mais tarde pelos engenheiros Claude Shannon e Warren Weaver, assinalaram o prenúncio do que viria a ser a CI – uma disciplina que, na concepção de Borko (1968), teria como finalidade maior investigar as forças que governam os fluxos de informação1.

Entretanto, ainda que os trabalhos de Vannevar Bush, Norbert Wiener, Claude Shannon e Warren Weaver tenham contribuído de forma significativa para a constituição dessa

disciplina que tem como objeto de estudo a informação, é apenas nos anos 1960 que o termo “Ciência da Informação” passa a ser empregado como nomeação de um novo saber científico. Conforme apontam Loreiro e Pinheiro (1995, p. 42), “é na década de 60 que são elaborados os primeiros conceitos e definições e se inicia o debate sobre a origem e os fundamentos teóricos da nova área”.

Assim, é possível demarcar alguma origem para a CI; pode-se dizer que ela surgiu no bojo das transformações que eclodiram ao redor do mundo a partir da Segunda Guerra. Parte dessas mudanças está relacionada ao crescimento exponencial do volume de informações disponíveis e de seus registros, particularmente em ciência e tecnologia. Diante disso, tornou-se eminente a necessidade de se constituir saberes e disponibilizar ferramentas técnicas que possibilitassem melhor acessibilidade às informações produzidas.

Ao se debruçar sobre a epistemologia do campo, Rafael Capurro (2003) afirma que se pode assinalar a presença de três paradigmas dominantes na CI, a saber: o paradigma físico, o paradigma cognitivo, e, por fim, o paradigma social. Conforme aparece conceituado em Thomas Kuhn (1975), o termo paradigma tem como propósito demonstrar que leis, teorias e modelos cientificamente legitimados podem sofrer mudanças e, assim, ocupar o lugar de destaque no interior de uma disciplina até serem novamente contestados2 . No caso da CI, a tese defendida por Rafael Capurro é de que a área iniciou-se marcada por um paradigma físico, que foi aos poucos sendo questionando pelo paradigma cognitivo, até chegar ao paradigma social, tido hoje como uma das principais tendências de pesquisa do campo (CAPURRO, 2003).

Os diferentes conceitos de informação existentes no interior da CI refletem tensões entre abordagens objetivas e subjetivas do que viria a ser compreendido como informação, e isso pode ser facilmente observado ao se examinar, mesmo que de maneira breve, cada um dos três paradigmas apontados por Rafael Capurro. Assim, cabe questionar: o que a CI toma como informação? Quais as implicações de uma concepção pluralista de informação à constituição da própria CI enquanto saber científico? E, ainda, quais outras disciplinas colaboraram com a CI no estudo dos problemas informacionais? Nesse sentido, a partir daqui,

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abordar-se-á cada paradigma em separado.

3 PARADIGMAS DOMINANTES

3.1 O paradigma Físico

Em seu início, fortemente alicerçada numa concepção fisicista de informação, a CI é identificada como um saber especializado que tem como objetivo principal a organização, processamento, transmissão e recuperação de dados. A essa abordagem, intimamente associada à cibernética de Norbert Wiener e aos impactos científicos decorrentes da publicação de Mathematical theory of communication (também conhecida como “Teoria da Informação”), por Claude Shannon e Warren Weaver, denominou-se “paradigma físico”. Em linhas gerais, esse paradigma defende que há algo, uma espécie de objeto físico, que um emissor transmite a um receptor com a menor interferência externa possível.

Inicialmente apresentada como um sistema de base matemática devotado a estudar os problemas de transmissão de mensagens por canais físicos, como o rádio e o telégrafo, a teoria de Shannon e Weaver não denomina esse “objeto” a ser propalado como informação, mas sim como mensagem, ou, mais especificamente, nos termos dos próprios autores, como “signal” (sinal). Segundo essa teoria, um determinado sinal deveria ser enviado por um emissor a um receptor qualquer de forma que pudesse ser univocamente reconhecido e interpretado. Além disso, o meio pelo qual o referido sinal se deslocaria de um lado ao outro da cadeia deveria estar livre de qualquer ruído (noise) que viesse a perturbar a transmissão.

O principal objetivo deste modelo matemático de comunicação era exatamente medir a quantidade de informação suportável por um canal em dadas circunstâncias, como também identificar e reparar as distorções existentes durante a transmissão. Mesmo se caracterizando como uma técnica da Engenharia de Comunicações, suas proposições, no entanto, logo se demonstraram aplicáveis em outros campos. Assim, a Teoria da Informação influenciou várias outras disciplinas preocupadas em estudar os processos informacionais e comunicacionais de seu tempo.

Neste modelo, defende-se a ideia de que as mensagens existem precisamente para

dirimir dúvidas, reduzir a incerteza em que se encontra um indivíduo – sendo dado como certo o fato de que quanto maior for a capacidade de uma mensagem em eliminar dúvidas, melhor ela será. Aqui, a informação surge como algo que pode provocar não só a redução de incertezas, como também, e principalmente, suscitar uma alteração no comportamento das pessoas a partir da quantidade de informações recepcionadas (COELHO NETTO, 1999).

Contudo, outro aspecto que merece ser destacado com relação à teoria de Shannon e Weaver é que o modelo criado por eles se preocupa apenas com o aspecto quantitativo de uma mensagem. Dimensões subjetivas, como, por exemplo, o conteúdo semântico de uma mensagem ou as motivações de seu produtor são deixadas de lado. Na Teoria da Informação, busca-se codificar uma mensagem numa relação numérica que indica a quantidade de informações presentes nessa mensagem e transmiti-las independentemente da qualidade dessas informações, importando mais o quanto e menos o quê.

O modo objetivo como a informação é abordada tem um impacto quase que imediato em estudos empreendidos posteriormente a respeito da problemática construída com relação à transferência de informação. No campo da CI, a aplicação mais decisiva desse modelo se dá no âmbito dos estudos em recuperação da informação. Essa área, constituída em meados dos anos 1950, é tida por alguns autores como sendo o foco principal da CI (SARACEVIC, 1996)3. Assim, a partir das contribuições da Teoria da Informação, “são elaboradas fórmulas para prever quanto texto pode ser transmitido em cada formato, a partir do repertório de diferentes grupos, respeitando a capacidade de cada canal” (ARAÚJO, 2009, p. 194).

As pesquisas elaboradas pelo Cranfield Institute of Technology (CIT), em 1957, podem ser tomadas como exemplo significativo de estudos realizados com base nos enunciados da teoria de Shannon e Weaver. Os experimentos realizados pelo CIT tinham como objetivo medir os resultados obtidos a partir do uso de um sistema informatizado de recuperação da informação. O êxito do processo de recuperação era medido, principalmente, por meio da relação entre documentos relevantes e documentos recuperados4.

Um dos autores do campo que pode ser tomado como referência do paradigma físico

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da informação é Michael Buckland (1991). Em um artigo publicado há aproximadamente vinte anos, o pesquisador norte-americano não só amplia o conceito de documento, entendendo-o como algo que está para além do texto impresso, como também identifica três usos rotineiros para o termo informação, advogando mais em favor do último do que dos dois primeiros, a saber: “informação como processo”, “informação como conhecimento” e “informação como coisa”. A defesa da ideia de “informação como coisa” se dá justamente pelo fato de esta ser tida como a única forma pela qual a informação pode ser diretamente tratada pelos sistemas de informação. Ou seja, é a partir de sua representação física que a informação pode ser organizada, armazenada e recuperada.

Ao aceitar a ideia de “informação como coisa”, Michael Buckland a concebe como um fenômeno objetivo, dotado de uma existência material e passível de ser registrado. Para o autor, podem ser considerados informação tanto documentos e livros, como também qualquer tipo de objeto que possua valor informativo, o qual, de maneira geral, pode ser qualquer coisa física. Ao defender isto, o autor não faz distinções entre o que pode ser compreendido como dado, informação ou conhecimento. Em sua visão, eventos, objetos áudio-visuais e até animais, dependendo do contexto, podem ser considerados como documentos. Essa perspectiva serviu de fundamento, sobretudo, para as pesquisas na área de organização e recuperação da informação.

Entretanto, uma crítica que é frequentemente feita a este paradigma refere-se à maneira como se percebe o papel do sujeito cognoscente durante o processo de recuperação da informação. De um modo geral, negligencia-se o comportamento ativo do usuário em favor da excelência técnica de um dado sistema de recuperação da informação. Alguns autores perceberam essa limitação e desenvolveram pesquisas que conduzem a uma perspectiva diametralmente oposta àquela adotada pelo paradigma físico, chamada por Rafael Capurro de paradigma cognitivo.

3.2 O Paradigma Cognitivo

Um segundo paradigma identificado como constituinte dos fundamentos teóricos da CI é o paradigma cognitivo. De acordo com Venâncio

e Campos (2006), os estudos erigidos com base numa perspectiva cognitiva na área começaram a ser realizados a partir dos anos 1970, inspirados, principalmente, no “mentalismo” defendido por Bertram C. Brookes (1980), bem como na ideia dos Estados Anômalos do Conhecimento, formulada por Belkin (1982)5.

O principal desafio desta abordagem era exatamente tentar fazer uma distinção entre o conhecimento e o seu registro em documentos; pois, como coloca Capurro (2003, p. 9), “a documentação e, em seguida, a ciência da informação têm a ver [...] em primeiro lugar com os suportes físicos do conhecimento, mas na realidade sua finalidade é a recuperação própria da informação, ou seja, o conteúdo de tais suportes”. Nessa perspectiva, não são necessariamente os suportes físicos o foco da disciplina, mas o seu conteúdo e as maneiras pelas quais se pode representá-lo cognitivamente.

O paradigma cognitivo trata, portanto, da recuperação da informação e foi bastante influenciado pela ontologia de Karl Popper, que, a partir dos escritos de Platão, concebia a existência de três mundos do conhecimento. Para Popper, o mais importante dos mundos é o terceiro, justamente por referir-se ao conhecimento objetivo, conhecido também como o “mundo dos produtos da mente” (POPPER, 1975)6 . Bertram C. Brookes formalizou seu conceito de informação a partir da teoria popperiana e definiu conhecimento como “uma estrutura de conceitos ligados por suas relações e informações [...]” (BROOKES, 1980, p. 131). Para o autor, cada indivíduo possui uma estrutura de conhecimentos, que, por ser tanto subjetiva como objetiva, é afetada e transformada pela aquisição de novas informações.

O autor expressou essa relação entre conhecimento e informação a partir de uma equação, popularmente conhecida como “equação de Brookes”: K[S] + ∆I = K[S + ∆S], na qual a estrutura de conhecimentos é alterada para um novo estado através da ação da informação. Assim, tem-se que: K[S] significa exatamente estrutura de conhecimentos; K[S] + ∆I alude a novo estado de conhecimento; ∆I refere-se à informação; e, por fim, ∆S está relacionado ao efeito de mudança. Com base nessa equação, pode-se perceber que o ato de conhecer está intimamente associado à assimilação da informação pelo indivíduo

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principalmente por meio da experiência. Assim, a absorção da informação em uma estrutura de conhecimentos pode causar não apenas um acréscimo, mas também algum ajuste na própria estrutura (BROOKES, 1980).

A partir da ideia da estreita relação entre informação e conhecimento apontada anteriormente por Brookes, Belkin (1982) avançou nessa perspectiva e idealizou um modelo de recuperação da informação. Para ele, a natureza do estado do conhecimento de um usuário deve ser levada em consideração quando se objetiva compreender o processo de recuperação da informação. Conforme Venâncio e Campos (2006), “o usuário utiliza os sistemas de recuperação ao reconhecer uma anomalia ou um estado de conhecimento inadequado ou incoerente com relação a algum assunto ou problema [...]” (VENANCIO; CAMPOS, 2006, p. 6). A ideia é: ainda que o usuário consiga por si só identificar o estado anômalo no qual está imerso, ele não pode especificar o que é necessário para transpor esta lacuna cognitiva, que foi exatamente o que o conduziu até o sistema.

Nesse sentido, como colocam Venâncio e Campos (2006), “as narrativas de problemas efetuadas pelos usuários são utilizadas pelo sistema de informação para recuperar, de um corpus de textos, um texto apropriado para resolver a anomalia” (VENANCIO; CAMPOS, 2006, p. 6). À medida que o documento recuperado é percebido como a representação de um estado coerente de conhecimento, a pergunta ou o texto relacionado com a necessidade de informação constitui-se como a representação de um estado de conhecimento inadequado, ou, nos termos dos próprios autores, anômalo.

