REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA -...

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REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA (Editada desde 1851) R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 129 n. 04/06 p. 1-320 abr. / jun. 2009 v. 129 n. 04/06 abr./jun. 2009 DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA FUNDADOR Sabino Elói Pessoa Tenente da Marinha – Conselheiro do Império COLABORADOR BENEMÉRITO Luiz Edmundo Brígido Bittencourt Vice-Almirante

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REVISTAMARÍTIMA

BRASILEIRA(Editada desde 1851)

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 129 n. 04/06 p. 1-320 abr. / jun. 2009

v. 129 n. 04/06abr./jun. 2009

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

FUNDADOR

Sabino Elói PessoaTenente da Marinha – Conselheiro do Império

COLABORADOR BENEMÉRITO

Luiz Edmundo Brígido BittencourtVice-Almirante

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Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha.–– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro:Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943.Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. M A R I N H A — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de DocumentaçãoGeral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359 .005

A Revista Marítima Brasileira, a partir desta edição,passa a adotar o Acordo Ortográfico de 1990, com base noVocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editada pelaAcademia Brasileira de Letras – Decretos nos 6.583, 6.584 e6.585, de 29 de setembro de 2008.

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COMANDO DA MARINHAAlmirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto

SECRETARIA-GERAL DA MARINHAAlmirante de Esquadra Marcos Martins Torres

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHAVice-Almirante (EN-RM1) Armando de Senna Bittencourt

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRACorpo Editorial

Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor)Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva

Jornalista Deolinda Oliveira MonteiroJornalista Manuel Carlos Corgo Ferreira

Diagramação/Assinatura/DistribuiçãoCelso França Antunes

Departamento de Publicações e DivulgaçãoCapitão de Fragata (T) Ivone Maria de Lima Camillo

Apoio Administrativo e ExpediçãoSuboficial-CN Maurício Oliveira de RezendeSuboficial-MT João Humberto de Oliveira

Segundo-Sargento-SI José Alexandre da SilvaIlda Lopes Martins

Impressão / TiragemPrelo Artes Gráficas e Fotolito / 7.000

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A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA é uma publicação oficial da MARINHA DO BRASIL desde1851. Entretanto, as opiniões emitidas em artigos são da exclusiva responsabilidade de seus autores. Nãorefletem, assim, o pensamento oficial da MARINHA. É publicada, trimestralmente, pela DIRETORIA DOPATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA. As matérias publicadas nestaRevista podem ser reproduzidas, desde que citadas as fontes.

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SUMÁRIO

9 NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DEPROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Julio Soares de Moura Neto – Almirante de Esquadra – Comandante da MarinhaAspectos estratégicos. Submarinos convencionais e nucleares – significado da sua posse.

Avanço tecnológico para o País

17 UM IRLANDÊS NA MARINHA DO BRASILJosé Maria do Amaral Oliveira – Almirante de Esquadra (Refo)Encerramento da série – homenagem ao autor

19 O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL (XXII)Mário Jorge da Fonseca Hermes – Almirante de Esquadra (Refo)Julgamento da opinião pública. Comissões do Exército, da Marinha e do Congresso.

Veredicto da história – Resgate da honra do Almirante Kimmel pelo Congresso dos EUA.Encerramento da série – homenagem ao autor

35 A GUERRA DAS CHATASLuiz Edmundo Brígido Bittencourt – Vice-Almirante (Refo)Concentração dos aliados – Combate de Corales. Consequências de Riachuelo. A chata

artilhada – duelos de artilharia. Morte de Mariz e Barros

48 A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA OPARAGUAI

Armando Amorim Ferreira Vidigal – Vice-Almirante (Refo)A tecnologia disponível na época. Esforço na construção naval. Uma batalha decisiva

– Riachuelo. Preço da guerra – 50 mil mortos

55 OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINARIlques Barbosa Junior – Contra-AlmiranteImportância do conhecimento sobre o oceano. Estudos da oceanopolítica – conceitos e

pesquisas. Poder Marítimo – teoria e prática

69 ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRARoberto Gama e Silva – Contra-Almirante (Refo)O elevado tirocínio do Marquês de Pombal na anexação da Amazônia. Estratégia aplicável

aos dias de hoje – sugestões de instalação de unidades da Marinha em pontos estratégicos

76 O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃOAdalberto Casaes Júnior – Contra-Almirante (RM1)Por que um submarino nuclear? Antecedentes – os principais desafios. Alternativa para

a base de submarinos – a formação e o preparo do pessoal

93 A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR NO CONTEXTOESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

Sylvio dos Santos Val – ProfessorResumo histórico de Napoleão – despreparo da França no mar diante da Inglaterra. A

geopolítica sobre Napoleão

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104 MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVASEduardo Ítalo Pesce – ProfessorA Marinha na Estratégia Nacional de Defesa. Reaparelhamento da Marinha – constru-

ções e perspectivas

121 O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIASergio Lima Ypiranga dos Guaranys – Capitão de Mar e Guerra (Refo)Modo meticuloso e completo de raciocínio para o exercício do comando – iniciativa,

criatividade, talento

126 POR QUE FERNANDO DE NORONHA?– Voo 447 da Air France

Milton Sergio Silva Corrêa – Capitão de Mar e Guerra (Refo)O acidente com avião da Air France. Fernando de Noronha – ponto a se aproveitar na

Estratégia de Defesa do Brasil – projeto desenvolvido e não executado

128 A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESAFernando Malburg da Silveira – Capitão de Mar e Guerra (Refo)Interesse da indústria nacional. Escassez de recursos orçamentários. Aspiração das

Forças Armadas. O Estado como regulador na atividade econômica produtiva – a parceria como governo

142 SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASILGermano de Freitas – Capitão de Mar e Guerra (IM-RM1)Resumo sobre a Independência. Ameaças à soberania da Nação – demarcação de terras

indígenas – ONGs – cobiça sobre a Amazônia

147 ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)Francisco Eduardo Alves de Almeida – Capitão de Mar e Guerra (RM1)Biografia resumida. Influência na mentalidade marítima – estratégia – poder marítimo.

Pensador que influiu na história das nações

174 A EVOLUÇÃO DA GUERRAAntonio Luiz Porto e Albuquerque – Capitão de Fragata (RM1)

A guerra naval antes do emprego do canhãoHistória marítima com a evolução das embarcações. Técnicas empregadas – alterações

de conceito, estratégia e táticaA guerra na idade moderna

A guerra terrestre. Evolução na guerra naval com o emprego do canhão

199 EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONALNatália Morais Corrêa Borges de Aguiar – Capitão de Corveta (T)Discussão da avaliação institucional na educação, em busca de propostas e alternativas.

Sistemas de Avaliação da Escola Básica e do Ensino Superior – evolução conceitual

207 A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARA MELHORIA DASOPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS – COMO O BRASIL SE PREPAROUPARA A PIOR CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929

Jeisom de Melo Fajardo – Capitão-Tenente (IM)A atual crise econômica e os choques no sistema financeiro do mundo. Análise da

eficiência da regulação prudencial brasileira; verificação de como o governo vem mantendoo sistema financeiro nacional saudável

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218 ULTIMA RATIOHelio Leoncio Martins – AspiranteAnálise da conjuntura mundial em 1934 e sugestão para o Brasil se armar – previsão feita

cinco anos antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial

220 ARTIGOS AVULSOS220 O BOMBARDEIO DE ALVEAR

Antonio Gonçalves Meira – Coronel (Refo)Relato de bombardeio da cidade argentina por monitores da Flotilha do Alto Uruguai,

em 1878221 A NACIONALIZAÇÃO DE ITENS DE SUPRIMENTO NO CENTRO

LOGÍSTICO DA AERONÁUTICAMarcos André Westphalen Palma – Capitão de Corveta (EN)Carlos Fernandes da Silva Junior – Capitão de Corveta (IM)Acordo da Marinha com a Força Aérea para aproveitamento da sistemática utilizada pela

FAB a fim de nacionalizar itens de suprimento utilizados em meios navais

225 CARTAS DOS LEITORESRelato de viagem do Cruzador Barroso a Imbituba – SC, em 1964

233 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVALOficial moderno entusiasmado, em inspeção particular noturna, rende oficial superior

que realizava serviçoComandante de navio se aborrece com manifestação involuntária da guarnição em faina

de lona e areia

236 DOAÇÕES AO SDM

238 NECROLÓGIO

241 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

250 REVISTA DE REVISTASSinopses de matérias selecionadas em publicações, entre mais de meia centena –

recebidas e lidas –, do Brasil e do exterior

270 NOTICIÁRIO MARÍTIMOColetânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil, de outras Marinhas,

incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima

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COLETA DE FONTESPARA A HISTÓRIA

A Diretoria do Patrimônio Histórico eDocumentação da Marinha (DPHDM) estáinteressada em receber correspondência pri-vada, original ou cópia, de oficiais e praças queparticiparam de acontecimentos relevantes daHistória do Brasil ou da Marinha, tais como emcampanha nas guerras mundiais ou em missõesde manutenção de paz. Diários, memórias efotografias também são bem-vindos.

A DPHDM necessita desse material parafuturas pesquisas de historiadores. Para even-tual divulgação, a Diretoria se compromete asolicitar permissão ao próprio autor ou aosseus familiares, cumprindo a legislação emvigor.

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A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DEPROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO*

* Artigo publicado na página oficial da Marinha do Brasil na internet (www.mar.mil.br).

SUMÁRIO

Aspectos estratégicosSubmarinos convencionais e submarinos nuclearesSubmarinos na estratégia naval brasileiraO significado da posse do submarino nuclear

O salto tecnológicoO desenvolvimento de uma indústria nacional de defesaConclusão

A grandeza e a abrangência dessa cons-trução obrigam que sua análise seja des-dobrada segundo, pelo menos, três verten-tes principais: a estratégica, que estabele-ce sua razão de ser; a tecnológica, que sig-nifica uma mudança de patamar para o Bra-sil; e sua contribuição para o desenvolvi-mento de uma indústria nacional de defe-

sa, que levará o País à autossuficiência noprojeto e na fabricação do seu próprio ma-terial militar.

ASPECTOS ESTRATÉGICOS

No contexto da guerra naval, o submari-no é o meio que, dentre todos, apresenta a

JULIO SOARES DE MOURA NETOAlmirante-de-Esquadra

Comandante da Marinha

NOSSA CAPA

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NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

melhor razão custo/benefício. Sua vanta-gem determinante resulta da capacidade deocultação, o que, em termos bélicos, signi-fica surpresa, um dos grandes fatores deforça em qualquer confronto. Radares nadadetectam abaixo d’água e, das formas co-nhecidas de energia, a única que conse-gue se propagar significativamente na mas-sa líquida é a energia acústica. Assim, so-mente as ondas sonoras emitidas porsonares podem, em tese, permitir a detecçãodo submarino. Entretanto, por força daspróprias leis da física, a propagação acús-tica, no mar, não se dá em linha reta, massegundo determinados padrões, em fun-ção de parâmetros mensuráveis, gerandograndes “zonas de sombra”, onde o somnão penetra com intensidade apreciável. Adiligente exploração do fenômeno permiteao submarino confundir-se com o meioambiente em que opera, preservando aocultação e desequilibrando a contenda aseu favor, de tal sorte que é necessário umconjunto de meios navais de superfície eaeronavais para se contrapor, com algumachance, a um único submarino.

É por causa dessa superioridade intrín-seca, resultante da capacidade deocultação, que o submarino se tornou, his-toricamente, a arma de quem tinha que en-frentar um oponente que dominava os ma-res, como bem exemplifica a opção alemã,em duas guerras mundiais, e a da UniãoSoviética, durante a Guerra Fria. Relevanotar, no entanto, que, se, por um lado, osubmarino pode neutralizar forças navaismuito superiores, não pode substituí-lasem seus respectivos misteres.

Submarinos convencionais esubmarinos nucleares

Quando se fala em submarinos, há quesepará-los em duas grandes categorias: ados convencionais e a dos nucleares.

Para os convencionais, a fonte de ener-gia é o óleo diesel, combustível que fazfuncionar os conjuntos de motores diesele geradores elétricos. A energia por elesgerada é, então, armazenada em grandesbaterias, que, no total, pesam 250 tonela-das. Além de atender a todas as demandasda vida a bordo, essa energia é aplicada emum motor elétrico de propulsão, garantin-do o deslocamento do submarino.

No caso dos convencionais, a capaci-dade de ocultação tem que ser periodica-mente quebrada, uma vez que necessitam,a intervalos, recarregar suas baterias. Paratanto, devem se posicionar próximo à su-perfície do mar e, por meio de equipamentoespecial, denominado esnórquel, aspirar oar atmosférico, para permitir o funciona-mento dos motores diesel e a renovaçãodo ar ambiente. Nessas horas, em funçãodas partes expostas acima d’água, tornam-se vulneráveis, podendo ser detectadospor radares de aeronaves ou navios. Paralimitar tal exposição, devem economizarenergia ao máximo, o que lhes limita a mo-bilidade. Por isso, são empregados segun-do uma estratégia de posição, isto é, sãoposicionados em uma área limitada, ondepermanecem em patrulha, a baixa velocida-de. Em razão disso e graças a suas reduzi-das dimensões, que lhes permitem mano-brar em águas muito rasas, são normalmenteempregados em áreas litorâneas. A depen-dência do ar atmosférico e a baixa mobili-dade são as grandes limitações dos sub-marinos convencionais.

Para os nucleares, a fonte de energia éum reator nuclear, cujo calor gerado vapo-riza água, possibilitando o emprego dessevapor em turbinas. Dependendo do arran-jo peculiar de cada submarino, as turbinaspodem acionar geradores elétricos ou opróprio eixo propulsor. Naturalmente, emqualquer caso, produzem toda a energia ne-cessária à vida a bordo.

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NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Diferentemente dos submarinos con-vencionais, os nucleares dispõem de ele-vada mobilidade. São fundamentais para adefesa distante das águas oceânicas(águas profundas). Por possuírem fontevirtualmente inesgotável de energia e po-derem desenvolver altas velocidades, portempo ilimitado, cobrindo rapidamente áre-as geográficas consideráveis, são empre-gados segundo uma estratégia de movi-mento. Em face dessas características, po-dem chegar a qualquer lugar em pouco tem-po, o que, na equação do oponente, signi-fica poder estar em todos os lugares aomesmo tempo. O submarino nuclear é sim-plesmente o “senhor dos mares”.

Submarinos naestratégia navalbrasileira

Logo cedo, a Mari-nha do Brasil (MB) en-tendeu a importânciadesses meios, tantoque possui submersíveis em seu inventáriodesde 1914, o que coloca nossa Força deSubmarinos entre as mais antigas do mundo.Ao longo dos primeiros 75 anos, nossas uni-dades eram construídas em outros países:inicialmente, na Itália, do princípio até os anos1950, quando passamos a operar submari-nos americanos. A partir da década de 1970,tendo os Estados Unidos descontinuado aprodução de convencionais, passamos a ad-quiri-los da Grã-Bretanha; e, desde o finaldos anos 1980, operamos submarinos demodelo alemão, um deles fabricado na Ale-manha e quatro, no Brasil.

Considerando a vastidão do AtlânticoSul, natural teatro de nossas operações na-vais, e a magnitude de nossos interesses nomar, a Marinha constatou, desde logo, que,no que tangia a submarinos, a posse de con-vencionais não era o bastante. Para o cum-

primento de sua missão constitucional dedefender a soberania, a integridade territoriale os interesses marítimos do País, tornava-se mister dispor, também, de submarinosnucleares. Aqueles, em face de suas peculi-aridades, para emprego preponderantemen-te em áreas litorâneas, em zonas de patrulhalimitadas. Estes, graças à excepcional mobi-lidade, para a garantia da defesa avançadada fronteira marítima mais distante.

Em face da necessidade estratégica, porum lado, e, por outro, do apartheid tecno-lógico que sempre negou a países periféri-cos o desenvolvimento das tecnologias as-sociadas ao domínio do átomo, a Marinha doBrasil (MB) decidiu desenvolver, de maneiraautóctone, a tecnologia de construção de

submarinos nucleares.Assim, desde o fi-

nal da década de 1970,conduz, nas depen-dências de seu CentroTecnológico da Mari-nha, em São Paulo, umprograma de desenvol-

vimento de tecnologia nuclear, visando, porum lado, ao domínio do ciclo do combustí-vel nuclear, que logrou êxito em 1982, e, poroutro, à construção de um protótipo de rea-tor nuclear capaz de gerar energia para fazerfuncionar a planta de propulsão de um sub-marino nuclear, o que ainda não está pron-to, com operação prevista para 2013.

Paralelamente, para capacitar-se a cons-truir submarinos, na mesma época cuidoude obter, na Alemanha, a transferência detecnologia de construção de submarinos,empregando, para tanto, o projeto do sub-marino IKL-209, à época o modelo maisvendido no mundo. Foram, assim,construídos um submersível nos estalei-ros da HDW, em Kiel, e quatro no Arsenalde Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), co-locando a MB no limitado rol dos paísesconstrutores desses engenhos.

O submarino nuclear ésimplesmente o “senhor

dos mares”

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NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Não obstante ter logrado êxito na cons-trução, falta à Marinha a capacidade de de-senvolver projetos de submarinos. O cami-nho seguido pelas potências que produzemsubmarinos nucleares foi o de, a partir dopleno domínio do projeto de convencionais,evoluir, por etapas, para um submarino nu-clear, cujos requisitos, em termos detecnologia e controle de qualidade, supe-ram em muito aqueles de um convencional.Assim, o caminho natural para o Brasil se-ria, da mesma forma, o de desenvolver su-cessivos protótipos, até que se chegasse aum projeto adequado, para abrigar uma plan-ta nuclear. Como não se dispõe do temponem dos recursos ne-cessários para tanto, asolução delineada pelaMB, no intuito de, comsegurança, saltar eta-pas, foi a de buscar par-cerias estratégicas compaíses detentores detais tecnologias e queestivessem dispostos atransferi-las. No nossocaso, tendo em vista oprocesso evolutivo in-dispensável, a parceriateria que ser buscada junto a países queproduzissem, simultaneamente, submarinosconvencionais e nucleares. Depois de lon-go e acurado processo de escolha, a Françafoi o país selecionado.

O significado da posse do submarinonuclear

Desde a divulgação das notícias refe-rentes ao petróleo existente no pré-sal, écomum que se pergunte se tais descober-tas influíram na retomada do investimentono submarino nuclear.

Ora, releva notar que, desde o início, oprograma jamais foi interrompido pela Ma-

rinha. Mesmo entre os anos de 1994 a 2006,quando se constatou a insuficiência de re-cursos de outras fontes governamentais, aMB cuidou de mantê-lo vivo, ainda que emestado quase vegetativo, com o sacrifícioexclusivo do orçamento da Força. Se tives-se sido descontinuado, o custo da retoma-da seria simplesmente impagável. A mudan-ça havida, a partir de 2007, foi o aporte demais recursos governamentais, fruto denova visão política da atual administraçãode mais alto nível do País.

Mesmo assim, a mencionada alteração nostatus quo é anterior à revelação das desco-bertas do pré-sal, que, no entanto, só fazem

enfatizar ainda mais suanecessidade. Mais de90% do nosso petróleo– 2 milhões de barris pordia – são extraídos domar. Da mesma forma,mais de 95% do nossocomércio exterior – cer-ca de US$ 300 bilhões,entre exportações e im-portações – são trans-portados por via maríti-ma. Também as nossaságuas jurisdicionais,

que costumamos chamar de Amazônia Azul,contêm, na imensidão da massa líquida e dovasto território submerso de milhões de qui-lômetros quadrados, riquezas biológicas e mi-nerais, largamente ameaçadas pelas explora-ção predatória e cobiça internacional.

Como se vê, os interesses marítimos doBrasil são de tal magnitude que exigem fi-car confiados à proteção da Marinha. Afalta de meios de defesa para tanta riquezapode acabar se constituindo em convite adeterminadas ações lesivas à soberania na-cional. Daí a necessidade de uma ForçaNaval capaz de desencorajá-las.

No caso do submarino nuclear, é evi-dente que sua ação específica não deverá

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NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

ser a de permanecer como “sentinela” aoredor dos campos, como eventualmente seespecula. Na verdade, o relevante não énem o que ele vai fazer, mas o que podefazer. E pode tanto que sua simples exis-tência é suficiente para produzir boa partedos efeitos desejados com sua posse.Como dito, nossa Zona Econômica Exclu-siva cobre cerca de 4,4 milhões de quilô-metros quadrados. É para estar, a tempo e ahora, presente em qualquer ponto dessavastidão oceânica que se necessita de umsubmarino nuclear. Mais ainda, os interes-ses do Brasil no mar não terminam nos limi-tes da Amazônia Azul. Eles se estendem aqualquer lugar onde um navio navegue sobnossa bandeira, cuja proteção é deverinalienável do Estadobrasileiro.

Essa, a importânciaestratégica da cons-trução do submarinonuclear.

O SALTOTECNOLÓGICO

Um dos aspectosmais notáveis do pro-grama de construçãodo submarino de propulsão nuclear diz res-peito ao salto tecnológico a ser vivido peloPaís, em função da transferência detecnologia, que garantirá ao Brasil a capa-cidade de desenvolver e construir seuspróprios projetos no futuro.

Para facilidade de entendimento, o pro-jeto, em linhas gerais, seguirá o seguinteesquema básico:

1) Transferência de Tecnologia de Pro-jeto de Submarinos

a) Ao entrar em eficácia o contrato, se-rão enviados para a França alguns proje-tistas navais brasileiros que, juntamentecom os franceses, ao longo de um ano, in-

troduzirão ajustes no projeto do submari-no convencional brasileiro (S-BR) (versãonacional do modelo francês Scorpène),para que este venha a atender a determina-dos requisitos operacionais da MB, relati-vamente a maior autonomia e a maiores in-tervalos entre os períodos de manutenção.Isso tornará suas características mais com-patíveis com as vastidões do Atlântico Sul.

b) A partir de seis meses depois da datade eficácia do contrato, serão enviados àFrança outros engenheiros navais brasi-leiros, que farão cursos de 18 meses de pro-jeto, culminando com um trabalho consti-tuído de um projeto real de submarino con-vencional, depois de retornarem ao Brasil.

c) Um pequeno grupo de engenheiros faráestágios de três anosna empresa Thales, fa-bricante do sistema decombate do submarino(sonares, direção de tiroetc.), onde receberãotoda a tecnologia neces-sária ao desenvolvi-mento e manutençãodo sistema.

d) Da mesma forma,teremos engenheirosque permanecerão

dois anos na fábrica de torpedos, para ab-sorção de tecnologia de projeto.

e) Depois do retorno do segundo grupo(alínea b), engenheiros e técnicos france-ses permanecerão no Brasil por cinco anos,participando do desenvolvimento do pro-jeto do primeiro submarino nuclear brasi-leiro. Observação: a parte referente ao rea-tor nuclear e seu compartimento será deresponsabilidade do Brasil.

2) Transferência de Tecnologia de Cons-trução de Submarinos

a) O submarino é construído em quatroseções. A primeira seção do primeiro sub-marino será construída no estaleiro de

O relevante não é nem oque o submarino vai fazer,

mas o que pode fazer. Epode tanto que sua simplesexistência é suficiente para

produzir boa parte dosefeitos desejados

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NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Cherbourg, na França, com a participaçãoda equipe de construção de submarinosdo AMRJ, que absorverá os métodos, nor-mas e processos franceses de construção,algo diferente do sistema alemão, a que jáestão acostumados.

b) De volta ao Brasil, esse grupo cons-tituirá o núcleo de transferência detecnologia para a Sociedade de PropósitoEspecífico (SPE), que será constituída paraoperar o novo estaleiro para a fabricaçãodos novos submarinos.

c) Depois dessa fase, o grupo atuará,pela MB, como fiscal das obras e garanti-dor do controle de qualidade.

3) Transferência de Tecnologia Medi-ante a Nacionalização

a) Cerca de 20% de todo o material a serempregado nos submarinos serão produzi-dos no Brasil, inclusive sistemas comple-xos. São cerca de 36 mil itens a serem fabri-cados aqui.

b) No curso das negociações, ficouacertado que tudo o que pudesse ser pro-duzido no Brasil, a custo equivalente ouinferior ao da França, seria fabricado aqui.Caso o produto já fosse comercializado,seria simplesmente adquirido e incorpo-rado ao conjunto de materiais. Caso con-trário, a tecnologia de produção seriatransferida à empresa selecionada, que,então, o fabricaria.

c) Nesse processo, desde o início, a MBadotou a postura de não indicar qualquerempresa. Caberia aos franceses selecioná-las, de acordo com critérios próprios,qualificá-las e homologá-las. A MB não pri-vilegiaria ou rejeitaria qualquer empresa,evitando intermináveis controvérsias fu-turas. De outra forma, caberia abrir uma li-citação pública, para o processo seletivoque, no mínimo, demoraria demasiado, dadaa quantidade de recursos e embargos le-galmente possíveis de ser interpostos porempresas desqualificadas ou perdedoras.

O resultado foi tão bom que, de um uni-verso inicial de mais de 200 empresas, aFrança já selecionou e está negociandocom mais de 30, e há outras dezenas decandidatas.

Em linhas bastante gerais, esse será oprocesso de transferência de tecnologia.Entretanto, o que vai aqui descrito em pou-cas linhas ocupa mais de 300 páginas deum anexo específico do contrato firmadoentre as partes.

O DESENVOLVIMENTO DE UMAINDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

Em todos os países desenvolvidos, exis-te uma indústria de defesa, responsávelpelo desenvolvimento e a construção domaterial bélico, atendendo aos requisitosestabelecidos pelos Ministérios da Defesae Estados-Maiores das respectivas ForçasArmadas. As próprias Forças desenvol-vem, em alguns casos, protótipos daquiloque desejam, mas a produção cabe sempreà indústria.

Países que não possuem tal parque in-dustrial específico veem-se na contingên-cia de importar material fabricado por ou-tros, segundo especificações que poderãoatender no todo ou em parte às suas ne-cessidades e, em lugar do custo, pagarão opreço, muitas vezes político, do produto.

O Brasil vive uma situação intermediá-ria, segundo a qual adquire meios usados,em compras de oportunidade, ou constróimeios novos, mediante aquisição do direi-to de uso do projeto, como aconteceu noAMRJ no caso das fragatas classe Niterói(modelo Vosper MK-10, britânico) e dossubmarinos classe Tupi e Tikuna (modeloIKL-209, alemão).

No caso dos novos submarinos, inclusi-ve nucleares, em lugar da construção se darno AMRJ, ocorrerá em um novo estaleirodedicado, atendendo a todos os requisitos

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NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

ambientais e de controle de qualidade para aconstrução de um submarino nuclear, comoé prática entre os poucos países que os fabri-cam. A operação desse estaleiro ficará a car-go de uma Sociedade de Propósito Específi-co (SPE), formada pelo Consórcio Constru-tor, isto é, as empresas Direction desConstructions Navales Services (DCNS) eOdebrecht (parceira selecionada pela DCNS)e o Governo Federal, representado pela Ma-rinha, que possuirá uma ação, no valor sim-bólico de 1%, que, no entanto, constituiráuma Golden Share, conferindo-lhe o poderde veto sobre eventuais decisões com asquais não esteja de acordo. Ficam, então, cri-adas as condições ne-cessárias para o desen-volvimento de uma in-dústria nacional de de-fesa, particularmentecom o elevado e cres-cente índice de nacio-nalização pretendido.

CONCLUSÃO

Não há dúvida deque, como país, o Bra-sil está no limiar deuma nova era.

Durante a Guerra Fria, com sua caracte-rística bipolaridade, a importância estratégi-ca de um país periférico estava diretamenteassociada às possíveis consequências desua adesão ao outro bloco, o que só teriareal significado em função de sua localiza-ção geográfica em áreas estratégicas ou dadisponibilidade de determinadas matérias-primas. Não era o caso do Brasil, que, du-rante a segunda metade do século XX, en-contrava-se fora do eixo estratégico do mun-do. Na década que se seguiu à bipolaridade,houve um período de transformações,indefinições e globalização, que pouco alte-raram a nossa situação.

Entretanto, neste início de século XXI,inaugurado com o ataque às torres doWorld Trade Center e com a presente crisefinanceira internacional, cujos desdobra-mentos ainda não estão suficientementeclaros, parece haver uma mudança no eixoestratégico do mundo, de modo a envolvermais profundamente o Brasil. Ainda que,ao final desta crise, reste apenas uma su-perpotência militar, os Estados Unidos daAmérica (EUA), como, de resto, parece cer-to, em outras dimensões deverá haver al-guma redistribuição de poder, particular-mente na área financeira, com a entrada emcena de atores que ganharam peso e pas-

saram a influenciar aeconomia, as finançase o comércio mundi-ais, como o Brasil, aRússia, a Índia, a Chi-na (conhecidos comoBric) e a Coreia do Sul,por exemplo. Comisso, o Brasil adquiremaior importância,deslocando-se da pe-riferia para mais próxi-mo do centro.

Há outros fatores,relacionados à escassez de determinadasmatérias-primas e produtos, que parecemacentuar ainda mais essa força gravitacionalque nos arrasta para o centro, posto que,em larga medida, as soluções envolvem sig-nificativamente o Brasil. A primeira delas é aágua doce, que vem se tornando um dosbens mais escassos do mundo, com refle-xos na produção de alimentos e ensejandoconflitos entre nações. Em determinadasáreas, como o Oriente Médio e a África, já émotivo de contendas. Enquanto isso, o Bra-sil concentra em rios em torno de 12% daágua doce do mundo (sem contar lençóisfreáticos), além de abrigar o maior rio emextensão e volume do planeta, o Amazonas.

Ficam criadas as condiçõesnecessárias para o

desenvolvimento de umaindústria nacional de

defesa, particularmentecom o elevado e crescenteíndice de nacionalização

pretendido

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NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Diretamente ligada ao problema da água,há a questão da escassez de alimentos. Ora,mais de 90% do território brasileiro recebechuvas abundantes durante o ano, e ascondições climáticas e geológicas propici-am a formação de uma extensa e densa redede rios, o que, associado à abundância dosol tropical, contribui para uma agriculturade produção em grande escala, realmentecapaz de tornar o Brasil um dos grandesprodutores mundiais.

Outra crise que já se faz aguda é aenergética. A despeito da momentânea que-da do preço do petró-leo, sua escassez, embreve, deverá restabe-lecer o quadro anteriorao atual. Durante o sé-culo XX, fomos impor-tadores, com gravesconsequências emnossa balança de paga-mentos e da economianacional. Hoje, além devivermos relativaautossuficiência, cria-mos uma nova realida-de no cômputo das reservas mundiais, com odescobrimento do óleo existente no pré-sal.

Ainda no contexto energético, de unsanos para cá, a energia nuclear passou aser considerada “uma forma de energia lim-pa”, por não contribuir para o efeito estu-fa. E o Brasil possui consideráveis reser-vas de urânio e domina o seu processo deenriquecimento.

Como se não bastasse, somos detento-res de tecnologia de ponta, temos solo, cli-ma e sol em abundância para a produçãode biocombustíveis.

Finalmente, mas não por último, temos aAmazônia, permanentemente em foco, querpor sua biodiversidade quer por sua influên-cia sobre o clima mundial, e sobre a qual asoberania brasileira não aceita contestaçõese que representa um enorme compromissonacional em preservá-la, coibindo qualquerdevastação.

Como se observa, o Brasil periférico dasegunda metade do século XX não existemais. O Brasil do século XXI ocupa umaposição mais próxima dos polos estratégi-cos do mundo, o que significa que cada

vez mais, independen-temente de sua vonta-de, ver-se-á, com algu-ma frequência, envol-vido por turbulênciasmundiais.

Em face disso, seráindispensável disporde meios suficientescapazes de tornar a viadiplomática mais atra-ente para a solução decontrovérsias do queo caminho da pressão

inaceitável, da ameaça ou da imposição.Nesse particular, a posse de submari-

nos nucleares é apenas um primeiro passo.O dimensionamento das Forças Armadasnão poderá ficar em descompasso com agrandeza e o significado econômico do Paísno concerto das nações, sob pena de pri-varmos as gerações futuras de um porvir àaltura da história da Nação.

Em resumo, esta análise apresenta, navisão da Marinha, a importância da cons-trução do submarino de propulsão nuclearbrasileiro.

O Brasil periférico dasegunda metade do século

XX não existe mais. OBrasil do século XXI ocupauma posição mais próximados polos estratégicos do

mundo

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<FORÇAS ARMADAS>; Marinha do Brasil; Comando da Marinha; Submarino; Constru-ção Naval;

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UM IRLANDÊS NA MARINHA DO BRASILCausas e conseqüências

Introdução – (Publicada no 3o trim/2004)Capítulo I – O cenário externo: 1750-1889 – (Publicado nos 2o , 3o e 4o trim/2005,

1o, 2o e 3o trim/2006; 1o e 2o trim/2007; 1o e 2o trim/2008)Capítulo II – O cenário interno: 1750-1889 (Publicado nos 4o trim/2008 e 1o trim/2009)Capítulo III – A Marinha Imperial como conseqüênciaCapítulo IV – Os descendentes de HaydenCapítulo V – Conclusões e proposiçõesApêndice

JOSÉ MARIA DO AMARAL OLIVEIRAAlmirante de Esquadra (Refo)

A série “Um irlandês na Marinha doBrasil”, publicada na RMB desde o 3o tri-mestre de 2004 até o 1o trimestre de 2009,num total de 13 artigos, será interrompidaa partir desta edição devido ao falecimen-to do Almirante de Esquadra José Mariado Amaral Oliveira, seu autor, ocorrido em18 de maio último.

A Revista Marítima teve o privilégiode contar com a sua valiosa colabora-ção. A seguir, outros artigos com que oAlmirante Amaral marcou sua inestimá-vel participação:

– “O Atlântico Sul no século XIX - umaabordagem estratégica”, 2o trim./1991;

–“Aviação Naval brasileira”, 3o trim./1996;

UM IRLANDÊSNA MARINHA DO BRASIL

– “A primeira travessia do Atlântico Sul– 75 anos”, 4o trim./1997;

– “A expressão militar e a política”, 2o

trim./1999;– “Base de Apoio Aeronaval de Ilhabela”,

1o trim./2004;– “Os 90 anos da Aviação Naval”, 4o

trim./2006;– “Helicóptero de Emprego-Geral”, 2o

trim./2008.Por ocasião do aniversário de 150 anos

de fundação da Revista Marítima Brasi-leira, em 2001, recebemos os diretores derevistas marítimas das Américas e de algunspaíses da Europa. O Almirante Amaral este-ve presente nas reuniões de trabalho e naspalestras, enriquecendo-as com colocações

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UM IRLANDÊS NA MARINHA DO BRASIL – Causas e conseqüências

e apartes dignos de seu invulgar tirocínio,cultura e inteligência.

Aviador naval, líder de uma gera-ção, assim definia sua especialidade,

da qual tinha tanto orgulho: “Co-mandar e pilotar uma aeronave re-presentam duas benesses divinasjamais esquecidas”.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DOALMIRANTE KIMMEL

Parte XXII– Gabinete do Subsecretário de Defesa para Pessoal e Prontidão

1o de dezembro de 1955 Promoção do Contra-Almirante Kimmel e do Major-General Short

Na lista de oficiais da reserva(2a e última parte)

MÁRIO JORGE DA FONSECA HERMESAlmirante de Esquadra (Refo)

Tradução e adaptação:

SUMÁRIO

O julgamento da opinião públicaOs registrosOs primeiros anos da guerraAs Comissões do Exército e da Marinha e o Comitê Conjunto do Congresso (JCC)O período do pós-guerra

AvaliaçãoOpção para outras ações

Promoção baseada em performancePromoção baseada em outras considerações

ConclusãoO veredicto da históriaDo tradutor/articulista – final

O JULGAMENTO DA OPINIÃOPÚBLICA

Os familiares do Almirante Kimmel es-tão preocupados com o stigma e

obloquy decorrentes da circulação das pri-meiras acusações e seus persistentes efei-

tos na opinião pública. Em razão de issonão ser suficiente para rever as ações pes-soais e investigações as quais constituema maneira formal de o Governo tratar des-ses casos, essa seção da revisão busca aresponsabilidade e o razoável, no julgamen-to da opinião pública.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

Os registros

Três períodos devem ser observados:(1) os primeiros anos da guerra, (2) o perío-do de respostas ao constante das apura-ções das Comissões da Marinha e do Exér-cito e do Comitê Conjunto do Congresso(JCC); e (3) o período de pós-guerra.

Os primeiros anos da guerra

A reação nacional ao ataque japonês aPearl Harbor ocorreu de duas maneiras. Aprimeira foi a raiva da Nação pelo ataque desurpresa, capturada, ampliada e talvez lide-rada pelo Presidente Roosevelt, ao caracte-rizar o 7 de Dezembro como “o dia em queviveremos na infâmia”, ao dirigir-se ao Con-gresso. A segunda, que se seguiu quaseque imediatamente, foram o choque, o nãopoder acreditar na extensão da devastação,a batalha de somente um lado e a óbvia au-sência de prontidão das forças americanas.Esses sentimentos voltaram-se rapidamen-te para incessantes exigências, que conti-nuam até hoje, para explicação e identifica-ção dos responsáveis. “A Nação america-na.... estava menos interessada em por queos japoneses atacaram Pearl Harbor do quecomo conseguiram o feito”*.

Imediatamente e inevitavelmente o focofoi dirigido aos oficiais no comando emPearl Harbor. O Almirante Kimmel disse: “Atorrente de abusos e deturpações come-çou logo após o ataque. Minha corte mar-cial foi pedida no plenário da House ofRepresentatives (Câmara dos Deputados)na segunda, 8 de dezembro de 1941”.

Nesse mesmo dia, o secretário Knox via-jou para Pearl Harbor. Ao retornar e prestarcontas ao Presidente, a totalidade do seurelato foi liberada ao público, em 15 de de-

zembro. As dispensas do Almirante Kimmele do General Short foram divulgadas em 17de dezembro. Embora a informação para aimprensa tivesse sido feita sem comentári-os, o secretário Stimson esclareceu que adecisão “evitava uma situação em que ofici-ais envolvidos com a responsabilidade pelafutura segurança da vital base naval estari-am, nesse momento crítico, envolvidos nainvestigação (Roberts Comission) ordena-da ontem pelo Presidente”. A linguagemaberta de Knox e sua associação com asdispensas dos comandantes do Havaí na-turalmente levaram os focos das atençõespara essas pessoas. O Almirante Kimmel viuuma interpretação mais sinistra: “Após osecretário da Marinha, Sr. Frank Knox, rela-tar para o Presidente o resultado de sua ins-peção a Pearl Harbor, declarações adicio-nais foram liberadas, o que aumentou a cam-panha de difamações”**.

O relatório da Comissão Roberts con-tendo a expressão dereliction of duty***foi apresentado ao Presidente em 24 de ja-neiro de 1942 e liberado para a imprensanesse mesmo dia. A Comissão não indicoua intenção de fazer de Kimmel e Short bo-des expiatórios, no sentido de que carre-gassem toda a culpa pelo desastre de PearlHarbor. Todavia, o dano para as reputa-ções do Almirante Kimmel e do GeneralShort começaram quase que imediatamen-te. As manchetes da primeira página doNew York Times no dia seguinte registra-vam: “A Comissão Roberts acusa Kimmel eShort; avisos para defender o Havaí nãoforam levados em consideração”. Subman-chete acrescentava: “Stark e Marshall pro-vavelmente indicarão que Kimmel e Shortserão submetidos a corte marcial”. O Almi-rante Kimmel entendeu que “quando o re-latório da Comissão Roberts foi publicado,

* N.A – Prange, “ao amanhecer nós dormíamos”, pág. 584.** N.A – Kimmel, pág. 170.*** N.A – É uma falha deliberada ou acidental ao fazer o que deveria como parte de suas obrigações.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

um verdadeiro furacão de acusações foiproferido com veemência indiscrimina-damente contra Short e eu”*.

Embora o Presidente houvesse estabe-lecido que não tinha intenção de ordenarcortes marciais ou de tomar qualquer outraação pessoal, e os serviços (Exército eMarinha) não houvessem tomado açõesposteriores, a acusação de “dereliction ofduty” permaneceu sem resposta para a opi-nião pública. Tudo isso e mais o anúncioda passagem para a reserva do AlmiranteKimmel e do General Short feito com a res-salva “sem desculpas de qualquer ofensaou prejuízo de futura ação disciplinar” ti-veram o resultado de deixarem o assuntosem solução na esferada opinião pública. OAlmirante Kimmel la-mentou-se com o Al-mirante Stark em 22 defevereiro de 1942: “Euestou pronto a qual-quer momento paraaceitar as consequên-cias dos meus atos.Não desejo criar pro-blemas para o governo na conduta da guer-ra. Sinto, todavia, que minha crucificaçãoperante a opinião pública atingiu o limite.Diariamente recebo cartas de pessoas ir-responsáveis de todos os cantos do paíschamando-me para o dever e mesmo amea-çando matar-me. Não estou particularmen-te preocupado exceto como isso mostra oefeito na opinião pública de artigos publi-cados sobre mim”.

“Sinto que a divulgação do parágrafo 2o

da carta do secretário de 16 de fevereiro(aceitando o pedido de passagem para areserva “sem desculpas de qualquer ofen-sa”) promoverá a ira do povo e far-me-ágrande injustiça”.

A necessidade de conservar secretas asinterceptações Magic (sobre as quaisKimmel tinha algum conhecimento, ao con-trário do General Short) efetivamente im-pediram manter a opinião pública objetiva-mente informada durante as discussões dotema Pearl Harbor ao longo da guerra. Talnecessidade impediu mesmo que se expli-casse ao público a obrigatoriedade demantê-las secretas.

Contudo, o clamor público para a com-pleta investigação de erros em Washing-ton começou quase que imediatamenteapós a publicação do relatório da Comis-são Roberts, em 27 de janeiro. The NewYork Times publicou que membros do Con-

gresso dos dois parti-dos demandavamcompleta investiga-ção pelas duas Casas,declarando que auto-ridades em Washing-ton haviam sido negli-gentes ao falhar noacompanhamento dasações que estavamsendo tomadas em

Pearl Harbor e acusando-as de ignoraremque não haviam sido tomadas medidasapropriadas de coordenação entre o Exér-cito e a Marinha em Pearl Harbor. O debateno Congresso imediatamente adquiriu umtom político-partidário, como registradopela imprensa. Após a inicial fogueira deinteresses em investigações adicionaissobre a responsabilidade do desastre emPearl Harbor no começo de 1942, o Almi-rante Kimmel e o General Short apareciamde tempos em tempos nos jornais em 1943e 1944. Debates no Congresso sobre cor-tes marciais também tomaram a coloraçãopartidária no momento em que as eleiçõesde 1944 se aproximavam.

* N.A – Kimmel – pág. 170.

Minha crucificação perantea opinião pública atingiu olimite. Diariamente recebo

cartas de pessoasirresponsáveis de todos os

cantos do país

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As Comissões do Exército e da Marinhae o Comitê Conjunto do Congresso(JCC)

Sugestões de que a Comissão do Exérci-to sobre Pearl Harbor e a Corte Naval deInquérito poderiam elucidar as participaçõesdo General Short e do Almirante Kimmel emPearl Harbor começaram a aparecer em no-vembro e dezembro de 1944. O advogadodo Almirante Kimmel, Charles B. Rugg, pro-nunciou-se publicamente, revelando que orelatório da Comissão Roberts havia sidocorrigido pela Corte de Inquérito:

“Kimmel inocentado – disse o advoga-do. Boston, 1o de dezembro – Charles B.Rugg, advogado do Almirante Husband E.Kimmel, declarou aqui esta noite que “opronunciamento do secretário da MarinhaForrestal significa que o Almirante Kimmelfoi inocentado das acusações de‘dereliction of duty’ em Pearl Harbor”.

A liberação final das notícias constituí-ram manchetes de primeira página em agos-to de 1945. Marshall, secretário de Estado,Cordell Hull, Stark e o General de ExércitoLeonard Gerow* também foram citados porvários erros.

Após a guerra, o véu do segredo foilevantado das interceptações, e, com a per-missão do Presidente Truman, a ComissãoConjunta do Congresso esclareceu asinterceptações Magic e publicou textoscompletos das mensagens críticas.

Novamente, temas associados com ainvestigação do Congresso estimularamacalorados debates partidários, com acu-sações de que os Democratas no comitêcontrolariam os procedimentos.

Em julho de 1946, a Comissão Conjuntado Congresso liberou para a imprensa no-tícia que exonerava Roosevelt e determi-nava que “o ofuscamento da responsabili-

dade... ficava com os comandantes da Ma-rinha e do Exército no Havaí, AlmiranteKimmel e General Short”. Conquanto nemo Almirante Kimmel nem o General Shorttivessem ficado felizes com o resultadoemitido pela JCC, o General Short pelo me-nos argumentou: “...estou satisfeito queas testemunhas apresentadas nas audiên-cias tenham me absolvido completamentede qualquer culpa e acredito que esse seráo veredicto da história. Como havia decla-rado anteriormente, minha consciência estálimpa”. As análises e interpretaçõespublicadas desde 1946 tiveram por fonteprimária o material obtido pela ComissãoConjunta do Congresso.

O período do pós-guerra

Por outro lado, análises sóbrias nosanos após a publicação dos resultados daComissão Conjunta do Congresso produ-ziram obras de diferentes matizes e equili-brada escolaridade, as quais constituem ocomeço do veredicto da história. Esses tra-balhos, baseados em cuidadosa leitura detodo o registro da Comissão Conjunta doCongresso e de outras fontes primárias quetrarão luzes no futuro, estão criando umresponsável e cada vez mais acurado e jus-to entendimento das falhas na tapeçaria dePearl Harbor. Definitivamente, em uma so-ciedade livre esta deve ser a função da co-munidade acadêmica, que vem trabalhan-do bem nesse caso.

AVALIAÇÃO

Sem dúvida, o Almirante Kimmel e o Ge-neral Short encontraram uma “imprensa ad-versa” durante a guerra, especialmente nosanos imediatos ao ataque e à publicação doresultado da Comissão Roberts. A contri-

* N.A – Chefe da Divisão de Planos de Guerra do Exército.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

buição fundamental do Magic e Púrpura parao esforço de guerra significa que perguntasnão poderiam ser respondidas enquanto aguerra ocorria, e, neste sentido, de algumamaneira, as reputações do Almirante Kimmele do General Short foram sacrificadas embenefício do esforço de guerra. Conquantoa concentração neles desviasse a atenção,talvez convenientemente, não existe evidên-cia de uma intenção organizada para fazerdo Almirante Kimmel e do General Shortbodes expiatórios e há pouca probabilidadede existirem esforços para difamá-los pes-soalmente. Em particular, não há clareza deações do governo dirigidas somente contrasuas reputações. Também não existe qual-quer ação de governopara desviar o ceticis-mo em relação ao Al-mirante e ao General.

Pearl Harbor acon-teceu no meio de umacirrado debate entreisolacionistas eintervencionistas. Asenergias desse debatenão arrefeceram com Pearl Harbor; pelo con-trário, ele foi redirecionado. Em certa exten-são, o Almirante Kimmel e o General Shorttornaram-se causes célèbres nessa disputapartidária. Isso foi, e ocasionalmente aindaé hoje, o resultado de um mundo envolvidopela política, no qual oficiais ostentando po-sições de três e quatro estrelas tornam-seenvolvidos, em razão de suas altas funçõespúblicas, frequentemente comconsequências desproporcionais ao seustalentos ou posições como militares profis-sionais. Certamente, o Almirante Kimmel,desejosamente e mesmo ansiosamente, en-trou nessa rixa, levando o assunto de suareputação ao debate público; sua autobio-

grafia traduz seus esforços, alguns dos quaisforam citados nesta apresentação.

Com a publicação do trabalho da Co-missão Conjunta do Congresso – uma minade ouro de fontes primárias – e a cada vezmaior contribuição do mundo acadêmico,um responsável e crescentemente acuradoe justo entendimento dos erros em PearlHarbor está emergindo.

Neste processo, o Almirante Kimmel e oGeneral Short estão encontrando seu verda-deiro lugar. Não existe nada que o governopode ou deveria fazer para alterar o processo.

OPÇÕES PARA OUTRAS AÇÕES

Promoção baseadaem performance

Nenhum erro signi-ficativo foi cometidoem qualquer das trêsações pessoais*. Seuefeito cumulativo co-locou o AlmiranteKimmel e o General

Short em seus permanentes postos de duasestrelas na lista de oficiais da reserva. Dis-pensa e passagem para a reserva tornaram-se inevitáveis, e não foram injustas e in-corretas dentro das circunstâncias.

Promoção é baseada no potencial e nãono desempenho anterior. Isto é, promoçãoé baseada na expectativa da performanceao nível para o qual o indivíduo está sendoconsiderado para a promoção. Ao tempodo ataque japonês a Pearl Harbor, o Almi-rante Kimmel e o General Short haviam sidopromovidos a quatro e três estrelas, res-pectivamente, baseados nos seus poten-ciais de performance para o exercício nes-se nível de comando. Suas dispensas, em

* N.A – 1) Dispensa de seus comandos em Pearl Harbor. 2) Passagem para a reserva. 3) Decisões para nãopromovê-los na lista da reserva.

As reputações do AlmiranteKimmel e do General Short

foram sacrificadas embenefício do esforço de

guerra

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

16 de dezembro de 1941, refletiram as avali-ações das secretarias da Marinha e do Exér-cito de que seus potenciais para continua-rem nesses postos haviam mudado.

Pelo fim de 1946, o Exército, a Marinha eo Comitê Conjunto do Congresso concluí-ram, independentemente, que o AlmiranteKimmel e o General Short possuíam infor-mações adequadas para colocar suas for-ças em um alto estado de prontidão paradefender Pearl Harbor contra um ataqueaéreo. Eles tinham forças suficientes paracolocar uma efetiva e tanto quanto vivadefesa caso suas forças tivessem sidoalertadas e coordenadas. Membros do go-verno no mais alto nível chegaram a con-clusões similares ao longo dos 50 anosseguintes. Este estudo do Departamentode Defesa – depois de examinar todos osfatos e circunstâncias novamente – nãoencontrou argumentos para alterar as con-clusões encontradas pelas Forças, peloComitê Conjunto do Congresso e outros,de que o Almirante Kimmel e o GeneralShort cometeram “erros de julgamento”.

Este trabalho concluiu que o AlmiranteKimmel e o General Short não foram osúnicos responsáveis pelo desastre em PearlHarbor. Outros cometeram significativoserros de julgamento. Em particular, altoschefes da Marinha e do Exército falharamem apreciar o conjunto e ao transferir aoscomandantes no Havaí o sentido do foco eda urgência que as mensagens japonesasinterceptadas haviam criado. Contudo, essefato não exclui os erros do Almirante Kimmele do General Short. A grandeza do desastreem Pearl Harbor e os altos postos de co-mando na área colocam-nos à parte de ou-tros que serviram na Segunda Guerra Mun-dial. As decisões de não os promover ouavançá-los na lista dos oficiais da reserva,ou de restaurar suas patentes temporárias,não foram incorretas. Não existe apoio parareverter essas decisões.

Como observado anteriormente, postosde três e quatro estrelas são “posições deimportância e responsabilidade” que reque-rem confirmação individual do Senado.Como as seções anteriores desta revisãosugerem, embora talvez em tempos outroseles tenham sido injustamente caracteriza-dos, o Almirante Kimmel e o General Shortnão podem ser vistos como inteiramentesem culpa em relação a Pearl Harbor. Eleseram os homens com a responsabilidade naárea do pior desastre militar na história dosEUA, e seus erros de julgamento foram demagnitude suficiente para levar à conclu-são de que sua performance total não secompara favoravelmente com aquela de ou-tros três e quatro estrelas de seu tempo.

Promoção baseada em outrasconsiderações

O artigo II, Seção 2, da Constituiçãoconfere ao Presidente amplo poder, com arecomendação e o consentimento do Se-nado, para designar oficiais nas ForçasArmadas. O Presidente pode usar esta au-toridade discricionária para designar umoficial, independentemente dos regulamen-tos que, por outro lado, governam o pro-cesso das promoções. Então, o Presidentetem o poder para designar o AlmiranteKimmel e o General Short para a promoçãopost mortem na lista de oficiais da reserva.

Em razão de suas posições como co-mandantes no cenário do Havaí, foi inevi-tável que grande parte do peso do temorda opinião pública sobre o desastre de PearlHarbor recaísse imediatamente sobre o Al-mirante Kimmel e o General Short. A ne-cessidade de manter secreta a capacidadeda quebra dos códigos japoneses impediuque esclarecimentos oficiais fossem pres-tados durante os tempos de guerra. As fa-mílias do Almirante Kimmel e do GeneralShort, no que lhes concerne, estão preo-

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cupadas com os efeitos protelatórios denotícias publicadas ao longo dos últimos50 anos. Eles argumentam que o stigma eobloquy desta época persiste, e demandamação governamental, dizendo que “o veí-culo que nós escolhemos” para restaurar areputação desses oficiais é a promoção nalista de oficiais da reserva.

Contudo, tal promoção não é a maneiraapropriada para curar ofensas à reputação.Com o término da guerra e a publicaçãodos resultados das investigações das For-ças e do Comitê Conjunto do Congresso,ficou esclarecido que o Almirante Kimmele o General Short não foram os únicos res-ponsáveis pelo desastre em Pearl Harbor eque os erros de julgamento por eles come-tidos não atingiram o nível de dereliction,e que outros também cometeram tal tipo deerros. Assim, a posição oficial sobre o as-sunto encontra-se onde deveria.

É indisputável que o Almirante Kimmel eo General Short receberam mais do que aqui-lo que lhes impuseram uma imprensa ten-denciosa nos primeiros anos da guerra, eque os erros de outros, os quais contribuí-ram para o desastre em Pearl Harbor, geral-mente foram poupados de censuras. A pro-moção post mortem, todavia, necessariamen-te teria que ser calcada no julgamento deque, no mínimo, eles serviram satisfatoria-mente como três e quatro estrelas. Seus su-periores, na época, decidiram que não, e nãohá como compelir para que essas primeirasdecisões sejam modificadas.

Usar promoções post mortem para com-pensar tratamento severo na mídia, comoforma de desculpa oficial ou como um atosimbólico, não seria apropriado. Adicio-nalmente, não existe precedente para talpromoção.

Finalmente, usar avanço ou promoçãopara tais propósitos seria verdadeiramenteinjusto em relação àqueles que merecerampromoções em razão da performance e im-

plicaria duplo padrão para promoções nasForças Armadas.

Os mais altos postos na reserva aosquais um oficial pode aspirar não devemser conferidos a ninguém como uma des-culpa. Antes, esses postos devem estarreservados para aqueles oficiais cujasperformances se encontrem acima das dosoutros.

CONCLUSÃO

Um exame nos assentamentos não mos-tra que as promoções do Almirante Kimmele do General Short na lista de oficiais dareserva seja justificada.

O VEREDICTO DA HISTÓRIA

A comunidade acadêmica continuou aproduzir várias obras de excelentes méritospara o que o trabalho do Departamento daDefesa chamou de veredicto da história.

Dentre elas, provavelmente o mais com-pleta, para muitos o trabalho definitivo so-bre Pearl Harbor, coube a Robert B.Stinnett, autor de O dia da fraude – A ver-dade sobre FDR e Pearl Harbor, cuja 1a

edição foi publicada no ano 2000. Citei-oao longo de meu trabalho.

Em nota do tradutor, na Revista Maríti-ma Brasileira v. 127, no 10/12, out/dez 2007,p. 70, assim me expressei: “Na documenta-ção por mim consultada, o livro de RobertB. Stinnett é, sem dúvida, o mais completorelato sobre a tragédia que se abateu sobrePearl Harbor. Segundo Tom Rooser, doChicago Sun Times, é, talvez, o maisrevelador dos documentos de nosso tem-po”. Escreve John Alterian, do DetroitNews: “Apoiado em 17 anos de pesquisa eusando mais de 200 mil entrevistas e docu-mentos desclassificados [para mim, articu-lista, feito notável], Stinnett faz devasta-doras revelações...”.

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Douglas Cirignano entrevistou RobertB. Stinnett*. A tradução para o portuguêsde Portugal foi feita por J. Figueiredo**.Da tradução, selecionei algumas pergun-tas e respostas. Cirignano encerra a intro-dução de sua entrevista com a afirmativade Gore Vidal: “...Robert Stinnett limpou amaior parte dos fumos das armas. O ‘dia dafraude’ mostra que o famoso ataque ‘sur-presa’ não foi surpresa para os nossos di-rigentes voltados para a guerra...”. E JohnToland, o autor que ganhou o PrêmioPulitzer com o livro Infâmia, sobre PearlHarbor, declarou: “Passo a passo, Stinnettpassou dos antecedentes para a guerra,utilizando novos documentos para revelaros terríveis segredosque nunca foram reve-lados ao público. Éperturbador que 11presidentes, incluindoaqueles que admirei,mantiveram a verdadeafastada do públicoaté que os pedidos deStinnett ao abrigo doActo da Liberdade deInformação (Foia)***finalmente convenceram a Marinha a libe-rar a evidência”.

A seguir, algumas perguntas e respos-tas que selecionei:

Cirignano – Os historiadores e respon-sáveis do governo afirmam que Washing-ton não teve conhecimento prévio do ata-que a Pearl Harbor, sempre argumentaramque os EUA não estavam a interceptar enão haviam decifrado códigos militaresimportantes do Japão nos meses e dias queantecederam o ataque. O ponto crucial doseu livro é que a investigação prova que

isso é absolutamente falso. Estávamos aler a maior parte das mensagens via rádiodo Japão. Correto?

Stinnett – Isso é correto. E acredito nis-so também. Como sabe, a revista Life, emsetembro de 1945, logo após a rendição doJapão, sugeriu que o caso era assim, queRoosevelt arquitetara Pearl Harbor. Masaquilo foi ignorado como um panfleto anti-Roosevelt, e eu também acreditei.

Cirignano – Outra informação do centroda teoria do ataque surpresa de PearlHarbor é que os navios do Japão mantive-ram os rádios silenciosos quando se apro-ximavam do Havaí. Isso também é comple-tamente falso?

Stinnett – Sim, eisso foi afastado doCongresso, de modoque ninguém sabiaacerca de tudo isso.

Cirignano – Até oAto da Liberdade deInformação?

Stinnett – Sim.Cirignano – Será

esta declaração verda-deira? Se a América

estava a interceptar e decodificar mensa-gens militares do Japão, então Washing-ton e Franklin Delano Roosevelt sabiamque o Japão estava em vias de atacar PearlHarbor?

Stinnett – Oh, sem dúvida.Cirignano – Mas sente que isso é assim

tão simples?Stinnett – Sim, esse era o seu plano. Era

o plano de provocar um ato aberto de guer-ra, contado no meu livro, que foi adotadopelo Presidente Roosevelt em 7 de outu-bro de 1940.

* N.A – http://www.independent.org/tii/news/020311cirignano.html.** NA – http://resistir. Info/11set/pearl_harbor_port.html.*** N.A – Stinnett dedicou seu livro ao congressista John Moss (D., CEL), autor do Ato de Liberdade de

Informação.

A revista Life, em setembrode 1945, logo após a

rendição do Japão, sugeriuque o caso era assim, que

Roosevelt arquitetaraPearl Harbor

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Cirignano – O Sr. escreveu que, no finalde novembro de 1941, foi enviada uma or-dem a todos os comandantes militares dosEUA que dizia: “Os Estados Unidos dese-jam que o Japão cometa o primeiro ato aber-to”. Segundo o secretário de GuerraStimson, a ordem vinha diretamente do Pre-sidente Roosevelt, comprometido em apoi-ar esta política de provocar o Japão a co-meter o primeiro ato de guerra aberta?

Stinnett – Não sei se ele revelou isso aogabinete. Ele pode ter revelado o plano aHarry Hopkins, seu confidente próximo,mas não há qualquer evidência de que al-guém no gabinete soubesse disso.

Cirignano – Penso que escreveu no seulivro que eles sabiam... Que alguns delesestavam a par....

Stinnett – Bem, alguns sabiam. O secretá-rio de Guerra Stimson sabia, como se vê noseu diário, e também provavelmente FrankKnox, o secretário da Marinha, sabia. MasFrank Knox morreu antes da investigação terprincipiado. Assim, tudo o que temos real-mente é o diário de Stimson. Este revela mui-to ali, e eu considero isso no meu livro. O Sr.deve querer dizer o seu gabinete de guerra.Sim. O diário de Stimson revela que novepessoas no gabinete de guerra – três milita-res – sabiam desta política de provocação.

Cirignano – Embora Roosevelt tenha fei-to declarações em sentido contrário para opúblico, não sentiria ele e os seus conse-lheiros que a América estava, no fim dascontas, indo rumo à guerra?

Stinnett – Correto. Bem, sua declaraçãoera: “Não enviarei os nossos rapazes paraa guerra, a menos que sejamos atacados”.Assim, ele concebeu esse ataque para re-almente nos levar à guerra contra a Alema-nha. Mas penso que essa era sua únicaopção. Manifestei-me no livro.

Cirignano – Quem era o Tenente Coman-dante Arthur Mc Collun e qual era sua co-nexão com o ataque de Pearl Harbor?

Stinnett – Ele trabalhou para a Inteligên-cia Naval em Washington. Ele também era ooficial de comunicações do PresidenteRoosevelt. Assim, todas essas interceptaçõesiriam para o Comandante Mc Collun e a se-guir ele as encaminharia para o Presidente.Não há dúvida sobre isso. Ele era também oautor do seu plano para levar o Japão a ata-car-nos em Pearl Harbor. E ele nascera e foracriado no Japão.

Cirignano – Mc Collun escreveu esseplano, esse memorando, em outubro de1940. Era dirigido a dois dos mais próximosassessores de Roosevelt. No mesmo, McCollun exprime que é inevitável que o Ja-pão e a América caminhem para a guerra eque a Alemanha nazi tornava-se uma ame-aça à segurança da América. Mc Collun estáa dizer que a América tem que se envolverna guerra. Mas ele também diz que a opi-nião pública é contra isso. Assim, Mc Collunsugere, em consequência, oito coisas es-pecíficas que a América deveria fazer paralevar o Japão a tornar-se mais hostil, a ata-car-nos, de modo que o público apoiasse oesforço de guerra. E como ele nascera efora criado no Japão, entendia a mentalida-de japonesa e sabia como os japoneses re-agiriam.

Stinnett – Sim. Exatamente.Cirignano – Foi a existência deste me-

morando do Comandante Mc Collun algu-ma vez revelada ao público antes de seulivro aparecer?

Stinnett – Não, não. Eu o recebi emconsequência do meu pedido ao Foia, emjaneiro de 1995, de extração dos ArquivosNacionais. Eu não sabia que ele existia.

Cirignano – FDR e os seus conselhei-ros militares sabiam que se as oito açõesde Mc Collun fossem implementadas – coi-sas como manter a frota do Pacífico em PearlHarbor e debilitar a economia do Japão comum embargo – não havia dúvida de queisso levaria o Japão – cujo governo era

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muito militarizado – a atacar os EstadosUnidos. Correto?

Stinnett – Correto, e é o que o Coman-dante Mc Collun diz. Ele afirma : “ Se o Sr.adotar essas políticas então o Japão come-terá seu ato aberto de guerra”.

Cirignano – Há alguma prova de queFDR tenha visto o memorando de McCollun?

Stinnett – Não há qualquer prova de queele realmente tenha visto o memorando,mas ele adaptou todas as oito provocações– chegando a assinar ordens de execução...E outras informações nos arquivos da Ma-rinha mostram evidências conclusivas deque ele o viu.*

Cirignano – Seu livro afirma que em 1941havia um espião residindo no consuladojaponês de Honolulu.

Stinnett – O Japão colocou esse espião– era um oficial japonês – em Honolulu. Elechegou em março de 1941. Mas quando oFBI conferiu o seu nome descobriu que nãoestava listado no registro estrangeiro japo-nês, o que o tornou imediatamente suspei-to. Eles colocaram uma “cauda” nele. E, as-sim, o espião começou a passar mensagenspara o Japão que nós estávamos intercep-tando. Estas agora eram num código diplo-mático. E então o FBI continuou a segui-lode perto, bem como a inteligência naval.

Cirignano – A inteligência naval, o FBIe Roosevelt sabiam que esse homem esta-

va espionando a frota em Pearl Harbor, edeixaram a espionagem continuar. A políti-ca do governo FDR era então olhar para ooutro lado e deixar o Japão preparar-se paraatacar-nos?

Stinnett – Isso é certo. Está correto. Eleestava fornecendo um cronograma do ataque.

Cirignano – O espião estava mesmo en-viando planos de bombardeamento emPearl Harbor?

Stinnett – Sim. De março a agosto eleforneceu o recenseamento da frota do Pa-cífico. Então, a partir de agosto, começou apreparar planos de bombardeamento dePearl Harbor, onde os nossos navios esta-vam ancorados, e assim por diante.

Cirignano – E Roosevelt chegou a veresses planos de bombardeamento, não é?

Stinnett – Sim, isso é correto.Cirignano – O Sr. afirma que, por duas

vezes, durante a semana de 1 a 6 de dezem-bro, o espião informou que Pearl Harborseria atacada. Segundo um comandante ja-ponês, a mensagem de 2 de dezembro era:“Não foram observadas alterações na tar-de de 2 de dezembro. Até então eles nãoparecem ter sido alertados”. E na manhã de6 de dezembro a mensagem era: “Não hábarragens de balões levantadas, e há umaoportunidade para um ataque surpresa con-tra esses locais”. Estas mensagens foraminterceptadas pela Marinha, certo? Seráque Roosevelt sabia dessas mensagens?

* Registro, para lembrança, as oito ações do Memorando Mc Collun:1. Fazer um acordo com a Grã-Bretanha para a utilização das bases britânicas no Pacífico,

principalmente Cingapura.2. Fazer um acordo com a Holanda para o uso de facilidades e para aquisição de suprimentos

nas Índias Ocidentais Holandesas (hoje Indonésia).3. Fornecer toda ajuda possível ao governo chinês de Chiang Kai-shek.4. Enviar uma divisão de cruzadores pesados para o Oriente, Filipinas ou Cingapura.5. Enviar duas divisões de submarinos para o Oriente.6. Manter o grosso da Marinha dos EUA, agora no Pacífico, nas proximidades das Ilhas

Havaianas.7. Insistir junto ao governo holandês para recusar o fornecimento de concessões econômi-

cas aos japoneses, particularmente óleo.8. Impor embargo comercial total ao Japão, em colaboração com embargo similar a ser

imposto pelo Império Britânico. Stinnett – Day of Deceit – pág. 8.

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Stinnett – Elas foram interceptadas. Issoé correto. Foram enviadas pelas comunica-ções da RCA. E Roosevelt enviou DavidSarnoff, que era o chefe da RCA, a Honolulude modo que este facilitasse a obtençãodessas mensagens ainda mais rapidamente.Embora estivéssemos também as intercep-tando a partir do éter, de qualquer forma. Ede 2 de dezembro a 6 de dezembro o espiãoindicou que Pearl Harbor iria ser o alvo. E a2 de dezembro foi interceptada uma mensa-gem, sendo decodificada e traduzida antesde 5 de dezembro. A mensagem de 6 de de-zembro... não é realmente prova; foi inter-ceptada, mas há toda espécie de históriasde encobrimento sobre se chegou ou nãoao Presidente. Mas há prova de que ele re-cebeu outra informação do que iria aconte-cer no dia seguinte, de qualquer modo.

Cirignano – Viu os registros destas in-terpretações com seus próprios olhos?

Stinnett – Sim. Tenho isso.Cirignano – E todas essas mensagens

que a Marinha interceptava constantemen-te mostravam exatamente onde estavam osnavios japoneses que estavam preparan-do-se para a guerra e que estavam dirigin-do-se diretamente para o Havaí. Certo?

Stinnett – Está certo. Nossos detectoresde direção de rádio localizaram os vasosde guerra japoneses.

Cirignano – O Sr. diz que Roosevelt recebiaregularmente cópias dessas interceptações.Como elas lhe eram entregues?

Stinnett – Pelo Comandante Mc Collun,reencaminhando a informação para ele. Elaseram preparadas em forma de monografia.Chamavam isso monografia... eram envia-das ao Presidente por meio do Comandan-te Mc Collun, que as despachava por meiodo adjunto naval do Presidente.

Cirignano – Na página 203 da ediçãoencadernada do seu livro, lê-se: “Sete trans-

missões de rádio navais japonesas inter-ceptadas entre 28 de novembro e seis dedezembro confirmam que o Japão tencio-nava começar a guerra e que começaria porPearl Harbor”. Viu registros dessasinterceptações com seus próprios olhos?

Stinnett – Sim. E também temos novasinformações sobre outras interceptaçõesna nova edição que saiu em maio de 2001.Não há dúvida sobre isso.

Cirignano – Segundo “O dia da fraude”,em 25 de novembro o Almirante Yamarustoenviou uma mensagem de rádio à frota ja-ponesa. Em parte da mensagem lê-se: “Aforça-tarefa, mantendo seus movimentosestritamente secretos e mantendo guardaserrada contra submarinos e aviões, avan-çará dentro de águas havaianas e no ins-tante da abertura das hostilidades atacaráa força principal da frota dos Estados Uni-dos no Havaí e desferir-lhe-á um golpemortal...” Qual é a prova de que o registrodessa interceptação existe? O Sr. o viu?Mais uma vez, Roosevelt soube disso?

Stinnett – A versão em inglês dessa men-sagem foi divulgada pelos Estados Unidos.Tenho cópias dos registros de rádio da Es-tação H –, uma estação de monitoragem doHavaí. Eles provam que a Marinha intercep-tou 83 mensagens que Yamamoto enviouentre 17 e 25 de novembro. Tenho essesregistros, mas não as interceptações origi-nais, 86% das quais não foram divulgadaspelo governo*... Até que Roosevelt, no prin-cípio de novembro de 1941, ordenou que asinterceptações originais japonesas fossementregues diretamente a ele pelo seu adjun-to naval, Capitão** Beardall. Por vezes, seMc Collun sentia que uma mensagem eraparticularmente quente, entregava-a pesso-almente a FDR.

Cirignano – No fim do dia 6 de dezembro enas primeiras horas da manhã de 7 de dezem-

* NA – Grifos do articulista.** NA – Capitão de Mar e Guerra.

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bro, os Estados Unidos interceptaram mensa-gens enviadas ao embaixador japonês emWashington. Essas mensagens constituíambasicamente uma declaração de guerra – o Ja-pão estava dizendo que rompia negociaçõescom a América. Naqueles mesmos momentos,mostraram as interceptações ao GeneralMarshall e ao Presidente Roosevelt. QuandoFDR as leu, disse: “Isso significa guerra”.Quando a última interceptação foi mostrada aRoosevelt, ainda faltavam horas para o ata-que a Pearl Harbor. Nessa última interceptação,o Japão dava a data final de quando iria rom-per relações com os EUA – a data final era ahora exata em que Pearl Harbor foi atacada.FDR e Marshall deveriam então ter enviadouma advertência de emergência ao AlmiranteKimmel em Pearl Harbor. Mas eles atuaram deforma displicente e não enviaram nenhuma ad-vertência a Kimmel.

Stinnett – Sim. Esta é a mensagem envia-da do Ministério das Relações Exteriores doJapão ao embaixador japonês em Washing-ton, D.C. E ele atuou assim... rompeu rela-ções com os Estados Unidos e estabeleceuum cronograma para 13 horas de domingo, 7de dezembro, fuso horário da costa leste.

Cirignano – A hora exata em que PearlHarbor foi bombardeada.

Stinnett – Correto. Eles, com toda sua in-formação, perceberam isso. E então o Gene-ral Marshall, apesar disso, sentou-se em cimada mensagem durante cerca de 15 horas por-que não queria enviá-la... não queria advertiros comandantes do Havaí a tempo... não que-ria que eles interferissem com o ato aberto.Finalmente acabaram por enviar, mas a men-sagem não chegou senão após o ataque*.

Cirignano – Roosevelt também viu isso.Eles deveriam ter enviado uma advertênciaao Almirante Kimmel no Havaí, não é?

Stinnett – Correto. Mas o Sr. verifica queeles queriam que ocorresse o ato abertopor parte do Japão. Aquilo unificou o povoamericano.

Cirignano – Isso parece o caso clássicode superiores que fazem algo questionávele a seguir conseguem que as pessoas abai-xo deles arquem com as culpas. O Almiran-te Husband Kimmel estava à frente da fro-ta de Pearl Harbor e foi rebaixado e culpa-do pelo ataque. Isso justifica-se?

Stinnett – Não. Não se justifica. E o Con-gresso, como sabe, em outubro de 2000,votou em isentá-lo porque foi-lhe retiradaa informação. Isto é muito importante. Masestava sujeito à aprovação do PresidenteClinton, que não assinou. Mas pelo menoso Congresso atuou, fez o que devia**.

Cirignano – O Sr. afirma que ao Almiran-te Kimmel e ao General Short – que dirigiao Exército no Havaí – foi negada por Wa-shington a informação que lhes teria per-mitido saber que o ataque estava por vir.De que modo foi negada informação aKimmel e a Short?

Stinnett – Bem, eles foram postos delado... Não lhes foi dito que o espião esta-va ali, e não lhes foram dados esses docu-mentos cruciais, as informações dosdetectores de direção de rádio***. Todaessa informação ia para toda a gente, excetopara Kimmel e Short. Isso é muito claro...Num certo momento, Kimmel especifica-mente solicitou que Washington o infor-masse imediatamente acerca de quaisquerdesenvolvimentos importantes, mas elesnão o fizeram.

Cirignano – Foi dada alguma informa-ção a Kimmel, porque duas semanas antesdo ataque ele enviou a frota do Pacífico aonorte do Havaí num exercício de reconhe-

* NA – Aparece em uma cena ao final do filme “Pearl Harbor”, mais um romance do que uma narraçãohistórica.

** N.R.: Grifo do articulista.*** NA – Radiogoniômetros.

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cimento, a fim de verificar os transportesjaponeses? Quando os responsáveis daCasa Branca souberam disso, qual foi a suareação?

Stinnett – O Almirante Kimmel tentou,num certo número de ocasiões, fazer algopara defender Pearl Harbor. E, realmente,duas semanas antes do ataque, a 23 denovembro, Kimmel enviou aproximada-mente uma centena de vasos de guerra dafrota do Pacífico para o sítio exato em queo Japão planejava lançar o ataque. Kimmelatuava com seriedade. Ele estava à procu-ra de japoneses. Suas ações indicavam queele queria estar perfeitamente preparadopara a ação se ele encontrasse um navio daArmada japonesa.

Quando responsáveis da Casa Brancasouberam disso, eles disseram a Kimmelque ele estava “complicando a situação”...O Sr. vê, a Casa Branca queria um ato aber-to de guerra por parte do Japão que fosseclaro e inequívoco. Os isolacionistas teri-am acusado FDR de precipitar a ação japo-nesa por permitir que a frota do Pacíficofosse ao Pacífico norte... Assim, minutosdepois de ter recebido a diretiva da CasaBranca, Kimmel cancelou o exercício e man-dou a frota retornar ao seu ancoradouroem Pearl Harbor. Foi onde os japoneses aencontraram em 7 de dezembro de 1941.

Cirignano – A Casa Branca estava alge-mando Kimmel? Eles queriam-no comple-tamente passivo?

Stinnett – Sim. É exato.Cirignano – FDR enviou uma advertên-

cia de guerra a Kimmel em 28 de novembro.Foi uma advertência suficiente?

Stinnett – Bem, foi uma advertência, masnela também orienta o Almirante Kimmel etodos os comandantes do Pacífico para fi-carem de lado, não irem para a ofensiva,permanecerem em posição defensiva, e dei-xarem o Japão cometer o primeiro ato aber-to. É o que diz a mensagem, e está no meu

livro. E para o Almirante Kimmel, aquelamensagem que ele recebeu foi repetida duasvezes: “Permaneça de lado e deixe o Japãocometer o primeiro ato aberto”. Ofraseamento exato está no meu livro.

Cirignano – Seu livro torna abundante-mente claro que FDR e seus conselheirossabiam que o Japão estava preparando-separa a guerra, e sabiam que o Japão ia final-mente atacar. Mas poder-se-á dizer que FDRsabia que o ataque iria ter lugar especifica-mente na manhã de 7 de dezembro em PearlHarbor?

Stinnett – Sim. Absolutamente.Cirignano – Por meio das interceptações

de rádio?Stinnett – Por meio das interceptações de

rádio, sim. Tanto militares como diplomáticas.Cirignano – Em 5 de dezembro, a Mari-

nha interceptou uma mensagem dando ins-truções às embaixadas japonesas em todoo mundo para queimarem os livros de códi-gos. O que significa um governo instruirsuas embaixadas a queimarem seus livrosde códigos?

Stinnett – Significa que a guerra come-çará dentro de um ou dois dias.

Cirignano – Trata-se de um conhecimen-to comum entre os militares. E os respon-sáveis em Washington viram estasinterceptações e o seu significado.

Stinnett – Sim, correto.Cirignano – FDR e Washington também

sabiam que o Japão havia mandado retornartodos os navios de sua frota mercante. Oque significa isso?

Stinnett – É bem sabido no governo eentre os militares que se um país mandavoltar sua frota mercante é porque os navi-os são necessários para transportar solda-dos e abastecimentos para a guerra.

Cirignano – Se o que está dizendo é ver-dade, então Pearl Harbor é um primeiroexemplo de um governo a tratar seres hu-manos como ratos cobaias. Ainda assim, o

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Sr. não menospreza FDR nem tem uma vi-são negativa dele.

Stinnett – Não, não tenho uma visãonegativa. Penso que era a única opção atu-ar assim. E cito o principal criptógrafo dafrota do Pacífico, que disse: “Foi um preçobonito e barato que se teve de pagar paraunificar o país”.

Cirignano – Esse criptógrafo, o Comandan-te Joseph Rochefort, era um confidente de McCollun. Ele trabalhou em estreita ligação comKimmel em Pearl Harbor. Poder-se-ia argumen-tar que Rochefort, queera o mais próximo deKimmel, foi o mais res-ponsável por negar aKimmel informação vital.E ele fez tal declaração.Mas o Sr. concorda comisso? Muitas pessoas fi-cariam ofendidas eenraivecidas com umatal declaração. Muitaspessoas não concorda-riam com isso.

Stinnett – Sim, eusei. Quando falo acer-ca disso com as famíli-as, elas começam achorar. Ficam terrivel-mente inquietas... Mas, como sabe, foi usa-da pelo Presidente Polk na Guerra Mexica-na, em 1946. E também pelo PresidenteLincoln em Fort Sunter. E também, como eudisse, no Vietnã, neste caso no Golfo deTonkin.

Cirignano – Podia ser uma filosofia tra-dicional dos militares, a ideia de que osmilitares tem por vezes de provocar o ata-que do inimigo, sacrificar os seus própriossoldados, de modo a unificar um país paraa guerra.

Stinnett – Penso assim. Julgo que pro-vavelmente poder-se-ia remontar aos tem-pos de César.

Cirignano – Quanto do seu livro nuncahavia sido revelado antes ao público?

Stinnett – A rotina do silêncio rádio. Ofato de que os navios japoneses não man-tiveram silêncio quando se aproximaram doHavaí... A decifração dos códigos japone-ses – quero dizer, a prova completa disso.Códigos militares, enfatizo... E também asoito ações do Memorando Mc Collun, queconstituem a essência do meu livro. Se eunão houvesse obtido isso, o livro não se-ria tão importante.

Cirignano – Suainvestigação pareceprovar que podemexistir conspiraçõesdo governo. Na suaótica, quantas pesso-as diria que, afinal decontas, sabiam que oJapão estava prestesa atacar Pearl Harbormas mantiveram si-lêncio sobre isso e en-cobriram-no antes eapós o evento?

Stinnett – Eu citono livro 35 pessoasque certamente sabi-am disso. E prova-velmente há mais do

que isso.Cirignano – Também parece como um

clássico encobrimento de Washington. Noseu livro, usa a frase “fraudes de PearlHarbor”. Desde o ataque têm faltado do-cumentos, há documentos alterados, pes-soas sendo insinceras e pessoas come-tendo perjúrio diante de comitês de inves-tigação de Pearl Harbor. Correto?

Stinnett – Está correto. Totalmente. Ecomo sabe, o Departamento da Defesaetiquetou algumas das minhas solicitaçõessobre Pearl Harbor como “Segredos daDefesa Nacional B1”, e eles não os entre-

Quantas pessoas sabiamque o Japão estava

prestes a atacar PearlHarbor mas mantiveram

silêncio sobre isso eencobriram-no antes

e após o evento?– Eu cito no livro 35

pessoas que certamentesabiam disso.

Stinnett

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

garão. Eu digo isso no livro. Janet Reno*não os entregaria para mim.

Cirignano – E a todos os comitês ofici-ais do Congresso sobre Pearl Harbor foinegada e não foi entregue toda essa infor-mação relevante e secreta?

Stinnett – Correto. Eles também foramafastados do assunto.

Muitas pessoas provavelmente nãoquerem acreditar que um presidente fariatal coisa.

DO TRADUTOR/ARTICULISTA –FINAL

Provavelmente animado com a decisãodo Congresso, ambasas Casas não atendi-das pelo PresidenteClinton, em favor daspretensões das famíli-as Kimmel e Short,Edward R. Kimmel, oúnico filho sobrevi-vente do AlmiranteHusband E. Kimmel,dirigiu-se por quatrovezes, por meio de car-tas, ao Presidente George W. Bush na bus-ca de seu intento.

A primeira carta foi datada de 22 de fe-vereiro de 2001, a segunda de 12 de junhode 2001, a terceira de 10 de janeiro de 2002.

“Lamentavelmente, o Presidente GeorgeW. Bush não considerou a ação do Con-gresso. A família Kimmel recebeu uma car-ta do Presidente, assinada pelo chefe deGabinete, Andrew W. Card, na qual escla-recia que o Presidente George W. Bush nãoatendeu à solicitação dos Kimmel porquenenhuma “nova ou extraordinária” evidên-

cia emergiu para que se modificasse umadecisão de 50 anos. Porém, Thomas Kimmelfoi capaz de apresentar, pelo menos, umadúzia de novos e significantes itens de evi-dências que claramente mostravam que oAlmirante Kimmel foi injustamente acusa-do e deslealmente difamado”.**

É possível que Edward R. Kimmel nãotenha percebido que o secretário de Defe-sa de George Bush, o pai, Dick Cheney,agora era o vice-presidente da República.

Em 1o de novembro de 2008, sábado, ocomandante da ForçaAérea do Japão foi su-mariamente demitidopelo primeiro-ministropor escrever artigo naimprensa no qual afir-mou que o Japão nãofoi agressor na Segun-da Guerra Mundial,mas sim impelido porRoosevelt a atacar osEUA, o que contraria-

va os atuais princípios da política externajaponesa***.

Parece-me que esse tema esmaecerá.Não creio que, com a grande turbulênciaque tomou conta do mundo – imprevisívelaos analistas econômicos, cientistas polí-ticos, políticos profissionais, historiadores,ensaístas militares e civis, enfim, a todos –o Congresso e o Presidente Barack Obama

* NA – Janet Reno – Secretária de Justiça na administração Bill Clinton.** N.A – AIM REPORT – Editor Cliff Kincaid, 2003 Report # 11, 5 de junho de 2003.*** N.A – Escutei no noticiário da Globo News, “Em cima da hora”. Não foi repetido e não foi registrado

em jornal.

O Almirante Husband E.Kimmel, afinal, teve suahonra, com toda justiça,

resgatada pelo Congressodos Estados Unidos da

América

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<HISTÓRIA>; / História dos Estados Unidos; Segunda Guerra Mundial;

possam ou queiram reservar algum tempopara o ocorrido em Pearl Harbor.

Minhas palavras finais são para reafir-mar o que registrei na RMB, 4o t/2006, p. 66sobre Franklin Delano Roosevelt, sob o tí-tulo O Estadista:

“Roosevelt encontrara a solução para ogrande problema que o afligia, o convenci-mento dos isolacionistas americanos, al-

guns deles ultrarradicais de direita e seusinimigos políticos, para levar o país à guer-ra contra Hitler, àquela altura já detectadopelo Presidente como o grande flagelo dahumanidade.”

Embora implícita, não escrevi nopanegírico que lhe dediquei a palavra “co-ragem”, coragem moral sobretudo.

O Almirante Husband E. Kimmel, afi-nal, teve sua honra, com toda justiça, res-gatada pelo Congresso dos Estados Uni-dos da América. Não poderia ter sido deoutra maneira.

Ao ser finalizada a séria sobre o Japão, Pearl Harbor e a Saga do AlmiranteKimmel, a Revista Marítima Brasileira tem o dever de agradecer ao seu autor, Almi-rante de Esquadra Mário Jorge da Fonseca Hermes, pelo discernimento e a abnega-ção devotada a um tema tão importante da história da Segunda Guerra Mundial e daHistória da Humanidade.

A matéria foi objeto de inúmeras e variadas obras escritas e discutidas porautores e historiadores em todas as vertentes da mídia.

Como foi possível ler, ao longo dos artigos, a sociedade americana avaliou oprocedimento do Almirante Kimmel e do General Short nos últimos 60 anos.

Os presidentes da República e o Congresso dos Estados Unidos discutirama respeito das instituições e personalidades envolvidas no triste episódio e inexistiuunanimidade em relação aos ilustres oficiais.

A Revista Marítima Brasileira manifesta sua gratidão ao Exmo. Sr. Almirantede Esquadra Mário Jorge da Fonseca Hermes pois, dedicando suas horas de lazer eesforçando-se por interpretar, traduzir e adaptar, mostrou aos leitores da revistaaspectos relevantes e inéditos.

Certamente foi trazida luz onde havia sombra, graças à perspicácia do notávelcolaborador.

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SUMÁRIO

IntroduçãoAntecedentesConcentração dos aliados

Combate de CoralesBatalha Naval do Riachuelo e sua consequênciaA “Guerra das Chatas”

A chata artilhada paraguaiaMissão da Marinha ImperialMarinha Imperial assume posiçãoOs duelos de artilhariaA morte de Mariz e BarrosMais duelos de artilhariaA artilharia aliada de terraMais duelos de artilhariaReconhecimento da “Ilha Pequena”Mais duelos de artilharia

A GUERRA DAS CHATAS*

A Marinha do Brasil na Guerra doParaguai não foi só Riachuelo.

LUIZ EDMUNDO BRÍGIDO BITTENCOURTVice-Almirante (Refo)

* N.A.: Este artigo baseia-se na magnífica obra História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai,em cinco volumes, com mais de 1.870 páginas, de autoria do General de Divisão Augusto TassoFragoso, editada em 1934 pela Imprensa do Estado-Maior do Exército, e inclui inúmeras outrasinformações contidas na bibliografia. Preferi não fazer paráfrases e abusar das transcrições paraobter mais autenticidade nos relatos.

É também parte de um trabalho maior sobre as ações bélicas de toda a guerra, com o propósitode dar à massa da oficialidade uma visão geral, fácil de ser lida, ressaltando a participação da Marinhanaqueles longos anos de beligerância, com a esperança de que os mais jovens se motivem paraempreender novas pesquisas.

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A GUERRA DAS CHATAS

INTRODUÇÃO

Aos 15 meses da invasão da Argentinae do Brasil pelos soldados paraguaios, osaliados – Argentina, Brasil e Uruguai –,após levarem o inimigo a retornar às suasfronteiras, estão prontos para dar o troco.

Este artigo pretende ressaltar a partici-pação da Marinha Imperial brasileira em al-gumas das ações preparatórias para o as-salto ao país inimigo no início da guerra.

ANTECEDENTES

Em fins de dezembro de 1864, tropasparaguaias invadiram o sul de Mato Gros-so, conquistando Corumbá a 4 de janeirode 1865. De lá retirar-se-ão, voluntariamen-te, no início de junho de 1868.

Em janeiro de 1865, em verdadeirablitzkrieg, conquistaram Corrientes, naArgentina, e Uruguaiana, no Brasil, estaem 5 de agosto de 1865.

A reação aliada priorizou Uruguaiana,que foi libertada em 18 de setembro, quan-do mais de 5 mil paraguaios caíram prisio-neiros sem que houvesse necessidade deser dado um só tiro, graças ao sítio impos-to pelos aliados. Um mês antes, a 17 deagosto, os aliados derrotaram os paraguaiosda margem direita do Rio Uruguai, em fren-te a Uruguaiana, no Combate de Iataí, quan-do 1.700 inimigos foram mortos e 1.200 fei-tos prisioneiros.

Como consequência e por ordem deLópez, os paraguaios retiraram-se dos ter-ritórios ocupados na Argentina e no sul doBrasil, atravessaram de volta o Rio Paranáe prepararam-se para resistir à inevitávelinvasão aliada.

CONCENTRAÇÃO DOS ALIADOS

Combate de Corales

Após a libertação de Uruguaiana, o gros-so das tropas envolvidas e outras recém-

formadas (exércitos de Porto Alegre, deCanabarro/Cadwell, de Osório, de Paunero,de Gelly y Obes – os dois últimos argenti-nos – e de Flores – uruguaio) dirigiram-separa a área de Corrientes/Corales, onde,entre dezembro de 1865 e abril de 1866, pre-pararam-se para a invasão do Paraguai.

Eram 38 mil brasileiros, 25 mil argentinose 2.900 uruguaios, além de outros 16 mil bra-sileiros espalhados na área como reserva epara a defesa do território do Brasil.

Os futuros invasores tinham, então, àsua disposição, 150 canoas, 30 pranchasflutuantes e 30 transportes a vapor comuma capacidade total de transportar 15 milhomens.1 (Thompson)

Nesse período, a margem esquerda do RioParaná, da foz do Rio Paraguai até Itati, esta-va ocupada pelos aliados, mas fracamentedefendida. Isso ensejou aos paraguaios fus-tigar os aliados em inúmeras ocasiões e dediversas maneiras: incursões de nove a 40canoas com um total de cem a 1.500 homensem cada incursão, ou aquela em que 3 milsoldados transportados por dois vapores de-sembarcaram, pilharam e retiraram-se.

A incursão de 31 de janeiro de 1866 deulugar ao Combate de Corales, com a partici-pação de 1.100 paraguaios que lá desembar-caram, puseram em fuga os argentinos e de-pois se retiraram tranquilamente. As baixasforam de 700 paraguaios e de 400 argentinos.

BATALHA NAVAL DO RIACHUELO ESUA CONSEQUÊNCIA

Recordemos um pouco.A 11 de junho de 1865, nas águas do

Rio Paraná, junto à foz do Arroio Riachuelo,bem próximo a Corrientes (em mãosparaguaias), a Marinha Imperial obteve his-tórica vitória sobre os paraguaios naquelabatalha naval.

A vitória brasileira, liderada por Barro-so, varreu das vias fluviais de Corrientes

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A GUERRA DAS CHATAS

para baixo a Marinha paraguaia, que, narealidade, desde então, deixou de existir. Opaís perdeu a ligação para o mundo.

Entretanto, o inimigo é corajoso, bravoe engenhoso: não dispondo de navios, “in-ventou” a chata artilhada, que se mostrouum poderoso inimigo dos navios da Mari-nha Imperial.

Foi contra esse adversário que a Mari-nha Imperial teve de lutar enquanto se pre-parava para invadir o Paraguai. Essa lutadenominei de “Guerra das Chatas”, que serátratada neste artigo.

A GUERRA DAS CHATAS

Enquanto as tropasaliadas se adestravam,os chefes pensavamno local do desembar-que, que, na opinião deMitre, com a concor-dância dos demais, de-veria ser na área deItapiru ou, no máximo,mais para montante doRio Paraná até em fren-te a Itati. Qualquer que fosse o local esco-lhido, haveriam de ser executadas, previa-mente, as operações clássicas de levanta-mento hidrográfico, reconhecimento daspraias e amaciamento das defesas inimigas,além do bloqueio à navegação oponente. Etudo isso foi feito.

Os paraguaios, para a sua defesa, forta-leceram o Forte de Itapiru com mais canhões,dispuseram de artilharia móvel – uma pode-rosa arma contra os navios que se aproxi-massem da margem – e das incríveis chatasartilhadas (ou “monitores liliputienses”,como eles as denominavam).2 (ABC)

Mais uma vez, o leitor irá perguntar-se porque uma mera chata poderá ser consideradauma “poderosa arma” contra encouraçados.

A chata artilhada paraguaia

Vejamos a descrição de uma chata naspalavras do Barão de Tefé3: “A chata é umgrande e possante batelão de fundo chato,tendo convés a proa e a ré e uma aberturano meio, como um poço de dois metros deprofundidade; nesse fundo assenta um tri-lho circular sobre o qual gira a carreta doenorme canhão cuja boca (estando o eixoda alma horizontal) fica pouco mais de umpalmo acima do rio e, às vezes, a bajular aágua. As pontarias podem ser em elevaçãoe em todas as direções do horizonte. As-sim carregadas, as embarcações estavam

quase submersas, eno poço do rodízio seabrigava a guarnição,que se comunicavacom os paióis de mu-nição sem se expor. Sóuma bomba atiradapor elevação ou o ri-cochete casual de umabala podiam inutilizaralvo tão difícil de atin-

gir, ao passo que seus artilheiros,tranquilamente, girando a carreta não de-viam errar um tiro.” (Os grifos são meus.)

Do livro A Batalha do Riachuelo4, deautoria do Chefe de Divisão JoaquimInácio, podemos adicionar alguns detalhes:“... eram da mais sólida construção... medi-am 16,50 metros de quilha, 4,60 de boca e0,80 de pontal... o convés quase ao lumed’água, sem borda... de tiro de grosso ca-nhão... tudo impossibilitava outro motorque não fosse o reboque... a guarnição re-gulava por 30 praças”.

Resumidamente, a chata era um canhãode grosso calibre capaz de ferir fundo edifícil de ser avistado e muito mais de serdestruído.*

* Para outros detalhes, ver artigos de Alvanir B. de Carvalho na RMB 4o trim./1995, p. 111 a 114.

Resumidamente, a chataera um canhão de grosso

calibre capaz de ferir fundoe difícil de ser avistado e

muito mais de ser destruído

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Chata artilhada

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A GUERRA DAS CHATAS

Missão da Marinha Imperial

Na primeira conferência que reuniu osgrandes chefes (Mitre, Tamandaré, Florese Osório), ocorrida em Corrientes, járeocupada pelos aliados, a 25 de fevereirode 1866, ficou decidido que, além do blo-queio e outras tarefas, a Esquadra Imperialbateria as fortalezas de Itapiru e de Paso dela Patria e faria o levantamento hidrográficoda margem direita do Rio Paraná até a altu-ra de Itati...

A Marinha Imperial assume posição

No dia 20 de março de 1866, uma formi-dável esquadra suspendeu de Corrientes e

assumiu suas posições na confluência dosRios Paraguai e Paraná – Três Bocas: a 2a

Divisão (Chefe José Maria Rodrigues),constituída do Encouraçado Barroso, se-guido na coluna das canhoneiras Magé,Ivaí, Mearim, Araguari e Iguatemi, atra-vessava a foz do Rio Paraguai, bloquean-do-a; as 1a Divisão (Capitão de Mar e Guer-ra Elisiário Antônio dos Santos) e 3a Divi-são (Chefe Francisco Cordeiro Torres eAlvim) com seus navios (a partir do mon-tante) Transporte Apa (navio do Almiran-te), encouraçados Brasil e Bahia,canhoneiras Parnaíba, Beberibe eGreenhalgh, o Aviso Chuí e as canhoneirasIpiranga e Itajaí postaram-se próximos àmargem esquerda do Rio Paraná, na altura

Linha dos 5 pés

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dos acampamentos das tropas argentinase uruguaias – Corales; mais junto à mar-gem ficavam os avisos Lindoia e Onze deJunho e o Transporte Iguassu.

Nesse trecho, o Rio Paraná tem 2 mil metrosde largura, mas está cheio de ilhas e bancos deareia de 5 a 10 pés de profundidade.

Além desses navios, encontravam-se naárea os encouraçados Barroso e Tamandaré,as canhoneiras Beberibe e HenriqueMartins*, dois avisos e três transportes. Per-maneciam em Corrientes a Fragata Amazo-nas (devido ao seu grande calado para o rio),a Canhoneira Maracanã e o Vapor Igurei,além de sete transportes fretados**

Ao todo, 125 canhões!6 (Thompson)

Os duelos de artilharia

Os duelos de artilharia entre os naviose as chatas, o forte e as baterias volanteseram muitos frequentes.

Thompson7, sempre pronto a diminuiros feitos aliados, declara que Itapiru, naépoca, não poderia ser considerada uma“fortaleza”, tal a sua precariedade bélica:“Itapiru, que os aliados honravam com onome de fortaleza e que achavam que de-veria ser destruída até a base antes de pas-sar o rio, era uma antiga bateria construídano início do reinado de López I, em umaponta de terra que entrava no Rio Paraná eque tinha por base um montículo de ro-chas vulcânicas. A terra era revestida poruma parede de ladrilhos que havia caídoem um de seus lados. Seu armamento con-sistia em uma peça raiada de 12. Media 30

pés na sua parte mais larga e sua altitudesobre o nível da água do rio era de 20 pés.

Se estivesse armada de artilharia pesa-da de grosso calibre, talvez tivesse sidoútil; mas, no estado que estava, só serviade espantalho aos aliados.”

Mais adiante, quando tratou da ocupa-ção da Ilha Pequena (Cabrita), o mesmoThompson8 informa: “No dia seguinte à ocu-pação pelos brasileiros, López fez instalarem Itapiru um canhão de oito polegadas eem seguida outro, alguns dias depois”.

Talvez por essa razão o largo empregodas chatas artilhadas lá estacionadas.

O leitor deverá estar avisado de que, comoas águas da área não eram conhecidas dosaliados, encalhes eram bastante frequentese, em vários, aqueles navios ficavam ao al-cance da artilharia inimiga; bem como os che-fes aliados compareceram, pessoalmente, emalguns esclarecimentos.

Vejamos alguns exemplos para poder-mos ter uma ideia de como era o dia a diadas tripulações dos navios da MarinhaImperial lá operando, uma movimentaçãointensa e permanente, não importando sede dia ou de madrugada, se em dia últil,sábado, domingo, feriado ou dia santifica-do, e que exigia competência profissional,dedicação, espírito de sacrifício e, acimade tudo, muita coragem.

No dia 18 de março de 1866, um domin-go, o Chefe Alvim, a bordo do Tamandaré,fez um reconhecimento até o Paso de laPatria, desafiando os canhões de Itapiruao passar a meia milha do inimigo. Nãohouve troca de tiros.

* .N.A.: Chamamos a atenção do leitor para a participação quase permanente da Canhoneira HenriqueMartins, sob o comando do Primeiro-Tenente Jerônimo Gonçalves, nas ações ocorridas naárea. Seu comandante terá participação notável e controvertida nos primeiros dias da República.

** N.A.: Rio Branco5 informa: “Os argentinos tinham em Corrientes os pequenos vapores GuardiaNacional, Chacabuco, Buenos Aires, Pavón e Libertad, às ordens do Coronel-Major Chefe deDivisão Muratori. O Almirante Tamandaré não se utilizou desses navios porque não podiam servirpara combate. Só foram empregados três vezes... Depois da passagem do Rio Paraná pelos aliados,retiraram-se esses navios”.

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A GUERRA DAS CHATAS

No dia 21, partiu uma expedição com-posta do Tamandaré, da Araguari e daHenrique Martins, tendo a bordo do pri-meiro o Chefe Alvim além de Silveira daMota (secretário de Tamandaré, comandan-te de navio e futuro Barão de Jaceguai). Napassagem de ida avistaram duas chatasartilhadas ao abrigo de Itapiru, que atacouos navios sem resultado. Na volta, de ma-drugada, a Araguari encalhou em umapedra e foi alvo de fogo do forte e das duaschatas que lá estavam. Não houve acertos.

Às 9 horas de 22, seguiu a Mearim comMota e o Vapor Voluntário para socorrer aAraguari, operação coroada de êxito. No-vos tiros de Itapiru, felizmente sem acerto.

Ainda no dia 22, o Barroso, testa dacoluna responsável pelo bloqueio da fozdo Rio Paraguai, foi alvo da artilharia mó-vel inimiga posicionada na margemparaguaia das Três Bocas. Não houve da-nos nem resposta.

No dia 23, Tamandaré transferiu-se parao Vapor Cisne, onde se encontrou comMitre, Flores e Osório*; presentes os esta-dos-maiores dos dois maiores chefes.

Às 11h50 suspenderam e seguiram emcoluna Rio Paraná acima a Henrique Martins,o Tamandaré, a Mearim, o Voluntário e oCisne. Ao passarem por Itapiru, onde conta-ram oito peças de artilharia, foram alvo devários tiros, inclusive das chatas lá abrigadas,que não obtiveram acerto. Mais tarde, osnavios foram alvo de uma chata artilhada quese apresentou rebocada por um vapor, masdesta vez houve resposta brasileira.

Na volta, pela madrugada (do dia 24), oVoluntário encalhou em uma pedra; oTamandaré, ao manobrar para socorrer ocompanheiro em dificuldade, também en-calhou. Curiosamente, o Voluntário con-seguiu safar-se com os próprios meios,permanecendo preso o Tamandaré.

Pela manhã do dia 24, seguiram aBeberibe, a Mearim e a Henrique Martinspara desencalhar o Tamandaré. Às 10 ho-ras, o forte abriu fogo contra os naviosque não foram atingidos. Às 11 horas, oTamandaré estava livre.

Ainda no dia 24, sábado, novo reco-nhecimento, mesmo duelo de artilharia, sóque desta vez o Brasil foi atingido.

Às 14h50, aparece junto ao Forte Itapiruum vapor rebocando uma chata artilhadaque, colocada em “posição conveniente,principiou a atirar em direção ao Apa [na-vio-almirante]... Todos os navios iniciam aatirar e a chata e o vapor fugiram... Foramboas as direções [de nossos navios] e su-põe-se que uma bomba arrebentou na cha-ta e outra na popa do vapor... Fez-se às 15horas o sinal 45 (cessar-fogo) logo quedesapareceu o vapor”.10 (Rocha)

No dia 25, domingo santificado daAnunciação, no início da tarde, uma chataparaguaia foi posicionada convenientemen-te e abriu fogo contra o Apa. Obteve umacerto que “atravessou a proa, foi ao paiolda bolacha e depois à dispensa da praça-d’armas, onde fez estragos”.11 (Rocha)

Imediatamente, partiram o Tamandaré(com Chefe Alvim a bordo) e a HenriqueMartins para combater a chata. Seguiramos escaleres do Bahia e do Brasil com gentearmada para capturá-la. “Pouco depois,partiu o Lindoia, com o secretário Mota eo prático Etchbarne, com instruções paratomar a chata, o que não puderam fazer (ape-sar de ter ido um escaler bem perto), por terde terra cerca de mil homens feito vivo fogoe atirado muitos foguetes... Segunda ten-tativa foi feita para tomar a chata e semresultado, porque de terra a infantaria fezvivíssimo fogo. Cessado o fogo do forte,continuou o Tamandaré a atirar para a cha-ta até 21h30.”12 (Rocha)

* N.A.: Carneiro da Rocha9 relata apenas Tamandaré e Mitre.

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A GUERRA DAS CHATAS

Para ilustrar a dificuldade do historia-dor em retirar “uma verdade” de suas fon-tes, transcreve-se, a seguir, o mesmo epi-sódio, relatado por Fragoso13: “OTamandaré e a Henrique Martins aproxi-maram-se... sondando cautelosamente o rio,e atacaram-na [a uma distância de 110metros14 (Thompson)]. A guarnição aban-donou-a para salvar-se. Os navios brasi-leiros mandaram, então, três escaleres bemguarnecidos para rebocá-la, mas a fuzilariavinda do mato do rio não permitiu a opera-ção [A fuzilaria matou quase metade dastripulações dos escaleres15. (Thompson)].Ao anoitecer, o Primeiro-Tenente AntônioCarlos de Mariz eBarros [comandantedo Tamandaré, filhode Inhaúma] fez novatentativa de reboque,com o mesmo resulta-do desfavorável.”

No dia 26, às 11horas, “reunido noApa o conselho, com-posto por comandan-tes das divisões e dosnavios que ontem ati-raram, leu o Almiranteas partes de cada um,constantes dos tirosfeitos e fez diversas reflexões... Ao meio-dia principiou a já conhecida chata a virpara fora e às 13h30 começou o fogo con-tra o Apa, sobre o qual atiraram oito a deztiros, três dos quais foram aproveitados:um na caixa da roda, outro acima do lumed’água e outro tangenciando a caixa daroda; o da caixa da roda foi à dispensa ecozinha e parou junto da caldeira; o se-gundo feriu o imperial marinheiro”16. (C. daRocha) “O Tamandaré, o Bahia e o Barro-so acometem a chata. Recebem dela algunstiros, mas forçam os inimigos adesguarnecê-la e, por fim, fazem-na peda-

ços.”17 (Fragoso) Os navios acertaram opaiol de munição da chata.18 (Thompson)

No dia 27, às 7 horas, suspendeu aHenrique Martins com os vapores argen-tinos Chacabuco e Buenos Aires, tendo abordo o General Flores e o secretário Mota,para fazerem um reconhecimento para aescolha do local do próximo desembarquealiado, da margem direita do Rio Paraná atéo Passo de Itati. Na passagem de volta so-freram alguns tiros da chata e do forte.

A morte de Mariz e Barros

Neste mesmo dia, às 11h30, um vaporposicionou conveni-entemente uma chataque logo começou aatirar; “estava tão bemoculta por uma pontade pedra que apenasse percebia de longe aboca da peça”19.(Fragoso) Um de seustiros atingiu a proa doApa. “O Bahia e oTamandaré aproxima-ram-se para combatê-la, mas não era fácil al-cançar objetivo tãobem organizado e em

tão vantajosa situação. À vista disso, osdois navios brasileiros atiraram-se contrao forte [que, juntamente com a artilhariamóvel, respondeu ao fogo]. Infelizmente,duas balas deste penetraram na casamatado Tamandaré, causando ferimentos em 14homens e a morte de 14 praças e cinco ofi-ciais, entre eles seu corajoso comandante,Primeiro-Tenente Mariz e Barros. Entreos feridos incluía-se o Tenente De Lamare.

Ficou assinalada a sua coragem e sereni-dade durante a cirurgia a que o submeterampara lhe amputar uma das pernas: [Mariz eBarros] não quis que o cloroformizassem;

Duas balas do fortepenetraram na casamatado Tamandaré, causando

ferimentos em 14 homens ea morte de 14 praças e

cinco oficiais, entre eles seucorajoso comandante,

Primeiro-Tenente Mariz eBarros

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pediu um charuto e fumou-o enquanto osmédicos procediam à triste e dolorosa opera-ção.”20 (Fragoso)

No diário de Carneiro da Rocha21 cons-ta que nesse dia “Chefe Alvim foi feridonas costas”.

Mais duelos de artilharia

No dia 28, ao amanhecer, a peça de 68 deuma chata que se colocara abaixo de outraque já tinha sido destruída abriu fogo; al-guns de seus tiros acertaram três navios daEsquadra. Recebeu de volta os tiros do Bar-roso, do Bahia e da Belmonte. “OEncouraçado Barroso foi atingido e avaria-do em quatro locais diferentes, assim comoquase todos os outros. O canhão de 120 doBarroso partiu-se em dois. Entretanto, des-ta vez o canhão paraguaio recebeu uma balaque o fez em pedaços...”22 (Thompson)

Em seguida, o Brasil “principiou a atirar.A chata não cessou o fogo e quase todas asbalas vieram sobre o costado, fazendo-seem pedaços. Uma das balas passou entre aspernas do prático Etchbarne*, que estavaem cima da casamata, uma outra atravessouo canudo, vazou a trincheira e feriu mortal-mente o guardião de um imperial e atiroulonge o boné e os óculos do Tenente Veiga.Uma carga de balas e metralhas do Brasil,indo sobre a chata, estragou-a ao meio, fi-cando os cabeços de fora e feridos dois ho-mens... Às 11h30, foi o Tamandaré... aproxi-mar-se dos encouraçados e acabou de des-truir a chata”23 (Rocha)

A artilharia aliada de terra

Para auxiliar a Esquadra no combate con-tra as chatas e contra o Forte Itapiru, oTenente-Coronel José Carlos de Carvalho

teve a ideia – logo aceita por Osório – deartilhar a margem esquerda do Rio Paranáem frente ao forte inimigo. Assim, no dia28, já se tinha instalada em Corales umabateria brasileira, e a 2 de abril, outra uru-guaia, com canhões cujos projetis atraves-savam o rio e atingiam o forte sem que oscanhões inimigos pudessem alcançá-las.

Mais duelos de artilharia

No dia 29, ao meio-dia, “a HenriqueMartins e a Belmonte suspenderam e se-guiram Rio Paraná acima para sondarem ocanal... Fez a Belmonte alguns tiros combomba para o forte, que foram bem apro-veitados”24. (Rocha)

Às 21 horas, o pequeno Vapor Fidelis,com cem praças em canoas, escoltado pelaHenrique Martins, suspendeu para fazer umreconhecimento na Ilha Santana.25 (Rocha)

Às 23h30, “ouviu-se tiros do lado daboca do Paraguai... depois tiros de fuzil deterra e do mar... Foi o Chefe do Estado-Mai-or [Almirante Barroso] no Lindoia saber oocorrido; regressou com uma chata[artilhada paraguaia] a reboque, que,guarnecida por sete homens, vinha a sirga**

para cima. [Fazia uma bela noite de luar comgrande luminosidade26. (Thompson)] A guar-nição fugiu, deixando o armamento... e al-guns cartuchos... O Brasil suspendeu e to-mou posição para ofender a chata, caso seescapasse da Boca”. No dia seguinte, logopela manhã, “foi o Almirante [Tamandaré] àchata que se tomou”27. (Rocha)

“A decisão de atravessar o Paraná emItapiru acarreava a necessidade do ataqueprévio ao forte... e do domínio pelo fogo de

* N.A.: Veja em “A Guerra das Canoas”, na RMB do 1o trim/2008, p. 110, outra participação do prático.** Sirga – Corda com que se puxa uma embarcação ao longo da margem (Novo Dicionário Aurélio).

