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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ MEIO AMBIENTE REVISTA DO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DO PARANÁ CURITIBA Novembro de 2007 VOLUME IV MEIO AMBIENTE CURITIBA ANO N° 4 1ª Edição

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

MEIO AMBIENTE

REVISTA DO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL

ÀS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO

AO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DO PARANÁ

CURITIBA

Novembro de 2007

VOLUME IV

MEIO AMBIENTE CURITIBA ANO N° 4

1ª Edição

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PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

MILTON RIQUELME DE MACEDO

COORDENAÇÃO

SAINT-CLAIR HONORATO SANTOS

SÉRGIO LUIZ CORDONI

ROBERTSON FONSECA DE AZEVEDO

PUBLICAÇÃO DO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL

ÀS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO AO

MEIO AMBIENTE

Os artigos são responsabilidade exclusiva dos autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação, desde que seja citada a fonte.

Correspondência relativa a intercâmbio deve ser dirigida ao Ministério Público do Estado do Paraná – Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente.

Av. Marechal Floriano Peixoto, 1251, Rebouças

80.230-020 – Curitiba – PR – Brasil

E-mail:[email protected]

Endereço Eletrônico: www.mp.pr.gov.br

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APRESENTAÇÃO

Trata-se de publicação que além das questões doutrinárias pretende orientar os Promotores de Justiça e demais interessados, nesse ramo do direito, propiciando aperfeiçoamento e um trabalho eficaz para a proteção ambiental.

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SUMÁRIO

TEIXEIRA DA CRUZ, JOÃO

1.1 Agrotóxicos: da Guerra à Mesa do Consumidor ................................

TEIXEIRA DA CRUZ, JOÃO

1.2 Alimentos Transgênicos: um desserviço da ciência que assusta ................................................................................................................................

CORDEIRO.R.MURILO

1.3. Pequenos e Perigosos seres Alados ................................................................

SLOBOGIN, CHRIS

1.4. Crimes Ambientais ............................................................................................

“U.S. Environmental Protection Agency” (EPA) e “Supplemental Environmental Projects” (SEPs) – política ambiental americana

(EPA PROJETOS SUPLEMENTARES DA POLÍTICA)................................

2. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS ........................................................................................

3. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................

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ÍNDICE

Ação Civil Pública..........................................................................

Vila Rural – Construção em Área de Manancial .............................

Depósito Irregular de Resíduos Sólidos(lixão)................................

Plantação de Lavoura em APP com Emprego de Agrotóxicos .......

Construção de Cemitério sem o EPIA/RIMA ..................................

Poluição Ambiental Causada por Derramamento de Óleo na Serra do Mar ...........................................................................................

Extração de Argila em Área de Preservação Permanente..............

Construção em Área de Mangue....................................................

Construção Irregular em Unidade de Conservação (Ilha do Mel)....

Jurisprudência Cível (Acórdãos) ....................................................

Areal..............................................................................................

Cemitério.......................................................................................

Reserva Florestal Legal .................................................................

Jurisprudência Criminal (Ementas) ................................................

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1. Estudos

1.1. AGROTÓXICOS: DA GUERRA À MESA DO CONSUMIDOR

João Teixeira da Cruz Técnico Agrícola - CREA 277/TD

Diretor de Tecnologia do SINTEA-PR

O agrotóxico é a mais potente arma de domínio mundial criada pelo homem e passou a ser amplamente utilizada a partir da década de 1950. Sua origem é bélica. São substâncias químicas que os europeus, principalmente os alemães e os ingleses, desenvolveram para se enfrentarem nas guerras mundiais da primeira metade deste século.

Com o agrotóxico, não apenas se estraçalha a economia e os modos naturais e milenares de plantio nos países pobres, tornando-os ainda mais dependentes, como se escraviza e se extermina a própria natureza.

Trezentos e cinco (305) milhões de quilos de pesticidas são vendidos anualmente para o hemisfério empobrecido do planeta. Põem-se no lixo os preceitos científicos e consagra-se a ética escusa dos tecnocratas. No Brasil, este mal foi mais uma obra do obscurantismo militar, pois, entre outros flagelos, foi com golpe de 1964 que as multinacionais de agrotóxicos apropriam-se das lavouras brasileiras, levando a óbito muitos agricultores e consumidores. Hoje, mesmo que as demandas ecológicas sejam imensas nesse sentido, a Sociedade Industrial contra-ataca, agindo agora no próprio padrão genético das plantas, através do que seu marketing habilmente chamado de BIOTECNOLOGIA.

O primeiro agrotóxico introduzido no Brasil foi BHC, em dezembro de 1946, para exterminar gafanhotos, em Caçador, estado de Santa Catarina. Graças ao poder dos fabricantes inter-nacionais e a ajuda (abertura) do Governo Brasileiro, nos anos de 1970, o Brasil tornou-se um dos países do mundo que mais consomem agrotóxicos. Até o ano de 1990 vigorou em nível federal

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apenas o Decreto n.°114 de 12/04/ 1934 e quando as autoridades tentaram criar leis estaduais para disciplinar o uso de agrotóxicos, houve reação internacional. Em nível mundial a Federação de Associações Nacionais de Fabricantes de Agrotóxicos (GIFAP) e da Federação das Indústrias de Defensivos Agrícolas da Alemanha, exigiram providências do governo brasileiro, contra as leis estaduais. Na reunião acontecida em 28 e 29 de novembro de 1983, o Ministro da Agricultura do Brasil da época, Nestor Jost, foi interpelado para que utilizasse a sua influência ministerial para evitar a criação de leis estaduais que restringissem o uso de agrotóxicos.

O resultado dessa parceria internacional com o governo brasileiro, em nível de Estado do Paraná foi a seguinte:

INTOXICAÇOES: 10.452 pessoas (período de 1982 a 1991);

ÓBITOS (Total): 695 pessoas (período de 1982 a 1991);

OBITOS (Por suicídio): 553 pessoas (período de 1982 a 1991).

Mas o pior foi a grande quantidade de resíduos deixados no meio ambiente nas diversas bacias hidrográficas, contaminando a água que abastece a população. Segundo a Surehma, na água tratada para abastecimento público em 1984, em média 70% das amostras analisadas continham resíduos de agrotóxicos.

Com as águas contaminadas nas bacias hidrográficas, a população continua sendo vítima da química (agrotóxico ou efluente industrial), sendo o cantor Leandro, da dupla Leandro e Leonardo, falecido no dia 23/06/98, a mais recente, devido a um câncer pul-monar. Mesmo sabendo que o cantor Leandro foi um agricultor que trabalhou na lavoura de tomate e que os agrotóxicos são carcinogênicos, mutagênicos e teratogênicos, além de causar muitos outros prejuízos à saúde humana e ao meio ambiente, a imprensa não questionou a causa do câncer do ídolo que comoveu a todos com sua morte.

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1.2 Alimentos Transgênicos: um desserviço da ciência que assusta

João Teixeira da Cruz Técnico Agrícola - CREA 277/TD

Diretor de Tecnologia do SINTEA-PR

Mais uma vez trabalhando contra a agricultura brasileira, o Governo Federal tenta aprovar o Projeto de Lei nº 4.257/98, que altera a lei federal nº 6.305/75, que institui a classificação de produtos vegetais, subprodutos de valor econômico, e dá outras providências. Em síntese o projeto de lei propõe o fim da obrigatoriedade de o Estado classificar, padronizar e fiscalizar os produtos agrícolas.