Desse modo, na visão de Belkin (1982), para cada tipo de estado anômalo de conhecimento bastaria então especificar variados mecanismos e estratégias de recuperação da informação. A principal contribuição desta vertente de estudos para a CI foi não só no modo como a área passou a conceber os sistemas de recuperação da informação, mas, sobretudo, na importância que a partir dos anos 1980 passou-se a atribuir à necessidade de informações de um usuário. Afinal, a busca de informações tem sua origem na necessidade que surge quando há o mencionado estado cognitivo anômalo, no qual o conhecimento que o usuário detém não é suficiente para resolver um determinado

problema.Contudo, uma das críticas que

frequentemente é direcionada ao paradigma cognitivo se refere ao fato de que esta perspectiva considera o usuário como um sujeito cognoscente livre de qualquer condicionamento social e material característicos do existir humano e da vida em sociedade. Além disso, o papel da informação se refere, substancialmente, ao preenchimento de gaps cognitivos. Ou seja, nesta perspectiva, não se leva em conta que a aquisição de informações pode gerar mais lacunas do que preenchê-las.

Para Bernd Frohmann (1992), o paradigma cognitivo não apenas é associal, como possui uma visão reducionista do indivíduo que se apropria da informação. Segundo o autor, a construção social dos processos informativos e de suas necessidades é, de certo modo, negligenciada em favor de uma visão que hipervaloriza o individualismo mental do usuário.

3.3 O Paradigma Social

Este paradigma se sustenta na ideia de que os processos informacionais são, antes de qualquer coisa, uma construção social. Defende que nas questões relacionadas, por exemplo, à produção, consumo, distribuição e intercâmbio de informações deve se levar em conta o contexto social. Ao contrário de um ponto de vista objetivo, o paradigma social parte de uma perspectiva subjetiva para compreender o que é a informação. Assim, diferentemente do que pensavam as correntes anteriores, tomando a informação como algo dado e que se constrói de modo externo ao indivíduo, entende que é o próprio sujeito quem tem o poder de discernir o que é ou não informação para si.

Nesta concepção, a informação não é percebida apenas como objeto físico, passível de ser registrado num dado suporte, mas também como algo fluido e impalpável. Mais do que dirimir dúvidas, seu papel é exatamente criar lacunas. Entendida dessa forma, a informação não é algo estático, localizável somente fisicamente; ao contrário, a partir do advento das tecnologias de informação e comunicação, sua natureza tem se tornado cada vez mais híbrida e volátil.

Um dos autores que Rafael Capurro se sustenta para poder traçar as linhas gerais do paradigma social da CI é Jesse Shera, fazendo

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alusão especial ao seu artigo Foundations of a Theory of Bibliography, escrito em parceria com Margareth Egan.

Ainda que as ideias de Jesse Shera sejam com frequência associadas ao seu esforço em propor soluções técnicas para o armazenamento e uso de informações registradas, parece oportuno salientar a visão que o autor possui da área ao caracterizá-la como uma ciência social. De acordo com o pensamento de Jesse Shera (1973), não é possível conhecer os processos intelectuais de uma sociedade através apenas do estudo isolado do indivíduo; ao contrário, é preciso considerar o contexto social no qual este indivíduo está inserido. Dessa maneira, ainda que a necessidade e o desejo de informação se situem num plano individual, não se pode dissociar o indivíduo de sua cultura.

Embora tenha inicialmente se dedicado à busca por respostas relacionadas ao funcionamento dos mecanismos de recuperação da informação, Jesse Shera compreendia que o armazenamento e a recuperação do vasto volume de informações registradas decorridas das inovações tecnológicas surgidas em meados dos anos 1950 não resolveriam per si o problema da geração e acesso aos conhecimentos pela sociedade, em especial a comunidade científica. Para ele, mesmo que todo sistema de informação opere com base na tecnologia, é um erro não considerar o contexto no qual essas informações são produzidas e acessadas.

Assim, sua epistemologia social se destaca exatamente por perceber o ser humano como o personagem principal. Nesse sentido, escreve Shera (1973, p. 90): “a marca da epistemologia social consiste em que ela coloca a ênfase no ser humano e na sociedade como um todo, e todas as suas formas de pensar, conhecer, agir e comunicar”. Dito de outro modo: frente ao acelerado avanço tecnológico testemunhado atualmente, a epistemologia social teria como objetivo humanizar a relação entre indivíduo e máquina no tocante ao fenômeno informacional.

Seguindo esta mesma direção, Bernd Frohmman (1992), em seu artigo intitulado The power of images: a discourse analysis of the cognitive viewpoint, defende a ideia de que a CI se caracteriza como uma prática social e, por esse motivo, assinala que a ênfase em uma visão que tome como referência apenas a ótica cognitiva limitaria o escopo de atuação

do campo. O autor argumenta que o ponto de vista cognitivo desconsidera o mundo social, reduzindo-o a uma minúscula unidade da realidade interna do indivíduo.

Na visão de Frohmman, o paradigma cognitivo pauta-se em um individualismo radical, o qual elimina o papel do social na construção do conhecimento. Segundo esse paradigma, o mundo interior é o único real, verdadeiro e essencial, desconsiderando que o desejo de informação de um indivíduo também está intimamente relacionado às suas experiências, condições de trabalho e comunidades de que participa entre outros aspectos sociais.

Outro autor que participa ativamente na construção do paradigma social da CI chama-se Birger Hjørland. Com formação em Documentação, Biblioteconomia e Psicologia, o pesquisador dinamarquês parte de uma perspectiva diferente daquela adotada por Bernd Frohmman e baseia seu pensamento numa ideia relativista de cognição, da qual se concebe a interação entre fatores mentais e sociais.

Assim, defensor de uma abordagem sócio-cognitiva da CI, Hjørland reconhece tanto méritos como impossibilidades do paradigma cognitivo. Segundo ele, é preciso mudar o foco tradicional do paradigma cognitivo, fortemente influenciado por visões racionalistas, fazendo-se necessário assumir uma perspectiva que enfatize o papel da cultura na cognição (HJØRLAND, 2000).

Em parceria com Albrechtsen, Birger Hjørland (1995) propõe um modelo de pesquisas chamado “análise de domínio”, que tem como principal objetivo perceber os mecanismos básicos do comportamento informacional do usuário, levando em consideração não só aspectos cognitivos, mas também sociais. Neste modelo, reforça-se a ideia de que os atuais sujeitos produtores, consumidores e mediadores de informação são, ao mesmo tempo, seres individuas e sociais. Além disso, essa perspectiva também destaca a importância de se estudar a relação do indivíduo com a informação num contexto mais amplo, no qual se deve atentar para fatores sociais, culturais, econômicos, políticos e outros.

Nesse sentido, admite-se que nem a informação está isolada, tampouco o indivíduo. Ao passo que vivenciam experiências pessoais e intransferíveis, os contemporâneos usuários

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da informação também estão em contínua interação com outros seres humanos e com o mundo que os cerca. Dessa forma, a CI deve se preocupar não apenas com a informação de uma maneira objetiva, mas buscar compreendê-la levando em consideração o indivíduo e sua relação com o entorno.

Esta perspectiva complexifica o entendimento da área sobre o seu objeto de estudo – a informação –, estendendo os limites teórico-metodológicos do campo para além de suas atuais fronteiras disciplinares. O paradigma social contribui, assim, para a constituição de uma CI transdisciplinar.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A parir desse breve exame sobre cada um dos paradigmas apontados por Rafael Capurro como paradigmas dominantes da CI, pôde-se perceber as diferentes maneiras através das quais a área compreende seu objeto de estudo. Não há definições precisas e claras sobre o que é informação; no entanto, a análise realizada neste artigo mostra que o conceito que a disciplina possui de informação comporta características objetivas e subjetivas. Por vezes, acredita-se que a informação existe a priori, de maneira externa ao indivíduo; já em outras, tem-se uma concepção mais subjetiva e leva-se em consideração a complexa relação existente entre indivíduo, informação e contexto social.

Provavelmente, por conta dessa pluralidade de entendimentos e afiliações interdisciplinares, questões sobre a identidade da CI, seus fundamentos teóricos e metodológicos, assim como sua inserção no âmbito das Ciências Sociais, ainda não podem ser respondidas de modo preciso. Talvez, essa imprecisão seja uma característica positiva da área. Um objeto volátil como a informação requer uma ciência que desfrute do mesmo grau de dinamicidade, ou seja, que esteja em constante movimento. Fixidez é um atributo que, com certeza, não cabe reivindicar na atual composição da CI.

Fenômenos contemporâneos, como, por exemplo, o surgimento e a proliferação de sites de redes sociais – possivelmente uma das manifestações mais expressivas da sociedade da informação –, desafiam a área a lançar mão dos seus saberes para compreender a dinâmica dos fluxos de informação que emergem nesses ambientes. De maneira descentralizada, a informação se forma nesses espaços com a

mesma velocidade com que se desfaz. Mal ela surge e já é sobreposta por outras.

As redes sociais existentes na internet trazem consigo diversas ferramentas e recursos que dão aos indivíduos inúmeras possibilidades de estabelecer comunicação de modo interativo, seja entre os próprios usuários, entre estes e os sistemas, ou, ainda, entre os usuários e as informações que circulam livremente na web. Assim, não é apenas a informação gerada de modo objetivo e veiculada por intermédio da técnica; há também aspectos subjetivos que assinalam os contornos de um momento histórico marcado pelo advento de outras formas de trabalho coletivo, de novas trocas afetivas, e, ainda, de produção e circulação de informações em massa.

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NOTAS

1 Em um momento no qual o American Documentation Institute havia recentemente mudado de nome para American Society for Information Science, Borko (1968) define a CI como uma “ciência [que] tem como objeto a produção, seleção, organização, interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso da informação (BORKO, 1968).

2 Para Thomas Kuhn, o sucesso ou o predomínio de um paradigma científico está, na maior parte, associado às estruturas sociais e aos fatores sinergéticos, incluindo-se os eventos externos ao mundo científico (KUHN, 1975).

3 Segundo Belkin (1990), o papel da CI é facilitar a efetiva comunicação da informação registrada entre quem produz e quem usa determinada informação através, principalmente, dos processos de recuperação.

4De acordo com Capurro (2003), tais pesquisas podem ser tomadas como um dos marcos do paradigma físico da CI, e, dentre os conceitos centrais presentes nessa perspectiva, destacam-se os de revocação e precisão, que operam com base na ideia de promover uma recuperação mais precisa, com uma quantidade satisfatória de itens relevantes.

5Conforme aponta Ørom (2000), enquanto o paradigma físico caracteriza-se, principalmente, por suas bases matemáticas, o paradigma cognitivo possui um forte caráter interdisciplinar, envolvendo premissas de outras disciplinas como a Psicologia, Matemática e Comunicação.

6 A Teoria do Conhecimento Objetivo de Karl Popper há tempos já é amplamente conhecida no meio acadêmico e, por conta disso, optou-se por resumir os seus postulados. Segundo o filósofo, o Mundo 1 é constituído pelos conhecimentos relacionados ao mundo físico, como a geologia, a biologia etc. (“o mundo dos estados materiais”); enquanto que o Mundo 2 compreende os conhecimentos relativos ao mundo metafísico ou àqueles elementos referentes aos estados mentais e à subjetividade, como a psicologia e psicanálise entre outras disciplinas. Ou seja, os Mundos 1 e 2 problematizam os fenômenos físicos e metafísicos. Já o Mundo 3, denominado também como o mundo do conhecimento objetivo, caracteriza-se como “o mundo dos inteligíveis ou das ideias no sentido objetivo” (POPPER, 1975, p. 152), e, por esse motivo, está relacionado ao conhecimento objetivo, registrado.

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RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo discutir os problemas relacionados à leitura literária e como devemos trabalhá-la em sala de aula de maneira prazerosa. Para isso, buscamos refletir sobre a relação da literatura com o meio social que, atualmente, encontra-se desvinculada da realidade, devido ao estudo sistemático das escolas. Nossa intenção é conscientizar os alunos sobre a importância da prática da leitura literária e também chamar a atenção dos professores de Literatura para o ensinamento desta de maneira diferenciada. É necessário encararmos o texto literário como participante do processo de mobilização do pensamento humano e que, através dele, é possível formarmos cidadãos conscientes de seus direitos e responsabilidades sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Saberes. Recepção.

ABSTRACT: This paper aims to discuss the problems related to literary reading and how to work it in class so enjoyable. For this, we reflect on the relationship between literature and the social environment that currently is detached from reality, due to the systematic study of schools. Our intention is to educate students about the importance of the practice of literary reading and also draw the attention of teachers to the teaching of literature in a different way. It is necessary to face the literary text as a participant in the mobilization of human thought and, through it, it is possible to form citizens aware of their rights and social responsibilities.