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artilharia do setor de desembarque... Oraisso seria perfeitamente exequível sempreque se ocupasse a Ilha Pequena (Cabrita),ao sul do Forte.”28 (Fragoso)

Reconhecimento da “Ilha Pequena”

No dia 30, Sexta-Feira da Paixão, à 0h30,o Tenente-Coronel José Carlos de Carvalho(o mesmo da ideia das baterias em Corales),com um destacamento de cinco oficiais e 90praças, embarcou na Henrique Martins erumou para a Ilha Pequena (Cabrita), ondedesembarcou, “reconheceu-a em toda a suaextensão e escolheu as posições para a arti-lharia e para as trincheiras. Regressou às 2da madrugada na mesma canhoneira, tra-zendo as quatro canoas que levara [quetransportaram as praças]”29. (Fragoso)

Ao romper deste mesmo dia, o Brasil,ao suspender, encalhou sobre o banco. ABelmonte prestou socorro e safou o com-panheiro às 16h30.30 (Rocha)

Mais duelos de artilharia

No dia 2 de abril, às 14 horas, “coloca-da a chata por detrás da ponta das pedras,fez o primeiro tiro para o acampamento. Às14h30 suspendeu o Bahia com o ChefeAlvim [a bordo] e foi para cima tomar posi-ção para fazer fogo na chata... às 15h30cessou o fogo da chata...”31 (Rocha) Elaobteve um acerto no Vapor Duque deSaxe32. (Fragoso)

“A chata que ontem nos incomodou nãofoi vista hoje na Ponta do Itapiru, e sim paradentro da enseada... O calor tem sido insupor-tável nestes últimos dias [92º F]...”33 (Rocha)

No dia 3, às 16 horas, tomou-se conhe-cimento de ter sido “encontrada água paranavios de 12 pés no canal de cima, entre a

Ilha GrandeN.A.1 e a costa firme paraguaia.Esta experiência foi feita a bordo daHenrique Martins, que chegou à distân-cia de tiro de peça de calibre 30 do acampa-mento [paraguaio]. Nessa expedição foivisto o vapor paraguaioN.A.2, que “apertouo gorro” [fugiu] quando viu a nossacanhoneira.”34 (Rocha)

Essa descoberta foi importante, pois quemaiores navios, em posição bastante favo-rável, passaram a poder bombardear Pasode la Patria em apoio às tropas aliadas apósa invasão, na sua progressão para a con-quista daquela admirável fortaleza, comode fato foi.

Thompson35 nos informa que “o RioParaná era profundo por todas as partes,exceto em um lugar em frente à Ilha Carayá[Santana] situado no Canal Norte, onde sóhavia 12 pés d’água; López fez afundar duascanoas cheias de pedra para cortar a entradado canal interior. Neste canal havia duas cha-tas armadas cada uma com um canhão de 8polegadas e também o Vapor Gualegay... ar-mado com dois canhões de 12...”.

Às 17 horas, “fez a bateria do Exércitoum tiro certeiro na chata, destruindo-a...36

(Rocha)Ao romper do dia 4, “viu-se que a se-

gunda chata que havia sido destruída ti-nha sido levada para a Ponta de Itapiru[para reparos]... Foi a Mearim até quase aPonta, fez-lhe alguns tiros e voltou por terlevado dois tiros do Forte, tendo sido umna carvoeira”.37 (Rocha)

No início da tarde, “começou o Tamandaréa fazer tiros para a chata”. (Rocha)

“Deu-se ordem para a Belmonte e o Bra-sil fazerem rondas de escaleres e à Itajaí eà Greenhalgh para ficarem de prontidão.

À tarde, melhorou muito o tempo con-servando-se frio.”38 (Rocha)

N.A.1: quase certo Santana.N.A.2: provavelmente o Gualegay.

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No dia 5, embora tudo levasse a crerque Mitre e seus chefes estavam cientesde que o desembarque das tropas para ainvasão seria na área de Itapiru, parece queMitre não estava tão seguro assim, poisexpediu ordem para o General Hornos, comum pequeno destacamento, explorar, denovo, o setor de Itati (quatro companhiasde infantaria, duas peças de artilharia e umregimento de cavalaria).

Às 7 horas daquele dia, suspenderam aItajaí, a Henrique Martins e a Greenhalgh,juntamente com os pequenos Chacabucoe Buenos Aires, sob o comando do ChefeAlvim, e subiram o Paraná até PassoLengues, que se situa ao dobro de distân-cia de Itati a Itapiru, sendo ela a travessiamais estreita do Alto Paraná.

Em exploração anterior, Hornos já haviainformado que “a margem paraguaia emfrente a Itati não se prestava a um desem-barque”39. (Fragoso)

Hornos desembarcou em Lenguas,provocando a fuga da guarda de cava-laria que o vigiava e examinou-lhe osarredores. “Toda a costa inimiga sãobanhados e malezais intransitáveis; as guar-das comunicam-se mediante picadas estrei-tas abertas em grande trecho nos carriçaisaté chegar-se a terra firme.40 (Palleja)Consequentemente, também impróprio parao desembarque.

Na volta, a expedição “foi hostilizadapor uma bateria volante de seis peças que

López mandara colocar perto do extremonordeste da Ilha de Santana logo que teveconhecimento da subida do general argen-tino”.41 (Fragoso)

Na noite de 5 para 6 de abril, os brasi-leiros desembarcaram na Ilha Pequena(Cabrita) e a ocuparam. O assunto foi trata-do no artigo “A Henrique Martins na defe-sa da Ilha Cabrita”, na RMB do 2o trimestrede 2008, pág. 67 a 80.

A Ilha Pequena passou a ser denomina-da Ilha do Cabrita, ou simplesmente IlhaCabrita, em homenagem ao Tenente-Coro-nel Willagran Cabrita (patrono da Enge-nharia do Exército), que, com a sua compe-tência, sua liderança e seu heroísmo (e aparticipação da Marinha Imperial), soubeconquistar e depois defender a posição doesforço paraguaio em retornar à ilha. Foiuma vitória brasileira contundente.

Quando a luta terminou, enquanto faziauma refeição, foi atingido por uma bala daartilharia de Itapiru e veio a falecer.

Com a posse da ilha, agora Ilha Cabrita,terminou, praticamente, a “Guerra das Cha-tas” e foi iniciado um prolongado duelo deartilharia das baterias da ilha (e dos naviostambém) na tentativa de silenciar Itapiru epossibilitar o desembarque das tropas ali-adas naquela área.

Mas a realidade foi bem diferente, comojá vimos no artigo “A Marinha Imperial noDia D da Guerra do Paraguai”, na RMB do3o trim./2008, p. 44 a 53.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<GUERRAS> / Guerra do Paraguai / ; Guerra das Chatas; Mariz e Barros, Antônio Carlos de,1o T; Henrique Martins (canhoneira); Gonçalves, Jerônimo Francisco, 1o T; Cabrita, Vilagran,T.C.;

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NOTAS

1. THOMPSON, George. La Guerra del Paraguay. Assunción, Paraguay: Pabellón “SerafinaDávalos”, 2003, p. 99.

2. RUBIAN, Jorge. La Guerra de la Triplice Alianza, Mercurio S.A. e ABC Color, Assunción,Paraguay, 2001 (?), p. 523.

3. BARÃO DE TEFÉ, citado em Fragoso, v. II, p. 70.4. FONSECA, Joaquim Inácio da, citado em Fragoso, v. II, p. 71.5. RIO BRANCO, citado em Fragoso, v. II, p. 306.6. THOMPSON, Ib., p. 96.7. Ib., p. 96.8. Ib., p. 99.9. ROCHA, Manuel Carneiro da. Diário da Campanha Naval do Paraguai – 1866. Serviço de

Documentação da Marinha, Rio de Janeiro, Brasil, 1999, p. 60.10. Ib, p. 61.11. Ib., p. 62.12. Ib.13. FRAGOSO, Augusto Tasso (General-de-Divisão). História da guerra entre a Tríplice Alian-

ça e o Paraguai. Imprensa do Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, Brasil, 1934, v. II, p.312.

14. THOMPSON, Ib., p. 96.15. Ib.16. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 63.17. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 312.18. THOMPSON, Ib., p. 96.19. FRAGOSO, ib., v. II, p. 313.20. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 314.21. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 64.22. THOMPSON, Ib., p. 97.23. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 65.24. Ib., p. 66.25. Ib.26. THOMPSON, Ib., p. 97.27. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 66 e 67.28. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 316.29. Ib.30. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 67.31. Ib., p. 70.32. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 316.33. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 71.34. Ib.35. THOMPSON, Ib., p. 96.36. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 71.37. Ib., p. 7238. Ib.39. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 317.40. PALLEJA citado em FRAGOSO, Ib., v. II, p. 317.41. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 317.

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BIBLIOGRAFIA

1. FONSECA, Joaquim Inácio da (Chefe-de-Divisão). A Batalha do Riachuelo [s.n.t.] citado emFragoso, História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai.

2. FRAGOSO, Augusto Tasso (General-de-Divisão). História da guerra entre a Tríplice Alian-ça e o Paraguai, Rio de Janeiro: Imprensa do Estado-Maior do Exército, 1934 (5 volumes, com1.873 páginas).

3. ROCHA, Manuel Carneiro. Diário da Campanha Naval do Paraguai – 1866. Serviço deDocumentação da Marinha, Rio de Janeiro, Brasil, 1999.

4. RUBIANI, Jorge. La Guerra de la Triplice Alianza, Assunción, Paraguay: Mercurio S.A. eABC Color [2001?].

5. THOMPSON, George. La Guerra del Paraguay, Assunción, Paraguay: Pabellón “SerafinaDávalos”, 2003.

BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR

1. BARRAN, José Pedro. Historia uruguaya (Tomo IV – Apogeu y crisis del Uruguay pastorily caudilhesco), Montevidéu, Uruguai: Ed. Banda Oriental da Republica, 1998 (155 páginas).

2. BENITEZ, Luiz G. (Professor). Manual de Historia del Paraguay, Assunción, Paraguay, s/data (200 páginas).

3. CHIAVENATO, Júlio José. Genocídio americano: a Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro:Círculo do Livro, s/data (224 páginas).

4. H.P.C. “Passagem de Humaitá”. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, 1909, p. 1.553a 1.565.

5. MARCO, Miguel Angelo de. La Guerra del Paraguay. Buenos Aires, Argentina: GrupoEditorial Planeta, 1995 e 2003 (350 páginas).

6. SCHNEIDER, Louis. A Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo da República doParaguay (3o volume, 1o fascículo), Rio de Janeiro. Imprensa do Estado-Maior do Exército,1924 (418 páginas).

7. VINHAES, Augusto. “Passagem de Humaitá”. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro,1928, p. 1.157 a 1.165.

8. TAVARES, Raul (Capitão-de-Fragata). “A Passagem de Humaitá”. Revista Marítima Brasi-leira, Rio de Janeiro, Ano XLVI, no 7 e 8, p. 633-695.

9. A PASSAGEM DE HUMAITÁ. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro, 1908, p.1.293-1.298 (Editorial).

10. A PASSAGEM DE HUMAITÁ. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro, 1921, p. 669-673 (Editorial).

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A Revolução Industrial, que teve iníciono fim do século XVIII, somente veio pro-

vocar mudanças na arte da guerra na segundametade do século XIX, quando, então, essastransformações ocorreram com enorme velo-cidade, em especial no que diz respeito à guer-ra no mar. As mudanças tecnológicas nosmeios de fazer a guerra, consequentemente,determinaram, em grande parte, as táticas e aestratégia empregadas.

As ações navais na Guerra da TrípliceAliança contra o Paraguai (1864-1870) têmde ser vistas, portanto, à luz das transfor-mações tecnológicas que ocorreram noperíodo precedente.

Após a derrota da esquadra franco-es-panhola pelos ingleses, comandados por

A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICEALIANÇA CONTRA O PARAGUAI*

Nelson, em Trafalgar (1805), a Inglaterrapassou a dominar os mares. A derrota deNapoleão Bonaparte (1815) garantiu essasupremacia por praticamente um século,estabelecendo-se o que ficou conhecidocomo a “Pax Britannica”.

Entretanto, em relação à poderosa es-quadra inglesa esse predomínio criou umacomplacência perigosa que mascarava adeterioração de sua eficiência em combatepor trás de uma fachada de esplendor e deum cerimonial impecável. Ao fim da primei-ra metade do século XIX, novas circuns-tâncias iriam trazer novos desafios para opoder naval inglês.

Sendo o Reino Unido o poder navaldominante e a França o poder naval

ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGALVice-Almirante (Refo)

* N.R.: Transcrição da conferência pronunciada pelo autor no Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-ro, em 29/10/2008.

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A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

desafiante, esta procurava, por meio dainovação tecnológica, pôr em cheque asupremacia naval britânica. Em 1850, osfranceses lançaram o navio Napoléon, depropulsão mista, mas já com hélice em subs-tituição à roda com balancim, que não sóobstruía o convés dos navios, diminuindoo número de canhões que podiam ser ins-talados, como tornava a embarcação extre-mamente vulnerável à artilharia inimiga.Logo depois, em 1852, os ingleses replica-ram com um navio semelhante, o HMSAgamemnon. Na Guerra da Crimeia (1852-1856)1, esses navios de propulsão a vapordemonstraram, apesar da enorme limitaçãodas máquinas a vaporentão existentes, a suasuperioridade sobreos navios a vela; o usodo hélice eliminava aroda e todos os incon-venientes a ela asso-ciados, já menciona-dos. Nessa mesmaguerra, ainda por ini-ciativa francesa, foramusadas baterias flutu-antes providas de couraça. Criavam-se as-sim as duas condições que iriam mudar asituação até então existente no duelo entrenavios e fortalezas de terra: a incapacidadede os navios de madeira propulsionados avela resistirem ao fogo dos grandes ca-nhões montados nas fortalezas e a dificul-dade de os navios a vela se posicionaremconvenientemente em relação às fortalezas.O bombardeio, por navios franceses e in-gleses, das baterias de Kinburn atesta essanova realidade.2

O projetil explosivo, à Paixhans – projetiloco, cheio de pólvora, que explode por meiode uma mecha –, foi usado pela primeiravez nessa mesma guerra, na Batalha deSinope (1853), no Mar Negro, quando aesquadra russa, já dispondo dessesprojetis, incendiou e destruiu a força turca,o que deu, aliás, motivo para a intervençãoanglo-francesa.

A experiência francesa com as baterias flu-tuantes encouraçadas deu lugar ao desen-volvimento de navios encouraçados, prote-gidos por uma couraça de ferro. O Gloire,projeto do grande arquiteto naval Dupuy deLome, no final da década de 1850, foi o pri-

meiro de uma série denavios com couraça deproteção. Em 1860, osingleses lançaram aomar o HMS Warrior,que já foi totalmenteconstruído de ferro,além de dotado comcouraça no seu corpocentral; nas extremida-des, a subdivisão emcompartimentos estan-

ques era considerada proteção suficiente econstituía um novo avanço na construçãonaval. Num ponto, entretanto, os inglesesassumiram a liderança, embora temporária3:os canhões do navio eram do tipo Armstrong,de alma raiada, carregamento pela culatra eusavam projetis cônicos (eram, pois, mais cer-teiros, propiciavam maior rapidez de tiro e oprojetil tinha melhor capacidade de furar acouraça dos inimigos).

A Guerra de Secessão (1861-1865) mos-trou ao mundo o primeiro combate naval

1 Alguns analistas consideram que a Guerra da Crimeia só teve início em1853, quando ocorreu a interven-ção anglo-francesa no conflito entre a Rússia e a Turquia.

2 Somente a Guerra de Secessão, conforme veremos, iria fazer pleno uso do navio encouraçado parasobrepujar fortalezas de terra.

3 Temporária, pois o canhão Armstrong teve de ser retirado por muito tempo de serviço devido aosdefeitos apresentados no seu sistema de disparo.

A Guerra de Secessão(1861-1865) mostrou ao

mundo o primeiro combatenaval entre dois navios

encouraçados – o Monitore o Merrimack

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A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

entre dois navios encouraçados – o Monitore o Merrimack (Virginia) –, na batalha na-val de Hampton Roads, quando ficaram de-monstradas, definitivamente, a superiorida-de dos navios a vapor encouraçados sobreos navios sem essa proteção e as vanta-gens da propulsão a vapor. Em HamptonRoads, o navio confederado Merrimack,usando o esporão de que era dotado, afun-dou a Corveta Cumberland, de 30 canhões,podendo aproximar-se para o abalroamentograças à sua couraça.4

O duelo entre os dois encouraçados nãofoi conclusivo, pois um não podia furar acouraça do outro. As operações navaisempreendidas pelas forças do Norte, sob ocomando de David Farragut, contra NovaOrleans e Mobile (1862 e 1864, respectiva-mente) vieram mostrar o que a Guerra daCrimeia já permitira vislumbrar: a capacida-de de uma força naval de forçar a passa-gem de pontos estratégicos defendidos porfortalezas. Essa lição seria importante paraos brasileiros na Guerra do Paraguai.

Não se pense, porém, que as forças na-vais que se defrontaram na Guerra daTríplice Aliança acompanharam a evoluçãotecnológica de países como a Inglaterra e aFrança. As esquadras argentina e brasilei-ra que se enfrentaram na Cisplatina (1825-1828) pouco diferiam da esquadra anglo-franco-russa que em 1827, na mesma épo-ca portanto, derrotou a esquadra turca emNavarino, na Guerra da Independência daGrécia. O mesmo não se pode dizer em rela-ção aos navios que tomaram parte na Guer-ra da Crimeia e aos navios brasileiros eparaguaios que participaram da Guerra doParaguai, tecnologicamente bem mais atra-sados (pelo menos no início do conflito).

A frota brasileira, no começo de 1865, com-preendia 45 navios armados, dos quais ape-

nas 33 eram de propulsão mista e os demais,a pano. Todos tinham o casco de madeira emuitos já usavam canhões de alma raiada ecarregamento pela culatra; 609 oficiais e 3.627praças tripulavam esses navios. Entretanto,nem todas essas embarcações podiam serconcentradas no Prata, e muitas tinham queser mantidas ao longo de nossas extensascostas, engajadas em tarefas específicas. Aflotilha do Prata, que, pouco antes, sob ocomando de Tamandaré, havia intervindo noUruguai contra o governo de Manuel Aguirre,era composta por 19 vapores, dos quais mui-tos ainda usavam a roda (por exemplo, a fra-gata capitânia de Barroso em Riachuelo, aAmazonas), e três transportes a vela. ANiterói, que fazia parte da flotilha, por forçade seu calado não podia operar nos riosParaná e Paraguai, e assim pouco contribuíapara o esforço de guerra.

A flotilha de Mato Grosso, envolvidanas operações, compreendia apenas seispequenos vapores, que, no total, dispu-nham apenas de dois canhões.

O grande fator de força, porém, estavano Arsenal da Corte, que, além de apoiaros navios existentes, deu início a um gi-gantesco programa de construção naval:em 65, foram lançados a canhoneira a va-por Taquari, dois navios encouraçados –o Tamandaré e o Barroso; em 66, oEncouraçado Riachuelo e as BombardeirasPedro Afonso e Forte de Coimbra; em 67,a Corveta Vital de Oliveira, os Monitores-Encouraçados Pará, Rio Grande eAlagoas; em 68, mais três monitores-encouraçados, Piauí, Ceará e SantaCatarina, e é iniciada a construção daCorveta-Encouraçada Sete de Setembro, doVapor Level e do Rebocador Lamego.

Há que destacar o extraordinário esfor-ço dos engenheiros Napoleão Level e

4 O esporão podia atingir o navio inimigo onde este não era protegido pela couraça. A aproximação parao abalroamento era possível graças à resistência da couraça ao poder de fogo dos canhões da época.

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A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

Carlos Braconnot e do Capitão de FragataHenrique Antônio Batista, especialista emarmamento.

O Arsenal de Mato Grosso, o segundoem importância, construiu em 64 o vaporfluvial de rodas Paraná, e o estaleiro dePonta da Areia, em 65, duas canhoneiras –a Greenhalgh e a Henrique Dias.

No exterior, foram contratados, em 65, cin-co pequenos encouraçados, um na França equatro na Inglaterra – Silvado, Bahia, LimaBarros, Herval e Mariz e Barros. Esses navi-os haviam sido encomendados pelo Paraguai,que, por força do bloqueio imposto pelo Bra-sil, teve de desistir deles. Foram adquiridosainda dois encouraçados na Inglaterra, oColombo e o Cabral. Todos esses navios jáestavam incorporados em 1866. Na França,foram adquiridas ascanhoneiras HenriqueDias, Fernandes Vieira,Felipe Camarão e Vitalde Oliveira, incorpora-das em 1868.

O primeiro navioencouraçado a chegarà área de operações,em dezembro de 1865,foi o EncouraçadoBrasil, adquirido naFrança com os recur-sos provenientes da subscrição públicaquando da Questão Christie (1863).

Para que os navios em operação no Pratanão tivessem que se deslocar para o Rio deJaneiro para reparos, e não existindo facilida-des adequadas para reparo e apoio logísticodos navios nos portos do Prata, foi estabele-cido o Arsenal do Cerrito, nas proximidadesda confluência do Paraná com o Paraguai,que prestou inestimáveis serviços na guerra.

A força paraguaia, além dos dois naviosargentinos – os vapores Gualeguay e 25de Maio – e de um brasileiro – o vaporMarquês de Olinda – apresados logo no

início das hostilidades, dispunha de 23vapores de madeira e propulsão mista, aroda (a única exceção era o Pirabebe, pe-queno navio fluvial, de estrutura de ferro ea hélice); três navios a vela; três lanchões;e de inúmeras chatas que teriam importan-te papel no conflito. O número total de ca-nhões era 99. Grande parte desses naviosera de mercantes convertidos – a exceçãoera o Taquary –, fato muito comum numaépoca em que a diferença entre navios mer-cantes e de guerra era, quase que exclusi-vamente, o provisionamento de artilharia.

Para impedir que navios inimigos subis-sem o Rio Paraguai, os paraguaios cons-truíram uma série de fortalezas nas margensdo rio, em pontos estrategicamente esco-lhidos, onde as condições geográficas e

hidrográficas dificul-tavam a manobrabili-dade dos navios. An-tes da guerra, todosos esforços foram fei-tos no sentido de im-pedir que as condi-ções hidrográficas dorio fossem conheci-das, tornando a prati-cagem muito arrisca-da. Essas fortalezasforam construídas pró-

ximo à foz do rio e, junto com as baterias decanhões montadas nas barrancas e de ati-radores armados de fuzis, tornavam impos-sível o deslocamento dos navios brasilei-ros em apoio às tropas de terra na sua pe-netração no território inimigo.

A “inexpugnável” Humaitá era a maispoderosa dessas fortalezas que, em con-junto, formavam o mais poderoso obstá-culo à liberdade de ação dos navios brasi-leiros no Rio Paraguai, mesmo sem se levarem conta a frota paraguaia.

A Batalha Naval do Riachuelo (1865) éum dos poucos exemplos de batalha decisi-

A Batalha Naval doRiachuelo (1865) é um dos

poucos exemplos debatalha decisiva, isto é, a

batalha que termina com adestruição quase total da

esquadra inimiga

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va, isto é, a batalha que termina com a des-truição quase total da esquadra inimiga.Apesar de pouco adequada às condiçõesda área de combate – um trecho do Rio Paranáde difícil navegação, já que abrangia um ca-nal tortuoso, entre bancos de areia, inade-quado para a manobra dos navios brasilei-ros de grande porte –, tendo de enfrentar,além dos navios paraguaios e das chatasartilhadas, a forte artilharia instalada nasbarrancas ao norte e ao sul de Riachuelo eos infantes armados, que das barrancas al-vejavam as guarnições dos navios, a divi-são brasileira, sob o comando do chefe-de-divisão Francisco Manoel Barroso da Silva,obteve uma vitória decisiva, graças, princi-palmente, à arrojada manobra do chefe na-val brasileiro, que, mesmo seu navio nãodispondo de esporão, abalroou os naviosinimigos, que, de menor porte, não resisti-ram (um ano mais tarde, na guerra austro-prussiana, em Lissa, os austríacos usariama mesma tática contra os italianos, aliadosda Prússia). A eliminação da esquadraparaguaia – apenas quatro navios escapa-ram da destruição –, teria importantesconsequências estratégicas: impediu a in-vasão da província de Entre-Rios, isolou astropas de Estigarribia que estava atacandoo Rio Grande do Sul e pôs fim ao poder na-val paraguaio. Entretanto, em termos totaisela não foi estrategicamente decisiva, poisas fortalezas e as chatas paraguaias – “ver-dadeiros monitores de madeira”, armadascom canhões de 68 (os maiores da época) –eram um obstáculo formidável, impedindoque a esquadra brasileira se deslocasse li-vremente pelo Rio Paraguai para dar o indis-pensável apoio às tropas de terra. Emconsequência, as operações, no período deabril de 1866 a julho de 1868, concentraram-se na confluência dos rios Paraná e Paraguai.

Um bom exemplo dessas dificuldadesocorreu em 1866: a tentativa de BartolomeuMitre, então comandante em chefe das ope-

rações contra o Paraguai, de atacar os for-tes de Curuzu e Curupaiti, à margem direitado Rio Paraguai, para ameaçar Humaitá. Ata-cada de surpresa, Curuzu foi conquistadapelas tropas do Barão de Porto Alegre a 3 desetembro de 1866, mas Curupaiti resistiu aoassalto de cerca de 20 mil argentinos e bra-sileiros, que sofreram uma esmagadora der-rota: morreram cerca de 5 mil homens, dosquais apenas cerca de 200 eram paraguaios.O apoio da esquadra brasileira, sob o co-mando de Tamandaré, não evitou a derrota.

As dissensões entre os chefes aliadoslevaram à substituição de Osório porCaxias; Tamandaré, doente, foi substituí-do pelo Almirante Joaquim José Inácio, fu-turo Visconde de Inhaúma.

Em meados de 1867, Mitre, de volta aocomando dos exércitos, deu ordens para quea esquadra forçasse a passagem de Curupaitie Humaitá. A 15 de agosto, duas divisões deencouraçados (ao todo, dez navios) ultra-passaram, sem perdas, Curupaiti, mas tive-ram de se deter diante dos canhões deHumaitá. Inhaúma resistiu bravamente àspressões de Mitre para forçar a passagemde Humaitá por julgar, com razão, que issocolocaria em risco os seus navios. Os navi-os brasileiros que ultrapassaram Curupaitificaram em situação muito difícil, separadosdo restante da esquadra pelo forte deCurupaiti e impedidos de seguir adiante pelafortaleza de Humaitá. Para apoiá-los foi ne-cessário construir, na margem direita do RioParaguai, quase em frente a Humaitá, umapequena base avançada, Porto Elisário, etambém, em pleno Chaco, uma ferrovia li-gando a base a Porto Quia.

Novas dissensões entre os chefes alia-dos fizeram com que Mitre mais uma vez seafastasse, assumindo Caxias o comando emchefe. Após a chegada dos naviosencouraçados, inclusive os construídos noArsenal da Corte, foi decidido que havia con-dições para ultrapassar Humaitá. Em feverei-

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ro de 1868, a passagem foi forçada pelosencouraçados Barroso, Bahia e Tamandaré,cada um levando a contrabordo, por bom-bordo, um monitor, respectivamente, o RioGrande, o Alagoas e o Pará. A praça deHumaitá foi cercada pelas forças de terra, ren-dendo-se em julho de 1868. A força brasileiraque forçou a passagem foi comandada peloCapitão de Mar e Guerra Delfim Carlos deCarvalho, que, por esse feito, foi mais tardeBarão da Passagem.

Os monitores, por força de seu pequenocalado, puderam cruzar sobre as correntesque bloqueavam o rio nas proximidades deHumaitá e, por serem rasos com a água, ofe-reciam alvo muito pequeno ao fogo inimigo,além de, graças à cou-raça, resistirem melhorcaso fossem atingidos.Pelo fato de disporemde torres couraçadas,conteiráveis, não cor-riam o risco, caso elasfossem atingidas, deexplodir, como aconte-cera em Itapiru com osencouraçados Taman-daré e Barroso.

Com a queda deHumaitá, a esquadra imperial teve seu ca-minho livre até Assunção, passando a bom-bardear a capital inimiga. As tropas terres-tres, porém, não conseguiam avançar, poisos paraguaios tinham se entrincheirado aolongo do Arroio Piquissiri, barrando o ca-minho para Assunção. Essas defesas eramapoiadas pelos fortes de Lomas Valentinase de Angostura, este à margem esquerda.As tropas aliadas estavam concentradasem Palmas, em frente às fortificações dePiquissiri. Para vencer o impasse, Caxiasdesenvolveu uma das mais brilhantes con-cepções da guerra. Em pleno Chaco, fezcontruir uma estrada de 11 km em apenas23 dias. Nos primeiros dias de dezembro de

1868, três divisões do Exército Brasileiroforam embarcadas na esquadra imperial namargem esquerda do rio, atravessando-o;essas tropas desembarcaram então na mar-gem direita, percorreram a pequena estra-da construída até atingirem o porto deValleta, onde foram reembarcadas, atraves-sando de novo o rio em direção à margemesquerda, desembarcando nos portos deSanto Antônio e Ipané, cerca de 20 quilô-metros à retaguarda das tropas paraguaiasem Piquissiri, o que surpreendeu Lópezcompletamente, já que ele não julgava pos-sível que uma tropa considerável pudessese deslocar através do Chaco.

A 6 de dezembro de1868, as tropas inici-aram o avanço para osul, dando início aoque ficou conhecidocomo a Dezembrada.Itororó, Avaí e LomasValentinas são etapasda vitória aliada. Asforças navais, usandoo porto de Valleta,mantiveram as tropasde Caxias reabasteci-das. A queda de LomasValentinas levou à de

Angostura. A 30 de dezembro, López e umpequeno contingente de paraguaios fugiapara o norte. Nos primeiros dias de janeirode 1869, Assunção foi ocupada e, em ter-mos políticos, a guerra estava encerrada.Entretanto, ela só o seria definitivamente a1o de março de 1870, quando uma lançadado cabo Chico Diabo pôs fim à vida deSolano López em Cerro Corá.

O Brasil pagou um alto preço pela guer-ra. Dos cerca de 160 mil brasileiros que nelatomaram parte, 50 mil perderam a vida e cercade mil ficaram inválidos.

Da mesma forma que em outros confli-tos no século XIX, as altas taxas de morta-lidade foram uma consequência das péssi-

O Brasil pagou um altopreço pela guerra. Dos

cerca de 160 mil brasileirosque nela tomaram parte, 50

mil perderam a vida ecerca de mil ficaram

inválidos

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CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<GUERRAS>; Guerra do Paraguai; História do Brasil;

mas condições de higiene reinantes e damá alimentação das tropas, o que facilitoua propagação de doenças que, mais que oscombates, causaram os óbitos. O cólerapossivelmente foi o maior responsável pe-las baixas.

O Império do Brasil gastou, nos cincoanos de guerra, quase o dobro de sua recei-ta, sendo necessário angariar empréstimosno Banco de Londres e nas casas Baring eRotschild. Não se pode dizer o mesmo daArgentina, que muito se beneficiou com ascompras feitas pelo Brasil em Entre-Rios e

Corrientes, incluindo gado, mantimentos eoutros produtos essenciais para as tropas.

Infelizmente, o avanço tecnológico naconstrução naval, que teve lugar duranteo conflito, não teria continuidade, já queas dificuldades financeiras do País impedi-ram que a esquadra se renovasse. O Brasilnão acompanhou as mudanças que tive-ram lugar no resto do mundo e veria, a par-tir do fim da Guerra do Paraguai, o seu po-der naval se deteriorar inexoravelmente, oque só iria se reverter com a efetivação doPlano Naval de 1906.

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SUMÁRIO

IntroduçãoOceanopolítica

Discussão preliminar de conceitos de OceanopolíticaO dimensionamento de um Espaço Oceanopolítico: roteiro básico

Considerações complementares

OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR*

... O oceano é um meio diferente da terra, tão diferente de fato que nosforça a pensar diferentemente. O oceano, onde tudo flui e tudo éinterconectado, nos força a desfocar, a repelir nossos velhos conceitos eparadigmas – a refocar sobre novo paradigma.

Conceitos fundamentais, desenvolvidos por milênios na terra, comoos de soberania, fronteiras geográficas e propriedade, simplesmente nãofuncionarão no meio oceânico, onde novos conceitos políticos, jurídicos eeconômicos estão emergindo.

Elisabeth Mann Borgese1

ILQUES BARBOSA JUNIORContra-Almirante

INTRODUÇÃO

Entender a importância dos oceanos exi-ge a absorção de conhecimentos e per-

cepções que, normalmente, deixam de es-tar ao alcance de significativas parcelas dacivilização humana. Em que pese a imensasuperioridade das dimensões dos espaçosoceânicos sobre os espaços em terra, di-versos aspectos fundamentam esse enten-

dimento. Dentre tantos, podemos apontaro mais evidente e de fácil entendimento. Oser humano, pelo menos até os nossosdias, vive em ambiente terrestre; todos osseus sentidos estão voltados, desde o iní-cio da vida, para acontecimentos e relacio-namentos que também ocorrem no ambien-te terrestre.

É natural que assim seja, pois estamosiniciando o desenvolvimento do conheci-

* N.R.: Artigo baseado no texto de palestra proferida no Clube Naval. O CA Ilques é atualmente Coman-dante da 2a Divisão da Esquadra.

1 The Oceanic circle: governing the seas as global resource. New York. United Nations University, 1998.Tradução de Marcos Lourenço de Almeida.

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OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

mento sobre os oceanos. Efetuamos os pri-meiros passos para a identificação de cam-pos de pesquisas e de expansão na identi-ficação dos recursos dos oceanos e suasinfluências no planeta Terra.

Esses são alguns dos aspectos que, emgrande medida, respaldam as dificuldades dea civilização humana conhecer e empregar osoceanos tanto como fonte de riquezas de todaordem como relacionados com uma adequa-da defesa, em amplitude e complexidade cor-respondentes aos desafios energético, de ob-tenção de recursos naturais, das mudançasclimáticas e da alimentação.

A dimensão da diversidade dos conhe-cimentos sobre os oceanos ainda pode serconstatada pela biodiversidade do ambi-ente marítimo, muitas vezes superior à doambiente terrestre, assim como, por meiodo estudo da histórica e preponderante in-fluência dos espaços oceânicos na sobre-vivência e prosperidade dos Estados2 e dacomunidade internacional.

Dessa maneira, entender a dimensão daimportância dos espaços oceânicos exigeconhecimentos relacionados com ambien-tes distintos daqueles nos quais o saberhumano vem sendo, de forma quase quemajoritária, aplicado.

Para ampliar essa discussão, analisamosconhecimentos da Geopolítica. Todavia, osestudos continuam apontando carênciasna amplitude e profundidade no que se re-fere aos oceanos. Talvez sem perceber, osgeopolíticos, quase todos com fortes rela-ções com o ambiente terrestre, apresenta-ram conceitos e pensamentos com difícilaplicação nos espaços oceânicos.

É nesse contexto que apontamos a ne-cessidade de retomarmos os estudos daOceanopolítica; pois, até onde temos co-

nhecimento, coube à professora Therezinhade Castro, do corpo docente da Escola Su-perior de Guerra, a atualização dos estudossobre a influência dos oceanos. A seguir, apartir da análise de alguns conceitos preli-minares de Oceanopolítica, serão realizadasconsiderações sobre o dimensionamento deum “Espaço Oceanopolítico”.

Ao fim, são apresentadas consideraçõescomplementares que reiteram a importânciados oceanos e prosseguem a pesquisa so-bre Oceanopolítica, indicando que os espa-ços oceânicos devem merecer as atençõesdaqueles Estados que pretendem liderar acomunidade internacional; como, em suaépoca, Portugal e sua Escola de Sagres.

OCEANOPOLÍTICA

Os estudos relativos à influência da Ge-ografia na Política (a Geopolítica) podemser considerados como, em certa medida,voltados para a análise dos desdobramen-tos de fatores observados em áreas terres-tres na política dos Estados. Dentre essesfatores, temos a forma geométrica do terri-tório, a disponibilidade ou não de terrasférteis, de hidrovias e recursos naturais eas características do relevo. As definiçõesde Geopolítica a seguir apresentadas ilus-tram parcialmente esse entendimento, quaissejam:

Rudolf Kjellen: “o estudo da influênciados fatores geográficos na criação e exis-tência do Estado”.

Friedrich Ratzel: “estudo da influên-cia do território sobre a população e a dis-persão do homem”.

Meira Mattos: “Uma indicação de solu-ções políticas condicionadas pelas reali-dades e necessidades geográfica ... O terri-

2 O emprego do conceito de Estado é fundamental em estudos de Geopolítica/Oceanopolítica, poissomente o Estado possui o conjunto de recursos humanos, espirituais e materiais que pode serdenominado de Poder Nacional, com capacidade de expandir ou projetar sua influência em espaçosterrestres ou oceânicos.

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tório condiciona a vida de um Estado e li-mita suas aspirações...”.

Halford J. Mackinder, por sua vez, argu-menta que a “Geografia deve ser uma ponteentre as ciências físicas e as sociais, assimcomo é fundamental o estudo da influênciada Geografia na sociedade e o da influênciada sociedade no ambiente”. Nos seus estu-dos geopolíticos, Mackinder desenvolveu oconceito de “área pivot”, que alcançava mai-or relevância político-estratégica diante deoutras áreas terrestres do planeta, em decor-rência de um conjunto de fatores geográfi-cos, recursos naturais e da proteção contraataques de potências marítimas.

Como “área pivot”, Mackinder identifi-cou a Europa Centro-Oriental, passando adenominá-la de “Cora-ção do Mundo”, e Eu-ropa, Ásia e Áfricacomo a “Ilha Mundial”.A preponderância dodeterminismo geográfi-co de Mackinder, comênfase em territórioscontinentais, pode serconstatada nas se-guintes assertivas:

a) quem comanda a Europa Centro-Ori-ental comanda o “Coração do Mundo”;

b) quem comanda o “Coração do Mun-do” comanda a “Ilha Mundial”; e

c) quem comanda a “Ilha Mundial”comanda o mundo.

Para ampliar o entendimento dos estu-dos de Mackinder, é importante relembrarque seus apontamentos foram realizadosno final do século XIX. Dessa maneira,consideravam os seguintes aspectos:

a) a fase de descobertas de territóriosestava encerrada;

b) as ameaças ao Império Britânico,decorrentes do rearmamento e das preten-sões coloniais do Império Austro-Húnga-ro e da Alemanha;

c) o comércio internacional estava dis-tante da magnitude da atualidade;

d) a navegação a vapor era incipientee as atividades marítimas careciam de infra-estruturas adequadas;

e) as iniciativas para descobrimentodos recursos naturais nos oceanos eramquase inexistentes, mesmo quanto àque-les destinados à alimentação; e

f) a vida humana nos espaços oceâni-cos era restrita, quase que totalmente, àque-la que estava embarcada em navios.

Esse conjunto de considerações indicaMackinder como o principal pensador doque passou a ser denominado de “Teoriado Poder Terrestre”.

Em alguns países, pode-se apontar queos conceitos geopo-líticos de Mackinderinfluenciaram a formu-lação de políticas e es-tratégias relacionadascom a ocupação do in-terior, o “Hinterland”.Decorre desses con-ceitos a atribuição deprioridade para a cons-trução de sistemas de

transportes, com destaque para o predo-mínio dos rodoviários e, em menor dimen-são, os ferroviários. Pouco foi destinadoaos sistemas hidroviários. As dificuldadesde sistemas portuários, a construção deusinas hidroelétricas, até mesmo pontes,que impedem a passagem de navios e em-barcações, ilustram a influência da “Teoriado Poder Terrestre”.

Jacques Attali, em seu livro Uma bre-ve história do futuro, aponta que o Bra-sil, por atrasar a atribuição de adequadaprioridade às atividades marítimas, am-pliou as dificuldades para o desenvolvi-mento nacional.

Por outro lado, coube ao AlmiranteAlfred Thayer Mahan apontar que o con-

O Brasil, por atrasar aatribuição de adequadaprioridade às atividadesmarítimas, ampliou as

dificuldades para odesenvolvimento nacional

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trole dos mares, ao longo da história3, ca-racterizou um fator de força decisivo em to-das as guerras. Na linguagem militar-navalda atualidade, poderíamos substituir guer-ras por situações de conflito. Tal argumentodecorre do entendimento de “quem contro-la o intercâmbio, controla as riquezas; e quemcontrola as riquezas, controla o Mundo”.Com o mesmo entendimento e muito antesde Mahan, tivemos o AlmiranteTemístocles, vencedor da Batalha Naval deSalamina, que considerava o “comando domar como primordial para o comando de to-das as coisas”, e Ratzel, ao destacar a im-portância do tráfico marítimo4 e o valor es-tratégico das ilhas oceânicas em sua obra Omar, origem da grandeza dos povos.

Para Mahan, os mares facilitam a mobili-dade, pois não existem obstáculos naturais,exceto em situações de mar adverso. Oordenamento jurídico relativo aos espaçosoceânicos pouco restringia a movimenta-ção dos navios e a disponibilidade de por-tos era fundamental para o apoio logísticoaos navios. Atualmente, a tecnologia per-mite que situações de mar adverso sejamevitadas e, como será comentado, observa-mos uma crescente complexidade noordenamento jurídico, que passou a imporrestrições à navegação nos mares, tanto amercante como a realizada por navios deguerra. Devido à modernização das plantas

propulsoras, os navios mercantes amplia-ram a autonomia e algumas forças navaisainda passaram a contar com eficiente apoiologístico móvel5. As novas plantas propul-soras e o apoio logístico móvel contribuempara a redução da dependência dos naviosdas bases de apoio, ou seja, dos portos.

A superioridade dos conceitos postuladospor Mahan, em comparação aos de Mackinder,é respaldada pelos seguintes fatos:

a) ao longo da história, as vitórias daspotências marítimas nos confrontos comas potências terrestres;

b) o comércio mundial, prioritariamenterealizado por meio de navios mercantes6;

c) a magnitude dos recursos naturaisexistentes no mar e o constante desenvol-vimento de tecnologias para a exploraçãodesses recursos;

d) a identificação da importância dosoceanos para a preservação ambiental davida humana no planeta; e

e) a crescente ocupação humana dosespaços oceânicos, inclusive em áreasonde o ordenamento jurídico deixa de con-templar direitos de soberania nacional.

As considerações relativas à influênciados espaços oceânicos nos destinos dosEstados foram consolidadas pelo que pas-sou a ser denominado de Teoria do PoderMarítimo, tendo no Almirante Mahan seuprincipal formulador.

3 Na história da humanidade, encontramos diversos exemplos em que ocorre o predomínio do podermarítimo sobre o terrestre, quais sejam: a Cultura Grega, cuja disseminação, que tanto influen-ciou a civilização ocidental, decorre da vitória dos gregos sobre os persas na Batalha Naval deSalamina; a Pax Romana, que perdurou enquanto o Mar Mediterrâneo era o mare nostrum; asGrandes Navegações, que permitiram a um país de reduzidas dimensões territoriais transformar-se em um império; a Pax Britânica, em que um país insular e carente de recursos naturais,amparado nas “regras” da Royal Navy, também forma um império; e, finalmente, o que algunsautores denominam de Pax Americana, em que a importância da liberdade de navegação respaldao pré-posicionamento dos poderosos grupos de batalha da Marinha dos EUA, nucleados em porta-aviões com propulsão nuclear.

4 Tráfico Marítimo – compreende o comércio marítimo, a atividade empresarial do transporte marítimoe a consequente exploração do navio como meio de transporte.

5 Como exemplo de apoio logístico móvel, apontamos a Marinha dos Estados Unidos da América, quepromoveu a substituição das tripulações com os navios ainda em operações no mar.

6 Atualmente, navios mercantes transportam 90% do comércio mundial.

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Entretanto, a Teoria do Poder Marítimodeixou de alcançar o mesmo prestígio aca-dêmico da apresentada pelos estudiosos doPoder Terrestre, em grande medida, pela exi-gência de maiores conhecimentos sobre asatividades marítimas. No Brasil, essa situa-ção também ficou caracterizada, pois os maisimportantes geopolíticos brasileiros possu-íam fortes relações com o ambiente terres-tre. Todavia, por justiça, é importante desta-car que todos foram unânimes e, talvez, pio-neiros em apontar a importância dos ocea-nos. Por outro lado, a maior parcela dos es-tudos atribuía maior relevância aos argu-mentos voltados paraa ocupação do “conti-nente” brasileiro, onosso “Hinterland”.

Dessa maneira, éconveniente empregaros conceitos apresen-tados por Mahan parainiciar a análise da in-fluência dos fatoresobservados nos oce-anos na política dosEstados, ou seja, aOceanopolítica.

Discussãopreliminar deconceitos de Oceanopolítica

Para destacar as diferenças entre aGeopolítica e a Oceanopolítica, podemosapontar o ordenamento jurídico que envol-ve o ambiente marítimo, a diversidade demotivações para acordos e convenções in-ternacionais, as dimensões e as caracterís-ticas da biodiversidade, da direta relaçãoda sobrevivência humana com as condi-ções meteorológicas e da influência do am-biente marítimo.

Sem pretender esgotar as distinções,ainda podemos constatar que as fronteiras

ou, em outras palavras, os limites de con-frontação de países são estabelecidos apartir das diversas interações decorrentesdas relações de poder, e não somente devi-do à preponderância das proximidadesterritoriais.

As interações decorrentes de relaçõesde poder têm destaque especial, em ummundo cada vez mais interdependente,onde estão profundamente entrelaçados as-pectos político-estratégicos, ambientais,econômicos e energéticos.

Também é oportuno mencionar que aGeopolítica foi desenvolvida a partir de estu-

dos de uma parte doglobo terrestre, em quetem destaque a conti-nuidade dos territórioscontinentais. Entretan-to, mesmo no Hemisfé-rio Norte, o “Hemisfé-rio Continental”, o pre-domínio de ocupaçãodos espaços pertenceao ambiente marítimo.Abaixo da Linha doEquador, na ocupaçãodos espaços o predo-mínio dos oceanos éampliado. Temos o “He-misfério Oceânico”,

sendo destacada a importância daOceanopolítica para o Brasil.

De maneira a respaldar um pouco mais osargumentos relativos à Oceanopolítica, se-rão comentados fatos históricos relaciona-dos com o emprego da Teoria do Poder Ter-restre (Estados continentais) e sobre a Teo-ria do Poder Marítimo (Estados marítimos).

Assim, apontamos as iniciativas deFrança, Alemanha e Rússia, que, em perío-dos distintos, procuraram dominar o “Co-ração do Mundo”, observando conceitosexistentes na “Teoria do Poder Terrestre”.Nessas iniciativas, destacamos os esfor-

As interações decorrentesde relações de poder têmdestaque especial, em um

mundo cada vez maisinterdependente, ondeestão profundamenteentrelaçados aspectospolítico-estratégicos,

ambientais, econômicos eenergéticos

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ços despendidos no sentido da formaçãode Marinhas com capacidade oceânica ede projeção de poder, além das proximida-des dos limites territoriais. Em todas asocasiões, os esforços de países que ob-servavam conceitos da “Teoria do PoderTerrestre” não alcançaram êxito.

Como exemplos, apontamos as derrotasda França nas Batalhas Navais de CaboSão Vicente, Abourquir e Trafalgar, que,além de impedirem a invasão da Inglaterra,possibilitaram a transformação de um paísinsular no Império Britânico. Impedido deinvadir a Inglaterra e desprovido de umaMarinha com capacidade de apoiar o es-forço de guerra da França, NapoleãoBonaparte voltou-se para o “Coração doMundo”. Entretanto, as derrotas nas bata-lhas navais impediram o fortalecimento doImpério Francês, sendo, portanto,determinantes para as derrotas nas bata-lhas de Borodino, para a Rússia, e Waterloo,principalmente, para a Inglaterra.

Em acréscimo, apontamos a contribui-ção para a consolidação territorial do nos-so país em função da vinda da Família Real.Tal deslocamento somente foi possível pelocontrole dos mares exercido pela Esquadrabritânica.

Também tivemos a derrota da Rússia naBatalha Naval de Tsushima, que impediu asaída dos produtos russos por mares comáguas quentes e contribuiu para que o Ja-pão alcançasse a capacidade de disputar ocontrole do Oceano Pacífico com os Esta-dos Unidos da América, na Segunda Guer-ra Mundial. Ainda temos as derrotas daAlemanha em duas guerras mundiais, sen-do precedidas pelas derrotas nas BatalhasNavais do Atlântico, que impediram a ma-nutenção do fluxo logístico dos países cen-trais e do eixo e, novamente, a invasão daInglaterra.

Ao verificarmos as características dospaíses líderes da Organização do Tratado

do Atlântico Norte (Otan), visualizamos umaassociação dos conceitos dessa Organiza-ção com aqueles que integram a Teoria doPoder Marítimo, pois algumas das conside-rações dos estudos de Mahan estão pre-sentes no preparo e emprego do Poder Mili-tar da Otan, tais como: a atribuição de im-portância para as Marinhas, disponibilida-de de apoio em bases ultramarinas, políticaseconômicas que fortalecem o comércio ex-terior e a mentalidade marítima.

A vitória na Guerra Fria também podeser considerada como uma consequênciado emprego das principais Marinhas daOtan na contenção do avanço soviético,por meio da manutenção da liberdade denavegação e do fluxo logístico indispen-sável para projeção de poder sobre terraem diversas regiões do mundo, como naCoreia e no Vietnã.

A Geopolítica e a Oceanopolítica orien-tam o Estado para o emprego do Poder Naci-onal, devendo ser, quando adequadamenteimplementadas, harmônicas e complementa-res. Por outro lado, em um sentido amplo,pode-se considerar que a Geopolítica englo-ba a Oceanopolítica. Todavia, como analisa-do, por atuar em ambiente totalmente diver-so do terrestre, a Oceanopolítica desenvolveuma série de conceitos decorrentes deordenamento jurídico próprio, de prioritáriosestudos voltados para o emprego de siste-mas hidroviários e portuários, sejam fluviaisou marítimos, dos recursos naturais existen-tes no mar, da mentalidade marítima e dasconexões comerciais, históricas e culturaiscom países. Tais conexões, em muitas opor-tunidades, estão separadas por espaços oce-ânicos sem limitações e interconectadas.Assim, constatamos que as fronteiras da atu-alidade devem ser estabelecidas pela formaque o Estado emprega o Poder Nacional nosespaços oceânicos.

Dessa maneira, é a partir dos conceitosda Oceanopolítica, e não da Geopolítica,

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que deve ocorrer o entendimento da im-portância da ocupação dos espaços oceâ-nicos. Essa realidade destaca a crescenterelevância da Convenção das Nações Uni-das sobre o Direito do Mar (CNUDM).

As diretrizes da CNUDM estabeleceramdireitos e deveres relativos ao Mar Territorial(MT), à Zona Contígua (ZC), à Zona Econô-mica Exclusiva (ZEE) e à Plataforma Continen-tal (PC), onde, até bem pouco tempo, era qua-se inexistente um ordenamento jurídico. Essaconstatação permitiu que alguns autores ava-liassem a CNUDM como um instrumento parao estabelecimento do que foi denominado de“jurisdição insinuante”, na medida em queestabelece conexões, anteriormente somenteobservadas em territóri-os continentais, entre omar e o poder do Esta-do, seja ele costeiro ou,ainda de forma inédita,aquele que, desprovidode litoral, possui interes-ses em áreas marítimas.

A conceituação deMT, ZC, ZEE e PC,como previsto naCNUDM, indica que osEstados possuem direitos a preservar e de-veres a cumprir. No entanto, a Oceanopolíticaenvolve áreas marítimas ainda mais distan-tes, pois o tráfico marítimo estabelece a ne-cessidade de adoção de medidas destinadasa manter ou a conquistar objetivos do Esta-do, a salvaguardar a segurança da vida hu-mana no mar e a preservar o meio ambiente.

Essas medidas podem provocar situa-ções de tensão, decorrentes, por seremabrangentes, de assuntos relativos à se-gurança nacional, à integração de países ea lacunas jurídicas da CNUDM e do Direi-to Internacional, especialmente quanto aosseguintes aspectos:

a) a possibilidade do envolvimento denavios mercantes ou instalações marítimas

em atentados terroristas, como alvos ouvetores do ataque, caracteriza séria ameaçaà segurança nacional de qualquer país, de-vido ao potencial de destruição ser capazde afetar importantes infraestruturas eco-nômicas e o meio ambiente, além da perdade vidas humanas. A Organização MarítimaInternacional, para fazer frente a essa amea-ça, elaborou resoluções visando ao fortale-cimento da segurança da navegação;

b) o combate à pirataria, ao contrabandoe às diversas formas de crimes transnacionais;

c) a necessidade de aperfeiçoamento daspesquisas científicas e atividades marítimas,assim como dos respectivos controles de exe-cução e dos benefícios decorrentes. A

inobservância dessa ne-cessidade pode contri-buir para o aparecimen-to ou acirramento de dis-putas por recursos na-turais, como tambémocorre pela posse de re-cursos existentes nosterritórios continentais;

d) a regulamen-tação da pesca de es-pécies migratórias em

alto-mar. É oportuno destacar que a pescapredatória de algumas dessas espécies afetaa biomassa oceânica, o que provoca efeitosque dificultam a preservação dos recursosvivos que habitam o MT, a ZC, a ZEE e a PC,onde os Estados costeiros ou não, é impor-tante repetir, possuem direitos e deveres; e

e) a importância do fortalecimento doDireito Internacional, em um cenário políti-co-estratégico caracterizado pela existên-cia de uma unipolaridade militar e, especi-almente, por iniciativas que procuram alte-rar conceitos fundamentais nas relaçõesinternacionais, como de Estado, SoberaniaNacional e Segurança Nacional.

Para ampliar o entendimento de um ce-nário, onde se inserem as situações de ten-

É a partir dos conceitos daOceanopolítica, e não da

Geopolítica, que deveocorrer o entendimento daimportância da ocupação

dos espaços oceânicos

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são acima mencionadas, destacamos inici-ativas observadas na comunidade interna-cional relacionadas com a importância deespaços oceânicos.

Em agosto de 2007, por meio deminissubmarinos, a Rússia colocou uma ban-deira a 4.261 metros da superfície do OceanoÁrtico7 e, em agosto de 2008, o Canadá ini-ciou uma expedição, também no Oceano Ár-tico, de modo a localizar os destroços dosnavios ingleses Erebur e Terror, que busca-vam uma passagem entre os Oceanos Atlân-tico e Pacífico8. Essas iniciativas indicam apossibilidade de aparecimento de contrastesde objetivos de Estados, especialmente quan-do considerada a ocor-rência de petróleo e gásno Oceano Ártico.

Além da possibili-dade mencionada, tam-bém pode contribuirpara o aparecimento detensões o fato de al-guns países importan-tes ainda não teremaderido à CNUDM.Essa fragilidade daCNUDM caracterizafator complicador nasrelações internacio-nais, pois algumas dasáreas marítimas envolvidas em disputas, emdiversas regiões da Terra, são consideradaspatrimônio da humanidade; outras, tambéminseridas no ordenamento da CNUDM, es-tão envolvidas em legislação específica, quenão é reconhecida por importantes paísesda Comunidade Internacional.

Dessa maneira, podemos preliminarmen-te conceituar:

“A Oceanopolítica envolve o Estadocomo elemento central para a adoção dedecisões soberanas, considerando os es-paços oceânicos, sobre o destino de suapopulação, assim como nas relações depoder com outros Estados e, consideran-do a conjuntura político-estratégica inter-nacional, com os demais atores das rela-ções internacionais”.

Como outra tentativa, pode-se apontara constante em tese da Naval PostgraduateSchool:

“... a Oceanopolítica estabelece as orienta-ções para que o Estado empregue os oceanoscomo um espaço onde deve expandir e proje-

tar sua influência...”

O dimensionamentode um EspaçoOceanopolítico:roteiro básico

Após a análise preli-minar de conceitos daOceanopolítica, alcan-çamos as condiçõespara apresentar aspec-tos relativos a um rotei-ro para o dimensiona-mento de um “EspaçoOceanopolítico”.

Entretanto, a dificuldade para a identifi-cação desse espaço pode ser constatadapor meio da diversidade de tópicos a seremanalisados para a sua demarcação, a saber:

a) a extensão das linhas de comunica-ções marítimas9. As do Brasil envolveram,em 2007, US$ 281 bilhões e conectaram pro-dutos brasileiros com elevado número depaíses;

7 Site www1.folha.uol.com.br/folha/mundo.8 Jornal O Globo de 23 de agosto de 2008.9 Expressão que representa a rota de navegação empregada pelo tráfico marítimo. Os navios mercantes

navegando materializam as linhas de comunicações marítimas.

A Oceanopolítica envolve oEstado como elemento

central para a adoção dedecisões soberanas,

considerando os espaçosoceânicos, sobre o destinode sua população, assim

como nas relações depoder com outros Estados

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b) a internacionalidade das atividadesmarítimas;

c) a continuidade dos espaços oceâ-nicos e a mobilidade das correntes maríti-mas ampliam a potencialidade do tráficomarítimo e de as atividades de exploraçãodos recursos do mar comprometerem o am-biente marinho;

d) a localização de plataformas de ex-ploração de petróleo e gás, de usinas deenergia e a localização de contingentes hu-manos e centros econômicos próximos aolitoral, assim como a descoberta de signifi-cativas reservas de petróleo e gás nos oce-anos, com magnitude suficiente para alterarposicionamentos político-estratégicos deEstados;

e) os compromis-sos internacionais,como acordos, trata-dos e resoluções deorganismos internacio-nais, inclusive aquelasrelacionadas com asoperações de paz.Dentre os compromis-sos internacionais as-sumidos pelo Brasil,podem ser destacados: a Convenção para aSalvaguarda da Vida Humana no Mar, a Con-venção de Hamburgo de 1978, a CNUDM eo Acordo que deu origem à Coordenação daÁrea Marítima do Atlântico Sul;

f) os imperativos estratégicos, que de-vem ser atendidos de modo a ser preservadaa segurança nacional e cumpridos acordos etratados internacionais de natureza militar;

g) os eventos da história do País, queacarretam afinidades culturais com outrospaíses. Nesse caso, exemplificando, temosa participação da Marinha do Brasil em doisconflitos mundiais, quando foramefetuadas patrulhas da Costa Oeste daÁfrica até o Estreito de Gibraltar e escolta-dos comboios entre o Caribe e a costa sul

do Brasil, bem como as relações históricas,culturais e econômicas com os países doCaribe e da América do Sul e da África,mormente com os pertencentes à Comuni-dade dos Países de Língua Portuguesa; e

h) a dimensão e características do lito-ral e a existência ou não de portos abriga-dos e profundos, de ilhas oceânicas propí-cias ao estabelecimento de apoio logísticofixo e de hidrovias que integrem o interiorao ambiente marítimo e vice-versa.

A amplitude de tópicos mencionadacorresponde à imensidão dos espaços oce-ânicos e à magnitude dos interesses de todanatureza que estão envolvidos com as ativi-dades marítimas. Assim, de modo a estar-

mos preparados parasuperar os desafios daOceanopolítica, deve-mos fazer como osgrandes navegadores,que estudavam, mas –também – muito maisousavam.

CONSIDERAÇÕESCOMPLEMENTARES

Apesar dos restritos conhecimentos so-bre os oceanos, ao longo da história da hu-manidade diversos países souberam empre-gar os conhecimentos disponíveis e alcan-çaram níveis de desenvolvimento e capaci-dade de influenciar as relações internacio-nais que ultrapassaram as potencialidadesdas dimensões e riquezas de seus espaçosterrestres. Assim foi com Grécia, Portugal,Inglaterra e, em sua época, Roma, pois, en-quanto predominava no Mar Mediterrâneo– o Mare Nostrum –, manteve o ImpérioRomano.

Na atualidade, à frente os Estados Uni-dos da América e alguns dos países queintegram a Otan, os oceanos permanecemcomo o ambiente onde predomina a proje-

Para superar os desafiosda Oceanopolítica,

devemos fazer como osgrandes navegadores, queestudavam, mas – também

– muito mais ousavam

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ção de poder nas relações internacionais.Temos para ordenar as influências dos Es-tados a Convenção das Nações Unidassobre o Direito do Mar, a Constituição doMar.

No futuro, fatores político-estratégicos,energéticos, econômicos e ambientais am-pliarão ainda mais a importância do aten-dimento dos objetivos dos Estados nosoceanos.

Assim como no passado e no presente,o futuro também indica que a projeção depoder nos oceanos continuará tendo comoprotagonista o Estado. As organizaçõesinternacionais permanecerão dependendodos Estados para acelebração de acordose tratados, que, sendootimista, devem impe-dir a repetição dosmesmos erros cometi-dos pela civilizaçãohumana na ocupaçãoe exploração do ambi-ente terrestre, princi-palmente as guerras.

Dessa maneira,considerando o Esta-do como núcleo de irradiação de poder na-cional, apontamos que os conceitos daOceanopolítica demonstram que as fron-teiras são delineadas nos espaçosoceanopolíticos, onde são projetadas asinfluências dos Estados.

Em termos amplos, a Geopolítica deve sera matriz inicial e a moldura dos estudos deOceanopolítica. Todavia, as especificidades

decorrentes das características dos oceanose da magnitude da influência do ambientemarítimo no destino da civilização humanarecomendam que esses estudos tenham umdesenvolvimento que considere, além do Es-tado, o fato de que o oceano, como indicaElisabeth Mann Borgese, “... é um meio dife-rente da terra, tão diferente de fato que nosforça a pensar diferentemente. O oceano, ondetudo flui e tudo é interconectado, nos força adesfocar, a repelir nossos velhos conceitos eparadigmas – a refocar sobre novoparadigma...”

A Oceanopolítica envolve a elaboração,a disseminação e a implementação de dire-

trizes relacionadascom a ocupação de es-paços oceânicos, apreservação e a explo-ração de recursos e oacompanhamento dotráfico marítimo, assimcomo quanto ao usu-fruto do lazer propici-ado pelo mar.

Como estamos ini-ciando uma viagem deestudos em espaços

oceânicos, temos a convicção de que mui-tas milhas ainda precisam ser navegadaspara alcançarmos uma adequada amplitu-de e profundidade de conhecimentos so-bre Oceanopolítica. A convicção no êxitodessa navegação decorre da qualidade datripulação, os descendentes dos grandesnavegadores de Sagres: os marinheiros –civis e militares – do Brasil.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<POLÍTICAS>; Geopolítica; Recursos do mar; Estudo do oceano; Poder Marítimo;

No futuro, fatores político-estratégicos, energéticos,econômicos e ambientaisampliarão ainda mais a

importância doatendimento dos objetivosdos Estados nos oceanos

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OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

69. SORJ, Bernardo. Segurança, Segurança Humana e América Latina. Tradução de LucianoVieira Machado.

70. STREUSAND, Douglas E. Geopolitics versus Globalization.71. TEIXEIRA, Alexandre Peres. “Guerra Assimétrica Global: e a capitulação do Direito Inter-

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72. TILL, Geoffrey. Questões relevantes e desafios. Rio de Janeiro: Coletânea do Io Ciclo Inter-nacional de Conferências sobre o Poder Marítimo, Escola de Guerra Naval. Rio de Janeiro, p.23/42. 2005.

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74. TOFFER, Alvin e Heidi. Guerra e antiguerra: sobrevivência na aurora do Terceiro Milênio.Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995.

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76. TOFFER, Alvin. O choque do futuro. 3 ed. Tradução de Eduardo Francisco Alves. Rio deJaneiro: Record, 1995.

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O Brasil herdou o imenso e riquíssimoterritório da nossa Amazônia graças à

visão penetrante do estadista portuguêsSebastião José de Carvalho e Melo, queviria a se tornar Condede Oeiras e, depois,Marquês de Pombal.

O Marquês de Pom-bal foi nomeado pri-meiro-ministro do reiDom José I por decre-to de 5 de agosto de1750 e nessa situaçãopermaneceu até a mor-te do rei, em 23 de fe-vereiro de 1776.

Durante 26 anos, oprimeiro-ministro foi ogênio que executou a obra governativa dorei Dom José I, uma das mais profícuas dePortugal.

ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

ROBERTO GAMA E SILVAContra-Almirante (Refo)

Segundo o historiador lusitano JoaquimFerreira, “os portugueses têm razões so-bejas para venerar em Pombal o maiorgovernante da pátria”.

Nós, brasileiros,também temos razõessobejas para conside-rar o Marquês de Pom-bal responsável pelaanexação definitiva aoBrasil do território daAmazônia, com super-fície superior à somados territórios da Índiae do Paquistão.

Quando tomou pos-se como primeiro-mi-nistro do Reino, decor-

riam sete meses da assinatura do Tratado deMadri, que, pela primeira vez desde o Trata-do de Tordesilhas, firmado em 1494, procu-

Nós, brasileiros, tambémtemos razões sobejas paraconsiderar o Marquês dePombal responsável pela

anexação definitiva aoBrasil do território da

Amazônia

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rou definir os limites entre as possessões dePortugal e Espanha na América do Sul.

Diga-se de passagem, por pertinente, queo novo Tratado foi viabilizado pelo princí-pio do Utis Possidetis Facto, proposto pelosecretário de Dom João V, o paulista Alexan-dre de Gusmão, que no ano anterior, isto é,em 1749, mandara con-feccionar o Mapa dasCortes, no qual apare-ciam as terras efetiva-mente ocupadas pelosportugueses na Amé-rica do Sul.

O Tratado acabou sendo firmado por-que os espanhóis admitiram que haviamavançado ilegalmente sobre o arquipélagodas Filipinas, no Oceano Pacífico.

Então, a linha original de Tordesilhasfoi deslocada para oeste, na América doSul, de modo a legitimar as terras desbra-vadas pelos portugueses, e para leste noPacífico, para submeter as Filipinas ao do-mínio do Rei da Espanha.

Em resumo, a Amazônia brasileira foitrocada pelas Filipinas!

Como aparece na figura acima, o mapada Amazônia ainda estava incompleto, poisfaltava acrescentar o Acre, cujo contornoainda se achava indefinido, pelo fato denão ter sido determinada a posição correta

das nascentes do RioJavari, ponto de ondeseria traçada uma linhaleste-oeste até a ori-gem do Rio Madeira,na confluência doMamoré com o Beni. O

Acre, vale lembrar, só foi incorporado ofi-cialmente ao território brasileiro pelo Tra-tado de Petrópolis, firmado com a Bolíviaem 17 de novembro de 1903, após a vitóriapelas armas de aguerridos brasileiros sobo comando firme do gaúcho José Plácidode Castro.

A dimensão e a natureza da Amazôniachamaram, de imediato, a atenção do Mar-quês de Pombal.

Em resumo, a Amazôniabrasileira foi trocada pelas

Filipinas!

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ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Para começar, nomeou o próprio irmão,Francisco Xavier de Mendonça Furtado,oficial de Marinha, para o cargo de gover-nador do Grão-Pará e Maranhão, com a mis-são de assegurar, de todas as maneiras, aintegridade das terras da Amazôniatransferidas para o domínio de Portugal.

Mendonça Furtado criou, em 1755, aCapitania de São José do Rio Negro, ele-gendo como sua primeira capital a locali-dade de Mariuá, hoje Barcelos, para esti-mular o povoamento da bacia do Rio Ne-gro e contribuir para eliminar a penetraçãoespanhola pelas aquavias daquela região.

Na impossibilidade de ocupar fisicamen-te a imensa região, Pombal delineou a es-tratégia portuguesa para manter a Amazô-nia sob domínio português: “tamponamen-to das vias de acesso do exterior para ointerior da região e vivificação dos pontosfronteiriços confrontantes com pontos vi-vificados do outro lado da fronteira”.

Em 6 de junho de 1755, Pombal decretoua emancipação completa dos índios que ha-bitavam a Amazônia, conquistando assim oapoio dos silvícolas à causa portuguesa. Nodia seguinte, 7 de junho de 1755, foi criada aCompanhia do Grão-Pará e Maranhão, soci-

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ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

edade cujo capital foi subscrito pelos em-presários da praça de Lisboa, com o propó-sito de alijar os intermediários no comérciocom a região, sobretudo os ingleses.

A estratégia pombalina tem prevale-cido até hoje, embora posta em práticainconscientemente.

O Exército Brasileiro, ultimamente, vemse empenhando em consolidá-la por inter-médio de um projeto denominado Calha Nor-te, que consiste, basicamente, no aumentodos efetivos das unidades dispostas ao lon-go da fronteira ao norte do Rio Amazonas,além da criação de novos grupamentos mili-tares na mesma região lindeira.(N.R.1)

Essa medida, embora contribua para a pro-teção da fronteira, nãoé de todo eficiente noque tange ao tampona-mento, pois o espaçoamazônico não é pro-priamente continental,eis que se assemelha aum imenso arquipéla-go, tal a quantidade derios e igarapés que cortam o terreno.

A Força Aérea Brasileira acaba detamponar, com eficiência, o espaço aéreo daregião, mediante a instalação de uma redede radares e o estacionamento de aerona-ves de combate nas bases existentes, com oque o contrabando e o descaminho de ma-teriais de valor decresceram sobremaneira.

Com essa inovação, todos os bens nor-malmente transportados pelas aeronavespiratas foram desviados para as hidrovias,cujo patrulhamento é ainda frágil.

A fragilidade do tamponamento dashidrovias pode ser ilustrada com três exem-plos lapidares.

O primeiro exemplo relaciona-se com odescaminho de madeiras, em toras e serra-

das, antes da implantação da Agência daCapitania dos Portos em Munguba (o por-to de Monte Dourado).(N.R.2)

O Grupo Executivo para a Região doBaixo-Amazonas (Gebam) demonstrou paraas autoridades governamentais, inclusivepara o próprio Presidente da República, quehavia descaminho de madeiras em toras ebeneficiadas, cujo valor, a preços de 1982,ultrapassava a casa de US$ 1,2 bilhão.

Respaldavam essa revelação o cotejo en-tre o inventário florestal, levantado algunsanos antes pelo Radambrasil, e o volume demadeiras contido na área desmatada; a ca-pacidade das três serrarias instaladas naárea; o depoimento dos práticos do Rio Jari;

e a frequência de atra-cação de navios noporto de Munguba.

Todo esse volumede madeiras transpor-tado ilegalmente cru-zou a foz do Amazonaspelo chamado BraçoNorte, na verdade a foz

do grande rio, sem que fosse detectado.O segundo exemplo ocorreu em época

mais recente, setembro de 2001, quando onavio Artic Sunrise, de bandeira inglesa epertencente à organização não-governa-mental estrangeira Greenpeace, penetrouno Rio Amazonas para executar a demarca-ção das terras reservadas para os 361 nati-vos da tribo Deni, estabelecidos entre oRio Xeruã, afluente do Juruá, e o RioCuniuá, da bacia do Purus.

Aplicando os mesmos critérios “metafí-sicos” usados para a concessão de reservaspara os silvícolas, os Deni foram aquinhoadoscom uma área de 998.400 hectares.

Pois bem, o Artic Sunrise suspendeudo porto de Manaus, no dia 20 de setem-

N.R.1: Os recursos do Projeto Calha Norte atualmente também contemplam a Marinha e a Força Aérea.N.R.2: A Agência da Capitania dos Portos do Pará em Munguba esteve ativada desde 1979 até 1999.

A estratégia pombalina temprevalecido até hoje,

embora posta em práticainconscientemente

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bro de 2001, demandando a área concedi-da aos Deni e levando a bordo o caciqueHaku Varashadeni, da tribo em questão, di-rigentes da Coordena-ção das OrganizaçõesIndígenas da Amazô-nia Brasileira (Coiab),representantes doConselho IndigenistaMissionário (Cimi) eda Operação Amazô-nia Nativa (Opan), to-dos reunidos para pro-ceder à demarcação da reserva, já que o“governo brasileiro não havia cumprido o

compromisso constitucional de demarcartodas as terras indígenas até 1993”.

Os dois exemplos alinhados demons-tram a necessidade deinstalação de uma Es-tação Naval nas proxi-midades de Macapá,dotada com navios-patrulha e com insta-lação fixa de radares desuperfície, paratamponar a foz doAmazonas e apresar

navios envolvidos em operações ilegais ouantinacionais.(N.R.3)

N.R. 3: Ver proposta similar do Vice-Almirante (Refo) José Luiz Feio Obino, publicada na RMB do 4o

trimestre de 1998.N.R. 4: Gaiola – Embarcação de navegação fluvial, empregada para transportar sobretudo passageiros.

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Os dois exemplos alinhadosdemonstram a necessidade

de instalação de umaEstação Naval nas

proximidades de Macapá

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ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

O terceiro exemplo refere-se ao do RioSolimões, nas proximidades da tríplicefronteira Brasil-Peru-Colômbia.

No período noturno do dia 4 de julho de1949, o gaiola(N.R.4) Ajudante, pertencente àfrota do Serviço de Navegação da Amazô-nia e Administração do Porto do Pará(Snaap), navegava próximo à margem es-querda do Solimões, no trecho entre SãoPaulo de Olivença e Benjamim Constant,transportando 120 passageiros.

Surpreendentemente, uma canhoneirada Marinha da Colômbia, bem dotada dearmamento (dois ca-nhões de 195 mm,dois canhões de 40mm da fábrica Boforse dez metralhadorasde 20 mm da fábricaOerlikon), aproximou-se do Ajudante eabriu fogo até afundá-lo. Como resultado doataque morreram 112brasileiros.(N.R.5)

Posteriormente, a diplomacia colombia-na apresentou as suas desculpas, alegan-do que o Ajudante fora confundido comum navio peruano, eis que os dois paísesvizinhos haviam retomado as hostilidadesem torno do território onde se situava acidade de Letícia.

A canhoneira colombiana, sem qualqueraviso às autoridades brasileiras, demanda-va o Rio Içá, procedente de Letícia.

A facilidade de penetração na Amazôniabrasileira por embarcações procedentes doterritório colombiano, mediante a utilizaçãoda aquavia Içá-Putumayo, ainda persiste.

Com a atual dificuldade de uso do espa-ço aéreo para atividades ilícitas, o contra-

bando de armas e de tóxicos transferiu-separa o transporte hidroviário, tendo comoprincipal via o Rio Içá.

Então, como a simples presença de tropaterrestre, na divisa Brasil-Colômbia, não pro-picia a detecção da penetração de embarca-ções, mormente no período noturno, cabe àMarinha o tamponamento do Rio Içá, de pre-ferência com a implantação de uma EstaçãoNaval em Santo Antônio do Içá, povoaçãolocalizada na margem esquerda do rio, bemna confluência com o Solimões. Além da pre-sença de navios-patrulha, a nova Estação

Naval deveria contarcom a instalação de ra-dares de superfície fixose a presença de tropade Fuzileiros Navais,pronta para executaroperações ribeirinhas.

Ressalte-se que alocalização da EstaçãoNaval proposta, estra-tegicamente distanteda fronteira, além de

garantir o tamponamento efetivo do Rio Içá,ainda executaria a mesma tarefa no RioSolimões.

O reforço da presença de Fuzileiros Navaisna Estação Naval, ademais, tornaria a atuaçãodesse segmento de projeção do Poder Navalmais sintonizada com a conjuntura.

Obviamente, a ideia de criação de duasnovas “Estações Navais” na Amazônia in-clui necessariamente o aumento do núme-ro de navios-patrulha fluviais e costeirosem operação na região, além de unidadespara a condução de operações ribeirinhas.

Adotadas as providências propostas,ainda se faz necessário barrar três cami-nhos de penetração existentes na margem

N.R. 5: Mais detalhes do ataque ao Ajudante estão descritos no livro “Fronteiras da Amazônia – umaguerra silenciosa”, do Capitão de Mar e Guerra (Refo) Aécio Pereia de Souza. Partes do livro forampublicadas na RMB do 2o trimestre de 2001.

Cabe à Marinha otamponamento do Rio Içá,

de preferência com aimplantação de uma

Estação Naval em SantoAntônio do Içá

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ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<POLÍTICA>; Estratégia; Política interna; Soberania; Amazônia;

direita do Amazonas, como são os Rios Ma-deira, Purus e Juruá. Nos três casos, seriasuficiente equipar as Organizações Milita-res da Diretoria de Portos e Costas, isto é,a rede de capitanias, delegacias e agênci-as, com lanchas-pa-trulha armadas e ins-talações fixas de rada-res de superfície, emPorto Velho, Rio Bran-co e Eirunepé.

Ademais, como aEstratégia de DefesaNacional, recentemen-te divulgada, preconi-za a presença de For-ças Navais oceânicasno norte do País, parase contrapor às ameaças oriundas da re-gião de onde sopram os ventos boreais,parece óbvia a escolha da Baía de SãoMarcos, no Maranhão, como sede da Base

Naval que dará apoio à Esquadra do Norte.Tal escolha não admite outra alternativadevido às águas profundas e protegidasda citada baía, que permitirão o estaciona-mento seguro de navios de maior calado,

inclusive aqueles do-tados de domos desonares com dimen-sões avantajadas.

Esta Esquadra doNorte também deverácontribuir, com grandeeficiência, para otamponamento avança-do da foz do Amazonas.

Para concluir, deveser enfatizado que acontinuidade de aplica-

ção da estratégia deli-neada pelo Marquêsde Pombal, mais do que nunca, é vital para oexercício da soberania e manutenção da inte-gridade territorial da Amazônia brasileira.

A estratégia delineada peloMarquês de Pombal, mais

do que nunca, é vital para oexercício da soberania e

manutenção da integridadeterritorial da Amazônia

brasileira

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SUMÁRIO

AntecedentesOs principais desafiosPor que um submarino nuclear?Outras considerações relevantesPerspectivas

O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

ADALBERTO CASAES JÚNIOR*Contra-Almirante (RM1)

ANTECEDENTES

Os primórdios do interesse americanosobre o fenômeno da fissão nuclear

em benefício da propulsão naval, em espe-cial para submarinos, datam de 1939, épocaem que eram divulgados os resultados dosexercícios exploratórios de base matemáti-ca envolvendo a física quântica, que reme-teram à condução de experimentos científi-

cos evidenciando o formidável potencialde uma reação em cadeia a partir da possi-bilidade da divisão de um átomo de urânio,descoberta no ano anterior e pouco adian-te comprovada pelas infaustas, porém bem-sucedidas, detonações das bombas atômi-cas lançadas sobre as cidades japonesasde Hiroshima e Nagasaki.

Em continuidade ao lúcido vislumbre, emabril de 1948 a Marinha dos Estados Unidos

* Superintendente de Submarinos da Coordenadoria Geral do Programa de Desenvolvimento de Subma-rino com Propulsão Nuclear.

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

da América iniciava ambicioso programa vi-sando à construção e operação de um sub-marino empregando um reator nuclear paraa geração de vapor, e que propiciaria ao meio,portanto, permanecer oculto sem a necessi-dade de quebrar suas margens de discriçãopara carga de baterias, operação que, nossubmersíveis de então, mesmo aquelesconstruídos com o melhor existente no es-tado da arte, implicava alguma exposiçãoacima da superfície, ainda que limitada ape-nas ao periscópio de observação e a umconduto de admissão que permitia aspirar oar exterior (o esnorquel), sistema introduzi-do na Campanha do Atlântico ao final daSegunda Guerra Mundial.

Decorrente do expressivo sucesso dosataques conduzidos pelos submarinos con-tra os navios de superfície durante aquelaguerra, logo surgia, em reação, a inovaçãotecnológica da detecção radar, notável con-quista britânica.

A introdução desse recurso permitiuidentificar os submarinos que atacavamnavegando na superfície, tirando proveitoda escuridão associada ao baixo perfil dareduzida superestrutura exposta acimad’água. Contudo, a descoberta da existên-cia e compreensão desse novo tipo dedetecção produziu efeitos que resultaramem acentuar o entendimento da necessida-de da ocultação submersa, que propiciariaa efetiva discrição da aproximação por par-te dos submarinos.

A resposta, configurada pelo sistemaadrede comentado, que passou a ser co-nhecido como esnorquel, permitia a cargade baterias com o submarino mergulhadoe, certamente, marcou o início do sofistica-do e crescente desafio, confrontando apossibilidade da oportuna detecção daameaça, diante da capacidade efetiva daaproximação furtiva e concretização do ata-que bem-sucedido. Em outras palavras,começava o embate entre parcelas especí-

ficas componentes do Poder Naval, cujaesgrima fundamental estava, e assim per-manece até os dias de hoje, lastrada noaperfeiçoamento constante no campotecnológico, formidável patrimônio e ins-trumento que sempre irá credenciar o maisbem preparado a galgar o próximo e superi-or degrau na escala da dissuasão.

Passado algum tempo, mas já em 1954, aMarinha dos Estados Unidos apresentavao Nautilus, produto final de histórico pro-jeto de construção de submarino com pro-pulsão nuclear, livrando-o da necessidadede recarregar baterias na superfície ou emesnorquel e tornando-o, portanto, o tipode navio que podia ser realmente chamadode submarino em substituição ao vocábu-lo submersível, que denota a realidade detodos os seus antecessores ou daquelesque, ainda na atualidade, dependem de al-guma forma do comburente oxigênio paraa propulsão ou recuperação do nível ade-quado de carga de suas baterias que acu-mulam energia elétrica.

No Brasil, em 1979, a Marinha, com odescortino das grandes e decisivas reali-zações, batizava de Chalana um embriãode projeto cujo objetivo buscava adquirircondições, conhecimentos e competênci-as visando a permitir nosso ingresso noseletíssimo grupo de países capazes deprojetar, construir e operar um submarinocom propulsão nuclear, sonho, desde en-tão, permanentemente acalentado peloscomponentes da Força Naval.

O levantamento de todos os fatos e odetalhamento do caminho percorrido nes-tes últimos 30 anos passam ao largo da pro-posta deste trabalho. Contudo, sem apon-tar todos os nomes que certamente a histó-ria da Marinha do Brasil fará a justiça dereconhecer e consagrar ao longo do tem-po, vamos destacar o elenco das conquis-tas mais marcantes e decisivas que pavi-mentaram o terreno firme da estrada per-

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

corrida até aqui, a qual, inequivocamente,aponta para prognóstico muito promissornessa empreitada que esteve por váriasrazões adormecida e hoje, quando alcançaidade madura, felizmente desperta com ovigor necessário para alcançar o objetivohá tanto tempo estabelecido.

OS PRINCIPAIS DESAFIOS

A partir de exposição de motivos do Mi-nistério da Defesa apresentada ao Presidenteda República em dezembro de 2007, foi au-torizado que aquele Ministério iniciasse en-tendimentos diretoscom a área econômicado governo visando àconstrução do subma-rino nuclear S(N) bra-sileiro. Renasciam ali asesperanças da Mari-nha e iniciava-se ochamado Programa deDesenvolvimento doSubmarino de Propul-são Nuclear (Prodesn).

Desde logo, é im-portante ficar claroque determinadascapacitações devem ser necessariamenteatendidas de modo que a Marinha possa,efetivamente, concretizar suas pretensões.

Entre essas competências, merece rele-vo e é obrigatório enumerar, minimamente:a conquista da capacidade de projeto; aconsolidação das capacidades de constru-ção, de manutenção e operação; além de,logicamente, dar continuidade à questãodo combustível e trabalhar na concepção econstrução do reator e periféricos a seremtestados em terra, em conjunto, para final-mente evoluir no sentido da instalação eintegração da planta de propulsão nuclearno submarino, cujo casco, espera-se, terásido projetado sobre pranchetas trabalha-

das pela engenharia naval brasileira econstruído em estaleiro nacional pelasmãos dos nossos técnicos e operários.

Há que comentar e incluir nessa visão aexistência de inúmeras intercorrências, quedevem ser consideradas englobadas nascapacidades de projeto e construção, e queabrangem os sistemas de armas, de con-trole da plataforma, sensores e armamento,setores vitais e sobre os quais ainda expe-rimentamos lamentável dependência exter-na, cuja superação precisa ser viabilizada.

Ao lado disso, merece destacar que foicom indiscutível perseverança, criativi-

dade, coragem, inteli-gência, habilidade emuita competênciaque inúmeros obstá-culos foram supera-dos, até aqui, por to-dos aqueles que, dealguma forma, estive-ram envolvidos, des-de o início, no tratodos assuntos que serelacionavam com aobtenção do submari-no com propulsão nu-clear, sejam sob o pris-

ma da sua conveniência estratégica para aMarinha do Brasil, os fundamentos da suaoperação, as dificuldades do projeto e daconstrução, os óbices para a obtenção docombustível passando pelo processo parao enriquecimento do urânio, além damiríade de problemas acessórios eintercorrentes que uma obra dessa enver-gadura traz atrelada.

Contudo, se ainda resta um bom cami-nho a percorrer, convém registrar que ba-ses sólidas foram alicerçadas e, neste mo-mento, a Marinha deixa evidente que tra-balha para fazer prosperar o formidável pro-jeto que, conforme previamente comenta-do, já alcançou a maturidade.

Desde o início do projetodo submarino com

propulsão nuclear daMarinha, em 1979, odomínio do ciclo do

combustível, obtido em1982, constituiu a primeira

formidável vitória

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

Vamos, portanto, tentar elucidar o quan-to já vencemos nessa singradura e, aindamais relevante, comentar sobre as etapasremanescentes e também as mais importan-tes, as quais, uma vez satisfeitas e supera-das, ao juízo deste autor, propiciarão a che-gada e “atracação” ao porto seguro do al-mejado objetivo.

Desde o início do projeto do submarinocom propulsão nuclear da Marinha, em1979, o domínio do ciclo do combustível,obtido em 1982, constituiu a primeira for-midável vitória, que consagrou com lugarde destaque na nossa história um gruposeleto de oficiais e engenheiros navais li-derados pelo Vice-Almirante Othon Luiz Pi-nheiro da Silva, cujashabilidades e compe-tências ficam difíceisde traduzir em pala-vras frias, especial-mente diante da apa-rente simplicidade dofeito. Destarte, poucotempo depois, em1987, o então Presi-dente José Sarneyanunciava ao mundo,com justificado orgu-lho e pompa, a con-quista brasileira.

Mas é sensato es-timar quantas dificul-dades das mais diver-sas naturezas não terá sido preciso supe-rar para tornar concretas as concepções emostrar resultados práticos sobre visõesteóricas, sem mencionar os difíceis e quaseinescapáveis obstáculos interpostos pelaobservação atenta e atuação poderosa dospaíses mais desenvolvidos que, sob a égidedas chamadas salvaguardas internacio-nais, buscaram criar barreiras, ainda bemque em vão, na tentativa de impedir que aMarinha e o nosso país dessem este passo

que a realidade e a evolução dos fatosmostraram ter sido irreversível e decisivo.

Os desdobramentos dessa empreitada,com a sofisticação de centrífugas de geni-al concepção nacional e a montagem decascatas seriadas, levaram ao enriqueci-mento do combustível ao nível de protóti-po laboratorial em grau adequado e com apossibilidade concreta da obtenção doquantitativo suficiente para o abastecimen-to dos futuros submarinos nucleares queserão fabricados no País.

Entretanto, para que essa possibilidadese transforme em realidade, resta equacionara questão da escala de produção que efeti-vamente assegure a quantidade de combus-

tível suficiente paraatender a todos os fu-turos submarinos,mesmo que ainda nãonecessariamente inclu-ídos no Programa ini-cial, mas já visuali-zados diante de óticaestratégica de prazomais longo.

Não menos essen-cial, associado a essapreocupação será vitalagir no sentido de evi-tar a vulnerabilidadede estrangulamento doprocesso pela simplesinterrupção de forneci-

mento do hexafluoreto de urânio, que hojeainda passa pelo Canadá e pela Europa. Pro-videncialmente, acertos e parcerias com asIndústrias Nucleares Brasileiras (INB) dãocurso seguro e promissor a este assunto.

No que tange à planta de propulsão, jáfoi divulgado que a Marinha do Brasil tra-balha celeremente no seu centro de exce-lência tecnológica de Aramar, na região deIperó, em São Paulo, para prontificar umprotótipo de reator nuclear em terra.

No que tange à planta depropulsão, já foi divulgadoque a Marinha do Brasiltrabalha celeremente noseu centro de excelência

tecnológica de Aramar, naregião de Iperó, em São

Paulo, para prontificar umprotótipo de reator nuclear

em terra

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A instalação de todos os componentesdo sistema permitirá a condução dos tes-tes que deverão ser levados à saciedadepara o estabelecimento das condiçõessatisfatórias de operacionalidade segura,o que evoluirá para a subsequenteintegração da planta para atender ao proje-to que prevê sua instalação a bordo do fu-turo submarino.

O mencionado protótipo estará no La-boratório de Geração de Energia Núcleo-Elé-trica (Labgene), cuja previsão de pronti-ficação estima-se até 2013. Além de todosos testes e certificações necessárias, semdúvida o Labgene também desempenharápapel fundamental, contribuindo significa-tivamente para o adestramento das futurastripulações escaladas para o guarnecimentoe a condução dos sistemas de propulsão dofuturo submarino.

No que envolve o empreendimentoLabgene, porém, há que reconhecer algu-mas dificuldades que inevitavelmente de-verão constituir ponto crucial, pois sabe-mos bem a dificuldade em contar com quais-quer subsídios externos para auxiliar nassoluções dos sistemas de proteção e decontrole da propulsão, sofisticados e vi-tais para a funcionalidade exigida por ummeio naval de características tão especi-ais, cuja máquina deve estar pronta a aten-der às diversas demandas do comando navariável gama de potência e velocidadessolicitadas.

Incluem-se nessas preocupações ossensores que devem trabalhar integradosao reator e que fornecerão os dados vitaispara o controle correto e perfeito funciona-mento da propulsão. Para isto, a nossa en-genharia deverá dedicar esforços criativos.

Outro aspecto basilar e que, sem qual-quer controvérsia, também vai exigir deti-da reflexão dos nossos engenheiros na con-cepção do reator a ser empregado residena decisão de optar pelo emprego de

varetas ou placas para colocação do ele-mento combustível no reator.

Na primeira alternativa, utilizandovaretas, estaríamos sendo conservadores,posto que esta linha de ação copie solu-ção que atendeu aos primeiros geradoresde vapor utilizados na propulsão de sub-marinos e é hoje empregada nas usinas nu-cleares de Angra 1 e Angra 2.

Já as placas, ao que se sabe com rendi-mento superior, equipam plantas de sub-marinos mais modernos, constituindo, porisso mesmo, desafio maior, tendo em vistaque representam aperfeiçoamento introdu-zido pelos países veteranos no empregoda propulsão nuclear.

Tendo em vista a consideração desses as-pectos, parece prudente e provável que a es-colha recaia no uso de varetas, ao menos paraa primeira das plantas a serem instaladas.

Nesse contexto de desafios, outro gran-de passo que igualmente já foi dado refere-se à conquista da competência correspon-dente ao domínio da tecnologia de cons-trução de submarinos, sucesso alcançadopelo Arsenal de Marinha do Rio de Janeiroentre os anos de 1986 e 2005, quando fo-ram prontificadas três unidades de subma-rinos da classe Tupi (original IKL) e um daclasse Tikuna, este último com modifica-ções e aprimoramentos promovidos pelosengenheiros navais brasileiros. Tal episó-dio tem muito significado, uma vez quecredenciou o Brasil como o único país dohemisfério sul, ao lado da Austrália, com areal capacidade de atender às exclusivassofisticações exigidas para esse fim.

Ao arrasto disso deriva a reconhecidacapacidade de manutenção daquele mes-mo Arsenal, ampliada como corolário natu-ral da construção, que não somente aumen-tou a eficiência do apoio logístico presta-do, mas também reduziu prazos deprontificação para períodos previstos dereparo, chegando ao ápice até de prestar

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serviços para outra Marinha sul america-na, como foi o caso da Força de Submari-nos da Armada Argentina, que enviou aoBrasil submarino para consecução de Perí-odo de Manutenção Geral, ocasião queimpunha a abertura do casco resistente donavio, procedimento executado de formaperfeita e que atesta e comprova cabalmen-te que dominamos técnica restrita a pou-cos países em todo o mundo.

Também é fato que aos desdobramen-tos do processo de obtenção dos IKL podeser associado ensaio de capacidade de pro-jeto. Porém parece ser equilibrado e sensa-to assinalar que esta é, ainda, uma compe-tência essencial nãointeiramente domina-da e que precisa serconquistada.

Justo nesse senti-do, a Marinha buscouparceria externa queatendesse às deman-das brasileiras. O re-sultado já é de domí-nio público, uma vez que foi amplamentedivulgado pela mídia nacional e internaci-onal. Desse modo, sabemos que, em de-zembro de 2008 foi firmado acordo entreEstados, com o envolvimento direto dosPresidentes do Brasil e da França, acertan-do entendimentos que culminam na cons-trução, no País, do primeiro submarino nu-clear brasileiro, após a fabricação, tambémno Brasil, de quatro convencionais da classeScorpene, cujo detalhamento de projetoserá conduzido pela parte brasileira.

Além disso, em providência fundamen-tal, o acordo prevê a aquisição da essenci-al capacidade de projeto, a ser implemen-tada na França e no Brasil para um “núcleo

duro” de selecionado grupo de engenhei-ros navais brasileiros.

Tal entendimento, contudo, não prevêqualquer ajuda no que envolve a propul-são nuclear em si mesma. E isso não pode-ria, realmente, ser diferente, em face da exis-tência de efetivas salvaguardas internaci-onais sobre o assunto. Ademais, seria ilu-sório acreditar que algum país entregue seupatrimônio tecnológico tão exclusivo paraoutro, mesmo que cobrando muito por essevalor intangível.1

Retornando ao citado acordo com osfranceses, tem expressivo valor, e mereceser enfatizado, o aspecto representado pela

preocupação da partebrasileira em eliminar acarência existente naparte de projetos.

A história deixa evi-dente que as Mari-nhas que hoje contamcom submarino nucle-ar nos seus inventári-os acumularam expres-

siva experiência prévia na construção na-val e, em especial, na de submarinos. E issoocorreu de forma lógica e em sequência aum processo evolutivo natural, decorren-te, também, dos investimentos feitos pelosrespectivos países que, por variadas ra-zões, mais cedo despertaram para o poten-cial do emprego da arma e, na mesma medi-da, logo deram conta da importância dossubmarinos para o fortalecimento de seuspoderes navais.

É consequência natural que essas po-tências estejam, hoje, em patamarestecnológicos superiores e em condições derealizar, efetivamente, aquilo que o melhordo estado da arte pode oferecer. No caso

N.A.1: Na verdade, tal transferência somente ocorre em situações especialíssimas e limitadas – podemser citadas as parcerias dos Estados Unidos e Reino Unido e, de forma um tanto diferenciada epeculiar, da Rússia e a Índia – ressalvando que considerações sobre tais casos específicos fogeminteiramente à proposta de abordagem deste trabalho.

O acordo prevê aaquisição da essencial

capacidade de projeto, aser implementada naFrança e no Brasil

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brasileiro resta implícito, sem importar asrazões, que do nosso lado, em tempos pas-sados, não promovemos as mesmas priori-dades. Mas, logicamente, e justo para abre-viar etapas na velocidade possível, a Mari-nha do Brasil buscou e encontrou a parce-ria internacional comprometida em atendera nossas demandas.

É oportuno destacar, mais uma vez, con-forme previamente comentado, que, no pro-cesso da capacitação da construção dos IKL(classes Tupi e Tikuna), algum esforço foifeito na tentativa de adquirir experiência emprojeto. Entretanto, impõe reconhecer queos progressos não foram suficientes paraque pudéssemos con-siderar satisfatoria-mente conhecida ouinteiramente dominadatal competência.

Assim, ordenandoideias, convém assina-lar que a posição atualno que tange aos sub-marinos remete a umnicho de tecnologiaque permite construiraquilo que, em essên-cia, não foi por nósnativamente projetado.

Nesse campo, constitui um lapidar exem-plo o caso das corvetas Inhaúma e Barro-so, classes, respectivamente, projetadas ereprojetadas, e depois construídas pelosnossos engenheiros e técnicos. E, muitorelevante registrar, a Barroso resulta da in-clusão de aperfeiçoamentos exatamentederivados da experiência antecessora.

A alusão às corvetas torna-se pertinen-te para fundamentar um paralelo com ossubmarinos, ainda que distante, tendo emvista que o acúmulo de experiências é sem-pre muito desejável e se aplica, igualmen-te, às bases de aprimoramento de ambosos meios considerados.

Conveniente lembrar, ainda, que se des-conhece exemplo de Marinha que tenhadecidido partir para o projeto e construçãode um submarino nuclear sem antes ter tri-lhado o caminho prévio do convencional.Entretanto, é exatamente neste ponto quereside o maior desafio e aparece a oportu-na e a ousada solução: abreviar o proces-so, de forma segura e sem comprometerseus estágios!

Mesmo sob o risco de sermos repetitivosneste argumento, convém assinalar que oprocesso normal e em absoluta sintonia comos acontecimentos registrados nos anaisdos submarinos já construídos no mundo

recomenda passar, an-tes, pelo projeto, e de-pois pela construçãode um convencionalpara, então, do altodessa experiência elastrado nos conheci-mentos adquiridos,partir para um casco esistemas mais sofisti-cados que abriguemuma planta de propul-são nuclear. Mas, con-venhamos, a Marinhado Brasil tem a pressa

que justifica ajustar essa sequência em be-nefício da velocidade dos resultados!

Justamente tal conjunção de fatos ex-plica e justifica o curso das ações atuais nadireção da parceria com a França que pre-vê, além da construção de quatro conven-cionais, ajuda e exercícios de projeto aofinal dos quais nossos engenheiros, so-mando vivências, preparo e conhecimen-tos prévios, poderão alcançar o nível ade-quado de expertise para desenvolver ogrande esforço de concepção do nuclear.

É necessário ter a dimensão perfeita dopasso que a Marinha e o País pretendemdar. Significa cruzar atalho fantástico e inu-

Desconhece-se exemplo deMarinha que tenha

decidido partir para oprojeto e construção de um

submarino nuclear semantes ter trilhado ocaminho prévio do

convencional

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sitado, perfeitamente factível, desde queobservada constante persistência e inteiradevoção ao objetivo. Isto somente será al-cançado com a atribuição de prioridadesao grupo dedicado à tarefa e ao trabalhocontínuo e harmonioso em benefício dopropósito estabelecido, superando os ine-vitáveis óbices inerentes a um Programade tal envergadura.

Toda essa conjuntura justifica a recen-te ativação de uma Coordenadoria especí-fica para tratar desse assunto, conformeprovidência promovida pela MB em 26 desetembro último.

A Coordenadoria-Geral do Programa deDesenvolvimento de Submarino com Pro-pulsão Nuclear (Cogesn), de acordo com oestabelecido pela Portaria 277 de 2008 doComandante da Marinha, possui as seguin-tes atribuições:

• gerenciar o projeto e a construção doestaleiro dedicado aos submarinos;

• gerenciar o projeto e a construção dabase de submarinos;

• gerenciar o projeto de construção desubmarino com propulsão nuclear; e

• gerenciar o projeto de detalhamentodo submarino convencional a ser adquiri-do pela MB.

Conforme fica claro, o Programa tambéminclui e cuida dos aspectos de logísticafundamental, ancorado que está na obten-ção de nova base e estaleiro dedicados aossubmarinos, que por óbvia conveniênciaestende apoio, também, ao conjunto detodos os submarinos, independentementedo seu tipo de propulsão.

Isto, por si só, envolve mais uma vastagama de providências, ajustes e transfe-rências de locais atualmente em uso, masque deverão ser modernizados e concen-trados no novo estaleiro e nova base: ofi-cinas, centros de instrução e simuladores,depósitos, ambulatórios e todo tipo deapoio específico para submarinos.

Interessante a constatação que vem aoencontro de posição aqui explicitamentedefendida, quando é atribuída à Cogesn odetalhamento do projeto do submarinoclasse Scorpene, caminho obrigatório paraforjar os alicerces fundamentais do projetoainda mais importante do submarino compropulsão nuclear, alvo final e mais expres-sivo do Programa.

Em se tratando de estaleiro e base deapoio para a planta nuclear, outros e im-portantes requisitos devem ser atendidospara a condução correta e segura de umreator sempre que o combustível venha aser instalado ou retirado do submarino, ouem qualquer tipo de situação que exija omanuseio de material radioativo.

Nesse ponto, torna-se oportuno mencio-nar a obrigatoriedade da obtenção das licen-ças, a serem providenciadas pela Marinhaou pelo construtor contratado, observandolegislação específica para atender às exigên-cias legais reguladas pelos credenciados ór-gãos que tratam desse assunto, representa-dos pelo Instituto do Meio Ambiente (Ibama)e pela Comissão Nacional de Energia Nucle-ar (CNEN), posto que, sem tais autorizações,que devem ser obtidas paulatinamente e naoportunidade adequada, fica impossível ob-ter respaldo para o início e a continuidadedas obras necessárias.

Tal aspecto, que eventualmente poderátranscender a capacidade de negociação daMarinha, reveste-se de destacada importân-cia e não deve ser negligenciado, uma vezque apresenta potencial possibilidade decomprometimento do cronograma previstopara as obras, o que causaria, dessa manei-ra, desastrosos e radicais prejuízos ao tododo Programa do submarino nuclear.

Portanto, há que se ter muita antecedênciae atenção às providências que conduzem atais licenças, entre essas as chamadas Prévia(concedida pelo Ibama), e de Aprovação doLocal (concedida pela Cnen), processo que

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ao final concede a autorização de construção,mas sujeito a delongas derivadas de amplaquantidade de exigências que costumeiramentecondicionam suas liberações.

Esse constitui um desafio típico dos tem-pos atuais, quando as acentuadas preocu-pações com os riscos de impactos ao meioambiente, devidamente amparadas emarcabouços jurídicos, exacerbam procedimen-tos e prudências com tudo aquilo que envol-ve a energia nuclear e o próprio ambiente.

Em face das peculiaridades das instala-ções de apoio, será imprescindível elaborarprojeto básico que abrigue diversas ativi-dades específicas, atendendo a requisitosde plena segurança, desde a monitoraçãoradioecológica do local, passando pelo re-cebimento, inspeção e armazenamento deelementos combustíveis novos para reato-res, pelo armazenamento de elementos com-bustíveis irradiados, pela preparação e tes-tes de embalagens para rejeitos de baixa emédia radioatividade com seus respectivosarmazenamentos, até o tratamento de rejeitosradioativos e dispositivos que assegurem aremoção do calor residual do reator quandoda docagem dos submarinos nucleares.

Naturalmente, os decorrentes sistemasauxiliares imprescindíveis para a segura ecorreta consecução dessas atividades de-vem fazer parte da concepção da base e doestaleiro, incluindo água desmineralizada,vapor, ar comprimido, nitrogênio, ventila-ção, proteção e combate a incêndio, ener-gia elétrica, drenagens, entre outros, tantoquanto a concepção detalhada do conjun-to venha a recomendar.

Importante ter em mente que todas asconstruções no complexo estaleiro e base,classificadas como de natureza nuclear, en-volvem particularidades inusitadas para aCnen, constituindo, portanto, atividade pre-cursora que, por isso mesmo, pode trazerum rol ainda maior de exigências e, via deconsequência, tempo inconveniente e peri-

gosamente dilatado para análise e decisão,o que poderá remeter aos temíveis atrasos.

Projetar e construir um submarino depropulsão nuclear inclui, da mesma forma,a necessidade de superar algumas carênci-as vitais para a completa e total indepen-dência nacional no assunto.

Nesse elenco de carências podemos re-lacionar o armamento, sensores, sistemasde armas, sistemas diversos do controleda plataforma e tantos outros mais que narealidade não impedem de forma definitivaa consecução do projeto, tendo em vistaque podem ser adquiridos no exterior, masenvolvem etapas que subtendem desdo-bramentos vulneráveis aos preços impos-tos e disponibilidades dos fornecedores,fato que, em última análise, corresponde auma inaceitável dependência externa.

Resta claro que a mencionada depen-dência deve e tem que ser eliminada embreve prazo, alcançando, pelo menos, ní-vel mínimo que corresponda à obtençãoda capacidade tecnológica equivalente aestar em condições de poder fazer, quandoassim desejado.

Por outro lado, existem componentes,não só aqueles que estão diretamente rela-cionados com a propulsão nuclear, quedevem completar o arranjo pleno de um S(N)e que, inapelavelmente, teremos que cami-nhar com as próprias pernas para obter, umavez que dificilmente estarão disponíveis nomercado. A navegação inercial, compostade acelerômetros e giroscópios de elevadaprecisão, e sistemas dedicados ao controledo ar ambiente e geração de oxigênio em-pregando recursos tecnológicos sofistica-dos são alguns destes pontos sensíveis.

Ademais, não é preciso fazer extensasreflexões para concluir que já deixamos paratrás o prazo aceitável para galgar indepen-dência nos vários segmentos relacionados,cuja complexidade, absolutamente, não émaior que o conjunto da obra do próprio

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submarino que, com inabalável certeza, aocabo de alguns anos, vamos concretizar.

POR QUE UM SUBMARINONUCLEAR?

A motivação para a obtenção de umarazoável parcela de submarinos na compo-sição do Poder Naval brasileiro decorre detradicional identificação da MB com o em-prego destes meios, desde o distante 1914,ocasião da chegada ao País do primeiroclasse “F”, quando tudo começou.

Após período inicial atrelado à obten-ção de submarinos fabricados na Itália, ointenso fluxo de transferência de meios deorigem americana nos anos 60 e 70, inicial-mente “Fleet-Types” e, em continuidade,os “Guppies”, cujo significado do acrósticoera “Great Underwater Propulsion Power”,correspondendo, literalmente, a um sensí-vel acréscimo de desempenho de motores,geradores e capacidade das baterias, a For-ça de Submarinos experimentou uma faseem que chegou a alcançar o acervo expres-sivo de dez submarinos.

Contudo, o episódio pregresso de mai-or significado e impulsão em termos quali-tativos que resultaram em aprimoramentosno emprego tático do meio ocorreu quan-do, ainda na segunda metade da mesmadécada de 70, chegaram ao Brasil os sub-marinos Oberon da classe Humaitá.

A possibilidade da realização de intensose extenuantes exercícios, conduzidos na In-glaterra sob a supervisão direta dos rigoro-sos inspetores da Royal Navy, ao longo deprocesso de adestramento chamado de work-up, terá sido, provavelmente, um divisor deáguas para lançar os submarinistas a um pa-tamar de conhecimento de emprego tático daarma sem precedentes na história da Forçade Submarinos da Esquadra.

Enquanto estivemos limitados ao rece-bimento dos robustos submarinos dos Es-

tados Unidos, cuja Marinha, na realidade,cerceava ou, minimamente, não se mostra-va preocupada em transferir conhecimen-tos, as tripulações brasileiras não eram con-templadas com o adestramento possível enem travavam contato com os procedimen-tos de emprego que, embora pudessemcorresponder à rotina habitual para umaforça de submarinos de Marinha de primei-ro mundo, certamente representariam vali-osas novidades para nós.

Assim, sem qualquer desdouro àquelesque em fase anterior muito ajudaram a es-crever a saga da Força de Submarinos daatualidade, foram certamente os novos cur-sos, adestramentos e exercícios no mar, quese aproximavam dos limites máximos dasverdadeiras condições de combate, reali-zados com a Marinha britânica durante orecebimento dos Oberon, que forjaram umanova mentalidade de emprego que rapida-mente se espalhou e contagiou todos ossubmarinistas brasileiros.

Em estágio adiante, durante a obtençãoda nova classe Tupi, recebida sem repetiras condutas de natureza operativa empre-gadas nos classe Humaitá, os conhecimen-tos adquiridos já estavam incorporados,bastando ajustar procedimentos à novaplataforma, quando necessário.

Outro ponto facilitado pela conjunturae decorrente do estabelecimento de novosníveis de exercícios no mar agora, diferen-temente de tempos de outrora, foi o fato deque a Esquadra passou a alocar meios empleno benefício do adestramento dos sub-marinos. Este aspecto, que se tornou sis-temático e foi incorporado à rotina, semsombra de dúvidas contribuiu decisiva-mente para consolidar a desejável e hojedestacada capacidade de emprego táticodos nossos submarinos.

O esmerado culto ao adestramento, oemprego seguro e taticamente correto, alémdos elevados parâmetros de desempenho

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exigidos dos oficiais submarinistas em ge-ral e, em especial, dos futuros comandan-tes de submarinos, germinam estimulandoo pensamento nativo e fazem prosperaraprimoramentos. Logo isso se torna con-creto e bem evidenciado pelos resultadosapresentados e sucessos colhidos em ope-rações no mar.

Estavam, portanto, criadas as condiçõespara o efetivo crescimento, valorização eimportância dos submarinos como parcelafundamental da nossa Esquadra e, em deri-vada primeira, do Poder Naval brasileiro.Chegava a hora adequada para os momen-tos que hoje vivemos, quando a lúcida vi-são do Comando da Marinha resolve bus-car ferramentas para a construção do pri-meiro submarino nuclear brasileiro. Em ou-tras palavras: foi adotada a decisão, sob aótica do emprego do meio, de evoluir da“Estratégia de Posição” para a “Estratégiada Mobilidade”!