Com essa lei aprovada, o Brasil estaria com as suas fronteiras abertas para a importação de produtos duvidosos em termos de qualidade, pondo o consumidor à mercê da sorte, na ocasião da compra de cereais (feijão, arroz, milho, etc.).

Mas, é perfeitamente compreensível que a meta principal da referida lei, se aprovada, é facilitar a importação de produtos transgênicos, isto é, modificados geneticamente, resistentes a pragas e herbicidas. Essa tecnologia vem apavorando cientistas do mundo todo.

Para se ter uma idéia do sério problema que é a manutenção genética dos alimentos, uma aliança de ambientalistas e religiosos de Washington, abriu processo judicial contra a FOOD AND DRUG ADMINISTRATION FDA), exigindo a rotulagem e testes para garantir a segurança desses produtos.

O governo americano e as grandes empresas produtoras de sementes modificadas por engenharia genética, são contrários à proposta de rotulagem dos alimentos alterados. Isso demonstra o grau da gravidade da questão.

No Brasil, o cultivo comercial é vetado, mas experiências ocorrem em 67 lavouras autorizadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTNBIO) de vários Estados. No Estado do Paraná, está proibida a entrada de Organismos Geneticamente Modificados (0GM), sem a autorização da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento.

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A mais perigosa invenção genética americana, que está prestes a chegar ao Brasil, chamada “TECNOLOGIA DO TERMINATOR” (exterminador), foi desenvolvida em conjunto pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USA) e pela empresa privada DELTA PINE LAND COMPANY, patenteada sob o nº 5.723.765 e denominada com o eufemismo de “Controle da Expressão do Gene de Planta”. Essa tecnologia genética impede o uso da semente para a reprodução da safra seguinte. Segundo técnicos brasileiros, “se a semente do exterminador entrar no Brasil, vai ampliar ainda mais a brecha social entre os pequenos e grandes produtores agrícolas. O caso é muito grave e caberia ao governo brasileiro começar uma séria investigação”.

Por ser uma questão de segurança nacional, o governo brasileiro deveria tomar providências para que fosse indeferido o pedido de patente da tecnologia do exterminador para o Brasil, protocolado no dia 28/10/97, sob o nº PI9508471-1, por iniciativa da DELTA AND LAND COMPANY e da Secretaria de Agricultura dos Estados Unidos.

Diante de todos esses fatos, o Pensamento Hindu resume com sabedoria a situação em que nos encontramos:

“DEUS DORME NO CORAÇÃO DAS PEDRAS, RESPIRA DENTRO DAS PLANTAS, SE DESPERTA COM OS ANIMAIS E SE ESPANTA COM A HUMANIDADE”

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1.3. PEQUENOS E PERIGOSOS SERES ALADOS Murilo R. Cordeiro

Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado do Paraná

O Êxodo, segundo livro do Pentateuco, narra a epopéia da libertação do povo hebreu do jugo do Faraó, em busca da Terra Prometida. Com apoio divino, o Profeta Moisés e seu irmão Aarão ameaçaram o supremo chefe egípcio de terríveis pragas que castigariam, como castigaram, o País, caso o povo eleito não fosse libertado. Mas o Faraó permaneceu irredutível. Disso resultou a concretização das ameaças do Profeta: as águas do Egito transformaram-se em sangue; rãs cobriram o país; o pó converteu-se em mosquitos que atacaram homens e animais; moscas varejeiras invadiram o palácio do Faraó, as casas dos Ministros e todo o Território do Egito; uma peste atacou todos os animais dos egípcios; úlceras formadoras de pústulas infectaram todos os egípcios e seus animais; choveu granizo com trovões, em tal intensidade, que abateu os que se encontravam no campo, homens e animais e também a vegetação; gafanhotos invadiram todo o Egito, em tal quantidade, que escureceu. Nada ficou de verde nas árvores e nas pastagens. Os israelitas só conseguiram sair do país após a última praga, isto é, a morte dos primogênitos do Egito, inclusive o do Faraó, herdeiro do trono, conforme determinou Deus.

Algumas dessas pragas, ou semelhantes, conquanto não tão intensas, nem com aquelas dimensões, tampouco dirigidas pelos profetas, já ocorreram entre nós. Quem, dos mais antigos, não se lembra do ataque de gafanhotos que destruiu lavouras, inspirando até música de carnaval? Quem não ouviu falar da gripe espanhola, que vitimou milhares de pessoas, e mais recentemente o cólera e o ebola?

Mas, lamentavelmente, parece que dois daqueles flagelos bíblicos ainda existem. Refiro-me às moscas e varejeiras.

Há centros urbanos infestados desses minúsculos e terríveis animais, que infernizam os cidadãos, em especial as donas de casa, principalmente quando do preparo das refeições e durante as mesmas. Presenciei, por ocasião de almoço em restaurante de sistema self-service, em cidade do interior, que havia um

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funcionário com a missão especial de afastar as moscas e varejeiras que sobrevoavam os recipientes dos alimentos. Nas mesas, os fregueses comiam rapidamente e tinham que espantar os indesejáveis atacantes, para que não pousassem sobre seus pratos.

Nas residências, a invasão é diária. Basta que se inicie o preparo das refeições, principalmente frituras e assados. O ataque é imediato. Os pequenos seres alados surgem rapidamente. Ao menor descuido eles pousam ávidos sobre os alimentos.

Alguns estabelecimentos comerciais, ao que me foi informado, adquiriram armadilhas, em que se adiciona um líquido para atrair esses insetos. Essas armadilhas e líquidos atrativos reduzem temporariamente a intensidade do problema. Aliás, tais meios de defesa precisam ser devidamente estudados e fiscalizados pelas autoridades competentes para que saibam do seu efeito maléfico ou não sobre o ser humano. Tal líquido possui odor desagradável e os milhares de moscas capturadas devem ser diariamente enterradas, conforme foram instruídos os adquirentes do dito aparelho.

O problema é seríssimo, não só pelo desconforto à população, mas principalmente pelo risco à saúde pública e ao meio ambiente.

Para que se tenha idéia do perigo que enfrentam os cidadãos às voltas com essa praga, valho-me, primeiro, da lição de Messias Carrera, consagrado entomologista do Paraná, em seu livro “Insetos de Interesse Médico e Veterinário” Ed. UFPR - 1991. Cumpre esclarecer que “entomologia é a parte das ciências biológicas que estuda os insetos” (Cf. ob. cit., pág. 13).

No tocante às moscas domésticas, transcrevo a lição do citado Professor, pág. 141:

“A mosca doméstica é um inseto imundo, que freqüenta escarros, carniça, fezes humanas e de outros animais e sendo comensal do homem pousa livremente sobre o nosso pão cotidiano e sobre objetos de nossa mesa, contaminando-os. Sua importância como transmissora mecânica de agentes infecciosos de várias doenças torna-se evidente pelos seguintes fatos: 1) é um inseto que vive no interior de nossas casas, vindo de fora, onde se alimenta de imundícies; 2) sendo um inseto praticamente onívoro, não desdém aquilo que nós comemos, como não pode ingerir partículas sólidas,

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regurgita saliva e gotículas de um líquido que tem em seu aparelho digestivo a fim de dissolver o material que pretende sugar; além destes vômitos, contaminando alimentos, deve-se acrescentar as fezes que sobre eles deposita;

3) as peças bucais e a extremidade das pernas da mosca doméstica estão estruturadas de maneira a favorecer consideravelmente o transporte de germes patogênicos e ovos de helmintos.