KEYWORDS: Literature. Knowledge. Reception.

2 Lídia Barroso Gomes é graduanda em Letras Espanhol, pela UFC. Tutora do Grupo de Estudos Literatura História e Outros Sa-beres e bolsista do AEC-Acervo do Escritor Cearense.

A Leitura Literária e a Formação do Leitor Consciente1

Lídia Barroso Gomes2

Odalice de Castro Silva 3

3Odalice de Castro Silva tem PhD pela Universidade Federal da Paraíba e experiência na área de Letras com ênfase em Teoria Literária, nos temas Crítica- escritura-crítica dos escritores. Atualmente é ASSOCIADO II da UFC.

Textos extraídos do Currículo Lattes

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Discutiremos neste trabalho a função da leitura literária e a formação do leitor consciente, pois, a literatura, além de abordar temáticas que estão intrinsecamente ligadas ao homem, ou seja, na relação deste com o meio em que vive, exerce ainda papel fundamental na formação do pensamento crítico, mostrando-nos que este é produzido por meio da leitura reflexiva que ocorre a partir da recepção.

Diante da compartimentação dos saberes, à qual estamos submetidos, uma questão nos põe em desafio: como devemos trabalhar a leitura literária em sala de aula e formar leitores conscientes, num contexto em que a função da Literatura se encontra cada vez mais distante da realidade de nossas escolas e universidades, devido à forma de ensino adotada.

Assim, faz-se necessário discutirmos acerca dos conceitos de literatura, saberes e recepção que são fundamentais para a formação do leitor, pois, a partir deles será possível haver uma reflexão daquilo que se lê, como também, uma organização de ideias a serem expostas.

Ao trabalharmos o conceito de literatura, detemo-nos no pensamento de Antonio Candido (2004), que considera como literatura todas as criações de caráter poético, ficcional e dramático, considerando que cada sociedade a representa de acordo com sua cultura. Deste modo, praticamente não existe civilização que possa viver sem ela. Para enriquecimento deste conceito, também voltamos nossa atenção para as reflexões de Edgar Morin (2010) que defende a literatura como esclarecedora das incertezas humanas, levando-nos às primeiras experiências de modo vívido e ativo.

Ao nos referirmos aos saberes, ou seja, às mais diversas áreas do conhecimento, assim tratadas por Edgar Morin (2007), dentre estas a literatura, constatamos que se encontram separadas o que ocasiona uma falta de interação entre os objetos estudados e seus contextos. O que era considerado complexo passa a ser simplificado, contribuindo para um atrofiamento do pensamento e da inteligência humana, pois, vivemos um mundo de saberes compartimentados.

Ao discutirmos o conceito de recepção, detemo-nos no pensamento de H. R Jauss (1995), que afirma ser esta o nível de contato do leitor com uma obra, tornando-se imprescindível a compreensão da literatura pertencente ao passado e a sua relação com o presente, possibilitando aos leitores a realização de diferentes interpretações da obra

literária.Nossa pesquisa está concentrada em

reflexões que se voltam para a problemática da fragmentação dos saberes que tem afetado as diversas áreas do conhecimento, dentre estas a literatura. Com a preocupação de chamar a atenção de estudantes e professores para a importância da formação de leitores conscientes, propomo-nos a discutir o pensamento de alguns especialistas que nos possibilitam perceber a relação entre iteratura e realidade.

Quando refletimos sobre a importância da literatura para as sociedades, observamos que sua função se encontra esquecida no tempo, o que tem influenciado, não apenas estudantes secundaristas, mas, também universitários, a não perceberem a relação que existe entre literatura e realidade. É comum encontrarmos estudantes que têm aversão ao texto literário, atribuindo a este um caráter de coisa imaginativa sem utilidade, ou quando têm algum interesse por alguma ficção, esta funciona apenas como um passatempo. Segundo Edgar Morin (2010, p.48),

[...] livros constituem “experiências de verdade”, quando nos desvendam e configuram uma verdade ignorada, escondida, profunda, informe, que trazemos em nós, o que nos proporciona o duplo encantamento da descoberta de nossa verdade na descoberta de uma verdade exterior a nós, que se acopla a nossa verdade, incorpora-se a ela e torna-se a nossa verdade [...]

A leitura consciente importuna nossa ignorância, noutras palavras: o conceito que temos de verdade, adquirido desde as primeiras experiências de vida, é colocado em dúvida a partir do contato que temos com outras ideologias, estas realizam uma exploração do recôndito e modificam nossas crenças.

Estas questões nos põem a refletir sobre o poder da linguagem em suas diversas manifestações, seja no ato de fala, na expressão corporal, nos sinais gráficos e a linguagem escrita que abarca a prosa e a poética.

Inicialmente, quando presenciamos algum posicionamento contrário à literatura, somos motivados a discuti-lo; mas quando passamos a analisar esta situação, compreenderemos que há um contexto que rege o caso. Para isso, é necessário que tomemos conhecimento dos influenciadores de determinadas atitudes. Na maioria dos casos, quase de modo geral, a aversão aos textos literários está relacionada

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à maneira como eles são apresentados aos alunos pelas escolas.

O texto literário ficou restrito à disciplina de Literatura, separadamente, das outras áreas do conhecimento, como a História, a Filosofia e a Sociologia, resultando num estudo compartimentado que propõe um acúmulo de informações e não se pratica um diálogo dos saberes entre si e sua aplicação à realidade. Edgar Morin (2010) afirma que o saber acumulado para nada serve, atuando apenas como um “enchimento de cabeças”.

A compartimentação dos saberes tem atrofiado e cauterizado as mentes. Atualmente, já não se sabe o que é pensar, refletir, interagir. Estamos submissos à obediência de fórmulas e encaramos tudo como algo terminado, neste plano situaram a literatura.

Nosso maior desafio é: como formar leitores conscientes sobre a função da literatura? Paulo Freire (1981) afirma que o contato com a leitura nos põe ante nossas próprias experiências. O ato de ler não se reduz à escrita, mas afirma que a linguagem se antecipa e se alonga na inteligência do mundo, porém, a leitura daquela implica na continuidade da leitura desta. É necessário mostrarmos ao educando que o livro nos “distancia” da realidade, propositalmente, para que venhamos a compreendê-la. A literatura nos leva à compreensão humana por meio das ficções e de seus personagens. Através da poesia ela nos põe ante o mistério e o indizível, ou seja, a linguagem poética não nos afirma algo, mas, sugere, deixando a interpretação a cargo daquele que lê.

Encontramos, neste contexto, a estética da recepção tratada por Jauss que afirma ser o leitor ideal aquele que abandona o psicologismo e passa a ser crítico. Este leitor é capaz de relacionar diversas leituras, de acordo com seu horizonte de expectativa. Cada vez que lemos um determinado texto, somos capazes de ampliar a visão que temos dele.

Sob o ponto de vista de que há pluralidade no texto, a releitura deve ser encarada como uma necessidade. Para isso, a própria leitura tem que assumir um caráter plural. Roland Barthes defende que uma leitura não seja tomada como única e definitiva. Isto nos leva a compreender que as diversas interpretações são renovadas em cada leitura. Em outras palavras, a leitura superficial deve ser deixada de lado e o leitor, por sua vez, deverá adotar comportamento contrário à leitura inocente.

Diante da temática abordada, concluímos

que ainda é possível construir um leitor consciente. Cabe a nós conscientizarmos nossos educandos de que a Literatura nos leva a dialogar com a incerteza. Além de nos distrair, ela assume uma função mais importante que é a da instrução. As obras literárias nos desprendem da realidade para nos colocar em contato com o nosso interior e redescobrimos o outro e o mundo, a fim de agirmos conscientemente.

REFERÊNCIAS

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MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá Jacobina. 17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

NOTA

1Artigo produzido a partir do grupo de estudo Literatura, História e Outros Saberes, coordenado pela professora Odalice Castro Silva

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RESUMO: Neste artigo procuramos discutir o trabalho de leitura e pesquisa no Acervo do Escritor Cearense – AEC, lugar privilegiado da memória cultural cearense. O AEC está sob a coordenação da Professora Doutora Maria Neuma Barreto Cavalcante e reúne os arquivos pessoais dos escritores Moreira Campos, Natércia Campos e Gilmar de Carvalho. O AEC tem a função de salvaguardar a memória dos escritores que estão ali representados. As discussões que apresentamos neste texto são resultados das pesquisas realizadas com os manuscritos literários dos escritores referidos anteriormente, incluindo, também, a organização, a coleta, a leitura e o estudo do manuscrito literário. Para fins de pesquisa, utilizamos metodologia teórico-bibliográfica, atrelada ao pensamento de Artières (1998), Cury (1993), Derrida (2001), dentre outros teóricos. Através da leitura e da pesquisa nos documentos do AEC encontramos manuscritos literários (memória do texto impresso), rascunhos, rasuras, minúcias do ato de escrever, fotografias, livros, objetos pessoais, documentos do cotidiano de cada autor, dentre outros objetos que servem de materiais de estudo às muitas áreas do saber. Estes documentos são alvos de pesquisas complexas e até de certo modo demoradas, as quais exigem dedicação e tempo por parte do pesquisador. Portanto, cônscios da importância cultural dos arquivos de escritores como residência da memória, esperamos que este texto contribua para o conhecimento de nossas pesquisas e trabalhos, servindo de estímulo para a preservação e divulgação do AEC enquanto espaço vivo da memória cearense.

PALAVRAS-CHAVE: Arquivo. Memória. AEC. Pesquisa. Leitura.

A Leitura e a Pesquisa nos arquivos Pessoais do AEC-UFC

Margarida Pontes Timbó1

Maria Neuma Barreto Cavalcante2

1 Margarida Pontes Timbó atualmente é estudante do Curso de Mestrado da Universidade Federal do Ceará- UFC, atuando em projetos de pesquisa na área de Arquivos de Escritores, Preservação e Divulgação, estudos direcionados, especialmente, à crítica genética, sob a orientação da Professora Doutora Maria Neuma Barreto Cavalcante.

2 Maria Neuma Barreto Cavalcante tem mestrado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1979) e doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1992). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Ceará.

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1 INTRODUÇÃO

Este texto procura tecer algumas considerações sobre o trabalho de leitura e pesquisa no Acervo do Escritor Cearense – AEC, localizado no segundo piso da Biblioteca do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará.

O AEC da UFC funciona como local vivo da memória cultural cearense, já que, desde 2005, abriga o Arquivo pessoal do escritor Moreira Campos, bem como o de sua filha, a também escritora Natércia Campos. Recentemente, também compõe o Acervo o arquivo pessoal do escritor Gilmar de Carvalho.

No início de sua formação, o AEC esteve vinculado ao Instituto de Cultura e Arte da UFC – ICA/UFC, administrado, então, pela Professora Doutora Angela Maria Rossas Mota Guitiérrez. Na verdade, a proposta de criação do AEC surgiu do projeto “Memória de uma vida criativa: O Arquivo pessoal do escritor José Maria Moreira Campos”, elaborado para o concurso de Professor-Visitante da Universidade Federal do Ceará – UFC, em meados de 2004, pela Professora Doutora Maria Neuma Barreto Cavalcante que, na época, era pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo – IEB/USP, onde atuava como curadora do arquivo do escritor José Guimarães Rosa. O referido projeto tinha como propósito organizar o acervo de Moreira Campos. Logo após o falecimento de Natércia, a família Campos somou os espólios da escritora aos de Moreira, oferecendo a curadoria à Professora Doutora Maria Neuma Barreto Cavalcante que, atualmente, é a responsável direta e coordenadora dos trabalhos realizados no AEC.

Nesta perspectiva, podemos constatar que a UFC se junta a outros equipamentos culturais tanto de iniciativa pública como privada, os quais se dedicam à aquisição e manutenção de acervos, tais como: a Fundação Casa de Jorge Amado (BA), a Casa de Juvenal Galeno (CE), a Casa de Gilberto Freire (PE), a Casa de José Américo (PB), o Arquivo de Érico Veríssimo (RS), a Fundação Câmara Cascudo (RN), o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-SP), o Acervo de Escritores Mineiros, o Centro de Estudos Literários (UFMG), a Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ), a Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, o Centro de Estudos Murilo Mendes (UFJF), o Centro de Pesquisas Literárias da

PUCRGS (RS), o Instituto Moreira Sales (SP), dentre outros. Desta forma, entendemos que uma das funções das universidades consiste em garantir a divulgação e a preservação da cultura para a manutenção da memória nacional.