Não deve haver controvérsias sobre aconveniência e mesmo imperiosa necessi-dade da existência de um Poder Naval ade-quadamente dimensionado para país quepossui litoral de mais de 8 mil quilômetrosde extensão e uma área marítima de sobe-rania econômica superior a 4 milhões dequilômetros quadrados, hoje conhecidacomo Amazônia Azul, tendo em vista a suaequivalência ao território da renomadaAmazônia Verde, além da consideraçãodos paralelos que podem ser estabeleci-dos entre os valores das riquezas queambas encerram.

Pela Amazônia Azul transitam mercado-rias que superam 95% da totalidade do co-mércio exterior praticado pelo Brasil, qua-se todo dependente de extensas linhas decomunicações marítimas (LCM), cujo sig-nificado para a economia nacional corres-ponde a quase 300 bilhões de dólares/ano,cerca de ¼ do nosso Produto Interno Bru-to, cifras que de tão expressivas dispen-

sam maiores considerações sobre sua im-portância, a não ser lembrar que as LCMsão preservadas pela existência e atuaçãode um Poder Naval compatível.

Ademais, e constitui outra vulnera-bilidade que merece atenção, a produçãonacional de petróleo está praticamente todaconcentrada no mar, na plataforma conti-nental brasileira, de onde são extraídos mais1,6 milhão de barris por dia, que ao anosuperam o valor de 45 bilhões de dólares.

Com as recentes descobertas das formi-dáveis reservas do pré-sal, que chegam aalçar o País entre os maiores detentores decampos de óleo e gás em todo o mundo,mesmo que considerando estimativas ini-ciais conservadoras, este quadro passa aser pintado com cores muito mais vivas eaté preocupantes diante de tamanha rique-za, que, indiscutivelmente, recomenda aexistência de instrumentos que contribu-am para desencorajar qualquer tipo de açãoaventureira que possa ameaçar a integri-dade desse patrimônio.

Os recursos minerais marinhos repre-sentam outro tema importante, uma vez queexprimem grande filão econômico. Japão eNova Zelândia extraem magnetita do mar.Há tempos que Indonésia, Tailândia eMalásia exploram os depósitos decassiterita em suas plataformas continen-tais, sem contar a exploração de ouro feitanas praias do Alasca e no Oregon, nosEUA. França, Inglaterra, Holanda e Dina-marca também se destacam na exploraçãode granulados (cascalhos, areias e argilas)usados na fabricação de cerâmicas e naconstrução civil.

Outras potencialidades, como os nó-dulos polimetálicos no leito do mar, tam-bém devem ser consideradas, a despeitode serem menos tangíveis, posto que suaexploração ainda se revela economicamen-te inviável. Eles são constituídos de con-centrações de óxidos de ferro, manganês,

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níquel, cobre e cobalto e apresentam am-plas perspectivas de futura viabilizaçãode aproveitamento.

Todos esses aspectos, associados àgrandeza das dimensões envolvidas e àcomplexidade das tarefas impostas para apreservação da soberania e a manutençãodos interesses nacionais brasileiros em áreamarítima tão vasta e valiosa, remetem à ne-cessidade de um Poder Naval que possaapresentar capacidade de resposta efetivaa quaisquer ameaças, mesmo aquelasdifusas ou subjetivas. Estamos falando,portanto, de capacidade dissuasória!

A Estratégia Nacional de Defesa, docu-mento de mais alto ní-vel recentementeaprovado, estabeleceque o Brasil deve ado-tar como opção de de-fesa nacional a Estra-tégia de Dissuasão.Isto, vale dizer, signi-fica obter nível ade-quado de deterrência,cujo efeito mais persis-tente pode ser tradu-zido como a reduçãoda probabilidade da ocorrência de açõeshostis, sejam elas de quaisquer origens,uma vez que a avaliação do risco da retali-ação passa a ser demasiado elevada para oagres-sor, em face do poder do oponenteque seria agredido.

Ao encontro dessa linha de raciocíniopode ser apresentado o oportuno exemplodo conflito pelas Ilhas Falklands/Malvinas,quando a confirmação da presença de umúnico submarino nuclear britânico naságuas ao largo da costa argentina, após oafundamento do ARA Belgrano, obrigouos navios de superfície daquela Armada amanterem-se abrigados nos portos, dianteda possibilidade de novos ataques quepoderiam levar a custos inaceitáveis.

Por outro lado, ainda falando das esca-ramuças do mesmo conflito, agora da ou-tra parte, bastou a ameaça de ataques desubmarinos argentinos para que um gran-de esforço e dispendiosas medidas de de-fesa fossem impostas, obrigando a adoçãode inúmeras ações de cautela, que, entreoutros aspectos, reduziram muito o graude liberdade de operações das forças desuperfície britânicas.

Estes, indubitavelmente, são exemplosrecentes do inusitado conflito anglo-argen-tino ocorrido no Atlântico Sul. Inesperadoe emblemático, posto que deixa claro quediante de certas controvérsias o uso da

força para a preserva-ção de interessespode vir a ser inevitá-vel via de solução.

Mas é exatamentea estratégia da dis-suasão, documen-tadamente adotadapelo Estado brasileiro,que constitui o felizparadoxo a assegurarque o confronto mili-tar sempre tende a ser

evitado, uma vez que quanto mais bem su-ficientemente preparadas e poderosas es-tiverem as partes envolvidas menor será aprobabilidade do afastamento da negocia-ção pela via diplomática, em alternativadaquela que deságua no emprego da força,opção que passa a constituir a mais teme-rária e temida.

Destaca-se aí, nos desdobramentos daestratégia da dissua-são, a imprescindívelrecomendação para a obtenção de meiosque fortaleçam a atual capacidade da For-ça de Submarinos da Marinha do Brasil.

O Plano Estratégico da Marinha con-templa um número maior de submarinos doque aquele que nossa Esquadra hoje podecontar. A justificar essa proposta, está a

A Estratégia Nacional deDefesa, documento de mais

alto nível recentementeaprovado, estabelece que o

Brasil deve adotar comoopção de defesa nacional a

Estratégia de Dissuasão

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necessidade de guarnecer Zonas de Patru-lha (ZP) previamente eleitas por avaliaçõespolítico-estratégicas, que a situação conju-ntural poderá recomendar ajustes tanto emnúmero quanto em posição.

Merece relevo, pela importância queempresta ao assunto, a questão do posicio-namento dos submarinos com propulsãoconvencional e a ocupação oportuna deZP, que, no caso brasileiro, em face dasconhecidas dimensões continentais quedebruçam o nosso mar de interesse, podeconstituir um enorme complicador para dis-por o submarino na área certa, no momentocerto.

Esta é a razão que explica associar oemprego dos submarinos de propulsãoconvencional à Estratégia de Posição, poiseles são tão mais lentos quanto maior sejaa discrição exigida para o trânsito para aZP ou área que se deseja posicioná-lo, exi-gindo, em consequência, o deslocamentocom a antecedência devida, de forma a con-tar com aquele meio nas proximidades doponto de interesse, atendida a oportunida-de correta.

Decerto, isto não invalida a utilidade dossubmarinos convencionais como instru-mento de dissuasão, mas é forçoso aceitarque a velocidade relativamente baixa dis-ponível para cumprir os deslocamentosconstitui relevante limitador.

A estratégia de posição, na realidade umcorolário das características inerentes aomeio convencional, exige acurado exameprospectivo e perspicaz análise de tendên-cias evolutivas de situações. Ainda assim,é preciso reconhecer a inerente dificulda-de de conduzir movimentos antecipada-mente acertados, para atender ao corretopré-posicionamento na hora oportuna e naárea apropriada, conforme anteriormenteassinalado, diante da possibilidade de ines-perados cenários de crises, aliás, ocorrên-cias típicas dos tempos em que vivemos.

Já comentamos a expressividade dasdimensões da área marítima de interessebrasileiro, mas resta acentuar que isso éagravado pela ausência conjuntural deoutras bases ao longo do litoral, que apre-sentem as mesmas possibilidades de apoioque as existentes no Rio de Janeiro.

Este é o quadro, portanto, que se apre-senta para o emprego de submarinos compropulsão convencional, que, cumprindoa tarefa básica de “negar o uso do mar”,podem alcançar o efeito desejado dadissuasão, atendendo aos preceitos da“Estratégia de Posição”.

Neste ponto, e em passo significativa-mente mais largo e abrangente, convémexaminar as potencialidades de empregodos submarinos táticos, com propulsãonuclear, enquadrados em benefício dadissuasão ou deterrência.

Agora, sem dúvida, estamos falando denavio que, sem perder as características dediscrição e mantendo toda a potencialidadedo elemento surpresa, incorpora a virtudeda mobilidade, decorrente das elevadasvelocidades que podem ser mantidas sema costumeira preocupação com níveis decarga e recarga de baterias.

Abre-se, assim, outro leque de naturezadissuasória, fruto da efetiva possibilidadede posicionar tal submarino onde e quan-do necessário, em prazo bastante aceitá-vel, mesmo quando considerando grandesdistâncias.

Além disso, o país que apresenta osomatório de credenciamentos que o habi-lita a construir, operar e manter um subma-rino com propulsão nuclear é automatica-mente lançado a um patamar de capacida-de tecnológica que o coloca em nível dedestaque no contexto das nações. E issovai de novo ao encontro da estratégia dadissuasão, tendo em vista o caudal de co-nhecimentos e o domínio de aspectos detão diversas naturezas que conferem reco-

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nhecida e respeitável credibilidade ao paísque possui tal meio no acervo do seu Po-der Naval.

Portanto, todo esse conjunto de circuns-tâncias fortalece os argumentos que reco-mendam e justificam ao país contar com sub-marinos táticos de propulsão nuclear, vetoresemblemáticos da capacidade dissuasória deum Poder Naval que pretende preservar seussoberanos interesses no mar.

OUTRAS CONSIDERAÇÕESRELEVANTES

A concepção donovo estaleiro e danova base terá que in-corporar atributos di-retamente relaciona-dos com a planta depropulsão do novosubmarino, que, alémdo apoio e cuidadosespecíficos ao reator eacessórios correlatos,exige o cumprimentodas normas legais queregulam o trato comsistemas de geraçãode energia por meio da fissão nuclear.

A começar, a aprovação do local passapelo atendimento obrigatório das condicio-nantes e características hidrogeológicasque satisfaçam a todos os postuladosambientais e de segurança previstos e exi-gidos pelo conjunto de órgãos (Ibama eCnen) legalmente encarregados da conces-são das licenças devidas para início e pros-seguimento da obra.

Tudo indica que, dentre as diversas alter-nativas cogitadas pela MB, a escolha deverecair sobre terreno na Ilha da Madeira, den-tro da Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro.

Se for assim, a opção será muito feliz,uma vez que posiciona o futuro complexo

nas proximidades da Nuclep, que será res-ponsável pela construção de todos os cas-cos resistentes, e encontra, ao fundo deterreno de boas dimensões, encosta alta efirme constituída pelo prolongamento depedreira que se estende do lado oposto,configurando bom abrigo natural se consi-derada a hipótese de qualquer acidente denatureza radioativa, enquanto que o aces-so ao mar é assegurado por canal de sufici-ente profundidade que também já serve aovizinho porto de Itaguaí.

Evidentemente, só após o primeiríssimopasso da efetiva realização das obras de

sondagens e levanta-mentos geológicos doterreno de interesseserá possível confir-mar todas essas ex-pectativas favoráveis.

Além da constru-ção de novo estaleiroe base de apoio dedi-cados aos submari-nos, será muito impor-tante cuidar da forma-ção e do preparo dopessoal, ponto igual-mente de grande im-

pacto para a MB.Isso passa pelo grupo de engenheiros

que nos próximos anos estará diretamenteenvolvido com o projeto e a construçãodos classe Scorpene, forjando e adquirin-do o conhecimento necessário para a con-cepção do projeto do submarino com pro-pulsão nuclear que surge logo adiante.

Ao lado dessa providência se torna es-sencial pensar na seleção e na instruçãoespecífica para oficiais e praças submari-nistas que deverão ser formados para oguarnecimento do submarino. Certamentea formação ora adotada pelos franceses eaté os processos empregados por outrasMarinhas que operam S(N) poderão servir

Além da construção de novoestaleiro e base de apoio

dedicados aos submarinos,será muito importante

cuidar da formação e dopreparo do pessoal, ponto

igualmente de grandeimpacto para a MB

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de referência, mas é fundamental promo-ver as adaptações e ajustes necessários,observando as peculiaridades da MB.

Em face do embasamento intelectual dosoficiais proporcionado pela adequada pre-paração adquirida na Escola Naval, vislum-bra-se que não deve haver preocupaçõesde natureza acadêmica neste segmento.Entretanto, no que diz respeito às praças,será necessário obter formas de preenchi-mento de prováveis lacunas em algumascompetências intelectuais, em face das ele-vadas e inevitáveis exigências nas áreasde física de reatores, química e neutrônica.

De qualquer forma, este assunto devemerecer estudos exclusivos e oportunos,contemplando também, no que tange ao pes-soal, a previsão de algum tipo de compensa-ção diferenciada para aqueles que estiveremplenamente dedicados ao serviço de subma-rinos com propulsão nuclear, ampliando osprocedimentos e concessões hoje usualmen-te praticados para os submarinistas da MB.

Gratificações financeiras, contagem detempo de serviço com algum fator de multi-plicação, ou garantia de premiação de co-missões posteriores, até mesmo no exteri-or, podem representar alguns exemplos deretribuições a serem apreciadas em benefí-cio daqueles que somarem um tempo míni-mo de serviço embarcado, fazendo aqui umsimples exercício de imaginação.

Outro aspecto que merece atenção en-volve a existência de facilidades que asse-gurem as comunicações rápidas, seguras econfiáveis com o submarino nuclear, poisdevem ser planejadas de forma compatívelcom a atualidade, vislumbrando que aindaserá possível dispor de mais de um decê-nio antes de poder contar efetivamentecom o novo meio.

Enquanto persistem existindo diversasestações emissoras da faixa de Very LowFrequency (VLF), já antigas e operadas porpotências que há mais tempo incorpora-ram submarinos com propulsão nuclear, oadvento do emprego dos satélitesgeoestacionários parece ser a tendênciaque mais prospera nos dias de hoje, ofere-cendo alternativa muito interessante embandas de altíssima frequência que usampulso comprimido e reduzem sobremaneiraa necessidade do período de exposição dosubmarino.

Ainda na faixa de VLF, existe também aopção de transmissão por aeronave, siste-ma desenvolvido pelos americanos e co-nhecido pela sigla Tacamo (Take Chargeand Move Out). Atualmente, os america-nos operam 16 aeronaves com essa finali-dade, enquanto que os franceses possuemquatro em sistema semelhante.2

A tentativa de emprego corrente da faixade Extremely Low Frequency (ELF), outraalternativa, já teria sido abandonada pelosamericanos diante do custo político decor-rente do intenso protesto dos ecologistas,em confronto com os benefícios da sua ma-nutenção, o que levou ao fechamento daestação transmissora baseada em Wiscosin.Além disso, convém considerar, neste pro-cesso, a necessidade de antenas subterrâ-neas com mais de 200 quilômetros de exten-são, plantadas em terreno de característicasmuito peculiares de condutividade.

Existem ainda outras iniciativas cujasdificuldades e barreiras tecnológicas nãoforam totalmente superadas. É o caso doschamados Lasers Azul e Verde, mas quetambém não prescindem do satélite.

Tudo somado, e em sintonia com o pre-visto na nova Estratégia Nacional de Defe-

N.A. 2: A França possui um sistema semelhante ao Tacamo, conhecido como Avion Station Relais deTransmissions Exceptionnelles. Enquanto os americanos operam com plataformas E-6A Prowler,os franceses utilizam aeronaves Transall C-160H.

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sa que estabelece a meta do lançamento eemprego de satélite militar geoestacionário,este parece ser o melhor caminho a ser ex-plorado pela MB para as comunicaçõescom seus futuros submarinos.

Entretanto, a prudência recomenda quea totalidade dos recursos existentes, mes-mo que não disponíveis para a MB nestemomento, devem ter sua evolução acom-panhadas para contribuir para a melhoropção a ser adotada mais adiante.

No que tange ao armamento e sistemade armas para o futuro nuclear, parece ób-vio e igualmente pru-dente que seja adota-da a solução mais sim-ples representada pelaopção de repetir amesma escolha eleitano pacote inicial dosconvencionais, partedo processo cujo ob-jetivo final é a constru-ção do S(N).

Porém, isso nãodeve significar abrirmão de novas possibi-lidades que incluam,em especial, armamento compatível para lan-çamento em submarino nuclear tático, lem-brando da alterrnativa do emprego de mís-seis do tipo Exocet SM 39, perfeitamenteadaptáveis aos tubos e sistemas de comba-te existentes nos convencionais Scorpene.

Em qualquer hipótese, é extremamenteconveniente que, mesmo evoluindo para aadoção de outro torpedo eventualmentesucessor do Black Shark, previsto paradotar os classe Scorpene, a escolha recaiadentro das possibilidades de compatibili-dade operacional do sistema de combateSubTics, igualmente empregado no con-vencional que precede o projeto do sub-marino com propulsão nuclear, e que nestedeve ser conservado.

Essencial ter em mente que a transfe-rência de tecnologia tem que ser obtida jus-tamente nos segmentos em que hoje so-mos mais carentes em razão dos parcos in-vestimentos feitos até aqui. Portanto, ob-ter mais do que a simples capacidade deoperar o meio se torna fundamental paraabreviar o processo do conhecimento e daefetiva independência tecnológica.

PERSPECTIVAS

Em bom momento o País volta um pou-co mais sua atençãopara os assuntos ma-rítimos, motivado tal-vez pela feliz e oportu-na comparação das ri-quezas abrigadas nazona que passamos aconhecer como Ama-zônia Azul, cujas di-mensões são parelhascom aquela Verde, sen-do que os valores aproteger na primeiranão são inferiores aosdesta última.

Aliado a isso, as comemorações do Anoda França no Brasil, em 2009, certamentetêm impulsionado o fluxo de relações entreos dois países, cujos laços no campo na-val foram fortalecidos a partir da transfe-rência do porta-aviões Foch, o nosso SãoPaulo, para o Brasil.

O acordo franco-brasileiro é entre Esta-dos e caracteriza compromisso assumido deforma muito sólida, independentemente dagovernança política que possa prosperar atéa conclusão do Programa de Desenvolvimen-to de Submarino Nuclear dele decorrente.

O panorama da conjuntura econômicamundial, apesar de não atravessar umaquadra que possa ser classificada como dasmelhores, não inviabiliza os financiamen-

Em bom momento o Paísvolta um pouco mais suaatenção para os assuntos

marítimos, motivado talvezpela feliz e oportuna

comparação das riquezasabrigadas na zona que

passamos a conhecer comoAmazônia Azul

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tos internacionais. Muito ao contrário, éem tempos de crise que boas oportunida-des são prospectadas. Sendo o Brasil paíssabida e reconhecidamente emergente, comfuturo promissor e prognóstico pagador deelevado nível de segurança, logo estaráassegurado o interesse de instituições ban-cárias internacionais de porte.

O montante dos valores envolvidos, nãohá como escapar, tem que ser de vulto, masnada que o País não possa suportar e quedeixe de colher preciosos frutos no futuro.

Muito importante, a decisão foi tomadade forma consciente, ponderada e sem ex-perimentar pressões de quaisquer tipos. Oesperado resultado que conduz à obten-ção de um submarino com propulsão nu-clear, mais que ao nível político, alcançaindiscutivelmente um patamar estratégicoque colocará o Brasil em posição de amplodestaque no contexto das nações, cujasderivadas favoráveis são extremamente sig-nificativas.

Aliás, pelo exemplo emblemático querepresenta, não custa lembrar que os paí-ses que possuem assento fixo, com poderde veto, no Conselho de Segurança da Or-ganização das Nações Unidas são exata-mente aqueles cujas Marinhas possuemsubmarinos nucleares.

Se nos estudos acadêmicos do estamentomilitar-naval sempre apontamos que carecía-mos da existência de mentalidade civil de na-tureza marítima que valorizasse as nossas ca-rências e demandas, eis que surge o interessedo mais alto nível do Poder Político fomentan-do as condições para concretizar o projeto e aconstrução do almejado submarino. Com todaa certeza que a oportunidade, para o bem doPaís, será devidamente aproveitada.

Finalmente, quando imaginamos que hámais de 50 anos os americanos conseguiramlançar o Nautilus, uma vez passado todo essetempo em que comprovadamente progredi-mos de forma tão notável, fica fácil acreditarque o sucesso também não nos escapará.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<FORÇAS ARMADAS>; Submarino; Submarino nuclear; Estratégia; Defesa;

BIBLIOGRAFIA

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PEREIRA. Mauro César Rodrigues. “Pensamento Estratégico e Defesa Nacional”. Revista MarítimaBrasileira, Rio de Janeiro, V. 128, n.10/12, p. 13-15, out./dez. 2008.

RHODES, Richard. The Making of the Atomic Bomb. New York: Touchstone, 1986.RODDIS JR, L.H.; SIMPSON, J.W. The Society of Naval Architects and Marine Engineers. New

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Janeiro, v. 128 n. 01/03, p. 77-79, jan./mar. 2008.

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SUMÁRIO

IntroduçãoA estrada da glóriaNa poeira de AusterlitzTrafalgarA grande apostaA geopolítica sobre NapoleãoConclusão: a natureza de seu inimigo

A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGARNO CONTEXTO ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

SYLVIO DOS SANTOS VAL*Professor

INTRODUÇÃO

Napoleão é uma legenda. É figura com-plexa da História que demanda muita

controvérsia, tanto pelo que já foi escritosobre ele quanto pelo que será. É pontopacífico, e daí partimos, que Bonapartedeveu a sua carreira de estadista quase queexclusivamente ao seu desempenho mili-tar. Guerreiro intimista e psicológico, con-

duziu a reforma do Estado francês como seestivesse no campo de batalha, combrilhantismo tático, incrível timing, astú-cia e, acima de tudo, personalismo. Esco-lhia os seus assessores a dedo, conformesuas necessidades, contudo as decisõesfinais lhe pertenciam.

Duzentos anos após seu grande – e maislegendário – grande feito militar, podemosanalisar o caminho dos fatos que conduzi-

* Professor licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre emCiência Política pelo PGCP/UFF; [email protected].

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ram as armas francesas a uma das maioresvitórias militares da História, nas colinasgélidas de Austerlitz, naquele fatídico de-zembro de 1805, e o que sobreveio. Não éuma revisão histórica o que pretendemosaqui, mas confrontar Napoleão, o guerrei-ro, com o imperador corso dos franceses, oestadista.

A ESTRADA DA GLÓRIA

Bonaparte tornou-se cônsul-geral daFrança em 1799, num episódio imortalizadocomo O 18 Brumário pelo calendário daRevolução, ou O 9 de Novembro. Notávelque seu sucesso político tenha advindoao meio de um revés militar.

Mais uma vez, uma coligação de monar-quias europeias se alinhou contra a Fran-ça. Bonaparte empreendeu uma campanhamilitar no Egito. Vencedor da Batalha dasPirâmides, soube das articulações em casapara acabar com o Diretório. Preparou suavolta imediata. Naquela ocasião, suas co-municações foram cortadas pela vitória daArmada inglesa do Almirante Nelson so-bre a francesa em Abukir. Mas chegou àFrança, praticamente “escapado” a bordode uma solitária fragata, que quase fora in-terceptada. Ao botar os pés em solo pátrio,foi aclamado pelo público e renegado peladireção política. Num golpe de mão muitotributável ao seu irmão Lucien, apoderou-se do comando do Estado, dissolvendo abaionetas a Assembleia Nacional1.

Soldado carismático e arrojado, não he-sitou em atacar o centro do problema, fa-

zendo severas reformas, como o CódigoCivil, uma amálgama de leis que protegiama propriedade. Também incentivou a ma-nufatura interna, um programa de obraspúblicas e a reforma da educação. Numédito fantástico, baniu a Marselheuse, ohino dos infantes revolucionários. Conso-lidava uma revolução burguesa sem fazeruma revolução social. Em suas própriaspalavras, “a revolução estava encerrada”.

No Consulado, ele manejou para tornar-se absoluto de fato. A Revolução Burgue-sa que negociou com a grande burguesianacional demandava um governo forte.Esse governo deveria ser legitimado pelopovo. Assim, foi decidido um plebiscito noqual o povo se manifestaria a favor ou nãodo Império. Vencedor por uma margem“alargada”2, marcou sua entronização.

Ao tronar-se monarca absoluto em 2 dedezembro de 1804, apenas fechava um cír-culo. Havia vencido a oposição interna, dis-solvido a ameaça externa derrotando a Coli-gação, sedimentado as reformas burguesase assumido a “paternidade” da revolução,que passou a educar a sua maneira. Ao es-colher o título de imperador, que na RomaRepublicana era dado aos tiranos que ocu-pavam simultaneamente o governo e a lide-rança militar, como os césares antes dele,Napoleão militarizava o Estado. Mas paraque a militarização se legitimasse era preci-so um estado de ameaça permanente.

Napoleão, que proclamara a “revoluçãocomo encerrada”, passou a propagar a ideiade que ainda havia povos que não a tinhamexperimentado, e por isso deveria ser expan-

1 Esse episódio foi quase cômico. Bonaparte apresentou-se ao plenário, que o enxovalhou e enxotou sobos gritos de “fora tirano”. No meio do caminho da saída, seu irmão apareceu e o fez retornar. Dessavez, com uma companhia de infantes à sua frente, que inflectiu furiosamente contra os deputados,fazendo-os fugir em desespero de causa. No dia seguinte, retornou ao plenário para assumir umtriunvirato de fachada, tendo ele como cônsul-geral.

2 Napoleão realmente venceu o plebiscito, mas ordenou torcer o resultado de uma maneira, no mínimo,curiosa. A votação foi corporativa, isto é, em setores sociais. Ao perceber que vencera no Exército,o Grande Armée, pela menor margem, ordenou que se “permutassem” os números. Afinal, como umimperator poderia ser menos ratificado em seu exército?

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dida aos demais habitantes da Europa. Era aprimeira edição da revolução permanente3.Nisso foi muito ajudado pela hostilidade epelo belicismo das demais monarquiaseuropeias, o que permitiu que mantivesse umconstante estado de guerra, um exército leale mobilizado e um povo cativo em seu nacio-nalismo enviesadamente universalista. Con-tudo, Napoleão deixou que sua obsessãopela beligerância obliterasse seu argumentoreformador.

Ainda cônsul, vendeu a colônia france-sa da América do Norte, a Luisiana, aosEstados Unidos como forma de fazer caixapara as suas reformas e sua política milita-rista. Em seu favor, mesmo que conseguis-se uma Marinha para garantir as comuni-cações com o conti-nente americano, nãopoderia lá manter umExército forte o bas-tante para evitar o as-sédio dos ingleses oua sanha expansionistada jovem nação ameri-cana sem que se ame-açasse a sua posição na Europa. Porém adecisão da venda denota uma visão sinuo-sa da Grande Estratégia. A estratégia deEstado não se limita a cálculos militares.

Doutro lado, o imperador procurougestar seu Império com parâmetros nas ins-tituições do Velho Regime, ainda que pro-pagando o Código Civil e as agências bur-guesas. Fez de suas irmãs princesas e decunhados e generais próximos, príncipes –vários deles saídos da sargentada, ondeos recrutou mais pela capacidade de lheobedecerem do que por qualquergenialidade que possuíssem – e regentesde estados satélites da França. Dessemodo, ao invés de conquistar os povosdos países que ia invadindo e “libertan-

do”, animava-os ao nacionalismo, extrema-do pela sucção dos recursos nacionais epela desastrosa ação de seus insossosagentes. Abriu mão de um grande impériocolonial em favor de uma obtusa políticade conquista.

Diagnosticando corretamente a Ingla-terra como epicentro da coligaçõeseuropeias, Bonaparte surpreendeu pela ana-crônica visão de capitão, tomando todasas medidas necessárias para fazer face, maspouco compreendendo a natureza de suaoposição. Preparou a invasão das ilhas bri-tânicas, recorrendo a qualquer ideiaalucinada que lhe caía nas mãos para trans-por o canal com seu exército – de submari-nos, passando por balões e até um

suspeitíssimo túnelsob o Canal Inglês, li-gando Calais a Dover.Contudo compreen-deu que a maneiramais coerente era neu-tralizar a ameaça navalinglesa. Não sendomarinheiro, deixou a

tarefa a outros e seguiu nos preparativos.

NA POEIRA DE AUSTERLITZ

Em meados de 1805, um grande contin-gente do Grande Armée começou a con-centrar-se no porto da região de Boulogne,enquanto Bonaparte fazia arranjos diplo-máticos para juntar a frota espanhola a suaarmada de invasão à Inglaterra. Juntas eramuma força formidável. Porém a Royal Navytinha capacidade tanto para obstar umainvasão quanto para ameaçar o território eas comunicações inimigas. Os cooperati-vos espanhóis insistiam na eliminação des-sa ameaça antes da campanha. Napoleãoaquiesceu.

3 Leon Trotsky nada “criou”. Mas foi, sem dúvida, um excelente aluno de História.

Napoleão deixou que suaobsessão pela beligerânciaobliterasse seu argumento

reformador

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Nesse meio tempo, uma nova coligaçãose formou, e pretendia ameaçar diretamen-te a França. Informado, Napoleão abando-nou a concentração de invasão e moveuseu exército para o interior. Sua estratégiaera desbaratar as forças inimigas antes quese concentrassem. O primeiro alvo foi aÁustria.

Após uma marcha forçada de seis se-manas, os franceses alcançaram as tropasdo General Carl Mack. Numa batalha curtamais intensa, os franceses fizeram 27 milprisioneiros. Aberto o caminho para Viena,austríacos e russos concentraram um exér-cito de 90 mil homens para barrar Napoleão,que, com uma formação de 60 mil, partiupara o encontro. Os opositores se confron-taram na localidade de Austerlitz.

Aquela prometia ser uma batalha épica.Era o conflito de três monarcas. De um ladoNapoleão, o plebeu que se fez imperador, edo outro Francisco I da Áustria e o jovemAlexander I, czar da Rússia. O comandantenominal da coligação era o general russoKutuzov. Contudo, o czar insistia em tomaras decisões. Diante da mais fina nobreza,Alexander não poderia recuar frente ao atre-vido imperador corso.

Napoleão rompeu as regras do combatemais uma vez. Entregando a posição maiselevada ao inimigo, o Monte Pratzen, deu-lhes uma sensação de segurança falsa.Quando os russos tomaram o monte, con-tra-atacou, transpondo a posição e desem-bocando ao centro das linhas da coliga-ção. A contundência do avanço francês fezos russo debandarem, e toda a linha inimi-ga se desfez. Nessa batalha de poucas ho-ras, os franceses perderam 6 mil e os coli-gados 19 mil, não contando os feridos, oscapturados e os que debandaram.

“Diga ao seu imperador que ele realizougrandes coisas hoje”, disse Alexander aoemissário de trégua de Napoleão. Francis-co I retirou-se do campo para, mais tarde,

entregar Viena às forças francesas. Os mi-lhares de canhões de bronze inimigos cap-turados foram conduzidos à França, ondeseriam fundidos para construção de umgrande monumento em homenagem a essavitória épica, com uma estátua de Bonapartebem no topo. Na noite fria após a batalha,os soldados franceses entoaram aMarselheuse. O imperador permitiu e a res-tituiu como o Hino Nacional francês.

E, novamente, sua vitória se obscure-ceu num fracasso militar.

TRAFALGAR

Enquanto Napoleão dirigia-se para oencontro com Carl Mack, a frota aliada fran-cesa e hispânica desenvolvia o plano paraneutralizar a armada inglesa.

A armada dos aliados partiria para ascolônias francesas nas costas das Anti-lhas, atraindo parte da força de bloqueioinglesa. Ao atingir seu destino, a frota alia-da faria junção com a frota colonial, e ambasdariam meia-volta em direção à Europa. Láchegando, com uma força superior, destrui-riam a força inglesa de bloqueio e trans-portariam a força de invasão postada emBologne para as costas inglesas.

A armada aliada de “embuste” seguiu osplanos à risca. Reuniu-se à frota colonial eesperou a chegada da força de perseguiçãoinimiga. Tão logo se fez o contato, a frotaaliada partiu para a Espanha. O almirantefrancês supôs que o estratagema funciona-ra, pois perdeu o contato com os persegui-dores, imaginando que não perceberam amanobra ou, partindo a posteriori, não operseguiam. Contudo, semanas depois,quando as duas armadas aliadas seconectaram, foram surpreendidas por umafrota inglesa completa, esperando perto daentrada do Canal Inglês (Mancha). Não ape-nas os ingleses se aperceberam do que acon-tecia, como fizeram a meia-volta e chegaram

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A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR NO CONTEXTO ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

à Europa primeiro, bloqueando o acesso daarmada ao exército de Napoleão. Então foidecidida a evasão para o porto seguro deCádiz. Ao mesmo tempo, a frota inglesa sedeslocou para bloquear a própria armadaaliada em seu refúgio.

O comandante-geral francês, AlmiranteVilleneuve, cogitou suspender a operação.Mas como estava às turras com Napoleão, eos seus oficiais e tripulações estavamensimesmados com a falta de ação, decidiu-se pela batalha, que se daria na costa atlân-tica do sul da Espanha, defronte ao CaboTrafalgar. De qualquer modo, parecia queos ingleses estavam dispostos ao combate,que, por acaso, era realmente o propósitodo comandante inglês, Lorde Nelson.

Os ingleses se utilizaram de uma táticapouco arrojada para a época: romperam aformação de linha de fila paralela à inimiga,que permitia aos navios o máximo de apro-veitamento do poder de fogo dos costados,e os navios rumaram em filas de modo a“cortar” a fila inimiga em vários pontos,numa versão primitiva do “cortar o T”. Con-tudo, a manobra ensaiou ser um desastre.

Naquela tarde, os ventos sopravam fra-cos, o que dificultou ao máximo a manobra,que demandava muito sangue e organiza-ção. A esquadra inglesa ficou exposta aocanhoneiro maciço dos aliados até o mo-mento que ultrapassassem o ângulo de tiro.Quando uma fila inglesa conseguia cortara formação adversária, esperava até queestivesse alinhada entre a proa e a popa dedois navios e descarregava toda a sua ba-teria. Em seguida, guinava sobre um dosadversários e continuava a disparar. A táti-ca era tão radical que o próprio Vitória,nau capitânia de Nelson, foi de tal modoavariado que mal pudera encostar ao seuinimigo.

A estratégia de Nelson funcionou, mui-to auxiliada pelo vício tático dos aliados devisar primeiro a mobilidade do adversário e

não seus canhões. Àquela época, oapresamento era mais que um troféu, eraquase uma necessidade, pelo custoaltíssimo dos navios e equipagens (tripu-lação), peças de engenharia mais caras daépoca. Entretanto, os britânicos, maiorescorsários de seu tempo, preferiam apostarmais na vitória que no apresamento, pois,de qualquer modo, sempre poderiam saque-ar o comércio inimigo, inclusive com navi-os menos custosos, como as fragatas. Avitória inglesa, arrasadora e decisiva, ano-tou a trágica perda de seu grande arquite-to, Lorde Nelson. Os aliados perderam trêsvezes mais vasos que os britânicos, se in-cluirmos os vasos apresados – cinco dosquais afundaram no caminho de volta.Napoleão perdera a oportunidade, a frotade invasão, marinheiros e o prestígio desua Marinha. A derrota selou no imperadora ideia de uma invasão e a certeza de queprecisava enfraquecer a capacidade de lu-tar da Inglaterra por outros meios. Para tan-to, valeu-se de um arrojo estratégico, senão incomum historicamente, muito com-plexo em termos geopolíticos. É bem pro-vável que não se desse conta do quanto.

A GRANDE APOSTA

As tropas de Bonaparte marcharamtriunfais pelo Portal dos Brandenburgo,símbolo da capital prussiana e da dinastiados Hohenzolern, de Guilherme II. Não sesabe se pela empolgação do sucesso ouda constatação saída do fracasso da es-quadra aliada em Trafalgar, Napoleão assi-nou édito do Bloqueio Continental ao co-mércio europeu com as ilhas britânicas. Pordecreto, e valendo-se da força ou da sim-ples ameaça, esperava que, quebrando eco-nomicamente a Inglaterra, venceria pelainanição. Secundava sua diplomacia com aforça, suportada pelo indelével prestígiomilitar.

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Em tese, uma estratégia coerente. Afas-tada a Prússia, tradicional aliado e braçoterrestre da política britânica, restava cor-tar o fluxo de mercadorias que dava à In-glaterra o poder monetário de custear to-das as coligações europeias e, quem sabe,a médio e longo prazos, invadir as ilhasinglesas ou mesmo forçar uma Pax France-sa. Era uma política de tudo ou nada, le-vando o seu adversário a um perigoso cór-ner. Não funcionou por três motivos.

Primeiro, subestimou-se a flexibilidade dooponente. A praça de comércio inglesa tinhamuitas conexões, construídas desde o acordodos banqueiros essênios Amschuls, que setransferiram para a Inglaterra com o nome deRotschild. Eles garantiriam o fluxo monetárionecessário para manter sua política de des-gaste do império francês, “subcontratando”as monarquias da Europa.

Em segundo lugar, o Bloqueio muito fi-cou apenas no papel. Fora violado por vá-rios países europeus, alguns dos quaiseram históricos parceiros comerciais deambos os lados. A rede de informantes edelatores de Napoleão alertara da perma-nência do fluxo de mercadorias por estra-tagemas de camuflagem ou puro contra-bando. A não ser que Napoleão dispuses-se de guarnições em todas as praças e por-tos, ou de uma Marinha que pudesse reali-zar um bloqueio, o decreto do imperadorera inócuo.

Por fim, a França não possuía uma in-dústria que pudesse substituir os produ-tos saxões, se não em qualidade, em preçoou quantidade.

Vários dos conselheiros de Bonapartetentaram dissuadi-lo: Coulaincurt, ministroe embaixador na Rússia, lembrou dos pro-

blemas diplomáticos; Thiers, ministro emonarquista de ofício, alertou claramentedos riscos – mas é provável que sua leal-dade fosse dúbia; Bernard Fouché, criadorda Surete, foi direto nas dificuldades, mascom sua usual, insincera e dúbia subservi-ência. A aposta do imperador não se fez noescuro das ideias, mas sim no obscurantis-mo de seus pensamentos.

Em 1807, a França teve que concretizaras suas ameaças. Diante da negação dascoroas portuguesa e espanhola em com-prometerem-se com o Bloqueio, ordenou ainvasão da Espanha e, em seguida, de Por-tugal. A Família Real lisboeta obrigou-se aum exílio em sua colônia do Brasil, sob pro-teção da armada inglesa. Aqui, oficializoua supremacia comercial da Inglaterra pelostratados de 1810. Mas a Campanha Ibéricanão atendeu às expectativas francesas.

Em princípio, as tropas de Napoleãoobtiveram inúmeras e rápidas vitórias so-bre os hispânicos, marchando com facili-dade sobre Lisboa. Mas a resistência es-panhola com o patrocínio dos ingleses logoproduziu revéses. A perda de Madri levouo imperador a imiscuir-se pessoalmente nacampanha militar. Conseguiu estabilizar afrente de batalha, mas se viu envolvidonuma feroz guerra irregular,4 que tornou ocenário indeciso e sem perspectiva de umresultado positivo. A busca sistemática daluta em campo aberto esgotou as reservafrancesas. Em 1811, as tropas do MarechalMasmont estavam realizando uma guerrade contenção, tanto na Espanha quantoem Portugal, tentando manter uma frente ecombater os guerrilheiros.

A Guerra Peninsular se prolongaria até1813, quando a Campanha da Rússia e o

4 Não é correto denominar a resistência espanhola de guerra de guerrilha. Não se limitava a táticasfurtivas e da surpresa, com emboscadas e ataques de oportunidade. Assessorados e supridos pelosingleses, os espanhóis procuravam criar várias frentes de luta, deslocando as tropas inimigas eevitando a sua concentração com táticas variadas e até pouco ortodoxas.

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levante prussiano consumiram o que res-tava das forças de Bonaparte. O “atoleiropeninsular” e a retirada de Moscou – semque Napoleão tivesse sofrido nenhum re-vés em campo de batalha singular – derammostra do Grande General, tanto por su-bestimar seus inimigos quanto por supe-restimar a si mesmo.

“Onde Estão minhas Legiões”5

Cezar Otávio Augustos

Napoleão aprofundou a revolução militarde sua época. Conhecia a tática e a psicolo-gia de seus inimigos aristocratas, mas falhouno quesito da grande estratégia. O fez poretapas, percalços e sem se aperceber.

Após Trafalgar, não abandonou a ideiade vencer no mar. Menos de três anos apósa derrota, a Marinha da França estava re-composta, ainda que não pudesse contarcom a armada espanhola. A esquadra delinha chegou a superar a inglesa em núme-ros, mas a sua fraqueza estratégica era no-tável. O comando francês estava disperso,e se perderam tripulações e lideranças após1805. Os navios de linha eram os cavalosde batalha errados para a estratégia do Blo-queio Continental.

O comércio na era da vela, nos estertoresda revolução industrial, obedecia a umalogística muito complexa e fluida. Os por-tos e os navios não estavam adequados aum fluxo concentrado, contínuo e rápidorequerido em tempos de guerra. Isso difi-cultava a manobra de comboio. Concen-trar uma armada para fins de escolta ape-nas desfalcava outros cenários. A prote-ção dos navios era operosa pela condiçãodo desenho dos barcos. Bem mais lentos edesarmados, os mercantes dificilmente fi-

cariam fora de um combate, mesmo com asescoltas em número superior, pois os com-bates navais eram muito próximos, corpo acorpo. As rotas eram bem inflexíveis, dan-do a uma Marinha adversária duas opções:dispersar-se para localizar e abater suaspresas, ou assestar-se defronte dos por-tos principias.

Três tarefas confrontavam a esquadrafrancesa: proteger as comunicações litorâ-neas; defesa dos portos bloqueados; e ata-car a navegação do inimigo que vivia domar. A fragata de um ou dois costados sedesempenhava melhor na tarefa6: comocorsário, podia acossar os mercantes len-tos; como escolta, podia opor-se aos seusequivalentes ou confrontar navios maio-res, permitindo a fuga dos mercantes; comoincursor rápido, ameaçar a costa e portosinimigos; ou, simplesmente, servir às co-municações da esquadra, numa época deausência total da virtualidade.

O custo operativo acabou pesando paraa Marinha da França ao longo da guerra.Navios de linha, de grandes equipagens econstrução demorada e cara, eram de ma-nutenção proibitiva. As tripulações preci-sam treinar o que requer tempo e munição.Com o tamanho da Grande Armée e a ca-rência de recursos, produziu-se no mar umdesenho de força sem decisão visível.

Ao optar pela intimidação como estra-tégia política, Napoleão seguiu um rito su-mário, mas não inédito, tanto no argumen-to quanto nos resultados. Do mesmo modoque os atenienses contra os espartanos(Guerra do Peloponeso) ou os genovesescontra os venezianos (século XV), equivo-cou-se ao transformar um parceiro comer-cial, neutro, num inimigo. Abusou de igno-rar a força comercial-diplomática inglesa (a

5 Foram as palavras do primeiro imperador romano quando soube da perda de três de suas legiões de eliteda Germânia, em 9 d.C.

6 Os ingleses costumavam usar pequenas flotilhas de fragatas em pacotes combinados de um ou maisnavios de linha.

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mesma que tentava desbaratar com a es-tratégia do Bloqueio), a capacidade militarda Royal Navy (que experimentara emTrafalgar), e a fluidez da aristocracia quetanto desprezava, a qual não se furtou emabandonar seu próprio país – não antes derealizar um butim até nos monumentos deLisboa, fugindo para as suas colônias e láperpetrando um novo butim para os senho-res britânicos7.

“Onde estão meus 200 mil hussardosgelados?”8 Ao retornar da Rússia, em 1813,Napoleão completava um cíclo de respos-tas equivocadas pelo sucesso. Ao imagi-nar que poderia contornar os obstáculoscom rápidas e fulminantes campanhas mili-tares, repetia o lendário General Pirro emescala devastadora. Talvez julgasse que,ao contrário daquele, sempre teria exérci-tos para lutar ou inimigos que pudesseabater.

A GEOPOLÍTICA SOBRE NAPOLEÃO

A originalidade e a heterodoxia deBonaparte estavam muito na conta de suaerudição militar, personalidade e destrezacomo grande “capitão”. Suas opções estra-tégicas, se inteiramente arroladas por ele ounão, mas de sua inteira responsabilidade,derivavam menos de ensaio e erro do quedo histórico das relações franco-saxônicas.Criado numa tradição militar monárquica,estrangeiro entre seus pares, Bonaparte as-sumiu uma nação tradicionalmente “posses-sa” com seus vizinhos ingleses.

Durante cerca de 300 anos, franceses eingleses estiveram em constante refrega,animados pelas disputas territoriais dascasas nobres: da ocupação normanda do

sudeste da Inglaterra no século XII às in-cursões inglesas à França nos séculos XIIIe XIV, e na Guerra dos Cem Anos no séculoXV. Estabelecidas as respectivas monarqui-as nacionais, o clima de guerra não dimi-nuiu. A Reforma Protestante opôs, de umlado, uma monarquia católica na França, ede outro lado, a monarquia protestante in-glesa, por sua vez seccionada entre umanglicanismo oficial e o calvinismo sectá-rio. O rei Carlos I, na tentativa de solver oproblema na busca de uma monarquia es-tável, casou-se com uma nobre francesa.Mas acabou por agravar sua política inter-na, desgastada pela guerra na Irlanda e afalência do Estado. Desembocou numaguerra civil. Tentando construir um gover-no absolutista num país onde, desde a Car-ta Magna e as reformas de 1265, o podercivil se equiparava ao real, Carlos acelerouo fim da própria monarquia, sucedida peladitadura de Cromwell.

A partir da segunda metade do séculoXVII, impulsionada pelas reformas deCromwell, França e Inglaterra saíram deuma disputa transnacional para uma aber-ta rivalidade internacional, uma hostilida-de mútua incansável que dividiria a Euro-pa. Os ingleses encontrariam nosprussianos seus parceiros ideais, enquan-to a França se aliaria a qualquer um queestivesse disposto a cerrar fileiras contraos britânicos.

No século XVIII, as duas superpotênci-as da Europa envolveram-se em sucessivasguerras no continente, a maioria de inspira-ção duvidosa, que culminariam com umaautêntica guerra mundial: a Guerra dos SeteAnos (1756-1763). Praticamente todas asmonarquias ocidentais e a Rússia se envol-

7 No Brasil, além de criar o Banco do Brasil para sugar os recursos da colônia, D. João vendeu títulos denobreza a uma ridícula fração da elite colonial “deslumbrada”, para fazer caixa de seus “compromis-sos”.

8 Na verdade, Napoleão deixara 70 mil deles mortos fora do gelo em Mayaroslavsky, na sangrentaretirada de outono.

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veram, sendo a guerra levada a todos osoceanos e todas as colônias. A vitória anglo-prussiana deixou a Inglaterra como senhorados mares, maior império colonial de qual-quer tempo. Mas longe de cessar a disputa.

Em 1775, eclodiu a revolta nas 13 colô-nias inglesas da América. No ano seguin-te, as colônias declararam sua independên-cia e começou a guerra. A Coroa da França,convencida pelo inadvertido entusiasmodo Marquês de Lafaiete, envolveu-se noconflito do lado dos sediciosos yankees.Os franceses obtiveram uma vingança com-pleta, pois não apenas ajudaram a derrotarseu inimigo como obtiveram uma vitóriaestratégica no mar9.Porém a Paz de Parisem 1783 selou o desti-no da monarquia fran-cesa. Falida e incapazde lidar com as contra-dições da ordemestamental estabele-cida desde o Édito deNantis (1588), foi dacrise à revolução emapenas seis anos.

A Revolução Francesa de 1789 não ape-nas foi um marco na História ocidentalcomo criou uma nova realidade estratégi-ca. O comando militar aristocrático foi var-rido da França10. A guerra contrarrevolu-cionária que se seguiu fez surgir a ideia danação em armas, que permitiu que a ascen-são militar de outros talentos – comoBonaparte, um então obscuro oficial de ar-tilharia – mais amoldados a esse tipo deguerra. O campo de batalha mudara.

No mar, isso não refletiu como o espera-do. O Império napoleônico enfrentava uma

Marinha aristocrática, porém bem mais pro-fissional. Embora a Marinha francesa te-nha sofrido uma reforma estrutural quasesimultânea à inglesa11, a Royal Navy obri-gou-se a uma linha de promoção mais pormérito que por nascimento, principalmenteapós a derrota na América e a Revolta dosMarinheiros em 1797. A devastação do co-mando naval francês foi bem menor que noExército, porém foi imposta uma mentalida-de jacobina somente removida comNapoleão, que pouco ou nada se envolveucom os assuntos navais.

Bonaparte confrontou-se com exércitoscomandados de uma mentalidade aristocrá-

tica e feudal, que con-trastava com as fileirasmistas de servos cam-poneses ou mercená-rios. A vontade de lu-tar e a lealdade dessaslegiões muito se apoi-avam na força da tra-dição ou na “bolsa”. ARevolução mudou otom ao inculcar a “de-fesa da pátria, do

povo”; o Consulado exaltou a defesa daNação; e o Império, a defesa da Libertação.As vitórias do Grande Armée não estavamapenas no gênio de seu grande “capitão”ou na fleuma dos voluntários franceses. Adeterminação de vencer residia igualmentena munição ideológica que precedia as cam-panhas bonapartistas, no agito revolucio-nário que semeou adeptos e floresceu mes-mo após a partida de Napoleão.

Ironicamente, a mesma “munição ideo-lógica” desvaneceu-se nas desídia do Im-pério, ou encontrou nos ingleses uma von-

9 De fato, não apenas negaram aos ingleses uma batalha decisiva como, apesar das perdas, puderammanter as comunicações rebeldes e atacar as britânicas.

10 Antes da revolução, um em cada 30 oficiais generais era da nobreza. Esse número se inverteu em 1791.11 A reorganização da estrutura e dos regulamentos da Marinha inglesa ocorreu com Samuel Pepys em

1683. A francesa, em 1701.

No mar, isso não refletiucomo o esperado. OImpério napoleônico

enfrentava uma Marinhaaristocrática, porém bem

mais profissional

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tade nacional quase tão dura e assentadanum poder civil à altura dos ideaislibertários. As fileiras da oposição cerra-ram-se num ar de quase salvacionismo12

diante de mais um conquistador que se er-guia no Velho Mundo. Era aquela velhahistória: não seria Bonaparte mais um tira-no, afinal?

CONCLUSÃO: A NATUREZA DE SEUINIMIGO

A conta do sucesso de Napoleão não édebitável apenas em sua genialidade, as-sim como não se pode deduzir seus fracas-sos pelo seu “gênio”. A importância e oparalelismo de ambosos eventos, Trafalgare Austerlitz, não sur-preende. O que chamaa atenção é a pereni-dade do aftermath nasdecisões estratégicasdo imperador.

A decisão de ircontra a Inglaterra pa-rece ter sido baseada tanto na superesti-mação da Marinha Real, como atestou aestratégia do Bloqueio, quanto nasubestimação da força terrestre inimiga.Correto estava Napoleão em estimar quesomente precisaria de “seis horas para cru-zar o canal, derrotar os ingleses e levarJosefina para passear nos corredores deBukingham”. O Exército britânico era umapiada se comparado ao francês, porém afortuna do Império Britânico não se assen-tava apenas nele.

A Inglaterra nunca tivera um Exércitonacional. Um longa tradição de regimentosfeudais deu lugar às “milícias dos comuns”

a partir do século XV. O povo, após umasucessão de conflitos nobiliários pela Co-roa, pagou com sangue o direito de se pôrem armas. Com a Guerra Civil de 1643, a milí-cia ganhou corpo e se tornou The Army (OExército), colocando-se em pé de igualdadecom o Parlamento que deveria representar eproteger. Quando o Parlamento decidiu de-bandar o Exército, a criatura voltou-se con-tra o criador, e Cromwell impôs uma ditaduraque lançou a Inglaterra, definitivamente, nomapa geopolítico da Europa.

A restauração dos Stuart procurou pri-meiro se apossar e depois destruir a auto-nomia dessa corporação. O fim da monar-quia de fato, com a Revolução Gloriosa,

aprofundou o modeloque passou a ser deuma força comandadapor uma aristocraciaprofissional prepara-da na Academia deSandhurst; uma tropa“multinacional”, aber-ta aos “não ingleses”(escoceses, irlande-

ses, galeses) mercenários ou aventureiros,súditos de sua majestade. Essa força, apoi-ada pela Marinha Real, foi capaz de umaprolongada guerra de desgaste contra osfranceses, de garantir o Império colonialbritânico e, ainda, de participar da derrotafinal de Bonaparte, após seu regresso daRússia e na Batalha de Waterloo13. O impe-rador corso da França, tão hábil em perce-ber a nova “guerra nação” e os limites deseus inimigos, não entendeu o que era lu-tar contra um império insular apoiado numatríade diplomática, econômica e militar.

A cada insucesso, Napoleão respondeucom a leitura de rara simplicidade de um

12 Na Inglaterra, tornou-se muito popular uma canção de ninar que dizia: “Cuidado, criança/vá logodormir/seja boazinha/ou o velho Bony [Bonaparte] virá te pegar.”

13 Lord Wellington, arquiteto da manobra aliada em Warterloo, fez sua carreira nas guerras coloniais daÍndia e no atoleiro francês da Campanha Ibérica.

Napoleão nada trabalhoupara cessar os efeitos desua derrota no mar, que

não terminou ou começouem Trafalgar

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capitão. Perdeu em Trafalgar, aumentou aMarinha e decretou o Bloqueio. Não funci-onou, invadiu os países desobedientes.Manteve-se numa iniciativa militar, talvezacreditando que, como em suas manobrasterrestres, sustentando-se em sua estraté-gia a qualquer custo, acabaria por quebrara espinha dorsal do inimigo.

Napoleão nada trabalhou para cessaros efeitos de sua derrota no mar, que nãoterminou ou começou em Trafalgar. Muitopelo contrário, parece ter superlativadoseus problemas com suas decisões, a pon-to de se iludir que, contraindo matrimônio

com uma Habsburgo, dirimira as hostili-dades das monarquias europeias. Inves-tiu numa Marinha custosa e incapaz deproduzir resultado estratégico, numa cam-panha militar infindável na Península Ibé-rica e, por fim, acabou na Rússia. Da mes-ma forma que parece ter caído no equívo-co de compreender mal seu inimigo, o mes-mo fez com seu sucesso, supondo quepoderia colocar a França no livro dos gran-des impérios “apenas” pela guerra. Mas,enfim, Clausewitz era contemporâneo deNapoleão e, afinal, também apenas “seuinimigo”.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<HISTÓRIA>; História da França; História da Inglaterra; Estratégia; Guerras; Napoleão;Nelson;

BIBLIOGRAFIA

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REFERÊNCIAS

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SUMÁRIO

IntroduçãoA Marinha na Estratégia Nacional de DefesaReaparelhamento da MarinhaRecursos para reaparelhamento e adequaçãoSubmarinos convencionais e nuclearesNavios de superfícieNavio-aeródromo e Aviação NavalTendências para o futuro da Aviação NavalAviação de patrulha marítimaDesenvolvimento de novas aeronaves de patrulhaEmprego futuro de sistemas não tripuladosArmamento e sistemas de comando e controleConclusãoTabela no 1Tabela no 2

MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS(*)

EDUARDO ITALO PESCE(**)

Professor

(*) Trabalho submetido à Revista Marítima Brasileira em fevereiro de 2009. Atualização da palestraapresentada pelo autor em seminário interno do Núcleo de Estudos Estratégicos da UniversidadeFederal Fluminense (Nest/UFF), realizado na Fundação de Estudos do Mar (Femar) em 2/10/2008.

(**) Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da Universidade do Estado doRio de Janeiro (Cepuerj), colaborador permanente do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escolade Guerra Naval (Cepe/EGN) e da Revista Marítima Brasileira e membro do U.S. Naval Institute.

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

INTRODUÇÃO

A nova Estratégia Nacional de Defesa(END), aprovada pelo Decreto no 6.703, de18/12/2008, pode criar novas perspectivaspara as Forças Armadas brasileiras.1 Estedocumento, cujo anúncio oficial estavaoriginalmente previsto para 7 de setembrode 2008, teve sua divulgação adiada, a fimde ser examinado por diversos ministériose pelo Conselho de Defesa Nacional (CDN).

A fim de que as expectativas do setorde defesa se confirmem, será necessárioassegurar um fluxo ininterrupto de recur-sos para custeio e investimentos, capaz deatender às necessidades de modernizaçãodas três forças singulares. Os programasde reaparelhamento das Forças Armadasbrasileiras podem ser prejudicados pelacrise econômica mundial, deflagrada no fi-nal de 2008.

Dos R$ 48.044 milhões autorizados noorçamento do Ministério da Defesa até 31/12/2008, foram empenhados R$ 44.841 mi-lhões e efetivamente gastos R$ 40.713 mi-lhões (84,74% do total autorizado). Foi omenor percentual executado do orçamentodaquela pasta nos últimos anos. Talpercentual foi de 87,90% em 2005, de 89,80%em 2006 e de 90,54% em 2007.2

No Orçamento da União para 2009, a do-tação de recursos originalmente autorizadapara o Ministério da Defesa era de R$ 50,2bilhões. À Marinha do Brasil estavam desti-nados R$ 2,627 bilhões, ao Exército BrasileiroR$ 2,785 bilhões e à Força Aérea Brasileira R$4,515 bilhões, para despesas discricionárias.

No dia 27/1/2009, o governo anunciou obloqueio de R$ 37,2 bilhões (25% do total)dos recursos para custeio e investimentono orçamento. O Ministério da Defesa, quecontava com R$ 11,05 bilhões, ficou comapenas R$ 4,484 bilhões (redução de59,5%). A crise econômica parece estar re-vertendo o modesto aumento dos gastoscom a defesa, verificado entre 2005 e 2007.3

O presente artigo procura examinar as ne-cessidades e demandas específicas da Mari-nha do Brasil, bem como as possibilidades deobtenção dos recursos necessários paraatendê-las. O texto baseia-se em fontes e bibli-ografia ostensivas e em avaliações do autor.Os conceitos e opiniões emitidos são de cará-ter pessoal, não refletindo pontos de vista ofi-ciais nem tampouco interesses comerciais.

A MARINHA NA ESTRATÉGIANACIONAL DE DEFESA

No desenvolvimento do Poder Naval, aEND propõe priorizar inicialmente a tarefade negação do uso do mar, em relação às decontrole de área marítima e de projeção depoder sobre terra. Em tal contexto, o empre-go das forças navais, aeronavais e de fuzi-leiros navais visará às seguintes hipóteses:

I – defesa proativa das plataformas pe-trolíferas;

II – defesa proativa das instalações na-vais e portuárias, dos arquipélagos e dasilhas oceânicas nas águas jurisdicionaisbrasileiras;

III – prontidão para responder a qual-quer ameaça, por Estado ou forças não

1 Cf. Presidência da República, Decreto no 6.703, de 18/12/2008 – Aprova a Estratégia Nacional deDefesa (END) e dá outras providências (Brasília, 18/12/2008). Texto completo disponibilizado emhttp://www.defesa.gov.br/.

2 Cf. Eduardo Italo Pesce & Iberê Mariano da Silva, “Perspectivas para a defesa em 2009”, MonitorMercantil, Rio de Janeiro, 13/2/2009, p.2 (Opinião). Cf. também Consulta Orçamentária da União,Planilhas do Siafi 2005-2008. Dados disponibilizados em http://www.contasabertas.uol.com.br/.

3 Ibidem. Cf. também Regina Alvarez, “Crise reduz Orçamento em 25%”, O Globo, Rio de Janeiro, 28/1/2009, p.3 (O País).

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

convencionais ou criminosas, às vias ma-rítimas de comércio; e

IV – capacidade de participar de opera-ções internacionais de paz, fora do territó-rio e das águas jurisdicionais brasileiras,sob a égide das Nações Unidas ou de or-ganismos multilaterais da região.4

Nas águas jurisdicionais brasileiras (co-nhecidas como “Ama-zônia Azul”), duas áre-as marítimas sãoidentificadas pelaEND como críticaspara a defesa da sobe-rania e dos interessesnacionais: a que vai deSantos a Vitória e a si-tuada em torno da fozdo Rio Amazonas.5

Ainda segundo otexto, a Marinha doBrasil deverá se re-constituir por etapas,como uma força balan-ceada e polivalente.6 Oplanejamento da dis-tribuição espacial das forças no territórionacional, no caso da Marinha, deverápriorizar a necessidade de constituição deuma segunda Esquadra, sediada no litoralNorte/Nordeste do Brasil.7

Esta nova Esquadra teria por atribuiçõesnaturais defender a Amazônia pelo mar, além

de proteger os interesses nacionais na áreamarítima situada ao norte de Natal-Dacar.Na prática, o Brasil possui dois litorais comcaracterísticas geopolíticas distintas, aonorte e ao sul da cintura Natal-Dacar. Osaliente nordestino projeta-se como umacunha em direção à África.

Apesar dessa peculiaridade, não se deveesquecer que o Brasilnecessita de um PoderNaval balanceado epolivalente, com capa-cidade oceânica. Portal razão, nossa prin-cipal Esquadra, atuan-do ao sul de Natal-Dacar, deve conferirigual prioridade a to-das as tarefas do Po-der Naval.8

Segundo a END,deve ser construídauma nova base navalnas proximidades dafoz do Amazonas.9 ABaía de São Marcos,

em São Luís (MA), é apontada por especi-alistas como o local mais conveniente.10 Noacordo Brasil-França assinado em 23/12/2008, está prevista a instalação de um esta-leiro e de uma base para submarinos compropulsão nuclear, provavelmente na re-gião de Itaguaí (RJ).11

4 Cf. Presidência da República, Op. cit., p.12.5 Ibidem, p.12.6 Ibidem, p.12.7 Ibidem, p.41. Cf. também Eduardo Italo Pesce, “Uma Esquadra para defender a Amazônia”, Monitor

Mercantil, Rio de Janeiro, 14/1/2009, p.2 (Opinião).8 Cf. Pesce & Da Silva, Op. cit. Cf. também Pesce, Op. cit. Cf. ainda Eduardo Italo Pesce, “Uma Marinha

com duas Esquadras”, Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 18/9/2008, p.2 (Opinião). Cf. tambémEduardo Italo Pesce, “Uma Marinha para o Hemisfério Sul”, Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 18,19 e 20/10/2008, p.2 (Opinião).

9 Cf. Presidência da República, Op. cit., p.14.10 Cf. Roberto Gama e Silva, Estratégia de Defesa da Amazônia Brasileira (Rio de Janeiro, 14/2/2009).

Texto divulgado pelo autor na internet via correio eletrônico.11 Cf. Pesce & Da Silva, Op. cit.

A Marinha do Brasildeverá se reconstituir poretapas, como uma forçabalanceada e polivalente

Priorizar a necessidade deconstituição de uma

segunda Esquadra, sediadano litoral Norte/Nordeste

do Brasil

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

REAPARELHAMENTO DA MARINHA

O Programa de Reaparelhamento daMarinha (PRM) contempla a obtenção oumodernização de meios flutuantes, aéreose de fuzileiros navais, segundo metas decurto, médio e longo prazo. Estão previs-tos no PRM (em valores de 2007) investi-mentos da ordem de R$ 5,8 bilhões, no pe-ríodo 2008-14. Uma segunda fase do pro-grama seria implementada entre 2015 e 2030.

O PRM está dividido em oito grupos deprioridade: (1) submarinos e torpedos; (2)navios-patrulha; (3)helicópteros; (4) navi-os de escolta; (5) navi-os-patrulha fluviais; (6)sinalização do trans-porte aquaviário e na-vios-hidrográficos; (7)navio-aeródromo (mo-dernização), mísseis,minas e munição; e (8)equipamentos para oCorpo de FuzileirosNavais e navios de desembarque.12

Para o período 2008-14, constam dosoito grupos de prioridade do PRM diver-sos projetos (ver Tabela no 1).13 O total derecursos necessários à implementação detais projetos seria de aproximadamente R$7,5 bilhões. Este total considera os custosadicionais de projetos cuja execução se es-tenderá para além de 2014, como é o casoda modernização de submarinos.14

Dentro das limitações impostas pela con-juntura, o PRM reflete uma visão estratégicamoderadamente conservadora, procurandoviabilizar a aquisição de meios capazes de de-sempenhar as quatro tarefas básicas do PoderNaval: (1) negação do uso do mar; (2) controlede áreas marítimas; (3) projeção de poder so-bre terra; e (4) contribuição para a dissuasão.15

Os investimentos previstos no PRM po-derão ser revistos, em função das metasestabelecidas pela END e pelos documentosdecorrentes que deverão ser editados até 2010.Numa estimativa moderadamente conserva-

dora, ao final da terceiradécada do século XXI aMarinha do Brasil pode-ria ser constituída por140 ou 150 navios e porum número equivalentede aeronaves.

RECURSOS PARAREAPARELHAMENTOE ADEQUAÇÃO

Na dotação orçamentária inicial do Minis-tério da Defesa para 2009, os programas dereaparelhamento e adequação das ForçasArmadas custarão pouco mais de R$ 2 bi-lhões aos cofres da União. A Marinha ficariacom R$ 544,5 milhões, o Exército com R$ 390,9milhões e a FAB com R$ 1,115 bilhão.16

Desde 2003, a Força Aérea vem rece-bendo os maiores recursos para reapare-lhamento, com um total de R$ 4,8 bilhões

12 Cf. Pesce, “Uma Marinha com duas Esquadras”, Op. cit. Cf. também Júlio César de Moura Neto, Maisdetalhes sobre o Programa de Reaparelhamento da Marinha – Audiência pública do Comandanteda Marinha na Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (Brasília, 19/9/2007).Disponibilizado em http://blognaval.com.br/.

13 Cf. dados em Moura Neto, Op. cit.14 Cf. Centro de Comunicação Social da Marinha, O Programa de Reaparelhamento da Marinha.

Disponibilizado no sítio oficial da Marinha do Brasil em http://www.mar.mil.br/.15 Cf. João Mauro Uchôa, “Chefe do Estado-Maior da Marinha aponta os desafios da vigilância das

fronteiras marítimas” – Entrevista com o Almirante Júlio Sabóia, A Tarde, Salvador, 4/9/2008.Disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/.

16 Cf. Milton Júnior, “Aparelhamento das Forças Armadas custará R$ 2 bilhões em 2009”, Contas Abertas(11/2/2009). Disponibilizado em http://www.contasabertas.uol.com.br/.

Ao final da terceira décadado século XXI a Marinha

do Brasil poderia serconstituída por 140 ou 150

navios e por um númeroequivalente de aeronaves

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

efetivamente pagos. Nesse mesmo perío-do, o Exército ficou com apenas R$ 775 mi-lhões e a Marinha com R$ 1,3 bilhão. Esteúltimo valor, por sinal, equivale ao destina-do à FAB apenas em 2008.

Em bases correntes, os valores efetiva-mente pagos, destinados ao reapare-lhamento da Marinha no período de 2003 a2008, têm sido crescentes. Os valores rea-justados (base 8/1/2009), porém, indicamdecréscimo de 13,1% em 2005/2006 e de11,3% em 2007/2008.17 Como o orçamentode 2009 já sofreucontingenciamento,não há garantia de re-alização dos investi-mentos previstos.

Os recursos queforam destinados aprogramas de reapare-lhamento e adequaçãoda Marinha, no Orça-mento da União de2008, estão detalha-dos em anexo (ver Tabela no 2). Um total deR$ 452,4 milhões foi autorizado no iníciodo ano, mas apenas R$ 342,2 milhões(75,6% daquele total) foram efetivamentepagos em 2008 (inclusive R$ 28,2 milhõesnão procurados em 2007).18

SUBMARINOS CONVENCIONAIS ENUCLEARES

Os recursos destinados ao programa nu-clear da Marinha não constam do PRM,

pois o desenvolvimento dessa tecnologiaestratégica deve ser considerado uma pri-oridade nacional. A Marinha do Brasil ati-vou, em 26 de setembro de 2008, aCoordenadoria Geral do Programa de De-senvolvimento de Submarino com Propul-são Nuclear (Cogesn).19

Já foi iniciada a modernização dos cincosubmarinos da classe Tupi, no Arsenal deMarinha do Rio de Janeiro (AMRJ), comprazo de execução de 11 anos e custo esti-mado (até 2014) de R$ 812,7 milhões. O PRM

previa a construção deum sexto submarinodotado de propulsãoconvencional, comcusto estimado de R$1.559,7 milhões e pra-zo de seis anos, masesse plano foi posteri-ormente revisto.20

Em resultado doacordo Brasil-Françana área de submarinos,

assinado em 23/12/2008, serão construídaspara a Marinha do Brasil quatro novas uni-dades com propulsão convencional (SBR),derivadas da classe Scorpène, no novo es-taleiro de Itaguaí. Este estaleiro ficará pró-ximo à Nuclebrás Equipamentos Pesados(Nuclep), empresa que construirá as seçõesde casco resistente.

O acordo prevê ainda assistência técni-ca ao projeto do casco de um protótipo desubmarino nuclear (SNBR), o qual seria en-tregue por volta de 2020, a um custo de

17 Ibidem.18 Ibidem.19 Cf. Diretoria Geral de Material da Marinha, Ordem do Dia no 5/2008, de 26/09/2008 – Ativa a

Coordenadoria Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear (Riode Janeiro, 26/9/2008). Disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/. Cf. também Júlia Ennes& Fernanda Guimarães, Marinha ativa construção de submarino nuclear no Brasil. (São Paulo, 29/9/2008). Disponibilizado em http://www.dci.com.br/ e em http://www.panoramabrasil.com.br/.

20 Cf. Moura Neto, Op. cit. Cf. também Ennes & Guimarães, Op. cit. Cf. ainda R. Ruizree, “AIP: o Brasilde fora?”, Segurança & Defesa 25 (93): 26-33 – Rio de Janeiro, 2009.

O Brasil desenvolveu, semajuda externa, o ciclo do

combustível nuclear, oreator de água

pressurizada e as máquinasde propulsão

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

US$ 1,5 bilhão. O custo de construção dasunidades seguintes poderia ter uma redu-ção de até 15% cada. Analistas acreditamque seriam necessários à Marinha do Bra-sil pelo menos seis submarinos com pro-pulsão nuclear.21

O Brasil desenvolveu, sem ajuda exter-na, o ciclo do combustível nuclear, o reatorde água pressurizada e as máquinas de pro-pulsão.22 A opção por assistência técnicaestrangeira para projetar o casco foi certa-mente motivada pela necessidade de en-curtar o horizonte de tempo, para o desen-volvimento do projeto do primeiro subma-rino brasileiro com propulsão nuclear.

NAVIOS DESUPERFÍCIE

Com relação aosmeios de superfície daEsquadra, deverão sermodernizadas as trêsfragatas remanescen-tes da classe Greenhalgh (a um custo deR$ 23 milhões cada) e as quatro corvetasda classe Inhaúma (por R$ 13,8 milhõescada).23 A Corveta Barroso, cuja constru-ção havia sido iniciada em 1994, foi final-mente incorporada em 2008.

Poderão ser construídas três novas fra-gatas de 6.000 toneladas, de uma classe ain-da a ser definida, possivelmente armada commísseis superfície-ar de defesa de área. Ocusto unitário destes navios é estimado emR$ 690 milhões, o que representaria um cus-to total de obtenção de R$ 2.070 milhões.24

Estão sendo incorporados à Esquadradois navios de desembarque de carros decombate (NDCC) adquiridos à Grã-Bretanha:o Garcia d’Ávila (entregue em 2008) e oAlmirante Sabóia (com entrega previstapara 2009).25 A incorporação desses naviosamplia a capacidade de apoio à projeção depoder sobre terra da Marinha do Brasil.

A um custo estimado de R$ 11,5 milhões,está prevista ainda a modernização do NDDCeará, um dos dois navios de desembar-que doca de origem norte-americana em ser-viço. Pelo menos um navio-transporte deapoio (NTrAp), projeto nacional desenvol-vido pelo Centro de Projetos Navais (CPN),

deverá ser construídopor R$ 209,3 milhões.

Para as Forças Dis-tritais, está prevista aconstrução, em estalei-ros nacionais, de pelomenos 12 navios-patru-lha (NPa) de 500 tone-ladas, de projeto fran-

cês, cujo custo unitário de obtenção é esti-mado em R$ 80 milhões. O número total deunidades desta classe poderá chegar a 27.

Também devem ser construídos cincoNPa de 1.000 toneladas, de um projeto de-senvolvido no Brasil pelo CPN, a um custounitário de R$ 104,5 milhões. Está previstaainda a construção de quatro novos navi-os-patrulha fluviais (NPaFlu) de 100 tone-ladas, a um custo de R$ 18,5 milhões cada.

Devem ser construídas 11 novas unida-des para o Sistema de Sinalização de Trans-porte Aquaviário (SSTA), a um custo total

21 Cf. Ennes & Guimarães, Op. cit. Cf. também Ministério das Relações Exteriores, Acordo entre o Governoda República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa na área de submarinos (Riode Janeiro, 23/12/2008). Texto disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/.

22 Cf. Eduardo Italo Pesce, “Poder Naval, autonomia tecnológica e capacidade polivalente”, MonitorMercantil, Rio de Janeiro, 20/2/2008, p.2 (Opinião).

23 Cf. Moura Neto, Op. cit.24 Ibidem.25 Ibidem.

Seriam necessários àMarinha do Brasil pelo

menos seis submarinos compropulsão nuclear

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

de R$ 80,3 milhões. Além disso, devem sermodernizados cinco navios-hidrográficos(NHi) por R$ 15 milhões. Recentemente, fo-ram recebidos o Navio-Hidroceanográfico(NHo) Cruzeiro do Sul e o Navio Polar(NPo) Almirante Maximiano.26

NAVIO-AERÓDROMO E AVIAÇÃONAVAL

Está prevista a modernização do NAeSão Paulo, que voltou à atividade em 2008,após um período de manutenção e reparosno AMRJ. Entre as obras a serem realizadas,com previsão de prazo de três anos, a umcusto de R$ 43,8 milhões, estão o reparo deum dos eixos propulsores e a instalação deum Sistema de Controle Tático (Siconta)nacional, em substituição ao Senit francês.27

Por R$ 87,5 milhões cada, foram adquiri-dos quatro (com opção para mais dois) heli-cópteros Sikorsky S-70B (SH-60) Seahawk,para missões antissubmarino e contra navi-os de superfície. O total pode chegar a 12aeronaves (em três lotes de quatro), parasubstituir os Sikorsky SH-3A/B Sea King.28

Também foi adquirido um lote inicial de oitomísseis ar-superfície antinavio AGM-119BPenguin.29

A modernização das aeronavesMcDonnell Douglas A-4 (AF-1) Skyhawkque operam com o NAe é uma necessidadeimediata. Em 1998, foram adquiridas 23 ae-ronaves deste tipo (20 AF-1 de um só lugare três AF-1A de dois lugares), mas o núme-ro de aeronaves atualmente disponível é

limitado. Pelo menos 12 aeronaves podemser modernizadas pela Embraer.

Seis dos 12 helicópteros de esclarecimen-to e ataque Agusta Westland AH-11A SuperLynx, que operam com navios de escolta,devem ser modernizados a um custo de R$34,7 milhões.30 Poderiam ser adquiridas ae-ronaves adicionais, para substituir as perdi-das em uso. A Marinha também receberá 16novos helicópteros Eurocopter EC 725(UH-14) Super Cougar/Caracal, produzi-dos pela Helibras.31

Além da Força Aeronaval, atualmenteconstituída por seis esquadrões de heli-cópteros e um de aviões, a Marinha dispõede três esquadrões regionais de helicópte-ros de emprego geral, sediados em Manaus(AM), Ladário (MS) e Rio Grande (RS), queatuam nas áreas dos respectivos DistritosNavais. Poderiam ser criados mais três, emBelém (PA), Natal (RN) e Salvador (BA).

Uma aviação embarcada polivalente, ca-paz de operar a partir de NAe e de outrostipos de navios de superfície, constitui com-ponente essencial de uma verdadeira Mari-nha oceânica. Apesar de sua longa autono-mia de voo, a aviação de patrulha marítimabaseada em terra não é capaz de substituirplenamente os meios aéreos embarcados.

A Marinha do Brasil ainda não conse-guiu dotar seu NAe de um grupo aéreocompleto, constituído por aviões deinterceptação e ataque, reconhecimento,guerra eletrônica, guerra antissubmarino,alarme aéreo antecipado (AEW – AirborneEarly Warning) e reabastecimento em voo

26 Ibidem. Cf. também João Mauro Uchôa, “Chefe do Estado-Maior da Marinha aponta os desafios davigilância das fronteiras marítimas” – Entrevista com o Almirante Júlio Sabóia, A Tarde, Salvador,4/9/2008. Disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/.

27 Cf. Moura Neto, Op. cit.28 Cf. Eduardo Italo Pesce, “Aviação Naval, 92 anos”, Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 12/8/2009, p.2

(Opinião).29 Cf. Marinha adquire mísseis AGM-119B Penguin (Rio de Janeiro, 22/12/2008). Notícia disponibilizada

no sítio da revista Segurança & Defesa em http://www.segurancaedefesa.com/.30 Cf. Moura Neto, Op. cit.31 Cf. Ennes & Guimarães, Op. cit. Cf. também Pesce, “Aviação Naval, 92 anos”, Op. cit.

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

(Revo), além de helicópteros para missõesantissubmarino e de busca e salvamento.32

É aguardada para breve a abertura, pelaMarinha do Brasil, do processo de obten-ção de um lote de seis aeronaves GrummanS-2 Tracker de segunda mão modernizadas,dotadas de motores turboélice HoneywellTPE 331-14GR. A modernização desses avi-ões poderia ser realizada pela Embraer, emparceria com a empre-sa norte-americanaMarsh Aviation, forne-cedora das célulasremotorizadas.

Três aeronaves se-riam empregadas emmissões AEW, equi-padas com radarEricsson Erieye ou si-milar. As outras trêsatuariam em missõesCOD (Carrier On-board Delivery), deapoio logístico. Umadestas já será entregueequipada para missõesRevo. Posteriormente,poderiam ser adquiridas mais quatro aero-naves, em configuração antissubmarino.

A aquisição de tais aeronaves espe-cializadas é necessária, para apoiar a ope-ração dos A-4 em missões de defesa aéreae de ataque a alvos de superfície. A Mari-nha adquiriu três conjuntos de tanquesRevo do tipo buddy-pack para os A-4. Es-tes kits permitem que uma aeronave (de-sarmada) reabasteça duas do mesmo tipodurante uma missão.33

TENDÊNCIAS PARA O FUTURO DAAVIAÇÃO NAVAL

Um projeto mantido em compasso deespera é o do NAe destinado a substituir oSão Paulo depois de 2025. Possivelmente,tal navio teria um deslocamento carregadode 40 a 50 mil toneladas e seria capaz deoperar com cerca de 40 aeronaves de com-

bate. Estes são osparâmetros mínimos(ainda que não os ide-ais) para operação comaeronaves modernasde tipo convencional.

O futuro da aviaçãode caça na Marinha doBrasil está ligado aotipo de NAe que vier aser selecionado parasubstituir o atual. Con-tinuará a Marinhaadepta da operação deaeronaves convenci-onais de asa fixa, abordo de navios equi-pados com catapultas

e aparelho de parada, ou poderá optar poroutra solução?34

O modo de operação STOVL (ShortTakeoff/Vertical Landing) utiliza corrida dedecolagem curta e pouso vertical, enquantoque o modo STOAL (Short Takeoff/ArrestedLanding) emprega decolagem curta e pousocom aparelho de parada. Em ambos os casos,emprega-se uma rampa de decolagem curtaSki Jump na proa do navio, eliminando-se anecessidade do sistema de catapultas.

32 Cf. Pesce, Op. cit.33 Cf. Pesce, Op. cit. Cf. também José Alves Daniel Filho, O S-2T é uma boa opção para a Marinha (Juiz

de Fora, 2008). Disponibilizado em http://www.defesa.ufjf.br/. Cf. ainda Sebastião de Andrade Cam-pos Neto, “Momento de decisão para a Aviação Naval”, Segurança & Defesa 24 (89): 27-32 – Riode Janeiro, 2007.

34 Cf. Luciano Melo Ribeiro. “E o amanhã? – O futuro da aviação de caça na Marinha do Brasil”, RevistaForça Aérea 13 (53): 64-71 – Rio de Janeiro, ago./set. 2008.

Um projeto mantido emcompasso de espera é o doNAe destinado a substituiro São Paulo depois de 2025

A atual geração de caçasmultimissão pode ser a

última geração deaeronaves de combate

tripuladas

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

Um NAe equipado com aeronavesSTOVL é menor e mais barato do que umconvencional ou STOAL, mas atualmenteexiste uma só aeronave deste tipo, prestesa entrar em produção: o Lockheed MartinF-35B Lighning II. Já o modo de operaçãoSTOAL emprega aeronaves de tipo con-vencional, mas não dispensa a necessida-de de um NAe de médio ou grande porte.

A atual geração de caças multimissãopode ser a última geração de aeronaves decombate tripuladas. O emprego de veícu-los aéreos não tripulados (Vant) em mis-sões de combate, a partir de NAe ou debases terrestres, poderá se tornar realida-de em meados deste século.35 Tais tendên-cias devem ser levadas em consideraçãopela Marinha do Brasil.

Em breve, a Força Aérea Brasileira (FAB)deve selecionar o seu futuro avião de com-bate, por intermédio do Programa F-X2. Ovencedor deve permanecer em operaçãopor um período de 30 ou 40 anos. Dos trêsfinalistas pré-selecionados, apenas um nãopossui versão embarcada. Por isso, a Mari-nha do Brasil certamente acompanhará cominteresse o resultado da escolha da FAB.36

AVIAÇÃO DE PATRULHA MARÍTIMA

A defesa da soberania e dos interessesdo Brasil no Atlântico Sul cabe não só àMarinha, mas também à FAB, que opera aaviação de patrulha marítima baseada emterra. A capacidade de patrulhamento e vi-gilância do mar desta força necessita serampliada.37

A aviação de patrulha marítima é um doscomponentes vitais das forças de um Tea-tro de Operações Marítimo (TOM). Essen-cial à guerra no mar, é também indispensá-vel em tempo de paz, para vigilância e pro-teção das águas sob jurisdição nacional.

A principal aeronave de patrulha maríti-ma da atualidade ainda é o quadrimotorturboélice Lockheed Martin P-3 Orion(cuja célula é uma versão militar doLockheed Electra II), operado pelas Mari-nhas ou Forças Aéreas de diversos países.Na Marinha dos Estados Unidos, seu subs-tituto, após cinco décadas de serviço, seráo Boeing P-8A Poseidon, um birreator ajato derivado do Boeing 737-800.

Uma aeronave de patrulha marítima delongo alcance, como o P-3 e seu sucessor,possui grande autonomia de voo, sendo umaplataforma de múltiplo emprego, capaz dedesempenhar missões de guerra antissub-marino, esclarecimento e vigilância de áreasmarítimas, guerra eletrônica, busca e salva-mento, guerra de superfície etc.

A FAB conta hoje com aproximadamen-te 20 aeronaves de esclarecimento maríti-mo Embraer EMB-111 (P-95) Bandeiran-te-Patrulha (“Bandeirulha”), operadaspor quatro esquadrões. O “Bandeirulha”é uma das versões militares do bimotorturboélice EMB-110 Bandeirante, uma ae-ronave leve, de autonomia limitada e semcapacidade de emprego antissubmarino.38

No início de 2009, foi entregue à ForçaAérea Brasileira a primeira de oito aeronavesde patrulha marítima e guerra antissubmarinoP-3AM Orion, modernizadas na Espanha pela

35 Cf. Ribeiro, Op. cit.36 Cf. Alexandre Fontoura, “A short-list do F-X2”, Segurança & Defesa 25 (93): 16-19 – Rio de Janeiro,

2009.37 Cf. Eduardo Italo Pesce & Mário Roberto Vaz Carneiro, “Aviação de patrulha marítima”, Monitor

Mercantil, Rio de Janeiro, 12/8/2008, p.2 (Opinião). Cf. também Eduardo Italo Pesce & MárioRoberto Vaz Carneiro, “A adequação da aviação de patrulha”, Segurança & Defesa 24 (92): 4-10 –Rio de Janeiro, 2008.

38 Ibidem.

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

Eads Casa. O antigo equipamento de missãoserá substituído pelo sistema multimissãoFITS (Fleet Integrated Tactical System).39

Também teriam sido adquiridos mísseis ar-superfície antinavio AGM-84 Harpoon.40

Há alguns anos, a FAB adquiriu dos EUAum lote de 12 aeronaves P-3A de segundamão, fora de uso há muito tempo, estocadasao ar livre no clima desértico de Tucson, noArizona. Três seriam destinadas àcanibalização (servindo como fonte de peçasde reposição), oito a missões operacionais euma ao treinamento de tripulações.

A avaliação operativa destas aeronaves– cuja atuação em apoio à Esquadra seráfundamental – deverá ser realizada pelaMarinha do Brasil, por meio do Centro deAnálise de Sistemas Navais (Casnav), noRio de Janeiro. A Marinha e a FAB serãoextremamente beneficiadas por essa medi-da de integração. A capacitação do Casnavé reconhecida internacionalmente.41

DESENVOLVIMENTO DE NOVASAERONAVES DE PATRULHA

O número de aeronaves previsto é aindainsuficiente para atender às necessidadesreais da Força Aérea, em operações inde-pendentes ou em apoio direto à Marinha.Além disso, em poucos anos haverá neces-sidade de substituir o P-95 “Bandeirulha”,que entrou em serviço na década de 70 doséculo passado.42

Na FAB, a patrulha marítima e a guerraantissubmarino são consideradas missões

distintas. O P-3AM, dotado de equipamen-to multimissão, tem capacidade de desem-penhar ambas as missões, enquanto que oP-95 é limitado à patrulha marítima para vi-gilância de superfície. Esta dualidadecondiciona as discussões sobre o desen-volvimento de uma nova aeronave de pa-trulha no Brasil.

Há necessidade de uma definição po-lítica, sobre a qual força singular caberiadesempenhar os dois tipos de missão nofuturo. À Força Aérea, mantendo o atualmodelo de inspiração britânica? À Mari-nha, adotando o modelo norte-america-no? Ou o Brasil deveria dividir as atribui-ções, ficando a vigilância de superfíciecom a FAB e a guerra antissubmarino coma Marinha?43

Como alternativa ao P-3AM Orion, aEmbraer havia oferecido à FAB o P-99, umaversão de patrulha marítima do birreator detransporte regional EMB-145. Entretanto,sua autonomia foi considerada inadequa-da para o patrulhamento de extensas áreasmarítimas, em missões de duração superiora 12 horas de voo.

A Embraer produz uma família debirreatores comerciais, cujos modelos demaior capacidade são o EMB-190 e o EMB-195. É possível que um desses dois tiposvenha a ser usado como base para o de-senvolvimento de uma aeronave de patru-lha marítima de longo raio de ação, capazde substituir o P-3A/B/C Orion no merca-do internacional, a um custo bem inferiorao do P-8A Poseidon.44

39 Ibidem.40 Cf. FAB compra lote de mísseis antinavio Harpoon (5/2/2009). Notícia disponibilizada no sítio da

revista Asas em http://www.revistaasas.mil.br/.41 Cf. Pesce & Carneiro, “Aviação de patrulha marítima”, Op. cit. Cf. também Pesce & Carneiro, “A

adequação da aviação de patrulha”, Op. cit.42 Ibidem.43 Cf. Pesce & Carneiro, “A adequação da aviação de patrulha”, Op. cit.44 Cf. Pesce & Carneiro, “Aviação de patrulha marítima”, Op. cit. Cf. também Pesce & Carneiro, “A

adequação da aviação de patrulha”, Op. cit.

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

EMPREGO FUTURO DE SISTEMASNÃO TRIPULADOS

Possivelmente, os P-95 “Bandeirulha”da FAB poderão ser substituídos por umaaeronave mais simples e de menor porteque os modelos mencionados anteriormen-te. No estágio atual, o uso de Veículos Aé-reos Não Tripulados (Vant) em missões devigilância marítima é apenas uma possibili-dade para o futuro. Contudo, tal possibili-dade não passou despercebida ao Brasil.45

Em caráter experimental, a Marinha dosEUA vem empregando o Northrop GrummanRQ-4 Global Hawk Maritime Demonstrator(GHMD) em missões de reconhecimento evigilância de áreas marítimas. A versão RQ-4Block 10 já realizoumissões com duraçãode 23 horas, a 65 mil pésde altitude, e a Block20 terá autonomia devoo de 35 horas.

Brasil e África doSul estão negociandoo desenvolvimentoconjunto do BateleurMale, um Vant de múl-tiplo emprego em mis-sões de média altitudee grande autonomia. Conceitualmente, esteVant – mais simples e menos custoso queo Global Hawk – poderia ser empregadopara vigilância das águas jurisdicionais bra-sileiras, complementando as aeronaves depatrulha de longo raio de ação.

Dotados de radar de abertura sintética, ossatélites na vigilância marítima são capazesde localizar navios no mar e transmitir sualocalização em tempo real às forças navais oupara centros de coleta e análise em terra. Sua

órbita lhes proporciona apenas uma cober-tura intermitente das áreas de interesse, oque torna necessário utilizar vários deles paraaumentar a frequência de sobrevoo.

Tais satélites estão também sujeitos a li-mitações de emprego, por influência das con-dições meteorológicas ou de outros fatoresque podem dificultar a identificação ou oacompanhamento de navios no mar. Essaslimitações tornam necessário empregar ou-tros meios de reconhecimento e vigilância.Apesar das novas tecnologias, a aviaçãode patrulha marítima ainda é indispensável.

Atualmente, o Brasil já conta com ima-gens de razoável resolução (para aplicaçõesterrestres), disponibilizadas comercialmen-te ou obtidas por satélites de uso científico

(como o CBERS-2A eo CBERS-3 de projetosino-brasileiro). No fu-turo, o país talvez ve-nha a operar seus pró-prios satélites de usomilitar, deixando de de-pender da cooperaçãoe da boa vontade deterceiros.46

ARMAMENTO ESISTEMAS DE

COMANDO E CONTROLE

Como vimos acima, a Marinha e a FABvêm adquirindo novos mísseis ar-superfícieantinavio, para uso em helicópteros e aero-naves de patrulha marítima. Note-se que oAGM-119B Penguin, adquirido pela Mari-nha, já está homologado para os helicópte-ros SH-60 Sea Hawk e AH-11A Super Lynx.O AGM-84 Harpoon, por sua vez, deve serempregado pelos P-3AM Orion da FAB.47

45 Ibidem.46 Ibidem.47 Cf. Marinha adquire mísseis AGM-119B Penguin, Op. cit. Cf. também FAB compra lote de mísseis

antinavio Harpoon, Op. cit.

Brasil e África do Sulestão negociando o

desenvolvimento conjuntodo Bateleur Male, um Vant

de múltiplo emprego emmissões de média altitude e

grande autonomia

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

O PRM prevê o desenvolvimento de vári-os tipos de mísseis para a Marinha do Brasil,a um custo total orçado em R$ 144,2 milhões,com R$ 22 milhões de investimento inicial.48

Em 2008, porém, foram efetivamente gastosno desenvolvimento de um míssil nacionalantinavio apenas R$ 901 mil, de um total deR$ 4,8 milhões previsto em orçamento.49

R$ 100 milhões estão destinados à obten-ção de um novo torpedo pesado, R$ 20 mi-lhões à compra de 100 minas de fundeio einfluência do tipo MFI-01, e R$ 206 milhões àreposição de 45% dos estoques de munição.R$ 126 milhões desti-nam-se à aquisição deum lote adicional decarros de combate SK-105 Kürassier e de ou-tros equipamentos parao Corpo de FuzileirosNavais (CFN).50

O Sistema Naval deComando e Controle(SISNC2) e o Sistema deInformações do Tráfe-go Marítimo (Sistram)devem ser integradosnum novo sistema degerenciamento do mar,que incluirá sensores móveis (a bordo de na-vios, aeronaves e satélites) e fixos (em terra,em plataformas de petróleo ou no leito mari-nho), além da capacidade de processamentoe disseminação das informações.51

CONCLUSÃO

Se os investimentos necessários foremefetivamente realizados, a nova Estratégia

48 Cf. Moura Neto, Op. cit.49 Cf. Milton Júnior, Op. cit.50 Cf. Moura Neto, Op. cit.51 Cf. Uchôa, Op. cit.52 Cf. Rajat Pandit, “India’s secret N-submarine project nearing completion,” The Times of India, 12 Feb.

2009. Disponibilizado em http://timesofindia.indiatimes.com/.

A prioridade conferida pelaEND ao projeto e à

construção de submarinosconvencionais e nuclearesno Brasil não pode entrar

em conflito com anecessidade de possuirmos

uma Marinha oceânicapolivalente

Nacional de Defesa (END) poderá revertero processo de “encolhimento com digni-dade” do Poder Naval brasileiro. Nessecaso, diversos projetos previstos no Pro-grama de Reaparelhamento da Marinha(PRM) poderão finalmente sair do papel.

A prioridade conferida pela END ao proje-to e à construção de submarinos convencio-nais e nucleares no Brasil não pode entrar emconflito com a necessidade de possuirmosuma Marinha oceânica polivalente, capaz deoperar em áreas distantes do território nacio-nal. Todos os componentes do Poder Naval

devem ser desenvolvi-dos, em função da cres-cente projeção interna-cional do País.

Neste século, o Bra-sil deve buscar ser vis-to como um possívelaliado ou parceiroconfiável, não como umpotencial adversário. Aconstrução de umaMarinha cuja composi-ção priorizasse a nega-ção do uso do mar, à se-melhança da Marinhasoviética do final da

década de 50 do século passado, poderia darao mundo uma ideia errônea sobre as inten-ções e os objetivos do País.

O acordo de cooperação Brasil-França,que inclui assistência técnica para o de-senvolvimento do projeto do casco resis-tente de um submarino com propulsão nu-clear, é sem precedentes entre países doOcidente. Atualmente, só existe acordo comfinalidades similares entre Rússia e Índia.52

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116 RMB2oT/2009

MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<FORÇAS ARMADAS>; Marinha do Brasil; Estratégia; Política nacional;

Pode haver pressões internacionais con-tra Brasil e França, motivadas por implica-ções estratégicas.

A crise econômica mundial e o fim daEra Bush também podem resultar em pres-sões externas para que o Brasil reduza seusgastos militares. Apóso fim da Guerra Fria, noinício dos anos 90,nosso país cedeu apressões desse tipo,com consequênciasdesastrosas. Se talcoisa voltar a ocorrer,o reaparelhamento daMarinha pode ser no-vamente inviabilizado.

As mudanças polí-ticas no Brasil tambémpodem ter consequên-cias sobre os planosde longo prazo daMarinha e das outrasduas forças singulares. Se estes forem vis-tos como projetos de um governo, e nãodo Estado brasileiro, poderão vir a sofrercortes severos ou ser simplesmente can-celados. Para evitar isso, é essencial que o

Congresso Nacional aprove a legislaçãoapropriada.

Os recursos financeiros e humanos cons-tituem o fator crítico. Para que um Poder Navaltenha credibilidade, deve ser integrado pormeios modernos, preferencialmente projetados

e construídos no País,guarnecidos e operadospor pessoal altamentequalificado e adestrado.A construção e a con-solidação de tal poderrequerem investimentocontínuo, por mais deuma geração.

A defesa nacional eas relações exterioresdevem ser vistascomo políticas de Es-tado, e não de gover-no. As discussões emtorno de tais temasnão podem ser influ-

enciadas por diferenças de opinião relaci-onadas com a disputa pelo poder no âmbi-to interno. É preciso que o interesse nacio-nal fique acima dos interesses eleitorais epartidários.

Todos os componentes doPoder Naval devem ser

desenvolvidos, em funçãoda crescente projeçãointernacional do País

A defesa nacional e as

relações exteriores devemser vistas como políticas deEstado, e não de governo

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

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MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

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Em 461 a.C., sentado em sua banca desapateiro, Cairos olha aquele homem

grande, ricamente vestido, cingindo espa-da, que entrara em sua oficina. Deixou deconvidá-lo a sentar-se porque a cadeira decliente estava ocupada por um par de sa-patos ainda preso ao molde. Saudou-o ofe-recendo atenção, respondeu seu nome econtou que fizera os protótipos dos sapa-tos dos hoplitas (soldados pedestres pro-tegidos por malhas metálicas e escudo,equipados de lança e arco-e-flecha), dasbotas dos carroceiros e das perneiras doscavaleiros para as fábricas que os fornece-ram ao Exército.

– Quem é o senhor?– Sou Iságoras, sirvo a Xerxes, basileu

de toda a Pérsia, e quero que me acompa-nhe com suas ferramentas ao palácio. Nadatema, quando o senhor foi citado ao basileu,

O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

ele me enviou aqui para dizer que precisado senhor.

Pouco depois estavam diante de Xerxes,sentado, calçando sapatos descasados, eeste foi direto ao assunto.

– Desejo sapatos que não me cansem,que não anunciem a desigualdade de mi-nhas pernas e me ponham em condiçõesmais favoráveis de habilidade física. Aindanão encontrei quem os fizesse.

Cairos pediu que trouxessem vários cal-çados do basileu, examinou cada pé de cadapar e perguntou:

– Senhor, quais são os materiais de suapreferência?

– Os mesmos que todos usam.Cairos pensou: “Além dos outros não

perceberem o artifício igualador criado pormim, Xerxes também não o perceberá quan-do estiver andando, embora desconfie ao

SERGIO LIMA YPIRANGA DOS GUARANYSCapitão de Mar e Guerra (Refo)

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O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

examinar o pé direito isoladamente. Somentequando segurar um par completo perceberávárias diferenças, mas não deixarei que saibaqual delas é a responsável pela correção.

Trabalhou um dia inteiro, fez seis pares,provou-os em Xerxes e marcou, em cada pé,sinais estranhos. Todos aumentaram a altu-ra de Xerxes, tinham palmilhas espessas etão macias que retardavam a noção de apoiono solo. Cada solado tinha a cinta verticalelevada o suficiente para impedir a deduçãovisual da distância interna entre a sola dopé e o chão. Fez mais seis pares, provouquatro deles e, em seguida, disse a Xerxes:

– O senhor pode calçar os dois que nãoprovei, esses são os corretos.

– Como você pode dizer isso sem eu calçá-los, portanto sem ver como ficaram em mim?

– Ao fim deste dia conheço seu pé es-querdo e seu pé direito profissionalmente,portanto melhor que o senhor, pois é mi-nha profissão e não é a sua.

Ato contínuo, Xerxes calçou um dos paresintocados, andou um pouco sobre o tapete,sobre o mármore, sobre a grama e sobre casca-lho. Ficou extasiado, saltou numa e noutraperna, flexionou a perna do fim do passo comose desse um toque de espada a fundo, alegrecomo não se sentia havia tempos.

– Cairos, assim como não descubro seusegredo, escondo de todos meu poder, essaé minha profissão. Posso e quero satisfazero maior desejo que você tenha e me informe.

– Em vez de dizer meu desejo, prefiro di-zer o sonho que sempre tive, sonho porquenunca seria realidade. Creio que assim nãoofenderei o senhor. Desde pequeno sonha-va ser o almirante de todas as esquadras, oGrande Almirante da Marinha da Pérsia.

– Cairos, neste instante nomeio você Gran-de Almirante da Marinha da Pérsia. Vamosdormir que já é muito tarde. Amanhã vocêvolta para casa, conversa com sua família,prepara sua mudança para a casa que meusconselheiros escolherem para você e os seus.

Enquanto isso meu alfaiate fará suas vestesprofissionais, e de hoje a seis dias você seráempossado. Até amanhã. E, agora que vocêé Grande Almirante, somente dará ordens aBacchylides, o atual Grande Almirante. Eledará as suas e as dele ao Vice-AlmiranteMisanias, de modo que nunca alguém saibase partiram dele ou de você. Ele obedecerá avocê devido a seu título, jamais direi a eleque respeite você, o título basta. Ele ensinarátudo o que você disser que deseja saber,acrescentará explicações que julgar neces-sárias. Quando você quiser mudar um proce-dimento dele, basta assinalar que é decisãosua. Posso confiar em suas decisões porquevocê mostrou habilidade com o próximo. Co-mentará com você treinos, aquisições e açõesdos outros países. Quando for empossado,você conhecerá seus subordinados. Sem quepeça, eles mostrarão tudo o que sabem, mas,até que esteja apto a combater o Ocidente,você será representado perante os contra-almirantes pelo Vice-Almirante Misanias.Todos pensarão que os planos, os movimen-tos e as novidades de atuação partem devocê. Você ocupará o posto da direção du-rante os exercícios, os desfiles serão volta-dos para você, que presenciará a saudaçãodos chefes, seguida pela transmissão porMisanias de suas ordens a eles.

Nos tempos seguintes, Misanias foi vis-to treinando os remadores, os velejadores,os carpinteiros e os arremessadores nasmanobras de aproximações, abordagens eafastamentos.

Quando estavam a sós, Cairos surpre-endeu Bacchylides:

– Preciso ver exercícios de ação coorde-nada entre os barcos mais leves da esquadracom outros ainda mais leves, transportadospelos grandes, ideia minha, chamando-os li-geiros, que somente se aproximarão do ad-versário após iniciado o enfrentamento comos adversários correspondentes, podendoentão atuar sem oposição. Mande construí-

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O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

los. Teremos de fazer ensaios com essas em-barcações para garantir que atuem surpreen-dentemente. Os senhores usam surpresa demodo terminante, eu de modo contínuo. Ima-gine que após iniciar o enfrentamento comum barco leve o inimigo só perceba a presen-ça do ligeiro quando os hoplitas dele estive-rem matando seus coordenadores.

Ponderou Bacchylides:– Esses ligeiros terão efeito duvidoso

em comparação com o custo de levá-los,mormente porque o efeito dos mais levesjá é desprezível e por vezes inútil havendovento fresco e espaço para os maiores.

– Serão decisivos quando não houvertempo fresco nem espaço para os maiores.E mesmo quando houver, o ligeiro aleijaráo leve caso mate o comandante, o timonei-ro ou o mestre dele. Além disso, não inicia-rei nem aceitarei combate quando não acharque as circunstâncias me favorecem.

Nem bem Bacchylides se refizera do es-panto causado pela ideia do sapateiro, ou-viu o seguinte:

– Não combaterei quem for mais forte noponto de contato nem quem não estiver en-frentando outros adversários noutros pon-tos. Não quer dizer que ficarei esperando asorte, pois você vai operar também váriosbarcos desarmados, velozes e disfarçadoscomo transporte de comerciantes. Estarãojunto aos navios de guerra de Atenas desdea Espanha até Antioquia e desde a Rússiaaté o Egito, indo e vindo para dizer ondeestão as forças deles. Nós faremos delasfraquezas se chegarmos com mais força emais mobilidade junto a alguma fração de-las, que estiver em luta contra a Liga Delianaou apoiando revoltas contra nós, talvez es-timuladas por nós se isso servir para afastá-la do restante das forças deles. Então ataca-remos essa fração para destruí-la e a outrassucessivamente. Esta ideia de enfrentar fra-ção em vez do todo, de agir sucessiva masnunca simultaneamente, pode muito bem ser

mantida até destruir a última fração, e entãoo todo terá deixado de existir.

Tempos depois, Cairos disse aBacchylides:

– Envie comitivas às Marinhas rivais daateniense, para seduzi-las com a glória dederrotá-la. Como glória não é poder, nadaperderemos de nossas posses nem elesganharão alguma posse, mas a possibili-dade de ganharem, graças a nosso enge-nho, respeito do inimigo perene. Será van-tagem dupla para nós, porque ganhamosapoio dos rivais e o negamos ao inimigo.

Nos seis anos após a posse de Cairos, aMarinha persa não combatera ninguém, mastreinara revezar remadores com hoplitas,mantendo com menos cansaço os dispositi-vos de engajamento e de abordagem. Trei-nara também obstrução de estreitos, cercode ilhas e penetração frontal, por ação si-multânea de barcos pesados com a escoltaleve integrada, ainda desconhecida dasMarinhas da época. Cada barco pesadopersa tinha duas escoltas de barcos leves,uma para afastar do pesado adversário aescolta dele, a outra para atacar o bordooposto ao atacado pelo pesado persa. Aabordagem era praticada próximo à linha-d’água, entre os remos. Já havia um arreme-do de castelo e outro de tombadilho, liga-dos por passarela a meia-nau, mas a pontede abordagem surgiu um século mais tarde.Houve treino de lanceiros e arqueiros napassarela. Cairos criou a catapulta para umabola de aniagem e breu em chamas, treina-mento conjugado com inversão de marchadas embarcações, a fim de anular risco defogo, do inimigo ou próprio. Seus capitãesnavegaram em barcos comerciais quantopuderam no litoral do Egito, nas ilhas doMar Egeu e no litoral sul da Pérsia, pois Ate-nas estava ocupando o ocidental. Os seisanos serviram para Cairos treinar o relacio-namento dele com o pessoal do mar, ondenão entendia do tempo, nem da navegação

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O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

nem do manejo, mas conseguiu movimentarcomo quis cada barco ou grupo de barcos.Em pouco tempo todos os comandantessentiram coerência nas ordens recebidas.

O mundo consumia trigo de três origens:da Rússia, via portos de alta latitude, namargem nordeste do temido Mar Negro; dadistante Sicília, no reino de Syracusa; e alido Egito, no delta do Nilo. A incorporaçãode Boeotia, Locris e Phocis, em 457 a.C., naAliança Ateniense, forçou Egina a ingres-sar na Liga Deliana e fez Atenas hegemôni-ca na Grécia Central,encorajando-a a tentarcontrolar o trigo doEgito, então compro-metido com a Pérsiapelos egípcios. A cir-cunstância favorável aCairos foi a decisãoateniense de apoiarmilitarmente a oposi-ção política egípciacontra a situação. Pelaprimeira vez, parte daMarinha ateniense,sob seu AlmiranteCleon, operaria longede suas bases, quasetão longe quanto aMarinha persa das bases dela. Cairos sealiara à Liga Deliana com Esparta, Tebas,Corinto e Egina, fruto das missões junto àsMarinhas rivais dos atenienses. Pediu aseus aliados que se mantivessem próximosa outras partes da Marinha ateniense, as-sim as entretendo, sem entrar em combateaté a chegada dele.

Partiu de Byblos em 455 a.C., direto paraInaros, com toda a Marinha persa. Os re-madores persas chegaram mais descansa-dos que os atenienses, graças ao percursomenor e ao revezamento criado por Cairos.

– Misanias, aborde com nossos leves eligeiros os leves atenienses como treina-

mos, destrua um atrás de outro, até que ospesados fiquem desprotegidos por leves.

– Assim estou fazendo, senhor.Após a destruição dos leves por com-

bate entre as tripulações, foi ininterrupta adestruição por incêndio do resto da fraçãoda ateniense, os pesados. Seguiu dali parao Peloponeso, área dominada por Esparta,onde descansou e aparelhou novamente aindene Marinha persa.

Buscou e encontrou em Oenophyta, empleno domínio ateniense, a outra fração da

ateniense que doisanos antes derrotarauma esquadra de Tebase Esparta.

– Misanias, inau-guremos a penetraçãofrontal.

– Senhor, estou ini-ciando pelos três pesa-dos mais avançados.

Com esta destruiçãototal da Marinhaateniense, Cairos devol-veu à Pérsia Samos eMileto, bem como oresto do litoral ociden-tal. Repartia com os ali-ados o domínio do Me-

diterrâneo Oriental, pois não viu vantagemna hegemonia e porque a Liga era dócil a ele.

Apresentando-se a Xerxes na capital,Susa, relatou a campanha e ouviu dele:

– Naquele dia em que você fez meussapatos, vi seus raciocínios e entendi quevocê empregaria bem qualquer técnica quelhe fosse entregue. Eu tinha gente para talentrega. Produzi um Grande Almirante!

– Senhor, minha gratidão é imensa. Sougrato ao senhor, sem sua direção eu nadaseria, nada teria feito. Fiz meu trabalho, es-tou idoso, fui bem tratado em cada um demeus dias à frente da Marinha persa. Peçoque me permita encerrar o serviço nela!

No mar ou em terra,Cairos nunca deixara o

modo meticuloso ecompleto de raciocinar que

havia feito dele o melhorsapateiro da Pérsia. Em

seis anos esse modo otransformou de melhor

sapateiro em melhoralmirante da história da

Pérsia

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O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<VALORES>; Comando; Conduta; Decisão; Qualidade;

– Agradeço o serviço prestado e conce-do seu término.

No mar ou em terra, Cairos nunca deixa-ra o modo meticuloso e completo de racio-

cinar que havia feito dele o melhor sapatei-ro da Pérsia. Em seis anos esse modo otransformou de melhor sapateiro em me-lhor almirante da história da Pérsia.

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A pergunta poderia soar estranha oudescabida, se não fosse o trágico aci-

dente com o avião da Air France. A mídianacional e internacional informou e comen-tou detalhes a respeito do infeliz aconteci-mento, e a Ilha de Fernando de Noronhamereceu destaque por causa do recolhimen-to dos destroços da aeronave sinistrada.

Antes, porém, de tratar do assunto, pare-ce conveniente lembrar qual é a aspiração oua pretensão do nosso país.