Conforme observação de vários autores, milhões de bactérias foram encontradas na probóscida e nas pernas desse inseto; do mesmo modo verificou-se que no seu intestino se instalam incontáveis micróbios, eliminados em seus vômitos e em suas dejeções. Experimentalmente demonstrou-se que esse inseto poder contaminar-se com inúmeros microorganismos patogênicos e deles ser o transmissor mecânico, tais como os causadores das disenterias, amebiana e de outras origens, da febre tifóide, da cólera, antraz, lepra, bouba, conjuntivites, tracoma, hepatite infecciosa, tuberculose, poliomielite, além de ovos de lombriga, de solitária e outros helmintos. Estas enfermidades podem estar relacionadas à abundância da mosca doméstica; medidas sanitárias reduzindo a presença desta mosca têm resultado em considerável diminuição da ocorrência de muitas das moléstias acima apontadas, principalmente a da febre tifóide (Howard, 1900). Este autor considera a mosca doméstica um inseto tão maligno que propôs a troca de seu nome popular para mosca da febre tifóide”.

O consagrado doutrinador aponta os métodos de combate, à pág. 141:

“Conhecidos a biologia e os hábitos dos muscídeos aqui estudados, tornam-se evidentes as medidas de combate a estes insetos. Estas medidas compreendem, na essência, os seguintes passos:

1) eliminação dos focos de criação das moscas;

2) proteção dos alimentos e utensílios usados às refeições;

3) destruição dos insetos.

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Deve-se evitar o acúmulo de lixo nas proximidades das residências; o lixo caseiro deve ser depositado em latões cobertos ou em sacos plásticos.

Os alimentos precisam ser protegidos a fim de evitar-se o contato das moscas, bem como os utensílios das refeições, guardando-os em locais apropriados, cobrindo-os com toalhas finas ou telando-se janelas e portas.

A destruição dos insetos pode ser feita com inseticidas apropriados, borrifando-se paredes, principalmente as das cocheiras e pocilgas, cujo solo deve ser diariamente lavado.

O poder procriador da mosca doméstica é fantástico. A progênie de apenas um casal de moscas, admitindo-se caso impossível de vingar a cria inteira, sem perda de um único descendente nas sucessivas gerações, seria, em cinco meses, de 191 quintilhões de indivíduos, o suficiente para cobrir quase toda a superfície da Terra com uma camada de moscas. Todavia, graças aos inimigos naturais que perseguem esse inseto, sua proliferação não vai além de certos limites.

Pensando-se na imensa quantidade de larvas que tão rapidamente surgem sobre matéria orgânica decomposta, deve-se reconhecer certo benefício que eles proporcionam, agindo na Natureza como eficiente fator de limpeza, removendo a carniça abandonada pelos campos e matos. Nos centros urbanos, porém, as moscas caseiras nenhum benefício proporcionam; ela só é inofensiva quando está morta” (grifei).

Colaciono ainda o ensino de Donald J. Borror e Dwigt M. Delong, Professores de Entomologia da Universidade Estadual de Ohio, in “Introdução ao Estudo dos Insetos”, verbis:

“FAMÍLIA MÚSCIDAE - Inclui a mosca doméstica, a mosca dos estábulos, a mosca tsé-tsé e muitas outras espécies. A mosca doméstica, Músca doméstica Linn., cria-se em imundícies de toda a sorte e é freqüentemente muito abundante; sabe-se que ela pode servir de vetor da febre tifóide, disenteria, cólera, bouba, carbúnculo e algumas formas de conjuntivite” (grifei).

Busco amparo, também, no livro de Eurico Santos in “Os Insetos - Vida e Costumes”, 2º vol., Ed. Itatiaia, Belo Horizonte, 1985, pág. 62:

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“Imunda e grandemente inoportuna, a mosca doméstica constitui um perigo constante e real, que devemos evitar, combatendo-as de todas as formas.

Está hoje perfeitamente demonstrado que este inseto representa um papel importante na veiculação de muitas doenças, e entre elas a tuberculose, o tracoma, e sobretudo a febre tifóide. Há, também, quem a acuse de veicular a lepra. Isso só para falar nos males mais pavorosos, porque a lista de doenças que ela pode veicular ao homem e aos animais domésticos é enorme, inclusive vermes” (meus os destaques).

A perniciosidade do repulsivo muscídeo é salientada pelo Dr. Sebastião M. Barroso in “As pragas domésticas, flagelos das donas de casa”, Ed. Cia. Melhoramentos de São Paulo, verbis:

“As patas, as asas, o corpo, arestas e espetos, com saliências e reentrâncias a que adherem partículas das immundícies por onde poisam e caminham e vão depois cair por toda a parte, inclusive nas nossas mãos e nos nossos lábios. É esse modo muito comum de certas doenças se propagarem - dysenteria, febres typhicas e outras” - grafia do original.

E prossegue o antigo doutrinador: A mosca doméstica póde prejudicar-nos causando não apenas aborrecimentos, mas espalhando doenças, como já dissemos acima. É impressionante a seguinte lista dos germens que ella póde engulir e expellir ainda vivos e pathogenos ou transportar nas suas patas azas e corpo: staphylococcus, pyogenes aureus, vibryão do cholera morbus, bacillo tuberculoso, bacillo pestoso, bacillos dysentericos, bacillos das febres typhoides, bacillos antharis, bacillo da diphteria, kistos de amebas da dysenteria, de giardia intestinalis, trypanosomas, treponemas da bouba, ovos de lombriga, de oyuros, de trichocephalos, de solitaria, de ankylostomos e outros.

Também as suas larvas pódem viver durante dias e semanas no nosso estomago ou nos nossos intestinos, produzindo perturbações gastro-intestinais-nauseas, vomitos, cólicas.

A mosca domestica ou commum, não é, como se vê, apenas importuna, póde tornar-se altamente nociva. Deve pois ser combatida sem dó nem piedade” (grifei) - ob. cit. pág. 17/18.

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Vistos os perigos da chamada mosca doméstica, cumpre anotar matéria específica a respeito do muscídeo conhecido como varejeira ou vareja, que também vem infestando comunidades urbanas e transtornando o cotidiano dos habitantes.

Ensina o Dr. Sebastião M. Barroso, no livro já citado, pág. 24:

“Moscas varejeiras são aquellas cujas larvas podem formar bernes, podem criar bicheiras. O povo chama a essas larvas-bernes e bichos de vareja. São parasitas” (grifei).

E prossegue, pág. 25:

“Parasitando o corpo humano, as larvas de moscas podem fazê-lo de modos diversos:

A - debaixo da pelle - berne;

B - nas cavidades externas - a) naturaes: fossas nasaes, vias genitaes, ouvidos, olhos, garganta, boca, vagina, anus; b) pathologicas: ulceras, feridas já existentes ou cavadas e formadas pelas próprias larvas - bicheira externas;

C - nas cavidades internas - estomago, intestino, bexiga - bicheiras internas. Dahi a divisão dessas larvas em cuticolas (productoras de bernes), cavicolas externas (productoras de bicheiras externas) e cavicolas internas (productoras de bicheiras internas).

Bernes e bicheiras, os medicos chamam myiases, quer dizer doenças produzidas por moscas”.