Vale ressaltar ainda que um dos objetivos do AEC consiste em salvaguardar a memória dos escritores que estão ali representados. Além disso, os arquivos de escritores são considerados locais vivos da memória de uma época, ainda que esteja transformada pelo ponto de vista do artista. Então, num acervo podemos encontrar manuscritos literários (memória do texto impresso), rascunhos, fotografias, livros, objetos pessoais, documentos do cotidiano de cada artista, dentre outros objetos de estudo.

Neste âmbito, a importância da pesquisa realizada num acervo está direcionada para as áreas sociológica, artística, cultural e econômica, atuando como um complexo sistema e não como uma coleção de dados isolados, haja vista seu valor cultural, comportando muitos interesses às áreas do saber. Desta forma, cria-se uma relação multidisciplinar de estudos.

Em suma, fazer a leitura e desenvolver a pesquisa num arquivo de escritor é um desafio instigante para o pesquisador literário, pois além de se deter sobre o processo de criação verbal, descobre-se nos documentos autografados uma relação de causa e efeito entre suas hipóteses e o objeto de trabalho propriamente dito, fruto de uma memória e de uma mente criativa.

2 ARQUIVO E MEMÓRIA

Desde os primórdios o homem sempre sentiu necessidade de contar histórias e guardar suas memórias. Assim, arquivando as memórias e repassando aos descendentes um pouco das histórias dos seus antepassados, o homem garantiria a sobrevivência de sua cultura a sociedades futuras.

A partir daí podemos levantar alguns questionamentos, tais como: por que os indivíduos sentem necessidade em preservar arquivos, correspondências, convites, fotografias, manuscritos, recortes, diários, agendas; por que arrumamos, organizamos, desarrumamos, jogamos fora aquilo que não nos serve mais; por que reclassificamos, rasuramos, riscamos, sublinhamos e

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manipulamos a existência como se quiséssemos construir uma imagem para nós mesmos e para os outros?

Grosso modo, guardar é, antes de tudo, um ato ou atitude de arquivar procedimentos intimamente ligados a uma exigência social, ou mesmo a uma intenção bibliográfica, como nos lembra Philipe Artières (1998). É basicamente uma atitude parecida com aquela que o referido autor denominou de “arquivamento do eu” (op. cit., 1998), ou seja, a necessidade inerente ao homem de uma intenção quase autobiográfica, cujo movimento de subjetivação consiste na construção de si mesmo. O referido autor ainda acrescenta que “escrever um diário, guardar papéis, assim como escrever uma autobiografia, são práticas que participam da preocupação com o eu” (ARTIÈRES, 1998, p.11).

Logo, a prática de “arquivamento do eu” não se dá de forma neutra, isto é, ela tem propósitos e fundamentos, como a função e o valor social dos arquivos de vida, a prática de arquivamento e a intenção autobiográfica. Arquivar é manter a história de nossas vidas um pouco organizada, afiançando também o direito à informação.

Em contrapartida, sempre existiu uma problemática envolvendo os arquivos, pois além de tudo estão em jogo interesses político-ideológicos, especialmente, entre o público e o privado, como também o valor social dos arquivos. A priori, no século XVI o documento escrito, antes privilégio dos sábios, monges e reis, figurava como testemunho da História. Para tanto, os arquivos apresentaram, durante muito tempo, apenas uma dimensão histórica. Somente a partir do século XIX, razões de ordem administrativas determinaram a interferência do poder público nos arquivos, atribuindo-lhes novos sentidos, como a construção da memória e a escrita da História, fornecendo provas jurídicas que garantissem a consolidação e a legitimação do novo Estado. Em seguida, com a Revolução Francesa e a criação dos Arquivos Nacionais, germinou uma nova concepção de arquivo figurando a serviço do cidadão. Então, o caráter sigiloso dos arquivos em poder do Estado foi substituído pela efetivação do princípio de publicidade.

Já durante o século XIX, apesar de os arquivos terem assumido novo papel para a sociedade, como fonte para a História, pensada

esta como disciplina autônoma, regulada por princípios, o acesso aos documentos estava restrito aos historiadores. Após a Segunda Guerra Mundial e a conquista do direito à informação, incluído na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o acesso aos arquivos passou a ser regulado por uma legislação específica, deixando de ser privilégio dos historiadores (COSTA, 1998).

A própria etimologia da palavra “arquivo” remete ao pensamento de traçar um caminho a ser percorrido por outros, muitos direcionamentos os quais devem ser seguidos:

A palavra arquivo guarda na sua origem grega, o sentido de “palácio”, residência dos principais magistrados. Por isso a origem semelhante a arconte (nome que designa os magistrados da antiga Grécia). O verbo grego do qual se origina a palavra significa “ir à frente, guiar”. Daí também archote que ilumina, que abre caminho (CURY, 1993, p.87).

Destarte, arquivar é direcionar o outro para um dado percurso, seja este de pesquisa, estudo ou informação. Com efeito, gravar e arquivar nos parecem muito necessários, pois além da organização garantem a preservação de uma memória. De tal modo se torna uma prática tão indispensável como catalogar cada momento de nossa existência, assegurando a preservação e a manutenção da memória individual, que se fundamenta na memória do grupo social.

No tocante à pesquisa em arquivos de escritores, muitas discussões já foram traçadas sobre a nomenclatura correta a ser utilizada quanto às características de um arquivo. Assim, seria mais conveniente usarmos o termo “acervo” ou o termo “arquivo”? Na verdade, para nossas reflexões aqui explanadas pouco importa a denominação, mas temos consciência de que nenhuma definição ou classificação pode ser feita de forma simplista.

Entretanto, posicionando-nos como críticos e pesquisadores, optamos por utilizar o termo “arquivo” por julgarmos que ele comporta, em sua carga semântica, a finalidade prática do trabalho com as fontes primárias. Deste modo, constatamos que nos arquivos de escritores há um ajuntamento de documentos, arquivados por eles, de maneira consciente ou inconsciente, tornando-se organismos vivo da memória.

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Nesta direção, os debates compreendendo a memória têm sido bastante recorrentes entre os pesquisadores atuais. A partir disso, acreditamos ser importante repensar o conceito de “memória”, pois de certo modo nossas discussões privilegiam a abordagem do arquivo do escritor sob o ponto de vista de um lugar privilegiado de memória, e ainda, rico em pesquisa, basta ser que lembremos o pensamento de Le Goff (2003, p.419):

Fenômeno individual e psicológico, a memória liga-se também à vida social. Esta varia em função da presença ou da ausência da escrita e é objeto da atenção do Estado que, para conservar os traços de qualquer acontecimento do passado, produz diversos tipos de documentos/monumentos, faz escrever a história, acumular objetos. A apreensão da memória depende deste modo do ambiente social e político: trata-se da aquisição de regras de retórica e também da posse de imagens e textos de apropriação do tempo.

Vale destacar que o surgimento da escrita favoreceu as muitas possibilidades de a memória permanecer viva para as pessoas. A escrita está presente em todos os setores da vida humana, é por meio dela que a existência se perpetua. Para existir, o indivíduo precisa inscrever-se no mundo, seja por meio de documentos, registros civis, fichas médicas, escolares, bancárias, policiais, enfim, é preciso provar e guardar a memória do eu, pois até mesmo o progresso é de natureza escriturária. “Para ser bem inserido socialmente, para continuar a existir, é preciso estar sempre apresentando papéis, e toda infração a essa regra é punida” (ARTIÈRES, 1998, p. 13). Como a linguagem falada, a linguagem escrita se manteve armazenada em limites físicos que vão além do nosso corpo, como por exemplo, em bibliotecas, em arquivos, em museus, dentre outros “lugares de memória”, cuja função também é de preservação do conhecimento humano. Então, o arquivo é o lugar da voz e do silêncio, nele estão registrados não apenas os traços de uma memória, mas também os traços de outras memórias. Assim sendo, manter os arquivos é garantir a existência no cotidiano.

Retomando um pouco o pensamento de Nietzsche (1983), podemos considerar que não existe memória sobrevivente ao esquecimento. Logo, é preciso esquecer para se lembrar. Igualmente, salientamos a importância dos suportes e entidades culturais que resgatam

a memória, ou seja, precisamos nos esquecer ou guardar as lembranças em algum lugar para não sobrecarregarmos nossas mentes com memórias que em determinado momento são dispensáveis, e um desses lugares são justamente os arquivos de escritores.

Para tanto, realizar a leitura de um arquivo consiste em recuperar a memória através de vários recortes, pois “o leitor de um arquivo tem a sensação de enfim estar tocando o real” (FARGE apud CURY, 1993, p.87), já que lida com o objeto artístico em sua fase primária. Por consequência, os resultados de uma pesquisa em arquivo apontam para várias direções, as quais podem gerar diferentes perspectivas, dependendo do olhar e da postura do pesquisador ou arquivista. Estes por sua vez, trabalham com a re-leitura de um passado, com o re-arranjo dos dados e por que não dizer de uma memória.

Desta maneira, no ato de leitura do arquivo de escritor nos interessa absolutamente tudo, e o principal, decidir o que fazer deste tudo: como usar a diversidade de materiais de estudo para a preservação da memória cultural. Assim, definidas as propostas de trabalho, bem como a seleção do material de pesquisa, o estudioso se depara com a multiplicidade de valor cultural existente em seu objeto de análise, e claro, limita sempre o corpus de sua pesquisa.

3 A LEITURA E A PESQUISA NOS ARQUIVOS PESSOAIS DO AEC-UFC

O Acervo do Escritor Cearense – AEC tem em seu cerne um forte caráter memorialístico, pois figura como organismo vivo da memória. Como já foi mencionado, nele estão os manuscritos literários dos escritores Moreira Campos, Natércia Campos e Gilmar de Carvalho. A organização dos manuscritos, bem como sua catalogação ainda está sendo feita, haja vista a extensa quantidade de documentos, a falta de apoio financeiro e até mesmo a ausência de pesquisadores que se interessem por tal trabalho.

Para se constituir um arquivo, os documentos precisam apresentar um poder arcôntico de unificação, identificação e classificação, isto é, um poder de consignação, pleiteando a ótica de Derrida (2001), ou seja, no trabalho em arquivo é necessário “coordenar em um único corpus, sistema ou sincronia,

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todos os elementos que se articulam em uma unidade” (DERRIDA, 2001, p.14).

De acordo com a leitura realizada nos documentos do AEC percebemos que há uma extensa diversidade de material de trabalho, que garante o diálogo entre as artes e as várias áreas do saber. Assim, podemos encontrar: manuscritos literários, rascunhos de textos, notas de aula, livros, cadernetas, disquetes, cadernos, fotografias, jornais, revistas, comprovantes bancários, registros de nascimento, batistério, objetos pessoais, como tapetes, faqueiros, quadros, porta-retratos, dentre outros. Há um diálogo entre as artes nos arquivos, como bem nos diz Reinaldo Marques: “[...] a coexistência, nos acervos literários, de fotos, pinturas e esculturas juntamente com textos verbais poéticos e ficcionais já aponta para efetivo diálogo entre as artes” (MARQUES, 2000, p.36). Em regra, no AEC cada arquivo dos escritores ali representados possui traços particulares do seu dono. Então, os arquivos acabam formando elementos que têm vida própria, com características e peculiaridades.

Desta forma, os arquivos do AEC apresentam funções diferentes, dependendo de quem o arquiva e de como realiza esse arquivamento. Assim, os pesquisadores ou “ratos de arquivo” (DERRIDA, 2001) são os responsáveis pela organização, higienização, indexação e catalogação dos documentos, os quais devem ser preservados como patrimônio cultural e um lugar privilegiado da memória.

Nesse sentido, o pesquisador de arquivo e o arquivista também se tornam “agentes de formação da memória”3 , isto é, a tarefa desses pesquisadores consiste em desconstruir a intenção que totalizou o arquivo, desvelar o caráter fragmentário, de artifício, de construção social, desconfiando daquilo que se acha a princípio como sendo natural. Os pesquisadores de arquivos acabam criando e filtrando os materiais que julgam mais importante. Assim também modificam, por meio de uma impressão subjetiva e de uma intervenção arquivista, os critérios de seleção e os procedimentos técnicos de arquivamento. (parágrafo 27)

Neste sentido, o trabalho de leitura de um arquivo não é um trabalho neutro e imparcial, depende muito da atitude do pesquisador em organizar o arquivo, fazendo com que

sejam discutidos os critérios de seleção e os procedimentos técnicos, tornando a construção da memória coletiva, bem como o acesso a ela mais aberto e democrático.