Uma nação, para pretender liderança nocenário mundial atual, necessita de atributose qualidades, entre os quais território exten-so, população elevada, vontade política dopovo e economia compatível (desenvolvi-da?). Therezinha de Castro expunha o temacom clareza nas suas conferências e citava,se a memória não me falha, os Estados Uni-dos, a Rússia, a China, a Índia, o Brasil e o

POR QUE FERNANDO DE NORONHA?– Voo 447 da Air France

MILTON SERGIO SILVA CORRÊACapitão de Mar e Guerra (Refo)

Canadá como países com essas característi-cas. Os três primeiros já haviam atingido osatributos, os demais eram aspirantes.

Desde o início do século passado, existe osonho de o Brasil vir a ter grande futuro, con-trariando o “gigante adormecido em berço es-plêndido”. Quando poderá acontecer? Ou jáestá ocorrendo? A resposta a esta última per-gunta tende a ser afirmativa quando constata-mos que a economia alcança índices melhoresnos dias atuais, conquanto muito aquém dospaíses do Primeiro Mundo. Mas também nãohá muita dúvida quando apresentamos o es-toque de energia elétrica, as reservas e a pro-dução de petróleo e de minérios, a safra agrí-cola e seu potencial na agroindústria, o esto-que de água e de minerais radioativos, o par-que industrial, o sistema bancário, e, entreoutros, a telecomunicação, o enriquecimentode urânio e a construção de submarinos.

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POR QUE FERNANDO DE NORONHA? – Vôo 447 da Air France

E a vontade política da população? Con-vém incentivá-la e mostrar os avanços obtidose a obter – é preciso pensar com grandeza, al-mejando um futuro próspero e o preparando.

Agora voltemos a Fernando de Noronha.Nos idos de 1986, assumia o Estado-Mai-

or das Forças Armadas o Almirante de Es-quadra José Maria do Amaral Oliveira, porperíodo de dois anos. Tive o privilégio deconhecer o que foi imaginado e desenvolvi-do como projeto para a Ilha, considerando oponto estratégico que ela representa. Foi cha-mado para gerente o Comandante DanielAcylino de Lima, conhecido pela praticidadee inteligência inatas. Do que me foi dado aconhecer, lembro-me que as empresas de en-genharia Andrade Gutierrez e Mendes Júniorfinanciaram o projeto, que foi desenvolvidopela Hidroservice, do Grupo de HenriMaksoud. A Ilha era contemplada com mui-tas melhorias, aproveitando o recurso natu-ral e ampliando-o, nunca o comprometendo.

Lembro-me de que houve definiçõesespecíficas para:

a) aeroporto – permitir pouso de jatoscomerciais internacionais;

b) cais – permitir a atracação de um oudois navios de turismo internacional;

c) energia elétrica – usina compatívelpara atender a todo o programado;

d) água – usina de dessalinização e cap-tação de chuva;

e) florestamento – plantio de árvoresadequadas, uma vez que quase nada haviade vegetação natural;

f) turismo e alojamento – construção dehotéis, sendo um de 4 estrelas, dois de 3estrelas e dois de 2 estrelas, que poderiamser adaptados para abrigar militares, emcaso de necessidade;

g) vigilância – radares, para atender ao ae-roporto e ao controle do espaço aéreo de inte-

resse do País; sonares e boias radiossônicas,destinados ao controle do trânsito de naviose submarinos para e do Atlântico Sul;

h) arruamento – adequado para a ativi-dade local, limitando a quantidade de veí-culos particulares; e

i) infraestrutura – preparação de esco-las para a população local, visando especi-almente à atividade turística.

Alguns meses antes do término da ges-tão do Almirante Amaral, que seria substitu-ído por um general de exército, foi indicadoe aceito o General Ivan Jejuhy Afonso daCosta, de elevado conceito e já na reserva,para substituir o Comandante Acylino nagerência do projeto. Infelizmente, o GeneralJejuhy não conseguiu, apesar de seus es-forços, tornar realidade o que havia sidoimaginado e desenvolvido no projeto.

“Pensar grande” era o que fazia e conti-nuou fazendo, até há poucos dias, o Almi-rante Amaral – digno representante brasi-leiro que vislumbra o futuro, honrado ho-mem que antevia ações para desenvolvero País e torná-lo grande.

Cabe, então, uma reflexão: em muito te-ria sido facilitada a tarefa de localizar e res-gatar o que restou do avião da Air France,incluídas aí as importantes “caixas-pretas”,se lá em Fernando de Noronha houvesseunidades da Força Aérea e da Marinha, comradares, sonares, navios-patrulha e todasas facilidades projetadas!

Cabe pensar, agora, em algo semelhantepara a Ilha e, por que não, para o Arquipélagode São Pedro e São Paulo, complementandoum sistema de vigilância que se aconselhapertinente e adequado a um País Líder.

Finalmente, é lícito mencionar o esforço, adedicação e a competência com que a ForçaAérea e a Marinha do Brasil se desincumbiramda triste tarefa de resgatar corpos e destroços.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ÁREAS>; Fernando de Noronha; Acidente; Força Aérea; Marinha do Brasil; Estratégia;

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SUMÁRIO

IntroduçãoBreve síntese, sob o prisma de interesse da indústria

nacional de defesaAlguns comentáriosO mecanismo das Golden Shares

A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E AINDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

FERNANDO MALBURG DA SILVEIRACapitão de Mar e Guerra (Refo)

INTRODUÇÃO

A Exposição de Motivos Interministerial(EMI) no 00437/MD/SAE-PR, de 17/12/

2008, destaca, dentre outros aspectos per-tinentes à adoção de uma Estratégia Naci-onal de Defesa (END) contemplando açõesestratégicas de médio e longo prazo, areestruturação da indústria brasileira dematerial de defesa, com o declarado propó-sito de “assegurar que o atendimento dasnecessidades de equipamento das ForçasArmadas apoie-se em tecnologias sob do-mínio nacional”.

O extenso documento anexo à EMI ela-borada pelo Ministro de Estado da Defesae pelo Ministro Chefe da Secretaria de As-suntos Estratégicos está organizado emduas partes, uma abordando sua Formula-ção Sistemática e a outra enfocando asMedidas de Implementação.

O presente artigo se propõe a ofereceruma apertada síntese dos pontos da ENDrelacionados à indústria de defesa e, em se-guida, tecer alguns breves comentários a res-peito e discutir em maior grau de detalhe aquestão da participação estatal (prevista nodocumento) nos empreendimentos do setor.

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

BREVE SÍNTESE, SOB O PRISMADE INTERESSE DA INDÚSTRIANACIONAL DE DEFESA

No texto da END (disponível emwww.defesa.gov.br) destaca-se, na partereferente à Formulação Sistemática, a metade organizar a indústria de material de de-fesa com a finalidade de “assegurar a auto-nomia operacional para as três Forças”.Esse desiderato se coaduna com o que odocumento descreve como sendo um doseixos estruturantes da Estratégia, qual sejao uso de tecnologias de domínio nacional,como acima mencionado.

Ao enunciar suas Diretrizes, a END em-presta destacada ênfase à conquista decapacitação tecnológica autônoma, tecen-do considerações sobre a criação de umregime jurídico, regulatório e tributário emproteção às empresas privadas do setor dedefesa, com vistas a amparar a continuida-de das compras públicas dirigidas ao se-tor; apoiar a formulação e execução de umapolítica de aquisição de produtos de defe-sa centralizada no Ministério da Defesa;incentivar a competição em mercados ex-ternos, visando aumentar a escala de pro-dução; as parcerias tecnológicas com ou-tros países, priorizando os experimentosbinacionais; e outras considerações igual-mente ambiciosas.

Ao enfocar a Reorganização da Indús-tria Nacional de Material de Defesa sob oprisma do desenvolvimento tecnológicoindependente, a END prioriza os desenvol-vimentos que gerem tecnologia nacional;subordina as considerações comerciais aosimperativos estratégicos; incentiva a pes-quisa de vanguarda (o que pode ser enten-dido como um estímulo à produção repre-sentativa do “estado da arte”); recomendao estabelecimento de regimes legal, tribu-tário e regulatório especiais para as empre-sas do setor, de modo a eximi-las do regime

geral de licitações públicas e protegê-lasde contingenciamentos orçamentários dogoverno. Estabelece, todavia, comocontrapartida, a partição de poder entre aempresa privada e o Estado – que, por meiode instrumentos de direito privado (comoa aquisição de golden shares) e de direitopúblico (licenciamentos regulatórios), pas-saria a dispor de poderes especiais na ad-ministração e nos negócios da empresa. Omesmo capítulo disserta ainda sobre a exis-tência de uma componente estatal da in-dústria de defesa, com vocação para pro-duzir o que o setor privado não possa pro-jetar e fabricar rentavelmente; fala do auxí-lio estatal para a conquista de clientela es-trangeira; da necessidade do Estado admi-tir a produção sob o regime de “custo maismargem”, mas sob intenso escrutínioregulatório (o que implica a participaçãodo Estado na formação e regulação de pre-ços dos produtos de defesa); destaca queas parcerias do Brasil com o mundo exteri-or mais desenvolvido dar-se-ão não maisna forma de cliente ou comprador, mas simcomo parceiro tecnológico, de modo a re-duzir progressivamente a compra de servi-ços e produtos no exterior; e disserta so-bre a relevância da formação de recursoshumanos especializados em tecnologias dedefesa, dentre outras considerações. Alémdisso, cria uma Secretaria de Produtos deDefesa no MD, a ser incumbida de formu-lar e dirigir uma política de obtenção deprodutos de defesa capaz de aperfeiçoar odispêndio de recursos, assegurar a obser-vância das diretrizes de alto nível da END egarantir a primazia do desenvolvimento dacapacitação tecnológica nacional nas de-cisões de compras. A extensa lista de açõesa empreender não deixa de enfatizar, comotantas vezes já se ambicionou no passado,a necessidade de fomentar o desenvolvi-mento de um complexo militar-empresarial-universitário “capaz de atuar na fronteira

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

de tecnologias que terão quase sempre uti-lidade dual, militar e civil”.

Na parte voltada para as Medidas deImplementação da sistemática formulada,é inicialmente descrito um contexto no qualse identificam como vulnerabilidades daatual estrutura de defesa do País (dentremuitas outras) a insuficiência edescontinuidade na alocação de recursosorçamentários para a defesa; aobsolescência do material das Forças Ar-madas e sua dependência logística exter-na; a ausência de uma direção unificadapara a aquisição de produtos de defesa; oslimitados recursos destinados à pesquisatecnológica e ao desenvolvimento de ma-terial bélico; a ausência de planejamentocapaz de integrar centros de pesquisa deuniversidades, indústria e Forças Armadaspara o desenvolvimento de produtos deelevado conteúdo tecnológico; ainexistência de regras claras que priorizema indústria nacional, no caso de produtosfabricados no País; a excessiva carga tri-butária incidente sobre esses produtos,favorecendo a importação; as dificuldadesde financiar a indústria nacional do setor;os bloqueios tecnológicos impostos porpaíses desenvolvidos; e a ineficiência dossistemas nacionais de logística emobilização. Para superar essasvulnerabilidades, a END sugere maiorengajamento da sociedade brasileira nosassuntos de defesa; defende a regularida-de e continuidade da alocação de recursosorçamentários para a defesa, o adequadoaparelhamento das Forças Armadas para ocumprimento da missão e a otimização dosesforços de pesquisa e desenvolvimentoafetos ao setor, novamente enfatizando aintegração das instituições nacionais ca-pazes de contribuir nesse sentido; reitera anecessidade de um regime jurídico especi-al para a indústria de defesa; enfatiza ocondicionamento das aquisições no exte-

rior a uma “transferência substancial detecnologia”; e adota várias outras medi-das voltadas para a redução dos fatores defraqueza identificados. Muitas delas, aliás,são reforçadas e novamente enfatizadas nocapítulo voltado para a política de ciência,tecnologia e inovação de interesse para adefesa nacional.

No capítulo das Medidas de Implemen-tação especificamente dedicado à Indús-tria de Material de Defesa, é de início res-saltado que a relação entre Ciência,Tecnologia e Inovação na área de defesa éfortalecida pela Política de Desenvolvimen-to Produtivo – PDP (lançada em maio de2008, contemplando 32 áreas), coordenadapelo Ministério do Desenvolvimento, In-dústria e Comércio Exterior, e que o progra-ma estruturante do Complexo Industrial deDefesa está sob a gestão do Ministério daDefesa e sob a coordenação do Ministérioda Ciência e Tecnologia. É no contexto des-sa intrincada estrutura que o referido pro-grama deverá se desenvolver, com o decla-rado objetivo de “recuperar e incentivar ocrescimento da base industrial instalada,ampliando o fornecimento para as ForçasArmadas brasileiras e exportações”. Qua-tro desafios são a seguir identificados paraa consecução do objetivo: aumentar osinvestimentos em pesquisa, desenvolvi-mento e inovação; promover isonomia tri-butária em relação a produtos e materiaisimportados; expandir a participação nosmercados interno e externo; e fortalecer acadeia de fornecedores no Brasil. Da PDP,é extraído e listado um conjunto de açõessugeridas como auxiliares na superaçãodos desafios, consistindo na ampliação dascompras nacionais, expansão e adequaçãodo financiamento, promoção das vendas ecapacitação de empresas brasileiras e for-talecimento das bases de pesquisa, desen-volvimento e inovação tecnológica. Final-mente, é destacado que a superação dos

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

desafios requer a atualização da PolíticaNacional da Indústria de Material de Defe-sa, mas não são explicitados os aspectos aconsiderar nessa atualização.

São, em sequência, enunciadas as AçõesEstratégicas que orientarão a implemen-tação da END. Essas estratégias são agru-padas sob as áreas de Ciência e Tecnolo-gia, Recursos Humanos, Ensino, Mobili-zação, Logística, Indústria de Material deDefesa, Comando e Controle, Adestramen-to, Inteligência de Defesa, Doutrina, Mis-sões de Paz, Infraestrutura, Garantia da Leie da Ordem, Estabilidade Regional, Inser-ção Internacional e Segurança Nacional.Destacaremos apenas, nos grupos acima,as ações que possam dizer respeito, ouinteragir, com a indústria de defesa.

Sob o grupo Ciência e Tecnologia en-contram-se ações do MD, bastante ambi-ciosas, voltadas para incentivar parceriasestratégicas com países que possam con-tribuir para o desenvolvimento detecnologias de ponta de interesse para adefesa, e para, em coordenação com diver-sos ministérios e com as Forças Armadas,“estabelecer ato legal que garanta aalocação, de forma continuada, de recur-sos financeiros específicos que viabilizemo desenvolvimento integrado e a conclu-são de projetos relacionados à defesa na-cional, cada um deles com um polointegrador definido, com ênfase para o de-senvolvimento e fabricação, dentre outros,de ...” (segue-se extensa lista de meios bé-licos, incluindo aeronaves de caça e trans-porte; submarinos de propulsão conven-cional e nuclear; armamentos inteligentescomo mísseis, bombas e torpedos; veícu-los aéreos não tripulados; sistemas de co-mando e controle e segurança das infor-mações; radares; equipamentos de guerraeletrônica; equipamentos individuais e sis-temas de comunicação do “combatente dofuturo”; veículos blindados; helicópteros

de transporte de tropa, de reconhecimentoe de ataque; munições; e sensores óticos eeletro-óticos).

Sob o grupo Logística, destacamos aação mediante a qual o MD proporá a mo-dificação de sua estrutura para criar o ór-gão subordinado encarregado de definir eexecutar a política de obtenção de produ-tos de defesa, já antes mencionado.

No grupo Indústria de Material de De-fesa, a ação estratégica eleita é sintetizadaem “compatibilizar os esforços governa-mentais de aceleração do crescimento comas necessidades da Defesa Nacional”. Paraesse fim, o “PAC da Defesa” (denomina-ção dada pelo autor) exigirá do MD, emarticulação com vários outros ministérios,as ações de: (1) propor modificações nalegislação referente ao regime jurídico eeconômico especial que deverá regular asaquisições de produtos de defesa, sendoexplicitamente mencionada a alteração daLei 8.666/93 (Lei de Licitações) – quesabidamente representa sério entrave aosprocessos de obtenção de materiais e ser-viços em todo o setor público, e não só node defesa; (2) propor modificações na le-gislação tributária, visando desonerar aprodução de itens de interesse prioritáriopara a defesa e para a exportação; (3) pro-por modificações na legislação referente alinhas de crédito especial, via Banco Naci-onal de Desenvolvimento Econômico eSocial (BNDES), para produtos de defesa;e (4) propor modificações na legislação re-ferente aos procedimentos de garantia decontratos de exportação de produtos dedefesa de grande vulto.

No capítulo de Disposições Finais, a ENDestabelece que os documentos complemen-tares e decorrentes, listados sob a forma detarefas a realizar, deverão ser prontificadosao longo de 2009 (com a única exceção dosPlanos Estratégicos que servirão de base paraos Planos de Campanha dos Comandos con-

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

juntos, a serem elaborados até o final de 2010),com prazos até março para um conjunto deoito tarefas, até junho para nove tarefas e atésetembro para uma tarefa. Dado que não sãotarefas triviais, todas requerendo volumososestudos e intensas coordenações interminis-teriais, parece residir nesse cronograma par-cial de implementação o primeiro grande tes-te de consistência e viabilidade do ambicio-so plano governamental.

ALGUNSCOMENTÁRIOS

A leitura completado documento revelaalgumas concepçõesestratégicas inovado-ras no que concerne,por exemplo, à dispo-sição das forças, à es-trutura de comando eà priorização de cená-rios. Embora algumasdelas possam ser atra-entes para discussão,sua análise fugiria aoobjeto deste artigo e àcompetência do autor.

Sob o prisma de in-teresse da indústria dedefesa, a END não éexatamente inovadora.Na verdade, ela cole-ciona – e traz de voltaà superfície – um conjunto de ideias que,ao longo das décadas recentes, têm sidolevantadas com razoável frequência, sejano âmbito isolado de uma das Forças, ouem tentativas integradas (como no extintoEstado-Maior das Forças Armadas – Emfa),ou ainda em associações de indústrias(como a Associação Brasileira das Indús-trias de Material de Defesa – Abimde). Esseesforço de amalgamar e conferir peso es-

tratégico a tais ideias – bastante adequa-das aos fins pretendidos – não deixa, noentanto, de ser meritório; resta saber seserá profícuo.

Para apostar na probabilidade de pros-perarem várias das proposições, há quecontar com boa dose de otimismo. A apre-ciação histórica de iniciativas passadas,porém, não contribui nessa direção, mor-mente em razão da escassez de recursos; e

tampouco contribuempara tanto as perspec-tivas de dominação detecnologias, na formaproposta.

Outro ponto crucialreside na baixa proba-bilidade de serempriorizados vultososinvestimentos gover-namentais para fazerressurgir um parqueindustrial de materialbélico de porte com-patível com as ambici-osas dimensões daEND, quando sabi-damente a prioridadegovernamental é – enão há indícios de queisto venha a mudar –voltada para os pro-gramas sociais. Quan-to ao capital privado,sua aplicação no setor

de defesa é sensivelmente função da con-fiança dos empresários em poder contarcom um porte expressivo e contínuo deencomendas governamentais, mas aendêmica escassez de recursos orçamen-tários para as Forças Armadas – recente-mente melhorada, mas ainda escassa – nãoparece estimular a iniciativa privada. Adescontinuidade e a rarefação de encomen-das são venenos mortais para qualquer in-

Quanto ao capital privado,sua aplicação no setor de

defesa é sensivelmentefunção da confiança dosempresários em podercontar com um porte

expressivo e contínuo deencomendas

governamentais, mas aendêmica escassez de

recursos orçamentáriospara as Forças Armadas –recentemente melhorada,mas ainda escassa – não

parece estimular ainiciativa privada

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

dústria; e o fato de ter sido eleita a reorga-nização da indústria nacional de defesacomo um dos eixos estruturantes da novaEND agrega históricas preocupações quan-to ao seu sucesso. Aí reside, talvez, a maisdesejável participação do Estado: assegu-rar encomendas com vulto expressivo econtinuidade. Se o Estado não puder alocarsubstanciais recursos às encomendas demeios de defesa, esse eixo perde robustez,e, com sua debilitação, debilita-se a pró-pria END.

A diretriz voltada para a “capacitação daindústria de defesa para que conquiste auto-nomia em tecnologias indispensáveis à defe-sa” é sempre desejável, mas mostra-se umtanto vaga e pretende buscar sustentaçãonum regime jurídico e tributário especial ca-paz de assegurar a continuidade das com-pras públicas, exigindo, porém, emcontrapartida, que o Estado possa exercerseu poder estratégico sobre as empresas as-sim protegidas. Tentativas passadas de con-ceder a empresas estatais um regime jurídicoespecial que lhes permita desatar os nós im-postos pela Lei de Licitações têm esbarradoem contestações e questionamentos diver-sos, inclusive no Tribunal de Contas daUnião. Por sua vez, a interferência do Estadona estratégia e na administração de empre-sas privadas – que a END traduz como “su-bordinar as considerações comerciais aos im-perativos estratégicos” – não tem contadocom a simpatia dos empresários, sempre aten-tos aos riscos da submissão do capital aosinteresses governamentais. Outrossim, amesma diretriz declara que ao setor estatal dematerial de defesa será atribuída a missão deoperar “no teto tecnológico”, o que pode sertraduzido como conviver com o “estado daarte” da indústria bélica, ou seja, com um dosníveis de desenvolvimento tecnológico maisavançados do mundo. Seria essa missão,mesmo que amparada por estreita coopera-ção com centros nacionais avançados de

pesquisa, exequível sem longos e vultososinvestimentos?

A conquista de mercado externo, bas-tante incentivada pela END, é sem dúvidaum importante lenitivo para amenizar as li-mitações internas, mas é improvável queprosperem vendas ao exterior sem que osclientes em potencial constatem que se tratade produtos solidamente adotados pelasForças Armadas do país que pretendevendê-los. Em outras palavras, primeiro háque consolidar uma expressiva demandainterna, para só então ambicionar exporta-ções. Este mecanismo dificilmente funcio-na ao contrário.

Esse incentivo à busca de mercado ex-terno é também expresso na END pela “bus-ca de parcerias com outros países, com opropósito de desenvolver a capacitaçãotecnológica e a fabricação de produtos dedefesa nacionais, de modo a eliminar, pro-gressivamente, a compra de serviços e pro-dutos importados”. A consolidação daUnião de Nações Sul-Americanas (Unasul)é mencionada como capaz de “atenuar atensão entre o requisito da independênciaem produção de defesa e a necessidade decompensar custo com escala, possibilitan-do o desenvolvimento da produção de de-fesa em conjunto com outros países da re-gião”. Cabem dois comentários sobre essaambição: o primeiro é que os países deten-tores de tecnologia não costumam se incli-nar na direção da cessão de tecnologiasque lhes tire mercado (especialmente seforem tecnologias de ponta, “estado daarte”); o segundo é que, mesmo que seadmita a consolidação da Unasul (impro-vável, na opinião do autor), seus membrossão muito mais carentes de tecnologia doque nós, e as parcerias – “experimentosbinacionais”, como qualifica a END – quevenham a se desenvolver nesse cenáriotendem a ser de auxílio aos menos desen-volvidos, mas não de obtenção de novas

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capacitações. A propósito de experimen-tos binacionais, lembremos que não foi oacordo nuclear Brasil-Alemanha que nostrouxe a capacitação para enriquecer urâ-nio e desenvolver uma planta de propul-são nuclear, mas sim o denodado e sofridoesforço da Marinha do Brasil (MB).

A propósito do nível de ambição da END,observemos a síntese dos objetivos esta-belecidos para a Marinha do Brasil. Paraconquistar a capacitação desejada para ne-gar o uso do mar ao inimigo, controlar áreasmarítimas e projetar poder, a END delineiaforça naval dotada de: (1) força submarinade envergadura, com-posta por submarinosconvencionais e nu-cleares, sob projeto econstrução nacionais;(2) meios de FuzileirosNavais de pronto em-prego, caracterizadoscomo “força de caráterexpedicionário por ex-celência” capaz deoperar no cenário na-cional e internacional;(3) força de superfíciecomposta por naviosde grande porte, volta-dos para longa perma-nência no mar, e de pe-queno porte, para patrulhamento do litoral erios, sendo mencionados o requisito decapacitação para operar em conjunto com aForça Aérea para – em conjunto com a avia-ção naval, para a qual a END vislumbra odesenvolvimento nacional de aeronave ver-sátil de defesa e ataque – garantir a superi-oridade aérea local em zonas deflagradas eo requisito de ser dedicada especial aten-ção ao projeto de navios de propósitos múl-tiplos, capazes de servir também como na-vios-aeródromos (a serem preferidos aosNAe convencionais, de dedicação exclusi-

va). São também metas voltadas para a MBas referentes à instalação de novas basesnavais, uma na foz do Amazonas e outraspara acomodar os submarinos convencio-nais e de propulsão nuclear. Embora pos-sam soar como música aos ouvidos mari-nheiros, essas metas parecem maisconsentâneas com países mais ricos e emestágio de desenvolvimento bem mais avan-çado. Em termos de Brasil, país de recursosainda limitados, elas competirão com as ver-bas necessárias a manter vivos os progra-mas sociais do governo. Para que se logrealgum sucesso em tal competição, há que

desenvolver, na socie-dade e no Congresso,uma mentalidade ade-quada, o que, presen-temente, parece dis-tante (a menos que seconfigure uma ameaçaexterna bem visível).

O enunciado dasAções Estratégicasvoltadas para o setorde Ciência e Tecnolo-gia permite inferênciassimilares. Além das“parcerias estratégi-cas com países quepossam contribuirpara o desenvolvimen-

to de tecnologias de ponta de interesse paraa defesa” (não visíveis na América Latina epouco oferecidas no mundo desenvolvi-do), constata-se que a obtenção da exten-sa lista, já comentada no item anterior, demeios bélicos modernos requer a coorde-nação da Forças Armadas e dos ministéri-os da Defesa, Fazenda, Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior, Planejamen-to, Orçamento e Gestão, Ciência eTecnologia e Secretaria de Assuntos Es-tratégicos da Presidência da República para“estabelecer ato legal que garanta a

Lembremos que não foi oacordo nuclear Brasil-

Alemanha que nos trouxe acapacitação para

enriquecer urânio edesenvolver uma planta depropulsão nuclear, mas sim

o denodado e sofridoesforço da Marinha do

Brasil

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alocação, de forma continuada, de recur-sos financeiros específicos que viabilizemo desenvolvimento integrado e a conclu-são de projetos relacionados à defesa na-cional, cada um deles com um polointegrador definido, com ênfase para o de-senvolvimento e a fabricação” daquelesmeios. Não fica muito claro o que seria esse“ato legal”, a nascer de tão colossal ehercúlea tarefa multiministerial. Provavel-mente não se cogita de criar tributos paraalimentar o setor de defesa, pois isto nãocontaria com a simpatia da sociedade...

É bastante óbvio que nenhuma dessasambições visa ao curto prazo, e provavel-mente nem ao médio prazo. Resta torcerpara que o governo –o atual e seus suces-sores – as tornem, nojargão castrense, exe-quíveis e aceitáveis,ainda que a muito lon-go prazo.

Não obstante opessimismo de algunsdesses comentários, éinegável que a ENDexpressa muitos dos desejos de nossas For-ças Armadas no que tange à indústria dedefesa. Deixando para o leitor o julgamen-to das reais probabilidades desse planoestratégico lograr êxitos num horizontetemporal razoável, passemos a comentar aquestão da participação estatal nos empre-endimentos empresariais de defesa.

O MECANISMO DAS GOLDENSHARES

Tem sido objeto de discussão, em tem-pos recentes, a questão da possível parti-cipação governamental em indústrias deelevado interesse estratégico para o Paíse, dentre elas, na Indústria de Material deDefesa. Nessas discussões tem sido aven-

tada a possibilidade de se lançar mão domecanismo – explicitamente consideradona END – proporcionado pelas goldenshares para viabilizar a participação do go-verno, o que estimula oferecer uma abor-dagem conceitual sobre essa forma de par-ticipação estatal nos negócios privados edebater sua aplicabilidade ao caso brasi-leiro, apontando alguns possíveis óbicesao sucesso de iniciativas da espécie e su-gerindo como contorná-los.

Golden share é uma expressão criadapara designar um dado número de açõesnominativas detidas pelo Estado numaempresa pública de capital 100% governa-mental, quando submetida a um processo

de privatização (parci-al ou total) que a trans-forma em SociedadeAnônima S/A. A pos-se desses títulos con-fere ao governo direi-tos especiais ou espe-cíficos, possibilitandoa ingerência governa-mental em decisões denatureza estratégica

da empresa privatizada, tais como as volta-das para fusões, aquisições, alterações derazão social, recomposição do quadro deacionistas, vendas de patrimônio ou desubsidiárias, dentre outras. Note-se que,se a privatização for parcial (caso em que ogoverno vende apenas uma parte de suasações), a empresa pública (antes 100% es-tatal) dá lugar a uma empresa de economiamista, na qual o governo mantém algumpercentual de participação societária; se aprivatização for total, surge uma empresaprivada.

Historicamente, esse mecanismo de in-gerência do poder público em empresas co-meçou a ser pensado nos idos de 1970, naEuropa, quando foi notável um forte movi-mento de retirada do Estado da atividade

É inegável que a ENDexpressa muitos dos

desejos de nossas ForçasArmadas no que tange à

indústria de defesa

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econômica. O Estado produtor cedia lugarao Estado regulador, mas alguns de seusinteresses deviam ser preservados nas em-presas estatais estratégicas privatizadas.Nos anos 80, o governo conservador britâ-nico reteve ações de estatais privatizadas emanteve o poder de nomear membros daadministração e dos conselhos, bem comoassegurou o poder de vetar decisões estra-tégicas do tipo mencionado no parágrafoprecedente. Outros países europeus segui-ram o exemplo, e assim também fez a Rússiana transição do regime soviético para o ca-pitalista, no início dosanos 90. No Brasil, sãoexemplos expressivosde uso de instrumen-tos defensivos dos in-teresses do Estado osestatutos da priva-tização de importantesempresas estatais,como a Embraer e aVale do Rio Doce. Ou-tras experiências, comoa dos EUA – país maisvoltado para o libera-lismo econômico –, to-maram a forma de leisou atos de governorestritivos ao exercíciode certas atividades de alto interesse estra-tégico, mormente as ligadas à segurança na-cional, reservando-as a empresas cujo con-trole acionário esteja totalmente em mãosde cidadãos norte-americanos (exemplo: fa-bricação de papel-moeda, que nos EUA nãopode ser importado nem produzido por fir-mas compostas por estrangeiros, pois a fa-bricação do dólar é considerada como es-trategicamente relevante para a segurançanacional).

A posse de golden shares implica direi-to de outvote – entenda-se como direito deveto – sobre todas as demais ações da

empresa nas assembleias de acionistas.Esse mecanismo, justificável e explicávelnos processos de privatização diante dofato de que os investimentos feitos até omomento da privatização são de origemgovernamental (pública, portanto), é refle-tido em cláusulas específicas do ContratoSocial da empresa privatizada, com aanuência expressa dos novos acionistas;e os direitos conferidos ao agente estatalpor essas cláusulas não requerem que ocapital governamental seja necessariamen-te majoritário.

Na maioria dos ca-sos, esses direitos sãotemporários, extin-guindo-se depois dedecorrido um períodode adaptação da em-presa ao mundo priva-do e às leis de merca-do. Podem, todavia,ser lavrados de formapermanente, quando aatividade da empresafor considerada de na-tureza estratégica mui-to relevante em facedos interesses nacio-nais; ou podem se tor-nar naturalmente per-

manentes, se for criada uma empresa deeconomia mista na qual o governo possuamaioria do capital (o que, teoricamente, dis-pensa a existência de golden shares).

A experiência mostrou-se válida em mui-tos casos, mas em muitos outros, comoocorreu na União Europeia nos anos 2000,passou a ser considerada como colidentecom o princípio de livre mercado e livrecirculação de capitais, pilares da livre inici-ativa. Cortes europeias deliberaram pela ile-galidade de vários casos, como, por exem-plo, o das ações do governo inglês na BAAe nos aeroportos britânicos; e as do go-

Historicamente, essemecanismo de ingerência

do poder público emempresas começou a ser

pensado nos idos de 1970,na Europa, quando foi

notável um fortemovimento de retirada do

Estado da atividadeeconômica

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verno espanhol na Telefónica, na RepsolYPF, na Endesa e outras, gerando ques-tões muito polêmicas em face de dispositi-vos constitucionais. Em época recente, oTribunal de Justiça da UE veio a firmar ju-risprudência de que, em situações de rele-vante interesse nacional, o mecanismo dasgolden shares é admissível, desde que – eisto é muito importante – esse mecanismoseja refletido nos estatutos de forma talque garanta aos acionistas investidores acerteza de que o Estado exercerá seus di-reitos de forma objetiva, estritamente vin-culada aos altos interesses nacionais e isen-ta de objetivos políticos internos, sejameles político-partidários ou ideológicos.

Não ficou afastada, porém, a possibili-dade de, em caso de uso inadequado (ouabusivo) desses poderes discricionários,vir o Estado a responder por danos por elecausados (ou a ele imputáveis) à atividadeempresarial privada.No caso brasileiro, háque dar especial atenção ao que reza a leisocietária 6.404/76, em seu artigo 159: aassembleia geral poderá decidir pela pro-posição de ação judicial contra o adminis-trador, em razão de prejuízos causados àempresa; e aí pode se encontrar o Estado,ao exercer, nos conselhos de administra-ção ou nas diretorias, seu poder de vetocontra alguma deliberação da assembleiade acionistas. Esse dispositivo legal tornaa adoção das golden shares em nosso paísuma matéria extremamente delicada. Podeconfigurar casos em que o poder público,se tiver seu veto ignorado pela maioria dosacionistas, venha a se envolver em com-plexas lides judiciais para anular decisõesde assembleia contrárias aos seus interes-ses, de vez que a mensuração precisa eobjetiva dos alcances desses interessesnem sempre é matéria pacífica; e pode tam-bém dar margem a casos em que o Estadoseja alvo de ação judicial impetrada por in-vestidores prejudicados.

É reconhecidamente saudável e moder-na a progressiva retirada do Estado da ati-vidade econômica produtiva, reservando-se apenas ao papel regulador. Seria equi-vocado supor, porém, que isso impliquetotal alheamento do processo produtivo,sendo razoável que o governo procure me-canismos que lhe permitam alguma formaaceitável de intervenção na atividade eco-nômica (ao estilo keynesiano, como se vêna atual crise econômico-financeira de di-mensão planetária); mas o ponto de equilí-brio (que o empresariado prefere ver comoum mínimo de ingerência) ainda é matériade muita discussão. Além de ser delicado,esse ponto de equilíbrio é intrinsecamentepolêmico, pois em muitos casos a partici-pação do governo no capital será repre-sentada por um percentual de ações redu-zido em proporção ao capital total da em-presa – ou seja, capital minoritário –, que,todavia, estará investido de poderes espe-ciais (que, em geral, só a parcela majoritáriados acionistas regulares costuma poderexercer).

No caso brasileiro, pelo menos em tese,não se evidencia a inconstitucionalidade domecanismo em questão. A Constituição de1988 não contempla, no tratamento da or-dem econômica e nos processos dedesestatização, óbices à criação de poderespúblicos especiais nas entidadesprivatizadas, nem os considera antagônicosà transformação do Estado produtor em Es-tado regulador. De fato, ao exercer seu po-der de veto (se o tiver), pode-se entenderque o Estado estará atuando como regula-dor. Não obstante, a Constituição Federalnão respalda de forma meramente genéricaa criação de ações preferenciais nominativasgovernamentais nas privatizações: segun-do os dispositivos constitucionais, há queestar bem justificada a razão da permanên-cia do poder público como agente capaz deinterferir decisivamente na condução dos

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rumos da empresa privatizada; e a legitimi-dade jurídica dos atos dos agentes do go-verno não fica isenta de questionamento.

Sobre este último ponto, é oportuno vol-tar a considerar a Lei das S/A, em seu arti-go 159. Reside aí um dos aspectos maiscomplexos da questão. Se, na sua atuaçãoreguladora, o agente do Estado exerce opoder de veto sobre decisões de alto pesonos rumos da empresa, fica caracterizada aresponsabilidade estatal sobre essa inge-rência. Nessas circunstâncias, não é des-prezível a hipótese de vir a ser questiona-da a legalidade da ação desse agente, soba alegação de uso indevido – abusivo, ar-bitrário, viciado oucontaminado por des-vios ideológicos, porexemplo – do poder deveto; e essa hipóteseé tanto mais verdadei-ra quanto mais adver-samente afetados fo-rem os lucros dos aci-onistas (na forma deredução, ou prejuízos,decorrentes da deci-são do agente do Es-tado). Se a Justiça entender que houve ile-galidade, o Estado é responsabilizado – epode ser onerado – pelo ato ilícito e porsuas consequências, e o ônus pode recairsobre o contribuinte, em geral alheio a es-sas circunstâncias mercadológicas.

Do mesmo modo, também não édespicienda a possibilidade de o Estado (ain-da que minoritário, mas possuidor de açõespreferenciais que lhe confiram direitos es-peciais, como as golden shares) vir a recor-rer à Justiça para anular deliberações deassembleias de acionistas sobre assuntosque tenham sido motivo de manifestaçãoestatal contrária. Isso pode ocorrer no casode vetos previamente manifestados e nãoacatados, ou no caso de não ter havido a

oitiva prévia do poder público dotado des-ses poderes especiais. Desde que observa-do o prazo prescricional previsto na leisocietária, é legítima essa linha de ação go-vernamental, à medida que seja inequivoca-mente demonstrado que o interesse públicofoi prejudicado pelas decisões dos acionis-tas majoritários.

Como se depreende, não é isenta de in-tempéries essa preservação de alguma pre-sença governamental gerencial na ativida-de econômica das empresas privatizadas.

Quando não se tratar de privatizações,o assunto apresenta complexidades aindamaiores. Nas privatizações, o ente desesta-

tizante, além de sergoverno, desfruta, atécerto ponto, de condi-ção privilegiada, po-dendo colocar seupeso na redação dosartigos estatutáriosque irão refletir seuspoderes especiais(mesmo que venha aser uma participaçãoacionária minoritária).Quando a empresa

alvo já nasceu na condição de empresa pri-vada, mas por alguma razão desperta o in-teresse do governo em ter alguma partici-pação – na forma de golden shares, porexemplo – na condução dos seus rumos, asituação é outra.

De fato, a evolução da atividade econô-mica pode estimular a participação (ou ageração) de empresas genuinamente pri-vadas voltadas para ramos de negócios quesejam de elevado interesse estratégico parao País. Como exemplos (não exaustivos),tem-se a participação privada nas ativida-des de geração e distribuição de energia,na prospecção de recursos minerais, notransporte de cargas e passageiros, nascomunicações e na defesa nacional, foco

É reconhecidamentesaudável e moderna a

progressiva retirada doEstado da atividade

econômica produtiva,reservando-se apenas ao

papel regulador

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

deste artigo. Identificada a conveniênciada presença governamental para, ainda quea título regulatório, ter ingerência na con-dução desses negócios, o governo terá quenegociar com os acionistas (nacionais e/ou estrangeiros) das empresas de interes-se. Dependendo, então, da proporção rela-tiva de sua participação no capital, podetornar-se difícil (ou pouco expressiva) aconcretização estatutária de seus poderesespeciais. Os empresários, os acionistasmajoritários, tentarão sempre minorar opoder estatal de ingerência nos seus ne-gócios e procurarão cláusulas defensivasdos interesses dosportadores majoritári-os dos quinhões decapital, dificultando aconcretização dos de-sejos de ingerência doEstado. A postura de-fensiva do empresa-riado é particularmen-te influenciada pelaavaliação da serieda-de e da credibilidadedo Estado na condu-ção de seus própriosnegócios. Nas socie-dades mais desenvol-vidas (e aqui se pode dar novamente comoexemplo a União Europeia), a articulaçãogoverno/iniciativa privada é bastante faci-litada pelas abundantes evidências depriorização dos interesses mais legítimosdo Estado, pela fiel aderência a esses inte-resses e pelo respeito aos contratos queos envolvam. O mesmo não se pode dizerno caso de sociedades ainda longe de se-rem consideradas desenvolvidas sob ospontos de vista econômico, político e soci-al. Se as posturas governamentais revela-rem motivos para incertezas, dúvidas quan-to à aderência aos termos das avenças,polarização ideológica das decisões e ou-

tros fatores incompatíveis com as boas prá-ticas do mercado, a convergência de inte-resses não ocorrerá; ou só ocorrerá se es-tiverem muito bem defendidos – contraaquelas incertezas – os interesses dos aci-onistas investidores.

Para entender o receio ou a desconfian-ça dos investidores ao cogitar de parceriascom o governo, basta olhar para a Américado Sul, presentemente plena de exemplosda prevalência de motivações ideológicas epopulistas no traçado das estratégias go-vernamentais, não raro resultando na que-bra de contratos (o caso boliviano é exem-

plar). Basta olhar, ain-da, para a degeneraçãoda saudável iniciativade criação das Agên-cias Reguladoras emnosso país, que vêmsendo progressiva-mente desviadas deseu propósito regula-dor – conceitualmenteautônomo e indepen-dente – para se trans-formarem em instru-mentos da política go-vernamental (ou, o queé pior, instrumentos de

atuação de partidos políticos e de políticosinfluentes, capazes de apadrinhar a nomea-ção de seus dirigentes). Essas agências, ori-ginalmente criadas para serem conduzidas– como ocorre no mundo desenvolvido –por dirigentes especialistas nos respectivossetores, passaram a ser progressivamenteocupadas por representantes de interessespolítico-partidários, perdendo seu carátergenuinamente regulador. Basta olhar tam-bém (ainda que não seja matéria especifica-mente concernente ao uso de golden shares)para o que está ocorrendo no Brasil dianteda descoberta de promissores megacamposde petróleo na camada do pré-sal, no Su-

De fato, a evolução daatividade econômica podeestimular a participação

(ou a geração) de empresasgenuinamente privadasvoltadas para ramos denegócios que sejam de

elevado interesseestratégico para o País

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

deste. O governo logo cogitou de criar umanova estatal, acabar com as licitações deconcessões de campos e rever os critériosde pagamentos de royalties aos estados emunicípios vizinhos, dentre outras ideiasestatizantes do poder central. A Petrobras eseus sócios ficaram perplexos com as posi-ções manifestadas pelo Ministério de Mi-nas e Energia e mostraram-se assustadoscom a possibilidade de quebra de contra-tos. Esse petróleo, se confirmado, está a 300quilômetros da costa, a 7 mil metros de pro-fundidade e requer muitos bilhões de reaisde investimento paraser explorado econo-micamente, mas, pelofato de ser a Petrobrasuma empresa públicade economia mista,que tem inclusive aci-onistas estrangeiros,ficou preconceituo-samente ameaçada deser afastada, como sesua presença fossedesnacionalizar nos-sas riquezas. É o mes-mo nacionalismo extre-mado praticado pelobolivarianismo vene-zuelano, boliviano eequatoriano, afastan-do os investidores ex-ternos e internos, cujasparticipações – mediante licitações trans-parentes – seriam cruciais para viabilizar oempreendimento.

Sob o prisma do empresariado e dos in-vestidores privados, a credibilidade gover-namental fica abalada por episódios dessaespécie, e os receios de negócios que envol-vam o Estado resultam aumentados, em faceda percepção do risco assim criado. Estariamas empresas das quais o governo tenciona-ria adquirir golden shares sujeitas ao risco de

politização de suas Diretorias e de seus Con-selhos de Administração? Estariam os em-presários e acionistas seguros de não virema ser afetados por possíveis danos geradospor uma mentalidade ideológica e estatizante?

Particularizando para o Brasil e para adefesa nacional, objeto de nosso maior in-teresse, é ponto pacífico o reconhecimen-to de que a indústria de defesa e a avança-da tecnologia inerente a esse ramo indus-trial são aspectos estratégicos de elevadaimportância para a segurança nacional, eparticularmente para o adequado apresta-

mento de nossas For-ças Armadas.

Se, nos idos dosanos 1970, foi possívelestimular a participa-ção de empresas priva-das de peso (ou de es-tatais criadas com esseobjetivo) na produçãode itens de elevadasignificação para a se-gurança do Estado(blindados, aeronaves,munição, armas e seussistemas), por outrolado a falta de regulari-dade e de volume nasencomendas estataisresultou no seu desa-parecimento, ou nodesvio de suas finali-

dades originais. Essas empresas foram sem-pre vítimas da endêmica escassez de recur-sos para a defesa, principalmente por nãohaver a percepção, pela sociedade e peloparlamento, de ameaças externas relevan-tes, pelo menos no curto prazo. Nos diaspresentes, o mesmo modelo não se mostraaplicável, sendo imperioso que se associe –à luz de metas alcançáveis – o aprestamentodas Forças Armadas ao complexo industriale tecnológico já disponível no País (a me-

Para entender o receio oua desconfiança dos

investidores ao cogitar deparcerias com o governo,

basta olhar para a Américado Sul, presentementeplena de exemplos da

prevalência de motivaçõesideológicas e populistas no

traçado das estratégiasgovernamentais, não raroresultando na quebra de

contratos

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

nos que se queira eternizar a dependênciaestratégica industrial e logística do exterior,vulnerabilizando nossa soberania). E a me-lhor forma de fazê-lo é usando o potencialprodutivo e tecnológico da iniciativa priva-da, concedendo-lhe liberdade para obter noexterior os insumos materiais e tecnológicosde que possa necessitar, de vez que o de-senvolvimento autônomo de tecnologiasterá que estar sempre atrelado ao grau dedesenvolvimento alcançado pelo País. Nãose trata de eternizar dependências logísticasestratégicas do exterior, mas sim de integraros desenvolvimentos nacionais ao mundoglobalizado, conferindo-lhes velocidade deavanço satisfatória enível tecnológico –não necessariamentede ponta – adequadoàs necessidades.

Para concretizarobjetivos industriais etecnológicos que ne-cessariamente estãoligados à revitalizaçãode nosso Poder Mili-tar, há que encontraros caminhos pelosquais o governo possa dirigir suas enco-mendas de equipamentos, sistemas, mate-rial bélico e desenvolvimentos tecnológicosespecíficos a empresas nacionais de reco-nhecida qualificação no ramo (sejam elasde capital exclusivamente nacional ou não).Para tanto, além de revisar e adaptar a le-gislação licitatória, há que estudar aaplicabilidade de mecanismos como os ofe-recidos pelas golden shares, ajustando-osà realidade nacional e à defesa dos interes-

ses do governo. Mas é imperioso que ogoverno, ao estudar tais mecanismos, sejacapaz de demonstrar ao empresariado doramo que suas intenções são essencialmen-te regulatórias e efetivamente norteadas pe-los objetivos e interesses estratégicos na-cionais mais relevantes, isentos de polari-zação política e ideológica. É igualmenteimportante que não dê margem a incerte-zas que possam colocar em risco a confi-ança no respeito aos contratos, tal como éimperativo no Estado de Direito.

No lado industrial, é muito importanteque o empresariado do setor enxergue, nasdiretrizes, iniciativas e projetos governamen-

tais, metas realmentealcançáveis e vislum-bre reais possibilida-des de continuidade –leia-se encomendascontínuas – nos em-preendimentos queirão comprometer seucapital. Como já men-cionamos antes, a maisdesejável participaçãodo Estado no setor dedefesa reside na colo-

cação contínua de encomendas expressivas,assegurando a sobrevivência dos empreen-dimentos e prestigiando o material bélicoproduzido no País, inclusive para que setorne atraente ao observador externo.

Em outras palavras, a credibilidade go-vernamental será o principal atributo queempresários e acionistas colocarão na balan-ça ao pesar decisões de parceria com o go-verno, seja na forma de golden shares, ou emqualquer outra forma legítima e viável.

A credibilidadegovernamental será oprincipal atributo que

empresários e acionistascolocarão na balança ao

pesar decisões de parceriacom o governo

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<POLÍTICA>; Estratégia; Política nacional; Industrialização; Ministério da Defesa; PoderNacional; Poder Militar;

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Agradeço o convite feito pela Prefeiturade Sorocaba ao Instituto Histórico, Ge-

ográfico e Genealógico de Sorocaba paraque um de seus membros fosse o oradoroficial desta cerimônia cívica em comemo-ração aos 186 anos da nossa Independên-cia. Entretanto, tenho a certeza que exis-tem muitos colaboradores do nosso Insti-tuto com um conhecimento da nossa his-tória muito maior que o meu, pois pela mi-nha formação profissional, por ter sempregostado mais das Ciências Exatas que dasHumanas, sou obrigado a reconhecer: nun-ca fui um bom estudante de História e,quando no colégio, considerava quase umatortura ter que decorar nomes, fatos e da-tas para conseguir passar de ano.

SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL*

GERMANO DE FREITASCapitão-de-Mar-e-Guerra (EN-RM1)

Tentarei apresentar aos senhores algu-mas reflexões de alguém que foi um estu-dante de História sofrível, não de um his-toriador. Perdoem-me, portanto, os equí-vocos que eu possa cometer.

Percebi o erro que cometi como estu-dante quando fui transferido paraSorocaba, uma cidade onde – pude cons-tatar – as pessoas dão muito valor à suahistória, às suas origens, e procuram“cultuar suas coisas e sua gente”, comodizia Monsenhor Castanho, pesquisador ehistoriador da região e fundador do nossoInstituto Histórico. Passear pelo centro deSorocaba é um encontro com a nossa his-tória: o fundador Baltazar Fernandez temsua estátua em frente ao Mosteiro de São

* N.R.: O texto, que continua atual, se refere a discurso do autor proferido em 7 de setembro de 2008, emcomemoração à Independência do Brasil, na Praça Coronel Fernandes Prestes, em Sorocaba, SP.

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SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Bento, um dos marcos iniciais da povoa-ção de Nossa Senhora da Ponte. Descen-do a Rua XV, chega-se à Praça Dr. ArthurFajardo, mais conhecida como a ‘Praça doCanhão’, pois lá estão colocados os ca-nhões fundidos em 1841, na Real Fábricade Ferro de Ipanema, para comemorar oprimeiro aniversário da maioridade do Im-perador Dom Pedro II e que foram utiliza-dos pelo Brigadeiro Rafael Tobias deAguiar durante a Revolução Liberal de1842. Nesta praça, junto aos canhões, estáa estátua em bronze de Rafael Tobias,patrono da Polícia Militar do Estado de SãoPaulo, que teve sua origem na antiga ForçaPública, criada pelo próprio BrigadeiroTobias. Falar da Real Fábrica de Ferro daantiga Vila de São João de Ipanema, quefica junto ao sopé do Morro de Araçoiaba(a Morada do Sol, para os índios que habi-tavam a região) faz lembrar que lá nasceuFrancisco Adolfo de Varnhagen, conside-rado o Pai da Historiografia Brasileira e quefazia questão de assinar seus livroscomplementando com “natural deSorocaba”.

Embora tarde, mas “antes tarde do quenunca”, como diz o ditado popular, apren-di, já vivendo nesta cidade, que a histórianão se resume apenas à narração dos acon-tecimentos passados, mas, e principalmen-te, diz respeito à análise posterior, profun-da e isenta desses acontecimentos, no sen-tido de se estabelecerem relações de causae efeito entre o passado e o presente e deadequar este relacionamento aos fatos atu-ais, tentando evitar as consequências e arepetição dos erros passados, para nãocomprometer o futuro.

Iniciamos esta cerimônia ouvindo o HinoNacional. Os versos iniciais do nosso hinopátrio nos contam uma parte da história danossa Independência:

“Ouviram do Ipiranga as margensplácidas

De um povo heróico o bradoretumbante”.

Desde pequenos aprendemos que, no dia7 de setembro de 1822, o Príncipe RegenteDom Pedro, às margens do Riacho Ipiranga,após a leitura de documentos enviados pe-las Cortes Portuguesas, uma carta de JoséBonifácio e outra da Princesa DonaLeopoldina, retirou do chapéu as cores cons-titucionais portuguesas e, atirando-as fora,bradou “Independência ou Morte”, procla-mando a Independência do Brasil.

Qual o significado de independência?Independência significa o “estado ou con-dição de quem (ou do que) é independen-te, de quem (ou do que) tem liberdade ouautonomia”, ou seja, ser independenteimplica se ter liberdade, “ser livre”.

Da libertação das 13 colônias inglesasda América do Norte (4 de julho de 1776) eda Revolução Francesa (iniciada em maiode 1789), nos chegaram os ideais de liber-dade individual e de liberdade coletiva,antítese da dominação e da tirania, quersejam exercidas por um soberano, um se-nhor de escravos, um grupo de pessoasou um país sobre outro.

No Brasil, que nessa época passava peloseu período de colônia, logo começaram achegar essas ideias revolucionárias deemancipação política e de oposição à ex-ploração exercida por Portugal sob a formade impostos pesadíssimos que eram pagospelos brasileiros à Coroa Portuguesa (ochamado “quinto dos infernos”, pois pas-mem: 20% de tudo que fosse produzido noBrasil era devido à Coroa Portuguesa!).

Vários movimentos, a começar pela In-confidência Mineira (1789), tentaram con-seguir a nossa separação de Portugal, masnenhum deles logrou êxito em atingir seusobjetivos. A nossa independência foiconseguida muito mais de um trabalho deconvencimento do Príncipe Regente doque por meio da luta dos revoltosos.

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SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Ante a perspectiva da invasão de Por-tugal pelo exército francês, transferiu-se aFamília Real para o Brasil, em novembro de1807, chegando ao Rio de Janeiro no iníciode 1808. O primeiro ato oficial de Dom Joãofoi a Abertura dos Portos às Nações Ami-gas, em 28 de janeiro de 1808.

Desfrutou o País de um período de pros-peridade como nunca antes ocorrera e deuma tranquila e cordial convivência com aFamília Real Portuguesa, então sediada noBrasil. Mas continuávamos dominados porPortugal, não éramos livres como nação:em tudo dependíamos da vontade dos nos-sos soberanos.

Na Europa, ingleses, portugueses e es-panhóis continuavam dando combate aosexércitos de Napoleão, que foram finalmen-te derrotados em 1814.

O Brasil foi elevado à categoria de “Rei-no Unido ao de Portugal e Algarve” pormeio de uma Carta de Lei assinada por D.João (16 de dezembro de 1815). Terminava– ao menos teoricamente – a fase denomi-nada Brasil-Colônia, com a sua elevação àcondição de Reino Unido.

Depois de vencido Napoleão, iniciou-se em Portugal um movimento pela voltade D. João e da Família Real para a antigasede da monarquia – Lisboa. Em 1818, apósa morte de D. Maria I, D. João é aclamadocomo Rei D. João VI.

D. João VI retorna para Portugal em 26de abril de 1821, deixando no Brasil seufilho e herdeiro, D. Pedro, como PríncipeRegente.

Todavia, a volta de D. João VI não conse-gue acalmar a conturbada situação no Reino.As Cortes continuam soberanas, e o rei nãomais governa. Em 29 de setembro de 1821são aprovados os Decretos números 124 e125, que, respectivamente, rebaixava a posi-ção do Brasil de Reino Unido à situação an-terior de colônia e ordenava o imediato re-gresso do Príncipe Regente a Portugal.

Uma comitiva chefiada pelo presidentedo Senado, José Clemente Pereira, foi rece-bida no Paço da Cidade, na Sala do Trono,por D. Pedro no dia 9 de janeiro de 1822.Após extenso e vibrante discurso de JoséClemente Pereira, foi entregue o chamadoManifesto dos Fluminenses ao PríncipeRegente, solicitando sua permanência noBrasil. A resposta inicial de D. Pedro foique “demoraria um pouco mais no Bra-sil”. Mas essa resposta não agradou aospresentes. Percebendo-se disso, D. Pedroa substituiu pela conhecida frase: “Comoé para o bem de todos e felicidade geralda nação, estou pronto, diga ao povo quefico”, razão pela qual aquele dia passou aser conhecido como Dia do Fico.

Em 14 de agosto, D. Pedro partiu paraSantos. No dia 7 de setembro, járetornando, recebe o emissário do minis-tro, Paulo Bregaro, que lhe entrega os do-cumentos das Cortes exigindo a sua volta,uma carta de José Bonifácio e outra deDona Leopoldina. Indignado com a atitu-de das Cortes Portuguesas, faz a Procla-mação da Independência.

Encerrando esta breve retrospectiva dosfatos que levaram D. Pedro a proclamarnossa independência, cortando os laçosque mantinham nosso país na condição dedependência política, econômica e admi-nistrativa das decisões das Cortes Portu-guesas, resta-nos a tarefa de analisar osfatos e documentos que os historiadoresnos deixaram.

Embora algumas guarnições portugue-sas ao longo do nosso litoral tenham ten-tado se rebelar contra o posicionamentodo Príncipe Regente em não acatar as or-dens das Cortes Portuguesas, foi relativa-mente fácil conter aqueles focos de rebe-lião. Portugal não tinha, na época, condi-ções de manter suas tropas, supri-las commantimentos e itens de armamento ou en-viar reforços, devido à situação interna em

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SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

que se encontrava após a luta contra o exér-cito francês e as disputas internas entre asCortes e o Rei D. João VI.

Na realidade, esta foi a principal razãode nossa independência: a incapacidadede Portugal continuar a exercer o seu do-mínio no território de além-mar, fato esteapontado claramente por José Bonifácio aDom Pedro na carta que lhe foi entregue àsmargens do Ipiranga. Escreveu JoséBonifácio naquela carta:

“Senhor......O momento não comporta mais delon-

gas ou condescendências. A revolução jaestá preparada para o dia de sua partida.

Se parte temos a revolução do Brazilcontra Portugal e Portugal actualmentenão tem recursos para subjugar um le-vante que é preparado occultamente,para não dizer quaze visivelmente...”.

Também bastante elucidativo e convin-cente é um trecho do manifesto de JoaquimGonçalves Ledo enviado a Dom Pedro em1o de agosto de 1822:

“Não temais as Nações Estrangeiras:a Europa que reconheceu a Independên-cia dos Estados Unidos da América, e fi-cou neutra na luta das colônias espanho-las, não pode deixar de reconhecer a doBrasil, que com tanta justiça, tantos mei-os e recursos, procura também entrar nagrande família das Nações.”

Vivemos hoje em um país com um territó-rio de mais de 8 milhões de quilômetros qua-drados, pois nossos bandeirantes empurra-ram a demarcação do Tratado de Tordesilhaspara oeste, e o nosso território foi, dessemodo, ampliado, porque a Espanha, tal comoPortugal, não tinha condições de impedir aação dos nossos bandeirantes.

Enfim, da conjunção de todos esses fa-tores, fatos e motivos, a Independência doBrasil foi proclamada por Dom Pedro deAlcântara – I do Brasil e IV de Portugal –na tarde do dia 7 de setembro de 1822.

E hoje, 186 anos após a conquista danossa independência, ao que assistimos?Em nome dos nossos índios, ONGs de fa-chada criticam o Brasil. Organizações inter-nacionais de reconhecidos méritos em de-fesa da ecologia e dos direitos humanos sealiam a organizações não tão sérias, daque-las que servem somente aos interessesescusos do empresariado internacional, pre-gando a demarcação de terras indígenas eincentivando a formação de nações indíge-nas independentes, inclusive em áreas ondeo Brasil faz fronteira com outros países.

Um belo dia, algum país ou organismointernacional poderá decretar a internacio-nalização da Amazônia.

Quando for “proclamada a independên-cia” de uma dessas reservas indígenas, porapenas uma “pequena parcela do povo bra-sileiro”, serão retirados do nosso territórioquase 10 milhões de hectares – terra estaque nos foi arduamente legada pelos nos-sos antepassados e que representa mais de10% da área do nosso país. Quem reagirá?Nossas Forças Armadas estão sendo siste-maticamente sucateadas desde o governode Fernando Collor de Mello.

Será que continuaremos “deitados eter-namente em berço esplêndido, ao som domar e à luz do céu profundo”, como senada estivesse acontecendo, ou será quea “Pátria amada Brasil” poderá realmen-te ver que “um filho teu não foge à luta”?

Recordando um fato mais recente, ocor-rido na década de 50, Zé Dantas, por oca-sião do lançamento de um CD contendomúsicas de sua autoria em parceria com LuizGonzaga, escreveu o seguinte texto sobrea composição “Vozes da Seca”:

“Em 1953, o Nordeste sofreu uma dasmaiores secas entre as que periodicamen-te assolam aquela região, deixando a ter-ra calcinada e a população faminta. Poressa época, foi lançado um apelo à gene-rosidade do povo do Sul em favor dos

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flagelados nordestinos, por meio de umacampanha intitulada “Ajuda teu irmão”.Os poderes públicos, além de não toma-rem qualquer providência substancial,pareciam desfrutar a comodidade que lhesproporcionava a iniciativa popular...”

Os versos iniciais desta toada-baião nosfalam de gratidão e vergonha:

“Seu Dotô, os nordestinostêm muita gratidãopelo auxílio dos sulistasnesta seca do sertãoMas, Dotô, uma esmola,a um homem que é são,ou lhe mata de vergonha,ou vicia o cidadão.”É incrível, pois estes versos escritos em

1953 são tão atuais como se Zé Dantas eLuiz Gonzaga os tivessem escrito ontem!

Se o Patriarca da Independência JoséBonifácio ainda vivesse nos dias de hoje,talvez ele enviasse uma carta para Brasíliacom o seguinte preâmbulo:

“Senhor Presidente,O momento não comporta mais delon-

gas ou condescendências. A revolução jáestá sendo preparada de longa data.

Temos uma revolução de estrangeirose falsos brasileiros contra o Brasil, e oBrasil atualmente não tem recursos parasubjugar este levante que é preparado àsclaras, sem qualquer tentativa para suaocultação, pois nossos representantesparecem não se importar caso umariquíssima parte do nosso território sejatransferida para aqueles que, há muitotempo, a desejam.”

Ou se Joaquim Gonçalves Ledo pudes-se redigir outro manifesto, com certeza eleteria o seguinte teor:

“Temei as potências estrangeiras! AONU não deixará de reconhecer a inde-pendência dos ‘povos indígenas do Bra-sil’, que com tanta justiça, tantos meios erecursos procuram também entrar nagrande família das Nações. Adicional-mente, tal direito já está consubstanciadoe garantido na ‘Declaração Universal deDireitos dos Povos Indígenas’, assinadapelo próprio representante brasileiro emsetembro de 2007, e vem de encontro àsaspirações das grandes potências que, delonga data, cobiçam as riquezas existen-tes naqueles territórios, principalmentejazidas do minério de um metal muitoraro, chamado Nióbio, que pode ser a so-lução para a construção dos reatores defusão nuclear no futuro.”

Ser independente não é só ser livre. Serindependente é também, e principalmente,ser soberano, ou seja, “não depender davontade dos outros”.

Acredito, como cidadão deste imenso país,que a grande reflexão que podemos e deve-mos fazer neste dia 7 de setembro pode serresumida a tentar responder às perguntas:

O que acontecerá quando os que que-rem “comprar” ou tomar a nossa Amazô-nia oferecerem uma esmola maior?

Podemos considerar que um povo quevive de esmolas é realmente livre, é inde-pendente e soberano?

Pensem, reflitam bem... Depois tentemrespondê-las.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<POLÍTICA>; Política; Soberania; Grupos de pressão; História do Brasil;

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

SUMÁRIO

Alfred Thayer Mahan: um marinheiro relutante e autor vigorosoPrimeiros tempos na MarinhaA maturidade intelectualA nova carreira

FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDACapitão de Mar e Guerra

“Alfred Thayer Mahan, o evangelistado poder marítimo”. Com este títuloMargaret Tuttle Sprout cunhou o seu co-nhecido artigo publicado em 1971 sobreesse personagem histórico que modificoua percepção da importância de se dominaro mar para o desenvolvimento das nações.Sprout iniciou dizendo que “nenhuma ou-tra pessoa influenciou tão direta e profun-damente a teoria do poder marítimo e a es-

tratégia naval como Alfred ThayerMahan”.1

Sem dúvida, Margaret Sprout tinha ra-zão. Até hoje se discute a importância his-tórica e teórica dos estudos de Mahan parase compreender a guerra no mar a partir doséculo XVII e suas repercussões políticasno desenvolvimento das nações. Afinal,quem foi esse personagem que estabele-ceu um novo paradigma na discussão dos

1 SPROUT, Margaret Tuttle. “Mahan: evangelist of sea power”. In: EARLE, Edward Mead. Makers ofmodern Strategy. Princeton: Princeton University Press, 1973, p. 415.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

temas navais e influenciou sobremaneiraas políticas nacionais de diversos países?

ALFRED THAYER MAHAN:UM MARINHEIRO RELUTANTE EAUTOR VIGOROSO

Alfred Thayer Mahan nasceu em 27 desetembro de 1840, na cidade de West Point,estado de Nova Iorque, Estados Unidos.Filho do professor de engenharia civil e mi-litar da Academia Militar de West Point,Dennis Hart Mahan,2 e de Mary Helena OkillMahan, uma professora protestante profun-damente religiosa3, Alfred, desde cedo, ad-quiriu de seu pai um profundo sentido dedever e um comportamento cortês e polido.

Apesar de seu pai ter sido criado na re-ligião católica em virtude de sua origemirlandesa, Alfred tornou-se protestanteepiscopal, fruto da ascendência de sua avóMary Jay, que muito o influenciou.4

O jovem Alfred viveu a maior parte desua infância em West Point, local onde seupai permaneceria como professor por qua-se 40 anos. Com 12 anos de idade foi envi-ado à escola secundária em Hagerstown,no estado de Maryland, e, dois anos de-pois, entrou para o Columbia College, hos-pedando-se na casa de seu tio, MiloMahan5, professor de história eclesiásticano Seminário-Geral Teológico na cidade deNova Iorque. Milo teve profunda influên-cia na vida religiosa de Alfred.

Desde cedo, Alfred desejou entrar paraa Marinha de Guerra, apesar da oposiçãode seu pai, que acreditava ser mais produ-tiva para o seu filho a vida em uma profis-são liberal. Sobre isso, disse Alfred:

Minha entrada na Marinha foi totalmen-te contra o desejo de meu pai. Não melembro de todos os seus argumentos,mas me disse que eu era muito mais pre-parado para a vida civil do que para avida militar, pelo que ele me conhecia.Eu acredito, hoje em dia, que no fundoele estava certo; apesar de eu não termotivos para reclamar de qualquerinsucesso, estou convencido de quefaria melhor na vida civil.6

Apesar da oposição de seu filho em se-guir a vida civil, Dennis ajudou-o, enviandocartas de apresentação ao secretário daGuerra, Jefferson Davis, para obter uma no-meação para a Academia Naval deAnnapolis. Como era costume na ocasião, ojovem Alfred Mahan enviou uma carta aodeputado de seu estado, Nova Iorque,Ambrose Murray, solicitando indicação paraAnnapolis. Escreveu Alfred o seguinte:

Não posso permitir que essa ocasiãopasse sem expressar minha sincera grati-dão pelo gentil apoio que o senhor metem dado para obter o fim que tenho emmente. Sua gentileza tem sido muito apre-

2 Dennis Hart Mahan nasceu em 1802, em Norfolk, Virginia. Graduou-se pela Academia Militar de WestPoint em 1824 como primeiro aluno de sua turma. No ano seguinte, seguiu para a França, onde seformou em engenharia de fortificações. Em 1838, tornou-se professor dessa academia, lá permane-cendo até sua morte, em 1871. Casou-se com Mary Helena em 1839. Fonte: SEAGER II, Robert.Alfred Thayer Mahan. The man and his letters. Annapolis: United States Naval Institute, 1977, p.3. No subitem 2.2.2 será discutida com maior profundidade a influência de Dennis Mahan sobre opensamento de Alfred.

3 Ibidem, p. 3.4 TAYLOR, Charles Carlisle. The life of Admiral Mahan, naval philosopher. op. cit, p. 3 e SEAGER II,

Alfred Thayer Mahan. The man and his letters op. cit, p. 6.5 Milo Mahan foi professor de Teologia e de Filosofia, tendo estudado em profundidade os filósofos

gregos. Segundo Robert Seager, Milo teve considerável influência sobre Alfred Mahan. Fonte:SEAGER, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 5.

6 MAHAN, Alfred Thayer. From sail to steam. New York: Harper & Brothers Publishers, 1907, p. xiv.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

ciada, pelo meu profundo desejo de en-trar nessa profissão [da Marinha], e real-mente seria um grande desapontamentoeu ser obrigado a desistir desse desejo7.

Em 30 de setembro de 1856, o jovemAlfred era declarado aspirante de Marinhana Academia Naval de Annapolis, estadode Maryland.

PRIMEIROS TEMPOS NA MARINHA

Mahan tinha 15anos quando entroupara Annapolis. Noinício de sua estada naAcademia, sentiu pro-funda depressão peloafastamento de sua fa-mília8, recuperando-seaos poucos, depois dese convencer dainevitabilidade de suadecisão de prosseguirna carreira. Por ter cur-sado dois anos emColumbia, foi autorizado a se agregar ao 2o

ano.Após os primeiros difíceis dias, Mahan

começou a apreciar o ambiente naval e tor-nou-se, inicialmente, um aspirante alegre,confiante e acima da média intelectual daturma9. Um dos seus mais chegados cole-gas de turma, Samuel Ashe, declararia queMahan “era o homem mais intelectualizadoque conhecera. Ele [Mahan] tinha uma bri-lhante memória, mas também a capacidade

de compreender e a clareza de perceber pro-blemas, que o faziam se distinguir entre osseus pares pela inteligência”.10

O desempenho acadêmico de Mahan foiacima da média. Com o passar dos anos naAcademia, entretanto, Mahan tornou-seintrovertido e solitário, incapaz de se rela-cionar satisfatoriamente com seus colegasde turma. Durante os anos em Annapolis,Mahan fez poucos amigos e tornou-se umafigura impopular.

Mahan permaneceutrês anos em Annapolis,vindo a graduar-se em2o lugar na classe de1859. Somente 20 alunosconseguiram graduar-se, de um total inicial de49 aspirantes.11 Dizia eleque a quantidade deabandonos durante ocurso espelhava a imper-feição do processo edu-cacional em todo o paíse não a severidade dos

testes na Academia. O problema estava nopróprio ensino nacional, que não preparavaos alunos para o estudo e a instrução, e nãono rigor na avaliação dos alunos em Annapolis.Acreditava mesmo que as avaliações e pro-vas eram “moderadas”, não havendo neces-sidade de se aplicar com afinco nos estudos.12

Apesar disso, acreditava que a Academia seconstituía numa atmosfera perfeitamente deacordo com a vida que os aspirantes teriam naMarinha, bem mais relaxada que no Exército,

7 Carta de Alfred Thayer Mahan a Ambrose Murray de 14 de abril de 1856, escrita de Nova Iorque.Fonte: SEAGER II, Robert; MAGUIRE, Doris. Letters and papers of Alfred Thayer Mahan. V1, op.cit, p. 3.

8 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 12. 9 Ibidem, p. 12.10 TAYLOR, op. cit. p. 8.11 O primeiro aluno da turma de 1859 foi William Briggs Hall, que pediu demissão da Marinha quando foi

deflagrada a Guerra de Secessão. Agregou-se ao Exército da Confederação e, depois do término da guerra,foi assessor do Exército egípcio, indicado pelo General Sherman. Fonte: TAYLOR, op. cit. p. 10.

12 MAHAN, From Sail to Steam, op. cit. p. 75.

“Ele [Mahan] tinha umabrilhante memória, mastambém a capacidade de

compreender e a clareza deperceber problemas, que ofaziam se distinguir entre

os seus pares pelainteligência”

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

uma vez que havia, segundo ele, liberdade natroca de experiências com os professores einstrutores.13

O ambiente em Annapolis era favorávelà causa do Sul, inclusive com muitos aspi-rantes de lá provenientes, ardorosos deseus ideais. Acreditavam que a Justiça es-tava a seu lado e que a União queria limitarseus direitos e liberdade14. O cerne da des-confiança entre os dois lados já contagia-va o ambiente acadêmico e, dentro de pou-cos anos, muitos daqueles colegas de tur-ma estariam lutando em lados opostos, in-clusive Mahan, que seagregou à União, maispara preservá-la doque para abolir a escra-vidão, principal causada guerra15.

Após sua gradua-ção em Annapolis, oGuarda-Marinha16

Mahan foi designadopara a Fragata USSCongress17, que seencontrava em patrulha no Atlântico Sul,na função de ajudante de ordens docomodoro Joshua Sands, comandante daEstação Naval do Brasil. Nessa oportuni-dade, teve a chance de conhecer o Rio deJaneiro. Disse ele, sobre a cidade brasilei-ra, que “a magnífica paisagem do Rio per-manece e precisa permanecer próximo de

uma visão tipo ‘terremoto’; o Pão de Açú-car, a distante Serra dos Órgãos, as altasmontanhas próximas que nos rodeiam, asnumerosas curvas de sua linha de costa ediversificadas escarpas que nos dão a co-nhecer são contínuas novidades”18.

Em 31 de agosto de 1861, foi promovidoa capitão-tenente19, embarcando, logo após,na corveta a vapor USS Pocahontas20 des-tacada na Flotilha do Rio Potomac. Suaascensão rápida a capitão-tenente foi mo-tivada pela aceleração das promoções du-rante o primeiro ano da Guerra de Seces-

são, deflagrada poucotempo antes.

Mahan se filiou àcausa da União e parti-cipou no Pocahontasdo ataque às forçasconfederadas em PortRoyal, na Carolina doSul, em novembro de1861. Em seguida, o na-vio foi designado paraa Estação de Bloqueio

do Atlântico Sul, em patrulha entreGeorgetown, na Carolina do Sul, e Ferdinanda,na Flórida, longe dos grandes combates na-vais entre a União e a Confederação. Nessaestação de pouca atividade bélica, Mahan tra-vou contato com as péssimas condições dosescravos na Carolina do Sul, tornando-se ime-diatamente um abolicionista.21

13 Ibidem, p. 84.14 Ibidem, p. 85.15 TAYLOR, op. cit. p. 11.16 Em inglês, passed midshipman.17 O USS Congress era um navio a vela do tipo fragata com 1.867 toneladas de deslocamento, comple-

tada em 1842, armada com 50 canhões de diversos calibres. Foi afundada durante a Guerra deSecessão pelo navio confederado USS Virginia. USS significa “United States Ship”. Fonte: SEAGERII, Letters and papers, v. 1, op. cit. p. 84.

18 MAHAN, From sail to steam, op. cit. p. 147.19 Em inglês, lieutenant na Marinha dos EUA.20 O USS Pocahontas era uma corveta deslocando 694 toneladas, com 11 canhões e uma tripulação de

173 homens. Fonte: SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 36.21 Ibidem, p. 37.

Mahan travou contato comas péssimas condições dosescravos na Carolina do

Sul, tornando-seimediatamente um

abolicionista

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Em setembro de 1862, Mahan foi desig-nado para servir como instrutor demarinharia na Academia Naval, transferidade Annapolis para Newport, Rhode Island,de modo a afastá-la dos combates da guer-ra. Mahan lá permaneceu por cerca de umano. Sendo um oficial que mantinha distân-cia dos aspirantes, não deixou boas lem-branças. Ainda na Academia, foi designadopara o USS Macedonia22, acompanhandoos aspirantes em uma viagem de instrução.

Esse período no Macedonia foi de mui-ta alegria para Mahan, pois o navio foi des-tacado para um cruzeiro à Europa, ondeteve oportunidade de visitar Paris, quemuito o encantou. Além disso, nesse mes-mo navio, travou estreito contato com ocomandante, capitão de corveta23 StephenLuce, que viria a ter um importante papelna carreira de Mahan, e com WilliamSampson, futuro almirante que se destaca-ria na Guerra Hispano-Americana, em 1898.

No regresso de sua comissão, Mahan foidesignado para servir no USS Seminole24,agregado ao Esquadrão de Bloqueio do Gol-fo, em frente a Sabine Pass e Galveston. Essafase lhe foi extremamente frustrante. Dizia eleque essa comissão era desesperadamentetediosa e que “nunca tinha visto um grupode homens inteligentes reduzidos à total im-becilidade como os meus colegas de navio”.25

Logo em seguida, foi designado para o esta-do-maior do comandante em chefe do Es-quadrão de Bloqueio do Atlântico Sul, Almi-

rante Dahlgren, a bordo do USS JamesAdger26, quando este almirante entrou, emabril de 1865, no Porto de Charleston, recen-temente capturado das forças confederadas.

O historiador Robert Seager II atestou queseu desempenho como oficial de armamentodo esquadrão, sob as ordens de Dahlgren,não foi dos melhores, uma vez que este almi-rante o transferiu de volta ao Seminole pornão controlar adequadamente os estoquesde munição do esquadrão27. Parecia queMahan não se sentia à vontade em navios.

A guerra finalmente terminara, e Mahannão participou ativamente de sua conclu-são, ora estacionado em navios afastadosdo campo de lutas, ora prestando serviçosem terra, como na Academia Naval, ondepermaneceu por pouco mais de um ano.Nesse mesmo ano de 1865 foi promovido acapitão de corveta, tendo sido designadoimediato do USS Muscoota28, onde sofreucom uma forte febre tropical, permanecen-do muitos dias afastado do serviço. Nova-mente foi atingido por forte depressão, sen-tindo-se frustrado, solitário e sem amigospróximos29. A vida no mar definitivamentenão lhe agradava de maneira alguma.

Depois de um breve período no Estalei-ro Naval de Washington, Mahan foi desig-nado para servir na Fragata USS Iroquois,na Estação Asiática, onde pôde visitar aChina, o Japão e o Extremo Oriente. Nessaregião, Mahan foi atingido novamente porforte doença quando em Nagasaki30, afas-

22 O USS Macedonia era um navio obsoleto, armado com quatro velhos canhões. Tinha a tarefa deadestrar os aspirantes da Academia Naval nas fainas marinheiras. Fonte: Ibidem, p. 37.

23 Capitão de corveta é tenente-comandante (lieutenant-commander) na Marinha norte-americana.24 O USS Seminole era uma pequena chalupa armada com nove canhões. Fonte: Ibidem, p. 38.25 Ibidem, p. 38.26 O USS James Adger era uma escuna a vapor armada com 17 canhões. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters

and papers, op. cit. p. 88.27 Ibidem, p. 41.28 O USS Muscoota era uma barca de madeira armada com dez canhões de diversos calibres. Fonte:

SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 94.29 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 43.30 TAYLOR, op. cit, p. 18.

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tando-se de seu navio por breve períodode tempo. Sentia-se mal a bordo, e aqueletipo de vida lhe desagradava. Em abril de1867, escreveu o seguinte para a sua mãe:

Minha situação a bordo é de grande iso-lamento, e muitas vezes é difícil supor-tar. Sobre mim o peso é maior porquenão estou certo de que isto é o que que-ro fazer. Tenho dúvidas se devo insistir,quando menciono minhas dificuldadese dúvidas. Deus me colocou em uma si-tuação, como disse, de quase total iso-lamento, de sofrer adúvida da discipli-na e da incerteza.31

O período a bordodo Iroquois, emboraextremamente penoso,foi profícuo para suaformação intelectual.Mahan leu avidamente obras de JohnMotley, Leopold Von Ranke e de FrançoisPierre Guizot. A História começou a fazerparte de sua vida. As lides do mar, por ou-tro lado, só traziam desesperança e temor.

O ano de 1870 foi um ano importantepara Mahan, pois, ao passar pela Europa,pôde assistir à queda do Império francês,esmagado pelos alemães. Esse aconteci-mento histórico, segundo ele, fez desapa-recer o velho, Napoleão III, e surgir o novo,o Império alemão, uma “força organizada edisciplinada”.32 Esse fato provocou profun-do impacto em seu pensamento.

No período entre 1870 e 1875, serviu oraem unidades de terra ora em navios (nosegundo caso a contragosto), tais comono Navio Mercante USS Worchester33, eem fevereiro de 1873 no comando do USSWasp34, no Rio da Prata, um navio em pés-simas condições operacionais. A inabilida-de de Mahan em manobras marinheirasmostrou-se mais uma vez, quando no co-mando do Wasp.

Um fato inusitado ocorreu em junho de1874. Ele chocou-se com a porta flutuantede um dique seco em Montevidéu, impedin-

do a sua retirada até oreparo total da porta.Ficou preso nesse di-que por cerca de dezdias. Não satisfeito,logo depois Mahanchocou-se com umabarca no mesmo porto,e, em 3 de novembro de

1874, colidiu o seu navio com um vaso deguerra argentino no porto de Buenos Aires,durante uma tempestade.35

Pouco antes de assumir o comando doWasp, Mahan casou-se, em junho de 1872,com Ellen Lyle Evans. Foi um relaciona-mento que perdurou durante toda a suavida. Dessa relação nasceram duas mulhe-res, Ellen Evans, nascida em Montevidéuem 1873, e Helen Kuhn, em 1877, e um ho-mem, Lyle Evans, em 1881. A Ellen Lyle podeser imputada parte do sucesso editorial deMahan, já que foi uma grande incen-tivadora de seu marido, muitas vezes trans-

31 Carta de Alfred Mahan para sua mãe, Mary Helena Okill Mahan, escrita a bordo do USS Iroquois em28 de abril de 1867. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 99.

32 TAYLOR, op. cit, p. 19.33 O USS Worchester era um mercante armado de 3.050 toneladas de deslocamento, com 14 canhões.

Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 359.34 O USS Wasp foi um navio britânico que forçava o bloqueio estabelecido pela União, tendo sido

capturado durante a Guerra de Secessão. Seu nome fora mudado para Wasp em junho de 1865.35 LANKIEWICZ, Donald. The Reluctant Seaman. 2007, p. 4. página www.thehistorynet.com. Acesso

em 26 de abril de 2007.

A inabilidade de Mahan emmanobras marinheiras

mostrou-se mais uma vez,quando no comando do Wasp

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crevendo seus textos em máquina de es-crever e revisando os manuscritos.

Em agosto de 1875, Mahan foi designa-do para o Arsenal Naval de Boston, já ca-pitão de fragata,36 e em 1877 voltou aAnnapolis como chefe do Departamentode Artilharia, onde permaneceu por trêsanos. O evento mais importante ocorridocom Mahan nesse período foi o 3o lugarobtido em um concurso de monografias,com um trabalho sobre a educação naval,patrocinado pelo United States NavalInstitute em 1878. Embora na competiçãotenham concorrido apenas dez artigos, otexto de Mahan foiconsiderado reformis-ta, uma vez que propu-nha a modernizaçãodos currículos da Aca-demia Naval, de modoa incrementar as qua-lificações acadêmicasdos aspirantes37. Comesse artigo, Mahantomou gosto pela es-crita, uma fuga dos fra-cassos como oficial deMarinha embarcado.

Em julho de 1880, voltou a servir no Ar-senal Naval de Nova Iorque, no Brooklin,onde permaneceu até 1883, quando assu-miu o comando do USS Wachusset38, esta-cionado em Callao, no Peru. Em 1882,Mahan escreveu seu primeiro livro, TheGulf and Inland Waters39, que tratou dasoperações navais ocorridas durante a Guer-ra de Secessão. Ele servira no teatro deoperações da guerra durante pouco tem-

po, no entanto lera um grande volume derelatórios dos dois lados e se correspondeucom numerosos participantes dos eventosocorridos, o que lhe fez escrever um traba-lho com razoável sustentação argumen-tativa. Nessa obra, Mahan elogiou o Almi-rante David Glasgow Farragut, tanto noponto de vista político como no militar, porsua rápida captura de Nova Orleans em186240. Alguns anos depois, Mahan escre-veria duas biografias, uma de Lorde HoratioNelson, seu modelo de herói naval, e outraexatamente de Farragut, seu modelo de al-mirante vencedor.

Mais uma vez, ainabilidade em mano-brar navios se fez pre-sente. Mahan colidiu,em um dia claro e marcalmo, com uma barcaa vela que tinha, semdúvida alguma, prefe-rência de passagem. OWachusset deveriapermitir que a barcapassasse, porém maisuma vez Mahan come-teu um erro, levando à

colisão. O Tenente Hugh Rodman, oficialdo navio, em conversa com um colega ofi-cial logo após o acidente, recebeu comoresposta sarcástica em relação ao ocorridoo seguinte comentário: “O Oceano Pacífi-co não foi grande o bastante para oWachusset se manter afastado do caminhodos outros”.41 Sua falta de intimidade comas lides marinheiras passava a ser discuti-da por todos de modo jocoso.

36 O posto de capitão de fragata na Marinha brasileira corresponde a commander na Marinha norte-americana. Mahan foi promovido a este posto em 1872.

37 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 120.38 O USS Wachusset era uma escuna lançada ao mar em 1861, armada com sete canhões de diversos

calibres. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 556.39 MAHAN, Alfred Thayer. The Gulf and Inland Waters, New York: Charles Scribner, 1883.40 SUMIDA, Jon Tetsuo. Inventing Grand Strategy and teaching command. op. cit, p. 19.41 LANKIEWICZ, op. cit. p. 4.

Mais uma vez, ainabilidade em manobrar

navios se fez presente.Mahan colidiu, em um dia

claro e mar calmo, comuma barca a vela que tinha,

sem dúvida alguma,preferência de passagem

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Foi nesse ambiente hostil e de poucasalegrias pessoais que Mahan recebeu,quando o seu navio estava em Guaiaquil,no Equador, um convite que o deixouextasiado. O Comodoro Stephen Luce42 es-tava organizando a Escola de Guerra Navaldos EUA (EGN-EUA) em Newport, RhodeIsland43. Ele precisava de um instrutor dehistória naval e estratégia para se agregarao corpo docente da escola. Mahan nãofoi o primeiro nome escolhido por Luce44.Ele convidara o Capitão de Corveta CasparGoodrich, que acabara de se estabelecerem Washington, eque, em virtude do de-sejo de permanecernessa cidade, decli-nou do convite.Mahan foi a escolhaque se seguiu. Prova-velmente Luce leu oprimeiro livro deMahan, The Gulf and Inland Waters, de1883, o que lhe deve ter agradado, daí tê-loconvidado para a função de instrutoria naEscola de Guerra. Mahan aceitou imediata-mente o convite e em carta para Luce disseo seguinte:

Gostaria muito de assumir essa função.Acredito ter a capacidade e talvez algu-ma atitude natural para o estudo emquestão. Ao me questionar, não acredi-to ter neste momento o conhecimento

específico que penso ser necessáriopossuir. Temo que o senhor me dê maiscrédito do que realmente possuo e terdado mais atenção à questão do queeu... minha resposta ao senhor é sim, eugostaria de servir [na EGN-EUA], se osenhor, depois de ler minha carta, aindame quiser. Certamente não acredito es-tar certo em me recusar a ajudar nestenovo, difícil e necessário trabalho, seno julgamento de outros eu for útil.45

Imediatamente, Mahan se dedicou aosestudos históricos,preparando-se paraassumir a instrutoriaem Newport. O histo-riador William Livezeyafirmou que a designa-ção de Mahan para aEGN-EUA foi o pontode virada em sua apa-

gada carreira. Disse Livezey que, “de umamplo ponto de vista, a carreira de Mahancomeçou com a criação, em 1884, da EGN-EUA”46. A existência da escola se devia paraqualificar oficiais dos postos mais eleva-dos da Marinha dos EUA em estratégia ena arte de conduzir a guerra, de modo aque estivessem preparados para assesso-rar os chefes navais em política naval naci-onal e quando ordenado assumir o coman-do de importantes unidades da Marinhano “intrincado mundo da guerra”.47

42 O Comodoro Stephen Luce é considerado o “pai” da EGN-EUA (Naval War College). Nasceu em 1827e faleceu em 1917. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, Op. cit. p. 577. No subitem 2.2.2será discutida a sua influência sobre Mahan.

43 A EGN-EUA acabou sendo estabelecida em 6 de outubro de 1884. Fonte: SEAGER II, Letters andpapers, op. cit. p. 577.

44 Segundo o professor Phillip Crowl, Mahan foi efetivamente a terceira escolha. O segundo nomeescolhido por Luce não foi por ele citado. Fonte: CROWL, Phillip. Alfred Thayer Mahan: the navalhistorian. op. cit, p. 446.

45 Carta de Alfred Mahan para Stephen Luce de 4 de setembro de 1884, a bordo do USS Wachusset, emGuaiaquil, no Equador. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 577.

46 LIVEZEY, William. Mahan on Sea Power. op. cit, p. 11.47 TAYLOR, op. cit. p. 37.

A designação de Mahanpara a EGN-EUA foi oponto de virada em sua

apagada carreira

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Por cerca de dois anos ele se preparoucom afinco para a sua nova função, quemuito lhe agradava. Conduziu, assim, umestudo sistemático da história naval,centrando suas pesquisas nos séculosXVII e XVIII, procurando analogias entreas guerras terrestres e navais, de modo aconstituir uma teoria de tática naval.48

A carreira acadêmica de Mahan realmen-te começou em Newport, onde atingiu suamaturidade intelectual.

A MATURIDADE INTELECTUAL

Em 1886, Mahan iniciou suas palestrasna EGN-EUA, lá permanecendo até 1893,com pequenas interrupções em 1889, noArsenal de Puget Sound, e em poucos anosem que a escola não ministrou cursos re-gulares. Nessa função, Mahan foi promo-vido a capitão de mar e guerra49 em 1886,vindo posteriormente a substituir Luce napresidência da escola50, designado estepara comandar a Força Naval do AtlânticoNorte.

Houve muita resistência à Escola de Guer-ra nos círculos navais no período. Em umaépoca de grandes avanços tecnológicos nocampo da guerra naval, os estudos de histó-ria naval e das táticas realizadas por Nelsonnas guerras napoleônicas eram consideradosirrelevantes e anacrônicos. O importante paraqualquer oficial da época era estudar as ino-vações técnicas agregadas aos sistemas demáquinas e de artilharia modernas e não his-tória. Considerava-se que o que ocorreu nopassado não teria qualquer aplicação na novaguerra do final do século XIX. Para esse gru-po considerável de oficiais, a ênfase na his-

tória era “não só reacionária, como impraticá-vel”, segundo Phillip Crowl.51

Ao se preparar para a tarefa de transmi-tir conhecimentos sobre estratégia e táti-cas navais para os alunos da Escola deGuerra, Mahan tinha uma série dequestionamentos. Em carta a seu colegaWilliam Anderson, disse o seguinte:

Quando fui inicialmente designado paraministrar aulas de história naval em nossaEscola de Guerra Naval, me pergunteicomo transformar a experiência com navi-os a vela de madeira, com seu armamentorudimentar, em utilidade no presente? A pri-meira resposta que obtive foi demonstran-do a tremenda influência que o poder na-val, sob qualquer forma, exerceu no cursoda história. A segunda resposta veio como prosseguimento de meus estudos, quefoi demonstrar que os princípios de guerrareceberam confirmação na velha experiên-cia naval, da mesma forma que eles recebe-ram em relação à guerra terrestre em todasas várias fases nos últimos 25 séculos. Opresente trabalho é esse resultado.52

A partir de suas palestras, abarcando operíodo dos séculos XVII e XVIII, Mahan es-creveu e publicou em 1890 o livro que se tor-naria um clássico de história naval: o TheInfluence of Sea Power upon History, 1660-1783. Em seu prefácio, Mahan estabelece comofinalidade proceder a um exame geral da histó-ria da Europa e da América, com vistas ao efei-to que teria o poder marítimo sobre os rumosdessa história. Essa obra teve imediato impac-to no meio naval, principalmente na Grã-Bretanha. As razões para isso eram evidentes.O livro baseava-se na própria história naval

48 SPROUT, Mahan: evangelist of Sea Power. op. cit. p. 417.49 O posto de capitão de mar e guerra na Marinha norte-americana é nomeado como captain.50 Mahan foi presidente da EGN-EUA por dois períodos, de 1886 a 1889 e de 1892 a 1893.51 CROWL, op. cit. p. 447.52 Carta de Alfred Mahan para William Henderson, escrita de Elizabeth, New Jersey, em 5 de maio de

1890. Fonte: SEAGER II, v. 2, Letters and papers, op. cit. p. 9.

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britânica e, o mais importante, respaldava osucesso de suas políticas navais do período.

Mahan iniciou a introdução do livro apre-sentando a sua argumentação política, na qualos negócios marítimos tiveram um grande edecisivo efeito sobre o curso da história e naprosperidade das nações.53 O seu argumentopolítico-econômico foi baseado na proposi-ção básica de economia de que as viagens e otráfego marítimo foram mais fáceis e mais bara-tos do que em terra. Desde o início de suaproposição, Mahan procurou enfatizar acentralidade do mar nos destinos das nações.Uma interessante dis-cussão foi a realizada emrelação às seis condiçõesque afetavam o podermarítimo, que serão apre-sentadas posteriormentenos próximos númerosda Revista Marítima.

A partir do Capítulo2, Mahan se concen-trou na apresentaçãodas grandes campa-nhas e batalhas navaisdesde 1660, isto é, apartir da restauração Stuart com Carlos IIna Inglaterra, da assunção de Luís XIV nosnegócios de Estado francês, após a mortedo Cardeal Mazarino, e da reorganizaçãoeuropeia após os Tratados de Westphalia,em 1648, e dos Pirineus, que propiciou, se-gundo ele, “um estado de paz externa ge-ral, destinada a ser atingida brevemente por

uma série de guerras universais que dura-riam enquanto Luís XIV vivesse”.54 Paraele, nessas guerras contínuas o poder ma-rítimo tivera, em menor ou maior grau, umagrande importância.55 O período abarcadopelo seu estudo transita até 1783, isto é, ofim da Revolução Americana, com o trata-do de paz assinado em Versailles em 3 desetembro de 1783.

O historiador naval inglês Sir John KnoxLaughton, ao comentar o livro de Mahanno Edinburgh Review, da Escócia, disseque o The influence of Sea Power upon

History era uma “es-plêndida apoteose dacoragem, tenacidade,habilidade e poder daInglaterra”.56 Era a acei-tação e a garantia deuma boa avaliação, es-crita por um renomadohistoriador britânico,com imenso prestígiono meio acadêmico.

O eminente histori-ador inglês Sir JulianStafford Corbett57, um

dos principais teóricos do poder marítimo,comentando sobre o livro, disse que pelaprimeira vez a história naval adquiria umabase filosófica e que, a partir de um grandenúmero de fatos históricos, grandes gene-ralizações foram possíveis, havendo pou-cos livros que tenham produzido efeito tan-to na ação como no pensamento político.58

53 SUMIDA, op. cit, p. 27.54 MAHAN, Alfred The Influence of Sea Power upon History, op. cit. p. 91.55 Ibidem, p. 91.56 LAUGHTON, John Knox. Captain Mahan on Maritime Power. Edinburgh Review. Edinburgh. V.

CLXXII, p 420-453, out, 1890. apud LIVEZEY, op. cit. p. 61.57 Corbett iria se distinguir posteriormente, publicando, em 1911, um livro importante em estratégia e

história naval chamado Some principles of Maritime Strategy, ainda não traduzido para o português.Corbett distinguiu-se como um especialista muito competente no estudo da Marinha inglesa noperíodo elizabetano.

58 WESTCOTT. Allan. Mahan on Naval Warfare. Selections from the writings of Rear-Admiral AlfredMahan. op. cit, p. xv.

Durante os dois últimosdias gastei metade do meu

tempo, atarefado comoestava, lendo o seu livro.Incorro em grave erro seele não se converter num

clássico navalTheodore Roosevelt

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Os ingleses se abismaram por ter sidoum norte-americano e não um britânico quemelhor descrevera as políticas navais ingle-sas da época, o que não deixou de ser umagrande surpresa. Além disso, a época emque o livro foi lançado não poderia ter sidomais propícia para o autor, assim como parao Almirantado inglês. No ano de 1889 haviasido estabelecida a política do “Two PowerStandard”59, e Mahan, sem perceber, proveude argumentos os políticos ingleses quedesejavam a expansão britânica no mar.

Na Alemanha, o livro foi um retumbantesucesso. O kaiser, ao ler o livro de Mahan,viu o respaldo neces-sário para a expansãocolonial de sua naçãoe o desenvolvimentode um forte poder ma-rítimo, de modo a con-testar o poder da Grã-Bretanha. Em maio de1894, diria que não es-tava lendo somente olivro de Mahan, massim o devorando, com o propósito dedecorá-lo e fazer com que sua leitura fosseobrigatória nos navios de sua Marinha.60

No país de Mahan, os EUA, o livro inici-almente obteve menor impacto, no entantofoi avidamente lido por TheodoreRoosevelt, que viria a ser Presidente da Re-pública. Roosevelt não só adorou o livrocomo disse: “Durante os dois últimos diasgastei metade do meu tempo, atarefado comoestava, lendo o seu livro. Incorro em grave

erro se ele não se converter num clássiconaval”.61 Além do apoio de Roosevelt, osenador Cabot Lodge também ficou viva-mente impressionado com o livro, uma vezque era partidário da expansão de seu paísem direção ao Caribe e ao Pacífico. Mahandefendera com entusiasmo a obtenção debases nessas regiões como um dos pilarespara o estabelecimento de um poder maríti-mo poderoso. Por seu lado, seu comandan-te, o Almirante Luce, disse o seguinte, a res-peito dessa obra de Mahan:

Esta obra é um trabalho excepcional;não existe nada comoisso em toda a litera-tura naval. Nenhumoutro autor com o qualmantive contato con-duziu esse tema com oespírito liberal e, porque não dizer, filosófi-co ou comentou a his-tória da Marinha esuas realizações nos

negócios do Estado, apontando a suaimportância para a vida nacional. Estetrabalho é inteiramente original em suaconcepção, brilhante em sua constitui-ção e acadêmico em sua execução62.

Em outros países, o impacto dessa obrade Mahan foi também considerável. Tra-duções para francês, alemão, japonês, rus-so, espanhol e italiano foram logo dissemi-

59 Política agressiva inglesa estabelecida em 1899 que determinava que a esquadra de batalha desse país deveriaser igual ou maior em números que os dois poderes navais que se seguiam. Utilizava-se como referênciao número de encouraçados componentes da esquadra de batalha, segundo memorando de Reginald McKenna, primeiro lorde do Almirantado, para o primeiro-ministro H. Asquith, de maio de 1909.

60 CAMINHA, João Carlos Gonçalves. “Mahan: sua época e suas ideias”. Revista Marítima Brasileira.Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 3o trim 1986, p. 22. Excelente artigo escritopelo Almirante Caminha e que merece leitura complementar.

61 Ibidem, p. 22.62 TAYLOR, op. cit. p. 46.

Mahan desejavademonstrar a importância

que o mar tinha para odesenvolvimento das

nações, tomando comoexemplo a Grã-Bretanha

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nadas. Incompreensivelmente, não houvetraduções para o português63.

O que efetivamente Mahan desejava como seu livro era demonstrar a importância queo mar tinha para o desenvolvimento dasnações, tomando como exemplo a Grã-Bretanha. Além disso, queria compreenderquais princípios governavam a guerra domar desde a antiguidade. O que efetivamen-te queria Mahan era despertar na classepolítica dos EUA a centralidade das políti-cas navais para o desenvolvimento nacio-nal. Considerava que aMarinha norte-ameri-cana tinha uma postu-ra defensiva, voltadapara a guerra costeira,sem pretensões além-fronteiras. Acreditavaque essa postura eradeficiente e equivoca-da, indicando que omelhor caminho era aofensiva e a projeção internacional.

Por muito pouco Mahan não se viuretornando para o mar. O chefe do Bureaude Navegação da Marinha norte-america-na, Comodoro64 Francis Ramsay, pretendeumovimentá-lo para uma nova funçãoembarcada, logo após a publicação de seulivro. Acreditava Ramsay que não era fun-ção de um oficial de Marinha escrever li-vros. Se não fosse pelo prestígio de Mahane o sucesso de seu livro, ele seria fatalmen-te transferido.

Em 1892, Mahan lançou o segundo livroda série, chamado de The influence of Sea

Power upon the French Revolution andEmpire65. Novo sucesso de vendas e de crí-tica. Ao contrário do primeiro livro, esta obrabaseou-se em algumas fontes primárias, sen-do que o período abarcado foi cerca de 1/5do anterior; no entanto, devido à profundi-dade e extensão da pesquisa, foi publicadaem dois volumes. Em sua essência, esta vas-ta obra era uma continuação da primeira; noentanto, sua análise foi mais detalhada. Se-gundo Sumida, a diferença marcante entreessa obra e a anterior foi a forma como o seu

texto foi analisado, “al-terando-se fundamen-talmente a forma e asubstância de seu ar-gumento governamen-tal”66. Nela encontra-seuma frase célebre, emque o autor norte-ame-ricano comentou que“o mundo jamais viuuma demonstração

mais impressionante da influência do podermarítimo na história. Aqueles navios dis-tantes e desgastados por tempestades comos quais a Grand Armée francesa nunca sepreocupou se contrapunham a ela e ao do-mínio do mundo”.67 Queria dizer que naque-la esquadra combativa e desgastada da Grã-Bretanha estava a própria dominação mun-dial, fato não percebido por Napoleão. Hácertamente na afirmação de Mahan um cer-to exagero, no entanto a frase tornou-se fa-mosa nos círculos navais.

As duas obras compuseram, juntamen-te com Sea Power in its relations to the

63 Existe um projeto a ser conduzido pela Escola de Guerra Naval do Brasil no ano de 2009 parafinalmente se traduzir esse livro para o português.

64 Posto não existente na Marinha brasileira, correspondendo a um grau intermediário entre capitão demar e guerra e contra-almirante.

65 MAHAN, Alfred Thayer. The influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire 1793-1812. v. 2, Boston: Little Brown, 1892.

66 SUMIDA, op. cit. p. 33.67 MAHAN, Alfred Thayer. The influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire 1793-

1812. op. cit p. 118.

O que efetivamente queriaMahan era despertar naclasse política dos EUA acentralidade das políticas

navais para odesenvolvimento nacional

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War of 181268, de 1905, em dois volumes, asérie de três livros The influence of SeaPower, cunhada pelo professor Sumida69.

Em 1891, o conhecido estrategista in-glês Almirante Philip Colomb lançou nomercado editorial do Reino Unido um den-so livro de história naval e estratégia, oNaval Warfare70, ou seja, um ano após aobra de Mahan. Embora fosse um livromuito bem elaborado, foi totalmente eclip-sado pela obra de seu colega dos EUA,inclusive em seu país natal71. Reconhecen-do esse fato, Colomb escreveria, comcharme e modéstia, para Mahan: “Acredi-to que todos os membros do mundo navalconsideram o seu livro como ‘o’ livro dageração, e meu livro vem muito atrás doseu em mérito literário”.72

Mahan tornou-se, assim, figura conhe-cida tanto nos EUA como em outros paí-ses. Ele viria a descobrir que escrever era oseu campo de atuação e não guarnecer na-vios. Sua importância cresceu tanto que,mesmo quando não podia estar presenteem suas aulas para os oficiais alunos doscursos em Newport, suas palestras eramlidas em voz alta por algum aluno. Esse inu-sitado procedimento levou o ComodoroRamsay, o mesmo que quisera movimentá-lo anteriormente, a comentar que “era toli-ce enviar oficiais para cursarem a EGN-EUApara fazê-los apenas ler para si próprios oslivros de Mahan”.73

Em 1892, Mahan completou a biografiado Almirante norte-americano DavidFarragut74, pelo qual nutria profunda admira-ção. Além de suas qualidades de liderança ecoragem, Mahan acreditava ter algo em co-mum com ele: Farragut era profundamentereligioso, modesto e desprovido de presun-ção, pelo menos assim se percebia Mahan.75

Dentre as cartas de reconhecimento querecebeu a respeito deste livro, a que muitolhe agradou foi a do filho do almirante, LoyallFarragut, que anteriormente escrevera ou-tra biografia de seu pai. Disse Loyall que “oautor do Influence of Sea Power uponHistory encontrou no Almirante Farragutuma simpática pessoa, trabalhando o mate-rial disponível de uma maneira magistral [...]não teremos palavras suficientes para elo-giar a maneira como o Comandante Mahannos disponibilizou o melhor de Farragut”.76

Em maio de 1893, Mahan foi designadopara assumir, a contragosto, o comando doCruzador USS Chicago. Ramsay acabouvencendo a queda de braço com Mahan.77

O Chicago era um dos mais novos na-vios da Marinha, tendo sido comissionadoem 1889. Era um cruzador protegido com4.500 toneladas de deslocamento, capaz develocidades de 33 nós, armado com quatrocanhões de oito polegadas, oito de seispolegadas e dois de cinco polegadas. Naocasião era o segundo maior navio em di-mensões da Marinha78. Com certeza essa

68 MAHAN, Alfred Thayer. Sea Power in its relation to the War of 1812. 2. v. Boston: Little Brown,1905.

69 SUMIDA, op.cit. p.120. Sumida inclui o livro The life of Nelson como o quarto livro da série. Noentanto essa obra foi uma detalhada biografia de Nelson e assim seria melhor classificada dentro dasérie de suas biografias.

70 COLOMB, Phillip. Naval Warfare. 3. ed. London: Allen, 1899.71 TILL, Geoffrey. Maritime Strategy and Nuclear Age. New York: St Martin Press, 1982, p. 28.72 SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy.op. cit, p. 66.73 CROWL, op. cit. p. 447.74 MAHAN, Alfred Thayer Mahan. Admiral Farragut. New York: Appleton, 1897.75 TAYLOR, op. cit. p. 54.76 Ibidem, p. 55.77 SCHURMAN, op. cit. p. 66.78 SEAGER II, v. 2, Letters and papers, op. cit. p. 103.

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designação seria muito comemorada porqualquer oficial de Marinha daquele tem-po, no entanto para Mahan não foi. Disseele o seguinte:

Eu estava pronto para ir para o mar, en-tretanto neste período decidi que escre-ver tinha para mim maiores atrações queseguir com minha profissão e me pro-porcionaria melhor remuneração. Eu de-veria ter solicitado logo a minha reser-va, se tivesse os necessários 40 anosde serviço, no entanto ainda faltavamquatro anos. Meu propósito era escre-ver logo a Guerra de 1812, enquantoos eventos dessa guerra estivessem vi-vos na minha mente, e por isso soliciteinão embarcar em navio algum, alegan-do que solicitaria minha reserva quan-do completasse 40 anos. Minha solici-tação foi descabida, pois eu não deranenhuma garantia para isso, e a abertu-ra desse precedente seria ruim para aMarinha.79

Assim, Mahan assumiu o comando doChicago e logo depois rumou para a Europa,compondo uma força-tarefa norte-americana,sob o comando do Almirante Henry Erben.

Logo que o Chicago chegou ao ReinoUnido, um grande número de pessoas influ-entes quis conhecer Mahan, convidando-opara diversas solenidades. Em Queenstown,na Irlanda, Mahan recebeu um telegrama daembaixada norte-americana em Londres di-zendo que Lorde Spencer, primeiro lorde doAlmirantado, gostaria de convidá-lo para umjantar e perguntava qual seria a data maisconveniente para esse evento.

Esse jantar realmente ocorreu na chega-da do navio à Inglaterra, e a ele comparece-

ram, além de Mahan e Erben, o vice-rei daIrlanda, diversos membros do gabinete, al-mirantes e generais. Em seguida, Mahanfoi convidado para jantar com a rainha Vi-tória, o que o deixou profundamente emo-cionado e preocupado, pois foi a primeiravez que deveria jantar com o seu uniformede gala, ornado de medalhas e espada. Fi-cou vivamente impressionado com o luxodos uniformes e das condecorações utili-zadas pelos almirantes ingleses. Compare-ceram ao banquete em sua homenagem,além da rainha, o príncipe de Gales (poste-riormente rei Eduardo VII), o duque deYorke (posteriormente rei George V), lordeRoberts, o Almirante de Esquadra Sir HenryKeppel, além de inúmeros dignitários in-gleses e estrangeiros80.

Semelhantes elogios Mahan recebeu,também, na França. O crítico francêsAuguste Moireau disse que “depois de seuprimeiro livro, e especialmente a partir de1895, Mahan estabeleceu a base para todoo pensamento em assuntos navais; foi as-sim visto claramente que o poder marítimoera o princípio que determinaria se os im-périos cresceriam ou cairiam”.81

No Japão, o próprio governo colocouos livros de Mahan em todas as escolas, eas academias militares adotaram Theinfluence of Sea Power upon History comolivro-texto. Livezey afirmou que o Japãoestava se preparando para Tsushima e as-sim estabeleceu os fundamentos de suapolítica de “esfera de co-prosperidade”.82

Em sua segunda visita à Inglaterra, aindacomo comandante do Chicago, no ano se-guinte, em 1894, Mahan foi homenageadocom um banquete público patrocinado pelolorde prefeito de Londres no St James Hall eque contou com cerca de 400 convidados,

79 MAHAN, From sail to steam, op. cit. p. 313.80 TAYLOR, op. cit. p. 62.81 WESTCOTT. op. cit, p. xiv.82 LIVEZEY, op. cit. p. 76.