Carrera, pág. 159, no livro já citado, ensina:

“O combate a estas moscas antigamente era feito com diferentes inseticidas; utilizou-se também armadilhas para captura dos adultos com substâncias atrativas. Ultimamente têm-se desenvolvido técnicas especiais para a esterilização dos machos por meio de substâncias químicas, de raio X ou de raios gama. Depois da criação em massa das moscas, as formas adultas são submetidas a estes processos químicos ou de radiações e, em seguida, disseminadas por avião em locais escolhidos dentro de uma população de moscas nativas; a cópula efetua-se normalmente, mas os acasalamentos são estéreis. Na ilha de Curaçao, onde se

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aplicou este processo de controle, em oito semanas C.hominivorax foi erradicada, aparentemente de modo completo”.

Aliás, é aconselhável o auxílio de técnicos especialistas, a fim de que se promova o manejo integrado de pragas, sem riscos para o meio ambiente e para o homem.

Mas é bem de ver que a viabilidade técnica para o combate a esses insetos - moscas e varejeiras - depende da atuação conjunta, não só da população, mediante a prática de ações preventivas, mas principalmente dos órgãos públicos, isto é, Municípios, Secretarias de Estado da Saúde e do Meio Ambiente, por seus departamentos competentes, Ministério Público, como órgão atuante e fiscalizador da aplicação das normas de interesse público. Os Municípios de menor porte, minguados nos seus recursos, necessitam de apoio decisivo das entidades maiores - União e Estado - para que possam agir decisiva e concretamente no controle aos minúsculos, mas perigosos atacantes alados.

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1.4. CRIMES AMBIENTAIS Chris Slobogin

INDICE

I. O Contexto do Direito Penal Ambiental nos Estados Unidos da América

A. O Caráter federal do sistema:

1. Normas ambientais são efetivadas pelo governo federal, pelos governos estaduais, pelas organizações não-governamentais (ONG) e grupos de cidadão.

2. A atuação federal se dá através da Agência de Proteção Ambiental (EPA) de acordo com o Ministério de Justiça.

B. O método federal de execução dos regulamentos ambientais pelo governo federal tem três ramos:

1. Ação Administrativa;

2. Ações judiciais, incluindo ações populares;

3. Direito penal (criminal);

C. Incidência de ações penais

II - O princípio da Legalidade

A. De acordo com a Constituição dos Estados Unidos, leis vagas são inválidas.

1. Não há crime sem lei anterior que o defina.

2. A discricionariedade dos juízes e promotores de justiça deve ser limitada.

3. As leis ambientais usualmente definem o que vem a ser o dano, por exemplo:

4. Emissão de poluentes sem licença.

5. Violação dos termos de uma licença.

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6. Atos que prejudiquem a integridade dos requisitos de vigilância, registro ou notificação.

7. Dano a pessoas ou propriedade não previstos pelo direito penal tradicional (por exemplo, homicídio).

III - Responsabilidade Criminal dos Indivíduos

A. Três modalidades de crimes

1. Violações de risco de dano ambiental doloso

2. Violação consciente de uma norma (por exemplo, o transporte de resíduos tóxicos a um empreendimento que não tenha uma licença para manejar resíduos tóxicos).

3. Atos de negligência

B. Três maneiras pelas quais um indivíduo pode ter responsabilidade por um desses crimes.

1. Crimes por Comissão (por exemplo, a soltura de poluentes com conhecimento da ilegalidade do ato).

2. Participação e Co-Autoria (por exemplo, se alguém “causa” ou “ajuda” outra pessoa a violar as leis de poluição).

3. Omissão de um dever, por parte de um funcionário público ou pessoa que tem obrigação legal de evitar o dano (a regra do “oficial incorporado responsável garante”).

C. Além de aprisionamento e multas, tribunais podem impor obrigações de apresentação oral, restrições ao trabalho e prisão domiciliar.

IV. Responsabilidade Criminal de Pessoas Jurídicas

A. História

1. Antigamente, uma pessoa jurídica não podia cometer um crime, porque o tribunal diria que uma corporação não pode ter culpabilidade

2. Hoje, de acordo com a lei de “tort” (dano civil), os atos de agentes, dentro do limite do trabalho e em nome da corporação, são

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atos da pessoa jurídica, apesar da lei referir-se somente à pessoa. New York Cent. & H.R.R. v. United States, 212 U.S. 481 (1909). Em razão disto, uma corporação pode ser responsável por homicídio culposo.

B. Métodos modernos

1. Usualmente, uma pessoa jurídica é objetivamente responsável se a violação é regulamentar e o agente não está agindo somente em seu benefício. Isto é certo ainda que o agente estivesse agindo contra ordens explicitas de seus superiores.

2. Para crimes comuns (como roubo ou homicídio), a corporação usualmente será responsável somenteapenas se um agente de alto nível administrativo ou alguém do conselho de diretores autorizou, requereu, fez, ou tolerou negligentemente o ato.

C. Penalidades para pessoas jurídicas

1. Multas previstas pela lei federal das Normas Federais para Sentenças, Nº 8C, são agravadas se as violações são cometidas por funcionários de alto nível da corporação e as multas são mitigadas se a companhia adotou medidas para o cumprimento da norma.

2. Suspensão condicional da pena de acordo com as previsões da lei federal, nº 8D, é limitada a cinco anos. As condições podem incluir multa, recuperação do meio ambiente, serviços comunitários e programas remediadores razoavelmente relacionados ao objetivo da organização, além disso, podem incluir mecanismos de vigilância.

3. Condições de suspensão designadas para melhorar o meio ambiente poderiam ser moldadas na forma de Projetos Suplementares Ambientais (SEPs) da EPA, que usualmente são incluídos em termos de acordo. Remediação, restauração, compra ou aumento de uma área natural valiosa são típicos de uma SEP. ver 60 Fed. Reg. 24,856-58 (1995)

4. Conseqüências acessórias: uma condenação pode desqualificar a companhia de fazer negócios ou resultar numa suspensão em que a companhia não é elegível para contratos governamentais.

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5. Exemplos de penas: United States v. Norwood Industries, Inc., United States v. Action Manufacturing, Inc., o derramamento de petróleo pelo Exxon Valdez, e United States v. Harford Associations.

6. Um novo método: avaliação post hoc dos esforços da companhia para compensar vítimas e realizar procedimentos de cumprimento de norma e prevenção. J. Braithwaite, Challenging Just Deserts: Punishing White. Collar Criminals, 73 J. CRIM. L. & CRIMINOL. 732 (1982).

MATERIAIS

Política Revisada Ínterim de Projetos Suplementares da EPA, 60 Fed. Reg. 24, 856-58 (1995).

Normas Federais de Condenações dos Estados Unidos para Réus.

MANUAL DE APLICAÇÃO

O contexto do Direito Penal Ambiental nos Estados Unidos da América

§8C2.4 Cálculo das Multas

(a) a multa base é o máximo do:

1. total da subsecção (d), abaixo, correspondente à gravidade da ofensa determinado pelo § 8C2.3 (grau de Ofensa), ou;

2. o ganho pecuniário da organização com a ofensa,

3. a perda pecuniária decorrente da ofensa cometida pela organização, na medida em que o prejuízo foi causado intencionalmente, conscientemente ou negligentemente.

(b) Considerando que o manual das sanções aplicáveis do Capítulo Dois inclui instruções especiais sobre as multas aplicáveis às organizações, tais instruções devem ser observadas, quando apropriado.