Como sabemos, Pierre Norra (1993) foi o primeiro a cunhar a expressão “lugar de memória”, referindo-se aos locais materiais ou imateriais nos quais uma determinada nação ou um cidadão se vê representado. Assim sendo, podemos afirmar que o AEC de fato se configura como um lugar de memória, pois a materialidade que abriga pode servir de pesquisa a várias áreas do conhecimento, como a Literatura, a História, a Biblioteconomia, a Arquivologia, a Sociologia, a Fotografia, entre outros.

O trabalho e a pesquisa em arquivos literários exigem cada vez mais uma perspectiva transdisciplinar, de colaboração entre os diversos saberes. Isto quer dizer que demanda tanto a confluência de disciplinas afins quanto um diálogo interartístico.

De tal modo, a interface entre as artes e as outras áreas do conhecimento como a História, a Literatura, a Arquivística e, sobretudo, a Biblioteconomia, amplia as formas de pesquisa em arquivos de escritores.

No entanto, muito ainda precisa ser feito para consolidar o AEC enquanto espaço cultural e memorialístico. A divulgação da vasta documentação existente neste local proporciona o conhecimento para futuros pesquisadores que se interessem em investigar esse complexo multidisciplinar que é um arquivo de escritor. Até mesmo os problemas físicos como o cuidado e a preservação dos arquivos resulta num diálogo com outros especialistas. Ao manusear documentos valiosos cuja vida implica certo tempo, não podemos ignorar os perigos decorrentes de agentes químicos, de umidade, de iluminação inadequada, etc. Assim também a possibilidade de trabalho num arquivo admite um intercâmbio de experiências entre os historiadores, os sociólogos e os literatos com profissionais relacionados aos arquivos históricos e centros de documentação. Nesta direção, são plausíveis as discussões sobre contexto histórico e cultural dos documentos e sobre a problemática atinentes à memória social.

Conforme o pensamento de CURY (1993, p.88):

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O estudo em arquivos ou acervos nos reitera que voltar os olhos para a releitura do passado adquire sentido se o nosso olhar nos trouxer também uma compreensão iluminadora do presente. E como a pesquisa em arquivos, mais do que qualquer outra, pressupõe a mão que recorta e re-une, mais do que qualquer outra também encena, em mosaico, a memória e a história do pesquisador e da crítica de forma mais explícita.

Nesta direção, o pesquisador que se

debruça sobre a análise dos materiais contidos nos arquivos exerce uma atuação direta como crítico, procurando flagrar o escritor em seu momento íntimo do labor artístico. Assim, como afirma Cury (op. cit., p. 91), “o arquivo, tomado como espaço vivo e aberto a recortes que encenam novas realidades, pode ser compreendido como uma metáfora do próprio fazer literário e suas múltiplas possibilidades de configuração”. De tal modo, a memória do escritor vive em sua obra e em seu arquivo. Logo, pesquisar e estudar arquivos e acervos de escritores é tentar compreender a função social do escritor, fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra.

A pesquisa que realizamos no AEC é um trabalho de diálogo entre indícios. Ora, o arquivo volta à vida, saindo de seu estado latente no momento em que é observado, analisado, pesquisado, dependendo, sobretudo, dos objetivos do pesquisador e da forma como o arquivo pretende se mostrar.

Para Cury (1993, p.90):

Reler os arquivos e acervos é fazer ecoar as vozes, de novo cheias de juventude, dos escritores, embora já carregadas dos timbres da produção futura já conhecida do leitor. Pode significar adentrar a pessoalidade do escritor, na forma como organizou sua biblioteca, nos objetos que conservou, nos bilhetes de teatro que guardou e que nunca são mudos para o olhar atento que os escolhe e relaciona. Fazer falar as fontes é voltar o olhar para as ruas das cidades em cujos calçamentos ainda ressoam os passos de escritores e intelectuais e os seus sonhos de mudança. É procurar ouvir o murmúrio dos que lotavam as salas de teatros e cinemas, dos que acompanhavam com paixão a leitura de manifestos, dos que riram com os espetáculos de circo. É de novo ouvir o aplauso do público ou acompanhar pela imprensa o percurso de determinada palavra.

Apesar de extensa, a citação acima depõe a favor do olhar que criamos hoje sobre o passado, ou seja, um espaço de

tempo em que as memórias explicam um pouco de si. A releitura do ontem e a análise do hoje preenchem o vazio cultural que se estende por muitas gerações. Daí dizermos que os trabalhos desenvolvidos no AEC são fruto de uma necessidade incessante para compreendermos um pouco de nossa memória social.

Entretanto, resgatar a memória histórica, cultural e linguística de uma comunidade é tarefa que se defronta com inúmeras barreiras. Falta-nos espaço físico adequado, apoio financeiro, incentivo e reconhecimento da academia e mesmo pessoas compromissadas com este projeto.

Portanto, resta-nos trabalhar, ler e divulgar os arquivos de escritores, para assim motivar mais pessoas a fim de que participem de trabalhos desta natureza. Neste manancial rico, que é um acervo de escritor, estão inseridas muitas explicações para os problemas da sociedade contemporânea.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto e tendo como referência a leitura e os trabalhos de pesquisa desenvolvidos no AEC, compreendemos este como um lugar vivo da memória. Assim desejamos que nossos estudos sirvam de interesse a outros pesquisadores.

Como num arquivo tudo o que diz interessa, mas nem tudo que interessa pode ser dito – haja vista o caráter sigiloso que se exige do trabalho com arquivos pessoais –, finalizamos nossas reflexões salientando o retorno à vida dos arquivos de escritores, na medida em que se tornam alvos de observações, análises e pesquisas de cunho científico.

Se cada arquivo do AEC possui suas particularidades, ele se constitui como um elemento de vida própria. Então, se o arquivo é memória e memória pode ser compreendida como um organismo vivo, a função social dos arquivos de escritores é salvaguardar a vida de um povo, num determinado tempo e espaço.

Em suma, o AEC é uma mina rica dentro da UFC, basta que queiramos garimpá-lo, enclausurando-nos sem medo, a fim de descobrir as histórias que se escondem dentro dele.

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REFERÊNCIAS

ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, v.11, n 21, p. 9-34, 1998.

COOK, Terry. Arquivos pessoais e arquivos institucionais: para um entendimento arquivístico comum da formação da memóriaem um mundo pós-moderno. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n 21, p. 129-149, 1998.

COSTA, Célia Leite. Intimidade versus Interesse Público: a Problemática dos Arquivos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n 21, p. 189-199.

CURY, Maria Zilda Ferreira. A pesquisa em acervos e o remanejamento da crítica. Manuscrítica, São Paulo, n. 4, p. 79-93, dez. 1993.

DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Trad. de Cláudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relmé Dumará,2001.

LE GOFF, Jacques. Memória. In: ______. História e memória. 5. ed. Campinas: UNICAMP, 2003. p. 419-476.

MARQUES, Reinaldo. Acervos literários e imaginação histórica: o trânsito entre os saberes. Ipotesi: revista de estudos literários, Juiz de Fora, v. 4, n. 2, p. 29-37, jul./dez. 2000.

NIETZSCHE, F. Para a genealogia da moral. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)

NORA, Pierre. Entre Memória e história: a problemática dos lugares. Revista Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

NOTA3 Termo usado por Terry Cook (1998), que defende uma atitude de intervenção ativa do arquivista, isto é, ele não considera a postura imparcial e neutra do arquivista.

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O acreano Francisco Gregório Filho é um dos maiores contadores de histórias populares brasileiras. Autor de vários livros, Gregório é conhecido por promover atividades culturais com o objetivo de incentivar a leitura nas escolas, pois acredita que este é o meio de desenvolver a criatividade. Formado em artes cênicas pela FEFERJ-UNIRIO, trabalhou como ator e diretor, coordenando projetos culturais nas áreas de música, radio, teatro, cineclubes e arte-educação.

Na década de 1990, iniciou os trabalhos envolvendo práticas da leitura. Dois anos depois, fez parte da organização do Programa Nacional de Incentivo à Leitura na Biblioteca Nacional. Em 1995, recebeu a declaração de reconhecimento de notório saber do Departamento de Letras da PUC / RJ no campo dos estudos sobre narrativa oral, tendo destaque na prática de formação de leitores e contadores de história. A partir de 1996, passou a desenvolver oficinas de formação de contadores de histórias para educadores sociais, estudantes e profissionais de diferentes áreas.

Gregório também criou as Casas de Leitura e grupos de teatro do Acre. Presidiu Instituições de Cultura do Estado: Fundação Cultural do Acre, de 1987 a 1990, e a Fundação Elias Mansour, de 2004 a 2006. Em 2009, foi homenageado na I “Bienal da Floresta, do Livro e da Literatura”, realizada no Rio Branco, e foi nomeado o primeiro Secretário de Leitura do Brasil, em Nova Friburgo. Embora more atualmente no Rio de Janeiro, ainda promove eventos culturais em seu Estado de origem.

Francisco Gregório Filho

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L! Quando você se descobriu leitor e como você define um bom leitor?

Descobri-me leitor quando encarapitado num galho de uma árvore (mangueira) lia o livro Contos da Carochinha de Figueiredo Pimen-tel, da Editora Garnier. Abri o livro e comecei a contar às histórias que ouvi meu avô contar. Ainda não decifrava as letras e as palavras, mas produzia sentidos para elas. Assim, posso dizer que fui alfabetizado. Porém considero que esse status de leitor se deu quando passei a ler a dramaturgia, especialmente, as tragé-dias, tanto que meu texto revelador é Antígona de Sófocles. Li Antígona na tradução de Millôr Fernandes, uma preciosidade! Daí, mergulhei nos contos. Um bom leitor? Pode ser aquele que gosta de ler e de compartilhar suas leituras com outras pessoas. Traduzir imagens sobre o que leu e se descobrir crítico, inventivo e solidário com seus pares na relação com o mundo e na relação com os elementos da natureza. Um leitor assim já podemos festejar, mas podemos listar outras características também de um bom leitor, por exemplo, como aquele que transcende o real, vai para o imaginário e retorna, transformado e com desejo e capacidade de agir, reagir e in-teragir com seu entorno.

L! O que o motivou a fazer o trabalho de contação de histórias?

O que me motivou, foi a necessidade de me ex-pressar e me construir como cidadão, com voz e participação, e também incentivar outras pes-soas a descobrirem essa riqueza cultural das narrativas humanas.

L! Que influencias você recebeu para desenvolver esse trabalho de contar histórias?

Fui influenciado por meus avoengos, todos contadores de história em minha família e em minha comunidade. Infelizmente em minha trajetória escolar não contei com alguma pro-fessora ou professor que gostasse de contar histórias. Uma ausência profunda. Hoje, con-stato a importância de educadores desenvolv-erem essas práticas com as narrativas para o estímulo à leitura. Felizmente é possível encon-trar por esse Brasil a fora, mestres contadores de histórias e amantes dos livros.

L! Como você se sente ao realizar este tra-balho?

Sinto-me contribuindo para as boas práticas

formadoras de leitores, reanimando-me para a vida diariamente com vigor e esperança.

L! Seu trabalho tem dado enfoque às histórias populares brasileiras. Por que você acha importante essa abordagem?

Pela diversidade cultural e para reencontrar bons matizes, essenciais para formação de nos-sos cidadãos.

L! De que forma seu trabalho contribuiu para implantação da primeira Secretaria Municipal de Promoção da Leitura?

Pela compreensão de que a sociedade precisa de instrumentos formais para desenvolver e artic-ular políticas públicas de promoção da leitura, dos livros, das bibliotecas e do conhecimento.

L! Qual a importância dessa iniciativa e de que forma ela pode incentivar o desen-volvimento de projetos semelhantes?

A importância de irradiar na sociedade o pro-tagonismo da leitura como movedora de valores humanos e solidários e propositivos para o de-senvolvimento de oportunidades para todos.

L! Que obstáculos você enfrentou com a implantação da Secretaria de Promoção da Leitura?

Exatamente o da compreensão dessa importân-cia. Gostaria, no entanto, de ressaltar a boa acolhida e entusiasmo de algumas áreas como: Saúde (leitura promotora da saúde), Turismo (difusora dos bens históricos), Trabalho (capac-itação e qualificação dos serviços), Meio Ambi-ente (sustentabilidade e empreendedorismo), Educação e Cultura dentre outros.

L! Que projetos a Secretaria desenvolve atualmente?

Bom, deixei a Secretaria em final de outubro de 2010. Desconheço a situação atual.

L! Como o Estado pode ajudar a fomentar as práticas leitoras?