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entre almirantes, generais e políticos da Grã-Bretanha. Após o jantar, no momento dosbrindes costumeiros à rainha, ao Presidentedos EUA, a Mahan, ao Almirante Erben eaos oficiais do Chicago, Mahan agradeceuproferindo as seguintes palavras:

Certamente os oficiais da Marinha nor-te-americana sentem uma peculiar sim-patia pelos ingleses, acima inclusive deseus conterrâneos. Por causa de nos-sa educação e nosso modo de pensar,somos levados a ter simpatia e contatocom os interesses britânicos e nós,como oficiais deMarinha, temosespecial simpatiacom o maior dosinteresses, que é aArmada Real. AMarinha Real é aprimeira linha dedefesa da Grã-Bretanha [...] quando se menciona essaMarinha, os sentimentos queporventura existam de indiferençatransformam-se em admiração e entu-siasmo pelo passado de glórias que nãofoi ultrapassado por nenhuma outraforça nos anais do tempo.83

Mahan admirava a Marinha Real britâ-nica, e esse sentimento era explícito e mui-to bem correspondido pelos ingleses.Mahan era uma celebridade amiga da Grã-Bretanha. Pelo sucesso de seus livros, re-cebeu os títulos de doutor honoris causadas Universidades de Oxford e Cambridge,em maio de 189484. Ficou encantado com o

ambiente e a atmosfera em Oxford, escre-vendo para o seu filho que Oxford era umlugar “fascinante e charmoso e os inglesesestavam certos em amar o seu país, poisnão existia nenhum país mais amável”.85

Em janeiro de 1895, Sir John Seeley, titu-lar de História Moderna da Universidadede Cambridge, faleceu, abrindo uma vaganessa cadeira. Imediatamente especulou-se na imprensa inglesa que o melhor nomepara esse posto seria o de Mahan86, noentanto continuava como comandante doChicago, e uma mudança de vida tão brus-ca não estava em seus planos.

Nem tudo, porém,corria bem a bordo doChicago. Seu relacio-namento com Erbenera ruim. O almirantecomandante da forçaera um velho lobo domar, da velha escola denavios a vela. Além

disso, era egocêntrico, desbocado, profa-no e de temperamento irascível. O mais in-crível é que não lera nenhum livro deMahan, ou melhor, não gostava de ler ne-nhum livro.87 Seu relacionamento com ocomandante de seu capitânia, o Chicago,passou a ser terrível. Erben não compreen-dia como um oficial de Marinha abria mãode embarcar, em detrimento de escrever li-vros “sobre o passado”. Além disso,Mahan, por ser excessivamenteintrovertido e intelectualmente superior,afastava ainda mais seu comandante ime-diato, e Erben reagia mal a esse estado decoisas. O almirante considerava Mahan ummau oficial de Marinha, pouco dotado para

83 Ibidem, p. 64.84 Viria depois a ser doutor honoris causa em História pelas Universidades de Harvard, Yale, Columbia,

Dartmouth e McGill. Fonte: TAYLOR, op. cit. p. 107.85 LIVEZEY, op. cit, p. 68.86 Ibidem, p. 75.87 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 255.

O almirante consideravaMahan um mau oficial deMarinha, pouco dotado

para as lides marinheiras

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as lides marinheiras88. Da mesma forma, aopinião de Mahan sobre Erben não era di-ferente: um limitado oficial, pouco dotadointelectualmente.

Seu período de comando lhe foi de gran-de sacrifício. Mahan detestava a vida nomar; além disso, era mau manobrador denavios, o que lhe trazia dissabores comErben, que o considerava ineficiente comocomandante. Em certa situação, disse a seuamigo Samuel Ashe que estava na profis-são errada por quase 40 anos:

Sou forçado diaria-mente a compreen-der que estou fi-cando velho e quetodo o charme davida de bordo estáesquecido. Estousobrevivendo, nãovivendo. Tenho aconsciência dolo-rosa que estou gas-tando muita ener-gia para fazer algoque me é indiferen-te, ao mesmo tempo em que estou impe-dido de fazer o que tenho capacidade.Não tem sido um sentimento agradável,especialmente quando vem acompanha-do do conhecimento de que minha ca-beça dura da juventude me colocou nes-sa profissão que, para dizer o menos,não foi a melhor escolha que tive paraminhas qualificações89.

Em maio de 1895, Mahan finalmente deixa-va o comando do Chicago, o que foi de extre-ma alegria para ele, pois se encontrava à beirade um ataque de nervos. Até a sua reserva doserviço ativo, em novembro de 1896, Mahanpermaneceu em algumas comissões temporá-rias em Newport. A sua opção pela reservaindicou a preferência pela vida acadêmica li-gada à produção de conhecimentos na áreade história naval e estratégia. Sua vida na Ma-rinha tinha sido um sacrifício que fazia ques-tão de esquecer. Começava uma nova carreira

voltada para o estudo ea reflexão sobre o podermarítimo na História.

A NOVACARREIRA

Em 1897, Mahancompletou um clássicoda história naval: Thelife of Nelson: theembodiment of the SeaPower of GreatBritain90, escrito emdois volumes. Uma obra

realmente magistral sobre Lorde Horatio Nel-son, vencedor das Batalhas de Copenhagen,Aboukir e Trafalgar, morto, inclusive, nesseúltimo encontro. Nesse livro, Mahan recor-reu, em caráter extraordinário, a fontes primá-rias, como as cartas de Nelson; no entantonão apreciava a busca arquivística, preferin-do recorrer a fontes secundárias. A pesquisaem arquivos não era de seu agrado.

88 O Almirante Erben escreveu para o Bureau de Navegação em dezembro de 1893 dizendo que osinteresses de Mahan estavam fora da Marinha e que ele se importava pouco com a sua profissão,sendo, assim, um mau oficial de Marinha. Seus interesses estavam voltados para a “literatura”,segundo suas palavras, e sem qualquer conexão com o serviço naval. Fonte: SEAGER, Alfred ThayerMahan. The man and his letters, op. cit. p. 278.

89 Carta de Alfred Mahan para Samuel Ashe escrita de Genova, a bordo do USS Chicago, em 24 denovembro de 1893. Fonte: SEAGER II, Letters and papers, op. cit. p. 181.

90 MAHAN, Alfred Thayer. The life of Nelson: the embodiment of Sea Power of Great Britain. 2. v.Boston: Little Brown, 1997.

Mahan procurou, enfatizaras características de

comando de Nelson, quepossuía uma combinaçãode qualidades políticas,

administrativas e militares,raras, segundo ele, em

apenas um homem

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Desde o seu livro The influence of SeaPower upon the French Revolution andEmpire, Mahan se envolveu com esse per-sonagem fascinante que se confrontoucom a poderosa esquadra de Napoleão,impedindo o domínio do mar francês.

Mahan, em sua biografia de Nelson, afir-mou que esse almirante inglês atuava comoum verdadeiro agente do Estado britânico,fazendo cumprir os ditames governamen-tais onde fosse necessário com os seusnavios de guerra. Mahan procurou, tam-bém, enfatizar as características de coman-do de Nelson, que possuía uma combina-ção de qualidades políticas, administrati-vas e militares, raras, segundo ele, em ape-nas um homem. Nelson exibiu, de acordocom sua opinião, superioridade nesses trêscampos.91

Em Nelson, Mahan apontou “uma apre-ciação sagaz das condições reinantes, com-binada com sua alta resolução e firme discri-ção”.92 Com esse tipo de percepção, Nelsonprocurava sempre a decisão pela batalhacomo uma questão de princípio. Esse pontoera muito admirado por Mahan, que via nes-se procedimento de Nelson o toque ofensi-vo e resoluto em destruir a esquadra inimi-ga, quando e onde se fizesse necessário.

Mahan, além disso, considerava Nelsonum gênio, e sua admiração por ele igualava-se à de Antoine Henri Jomini93 por Napoleão.Dizia Mahan que “um alto grau de raciocí-

nio ilumina o processo mental de Nelson,porém não é só por meio do raciocínio, quan-do cara a cara com o perigo, ao ultrapassar oabismo, que separa a percepção, apesar declara, da convicção interna que sozinha sus-tenta a ação mais elevada”94.

Mahan também abordou o Nelson ho-mem, com sentimentos, defeitos e qualida-des. Ao contrário de outros biógrafos maisinquisitivos, inclusive em relação a RobertSouthey,95 que escrevera uma biografia deNelson em 1813, de cunho bem mais críticoda conduta deste, principalmente na ques-tão dos fuzilamentos por ele ordenados em1799, depois dos jacobinos já terem se ren-dido honradamente no Reino das DuasSicílias, Mahan procurou descobrir os im-pulsos privados nas ações públicas deNelson96, procurando analisar sua vida ín-tima. Um dos pontos mais polêmicos deNelson foi o seu relacionamento com EmmaHamilton, que foi devidamente discutidopor Mahan; no entanto, o autor norte-ame-ricano mencionou o caráter manipulador deEmma sobre seu marido, Sir William Hamil-ton, embaixador britânico no Reino dasDuas Sicílias, e sobre o próprio Nelson,“amante devotado, um homem crédulo quenecessitava de adulação”97, segundo pa-lavras do historiador Peter Gay. ParaMahan, Nelson possuía as qualidades queo fizeram a incorporação do poder maríti-mo da Grã-Bretanha.98

91 SUMIDA, op. cit. p. 37.92 MAHAN, Life of Nelson, v. 2, op. cit. p. 306.93 Posteriormente, no próximo número da Revista Marítima, será discutida a influência de Jomini nos

estudos conduzidos por Mahan.94 Ibidem, p. 324.95 Robert Southey é muito conhecido na historiografia brasileira por ter escrito uma História do Brasil

em 1819, apesar de nunca ter visitado o Brasil. Disse Southey sobre sua obra História do Brasil que“daqui a séculos meu livro se encontrará entre aqueles que estão destinados a não morrer e será paraos brasileiros o que a obra de Heródoto é para a Europa”. Fonte: SOUTHEY, Robert. História doBrasil. v. 1. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1977, p. 13.

96 GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. O coração desvelado.v. 4. São Paulo:Companhia das Letras, 1999, p.185.

97 Ibidem, p. 185.98 Tradução literal de Embodiment of Sea Power of Great Britain, título do seu livro.

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Como não poderia deixar de ser, o livro teveimediata aclamação na Grã-Bretanha. Seu edi-tor inglês, R. B. Marston, disse o seguinte:

O senhor trouxe Nelson à vida novamen-te. Como inglês e o primeiro a ler o seulivro, posso verdadeiramente agradecerem nome de toda a minha nação, entre-tanto tudo que farei é lhe anunciar queos agradecimentos da Grã-Bretanha es-tão vindo tão cedo quanto Little Brownenviar os livros para as livrarias.99

O crítico literário do The Times, de Lon-dres, J. R. Thursfield, profetizou que o Lifeof Nelson se tornaria um dos maiores clássi-cos da literatura naval. Disse ele que muitasmemórias de Nelson foram escritas, mas olivro de Mahan não tinha rival à altura. To-dos os estudantes de História quepesquisarem Nelson deveriam ler esse livrocomo a “mais autorizada, acurada, adequa-da e psicológica biografia”100 do herói in-glês, segundo Thursfield. Realmente, essaobra de Mahan até hoje é pesquisada comorelevante e fundamental para se conhecer avida de Horatio Nelson. A busca em fontesprimárias lhe rendeu bons frutos.

Nesse mesmo ano de 1897, Mahan lan-çou outro livro The interest of América inSea Power, present and future101, uma se-leção de oito ensaios escritos por ele102,nos quais foram discutidas questões rela-tivas ao Havaí e sua importância para osEUA, a necessidade de se obter o controledo istmo do Panamá, as possibilidades deuma união de objetivos comuns entre a

Grã-Bretanha e os EUA, as perspectivasestratégicas do Mar do Caribe e do Golfodo México, o futuro do poder marítimo dosEUA, perspectivas da política externa nor-te-americana, a sua preparação para a guerranaval e prognósticos para o século XX.

Em resumo, esses ensaios foram escri-tos para diversos periódicos entre dezem-bro de 1890 e outubro de 1897, contudoessa obra de compilação não obteve o mes-mo reconhecimento obtido com seus livrosanteriores, sendo mais um trabalhoensaístico, sem o rigor histórico das obrasanteriores. No entanto, ele foi escrito emum período importante da história norte-americana, quando o Caribe passou a pre-ocupar a sua política externa, culminando,no ano seguinte, na Guerra Hispano-Ame-ricana. Em realidade, o livro obteve maiscrédito na Grã-Bretanha do que nos EUA.Contudo, com o advento da guerra em 1898,esses ensaios foram lidos com maior deta-lhe e “entusiasticamente resenhados porjornais norte-americanos, influenciadospelo momento do conflito com aEspanha”.103 Hoje em dia esse livro tem sidopouco mencionado.

Em 1898, logo depois da eclosão dessaguerra, Mahan foi chamado para compor oNaval War Board, com o propósito de for-necer ao secretário da Marinha, John Long,assessoria técnica e estratégica sobre asoperações em curso.104 Segundo o historia-dor Russell Weigley, o Naval War Board nãoteve qualquer interferência na questão es-tratégica, uma vez que, embora não existis-sem planos contingentes, a Marinha dos

99 TAYLOR, op. cit. p. 84.100 Ibidem, p. 82.101 MAHAN, Alfred Thayer Mahan. The interest of America in Sea Power, present and future. Boston:

Little Brown, 1897.102 Os periódicos referenciados foram o Atlantic Monthly, o Fórum, o North American Review e o

Harpers New Monthly Magazine. Fonte: Ibidem, p. vii.103 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 352.104 Faziam parte do Board, juntamente com Mahan, o Almirante Montgomery Sicard e o Capitão de

Mar e Guerra Crowninshield. Fonte: TAYLOR, op. cit. p. 88.

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EUA já tinha decidido atacar o “decrépitoesquadrão naval espanhol nas Filipinas demodo a já obter superioridade na eventualmesa de negociações de paz”105.

A posição de Mahan perante a guerracontra a Espanha era clara. Acreditava quea causa norte-americana era justa e que aConstituição de seu país deveria ser inter-pretada para permitir a aquisição e admi-nistração de colônias106. Estava convictode que a emergência dos EUA na arena in-ternacional traria àconsciência do povonorte-americano queuma aliança com a Grã-Bretanha era necessá-ria, sendo essa uniãoanglo-saxônica bené-fica para o mundo. Emcarta a seu amigo in-glês George SydehamClark, disse o seguinte:

Pessoalmente acredito que essa guerra[contra a Espanha] é não somente justa,mas que os sentimentos de nossa de-mocracia como um todo, ao entrarmosna guerra, são livres de qualquer conta-minação[...] a extensão da influência dosEUA, a expansão territorial e de colôni-as são aceitas como quase uma unani-midade de pensamento107.

Pode parecer estranho, mas Mahan nãoestava na vanguarda do imperialismo108

norte-americano, representado porTheodore Roosevelt e Cabot Lodge, queviam nessa iniciativa um projeto nacional eque a vitória sobre os espanhóis por Cubatraria a oportunidade de anexar também asFilipinas. Segundo Robert Seager II, Mahanpercebeu desde 1896 a necessidade e aoportunidade de expansão comercial noPacífico e nos mercados chineses, no en-

tanto não existe, se-gundo Seager, qual-quer evidência ligandoa anexação do arquipé-lago filipino com o im-perialismo tradicionalrooseveltiano. Acredi-tava Mahan que aaquisição de estaçõesde carvoagem em

Manila, Guam e na foz do Rio Yang-Tse eraadequada à futura expansão comercial emdireção à China.109 Certo, no entanto, foique Mahan acreditava que Deus conduziaos EUA para uma missão civilizadora nes-sas colônias convertidas.110

No ano seguinte, Mahan foi convoca-do para compor a delegação de seu paíscomo especialista naval111 na primeira Con-ferência de Paz de Haia, sob a presidênciade Andrew White. Um fato que marcou a

105 WEIGLEY. Russell. The american way of war. Bloomington: Indiana University Press, 1977, p. 183.106 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 388.107 Carta de Alfred Mahan para George Sydeham Clarke, escrita em 24 de maio de 1898 de Washington

DC. Fonte: SEAGER II, Letters and papers, op. cit. p. 556.108 Define-se imperialismo como o conjunto de práticas e teorias que um centro metropolitano elabora

para controlar um território distante. O imperialismo promoveu disputas por fontes de matérias-primas entre trustes e cartéis que, já tendo dominado o mercado interno em seus países de origem,precisavam se expandir para além de suas fronteiras, defrontando-se com cartéis e trustes de paísesconcorrentes. Fonte: SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de ConceitosHistóricos. São Paulo: Contexto, 2005, p. 218.

109 SEAGER, Letters and papers, op. cit p. 391.110 Ibidem, p. 394.111 Delegação composta, além de White e Mahan, por Seth Low e Stanford Newel, políticos norte-

americanos; William Crozier, do Exército; e Fred Holls, secretário da delegação. Fonte: TAYLOR,op. cit. p. 94.

Mahan percebeu desde1896 a necessidade e a

oportunidade de expansãocomercial no Pacífico e nos

mercados chineses

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participação de Mahan na conferência foiseu voto contra a proibição do uso de ga-ses asfixiantes, propugnado pela maioiadas delegações presentes. Essa atitude,muito criticada na época, se deveu a umainterpretação pouco ortodoxa de Mahan.Acreditava que não se conheciam aindaos efeitos dos gases asfixiantes nos sereshumanos, e seu propósito principal com ovoto contrário foi permitir que os cientis-tas norte-americanos tivessem a capacida-de de pesquisar e desenvolver uma armaeficaz que teria efeito destrutivo sobre qual-quer inimigo que desejasse atacar os EUA.Mahan não defendeu o uso dessa arma.Ele apenas concordou com a pesquisa eeventual utilização em caso de ataque con-tra o seu país.

Ao final da conferência, apenas os EUAe a Grã-Bretanha votaram favoravelmenteao uso desse tipo de gás, contra 26 paísesque votaram contra112. Em 1907, a Grã-Bretanha votou contra, deixando os EUAcomo o único país favorável à utilização. AGrande Guerra de 1914 veria a Alemanhautilizar essa arma mortal, apesar do que foidecidido na conferência.

Em 1899 e 1900, Mahan publicou segui-damente três livros: Lessons of war withSpain, The problem of Asia and its effectupon international policies e The story ofwar in South África 1899-1900.

O primeiro livro113 foi uma análise daGuerra Hispano-Americana, que acabara deocorrer. Mahan procurou descrever as li-ções retiradas da guerra contra a Espanha,a Conferência de Paz que se seguiu e osaspectos morais da guerra. Em seguida,dissertou sobre as relações existentes en-tre os EUA e os seus novos protetorados,encerrando com dois capítulos referentesàs qualidades dos navios de guerra no con-flito e às falácias correntes, segundo suapercepção, sobre alguns temas navais114.

No segundo livro,115 Mahan discorreusobre a questão asiática e os efeitos dessaquestão na política mundial, terminandocom algumas considerações sobre o con-flito no Transvaal. Infelizmente, o livro nãoteve uma boa recepção no mercado edito-rial, fruto possivelmente de sua pesquisasuperficial e recorrência a fontes secundá-rias, sem a profundidade adequada. O livrosaiu quase todo de sua imaginação, compoucas referências que corroborassemsuas ideias.116

No terceiro livro117, mais específico, escritoem apenas três meses, ele abordou o Conflitodos Bôeres e os combates contra os inglesesem sete capítulos. Disse que o livro que escre-vera tinha como propósito demonstrar ao “ho-mem comum das ruas”118, isto é, ao públicoleigo norte-americano, a justeza da causa bri-tânica em sua luta contra os bôeres.

112 Ibidem, p. 97.113 MAHAN, Alfred Thayer. Lessons of the war with Spain and other articles. Boston: Little Brown,

1899.114 Esse livro foi composto da compilação de artigos para os periódicos Mc Clure´s Magazine, North

American Review, Engineering Magazine, Scripps-Mac Era Newspaper League e Harpers MonthlyMagazine, entre junho de 1898 e outubro de 1899. Fonte: Ibidem, p. xvi.

115 MAHAN, Alfred Thayer. The problem of Asia and its effect upon international policies. Boston:Little Brown, 1900.

116 SEAGER Letters and papers op. cit, p. 462.117 MAHAN, Alfred Thayer. The story of the War in South Africa 1899-1900. Boston: Little Brown,

1900.118 Mahan utilizou a expressão em inglês “the sort of thing the man in the street needs”.119 A Rusi existe até hoje na Inglaterra, sendo uma sociedade muito importante nas discussões dos

assuntos de Defesa.

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Nesse ano, 1900, Mahan recebeu umacomenda que muito o emocionou: a Meda-lha de Ouro Chesney, conferida pela RoyalUnited Services Institution (Rusi)119. Essasociedade inglesa foi fundada em 1831, como propósito de ser um local de debate paraoficiais da Marinha e do Exército interes-sados em assuntos militares. No início daexistência da Rusi, os assuntos apresenta-dos eram de natureza tecnológica, no en-tanto conferências sobre táticas e estraté-gia foram, depois de certo tempo, proferi-das120. Anualmente era escolhida a melhormonografia, em uma competição aberta atodos que se dispusessem a escrever. ARusi patrocinava também palestras de per-sonalidades importantes que para lá se di-rigiam para discutir assuntos de defesa doImpério. Sir John Knox Laughton e Sir PhillipColomb foram expositores constantes nainstituição. O Rusi também tinha outra ta-refa importante, que era permitir que ares-tas entre as Forças Armadas fossem lá apa-radas. Era também um local onde os milita-res podiam debater abertamente assuntosque, por sua natureza, não seriam permiti-dos dentro da caserna121. Com o passar dotempo, a instituição passou a ser conside-rado um local respeitado e considerado pelaqualidade dos trabalhos apresentados.

O Conselho da Rusi, sob a presidênciado Duque de Cambridge, primo da RainhaVitória e comandante em chefe do Exércitobritânico, por unanimidade, resolveu con-ceder anualmente ao melhor autor selecio-nado a Medalha de Ouro Chesney, em re-conhecimento pelos trabalhos e livros pu-blicados sobre assuntos de Defesa do Im-pério britânico. Mahan foi, por esse moti-vo, o primeiro escolhido pelo Conselho areceber essa medalha. O Duque de

Cambridge disse, em sua alocução depremiação, o seguinte:

A Medalha de Ouro Chesney foi criadaem memória do falecido General SirGeorge Chesney, um distinto oficial doCorpo de Engenheiros. Essa comenda épara ser conferida, por decisão do Con-selho da Rusi, ao autor que produzir umtrabalho literário original, tratando deciência militar e naval e literatura, emprol do engrandecimento do Impériobritânico. A primeira comenda conferidapelo Conselho foi ao senhor, [Mahan]em consideração a seus três grandes li-vros, The influence of Sea Power uponHistory, The influence of Sea Powerupon the French Revolution and Empiree The life of Nelson. É com grande satis-fação que lhe afirmo que seu nome foiescolhido por unanimidade122.

Dois anos depois de receber a MedalhaChesney, Mahan foi eleito por unanimidadenovamente para ser membro honorário per-pétuo da Rusi, em retribuição pela dissemi-nação e prestígio conferido à história navalbritânica. Nesse mesmo ano, 1902, Mahanfoi eleito presidente da Associação Históri-ca Americana, já sendo associado da Socie-dade Histórica de Massashusetts, da Soci-edade Geográfica de Lisboa, em Portugal.Alguns anos depois, entrou para a Socieda-de Histórica de Minnesota.123

Em 1906, Mahan foi promovido a contra-almirante na reserva por um ato do Congres-so que permitiu a promoção daqueles ofici-ais que tivessem lutado na Guerra Civil.Mahan manteve o título de captain até o fimde seus dias, embora já fosse legalmente con-tra-almirante. Continuou, também, como

120 SCHURMAN, op. cit, p. 8.121 Ibidem, p. 8.122 TAYLOR, op. cit. p. 104.123 Ibidem, p. 108.

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palestrante emérito na EGN-EUA, enquantoparticipou de diversos comitês designadospelo Presidente da República, seu amigoTheodore Roosevelt. Em 1909, foi designadopara compor um grupo de oficiais que rece-beu a incumbência de reorganizar a Marinha.Desse grupo faziam parte, além de Mahan einúmeros congressistas e almirantes, seuvelho comandante eamigo Stephen Luce.

Em 6 de junho de1912, Mahan foi refor-mado e se afastou detodas as tarefas gover-namentais a ele deter-minadas, três mesesantes de completar seu72o aniversário.

De 1901 a 1912,Mahan escreveu novelivros, quase um porano. O primeiro delesfoi em 1901, Types ofnaval officers, drawnfrom the History ofBritish Navy124. Esselivro foi um libelo à Marinha Real britânica,por ele sempre admirada. Mahan escolheuseis oficiais dessa Marinha para demons-trar as qualidades que ele reputava comonecessárias para transformar oficiais co-muns em líderes de homens.

Ele começou descrevendo as condiçõesgerais da guerra naval no início do séculoXVIII e o progresso ocorrido durante o trans-correr desse período. O primeiro chefe navalescolhido foi Edward Lorde Hawke (1705-1781), vencedor da Batalha da Baía deQuiberon, em 1759, durante a Guerra dos Sete

Anos. O segundo foi George Brydges, LordeRodney (1718-1792), vencedor da Batalha dosSantos, em 1782, durante a Guerra de Inde-pendência americana. Disse Mahan que“Hawke e Rodney são ilustrações destaca-das, o primeiro representando o espírito, osegundo a forma, de como eram os eficienteselementos do progresso humano naval ocor-

rido no século XVIII”.125

O terceiro foi RichardLorde Howe (1726-1799), vencedor da Ba-talha do Glorioso 1o deJunho, nas guerras daRevolução Francesa.Mahan o nomeou o al-mirante tático por exce-lência. O quarto biogra-fado foi John Jervis, EarlSaint Vincent (1735-1823), vencedor da Ba-talha do Cabo SãoVicente. Mahan a ele serefere como o grandedisciplinador e estrate-gista. O escolhido se-

guinte foi James Lorde Saumarez (1757-1836),brilhante oficial de esquadra e comandantede divisão naval. Por fim, Edward Pellew, Vis-conde Exmouth (1757-1833), destacado co-mandante de fragata e oficial eficiente. Trata-se, assim, do terceiro livro biográfico deMahan, seguindo as vidas de Farragut e Nel-son, por ele escritas.

No ano seguinte, 1902, Mahan publicouRetrospect and Prospect: Studies inInternational Relations, Naval andPolitical.126 Essa obra seguiu o formato dasanteriores com artigos publicados em perió-

124 MAHAN, Alfred Thayer. Types of naval officers drawn from the History of the British Navy; withsome account of the conditions of Naval Warfare at the beginning of the Eighteenth Century and itssubsequent development during the Sail Period. Boston: Little Brown, 1901.

125 Ibidem, p. 152.126 MAHAN, Alfred Thayer. Retrospect and prospect: studies in International Relations Naval and

Political. London: Sampson Low, Marston, 1902.

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dicos, compilados em um livro127. Nessa obra,Mahan discutiu as condições determinantespara a expansão naval dos EUA, a influênciada Guerra da África do Sul sobre o prestígioe os motivos que levaram à formação do Im-pério britânico, considerações que afetarama disposição das Marinhas, o papel do GolfoPérsico nas relações internacionais, algumasconsiderações sobre a regra militar de obedi-ência e, por fim, um elogio ao AlmiranteSampson, protagonista principal da GuerraHispano-Americana.

O próximo trabalho de Mahan seria o SeaPower in its relations to the War of 1812, oterceiro volume da trilogia The influence ofSea Power. Essa obra monumental de doisvolumes foi abordada de modo distinto porele. Ao invés de apontar os benefícios queadvêm para um país com o desenvolvimen-to de seu poder marítimo, ele discutiu asdesastrosas consequências que a falta depreparação para a guerra no mar pelos EUAmotivou na Guerra de 1812 contra a Grã-Bretanha. Com esse recado explícito, Mahanqueria convencer os cidadãos dos EUA deque o poder marítimo era importante para opaís. Afirmou categoricamente que a pros-peridade comercial norte-americana depen-dia da segurança das linhas de comércio.Uma de suas claras conclusões apontoupara o fato de que um país que negligencieo poder marítimo estará em uma posição deinferioridade na mesa de negociação que se

seguir a um conflito, afirmando que “falhan-do em criar, antes da guerra, uma Marinhacompetente, capaz de aproveitar oportuni-dades surgidas para atacar unidades hostisno mundo todo, não era possível, depois decomeçado o conflito, corrigir o erro”128.Mahan concluiu que uma modesta Marinhapoderia se contrapor a um poder naval maispoderoso, quando condições geográficas eoutras possibilidades fossem consideradas.Essa concepção se encaixava perfeitamenteno caso dos EUA, após seus estudos daguerra no mar do século XVII ao XIX.129

Em 1907, dois livros foram lançados:Some Neglected Aspects of War130 e FromSail to Steam. O primeiro era no estilo dosanteriores, com artigos selecionados já pu-blicados; no entanto houve uma diferençanesse trabalho: a inclusão de textos de doisoutros autores, Henry Pritchett e JulianCorbett. O primeiro discorreu sobre o esta-belecimento do princípio da arbitragem in-ternacional e o segundo sobre a captura depropriedade privada no mar. Mahan, por suavez, abordou os aspectos morais e práticosda guerra, considerações sobre a Conven-ção de Haia de 1907 e a questão da imunida-de da Marinha Mercante na guerra e, porfim, a guerra vista de um ponto de vista cris-tão, assunto que o interessava demasiado131.

No segundo livro publicado, From Sailto Steam132, Mahan escreveu sua autobio-grafia, em que descreveu alguns aspectos

127 Os capítulos foram compostos de artigos publicados nos periódicos The World Work, Leslie Weekley,The National Review, The Nattional Review and International Monthly e The Fortnightly Review.Fonte: Ibidem, p.ix e x.

128 Ibidem, v. 1, p. 310.129 SUMIDA, op. cit. p. 41.130 MAHAN, Alfred Thayer. Some neglected aspects of war. Boston: Little Brown, 1907.131 Esses artigos foram compilados do The Atlantic Monthly de julho de 1907 para o caso de Henry

Pritchett, ex-presidente do Instituto de Tecnologia de Massashussets; o The Nineteenth Centuryand After de junho de 1907 para Sir Julian Corbett; e North American Review, National Review e umtrabalho apresentado em um congresso religioso realizado em Providence, Rhode Island, em no-vembro de 1900 para o caso de Mahan. Fonte: Idem, p. xxiii.

132 MAHAN, Alfred Thayer. From Sail to Steam: recollections of naval life. London: Harper &Brothers Publishers, 1907.

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que considerou relevantes não só para asua vida como para a própria história daMarinha dos EUA. Ele iniciou o seu relatose apresentando e depois descreveu a situ-ação naval norte-americana após a Guerrade Secessão, tanto em termos de pessoalcomo em termos materiais. Prosseguiu des-crevendo o seu tempo na Academia Navalde Annapolis e o seu período embarcado, jácomo oficial, nos diversos navios da Mari-nha. Fica claro em seu texto que o seu perí-odo de embarque lhe foi muito penoso eque preferia escrever a ser um oficial a bor-do de navio. Seu tempo na EGN-EUA lhetrouxe alguns aborrecimentos, principalmen-te pela falta de compreensão por parte demuitos oficiais-generais da importância des-sa escola para a formação dos futuros líde-res navais. Disse ele: “A instabilidade dosdestinos da escola me irritou e perturbou.Se a Marinha não gostava do que eu estavafazendo, por que deveria eu persistir? Nadatem sido dado para o mundo, e eu não tenhotido nenhum encorajamento e pouco de mi-nha classe, com exceção da aprovação cor-dial de poucos oficiais”.133 A parte de suaautobiografia referente a “experiências deautoria” é por demais interessante, poisapontou suas principais dificuldades e in-fluências como autor134.

Em 1908, Mahan lançou NavalAdministration and Warfare135, seguindoo estilo de suas obras anteriores, umacompilação de artigos previamente publi-cados136. Foram abordados: os princípiosde administração naval; o Departamento

da Marinha dos EUA; os princípios e umretrospecto da Guerra Russo-Japonesa;duas aulas inaugurais no curso da EGN-EUA, a primeira proferida em 6 de agostode 1888 e a segunda em 6 de setembro de1892; seu discurso de assunção na presi-dência da Associação Americana de His-tória em 26 de dezembro de 1902; um arti-go sobre Nelson; o impacto da viagem daesquadra norte-americana em 1907 no Pa-cífico; e algumas considerações sobre aDoutrina Monroe.

No ano seguinte, 1909, Mahan lançouum livro que não tratou de História nem deEstratégia. Seu título, The Harvest within:thoughts on the life of the Christian.137

Essa obra foi voltada inteiramente para avida espiritual. Em todas as suas obras his-tóricas anteriores, Mahan se esquivava decomentar aspectos religiosos. Mesmo emsua autobiografia, From Sail to Steam,Mahan nada comentou sobre suas convic-ções religiosas. Nesse trabalho, Mahan sedebruçou inteiramente em questões espiri-tuais, sendo, assim, uma obra única.

Em 1910, seguiu-se The interest of Amé-rica in international conditions138. Essaobra foi composta por apenas quatro capí-tulos. Mahan estava preocupado, nesse li-vro, com a situação europeia e a emergênciada Alemanha como um elemento perturbadorna Europa. Ele citou o historiador HansDelbruck, que dizia que a rivalidade entre aGrã-Bretanha e a Alemanha era um resulta-do natural das relações internacionais e quenão poderia ser desprezada. Para Delbruck,

133 Ibidem, p. 303.134 Ibidem, p. 304.135 MAHAN, Alfred Thayer. Naval Adminstration and Warfare. Boston: Little Brown, 1918.136 Os artigos foram republicados dos periódicos National Review, Scribner´s Magazine, The Scientific

American e Colliers Weekley. Fonte: Ibidem, p. xiii, xiv.137 MAHAN, Alfred Thayer. The Harvest whin: toughts on the life of the Christian. Boston: Little

Brown, 1909.138 MAHAN, Alfred Thayer. The interest of America in International Conditions.Boston: Little Brown,

1910.

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essa rivalidade, naquela oportunidade, nãoenvolvia ainda o extremo da guerra, devidoà balança de poderes existente na Europa.139

Ao contrário, Mahan acreditava que o cho-que entre as duas nações poderia ocorrer aqualquer momento, enfatizando o seguinte:

Sob as condições atuais na Europa,notadamente pela incapacidade russa, jun-to com a diversão de suas energias para oleste, a Alemanha está a salvo de qualquerinvasão. Sua Marinha está, ou muito breveestará, livre para agir em qualquer parte domundo, com exceção da Marinha britânicaa lhe opor. Se a Marinha britânica permane-cer neutra ou sucumbir, a Alemanha, sobas presentes circunstâncias e com toda aprobabilidade, se tornará o estado navaldominante do mundo, assim como o paíspredominante da Europa.140

Mahan percebia claramente o provávelchoque entre os dois antagonistas, que já seencontravam em uma corrida armamentistade razoáveis proporções. Nesse livro, ainda,Mahan discutiu as relações entre o Leste e oOeste e a posição dos EUA em relação à po-lítica de “portas abertas” na China.

Em 1911, Mahan escreveu o NavalStrategy compared and contrasted withthe principles and the practice of militaryoperations on land141, um livro fundamen-tal para se compreender o seu pensamentoestratégico e operacional. Nele são compi-ladas as palestras ministradas por Mahanna EGN-EUA entre os anos de 1887 e 1911.Trata-se de uma obra magistral e extensa(cerca de 475 páginas), na qual o autor dis-cutiu a questão dos princípios e o desen-

volvimento da estratégia desde a morte docardeal Richelieu em 1642. São 15 capítu-los discursivos em que ele se debruça so-bre a história naval, apontando, com exem-plos históricos, a aplicabilidade e relevân-cia dos princípios utilizados nas guerrasdo passado. Mahan não deixou de discutira Guerra Russo-Japonesa e procurou reti-rar lições de seus resultados. Nessa obraMahan também discutiu questõesgeopolíticas envolvendo os EUA e a im-portância da concentração, da posição cen-tral, das linhas interiores e das linhas decomunicação142. Em uma carta a seu amigoAlmirante Bouverie Clark, da Marinha bri-tânica, Mahan comentou a grandiosidadede seu trabalho e suas hesitações naturaisde quem se dedicou inteiramente à Escolade Guerra. Ele ainda tinha dúvidas do su-cesso de seu livro. Disse ele a Clark:

Lembro-me que você comentou comigoem sua carta sobre a hesitação em ler omeu Naval Strategy. Sinceramente de-sejo que você não o leia por pura amiza-de. Eu lhe confessarei que compor esselivro foi a tarefa mais perfunctória quefiz como autor. Existiam razões imperio-sas para assim fazer, porém a sua escritafoi por mim sentida como um fardo. Foifeita conscientemente, e desejo que elanão seja tão ruim assim. Mas foi contraa minha inclinação, e acredito que seja aminha última grande obra profissional aque me proponho. Muitos elogios meforam feitos para desejar que, emboracontenha muitos defeitos, minha repu-tação não sofra muito por causa dela.143

139 Ibidem, p. 72.140 Ibidem, p. 78.141 MAHAN, Alfred Thayer. Naval Strategy compared and contrasted with the principles and the

practice of military operations on land. London: Sampson Low, Marston & Company, 1911.142 Esses conceitos compõem a base de sua concepção estratégica de controle do mar e serão discutidos

no próximo número da Revista Marítima.143 Carta de Alfred Mahan a Bouverie Clark, escrita de Nova Iorque em 12 de março de 1912. Fonte:

SEAGER Letters and papers, v. 3, op. cit p. 447.

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Esse livro realmente foi a sua última gran-de obra histórico-teórica e não afetou a suareputação. Um ponto significativo dessaobra foi a conclusão de Mahan de que aguerra era uma arte e não uma ciência. Elediscutiu intensamente a história da estra-tégia naval e os princípios, segundo ele,inalteráveis da estratégia e da tática.

Os dois últimos anos de vida de Mahanforam de saúde debilitante. Nos anos de 1907e 1908 sofrera duas operações, segundo elemotivadas pela pressão dos editores paraque escrevesse sempre mais. Seu coraçãocambaleava e sentia-se muitas vezes fraco.Nesses dois últimos anos dedicou-se a es-crever Armaments and Arbitration144 eMajor operations of the navies in the Warof American Independence145. O primeiro li-vro, de 1912, foi composto de dez artigospublicados no North American Review eno Century Magazine nos anos de 1911 e1912. Os seis primeiros artigos, segundoMahan, foram escritos para apresentar ar-gumentos, frequentemente ignorados, quenem o arbitramento em sentido geral nem oarbitramento como forma específica de de-cisão judicial, baseado em um código legal,podem, em todas as oportunidades, ser apli-cados em processos que seguem um cursonatural das forças envolvidas, principalmen-te quando envolvem o poder nacional. Emseguida, discutiu o papel da força nas rela-ções internacionais entre os Estados.146

O segundo livro, de 1913, o seu últimopublicado, compôs um capítulo da History

of Royal Navy em sete volumes, organiza-do pelo historiador Sir William LairdClowes, correspondente naval do The Ti-mes e influente escritor.147 Por autorizaçãoespecial do editor148, Mahan pôde trans-crever o seu capítulo, que recebeu o títulode Major Operations 1762-1783, transfor-mando-o em livro de cerca de 280 páginas,com 14 capítulos descrevendo a Guerra daIndependência dos EUA sob o ponto devista naval.

A idade avançada de Mahan, acrescidado problema cardíaco, não o fazia perder asforças. Para seu amigo Clark disse que ainda“podia andar numa velocidade de quatro mi-lhas por hora, embora não pudesse mantê-lapor mais que uma hora”.149

No início de 1913, realizou com sua es-posa e duas filhas viagens à França e àItália, o que lhe trouxe muita alegria. Con-tava com 72 anos de idade.

Por ocasião da abertura das hostilida-des da Grande Guerra, em agosto de 1914,Mahan recebeu diversos convites para es-crever sobre os acontecimentos da guerrano mar150, no entanto se viu impedido depublicá-los, devido a uma ordem especialdo Presidente dos EUA, Woodrow Wilson,que determinou a todos os oficiais da ativae da reserva das Forças Armadas norte-americanas que se abstivessem de escre-ver sobre a Grande Guerra por ser “alta-mente indesejável e impróprio que oficiaisda Marinha e do Exército dos EUA façamqualquer declaração na qual expressem

144 MAHAN, Alfred Thayer. Armaments and Arbitration. New Yorke: Harper & Brothers, 1912.145 MAHAN, Alfred Thayer. Major Operations of the navies in the War of American Independence.

London: Sampson Low, Marston Ltd, 1913.146 MAHAN, Alfred. Armaments and Arbitration. op. cit., p. iv.147 SCHURMAN, op. cit. p. 91.148 O editor foi Sampson Low and Marston.149 TAYLOR, op. cit. p. 273.150 Os periódicos que queriam artigos regulares de Mahan sobre o transcurso da guerra foram o The

Independent, de Nova Iorque, pagando cerca de 100 dólares semanais por cada artigo, uma boasoma para a época, e o Leslie, também de Nova Iorque, pela mesma quantia semanal. Fonte: Ibidem,p.279.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<NOMES>; Mahan; Alfred Thayer; Pensamento militar; Poder marítimo; Mentalidade marítima;

151 Ibidem, p. 275.152 Ibidem, p. 281.153 Carta de Alfred Mahan para Franklin Jameson escrita de Washington, DC, em 21 de novembro de

1914. Fonte: SEAGER Letters and papers, v. 3, op. cit p. 552.

qualquer crítica política ou militar sobreoutras nações envolvidas no conflito”.151

Mahan tentou, ainda, por carta ao secretá-rio da Marinha, contra-argumentar, sem re-sultado. A proibição foi mantida, para suadecepção.

Logo depois da declaração de guerra daGrã-Bretanha, ele declarou sua firme con-vicção na vitória dos aliados sobre a Alema-nha e voltou a mencionar que a Marinhabritânica dominaria os mares e que “só exis-tia uma Marinha no mundo [a britânica] eque as outras eram apenas crianças em com-paração. Eu [Mahan] não queria menospre-zar as Marinhas dos EUA e de outros paí-ses, mas, comparando com a britânica, asoutras Marinhas têm muito que aprender”.152

O seu coração começou a falhar commais frequência. Sua última correspondên-cia foi datada de 21 de novembro de 1914para o seu dileto amigo Franklin Jameson,

diretor de pesquisa histórica do InstitutoCarnegie, em Washington, DC e editor daAmerican Historial Review. Disse ele aFranklin o seguinte:

Meu caro Dr. Jameson: sendo obriga-do a permanecer em casa hoje, para re-ceber uma visita de meu médico, utili-zei a oportunidade de escrever para asenhora Sperry. Encaminhei a sua car-ta, juntamente com a do professorSmith, melhor explicando a situação, ra-tificando nela minhas próprias reco-mendações e aprovação.153

Logo depois foi transferido para o Hospi-tal Naval de Washington, após outro ataquecardíaco, vindo a falecer em 1o de dezembrode 1914. Mahan tinha 75 anos de idade.

Morria o grande teórico do poder marí-timo dos EUA.

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Um dos mais antigos documentos egíp-cios é o cabo de marfim de uma faca

encontrada em Gebel-el-Arak, que mostrauma cena que parece ser uma batalha na-val, travada provavelmente contra invaso-res mesopotâmicos, na segunda metade doquarto milênio a.C. A invasão de fato acon-teceu e teve resultados importantíssimospara o Egito, transformando o país rápida eprofundamente, fazendo-o avançar de umacultura neolítica de caráter tribal para duasmonarquias bem organizadas, compreen-dendo separadamente o delta do Nilo (Bai-

EVOLUÇÃO DA GUERRA*

– A guerra naval antes do emprego do canhão– A guerra na idade moderna

ANTONIO LUIZ PORTO E ALBUQUERQUE**Capitão de Fragata (RM1)

xo Egito) e o Vale do Nilo (Alto Egito)1.Diante desse resultado militar em que na-vios estiveram envolvidos, pode-se inves-tigar que emprego eles tiveram. As evidên-cias parecem indicar que serviram apenaspara transporte de tropas, as quais devemter-se engajado em combate a curta distân-cia, empregando armas leves de arremes-so, tais como flechas e dardos. Os naviosteriam sido então plataformas flutuantespara emprego de infantaria, exatamentecomo deve ter acontecido também em 1195a.C., quando Ramsés III conteve a invasão

* Este texto foi escrito pelo autor em partes e épocas distintas. A Direção da RMB julgou que eles seencadeiam de forma lógica e decidiu publicá-los em um mesmo artigo, oferecendo aos leitores umavisão ampla sobre o tema. A primeira parte – A guerra naval até o emprego do canhão – foi publicadana RMB do 2o trimestre de 1993, págs. 165-185.

** Bacharel em História e doutor em Filosofia. Professor de História Naval, na Escola Naval.1 Cf. Emery, Walter B. Archaic Egypt. Harmondsworth: Penguin, 1984, p. 38-9.

A GUERRA NAVAL ATÉ O EMPREGO DO CANHÃO

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

dos povos do mar, que àquela altura amea-çavam entrar no Delta2. Tais invasores erampovos marítimos que haviam sido expulsosdo Mar Egeu e de Creta pelos dórios no fimdo século XII a.C., e que tentaram estabele-cer-se no Egito vindos a bordo de grandesfrotas piratas3. Para rechaçar o ataque,“Ramsés III reforçou as defesas de fronteirae distribuiu a frota nos portos fenícios”4,destruindo uma força naval inimiga numporto sírio e atacando com grande êxito, pormeio de aramas de arremesso, os naviosadversários que já operavam no Delta. Es-ses dois casos ilustram, pois, o que deve tersido o emprego básico do navio egípcioantigo, sempre ligado a tropas de infantaria,em operações navais de defesa do litoral,com a profundidade possível, que seria am-pliada em tempos posteriores, quando osnavios tenderam a combater afastados dalinha costeira. Ainda quanto aos egípcios, éinteressante notar que não apenas os navi-os transportavam tropas, mas estas tambémtransportavam navios devidamente des-montados, que eram empregados a longadistância no Mar Vermelho ou no RioEufrates, por exemplo. Isso foi possível gra-ças ao excelente desenvolvimento de cons-trução naval em madeira alcançado pelosegípcios, fazendo embarcações cujas tábu-as encaixavam-se completamente sem o au-xílio de um único prego5.

No Egito antigo, os navios não devemter disposto de nenhum armamento propri-amente seu, integrado a suas partesconstitutivas ou a sua estrutura. As armas

empregadas a bordo devem ter sido exclu-sivamente as já citadas, de uso da infanta-ria embarcada, incapazes de causar danosà estrutura do navio inimigo. O homem ad-versário terá sido o grande objetivo naguerra naval; abatê-lo significava pôr forade operação o navio ou, pelo menos, torná-lo inofensivo. Os testemunhos conhecidosindicam, assim, que a batalha naval con-sistia num grande engajamento a curta dis-tância, ou mesmo corpo a corpo, a bordodos navios, muito parecido com o que sedava na batalha terrestre. Esse tipo deengajamento não haveria de variar muitoao longo dos séculos que se seguiram, atéque uma arma nova, o canhão, uma vezposto a bordo, fosse capaz de causar da-nos sérios ao navio adversário.

Quando, entre os séculos XII e XI a.C.,os dórios invadiram a Península Helênica echegaram ao Mar Egeu provenientes doNorte, trouxeram como marca de sua supe-rioridade guerreira a arma de ferro. Sabe-seque desenvolveram atividades marítimas etiveram como navio militar uma embarca-ção afilada (grande relação comprimento/boca), movida a remos, que dispunha deuma proa pontiaguda voltada para vante,enquanto a popa era bastante levantada,conforme se pode constatar por meio depinturas antigas em fragmentos de vasosde cerâmica. Landström supõe que essasembarcações devem ter tido cerca de 20mde comprimento por 1,5m de boca, empre-gando uns 12 remadores em cada bordo6.Seu aspecto permaneceu longamente como

2 Björn Landström atribui a esse episódio a primeira representação conhecida de uma batalha naval,encontrada no túmulo de Ramsés III, em Medinet Habu (Landström, Björn. The Ship. Londres:Allen and Unwin, 1976, p. 24). A representação indicada em 1 é cerca de 2.000 anos mais antiga.

3 Cf. Yoyote, Jean. “Egypte Ancienne”, in Histoire Universelle. Encyclopédie de la Pléiade. Paris:Gallimard, 1965, v. 1, p. 206.

4 Mella, Federico A. Antonio. O Egito dos Faraós (trad. de Attilio Cancian). S. Paulo: Hemus, 1981, p. 234.5 Cf. Mokhtar, G. (coord.) História Geral da África (trad. de C.H. Davidoff e outros). S. Paulo: Ática, 1983,

v. II, p. 156-157. Importante notar que é possível ter certeza quanto a essa técnica de construçãoporque há barcos egípcios antigos preservados inteiros em túmulos, como o do faraó Quéops.

6 Cf. Landström, Björn. Ob. cit., p. 28.

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sendo o dos navios de guerra do Mar Me-diterrâneo, variando basicamente apenaso tamanho, o número de remos e o de pes-soas a bordo. A proa afilada para vante podeter sido apenas uma talha-mar, como suge-rem antigos desenhos de navios tidoscomo mistos (mercante/guerra), ou tambémse pode interpretar tal aspecto como ser-vindo, desde os tempos arcaicos, paraabalroar o navio inimigo e pô-lo a pique.Tal finalidade — de fato existente mais tar-de e reconhecida em textos antigos — foimais bem atendida com o recobrimento embronze daquela protuberância — chamadaesporão —, aumentando-lhe a desejávelresistência para o choque7. Até o século IVa.C., o esporão haveria de ser a única armapropriamente do navio.

Os navios de guerra a remo logo evoluí-ram daquela embarcação primitiva — na ver-dade, uma canoa comprida — para um na-vio mais resistente e maior, já nos temposhoméricos (a partir do século IX a.C.), cha-mado penteconter. Tal navio era movido por

50 remadores (25 de cada bordo), medindocerca de 38m de comprimento, com boca nãosuperior a 4m, mantendo-se uma relaçãocomprimento/boca de aproximadamente 10:1no máximo. Acredita-se que os navios des-se tipo tiveram seu comprimento limitadopela máxima possibilidade de construção emmadeira com a tecnologia da época, enquan-to sua largura era medida pela necessidadede espaço para alojar os remadores lado alado numa mesma bancada, considerando-se que um pouco menos da terça parte doremo se movimentaria dentro do navio.

A preocupação dos gregos em desen-volver uma força naval para emprego ex-clusivamente militar deve-se, certamente,ao elevado ponto atingido por seus inte-resses marítimos, especialmente os do co-mércio. O navio mercante mediterrâneo,quer fenício, quer grego, era de arquiteturacompletamente diferente da do navio deguerra. Enquanto este tinha no seu remoelemento propulsor básico para garantir-lhe velocidade e precisão nos movimen-

7 Cf. Foley, Vernard e Soedel, Werner. “Ancient oared warships”, in Scientific American, abril de 1981,p. 199.

Navio com esporão

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tos, o navio mercante movia-se lentamen-te, a vela, disposta num único mastro, va-lendo-se do remo apenas em ocasiões ex-traordinárias. Enquanto o navio de guerraera longo e estreito, o navio mercante eracurto e largo, dispondo de uma relaçãocomprimento/boca que, na Idade Média,chegou a cerca de 2:1. A navis longa dis-punha de pouquíssimo espaço a bordopara carga, sendo muito pequena sua au-tonomia, o que a obrigava a reabastecer-seaproximadamente a cada três dias, resul-tando em curta permanência em qualquerteatro de operações (aproximadamente umdia)8. Já o navio redondo (navis rotundapara os romanos), como ficou conhecido onavio de comércio, tinha boa capacidadede carga (em relação às possibilidades daépoca). Enquanto os egípcios tinham seusnavios voltados especialmente para a na-vegação fluvial, fenícios e gregos constru-íram os seus barcos mercantes para a na-vegação marítima.

Os egípcios haviam se desenvolvido ba-sicamente como uma civilização fluvial. Em

seu país, “solo, produtos, vegetação, ani-mais e vida humana são igualmente regula-dos pelo grande rio”9. Este era o Nilo, emcujas águas navegaram variados tipos deembarcações para transporte de pessoas,animais e mercadorias diversas. BjörnLandström estudou algumas delas, desdeas mais primitivas, que ele supôs serem depapiro, até navios de comércio e de guerrafeitos inteiramente de madeira. A maior des-sas embarcações certamente foi a grandebarca da Rainha Hatchepsut, cujas dimen-sões ele estimou em cerca de 65m de com-primento por 24m de boca10. Tal barca foiempregada para transporte de obeliscosdaquela soberana em meados do segundomilênio a.C. Outras embarcações foram tam-bém empregadas para transportar blocosde pedra, desde as jazidas até as proximi-dades das colossais construções egípci-as, como as pirâmides e a esfinge de Gizé,separadas por centenas de quilômetros daspedreiras de Assuã11. Desde, pois, primiti-vos barcos de papiro, de curta duração (ape-nas alguns meses), até grandes barcas de

8 Cf. Lewis, Michael. The Navy of Britain. London: George Allen and Unwin, 1948, p.61. 9 Burgh, W.G. de. The legacy of the ancient world. Harmondsworth: Penguin, 1967, p. 15-16.10 Cf. Landström, Björn. Ob. cit., p. 22-23.11 Cf. Lissner, Ivar. Ainsi vivaient nos ancêtres. Paris: Buchet/Castel, Corrêa, 1957, p. 42-43.

Navio egípcio

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madeira, com relativamente vasta capaci-dade de carga, os egípcios desenvolveramtécnicas de navegação a remo, primeira-mente, e também a vela, muitas vezes con-jugando ambos os meios propulsores namesma embarcação. Não se limitando elesà via fluvial, devem ter-se feito ao mar an-tes de 3.000 a.C., estabelecendo comérciocom a Fenícia, no extremo leste do Medi-terrâneo Oriental. Um dos casos mais fa-mosos de navegação marítima dos egípci-

os foi o da expedição comercial enviadapela Rainha Hatchepsut ao país de Punt,no Mar Vermelho, por volta de 1400 a.C.12

Os egípcios progrediriam ainda em seu avan-ço pelo mar, com fins comerciais, militarese diplomáticos. Por volta de 600 a.C., oFaraó Necau II uniu o Rio Nilo ao Mar Ver-melho por um canal e enviou uma expedi-ção marítima guarnecida por marinheirosfenícios para dar a volta à África13. Apesardo progresso obtido nas técnicas de cons-

12 O país de Punt estaria situado às duas margens do Mar Vermelho, podendo ser, portanto, a Arábia e aSomália. Cf. Savant, Jean. Histoire mondiale de la marine. Paris: Hachette, 1961, p. 14-15.

13 Cf. Samhaber, Ernest. História das viagens de descobertas (trad. de A. Della Nina). S. Paulo:Melhoramentos, 1965, p. 20-21; e Savant, Jean. Op. cit., p. 15.

Barca da Rainha Hatchepsut,com o obelisco

Birremes fenícias

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trução e operação de seus navios, os egíp-cios nem de longe chegaram a ter interes-ses marítimos da dimensão dos alcança-dos pelos fenícios e pelos gregos. Talvezpor isso dentre os egípcios não se encon-trem registros de operações navais comoataque a linhas de transporte e suprimen-to, de apoio logístico e de proteção do trá-fego marítimo, como são encontrados en-tre os gregos. Estes notabilizaram-se comoexímios homens do mar e do comércio; ex-ploraram regiões marítimas ainda desco-nhecidas dos povos mediterrâneos, che-gando até o Mar do Norte; estenderamseus interesses econômicos ao Mar deMármara e ao Mar Negro, bem como aosestuários dos rios da Rússia; fizeram a vol-ta às Ilhas Britânicas, assim como funda-ram colônias e povoaram extensas regiõescosteiras do Mar Mediterrâneo, em que seincluem a Ásia Menor, a Itália, a França e aEspanha; desenvolveram muito os conhe-cimentos astronômicos e geográficos, re-velando as cercanias marítimas de regiõeslongínquas como o litoral ocidental da Áfri-ca (até o Senegal), as costas bálticas, asproximidades do círculo ártico e o litoralgermânico14. Tudo isso resultou certamen-te num fluxo marítimo intenso que povoouos mares antigos — muito especialmente oMediterrâneo — de navios redondos gre-gos. Paralelamente, os gregos estavam ap-tos a possuir navios de guerra — os navi-os longos originalmente construídos paraoperações de incursão visando ao comér-cio marítimo15. Em momentos importantesde sua história, os gregos puderam cons-truir ou operar numerosos navios de guer-

ra na defesa de seus interesses no mar.Sabe-se, como dito acima, que a pentecon-ter foi o navio militar padrão grego até ocomeço do século V a.C. Tucídides deixouisso claro16. Divergem, porém, as opiniõessobre como teria sido exatamente aquelenavio, assim como os outros da Antigui-dade. Talvez se possa dizer sem errar que,quanto aos meios flutuantes militares daAntiguidade, o grau de incerteza que en-volve o conhecimento que há sobre elestorna insatisfatórios os estudos mais deta-lhados que lhes digam respeito. Arqueólo-gos, historiadoras, engenheiros navais, téc-nicos em navegação e outros estudiosos,dentre os quais diversos oficiais de Mari-nha, têm feito grande esforço para esclare-cer dúvidas e resolver problemas relacio-nados com navios antigos, especialmenteos navios de guerra e seu emprego. As di-vergências são muitas, muitas conjectu-rasexistem quando se trata de configurar taistipos de navios. Enquanto Foley e Soedeladmitiram a penteconter como acimaindicada (25 remadores em cada bordo, sen-do um em cada remo, dois em cada banca-da), sendo, portanto, uma unirreme,Rodgers entendeu que a penteconter —enquanto navio de combate — era umabirreme ou diere, isto é, tinha dois homensem cada bordo, em cada bancada, sendo,portanto, um navio de dimensões diversasdas indicadas pelos outros dois autores,sendo mais larga (maior boca) e menos com-prida17. Já Landström, assim como Foley eSoedel, entende a birreme como sendo umnavio com duas ordens de remo por cadabordo, dispondo remadores de bancadas

14 Cf. Albuquerque, A. L. Porto e. História geral do Ocidente. Rio de Janeiro: Serviço de DocumentaçãoGeral da Marinha, 1985, p. 19; e Savant, Jean. Ob. cit. p. 23 e 24.

15 Cf. Rodgers, William L. Greek and Roman naval warfare. Annapolis: U. S. Naval Institute, 1964, p.31-32.

16 Cf. Tucídides. Histoire de la Guerre du Péloponnèse (trad. de Charles Zevort). Paris: Charpentier;1869, p. 16.

17 Rodgers, William L. Ob. cit., p. 38.

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diversas em dois níveis. Landström atri-bui-lhe um comprimento de cerca de 27m(incluindo o esporão), tendo por boca umpouco menos de 4m18. A birreme era naviobastante leve e de linhas elegantes, sendopossível ser levado à praia pela guarniçãopara passar a noite, encalhado pela popa.A birreme, também empregada pelos fení-cios, dispunha de mastro e vela para nave-gação em cruzeiro, podendo tal propulsãoser conjugada com o remo, exceto em com-bate ou em rumo desfavorável ao vento,quando só o remo era empregado; nestecaso, o mastro podia ser abatido, como sevê claramente em pinturas antigas. O Almi-rante Rodgers fez estudos detalhados paramostrar que a velocidade máxima que es-ses navios podiam alcançar era de cerca de7 nós quando movidos a remo, contandocom 24 remadores; mesmo assim, tal velo-cidade só seria mantida por menos de 20minutos. Nos navios antigos a remo, as tra-vessias eram feitas por quartos alternados,de modo que os remadores não estivessem

todos ao mesmo tempo remando, com o fimde se poupar a guarnição.

No início do século V a.C., outro tipo denavio de guerra passou a ser adotado emlarga escala pelos gregos: a trirreme ou triere,galera com três ordens de remos em cadabordo. Diz Tucídides que as primeirastrirremes foram construídas em Corinto, eque já no fim do século VIII a.C. havia al-guns poucos desses navios. Rodgers esti-mou que as menores dimensões de umatrirreme podem ter sido 25m de comprimen-to e 4m de boca (na linha-d’água), sendoguarnecida por 90 remadores, dez oficiais emarinheiros e 20 soldados, num total de 120homens. Ao tempo da Guerra do Peloponeso(431-405 a.C.), as trirremes atenienses tive-ram guarnição de 200 homens e dispunhamde um convés protetor dos remadores cha-mado catastrona. As trirremes anteriores,porém, como as das guerras greco-pérsicas,especialmente as da Batalha de Salamina (480a.C.), eram menores e não dispunham deconvés de proteção. A velocidade máxima

18 Landström, Björn. Ob. cit., p. 37.

A trirreme grega

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das trirremes também era em torno de 7 nós,segundo o Almirante Rodgers, variando suavelocidade de cruzeiro entre 3,5 e 5 nós, apro-ximadamente. Embora esse autor reconheçaque estudiosos contemporâneos tenhamestimado a autonomia dessas galeras emdois a três dias, ele pessoalmente atribui-lhe cinco dias. Foley e Soedel, no trabalhojá citado, admitem uma velocidade máximade 11,5 nós para uma trirreme com mais de150 remadores (cerca de 170), mencionandoainda que tal limite podia ser acrescido de50%, segundo engenheiros navais que ar-gumentam com a leveza do casco. De qual-quer forma, tal limite só poderia ser mantidopor cinco ou dez minutos. Estudando umoutro caso, em condições excepcionais, osmesmos autores estimaram em 9 nós a velo-cidade média de cruzeiro de uma trirreme,que pode ter levado uma guarnição extrapara fazer rodízio com toda uma bancada decada vez, substituindo, em cada quarto, umterço dos remadores. Tão comum tornou-seentre os gregos a navegação a remo, queHeródoto de Helicarnassos, ao empreendersuas viagens no século V a.C., indo visitar oEgito, “o país mais célebre que havia nomundo”19, mencionou dentre seus limitesgeográficos o grande golfo formado peloMar Vermelho, expressando seu longo com-primento, desde a extremidade mais ao nor-te até o Oceano Índico, em “40 dias de nave-gação para um navio a remo.”20 Consideran-do o esporão como a arma principal do na-vio até o começo do século IV a.C., o remoera de fato a única propulsão possível embatalha. Diz o Almirante Rodgers que, naAntiguidade, somente na Guerra doPeloponeso o esporão foi bastante usado,sob o comando de Fórmion21. Fora isso, pre-dominou a tática do combate a curta distân-

cia e a abordagem, ensejando esta o corpo acorpo, luta com armas brancas. O uso doesporão demandava, sobretudo, precisão namanobra; explica-se isso porque a espessu-ra do casco de uma galera antiga não deviaultrapassar 6 cm, sendo frequentementemuito menor, o que tornava fácil o arromba-mento do casco pelo esporão de uma galeraadversária, que, por volta de 500 a.C., deviadeslocar umas 50 t. Portanto, a velocidadesrelativamente pequenas, uma imprecisão demanobra poderia avariar gravemente tam-bém a galera atacante, em face de algumamanobra defensiva do navio atacado. Oobjetivo visado pelo atacante poderia ser— como de fato foi muitas vezes — a pro-pulsão do inimigo, ou seja, os remos, demodo a imobilizá-lo ou restringir-lhe a ma-nobra, favorecendo, por exemplo, a aborda-gem (desejada por quem tinha superiorida-de no combate corpo a corpo). Como para oemprego do esporão a direção do ataquedevia coincidir com a do deslocamento donavio, quando da organização de uma for-matura de ataque de navios a remo antigosdeveria prevalecer a linha de frente. Outrasformaturas também eram possíveis, como,por exemplo, a circular, tentada, sem êxito,pelos coríntios contra os atenienses(Fórmion) no Golfo de Patras (429 a.C.). En-fim, para emprego do esporão, duas eram asprincipais manobras executadas pelos gre-gos: a primeira, chamada diekplous, visavaà ruptura da linha inimiga, atravessando-a(linha de frente contra linha de frente), como propósito de atingir os remos do adversá-rio — essa manobra seria seguida de umaguinada simultânea (ideal) de 180o porboreste ou por bombordo, feita o mais rapi-damente possível, chamada anastrofe, demodo a abalroar, com o esporão, os navios

19 Larcher, Pierre-Henri. “Plan de l’Histoire d’Herodote”, in Histoire d’Herodote, Paris, Garnier, s.d.p.XXVI.

20 Heródoto. Histoire (trad. de Pierre-Henri Larcher) Paris, Garnier, s.d., v. I, p. 134.21 Rodgers, William L. Ob. cit., p. 10.

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inimigos que estariam tentando manobrarpara também oferecer as proas aos atacan-tes que lhes haviam penetrado a formaturaanteriormente; a outra manobra dos gregospara o ataque com as galeras a remo era aperiplous, que consistia em envolver osflancos do adversário (que também estariaem linha de frente), de modo a atacá-lo an-tes que lhe guinasse para também ofereceras proas de seus navios. A periplous exigiamaior número de navios ou, pelo menos,superioridade na manobra, de modo a pôros navios atacantes nos dois flancos doinimigo, ou, pelo menos, envolvê-lo em par-te de sua linha. Sabemos que Fórmion eAgripa empregaram a diekplous no Golfode Patras (429 a.C.) e em Ácio (31 a.C.), res-pectivamente, enquanto Temístocles evitouo periplous dos persas em Salamina (480a.C.), protegendo os flancos de sua forma-tura com o litoral do estreito onde se encon-trava. Já os cristãos efetuaram com êxito essamanobra em Lepanto (1571), quando trava-ram contra os turcos a última batalha navala remos de importância reconhecida.

Além do esporão, os navios a remo dis-punham de artilharia mecânica que arremes-sava pedras e dardos. Essas catapultas fo-ram empregadas a bordo de trirremes nos pri-meiros anos do século IV a.C. Tais trirremeseram maiores do que as comumente usadas àépoca, e as catapultas instaladas em seu con-vés superior devem ter sido empregadas pelaprimeira vez em 398 a.C., por Dionísio deSiracusa, no sítio que empreendeu à cidadeinsular de Mótia, no litoral oeste da Sicília. Apartir dessa ocasião, os navios tenderam aaumentar de tamanho, sem contudo disporde mais do que três ordens de remos, confor-me explicam Foley e Soedel22, porque o quar-to remo mais acima seria muito difícil de ma-nobrar devido a seu tamanho e peso e aoângulo de mergulho de sua pá na água, tor-

nando o esforço dos remadores muito peno-so. Assim, as galeras devem ter evoluído paraquadrirremes com três ordens de remos, sen-do dois remadores no remo superior, ou comduas ordens de remo, sendo dois remadorespor cada remo, ou mesmo com apenas umaordem de remos, com quatro remadores porcada remo. É claro que, nessa hipótese, a bocada galera tendeu a aumentar para alojar maisremadores em cada bancada. Já no tempo deAlexandre, o Grande, por volta de 330 a.C.,havia quadrirremes e quinquirremes (sendoque nestas havia dois remadores em cadaremo da ordem superior e da ordem interme-diária, e um na ordem inferior). Foley e Soedelainda registram navios com sete, 13 e 16 re-madores por cada bordo em cada seção trans-versal de bancadas, navios estes construídospor Antígono e Demétrio, sucessores de Ale-xandre, ao findar o século IV a.C. Pela mesmaépoca, Lisímaco teria construído galeras deoito remadores em cada bordo, em cada se-ção transversal de bancadas. Sabe-se muitopouco desses navios, e é óbvio que mais doque dois remadores por bancada exigia queos demais remassem de pé para fazer os mo-vimentos junto ao punho do remo, andandopara a frente e para trás. Foley e Soedel estu-daram tecnicamente o assunto e julgarampossível a construção e o emprego de imen-sos navios do tipo catamarã, com dois cas-cos em paralelo, de modo a dividir por amboso número de remadores, que poderia chegara 20 em cada bordo de cada casco, em cadaseção de bancadas, evitando-se, assim, bocaexcessivamente grande (esse navio, com to-tal de 40 remadores por cada bordo, por cadaseção, chamou-se tessera-conter e teria sidoconstruído para Ptolomeu IV). O importantea considerar, porém, é que as antigas trirremestenderam a aumentar o deslocamento, assimcomo outros tipos de galeras. A quinquirremede Dionísio, do início do IV século a.C., tam-

22 Foley, Vernard e Soedel, Werner. Ob. cit., p. 123 s.

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bém chamada pentere, tinha, segundoRodgers, cerca de 34 m de comprimento por 7m de boca, deslocando 140 t, dispondo, se-gundo seu entendimento, de cinco remado-res por cada remo, numa única ordem de re-mos. Esse aumento nos tamanhos das gale-ras tornou-as menos ágeis na manobra, em-bora não necessariamente mais lentas. Umaoctere (oito remadores por seção por cadabordo), com duas ordens de remos, em prin-cípios do século IV a.C., podia deslocar umas270 t, alcançando 7 nós com 320 remadores(levando ainda uma tripulação de mais 60homens — oficiais, marinheiros e mecânicos— e 170 soldados). A perda das qualidadesmanobreiras tornou os navios a remo maisvulneráveis — teoricamente — ao esporãodo adversário. Entretanto, a tática doabalroamento foi perdendo a importância emfavor da abordagem, o que resultou no au-mento da tropa embarcada. As quinquirremesromanas, por exemplo, transportavam 120 sol-dados a bordo. Sendo os romanos poucoafeitos às lides marinheiras, ao terem que en-frentar os cartagineses, hábeis homens domar, inventaram um dispositivo que imobili-zava o navio inimigo, liquidando com sua su-perioridade na manobra. Tal dispositivo foi ocorvo, que consistia numa prancha de uns 6m de comprimento por 1,5 m de largura, arti-culada numa das extremidades, que, saindoda posição vertical (presa num mastro à proa),caía sobre o convés da galera inimiga, pren-dendo-a por meio de um gancho metálicopontiagudo em forma de bico de corvo —donde o nome; favorecia-se, assim, a abor-dagem, mesmo no caso de a galera inimigater conseguido abalroar o navio romano23.Com o emprego do corvo, portanto, os roma-nos pretendiam obrigar os adversários à abor-dagem, com o que venceram a Batalha de

Miles, em 260 a.C., na Primeira Guerra Púnica,ocasião em que inauguraram aquele disposi-tivo em ação tática.

O que, porém, neutralizou o emprego doesporão, ou pelo menos diminuiu seu poten-cial como arma ofensiva, foi o emprego dasgrandes armas de arremesso, que tanto atira-vam pedras como dardos24. No século III a.C.,Arquimedes construiu uma catapulta navalcapaz de alcançar cerca de 200 m com pedrasde uns 80 kg. Com munição de menor peso, oalcance podia dobrar. Os dardos e as pedraspodiam penetrar o convés superior das gale-ras ou entrar pelos traveses e atingir fatal-mente a guarnição de remadores, assim comoquebrar remos e destruir parcialmente a es-trutura do navio. Já nos primeiros anos doséculo IV a.C., durante o sítio de Siracusapelos cartagineses, os violentos combatesnavais travados no porto mostraram a ne-cessidade de maior proteção dos remadorespor placas laterais que fechavam o través atéo catastroma; tal proteção chamou-se decatafrata e visava justamente à defesa dosremadores em relação às armas manuais dearremesso, tais como a flecha e a funda. Oque se pretendia, principalmente, era evitardanos à propulsão por ferimento ou morte deum remador. Isso também explica a opção pormais de um homem em cada remo, à medidaque os navios aumentavam de tamanho eincorporavam a catapulta.

Considerando que a situação mais favo-rável para o abalroamento com o esporão éatacar perpendicularmente à galera-alvo, nocaso de existência de catapulta a bordo dosnavios oponentes, dá-se o seguinte: a gale-ra atacada pode parar e atirar projetis sobreo navio atacante; nesse caso, o balanço donavio não é problemático na alteração daelevação da catapulta, porque o erro se dará

23 Rodgers admitiu que os 40 remadores de cada sessão estariam divididos em 20 por cada bordo, sem queo navio fosse catamarã (ob. cit., p. 256). Segundo esse autor, tal galera disporia de 3 mil remadorese outros 4 mil homens embarcados, entre soldados, marinheiros e serviçais.

24 Ver descrição detalhada do corvo em Rodgers, William L., ob. cit., p. 275.

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no alcance, ou seja, os tiros serão mais cur-tos ou mais longos, mas deverão alcançar oalvo por ser a galera um navio longo. Issosignifica que o erro não deverá desenquadraro alvo; já para a galera, que se movimentapara usar o esporão perpendicularmente aonavio-alvo, se usar também a catapulta, oserros em elevação causados pelo movimen-to do navio a remos poderão resultar emdesenquadramento do alvo, que é bastanteestreito. Ao estudarem essa questão, Foleye Soedel concluíram que, para um navio emmovimento perpendicular a outro, com o fimde usar o esporão, empregar a catapulta, umerro de 1,5o em relação à vertical poderá re-sultar num tiro a uma distância de 200 m.25

Isso mostra como a catapulta tornou-se umaarma poderosa contra o esporão, levando àdecadência a tática do abalroamento.

Durante a República, Roma conheceu oapogeu de sua Marinha de Guerra. Aindaassim, apesar do grande esforço feito na Pri-meira Guerra Púnica, os romanos jamais che-garam a ser marinheiros ousados — nuncativeram verdadeiramente grande intimidadecom o mar e buscaram-no apenas pressiona-dos pela necessidade. Malgrado o grandeêxito e a formidável segurança que geralmen-te demonstravam em suas campanhas terres-

tres, “sua coragem hesitava diante das ame-aças misteriosas de uma natureza desconhe-cida”26. No entanto, enquanto estiveram emexpansão, sob frequente ameaça de guerra,os romanos não descuidaram de sua Mari-nha militar. Empregaram-na por toda a parteaonde chegou seu poder, desde o Mar doNorte, onde Tácito referiu-se ao adversusoceanus, até o extremo leste do Mediterrâ-neo. Plínio, o Velho, que, além de naturalistae historiador, foi militar e comandou a princi-pal esquadra romana, sediada em Misena (naextremidade do Golfo de Nápoles), mostroualguma perplexidade com os movimentos damaré, que deixavam incerta a eterna questãoposta pela natureza para se saber se a linhacosteira pertence afinal à terra firme ou aodomínio das águas27. Além do mar, os roma-nos estendiam suas forças navais pelos rios,como o Reno e o Danúbio, limites com osbárbaros. Na região renana, ao tempo do Im-perador Augusto, estavam sediados o exér-cito superior e o exército inferior, com quatrolegiões cada um. A tais legiões “somava-se aesquadra do Reno, a qual, presente em todoo curso do rio, garantia a margem romana eservia como ponte móvel em direção à mar-gem oposta”28. Nota-se aí, porém, o caráterum tanto subalterno das forças navais den-

25 Jurien de la Gravière, J.P.E. La Marine des anciens, Paris, E. Plon et Cie., 1880, p. 203.26 Foley, Vernard e Soedel, Verner. Ob. cit., p. 128.27 Geffroy, A. Rome et les barbares Paris, Didir et Cie. 1874, p. 23.28 Plínio, O Velho. Histoire Naturalle (trad. de E. Littré), [Livro XVI, 1], Paris J.J. Dubochet, Le

Chevalier et Comp., 1848, t. I, p. 568.

Navio romano paratransporte de cereais

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tro da estratégia de Roma. Berthaut, de ummodo radical, afirma que a Marinha militar deRoma foi “feita unicamente para ser a auxiliarindispensável das legiões”29.

Nos três séculos e meio que se sucede-ram à Batalha de Ácio (31 a.C.), as ações na-vais de Roma voltaram-se contra os piratas,especialmente quando Pompeu, valendo-sedos extraordinários poderes que lhe foramdados pela Lei Gabínia, comandou a repres-são à pirataria no século I a.C.30 Malgrado oêxito de Pompeu, as incursões piratas sobreo tráfego marítimo ressurgiriam de temposem tempos, acabando por resultar numa que-da do comércio marítimo e na diminuição dotamanho dos navios mercantes, os quais,deslocando menos, carregavam menos, re-duzindo-se os riscos em face da insegurançano mar31. Os próprios navios de guerra tam-bém tenderam a diminuir de porte durante aPax Romana, pois a missão da Marinha mili-tar reduziu-se à guarda do litoral. Veem-se naColuna de Trajano, em Roma, representaçõesdos navios então empregados como guarda-costas, os quais eram birremes com 48 remosno total, segundo estudo do AlmiranteRodgers; considerando um acréscimo de 27homens como oficiais, marinheiros e solda-dos, ter-se-ia, segundo o mesmo, um naviocuja velocidade máxima deveria ser por voltade 6 nós32.

Quando, em 533, o Imperador Justinianomoveu guerra contra os vândalos na Áfricado Norte, enviou contra eles o GeneralBelisário, com 10 mil infantes e 5 mil cavalei-ros. Segundo Procópio, secretário deBelisário, tal força foi transportada por 500navios escoltados por 92 dromons. Prova-velmente, pela primeira vez apareceu o regis-

tro desse último nome, que designava umtipo de navio de guerra então empregado noImpério Bizantino, muito embora Augusto Jalafirme que tais navios, bastante rápidos (don-de o nome), estavam “em uso nos primeirosséculos da Era Cristã”33. Rodgers conside-rou o deslocamento médio dos navios-trans-porte da operação de Justiniano contra osvândalos em torno de 160 t, enquanto osdrômons deviam deslocar 17 t, com tripula-ção de 30 a 35 homens. Os drômons de entãoeram unirremes e dispunham de proteçãovertical nos traveses (catafrata) de modo apreservar os remadores com relação às ar-mas de arremesso do inimigo.

Duas décadas depois, os godos amea-çaram gravemente a Itália. Eles haviam pi-lhado o litoral da Grécia e interceptavam osnavios-transporte que supririam o exércitodo General Narses, encarregado pelo Impe-rador Justiniano do comando em chefe naItália. Os godos finalmente bloquearamAncona, no litoral italiano do Mar Adriático.Para tentar suspender o bloqueio naval, umaesquadra bizantina demandou Sena Gálica,a noroeste de Ancona, quando se deu umabatalha naval com os godos, em que estesforam derrotados. Nessa batalha, travada em551, os bizantinos manobraram o esporão,assim como armas leves de arremesso, eabordaram os inimigos. Os arqueiros inicia-vam o engajamento a curta distância e, nocaso de abordagem, a luta dava-se no con-vés superior (catastroma), com espada e lan-ça. Os dromons bizantinos empregados emSena Gálica já eram maiores do que os cita-dos anteriormente. Não tinham apenas aproteção nos traveses, mas o catastroma,que protegia pelo alto os remadores; devem

29 Geffroy, A. Ob. cit., p. 259.30 Berthaut, Léon. Les vainqueurs de la mer. Paris, Ernest Flamarion, 1912, p. 28.31 Cf. Bouillet, M. R. Dictionnaire Universel d’Histoire et de Géographie, Paris Hachette, 20a ed, 1866,

p. 1497 (verbete Pirates).32 Rodgers, William L. Naval Warfare under Oars, Anápolis, U.S. Naval Institute, 1967, p. 27.33 Idem, p. 24 e 26.

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ter deslocado cerca de 80 t, e sua tripulaçãosomava de 60 a 160 homens, dentre mari-nheiros, remadores e soldados. No séculoIX, os drômons haviam já evoluído: os mai-ores desses navios tinham duas bancadassuperpostas, com duas ordens de remos,com um total de 100 remadores, sendo 25por cada bordo e cada ordem. Nesses navi-os, parece que os remadores também luta-vam como soldados; por isso, por volta doano 900, recomendava o Imperador Leão VIque, se os soldados que lutavam no convéssuperior fossem postos fora de combate porferimentos, deviam ser substituídos por re-madores da ordem inferior de remos34. Tam-bém recomendava o mesmo em sua obraTáticas: que tanto os remadores da ordemsuperior como os demais homens do con-vés superior deveriam estar guarnecidoscom capacetes e peitorais para sua defesa,empregando piques, dardos e espadas paraa luta. Tais drômons do tempo do ImperadorLeão (886-912), com duas ordens de remos eum convés corrido pelo meio do navio, fica-ram conhecidos como dromons panfílios;cerca de meio século depois apareceram re-gistros de dromons maiores, deslocando 175t, com cerca de 40 m de comprimento, 6 m deboca, 200 remadores e outros cem homensentre oficiais, soldados e marinheiros. Se-gundo Augusto Jal, grande estudioso deassuntos navais no século XIX, a constru-ção desses dromons foi recomendação dopróprio Imperador Leão VI a seu filho e su-cessor, Constantino VII. Leão, certamente,aprendera a reconhecer a importância dasforças navais para a segurança do ImpérioBizantino. Seu pai, Basílio I, e seusantecessores imediatos, Miguel III e a Im-peratriz Teodora, haviam se esforçado emrestaurar a Marinha de Guerra de Bizâncio.

Esta havia sido drasticamente reduzida noséculo VIII, quando a ameaça marítima ára-be declinara. A esse respeito Runciman,grande estudioso das cruzadas e deBizâncio, comenta com simplicidade e forçaesse suicídio naval bizantino: “Foi uma po-lítica errônea. No século I, as frotas árabesvoltaram a aparecer e tomaram ao Império aSicília e, pior ainda, Creta, transformando-anuma base de piratas que punha em perigotodo o litoral do Egeu. Tornava-se necessá-rio ressuscitar a armada”35. De fato, o podernaval de Bizâncio foi restaurado, com o es-tabelecimento de forças navais em provín-cias marítimas chamadas temas . No séculoIX, um esquadrão imperial em Constanti-nopla e cinco esquadras provinciais cobri-am todo o litoral do Império, desde a Itáliaaté a costa sul da Ásia Menor.

A par do dromon, navio que lhes eratípico, os bizantinos dispuseram, desde oséculo VII, de uma poderosa arma: o fogo

grego. Sabe-se que o fogo em si mesmo foio grande destruidor de navios durante aIdade Média. Seu uso, porém, requeria cer-ta habilidade para que o navio que o em-pregasse também não fosse vítima dele —se dois navios se atracassem empregandoa garateia ou outro meio, era preciso rapi-

34 Jal, Auguste. Glossaire Nautique, Paris, Firmin Didot Fréres, 1847, p. 604 e 605 (verbetes Dromo,Dromon e DrOmwn).

35 Cf. Jal, Auguste. “La flotte de César” in Études sur la Marine antique, Paris, Firmin Didot Frères, Filset. Cie., 1861, p. 121-122.

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dez e agilidade para que um se desvenci-lhasse do outro no caso de usar-se o fogo,sob pena de ambos arderem, como realmen-te chegou a acontecer. O fogo grego, porsua vez, era uma mistura incendiária decomposição até hoje desconhecida, quedevia incluir nafta, enxofre e salitre ou calvirgem, e era atirado por meio de catapulta,já ardendo em potes para isso preparados,ou por tubos de metal (bronze ou ferro),soprado por foles ou algum outro aparelhopneumático, ou bombeado com água domar, usada para impulsioná-lo. Seu efeitofoi devastador quando empregado contraos árabes. Consta que os búlgaros apode-raram-se de 26 tubos com a mistura secretabizantina em 812 e que os sarracenos usa-ram-na no sítio de Tessalônica em 90436.Michael Lewis afirma que imitações do fogogrego foram usadas por outras Marinhas,inclusive por forças navais cristãs do Nor-te, onde o termo fogo grego tornou-se si-nônimo de qualquer artefato que se desti-nasse a incendiar navios inimigos37. Seuuso perdurou até o aparecimento do ca-nhão, no século XIV.

O ressurgimento da Marinha binzantinaduraria até o século XII. O Imperador Ma-nuel I (1143-1180), com especial pendor porideias ocidentais, preferiu depender dosnavios italianos para a defesa dos interes-ses navais do Império. Os preços dessa de-pendência militar foram concessões comer-ciais a Veneza, Gênova e Pisa38 e a ruína dopoder naval bizantino. A consequência maistrágica dessa política suicida foi a queda deConstantinopla em 1204, assaltada pelaQuarta Cruzada. Naquela ocasião, o Impériofoi incapaz de qualquer defesa em profundi-dade, como caberia a uma força naval atu-

ante. Gibbon descreve a reunião das forçasformidáveis de terra e de mar que se prepa-ravam para demandar Constantinopla e dizque por muito tempo uma semelhante arma-da não havia cruzado o Mar Adriático: 120navios de fundo chato (palanders) paratranportar os cavalos, 240 navios-transpor-te repletos de homens e armamentos, 70 car-gueiros abarrotados de provisões e 50 gale-ras prontas para o encontro com o inimi-go39. O mesmo autor descreve a travessia, aoperação anfíbia contra o litoral bizantino etodo o movimento militar que levou ao co-lapso da capital do Império. Não deixou,porém, de mencionar antes a longa viagemdos flamengos a bordo de navios que ostrouxeram pelo Atlântico e pelo Mediterrâ-neo para juntarem-se a seus aliados na gran-de campanha. Que tipo de navio vinha doMar do Norte e como ele fazia a guerra na-val? Pode-se aqui deixar um pouco o Medi-terrâneo e examinar questões de guerra na-val em outros mares europeus.

Ao estudar as questões navais perti-nentes ao norte da Europa, surge em pri-meiro plano a Escandinávia. Assim como aGermânia, a Escandinávia foi ponto de par-tida de diversas migrações. Enquanto osgermânicos movimentaram-se mais inten-samente sobre o Império Romano entre osséculos III e V, os escandinavos fizeramsuas migrações em duas fases: a primeira,bem cedo, no século II a.C.; a segunda, játardia, entre os séculos VIII e X. O primeiromovimento escandinavo, ainda um tantoobscuro, fez-se com címbrios e teutões quedeixaram a península da Jutlândia em dire-ção à Gália e à Itália. Essa primeira migra-ção foi exclusivamente terrestre. As outras,porém, foram acentuadamente navais. Gra-

36 Runciman, Steven. A civilização bizantina (trad. de Waltencir Dutra), Rio de Janeiro, Zahar, 1977, 2a

ed., p. 119.37 Rodgers, William L. Ob. cit. em 32, p. 4.38 Lewis, Michael. Ob. cit., p. 406.39 Runciman, Steven Ob. cit., p. 43.

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ças à preservação de navios escandinavos,especialmente os encontrados nos túmulosreais noruegueses de Oseberg e Gokstad,é possível ter deles um minucioso conhe-cimento, coisa que falta aos navios do sulda Europa, conforme já explicado. Entre osescandinavos, a construção naval foi bemdesenvolvida e incorporou elementos ar-tísticos, tais como figuras de proa e de popafrequentemente em forma de cabeça de dra-gão, donde o nome por que são conheci-dos — dracar (ou drakkar, em norueguês,muito embora tais navios também se cha-massem snekkjur, que quer dizer serpen-te). Sabe-se que os chefes nórdicos eramcremados ou inumados dentro dos naviode guerra, permanecendo assim com o mor-to seu bem mais precioso, que também lhefacilitaria a viagem para o outro mundo. Asescavações nos túmulos de Oseberg (1880)e Gokstad (1904) revelaram os dois magní-ficos exemplares hoje completamente es-tudados e restaurados. Diz, porém, LucienMusset que, ao fim da década de 1950, ha-via já cerca de 170 achados de naviosescandinavos dispersos desde a Bretanhaaté a Rússia e desde a Islândia até aPolônia40. Esses achados dão a dimensãode quanto foi extenso o alcance das nave-gações escandinavas na Idade Média.

A partir do século VIII, grupos deescandinavos iniciaram incursões e con-quistas por toda a Europa através de ma-res e rios. A tais escandinavos e a seusdescendentes deu-se o nome deviquingues (de vikings, que quer dizer pi-rata na primitiva língua escandinava)41. Poraquela época, os viquingues eram talvezos melhores guerreiros da Europa e paraeles era fácil encalhar seus navios levesnuma praia ou subir um rio e pilhar um rico

mosteiro, por exemplo, antes que fossepossível reunir elementos de defesa, nasvizinhanças de um território raramente po-voado. A partir de pequenas invasões, osviquingues ampliaram suas ações militarese estabeleceram conquistas, finalmente, emimportantes posições geográficas, comoNorthumberland (norte da Inglaterra) eNormandia (noroeste da França). As sagasque relatam os mais importantes feitos eacontecimentos da história escandinavaapontam navios de aproximadamente omesmo aspecto quanto à forma, porém dedimensões variadas. O navio de Gokstad,por exemplo, tem 24 m de comprimento epouco mais de 3 m de boca; seu desloca-mento é de apenas cerca de 30 t. O mais

40 Gibbon, Eduward. The decline and fall of the Roman Empire, Londres, Encyclopaedia Britannica,1955, v. II, p. 429-430.

41 Musset, Lucien. “Le monde scandinave”, in Historie Universelle, Encyclopédie de la Pléiade, Paris,Gallimard, 1964, v. 2, p. 1.076.

O navio de Gokstad

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famoso e um dos maiores navios nórdicoscelebrados na sagas foi o Serpente Longa,do rei Olavo, construído ao fim do séculoX; ele tinha 34 bancos para remadores,portanto, uns 55 m de comprimento máxi-mo e talvez uns 9 m de boca máxima, deslo-cando cerca de 220 t. Havia ainda naviosbem menores. Todos eram movidos a re-mos e a vela. De modo geral, os naviosviquingues podem ser classificados em trêstipos: os navios grandes, os de 20 bancose os navios pequenos. Cada banco tinhaum remador para cada bordo. Os espaçosentre os bancos chamavam-se comparti-mentos, sendo que cada um destescorrespondia a dois remos em números;assim, um navio de 35 compartimentos ti-nha 70 remos. Os navios grandes tinham30 ou mais compartimentos (o SerpenteLonga tinha 34); os navios pequenos ti-nham menos de 20 bancos, como o deGokstad, que tinha 1642. O tamanho das es-quadras em operação variou muito entrepoucas dezenas e algumas centenas denavios. A tripulação também variou e, con-siderando os homens embarcados para ocombate, estima-se que para uma força decem navios haveria uma média de 50 a 60pessoas a bordo de cada um deles. O Ser-pente Longa talvez embarcasse uns 300homens, ou até 400, para a batalha43.

Para o combate no mar, os viquinguesusavam as mesmas armas que utilizavamem terra: espada, lança e um grande ma-chado que manejavam com ambas as mãos;empregavam ainda armas de arremesso,como arco e flecha, e pedras, que lança-vam com as mãos ou com uma funda. Porisso os navios eram carregados com pe-dras adequadas para uso como munição.Defensivamente, usavam capacete, cota de

malha e escudo. As batalhas navais davam-se em águas restritas, tais como em fiordes,enseadas, estreitos etc., e nelas tomavamparte, em grande maioria, os navios peque-nos. Quando do engajamento, a vela erarecolhida e o mastro, retirado. Brogger eShetelig, ao tratarem da tática navalviquingue, estabelecem três fases para abatalha: a primeira fase era a da manobrapara que os navios ocupassem a posiçãomais favorável ao engajamento; nessa faseera primordial o trabalho dos timoneiros,ou seja, dos homens que operavam os re-mos de governo do navio. A segunda fase,que começava ainda durante a manobra,era a aproximação até o alcançe das armasde arremesso e o efetivo emprego destas,tendo início com o uso das flechas e pas-sando para o lançamento de projetis detodo tipo, de ferro e de pedra. A terceirafase era a da abordagem, usando-segarateias para fixarem-se os navios adver-sários um a contrabordo do outro; nessafase acontecia a luta corpo a corpo e a ba-talha era decidida44. Os navios viquingues,como se sabe, não tinham esporão, de modoque não se decidia o combate, normalmen-te, sem a luta direta entre os homens em-barcados. Diz Rodgers que a renúncia aoesporão talvez se deva ao interesse em pre-servar o navio inimigo enquanto presa, aqual era vista como podendo conter cargae ser pilhada. Ainda o mesmo autor afirmaque, quando uma força naval tinha inten-ções prévias defensivas, amarrava seuspróprios navios uns a contrabordo dosoutros e engajava, deixando desprotegidosapenas os traveses dos navios mais defora; assim, era mais fácil o apoio mútuoentre os homens da mesma força durante aabordagem. Era também usual que peque-

42 Encyclopaedia Britannica, Londres, William Benton, 1972, v. 23, p. 11 (verbete Viking).43 Brogger, A.W. e Shetelig, Haakon. The viking ships, Oslo, Dreyers Forlag, 1971, p. 143-144.44 Rodgers, William L. Ob. cit. em 32, p. 72-77.

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nas embarcações operassem com novoshomens recolhendo os feridos, assim comodesgastando os navios inimigos em rápi-dos contatos e procurando proteger osflancos de sua própria força.

No caso específico das incursõesviquingues, nota-se com clareza a grandeimportância do poder naval, tanto para osatacantes como para os atacados. Estes nãotinham como eficazmente responder ao ata-que viquingue enquanto não dispusessemde navios. O rei Alfredo de Wessex (Ingla-terra), que reinou entre 848 e 899, tomou di-versas providências para prevenir-se dasinvasões nórdicas. Além da proteção queestabeleceu em terra firme, criou uma Mari-nha capaz de prover a defesa naval, a quePreston e Wise chamaram de muralha ex-terna de defesa (outer wall of defenser)45,querendo com isso significar a possibilida-de de prevenção de um desembarque inimi-go no litoral. Em 1066, quando da invasãonormanda na Inglaterra, foi a ausência tem-porária da esquadra do rei Haroldo que per-mitiu desembarque das tropas de Guilher-me, duque da Normandia, resultando na vi-tória deste na Batalha de Hastings.

Nos anos que se seguiram ao início doséculo XI, os navios de mares ao norte daEuropa foram sofrendo lenta modificação.O antigo navio viquingue evoluiu, no casodos ingleses, para um modelo de menorrelação comprimento/boca, ainda governa-do por remo lateral à popa e movido a vela,com maior capacidade de carga, que sepôde conhecer com alguma precisão noséculo XIII: era o navio típico das cidadesmarítimas inglesas conhecidas comoCinque Ports (Dover, Hastings, Romney,Hythe e Sandwich), às quais juntaram-seWinchelsea e Rye. Essas cidades tinham aobrigação de fornecer navios ao rei da In-

glaterra quando fosse necessário para ope-rações militares por período limitado, rece-bendo em troca importantes privilégioscomerciais. Esses navios deviam deslocar,no máximo, umas 80 t. Paralelamente, naLiga Hanseática, a par de variados tipos denavios por ela empregados na atividadecomercial marítima, apareceu a coga, naviode maior capacidade de carga e de maiorcalado, no qual, na primeira metade do sé-

45 Preston, Richard A. e Wise, Sydney F. Men in Arms, Nova Iorque, Holt, Rinehart and Winston, 1979,4a ed., p. 71.

Navio inglês doSéculo XIII

Coga da Liga Hanseática(Inglaterra)

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culo XIII, já se vê o leme de cadaste. Nosregistros das lutas entre ingleses e france-ses, na segunda década do século XIII, jáaparecem cogas, junto com outros navios,em operações da esquadra francesa.

Embora os ingleses dispusessem ainda dealguns navios longos — galeras a remo —,prevaleceu imensamente em sua Marinha onavio redondo a vela (uma única velaquadrangular num único mastro) para empre-go militar. Michael Lewis resumiu três razõespelas quais os ingleses não empregaram pri-mordialmente as galeras em sua Marinha: aprimeira, por questão climática, considerandoque, sendo o Mediterrâneo um mar fechado,não tem ondas tão avantajadas quanto as doAtlântico, no qual o tempo próprio para usodas galeras é percentualmente bem menor doque naquele outro mar; a segunda razão refe-re-se ao manejo dos navios, que, no caso dasgaleras, dependia de serviço forçado dos re-madores, normalmente escravos, ainda exis-tentes na Idade Média mediterrânea (mourosprisioneiros), e que muito antes desaparece-ram na Inglaterra (já os navios a vela erammanobrados por homens livres); a terceira ra-zão seria econômica, ou seja, a dificuldade derecursos levou o rei inglês a aproveitar o na-vio mercante para duplo emprego, sem neces-sidade de despender dinheiro para ter um na-vio exclusivamente para emprego militar quesó lhe desse despesa, como era o caso dasgaleras a remo46. Dessa maneira, enquanto noMar Mediterrâneo o navio de guerra era radi-calmente diferente do navio mercante, na In-glaterra não havia diferenças fundamentais en-tre um e outro. Algumas providências, porém,eram necessárias para habilitar um navio mer-cante à guerra. Diziam elas respeito a algumasadaptações, como a construção de superes-truturas na proa e na popa, como se fossemtorres, às quais deu-se o nome de castelos.Tais construções em madeira, assim como a

que também se fez no topo do mastro (umaespécie de cesto de gávea), tinham a finalida-de de ampliar o horizonte do observador efavorecer o lançamento de armas de arremes-so. Percebendo-se a vantagem que ofereciamtais castelos para a defesa do navio, e consi-derando-se a insegurança dos mares em faceda pirataria, aquelas estruturas acabaram porpermanecer nos navios mercantes, mesmo emtempo de paz. Levando-se em conta que atática naval até o século XIV permaneceuinalterada, a abordagem continuou sendo par-te dela, e a luta travada no convés poderia serfavorecida com tais castelos e com o cesto degávea. Neste último alojavam-se arqueiros ebesteiros. Na Batalha de Dover, por exemplo,travada em 1217, a ação teve início com asarmas de arremesso, até que os ingleses obti-veram superioridade suficiente para abordaros navios franceses.

Nas batalhas medievais no mar, até oséculo XIV, as armas empregadas tinhamcomo objetivo o homem adversário. Embo-ra houvesse armas mais pesadas de arre-messo postas nos castelos de proa e depopa, destinadas a atirar pedras e barrasde ferro que poderiam causar algum danomaterial, o navio de guerra medieval nosmares do norte da Europa continuou sen-do uma plataforma de homens muito maisdo que uma plataforma de armas. O empre-go de equipamentos mais pesados a bordoera extremamente difícil, embora se saibaque os navios transportavam tais armascertamente para serem empregadas em ter-ra em operações de sítio. O que verdadei-ramente decidia a batalha naval de entãoera a abordagem e o corpo a corpo no con-vés, demandando coragem e habilidade.Buscando o vento favorável, uma forçanaval com intenções ofensivas poderia cairsobre outra empregando ainda outros ex-pedientes que favoreceriam, como lançar

46 Cf. Lewis, Michael. Ob. cit., p. 64-67.

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cal virgem sobre o inimigo ou mesmo sa-bão líquido, ou ainda artefatos de ferro comtrês pontas, que, fixando-se com uma de-las no convés, ofereciam suas outras duaspontas perigosamente para o soldado em-barcado, que sobre elas poderia cair.

Além do fogo, já citado como destrui-dor de navios, pouco mais poderia pôr forade combate o navio redondo senão a mor-te ou o ferimento de seus homens.

Após a Batalha de Dover, nenhuma ou-tra de grande importância se registrou atéa Guerra dos Cem Anos. O tamanho dosnavios aumentou, alcançando um máximode 300 t no último quartel do século XIV

47 Brogger, A.W. e Shetelig, Haakon. Ob. cit., p. 172.

em registros existentes. Sabe-se, porém,que, para o sítio de Calais, em 1346, o reiEduardo III enviou 738 navios, com 14.958homens embarcados, o que dá uma médiade 20 homens por navio, devendo cadanavio ter deslocado 60 t.47

A guerra medieval no mar começaria amudar depois que, no correr da Guerra dosCem Anos (1337-1453), introduziu-se umaarma nova: o canhão. As alterações de tá-tica, porém, deveriam ainda demorar, de-pendendo do desenvolvimento da novaarma, ainda durante muito tempo incapazde causar danos maiores à estrutura donavio.

A GUERRA NA IDADE MODERNA

O surgimento da burguesia, decorrenteda “revolução comercial” e do desen-

volvimento urbano a partir do século XI,era entravado pelas instituições feudais(como aduana interna, diversidade de mo-edas, privilégios corporativos etc.). Sendoassim, os burgueses se interessaram emparticipar da vida política para pôr fim aofeudalismo, por meio da centralização dopoder real. Dessa forma, deu-se uma “ali-ança tácita” entre os reis e a burguesia,concorrendo esta com toda sorte de auxí-lio e cooperação para com aqueles. Alémde contribuírem com recursos financeiros,os burgueses apoiaram os reis também comrecursos humanos para o aparato adminis-trativo do Estado que se ia formando, taiscomo técnicos, banqueiros, financistas eletrados. A monarquia preparou, assim, umcorpo burocrático centralizado e pôde ar-mar um exército profissional, com o qualsubmeteu os senhores feudais, valendo-se, inclusive, de equipamentos bélicos su-

periores, dentre os quais se destaca a armade fogo, especialmente os canhões.

Centralizado seu poder, os reis consti-tuíram-se como monarcas absolutos. Esta-va criado o absolutismo, ao mesmo tempoem que o Estado Nacional aglutinava ago-ra o que, antes, fora um reino retalhadoentre senhores locais. Somente nas regi-ões onde as cidades haviam alcançado ele-vado grau de autonomia e desenvolvimen-to econômico conseguiram os poderes lo-cais impedir a centralização política. Foi ocaso da Alemanha e da Itália, só unificadasna segunda metade do século XIX.

Os favores da burguesia foram retribuídospelos monarcas absolutos, sob a vigência deuma prática econômica peculiar, que foi omercantilismo. Tal retribuição deu-se princi-palmente por meio da concessão de privilégi-os comerciais. Daí advieram, por exemplo, ascompanhias privilegiadas de comércio (Com-panhia das Índias Ocidentais, Companhia Ge-ral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão etc.).

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A expansão comercial e a grande con-corrência resultante dentre os principaisEstados europeus acarretaram comumentea guerra. O desenvolvimento da arma defogo viria alterar muito o modo de comba-ter, o que ficou muito evidente desde o pri-meiro quartel do século XVI. O emprego daarma de fogo, porém, não se daria de modofácil nem imediato. Seu elevado custo e oconservadorismo dos militares (que se or-gulhavam de suas armas tradicionais) fo-ram razões para a lentidão em adotarem-secom firmeza as armas de fogo, quer em ter-ra, quer no mar, considerando-se neste úl-timo as tropas embarcadas. Também pode-se dizer que as armas antigas, como o pi-que (lança longa), foram ainda bastante usa-das no século XVI,como, por exemplo,pelos mercenários su-íços recrutados pormonarcas europeus.

Na guerra terrestre,a cavalaria foi perden-do importância duran-te o século XVI, diante das dificuldades deempregar-se a arma de fogo pelo cavaleiromontado. Algum desenvolvimento técnicohaveria de favorecer a cavalaria ainda an-tes de findar-se aquele século.

No século XVII, durante a Guerra dosTrinta Anos (1618-1648), o Rei GustavoAdolfo, da Suécia, introduziu novidades naguerra terrestre, revelando-se um grandegeneral: profissionalizou seu exército, reor-ganizou a distribuição das tropas para ocombate e introduziu novidades tecnoló-gicas, aumentando a mobilidade de suasforças pela redução do peso das armas car-regadas pelos soldados. O crescente poderde fogo da infantaria acabou por fazer decli-nar a importância e o uso do pique, que ten-deu a desaparecer no fim do século XVII.Gustavo Adolfo revitalizou a cavalaria, tor-nando decisivas suas cargas na batalha, com

emprego da espada e da pistola a curta dis-tância. Sob seu comando, a artilharia foisimplificada e padronizada. Suas inovaçõestiveram grande repercussão na Europa,onde, na segunda metade do século XVII,os sistemas militares dos novos EstadosNacionais estavam inteiramente modifica-dos. Essas inovações favoreceram a superi-oridade europeia nos grandes empreendi-mentos de expansão e conquista levados acabo pelo mundo inteiro.

O século XVIII ofereceu aspectos di-versos para a guerra terrestre. Embora osconflitos tenham sido frequentes, e o ta-manho dos exércitos fosse maior do quenos séculos precedentes, a guerra limitoua violência. Isso foi resultado do

racionalismo daqueleperíodo, que desen-volveu um ideal huma-nitário. A introduçãode novas técnicas tor-nou as batalhas alta-mente mortíferas paraas partes em luta.

Mesmo os vitoriosos eram atingidos porpesadas perdas. Isso levava os generais aevitarem as batalhas, por meio das mano-bras necessárias, a menos que as circuns-tâncias fossem bastante favoráveis. Nãoera razoável perderem-se soldadoslongamente preparados a elevados custos.Paralelamente a essas questões, os apetre-chos necessários ao bom emprego de umatropa terrestre tornaram-se numerosos.Assim, o vasto “trem militar” (conjunto deapetrechos de guerra) contribuiu para di-minuir a mobilidade das forças de terra. Apostura defensiva, portanto, que a guerraterrestre assumiu no século XVIII explica oformidável sistema de fortificações deVauban (ministro da Guerra de Luís XIV)na França, logo imitado por muitos países;sua contrapartida foi o desenvolvimentode novos métodos de sítio e assalto a po-

O desenvolvimento daarma de fogo viria alterarmuito o modo de combater

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sições fortificadas. Daí se entende a im-portância da engenharia militar, reforçadae ampliada desde a segunda metade do sé-culo XVII, com a fundação de academiasespecializadas na Europa e no ultramar, in-clusive no Brasil.

Embora ainda em uma dimensão, aospoucos a guerra evoluiu para a prevalênciada estratégia sobre seus demais elementos.Apesar do surgimento de outros grandesgenerais nessa época (como Frederico, oGrande, da Prússia, e o Duque deMarlborough), somente Napoleão daria àestratégia sua maior dimensão, por meio,sobretudo, da aplicação dos princípios domovimento e da concentração, no que revo-lucionaria completamente a arte da guerra.

Na Idade Moderna,também no mar foramgrandes as inovações.Com o aumento do ta-manho, do peso e dopoder ofensivo, os ca-nhões passaram a serimportantes armas na-vais. Sua instalação abordo acabou sendo feita cobertas abaixo,pelos traveses, a fim de não se comprome-ter a estabilidade do navio com peso alto.Tais armas foram colocadas pelos bordos,e seu alcance máximo foi de cerca de 1 1/4de milha. Alguns pequenos canhões foramdispostos pela popa.

Foi no reinado de Henrique VIII (1509-1547), na Inglaterra, que se deu a novidadeda colocação dos canhões cobertas abai-xo, e foi no mesmo período, em 1545, que,num combate ao largo de Shoreham, severificou a eficácia daquela arma contra onavio inimigo, não mais apenas contra ohomem. Iniciava-se uma nova e duradourafase da guerra naval.

Com a introdução do uso do canhão pelotravés, e com a decisão de Henrique VIII deter uma Marinha de Guerra, além da Mer-

cante, a Inglaterra entrou numa fase de gran-de progresso na arte naval. Com o tempo,os castelos de proa e de popa diminuíram detamanho, sendo que o castelo de proa aca-bou por desaparecer, enquanto o de popa,bastante reduzido, veio a servir como umaespécie de passadiço a ré, de onde o co-mandante podia observar a manobra.

Durante o período de tempo que prece-dia o combate iminente, a manobra dos na-vios visava a “possuir o vento”. Normal-mente, a esquadra manobrava para obter aposição de barlavento, com a finalidade degarantir a iniciativa do ataque. Nem sempre,contudo, essa era a posição preferida. Nocaso de ser mais fraca, uma esquadra deve-ria procurar manter-se a sotavento, a fim de

retirar-se da batalhamais facilmente, emcaso de necessidade.

Durante o reinadode Elisabeth I, que su-cedeu a Henrique VIII,foi adotada a linha defila, de modo que osnavios assim forma-

dos não cobrissem o fogo uns dos outros.No século seguinte, em 1653, Blake baixouas primeiras “Instruções para o Combate”da Marinha Real, que formalizaram a linhade fila para a batalha; seu artigo 3o dizia:“Todos os navios de qualquer esquadrãodevem se esforçar para manter a linha como chefe...” Posteriormente, em 1665, duran-te a segunda guerra anglo-holandesa, oDuque de York, irmão do Rei Carlos II daInglaterra, então comandante das forçasnavais inglesas, baixou novas “Instruçõespara o Combate”, que vieram a consagrar aformatura em coluna, sendo estabelecida adistância padrão de 100 jardas entre osnavios.

Depois das “Instruções” do Duque deYork, surgiram na Inglaterra duas escolastáticas principais, que se chamaram

Aos poucos a guerraevoluiu para a prevalência

da estratégia sobre seusdemais elementos

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“formalista” e “meleísta”. O nome“formalista” deve-se ao fato de seus segui-dores serem favoráveis à manutenção rígi-da da formatura em coluna, tendo o coman-dante da força naval completo controle detodas suas unidades durante o desenrolardo combate. Já o nome “meleísta” decorredo comportamento tático pretendido poressa escola, que era o de liberdade de açãopara os comandantes de unidades, quandoem batalha, de modo a serem aproveitadasao máximo as oportunidades de dar comba-te (melée, em francês) ao inimigo.

Os formalistas sustentavam, para a bata-lha, a ideia da linha equivalente, isto é, umaesquadra deveria colocar-se paralelamente àesquadra inimiga, fora do alcance dos ca-nhões desta, até que seus navios assumis-sem posições recíprocas às dos navios ini-migos, como mostrado na figura 1 (situaçãoideal, teórica). Nessa situação, a esquadraatacante (esquadra “A”, a barlavento) deve-

ria guinar todos os seus navios simultanea-mente sobre a esquadra inimiga, aproximan-do-se em linha de frente (caso a esquadra“B” estivesse parada), ou em linha de marca-ção (se a esquadra “B” estivesse em movi-mento), conforme as figuras 2 e 3. Depois defeita a aproximação, uma vez dentro do alcan-ce dos canhões, os navios atacantes guina-riam simultaneamente e se colocariam nova-mente em coluna paralela à formatura inimi-ga, começando então o combate propriamen-te dito. Tal aproximação tinha dois inconve-nientes principais: a) os navios, depois decolocados em coluna equivalente, ainda forado alcance dos canhões inimigos, nunca gui-navam simultaneamente, e sim sucessivamen-te, de modo que as unidades mais de vantesempre engajavam em separado e em situa-ção de inferioridade, pois que um navio ge-ralmente só guinava depois de ver a mano-bra de seu matalote de vante, devido à difi-culdade de comunicação entre os navios; e

vento

A

B

Figura 1 – Linhas equivalentes fora de alcance

ventoA

B

Figura 2 – Aproximação da esquadra de barlavento com a de sotavento parada

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b) os navios atacantes, ao se aproximaremem linha de frente, ou de marcação, expu-nham ao fogo inimigo suas proas ou boche-chas indefesas, sem que pudessem fazer ime-diatamente o revide (figura 4).