(c) Considerando, ainda, que a extensão do cálculo tanto do ganho como da perda pecuniária iria indevidamente atravancar ou prolongar o processo de sentença, aquela quantia, i.e. - ganho ou

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perda apropriada, não deve ser usada na determinação do cálculo da multa.

(d) Tabela do Grau da Ofensa - Multa

Grau da Ofensa Quantia 6 ou

menos U$ 5.000

7 7.500 8 10.000 9 15.000 10 20.000 11 30.000 12 40.000 13 60.000 14 85.000 15 125.000 16 175.000 17 250.000 18 350.000 19 500.000 20 650.000 21 910.000 22 1.200.000 23 1.600.000 24 2.100.000 25 2.800.000 26 3.700.000 27 4.800.000 28 6.300.000 29 8.100.000 30 10.500.000 31 13.500.000 32 17.500.000 33 22.000.000 34 28.500.000 35 36.000.000 36 45.500.000 37 57.500.000

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38 ou mais

72.500.000

Comentários

Instruções para aplicação das sanções:

1. De acordo com a subsecção (a) (2), o ganho pecuniário utilizado para determinar o cálculo do valor da multa é o ganho obtido pela organização com a ofensa. De acordo com a subsecção (a) (3), a perda pecuniária utilizada para determinar o cálculo do valor da multa é a perda causada pela organização com a ofensa, na medida em que o prejuízo foi causado intencionalmente, conscientemente ou negligentemente.

2. De acordo com a Lei 18 U.S.C. § 3571 (d), o Tribunal não é obrigado a calcular a perda pecuniária a partir do ganho na medida em que tal determinação atravanque ou prolongue o processo de sentença. Ainda assim, o Tribunal pode necessitar de uma aproximação do valor da perda para fins de cálculo do nível da ofensa, conforme o Capítulo Dois.

3. Em caso envolvendo muitas partes (i.e, várias organizações, ou uma organização e indivíduo(s) não associados com a mesma), o Tribunal pode, conforme o caso, dividir os valores atribuídos aos ganhos e perdas em consideração à culpabilidade das partes e outros fatores relevantes.

Embasamento: Como regra geral, a multa-base corresponde à seriedade da ofensa. Os fatores determinantes da multa-base são selecionados de forma que, em conjunção com os multiplicadores previstos na tabela do §8C2.5 (Tabela de Culpabilidade), as mesmas resultarão em um critério de aplicação de multas apropriado para deter a conduta criminal da organização e fornecer incentivos para que as organizações mantenham mecanismos internos de prevenção, detecção e arquivos de condutas criminosas.

§8C2.5 Tabela de Culpabilidade

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(a) Inicia com t pontos e aplicam-se as subsecções (b) até (g), abaixo.

(b) Envolvimento ou Tolerância em Atividades Criminosas

(1) Se…

(A) a organização possuía 5.000 ou mais empregados e

(i) um indivíduo do pessoal graduado dentro da organização participou, admitiu ou voluntariamente ignorou as ofensas, ou;

(ii) houve tolerância geral para com a ofensa por parte do pessoal com autoridade na organização, ou;

(B) a unidade da organização na qual a ofensa foi cometida possuía 5.000 ou mais empregados e,

(i) um indivíduo do pessoal graduado dentro da organização participou, admitiu ou voluntariamente ignorou as ofensas, ou;

(ii) houve tolerância geral para com a ofensa por parte do pessoal com autoridade em tal unidade da organização,

acrescente-se 5 pontos, ou;

(2) Se…

(A) a organização possuía 1.000 ou mais empregados e

(i) um indivíduo do pessoal graduado dentro da organização participou, admitiu ou voluntariamente ignorou as ofensas, ou;

(ii) houve tolerância geral para com a ofensa por parte do pessoal com autoridade na organização, ou;

(B) a unidade da organização na qual a ofensa foi cometida possuía 1.000 ou mais empregados e,

(i) um indivíduo do pessoal graduado dentro da organização participou, admitiu ou voluntariamente ignorou as ofensas, ou;

(ii) houve tolerância geral para com a ofensa por parte do pessoal com autoridade em tal unidade da organização,

acrescente-se e pontos, ou;

(3) Se…

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(A) a organização possuía 200 ou mais empregados e

(i) um indivíduo do pessoal gradual dentro da organização participou, admitiu ou voluntariamente ignorou as ofensas, ou;

(ii) houve tolerância geral para com a ofensa por parte do pessoal com autoridade na organização, ou;

(B) a unidade da organização na qual a ofensa foi cometida possuía 200 ou mais empregados e,

(i) um indivíduo do pessoal graduado dentro da organização participou, admitiu ou voluntariamente ignorou as ofensas, ou;

(ii) houve tolerância geral para com a ofensa por parte do pessoal com autoridade na organização, ou;

acrescente-se 3 pontos, ou;

(4) Se a organização possuía 50 ou mais empregados e um indivíduo do pessoal graduado dentro da organização participou, admitiu ou voluntariamente ignorou as ofensas, acrescente-se 2 pontos, ou;

(5) Se a organização possuía 10 ou mais empregados e um indivíduo do pessoal graduado dentro da organização participu, admitiu ou voluntariamente ignorou as ofensas, acrescente-se 1 ponto.

(c) Histórico Anterior

Se mais de uma for aplicável, prevalece a mais grave.

(1) Se a organização (ou ramos da mesma, administrados separadamente) cometeu qualquer ato da ofensa em questão há menos de 10 anos depois de (A) sentença criminal baseada em conduta semelhante, ou (B) sentença civil ou administrativa baseadas em dois ou mais casos com condutas semelhantes, acrescente-se 1 ponto, pu;

(2) Se a organização (ou ramos da mesma, administrados separadamente) cometeu qualquer ato da ofensa em questão há menos de 5 anos depois de (A) sentença criminal baseada em conduta semelhante, ou (B) sentença civil ou administrativa baseadas em dois ou mais casos com condutas semelhantes, acrescente-se 2 pontos, ou;

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(d) Violação de Ordem Judicial

Se mais de uma for aplicável, prevalece a mais grave:

(1) (A) Se a prática da ofensa em questão violou uma ordem judicial ou mandado liminar destina de uma 2; ou (B) se a organização (ou ramos da mesma, administrados separadamente) violou uma condição de suspensão da pena por agir em ofensa semelhante, i.e., em conduta semelhante àquela em razão da qual foi aplicada a pena suspensa, acrescente-se 2 pontos, ou;

(2) Se a prática da ofensa em questão violou uma condição de suspensão de pena, acrescente-se 1 ponto.

(e) Obstrução da Justiça

Se a organização voluntariamente obstruiu ou impediu, tentou obstruir ou impedir, ou auxiliou, assistiu ou encorajou a obstrução da Justiça durante a investigação, acusação ou julgamento da ofensa em questão, ou ainda com conhecimento da mesma, falhou ao tomar medidas razoáveis para prevenir tal obstrução ou impedimento ou tentativa de obstrução ou impedimento, acrescente-se 3 pontos.

(f) Programa Efetivo para Prevenção e Detenção de Violações Legais

Se a ofensa ocorreu a despeito da existência de um efetivo programa de prevenção e detecção de violações da lei, subtraia-se 3 pontos.