Estabelecendo políticas públicas em parceria com toda sociedade e em especial com os educa-dores sociais de diversas áreas do conhecimen-to e ainda explicitando os recursos necessários para o cumprimento de metas e realizações.

ENTREVISTA

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Quando pronuncio a palavra “árvore”, penso numa mangueira. Árvore frondosa, generosa, de muitos galhos, folhas verdes, sombra larga, tronco grosso e raízes compridas.

Seu fruto tem caroço, tem fiapos, tem polpa amarelada e gostosa. Gosto de descascar a manga com os dentes e comê-la segurando com as mãos. Gosto também de chupar o caroço.

Aprecio o caldo que escorre pela boca e pelas mãos quando se degusta uma boa manga. Tenho preferência por manga espada e ainda por manga rosa, e entro em delírio chupando uma manguita (carlotinha).

Tenho prazer em olhar as mangueiras nos quintais, nas chácaras, nos sítios, nas fazendas de plantio de frutas e experimento enorme sensação de beleza vendo-as às margens das estradas pelo interior do Brasil.

Então pronuncio “mangueira”. Tem volume, tem gosto, tem tato, tem cor, tem cheiro, tem formato, tem contornos e tem frutos. Uma mangueira carregada de frutos verdes e maduros é um alumbramento para os olhos, e o coração toma sabor. Por isso, quando pronuncio “árvore”, meu sentimento é de mangueira. Bem, isso eu imaginava. Outro dia descobri que, quando digo “árvore”, meu coração inclui uma jaqueira. É que, quando eu era uma criança menor, meu avô me apresentou a uma jaqueira enorme plantada próximo à escada da cozinha de sua casa. Ele gostava de jaca, jaca-mole, conhecida como jaca-manteiga. Plantada pelas mãos de meu avô quando ainda jovem, lá permanecia a jaqueira, gerando muitos frutos de temporada em temporada. Jacas grandes, jacas Deouenas, carnudas, doces e exalando um perfume embriagador.

De tempo em tempo, meu avô presenteava os vizinhos e amigos com jacas inteiras, madurinhas. E também preparava vários tipos de doces de jaca, até cristalizava línguas de jaca sem os caroços. Diversas vezes presenciei o vô arrumando, em pequenas taças, saladas de frutas com as tiras de jaca incluídas. Ele apreciava muito, eu gostava também.

Aprendi com vovô a plantar mudas de jaqueiras germinadas a partir dos caroços, que espalhávamos no fundo do quintal, e o ajudava, apurando a calda da jaca para o ponto do licor. Licor alcoólico, servido nos aniversários e batizados.

Rabisquei e colori muitos papéis com desenhos de jaqueiras nas tardes sem pressa que meu avô promovia.

Sob sol escaldante e sobre folhas de zinco, secávamos os caroços de jaca; depois os mergulhávamos em corantes de urucum para brincar de petecas coloridas. Sabedoria de meu avô, segredos que ele nos passava. Ficávamos um tempo grande olhando a jaqueira, passeando em sua volta.

Pois bem, tempos desses, descobri que, quando falo a palavra “árvore”, as referências recorrentes são também da jaqueira de meu avô e não só das mangueiras que tanto me comovem.

Pronunciando árvore – a palavraUma vez ouvi de perto, próximo, o professor Paulo Freire dizer algo como: as palavras precisam estar grávidas de sentidos, para além dos significados. Os significados estão dicionarizados, os sentidos precisam de gestação. A palavra grávida de referencial afetivo e circunstâncias. A palavra gestada e grávida, claro, de sentidos para a vida.

Arvoraaão

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Pronunciando a palavra árvore, percebo meu coração desfolhar-se num movimento parecido com o da rosa se abrindo para revelar suas pétalas e perfumar-se inteiro de jacas e mangas. Então, tenho a legítima sensação de estar dando sentido à palavra árvore.

Acredito, às vezes, que, quando as pessoas me ouvem, assim, descobrem as suas árvores do coração. Uma pitangueira, uma laranjeira, um coqueiro, uma macieira, uma parreira ou um limoeiro, sei lá. Mas deve ser assim também, quando elas pronunciam a palavra árvore. Compomos um arvoredo, um pomar. Meu pai era apaixonado pelos cajueiros, disso eu sei. Ele nos convidava para abraçá-los.

A relação de meu pai com os cajueiros era comovedora. Ele adorava sentar nos galhos das árvores chupando os frutos. Cajus vermelhos, cajus amarelos, cajus de vez, com sal. Ele era especialista em pratos com caju: saladas, peixes, fritadas, arroz com caju, caju à milanesa, caju no molho do macarrão, etc. E os doces! Eram admiráveis, de aguar a boca. Quando meu pai pronunciava árvore, abraçando o cajueiro, eu vibrava ainda mais com a generosa jaqueira de meu avô. Evidente que num cantinho reservado, derramado em ramos, se espalhava o maracujazeiro da minha mãe, o que ela zelava e mimava.

Outro dia vi minha irmã alisando umas folhas de abacateiro, olhando com ternura os frutos verdes pendurados. Tentei adivinhar, em silêncio, aquela admiração. Depois, pedi que ela dissesse árvore: veio do tamanho daquele abacateiro. Nada mais falei. Preferi o silêncio, mesmo de quando assistia a minha avó cuidando dos pés de hortelã no canteiro armado num jirau do quintal lá de casa. Minha avó, com os dedos longos, tocava levemente as folhas de hortelã, como se orasse; na verdade, ela mirava.

Vovô me contava histórias de árvores que gostavam de ser olhadas, vistas e adoravam ser apreciadas por nossos olhos. Ele afirmava que árvore chora, ri, dança, e canta. Árvore gosta de companhia. As árvores lá de casa estavam sempre bem acompanhadas; presença de meu avô.

Francisco Gregório Filho Contador de histórias

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No dia 17 de Fevereiro de 2011, comemorou-se o 47° aniversário do Curso de Biblioteconomia. O evento ocorreu no Auditório Rachel de Queiroz, localizado no Centro de Humanidades II, e contou com a presença de boa parte dos alunos que foram prestigiar a data.

Na ocasião, os professores Jefferson Veras, Lídia Cavalcante e Virgínia Bentes, compon-do uma mesa-redonda, esclareceram alguns questionamentos acerca da Biblioteconomia e da Ciência da Informação.

Várias perspectivas sobre a profissão foram abordadas, desde o aspecto informacio-nal, até o caráter de planejamento e formação crítica. Houve um histórico do Curso apresen-tado pela Profª. Fátima Costa, a qual mostrou as mudanças no currículo, critérios técnicos e o lado sociocomunitário da profissão.

Perfil Profissional

O profissional bibliotecário, apesar da sua origem conhecida como apenas preservador de documentos, hoje assume uma posição que exige uma competência crítica aliada à competência técnica acrescidas a novas experiências, com atitudes, procedimentos, teorias e práticas frente aos novos avanços tecnológicos, além da necessidade de acompanhar ou ir mais além dos diversos perfis do mercado de trabalho.

Área de Atuação

O campo de atuação dos profissionais da informação é amplo, incluindo setores tradi-cionais de informação (bibliotecas), unidades de informação de empresas públicas e priva-das, ONG, etc.

Há uma crescente demanda para biblio-tecários em universidades, escolas de Ensino Fundamental e Médio, empresas jornalísticas, radiofônicas e televisivas, hospitais públicos e

privados, indústrias, comércio, setores de en-tretenimentos, bibliotecas virtuais de bancos, agências de turismo, departamentos governa-mentais ou qualquer outro setor que requeira a gestão da informação para tomada de de-cisão, crescimento e competitividade.

Histórico do Curso de Biblioteconomia na UFC

O Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará foi criado em 1964 e instalado em junho do ano seguinte. Entretanto, seu reconhecimento pelo MEC deu-se somente no dia 18 de fevereiro de 1972, numa publicação feita pelo Diário Oficial da União em 21 de fevereiro do mesmo ano.

Sob forte influência do primeiro reitor da UFC, Professor Antônio Martins Filho, e a articulação da bibliotecária Maria da Conceição de Souza, o curso primeiramente surgiu objetivando qualificar os primeiros bibliotecários da Universidade para trabalhar nas bibliotecas da UFC.

Posteriormente, estes profissionais assumiram o cargo de docência, fundando efetivamente o Curso de Biblioteconomia na instituição, que atualmente enfrenta muitos desafios e busca propor aos alunos uma melhor formação, tanto para o mercado de trabalho, quanto para a docência.

Independentemente do foco profissional, os alunos e futuros bacharéis procuram estar ap-tos durante os quatro anos de formação, para lidar com os diversos recursos informacionais que a área oferece, não apenas nas bibliotecas, como também nos diversos registros e mídias que podem conter informações.

Hoje, o Curso de Biblioteconomia conta com o Departamento de Ciências da Informação, situado no campus do Benfica, sob a chefia do Prof. Wagner Chacon, e tem como coordenadora a Profª. Dra Fátima Araripe.

Curso de Biblioteconomia da UFC comemora 47 anos de existência

Jeane Reis e Socorro Soares

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A vida é formada por escolhas. Às vezes escolhemos; em outras, somos escolhidos. Tomar novos rumos e enfrentar desafios até então desconhecidos faz parte de um processo de aprendizagem e amadurecimento.

A opção profissional é uma das decisões mais complexas que se pode vislumbrar na vida, uma vez que somos postos à prova muito cedo, tendo de nos projetar para um futuro que, na verdade, é composto por conjecturas e suposições.

Até o momento em que experimentamos a práxis profissional, tudo não passa da imaginação que fazemos sobre a profissão escolhida. Ser médico, engenheiro ou bibliotecário, antes de efetivamente exercer a atividade específica, configura-se em uma idealização romântica do que se projeta de bom para aquele exercício.

Dessa forma, projetamos na figura do profissional que pretendemos nos tornar, os predicados que desejamos vestir em nossa rotina. Alia-se a isso o status e o reconhecimento que se espera da sociedade, cliente final e observador de todos os profissionais.

Passada a fase romântica, de projeção e sonhos sobre a profissão, é hora de encarar a realidade. A faculdade e os estágios são prenúncios do que reserva o futuro. Pode-se ter, a partir dessas experiências,

uma idéia mais concreta das atividades que serão executadas adiante e se, efetivamente, a escolha foi acertada.

Assim, escolher uma profissão configura-se em uma das maiores responsabilidades que se assume na vida. Uma, pelo fato de se constituir em um compromisso para com a sociedade, já que, sem pessoas, não há para quem trabalhar. Outra, que, em tese, trata-se de algo que se irá fazer repetidamente por toda a vida e, como tudo que tem caráter perpétuo, o tédio e a rotina também se farão presentes na profissão, devendo, por isso, a escolha ser feita de forma bem pensada e amadurecida.

Em minha experiência pessoal, o Direito foi a primeira escolha. A segunda, na verdade, uma vez que, inicialmente, achei que queria ser jornalista. Depois de alguns testes vocacionais e de achar que o Direito me traria mais possibilidades no mercado de trabalho, foi esta a carreira escolhida.

Alguns cursinhos depois, veio a aprovação no vestibular e comecei a sonhar com o dia em que estaria em um tribunal advogando causas importantes. Oito semestres mais tarde estava formada e percebi que as coisas não eram tão fáceis quanto imaginei.

A Biblioteconomia apa-receu anos depois. Na verdade, fui escolhida por essa profissão.

Por que escolhi Biblioteconomia?Cyntia Chaves, Bibliotecária

O medo do novo e o receio do recomeço naturalmente

se fizeram presentes, mas

não foram suficientemente fortes para me fazer desistir.

Andar para a frente, sem

olhar para trás. Foi esta a

minha ideologia nessa segunda

experiência acadêmica.

Mais importante que status e gordos

salários, é a possibilidade de

nos satisfazer com a profissão

que escolhemos. Fazer dela uma

aliada e não um inimigo a ser combatido no

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Apesar de nunca ter cogitado iniciar outra graduação, a profissão me acolheu e me mostrou novas possibilidades.

A partir de uma oportuni-dade de trabalho na área, veio a idéia de cursar Biblioteconomia. O medo do novo e o receio do recomeço naturalmente se fizeram presentes, mas não foram suficientemente fortes para me fazer desistir.

Quanto maiores os desafios a serem enfrentados, quer pelo fato de estar zerando tudo e recomeçando, quer pela ansiedade em logo concluir o curso, maiores eram as forças para continuar e seguir adiante.

Andar para a frente, sem olhar para trás. Foi esta a minha ideologia nessa segunda experiência acadêmica. A Biblioteconomia me mostrou que, acima de tudo, eu era capaz de mudar os rumos, de fazer diferente, de trabalhar com algo que me trouxesse satisfação pessoal.