Em oposição ao combate formal, osmeleístas advogavam a concentração deforças sobre parte da esquadra inimiga, demodo a derrotá-la por sucessivosfracionamentos. Para tanto, a escolameleísta propunha três manobras: emassar,envolver e romper; sendo que nessas duasúltimas procurava-se pôr a esquadra inimi-ga entre dois fogos (figuras 5, 6 e 7). Comessas manobras, uma parte da formaturainimiga ficava, normalmente, desengajada.

Até 1704, na Batalha de Málaga, foi li-vre e acirrada a disputa entre as duas esco-las, engajando-se as pelejas ora segundoos postulados de uma, ora de outra. Na-quela batalha, porém, o Almirante Rooke,comandante da força britânica, determina-ra o uso das linhas equivalentes, manten-do a coluna rígida das “Instruções” de sua

autoria, feitas no ano anterior. Tendo obti-do êxito, Rooke consagrou os postuladospara o combate, do Almirantado britânico.Nos anos que se seguiram, até 1782, o es-trito formalismo impediria vitórias brilhan-tes por parte dos ingleses. Nesse período,a desobediência às instruções formalistaspodia, em caso de insucesso, acarretar se-veras punições, até mesmo o fuzilamento,como no caso do Almirante Byng, após aBatalha de Minorca, em 1756.

As “Instruções Permanentes”, contu-do, em seu artigo 25, permitiam a persegui-ção ao inimigo, desde que este estivesse jádesarvorado, realmente em retirada. Pesa-va, entretanto, sobre o almirante a graveresponsabilidade de decidir sobre a opor-tunidade da perseguição, para o que podiaiçar o sinal “perseguição geral” (generalchase). A fim de controlar os movimentosda esquadra, quando em perseguição, al-guns almirantes baixavam “instruções adi-cionais”. Assim, a perseguição se podiafazer mais ordenadamente, sendo empre-

vento

A

B

Figura 3 – Aproximação da esquadra de barlavento com a de sotavento em movimento

vento A

B

Figura 4 – Tendência da vanguada atacante para engajar combate em separado

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

gado o sinal próprio acima mencionado.Exemplo disso foram as primeira e segundabatalhas de Finisterra, vencidas em 1747pelos ingleses, sob o comando dos Almi-rantes Anson e Hawke, respectivamente.

Sob o ponto de vista tático, desde asmodificações introduzidas pelo aparecimen-to do navio de guerra a vela e das novasarmas de fogo, cinco questões básicas ti-nham que ser respondidas:

1) que armas eram adequadas para se-rem usadas na principal formatura de batalha?

2) que formatura de batalha garantiriao melhor emprego para as armas em uso?

3) como se poderia concentrar a pró-pria esquadra contra a do inimigo?

4) como se poderia impedir a concen-tração da força inimiga sobre a própriaesquadra?

5) como se poderia evitar que o inimi-go se retirasse?

Na campanha da Invencível Armada, aInglaterra respondeu definitivamente à pri-meira pergunta: o canhão era a melhor arma.

Nas guerras contra a Holanda, ainda osingleses responderam à segunda perguntacom toda a segurança: a coluna era o dis-positivo tático mais adequado para o me-lhor emprego do canhão.

Até meados do século XVIII, contudo,nem a escola “formalista” nem a “meleísta”apresentavam respostas completas para astrês perguntas restantes. Os meleístas pro-punham as manobras de emassar, envolvere romper como resposta à quinta pergunta,deixando a quarta sem resposta. Osformalistas propunham a coluna equivalen-te como resposta à quarta pergunta, nãotendo como responder à terceira e à quinta.

Seria necessário esperar muitos anosainda até que, em 1782, na Batalha das IlhasSantas, fosse quebrado, com êxito, o

ventoA

B

A

B

Figura 5 – Manobras de emassar

Figura 6 – Manobras de envolver

ventoA

B

AB

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tradicionalismo rígido das táticasformalistas. Nesse encontro, embora a apro-ximação se tivesse feito em coluna, os in-gleses romperam a linha inimiga quando sedeu a oportunidade, inteiramente fortuita.Foi a primeira vez, em mais de um século,que se cortava voluntariamente a linha ini-miga, dando-se assim maior rendimento aoemprego do poder de fogo dos navios, jáque, na situação teórica dessa ruptura, onavio que rompia a linha podia utilizar todoo seu potencial de fogo contra partes iner-mes do inimigo (figura 8). Começavam aí aruir os princípios formulados inicialmentepelo Duque de York no século XVII, e pas-sava-se ao desenvolvimento da iniciativaem combate e da flexibilidade de manobra.De uma coluna única passou-se a duas for-maturas, como no caso das batalhas deCamperdown (1797) e Trafalgar (1805), sen-do que, nesta última, se havia determinadoque a formatura de cruzeiro seria também ade batalha.

As ações navais que sucederam à Bata-lha das Ilhas Santas cumpriram, na verdade,uma trajetória que indicou claramente o aper-feiçoamento da tática no sentido de buscar,quando em combate, a liberdade de ação, aflexibilidade de manobra e a concentraçãosobre o inimigo, sendo esta feita, normal-mente, no centro e a ré da formatura opo-nente. O documento máximo da Marinha apano, que bem resume esses últimos princí-pios, ao mesmo tempo em que demonstragrande cuidado no planejamento tático, foio Memorando de Trafalgar, baixado por Nel-son antes daquele encontro, em que sãonotáveis o espírito combativo, a confiançanos mais modernos, a simplicidade e a espe-rança na vitória.

A

B

A

B

vento

Figura 7 – Manobras de romper

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<HISTÓRIA>; História geral; História marítima;

Figura 8 – Situação do navio ao romper acoluna inimiga

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SUMÁRIO

PropósitoIntroduçãoEvolução das práticas avaliativasExperiências de avaliação institucional em debate

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em questão

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) em questão

Considerações finais

EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃOINSTITUCIONAL

NATÁLIA MORAIS CORRÊA BORGES DE AGUIAR*Capitão de Corveta (T)

PROPÓSITO

O presente artigo tem como objetivo res-gatar a discussão da avaliação institu-

cional, refletindo sobre os paradigmas emodelos de avaliação existentes, buscan-do propostas e alternativas para se avaliar

instituições educacionais, levando em con-sideração suas finalidades.

INTRODUÇÃO

No campo da educação, a avaliação temabrangido os mais diversos níveis, aspec-

* Formada em Pedagogia, apresentou o presente trabalho em conclusão ao Curso de Mestrado emEducação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

tos e elementos: alunos, professores, mé-todos de ensino, currículo, equipamentose recursos de ensino, disciplina, programa,curso, projetos, gestões, estabelecimentose instituições de ensino, políticas educaci-onais, sistemas de ensino, enfim, toda umagama de fatores intervenientes do proces-so de educar.

Neste estudo iremos focalizar a avalia-ção institucional considerando como pon-to de partida o pensamento de Fernandes(2001, p. 75) de que a avaliação institucionalé “... um processo complexo, e não há, pron-to para consumo, um modelo ideal e únicopara as escolas. Ela precisa ser construída.É o desafio de uma longa caminhada pos-sível e necessária”.

Embarcando nessa caminhada pretende-mos a seguir discutir as práticas de avaliaçãoinstitucional mais recentes no Brasil, como oSistema Nacional de Avaliação da Escola Bá-sica (Saeb) e o Sistema Nacional de Avaliaçãoda Educação Superior (Sinaes). Não preten-demos definir um modelo ideal de avaliaçãoinstitucional, pois sabemos que cada institui-ção tem as suas peculiaridades e precisa serrespeitada na sua identidade, mas buscare-mos compreender os pressupostos teórico-metodológicos que fundamentam osparadigmas e modelos de avaliaçãoinstitucional praticados no Brasil, para melhorfundamentar futuras propostas de avaliação.

Concordamos com a ideia de Barreira(2002, p. 44) quando afirma que

“é o programa e a proposta de investi-gação avaliativa que determinam a es-colha das abordagens e os instrumen-tos. Na base dessa escolha está a dire-ção proposta, consubstanciada emparadigmas teórico-filosóficos, reconhe-cendo que cada abordagem guardaespecificidades, e não podem ser apro-priadas de forma linear para diferentessituações avaliativas”.

A prática avaliativa está sempre ligada auma concepção de educação, de pessoa e desociedade. Portanto, é preciso que o avalia-dor tenha conhecimento das diferentes abor-dagens avaliativas, tenha clareza do porquê,para que e de como avaliar e faça sua opçãoconsciente. Se não há certeza do que se quer,a avaliação pouco contribuirá. Uma novacultura de avaliação se faz necessária e sóserá possível com “...um amplo processo debusca de re-significação teórica e prática.Nesse contexto, construir um sentido novo,uma nova intencionalidade para a avaliação,é decisivo”. (Vasconcellos, 1998, p. 65)

Reconhecendo a importância doposicionamento político do avaliador, consi-deramos fundamental definirmos o conceitoque temos de avaliação. Compactuamos como conceito de Luckesi (1995, p. 69), que en-tende avaliação como “um juízo de qualidadesobre dados relevantes, tendo em vista umatomada de decisão”.

A seguir resgatamos a trajetória históri-ca das abordagens avaliativas para melhorfundamentar as análises que faremos daspráticas de avaliação institucional ocorri-das no Brasil nos últimos anos.

EVOLUÇÃO DAS PRÁTICASAVALIATIVAS

De acordo com Guba e Lincoln (2003), aspráticas avaliativas vêm sofrendo uma evo-lução conceitual que atravessa pelo menosquatro gerações. E as abordagens avaliativasvariam de acordo com essas gerações.

Na primeira geração, conhecida comomedição, não se distingue o ato de avaliardo ato de medir. A preocupação dos avalia-dores se voltava para a elaboração de ins-trumentos de medida e testes para a verifi-cação do rendimento escolar dos alunos. Oavaliador desempenhava um papel de téc-nico e utilizava critérios quantitativos paramedir o progresso dos educandos. Trata-se

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EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

de uma avaliação que se manteve dentro doparadigma positivista, que entende o ato deavaliar como algo neutro, instrumental.

Dentro desta perspectiva de avaliação,o que se prioriza é o resultado final, ouseja, o produto. Os testes e exames serãoutilizados no intuito de classificar os alu-nos, premiando os bons e punindo os ru-ins. É uma prática homogeneizadora,classificatória, perversa e excludente. Se-gundo Canen (2001, p. 85), a “avaliaçãoclassificatória realiza-se sobre o passado,tendo em vista o presente, caracterizando-se como ato final”.

A segunda geração é chamada de des-critiva e surge em bus-ca de uma melhorcompreensão do obje-to de avaliação. A ên-fase da avaliação, quena primeira geração li-mitava-se ao aluno,agora se estende paraoutros campos, comoo currículo, os progra-mas, os materiais, asestratégias de ensinoe a própria escola de modo geral. Surgecom Tyler (1934) o termo “avaliação educa-cional”. Era necessário obter dados em fun-ção do alcance de objetivos por parte dosalunos em programas escolares e, por isso,a descrição de sucesso e dificuldade comrelação aos objetivos traçados tornou-seprimordial. O papel do educador era des-crever padrões e critérios de pontos fracose fortes em relação aos objetivos estabele-cidos, além de manter o papel técnico dageração anterior.

Em decorrência das limitações da faseanterior, que trazia uma preocupação exces-siva com os objetivos, surge a terceira gera-ção, conhecida como julgamento. A emis-são de um julgamento passa a ser parte inte-grante do processo avaliativo, que deixaria

de se importar somente com a medição edescrição das duas gerações anteriores. Oavaliador passa a assumir o papel de juiz.

Nesta geração surgiram vários modelosde avaliação, na tentativa de se chegar aojulgamento de valor de forma sistemática eesclarecedora. Surge também a preocupa-ção com o mérito do que estava sendo ava-liado – seu valor intrínseco – e com a rele-vância – valor extrínseco e contextual.

Os autores Guba e Lincoln (2003) afir-mam a existência de pelo menos três defici-ências ou falhas nessas três gerações: atendência ao gerencialismo, falha em con-seguir acomodar pluralismo de valores e

compromisso excessi-vo como o paradigmade investigação. Osteóricos acreditam queos modelos avaliati-vos das três geraçõesutilizam-se de paradig-mas científicos paraguiar seu trabalhometodológico, e estaextrema dependênciados métodos da ciên-

cia tem levado a resultados desafortuna-dos. O avaliador, nessas três gerações, nãoé responsabilizado pelos resultados daavaliação e pelo que será feito dos resulta-dos. Porém não podemos continuar nos ilu-dindo com a falsa neutralidade científica,porque, ao se estabelecer padrões, estessão carregados de valores.

Partindo do pressuposto de que as ge-rações anteriores de avaliação trazem pro-blemas e que a avaliação precisa tomaroutro rumo, Guba e Lincoln (2003) propõemuma abordagem alternativa, marcando oinício da quarta geração, chamada por elesde avaliação construtivista responsiva,surgida na década de 90.

A avaliação da quarta geração tem comoprincipal característica a negociação. Busca-

Porém não podemoscontinuar nos iludindo com

a falsa neutralidadecientífica, porque, ao se

estabelecer padrões, estessão carregados de valores

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se o consenso, respeitando as diferenças devalores e crenças. É um processo de interaçãoe negociação fundamentado num paradigmaconstrutivista. Parte-se de preocupações, ob-jetivos e deficiências observadas e discuti-das coletivamente em relação ao objeto daavaliação, que pode ser um curso, um pro-grama, um projeto etc. As questões que sur-gem no processo avaliativo são resolvidasem seu decorrer e não só no final. A avaliaçãodeve ser diagnóstica, formativa etransformadora. “A transformadora não selimita a um momento final do processo: ela oacompanha em sua trajetória de construçãocotidiana.” (Canen, 2001, p. 84)

O conceito de avaliação neste momentoevolui. Ao contrário doparadigma positivista,o paradigma construti-vista nega a existênciade uma realidade obje-tiva e entende que a ci-ência também é umaconstrução social.Esse modelo de avali-ação construtivistavem substituir o mode-lo científico até entãopraticado. Na avaliaçãoresponsiva, o avalia-dor terá um novo pa-pel, o de comunicador, porque há umainteração entre observador e observado.Uma de suas maiores incumbências será “...conduzir a avaliação de tal forma que cadagrupo tenha que lidar e se confrontar comas construções de todos os outros, um pro-cesso que chamamos de dialética-hermenêutica”. (Guba e Lincoln, 2003)

EXPERIÊNCIAS DE AVALIAÇÃOINSTITUCIONAL EM DEBATE

Avaliar exige, antes que se defina aon-de se quer chegar, que se estabeleçam oscritérios, para, em seguida, escolherem-se

os procedimentos, inclusive aqueles refe-rentes à coleta de dados, comparados epostos em cheque com o contexto e a for-ma em que foram produzidos.

A concepção técnica e objetiva de avali-ação, característica das três primeiras gera-ções, ainda pode ser encontrada em diver-sos estabelecimentos de ensino no País, fru-to de exigências de um sistema de avaliaçãoque não evoluiu, e em algumas sistemáticasde avaliação que o governo brasileiro crioupara que o Ministério da Educação tivessecondições de regular o ensino no País, comoé o caso do Exame Nacional do Ensino Mé-dio (Enem) e do Saeb.

O Sistema Nacional de Avaliação daEducação Básica(Saeb) em questão

Segundo MariaInês Pestana, respon-sável pelo desenvolvi-mento do Saeb, no Ins-tituto Nacional de Es-tudos e PesquisasEducacionais AnísioTeixeira (Inep), a prin-cipal justificativa doSaeb é monitorar aequidade e a eficiênciados sistemas escola-

res, com um sistema de acompanhamentode indicadores de equidade.

De acordo com o Ministério da Educa-ção (MEC), a partir das informações do Saeb,as várias instâncias educacionais podemdefinir ações voltadas para a correção dedistorções e debilidades identificadas edirecionar seus recursos técnicos e finan-ceiros para áreas prioritárias. Dessa forma,o Saeb tem por objetivo precípuo oferecersubsídios para formulação, reformulação emonitoramento de políticas públicas, con-tribuindo para a ampliação da qualidade doensino brasileiro. Nessa perspectiva, pode-

O Saeb tem por objetivooferecer subsídios para

formulação, reformulaçãoe monitoramento depolíticas públicas,

contribuindo para aampliação da qualidade do

ensino brasileiro

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se afirmar que o Saeb possui o enfoque con-temporâneo em que a avaliação é atribuiçãode mérito ou julgamento sobre o grau deeficiência, no sentido de estabelecer a cor-relação entre os efeitos dos programas (be-nefícios) e os esforços (custos) empreendi-dos para obtê-los. Traz como referência omontante de recursos envolvidos, buscan-do aferir a otimização ou os desperdíciosdos insumos utilizados na obtenção dos re-sultados (Barreira, 2002, p. 30/31).

A avaliação do Saeb coleta dados sobrealunos, professores e diretores de escolaspúblicas e privadas em todo o Brasil. A cadadois anos, avalia-se odesempenho dos alu-nos brasileiros da 4a eda 8a séries do EnsinoFundamental e da 3a

série do Ensino Médio,nas disciplinas de Lín-gua Portuguesa e Ma-temática. Nesse senti-do, Guba e Lincoln(2003) afirmam que oSaeb falha em conse-guir acomodar opluralismo de valores, pressupondo que to-das as escolas desenvolvam o mesmo currí-culo, apesar das diferenças regionais, e queesse currículo é compartilhado por todos.Permanece a crença de que as sociedadespartilham os mesmos valores e que existeum conjunto de valores que caracteriza osmembros de uma sociedade.

O Saeb utiliza testes padronizados, ins-trumentos estandardizados, para descrevero que os estudantes sabem e são capazesde fazer em momentos conclusivos de seupercurso escolar, tendo como foco o pro-duto e não o processo, característica daavaliação somativa, em que o objetivo prin-cipal é avaliar os efeitos, verificar se funci-ona ou se funcionou; relatar sobre ele enão para ele. (Barreira, 2003).

Existe, portanto, a predominância daabordagem quantitativa, centrada sobre osistema de ação, em que o avaliador é umespecialista, expert, externo ao processo.Nesta abordagem está presente o compro-misso excessivo com o paradigma científi-co da investigação (Guba e Lincoln, 2003),em que o avaliador se submete ao adminis-trador na hora de estabelecer os parâmetrose limites para o estudo, e é a ele tambémque presta relatórios.

Os resultados do Saeb, quando divul-gados, promovem um ranqueamento dasinstituições de ensino, tendo como

enfoque a avaliaçãoclassificatória, que serealiza sobre o passa-do tendo em vista opresente, caracteri-zando-se como ato fi-nal e limitando-se àcategorização, à regu-lação e ao controle.“Em uma avaliaçãocujo objetivo é melho-rar a qualidade, e nãosimplesmente compa-

rar (para punir ou premiar) determinadosresultados de desempenho, é preciso, ne-cessariamente, tratar diferente o que é de-sigual.” (Sobrinho e Ristoff, 2002, p. 156)

A avaliação sai do terreno pedagógicopara se ater ao que é mensurável,quantificável. O que importa são os dadosquantitativos, a produção e o desempenhoem números. Ou seja, os critérios de avali-ação não são pluralistas, mas objetivistase homogeneizadores, dentro de uma pers-pectiva uniformizadora porque se desejaum modelo, um perfil, e são feitas compara-ções, o que reforça a competitividade.

Dentro desta política, as instituiçõesestão “...sendo avaliadas a partir de indi-cadores que não se aprofundam nas con-dições internas de funcionamento, nem no

“Em uma avaliação cujoobjetivo é melhorar a

qualidade, e nãosimplesmente comparar

determinados resultados dedesempenho, é preciso tratardiferente o que é desigual”

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contexto”. (Sobrinho e Ristoff, 2002, 156).Esta prática faz com que os gestores sepreocupem muito mais com o aspecto ad-ministrativo das instituições do que com oaspecto pedagógico.

Porém cabe ressaltar que elaborar um sis-tema nacional de avaliação da educação queestabeleça parâmetros comuns e indicado-res coerentes necessários a todas as insti-tuições de ensino, sem desconsiderar, noentanto, as características próprias de cadainstituição, é uma tarefa de extremo cuida-do, um desafio, melhor dizendo.

Quando o novo governo criou o Sinaes,percebemos que houveum cuidadoso trabalhode mediação entre omodelo de avaliaçãoregulativa com o deavaliação para a diver-sidade, conforme veri-ficaremos a seguir.

O Sistema Nacionalde Avaliação daEducação Superior(Sinaes) em questão

O Sinaes entendeque a avaliação não éneutra, mas requerjuízos de valor e méri-to. A concepção de avaliação que se temrompe com a ideia de que avaliar é mensurare controlar e amplia o conceito de avaliaçãoda educação destacando os papéiseducativo, social, pedagógico e formativodo ato de avaliar. O sistema não propõe umadicotomia entre regulação X diversidade eobjetivismo X relativismo.

Os princípios norteadores do Sinaes sãobem amplos e abarcam a complexidade de fato-res que devem ser levados em consideração aose criar um sistema de avaliação institucional. Osistema tem como uma de suas características aflexibilidade, o que permite um equilíbrio entre

as avaliações para a regulação e para a diversi-dade, utilizando tanto critérios objetivistas quan-to relativistas. Acreditamos que a grande con-tribuição do Sinaes está nesta mediação entreos dois enfoques avaliativos, em trabalhar es-sas tensões.

O tipo de avaliação que propõe o Sinaespode ser situado na quarta geração relatadano texto de Guba e Lincoln (2003), a chamadaavaliação construtivista responsiva, na medi-da em que inclui avaliações interna e externa eautoavaliação. O Sinaes introduz práticas demeta-avaliação em que a “avaliação da avalia-ção contribuirá para o permanente processo

de construção coletivavisando ao aperfeiçoa-mento do sistema”. (So-brinho, 2004, p. 121)

O sistema em ques-tão representa umavanço em relação àsoutras sistemáticas deavaliação da educa-ção porque se leva emconsideração a “com-plexidade filosófica,epistemológica, ético-política e, então, aplurifuncionalidade daavaliação”. (Sobrinho,2004, p. 114)

Acreditamos que há muito se esperava umaruptura com o modelo de avaliação para amensuração e controle com objetivos exclusi-vos de premiar ou punir, acirrando a competi-ção entre as instituições de ensino. Era preci-so superar a avaliação preocupadaprioritariamente com os dados quantitativos,com o produto e com o fim em si mesma. Estaconcepção de avaliação apresentada peloSinaes leva em consideração tanto os dadosquantitativos quanto os qualitativos e consi-dera importante o respeito às diversidades eàs identidades de cada instituição. Acredita-mos ser de extrema importância que qualquer

Esta concepção deavaliação apresentada pelo

Sinaes leva emconsideração tanto os

dados quantitativos quantoos qualitativos e consideraimportante o respeito às

diversidades e àsidentidades de cada

instituição

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EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

prática avaliativa se preocupe em dar voz atodos os sujeitos apreciados por meio daautoavaliação e que permita a discussão cole-tiva de soluções para melhoria da instituiçãocomo um todo, buscando cumprir de maneiraeficiente suas responsabilidades sociais. Aavaliação será, nesse sentido, um processopermanente e valorizará o princípio da conti-nuidade, presente na proposta do sistema.

Concordamos com Sobrinho (2004, p. 121e 122) quando define que o Sinaes “é concebi-do de modo a promover a interatuação e amútua alimentação da avaliação e da regulação.Com caráter vinculativo, a avaliação subsidiaos processos regulatórios e destes se servepara construir as novas dinâmicas avaliativasna perspectiva do permanente aperfeiçoamen-to de funções institucionais”.

Em relação às práticas avaliativas anteri-ores, Sobrinho (2004, p.121) ressalta que agrande mudança consiste nas concepçõesde avaliação e de Educação Superior. Eleafirma que a mudança de paradigma que pro-põe o Sinaes não se dá pela escolha de dife-rentes técnicas e instrumentos avaliativos,mas pela mudança epistemológica, filosófi-ca e política da concepção de avaliação.

Quanto à concepção de avaliação, aban-dona-se a operação de instrumentos isoladoscentrados no estudante e no curso e a avalia-ção passa a considerar como foco central aavaliação institucional. Avaliam-se todas asdimensões de uma instituição por meio daautoavaliação e da avaliação externa. Nestenovo paradigma, a função principal da avalia-ção não é mais a de controle e comparação, emque a competição entre as instituições de en-sino reinava, mas sim a de permanente aperfei-çoamento das funções institucionais, utilizan-do distintos instrumentos articulados entre si.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação unicamente “medida”, ran-ço do positivismo, mais oculta e mistifica

do que mostra ou aponta aquilo que deveser retomado e trabalhado novamente deoutra forma e o que é imprescindível que ainstituição conheça. Para Hoffmann (1998,p. 16), “a busca incansável por padrões demensuração objetivos e uniformes é um dosmaiores entraves a um processo avaliativoem respeito à individualidade do educan-do” como também da instituição.

Também não podemos nos esquecer dosinstrumentos utilizados para avaliar, quefundamentam este processo decisório enecessitam de questionamentos, não sóquanto à sua elaboração, mas quanto àcoerência e adequabilidade. É necessárioo uso de instrumentos e procedimentos deavaliação adequados. Para Bonniol e Vial(2001, p. 179), a avaliação “não é e nempode ser ciência, o que não significa quenão deva tender ao rigor e que não devautilizar procedimentos verificáveis. Contu-do, o que condiciona sua validade é o fatode ser um processo de reflexão, retomadopermanentemente no próprio processo quedá origem à avaliação”.

Fernandes (2001, p. 71) acredita que asações metodológicas da AvaliaçãoInstitucional estão baseadas em três critéri-os: a visão de totalidade, a participação co-letiva e o planejamento e acompanhamento.A visão de totalidade significa que a insti-tuição de ensino deve ser avaliada como umtodo, com seus serviços, desempenhos einter-relações. O referencial será o projetopolítico-pedagógico da instituição, que deveser de conhecimento de todos por se tratarda identidade da instituição.

A participação coletiva também é muitoimportante para o processo avaliativo, quedeverá ser discutido por todos os segmen-tos, desde seu início. Fernandes (2001) afir-ma que “as vantagens da participação co-letiva decorrem da visão multidimensional(várias dimensões) proporcionada pelosvários segmentos da escola... Além disso,

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EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<EDUCAÇÃO>; Avaliação; Preparo do homem; Universidade; Educação no Brasil;

existe o compromisso que decorre da parti-cipação e da valorização de todos”.

E, por último, é por meio do planejamen-to e acompanhamento que se podem asse-gurar a continuidade e a unidade do proces-so de avaliação e, consequentemente, o cres-cimento da instituição. A avaliação dos efei-tos de uma instituição de ensino requer aelaboração e o planejamento prévio de umateoria do estabelecimento, que seria o seuprojeto político-pedagógico, definindo quaissão as suas finalidades e seus objetivoseducacionais, políticos e sociais.

Vasconcelos (1998, p. 85) argumenta quea “avaliação é um processo de captação dasnecessidades, a partir do confronto entre asituação atual e a situação desejada, visandoa uma intervenção na realidade, para favore-cer a aproximação entre ambas”. Ou seja, ovalor da avaliação encontra-se no fato de ainstituição poder tomar conhecimento deseus avanços e dificuldades para superaressas dificuldades e continuar progredindo.Portanto, ela precisa ser diagnóstica e ser uminstrumento dialético do avanço e da identi-ficação de novos rumos.

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SUMÁRIO

IntroduçãoConceitoHistóricoA crise hipotecária norte-americana

Como a hipoteca derrubou a economiaCondições das instituições financeiras brasileiras diante do choque sistêmico

Melhoria da fiscalização bancária brasileiraPrincípios para uma supervisão bancária efetiva

Regras relativas à constituição e organização de bancosRegulamento prudencial e exigências no gerenciamento do riscoManeiras de fiscalizar instituições financeiras

Necessidade de supervisão global e troca de informações entre bancos centraisConclusão

A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARAMELHORIA DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS– COMO O BRASIL SE PREPAROU PARA A PIORCRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929(*)

JEISOM DE MELO FAJARDO1

Capitão-Tenente (IM)

(*) Este artigo foi escrito em novembro/dezembro de 2008.1 O autor é pós-graduado com MBA em Contabilidade e Auditoria pela Universidade Federal Fluminense

(UFF). Atua desde 2004 na área de Licitações e Contratos da Marinha do Brasil.

INTRODUÇÃO

Um dos poucos consensos primordiaisdo pensamento econômico é que o

sistema financeiro possui uma dinâmica defuncionamento especial. Sua regulação éjustificada pela necessidade de convivên-

cia com um aspecto-chave – o risco sistêmi-co. O risco sistêmico refere-se à possibili-dade de que um choque localizado em al-gum ponto do sistema financeiro possa setransmitir ao sistema como um todo e, even-tualmente, levar a um colapso da própriaeconomia.

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A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARA MELHORIA DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS –COMO O BRASIL SE PREPAROU PARA A PIOR CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929

Quando ocorre o choque e este se trans-mite em forma de contágio, tal dinâmicapode ocorrer por meio de dois mecanismos:

– a existência de uma ampla rede de em-préstimos entre instituições possibilita quea insolvência de um comprometa outros, ese tal situação se alastrar pode colocar todoo sistema em risco; e

– pelo fato de que todos os bancos ope-ram o sistema de pagamentos da econo-mia. Assim, à medida que um vá à falência,seus depositantes não têm como saldar suasobrigações.

Os bancos e instituições financeiras quelidam com valores macroeconômicos de todaespécie, como empresas que são, podemestar expostos a umasérie de riscos, dentreeles: serem geridos deforma incompetente;serem atingidos pordesastres naturais ouacidentes; ou caíremem desgraça ou des-crédito aos olhos pú-blicos, seja por proble-mas de reputação seja por problemas demudança de preferência dos clientes. Esteúltimo é o fator conhecido como papel daconfiança do público nos mercados.

CONCEITO

A regulação prudencial é uma forma deintervenção corretiva no sistema financei-ro a fim de evitar a manifestação do contá-gio, ou seja, redução da exposição do sis-tema financeiro a riscos que possam se pro-pagar por toda a economia. Tal regulaçãose dá de duas formas principais, com a cri-ação de redes de segurança, para evitar quechoques possam causar riscos sistêmicos;e com a definição de regras de regulação esupervisão que reforcem a capacidade dosistema de evitar ou absorver choques.

A regulação prudencial vem, nos últi-mos anos, sendo objeto de sucessivas atu-alizações. A meta da regulação sempre foi amesma: evitar que o risco sistêmico ocor-resse com o espalhamento do choque deconfiança por entre as instituições bancá-rias. No entanto, os focos da regulaçãoprudencial mudaram ao longo dos tempos.

HISTÓRICO

Até recentemente, o grande esforço dasautoridades se restringia a controlar as re-servas monetárias que os bancos são obri-gados a constituir para garantir seus paga-mentos, preservando a capacidade dessas

instituições de honra-rem os depósitos deseus clientes.

Tradicionalmente,portanto, a regulaçãofinanceira era umaquestão restrita a go-vernos nacionais epossuía caráterfocado no risco de

liquidez, o que os estudiosos chamavamde Estratégia Tradicional da RegulaçãoFinanceira.

A partir da década de 80, esse cenáriomudou. Os bancos passaram a concentrarem seu balanço riscos de toda natureza, asoperações cresceram e novos mercadossurgiram. A partir de 1980, houve o impulsoao processo de securitização, o desenvol-vimento dos mercados específicos para orisco e a transformação da firma bancária.

Desse modo, houve um clima propício amudanças e acertos. O marco regulatório in-ternacional ficou conhecido como Acordoda Basileia I. O Comitê da Basileia paraRegulação Bancária é um dos comitês manti-dos pelo Banco de Pagamentos Internacio-nais (BIS), se reúne a cada dois meses nacidade de Basileia, na Suíça, e sua primeira

A regulação prudencial éuma forma de intervenção

corretiva no sistemafinanceiro a fim de evitar amanifestação do contágio

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A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARA MELHORIA DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS –COMO O BRASIL SE PREPAROU PARA A PIOR CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929

reunião serviu para divulgação de um objeti-vo único em comum: criar um fórum de deba-tes entre representantes dos governos doG10 – os dez países mais ricos do mundo –, arespeito dos caminhos a serem seguidos pelaeconomia das instituições financeiras mun-diais. Foi, na verdade, um resultado mais daglobalização nascente que da percepção danecessidade de uma reorientação estratégi-ca dos métodos de regulação financeira.

Os objetivos do fórum eram, em princí-pio, criar um marco regulatório que servis-se para reforçar a saúde e a estabilidade dosistema bancário internacional e, em segun-do lugar, criar uma estrutura justa e de altograu de consistência em sua aplicação abancos de diferentes países.

Em lugar de focar a atuação no risco daliquidez e na exigência de reservas, a preo-cupação passou a ser a mitigação do riscode não pagamentos dos empréstimos e au-mento do capital próprio dos bancos. Oregulador passou a exigir maior compro-metimento de seus acionistas com ogerenciamento da instituição.

A princípio, Basileia I foi um marco naregulação bancária – era para ser aplicadosomente a bancos internacionalmente ativos.Após algum tempo, passou a ser aplicado atodos os bancos e instituições financeiras,independentemente das operações estaremou não em âmbito internacional. Em outraspalavras, o acordo passou de um acerto deregras competitivas para um marco nareorientação de estratégias de regulaçãoprudencial. Para se ter uma ideia de sua im-portância, no final da década de 90 o FMI e oBanco Mundial tornaram a adesão ao acordoo elemento principal da avaliação da solidezfinanceira dos países membros. A caracterís-tica principal de Basileia I é sua natureza tute-lar. A partir dela, a regulação da atividade ban-cária passou a ser feita por meio de uma razãoentre o capital dos bancos e seu Ativo Pon-derado pelo Risco (APR).

A ponderação do APR é feita a partir decategorias de risco internacionalmente pre-concebidas, mas que podem se adequarconforme determinações reguladoras naci-onais. O quociente Capital-APR deve ser,por recomendação internacional, de no mí-nimo 8%. No Brasil, quando as concepçõesde Basileia foram introduzidas em meadosda década de 90, foi elevado para 10%. Quan-to maior esse requerimento, menor a capaci-dade de os bancos ampliarem seu crédito e,em princípio, mais seguro torna-se o siste-ma. Assim, a imposição de coeficientes decapital passou a ser uma medida deregulação prudencial mais efetiva que as atéentão usadas, e a disseminação de sua prá-tica por um grande número de países tor-nou-se, inesperadamente, o novo paradigmade regulação prudencial no mundo.

Ele estava voltado para a administraçãodo risco de crédito e consistiu, de maneiraobjetiva, na prescrição de instrumentos degestão de riscos e na definição quantitati-va daqueles riscos.

Em 1996, o Acordo foi objeto de emen-da, passando a incluir, além do risco decrédito, o risco de mercado, ou seja, aqueledecorrente de variações dos preços dasações, títulos, descasamentos entre taxasde câmbios etc. Com Basileia II, as estraté-gias passam de ser tutelares para métodosem que os próprios bancos são incentiva-dos a mensurar seus riscos e melhorar seussistemas de controle interno.

A CRISE HIPOTECÁRIA NORTE-AMERICANA

Em 2008, os Estados Unidos chegaram àbeira de um desastre financeiro. O númeroda inadimplência de empréstimos de propri-etários de casas foi recorde. Grandes ban-cos de investimento que estavam ativos hámais de um século e sobreviveram à GrandeDepressão de 1929 sofreram um colapso, e

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A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARA MELHORIA DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS –COMO O BRASIL SE PREPAROU PARA A PIOR CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929

tudo isso, cada parte desse desastre econô-mico, foi causado por um só instrumentofinanceiro: o empréstimo hipotecado.

Títulos de empréstimos hipotecados sãosimplesmente ações de um empréstimoresidencial vendidos a investidores. Um ban-co empresta o dinheiro ao mutuário para com-prar uma casa e recebe pagamentos mensaispelo empréstimo. Esse empréstimo e váriosoutros, talvez centenas, são vendidos a umbanco maior, que unifica os empréstimos emum título hipotecário. E assim por diante.

A princípio, isso parece ser uma maneiraexcelente e segura de ganhar dinheiro quan-do o mercado imobiliário está em alta. No iní-cio do século XXI, o mercado imobiliário dosEstados Unidos estavaem alta. Uma pessoaque comprasse umacasa nova em janeiro de1996 por 155 mil dóla-res poderia ter a expec-tativa de lucro de 100mil dólares ao vendê-laem agosto de 2006.Mas 2008 não foi iguala 2006, pois o mercadoimobiliário dos Estados Unidos não estavamais em alta. Antes da primeira década doséculo XXI, era costume dos bancos dosEstados Unidos a realização de uma investi-gação do histórico do requerente ao consi-derar empréstimos de dinheiro para uma hi-poteca. Os bancos queriam saber tudo sobrea estabilidade financeira do requerente: ren-da, dívidas e avaliação de crédito. E queriamconfirmar essas informações. Isso mudouapós a introdução dos títulos de emprésti-mos hipotecados.

Em determinado momento, os clientesmais qualificados e desejáveis sumiram, poisjá tinham suas casas. Então, os bancos re-correram aos clientes que tradicionalmen-te evitavam: os mutuários subprime, que,com uma avaliação de crédito baixa, apre-

sentam alto risco de inadimplência nosempréstimos. Mas todos os concessoresfizeram todos os esforços, no início da dé-cada de 2000, para que esses mutuários sevoltassem para o mercado imobiliário. Foicriado o empréstimo sem documentação,tipo de empréstimo para o qual não era ne-cessário fornecer nenhuma informação, eo mutuário também não as oferecia.

Pessoas que podiam estar desemprega-das recebiam empréstimos de centenas demilhares de dólares, mesmo que oconcessor soubesse de seu desemprego.Isso ocorria porque, com a introdução dostítulos de empréstimos hipotecados, as pes-soas que concediam empréstimos não as-

sumiam mais o risco deinadimplência. Elassimplesmente emitiamo empréstimo e o ven-diam imediatamente aoutras pessoas queassumiriam o riscocaso os pagamentoscessassem. E, como osempréstimos hipote-cados criados inicial-

mente eram feitos com base nos concedi-dos a mutuários melhores e mais confiáveis,tudo funcionava bem. Funcionava tão bemque os investidores pediram mais. Comoresposta, os concessores diminuíram asrestrições dos requerentes e fizeram em-préstimos pesados para criar fluxo de caixapara os empréstimos e gerar mais hipote-cas. Afinal, sem as hipotecas, não haveriatítulos de empréstimos hipotecados.

Os investidores em títulos de emprésti-mos hipotecados enfrentaram o mesmo ris-co e o sistema de recompensa ao qual esta-va sujeita a antiga relação concessor-mutu-ário, mas em uma escala muito maior, devidoao valor de hipotecas unificadas nos títulosde empréstimos hipotecados. Depois dechegarem aos mercados financeiros, os tí-

Os bancos queriam sabertudo sobre a estabilidadefinanceira do requerente.

Isso mudou após aintrodução dos títulos deempréstimos hipotecados

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tulos de empréstimos hipotecados foramreformulados em uma grande variedade deinstrumentos financeiros com diferentes ní-veis de risco. Os derivativos baseados so-mente nos juros dividiram os pagamentosde juros feitos em hipoteca entre investido-res. Se a taxa de juros mudasse, o retornoseria bom. Se os juros diminuíssem e os pro-prietários de casas fizessem refinanciamento,esses títulos perderiam o valor.

Outros derivativos retribuíam investido-res com taxa de juros fixa; então, os investi-dores saíam perdendo quando as taxas dejuros aumentassem, pois não ganhavam di-nheiro nenhum com esse aumento. Emprésti-mos hipotecados subprime, compostos to-talmente por conjuntos de empréstimos fei-tos a mutuários subprime, apresentavam maisrisco, mas também ofereciam dividendos maisaltos: os mutuários subprime estavam domi-nados por taxas de juros mais altas para com-pensar o risco maior representado por eles.

No mês de agosto de 2008, um em cada416 lares dos Estados Unidos tinha sofridoexecução hipotecária. Quando os mutuáriospararam de pagar a hipoteca, os títulos deempréstimos hipotecários começaram a fun-cionar de maneira deficiente. A média de obri-gações de dívida garantidas perdeu aproxi-madamente metade do valor entre 2006 e2008. E, como as hipotecas de mais risco (ede mais retorno) eram compostas por hipote-cas subprime, elas perderam totalmente ovalor após o início do aumento nacional dainadimplência nos empréstimos. Esse seria oefeito da primeira peça do dominó que se alas-trou pela economia dos Estados Unidos.

Como a hipoteca derrubou a economia

Quando o índice de execução hipotecá-ria começou a crescer no final de 2006, tam-bém foram lançadas novas casas no merca-do. A construção de casas novas já haviaultrapassado a demanda, e quando um gran-de número de execuções hipotecárias ficou

disponível a preços muito reduzidos os cons-trutores perceberam que não conseguiriamvender as casas que haviam construído.

A presença de mais casas no mercadodiminuiu o valor dos imóveis. Alguns pro-prietários chegaram à precária situação denão conseguir fazer seus pagamentos, de-vendo um valor superior ao que suas ca-sas valiam. Cada vez mais pessoas recorre-ram à opção de abandonar as casas quenão podiam pagar, e as execuções hipote-cárias aumentaram ainda mais.

Como os títulos de empréstimos hipote-cários foram comprados e vendidos comoinvestimentos, houve hipotecas inadim-plentes em todas as áreas do mercado. Amudança no desempenho desses títulos ocor-reu rapidamente e, por conseguinte, a maio-ria das grandes instituições foi onerada pe-los empréstimos quando elas decaíram. Osportfolios de enormes bancos de investimen-tos, ineficientes com títulos de empréstimoshipotecados, viram que seu patrimônio líqui-do foi por água abaixo quando esses títuloscomeçaram a desvalorizar. Foi o caso do BearStearns. O gigante banco de investimentosdecaiu tanto que foi comprado em março de2008 pelo concorrente JPMorgan, receben-do 2 dólares por cada ação. Sete dias antesda compra, as ações do Bear Stearns eramadquiridas por 70 dólares.

Como os empréstimos hipotecados ti-nham prevalência no mercado, não ficou cla-ro logo de início como o problema da quedada hipoteca subprime se alastraria. Duranteo ano de 2008, uma nova inscrição de bi-lhões de dólares no balanço geral de umaou outra instituição chegava às manchetestodos os dias. Fannie Mae e Freddie Mac,as corporações do governo que financiamhipotecas como fiadores ou comprando-asdiretamente, buscaram ajuda do governofederal em agosto de 2008. Combinadas, asduas instituições têm aproximadamente 3trilhões de dólares em investimentos, e

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ambas estão tão bem estabelecidas na eco-nomia dos Estados Unidos que o governofederal tomou o controle das corporaçõesem setembro de 2008, em meio a valores de-cadentes; Freddie Mac informou uma perdade 38 bilhões de julho a agosto de 2008.

Fannie Mae e Freddie Mac são exemplosde como cada parcela da economia está re-lacionada. Se as coisas vão mal com FannieMae e Freddie Mac, também vão mal no se-tor imobiliário. Os concessores emitem em-préstimos imobiliários e os vendem a umadas empresas, ou usam os empréstimoscomo garantia para conseguir mais emprés-timos; a função de cada gigante é introduzirdinheiro na indústria do empréstimo. Se Mace Mae não emprestam dinheiro ou compramtítulos de empréstimos, os concessores di-retos têm menos probabilidade de empres-tar dinheiro aos consumidores.

Se os consumidores não conseguem di-nheiro emprestado, não podem gastá-lo. Senão podem gastá-lo, as empresas não ven-dem produtos; menos vendas significamvalor diminuído, e, assim, o valor das açõesda empresa diminui. As empresas cortamdespesas demitindo funcionários; o desem-prego aumenta e os consumidores gastamainda menos. Quando um grande númerode empresas perde seu valor ao mesmo tem-po, a bolsa de valores cai. A queda podelevar à recessão. Uma crise forte o suficien-te pode causar depressão e, em outras pala-vras, o fim de uma economia.

Condições das instituições financeirasbrasileiras diante do choque sistêmico

A princípio, as instituições financeiras es-tão apenas se precavendo contra eventuaisproblemas de origem sistêmica e estão apli-cando mais aperto na regulação prudencialbrasileira. No entanto, elas não escondem asatisfação por estarem passando sem muitosproblemas pela crise que ocorre nos EUA.

A satisfação dos bancos brasileiros éjustificada, visto que nos últimos anos, di-ferente de parceiros internacionais, princi-palmente norte-americanos, eles estão lide-rando o processo de adequação das empre-sas brasileiras às novas exigênciasprudenciais, tais como Sarbanes-Oxley, alémde terem passado a usar os novos instru-mentos de controles internos como ferra-mentas de gestão, o que produziu melhoriasimportantes em seus principais indicadores.

O Banco Central, braço do governo fede-ral que orquestra toda a regulação bancáriabrasileira, flexibilizou algumas regras paraadequação ao Acordo de Basileia, exigindomenos capital próprio para cobrir perdas nosempréstimos a varejo, como cheque especiale empréstimo consignado. Tudo isso dentrode um cenário de crescimento médio de 25%ao ano das operações de crédito e, claro, re-petidos recordes de lucro. Ainda no Brasil,um outro ponto forte foi o aumento de segu-rança ao cliente, evolução que mostra que astentativas de fraudes financeiras apresenta-ram redução de 26% de 2007 até agora, de-monstrando que boas políticas de gestão deriscos podem trazer ótimos resultados.

Para muitos, com o Brasil utilizando emlarga escala e disciplinarmente ferramen-tas de controle pelos setores de auditoriainterna, houve a criação de uma padroniza-ção de tal forma que todos os profissio-nais envolvidos passaram a prestar contasdos resultados de suas atividades.

Alguns bancos nacionais, como o Itaú e oUnibanco, passaram a utilizar-se demetodologias de medição de riscosoperacionais para cada linha de negócios pormeio de modelos estatísticos, alcançando su-cesso na previsão de perdas esperadas. Asdiferenças de postura entre os bancos brasi-leiros e os norte-americanos não passaramdespercebidas também pelos grandes investi-dores, que passaram a avaliar melhor bancosnacionais, elevando o patamar de valor de mer-

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cado de bancos como o Bradesco e oUnibanco. Enfim, o uso da regulaçãoprudencial no Brasil, segundo estatísticas, émuito melhor do que nos EUA.

MELHORIA DA FISCALIZAÇÃOBANCÁRIA BRASILEIRA

No caso do sistema financeiro brasilei-ro, este passou por um ajuste que pode serdividido em três fases que parcialmente sesuperpõem.

A primeira fase, do início do Plano Realaté meados de 1996, foi caracterizada:

a) pelos processos de transferência decontrole acionário en-tre instituições finan-ceiras privadas;

b) por modificaçõesna legislação e na su-pervisão bancárias; e

c) pela implementa-ção do Programa de Es-tímulo à Reestrutura-ção e ao Sistema Finan-ceiro Nacional (Proer) –Medida Provisória no

1.179/1995. A medida,transitória, veio para responder à nova reali-dade advinda com o Plano Real e promover oenxugamento do sistema financeiro por meiode fusões entre bancos, bem como aquisições,reorganizações societárias e reestruturação deinstituições.

A segunda fase, iniciada em meados de1996, seria caracterizada pelo ajuste dasinstituições financeiras públicas e pelo in-gresso de bancos estrangeiros na econo-mia brasileira. E a terceira fase, que aindaestá em andamento, pode ser caracteriza-da, principalmente, por reformas no mode-lo operacional dos bancos brasileiros.

Essa reestruturação do sistema finan-ceiro, ainda em curso, deve ser vista comouma das reformas fundamentais da econo-

mia brasileira, situando-se, por exemplo, nomesmo nível de importância de uma refor-ma da Previdência ou de uma reforma doEstado. O sucesso da reforma financeirase deve à rapidez na adoção das medidasda primeira fase – como ela não foi tema dedebate público, boa parte da sociedade nãocompreende os objetivos das reformas.

Todas as medidas adotadas no Brasil es-tão em consonância com as recomendaçõese os princípios sugeridos pelo Comitê de Su-pervisão Bancária da Basileia. São apresen-tados a seguir os princípios que serviramcomo pilares da reformulação das instituiçõesfinanceiras nacionais, que foram implantados

pelo governo brasileiroa partir do início da dé-cada de 90.

Princípios para umasupervisão bancáriaefetiva

Foram princípiosadotados que visam as-segurar a independên-cia política dos respon-sáveis pela fiscalizaçãodo sistema financeiro,

bem como a disponibilidade de instrumentosque permitam uma atuação preventiva porparte do Banco Central. Tal possibilidade deintervenção governamental consistiu numasegurança indispensável para o Sistema Fi-nanceiro Nacional (SFN) brasileiro, e foi umadas ferramentas que contribuíram para frear ochoque sistêmico que avança pelo mundodesde 2008, pelo fato de ter sido implementadomuito antes do que foi implementado em al-guns dos mais poderosos países do mundo.

Assim, o governo editou a MP no 1.182,de 17/11/95, ampliando os poderes do BancoCentral para possibilitar ações preventivasna fiscalização de instituições financeiras. Taldiploma legal permitiu que se exigissem dasinstituições com problemas de liquidez novo

Todas as medidas adotadasno Brasil estão em

consonância com asrecomendações e os

princípios sugeridos peloComitê de SupervisãoBancária da Basileia

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aporte de recursos, transferência do controleacionário e reorganização societária, por meiode incorporação, fusão ou cisão.

Essa MP, convertida na Lei no 9.447, de 15/3/97, facultou ao Banco Central desapropriaras ações do controlador de um grupo finan-ceiro e, posteriormente, efetuar sua venda pormeio de oferta pública, caso este começasse aenfrentar problemas derivados de riscosistêmico e não acatasse suas recomendações.Também estendeu ao acionista controladorresponsabilidade solidária com os administra-dores no caso de problemas com a instituição.

Regras relativas à constituição e orga-nização de bancos

Os princípios adotados para regularizara constituição e a organização dos bancosno Brasil consistem no estabelecimento deum conjunto de regras (por exemplo, a exi-gência de apresentar um capital social míni-mo e um plano de atuação operacional, alémda verificação da competência profissionale da integridade social dos controladores,entre outras) e condicionam a transferênciade controle acionário ou fusões à préviaaprovação do órgão governamental respon-sável pela fiscalização bancária.

Esses princípios permitem que as auto-ridades sejam seletivas na concessão deautorizações para o funcionamento de ban-cos e instituições financeiras e, no Brasil,vêm sendo observados pelo Banco Cen-tral, que sempre exige planos detalhadosde grupos que pleiteiam a compra ou cons-tituição de novos bancos. Concede aindao poder de vetar a compra e/ou associa-ções de bancos por grupos cujos novoscontroladores não tenham planos concre-tos e bem definidos de atuação no setor.

Com a edição da Resolução no 2.212, de16/11/95, o Banco Central introduziu im-portantes mudanças nessa área, tais como:

I) aumento do capital mínimo exigidopara a constituição de novos bancos;

II) estabelecimento de dispositivos es-clarecendo que a capacidade econômicados controladores de qualquer instituiçãofinanceira é analisada a partir da situaçãodo grupo controlador e das pessoas físi-cas controladoras finais e não apenas dapessoa jurídica controladora direta;

III) exigência de adesão por parte dasinstituições financeiras ao Fundo Garanti-dor de Créditos (FGC) como condição paraa autorização de seu funcionamento; e

IV) eliminação da exigência de que o ca-pital mínimo de um banco estrangeiro fos-se o dobro daquele exigido para um banconacional.

Regulamento prudencial e exigênciasno gerenciamento do risco

Com a implementação definitiva dessesprincípios, passa a se especificar que o ca-pital mínimo de um banco deve refletir aestrutura de risco dos seus ativos e que osbancos devem ser obrigados a desenvol-ver instrumentos adequados para identifi-car, monitorar e controlar os riscos envol-vidos na atividade bancária.

Logo após o início do Plano Real, o go-verno editou a Resolução no 2.099, de 17/8/94, que estabeleceu o limite mínimo de ca-pital para a constituição de um banco e li-mites adicionais de acordo com o grau derisco da estrutura dos ativos bancários.

Essa exigência de capital mínimo, talcomo definido pelo Comitê da Basileia, temo objetivo de servir de funding permanen-te para as atividades do banco e de seruma reserva contra o risco e as perdas de-correntes das operações bancárias.

No que tange ao gerenciamento de risco,grande parte dos bancos brasileiros estáimplementando modelos avançados de análi-se de risco e, recentemente, o Banco Centraleditou a Resolução no 2.390, de 22/5/97, crian-do a Central de Risco de Crédito. De acordocom essa medida, as instituições financeiras

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deverão identificar e informar ao Banco Cen-tral os clientes (pessoas físicas e jurídicas) quepossuam saldo devedor igual ou superior aR$ 50 mil, permitindo à instituição fiscalizadoradisponibilizar para as instituições financeiras,com a permissão do titular da conta, a dívidatotal desse cliente. Isso possibilita melhor ava-liação da capacidade de pagamento dos gran-des devedores e, portanto, maior eficiência emenor custo no processo de concessão decrédito, o que tende a reduzir os spreads co-brados nos empréstimos bancários.

Além dos benefícios diretos gerados pelaimplantação da Central de Risco de Crédito,ela vai possibilitar, em breve, a completa refor-mulação dos critérios declassificação de riscos.Na legislação atual, aconstituição de provi-sões decorre basica-mente da ocorrência deinadimplência do toma-dor; nas novas regras,as provisões deverãoconsiderar a avaliaçãoex ante do risco de cadaoperação, refletindo as-sim os riscos deinadimplência futura enão somente as perdas já incorridas pela insti-tuição financeira. Em resumo, abandonar-se-áum sistema preocupado com o passado, ado-tando-se em seu lugar uma abordagemprospectiva, mais adequada ao gerenciamentodo risco por parte dos administradores de ban-cos e da fiscalização do Banco Central.

Maneiras de fiscalizar instituições fi-nanceiras

Esses princípios estabelecem que a su-pervisão bancária deva se basear tanto emrelatórios periódicos escritos pelos bancosquanto na fiscalização efetuada diretamenteem cada um deles. Os responsáveis pela fis-calização devem manter contato frequente

com os bancos e procurar entender por com-pleto os diversos tipos de operações bancá-rias. As informações reportadas pelos ban-cos devem ser comprovadas via fiscalizaçãodireta e/ou com a ajuda de auditores exter-nos, e a supervisão bancária deve ser feita deforma consolidada, incluindo as participaçõesdo banco em outras empresas.

Esse conjunto de princípios vem sendoobservado no processo de reestruturação queestá ocorrendo nos procedimentos de fiscali-zação do Banco Central do Brasil. De uma fis-calização baseada principalmente em relatóri-os enviados pelos próprios bancos (off-sitesupervision) e de caráter eminentemente bu-

rocrático, o Banco Cen-tral passou a adotar pro-cedimentos mais moder-nos de fiscalização.

Note-se que, com aMP no 1.334, de 13/3/96,o Banco Central insti-tuiu a responsabilidadedas empresas de audi-toria contábil ou dosauditores contábeis in-dependentes em casosde irregularidades nainstituição financeira,

forçando que estes informem ao Banco Cen-tral sempre que sejam identificados proble-mas ou que o banco esteja se negando adivulgar informações.

Além disso, o Programa de Aperfeiçoa-mento dos Instrumentos de Atuação doBanco Central do Brasil junto ao SistemaFinanceiro Nacional (Proat) deve entrar bre-vemente em funcionamento. Seu principalobjetivo é proporcionar treinamento ade-quado para o pessoal envolvido nas ativi-dades de fiscalização bancária e estudar umareformulação das informações contábeis aserem exigidas das instituições financeirasde forma a uniformizá-las e torná-las compa-ráveis aos padrões internacionais.

Além dos benefícios diretosgerados pela implantação

da Central de Risco deCrédito, ela vai possibilitar,

em breve, a completareformulação dos critériosde classificação de riscos

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Necessidade de supervisão global e tro-ca de informações entre bancos centrais

Estes três últimos princípios especificamque a fiscalização dos bancos deve consoli-dar as operações domésticas com aquelas re-alizadas pelo banco no exterior. A importânciadessa consolidação evita, por exemplo, a pos-sibilidade de que o banco venha, via subsidi-ária no exterior, a esconder problemas na suacarteira de empréstimos.

O Banco Central editou a Resolução no

2.302, de 25/7/96, alte-rando a legislação quetrata da abertura de de-pendências dos ban-cos no exterior, e con-solidou as demonstra-ções financeiras dosbancos no Brasil comsuas participações noexterior, permitindouma efetiva supervi-são bancária globalconsolidada por partedo Banco Central.

Os principais pon-tos dessa medida são:

I) aumento do capi-tal mínimo exigido paraa constituição de bancos com dependên-cias (agências, escritórios de representa-ção, filiais) no exterior;

II) aumento do capital mínimo exigido paraa constituição de dependências no exterior;

III) permissão para que o Banco Centralpasse a fiscalizar as operações das depen-dências e empresas em que o banco tenhaparticipação no exterior. Caso essa fiscali-

zação não seja permitida ou garantida pelopaís estrangeiro, implicará dedução em seupatrimônio líquido de todas as participa-ções do banco no exterior, para fins de apu-ração dos limites operacionais; e

IV) consolidação das demonstrações fi-nanceiras no Brasil com as do banco noexterior (incluindo dependências e partici-pações em empresas financeiras e não fi-nanceiras das quais participe com, pelomenos, 25% do capital social), para efeitosde cálculos dos limites operacionais do

Acordo de Basileia.

CONCLUSÃO

Com o uso mais in-tenso da regulaçãoprudencial pelas institui-ções financeiras brasilei-ras, assim como com aajuda poderosa do go-verno federal, pode-severificar um maior pre-paro do Sistema Finan-ceiro Nacional para oenfrentamento da criseeconômica. Pode-seperceber também a im-portância crucial do

gerenciamento de riscos pelos bancos, a fimde que se possa proteger a propriedade alheia.Conforme disse no final de 2008 DominiqueStrauss-Khan, diretor-geral do FMI: “As in-tensas tentativas de resgate de algumas dasmaiores instituições financeiras dos EUA e daEuropa empurraram o sistema financeiro glo-bal para perto do derretimento sistêmico”. Eassim está sendo.

Com o uso mais intenso daregulação prudencial pelas

instituições financeirasbrasileiras, assim como

com a ajuda poderosa dogoverno federal, pode-se

verificar um maior preparodo Sistema Financeiro

Nacional para oenfretamento da crise

econômica

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ECONOMIA>; Crise; Controle de riscos; Recursos econômicos; Economia do Brasil;Economia dos Estados Unidos;

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Atravessando séculos, transformando-se com a civilização, aumentando de

poder ano a ano, há 70 decênios a sombrado canhão alonga-se pela terra.

Símbolo da força. Símbolo do poder. E,infelizmente talvez, símbolo da justiça. Er-guem os homens as vozes de pigmeus.Reúnem-se em congressos. Oceanos de tin-ta em planícies de papel. Tudo num esfor-ço tremendo para terem a Razão como deu-sa máxima e a Justiça cega pesando prós econtras em sua balança infalível.

Entretanto, as vozes perdem-se nos es-paços. Os congressos dissolvem-se no es-quecimento. Os documentos empoeiram-senos arquivos e rasgam-se nos momentos

ULTIMA RATIO*

HELIO LEONCIO MARTINSAspirante1

necessários. Como realidade única, palpá-vel, vencedora, o canhão, a força, continuaa avultar no cenário da humanidade.

O melhor argumento de um tratado in-ternacional é um couraçado. Duzentos milhomens em armas são um arrazoadoirresistível para o fim de uma questão. RioBranco, o diplomata por excelência, bus-cando arbítrios, riscando por tratados asfronteiras do Brasil, apressava a vinda danossa Esquadra e fazia um trabalho imensode reorganização do nosso Exército. E oBrasil sempre teve razão. E o Brasil “pacifi-camente” delimitou-se, num trabalho dediplomacia e arbítrio, dando um exemploao mundo. O Brasil era forte!

* N.R.: Publicado originalmente na edição de dezembro de 1934 da revista A Galera, da Escola Naval,como editorial.

1 N.R.: Hoje vice-almirante (Refo). Historiador naval e colaborador assíduo da Revista Marítima Brasi-leira. É de ressaltar que este texto foi produzido cinco anos do início da Segunda Guerra Mundial.

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ULTIMA RATIO

Uma Esquadra nova rondava os nossosmares com a ameaça de seus “305”. Febril-mente o Exército saía de seus moldes anti-quados, aumentando seu material bélico,instruindo seus oficiais, espalhando-se emguarnições novas pelas fronteiras. E foi umcume. E foi um máximo na nossa eficiência.

Depois, decaiu aos poucos.Fez-se sentir a ação galvânica do tempo

nos costados dos nossos navios. E cansa-vam-se as máquinas de 25 anos de trabalho.

E hoje, quando a humanidade estua depaixões, de interesses feridos, de transfor-mações sociais intensas; em que o espectroda guerra ergue-se, tremendo, por cima doscinco continentes; quando a segurança é

conquistada, malgrado tratados, malgradocongressos, numa política armamentista fre-mente; hoje, o Brasil, espapado na calma deum colosso confiante, vê-se enfraquecer diaa dia, e dia a dia recua na escala das naçõesfortes. E o Brasil precisa reagir!

Não conseguirá o porvir imenso quemerece se não tiver a fortaleza necessáriapara a conquista desse porvir. Não pesarãosuas palavras no concerto das nações senão houver canhões que apoiem estas pala-vras. Não terá a hegemonia sul-americanase não deslizarem por suas costas velozescruzadores e não tiverem suas fronteiras avigilância de um Exército poderoso.

Arme-se, portanto, o Brasil!

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ARTES MILITARES>; Pensamento militar; Poder militar; Estratégia;

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ARTIGOS AVULSOS

Esta seção divulga os artigos que não puderam ser publicados– na íntegra – na RMB e que passarão a fazer parte do acervo daBiblioteca da Marinha.

Aqui será apresentado o título, o autor, posto ou título, númerode páginas do trabalho completo, classificação para índice remissi-vo e o resumo do artigo.

O BOMBARDEIO DE ALVEAR

ANTÔNIO GONÇALVES MEIRACoronel (Refo)

Número de páginas: 9Identificação: AV 028/09 – # 1.735 – RMB 2o/09CIR: GUERRAS; Incidente; Bombardeio; História da Marinha do Brasil;

O artigo foi publicado em As Guerras Gaúchas, organização de Günther Axt, NovaProva, Porto Alegre, em 2008.

Após a Guerra do Paraguai, a Marinha manteve uma Estação Naval em Itaqui-RS, porcircunstâncias político-econômicas.

O episódio não se caracteriza como guerra, mas sim como ato belicoso, sem motivode disputa internacional, originado de reação pessoal autoritária e inconsequente de militarbrasileiro.

Em 1874, os Monitores Rio Grande e Alagoas, da Flotilha do Alto Uruguai, dispara-ram os seus canhões contra a cidade argentina de Alvear, na margem do Rio Uruguai, emfrente à cidade de Itaqui-RS.

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ARTIGOS AVULSOS

O evento ocorreu após agressão a capitão-tenente médico servindo na Flotilha, quese deslocara para Alvear a fim de prestar atendimento médico a doente grave. A agressão foipresenciada por agentes da polícia argentina, que não a impediram nem prenderam osresponsáveis.

O comandante da Flotilha, Capitão-Tenente Estanislau Przewodowski, oficiou às autori-dades de Alvear exigindo delas a entrega dos agressores, com prazo fixado, sob pena derepresálias. Mandou, ainda, aprestar os monitores citados e executar salvas sobre Alvear.

O presidente da província brasileira representou contra o comandante junto à Corte,o que resultou na sua exoneração pelo ministro da Marinha e submissão a Conselho deGuerra, do qual foi absolvido.

A Flotilha do Alto Uruguai foi extinta em 1906.

A NACIONALIZAÇÃO NO CENTRO LOGÍSTICO DAAERONÁUTICA – CELOG/FAB

MARCOS ANDRÉ WESTPHALEN PALMACapitão de Corveta (EN)

CARLOS FERNANDES DA SILVA JUNIORCapitão de Corveta (IM)

Números de páginas: 16Identificação: AV 029/09 – # 1.730CIR: APOIO; Logística; Força Aérea Brasileira; Nacionalização;

Diversas Organizações Militares (OM) da Marinha executam com sucesso, há algumtempo, a nacionalização de sistemas, equipamentos e itens de suprimento. Não obstanteeste fato, grande parte das obtenções promovidas pela Gerência de Sobressalentes doCentro de Controle de Inventário da Marinha (CCIM) tem sido realizada no exterior, especi-almente na Comissão Naval Brasileira na Europa (CNBE). Isso traz como consequência:despesas variáveis com o câmbio; grande dependência do fornecimento de sobressalentesdo exterior; e necessidade de realizar desembaraço alfandegário, resultando em aumento noprazo de entrega de tais sobressalentes ao setor operativo.

Conhecendo a bem-sucedida experiência da Força Aérea Brasileira (FAB) no assun-to, a Diretoria de Abastecimento da Marinha (DAbM) iniciou em 2006 entendimentos com oCentro Logístico da Aeronáutica (Celog), no sentido de aumentar a cooperação entre aMarinha e a Força Aérea por meio de um intercâmbio sobre nacionalização em que a FABpudesse disponibilizar o seu conhecimento sobre o tema. Em abril de 2007, foi aprovadopelos Comandos da Marinha e da Aeronáutica o Termo de Cooperação 001/Celog/07.

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ARTIGOS AVULSOS

O Termo de Cooperação permitiu à Marinha do Brasil adquirir o conhecimento dasistemática empregada pela FAB e nacionalizar itens de suprimento utilizados em navios,submarinos e helicópteros, por meio de um estágio no Celog durante os anos de 2008 e 2009de quatro militares da Marinha, sendo dois oficiais e duas praças.

O Celog centraliza as principais aquisições do Comando da Aeronáutica, sendoresponsável também pelos processos de nacionalização e novas aquisições de itens jánacionalizados (reposições de estoque). As suas atribuições são obter, distribuir, naciona-lizar, certificar, garantir a qualidade, cadastrar fornecedores e fomentar a indústria nacional,preparando a FAB para a mobilização em caso de conflito externo.

O Celog está localizado no Campo de Marte, São Paulo-SP, nas proximidades de umgrande número de fornecedores de material, serviços e de indústrias mecânicas e aeronáuticas.

Possui laboratórios de Ensaios Destrutivos, de Análise de Material Metálico, deAnálise de Material Não Metálico, de Inspeção de Material Eletroeletrônico, de InspeçãoDimensional Convencional, de Inspeção Tridimensional, de Metrologia, de Névoa Salina euma Seção de Especificação Técnica de Projeto.

É composto por 170 pessoas, civis e militares, na sua maioria engenheiros, técnicos,oficiais intendentes e administradores, que trabalham em conjunto nas atividades de naci-onalização e obtenção.

A FAB trata a nacionalização como um processo dinâmico que objetiva o domíniodas informações técnico-gerenciais e o novo suprimento de determinado material, envol-vendo cuidadosamente as seguintes fases:

a) estudo preliminar da necessidade, da viabilidade técnica, econômica e legal dafabricação, no Brasil, de um produto similar ao importado;

b) pesquisa das dimensões geométricas, tolerâncias e da composição química epropriedades mecânicas do material a partir de amostra do item original, objetivando aelaboração de um projeto de fabricação;

c) identificação e seleção de uma Organização da Aeronáutica ou empresa nacionalpara executar o projeto (neste último caso por licitação, participando apenas empresas pré-qualificadas);

d) fabricação do item em território nacional de acordo com os requisitos técnicosestabelecidos pelo projeto do Celog pela OM da FAB selecionada ou empresa vencedorado certame;

e) inspeção da qualidade do protótipo e posteriormente do lote fabricado, executadapor uma equipe treinada e qualificada na área de metalurgia e metrologia utilizando labora-tórios do Celog;

f) aprovação formal pelo Parque de Material (responsável pela manutenção da aero-nave) e implantação do item nacionalizado no Sistema Integrado de Logística, Materiais ede Serviços da Aeronáutica pelo Celog; e

g) certificação para o uso do produto desenvolvido na aeronave da FAB, distribui-ção do lote nacional aprovado e acompanhamento do desempenho do item nacional duran-te o seu ciclo de vida pelo Celog.

Desde a criação da Conma em 1977, órgão precursor do Celog, a FAB acumulou umconsiderável acervo de projetos de nacionalização, superando a marca de 20 mil itens nestes31 anos. O número de peças produzidas e fornecidas pela indústria nacional ultrapassa cincomilhões, distribuídas em mais de 40 mil lotes. Aeronaves como o Xavante, o Bandeirante, o

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ARTIGOS AVULSOS

Tucano, o Hércules e outras, que possuem equipamentos descontinuados pelos seus fabri-cantes, voam atualmente graças ao esforço da nacionalização realizado no Celog.

Normalmente são priorizados para a nacionalização os itens de utilização geral per-tencentes a conjuntos maiores que, em princípio, não requerem investimentos elevadospara a fabricação e têm consumo considerável, tais como: resistores, anéis, buchas, elemen-tos filtrantes, escovas de gerador, gaxetas, juntas, contatos, lâmpadas, capacitores, relés,transistores, molas, engrenagens, parafusos, porcas, arruelas, pinos, pastilhas de freio,peças de plástico, acrílico e vidro, itens de apoio à aviação como estropos, garfos dereboque, calços e outros. Tais itens possuem elevado prazo de entrega, quando fabricadosno exterior, ou são obsoletos, entretanto são fundamentais para manter disponível a frotade aeronaves.

Além dos itens de utilização geral, cujos processos de nacionalização duram de seismeses a um ano e não costumam trazer grandes retornos financeiros para a FAB, há outrosconsiderados estratégicos, em face das dificuldades de serem encontrados, muitas vezesdecorrentes da descontinuidade da produção no exterior. Estes itens são complexos, e a suanacionalização geralmente representa uma economia significativa para a FAB. Pode-se des-tacar, dentre outros:

a) Pastilha de Freio do Mirage – a tecnologia de fabricação desenvolvida em parceriacom uma empresa nacional e o material utilizado foram inovadores, motivando a empresafrancesa Dassault Aviation, fabricante da aeronave, a fechar um contrato de fornecimentocom a empresa nacional para todas as aeronaves Mirage III, Mirage V, Mirage 50, SuperEtendard e Atlantic ATL 1 existentes no mundo. A economia anual para a FAB na aquisiçãode pastilhas de freio para o Mirage é de R$ 300 mil;

b) Tubo de Exaustão do Xavante – item de responsabilidade fabricado no País poruma indústria do setor petrolífero, após desenvolvimento do projeto pelo Celog. Foi entre-gue um lote de 50 tubos, disponibilizando as aeronaves e gerando uma economia para aFAB de R$ 6.300.000,00;

c) Tubo do Pistão do Trem de Pouso Principal do Bandeirante – item descontinuadopelo fabricante. A fabricação no Brasil de um lote de 70 peças trouxe uma economia para aFAB de R$ 2.065.000,00, quando comparada à última aquisição no exterior;

d) Itens Estruturais dos Trens de Pouso do Tucano – itens descontinuados. Aempresa fabricante da aeronave solicitou um prazo de 24 meses para a entrega dos itens aocusto de US$ 9,936,000.00 para equipar toda a frota. Os itens foram projetados pelo Celogem parceria com uma empresa de engenharia nacional, e o protótipo foi fabricado e ensaiadoquanto à fadiga no IAE/CTA. Estima-se que a nacionalização e a aquisição de lote necessá-rio para a frota de aeronaves destes itens gerarão uma economia de US$ 7,900,000.00 para aFAB. Além disso, por tratar-se de uma melhoria no projeto original, será requerida a patentedo item, o que se traduzirá em receitas futuras de royalties para a FAB nas vendas dos itensdo trem de pouso do Tucano para as forças armadas de diversos países que possuem areferida aeronave.

O Celog é uma Organização Militar de referência da FAB que desenvolve atividadesrelacionadas à logística de transporte, aquisição e nacionalização de itens de empregoaeronáutico e bélico.

O sucesso obtido na nacionalização de itens de suprimento para as aeronaves daFAB está apoiado principalmente nos seguintes pontos:

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ARTIGOS AVULSOS

a) mão de obra experiente, multidisciplinar e exclusiva;b) laboratórios e equipamentos adequados e exclusivos;c) processo de nacionalização certificado por norma ISO 9001:2000; ed) pré-qualificação de fornecedores.O estágio realizado pelos militares da MB no Celog amplia consideravelmente os

conhecimentos nesta área na Marinha e permite a troca de experiências entre as ForçasArmadas, possibilitando o aprendizado no ambiente de trabalho.

Espera-se até o fim de 2009 concluir a nacionalização de 40 itens de suprimento deemprego em meios navais e aeronavais, dentre itens novos e em desenvolvimento.

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CARTAS DOS LEITORES

Esta seção destina-se a incentivar debates, abrindo espaço ao leitor paracomentários, adendos esclarecedores e observações sobre artigos publicados. Ascartas deverão ser enviadas à Revista Marítima Brasileira, que, a seu critério,poderá publicá-las parcial ou integralmente. Contamos com sua colaboraçãopara realizarmos nosso objetivo, que é o de dinamizar a RMB, tornando-a umeficiente veículo para idéias, pensamentos e novas soluções, sempre em benefí-cio da Marinha, mais forte e atuante. Sua participação é importante.

A DIREÇÃO

Recebemos, em 16 de setembro último, correspondência do Capitão de Mar e Guerra(Refo) Augusto Cesar Geoffroy sobre uma viagem do Cruzador Barroso, em 1964. Abaixo acarta do Comandante Geoffroy:

MOMENTOS EM IMBITUBAA viagem que poderia ter acabado em tragédia

Em 1963 e no primeiro trimestre de 1964,o Cruzador Barroso era quase um barril depólvora. Atracado ao Cais Norte do Arse-nal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ),imobilizado para reparos, com o seu coman-dante baixado ao hospital havia tempos, asituação apresentava-se no mínimo delica-da. De três em três dias, a oficialidade jo-vem dormia a bordo, de serviço; cada noiterepresentava angústia, na expectativa deque alguma coisa ruim pudesse acontecer.

Eu era encarregado da divisão O2 (Rádio)desde dezembro de 1961, quando, terminadoo curso de Comunicações, embarquei, e con-tava na divisão com um marinheiro SC, exí-mio telegrafista, que deixava no chinelo os“telecos” cursados. Tinha um porém: o SCera o secretário da Associação dos Marinhei-ros do Brasil, famosa na época por congre-gar as praças mais perigosas à disciplina. Abem da verdade, o rapaz cumpria com as suasobrigações e mantinha-se disciplinado.

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CARTAS DOS LEITORES

Logo após 31 de março, o cruzador re-cebeu um novo comandante e um novoimediato, vindos da Diretoria do PessoalMilitar da Marinha (DPMM), além de ou-tros oficiais mais modernos. Não vimosmais o capitão de corveta chefe do Depar-tamento de Navegação e alguns tenentes.Soube, então, que ele, figura divertida napraça-d’armas, que fazia o pessoal da mesarir muito, fora para o México para incorpo-rar-se ao Partido Comunista mexicano, de-pois, obviamente, de ter feito as cabeçasde certos tenentes. Também depois soubeque, nas cobertas abaixo, habitadas pelaguarnição, o comandante navegador faziapreleções para as praças, às escondidas.

O comandante do navio, um capitão demar e guerra maquinista, e o imediato, umcapitão de fragata também maquinista, am-bos de saudosa memória, puseram mãos àobra. Com a ajuda da oficialidade, princi-palmente dos capitães-tenentes antigos a

bordo, lotados nos departamentos de Ope-rações, Armamento e Máquinas, os repa-ros do navio foram terminados com êxito.Em fins de maio, o Barroso estava pronto.

Certa tarde, o comandante do navio cha-mou-me à câmara: “Quero convidá-lo paraser meu encarregado de Navegação” – dis-se ele.

Fui pego de surpresa!

A VIDA DO NAVEGADOR

Eu conhecia a bordo um segundo-te-nente muito esperto e pedi ao comandantepara que ele me fosse cedido, para assumira divisão “N”. Quanto a mim, afora a sur-presa do convite, a função não me era es-tranha, pois fora encarregado de Navega-ção do Guanabara, convidado por um ca-pitão de fragata exigente, e diversas vezes,em 1959, o NE entrara e saíra da baía da IlhaGrande, em viagens com os alunos do Co-

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CARTAS DOS LEITORES

légio Naval, inclusive para Vitória. Depois,em Belém, na Corveta Mearim, quando onavio suspendia com destino ao oceano, oimediato caía no beliche, “mareadíssimo”,e sobrava para mim a navegação, enquan-to o outro oficial do navio ficava cuidandodas máquinas. Quase mensalmente, comocorveta de socorro, íamos para São Luísdo Maranhão ficar duas semanas fundea-dos. Assim, depois da experiência de má-quinas, da calibragem dos equipamentosde artilharia e da aferição da agulha mag-nética, estávamos prontos para viajar.

Do início de junho de 1964 em diante, oBarroso fez-se ao mar diversas vezes, em via-gens de curta duração, e outras maiores, visi-tando Santos, Salvador e Recife. Inclusive onavio escoltou o cruzador francês Colbert,que trouxe ao Brasil o General De Gaulle.

A VIAGEM PARA IMBITUBA

No meio do ano, se não me falha a memó-ria, a Ordem de Movimento do Comando emChefe da Esquadra determinava que o Barro-so, com o Comandante em Chefe (ComemCh)a bordo, rumasse para o sul do País, na regiãode Imbituba, Santa Catarina, a fim de que fos-se escolhida a praia onde seria realizada a Dra-gão, operação anfíbia, em novembro de 1964.

Não me lembro mais se foi a Esquadraque determinou o ponto de fundeio ou ocomandante do navio, porém ele foi marca-do na carta 1.907 em profundidade bemsuperior a 20 metros, próximo à entrada daenseada de Imbituba, quando seria arriadaa lancha de bordo, que conduziria os ob-servadores para o reconhecimento da praia,após o que seriam recolhidos e o naviosuspenderia para prosseguir viagem.

Durante a aproximação para o ponto defundeio, o cruzador estava bem navegado,pois tivéramos uma boa posição astronômi-ca de meio-dia e o tempo apresentava-sebom. O Barroso fazia a aproximação aproado

à praia, com as máquinas em baixa rotação,aguardando a ordem de parar as máquinas elargar o ferro no ponto determinado.

Passamos sobre o ponto de fundeio às15 horas. Como ficava distante da praia paraarriar a lancha e o mar se apresentasse tran-qüilo, o comandante determinou que con-tinuássemos navegando em marcha redu-zida, a fim de que, estando mais próximo deterra, fosse facilitada a manobra da lancha.

Estávamos ainda navegando pela carta1.907 quando o ecobatímetro começou aacusar profundidades mais baixas, decres-cendo a 20 metros. Eu teria, então, que tro-car de carta, da 1.907, na qual estava nave-gando, que só ia até 20 metros de profun-didade, e passar o ponto estimado para acarta 1.908, da enseada de Imbituba, quecomeçava próximo à isobática de 20 metros.Enquanto fazia a troca da carta, o eco acu-sou 16 metros. Veio, então, o susto: com oponto ainda estimado na carta 1.908, oecobatímetro indicou profundidade “zero”,voltando a crescer logo em seguida para14 metros. O Barroso, então, fundeou, comquatro quartéis de amarra.

Estávamos, em minha opinião, mal fun-deados, a 14 metros de profundidade, pró-ximos das pedras mais ao norte, sobre asquais o Barroso deve ter “roçado” a qui-lha, quando o eco marcou fundo “zero”.Além disso, o tempo começou a virar. Operigo seria o ferro desunhar e o naviogarrar, e, dada a sua grande estrutura, po-der ser levado pelo vento ou pela maré paraa praia ou, o que talvez fosse pior, cair paracima das pedras, sem que as máquinas ti-vessem tempo de atuar.

Pensamentos sombrios passaram pelaminha cabeça: já imaginava o grande cru-zador encalhado na praia em frente, bempróxima, caso a amarra cedesse, repetindoa tragédia da Corveta Angostura em junhode 1958, na praia de Itaipu, em Niterói, quan-do ficou encalhada para tentar salvar o

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CARTAS DOS LEITORES

Camboinhas, safando-se somente apósduas semanas de muita faina.

Sei que arriaram a lancha, na qual em-barcaram os observadores. Eu só tinhaolhos para a proa, batendo com força, poiso mar encrespara rapidamente, e já estavaescurecendo. Para piorar a situação, nomorro a bombordo o farol estava apagado.A praia apresentava uma vegetação rastei-ra, sem pontos propícios para a obtençãode uma distância e uma marcação seguras,pelo radar de superfície, utilizado para anavegação. O único ponto mais preciso erao morro a bombordo. A boreste, a praia pro-longava-se, sem pontos observáveis.

Chamei o meu ajudante e pedi que apa-nhasse o Livro do Navio, para conferirmosseus dados, suas curvas de giro, o efeito doseu leme para diversas velocidades. Come-çamos, na noite que chegava, a “redesco-brir” o Barroso, velho barco construído em1934/1937 e, detalhadamente, fomos colo-cando no papel nossa estratégia para sairdaquela situação.

O Barroso continuava a manter a proaoscilando na direção da praia, oposta àentrada da enseada.

UMA MANOBRA DELICADA

A manobra de saída da enseada deImbituba consistiria em manter a proa presapelo ferro de fundear, enquanto os dois eixosde boreste davam adiante e os dois eixos debombordo davam a ré, com o leme todo abombordo. Guinaríamos por bombordo, umavez que guinar por boreste não era conveni-ente devido à ausência total de qualquer pon-to de referência para a manobra. Tinha obser-vado, nas viagens efetuadas, que o naviodescrevia uma curva de giro de 1.500 jardas,com as máquinas a meia força e algum ângu-lo de leme. Ele teria, em Imbituba, que reduzira curva de giro para 1.000 jardas, ajudadopelos quatro eixos, e carregar todo o leme, o

que nos levaria a passar a 500 jardas do mor-ro. Depois que o navio começasse a girar, oferro seria suspenso, as velocidades seriamaumentadas e o leme pouco a pouco viria ameio. Quando o navio terminasse de comple-tar 180º, a proa deveria estar apontada para aentrada da enseada. Aí o leme estaria a meioe as máquinas aumentariam as rotações para“toda a força adiante”. Era assim que esperá-vamos que tudo fosse acontecer.

A navegação de praticagem foi postade lado, uma vez que a escuridão total nãonos permitia enxergar qualquer acidentegeográfico em terra.

No regresso da lancha do navio, com osobservadores, ela não conseguiu ser içada,pois o mar estava agitado e ventava muito.Os observadores tiveram que ser recolhi-dos pela rede do guindaste da popa e alancha foi deixada no local, fundeada.

20 horas. Navio “pronto para suspender”.Quando a popa começou a girar, pelo efei-

to dos hélices, e a proa, já com o ferro peloscabelos, iniciou a descrever um imenso meiocírculo, dava a impressão que iríamos colidircom o morro, pois os sinaleiros acenderam oholofote de 36 polegadas, iluminando a área.Rapidamente, o navio foi se aprumando para aentrada da enseada. Sugeri então ao oficial demanobra que determinasse “leme a meio” aotimoneiro e “toda a força adiante” para as má-quinas. Parecia que tínhamos acordado de umpesadelo e vivíamos, naquele instante, um so-nho: o navio, construído 30 anos antes, o ex-Philadelphia, de tão bela passagem na Se-gunda Guerra Mundial, respondera como setivesse saído do estaleiro naquele momento.

CONCLUSÃO

A entrada na enseada de Imbituba po-deria ter causado um sério acidente de na-vegação envolvendo um cruzador de 185metros, de manobra difícil em áreas restri-tas, em local de mar quase sempre agitado,

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CARTAS DOS LEITORES

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CARTAS DOS LEITORES

sem sinalização para as pedras submersas,em uma área sem pontos notáveis para sefazer uma boa e segura navegação; alémdo mais, distante da principal base naval,representada pelo AMRJ, e dos navios desocorro sediados no Rio de Janeiro.

Como os oficiais do Corpo da Armada sa-bem perfeitamente, sempre que se muda oponto de uma carta para a outra, de escalasdiferentes, o ponto transportado não ficaráexatamente onde se previra e, em conse-quência, a localização do navio fica alterada.

Em Imbituba, isso aconteceu, com o agra-vante de que o transporte do ponto foi feitoem situação que não dava tempo para mano-bra evasiva, pois quando foi trocada a cartade navegação da 1.907 para a 1.908 pratica-mente o navio estava “em cima das pedras”.Tudo se passou quase num piscar de olhos.

Também parece importante salientar queo radar de superfície, embora possa ser uti-

lizado para a navegação em águas restri-tas, não é o mais indicado para aquele tipode navegação, no qual os pontos notáveiseram rasteiros e não provocavam ecos mui-to precisos.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Depois de passado tanto tempo, tive aideia de escrever alguma coisa sobre a via-gem a Imbituba. Afinal de contas, volta e meiao assunto me vem nitidamente à lembrança.Nada mais conveniente, então, que recordas-se aqueles momentos (quase) trágicos ou-vindo aquele meu antigo encarregado da di-visão “N” do Barroso. O hoje capitão de mare guerra na inatividade, ótimo oficial cursadoem eletrônica, atencioso como sempre, for-neceu-me preciosos detalhes que concorre-ram para dar mais veracidade à história da-quele fundeio na enseada de Imbituba.

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CARTAS DOS LEITORES

Graças ao computador, foi possívelretroagir no tempo, configurando a situa-ção na época (1964) da carta 1908.

O local está bastante mudado. Foiconstruído um quebra-mar extenso juntoao morro de entrada a bombordo, com umaterro para a localização de armazéns, for-mando o porto de Imbituba, que recebenavios de carga geral. A cidade está muitodiferente, com vários hotéis e pousadas.

Lá estão as pedras mais ao sul (“pedrasdo Aracaju”) e as pedras mais ao norte (“pe-

dras de Imbituba”, sobre as quais o cruza-dor deve ter passado), como mostra a cartanáutica atual, agora devidamente sinaliza-das com boias luminosas, distantes cercade 0,27 milha (500 metros) umas das outras.

Calculamos que ficamos fundeados acerca de 0,8 milha (1.480 metros ou 1.600jardas) do morro e a 1 milha (1.852 metros)da praia em frente.

Quem já embarcou sabe que no mar, emnoite escura, essas distâncias podem tor-nar-se quase irrisórias e iludem bastante.

CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:<ATIVIDADES MARINHEIRAS>; Manobras; Navegação; Cruzador;

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O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

As histórias aqui contadas reproduzem, com respeitoso humor, oque se conta nas conversas alegres das praças-d’armas e dos conveses.Guardadas certas liberdades, todas elas, na sua essência, são verídicase por isso caracterizam várias fases da vida na Marinha.

São válidas, também, histórias vividas em outras Marinhas.Contamos com sua colaboração. Se desejar, apenas apresente o caso

por carta, ou por e-mail ([email protected]).

ASSALTO ANFÍBIO NA VILA NAVAL

Os fatos a seguir narrados, a despeitoda “licença poética”, são verídicos.

Uma determinada vila naval ficava locali-zada às margens de um importante rio. Naépoca de sua inauguração, o entorno da vilaera praticamente deserto, o que causava atécertas dificuldades para as senhoras espo-sas, que não dispunham de muitas opçõesde comércio e serviços nas proximidades.

Ao longo dos anos, com o crescimentodesordenado da cidade, o local tornou-seum bairro muito populoso. Juntamente coma grande população, vieram também os pro-blemas inerentes a qualquer grande cen-tro: pequenos delitos começaram a ocorrerna vizinhança.

A vila era composta por cinco ruas. Narua mais próxima do muro limítrofe com o

bairro, havia um grande terreno que nãopodia ser usado para construção em virtu-de de a “final” dos aviões que se dirigiampara a Base Aérea passar exatamente alipor cima. Aquele terreno era fonte de cons-tante preocupação para os moradores darua, que temiam o seu uso pela bandidagemlocal como esconderijo ou rota de fuga dapolícia, uma vez que a guarita da seguran-ça não permitia a visão de todo o muro, e omato crescido e a lama facilitavam aocultação.

Eis que se mudou para a rua um jovemtenente fuzileiro naval. Militar vibrador,amante de ação, quando soube do peri-go representado pelo terreno tomou parasi a missão de guardá-lo. O referido ofici-al estabeleceu para si até mesmo uma ro-

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O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

tina de rondas noturnas, para garantir osono tranquilo de seus vizinhos e de suafamília.

Certa noite, chovia bastante, e o tenen-te foi até a varanda de sua residência paraguardar as roupas do varal, de forma quenão se molhassem. Foi quando observoudois elementos se deslocando na chuva,sob a sombra rente ao muro, na direção dobairro.

“Que será que esses meliantes estão fa-zendo aqui dentro da vila? Será que vieramtentar roubar alguma casa? Será que vie-ram usar drogas?” – pensou.

Sem pestanejar, o oficial correu até aguarita, montou um “grupo-tarefa anfíbio”com mais três fuzileiros navais e, de armasem punho, foram rapidamente se esguei-rando, camuflados pelas sombras, rastejan-do, na direção dos invasores. A evoluçãoda patrulha foi de tal forma precisa queflanquearam os suspeitos, gozando total-mente do elemento surpresa.

“Parados, mãos na cabeça!” – ordenoucom autoridade o bravo tenente, quasematando de susto os supostos invasores,que prontamente obedeceram.

Nesse momento, o sargento da guardafocou sua possante lanterna nos olhos ar-regalados dos praticamente irreconhecí-veis, encharcados e enlameados suspeitos.Haviam sido rendidos, na verdade, um ofi-cial superior engenheiro e seu ajudante,um suboficial, que estava no meio de umaimportante faina de medição do terreno, quedeveria estar pronta até a manhã seguinte,e por isso não poderia parar, mesmo emmeio àquele temporal.

Depois do ocorrido, a rua perdeu seuincansável guardião, que passou algunsdias sem realizar nenhuma ação, se acal-mando no bailéu...

Colaboração de:Igor de Assis Sanderson de Queiroz

Capitão-Tenente (IM)

Não sei se o fato é verídico, mas em ro-das de conversas marinheiras fala-se quehavia um oficial de apelido “Chico-Tira”.Um dia o citado oficial foi designado paracomandar um navio pequeno. O comandan-te detestava que o chamassem pelo apeli-do, mas a guarnição não sabia disso.

Antigamente, o convés principal dosnavios era de madeira corrida, e entre as “fa-inas” (trabalhos marinheiros) havia umachamada “lona e areia”. Consistia na limpe-za do convés com água salgada, areia e umaespécie de chinelo confeccionado com pe-

O CASO DO COMANDANTE “CHICO-TIRA”

quenos pedaços de imprestáveis manguei-ras de incêndio que a guarnição calçava.1

Um belo dia, o imediato determinou umafaina de “lona e areia” a bordo. Normal-mente era uma faina alegre, pois os mari-nheiros cantavam e dançavam arrastandoos pés no convés. Assim, o trabalho ia sen-do executado até que um gaiato resolveuformar um trenzinho, com os marinheirosuns apoiando as mãos sobre os ombros doda frente. E para imitar o som do trem sedeslocando, começaram: Chico-Tira,Chico-Tira,Chico-Tira.

1 N.R.: Nos cruzadores Barroso e Tamandaré, a faina de “lona e areia” envolvia praticamente toda atripulação, animada pela banda de música. Os encarregados de Divisão ou seus ajudantes comanda-vam os cabos e marinheiros, supervisionados por sargentos. Cada divisão ficava responsável porsetores do convés principal. A lona da mangueira servia como uma lixa, que, junto à areia e à águasalgada, deixava o tabuado do convés muito limpo.

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O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

O comandante, estando no passadiço,ouviu aquela afronta e não vacilou – che-gou até a escada de acesso e exclamou:

– Parem o trem, parem o trem... sobe amáquina. Dez dias para a máquina... cin-co para cada carro! (Para quem desco-

nhece, dez e cinco dias dizem respeito aprisão).

Colaboração de: José Roberto MeirellesCapitão de Mar e Guerra (IM-Refo)

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DOAÇÕES À DPHDM – 2o TRIMESTRE DE 2009DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

Biblioteca NacionalBiblioteca do ExércitoCentro de Mísseis e Armas Submarinas da MarinhaUniversity of Florida

PERIÓDICOS RECEBIDOS

ALEMANHATecnologia Militar – v. 31 no 1/2009

ARGENTINABoletin del Centro Naval – v. 126 no 822 out./dez. 2009

CANADÁCanadian Naval Review – v. 4 no 3 FALL 2008

CHILERevista de Marina – v. 126 no 908 jan./fev. 2009Politica y Estratégia – no 111 jul./set. 2008; no 112 out./dez. 2008

ESPANHARevista de História Naval – v. 26 no 103/2008Revista General de Marina – v. 225 out./2008; v. 225 dez./2008;

v. 256 mar./2009 supl./mar./2009

ESTADOS UNIDOSNaval Forces – v. 29 no 6, 2008; v. 30 no 1, jan./2009; v. 30 no 2, 2009Naval War College Review – 62 no 1 WINTER 2009; v. 62 no 2 SPRING 2009Politics & Policy – v. 36 no 5 out./2008; v. 36 no 6 dez./2008; v. 37 no 1 fev./2009Proceedings – mar./2009UNITAS 50 – 2009Via Inmarsat – jul./set. 2009; abr./jun. 2009

HOLANDARevista Europea de Estudos Latinoamericanos y Del Caribe – no 86 abr./2009

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DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ITÁLIARivista Marittima – v. 142 jan./2009Rivista Militare – v. 1 jan./fev. 2009

PORTUGALRevista da Armada – v. 38 no 429 abr./2009Cadernos Navais – no 28 jan./mar. 2009

BRASILAsfalto em Revista – v. 1 no 3 jan./fev. 2009Boletim do Clube Naval – mai./2009Círculo Militar de São Paulo (CMSP) – v. 29 no 348 mai./2009Clube Naval – abr./2009; v. 117 no 349 jan./fev./mar./2009Conexão Brasília – v. 6 ed. verão 2009O Corujão – v. 4A Defesa Nacional – v. 94 no 812 set./out./nov./dez. 2009A Galera – 1956Informativo Marítimo – v. 16 no 4 out./dez. 2008LUBES em foco – v. 2 no 11 fev./mar. 2009Museu Aeroespacial –NOMAR – v. 44 no 798 out./2008; v. 444 no 800 dez./2008NOTANF – no 4 out./2008; jan./fev./mar. 2009Notícia Bibliográfica e Histórica – v. 39 no 202 jan./jun. 2007Pesquisa Fapesp – no 159 mai./2009Portos e Navios – v. 50 no 578 mar./2009; v. 51 no 579 abr./2009; v. 51 no 580 mai./2009Relatório Anual 2008 Wilson Sons Limitewd –A Ressurgência – no 3/2009Revista Brasileira de Saúde Ocupacional RBSO – v. 222 no 118 jul./dez. 2008Revista de História da Biblioteca Nacional – v. 4 no 43 abr./2009; v. 4 no 44 mai./2009Revista de História Naval – v. 26 no 103/2008Revista de Ciências Sociais teoria & pesquisa – v. 17 no 1 jan./jun. 2009Revista de Marinha – no 947 dez./2008/jan./2009; no 948 fev./mar./2009;

abr./mai./2009; no 256 mar./2009 suplRevista do Clube Naval – v. 117 no 349 jan./fev./mar. 2009Revista do Empresário da ACRJ – v. 68 no 1398 mar./abr. 2009Revista do Exército Brasileiro – v. 145 3o quadrimestre 2008Revista de Instituto Histórico Geográfico da Bahia – no 103/2008Revista de Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul – v. 88 no 143/2008Revista Intermarket – v. 8 no 44/2009; v. 8 no 45/2009Revista Militar e Ciência e Tecnologia (C&T) – v. 25 3o quadrimestre 2008Tecnologia & Defesa – v. 26 no 117

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NECROLÓGIO

† AE Gualter Maria Menezes de Magalhães† CA (FN) José Antônio Martins Alves† CMG Carlos Balthazar da Silveira† CMG Roberto Andrade Fernandes† CF Ivan Coelho Cintra Filho† CT (AA) Sebastião Alves da Silveira† CT (AA) José Xavier Caires

Nasceu no Rio de Janeiro, filho de HonórioPinto Pereira de Magalhães e de Alzira RosaMenezes de Magalhães. Promoções: a segun-do-tenente em 23/09/1938, a primeiro-tenenteem 27/09/1940, a capitão-tenente em 02/04/1943, a capitão de corveta em 01/03/1950, acapitão de fragata em 30/01/1954, a capitão demar e guerra em 30/03/1960. Alcançou o almi-rantado em 06/09/1966, sendo promovido avice-almirante em 09/12/1969 e a almirante deesquadra em 31/03/1974. Transferido para areserva em 15/05/1978.

Em sua carreira comandou sete vezes:Rebocador Triunfo; Cruzador Tamandaré;Centro de Instrução de Oficiais para a Reser-va da Marinha; Centro de Instrução Almiran-te Wandenkolk; Força Aeronaval; 3o DistritoNaval; e Comando em Chefe da Esquadra.Exerceu quatro direções: Centro de Espor-tes; Diretoria-Geral do Pessoal; Secretaria-Geral; e Estado-Maior da Armada.

GUALTER MARIA MENEZES DEMAGALHÃES 01/01/1918 † 23/01/2009

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NECROLÓGIO

Comissões: Encouraçado São Paulo; Cru-zador Rio Grande do Sul; Escola de Aviação;Navio Mercante Camaquã; Cruzador Bahia;Grupo de Caça-Submarinos; Comissão NavalBrasileira em Miami; Caça-Submarinos Jundiaí(imediato); Base da Flotilha de Submarinos;Submarino Humaitá; Caça-SubmarinosGuaíba; Diretoria do Pessoal da Marinha; Di-retoria da Marinha Mercante; Escola de Guer-ra Naval; Estado-Maior das Forças Armadas;Escola Superior de Guerra; Adido Naval à Em-baixada do Brasil em Lima – Peru (adido); Ca-pitania dos Portos dos Estados do Pará eAmapá (capitão dos portos); Comando do 4o

Distrito Naval (comandante interino); Estado-Maior da Armada; Comissão Mista Brasil-EUA(assessor militar); Comando da Força de Cru-zadores e Contratorpedeiros (comandante in-terino); Gabinete do Ministro da Marinha (che-fe); Secretaria-Geral da Marinha (secretário-geral); Estado-Maior da Armada (Chefe); eGabinete do Ministro da Marinha (ministrointerino).

Em reconhecimento aos seus serviços, re-cebeu inúmeras referências elogiosas e foicondecorado com as seguintes medalhas:

Medalha de Serviços de Guerra com 3 estre-las; Medalha da Força Naval do Nordeste(grau Prata); Ordem do Mérito Naval (grauGrã-Cruz); Ordem do Mérito Militar (grauGrande-Oficial); Ordem do Mérito Aeronáu-tico (grau Grande-Oficial); Ordem de Rio Bran-co (grau Grande-Oficial); Ordem do MéritoJudiciário Militar (grau Grã-Cruz); MedalhaMilitar de Ouro com Passador de Platina; Me-dalha de Campanha do Atlântico Sul; Meda-lha Naval de Serviços Distintos; Medalha doPacificador; Medalha Mérito Santos Dumont(grau Prata); Medalha Comemorativa do Nas-cimento de Ruy Barbosa; Grande Estrela aoMérito Militar (grau Grã-Cruz) – Repúblicado Chile; Legião do Mérito (grau Oficial) –República dos EUA; Estrela das Forças Ar-madas do Equador (grau Grã Estrela Militar);Medalha Mérito Militar de 1a Classe – Repú-blica de Portugal; Ordem de Mayo ao MéritoNaval – República da Argentina; e Ordem daCruz do Mérito Naval (grau Grã-Cruz) – Re-pública do Peru.

À família do Almirante Gualter MariaMenezes de Macalhães, o pesar da Revis-ta Marítima Brasileira.

Nasceu no Rio de Janeiro, filho de JoséAntônio Alves e de Idalina Martins Alves.Promoções: a segundo-tenente em 12/01/1951, a primeiro-tenente em 07/07/1952, acapitão-tenente em 29/07/1955, a capitãode corveta em 13/09/1960, a capitão de fra-gata em 06/11/1964, a capitão de mar e guer-ra em 30/06/1970. Alcançou o almirantadoem 25/11/1977. Transferido para a reservaem 28/03/1983.

Em sua carreira comandou cinco vezes:Núcleo de Comando de Aviação da Forçade Fuzileiros da Esquadra; Grupamentosde Fuzileiros Navais de Brasília e do Rio deJaneiro; Comando de Apoio do Corpo deFuzileiros Navais; e Tropa de Reforço daForça de Fuzileiros da Esquadra.

JOSÉ ANTÔNIO MARTINS ALVES 26/12/1927 † 27/02/2009

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NECROLÓGIO

Comissões: Escola Naval; Quartel doCorpo de Fuzileiros Navais; Guarnição doQuartel-General do Corpo de FuzileirosNavais; Comando do 6o Distrito Naval; 1a

Companhia Regional de Fuzileiros Navais;Diretoria de Armamento da Marinha; Cen-tro de Armamento da Marinha; Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais; Co-mando do 3o Distrito Naval; 3o BatalhãoRegional de FN; Diretoria de Aeronáuticada Marinha; Centro de Instrução e Ades-tramento Aeronaval; Escola de Aperfeiço-amento de Oficiais do Exército; Navio-Aeródromo Minas Gerais; Base Aeronavalde São Pedro D’Aldeia; Navio HidrográficoSirius; Navio-Transporte de Tropas Soa-res Dutra; Tropa de Reforço da Força deFuzileiros da Esquadra; Batalhão de Co-mando do Comando-Geral do Corpo de

Fuzileiros Navais; Escola de Guerra Naval;Comando do 7o Distrito Naval; ComandoNaval de Brasília; Comando de Reforço daForça de Fuzileiros da Esquadra; Coman-do do 1o Distrito Naval; Escola Superior deGuerra; Batalhão de Comando da DivisãoAnfíbia; e Gabinete do Comandante daMarinha.

Em reconhecimento aos seus serviços, re-cebeu inúmeras referências elogiosas e foicondecorado com as seguintes medalhas:Ordem do Mérito Naval (grau Comendador);Ordem do Mérito Militar (grau Comendador);Medalha Militar de Ouro com Passador deOuro; Medalha do Mérito Tamandaré; eMedalha de Serviços de Guerra sem Estrelas.

À família do Almirante José AntônioMartins Alves, o pesar da Revista Maríti-ma Brasileira.

09/09/1918 † 15/01/200911/02/1940 † 15/04/200916/06/1951 † 30/01/200904/03/1941 † 01/04/200915/02/1940 † 07/03/2009

A RMB expressa o pesar às famílias pelo falecimento dos assinantes:

CMG 35.3548.10 – Carlos Balthazar da SilveiraCMG 56.0048.18 – Roberto Andrade FernandesCF 69.0134.11 – Ivan Coelho Cintra FilhoCT (AA) 58.5006.34 – Sebastião Alves da SilveiraCT (AA) 00.0000.00 – José Xavier Caires

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ACONTECEU HÁ 100 ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças enotícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partesdo mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reporta-dos pela nossa sesquicentenária Revista Marítima Brasileira.

Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observa-remos a grafia então utilizada.

Abrimos hoje as paginas desta Revistacom a transcripção da introdução dorelatorio apresentado este anno pelo sr.ministro da marinha, almiranteAlexandrino de Alencar, ao sr. presidenteda Republica.

É um trabalho notavel e que dá desdelogo a quem o lê uma clara idéa dacompetencia e da tersa orientação quepresidio á genesis e ao desdobramento donosso programma naval; programma queaccrescido, como deve ser, de mais um cou-raçado do mesmo typo e de mais algumasunidades secundarias, em numero propor-cional a esse forte nucleo de navios de com-bate, corresponderá perfeitamente ás ne-

O RELATORIO DA MARINHAO RELATORIO DA MARINHAO RELATORIO DA MARINHAO RELATORIO DA MARINHAO RELATORIO DA MARINHA(RMB, maio/1909, p.1.049 a 1.981)

cessidades do momento, como ponto de par-tida para a formação da poderosa esquadrade que o Brazil, no seu rapido desenvolvi-mento, ha de precisar forçosamente dentrode poucos annos.

Essa importante introducção consubstancia,além disso, quanto nos temos adeantado nes-tes ultimos annos nesse particular,photographando ao mesmo tempo o espirito deactividade e de progresso que anima a nossaadministração naval, reflectindo-se rapidamen-te para o cabal desempenho da alta tarefa quelhe compete no concerto nacional.

Por todos esses motivos é com verdadei-ra satisfação que aqui a registramos.

Exmo. Sr. Presidente da Republica (...)

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

“Ainda que a tendencia do espirito mo-derno seja a de apagar as reminiscencias daluta, as recordações de sangue, os traços dedesunião e de odio que eram guardados nascivilisações antigas como uma herança na-cional, as datas que rememoram os gran-des feitos de armas na defesa da patriapermanecem glorificadas, apezar de tudo,porque representam, com o correr dosannos, não uma expressão de colera odiosa,mas sim exemplos de generosa renuncia ede coragem cavalheiresca, que guardam.

É sem duvida de um grande valor paraum povo saber-se capaz de emprezasmagnificas e de desprendidos sacrificiospor amor do seu solo e da sua bandeira; masé, sem duvida, de maior valor affirmar queessas qualidades viris formam o depositode virtudes da raça e que só temos motivospara nos orgulharmos dos que viveram an-tes de nós, como os que vierem depois seorgulharão dos que morreram por elles.”

Esses belos conceitos publicados ha diasem um dos principaes orgãos da imprensadiaria desta capital, a proposito doanniversario da renhida batalha campal deTuyuty – a cujos heroes, extinctos ou so-breviventes ainda, seja-nos permittido ren-der aqui, de passagem, o nosso preito deextrema veneração – taes conceitos,diziamos, podiam igualmente servir-nos deintroito á glorificação que mais uma vezintensamente fazer do grande prélio na-val do Riachuelo, ferido, como se sabe, coma mais inexcedivel bravura, de parte a par-te, no memoravel dia 11 de junho de 1865.

Mas esta Revista já o tem feito tantasvezes, desempenhando-se assim, com

louvabilissimo e mais que justificado orgu-lho patriotico, da grata tarefa de fazerreviver ante a memoria das modernas gera-ções as homericas figuras dos que comindeleveis tintas o inscreveram nas paginasda historia, que hoje nos sentimos á vontadepara enveredar por outro caminho e encararesse grande feito de nossa marinha de guer-ra sob outro aspecto que não o da simplesgloria, embora immensa, que delle jorrou porsobre toda a nação brazileira – queremosdizer – para considereal-o pelos outros pris-mas – si não brilhantes, talvez mais uteis –a que se prestam sempre acontecimentosdessa ordem.

Nesse intuito, porém, nada de melhorpoderiamos aqui fazer do que depor a maladestrada penna e deixar que a esse res-peito nos instruam, encantando-nos a umtempo, as seguintes paginas que, data venia,vamos reproduzir de um dos tomos já im-pressos da magnifica obra DE ASPIRAN-TE A ALMIRANTE, com que o sr. almi-rante Arthur Jaceguay veio em boa horaenriquecer a historia ainda tão deficientedos nossos feitos navaes durante a prolon-gada campanha do Paraguay.

Dessas paginas, que fazem parte dasque o autor denominou “Reflexões criticassobre as operações combinadas da esqua-dra brazileira e exercitos alliados” e que jáforam devidamente abonadas pelo reputa-do e elegante publicista sr. José Verissimo,da Academia Brazileira – a que hojetambem pertence por seus excepcionaesmeritos literarios o sr. almirante Jaceguay– assim como por outros notaveisescriptores nacionaes, dimana tanta luz

RIACHUELORIACHUELORIACHUELORIACHUELORIACHUELO(RMB, junho/1909, p. 2.199 a 2.225)

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

sobre essa tremenda peleja, que julgamosprestar um bom serviço, não só a todos osnossos camaradas como a quantos nos le-rem, divulgando por toda parte a que cos-tuma chegar a nossa Revista essa fidedig-na narrativa de um dos episodios mais cul-minantes daquella porfiada campanha;

narrativa em que perfeitamente se discri-mina a mais severa imparcialidade a par damais completa analyse das diversas facesdesse suprehendente feito naval.

Cedemos, pois, sem mais demora a pala-vra ao emerito historiographo.

“O RIACHUELO (...)”

A COMMEMORAÇÃO DE ONZE DE JUNHOA COMMEMORAÇÃO DE ONZE DE JUNHOA COMMEMORAÇÃO DE ONZE DE JUNHOA COMMEMORAÇÃO DE ONZE DE JUNHOA COMMEMORAÇÃO DE ONZE DE JUNHO(RMB, junho/2009, p. 2.227 a 2.246)

A commemoração do combate naval doRiachuelo revestio-se este anno de brilhoexcepcional, em virtude de ter sido apro-veitada a data desse memorabilissimo fei-to para a trasladação dos despojos do gran-de heroe dessa jornada, o inclito almiranteBarroso, da igreja da Cruz dos Militares,onde estavam depositados desde que vie-ram de Montevidéo, para a crypta do mo-numento que a gratidão nacional lhe estáerigindo na avenida Beira-Mar, no localdenominado Praia do Russel.