Esta subsecção não se aplica se um indivíduo graduado dentro da organização ou da unidade da organização na qual a ofensa foi cometida e que tenha 200 ou mais empregados; ou o responsável pela administração ou aplicação do programa de prevenção participou, foi conivente ou voluntariamente ignorou a ofensa. A participação de um indivíduo com significativa autoridade pessoal em uma ofensa resulta em presunção relativa de que a organização não possuía um efetivo programa de prevenção e detecção de violações da lei.

Esta subseção não se aplica se, após ter notícia da ofensa, a organização retarda a comunicação do fato às autoridades governamentais responsáveis sem justificação.

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(g) Informação, Cooperação e Aceitação da Responsabilidade

Se mais de uma for aplicável, prevalece a mais grave:

(1) Se a organização (A) antes de uma eminente inspeção ou investigação governamental; e (B) dentro de um prazo razoavelmente imediato à ciência da ofensa der notícia da mesma às autoridades governamentais responsáveis, cooperar na investigação e claramente demonstrar um afirmativo reconhecimento da responsabilidade por sua conduta criminosa, subtraia-se 5 pontos, ou:

(2) Se a organização cooperar na investigação e claramente demonstrar um afirmativo reconhecimento da responsabilidade por sua conduta criminosa, subtraia-se 2 pontos, ou:

(3) Se a organização claramente demonstrar um afirmativo reconhecimento da responsabilidade por sua conduta criminosa, subtraia-se 1 ponto.

Comentário

Instruções para aplicação das sanções:

1. Para fins desta subsecção (b) “unidade da organização” significa qualquer componente operacional distinto da organização.

2. Em respeito à unidade com 200 ou mais empregados, “indivíduo graduado dentro da organização” significa agentes daquela unidade específica que estabelecem a política de atuação ou administram a mesma.

3. A aplicação da subsecção (b) se dará em casos específicos e dependerá do número de indivíduos com significativa autoridade pessoal que participam, foram coniventes com, ou voluntariamente ignoraram a ofensa e o grau de responsabilidade dos mesmos. Poucos indivíduos necessitam estarem envolvidos para a aplicação da subsecção se os mesmos possuírem um grau de autoridade relativamente alto.

4. Um “ramo da mesma (organização), administrados separadamente”, como usados nas subsecções (c) e (d), é uma sub-divisão de uma organização com fins lucrativos e que tenha gerenciamento próprio,alto grau de autonomia em relação a alguma autoridade gerencial superior e mantenha seus próprios livros de

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registro. Subsidiárias da corporação e divisões da mesma, freqüentemente são ramos da mesma, administrados separadamente.

5. A subsecção (e) aplica-se quando a obstrução for cometida em benefício da organização; não se aplica quando um indivíduo ou indivíduos procuram mascarar suas atividades como atividades da organização.

6. Para fazer jus à redução prevista na subsecção (g) (1) ou g(2), a cooperação deve ser integral e contemporânea à ação governamental. A contemporaneidade deve ter início no exato momento em que a organização for notificada acerca da investigação criminal. A integralidade deve incluir a entrega de toda informação pertinente e de conhecimento da organização. Uma prova de que a organização entregou toda a documentação pertinente é a identificação da mesma como suficiente para identificar a natureza e extensão da ofensa e os indivíduos responsáveis pela conduta criminosa.

Embasamento: Os graus de culpabilidade contidos na subsecção (b) são baseados em três princípios interligados. Em primeiro lugar, uma organização possui um maior grau de culpabilidade se indivíduos que administram ou possuam significativo poder discricionário para agir em nome da mesma participem, forem coniventes ou voluntariamente ignorem a conduta criminosa. Em segundo lugar, à medida que as organizações se tornam maiores e seus corpos diretivos mais profissionais, a participação, conivência com, ou voluntária ignorância em relação à conduta criminosa por tal administração é considerada uma quebra de confiança ou abuso de poder. Em terceiro lugar, à medida que as organizações se tornam maiores, o risco da ocorrência de condutas criminosas além daquela em questão aumenta quando a tolerância em relação à mesma é genericamente tolerada. Em razão do crescente aumento e profissionalização da administração das organizações, a subsecção (b) aumentou gradativamente o grau de culpabilidade baseado no tamanho da organização e no nível e extensão do envolvimento do pessoal graduado na conduta criminosa.

§8C2.6 Multiplicadores Mínimos e Máximos

Usando a tabela de culpabilidade do §8C2.5 Tabela de Culpabilidade) e aplicando qualquer instrução especial cabível para

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multas do Capítulo Dois, a determinação dos multiplicadores de multas máximos e mínimos é encontrada pela tabela abaixo.

Tabela de Culpabilidade

Multiplicador Mínimo

Multiplicador Máximo

10 ou mais 2.00 4.00

9 1.80 3.60

8 1.60 3.20

7 1.40 2.80

6 1.20 2.40

5 1.00 1.00

4 0.80 1.60

3 0.60 1.20

2 0.40 0.80

1 0.20 0.40

0 ou menos 0.05 0.20

§8C2.7 Cálculo do Valor da Multa - Organizações

(a) O valor mínimo da multa é determinado pela multiplicação da multa-base determinada pelo §8C2.6 (Multa Base) pelo multiplicador mínimo aplicável, estabelecido no §8C2.6 (Multiplicadores Máximos e Mínimos).

(b) O valor máximo da multa é determinado pela multiplicação da multa-base determinada pelo §C2.6 (Multa Base) pelo multiplicador máximo aplicável estabelecido no §C2.6 (Multiplicadores Máximos e Mínimos).

§8C2.8 Determinação do Valor de Cálculo da Multa (Política Aplicável)

(a) Na determinação do valor de cálculo da multa o Tribunal deve considerar:

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(1) a necessidade de a sentença refletir a seriedade da ofensa, promover o respeito à lei, fornecer punimento justo, deter novas infrações e proteger o público de novos crimes cometidos pela organização em tela;

(2) o papel desempenhado pela organização no cometimento da ofensa;

(3) qualquer efeito colateral da condenação, incluindo obrigações civis decorrentes da conduta da organização;

(4) qualquer prejuízo ou risco de prejuízo, não pecuniário, causado pela ofensa;

(5) se a ofensa envolveu alguma vítima vulnerável;

(6) qualquer antecedente criminal de indivíduo graduado dentro da organização ou da unidade da organização que tenha participado, sido conivente com ou tenha voluntariamente ignorado a conduta criminosa;

(7) qualquer conduta ilícita, civil ou criminal, diferente daquelas descritas no §8C2.5 ©, por parte da organização;

(8) qualquer nível de culpabilidade previsto no §8C2.5 (Tabela de Culpabilidade) acima de 10 e abaixo de 0;

(9) cumprimento parcial (incompleto) das condições de um ou mais dos fatores de mitigação e agravamento previstos no §8C2.5 (Tabela de Culpabilidade), e;

(10) qualquer fator previsto na Lei 18 U.S.C. § 35772(a).

(b) Além disso, o Tribunal deve considerar a importância relativa de cada fator utilizado na determinação do valor da multa, incluindo o prejuízo pecuniário causado pela ofensa, o ganho pecuniário obtido pela mesma, qualquer característica utilizada na determinação do nível da ofensa e os fatores de agravamento e mitigação usados na determinação do grau de culpabilidade.

Comentário

Instruções para aplicação das sanções:

1. Uma multa de grande valor dentro dos limites aplicáveis na tabela de multas será normalmente apropriada para aquelas

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organizações que tenham um papel preponderante na ofensa em particular.