Trata-se de uma profissão desafiadora, ao contrário do que pensam os leigos, que talvez nos rotulem como meros organizadores de estantes. Para ser um bom bibliotecário é preciso ser criativo e ter ampla visão. Trabalhar com informação, um conteúdo fluido e extremamente mutável, é algo absurdamente complexo.

Foi-se o tempo em que bastavam CDDs e CDUs nas estantes. Estas e outras linguagens documentárias passaram a ser apenas veículos para organizar uma gama infinita de informação, que

se multiplica em progressão geométrica e torna o mundo cada vez mais complicado de se entender e de acompanhar.

A Biblioteconomia é a profissão que escolhi para a minha vida. Dela me orgulho, pois é dela que extraio meu substrato financeiro e emocional. Os desafios que me são apresentados só me instigam a querer ir mais além e mostrar que posso superar a mim mesma.

Mais importante que status e gordos salários, é a possibilidade de nos satisfazer com a profissão que escolhemos. Fazer dela uma aliada e não um inimigo a ser combatido no dia-a-dia. Naturalmente, essa percepção não é a mesma para todas as pessoas e, ainda que seja para alguns, não significa que se trate de uma regra, um dogma.

Para mim, trabalhar com o que nos dá prazer é um raro privilégio e deve ser buscado a todo custo. A vida é árdua, o mercado é competitivo e exercer a profissão com sacrifício pode acarretar em uma frustração permanente. Por isso, essa escolha fez de mim uma pessoa melhor e mais feliz. Mais confiante em meu potencial.

E é isso que desejo a todos os colegas, desta e de outras profissões: que tenham a sorte de se deparar com a possibilidade de escolher. Porque a escolha de hoje pode afetar o futuro de amanhã e porque, afinal de contas, o que nos torna humanos e nos motiva é justamente poder conjugar esse verbo.

Cyntia Chaves de Carvalho Gomes Cardoso graduou-se em Direito pela Universidade de Fortaleza (1998). Não se encontrando na profissão, buscou uma segunda formação em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará .

Texto extraído do Currículo Lattes

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Neste ano de 2011 iniciamos as atividades do projeto “Onda Ler: biblioteca e leitura construindo a cidadania”. As atividades foram desenvolvidas em Pontal de Maceió/Fortim/Ce, em janeiro, com a participação das bolsistas Marcia Lemos, Alciene Ferreira, Patrícia Reinaldo e Virgínia Pantaleão, além da Coordenadora do Projeto Profª Fátima Araripe. Nesta viagem realizamos atividades de pintura, colagem, filme, brincadeiras e contação de história. Por ser um período de férias, além de atividades de leitura, tivemos também atividades de recreação e distribuição de livros, doados pela bibliotecária Ana Kelly Pereira, do Jornal O Povo.

No início de julho levamos novas atividades como: jogos de teatro estimulando a leitura, confecção de fantoches para contação de histórias tanto pelas bolsistas como pelas crianças. O projeto está sempre envolvendo as crianças com a biblioteca, para que possam fazer dela uma extensão da sua casa.

Onda Ler

No ano de 2011 o projeto Ouvindo Histórias começou de cara nova e com grandes expectativas de poder alcançar novos lugares e levar leitu-ra de qualidade para jovens que vivem na marginalidade. O projeto, que antes tinha como objetivo levar histórias de literaturas variadas para os jovens do albergue do João XXIII através da nossa voz e da nossa inter-pretação, este ano renovou seu compromisso levando histórias, leituras, romances e lutas através da música. Passamos a estudar, interpretar e apresentar a idéia que os cantores e compositores dão para suas letras e canções.

Neste primeiro semestre iniciamos leituras da MPB, da relação que os compositores da Música Popular Brasileira tiveram com a época da ditadura e a repressão, e o que as letras escritas por eles naquele con-texto queriam passar para as pessoas e para a sociedade. Como esses compositores falavam de suas histórias nas letras das musicas, e os re-cursos literários que utilizavam para representar o que realmente que-riam dizer, as letras traziam duplo sentido e ambigüidades para, assim, livrarem-se do processo de repressão existente na época.

A nossa intenção é passar para esses jovens vários estilos musicais, letras que fizeram história e que, de alguma forma, influenciaram e infulenciam até hoje a sociedade. Intentamos mostrar para esses jovens que a leitura pode estar em todas as coisas e que podemos nos expressar de diversas formas: com danças, cantos, contações de histórias e que suas histórias podem ser contadas através dessas atividades, ajudando-os a se comunicarem e tornarem parte da sociedade de forma produtiva e saudável.

Ouvindo Histórias

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Onda Ler

Ler para crerO projeto de extensão Ler para Crer trata-se de oficinas itinerantes

para a implantação de bibliotecas comunitárias em municípios cearenses. Oriundo do Departamento de Ciências da Informação, sob a coordenação da Prof. Dra. Lidia Eugenia Cavalcante, o projeto visa a implementação de bibliotecas comunitárias colaborativas e protagonizadas pelos moradores das comunidades atendidas. Em 2011.1 foram desenvolvidas as seguintes atividades: inauguração de mais duas bibliotecas comunitárias em Itaitinga, em Ponta da Serra e Vila Machado; realização de visitas aos municípios que fazem parte do projeto para coletar informações para a atividade de pesquisa científica. São realizadas reuniões semanais de trabalho, pesquisa e avaliação dos projetos já em funcionamento, além disso estão sendo definidos os próximos municípios que receberão o projeto cujos eventos estão sendo agendados para o segundo semestre de 2011.

O grupo de professores colaboradores do projeto estão elaborando um livro, a ser lançado também no segundo semestre, para divulgar as metodologias utilizadas, de modo a ajudar aqueles que se interes-sam na implantação de bibliotecas comunitárias.

O Clube da Leitura é um projeto de extensão do curso de Biblio-teconomia, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenado pela prof. Dr. Fátima Araripe, o projeto tem como principal intuito incentivar a leitura por meio de encontros literários, geralmente em um local histórico e sempre nos últimos sábados de cada mês. Os participantes acabam tendo outras visões sobre o universo da leitura, “antes eu acreditava que não gostava de poesia e descobri que, na realidade, a poesia faz parte de quem eu sou”, afirma Tainá Oliveira após participar de um dos encontros. Patricia, outra par-ticipante dos encontros, diz que “o clube da leitura motiva a pessoa a ter curiosidade de descobrir aquilo que ainda é desconhecido pra gente. Essa experiência eu vou levar comigo para o meu país, Guiné Bissau”.

A programação de 2011 se desdobra em meio as escolas literárias, sempre em um ambiente agradável, onde se compartilha experiências pessoais dos participantes. Gecilane, aluna de Biblioteconomia que participou de um encontro, comenta que a ocasião “foi mais que um evento literário, foi um encontro de vidas compartilhadas, de sonhos revelados em leituras e contações de histórias. O comer, o abraçar, o falar e o ouvir estavam intimamente envolvidos com as diversas formas de leitura de textos, atos e palavras” . A escolha do lugar também é selecionada, sempre com uma sugestão de um novo ambiente para conhecer e freqüentar, que muitas vezes serve de subsidio importante para as leituras.

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Páginas em BrancoA pedra, o vidro e o Homem.Pedra se lançaSe topa numa Estrada errante.

Assegura casase tremores.Sustenta os marese ressacas de agosto. Vidro é caco que sobra.Parte que corta.Transparente verdade.É sombra no rostoDa vaidade. Homem é circuloVital. Remendo finito Universal.Esboço de carneNervos e ossos.

Por: Francisco Saldanha

RegressoEra daquelas criaturas enjoadas, um sim-

ples vento o tirava do sério. Reclamava de tudo, incomodava-se com os pedintes e seus pedidos, com a chuva e seus pingos. Havia re-gressado de Cuba, viveu lá um tempo. Retor-nara porque sua mãe falecera naquele mês de fevereiro. Morou em Havana, formou-se em psicologia, a clínica era o seu ofício.

Sua clientela era vasta, boa parte dela era formada por putas, ou seja, seu divã acalantava putas, belas putas de Havana. Sobretudo comparava sua carência desmedida com a daquelas ‘’mulheres movidas a soldo’’. Regressara ao Brasil para acompanhar os ritos fúnebres de sua sisuda mãe que certo dia o entregou aos cuidados da televisão e por opção inconsciente sintonizou a TV Cultura a qual o apresentou grandes histórias e seres.

Era demasiadamente fã de Caetano Ve-loso, coincidentemente após o luto soube que haveria um grande show de Caetano, esta notícia o balançou e a espera desse aconteci-mento o excitou e o desdém para com a cidade e seus transeuntes apaziguou. Passou então a ouvir músicas caetanianas e se imaginava correndo atrás do trio elétrico, ria de si tal qual o menino que outrora foi quando folhea-va revistas de homens nus. Esse pensamento fundiu-se com a sensação que teve ao pisar o asfalto que na noite anterior havia sido palco de uma noite carnavalesca.

Os raios de sol adentravam o solo e exa-lava a fetidez de urina pisada, serpentinas engancharam-se em seus pés, imaginou a quantidade de beijos loucos que ali houveram, trepadas rápidas nos cantos de muro regadas com muito lança perfume. De pau duro ficou e seguiu! Mas dele apoderou-se o mal-humor que jazia instalado nele. Passaram-se os dias e o que o fez não retornar à Havana foi o

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Páginas em Brancogrande show. Chegou o dia assim como chega o circo, era sábado ressaca do carnaval e o show se chamava RESTOS DE CARNAVAL, o sol sorria tal qual o menino que ganha piru-lito, e o menino grande que era ele se retorcia só de imaginar o grande momento.

Duas horas antes de sair ligou para Homero, amigo de infância e filho da empregada da casa, única e grande recordação afetiva da infância. Homero chamava-o de menino esquisito. Convite aceito para uma noite nova, assim pensou quando recebeu a confirmação do amiguinho que decidira ir ao show. Banhou-se, perfumou-se, ensaiou danças e era só ALEGRIA ALEGRIA, resquícios de quarta-feira de cinzas, era o próprio de ontem e de anteontem que retomava o daquele instante como se fosse ainda carnaval.

Encontrou Homero e seus olhos brilharam, era como se a aparição do mesmo adensasse ainda mais aquela emoção, todavia lembrou-se de quando Homero o chamava de MENINO ESQUISITO parecia ouvir: MENINO ESQUISITO, MENINO ESQUISITO.

Apertos de mãos trocados respei-tosamente, Homero olhou-o mas na outra mente processavam-se pensamentos libidinosos. Eram reminiscências misturadas e confusas como os peitos enrigecidos da babá juntamente com imagens de homens nus que olhara em revistas, tudo isso se misturava com o volume da calça jeans do homem em sua frente, refez-se e cantarolou ‘’... me dê um beijo meu amor, eles estão nos esperando...’’

_ Que foi isso? Perguntou Homero._ Não, não foi nada.Seguiram os dois, mesmo ouvindo

cacoepias imperdoáveis para qualquer não letrado, naquele momento tudo aquilo

era balela, a vivência vindoura sanaria qualquer dissabor naquele momento, pois se prometeram uma noite mágica. Homero tirou do bolso um pacotinho branco o verdadeiro pó de piriplimplim oriundo da terra do nunca,despejou num espelhinho e os dois aspiraram. Carreirinhas essas que os levaram para à terra do Peter pan.

O show começa ao som de You Don’t Know Me, seguido de sucessos calientes como las cubanas e os fizeram sonhar com as asas de Ícaro. Um ácido foi partido por Homero e os dois colaram em La língua. Risos, abraços, afagos ali se desenvolveram, ludismo frenético. O show acabou mas continuou cantando – Soy louco por ti América, havia em ambos uma leve serenidade como se estivessem em estado de graça. Voltaram juntos para casa, Homero deitou-se na cama, cueca branca ainda suada, tufos de pêlo se esvaindo da vestimenta, um talo movia-se dentro dele, a pura manifestação da espada de Sto Jorge. O machismo de Homero e à auto-suficiência do discípulo de Freud encontrava-se no recinto. Deitaram-se na cama, quentes e molhados, desconfortáveis e felizes, o suor dos dois se confundia com o odor dos corpos latentes, dormiram e acordaram às 08:00 em ponto. A manhã úmida e cinzenta dava um toque de melancolia ao quarto e ainda assim treparam vertiginosamente , tal prazer beirou o limite do possível. Enquanto a superfície dos corpos se emaranhavam, o amor acontecia com uma impessoalidade tranquila e imperial. E o telefone tocou várias vezes, impaciente e intrometido

Talvez tenha sido o senso comum do psicólogo querendo dizer-lhe: - Entrega-te a tua loucura antes que seja tarde!