Para prestar as devidas homenagens aoglorioso almirante durante essasolemnidade, desembarcaram cerca de 5000homens de nossas forças de mae, aos quaesse reuniram uma brigada do nosso valenteexercito, a quem tambem cabe uma boa partedas glorias de Riachuelo, e um luzido con-tingente da força policial desta capital.

Todas essas forças desfilaram, na ida ena volta, pela Avenida Central e grandetrecho da Avenida Beira-Mar, na presençavisivelmente symphatica de enorme e com-pacta massa de povo.

Os nossos marinheiros, perfeitamenteadestrados e correctamente aniformisados,como sempre, marcharam garbosamente atéo monumento de Barroso, onde prestaramas devidas continencias, por occasião de

serem collocados na crypta do monumentoos despojos do valoroso almirante.

Regressando, a divisão de marinha des-filou em columnas de pelotões, em frentedo palacio Monroe, onde se achavam altasautoridades civis e militares, corpodiplomatico e innumeras familias.

É justo salientar dentre as forças de ma-rinha, pela correcção das manobras e garbocom que marcharam, os alumnos da EscolaNaval, os aprendizes marinheiros, o bata-lhão naval e o regimento de artilharia.

A divisão foi commandada pelo contra-al-mirante Antonio Lins Cavalcanti de Oliveira.

As forças de terra apresentaram-se comigual brilho e a mesma correcção, constitu-indo as do exercito uma divisãocommandada pelo coronel Alberto GaviãoPereira Pinto, e compondo-se as da policiado 1º corpo do regimento de cavallaria comesquadrões de lanceiros e clavineiros, sob ocommando do major Alvaro de Mello, e do3o corpo do regimeto de infantaria, ás or-dens do major Casimiro de Moura.

Das 2 para 3 horas da tarde, depois determinadas as cerimonias da trasladação ecollocação dos despojos de Barroso na cryptado monumento, todas essas forças desfila-ram ao redor do mesmo, em continencia.

(...)

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

ABRIL – 1909

FRANÇAFRANÇAFRANÇAFRANÇAFRANÇA

A SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃOPELA TELEGRAPHIA SEM FIO – LaNature, a bella e instructiva revistafranceza, que tanto se recommenda por umaescolhidissima variedade de assumptos,traz no seu numero de 27 de fevereirfo umlongo artigo sobre a epigraphe acima.

Começa referindo-se aos serviços pres-tados á navegação pela genial descobertade Hertz e cita o facto do abalroamento dedous paquetes, o Florida, italiano, e oRepublic, americano,em pleno oceano.

Nessa catastrophe atelegraphia sem fio pres-tou extraordinarios ser-viços, e graças ás suascommunicações foramlevados immediatossoccorros ao logar exacto do sinistro. Em pou-cas horas o paquete abalroado ficou cercado denavios que receberam a bordo os seus passagei-ros antes de ter o mesmo desapparecido nasprofundezas do oceano.

O Republic ficou gravemente avariadoe delle foram recolhidos a bordo dos naviossalvadores perto de 600 naufragos.

Esse sucesso da telegraphia sem fio cau-sou enorme sensação e mais uma vez veiojustificar a razão de ser da sua rapida euniversal aceitação.

Nos casos de abalroamento, o novo dis-positivo telegraphico presta relevantissimosserviços, principalmente nos constantes tem-pos de cerração das épocas invernosas.

REVISTA DE REVISTASREVISTA DE REVISTASREVISTA DE REVISTASREVISTA DE REVISTASREVISTA DE REVISTAS

É exactamente quando a estatisticados sinistros maritimos augmenta con-sideravelmente.

Refere-se o mesmo artigo aos signaessonoros em tempo de cerração, mas dizmuito judiciosamente que são recursosfalliveis; podem conduzir os navegantes aerros compromettedores, devido ao redu-zido alcance das ondas sonoras e á sua pou-ca precisão nas indicações da direcção, poissão bem conhecidos os phenomenos de re-flexão e refracção dos signaes acusticos.

Tratando da telegraphia sem fio, dizque as suas indicações são muito mais pre-cisas e, feitas em dadas condições, podem

prevenir muitos de-sastres que com tantafrequencia se dão,muito principalmentenas proximidades dosportos e costas degrande movimentocommercial.

Cita o exemplo, aliás muito frequen-te, de dous navios navegando nas mes-mas paragens e ambos com estaçãorediotelegraphica.

Emquanto a distancia que os superarfôr maior que o alcance das ondashertzianas, os dous navios em questão po-derão navegar com toda segurança.

Dado, porém, o caso de se approximaremde modo a perceberem os signaesradiotelegraphicos um do outro, podem to-mar certas medidas de precaução, isto é, re-duzir as suas marchas á proporção que ossignaes se forem tornando mais intensos.

Farão, nestes casos, indicações recipro-cas dos rumos e marchas que levam.

Nessa catastrophe aNessa catastrophe aNessa catastrophe aNessa catastrophe aNessa catastrophe atelegraphia sem fio prestoutelegraphia sem fio prestoutelegraphia sem fio prestoutelegraphia sem fio prestoutelegraphia sem fio prestou

extraordinarios serviçosextraordinarios serviçosextraordinarios serviçosextraordinarios serviçosextraordinarios serviços

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Accrescenta a noticia a que estamosalludindo que si tal systema fossegeneralisado, os abalroamentos com cerraçãose tornariam muito raros, se não impossiveis.

A mesma medida de segurança tambempodia ser empregada nas costas, noslogares mais perigosos; pequenas esta-ções enviariamm signaes formuladossemelhantemente aos dos actuaes codigossemaphoricos.

Os encalhes não teriam mais justificati-vas e os proprios erros dos navegadores nãoacarretariam consequencias desastrosas.

Allude ao desastre do transatlanticoinglez Drumond Castle, nas costas deOuessant; e diz que a telegraphia sem fiopoderia ter evitado essa desgraça.

Commenta em seguida a hostilidade quealgumas companhias de navegação move-ram ao novo systema telegraphico eattribue essa conducta ao preço das res-pectivas installações.

Critica muito acertadamente omonopolio da companhia Marconi, o qualdesappareceu em 1906, graças á conferen-cia internacional de Berlim.

Affirma serem infundados os receios dafallibilidade dos apparelhos radiotelegraphicosdevido á delicadeza dos mesmos, que hoje têma solidez necessaria para o serviço maritimo.

Continúa sempre a fazer referenciaselogiosas ao novo systema de telegraphia,que julga dever empregar-se em quasi to-dos os navios.

Eis em rapidos traços as apreciações de“La Nature” sobre essa importantissimadescoberta do dominio da electricidade.

A adopção do novo meio de communicaçãoá distancia é, com effeito, uma necessidadereal, indiscutivel, muito principalmente nanavegação cujos desastres se tornam deconsequencias cada vez mais funestas, com osincessantes augmentos de tonelagem e develocidade dos navios marcantes e de guerra.

Não se devem olhar despezas relativamen-te diminutas, quando se trata da segurança decustoso material e de preciosas vidas humanas.

Causou-nos, por isso, grande surpreza aleitura do topico referente á reluctancia dealgumas companhias de navegação em intro-duzirem nos seus navios esse novo e utilissimoapparelho electrico, allegando em favor des-se seu acto o custoso preço do mesmo.

Felizmente, porém, hoje já se acha bas-tante divulgada a radiotelegraphia, comgrande vantagem para a navegação que, nãoha duvida, encontrou nella um elemento desegurança de um valor extraordinario, e di-ante do qual, estamos certos, desapparecerãopor completo todas as hesitações.

NOTICIARIO MARITIMONOTICIARIO MARITIMONOTICIARIO MARITIMONOTICIARIO MARITIMONOTICIARIO MARITIMO

ABRIL – 1909

MARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONALMARINHA NACIONAL

JURAMENTO Á BANDEIRA –Foi solemnemente realizado, no dia 6do corrente mez, com a presença do sr.almirante Ministro da Marinha, o acto

do juramento á bandeira por 622grumetes destinados ao serviço da ma-rinha de guerra.

Essa tocante e patriotica solemnidade,que tanto concorre para maior acatamentoao pavilhão nacional, teve logar na fortale-za de Villegaignon, séde do Corpo de Ma-rinheiros Nacionaes.

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

A pratica deste e de outros actos seme-lhantes muito contribuirá para estimular,nos jovens servidores da patria, a dedica-ção e o fervor pelo serviço militar, que temde ser executado á sombra da bandeira –sagrado symbolo da patria a que acabam deprestar juramento de fidelidade e amor.

Os noveis marinheiros são todos oriun-dos das nossas escolas de aprendizes, quetão bons serviços estão prestando á mari-nha brazileira.

O NOVO-ARSENAL – De ha muito vêmas administrações navaes preoccupando-se coma mudança e transformação do actual arsenalde marinha, já obsoleto e situado em localreconhecidamente improprio.

Varios logares foram lembrados com suasvantagens e inconvenientes, tendo sido fi-nalmente resolvido, pela actual adminis-tração, o aproveitamento da parte norte dailha das Cobras para a fundação do novoarsenal.

Os trabalhos receberão brevemente umgrande impulso, devendo ser executadosde conformidade com os planos organisadospela Inspectoria de Engenharia Naval esob sua fiscalisação.

Uma parte dessa importante obra será,provavelmente, confiada a constructorescivis, que deverão cingir-se ás condiçõesestabelecidas no edital de concorrencia jápublicado e cujas bases principaes são asseguintes:

(...)

ALLEMANHAALLEMANHAALLEMANHAALLEMANHAALLEMANHA

CABO TELEGRAPHICO – Annunciase a fundação de uma nova companhia comum capital de quatro milhões de marcos para

lançar um novo cabo submarino entreTeneriffe e o Brazil.

A concessão desta nova linha foi obtidapela Deutsch Atlantische TelegraphenGesellschaft.

Os trabalhos do lançamento do cabo se-rão confiados á sociedade de electricidadeTelten Guilhaum-Lahmeyer.

A exploração da nova linha será feitapor uma sociedade organisada com a deno-minação de Deutsch SüdamerikanischeTelegraphen, com sede na cidade deColonia.

Será estabelecida tambem uma linhatelegraphica entre Allemanha, Teneriffe,Liberia e Brazil de um lado, e Allemanha esuas colonias de Cameron e Sud-Oeste daAfrica, do outro.

O governo allemão concedeu garantiade juros para o capital effectivamente em-pregado. Este capital é quasi todo for-necido pelos principaes bancos do Imperio.

ESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOS

FREIOS PARA NAVIOS – Fizeram-se experiencias com uns freios hydraulicosinventados por um canadense, destinadosa fazer parar instantaneamente os naviosa cujos cascos estiverem adaptados.

Cada freio compõem-se essencialmentede um cylindro com embolo que, offerecendogrande resistencia á agua que entra pelaparte anterior, que se abre no momentopreciso por meio de uma alavanca collocadano passadiço, e parada a machina, impede oseguimento do navio, fazendo-o estacarquasi repentinamente.

Comprehende-se facilmente que, mano-brando-se com um só destes freios e a umtempo com o leme e com a machina do bordo

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

opposto ao em que estiver aquelle freio, sepoderá fazer com que o navio descreva umgiro com grande rapidez e quasi no mesmologar, isto é, apenas com uma pequenatranslação no rumo em que seguia.

Um desses apparelhos foi collocado nocouraçado Indiana, tendo dado resultadossatisfactorios, conforme se collige das no-ticias publicadas em diversas Revistas.

RESISTENCIA PHYSICA – Osofficiaes da marinha americana eram obri-gados a uma prova de resistencia physica,que consistia em percorrer, a cavallo, umalonga distancia, previamente determinada.

Agora chega-nos a noticia de que o pre-sidente Roosevelt estabeleceu mais duasprovas á escolha dos officiaes.

Assim, todo o official, até o posto device-almirante, deverá demonstrar o seugráo de resistencia ás fadigas percorrendoa cavallo 145 kilometros durante dois diase no tempo maximo de 13 horas e meia, ouentão, fazendo a pé uma caminhada de 80kilometros, durante tres dias consecutivos,gastando no maximo 20 horas, ou ainda,correndo em bicyclêtta uma distanciade160 kilometros em 17 horas.

O ex-presidente Roosevelt, que ás qua-lidades de um espirito altamente culto alliao enthusiasmo de um denodado sportman,pôz-se á frente de um grupo de 60 officiaes,com os quaes effectuou, em duas horas, umamarcha penosa no Sok-Creeck-Park, oraescalando colinas, ora atravessandomatagaes e riachos gelados, ora saltandopor cima de gradis ponteagudos.

Esses exercicios, si bem que de uma certaoriginalidade, não deixam de trazer vantagens,porque, nem sempre o official de marinha temde mover-se no seu elemento habitual – o mar.

No caso de um desembarque, de escala-da de uma fortaleza e outras emergenciaspouco triviaes, mas que não são de todoimpossiveis, está claro que o decantado piedmarin de pouco servirá.

O que é certo, porém, a nosso ver, é queesses exercicios em terra firme de modo al-gum podem supprir ou preterir os que sãoverdadeiramente inherentes á profissão.

FRANÇAFRANÇAFRANÇAFRANÇAFRANÇA

DETERMINAÇÃO DA LONGITU-DE PELO TELEGRAPHO SEM FIO –A Academia de Sciencias nomeou uma co-missão para se pronunciar a respeito deuma proposta feita por um de seus mem-bros, o Sr. Bouquet de La Gyre, referente áapplicação do telegrapho sem fio ao pro-blema da determinação da longitude do mar.

De accôrdo com o estudo apresentado, aTorre Eiffel enviará todos os dias a uma horacerta, meio dia, por exemplo, um signalhertziano, que alcançando instantaneamen-te um raio de dois mil kilometros, dará a to-dos os navios situados nesse momento dentrodos limites do mesmo alcance a hora exacta deParis. Com esta e feito um calculo muito sim-ples, ter-se-á logo a longitude do navio.

O proponente acredita na possibilida-de de tornar-se esta vantagem extensiva aqualquer navio, si fôr installada no pico deTeneriffe (3700 metros de altitude) umaestação de telegrapho sem fio, cujas emis-sões radiotelegraphicas alcançarão quasitodo o globo.

INGLATERRAINGLATERRAINGLATERRAINGLATERRAINGLATERRA

ANCORAS PERDIDAS – O Almiran-tado inglez, querendo evitar as perdas de

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

ancoras e amarras ocorridas ultimamentecom grande frequencia, chamaou a attençãodas autoridades navaes para esse facto eordenou, ao mesmo tempo, a suppressão dosexercicios de fundear, suspender e amar-rar os navios, os quaes, apezar da suaindiscutivel utilidade, davam origem a re-petidas perdas de ancoras e amarras.

Entre muitos outros casos, o cruzadorDrake regressou ha pouco tempo ao anco-radouro tendo perdido duas ancoras, e oEssex perdeu tambem um de seus ferros aosair de Portsmouth, sendo obrigado a re-gressar para procural-o, em obediencia ásordens dadas ao seu commandante.

Esta providencia foi considerada comouma admoestação ao mesmo commandante,porque, geralmente, o trabalho de rossegaras ancoras perdidas é confiado ao pessoaldos arsenaes.

EXPERIENCIAS DO “SWIFT” – Ocontratorpedeiro Swift alcançou, duranteas experiencias de machinas, realizadas emfevereiro ultimo, uma velocidade de 38 nós.

O Swift tem os seguintes caracteristicos:Deslocamento .......... 1800 toneladasComprimento ........... 105 metrosBoca ......................... 10 metrosCalado ...................... 3,2 metrosForça das machinas .. 30000 cavallosTurbinas Parsons.

GAZES DELETERIOS NOS SUB-MARINOS – Desde algum tempo procu-rou-se encontrar o meio pratico e expeditode denunciar a produção de gazesdeleterios nos submarinos.

Para isto utilisaram-se pequenos ratosbrancos, cujo olfacto é de uma sensibilida-de extraordinaria.

Agora, porém, esses modestos servido-res vão ser substituidos por um apparelhoque, segundo affirmam os seus inventores,o chimico Arnold Philip e o electricistaLuiz Steele, satisfaz plenamente ao quese tem em mira.

Esse apparelho funciona automatica-mente, assignalando a existencia das ema-nações de gazolina ou de outro gaz nocivonos compartimentos dos submarinos, ou dequalquer navio, paióes de couraçados, porexemplo, onde, ás vezes, se deprendem ga-zes facilmente inflammaveis.

Além disso, o novo apparelho permittiráavaliar rapidamente o estado do ar dos com-partimentos fechados, indicando desde logoa presença de gazes ou de vapores em pro-porção inferior a um terço da quantidadeprecisa para tornal-o inflammavel.

Este apparelho, que se torna perfeita-mente applicavel aos submarinos, por serde dimensões reduzidas, consiste em umapequena bomba, que aspira o ar dos com-partimentos do navio por meio de di-versos tubos.

A existencia dos gazes eprigosos é de-nunciada pela substituição da côr brancada luz de uma lampada por outra verme-lha, acompanhada do som de uma campai-nha electrica.

A bomba tem um motor proprio e traba-lha sem cessar durante o funccionamentodas machinas de combustão internas em-pregadas nos submarinos.

MAIO – 1909

ALLEMANHAALLEMANHAALLEMANHAALLEMANHAALLEMANHA

AEROESTAÇÃO NA MARINHA – Oministro da marinha mandou construir qua-

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tro cruzadores aereos typo Zeppelin de12000 a 14000 metros cubicos a custoapproximado de 750 contos.

Dois destes cruzadores estacionarão emWilhelmshaven e outros dois em Kiel.

ESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOSESTADOS UNIDOS

A MARINHA NA OPINIÃO DONOVO PRESIDENTE – O sr. Taft,actual presidente, na sua mensagem inau-gural, usou das seguintes expressões comreferencia á marinha de guerra do seu paiz:

“Uma esquadra moderna não póde serimprovisada. Deve, ao contrario, estar per-feitamente constituida e prompta paraqualquer emergencia que reclame a sua in-tervenção.

Meu distincto antecessor, em seus dis-cursos e mensagens, demonstrou claramen-te, numa linguagem inflammada e incisiva anecessidade de mantermos uma forte mari-nha, proporcional á extensão das nossas cos-tas e ao commercio exterior da nação.

Faço minhas todas as razões apresenta-das por elle em favor da politica de man-ter-se um certo prestigio naval, como o me-lhor meio de conservar a paz com outrasnações e garantir o respeito aos nossos di-reitos, a defesa de nossos interesses e anossa influencia nos negociosinternacionaes.”

JAPÃOJAPÃOJAPÃOJAPÃOJAPÃO

EXPERIENCIA TELEGRAPHICA –O vapor japonez Aki-Maru, tendo partidode Seatle, nos Estados Unidos, com desti-no ao Japão, manteve, fazendo funccionaro apparelho telegraphico de que é provido,durante toda a viagem, permuta constantede signaes com a estação telegraphicadaquelle porto, ao qual por fim avisou asua chegada a Yokohama.

Sabendo-se que a distancia percorridapelo Aki-Maru foi de 4240 milhas, esteresultado é, sem duvida, digno da maiorattenção e por isso aqui o registramos.

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REVISTA DE REVISTAS

Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dosleitores matérias que tratam de assuntos de interesse maríti-mo, contidas em publicações recebidas pela Revista MarítimaBrasileira e pela Biblioteca da Marinha.

As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadasao acervo da Biblioteca, situada na Rua Mayrink Veiga, 28 –Centro – RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ARTES MILITARESESTRATÉGIA

A Ásia no debate estratégico norte-americano (252)GUERRA

O futuro da guerra naval – Declínio da decisão humana nas operações navais? (255)

COMUNICAÇÕESCOMUNICAÇÕES

O celular corporativo (ou como um acessório pode se converter em pesadelo) (255)

FORÇAS ARMADASARMAMENTO

Soft kill versus mísseis antinavio (259)COMANDO DA MARINHA

Os comandantes respondem (260)PODER NAVAL

Marinhas do mundo em revista (260)

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REVISTA DE REVISTAS

INFORMAÇÃOSISTEMA DE INFORMAÇÃO

Sete mitos da inteligência (261)

PODER MARÍTIMOABALROAMENTO

Abalroamento nas profundezas (264)

POLÍTICATERRORISMO

O terrorismo marítimo na estratégia da Al Qaeda (267)

SAÚDEALIMENTAÇÃO

A contribuição do vinho nas dietas dos homens do mar (268)

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“Os Estados Unidos da América (EUA)se defrontam com múltiplos desafios à Se-gurança Nacional, mas, numa visão maisampla da história, será a nossa reação aocrescimento do poder chinês que deveráter o maior significado.” Com essas pala-vras Michael Green inicia seu oportunotexto, no qual, fazendo uso de abordagenscontrastantes de três autores sobre a Ásiae a estratégia norte-americana para a re-gião, busca indicar as implicações para aMarinha de seu país.

O artigo é iniciado comparando as pos-turas dos candidatos à Presidência dosEUA na campanha de 2008, Senadores JohnMcCain e Barack Obama, em relação aotema e verificando que elas foramconsensuais no sentido de se aumentar acooperação com a China, apesar de nãoterem aparentado considerar a questãocomo de maior importância, possivelmentedevido à existência de problemas mais gra-ves, como o Iraque e o Afeganistão e acrise financeira mundial. Além disso, naocasião, os EUA e a China vinham coope-rando em relação ao problema nuclear coma Coreia do Norte.

Não obstante, o desafio estratégico delongo prazo persiste. O Produto InternoBruto (PIB) chinês deverá ultrapassar oamericano até 2027, segundo o bancoGoldman Sachs. Para Green, apesar de seuproblema populacional e da crise financei-ra mundial, não há dúvida de que o poderrelativo continuará a fluir na direção chine-sa ao longo das próximas décadas. A China

A ÁSIA NO DEBATE ESTRATÉGICO NORTE-AMERICANO(Naval War College Review, EUA, inverno/2009, volume 62, número 1, pág. 15-29)

Michael J. Green*

vem investindo maciçamente em defesa, eo Exército Popular da China (PLA) seguedesenvolvendo tecnologia para uso dociberespaço, para a negação de seu uso eem sua capacidade antissatélite. Green afir-ma que, apesar de ter cooperado com osEUA em relação ao programa nuclear daCoreia do Norte, a China vem minando osesforços americanos em relação às ques-tões relativas a Irã, Sudão, Zimbábue eoutros estados que representam ameaça àestabilidade internacional por desrespeitoaos direitos humanos.

Pensava-se nos EUA, em particular, eno Ocidente, de maneira geral, que integrara China ao mercado global mudaria estepaís para melhor antes que ele mudasse aeconomia mundial para pior. Para Green,entretanto, passada uma década dessa ini-ciativa, o quadro existente em nada mudoue as incertezas persistem. Diante disso, erade se esperar que grandes pensadores ame-ricanos de estratégia refletissem sobre ofuturo da China e da Ásia, mesmo em umcenário no qual os candidatos à Presidên-cia enfocassem problemas mais imediatosde relações internacionais durante suascampanhas. Porém, pesquisando-se nos li-vros de estratégia recém-publicados paraorientarem o novo presidente americano,fica difícil discernir algum consenso sobrecomo conduzir a ordem no leste asiático.

Dessa pesquisa, afirma Green, parecemsurgir algumas assertivas distintas sobreo crescimento da China. Alguns autoresargumentam que o mundo superou inteira-

* Professor associado de Relações Internacionais na Georgetown University e consultor sênior e inte-grante do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, onde presta assessoria sobre o Japão.Serviu no Conselho de Segurança Nacional de 2001 a 2005, de onde saiu como assistente especial dopresidente para assuntos de Segurança Nacional e diretor sênior para Assuntos Asiáticos. Foi profes-sor sobre Ásia-Pacífico no Naval War College no ano letivo de 2007-2008.

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mente a fase tradicional de equilíbrio depoderes; outros se inquietam por entende-rem que as rivalidades existentes na Ásiaindicam que os EUA devem evitar açõesprovocativas em relação à China; e outrosvisualizam o surgimento de uma nova com-petição bipolar com a China que requer umabusca mais ativa de equilíbrio.

Considerando-se as enormes pressõesdiante da nova administração do governodos EUA, é importante verificar se o con-texto da estratégia americana de relaçõesinternacionais se ampara na realidade daÁsia. Para o autor, as administrações deWilliam Clinton e de George W. Bush des-cartaram suas respectivas políticas para aÁsia sempre que outras pressões interna-cionais tomaram precedência. Assim, paraClinton, as pressões econômicas transfor-maram inicialmente o Japão em adversário,depois em parceiro para fazer o equilíbriocom a China, e, mais tarde ainda, o país setornou ator secundário quando da buscade uma nova “parceria estratégica” comPequim. Para Bush, a política asiática foicentrada no Japão e as relações com Tó-quio e Pequim melhoraram. Porém, posteri-ormente, a busca de acordo unilateral coma Coreia do Norte provocou a perda deconfiança japonesa e deixou a posiçãoamericana na região à deriva.

Portanto, na opinião de Michael J.Green, o debate entre analistas especialis-tas em Ásia é importante e, por isso, nesteartigo, aprofunda a análise de três impor-tantes textos de diferentes personalidadese autores para depois verificar as implica-ções de suas conclusões para a estratégiada Marinha dos EUA. Os autores utiliza-dos e seus respectivos textos foram: StrobeTalbott, “O Grande Experimento” (TheGreat Experiment); Madeleine Albright,“Nota para o Presidente Eleito” (Memo tothe President Elect); e Robert Kagan, “AVolta da História (The Return of History).

A necessidade de uma estratégiaabrangente para a Ásia

Em suas conclusões, Green identificauma concordância entre vários importan-tes autores sobre estratégia: que o papeldesempenhado pelos EUA na Ásia é indis-pensável. Entretanto, ele verifica também ainexistência de uma convergência de opi-niões sobre os fundamentos da liderançaamericana na região. Existe, em sua opi-nião, a evidente postura americana de“agente honesto” em área em que impera adesconfiança e o nacionalismo, como ar-gumenta Albright. Porém, na realidade, osEUA não são neutros quando se trata docrescimento chinês; se o fossem, buscari-am uma acomodação com a China que per-mitisse a Pequim mudar os termos da or-dem neoliberal de modo a beneficiar umavisão mais mercantilista do mundo e maiscentrada na China, no que diz respeito àÁsia. Segundo Green, considerar que o sis-tema da Organização das Nações Unidas(ONU), como proposto por Talbott, pode-ria evitar essa ordem internacionalmercantilista e centrada na China não temsustentação, apesar de admitir que ele po-deria reforçar a cooperação com o país eajudá-lo a se aproximar das propostas detentativas de soluções para grandes desa-fios internacionais, como, por exemplo, odas mudanças climáticas.

“A erosão gradual da lógica do equilí-brio de poderes nos grandes livros de estra-tégia internacional publicados nos últimosanos é, sem dúvida alguma, uma tendên-cia”, assevera Green. Para ele, a realidade éque os EUA necessitarão de uma estratégiaque ampare a cooperação regional basean-do-se nos conceitos de globalização e quereforce a governança internacional enquan-to também contemple os fundamentos doequilíbrio de poderes do século XIX, tãocaros às nações asiáticas. “Para entender a

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China, precisamos entender a Ásia. Precisa-mos engajar e equilibrar”, afirma.

Prosseguindo, o autor avalia que a or-dem internacional está, cada vez mais, de-finida por forças transnacionais fora docontrole de estados individuais e que aexcepcionalidade norte-americana está fi-cando defasada. Essas questões, na pers-pectiva asiática, formam uma visão cons-trangedora sobre o papel da América doNorte no mundo para seus aliados e na-ções amigas, que são forçados a viver se-gundo uma realidade política de busca deequilíbrio de poderes no seu dia a dia e quese voltam para os EUA para segurança eliderança.

“A Ásia é um teatro essencialmentemarítimo, e a Marinha americana estáposicionada no fio da navalha em cada umde seus desafios e oportunidades”, afirmaGreen. Segundo ele, nas operações de2004/2005 em apoio às vítimas do tsunamie no exercício Malabar 2007 (Índia, EUA,Japão, Austrália e Cingapura), na Baía deBengala, entre outras inúmeras ações exe-cutadas na Ásia, foi demonstrado pelasdemocracias marítimas da área que elaspossuem a capacidade de operar e coope-rar entre si para manter abertas as linhas decomunicação marítimas e criar normas parainterdição de transferências de materiaisassociados a armas de destruição em mas-sa. Nessas ocasiões, a Marinha reforça osobjetivos nacionais norte-americanos econtribui para a dissuasão.

Para Green, a “A cooperative strategyfor 21st century Seapower”, divulgada emoutubro de 2007 (ver “Uma estratégia coo-perativa para o Poder Naval no século XXI”– RMB V. 128, no 01/03 – jan./mar. 2008, pág.28-42), contempla todas as dimensões en-volvidas na segurança da Ásia, desde aadministração dos espaços comuns e aconstrução de alianças até a dissuasão douso da força por possíveis adversários.

Entretanto, pondera o autor, novos go-vernos apresentam tendência a importarnovas ideias estratégicas que colidem coma realidade em pouco tempo. Acrescenta,porém, que ainda não está claro o quanto oenfoque em mega-ameaças e a crescenteresistência à lógica do equilíbrio de pode-res influenciarão o novo presidente. Se-gundo ele, Barack Obama já demonstrouser bastante pragmático, além de ter herda-do duas guerras e uma grave crise finan-ceira mundial. Afirma o autor que “qual-quer que seja a evolução do pensamentoestratégico sobre a Ásia, as implicaçõespara a Marinha são significativas”.

Green busca então indicar de forma resu-mida as implicações da questão asiática paraa Marinha de seu país. Assim, ele coloca:

• Será necessária uma força de superfí-cie tão grande quanto a existente hoje noPacífico?

• Quão longe deve ir a Marinha em ter-mos de alocar novos meios e aumentar ainteroperabilidade com o Japão ou avan-çar no planejamento para a defesa deTaiwan, podendo dessa forma causar rea-ção de Pequim?

• Se as questões existentes relativas àvenda de armamento para Taiwan e Japãosão por demais provocativas, qual outraforma existe para diminuir o crescente abis-mo entre nossos aliados e as capacidadesda PLA?

• Em paralelo a essas questões, existemainda a crise financeira mundial e os cres-centes requisitos orçamentários do Exércitoamericano no teatro do Comando Central.

Na visão de Michael J. Green, em resu-mo, a nova estratégia para os serviços na-vais norte-americanos – Marinha, Fuzilei-ros Navais e Guarda Costeira – provê oferramental necessário de que o novo presi-dente poderá necessitar para se desincumbirdos complexos desafios na Ásia, desde as

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mega-ameaças até à tradicional competiçãopor poder. Poderá ser necessário, em fun-ção de restrições materiais e dependendode para onde vá o debate estratégico, alar-

dear mais a parte relativa à dissuasão, à con-tenção e às vitórias da missão da Marinhano Pacífico, de modo a não permitir a desva-lorização da sua capacidade.

“As guerras são travadas entre huma-nos. O elemento humano é o mais impor-tante na guerra em geral, e, na guerra na-val, isso não foi exceção no passado e nemserá no futuro. O requisito básico para osucesso em combate é a compreensão, pelocomandante, das capacidades e limitaçõesda natureza humana. Na guerra naval, omaterial é o meio e não o fim. A naturezahumana mudou muito pouco, apesar dasvastas modificações na tecnologia naval.Entretanto, dentro das limitações que se-rão discutidas, o apoio de máquinas podemelhorar o processo de tomada de deci-são.” Esta é a assertiva que introduz o arti-go de Milan Vego, no qual procura demons-trar que o homem será sempre relevantenos processos dos conflitos armados.

Ao longo de seu interessante texto, oautor analisa detidamente o fator humanoversus a tecnologia; o papel desempenha-

O FUTURO DA GUERRA NAVAL – DECLÍNIO DA DECISÃOHUMANA NAS OPERAÇÕES NAVAIS?

Milan Vego*(Naval Forces No 1/2009, Vol. XXX, págs. 8-15)

do pelos comandantes navais – elemen-tos-chave nos processos de planejamentoe de tomadas de decisões –, que são, emúltima instância, os responsáveis pelasdecisões relativas ao emprego das forçasnavais, o que não pode ser delegado amáquinas; o processo de tomada de deci-são em diferentes ambientes; a possibili-dade de formação de um único e abrangentequadro tático propiciada pelas novastecnologias de informação; e as possibili-dades dos sistemas automáticos de apoioà decisão.

Em sua conclusão, Vego, por conside-rar a guerra naval uma atividade por de-mais complexa e imprevisível, reafirma queas novas tecnologias não substituirão ohomem, mas aumentam a capacidade de oscomandantes navais, em todos os níveis,se desincumbirem de suas responsabilida-des com maior eficácia.

* Professor de Operações no Naval War College desde 1991. Autor, dentre outros, dos livros Soviet NavalTactics (1992) e Naval Strategy and Operations in Narrow Seas (1999; 2003). É também autor dolivro-texto Operational Warfare (2001).

Neste artigo crítico e divertido, o autortrata da dificuldade vivida pelos integran-tes de sua geração em relação a certos avan-

O CELULAR CORPORATIVO(OU COMO UM ACESSÓRIO PODE SE CONVERTER

EM PESADELO)(Revista General de Marina, Espanha, abril 2009, págs. 463-468)

Capitão de Mar e Guerra (Espanha) José Ramón Alemany Márquez

ços tecnológicos e de como certas urgên-cias da vida moderna são mal digeridas poreles. Na introdução, desculpa-se junto aos

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lo fora desse lugar ou horário, para assun-to que requeira pronta reação ou que tratede tema urgente, que não permita atraso.Mas, admite, uma coisa é a teoria e outra arealidade e, na Armada, elas quase sempresão divergentes. Por isso, e para ajudar nacompreensão do tema, ele se põe a narrarcasos reais vividos por ele, faz algumasconsiderações e chega a conclusões so-bre as quais, já adianta, alguns não estarãode acordo. Por julgá-los interessantes e di-vertidos, a RMB passa a apresentar adap-tações desses relatos:

Cena primeira

Em dia bonito de maio, em Cartagena,certo capitão de fraga-ta, calvo, hipertenso ecom a idade a avançar,em seu escritório, sen-tado à sua mesa desdeas 7h30, falava ao tele-fone tentando resolverproblema de atracaçãode dez navios da Tapón(operação da Otan),que somam comprimen-

to maior do que o cais disponível. No augeda conversa, começa a tocar o celular, ondesoa um rugido de felino que ele, em má hora,havia deixado o filho instalar por ser, de acor-do com o jovem, um som “descolado”. Noquarto rugido ele atende, e a seguinte con-versa se desenrola:

– Alô, prossiga.– O quê?– Olá, é fulano, liguei pelo celular por-

que o telefone está ocupado.– Olha, o Castilla não pode atracar no

cais dos navios de cruzeiro.– Pois é, se deu ocupado é porque es-

tou falando ao telefone.

jovens que tenham a “má sorte” de ler suaslinhas, pois não se sentirão identificadoscom o problema ou, talvez, sequer reco-nheçam a sua existência.

“Mesmo que se diga que nos acostu-mamos e que a tudo nos adaptamos, issonão é totalmente certo, sobretudo quandoatravessamos o umbral dos 50 e se começaa regressão à infância”, afirma. E prosse-gue: “A partir daí, nossos parâmetros decomparação também retroagem e julgamosas coisas de acordo e em contraste com oque se conheceu na infância, que, para isso,salvo casos isolados, é a época mais felizde nossa existência”.

OS ANTECEDENTES

Segundo o autor,há alguns anos, àque-les que têm algumaresponsabilidade ouàqueles aos quais oschefes querem manterem “cabresto curto” –geralmente ambas asespécies coincidem –a Armada espanholaentrega um telefone celular que foi batiza-do, pouco elegantemente, de corporativo.O aparelho é de última geração, combluetooth, SMS, MMS, câmera para fotose vídeo, GPRS, USB, conexão com ainternet etc. Para ele, no todo, “o telefonevale como uma pasta, pesa um quintal1,não há jeito do dedo alcançar apenas umatecla e possui um manual do usuário queparece a Enciclopédia Britânica, cheia deabreviaturas”.

Para Alemany, em teoria, a finalidade docorporativo é poder localizar o usuárioquando sai de seu lugar de trabalho duran-te o horário de expediente, ou para contatá-

1 N. R.: Equivale a quatro arrobas.

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2 N. A.: Esta cena se repetiu em duas ocasiões distintas, ambas em domingos.

– Pode-se optar por colocar o turco e ogrego a contrabordo um do outro, mas comsegurança.

– Ah, preciso saber se o pintor está li-vre para fazer alguns retoques.

– Agora o pintor não está disponível.– O que disse? Que eu saiba nenhum

navio solicitou pintor.Diante desse diálogo de “bêbados” e

antes que sua pálpebra comece a tremer,ele desliga os telefones e vai tomar um café.

Cena segunda

Ainda em Cartagena, sexta-feira à noite,aproximadamente no horário em que o mús-culo dorme e a ambição descansa, sobre-tudo se a cama é confortável, como nestecaso. Rugido de leopardo novamente (te-nho que falar seriamente com meu filho!).Sobressalto, horror e pavor, alarme, algoimportante aconteceu. E espera-se que nãoseja incêndio.

– Sim, prossiga.– Perdão, comandante, pelo horário, mas

é que não recebemos a resposta da mensa-gem enviada sobre as monografias.

– E você me telefona a esta hora paraisso?

– É que estou de serviço e estavarepassando as unidades que faltavaresponder.

– Sim, e não tinha outra coisa para fa-zer além de telefonar a esta hora e me des-pertar para um assunto burocrático quenão tem urgência alguma. Boa noite e bomserviço!

Na realidade não lhe desejou boa noitee nem bom serviço; todo o último pará-grafo é falso. Porém, por motivos de de-coro, esclarece o comandante, não pôdeexpor as expressões usadas em toda a suacrueza.

Cena terceira2

Manhã de domingo, cerca de 9h30, emAlmería. Terraço, temperatura amena e agra-dável. O capitão de fragata da cena anteri-or, a esta altura já capitão de mar e guerra,relaxado, espera o café com torradas. Maldá a primeira mordida, soam alarme geral etoque de atenção! Note-se a troca do rugi-do de leopardo por sons muito mais marci-ais (que promovem uma regressão à Esco-la Naval Militar).

– Pronto, é o comandante naval, prossiga.– Olhe, sou o suboficial de Guarda de

Comunicações do Estado-Maior deAmardiz e queria falar com o suboficial deGuarda.

– Mas este não é o telefone do suboficialda Guarda. Sou o comandante.

– Sim, bom, pois bem, telefono da seçãode comunicações do Estado-Maior deAmardiz e, nesta manhã, ao entrar de servi-ço, verifiquei que não possuímos os reci-bos de três mensagens enviadas ao coman-dante de Almería.

– E...?

Cena quarta

Eleja, dileto leitor, a data que queira.Cerca de 20h30. Empurra o carrinho de ro-das duras pesquisando as etiquetas dasgôndolas para identificar quais indicammenos colesterol, quais gorduras satu-radas, hidrogenadas, polissaturadas etc.Um torpor vai lhe invadindo e depois des-se laborioso processo de pesquisa e deci-são, sabe que vai levar os mesmos de sem-pre. Atenção geral! Começa a marcha dosinfantes! Resignação.

– Sim, pronto.– Olá, Pepe, é (o chefe, naturalmente),

onde estás?

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– No supermercado, fazendo compras.– Olha, perdão por ligar a esta hora. Não é

nada importante, mas antes que me esqueça...– Pois se não é nada importante, para que

me telefona a esta hora? (só em pensamento).

CONSIDERAÇÕES

As cenas anteriores são, tão somente, aponta do iceberg, e, sem dúvida, os leitoresque conseguiram ler até este ponto do arti-go, diz Alemany Márquez, conhecem mui-tas outras. São uma pequena amostra decomo o uso do corporativo derivou para oabuso carente de lógica. A primeira cena, dizele, corresponde ao que se pode denominar“telefonador” compulsivo ou telemático in-continente, que é aquele que, em qualquerocasião e sob qualquer pretexto, quer esta-belecer contato telefônico, sem se importarse o interlocutor está ocupado.

A segunda cena se refere ao “telefona-dor mais que competente”, para o qual nãoimporta a hora, a ocasião, o assunto ou aurgência do telefonema. Aproveita qual-quer momento do dia ou da noite, sem con-siderar a oportunidade ou a disponibilida-de do destinatário. Neste caso patológico,quase se pode garantir que este “telefo-nador” não tem consciência do que fazautomaticamente, devido a uma deforma-ção psíquico-tecnológica.

O terceiro exemplo é uma variante do an-terior e pode ser denominado “como quemrouba”. Nesse caso, a urgência de transmitira mensagem é mais importante do que seudestinatário. Mesmo que o destinatário nãolhe dê a menor importância... Ele já se livrou.Esse caso lembra muito o das mensagensdas 14h30 das sextas-feiras que se determinaresponder antes das 11 horas do sábado.

E, por último, o quarto caso. O “passa-dor de batata quente”, que pode ser consi-derado o menos maldoso de todos. É nor-malmente uma pessoa conhecida cuja me-mória começa a fraquejar. Ela, ao ter umflash de algum assunto específico, e, antesque se esqueça, telefona ao interessadopara “passar a batata”. Se o destinatário,que estará normalmente pensando em ou-tras coisas, vier a esquecer, aí é problemaseu.

CONCLUSÕES

Pelo que foi visto, conclui AlemanyMárquez, o uso do celular está derivandopara o abuso. Fica difícil entender como,até poucos anos atrás, antes da generali-zação de seu uso, podíamos fazer nossotrabalho e, na maioria das vezes, sem de-moras notáveis. É certo que antes se dis-punha de mais pessoal, ou seja, de pessoalde serviço. Hoje há economia de pessoal,mas colocamos o chefe de serviço, duran-te as 24 horas dos 365 dias do ano.

Isso não significa que o invento não éútil, diz o autor, ele é3, mas sua função eseu uso devem ser mantidos dentro do sen-so comum e da moderação. O celular nãodeve ser transformado em instrumento deincremento do número de integrantes daArmada com problemas de elevação depressão arterial.

Para que se evite os danos colateraisdo abuso desse uso, Alemany sugere quese crie um código de ética simples, basea-do nos princípios abaixo listados, a seremconsiderados antes de se realizar uma liga-ção para celulares corporativos.

– Verifique que o número que irá chamaré, de fato, da pessoa interessada.

3 N. A.: A maior utilidade que se encontrou para o celular foi a de se poder ir ao Corte Ingles (loja dedepartamentos popular na Europa) com a mulher, andar-se separadamente por diferentes seçõesevitando-se perguntas embaraçosas, do tipo: o que você acha desta roupa? Ao final, ele é usado parao encontro, sempre no andar dos jovens... como convém.

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– Faça uma sincronização de relógios ecertifique-se de que está dentro do horáriode trabalho, principalmente do destinatá-rio da chamada.

– Antes de se transformar num“telefonador” compulsivo, faça um esfor-ço de imaginação e estime se o telefonemaatenderá ao efeito desejado e se o destina-tário estará em posição de prover a infor-mação desejada.

– Faça um estudo exaustivo da urgên-cia da ligação. Todos temos direito ao des-

canso e, sobretudo, ao de nos desligarmosda atividade diária. Deve-se evitar ao máxi-mo chamadas que se resumam, ao final, a“amanhã conversamos”.

Finalizando, o Comandante AlemanyMárquez ressalta que, se essas regras sim-ples forem aplicadas, elevar-se-ia a quali-dade de vida de todos, bem como o nívelde adestramento do pessoal. Ademais, evi-tar-se-ia a aplicação de golpe em que seouça “o telefone chamado encontra-se des-ligado ou fora da área de cobertura”.

Técnica e largamente teórica, esta aná-lise feita pelo renomado Norman Friedmancompara a eficiência de diversos tipos decontramedidas – jammers e despistadores– no uso contra mísseis antinavio.

O autor descreve o modo de funciona-mento das três gerações de mísseis existen-tes e as maneiras como eles podem ser influ-

SOFT KILL VERSUS MÍSSEIS ANTINAVIONorman Friedman*

(Naval Forces No 1/2009, Vol. XXX, págs. 85-89)

* Colaborador regular da Naval Forces. Autor do Naval Institute Guide to World Naval Weapons, FifthEdition (Guia de Sistemas de Armas Navais do Instituto Naval, Quinta Edição). Dentre muitos deseus outros livros encontram-se The U.S. Maritime Strategy - 1988 (A Estratégia Marítima dosEUA) e Seapower as Strategy: Navies and National Interests – 2001 (Poder Naval como Estraté-gia: Marinhas e Interesses Nacionais).

enciados externamente. Indica que, muitasvezes, após a aproximação, será necessáriaa destruição do míssil – o hard kill.

“Evidentemente”, conclui, “a melhorcontramedida para os sistemas de longoalcance inimigos é a destruição da plata-forma de seu lançamento, mas isso poderáser impossível por razões políticas”.

Míssil antinavio russoSTYX SS-N-2 deprimeira geração. A armaque transformou a guerranaval. Mascara a mudançade seu radar do modo debusca para lock-on

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Pirataria. Crise monetária internacional.Terrorismo. Aquecimento global. Essas eoutras questões afetam todos. Neste arti-go anual da revista Proceedings, foi colo-cada a seguinte questão aos comandantesde 37 Marinhas do mundo: qual a mais sig-nificativa ameaça à segurança marítima desua nação e como sua Marinha lida comesse desafio?

Dentre os entrevistados pela conceitua-da revista norte-americana, aparece o co-mandante da Marinha do Brasil, Almirante

OS COMANDANTES RESPONDEM(Proceedings, EUA, março/2009, pág. 14-33)

de Esquadra Julio Soares de Moura Neto.As demais autoridades consultadas foramos comandantes das Marinhas dos seguin-tes países: Argentina, Austrália, Bélgica,Canadá, Chile, Colômbia, Croácia, Dinamar-ca, Djibuti, República Dominicana, Equador,Fiji, França, Alemanha, Grécia, Indonésia,Itália, Japão, Jordânia, Letônia, Líbano,Malásia, Holanda, Nova Zelândia, Nicará-gua, Noruega, Paquistão, Peru, Polônia, Por-tugal, África do Sul, Espanha, Suécia,Tailândia, Emirados Árabes e Grã-Bretanha.

O autor apresenta uma visão panorâmi-ca das atividades navais das principaisMarinhas do mundo durante o ano de 2008.Por meio de abordagem regional, cada Ma-rinha é analisada em ordem alfabética. As-sim, o artigo está dividido nos seguintestópicos: Austrália e Ásia; Europa; OrienteMédio/África; e Américas.

Especificamente com relação às Améri-cas, dentre outras notícias, cita o autor queo Brasil, em dezembro de 2008, anunciouum amplo acordo sobre armamento com aFrança, com valor total de 8,6 bilhões deeuros, que inclui a compra de 50 helicópte-ros de emprego geral e quatro submarinosde ataque da Classe Scorpéne de arquite-tura franco-espanhola. Segundo ele, o con-trato prevê a assistência francesa no pro-jeto e construção do submarino nuclear deataque brasileiro, em planejamento desde1979. A França proverá os conhecimentospara a construção do casco e para os equi-

MARINHAS DO MUNDO EM REVISTAEric Wertheim*

(Proceedings, EUA, março/2009, p. 54-66)

pamentos eletrônicos previstos no progra-ma, e o reator nuclear será projetado econstruído no Brasil, com assistência es-trangeira limitada. O artigo, apesar de nãocitar outros prazos, informa que a entregados helicópteros está prevista para ser ini-ciada em 2010.

Registra-se o noticiado em relação àVenezuela, de que o país aumentou os gas-tos com defesa em 25% acima do nível de2008, o qual, por sua vez, já não possuíaprecedentes. Desde 2004 a Venezueladespendeu mais de 4 bilhões de dólares naaquisição de armamento de fornecedoresrussos, apesar de que a queda do preço dopetróleo deverá adiar os planos do país. Asencomendas incluem, além de vários arma-mentos, três submarinos da classe Kilo (en-trega até 2012, numa visão otimista) e sub-marinos da classe Amur. Quatro navios-pa-trulha e oito barcos-patrulha estão em cons-trução na Espanha. A recente aquisição de

* Consultor de Defesa em Washington, D.C.. Autor do Guide to Combat Fleets of the World, 15ª Edição,do Naval Institute.

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vários novos hovercrafts Griffon 200TDpermite aos fuzileiros navais venezuelanosaumentar seu raio de ação. Existem tambémmodernizações de navios em andamento.

Sobre os EUA, além de listar diversosprojetos e construções de navios, subma-rinos e aeronaves em andamento, o autoraborda o conceito em vigor da esquadrade 313 navios, que é a base do planejamen-to da Marinha do país para os próximos 30anos, apesar de vários analistas o consi-derarem fora da realidade. Ele cita o lança-mento do Africa Command (Africom) e orelançamento da Quarta Esquadra, em 2008.Identifica a dificuldade que a majoração dos

preços de combustíveis vem causando àsforças armadas e a pressão que líderes con-gressistas vêm exercendo para que sejareexaminada a propulsão nuclear para osnavios de superfície. Aborda o programade Navios de Combate de Litoral (LCS), queprevê a construção de 55 unidades dessesnavios de conceito modular que permitevárias configurações (antissubmarino, decontramedidas para minas e de guerra desuperfície). Informa, ainda, que esse pro-grama já teve seu custo triplicado em rela-ção ao orçamento inicial e que cada navioapresenta atualmente custo de 600 milhõesde dólares.

“A Marinha norte-americana não podese dar ao luxo de abrigar mitos sobre a co-munidade de inteligência em tempos em quea superioridade de conhecimento e de de-cisão é tão crítica”, afirma o ComandanteStudeman ao iniciar seu artigo, no qualidentifica na atividade de inteligência setemitos. Estes, em sua opinião, não deveriamexistir e desvalorizam essa importante áreade conhecimento.

Com o propósito de ilustrar o que é ainteligência, o que ela faz, o que ela pode enão pode fazer, e as áreas nas quais elanecessita de melhorias, o autor enumeraos mitos por ele identificados.

Mito 1: A inteligência possui valornominal, a não ser que produza ação

Os responsáveis por decisões, assimcomo os operativos, merecem dados de in-teligência que possam produzir ação e de-

SETE MITOS DA INTELIGÊNCIACapitão de Fragata (EUA) Mike Studeman*

(Proceedings, EUA, fevereiro/2009, p. 64-69)

* Oficial da ativa da Marinha dos Estados Unidos da América (EUA). É oficial de Inteligência de carreirae serve atualmente no Grupo de Ataque de Navio-Aeródromo – 8.

vem demandá-los de seus oficiais de inteli-gência. Entretanto, exigi-la por meio da ex-clusão da inteligência básica ou fundamen-tal é perigoso para o comandante. Na mai-oria dos casos, as duas formas de inteli-gência estão ligadas entre si. A demandapela produção de conhecimento que geraação imediata negligencia a realidade, quesó pode ser visualizada por meio de amploesforço de inteligência. Esse esforço, feitoem várias camadas, produz material brutoque, eventualmente, levará a uma conclu-são vital.

Para Studeman, vale a analogia com oiceberg: a altura do cume em relação à águavaria conforme a base submersa. Mesmonos casos em que uma única informaçãogera ação, usualmente existe uma grandequantidade de tempo e de esforços que foidespendida na identificação da correta ori-entação operacional. Cita, como exemplodesse tipo de trabalho, o método adotado

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para captura de Saddam Hussein e AbuMasab al-Zarqawi.

Usa também como ilustração o ambien-te marítimo. Nele, não se conseguirá alar-me antecipado daquilo que é ilícito ou ile-gal, ou das ameaças existentes, se não sepuder diferenciá-los das atividades nor-mais. Para tanto, é necessária a correta com-preensão das rotinas de navios, tripula-ções, cargas, agências, companhias de na-vegação, portos etc. Assim, conhecer o ad-versário em potencial exige a mesma abor-dagem, na qual pequenos pedaços de in-formações insignificantes, por si só, con-tribuem para a forma-ção de uma base de da-dos de inteligência ne-cessária, precursora daefetiva ação. Ou seja, ainteligência que geraação e a que não geraestão interligadas, e oscomandantes precisamdas duas.

Mito 2: Inteligênciaé basicamenteinformação secreta

A inteligência comoatividade envolve qua-tro categorias hierár-quicas: dados, informa-ção, conhecimento esabedoria. O produto da inteligência resul-ta de processo de avaliação que buscatransmitir conhecimento e previsão. Poroutro lado, a informação é constituída tãosomente pelos dados processados. Ela évaliosa, pois junta as diversas partes e res-ponde às perguntas “quem, o quê, onde equando”, mas permanece ainda uma formabásica de conhecimento.

A forma mais madura do produto da inte-ligência é a síntese da informação que bus-

ca responder corretamente as questões“como e por quê”. Aí a inteligência se apro-xima da sabedoria, pois organiza as informa-ções relevantes – valida fontes, identificapadrões e faz avaliações – e comunica osignificado. O autor alerta, ainda, que a inte-ligência moderna não é definida somentepor esse processo, mas sim pelos clientesmilitares ou políticos e pelo uso que dela éfeito. Assim, espera-se de uma seção de in-teligência que ela informe não apenas o queé conhecido ou não, mas o que se podeantecipar ou prever. Inteligência não é sóinformação classificada, afirma Studeman.

Considerá-la dessa for-ma é subestimar o seupotencial e poder.

Mito 3: Ainteligência éproduzida a partir defontes classificadas

Os EUA investembilhões de dólares emtodos os aspectos dainteligência que contri-buem para que analis-tas possam desfazermistérios e penetrarnos planejamentos deadversários que, agres-sivamente, tentammantê-los secretos. A

dependência total de fontes classificadas,entretanto, somente revelaria parte da ver-dade. Fazendo analogia com um quebra-cabeça, o autor diz que as fontes ostensi-vas contribuem para a formação das bor-das da figura (a inteligência que se desejaobter), enquanto as fontes classificadas seconcentram em encontrar e encaixar as par-tes centrais. A comunidade de inteligênciatem investido no Open Source Center, quecoleta informação da internet, de bases de

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dados abertas, da imprensa, do rádio, datelevisão, de vídeo, de dados geoespaciais(geospacial, no original – método que com-bina software espacial e métodos analíti-cos em bases de dados geográficas ou ter-restres), de fotos e de imagens comerciais.

Apesar do atual (e sem precedentes)aumento do acesso à informação, a reali-dade é que incertezas e ambiguidades sem-pre complicarão a capacidade de se enten-der possíveis adversários. Em que pesemessas dificuldades, a comunidade de inte-ligência usa todas as fontes, independen-temente de classificação, de modo a clare-ar o quadro para comandantes e políticos.

Mito 4: Tudo que se precisa dainteligência é de uma “caixainteligente”; o homem apenas impedeou atrasa o acesso à inteligência

Esta filosofia representa a visão táticasegundo a qual, durante a execuçãooperacional, tudo o que se faz necessárioao piloto da aeronave, ao combatente em-barcado ou ao mergulhador de combate éuma coordenada, um indicador infraver-melho, uma interceptação eletrônica ou umaimagem. Evidentemente, deve-se investirsempre na melhoria da tecnologia entre osensor e o atirador, de modo a se garantir arápida disseminação dos dados vitais aocombatente. Porém, essa informação écrua, sem avaliação, e só se torna útil medi-ante a preparação adequada do ambientepela inteligência e com pessoas qualifica-das a colocarem em perspectiva a evolu-ção do quadro tático, alega o autor.

Para ele, na realidade, a demanda porespecialistas em inteligência no campo vemaumentando, e não será uma “caixa-inteli-gente”, dotada de processador de inteli-gência artificial e de alta capacidade deprocessamento que irá substituí-la. Os ana-listas de inteligência colocam o ambiente

em contexto para todos os níveis da guer-ra, avaliando o comportamento do oponen-te, calculando seus próximos movimentose auxiliando operativos no ajuste de suastáticas.

Mito 5: A inteligência falha mais doque tem sucesso

Mike Studeman reconhece a existênciade grandes falhas, em quantidade e qualida-de, da inteligência americana. Estas, afirma,alcançam as manchetes de jornais, especial-mente quando envolvem surpresa global dequalquer magnitude. Ele entende, entretan-to, que os sucessos ficam mascarados, jáque os principais agentes de segurança con-tinuam a ser informados, e isto vem permi-tindo o planejamento de operações milita-res eficazes. Acrescenta que, para cadainsucesso da inteligência norte-americana,ocorrem inúmeros sucessos que não sãoalardeados, para que as operações possamprosseguir ou se repetir.

A calibração das expectativas do que sedeve esperar da inteligência é essencial emtodos os escalões de comando. Deve sersabido que não se pode prever o futuro eque, raramente, obter-se-á inteligência isen-ta de ambiguidade.

Mito 6: A ONI enfoca mais problemasnacionais do que os da esquadra

Segundo o autor, existe, por parte doscombatentes norte-americanos, uma per-cepção de desconexão entre os investimen-tos em inteligência feitos pelo Escritórioda Inteligência Naval (ONI), maior compo-nente do Centro Nacional de InteligênciaMarítima, e as necessidades da esquadra.

Para o Comandante Studeman, essa per-cepção não guarda relação com a realida-de, pois as atividades da ONI contribuem,direta ou indiretamente, para a vigilância,

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para a defesa naval ou para planejamentoscontra Marinhas adversárias. Ele reconhe-ce, porém, a existência de falhas nasinterfaces entre a ONI e a esquadra, o quepropicia algum isolamento entre os orga-nismos. Noticia também que, em reconhe-cimento a esse problema, a ONI inaugu-rou, em fevereiro de 2009, o Centro Nimitzde Inteligência Operacional, com o propó-sito de servir como ponto de conexão coma esquadra e nó de ligação principal para oapoio aos centros de operações marítimas.

Mito 7: O sucesso da integraçãooperações/inteligência envolve,principalmente, a inteligência entrarem sintonia com os combatentes

“As falhas na integração operações/in-teligência (ops-intel) são normalmente in-terpretadas como desafios da inteligência.Para muitos oficiais da Marinha americana,aperfeiçoar a integração envolve melhorar areação da inteligência aos legítimos apelosdos combatentes...”, afirma Studeman. Para

ele, melhorar a integração é isso e muito mais.A genuína integração deve ser uma via demão dupla na qual combatentes e especia-listas em inteligência municiam uns aos ou-tros, produzindo sinergia e resultados.

Para o autor, “a característica essencialda integração ops-intel é a simbiose, em quenenhum planejamento ou ação operativa éiniciada ou encerrada sem que os principaisatores estejam no núcleo confiável”. Essaobservação é importante, pois, segundo ele,ainda persiste a tendência em algunsplanejadores militares ou políticos de altoescalão de realizarem consultas unilateraisseletivas junto a especialistas em inteligên-cia, ou a de fazê-lo tardiamente, depois queos eventos já adquiriram inércia significati-va. E afirma: “Alcançar a verdadeira integra-ção não é fácil, e ambos, oficiais operativose de inteligência, devem fazer sua parte paraaperfeiçoá-la”.

Em conclusão ao artigo, Mike Studemanalerta que os sete mitos levantados incluemalguma verdade, mas que cada um é merece-dor de maior reflexão, pois são enganosos.

“Se algo pode sair mal, sairá mal” – pri-meira Lei de Murphy. Invocando essa lei, oAlmirante Treviño Ruiz considera que elase aplica ao abalroamento ocorrido entreum submarino nuclear (SSBN) britânico eum francês na imensidão do Oceano Atlân-tico. Segundo ele, a chance dessa ocorrên-cia é de uma em 106 milhões. Entretanto,acrescenta, pela Lei de Murphy, basta umaúnica probabilidade...

O teatro de operações

O teatro de operações é o Oceano Atlân-tico, com seus 106 milhões de km2 e 3.000

ABALROAMENTO NAS PROFUNDEZAS(Revista General de Marina, Espanha, abril 2009, p. 457-462)

Vice-Almirante (FN - Espanha) José Maria Treviño Ruiz

milhas de largura no Hemisfério Norte, se-gundo maior oceano do planeta, menorapenas do que o Pacífico.

Nele, um SSBN britânico que desloca15.980 ton. em imersão, o HMS Vanguard(S 28), armado com 16 mísseis balísticosintercontinentais Trident 2 (D5) e com 48ogivas nucleares, navega possivelmente nacota de 100 metros, a velocidade entre 3 e 5nós, patrulhando zona ao sul da Islândia,próxima a sua base escocesa.

No mesmo teatro, um SSBN francês de14.335 ton. em imersão, o Le Triomphant(S618), portando 16 mísseis balísticos M45,cada um com seis ogivas nucleares de 100

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kilotons cada, procedente da Île Long, na-vega para o noroeste para realização depatrulha em área secreta no Atlântico Nor-te, igualmente ao sul da Islândia.

A gestão do espaço marítimo

Aqui começam as coincidências que le-varam ao acidente final. As zonas de patru-lha onde se estabelecem os SSBN, diferen-temente do que ocorre com os submarinosconvencionais a diesel (SSK) ou com osnucleares de ataque (SSN), não são revela-das a terceiros países, mesmo aliados.

Essas patrulhas com mísseis balísticosintercontinentais constituem o pilar básicoda dissuasão nuclear dos países que ospossuem, que são apenas cinco nomundo: os Estados Unidos da Amé-rica (EUA), com 14 unidades da clas-se Ohio, de 18.750 ton. em imersão; aRússia, com três gigantescosTyphoon (Akula) de 26.500 ton. e 12unidades das classes Delta III e IV; aChina, com um SSBN somente, quepode ser qualificado como obsoletopor ser de 1981, o Xia, de 6.150 ton.,mas com projeto de construir cinconavios da nova classe Jin; e a Fran-ça e o Reino Unido, com quatro uni-

dades cada, cujos cabeças desérie são precisamente o SSBNLe Triomphant e o HMSVanguard.

Segundo o AlmiranteTreviño, ambos os navios de-vem ter permanecido em suasrespectivas zonas de patrulhapor período de três meses coma terrível responsabilidade de,ao receberem mensagem comordem de destruir um objetivoestratégico por rádio em VLF(que penetra a superfície do

mar alcançando o submarino em cotas pro-fundas), seus comandantes deveriam sercapazes de cumprir suas missões sem pes-tanejar. Por isso a zona de patrulha deveriaestar afastada de qualquer interferência ele-tromagnética e de ruídos acústicos prove-nientes de navios mercantes.

Oficiais submarinistas sabem o que sig-nifica Water Space Management (gestão doespaço marítimo), o equivalente ao controledo espaço aéreo para aeronaves, sugere oautor. Nesse sistema, as derrotas dos sub-marinos são informadas por subnotes, quedescrevem os movimentos de “caixas” dedimensões padronizadas, deslocando-se emvelocidade e rumos predeterminados, nasquais se encontra um só submarino. As res-ponsáveis pela segurança dessa navega-

SSBN LeTriomphant

HMS Vanguard

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ção são as Autoridades Operativas de Sub-marinos (Subopauth), que têm a atribuiçãode garantir que as derrotas dos submarinosestejam livres de interferências de outrosnavios aliados.

Entretanto, o procedimento seguido paraos SSBN é diferente, pois somente se existirum acordo bilateral específico ou um memo-rando de entendimentos uma nação comuni-ca à outra as zonas de patrulhas e a situaçãode seus respectivos SSBN. No caso em ques-tão, as Marinhas francesa e britânica deveri-am conhecer os movimentos dos respecti-vos submarinos, pois, além dos acordos bila-terais, possuem oficiais de ligação nos esta-dos-maiores responsáveis pelos movimen-tos dos SSBN. Ademais, acrescenta o almi-rante, por mais de meio século submarinos –soviéticos primeiro e russos depois – quenunca comunicam suas posições às naçõesocidentais, navegam os mesmos oceanoscom vários outros submarinos e nunca ocor-reu colisão. Isso, ele admite, pode ser devidoao fato de esses navios serem por demaisruidosos, diferentes do Vanguard e do LeTriomphant, que, em acréscimo, possuemsensores capazes de detectar os movimen-tos de golfinhos em sua proximidade.

Murphy jamais descansa

Há que se admitir que ambos os SSBNsofreram um autêntico caso de má sorte,afirma o autor. Mesmo com o desconheci-mento das respectivas derrotas e zonas depatrulha, e com os sensores e operadoresnão tendo sido capazes de se detectaremmutuamente, a coincidência de tempo e si-tuação geográfica não seria suficiente paraocasionar a colisão, já que submarinos semovem em três dimensões, como os avi-ões. Coincidiram também na mesma cotade profundidade!

Em consequência, o Le Triomphant, du-rante a noite, investiu de proa contra o costa-

do do Vanguard. Os danos foram considerá-veis na proa e no leme de boreste do submari-no francês. O almirante acrescenta, com des-crédito, que o Ministério da Defesa da França,na ocasião, informou que “durante regressode uma patrulha, o submarino teria colididocom um objeto submerso, provavelmente umcontêiner de 30 ton.”. O navio britânico sofreumenos avarias devido ao impacto ter sido late-ral, tendo recebido apenas deformações emum de seus tanques de lastro.

As consequências

Para o Almirante Treviño Ruiz, os doisnavios deverão passar “uma boa tempora-da em dique seco enquanto se verificam,exaustivamente, não só os danos visíveiscomo também os possíveis danos estrutu-rais em suas cavernas, tubos de torpedos,lemes etc. que possam afetar a segurançaem imersão”. Não se pode esquecer queesses submarinos podem mergulhar atécotas de 400 metros de profundidade e quea menor falha nessa cota pode representara perda do navio, alerta o almirante. E acres-centa: “Depois disso tudo, virão os demo-radas e custosos reparos”, lembrando docaso do britânico Tireless que ficou imobi-lizado por mais de um ano para corrigir, tãosomente, pequena fuga do sistema de re-frigeração de seu reator.

O Almirante Treviño Ruiz conclui seuartigo com uma boa e uma má notícia. Aboa é que, devido à baixa velocidade emque ocorreu a colisão, não houve compro-metimento de estanqueidade e nem riscospara os reatores ou mísseis. Além disso,nenhum dos 111 tripulantes franceses oudos 135 britânicos foi ferido, e o Atlânticofoi poupado de qualquer contaminação,consideradas as graves consequênciaspara o meio ambiente.

A má notícia é que este incidente deverácustar os respectivos cargos aos coman-

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dantes dos navios, alcançando, provavel-mente, oficiais em postos ainda mais altosnas respectivas cadeias hierárquicas de co-mando. Em acréscimo, para que se mante-nha a dissuasão nuclear permanente, ou-

tros submarinos nucleares balísticos deve-rão se fazer ao mar, apertando ainda mais oprograma de manutenção e adestramentodessa classe de navios, que já tem calendá-rio de pouca capacidade de flexibilização.

Abrindo o artigo, o autor coloca a se-guinte questão: “Uma das perguntas fun-damentais a ser respondida pelas agênciasde segurança ocidentais não é se a AlQaeda voltará a tentar e consumar um aten-tado no mar, mas quando vai fazê-lo e onde,dado o êxito operativo e o grande impactode propaganda que obtiveram os golpesconseguidos neste cenário, e dado o gran-de leque de possibilidades abertas peloterrorismo marítimo”.

Para se desenhar estratégias de respos-ta eficazes e se dotar dos instrumentos ne-cessários para a neutralização dessa amea-ça, prossegue o autor, faz-se necessárioum diagnóstico sobre a sua natureza e umexame detalhado da eventualidade de ocor-rência de ataques. Segundo ele, é inevitá-vel buscar estabelecer indicadores sólidosque permitam prever qual será o perfil dosautores intelectuais e materiais de futurasofensivas, quais os objetivos que perse-guirão, contra quais alvos priorizarão suasações, qual será a localização geográfica epor quais táticas optarão.

Assim, Merlos García busca nesta suaanálise contribuir para as respostas a es-sas questões, identificando o contágio e aimportação de táticas terrestres para o am-biente marítimo e os atenuantes para a ocor-rência de atos violentos nos mares. Dentreestes últimos, cita a escassez de alvos; asdifíceis ocultação e camuflagem na fase de

O TERRORISMO MARÍTIMO NAESTRATÉGIA DA AL QAEDA

(Revista General de Marina, Espanha, jan/fev 2009, p. 47-53)Juan Alfonso Merlos García

vigilância e planejamento; a maior dificul-dade de simulação prévia e de preparaçãoem um cenário marítimo do que em um ter-restre; e, finalmente, o próprio estado domar, a visibilidade, o vento, dentre outrosfatores meteorológicos que podem colo-car em risco a fase da execução da missão.

O autor entende que esta é uma ameaçaduradoura e crescente. Afirma que analis-tas, acadêmicos, profissionais da seguran-ça e de meios de comunicação veiculam àopinião pública internacional a falsa impres-são de que o terrorismo marítimo é umaameaça menor, da mesma maneira que seinocula a ideia de que a comunidade inter-nacional eliminou os últimos vestígios dapirataria (apesar dos recentes episódios naÁfrica oriental), quando na verdade essesatos triplicaram na última década, alcan-çando os níveis mais elevados da históriamoderna.

Para García, a Al Qaeda continuará con-siderando os navios de guerra e petroleiroscomo elementos centrais de sua estratégiacontra os Estados Unidos da América e seusaliados, por seu simbolismo do poder oci-dental e da colonização do mundo árabe emuçulmano por parte do Ocidente.

Indica as seguintes áreas que são, econtinuarão a ser, sensíveis: 1) Gibraltar,mais ainda quando se considera a prolife-ração e o fortalecimento de células da Jihadno Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia, e

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sua vinculação operativa e ideológica pormeio da “Al Qaeda no Magreb Islâmico”;2) Ormuz, que conecta o Golfo Pérsico como Mar da Arábia, por onde passam 15 mi-lhões de barris de petróleo por dia e que jáfoi alvo de tentativas frustradas de ata-ques; 3) Bab el-Mandeb, que serve de en-trada para o Mar Vermelho e por onde tran-sitam 3,5 milhoes de barris de petróleo dia-riamente; e 4) Málaca, que separa aIndonésia da Malásia, por onde passam 50mil navios por ano.

O autor conclui afirmando que os terro-ristas são conscientes de que todas asembarcações que seguem rotas previsíveissão vulneráveis e, também, que 2/3 do pe-tróleo mundial são transportados por viamarítima. Sabem que, por razões diversas,

sua escolta é inviável e que os sistemas deradar de que são dotados se prestam à na-vegação e são virtualmente insensíveis aosecos de pequenas embarcações que seaproximam.

Finalizando, alerta àqueles que acompa-nham o movimento mundial da Jihad islâmicae sua capacidade de criar um clima de inse-gurança em entroncamentos marítimos es-tratégicos, provocando um golpe duro nocomércio internacional, que é um erroflexibilizar ou abrandar a resposta à ameaçaque eles representam. Dessa forma, asseve-ra Merlos García, se estaria aumentando ir-responsavelmente a margem de manobradaqueles que empregam a destruição emmassa, tanto material como humana, paraconsecução de seus propósitos.

“Azeite e vinho, bálsamo divino.” Comesse dito popular em seu país, o CoronelMartinez Cerro introduz este artigo, no qualapresenta o resultado de pesquisa realizadaem textos desde o século XIII sobre o usodo vinho nos navios e hospitais da Espanha.A partir do século XVI, com o descobrimen-to das terras de ultramar, as grandes traves-sias dos navios espanhóis fizeram incluirem seu abastecimento víveres que se con-servassem em bom estado durante as lon-gas travessias. É sabido que o biscoito foium alimento imprescindível, assim como di-versas bebidas, sobretudo o vinho, que pas-sa a estar presente nas dietas navais, tantonos navios como nos hospitais navais. Osalimentos dessas “dietas” eram financiadospela Fazenda Real, prescritos por indicaçãomédica e controlados nos portos pelo ins-

A CONTRIBUIÇÃO DO VINHO NAS DIETASDOS HOMENS DO MAR

(Revista General de Marina, Espanha, abril 2009, p. 411-414)Coronel Sanitarista (Espanha) Manuel Martinez Cerro

petor de remédios, os primeiros farmacêuti-cos qualificados.

Assim, afirmando serem numerosas ascitações sobre o tema ao longo da história,o autor diz que, durante o reinado de JaimeI, El Conquistador (1213-1276), no LibroDel Consulado Del Mar, no qual aparecemos primeiros escritos humanitários a favordos marinheiros marcando as obrigaçõesdos patrões em relação a eles e definindoquais alimentos devem ser a eles providos,está mencionado o vinho. Este deve serfornecido três vezes pela manhã e todas astardes, como acompanhamento de pão,queijo, sardinhas e outros peixes. Em 1294,aparecem escritas as primeiras ordenançassobre higiene naval, as Leyes de Partidasdo Rei Alfonso X, El Sábio, uma vasta com-pilação de normas da Idade Média. Nelas,

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sob o título XXIV, Lei de Partida II, sãopostuladas considerações de natureza hi-giênicas navais e se recomenda levar a bor-do dos navios determinados alimentos,dentre eles o vinho e a sidra.

Prossegue o autor em sua análise identifi-cando que, ao longo da história, o mau acon-dicionamento do vinho causou doenças emortes e foi motivo de denúncias de falta delimpeza nos navios da Armada, gerando asinstruções dadas pelo General Dom Pedro deArana (1587) recomendando especial cuida-do na limpeza de seus recipientes e na dimi-nuição das rações. O vinho passou a ser con-trolado detalhadamente, e a abertura dos bar-ris era revestida de formalidade, na qual aautoridade designadapara fazê-lo era acompa-nhada do mestre – es-crivão e intendente debordo –, certificando-seda quantidade e da qua-lidade da bebida.

Nos hospitais, o vi-nho também se apresen-ta nas dietas dos doen-tes com finalidade medi-cinal, aparecendo nosestojos de primeiros so-corros, entre outros me-dicamentos. Nos anos1740, esses estojos con-tinham, além de poma-das, unguentos, pós eaguardente, “vinho ca-tólico” (“batizado” com água). Em 1750, omédico da Armada Pere Virgili propõe o esta-belecimento de caixas de remédios nos navi-os reais baseado nas experiências das via-gens ao Novo Mundo, nas quais os mari-nheiros eram atendidos de maneira precária.Virgili sugere, para compensar deficiênciasdietéticas, a necessidade de se enviar vinhoe aguardente para suprir as necessidades doshospitais.

Ao longo do século XVIII, em anos eépocas distintas, as aplicações do vinhoprosseguem da mesma forma. No séculoXIX, em 1852, aparecem recomendaçõessobre o acondicionamento do vinho abordo dos navios, estabelecendo-se ouso obrigatório de cintas de metal e oembarque obrigatório, em todos os navi-os que navegassem com destino à Amé-rica, de um “cuartillo de vino, por plazade dotación”. Além disso, foi dispostoque a marujada, depois de exercícios detiro com canhões, de velas, de postos decombate ou outros em que ocorresseabundante transpiração, dever-se-ia for-necer-lhes quantidade suficiente da be-

bida vulgarmente co-nhecida como sangria,composta de água, vi-nho tinto, limão ougroselha e açúcar mis-turados em quantida-des proporcionais demodo a darem um “gra-to sabor ácido”(1852). Chegou-se, in-clusive, afirma o autor,a proibir-se a práticade castigos por meioda privação do vinho(1870).

Ao final do séculoXIX, o vinho e a cer-veja passam a constardas dietas nos hospi-

tais navais e nos de guerra, podendo seradministrados facultativamente. Com achegada do século XX, a rapidez dos mei-os de transportes fez perder o caráter ur-gente e extraordinário dessas “dietas”, di-minuindo o valor do vinho e de outrasbebidas com essa finalidade. Mas nem porisso, finaliza o Coronel Martinez Cerro,deixou-se de beber nos navios e hospi-tais espanhóis.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importan-tes da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída aMercante, dar aos leitores informações sobre a atualidade e per-mitir a pesquisadores visualizarem peculiaridades da Marinha.

Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas comfotografias.

SUMÁRIO(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃOATIVAÇÃO

Ativação da Policlínica Naval de Manaus (273)Ativação da adidância na Índia (274)Ativação do Depósito de Material de Saúde da Marinha no RJ (275)

CERTIFICADO DE QUALIDADEDelegacia da Capitania dos Portos em Macaé recebe ISO 9001:2000 (276)

COMEMORAÇÃO25o aniversário do IEAPM (276)Aniversário da Batalha Naval do Riachuelo – Data Magna da Marinha (278)Aniversário da DPHDM (283)Congresso comemora 50 anos do Tratado Antártico (284)Dia da Vitória (285)Dia Internacional dos Mantenedores da Paz (286)

INAUGURAÇÃOInauguração da nova sede da Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental (288)

INCORPORAÇÃOIncorporação do NDCC Almirante Saboia (290)

POSSEAssunção de cargos por almirantes (293)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

PROMOÇÃOPromoção de almirantes (294)

TRANSFERÊNCIA DE NAVIORecebimento do AviPa Barracuda (294)

APOIOCONSTRUÇÃO NAVAL

Acordo Brasil-França (294)Marinha construirá 3.300 lanchas para estudantes (295)

DOCAGEMBase Naval do Rio de Janeiro doca submarino (296)

ESTALEIRONovos estaleiros para Rio Grande (296)

INDÚSTRIA AERONÁUTICAEmbraer entrega jato Phenom 100 à Força Aérea do Paquistão (297)

ATIVIDADES MARINHEIRASBUSCA E SALVAMENTO

Marinha resgata velejadores a 2.000 km da costa (298)CARTOGRAFIA

Primeiras imagens da cartografia terrestre da Amazônia são processadas (299)PREVISÃO METEOROLÓGICA

Programa Nacional de Boias (300)PRECAUÇÃO DE SEGURANÇA

Prevenindo incêndios no mar (301)

CIÊNCIA E TECNOLOGIATESTE

Marinha testa mina na Bahia (302)

CONGRESSOSCONFERÊNCIA

Conferência Naval Interamericana (303)FEIRA

LAAD reúne setor de Defesa (303)REUNIÃO

Conselho de Cultura se reúne na Ilha Fiscal e ganha novo integrante (306)SIMPÓSIO

Encontro de tecnologia em acústica submarina (307)Casnav recebe certificação NBR ISO 9001:2008 e promove simpósio (308)

EDUCAÇÃOESPORTE

Resultados esportivos (308)

FORÇAS ARMADASOPERAÇÃO

NDD Rio de Janeiro participa de Operação Haiti VII (309)VEÍCULO AÉREO NÃO-TRIPULADO

Brasil terá seu veículo aéreo não-tripulado (309)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

PESSOALEFETIVO

Efetivos de Oficiais da Marinha do Brasil (310)PESSOAL

Marinha e Petrobras assinam termos de cooperação (312)

PODER MARÍTIMOPORTO

Obra do porto de Santos deve ficar pronta em 2010 (313)SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO

LRIT começa a operar no Brasil (313)

POLÍTICAPOLÍTICA DA RÚSSIA

Rússia divulga plano para militarização do Ártico (315)

PSICOSSOCIALAJUDA HUMANITÁRIA

Capitania dos Portos do Piauí presta apoio às vítimas de enchentes (315)Delegacia de Santarém entrega donativos às vítimas de enchentes (316)

CULTURACasa do Homem do Mar (316)

LANÇAMENTO DE LIVROO Conselho de Estado e a política externa do Império (317)

REVISTASubstituição da diretoria da Revista da Marinha – Portugal (318)

RELAÇÕES INTERNACIONAISACORDO

Acordos com a França (318)

VIAGENSVISITA

Comandante da Marinha em visita à China (319)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Foi realizada, em 25 de março último, aCerimônia de Ativação da Policlínica Navalde Manaus (PNMa). A nova OrganizaçãoMilitar (OM) foi criada em cumprimento àPortaria no 78/MB, de 16 de março de 2009,do Comandante da Marinha. Assumiu o car-go de diretor da PNMa o Capitão de Fragata(MD) Antônio Guilherme Costa Ruf.

O comandante de Operações Navais,Almirante de Esquadra Alvaro Luiz Pinto,expediu a seguinte Ordem do Dia relativa àativação:

“A criação da Policlínica Naval deManaus é decorrente de 30 anos de açõesna área de assistência médica aos usuáriosdo Sistema de Saúde da Marinha (SSM) naAmazônia Ocidental.

Em 1979, os primeiros atendimentos eramrealizados nas dependências da EstaçãoNaval do Rio Negro, ainda como postomédico, onde eram feitas consultas médi-cas, exames laboratoriais e avaliações mé-

ATIVAÇÃO DA POLICLÍNICA NAVAL DE MANAUS

dico-periciais, além da atuação dos profis-sionais de saúde, embarcados nos navios-patrulha e hospitalares, na assistência àspopulações ribeirinhas.

Em 1993, devido à atuação da Marinhana região, houve a necessidade doredimensionamento das instalações físicasa fim de permitir o tratamento adequado àsdemandas que ora se apresentavam, sen-do então criado o Ambulatório Naval deManaus, subordinado administrativamen-te à Estação Naval do Rio Negro, passan-do a funcionar nas antigas dependênciasda Escola Estadual Barão de Tefé. Contavacom os serviços de diversas especialida-des médicas, odontológicas e laboratoriaisda Junta Regular de Saúde (JRS). Em 1999,passou a integrar o Comando Naval daAmazônia Ocidental, prestando serviçosde assistência à saúde em nível primário.

Com a criação do Comando do 9o DistritoNaval, recebeu a missão de atender à família

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

naval e prestar maior apoio logístico de saú-de às Organizações Militares. Nessa oca-sião, tiveram início as ampliações, com au-mento do número de consultórios médicos,nova emergência e dependências da JRS.

Em 2007 foi iniciada a construção danova Odontoclínica, ocupando o andarsuperior do Ambulatório, cuja inauguraçãoocorreu em 29 de agosto de 2008 e inte-grou todo o atendimento nas suas depen-dências, haja vista que as antigas instala-ções funcionavam em prédios separados.

Para ampliar os serviços de assistêncianos anos de 2007, 2008 e no começo de2009, foram realizadas várias modificaçõesnas edificações, bem como o embarque demais profissionais e a aquisição de novosequipamentos.

No que tange às instalações físicas,houve a reorganização e, mais uma vez, aampliação dos consultórios médicos, as-sim como a criação dos consultórios deoftalmologia e ginecologia e a alteração dosespaços físicos dos serviços de fisiotera-pia e laboratório. As possibilidades de exa-mes e diagnósticos passaram a ser maio-res, tais como: testes ergométricos e holter,cardiotocógrafo, cabine audiométrica euma sala de fonoterapia.

A assistência médica hoje dispõe aindade cirurgia geral, ortopedia, otorrinolarin-gologia, pediatria, psiquiatria e radiologis-ta, além do apoio de farmácia, fonoaudio-logia, nutrição e fisioterapia. A Divisão deOdontologia possui dez consultórios,escovódromo, laboratório de próteses esala de esterilização.

Estão ainda disponíveis os serviços dePronto Atendimento 24 horas, Distribuiçãode Medicamentos (SeDiMe), Serviço deArquivamento Médico (Same), uma enfer-maria com dois leitos e uma ambulânciaUTI, bem como serviços médico-periciaisrealizados por uma Junta Regular de Saúdee uma Junta Superior de Saúde.

Com instalações ampliadas e moderni-zadas, o Ambulatório Naval de Manaus,que também disponibiliza os profissionaisda área de saúde para os navios do Co-mando da Flotilha do Amazonas, nas via-gens de assistência hospitalar, transforma-se hoje em uma nova Organização Militarda Marinha do Brasil, integrando o Siste-ma de Saúde da Marinha e subordinadadiretamente ao Comando do 9o DistritoNaval, contribuindo para a ampliação doPoder Naval na Amazônia.

Nesta data, ao ativarmos a PoliclínicaNaval de Manaus, cuja cerimônia ocorreapenas nove dias após a assinatura de seudocumento de criação, temos a certeza deque ela nasce com maturidade, resultadodo trabalho que se realiza há várias déca-das nesta margem esquerda do Rio Negro.

Ao diretor e à primeira tripulação dessanova Organização Militar, desejo pleno êxi-to nessa nobre missão. Que os 30 anos dacruz verde, símbolo da saúde naval, sejampilares resistentes e seguros, dando o ali-cerce necessário para que continuem a agircom abnegação sempre presente na tarefainerente aos profissionais de saúde: salvarvidas.”

(Fontes: Bonos nos 192 e 193, de 25/3/2009)

Foi ativada, em 15 de abril último, aAdidância de Defesa, Naval, do Exército eAeronáutica na Índia. A ativação atendeuao critério de rodízio entre as Forças Arma-

ATIVAÇÃO DA ADIDÂNCIA NA ÍNDIA

das, cabendo a titularidade inicialmente àAeronáutica, seguindo-se a Marinha doBrasil e o Exército Brasileiro.

(Fonte: Bono no 350, de 22/5/2009)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A Cerimônia de Mostra de Ativação doDepósito de Material de Saúde da Mari-nha no Rio de Janeiro (DepMSMRJ) foi re-alizada em 18 de março último, em cumpri-mento à Portaria no 162, de 29 de abril de2008, do Comandante da Marinha.

Em sua Ordem do Dia, o secretário-geralda Marinha, Almirante-de-Esquadra Mar-cos Martins Torres, assim se manifestou:

“Resultado de estudos determinadospelo comandante da Marinha e conduzi-dos pela Diretoria-Geral do Pessoal daMarinha, com a participação deste setor,foi vislumbrada a possibilidade deimplementação, no Sistema de Saúde daMarinha, de ferramentas destinadas aoaperfeiçoamento de seus processos, visan-do: ao fortalecimento da atividade de fis-calização intercorrente; à melhoria do nívelde serviço; à descentralização das ativida-des de caráter administrativo; e à agilizaçãodo fornecimento do material classificadocom o Símbolo de Jurisdição ‘Quebec’.

Dentre as medidas empreendidas paraalcançar os objetivos traçados, foi criadoum novo Depósito Primário, integrado aoSistema de Abastecimento da Marinha(SAbM), e plenamente alinhado aos requi-sitos técnicos estabelecidos pela AgênciaNacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),que passou a ser responsável pela execu-ção, no que concerne aos medicamentos eartigos de saúde, das seguintes atividadesgerenciais de abastecimento: contabilida-de do material; controle de estoque; arma-zenagem e fornecimento.

O DepMSMRJ permitirá que os itens desuprimento de Símbolo de Jurisdição‘Quebec’, à semelhança dos demais mate-riais já administrados por OM subordina-das à Diretoria de Abastecimento da Mari-

ATIVAÇÃO DO DEPÓSITO DE MATERIAL DE SAÚDE DAMARINHA NO RJ

nha, se beneficiem da racionalização de re-cursos humanos e materiais advinda daestrutura disponível no Sistema de Abas-tecimento da Marinha (SAbM), e do em-prego do Sistema de InformaçõesGerenciais do Abastecimento (Singra).

A implantação das Gerências de Materi-al de Saúde no Centro de Controle de In-ventário da Marinha e no Centro de Ob-tenção da Marinha no Rio de Janeiro; autilização de novas tecnologias deautomação no Depósito ora ativado; e otrabalho conjunto entre os setores do Abas-tecimento e da Saúde são exemplos de ini-ciativas que têm por objetivo a excelênciana gestão do material de saúde, garantin-do assim o sucesso desta empreitada.

São reflexos imediatos da criação des-te Órgão de Distribuição: a economia derecursos oriunda da extinção daterceirização de armazenagem; a adoçãode melhores e mais modernas técnicas deestocagem, controle de estoques e distri-buição; além da contribuição para a ele-vação dos níveis de serviço do materialde saúde, indicando indubitavelmente acorreção no rumo traçado.

A consciência de que inúmeras e diáriasações ainda se fazem necessárias para queos anseios das Organizações MilitaresHospitalares possam ser atingidos, na as-sistência ao pessoal da Marinha do Brasil,maior dos patrimônios navais, renova nos-sas forças e nos impõe novos desafios quenos motivam a continuar a prestar ‘o me-lhor serviço à Marinha’.

Depósito de Material de Saúde da Mari-nha no Rio de Janeiro, bons ventos e ma-res tranquilos.”

(Fonte: Bono Especial no 176, de 18/3/2009)

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276 RMB2oT/2009

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A Delegacia da Capitania dos Portos emMacaé (DelMacaé), no Estado do Rio deJaneiro, foi aprovada ad referendum, em 20de fevereiro último, para a certificação NBRIS0 9001:2000, pela Associação Brasileirade Normas Técnicas (ABNT), nas ativida-des relacionadas ao Ensino ProfissionalMarítimo. A DelMacaé foi a primeira Orga-nização Militar do Sistema Segurança doTráfego Aquaviário (capitanias, delegaci-as e agências) a obter esta certificação.

Esta conquista permitirá a melhoria con-tínua de sua gestão, visando ao aumentoda eficiência dos processos voltados à re-

DELEGACIA DA CAPITANIA DOS PORTOS EM MACAÉRECEBE CERTIFICAÇÃO NBR IS0 9001:2000

alização de cursos e atualização e regulari-zação de documentos para aquaviários.

(Fonte: Bono no 203, de 30/3/2009)

O Instituto de Estudos do Mar Almiran-te Paulo Moreira (IEAPM), localizado emArraial do Cabo, Rio de Janeiro, completou,em 26 de abril último, 25 anos de existência.

Transcrevemos abaixo a Ordem do Diarelativa à data, expedida pelo diretor doIEAPM, Contra-Almirante Marcos Nunesde Miranda.

“O Instituto de Estudos do Mar Almi-rante Paulo Moreira completa hoje 25 anosde história dedicados a desenvolver proje-tos científicos, tecnológicos e de inova-ção relacionados com as ciências do mar,com o propósito de contribuir para a ob-tenção de modelos, métodos, sistemas,equipamentos, materiais e técnicas que per-mitam o melhor conhecimento e a eficaz uti-lização do meio ambiente marinho, no inte-resse da Marinha do Brasil.

Nosso Instituto teve origem em 1971,no Projeto Cabo Frio, idealizado pelo Almi-rante Paulo de Castro Moreira da Silva, cujavida foi dedicada profundamente ao estu-do do oceano.

25o ANIVERSÁRIO DO IEAPM

Esse Projeto, instalado efetivamente emArraial do Cabo em 1974, visava desenvol-ver a fertilização das enseadas fronteiriças aArraial do Cabo, para a produção de peixes,mariscos e camarões e, principalmente, fun-cionar como uma verdadeira ‘Universidadedo Mar’, disseminando para jovens estu-dantes e pesquisadores a importância dooceano para a vida e para o futuro.

Em 26 de abril de 1984, foi criado o Insti-tuto Nacional de Estudos do Mar (Inem),que, aproveitando os trabalhos realizados,os pesquisadores e as instalações do Proje-to, destinava-se a assegurar e racionalizaros estudos necessários ao conhecimento eà utilização do oceano e das águas interio-res nacionais. Em março de 1985, em home-nagem ao seu idealizador, o Instituto rece-beu sua denominação atual, estando hojediretamente subordinado à Secretaria de Ci-ência, Tecnologia e Inovação da Marinha.

Única instituição de pesquisa da MBdirecionada exclusivamente para a buscado conhecimento e da utilização do ambi-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ente marinho, o IEAPM é fundamental paraa tão almejada ‘conquista’ da nossa ‘Ama-zônia Azul’, no sentido de conhecer pro-fundamente, difundir, vigiar, defender e pre-servar, explorando-a em sua plenitude, es-tratégica e economicamente, de maneiraracional e sustentada. Mais do que nunca,como tão bem profetizou o Almirante Pau-lo Moreira, temos que ‘nos apropriar des-se mar com uma posse real, profunda, apai-xonada e definitiva’.

O exercício continuado da pesquisa oce-anográfica básica e aplicada por um Insti-tuto da Marinha com a credibilidade doIEAPM é condição necessária para a pro-dução de conhecimentos fundamentais aoplanejamento das Operações Navais e àutilização adequada dos modernos siste-mas de armas, constituindo apoio impres-cindível ao emprego do Poder Naval.

A decisão do Estado brasileiro de cons-truir e operar submarinos de propulsãonuclear torna indispensáveis os conheci-mentos produzidos no nosso Instituto.Nesse contexto, o IEAPM executa hoje di-versas atividades, muitas delas de interes-se dual, em parceria com organizações mili-tares da Marinha do Brasil, órgãos gover-namentais, empresas públicas e privadas,universidades e institutos de pesquisas,dentre os quais:

– Projeto Sispres – previsão do ambien-te acústico para o planejamento das opera-ções navais;

– Projeto OAEx – exploração acústicados oceanos, que visa preencher lacunascientíficas e tecnológicas de modo a defi-nir metodologias, tecnologias e procedi-mentos para implementação do monitora-mento ambiental acústico submarino, coma participação de universidades de Portu-gal, Bélgica, Canadá e da UFRJ;

– medição de ondas e correntes de su-perfície com radar náutico, que visa obter amedição de parâmetros de ondas oceâni-

cas e de correntes de superfície nas esta-ções situadas em Arraial do Cabo e Lagu-na (SC), com o emprego do radar náutico;

– capacitação humana e desenvolvimen-to de protótipo de multiperfilador oceano-gráfico descartável, o XBT nacional;

– Atlas Digital de oceanografia emeteorologia para construção naval, quevisa fornecer parâmetros ambientais paraauxílio no desenvolvimento de projetospara a construção de meios de superfície esubmarinos;

– Projeto Remo – rede temática de mo-delagem e observação oceanográfica, lide-rado pela Petrobras, que visa implementarmodelos numéricos de circulação oceâni-ca para previsão de condições meteo-oce-anográficas;

– Projeto Ramb – ruído ambiental sub-marino, que visa criar um banco de dadosde ruído ambiental contínuo na área de Ar-raial do Cabo;

– Projeto Docaar – dados oceanográfi-cos coletados com aeronave de asarotativa, o XBT lançado por aeronave;

– Projeto Bionatura – desenvolvimentode tintas anti-incrustantes sem componen-tes agressivos ao meio ambiente;

– estudos de bioincrustação;– gerenciamento de água de lastro;– estudos de propagação de energia

acústica, com emprego dual na construçãode bancos de dados de ruído ambientalsubmarino, de dados geológicos egeofísicos, e na realização de experimen-tos acústicos;

– monitoramento de radionuclídeos nacosta brasileira, que visa coletar dadosconfiáveis sobre as atuais concentrações deradionuclídeos artificiais na água (Césio 137e Estrôncio 90), antes do início das ativida-des com o submarino de propulsão nuclear;

– influência do meio ambiente nas mi-nas de fundo e de fundeio;

– geoacústica submarina;

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– apoio às universidades na realizaçãode estágios e desenvolvimento demonografias de graduação, dissertações demestrado e teses de doutorado; e

– desenvolvimento da mentalidade ma-rítima, por meio do Museu Oceanográfico,do Espaço Cultural Amazônia Azul e da Ilhado Cabo Frio.

Tripulação do IEAPM! Na comemoraçãodo nosso jubileu de prata, é hora de renderhomenagem àqueles que aqui nos antecede-ram e que contribuíram, com profissionalismo

e muita dedicação, para o desenvolvimentodeste Instituto. É momento, também, de re-novar o nosso compromisso de seguir commáquinas adiante toda força, pesquisando omar, rumo ao futuro, de modo que o IEAPMseja reconhecido, nacional e internacional-mente, como um Centro de Excelência empesquisas relacionadas às ciências do mar,até o ano de 2012.

Parabéns IEAPM!A união faz a força!”(Fonte: Bono no 276, de 24/4/2009)

Foi comemorado, em 11 de junho últi-mo, o 144o aniversário da Batalha Naval doRiachuelo – Data Magna da Marinha.

Cerimônias ocorreram nos Distritos Na-vais, quando foram entregues as comendasda Ordem do Mérito Naval aos agraciadoslocais. Também houve comemorações noCongresso Nacional, na Igreja daCandelária (RJ), onde a Banda Sinfônicado Corpo de Fuzileiros Navais realizou umconcerto sinfônico, no Estádio de Remoda Lagoa (RJ), onde ocorreu a IX RegataBatalha Naval do Riachuelo, e nas organi-zações da Marinha, no Brasil e no exterior.

Em Brasília, a cerimônia foi realizada noGrupamento de Fuzileiros Navais de Brasília,sob a coordenação do Comando do 7o Dis-trito Naval, e houve também a cerimônia deimposição de comendas da Ordem do Méri-to Naval, na qual seis instituições e 147 pes-soas foram agraciadas. Estiveram presenteso vice-presidente da República, JoséAlencar; o ministro da Defesa, Nelson Jobim;o ministro do Gabinete de SegurançaInstitucional da Presidência da República,General de Exército Jorge Félix; o coman-dante da Marinha, Almirante de EsquadraJulio Soares de Moura Neto; o comandante

ANIVERSÁRIO DA BATALHA NAVAL DO RIACHUELODATA MAGNA DA MARINHA

Vice-Presidente da República presente nacerimônia da Batalha Naval do Riachuelo

do Exército, General de Exército Enzo MartinsPeri; o comandante da Aeronáutica, Tenen-te-Brigadeiro do Ar Juniti Saito; e o chefedo Estado-Maior da Armada, Almirante deEsquadra Aurélio Ribeiro da Silva Filho, en-tre outras autoridades.

Criada pelo Decreto no 24.659, de 11 dejulho de 1934, a comenda da Ordem doMérito Naval destina-se a premiar os mili-tares da Marinha que tenham se distingui-do no exercício de sua profissão e, excep-cionalmente, corporações militares e insti-tuições civis, nacionais e estrangeiras, suasbandeiras ou estandartes, assim como per-sonalidades civis e militares, brasileiras ou

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Palanque das autoridades

estrangeiras, que tenham prestado relevan-tes serviços à Marinha do Brasil.

MENSAGEM DO PRESIDENTE DAREPÚBLICA

A Marinha recebeu a seguinte mensagemdo Presidente da República alusiva à data:

“É com muita honra e júbilo que come-moramos neste 11 de junho, Data Magnada Marinha, o 144o Aniversário da BatalhaNaval do Riachuelo. E assim homenagea-mos os destemidos brasileiros que em 1865,sob o comando do Almirante FranciscoManoel Barroso da Silva, enfrentaram aameaça estrangeira e defenderam o Paíscom bravura e, em alguns casos, com osacrifício da própria vida.

Exaltemos, neste dia, o Chefe de DivisãoBarroso, o Guarda-Marinha Greenhalgh, oImperial Marinheiro Marcílio Dias e os mui-tos outros heróis que, anonimamente, con-tribuíram para a nossa vitória. Que seu lega-do de coragem, abnegação e patriotismocontinue a inspirar as atitudes e ações detodos nós.

Como já me manifestei em outras ocasi-ões, manter as Forças Armadas prontas aexercer seu papel constitucional, garantin-do a soberania e os interesses pátrios ecooperando para a inserção político-estra-tégica do país junto à comunidade interna-cional, é fundamental para o presente e parao futuro do Brasil.

É nesse contexto que reafirmo o meucompromisso de garantir a capacidadeoperativa de nossas Armas como um fatorindispensável para o desenvolvimento donosso País. Tal visão faz parte da Estraté-gia Nacional de Defesa, que balizará a ob-tenção dos meios e equipamentos neces-sários para atuarmos com ainda mais efici-ência no Atlântico Sul e nos pontos signi-ficativos de nosso território, especialmen-te a Amazônia.

A verdade é que a Força Naval brasileirajá vem passando por um período de notávelevolução, propiciada pelos recentes inves-timentos feitos pelo Governo. Dentre elesdestacam-se os esforços para nos manter-mos na vanguarda da tecnologia militar,como é o caso da parceria acordada com aFrança em dezembro do ano passado.

O desenvolvimento e a construção deum submarino com propulsão nuclear, comcontribuição francesa na parte não sensí-vel, será uma conquista sem precedentes.E os benefícios decorrentes de tal feito in-fluenciarão positivamente a nossa BaseIndustrial de Defesa.

Na qualidade de Grão-Mestre da Ordemdo Mérito Naval, aproveito a oportunidadepara cumprimentar os agraciados com a maisalta comenda da Marinha. Estou certo de quetal distinção será um motivo de orgulho paratodos. Será, especialmente, o reconhecimen-to pelo muito que já fizeram e que ainda po-derão fazer por essa Instituição que tantohonra a todos nós brasileiros. E que durantesua existência, de mais de 270 anos, prestoue tem prestado excelentes serviços ao País.

Finalmente, conclamo todos os milita-res e civis, homens e mulheres, da ativa ouda reserva, para que continuem somandoesforços para o engrandecimento da nos-sa Marinha e do nosso querido Brasil. Otrabalho que vem sendo conduzido contri-buirá para o progresso de nossa socieda-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Vice-Presidente José Alencar cumprimenta oPavilhão Nacional

de. E deixará uma sólida herança para asgerações vindouras.

Sejam muito felizes!”

ORDEM DO DIA DO COMANDANTEDA MARINHA

A seguir, transcrevemos a Ordem doDia do comandante da Marinha lida nascerimônias:

“Há exatos 144 anos, uma sequência deatos hostis conduziu o Brasil e os seus vizi-nhos do sul ao emprego das armas para asolução das divergências geopolíticas da-quela realidade histórica, envolvendo-os emum conflito que se estenderia por mais decinco anos: a Guerra da Tríplice Aliança.

A eclosão do litígio, em novembro de1864, deu-se de modo inesperado, após ainvasão das províncias de Mato Grosso eRio Grande do Sul, encontrando-nosdespreparados para responder à agressão,pois, naquele momento, além da falta demobilização de nosso Poder Militar, o quegarantiu ao rival alguma vantagem inicial,os navios disponíveis da Força Naval eramapropriados para mar aberto, inadequados,portanto, para as características geográfi-cas do teatro de operações, predominante-mente fluvial.

À nossa instituição foi dada a missãode realizar o bloqueio dos Rios Paraná e

Paraguai, vias navegáveis fundamentaispara a logística do adversário e cujo domí-nio ditaria os rumos da contenda. Cienteda situação, o comandante em chefe daEsquadra, Almirante Joaquim Marques Lis-boa, então Visconde de Tamandaré, desta-cou duas divisões para participarem da re-tomada de Corrientes. Sob o comando doAlmirante Francisco Manoel Barroso daSilva, as belonaves fundearam um poucoabaixo da reconquistada cidade argentina,próximo à foz do Riachuelo.

Ao raiar do dia 11 de junho de 1865, atranquilidade reinante não indicava aosnossos tripulantes que estava prestes a terinício um dos mais marcantes feitos da nos-sa história. O silêncio foi quebrado com oalarme de ‘inimigo à vista’, ao seremvisualizadas, pelos vigias, as primeiras uni-dades oponentes.

Conscientes da importância daquelaposição para a manutenção de seu esforçode campanha, os antagonistas lançaram-se em direção à nossa frota, visando rom-per a obstrução imposta naquela via deabastecimento. Assim, além de dispor deoito naus com seis barcaças artilhadas areboque, o oponente manteve tropas e ca-nhões ocultos ao longo da margem esquer-da do Paraná, no intuito de golpear nossosbarcos de forma ainda mais contundente.

Após o suspender imediato, Barrosodeterminou a disseminação de seu primeirosinal: ‘Bater o inimigo o mais próximo quecada um puder’. Principiava a batalha cujodesencadeamento iria registrar memoráveisproezas que enobrecem o nosso passado.Em seguida, determinou o hasteamento desua mais decisiva ordem: ‘O Brasil esperaque cada um cumpra o seu dever’.

Ao encontrar um opositor motivado ecom efetivo numericamente superior, foiiniciado um combate cruel, causando pe-sadas baixas a ambos os lados. Por voltadas 12 horas, o quadro tático se apresenta-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Desfile militar

va desanimador para os brasileiros: ascanhoneiras Jequitinhonha e Belmonteestavam encalhadas, e a Parnaíba foraabordada e dominada. Essa última tornou-se palco de emblemáticas demonstraçõesde amor à Pátria e dedicação incondicionalao serviço, com muitos lutando até a mor-te, destacando-se o Guarda-MarinhaGreenhalgh e o Imperial MarinheiroMarcílio Dias, que sacrificaram suas vidasdefendendo o Pavilhão Nacional.

Não obstante o porte das nossas em-barcações apresentar-se como fatorlimitador, em virtude das baixas profundi-dades na área de operações, Barroso, he-roicamente, se contrapôs a essa desvanta-gem ao lançar o seu capitânia, a FragataAmazonas, contra três unidades rivais euma chata, causando-lhes sérias avarias nomomento crucial em que o combate atingiao seu ponto culminante. Vislumbrando re-ais perspectivas de triunfo, ordenou o iça-mento de sua derradeira determinação: ‘Sus-tentar o fogo que a vitória é nossa’. Côns-cio de que a situação revertera e não lheera mais favorável, o contendor bateu emretirada.

Sem dúvida, os fatos ocorridos naquelabatalha honram a nossa memória, e os seusensinamentos e exemplos ainda nos acom-panham. Em que pese o quadro geopolíticoatual ser completamente distinto daquele

vivido no século XIX, perdura a certeza deque qualquer nação que pretenda ser livre,soberana e respeitada no contexto mundi-al deve dispor de Forças Armadas comcredibilidade, que inspirem confiança e se-jam capazes, não de agredir, mas de se im-por, como fator de dissuasão, mostrando-se aptas a enfrentar qualquer desafio.

Corroborando essa certeza, atingimosgrandes conquistas, ampliando o potenci-al da Marinha, sempre objetivando fazê-lamoderna, equilibrada e balanceada, dispon-do de meios compatíveis com o crescenteprestígio do País no cenário internacional;e que, em sintonia com os anseios da soci-edade, esteja permanentemente prontapara atuar em qualquer cenário e local ondesua presença se faça necessária.

Vivemos uma conjuntura invulgar. Apóso Presidente da República ter assinado aEstratégia Nacional de Defesa, no final de2008, está sendo encaminhado ao ministroda Defesa o nosso Plano de Equipamentoe Articulação, por meio do qual tenciona-se obter a plena capacitação, não só para ocumprimento das tarefas básicas do PoderNaval como para o atendimento, com efi-cácia, das atividades subsidiárias afetas àAutoridade Marítima, contribuindo para asalvaguarda dos recursos de nossa ‘Ama-zônia Azul’.

Mesmo sentindo os efeitos de uma criseeconômica de proporções globais, foi pos-sível manter os programas em andamento ealcançar algumas metas significativas. As-sim, foram recentemente incorporados à Ar-mada o Navio Polar Almirante Maximiano,o Navio de Desembarque de Carros de Com-bate Almirante Sabóia e o Navio de Assis-tência Hospitalar Tenente Maximiano; e estáprevista a prontificação de dois navios-pa-trulha de 500 toneladas classe Macaé, ten-do sido encerrado o processo licitatório paramais quatro deles. Finalmente, de importân-cia indiscutível, foi acordada, em dezembro

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

do ano passado, uma parceria com a Françapara a construção, no País, de quatro sub-marinos convencionais e um com propul-são nuclear, restringindo-se, neste últimocaso, à sua parte não-nuclear. Tal empreen-dimento trará significativos reflexos em vá-rios seguimentos de nossa indústria de de-fesa, em face do arrasto tecnológico que serágerado.

Persistem os trabalhos resultantes doPlano de Levantamento da Plataforma Con-tinental (Leplac), no sentido de apresentarà Comissão de Limites da ONU novos da-dos que respaldem a nossa posição quan-to às áreas pleiteadas além das 200 milhasnáuticas da Zona Econômica Exclusiva, quesofreram algum tipo de contestação porparte daquela Organização. O Leplac cres-ce em relevância ao se constatar a desco-berta de ricos campos de petróleo na ca-mada pré-sal, situados próximos aos limi-tes daquela Zona.

No setor de pessoal, o bem de maiorvalor de que dispomos, têm sido efetuadasamplas mudanças, ressaltando a ênfase nobem-estar social de todos. A preocupaçãocom os militares e civis que integram o nos-so efetivo e a reserva, além dos seus de-pendentes, busca a disponibilização de ummaterial humano motivado e apto a supe-rar os óbices que surjam no dia a dia.

Meus comandados!Ao comemorarmos a nossa Data Mag-

na, afianço-lhes que todos os esforços es-tão sendo envidados para que possamosalcançar a Marinha de que o País necessitae que a possibilidade de lograrmos êxitonessa empreitada será tão mais factível quan-to assim o forem a união, a determinação e aharmonia dos diversos setores, não só danossa instituição, mas também da socieda-de brasileira. Que as mesmas fé, honra e co-ragem que nos conduziram à vitória emRiachuelo sirvam de incentivo para forjar-mos uma Nação livre, justa e soberana.”

CERIMÔNIA NO CONGRESSONACIONAL

O Congresso Nacional comemorou aData Magna da Marinha durante a 10a Ses-são Conjunta Solene, realizada no Plenáriodo Senado Federal, sob o lema “Protegen-do nossas águas”. A cerimônia contou coma participação de parlamentares, oficiais-generais da Marinha, Exército e Aeronáuti-ca, adidos navais de Angola, Indonésia,Irã e Guatemala, e oficiais e praças da Ma-rinha do Brasil.

Data Magna da Marinha é celebrada noCongresso Nacional

O deputado federal Odair Cunha presi-diu a mesa e conduziu os trabalhos de aber-tura da solenidade. Também compuseram amesa: o senador José Nery, signatário dasessão; o deputado federal Colbert Martins;o comandante da Marinha, Almirante deEsquadra Julio Soares de Moura Neto; ochefe do Estado-Maior da Defesa, Almiran-te de Esquadra João Afonso Prado Maia deFaria; o chefe do Estado-Maior da Armada,Almirante de Esquadra Aurélio Ribeiro daSilva Filho; o comandante da Aeronáutica,Tenente-Brigadeiro do Ar Juniti Saito; e ochefe do Estado-Maior do Exército, Generalde Exército Darke Nunes de Figueiredo.

No início da sessão, a Banda dos Fuzi-leiros Navais executou o Hino NacionalBrasileiro. Em seguida, o deputado ColbertMartins convidou todos os presentes a

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Plenário

prestar reverência, com um minuto de si-lêncio, aos passageiros mortos no aciden-te do Airbus, voo 447, da Air France.