2. De modo geral, as ações colaterais que visam tão somente a reconstituição do “status quo ante” das vítimas não legitimam a redução da multa dentro dos limites da tabela. Se as sanções civis e criminais não tiverem o condão de reconstituir o “status quo ante” das vítimas, multas mais graves dentro do valor da tabela podem ser fixadas. Se sanções punitivas colaterais tenham sido ou forem impostas à organização, multas menos graves dentro do valor da tabela podem ser fixadas.

3. Em caso envolvendo reiteradas reincidências, um aumento da penalidade acima dos valores estabelecidos pelas tabelas pode ser aplicado.

Nas hipóteses previstas na subsecção (b) o Tribunal pode, ao determinar o valor da multa dentro da tabela, considerar qualquer fator que seja utilizado na determinação da multa. Isto permite ao Tribunal diferenciar casos que possuam o mesmo grau ofensivo mas se diferenciem em seriedade (e.g., dois casos de fraude no nível 12, um resultado em um prejuízo de $ 21.000 e outro com prejuízo de $ 40.000). De maneira semelhante, isto permite ao Tribunal diferenciar casos nos quais tais fatores variem em intensidade (e.g, dois casos com reincidência criminosa sob o §8C2.5 (c) (2), (envolvendo condenações criminais há menos de cinco anos do início da conduta criminosa em questão) um deles envolvendo uma ou mais condenações).

§8C2.9 Extrapolação da Multa (“Disgorgement”)

O Tribunal pode acrescentar à multa determinada pelo §8C2.8 (Determinação do Valor de Cálculo da Multa) qualquer ganho obtido pela organização com a ofensa e que não tenha sido ou seja pago na forma de restituição ou outra ação remedial.

Comentário

Instruções para aplicação das sanções:

Esta secção foi criada para assegurar que a obtenção de qualquer ganho que não tenha sido ou não vá ser pago pela organização em razão de qualquer remédio judicial seja acrescido ao valor da multa. Esta secção tipicamente será aplicada nos casos em que a organização tenha obtido ganhos com a ofensa, mas

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cujas ações remediais ou de reparação não tenham sido propostas porque a ofensa não resultou em danos para vítimas identificáveis, e.g., lavagem de dinheiro, obscenidade, ofensas na comunicação de irregularidade, e.g, o custo da reposição de produtos defeituosos deve ser considerado um ganho indevido. Se o custo das medidas compensatórias tomadas ou a serem tomadas pela organização for igual ou superior ao ganho obtido com a ofensa, esta secção não é aplicável.

§8C2.10 Determinação da Multa para Outras Ofensas

Para qualquer ofensa ou ofensas não previstas no §8C2.1 (Aplicabilidade do Cálculo das Multas), o Tribunal deve aplicar uma multa adequada utilizando-se das normas da Lei 18 U.S.C. §§ 3553 e 3572. O Tribunal deve determinar o devido valor da multa, se ocorrente, a ser imposto em conjunto com qualquer multa prevista pelo §8C2.8 (Determinação do Valor de Cálculo da Multa) e §8C2.9 (Extrapolação da Multa (“Disgorgement”).

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1.5. ASSUNTOS (EPA PROJETOS SUPLEMENTARES DA POLÍTICA)

Sugestão - “U.S. Environmental Protection Agency” (EPA) e “Supplemental Environmental Projects” (SEPs) – política ambiental americana

Sumário dos Projetos Suplementares da Política Ambiental da EPA - 60 Fed, Reg. 24,856 (10 de maio de 1995)

Sumário da nova política

A. INTRODUÇÃO

1. Antecedentes

Para a composição, através de acordos, de ações visando a aplicação das normas ambientais, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos “U.S. Environmental Protection Agency” (EPA) exige dos poluidores que os mesmos passem a cumprir as leis e regulamentos ambientais federais e paguem uma multa de natureza civil. Em certos casos, o acordo pode incluir projetos ambientalmente benéficos, ou Projetos ambientais Suplementares - “Supplemental Environmental Projects” (SEPs). Esta política elenca os tipos de projeto que são admissíveis como SEPs, a medida mitigatória - aplicada como sanção-apropriada para o SEP específico e condições que podem fazer parte do termo de acordo. O objetivo desta política é encorajar e aperfeiçoar a proteção ambiental e da saúde pública, o que pode não ocorrer sem os incentivos à solução de conflitos através de acordos, como estabelecido na mesma.

A EPA, ao firmar termos de acordo, exige que os poluidores cessem com a ação danosa e recuperem qualquer dano causado pela mesma, na extensão possível. A EPA utiliza severas penalidades pecuniárias para deter o não cumprimento de normas e para prevenir as empresas de não cumprirem as leis ambientais até o momento em que são surpreendidas e obrigadas a se submeterem às mesmas. As penalidades não só detém poluidores, mas também asseguram uma igualdade a nível federal na medida em que impedem que poluidores obtenham vantagens econômicas

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indevidas sobre competidores que tem gastos com o cumprimento das leis ambientais. Finalmente, as penalidades encorajam as empresas a adotar técnicas de prevenção da poluição e de reciclagem, de forma a minimizar a poluição e eventual responsabilidade pela mesma.

As normas ambientais normalmente incluem critérios para aplicação de penalidades, com a finalidade de auxiliar os juízes ou a Administração na fixação das penalidades apropriadas. A EPA, ao firmar acordos, segue tais critérios ao exercer seu poder discricionário de aplicar uma penalidade alternativa apropriada. Entre os fatores considerados pela EPA no estabelecimento de acordos, incluem-se os benefícios econômicos associados às violações, a gravidade ou seriedade destas e o histórico da empresa. Provas do comprometimento e habilidade do poluidor em adotar o SEP também é um fator relevante. Se os termos de diversos acordos fossem todos iguais, a penalidade para aqueles que se submetessem a um SEP aceitável seria substancialmente reduzida.

A EPA estimula a utilização de Projetos Ambientais Suplementares. Os SEPs podem não ser apropriadas em todos os acordos, mas configuram uma importante parte do programa de execução das normas ambientais pela EPA. Tais projetos suplementares podem ser especialmente efetivos no aprofundamento dos objetivos das leis ambientais, inclusive no que diz respeito à prevenção da poluição e à justiça ambiental.

2. Prevenção da Poluição e Justiça Ambiental

A lei federal deixa claro que prevenir a poluição antes que a mesma ocorra é preferível a tentar gerenciar, tratar ou dispor dos poluentes após os mesmos terem sido criados. Portanto, em sede de termos de acordo, SEPs que envolvam a prevenção da poluição são preferíveis a outros tipos de estratégias para a redução e controle da mesma. A justiça ambiental aborda o fato de que alguns segmentos da população são mais afetados pela questão da poluição. A justiça ambiental, mais do que uma técnica, é um objetivo ambicioso, e a EPA estimula a adoção de SEPs em comunidades onde esta questão esteja presente.

3. Aplicação da Nova Política

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Um critério dividido em cinco etapas é utilizado pela EPA na análise de Projetos Ambientais Suplementares:

(1) Assegurar que o projeto atenda as definições essenciais de um SEP (vide secção B);

(2) Assegurar que todas as diretrizes legais sejam atendidas (vide secção C);

(3) Assegurar que o projeto se enquadre em pelo menos uma das categorias de SEP (vide secção D);

(4) Calcular o custo total do projeto, pós-taxação, e determinar o valor apropriado da mitigação da sanção;

(5) Assegurar que o projeto satisfaz todas as etapas de implementação e outros critérios (vide secções F,G, H e I).