Por Edilson Pereira

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O ônibus parou a dois palmos da calçada. Hermengarda desceu bem em frente à casa noturna, fitou o relógio prateado no pulso: já se passava das 23h30m. Interrompeu aquilo que pareceu ser os primeiros passos. Faltou-lhe coragem para prosseguir. Pensou em desistir daquela aventura boba. Aquilo não fazia sentido, ou melhor, há muito tempo já não fazia mais sentido. Sem contar que ela já estava grandinha demais para certas coisas. Naquele momento, sentiu como se regressas-se no tempo, nos idos da adolescência.

— Acho melhor esperar por outro dia. — Cogitou, lá com seus botões.

Mas ela o amava tanto e precisava tirar a prova dos nove. Era a terceira vez que estava ali, não podia desperdiçar a viagem tampouco o dinheiro gasto. Precisava seguir adiante. E passado o momento de fútil hesitação, Hermengarda sugou da brisa noturna a força necessária para continuar. Ela recordou do horóscopo no jornal da manhã e, de fato, acreditou que aquele era seu dia, pelo menos, foi o que sentiu ao sair do apartamento.

Comprou o bilhete. O último, sem o menor exagero. Ufa! Ela sentiu um alívio que brotou do fundo da alma. Adentrou no local com certo desespero, procurando assento, buscando ser discreta. Ali, ocorria um número artístico.

Por sorte, ainda havia mesas vazias, uma, na verdade, ao lado da porta de acesso. Era como se o lugar realmente esperasse por ela. Hermengarda olhou para todos os lados, tentava enxergar alguém, mas naquelas circunstâncias seria impossível reconhecer um indivíduo que fosse. Primeiro, porque não havia iluminação na plateia, o único refletor aceso centrava-se na pessoa do palco. E depois, ela usava óculos... Os vidros eram arredondados e proporcionais aos sete graus de miopia.

— Onde eles estão? Droga! — Murmurou consigo.

Não adiantou muito sentar, pois a apresentação chegava ao fim. Antes mesmo de ela se ajustar ao assento, antes de encontrar a posição mais confortável, Madame Capitu

já se curvava ao público, agradecendo os aplausos conquistados na ocasião do espetáculo. Madame Capitu era uma drag queen que usava um vestido longo, colorido em estampas, repleto de babados indiscretos e de rendas gritantes. Ademais, calçava um tamanco cujo salto, com seus quase dez centímetros de comprimento, ofuscava até mesmo a luz que vinha do alto de tão verdejante que era. A peruca era vermelha e ajustava-se na cabeça como um legítimo coque. A maquiagem era tão escandalosa quanto qualquer pintura de Malfatti. O batom? Bem, o batom... O cosmético dava-lhe um ar de Marilyn Monroe de tão rouge.

Terminada a apresentação, o lugar vol-tou a ser iluminado por completo e o público começou a dispersar. Mas, em meio aquela gente, Hermengarda simplesmente não viu quem esperava ver. Nem um sósia de um deles sequer apareceu para amenizar a de-cepção.

— Droga! Quem sabe eu não os vejo ainda lá fora.

Não. Nem Mário tampouco a “outra” já não estavam lá fora, se é que estiveram por algum momento. O jeito era voltar ao lar-doce-lar e tentar numa quarta vez. Quem sabe, o horóscopo estava errado ou a edição do jornal era do dia anterior, porque nem a apresentação ela conseguiu assistir direito. Definitivamente, não era aquele seu dia de sorte. Não mesmo.

Há dois meses Mário havia se tornado seu vizinho. Era viúvo e procedia das bandas do Sul, acreditava ela, devido a sua fisiono-mia. Os dois residiam no mesmo condomínio, porém, não no mesmo bloco. Decerto, a única coisa que separava seus apartamentos era uma ruela estreita e sem graça, isso porque a janela de um dava para a janela do outro. De alguma forma a robustez e simpatia de Mário encantaram Hermengarda, de tal modo que, em pouco tempo, ela passou a enxergá-lo com outros olhos.

Sessenta dias! Tempo suficiente para ela se convencer da paixão. Agora vivia de to-

A terceira margem do vizinho

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lice, como se finalmente tivesse encontrado o príncipe encantado. Via-o como o homem da sua vida. Mas como ela pôde se apaixonar as-sim... e em tão pouco tempo? Nunca trocaram um “olá, como vai”. Ele mal sabia de sua ex-istência, apesar de viverem lada a lado.

O repentino amor fez dela uma criatura alienada. Passou, então, a observá-lo diariamente, sempre arranjava alguma maneira de invadi-lo na privacidade. Mário tinha um filho, com pouco menos de sete anos, e gostava de passar as tardes no pátio com o garoto: ensinava-o a andar de bicicleta, jogavam futebol juntos, empinavam pipa e, inclusive, soltavam pião. E lá estava ela, lá com seus botões novamente, fitando tudo ao longe, como sentinela em guarita. Aquela cumplicidade, a dedicação paterna e o amistoso relacionamento com o menino só fizeram dilatar ainda mais la pasión.

— Além de tudo é um pai exemplar. — Suspirava ela constantemente.

Hermengarda esteve prestes a falar-lhe dos sentimentos, se declarar abertamente, contar-lhe da paixão avassaladora. Entretanto, precisava agir com cautela. Ela suspeitava de que o vizinho tinha outra, devido as suas constantes saídas, tarde da noite. O fato de Mário sair depois das 21h10m, deixar o filho dormindo e somente voltar no silêncio da madrugada, distendeu as suspeitas: há outra mulher na jogada! Ela creu fielmente nisso. Não pensava noutra coisa, senão no flagrante e, consequentemente, na imaginável frustração.

Foi então que decidiu segui-lo. Resolveu posar de Sherlock Holmes, nos últimos sábados. Afinal, ela precisava sanar a dúvi-da, porque sua sorte no amor dependia da solteiridade do vizinho, se bem que sorte lhe parecia coisa de outro planeta.

— Ah... Como eu a odeio! Roubou-me o futuro esposo! — Ela detestava a outra com a mesma intensidade que odiava as baratas e os camundongos. Sentia nojo e traída de al-gum modo. Contudo, tinha que se conter, já que se tratava apenas de conjeturas.

Por fim, chegou sábado novamente. Agora, de maneira alguma, ela desistiria de dar cara à tapa. Hermengarda regressaria à casa noturna. Aquela chance não iria desperdiçar. Não leu o horóscopo do dia para não se afligir, pois receava que os astros mudassem a previsão, como da última vez. O mais incrível de tudo era que ela estava certa de que Mário se encontraria com a

outra, naquele mesmo lugar. Ela o viu sair do apartamento no mesmo horário das vezes passadas. Para onde ele iria, então, senão àquela casa noturna assistir ao show da Madame Capitu, na companhia daquela... “piranha”? Assim a julgava.

Desta vez, Hermengarda teve mais prudência: saiu mais cedo do apartamento, poucos minutos depois do vizinho. Foi tão prudente que chegou antes dele, porque fora de táxi. Não havia quase ninguém na plateia e todas as luzes ainda estavam acesas. Vez por outra, fitava o relógio no pulso, cheia de ansiedade, porém os minutos pareciam decorrer como séculos... Então, faltavam quinze minutos para iniciar o espetáculo, ainda dava tempo de retocar a maquiagem. Foi exatamente o que fez Hermengarda: partiu à procura de um toalete.

— Preciso logo acabar com essa angústia! — Pensou enquanto caminhava. — E se ele tiver outra mesmo? Meu Deus! Por que fui me apaixonar por um homem comprometido?

Ela, no entanto, errou a direção e foi pa-rar no corredor onde ficavam os bastidores das apresentações. Avistou de longe o cama-rim da estrela da casa. E logo pensou: por que não flagrar os dois e, ainda de quebra, conhecer de perto a tão famigerada Madame Capitu? Hermengarda não perdeu tempo, afinal, faltavam quinze minutinhos... Bateu à porta levemente e uma voz lhe permitiu entrar. Ela pediu licença, a drag pintava os lábios mirando o espelho de bolso, só restava a peruca escarlate para a completude da per-sonagem.

Madame Capitu voltou-se e viu um sem-blante opaco, tímido, abatido. Hermengarda permanecia estática, atônita, com um ar sepulcral no rosto. Não proferiu um fonema sequer, acometeu-lhe uma mudez repentina, que furtava os sentidos. Aquela situação, eventual e devastadora, fez com que a tão sonhada vida feérica acabasse antes mesmo de começar. Não havia encontro, não havia a outra, o tempo todo só havia...

— Deseja alguma coisa? Você está procurando alguém? — Perguntou o artista.

— Desculpe-me! — Finalmente verbali-zou a mulher. — É... É... Onde fica o toalete?

— No final do corredor, à direita. — Bem... Quer dizer... Obrigada. — Ela

fechou a porta como quem fecha um esquife.

Por Gênesson Johnny L. Santos

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O Primo BasílioEscrito pelo português Eça de Queirós, trata-se de uma sedutora história situada no século XIX que conta o drama do adultério vivido por uma família burgue-sa. Luísa, Basílio, Jorge e Juliana são os personagens principais que compõem a obra. Jorge, engenheiro re-conhecido da alta sociedade, teve de viajar, deixando Luísa, sua esposa, em casa. O Conflito começa com a chegada de Basílio, primo de Luísa, a Lisboa. Eles mantêm um romance secreto até o momento em que Juliana, empregada da casa, descobre cartas de Basí-lio destinadas a Luísa e as esconde. Assim, os papéis se revertem: Luísa é explorada pela sua empregada que a chantageia em troca de sigilo. Fortes emoções pro-vocadas pela leitura mantêm os olhos do leitor atentos ao espetáculo recheado de tensão e hipocrisia.

Contos BregasToda música tem ligação direta ou indiretamente com fatos ou experiência que os cantores vivenciaram. Agora imagine como seriam as histórias que inspira-ram as músicas bregas mais famosas do Brasil, como Eu não sou Cachorro, não, Meu Fuscão Preto e Gar-çom? Essa é a proposta do escritor Thiago de Góes em seu primeiro livro. São contos surreais, realistas e engraçados que procuram estabelecer relação com o título da música que lhes deram origem.

A Pata da GazelaA Pata da Gazela é um romance de época escrito por José de Alencar, que lembra um pouco os contos de fada. Quando a personagem Amélia deixa seu sapa-to cair no meio da rua, Horácio o encontra, se apa-ixonando pela dona daquele pé tão pequeno, mesmo sem conhecê-la. Nesse meio tempo, Leopoldo também conhece Amélia, e passa a nutrir um sentimento que vai além da vaidade. Durante esse triângulo amoroso a moça deverá reconhecer de quem realmente gosta. Uma história revela que o verdadeiro amor não é feito de aparências.

Leia Mais!

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Manual de Sobrevivência FamiliarUma ficção super divertida, empolgante e reflexiva acerca dos fatos vividos por um jovem de 17 anos preso à teia de lembranças que o envolve numa noite de fim de ano. Ele convive com uma família não muito conven-cional, embora alegórica, que acaba por fazer o leitor se identificar com as loucuras e particularidades de sua própria família. Escrito por Ivan Jaf.

Memórias Póstumas de Brás CubasEscrito por Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas conta a trajetória do Dr. Brás Cubas a partir de sua morte. Este resolve criar um medica-mento a fim de aliviar a melancolia da humanidade. Embora seu verdadeiro intuito fosse obter a glória com a criação desse medicamento milagroso. O defun-to-autor, irônica e humoradamente, conta os episódios de sua vida denunciando a hipocrisia e a vaidade das pessoas com quem conviveu. A obra é uma verdadeira crítica à sociedade, além de ser considerada como o marco inicial do Realismo brasileiro.

SenhoraSenhora é um romance do escritor cearense José de Alencar classificado como urbano, pois tem como cenário a corte do Rio de Janeiro. Conta a história do casamento de fachada de Aurélia Camargo com Fer-nando Rodrigues de Seixas. Embora o casal tenha se apaixonado logo quando se conheceram, Seixas aban-donou seu relacionamento com a moça para casar-se com outra mulher por causa de seu dote. Pouco tempo depois, Aurélia enriquece ao receber a herança de seu avô e propõe, sem revelar sua identidade, um dote mais alto a Seixas. O rapaz o aceita e só desco-bre quem é sua noiva no dia do matrimônio. A partir daí, Aurélia passa a humilhar o rapaz para vingar-se do abandono.

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