Treze oradores discursaram, sendo unâ-nimes em destacar as vitoriosas estratégi-as de guerra durante a Batalha Naval doRiachuelo e, na atualidade, a importânciadas missões militares humanitárias, dos

projetos científicos da Marinha e, princi-palmente, exaltar os esforços empregadosno resgate dos corpos e destroços do aci-dente aéreo.

Segundo o deputado Rollemberg, asForças Armadas brasileiras, em especial aMarinha do Brasil, encontram-se em des-taque no cenário mundial. A deputadaEmília destacou os heroicos feitos da Ma-rinha pela pátria, afirmando que as pesqui-sas em tecnologia nuclear precisam serapoiadas pelo Congresso. Na opinião dosenador Marcelo Crivella, a melhor home-nagem que se pode prestar às Forças Ar-madas é votar as leis e aprovar medidasque destinem mais recursos e colaboremcom o crescimento das instituições milita-res. “Assegurar os recursos financeirospara as Forças Armadas é defender a sobe-rania do Brasil”, afirmou o senador.

A Diretoria do Patrimônio Histórico eDocumentação da Marinha (DPHDM) com-pletou, em 8 de junho último, seu 66o aniver-sário. O diretor da DPHDM, Vice-AlmiranteArmando de Senna Bittencourt, expediu aseguinte Ordem do Dia alusiva à data:

“Em 8 de junho de 1943, a Marinha re-solveu fundir a Biblioteca da Marinha, oArquivo da Marinha, o Departamento deHistória Marítima e Naval e a Revista Marí-tima Brasileira e criar o Serviço de Docu-mentação da Marinha, que desde julho de2008 se denomina Diretoria do PatrimônioHistórico e Documentação da Marinha(DPHDM).

Cabe à DPHDM preservar e divulgar opatrimônio histórico e a memória da Mari-nha, contribuindo para o desenvolvimen-to da consciência marítima brasileira. Issoprecisa ser realizado com qualidade com-patível, em criatividade e originalidade, como melhor padrão internacional. Esta meta

ANIVERSÁRIO DA DPHDM

deve ser perseguida e acredito que foialcançada durante o 65o ano de existênciada DPHDM.

Graças à cooperação e competência deseus excelentes servidores civis e milita-res, a DPHDM vem apresentando resulta-dos notáveis. Durante o ano anterior, des-tacaram-se:

– a restauração da galeota de D. JoãoVI, concluída em novembro;

– a realização do Congresso Mundialde Museus Militares do Comitê Internaci-onal dos Museus e das Coleção de Armase de História Militar (Icomam Rio 2008), noRio de Janeiro, em agosto;

– a exposição conjunta com o Museuda Marinha de Portugal “O Império que Veiodo Mar”, de agosto de 2008 a março de2009, nas salas de exposições temporáriasdo Museu Naval, participando das come-morações do bicentenário da chegada daFamília Real Portuguesa, em 1808;

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– a realização do seminário comemorati-vo do bicentenário do Visconde de Inhaúmano Instituto Histórico e Geográfico Brasi-leiro (IHGB), em outubro;

– o evento “Uma Noite no Museu Na-val”, em abril de 2008, em agradecimento atodos que têm patrocinado e ajudado asatividades do complexo cultural;

– a continuação das atividades educa-cionais, que atraíram cerca de 40 mil crian-ças e jovens em visitas programadas porturmas escolares;

– a continuação do passeio marítimo noRebocador Laurindo Pitta, que realizou450 viagens no ano de 2008;

– a manutenção dos serviços ofereci-dos ao público, por meio das exposiçõesprincipais, visita aos navios e helicóptero-museu, do acesso à Biblioteca e ao Arqui-

vo da Marinha, que foram visitados pormais de 200 mil pessoas durante 2008;

– e a realização de obras para a recu-peração do patrimônio, como: a reformado telhado e calhas do Museu Naval, adocagem do Navio-Museu Bauru e a con-tinuação da grande obra de substituiçãodas fundações do Espaço Cultural daMarinha.

Para manter o padrão já alcançado e pro-gredir para resultados ainda mais notáveisdo que esses, é necessário que os servido-res da DPHDM se dediquem com empenhoe criatividade e aprimorem continuamenteseus conhecimentos, aproveitando as opor-tunidades para progredir.

Parabéns Diretoria do Patrimônio His-tórico e Documentação da Marinha!.”

(Fonte: Bono no 396, de 8/6/2009)

O Congresso Nacional realizou, em 7 demaio último, sessão solene para celebraros 50 anos da assinatura do Tratado An-tártico. O documento, firmado em 1o de de-zembro de 1959 por 12 países para explora-ção científica do continente Antártico, foiassinado pelo Brasil em 1982.

Os senadores ressaltaram aimportância da missão brasileirana Antártica para o desenvolvi-mento científico nacional, comespecial menção para os esforçosdos pesquisadores e da Marinha.

O presidente do Senado, JoséSarney, disse que a missão bra-sileira comprova o avanço cien-tífico do País. Os senadores Sér-gio Zambiasi (PTB-RS) e SerysSlhessarenko (PT-MT) lembra-ram que as pesquisas desenvol-vidas no continente gelado po-

CONGRESSO COMEMORA 50 ANOSDO TRATADO ANTÁRTICO

dem contribuir para o conhecimento sobreas mudanças climáticas. No mesmo sentido,disse o Senador Renato Casagrande (PSB-ES): “O conhecimento do que ocorre com oclima na Antártica e no planeta exige um novomodelo de desenvolvimento econômico”.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Presidente da Frente Parlamentar Pró-Antártica, o Senador Cristóvam Buarque(PDT-DF) disse que a missão brasileira naAntártica é motivo de orgulho para todobrasileiro. Presente à homenagem, o minis-tro do Meio Ambiente, Carlos Minc, res-saltou o papel das Forças Armadas na de-fesa do meio ambiente e dos recursos na-turais do Brasil. “Nosso povo conhecepouco a Antártica e o trabalho que nossospesquisadores e a Marinha têm feito e queé importante para o Brasil e para o mundo”,declarou o ministro.

Também mereceram destaque por sena-dores e pelo ministro o caráter pacífico, ci-entífico e internacional do Tratado Antár-tico e a colaboração dos diversos paísesenvolvidos.

Participaram, ainda, da sessão o chefedo Estado-Maior da Armada, Almirante deEsquadra Aurélio Ribeiro da Silva Filho; oGeneral Mauro Mateus de PaulaMadureira, e o ministro do Tribunal Supe-rior Militar, Flávio Flores da CunhaBierrenbach. (Fontes: www.mar.mil.br,www.defesanet.com.br e Agência Senado)

Foi comemorado, em 8 de maio último, oDia da Vitória, que marcou o fim da Segun-da Guerra Mundial. Para lembrar a data, oministro de Estado da Defesa, Nelson Aze-vedo Jobim, emitiu a seguinte Ordem doDia:

“8 de maio de 1945. Terminara a Segun-da Guerra Mundial. Nova era começarapara uma parte significativa da humanida-de. Mais de 30 milhões de pessoas sofre-ram as privações e os horrores da guerra.

Hoje celebramos a vitória da paz, da de-mocracia, da liberdade, do progresso, doamor ao próximo, do bom senso e dajustiça. A sociedade brasileira foi parceiradessas vitórias. Os combatentes da ForçaExpedicionária Brasileira – FEB – lutaramcom bravura para escrever as heroicas pá-ginas de Monte Castelo, Montese,Fornovo, Castelnuovo, Camaiore e outrasmais.

Os pracinhas brasileiros superaram adefasagem tecnológica, o clima adverso e oterreno desconhecido e desfavorável commuita coragem, inteligência e a principal for-ça do combatente naquela situação – o va-lor moral –, que posso resumir na vontadefirme, na consciência de que ali representa-vam sua Pátria e que lutavam pela liberdade.

DIA DA VITÓRIA

8 de maio de 2009. Dia da Vitória. Dia dereverenciar aqueles bravos que tombaramem solo europeu, os pracinhas que já parti-ram para uma nova vida e esses heróis daFEB que ainda nos brindam com a sua pre-sença, seus exemplos e suas demonstra-ções inequívocas de patriotismo.

Precisamos lembrar que a Marinha doBrasil, além de patrulhar nossa extensa cos-ta, singrou o Atlântico com seus navios,participando da escolta de mais de 250 com-boios, entre o Rio de Janeiro e Trinidad. Édia de lembrar que a Força Aérea Brasileiraescreveu páginas heroicas nos céus da Itá-lia, onde sempre esteve ‘sentando a pua’.

O Ministério da Defesa, consciente desuas responsabilidades para com a históriado Brasil, aliou-se às instituições nacionaisque lutam pela preservação histórica dosfeitos de nossos marinheiros, soldados eaviadores na Segunda Guerra Mundial. Como Decreto no 5.023, de março de 2004, criou aMedalha da Vitória. Ela representa o reco-nhecimento à atuação do Brasil em defesada liberdade e da paz mundial.

Anualmente, no Monumento Nacional aosMortos da Segunda Guerra Mundial, no Riode Janeiro, reverenciamos nossos heróis eagraciamos militares e civis brasileiros e es-

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trangeiros que tenham contribuído para a di-fusão dos feitos da FEB e dos demais comba-tentes brasileiros. São pessoas que entende-

ram o que é voar nas asas de um ideal buscan-do sempre a glória do nosso Brasil.”

(Fonte: Bono Especial no 317, de 7/5/2009)

Foi comemorado, em 29 de maio último,o Dia Internacional dos Mantenedores daPaz. A seguir, transcrevemos as Ordens doDia do ministro de Estado da Defesa, Nel-son Azevedo Jobim, e do comandante deOperações Navais, Almirante de EsquadraÁlvaro Luiz Pinto, relativas à data.

ORDEM DO DIA DO MINISTRO DADEFESA

“29 de maio de 1948. O Conselho de Se-gurança da Organização das Nações Uni-das (ONU) autorizou, pela primeira vez, oestabelecimento de uma Operação de Ma-nutenção da Paz.

A mobilização se deu na Palestina, apóso cessar-fogo da guerra árabe-israelense.Iniciava-se a busca de soluções pacíficaspara os conflitos internacionais. Em 2003,como parte das comemorações do 55o ani-versário de criação da ONU, foi assinada aResolução no 57/129, instituindo o dia 29de maio como o Dia Internacional dosPeacekeepers.

É uma forma singela de homenagear,anualmente, todos os homens e mulheresque serviram e continuam servindo emOperações de Manutenção da Paz.

É o dia de destacar o alto nível deprofissionalismo de seus integrantes, deagradecer a dedicação e a coragem no cum-primento das missões e de honrar a memó-ria daqueles que perderam suas vidas emprol da paz.

O Ministério da Defesa, em 2007, enten-deu a grandeza do evento. Decidiu se as-sociar às comemorações anuais e, em 12 de

DIA INTERNACIONAL DOS MANTENEDORES DA PAZ

setembro, emitiu a Diretriz Ministerial no

015/2007, regulando as cerimônias alusi-vas à data nos Comandos da Marinha, doExército e da Aeronáutica.

Os militares de nossas três Forças Ar-madas têm integrado missões de paz emregiões conturbadas dos cinco continen-tes. Devemos olhar esse fato como umaclara indicação do grau de responsabilida-de que o País deseja assumir nos assuntosafetos à paz e à segurança mundial.

O valor individual do militar brasileiro, jádemonstrado em operações de guerra, é evi-denciado durante a sua participação nas mis-sões de paz sob a égide da ONU. As citaçõese referências elogiosas formuladas pelos al-tos escalões das organizações às quais nos-sos contingentes estiveram ou estão subor-dinados atestam o valor do soldado do Bra-sil, sua competência profissional, serenida-de, firmeza, imparcialidade, determinação ecoragem no cumprimento do dever.

O Brasil é parceiro desde 1956, quandointegrou as tropas enviadas para Suez, noEgito.

Os brasileiros estiveram em Moçambique,em Angola, na República Dominicana, noTimor Leste e, hoje, lideram o efetivo empre-gado na Minustah, no Haiti, que recente-mente visitei e de onde retornei orgulhosode tudo que presenciei e ouvi dos brasilei-ros e das autoridades locais visitadas.

Ressalto que da participação de nossasForças Armadas e, também, das nossasForças Auxiliares em missões de manuten-ção da paz decorrem reais benefícios parasua profissionalização, seu adestramentoe reequipamento.

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São estes fatores fundamentais para quese mantenha um bom nível de aprestamento,além de permitir um intercâmbio de vivências,conhecimentos, experiências e o salutar cul-tivo da camaradagem.

Encerro minhas palavras e me dirijo di-retamente aos mantenedores da paz de on-tem e de hoje para agradecer pelo sacrifí-cio, pela ausência do lar, pelo orgulho comque representaram e representam o Brasil.

Escreveram, escrevem e escreverão pá-ginas históricas, algumas heroicas, sem-pre deixando o verde-amarelo de nossaBandeira nas mentes daqueles que tiverama honra e o prazer de conviver com o sol-dado brasileiro.

Parabéns a todos!”

ORDEM DO DIA DO COMANDANTEDE OPERAÇÕES NAVAIS

“A data de 29 de maio foi instituída comosendo o Dia Internacional dos Mantenedoresda Paz das Nações Unidas, simbolizando aretribuição aos militares, homens e mulherespela nobre missão de levar esperança a ou-tros povos e o culto à memória daqueles queperderam suas vidas quando contribuíramna intermediação necessária para que se al-cançasse a paz nas mais diversas regiões emconflito.

A Organização das Nações Unidas (ONU)é uma instituição internacional, fundada apósa Segunda Guerra Mundial para preservar asegurança dos países, fomentar relações cor-diais entre as nações, promover progressosocial, criar melhores condições de vida eassegurar os direitos humanos. O empregode tropas aumentou, consequentemente, suaparticipação em número, alcance e complexi-dade. Este século, rico em diferenças políti-co-sociais, tem exigido vigilância permanen-te para que não sejam iniciadas guerras e hajatambém a manutenção da paz em regiões con-turbadas.

O Brasil tem um histórico de sucessoneste tipo de operação. A experiência daMarinha do Brasil em missões começou em1965, sob o controle da Organização dosEstados Americanos (OEA), quando umaparcela do setor operativo foi convocadapara contribuir com a solução de um pro-blema militar em Santo Domingo, Repúbli-ca Dominicana. Na época, atuou em con-junto com tropas do Exército Brasileiro edo Corpo de Fuzileiros Navais norte-ame-ricanos, formando a Força Interamericanada Paz, a Faibras. No decorrer dos anos,vem participando ativamente, enviando mi-litares para atuarem como observadores in-tegrando os Estados-Maiores das Missõesde Paz, a serviço do componente militar doDepartment of Peacekeeping Operations(DPKO).

Buscando inspiração em um gloriosopassado, atualmente o País lidera o con-tingente da ONU no Haiti. Nossos milita-res, superando dificuldades e preocupa-ções decorrentes do afastamento dosseus lares, enfrentam um ambienteoperacional desconhecido, conscientesde estarem zelando pelo bem comum. Fa-zer com que se colabore no processo di-plomático e no restabelecimento da or-dem social, numa demonstração de espí-rito de sacrifício, profissionalismo e em-penho daqueles que, com conduta exem-plar, servem aos interesses da Pátria,onde quer que se faça necessário, temsido a silenciosa missão dos nossos ‘ca-pacetes azuis’.

No momento em que se comemora tãorelevante data, apresento os meus cumpri-mentos a todos os marinheiros e fuzileirospelo trabalho realizado, que a cada dia rea-firma a credibilidade do nosso Brasil noconcerto das nações.

Bravo Zulu!”(Fontes: Bono Especial no 369, de 28/5/

2009 e no 367, de 29/5/2009)

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Após 56 anos atendendo à comunidademarítima e ao público em geral, a CapitaniaFluvial da Amazônia Ocidental (CFAOC)inaugurou oficialmente, em 26 de marçoúltimo, a sua nova sede, na Rua Frei Josédos Inocentes no 36, no centro histórico deManaus, mesma região onde se situa oComando do 9o Distrito Naval.

A Capitania passou a atender ao públicona nova sede desde o dia 10 de março, eminstalações que oferecem à comunidadeaquaviária, aos seus representantes e ao pú-blico em geral um ambiente amplo e confortá-vel, elevando a qualidade do atendimento.

O comandante deOperações Navais,Almirante de Esqua-dra Álvaro Luiz Pin-to, presidiu a cerimô-nia. O comandantedo 9o DN, Vice-Almi-rante Pedro Fava, ex-pediu a seguinte Or-dem do Dia sobre ainauguração:

“A Capitania Flu-vial da Amazônia Ocidental (CFAOC), cria-da em 18 de novembro de 1874, sob o nomede Capitania dos Portos do Estado do Ama-zonas, é a Organização Militar subordinadaao Comando do 9o Distrito Naval que temcomo propósito contribuir para a supervi-são das atividades relativas à Marinha Mer-cante e organizações correlatas no que serefere à segurança da navegação e à segu-rança nacional.

Para a consecução de sua missão, aolongo de sua história a CFAOC necessitouser ampliada. Neste contexto, criaram-seOrganizações Militares subordinadas àCFAOC, a fim de estender suas ações às

INAUGURAÇÃO DA NOVA SEDE DA CAPITANIA FLUVIAL DAAMAZÔNIA OCIDENTAL

demais vias navegáveis da Amazônia Oci-dental. Com exceção da região do AltoSolimões, cuja jurisdição é de responsabi-lidade da Capitania Fluvial de Tabatinga, aCapitania Fluvial da Amazônia Ocidental eas Organizações Militares diretamente su-bordinadas são responsáveis pelas ativi-dades de fiscalização do tráfego aquaviário,pelo ensino profissional marítimo e pelaprevenção da poluição hídrica, dentre ou-tras atribuições.

Assim, haja vista a quantidade de tare-fas atribuídas à CFAOC e sua área de juris-dição, abrangendo os estados Amazonas,

Acre, Rondônia eRoraima, foram cria-das a Delegacia Flu-vial de Porto Velho(1940) e as Agênci-as Fluviais deItacoatiara (1919),G u a j a r á - M i r i m(1950), Boca do Acre(1940), Eirunepé(1940), Tefé (1978) eParintins (1979),

com as mesmas tarefas, mas sob a supervi-são técnica e militar da CFAOC.

Em 1953, a Capitania Fluvial da Amazô-nia Ocidental se instalou na Rua Marquêsde Santa Cruz, no centro de Manaus, àsmargens do Rio Negro. Entretanto, pelo de-senvolvimento da região Amazônica, prin-cipalmente impulsionado pelo tráfego co-mercial criado a partir da instalação da ZonaFranca de Manaus, a CFAOC começou asentir a necessidade de um melhor espaçopara gerir sua administração. Essa necessi-dade se traduzia pela criação de um melhoratendimento ao público, de ampliação daárea destinada ao Ensino Profissional Marí-

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timo (EPM) e de um melhor gerenciamentode seu arquivo técnico, que possibilitasse orápido acesso aos dados das embarcações.

Após a instalação do Comando do 9o

Distrito Naval, na Ilha de São Vicente, ehavendo a possibilidade de agregação deterrenos nas proximidades, vislumbrou-sea possibilidade de construção da nova sedenessa região. Após negociações com a Pre-feitura Municipal de Manaus e com a Ad-ministração das Hidrovias da AmazôniaOcidental, foi cedido um terreno para oobjetivo desejado.

Tendo sido iniciada a obra em novem-bro de 2007, conclui-se hoje o pleno funci-onamento da CFAOC, já instalada em seunovo endereço.Com uma área totalconstruída de2.140m2, em três an-dares, seguindo oestilo arquitetônicodo secular edifíciodo Comando do 9o

Distrito Naval, elapassou a dispor deespaço moderno efuncional para oatendimento de to-das as suas necessidades.

Esse espaço conta com duas salas deaula destinadas ao Ensino Profissional Ma-rítimo, dispondo dos mais modernos recur-sos instrucionais, que interagem na relaçãoinstrutor/aluno e permitem a facilitação doaprendizado, por meio do ensinoandragógico. Também foi reestruturada aSala de Ensino à Distância, passando a es-tabelecer um sistema de ensino necessárioà grande demanda por cursos de formaçãode aquaviários na Amazônia Ocidental.

Nesta nova sede, foi criado um setor deatendimento ao público, com ampla moderni-zação das instalações, compostas por ambi-ente climatizado por ar condicionado central,

oito guichês de atendimento e um novo ar-quivo técnico que possibilitará o rápido aces-so às informações de embarcações. Foramativados sistemas informatizados, inclusivecom emprego da internet, voltados para oatendimento ao público, dados das embarca-ções e dos aquaviários.

As novas instalações da CFAOC tam-bém ganharam espaços adequados para osDepartamentos de Apoio e de Segurançado Tráfego Aquaviário, dando aos profis-sionais da área melhores condições de tra-balho. Para a tripulação e para os servido-res civis foram construídos alojamentoscom melhores condições de habitabilidadee conforto.

Além do novo edi-fício, a CFAOC tam-bém adquiriu mobili-ário moderno e cons-truiu, próximo aoheliponto do Coman-do do 9o Distrito Na-val, no setor Oeste daIlha de São Vicente,um atracadouro parapermitir o rápido aces-so de equipes da Ins-peção Naval às em-

barcações ali atracadas.Esta obra que ora se inaugura é resulta-

do do esforço coletivo de vários setoresda Marinha do Brasil, que possibilitaramrecursos para a consecução do projeto epara a efetivação das instalações.

Agradecemos ao comandante da Mari-nha, Almirante de Esquadra Julio Soaresde Moura Neto, pelo apoio nas ações des-te Distrito Naval visando à materializaçãode uma nova sede para a Capitania Fluvialda Amazônia Ocidental. Destacamos tam-bém o esforço empreendido pela Alta Ad-ministração Naval na busca pelos recursosdo Programa Calha Norte, principalfinanciador deste projeto.

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Agradecemos ainda o apoio recebidopor diversas instâncias do poder público eprivado e o esforço empreendido por to-das as pessoas que fazem destas instala-ções uma nova CFAOC. Em especial, agra-decemos à Prefeitura de Manaus, que ce-deu este terreno, por meio da Lei no 905, de13 de dezembro de 2005, dando início àmaterialização do nosso sonho de trazerpara a Ilha de São Vicente a sede da Capita-nia Fluvial da Amazônia Ocidental.

Agradecemos ao engenheiro civilEvailton Arantes do Nascimento, ex-oficialda Marinha do Brasil, pelo desenho do pro-jeto destas novas instalações. Agradecemosaos funcionários da Empresa Hebta Enge-nharia, que fizeram do projeto uma realidadee, em especial, ao engenheiro civil ReinaldoHaysden, pela orientação de seus funcio-nários e pela pronta atenção com que de-senvolveu as obras, sempre disposto a acei-tar opiniões e modificações sugeridas du-rante o período da construção.

Agradecemos a todos os integrantes daCapitania Fluvial da Amazônia Ocidental,que acreditaram no projeto, opinaram nosdesenhos, sugeriram modificações, fiscali-zaram as obras e realizaram a mudança dosarquivos das antigas instalações. Esta obraé de vocês, a quem cabe tirar o melhor pro-veito e preservá-la.

Agradeço aos Capitães de Mar e GuerraMilton José Couto Prado, ex-capitão dosportos, que se empenhou para o início da

construção, e Dennis Teixeira de Jesus, atu-al capitão dos portos, sempre presente nacoordenação das obras e no processo detransferência da sede.

Agradecemos também a todas as auto-ridades civis e militares presentes nestacerimônia, testemunhas da evolução dasobras, que contribuíram para sua realiza-ção e hoje observam a sua inauguração.

Por fim, agradecemos ao Almirante deEsquadra Álvaro Luiz Pinto, comandantede Operações Navais, que nos enche deorgulho com sua presença e nos prestigiafazendo parte desta história.

Esta sede da Capitania Fluvial da Ama-zônia Ocidental que ora inauguramos é re-sultado de um sonho coletivo que clamavapelo atendimento de instalações adequadaspara o melhor exercício das atividades destaimportante Organização Militar, que ajuda agarantir a soberania do Estado brasileiro nasvias navegáveis de nossa Amazônia.

A todos os militares e civis que presen-ciam esta inauguração e, principalmente, atodos aqueles que contribuíram para a rea-lização deste ato, exorto-os a se orgulha-rem. Esta realização é de cada um de vocês.Encham o peito e sintam o pleno prazer darealização permissível apenas àqueles queviveram grandes histórias.

Bravo Zulu!”(Fontes: Bono no 192, de 25/3/

2009; Bono Especial no 197, de 26/3/2009; ewww.mar.mil.br)

Em cerimônia presidida pelo Subchefede Organização e Assuntos Marítimos doComando de Operações Navais, foi incor-porado à Marinha do Brasil, em 21de maioúltimo, na cidade de Falmouth, Reino Uni-do, o Navio de Desembarque de Carros deCombate (NDCC) Almirante Saboia. O co-

INCORPORAÇÃO DO NDCC ALMIRANTE SABOIA

mando do navio foi assumido pelo Capitãode Mar e Guerra Oscar Moreira da SilvaFilho.

O NDCC Almirante Saboia será empre-gado no transporte de tropa e carga emoperações anfíbias, ribeirinhas e de apoiologístico móvel. Por ocasião dessas opera-

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ções, poderá executar transbordos de pes-soal, movimento navio-terra por superfícieou helitransportado, abicagens e operaçõesaéreas, bem como lançamentos e recolhi-mentos de carros-lagarta anfíbios.

As principais características do novonavio são: 137,51 m de comprimento total;123,98 m de comprimento entre perpendicu-lares; boca moldada de 17,68 m; boca máxi-ma de 18,30 m; calado carregado de 4,50 m;deslocamento carregado de 6.748 t; deslo-camento leve de 4.983 t; sistema de propul-são com dois motores Wartisila diesel Tipo12 SW 280 (3.600 kW, 900 rpm cada e 12cilindros) e um bow-thruster Brunvoll ModelNorway; geração de energia por quatro gru-pos motor-gerador e um diesel gerador deemergência de 400 kW, quatro motoresRuston 6RK215 de 974kW e quatro gerado-res A. van Kaick 930 kW (440 V, trifásico, 60Hz, 900 rpm); velocidade máxima mantida de17 nós; velocidade econômica de cruzeirode 14 nós; raio de ação de 9.200 MN a 15nós; tripulação de 54 militares; armamentode dois MTR Gamb-O1; e dois conveses devoo (convoo) – convoo de ré (operação comaeronaves do porte do Superpuma ou SeaKing) e convoo a meio-navio (operação comaeronaves do porte do Chinook CH-47C).

Abaixo, a Ordem do Dia do chefe doEstado-Maior da Armada, Almirante de Es-quadra Aurélio Ribeiro da Silva Filho, refe-rente à incorporação do navio:

“Em cumprimento ao disposto na Porta-ria no 105, de 23 de março de 2009, do Co-mandante da Marinha, e conforme previs-to no artigo 1-3-1 da Ordenança-Geral parao Serviço da Armada, realiza-se, na presen-te data, a Mostra de Armamento do Naviode Desembarque de Carros de CombateAlmirante Saboia.

O ex-Royal Fleet Auxiliary (RFA) SirBedivere, um navio logístico e de desem-barque, desde seu lançamento ao mar, em1967, desempenhou suas tarefas em diver-sas operações navais inglesas, tendo parti-cipado de seu primeiro combate na Guerradas Malvinas, em 1982, juntamente com osdemais navios anfíbios da Royal Navy. Noperíodo de 1994 a 1998, sofreu uma moder-nização para extensão da sua vida útil. Em18 de fevereiro de 2008, foi descomissionado,passando para a Reserva Naval. A partir denovembro deste mesmo ano, após a assina-tura do Sales Agreement, entre a Marinhado Brasil e o Ministério da Defesa do ReinoUnido, o navio iniciou um período dereativação, realizando um extenso programade manutenção em seus sistemas e de trei-namento da tripulação, visando ao seu re-torno à vida operativa no mar.

Com esta aquisição de oportunidade, anossa Força passa a contar com o, agora,Navio de Desembarque de Carros de Com-bate Almirante Saboia, o G-25, primeironavio da Marinha do Brasil a ter a honra deostentar este nome. Sua incorporação à Ar-mada dotará a Esquadra brasileira de maisum meio operativo capaz de contribuir paraa versatilidade, mobilidade e capacidade depermanência do nosso Poder Naval, devidoàs características que permitem seu empre-go no transporte de tropas e material paraáreas distantes e em operações anfíbias.

O momento que hoje presenciamos re-veste-se de dupla importância: primeiramen-te, a oportunidade de dar continuidade aoPrograma de Reaparelhamento da Marinha,

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processo árduo, complexo e de alta priori-dade para o Almirantado, e, também, achance de prestar justa homenagem a umdestacado e ilustre chefe naval: o Almiran-te de Esquadra Henrique Saboia.

Nascido em Sobral, estado do Ceará, a20 de setembro de 1925, ingressou na Es-cola Naval em 1943, sendo declarado guar-da-marinha em 1947. Desde então, mostrouespecial entusiasmo pelas matérias ligadasao armamento e à balística, tendo concluí-do o Curso de Especialização de Armamen-to para Oficiais em 1o lugar, com distinção,o que lhe valeu, como prêmio, mais umaviagem de instrução para guardas-marinha,no Navio-Escola Duque de Caxias.

Em sua carreira, exerceu diversas funçõesoperativas a bordo de navios e de organiza-ções militares de terra, destacando-se oscargos de comandante dos Contratorpe-deiros Benevente e Pará, durante os quaisrealizou vários exercícios com a Esquadra einúmeras patrulhas ao largo de toda a costabrasileira; capitão dos portos do EspíritoSanto e do Rio de Janeiro; imediato do Na-vio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais; co-mandante do Navio-Escola Custódio deMello, contribuindo para a formação de maisuma turma de oficiais; e chefe do Estado-Maior da Força de Transporte.

Concluiu, também em 1o lugar, o Cursode Comando e Estado-Maior, tendo sidoindicado para o Curso de Comando Navalpara Oficiais Estrangeiros no Naval WarCollege, em Newport, Estados Unidos.

Atingiu o posto de contra-almirante em31 de março de 1975, sendo promovido avice-almirante em 31 de março de 1979 e aalmirante de esquadra em 25 de novembrode 1983. Assumiu, sucessivamente, a Dire-toria do Pessoal Militar da Marinha, a Es-cola de Guerra Naval, a Diretoria de Portose Costas, o Comando do 1o Distrito Naval eo Comando em Chefe da Esquadra. Comoalmirante de esquadra, foi diretor-geral do

Pessoal da Marinha e exerceu o cargo deministro da Marinha, no período de 15 demarço de 1985 a 15 de março de 1990.

Nesse período, inúmeras foram suas re-alizações: na área política, deu continuida-de aos projetos de construção do reator depesquisa na Universidade do Estado de SãoPaulo e de enriquecimento de urânio emAramar, conforme a meta da Marinha dedominar a propulsão nuclear; na área fi-nanceira, incluiu a nossa Força na partici-pação dos lucros da exploração do petró-leo na plataforma continental, o que asse-gurou uma nova fonte de recursos desti-nada à renovação permanente dos meiosnavais; na área do material, deu prossegui-mento ao programa de construção navalno Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro,o que viabilizou, em sua gestão, a incorpo-ração do Navio-Escola Brasil e da CorvetaInhaúma, o lançamento ao mar da CorvetaJaceguai e o início da construção dos sub-marinos Tamoio, Timbira e Tapajó.

Assinou, ainda, contratos com estalei-ros privados para a construção das corvetasJúlio de Noronha e Frontin, do Navio-Tan-que Almirante Gastão Motta e dos Navios-Patrulha Graúna e Goiana, dando início auma nova estratégia de fortalecimento daindústria naval brasileira. Adquiriu, nos Es-tados Unidos, os contratorpedeiros Pará,Paraíba, Paraná e Pernambuco, além dosnavios de desembarque-doca Ceará e Riode Janeiro. Aproveitando a oportunidadedaquele momento, também adquiriu e incor-porou o Navio de Socorro SubmarinoFelinto Perry, os navios oceanográficosAntares e Almirante Álvaro Alberto e osrebocadores de alto-mar Tritão, Tridente eTriunfo; encomendou, ainda, mais de 30helicópteros, dos modelos Esquilo, SuperPuma e Bell Jet Ranger. Sua atuação dinâmi-ca à frente da pasta da Marinha resultounum incremento significativo dos meiosoperativos de nossa Esquadra.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O Almirante-de-Esquadra HenriqueSaboia faleceu em 12 de março de 2005,deixando um importante legado, graças àdedicação pessoal, visão arrojada, espíritoempreendedor e atividades marcantes aolongo de sua carreira.

Neste momento solene, com orgulho,expresso ao comandante, oficialidade eguarnição do NDCC Almirante Saboiavotos de felicidades em suas futurassingraduras e de pleno êxito em sua nobree relevante missão. Sejam dedicados, pro-fissionais e extremamente zelosos com essebelo patrimônio que lhes é entregue pelaNação brasileira e, acima de tudo, sigam oexemplo de seriedade, denodo, patriotis-mo e destemor daqueles que honram e de-fendem o Pavilhão Nacional que, de agoraem diante, tremulará em seu mastro princi-pal. Lembrem-se que o mar, com seu labordiuturno, está sempre a indicar o valor dos

navios, dos marinheiros, da cultura e dastradições navais para os destinos do Bra-sil como país livre e soberano, orgulhosodo passado e confiante no futuro.

Congratulo-me, pois, com os tripulantesdeste navio, exortando-os a manterem sem-pre presentes os mais distintos valores eprincípios próprios dos homens do mar, con-victo de que a atual e as futuras tripulaçõesdo NDCC Almirante Saboia empenhar-se-ão com afinco em todas as comissões quelhe forem atribuídas, para obter um desem-penho operativo à altura do insigne mari-nheiro cujo nome está gravado no seu es-pelho de popa, a quem rendemos, como tri-buto, todo nosso respeito e admiração.

NDCC Almirante Saboia, bons ventose mares tranquilos!”

(Fontes: https://www.mar.mil.br e Bonono 344, de 19/5/20009, Bono Especial no 348,de 21/5/2009)

– Contra-Almirante Sergio RobertoFernandes dos Santos, diretor de ObrasCivis da Marinha, em 26 de março;

– Vice-Almirante José GeraldoFernandes Nunes, comandante do 9º Dis-trito Naval, em 27 de março;

– Contra-Almirante Bernardo JoséPierantoni Gambôa, presidente da Comis-são Desportiva Militar do Brasil, em 2 deabril;

– Contra-Almirante José Luiz RibeiroFilho, subchefe de Organização do Esta-do-Maior da Armada, em 7 de abril;

– Contra-Almirante Cesar Sidonio DahiaMoreira de Souza, comandante da 1a Divi-são da Esquadra, em 8 de abril;

– Contra-Almirante (Md) Sérgio Perei-ra, diretor do Centro de Medicina Operativada Marinha, em 15 de abril;

– Contra-Almirante (FN) Nelio deAlmeida, chefe do Estado-Maior do Co-

ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES

mando da Força de Fuzileiros da Esquadra,em 15 de abril;

– Contra-Almirante (FN) Paulo MartinoZuccaro, subchefe de Comando e Controledo Estado-Maior de Defesa, em 16 de abril;

– Vice-Almirante Pedro Fava, diretor deSistemas de Armas da Marinha, em 17 deabril;

– Contra-Almirante (IM) HelioMourinho Garcia Junior, presidente da Cai-xa de Construções de Casas para o Pesso-al da Marinha, em 17 de abril;

– Contra-Almirante (FN) Jorge MendesBentinho, comandante da Tropa de Refor-ço, em 22 de abril;

– Vice-Almirante Arnaldo de MesquitaBittencourt Filho, comandante do 8o Distri-to Naval, em 24 de abril;

– Contra-Almirante (FN) WashingtonGomes da Luz Filho, comandante do Mate-rial de Fuzileiros Navais, em 28 de abril;

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Foram promovidos por decreto presi-dencial, contando antiguidade a partir de31 de março de 2009, os seguintes oficiais.

– No Corpo da Armada: ao posto deContra-Almirante, o Capitão de Mar e Guer-ra José Luiz Ribeiro Filho.

– No Corpo de Fuzileiros Navais: aoposto de Vice-Almirante, o Contra-Almiran-te Carlos Alfredo Vicente Leitão; ao postode Contra-Almirante, os Capitães de Mar e

PROMOÇÃO DE ALMIRANTES

– Vice-Almirante Terenilton Sousa San-tos, diretor de Ensino da Marinha, em 29de abril;

– Contra-Almirante (FN) Fernando An-tonio de Siqueira Ribeiro, comandante daDivisão Anfíbia, em 30 de abril;

– Vice-Almirante (FN) Carlos AlfredoVicente Leitão, comandante da Força deFuzileiros da Esquadra, em 7 de maio; e

– Contra-Almirante Paulo Mauricio Fa-rias Alves, chefe do Estado-Maior da Es-quadra, em 11 de maio.

Guerra Nélio de Almeida e Paulo MartinoZuccaro.

– No Corpo de Intendentes da Marinha:ao posto de Vice-Almirante, o Contra-Al-mirante Indalecio Castilho Villa Alvarez; aoposto de Contra-Almirante, o Capitão deMar e Guerra Helio Mourinho Garcia Junior.

– No Corpo de Saúde da Marinha: aoposto de Contra-Almirante, o Capitão deMar e Guerra Sérgio Pereira.

Foi realizada em 27 de maio último, nopíer do Marina Park Hotel, Praia de Iracema– Fortaleza (CE), a cerimônia de recebimen-to e transferência para o Setor Operativodo Aviso de Patrulha (AviPa) Barracuda.Desde então, o navio está subordinado aoComando do 3o Distrito Naval (Natal).

A cerimônia foi presidida pelo diretor-geral do Material da Marinha, Almirante deEsquadra Marcus Vinicius Oliveira dosSantos.

RECEBIMENTO DO AviPa BARRACUDA

A Revista de Marinha, de Portugal, pu-blicou, em sua edição de abril/maio desteano, o artigo intitulado “Acordo Brasil-Fran-ça para a construção de submarinos”, deautoria do Contra-Almirante (RM1) JoséEduardo Borges de Souza, da Marinha doBrasil.

ACORDO BRASIL-FRANÇA

No texto, o oficial defende a adoção desubmarinos de maior autonomia pela Mari-nha, argumentando que “é possível preverque o Brasil poderá vir a ser o foco da ten-são mundial quando da exacerbação des-ses quatro fatores de crise [energia, água,alimentos e setor ambiental].”

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Analisando o potencial brasileiro nes-sas áreas, o autor observa que o caminhopara a concretização do projeto e constru-ção de um submarino de propulsão nucle-ar seria demasiadamente longo e sugere,como “solução exequível”, a associação daconstrução naval brasileira com países dis-postos a transferir a tecnologia de cons-trução de cascos preparados para receberreatores nucleares. Nesse sentido, cita osentendimentos iniciados com a Rússia e aFrança, especialmente esta última.

“Um fator preponderante na escolha daFrança como parceira e do Scorpéne comonosso submarino está na forma do casco,que se assemelha àquela empregada emmeios com propulsão nuclear, e nos siste-mas incorporados, se não iguais, pelo me-nos semelhantes aos em uso em submari-nos nucleares franceses, o que facilitariaem muito o processo de transição do sub-marino convencional para um submarinode propulsão nuclear no que tange ao pro-jeto e construção”, diz o contra-almirante.

O jornal A Gazeta Mercantil noticiouque o governo federal encomendou 3.300embarcações para uso no transporte esco-lar, principalmente na região amazônica eno litoral. A compra faz parte do ProgramaCaminho da Escola, administrado pelo Fun-do Nacional de Desenvolvimento da Edu-cação (FNDE), autarquia ligada ao Minis-tério da Educação.

De acordo com José Carlos WanderleyDias de Freitas, diretor de administração etecnologia do FNDE, o governo já contacom recursos de R$ 100 milhões para in-vestir no projeto neste ano.

Os primeiros barcos serão entregues atédezembro. O primeiro modelo de embarca-ção é uma adaptação das Lanchas de AçãoRápida (LAR), utilizadas pela Marinha paraserviços na Amazônia.

Com capacidade para 16 alunos, as lanchasserão destinadas a populações ribeirinhas oumoradores de ilhas no litoral, que precisam detransportes curtos e rápidos. O valor final decada embarcação ainda não foi definido.

Além disso, o governo projeta a cons-trução de 300 barcos catamarãs. Eles teri-am capacidade para até 35 alunos e tam-bém serviriam de escola, em casos de en-chentes. Com um grande convés, os

MARINHA CONSTRUIRÁ 3.300 LANCHASPARA ESTUDANTES

catamarãs poderão ser adaptados comosalas de aula, uma vez que serão equipa-dos com quadro negro e cadeiras fixas.

As lanchas serão construídas na BaseNaval de Val-de-Cães, em Belém, pela Em-presa Gerencial de Projetos Navais(Emgepron), empresa de capital público quepresta serviço para o Ministério da Defe-sa. De acordo com o diretor do FNDE, emconsulta feita a diversos estaleiros em todoo País, não houve interessados no projeto.Segundo Freitas, o tipo de embarcação nãoatraiu empresas nacionais, mais focadasnas grandes embarcações ou em iates e lan-chas de grande porte voltados ao luxo.

O programa “Caminho da Escola” foicriado em 2007 com o objetivo de renovar afrota de veículos escolares, garantir segu-rança e qualidade ao transporte dos estu-dantes e contribuir para a redução da eva-são escolar, ampliando, por meio do trans-porte diário, o acesso e a permanência naescola dos estudantes matriculados naeducação básica da zona rural das redesestaduais e municipais.

O programa também busca a padroniza-ção dos veículos de transporte escolar, aredução dos preços dos veículos e o au-mento da transparência nessas aquisições.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O FNDE, em parceria com o Inmetro,oferece à prefeituras e aos estados veícu-lo com especificações exclusivas, própri-as para o transporte de estudantes, e ade-quado às condições da zona rural brasi-

leira. O programa consiste na aquisição,por meio de pregão eletrônico, de veícu-los padronizados para o transporte esco-lar. (Fonte: Gazeta Mercantil , emwww.defesabr.com)

A Base Naval do Rio de Janeiro (BNRJ)realizou com êxito, em 15 de março último, aprimeira docagem de um submarino da clas-se Tupi em suas instalações. Com a opera-ção, a base aumenta sua capacidade deprestação de serviços industriais.

BASE NAVAL DO RIO DE JANEIRO DOCA SUBMARINO

O Submarino Timbira (S32), terceiro na-vio da classe e segundo construído inte-gralmente no Brasil, docou no Dique Almi-rante Branco para reparos de rotina. O even-to, de significativa importância para a Es-

quadra, proporciona maior flexibilidade eamplia as possibilidades de reparo dosmeios navais nas instalações industriaisda Marinha.

Para docar o S32, a BNRJ contou com oprofissionalismo de sua tripulação e com oapoio da Gerência de Submarinos e da Ge-rência de Docagem do Arsenal de Marinhado Rio de Janeiro (AMRJ).

(Fonte: www.mar.mil.br)

A cidade de Rio Grande (RS) deverá ga-nhar dois novos estaleiros. O secretárioAdjunto de Infraestrutura e Logística doEstado do Rio Grande do Sul, AdalbertoSilveira Netto, o superintendente do portodo Rio Grande, Janir Branco, e o capitãodos portos do Estado do Rio Grande doSul, Capitão-de-Mar-e-Guerra CarlosAlberto Moreira Gouvêa, reuniram-se paratratar das áreas onde serão instalados o

NOVOS ESTALEIROS PARA RIO GRANDEestaleiro da Wilson, Sons e o Estaleiro RioGrande 2 (ERG 2). Também estiveram pre-sentes na reunião o deputado estadualAdilson Troca e o assessor técnico da Se-cretaria de Infraestrutura e Logística(Seinfra), Eduardo Krause.

Na ocasião, a Seinfra entregou à capita-nia dos portos do Rio Grande do Sul ofíciose plantas das áreas onde serão instaladosos estaleiros. O ofício solicita a manifesta-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ção da Capitania quanto à instalação dosestaleiros, tendo em vista que este docu-mento é uma das exigências da Secretariado Patrimônio da União (SPU) para a reali-zação do processo de cessão em condiçõesespeciais de parte do terreno pertencente àUnião para os estaleiros. Os trâmites buro-cráticos referentes à parte do terreno per-tencente ao Estado foram todos sanados.

O grupo Wilson, Sons quer implantar emRio Grande um estaleiro destinado à cons-trução de pequenas e médias embarcaçõesde apoio às plataformas marítimas. O proje-to prevê a construção de um dique, cais eestruturas de apoio. Ao todo, deverão serinvestidos R$ 132 milhões e gerados 1,2 milempregos, entre diretos e indiretos.

O ERG 2 será um estaleiro de infraes-trutura de suporte à construção de plata-formas e de embarcações de apoio offshore,complementando as necessidades indus-triais e de cais de atracação do EstaleiroRio Grande 1 (ERG 1). Com a construçãodas oficinas na nova área, a capacidademensal de processamento de aço de 1,5 miltoneladas/mês prevista para serem produ-zidas no ERG 1 será adicionada em mais 4,5mil toneladas de aço, 2 mil peças de tubose 500 toneladas de acessórios de casco pormês. Além disso, com a nova área, o esta-leiro Rio Grande contará com mais um caisde 350 metros, possibilitando a constru-ção de embarcações simultâneas. (Fonte:Jornal Agora, em www.sindmar.org.br)

A Empresa Brasileira de Aeronáutica(Embraer) entregou, em 24 de março últi-mo, na sede da empresa, em São José dosCampos (SP), o primeiro jato Phenom 100 àForça Aérea do Paquistão. O governopaquistanês adquiriu um total de quatro

EMBRAER ENTREGA JATO PHENOM 100 À FORÇA AÉREADO PAQUISTÃO

aeronaves desse modelo, a serem utiliza-das para o transporte de autoridades da-quele país.

Esta é a primeira aeronave da Embraerentregue para um cliente no Paquistão etambém o primeiro Phenom 100 a ser ope-

rado por um governo.A Força Aérea do paísoptou pelo modeloapós uma análise deta-lhada, que levou emconsideração aspectoscomo desempenho,conforto, tecnologia,preço de aquisição ecusto operacional, en-tre outros.

O jato Phenom 100tem capacidade paraaté oito ocupantes.Com alcance de 2.182km (1.178 milhas náuti-cas), é capaz de voar deSão Paulo para Monte-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

vidéu (Uruguai) ou de Islamabad (Paquistão)para Karachi (Paquistão) ou Katmandu(Nepal) sem escalas. O jato foi certificadoem dezembro de 2008 e confirmou ser o mais

rápido e de maior capacidade de bagagemda sua categoria.

(Fonte: http://www.defesanet.com.br ehttp://www.aereo.jor.br)

A Marinha do Brasil realizou, em 5 demaio último, o salvamento de dois tripu-lantes do Veleiro Dalkiri, de bandeira daÁfrica do Sul, que estava naufragando emmeio a uma tempestade no Oceano Atlânti-co, a aproximadamente 2.000 km da costado Estado do Rio de Janeiro. A tripulaçãoera formada por um casal, sendo ela cidadãinglesa com 59 anos de idade, e ele sul-africano, com 63 anos. O casal residia nopróprio veleiro.

O Dalkiri é um veleiro de 32 pés (10 m)e já esteve no Brasil em outras ocasiões,conforme os relatos de suas aventuras aoredor do mundo, contidos na sua páginana internet (http://www.dalkiri.co.za). Nes-ta viagem, o Dalkiri partiu do porto de SãoFrancisco do Sul, Santa Catarina, em 30 demaio, e dirigia-se para a África do Sul, quan-do foi apanhado por uma violenta tempes-tade, após ficar algunsdias parado no mar emmeio a uma calmaria.

O pedido de socorrodo Veleiro Dalkiri, emiti-do no dia 1o de maio, foirecebido por outro velei-ro, chamado Far Away,que, por sua vez, oretransmitiu para uma es-tação radioamadora daÁfrica do Sul. A estaçãorádio acionou o Centro deCoordenação de Busca eSalvamento de CapeTown e este pediu apoioà Marinha do Brasil, porintermédio do Salvamar

MARINHA RESGATA VELEJADORES A 2.000 KM DA COSTA

Veleiro Dalkiri, que naufragou

Brasil, uma vez que o veleiro se encontra-va em águas oceânicas cuja responsabili-dade pelas atividades de busca e resgate(SAR – Search And Rescue) são do nossopaís.

O Centro de Coordenação de Busca eSalvamento do Rio de Janeiro (SalvamarSueste), que funciona no Comando do 1o

Distrito Naval, assumiu a coordenação dasbuscas, realizando contato com diversasestações rádio costeiras e navios mercan-tes que estavam navegando na área.

No dia 1o de maio, uma intensa frentefria havia atingido o local e os navios quese encontravam na região informaram ha-ver ondas de 7 a 8 metros de altura, comventos de até 40 nós (72 km/h). Três navi-os mercantes foram acionados para auxili-ar nas buscas imediatas, porém nem todospuderam atender ao pedido, uma vez que o

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

estado do mar não permitia que os naviosnavegassem em direção ao local onde oveleiro se encontrava.

Devido à grande distância do local ondeestava o veleiro (aproximadamente 2.000 kmda costa do Rio de Janeiro), a Marinha doBrasil acionou o navio de serviço da Es-quadra, a Fragata Bosísio, que suspendeuàs 2 horas da manhã do dia 2, com um heli-cóptero. A Força Aérea também foi aciona-da para auxiliar nas buscas ao veleiro. Atéo dia 3 não havia sido realizado outro con-tato com o veleiro. Nesse dia, a Força Aé-rea Brasileira (FAB) enviou um Hércules(C-130) para auxiliar nas buscas, em coor-denação com um navio mercante.

No dia 4, a Marinha do Brasil solicitou oapoio dos navios mercantes Green Harveste Artic Trader, que foram ao en-contro do Dalkiri. No final datarde, os navios mercantes con-seguiram estabelecer comunica-ções com o veleiro, que aindaestava com problemas de alaga-mento e sem possibilidades denavegar. Na madrugada do dia5, os navios encontraram-se como veleiro, reportando que o marestava bem melhor e que os tri-pulantes passavam bem.

Nesse mesmo dia, a FragataBosísio chegou na área e, ao finalda manhã, realizou o salvamentodos tripulantes, utilizando o seuhelicóptero, em uma manobra co-

nhecida por pickup, em que o casal foi res-gatado do veleiro para o helicóptero por meiode um guincho. O Navio Mercante ArticTrader permaneceu ao lado do veleiro até aremoção do último tripulante. O VeleiroDalkiri foi abandonado em processo de afun-damento.

Devido à distância do local do resgate eàs buscas realizadas, a Marinha do Brasilprecisou acionar o Navio-Tanque GastãoMotta, que partiu do Rio de Janeiro paraencontrar a fragata no seu regresso, parareabastecimento de combustível. A Fraga-ta Bosísio chegou ao Rio de Janeiro na noitedo dia 8 para 9 de maio.

(Fonte: Seção de Comunicação Socialdo Comando do 1o Distrito Naval ewww.defesa.gov)

Fragata Bosísio

O Sistema de Proteção da Amazônia(Sipam) divulgou, em 27 de abril último, quejá estão sendo processadas as primeirasimagens aéreas de radar na banda P (comcapacidade de atravessar a cobertura flo-

PRIMEIRAS IMAGENS DA CARTOGRAFIA TERRESTRE DAAMAZÔNIA SÃO PROCESSADAS

restal, coletando informações a partir dosolo) da cartografia terrestre da AmazôniaLegal, feitas na região conhecida comoCabeça do Cachorro, no Amazonas. A in-formação foi divulgada pelo diretor de Pro-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

dutos do Sipam, Wougran Galvão, durantesua palestra no Simpósio Brasileiro deSensoriamento Remoto, promovido peloInstituto Nacional de Pesquisas Espaciais(Inpe), em Natal (RN).

Segundo o diretor, são 70 mil quilôme-tros quadrados de área imageada que es-tão sendo processadas pelo Exército. Aprevisão é atingir 700 mil quilômetros qua-drados de coleta de imagens até o final doano. Ao todo, são 1.100 mil quilômetrosquadrados a serem coletados por sistemasensor de radar operando na banda P, res-saltou Wougran.

O Projeto da Cartografia da Amazônia, lan-çado em setembro do ano passado pelo Pre-sidente Luiz Inácio Lula da Silva, já recebeu,desde o começo até hoje, R$ 74,6 milhões, e,para 2009, estão previstos mais R$ 54,6 mi-lhões. O investimento reservado para con-cluir a cartografia náutica, geológica e terres-tre é de R$ 350 milhões. Wougran tambémdestacou que, até o final do primeiro trimes-tre de 2010, a Marinha terminará a constru-ção de quatro barcos que serão responsá-veis pela execução da cartografia náutica daRegião. “Os mapas náuticos são da décadade 60 e 70, estão muito desatualizados. Alémdisso, grande parte do escoamento da pro-dução e do descolamento da população érealizada pelos rios”, argumentou.

Segundo Wougran, o mapeamento per-mitirá ao Brasil conhecer os 1,8 milhão de

quilômetros quadrados da Amazônia Legalque não possuem informações cartográficasterrestres, náuticas e geológicas (a Amazô-nia possui 5,2 milhões de quilômetros qua-drados). O principal objetivo do Projeto éacabar com os vazios cartográficos e contri-buir para o desenvolvimento e proteção daAmazônia. “É uma questão estratégica aoPaís produzir essas informações, pois a car-tografia terrestre se concentra em áreas defronteiras”, afirmou Wougran. De acordocom ele, as cartografias vão auxiliar no pla-nejamento e execução dos projetos deinfraestrutura, como rodovias, ferrovias,gasodutos e hidrelétricas, além da demarca-ção de áreas de assentamentos, áreas demineração, agronegócio, elaboração dezoneamento ecológico, econômico eordenamento territorial, segurança territorial,escoamento da produção e desenvolvimen-to regional.

As informações ainda ajudarão no co-nhecimento da Amazônia brasileira e nageração de informações estratégicas paramonitoramento de segurança e defesa na-cional, em especial nas fronteiras. O traba-lho é coordenado pelo Sipam, órgão ligadoà Casa Civil da Presidência República, e osexecutores são o Exército, a Marinha, aAeronáutica e o Ministério de Minas eEnergia, através da CPRM (Serviço Geoló-gico do Brasil).

(Fonte: www.defesanet.com.br)

Dando continuidade às atividades doPrograma Nacional de Boias (PNBOIA), noâmbito do Programa de MonitoramentoOceanográfico e Climatológico (MOC) doPlano Setorial para os Recursos do Mar(PSRM) e do Programa Goos BR, a Direto-ria de Hidrografia e Navegação (DHN) re-cebeu três boias meteo-oceanográficas defundeio, sendo duas delas do tipo 3M (de

PROGRAMA NACIONAL DE BOIAS

plataforma) e uma do tipo Watchkeeper (cos-teira). Essas boias visam incrementar a redede coleta de dados meteorológicos e ocea-nográficos em apoio ao ServiçoMeteorológico Marinho brasileiro (SMM),aos demais Centros de Previsão e à Comu-nidade Científica, tendo sido adquiridascom recursos oriundos da Secretaria daComissão Interministerial para os Recur-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

sos do Mar (Secirm) e do Instituto Nacio-nal de Meteorologia (Inmet).

A montagem e o comissionamento dasboias ocorreram com a participação de equi-pes da DHN, da empresa fabricante dasboias (Axys Technologies – Canadá) e daPetrobras. As boias foram batizadas comos nomes das estrelas do cinturão da Cons-telação de Órion, as Três Marias. Duasboias 3M foram lançadas pelo NavioHidroceanográfico (NHo) Amorim do Valleno litoral dos estados de Santa Catarina(Alnilan) e do Rio Grande do Sul (Mintaka),na isobatimétrica de 190m. A terceira boia,Watchkeeper (costeira), denominadaAlnitaka, será lançada pelo mesmo navioem sua próxima Comissão.

Essas boias constituem um elementoprimordial para o SMM, como contribui-ção à Segurança da Navegação, possibili-tando o monitoramento, em tempo real (viasatélite), das condições de ventos, ondas,correntes, pressão atmosférica, temperatura

do ar e da água do mar, radiação solar eumidade relativa, contando inclusive comdispositivos AIS instalados. Os dadoscoletados serão disponibilizados à MB, àsinstituições operacionais de previsão dotempo e à comunidade científica, em temporeal, por meio do GTS/WIS (GlobalTelecommunication System).

Atividades futuras contemplam a aquisi-ção de mais duas boias meteo-oceanográficasde fundeio, do tipo 3M, e uma do tipoWatchkeeper, bem como o upgrade da boiaMinuano, do tipo 3M, com recursos oriundosda Secirm e do Projeto Remo, financiado pelaPetrobras e que tem entre seus objetivos am-pliar e modernizar a infraestrutura de mediçõesoceanográficas do Centro de Hidrografia daMarinha, visando aos estudos de modelagemnumérica e ao desenvolvimento de modelosde circulação oceânica com capacidade deassimilar dados, gerar previsões e prover ob-servações oceanográficas.

(Fonte: Bono 394, de 8/6/2009)

Para se salvar vidas e prejuízos ao ma-terial e às cargas, é vital se reduzirem osriscos de fogo e de explosões no mar.Consequentemente, o Lloyd’s Register e oUK P&I Club* produziram em conjunto oMarine Fire Safety Pocket Checklist (listade verificação de bolso sobre segurançacontra fogo marítimo), a fim de contribuirpara a redução de incidentes no mar e deriscos para os portos. O manual foi lança-do em Londres, em 26 de maio passado.

Para a composição do manual, as insti-tuições citadas analisaram deficiências de-tectadas por inspetores em todo o mundo,ao longo de período de três anos. É impor-

PREVENINDO INCÊNDIOS NO MAR

* Clube de seguros existente há 140 anos na Inglaterra, atuando ininterruptamente. P&I significaproteção e indenização.

tante frisar que a prevenção desses inci-dentes, além de salvar vidas, contribui parase reduzir os custos impostos por incêndi-os, que já chegam a mais de 20 milhões dedólares por ano, considerados os últimos20 anos.

A maioria dos incêndios em grandes car-gueiros começa nos porões. Outros acon-tecem em praças de máquinas, tanques,áreas habitáveis e compartimentos de bom-bas. Alguns incêndios dos mais comunssão iniciados por meio de combustão es-pontânea de cargas como algodão, tabaco,madeira em raspa e carvão. Estivadoresfumantes são causas proeminentes, além

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

dos serviços de solda, de maquinários nasáreas de acesso a porões e equipamentoselétricos e de iluminação. As estatísticasverificadas demonstraram que o erro hu-mano é mais responsável por incêndios doque as falhas em equipamentos.

Considerando os dados acima e muitosoutros levantados, foi composto o manualque aborda também os equipamentos de

prevenção de incêndios, para controle deavarias e para treinamento da tripulação.

O manual está sendo distribuído paraos proprietários de navios e para as opera-doras. O seu texto pode ser visualizado nainternet, nos endereços www.ukpandi.comou www.lr.org, onde podem também serencomendados. (Fonte: Informação à im-prensa da UK P&I Club de 26/maio/2009)

A Diretoria Geral do Material da Mari-nha conduziu, nos dias 13 e 14 de abril últi-mo, na Baía de Todos os Santos (Salvador-BA), testes com minas, em que foram utili-zados meios navais do Comando do 2o Dis-trito Naval (Com2oDN). A Mina de Fundeiode Influência (MFI), testada no exercício, éuma mina de fabricação nacional desenvol-vida pelo Instituto de Pesquisas da Mari-nha (IPqM).

A atividade contou com a assessoriatécnica da Diretoria de Sistemas de Armasda Marinha, do Centro de Mísseis e ArmasSubmarinas da Marinha, do Grupo de Ava-liação e Adestramento de Guerra de Minas(GAAGueM), do Centro de Hidrografia daMarinha, do IPqM e do Departamento In-dustrial e de Magnetologia da Base Navalde Aratu.

Também participaram os Navios-Varredores Abrolhos e Albardão, o Coman-do da Força de Minagem e Varredura, aLancha Balizadora Aldebaran, o Serviçode Sinalização Náutica do Leste e um des-tacamento do Grupamento de Mergulha-dores de Combate (GptMec).

O teste teve o propósito de avaliar odesempenho operacional da mina MFI,compreendendo o mapeamento prévio daárea do exercício, o lançamento e a locali-zação da mina através do equipamento devarredura lateral Side Scan. Foram realiza-

MARINHA TESTA MINA NA BAHIA

dos também a varredura com os equipa-mentos de influência acústica e magnéticados navios-varredores e o recolhimento damina pelo destacamento do GptMeC.

O teste foi considerado um sucesso emfunção do ganho operacional obtido pelaMarinha em operações de minagem e var-redura e permitiu que as diretoriasespecializadas extraíssem informaçõesoperativas importantes a respeito dos dis-positivos e sensores da mina MFI.

O GAAGueM

O GAAGueM, criado em 2006, é umaseção de Estado-Maior do Comando do 2o

Distrito Naval responsável por produzirinformações operacionais de Guerra deMinas, a fim de contribuir para o desenvol-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

vimento, consolidação, disseminação e atu-alização de doutrina, procedimentos táti-cos e emprego dos equipamentos de Guer-ra de Minas.

O GAAGueM elaborou o procedimentode teste da mina e coordenou tecnicamen-te a condução do exercício.

(Fonte: http://www.mar.mil.br)

Foi realizada na Escola de Guerra Naval,no Rio de Janeiro, em 20 de abril último, atransferência da Secretaria-Geral da Confe-rência Naval Interamericana (CNI) da Arma-da do Equador para a Marinha do Brasil.

A CNI foi criada em 1959 para proporci-onar um foro para intercâmbios de ideias,conhecimentos e entendimento mútuo dos

CONFERÊNCIA NAVAL INTERAMERICANA

problemas marítimos que afetam o Conti-nente Americano.

A XXIV CNI será realizada na cidade doRio de Janeiro, em setembro de 2010, sen-do esta a quarta vez que o Brasil sediaráeste evento, o que já ocorreu em 1964, 1976e 1996.

(Fonte: Bono 263, de 20/4/2009)

Foi realizada no Riocentro, Rio de Ja-neiro, de 14 e 17 de abril, a sétima edição daLatin America Aero & Defence (Laad 2009),a mais importante feira do setor de Defesae Segurança da América Latina. O eventofoi aberto pelo ministro da Defesa, NelsonJobim, e contou com a presença do Presi-dente da República, Luiz Inácio Lula da Sil-va. A feira expôs armas de guerra e de se-gurança pública, além de produtos de 330

LAAD REÚNE SETOR DE DEFESA

Ministro da Defesa e Comandantes de Força na abertura da Laad 2009

empresas dos setores aéreo e de defesa demais de 30 países, entre eles Estados Uni-dos, Alemanha, Bósnia, Israel e Rússia.

Promovida e organizada pela empresaClarion Events, a feira teve o apoioinstitucional e operacional do Ministérioda Defesa e das três Forças Armadas doBrasil, além do apoio da Associação Brasi-leira das Indústrias de Materiais de Defesa(Abimde) e da Associação das Indústrias

Aeroespaciais do Bra-sil (Aiab).

A Laad 2009 atraiuum público qualificadoestimado em 16 mil visi-tantes, entre eles dele-gações oficiais de 50países, convidadas di-retamente pelo Minis-tério da Defesa, milita-res do Brasil e de ou-tras nações.

O evento foi palcode encontro entre osprincipais fabricantesda indústria de defesa

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Presidente Lula em visita à Laad 2009

brasileira e mundial e toda a comunidade deDefesa, incluindo oficiais da Marinha, doExército e da Aeronáutica; oficiais das For-ças Armadas da América Latina e de outroscontinentes, representados por delegadosoficiais; além de autoridades, diplomatas efuncionários do governo brasileiro. Comcerca de 320 expositores de mais de 30 paí-ses, a Laad 2009 teve uma área recorde, querepresentou um crescimento de 15% sobrea última edição, em 2007.

A exposição apresentou a produção téc-nico-científica e a capacitação tecnológicade um setor de alto valor estratégico paraas nações. Estiveram presentes os princi-pais desenvolvedores de tecnologia deponta em equipamentos, sistemas, dispo-sitivos de proteção, simuladores, aerona-ves, veículos e embarcações militares e sis-temas de comunicação.

Durante a feira, a Empresa Brasileira deAeronáutica (Embraer) fechou contrato coma Força Aérea Brasileira (FAB) para o progra-ma da aeronave de transporte militar KC-390.A FAB estabeleceu os requisitos para essaaeronave, assim como ocorreu com outrosprodutos de sucesso fabricados pela Embraer,como o Bandeirante, o Tucano, as versõesde vigilância aérea e de sensoriamento remo-to do ERJ 145 utilizadas no Sistema de Vigi-lância da Amazônia (Sivam) e o Super Tuca-

no. O novo jato atenderá às necessidades daFAB, em total aderência à nova EstratégiaNacional de Defesa. A participação de ou-tros países nesse programa será avaliada jun-tamente com a FAB, e a entrada em serviçoda aeronave está prevista para 2015.

O jato possuirá ampla cabine, equipadacom rampa traseira, para transportar os maisvariados tipos de carga, incluindo veículosblindados, e será dotado dos mais modernossistemas de manuseio e lançamento de car-gas. Poderá ser reabastecido em voo e tam-bém utilizado para reabastecimento de ou-tras aeronaves, em voo e em solo. A cabinede carga permitirá configuração para missõesde evacuação médica (Medical Evacuation –Medevac). Os avanços técnicos do KC-390incluem a tecnologia fly-by-wire, que dimi-nui a carga de trabalho dos pilotos,otimizando o cumprimento da missão e au-mentando a segurança e a capacidade deoperar em pistas curtas e semipreparadas.

MARINHA DO BRASIL

A Marinha do Brasil (MB) participou daLaad com uma delegação chefiada pelo co-mandante da Marinha, Almirante-de-Esqua-dra Julio Soares de Moura Neto. Nesta edi-ção, as tecnologias de ponta foram o focoprincipal da exposição da MB, que ocupou

o estande do Ministério da Defesa(número G59), onde apresentou osseguintes temas:

– Construção do Submarino dePropulsão Nuclear como vetor depoder de dissuasão;

– Levantamento da PlataformaContinental Brasileira (Leplac), como propósito de estabelecer os limi-tes marítimos exteriores do Brasil;

– Sistema de Monitoramento da“Amazônia Azul”, que possibilita amonitoração, nos níveis nacional,regional e local, das Águas

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Jurisdicionais Brasileiras (AJB) e da Plata-forma Continental (PC), com o propósito decontribuir para a prevenção, detecção e rea-ção às ameaças que possam surgir;

– Projeto do Veículo Aéreo Não Tripula-do (Vant);

– Equipamento de Medidas de Apoio àGuerra Eletrônica (Mage) – detecção, iden-tificação e classificação de sinais eletro-magnéticos; e

– Sistema de Previsão do Ambiente Acús-tico para o Planejamento das OperaçõesNavais (Sispres), que faz as análises neces-sárias ao cálculo da previsão de alcancesonar e da predição do ambiente acústico.

Houve também uma exposição em áreaexterna, com apresentação de uma aerona-ve da MB, de material e veículos emprega-dos pelo Corpo de Fuzileiros Navais (CFN)e de equipagem utilizada por mergulhado-res de combate. Uma fragata classe Niteróimodernizada e um navio-patrulha classe

Grajaú permaneceram ao largo da praia daBarra da Tijuca nos dias 13 e 14, nas proxi-midades dos hotéis onde se hospedaramas delegações oficiais.

SEMINÁRIO DE DEFESA

Paralelamente à feira, ocorreu o II Semi-nário de Defesa, abordando estratégias deproteção das fronteiras internacionais. OSeminário foi aberto com a palestra “Defe-sa e Desenvolvimento”, proferida pelo mi-nistro da Defesa, e nele foram discutidostemas de relevância para o segmento: Pro-jeto e Custeio da Força, Tecnologias deDefesa Aplicadas, Capacidades Opera-cionais e Finanças de Defesa.

Em cada um dos quatro dias de sua rea-lização, especialistas e convidados deba-teram a evolução e os desdobramentosdesses assuntos, no Brasil e no mundo.Liderado por experts no mercado de Defe-

Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto e o Diretor-Geral doMaterial da Marinha, Almirante de Esquadra Marcus Vinicius Oliveira dos Santos,

no momento da assinatura do contrato com a Embraer

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Ministro da Defesa e representantes das instituições militares e civis participantes da Laad 2009

sa, o II Seminário de Defesa contou com aparticipação de vários palestrantes inter-nacionais, entre eles o vice-diretor acadê-mico do Centro de Estudos Hemisféricosde Defesa dos Estados Unidos da Améri-ca, Richard Downes.

Entre os destaques nacionais, estiverampresentes o presidente da Agência Brasilei-ra de Desenvolvimento Industrial (Abdi),Reginaldo Braga Arcuri; o presidente daAbimde, Carlos Frederico Queiroz de Aguiar;o diretor do Departamento de Defesa daFederação das Indústrias do Estado de SãoPaulo (Fiesp), Jairo Cândido; o presidente

da Fundação Aplicação de Tecnologias Crí-ticas (Atech), Tarcísio Takashi Muta; e oprofessor Claudio Lopes, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ao mesmo tempo, foi realizado o IVSimpósio Internacional de Logística Mili-tar, que apresentou oficiais de alta patentedo Brasil e do exterior. Nele, a ampliação dacultura de logística militar foi o principalobjetivo e, a exemplo das edições anterio-res, foram apresentados importantes estu-dos de casos. (Fontes: Centro de Comuni-cação Social da Marinha, Embraer e http://defesabrasil.com)

O Conselho Empresarial de Cultura daAssociação Comercial do Rio de Janeirose reuniu na Ilha Fiscal em abril último paradiscutir projetos de seus comitês e a pro-

CONSELHO DE CULTURA SE REÚNE NA ILHA FISCAL EGANHA NOVO INTEGRANTE

posta de tombamento das escolas de sam-ba do Rio de Janeiro, uma iniciativa deRicardo Cravo Albin, presidente do órgão.Antes da reunião, os conselheiros visita-

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RMB2oT/2009 307

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ram as instalações do Espaço Cultural daMarinha, partindo do cais a bordo da Es-cuna Nogueira da Gama. Integrante doConselho, o diretor do Patrimônio Históri-co e Documentação da Marinha, Vice-Al-mirante Armando de Senna Bittencourt,

guiou a visitação e co-mentou as contribui-ções da Marinha doBrasil ao desenvolvi-mento do País.

Em março, o Conse-lho de Cultura passoua contar com um novointegrante: MozartVitor Serra, diretor doInstituto Light. O pre-sidente da AssociaçãoComercial do Rio deJaneiro, Olavo Mon-teiro de Carvalho, des-

tacou o trabalho feito pelo Instituto Lighte declarou que a atuação de Mozart Serraengrandecerá os projetos do Conselho deCultura.

(Fonte: Revista do Empresário daACRJ, março/abril 2009)

Em cumprimento ao calendário deSimpósios de Ciência & Tecnologia para2009, o Instituto de Pesquisas da Marinha(IPqM) realizará o VIII Encontro deTecnologia em Acústica Submarina (VIIIEtas). O evento acontecerá no período de25 a 27 de novembro, nas dependências doIPqM, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).

O Etas tem por objetivo propiciar ointercâmbio entre os integrantes da co-munidade científica e a Marinha do Bra-sil, na área de Acústica Submarina e seussegmentos, dando ênfase aos assuntosde especial interesse para a Força. Comotais, destacam-se a Engenharia de Equi-pamentos Acústicos Submarinos, a Oce-anografia Acústica, a Propagação Acús-tica Submarina, o Posicionamento Acús-tico, a Bioacústica, a Geoacústica, o

ENCONTRO DE TECNOLOGIA EMACÚSTICA SUBMARINA

Processamento de Sinais Acústicos Sub-marinos, os Sistemas Sonar e tecnologiasde materiais empregados na área de Acús-tica Submarina.

Informações sobre inscrição para parti-cipações e submissão de trabalhos, entreoutras, poderão ser obtidas pelos telefo-nes (21) 2126-5749/5785 ou Retelma 8115-5749/5785, ou selecionando o ícone do VIIIEtas na página do IPqM na internet http://www.ipqm.mar.mil.br.

Os interessados devem observar as se-guintes datas: 11 de setembro – entrega deresumo; 25 de setembro – notificação daaceitação do trabalho; 23 de outubro – en-trega do trabalho completo e inscrição parapalestrantes; e 20 de novembro – inscriçãopara ouvintes.

(Fonte: Bono 398, de 9/6/2009)

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308 RMB2oT/2009

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O Centro de Análises de Sistemas Na-vais (Casnav) recebeu a Certificação NBRISO 9001:2008, pela auditora Lloyd’sRegister Quality Assurance, em todos osseus processos de Ciência e Tecnologia(C&T) na norma ISO 9001, já na nova ver-são 2008, credenciada pela Associação Bra-sileira de Normas Técnicas (ABNT).

O Centro tem mantido, desde 2003, acertificação ISO 9001 em todos os seus pro-cessos de C&T. Ao longo desse período,passou por 12 auditorias de manutenção eduas recertificações nos processos de Pes-quisa Operacional, Criptologia, Gestão daInformação e Desenvolvimento de Sistemas.

O conhecimento adquirido em sistemasde gestão – orientados pelas normas ISO9001, ISO 9005 e ISO 19011 – permite a esseCentro prestar assessoria às OrganizaçõesMilitares no aperfeiçoamento de seus sis-temas de gestão, como já ocorrido com oCentro de Hidrografia da Marinha (CHM),no planejamento e produção de cartas ná-uticas; o Centro de Instrução AlmiranteBrás de Aguiar (Ciaba), na implantação desoftware para Sistema de Gestão da Quali-dade; e a Diretoria de Portos e Costas(DPC), na estruturação de um Sistema deGestão da Qualidade, abrangendo o Ensi-no Profissional Marítimo das capitanias.

O Casnav realizará, em 5 e 6 de agosto,nas dependências da Escola de Guerra Na-val, o XII Simpósio de Pesquisa Operacional

CASNAV RECEBE CERTIFICAÇÃO NBR ISO 9001:2008E PROMOVE SIMPÓSIO

e Logística da Marinha. O tema do Simpósioserá “A Pesquisa Operacional na visãoProspectiva da Matriz Energética Brasilei-ra e as Riquezas da Amazônia Azul”.

O evento tem como propósito reunir re-presentantes das Forças Armadas, dos ór-gãos de governo, do meio acadêmico e dosetor produtivo (bens e serviços), que de-senvolvam ou tenham interesse em ativi-dades de Pesquisa Operacional e deLogística.

Simultaneamente, acontecerão os se-guintes eventos:

– I Workshop de Dados de Acompa-nhamento e Informação Marítima: Intercâm-bio e Aplicações em Logística;

– Mesa-Redonda e Workshop de Aplica-ções Militares de Pesquisa Operacional; e

– minicursos de Teoria Espectral deGrafos, Estatística Aplicada e DecisãoMulticritério.

Os interessados em participar poderãose inscrever como autores, com o envio detrabalhos acadêmicos, ou como ouvintes,assistindo às palestras, aos minicursos eàs apresentações de trabalhos.

Cadastro, inscrições, submissão de tra-balhos e demais informações poderão serobtidas no sítio www.casnav.mar.mil.br/spolm e informações complementares pelotelefone (0xx21) 2178-6380 ou Retelma8226-6380.

(Fonte: Bono 413, de 17/6/2009)

IV JOGOS BRASILEIROS DAS POLÍ-CIAS E BOMBEIROS

As competições de Judô e Tae-Kwon-Dodos Jogos foram realizadas no período de 8 a11 de abril de 2009, no ginásio da Comissão

RESULTADOS ESPORTIVOS

de Desportos da Aeronáutica. A Marinha,representada por 24 atletas, conquistou umtotal de 20 medalhas.

– Campeões de Judô Masculino: (-81kg)MN Vicente (Centro de Educação Física Almi-rante Adalberto Nunes – Cefan); (-90kg) 1oSG

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Sabino (Hospital Central da Marinha – HCM);e (-100kg) 3oSG Soriano (2o Batalhão de Infan-taria de Fuzileiros Navais – 2o BtlInfFuzNav).

– Campeãs de Judô Feminino: (-48Kg)MN Cristiane (Cefan); (-70Kg) MN Laísa(Cefan); (-78 Kg) MN Éricka (Cefan); e (+78Kg) MN Linda Marie (Cefan).

– Campeões de Tae-Kwon-Do Masculi-no: CB-FN Carlos Henrique (2o

BtlInfFuzNav); SD-FN Oliveira (Companhiade Polícia do Batalhão Naval –CiaPolBtlNav); e MN Ricardo (Cefan).

– Campeã de Tae-Kwon-Do Feminino:MN Luane (Cefan).

O Navio de Desembarque-Doca (NDD)Rio de Janeiro partiu, em 11 de maio últi-mo, do Arsenal de Marinha do Rio de Ja-neiro, para integrar a Operação Haiti VII,transportando material da Força de Fuzilei-ros da Esquadra e do Exército Brasileiropara o Haiti, a fim de apoiar o contingentebrasileiro na força de paz naquele país.

O regresso ao porto do Rio de Janeiroestá previsto para o dia 2 de julho.

A sétima edição da Operação Haiti selamais uma participação da Esquadra brasi-leira na Missão das Nações Unidas no Haiti(Minustah).

(Fonte: www.defesanet.com.br)

NDD RIO DE JANEIRO PARTICIPADA OPERAÇÃO HAITI VII

SH-3 decola do convoo doNDD Rio de Janeiro

O Brasil prepara-se para atingir o domí-nio tecnológico na área de veículos aéreosnão tripulados (Vant). A empresa Avibrásrecebeu R$ 18 milhões da Financiadora deEstudos e Projetos (Finep) para desenvol-ver um Vant com aplicação civil e militar nasáreas de reconhecimento, monitoramentoambiental, inspeção de linhas de transmis-são de energia elétrica, tubulação de gás,tráfego urbano, entre outras.

A parte eletrônica do Vant brasileiro, en-volvendo o seu sistema de navegação econtrole, foi testada com sucesso em seisvoos, realizados em dezembro, em uma pla-taforma de pequeno porte, de propriedadeda Força aérea Brasileira (FAB). Iniciado em

BRASIL TERÁ SEU VEÍCULO AÉREO NÃO TRIPULADO2005, o Vant é um projeto desenvolvido peloComando-Geral de Tecnologia Aeroespacial(CTA), Centro Tecnológico do Exército(CTEx), Instituto de Pesquisas da Marinha(IPqM) e a Avibrás como parceira industrial.

A primeira fase do projeto, que envolveuo domínio tecnológico das partes mais sen-síveis do veículo, foi coordenada pelo CTA.A Finep destinou R$ 9 milhões para essaetapa. Foram realizadas quatro campanhasde ensaios dos sistemas e um total de 27voos, na aeronave Acauã, desenvolvida peloCTA na década de 80, com três metros deenvergadura. A aeronave conseguiu fazer oacompanhamento do traçado do Rio Mogi-Guaçu em voo totalmente autônomo.

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310 RMB2oT/2009

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Para a última campanha de testes em vooforam contratadas as empresas FlightTechnologies (piloto automático), BCC-Bossan Computação Científica (softwareembarcado) e Johansen Engenharia (enge-nharia de sistemas). Todos os voos tive-ram ainda o acompanhamento de um heli-cóptero CH-55 Esquilo, do Grupo Especialde Ensaios em voo, do CTA.

Caberá à Avibrás o desenvolvimento deum Vant operacional, de média altitude e 15horas de autonomia de voo. A fase decertificação do Vant, segundo o CTA, temuma previsão de absorver mais R$ 80 mi-lhões, mas os recursos ainda estão sendonegociados.

O desenvolvimento de veículos aéreosnão tripulados no Brasil conta com o apoioda Finep, por meio do programa de sub-venção econômica, que liberou R$ 80 mi-

lhões para 31 projetos considerados estra-tégicos. Dentre esses projetos, foramselecionadas seis propostas relacionadasa veículos aéreos não tripulados.

No Brasil existem mais de dez iniciativaspúblicas e privadas na área de Vant. Entreelas está a da Flight Solutions, que desen-volve um Vant de curto alcance, com aplica-ção em operações de reconhecimento.

A empresa, que iniciou suas atividadesem uma incubadora de tecnologiaaeroespacial, atualmente está instalada noParque Tecnológico de São José dos Cam-pos (SP). A empresa AGX Tecnologia, emparceria com a Universidade de São Carlose a Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa), está desenvolven-do um Vant para aplicações agrícolas, como,por exemplo, para observação de safras.

(Fonte: http://www.defesabr.com)

Foi publicado, no Diário Oficial da União(DOU) do dia 17 de abril último, o Decreto no

6.822, de 16 de abril de 2009, que distribui osefetivos de oficiais da Marinha em tempo depaz, para o ano de 2009, e fixa os percentuaismínimos dos cargos do Corpo de Intendentesda Marinha e do Corpo de Saúde da Mari-nha, que deverão ser ocupados exclusiva-mente por oficiais do sexo masculino.

Eis o texto do Decreto:“O Presidente da República, no uso da

atribuição que lhe confere o art. 84, incisoIV, da Constituição, e tendo em vista o dis-posto no art. 9o, §§ 1o, inciso II, e 2o, e art. 12da Lei no 9.519, de 26 de novembro de 1997,

Decreta:Art. 1o – Ficam distribuídos os efetivos

de oficiais pelos Postos, Corpos e Qua-dros de Oficiais da Marinha para o ano de2009, na forma a seguir:

I – CORPO DA ARMADA:a) Quadro de Oficiais da Armada – CA:

EFETIVOS DE OFICIAIS DA MARINHA DO BRASIL

1. Almirantes de Esquadra: 5;2. Vice-Almirantes: 18;3. Contra-Almirantes: 33;4. Capitães de Mar e Guerra: 208;5. Capitães de Fragata: 388;6. Capitães de Corveta: 511;7. Capitães-Tenentes: 573;8. Primeiros-Tenentes: 306;9. Segundos-Tenentes: 235;b) Quadro Complementar de Oficiais da

Armada – QC-CA:1. Capitães-Tenentes: 38;2. Primeiros-Tenentes: 15;3. Segundos-Tenentes: 22;II – CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS:a) Quadro de Oficiais Fuzileiros Navais

– FN:1. Almirante de Esquadra: 1;2. Vice-Almirantes: 2;3. Contra-Almirantes: 6;4. Capitães de Mar e Guerra: 54;5. Capitães de Fragata: 120;

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RMB2oT/2009 311

NOTICIÁRIO MARÍTIMO

6. Capitães de Corveta: 152;7. Capitães-Tenentes: 160;8. Primeiros-Tenentes: 92;9. Segundos-Tenentes: 61;b) Quadro Complementar de Oficiais

Fuzileiros Navais – QC-FN:1. Capitães-Tenentes: 10;2. Primeiros-Tenentes: 3;3. Segundos-Tenentes: 10;III – CORPO DE INTENDENTES DA

MARINHA:a) Quadro de Oficiais Intendentes da

Marinha – IM:1. Vice-Almirantes: 1;2. Contra-Almirantes: 5;3. Capitães de Mar e Guerra: 51;4. Capitães de Fragata: 104;5. Capitães de Corveta: 154;6. Capitães-Tenentes: 151;7. Primeiros-Tenentes: 79;8. Segundos-Tenentes: 68;b) Quadro Complementar de Oficiais

Intendentes da Marinha – QC-IM:1. Capitães-Tenentes: 56;2. Primeiros-Tenentes: 28;3. Segundos-Tenentes: 35;IV – CORPO DE ENGENHEIROS DA

MARINHA – EN:a) Vice-Almirantes: 1;b) Contra-Almirantes: 3;c) Capitães de Mar e Guerra: 36;d) Capitães de Fragata: 103;e) Capitães de Corveta: 111;f) Capitães-Tenentes: 117;g) Primeiros-Tenentes: 93;V – CORPO DE SAÚDE DA MARINHA:a) Quadro de Médicos (Md):1. Vice-Almirantes: 1;2. Contra-Almirantes: 4;3. Capitães de Mar e Guerra: 42;4. Capitães de Fragata: 79;5. Capitães de Corveta: 119;6. Capitães-Tenentes: 144;7. Primeiros-Tenentes: 198;b) Quadro de Cirurgiões-Dentistas – CD:

1. Capitães de Mar e Guerra: 18;2. Capitães de Fragata: 67;3. Capitães de Corveta: 75;4. Capitães-Tenentes: 85;5. Primeiros-Tenentes: 58;c) Quadro de Apoio à Saúde – S:1. Capitães de Mar e Guerra: 11;2. Capitães de Fragata: 49;3. Capitães de Corveta: 80;4. Capitães-Tenentes: 78;5. Primeiros-Tenentes: 90;VI – CORPO AUXILIAR DA MARINHA:a) Quadro Técnico – T:1. Capitães de Mar e Guerra: 52;2. Capitães de Fragata: 168;3. Capitães de Corveta: 325;4. Capitães-Tenentes: 291;5. Primeiros-Tenentes: 182;b) Quadro de Capelães Navais – CN:1. Capitães de Mar e Guerra: 1;2. Capitães de Fragata: 5;3. Capitães de Corveta: 6;4. Capitães-Tenentes: 13;5. Primeiros-Tenentes: 13;c) Quadro Auxiliar da Armada – AA:1. Capitães-Tenentes: 164;2. Primeiros-Tenentes: 126;3. Segundos-Tenentes: 71;d) Quadro Auxiliar de Fuzileiros Navais

– AFN:1. Capitães-Tenentes: 68;2. Primeiros-Tenentes: 48;3. Segundos-Tenentes: 24.Art. 2o – Ficam fixados os seguintes

percentuais mínimos dos cargos do Corpode Intendentes da Marinha - CIM e do Cor-po de Saúde da Marinha - CSM, que deve-rão ser ocupados exclusivamente por ofi-ciais do sexo masculino:

I – CORPO DE INTENDENTES DAMARINHA:

a) Quadro de Oficiais Intendentes daMarinha: 100%;

b) Quadro Complementar de OficiaisIntendentes da Marinha: 0%;

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

II – CORPO DE SAÚDE DA MARINHA:a) Quadro de Médicos: 29%;b) Quadro de Cirurgiões-Dentistas: 23%;c) Quadro de Apoio à Saúde: 26%.§ 1o Os percentuais mínimos ora fixados

deverão ser observados por ocasião doingresso de oficiais nos referidos Corpos eQuadros, a fim de garantir a aplicação docaput deste artigo.

§ 2o Na admissão aos Quadros de Mé-dicos e de Apoio à Saúde, ficará a critério

do Comandante da Marinha redistribuir,por especialidades de interesse da Mari-nha, as parcelas dos percentuais fixadosnas alíneas “a” e “c” do inciso II desteartigo.

Art. 3o Este Decreto entra em vigor nadata de sua publicação.

Brasília, 16 de abril de 2009; 188o da In-dependência e 121o da República.

Luiz Inácio Lula da SilvaNelson Jobim”

A Marinha do Brasil, representada peloCentro de Instrução Almirante Graça Ara-nha (Ciaga) e pelo Centro de Instrução Al-mirante Braz de Aguiar (Ciaba), assinou,em 16 de fevereiro último, em Brasília, doisTermos de Cooperação com a Petrobras.Os documentos têm como propósito ele-var o quantitativo das tripulaçõesdisponibilizadas para a Marinha Mercantee manter o nível de qualidade na formaçãodos homens e mulheres que embarcam nosnavios mercantes brasileiros.

Os Termos de Cooperação foram assi-nados por intermédio do Centro de Pes-quisas da Petróleo Brasileiro S. A. (Cenpes/Petrobras), com a interveniência da Fun-dação de Estudos do Mar (Femar) e com oaval da Agência Nacional do Petróleo, GásNatural e Biocombustíveis (ANP), bemcomo do Programa de Mobilização da In-dústria Nacional do Petróleo e Gás Natural(Prominp).

Estiveram presentes à assinatura dosTermos de Cooperação o comandante daMarinha, Almirante de Esquadra Julio Soa-res de Moura Neto; o chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante de EsquadraAurélio Ribeiro da Silva Filho; o chefe doEstado-Maior da Defesa, Almirante de Es-

MARINHA E PETROBRAS ASSINAMTERMOS DE COOPERAÇÃO

quadra João Afonso Prado Maia de Faria;o diretor de Portos e Costas, Paulo JoséRodrigues de Carvalho; o presidente daFemar, Vice-Almirante Lucio Franco de SáFernandes; o comandante do Ciaga, Con-tra-Almirante José Carlos Mathias; o dire-tor-geral da ANP, Haroldo BorgesRodrigues Lima; e o diretor de Abasteci-mento da Petrobras, Paulo Roberto Costa,entre outras autoridades civis e militares.

Os Termos de Cooperação preveem orepasse de cerca de R$ 78 milhões, a seremaplicados nos Centros de Instrução para amodernização dos seus recursos instru-cionais, aumento da capacidade de aloja-mento para alunos e ampliação do corpodocente da área do Ensino ProfissionalMarítimo, cabendo à Femar controlar a apli-cação desses recursos.

Os recursos serão aplicados em 45 pro-jetos ao todo. Estes deverão ser concluí-dos nos próximos três anos e, além de pro-piciarem melhores condições de confortoe habitabilidade aos futuros oficiais da Ma-rinha Mercante, contribuirão significativa-mente para a ampliação da capacidade deformação dos Centros de Instrução, possi-bilitando o atendimento tempestivo da de-manda de marítimos que vem ocorrendo no

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

transporte marítimo e nas atividades depesquisa e exploração de petróleo e gás.Em 2011, prazo estimado para a conclusão,ocorrerá um aumento de 91% da capacida-de de admissão de alunos nas Escolas de

Formação de Oficiais da Marinha Mercan-te em relação a 2008 e serão formados 810oficiais a cada ano.

(Fontes: Informativo Marítimo jan./mar.2009 e Portos e Navios mar. 2009)

Os sete quilômetros do cais público doporto de Santos deverão estar aptos parareceber navios com 15 metros de caladoaté o final de 2010. A informação foi dadapelo presidente da Companhia Docas doEstado de São Paulo (Codesp), José Cor-reia Serra. Segundo ele, os investimentosnecessários, orçados em R$ 300 milhões, jáestão assegurados. A primeira fase da obraserá nos dois quilômetros do cais do Saboóe custará R$ 15 milhões.

OBRA DO PORTO DE SANTOSDEVE FICAR PRONTA EM 2010

Toda a reforma faz parte do processo dedragagem para aprofundamento do porto,que ampliará a profundidade do canal paraaté 15 metros, permitindo a atracação denavios maiores e, consequentemente, oaumento da capacidade de movimentação.

Atualmente, duas etapas do processode dragagem estão em andamento: a licita-ção das obras propriamente ditas e olicenciamento ambiental. (Fonte: Jornal doCommercio, em www.sindmar.org.br)

Centro de Dados Nacional LRIT, localizado noComando do Controle Naval do Tráfego Marítimo

Em cumprimento ao contido na Resolu-ção MSC.202(81) da Organização MarítimaInternacional (IMO), entrou em operaçãona Marinha do Brasil o sistema denomina-do “Long Range Identification andTracking of Ships” (LRIT), que provê aidentificação e o acompanhamento globaldos navios. A informação LRIT, que con-

LRIT COMEÇA A OPERAR NO BRASIL

tém posição, hora e identificação do navio,é fornecida aos países de bandeira dos na-vios por meio de um centro de dados. Osdiversos centros de dados dos países for-mam um conjunto que pode intercambiaras informações LRIT de seus navios.

A implantação deste sistema em nívelinternacional implicará um expressivo aper-feiçoamento da segurança marítima mun-dial ao incrementar o controle sobre o trá-fego marítimo e melhorar o apoio às açõesde busca e salvamento.

O Brasil é um dos sete países, dos 168estados membros da IMO, que estabelece-ram e concluíram com sucesso um Centrode Dados Nacional LRIT (CDNL) duranteo ano de 2008. Desses sete centros, ape-nas cinco se encontram em produção, sen-do o CDNL brasileiro um deles e o único daAmérica do Sul, possibilitando ao Brasilprestar este serviço a outros países, comojá acordado com o Uruguai.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esse resultado ex-pressivo se deve aoesforço da Marinha doBrasil, que utilizou osseus recursos para im-plantar o sistema. Esti-veram envolvidos nes-te projeto o Estado-Maior da Armada; aRepresentação Perma-nente do Brasil junto àOrganização MarítimaInternacional; o Co-mando de OperaçõesNavais; a Diretoria dePortos e Costas; a Di-retoria de Comunica-ções e Tecnologia daInformação da Mari-nha; o Centro de Aná-lises de Sistemas Navais, desenvolvedordo software do centro de dados; o Centrode Tecnologia da Informação da Marinha,que hospeda o serviço nas suas instala-ções; e o Comando do Controle Naval doTráfego Marítimo, responsável por operaro sistema.

A Resolução MSC.202(81) adotada noâmbito da IMO aprovou emendas à Con-venção Solas, acrescentando a Regra19-1(Long Range Identification and TrackingofShips). Outros documentos aprovados,que complementaram o que foi introduzidono Capítulo V da Convenção Solas, forama Resolução MSC.263(84), que estabeleceo Padrão de Desempenho Revisado e osRequisitos Operacionais do LRIT; a Circu-lar MSC.1/Circ.1295, que provê orientaçãoa certos tipos de embarcações às quais seaplicam os requisitos LRIT; e a CircularMSC.1/Circ.1296, que provê orientação nasVistorias e Certificações de Conformidadede navios com os requisitos para a trans-missão das informações LRIT.

O LRIT se aplica a:

a) navios de passageiros, inclusive embar-cações de passageiros de alta velocidade;

b) navios de carga, incluindo os naviosde carga de alta velocidade, com 300 AB eacima; e

c) Unidades Móveis de PerfuraçãoOffshore (Modu).

Os demais navios, independentementeda data de construção, dotados de AIS (Sis-tema de Identificação Automática) e ope-rando exclusivamente na área A1, que sig-nifica uma área dentro da coberturaradiofônica de pelo menos uma estaçãocosteira de VHF que disponha de um alertacontínuo DSC, não necessitam cumprir osrequisitos LRIT.

Os prazos para cumprimento dos requi-sitos LRIT foram estabelecidos em funçãoda área marítima de operação dos navios, deacordo com o Capítulo IV da ConvençãoSolas. Assim, para os navios construídosantes de 31 de dezembro de 2008, o prazopara cumprimento deve ser até a data daprimeira Vistoria de Instalação Rádio queocorrer após 31 de dezembro de 2008. Para

Simulação da operação do Sistema LRIT (CSP – Provedor de Serviço deComunicações, ASP – Provedor de Serviços e CDNL – Centro Nacional

de Dados LRIT)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

os navios construídos após 1o de julho de2009, o prazo será até a Vistoria de Instala-ção Rádio desses navios.

Os navios dotados de LRIT transmiti-rão, automaticamente, a identificação donavio (no IMO), nome, posição (latitude elongitude) e a data/hora da posição.

Os equipamentos instalados a bordodeverão atender ao Padrão de Desempe-nho Revisado estabelecido pela ResoluçãoMSC.263(84). Devem ser do tipo Aprova-

do, isto é, estar de acordo com a Regra V/19-1 da Solas e com a Seção 4 do Padrão deDesempenho Revisado da ResoluçãoMSC.263(84) e ter concluído satisfatoria-mente o Teste de Conformidade previstono Apêndice 1 da CircularMSC.1/Circ.1296.Após ter passado na vistoria e nos testesdo sistema LRIT, o N/M Frota Argentinafoi o primeiro navio brasileiro a ser intro-duzido no CDNL.

(Fonte: Informativo Marítimo jan/mar 2009)

A Rússia planeja enviar unidades mili-tares e agentes de seu serviço de seguran-ça civil para o Ártico, região rica em petró-leo, segundo documento oficial publicadona internet. A medida foi aprovada pelopresidente Dmitri Medvedev em setembrodo ano passado, mas somente veio a pú-blico em 29 de março último. De acordo como relatório, a Rússia, cuja economia depen-de da exportação de petróleo, gás e metais,espera que o Ártico se torne sua principalfonte de recursos até 2020.

“É necessário criar unidades militaresrussas na zona do Ártico para garantir suasegurança militar”, diz o documento. O tex-to explica que a presença militar é necessá-ria para deixar a defesa “à altura das amea-ças e desafios do país no Ártico” e aumen-tar o controle das rotas marítimas na região.

O relatório também informa que a FSB,agência de segurança que substituiu a KGB,ficará encarregada da vigilância do litoral.No entanto, o Kremlin não deu indicações

RÚSSIA DIVULGA PLANO PARAMILITARIZAÇÃO DO ÁRTICO

sobre o tipo de “ameaça” enfrentada pelaRússia no Ártico nem quantos homensdevem ser enviados à região. O documen-to tampouco estabelece prazos para o des-locamento dos militares.

Procurados pela agência France Presse,funcionários do Conselho de Segurançarusso afirmaram que o documento foi malentendido e não se trata da “militarizaçãodo Ártico”, mas de uma medida para au-mentar a segurança das fronteiras do país.Em nota, o governo explicou que o projetoapenas detalha uma “estratégia de defesados interesses nacionais”.

Estima-se que sob o Ártico existam reser-vas de 10 bilhões de toneladas de petróleo egás, quantidade equivalente a todas as re-servas que a Rússia explora hoje. Estudosapontam que o aquecimento global permitiráem breve a exploração dessas reservas, as-sim como abrirá novas rotas de navegação.

(Fontes: AFP, Reuters e O Estado de S.Paulo, em http://defesabrasil.com)

A Capitania dos Portos do Piauí (CPPI),atendendo à solicitação das PrefeiturasMunicipais de Parnaíba e Esperantina, vem

CAPITANIA DOS PORTOS DO PIAUÍ PRESTA APOIOÀS VÍTIMAS DE ENCHENTES

prestando apoio às vítimas das enchentesno estado do Piauí, contribuindo com pes-soal, embarcações e viaturas; realizando a

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esperantinaevacuação de enfermos e de famílias ilhadas;além de entregar alimentos e medicamentosaos desabrigados. Só em Esperantina foramcontabilizados cerca de mil desabrigados,entre famílias urbanas e rurais.

(Fonte: www.mar.mil.br)

A Delegacia de Santarém, OrganizaçãoMilitar subordinada à Capitania dos Portosda Amazônia Oriental, entregou, em 5 demaio último, donativos às comunidades ri-beirinhas atingidas pela recente enchente.

Cerca de 9 mil peças de roupas e calça-dos foram distribuídas às populações deArapemã, Fátima de Uricurituba, Igarapédo Costa, Aritapera e Vila de Aritapera, naregião de Santarém-PA, a bordo da lanchaAjuri-III.

O evento teve ampla cobertura e divul-gação na mídia local e contou com a parti-

DELEGACIA DE SANTARÉM ENTREGA DONATIVOSÀS VÍTIMAS DE ENCHENTES

cipação de representantes do PoderLegislativo Municipal de Santarém.

(Fonte: www.mar.mil.br)

Foi inaugurado, em 14 de março último,no município de Bombinhas, SantaCatarina, o Museu Naval Casa do Mar. ACasa do Homem do Mar, primeiro de umasérie de museus propostos pelo InstitutoSoto Delatorre, tem aproximadamente 2.220m2 de área construída. Idealizada com basenas diretrizes do Conselho Internacionalde Museus (Icom-Unesco), se constitui emum dos maiores e mais expressivos museusnavais da América do Sul.

O novo museu tem cerca de mil peças ex-postas em 1.800 m2. Além disso, o espaçoconta com: auditório/sala de projeção, bibli-oteca especializada, acervo totalmente clas-sificado e informatizado, amplo estacionamen-

CASA DO HOMEM DO MAR

to e proposta museográfica por setores inde-pendentes, cronologicamente ordenados.

Quanto à sua temática, a Casa do Ho-mem do Mar é um museu de História Na-

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val, e busca resgatar, desde osprimórdios da humanidade aténossos dias, a relação do homemcom os oceanos em seus mais va-riados aspectos. Sob esse pontode vista, a exposição foi segmen-tada em áreas temática e crono-logicamente distintas, que trans-mitem ao visitante amplo conhe-cimento relacionado ao acervoexposto.

O Instituto Cultural Soto Delatorre,idealizador do museu, foi fundado em ju-lho de 2005, com o intuito de criar espaçosculturais cujos principais objetivos sãopromover a educação e a ciência e fomen-tar a preservacão do patrimônio natural,histórico e cultural.

Destaca-se no museu a coleção demodelismo naval que conta a história danavegação ancestral. O visitante poderá

apreciar nesta seção a Nave Grega, a NaveEgípcia, a Birreme Fenícia, a Galera Romana,o Sambuco Árabe, o famoso barco de YassiAda, o Junco Chinês e um diorama de umaembarcação viking. Há ainda a La Belle, fan-tástica réplica de uma nau do século XVIIque pertenceu a Robert de La Salle, explora-dor francês que tinha a missão de iniciaruma colônia francesa na boca do Rio

Mississipi. Todos os modelos ex-postos na Casa do Homem do Marforam feitos pelo modelista LuizLauro Pereira Júnior.

A Casa do Homem do Marpossui também uma coleção dequase 30 canoas monóxilas (ca-noa de um pau), que sãoconstruídas geralmente com ma-deira guapuruvu ou figueira. EmSanta Catarina a canoa também échamada de “barco”.

Recebemos a publicação O Conselhode Estado e a política externa do Império– Consultas da Seção dos Negócios Es-trangeiros (1871-1874), do Centro de His-tória e Documentação Diplomática (CHDD)da Fundação Alexandre de Gusmão, doMinistério das Relações Exteriores (MRE).A obra reúne a transcrição dos pareceresda seção dos Negócios do Conselho de

O CONSELHO DE ESTADO E APOLÍTICA EXTERNA DO IMPÉRIO

Estado arquivados no MRE, perfazendo 42consultas.

Os documentos são tratados como tex-tos de referência, encadernados, juntamen-te com resenhas, opiniões e pareceres defuncionários da secretaria, notadamente osdo Visconde do Rio Branco, no período emque foi consultor do Ministério dos Negó-cios Estrangeiros.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Além das questões essen-cialmente jurídicas, que predo-minam na pauta das sessões,mereceram destaque temascomo: as instruções ao árbitrobrasileiro entre os Estados Uni-dos e a Grã-Bretanha; as recla-mações anglo-brasileiras,sequelas do Bill Aberdeen; asindenizações dos gastos de

guerra devidas pelo Paraguaiao Brasil; as questões de limi-tes entre a Argentina e oParaguai; os limites entre oBrasil e a Argentina; o arma-mento da Ilha de MartimGarcia; e o tratamento a serdado aos navios sob o con-trole de revolucionários argen-tinos, entre outros assuntos.

Despediu-se, em 30 de janeiro último,da direção da Revista de Marinha, de Por-tugal, após nela trabalhar por 33 anos, oComandante Gabriel Lobo Fialho.

O novo sócio-ge-rente da Editora Náuti-ca Nacional (ENN), queedita a publicação, ediretor da Revista deMarinha, Vice-Almi-rante Alexandre daFonseca, enalteceu,por ocasião do eventode despedida, a atua-ção do ComandanteLobo Fialho, que, porvezes com dificuldadese sem apoios, conse-guiu manter a publicação ininterrupta daRevista, tornando-a uma referência quan-to à abordagem de matérias ligadas às ati-vidades marítimas.

SUBSTITUIÇÃO DA DIRETORIA DAREVISTA DE MARINHA – PORTUGAL

Compareceram ao evento vários colabora-dores editoriais atuais e antigos da Revista deMarinha, bem como a equipe de gestão queapoiava o Comandante Lobo Fialho e os mem-

bros da equipe atual.A Direção da RMB

teve o prazer de recebero Comandante GabrielLobo Fialho por ocasiãodas comemorações dos150 anos de fundação danossa revista, em 2001.Durante as apresenta-ções de cada diretor dasrevistas que aqui compa-receram, seguidas de de-bates, a participação doComandante Fialho sem-

pre foi muito útil e eficaz, demonstrando ele-vado tirocínio e senso prático.

A Revista de Marinha é publicadabimestralmente.

O ano da França no Brasil terá 400 even-tos culturais e 40 de negócios, envolven-do cerca de 600 empresas interessadas emacordos comerciais de grande porte, comoo fornecimento do trem de alto desempe-

ACORDOS COM A FRANÇA

nho para fazer a ligação São Paulo-Rio,um empreendimento de € 10,3 bilhões.Nada, porém, terá o brilho político e eco-nômico dos resultados dos acordos bila-terais fechados desde dezembro do ano

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

passado, com a discrição possível, no se-tor de Defesa.

Entre submarinos convencionais,tecnologia de casco para navios do mes-mo tipo (porém de propulsão nuclear), mo-dernização de mísseis, fornecimento de he-licópteros pesados, mais as construçõesde um estaleiro e de uma sofisticada basenaval, a soma chega a 9,8 bilhões de euros.

Na área do Comando da Marinha, está oprograma mais ambicioso. De acordo como ministro da Defesa, Nelson Jobim, serãocomprados quatro submarinos convencio-nais diesel-elétricos da classe Scorpène doestaleiro DCNS, de Cherbourg, e tambémserá adquirido o conhecimento avançadopara a execução do casco de navios domesmo tipo, porém dotados de propulsãonuclear. A Marinha domina o ciclo do com-bustível atômico e a engenharia de reato-res. O pacote prevê ainda a construção deum estaleiro especializado e da base deoperações da nova força. O valor total ésuperior a 7 bilhões de euros. O lote pode-rá ser todo produzido no País, embora es-teja em discussão, como forma de reduziros prazos de entrega, a fabricação da pri-meira unidade em Cherbourg, com a parti-cipação de engenheiros navais brasileiros.

“A transferência de tecnologia está garan-tida de forma contratual”, segundo o co-mandante da Marinha, Almirante de Esqua-dra Julio Soares de Moura Neto.

A escolha do Scorpène está vinculadaà meta do submarino estratégico. O navioadota conceitos da classe Rubis, nuclear,de 2.400 toneladas. O desenho do cascoincorpora peculiaridades hidrodinâmicasadequadas às exigências em regime de altavelocidade (20 nós, 37 km/hora) e mano-bras críticas.

A cooperação com a França vai resultarna construção de uma nova base – a pre-tensão é de que a frota seja composta portrês unidades até 2035 – de submarinosnucleares. O centro naval será instaladono litoral sul do Rio, próximo do novo esta-leiro. Ali, no bolsão de águas calmas e pro-fundas, onde a topografia é favorável, osnavios de 6.700 toneladas serão prepara-dos para cumprir missões permanentes emalto-mar. O parceiro local do estaleiro DCNSé o grupo Odebrecht.

Uma joint venture reunirá a empresanacional, com 50%; o estaleiro francês, queterá 49%; e a Marinha do Brasil, com 1%.

(Fontes: www.defesanet.com e O Esta-do de S. Paulo)

COMANDANTE DA MARINHA EM VISITA À CHINA

O comandante da Marinha, Almirantede Esquadra Julio Soares de Moura Neto,visitou a República Popular da China noperíodo de 18 a 27 de abril, quando partici-pou de atividades protocolares, represen-tando o Brasil e a Marinha do Brasil emdiversos eventos.

No dia 20 de abril, o Almirante MouraNeto encontrou-se com o Almirante WuShengli, comandante da Marinha do Exér-cito Popular de Libertação da China(MEPL), quando foram ressaltadas as im-

AE Moura Neto e Alte. Wu Shengli,Comandante da MEPL

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portantes cooperações entre as Marinhasdos dois países, buscando aumentar aindamais o número de intercâmbios, seja emcursos ou estágios. Na noite desse mesmodia, foi realizada a Cerimônia de Aberturada China Fleet Review 2009, evento come-morativo aos 60 anos de criação da MEPL.

Após a cerimônia de abertura, o coman-dante da Marinha recebeu aproximadamen-te 120 convidados a bordo do Navio deDesembarque de Carros de Combate GarciaD´Avila (G-29), navio da Marinha do Brasilque representou o País no Desfile Naval,realizado em 23 de abril.

No dia 21, participou do Fórum entreMarinhas, cujo tema foi “Harmonia noMar” e no qual foi o terceiro a discursar.

No dia 22, visitou navios chineses, comouma fragata, um submarino convencionale um novo navio-hospital. Nesse dia, oAlmirante Moura Neto e o adido naval bra-

Presidente da China cumprimenta oComandante da Marinha do Brasil

NDCC Garcia D’Avila durante a Parada Naval

sileiro, Capitão de Mar e Guerra Luiz CarlosBrasil Maldonado, almoçaram com o co-mandante da Marinha da Coreia do Sul,Almirante Jung, a bordo do navio coreanoKDX-II. Na tarde do mesmo dia, foi realiza-da uma visita à Academia de Submarinos,em Qingdao.

No dia 23, o comandante da Marinha doBrasil foi convidado a representar todas asMarinhas participantes e fazer, em nomede todos, um discurso em agradecimentoao presidente da China, Hu Jintao. À tarde,foi realizado o Desfile Naval, com o NDCCGarcia D´Avila e meios navais de 29 paí-ses. Além do Desfile Naval, o navio brasi-leiro participou de competições esportivascom representantes de outras Marinhas du-rante sua estadia na China.

No dia 27, foram visitadas a AdidânciaNaval na China e a Embaixada Brasileira,localizadas em Beijing, onde aconteceuuma visita de cortesia ao embaixador doBrasil, Clodoaldo Hugueney Filho.

(Fonte: www.mar.mil.br)