4 . Aplicabilidade

Esta Política se aplica para a composição de todas as ações, judiciais (na fase de composição do litígio) e administrativas, de execução das normas e regulamentos ambientais sob a responsabilidade da EPA. Esta Política de acordos tem caráter administrativo e não pode ser obrigatoriamente imposta pela EPA, partes interessadas, juízes ou árbitros em sede de confronto judicial litigioso. A EPA possui pleno poder discricionário para aceitar ou rejeitar um SEP proposto como parte de um termo de acordo.

B. DEFINIÇÃO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE UM PROJETO AMBIENTAL SUPLEMENTAR

Projetos Ambientais Suplementares são projetos ambientalmente benéficos cuja implementação poluidores podem aceitar quando da realização de termos de acordo, mas que não são, de outra forma, legalmente exigidos. Os principais beneficiários do projeto devem ser a saúde pública e o meio ambiente. A EPA possui a oportunidade de auxiliar na concepção do projeto antes do mesmo ser implementado. Um SEP não pode incluir ações que o poluidor seja obrigado a adotar tanto em razão de leis federais, estaduais ou locais ou ainda em sede de acordo em outro caso, ou ainda por força de liminar concedida no caso em concreto.

C. DIRETRIZES LEGAIS

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A EPA utiliza-se de cinco diretrizes legais para assegurar que os SEPs encontram-se sob a autoridade desta agência:

1. Todos os projetos devem ter um “nexo adequado”. O nexo é a relação entre a violação e o projeto proposto. O nexo existe em caso da SEP solucionar ou diminuir os prováveis riscos ambientais ou de saúde pública criados pela violação em questão. Proximidade geográfica é um forte sinal de que o nexo existe, ainda que o SEP se refira a um poluente distinto, em um recurso natural diferente.

2. Um projeto deve abordar pelo menos um dos objetivos contemplados pela legislação ambiental que dão embasamento para a ação administrativa. Além disso, o projeto não pode ser incompatível com qualquer lei em vigor.

3. A EPA ou outro órgão federal não pode ter nenhum papel no gerenciamento ou controle dos recursos destinados ao SEP, tampouco pode o EPA estar envolvida com o gerenciamento direto do projeto. À EPA cabe a fiscalização para constatação da aplicação do SEP conforme o acordo.

4. O Termo de acordo assinado definirá a forma e objetivo de cada Projeto Ambiental Suplementar.

5. O projeto não pode se constituir em algo que esteja legalmente como de responsabilidade da EPA. O projeto não pode conceder à EPA recursos adicionais para implementar qualquer atividade que já tenha fundos estabelecidos pelo Congresso.

D. CATEGORIAS DE PROJETOS AMBIENTAIS SUPLEMENTARES - SEPs

Existem sete categorias de projetos que podem ser qualificados como SEPs. Um projeto que podem ser qualificados como SEPs. Um projeto proposto deve satisfazer os requerimentos de pelo menos uma categoria para ser qualificado como um SEP.

1. Saúde Pública

Projetos de Saúde Pública fornecem diagnósticos e medidas preventivas e/ou profiláticas relacionadas ao efetivo ou potencial dano causado à saúde humana pela violação. O principal beneficiário do projeto deve ser a população que foi atingida ou posta em risco pela violação.

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2. Prevenção da Poluição

Projetos de prevenção da poluição reduzem a geração desta mediante a “redução na fonte”, i.e., uma prática que reduza a quantidade de substâncias, poluentes ou contaminantes tóxicos liberados no ambiente antes mesmo de qualquer processo de reciclagem, disposição ou tratamento. A redução na fonte pode incluir a modificação de tecnologias ou equipamentos, formas de procedimento, novo design dos produtos, melhorias no gerenciamento da atividade, manutenção de máquinas, controle do estoque e outras medidas de operação. A prevenção da poluição também inclui projetos que protejam os recursos naturais através de conservação ou aumento da eficiência. Para um projeto ser qualificado como de controle da poluição, deve haver uma diminuição geral na quantidade e/ou toxidade da poluição liberada.

3. Redução da Poluição

Um projeto de redução da poluição emprega técnicas de reciclagem, tratamento, contenção e disposição da poluição já produzida ou liberada. Um projeto de redução da poluição deve implicar numa diminuição na quantidade e/ou toxidade de qualquer substância ou poluente tóxico lançado no ambiente por qualquer meio que não se enquadre na categoria de prevenção da poluição.

4. Proteção e Restauração Ambiental

Um projeto de proteção e restauração ambiental ultrapassa a reparação do dano causado pela violação para alcançar a melhoria da condição do ecossistema ou área geográfica negativamente afetada. Estes projetos devem ser usados para restaurar ou proteger ambientes naturais (ecossistemas) ou humanos (prédios ou construções).

5. Análises e Auditorias

Quatro espécies de análise e auditorias são admissíveis como SEPs:

a) Análise de prevenção da poluição são sistemáticas revisões internas dos processos específicos e operações designadas para identificar e fornecer informações acerca das chances de reduzir o uso ou produção de materiais tóxicos e perigosos. Para ser aceita como um SEP, tais análises devem ser

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desenvolvidas de acordo com procedimentos reconhecidos como forma de reduzir a possibilidade de futuras violações;

b) Análise de locais são investigações sobre a condição ambiental dos locais em estudo e das ameaças à saúde humana e ao ambiente naquele local. Tais análises podem incluir investigações sobre o nível de contaminantes, emissões e descargas, pesquisas ambientais, análise dos danos aos recursos naturais e análise dos riscos.

c) Uma auditoria sobre o sistema de manejo ambiental é uma avaliação independente das práticas e controles ambientais exercidos por alguma empresa. Tal avaliação pode abordar a necessidade de: 1 - adoção formal de políticas e procedimentos de implementação e cumprimento das normas ambientais; 2 - programas de treinamento e educação de empregados; 3 - programas de aquisição, operação e manutenção de equipamentos; 4 - programa de implementação do cargo de “fiscal ambiental”; 5 - sistemas de planejamento e destinação de verbas para o cumprimento da legislação ambiental; 6 - sistemas de monitoramento, obtenção e manutenção de dados; 7 - implantação de planos emergenciais internos e comunitário; 8 - sistemas de comunicação e controle internos e, 9 - análise de risco da identificação de tóxicos.

d) uma auditoria sobre a adoção das normas ambientais é uma avaliação independente acerca do cumprimento da legislação ambiental por parte do poluidor. O crédito ao projeto ambiental complementar é concedido apenas aos custos da auditoria. Caso esta aponte alguma violação, o SEP exigirá que a mesma seja corrigida, mas tal não será creditado como SEP porque trata-se de mero cumprimento das exigências legais.

6. Promoção para o Cumprimento da Legislação Ambiental

Uma promoção para o cumprimento da legislação ambiental fornece treinamento e suporte técnico para outros membros da comunidade sob regulamentação visando: 1 - identificar e alcançar o cumprimento de leis e regulamentos aplicáveis; 2 - prevenir a violação dos mesmos; 3 - ultrapassar o mero cumprimento através da redução da poluição abaixo dos níveis legais.

7. Preparo e Planejamento em Caso de Emergências

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Projetos sobre o preparo e planejamento em caso de emergências fornecem assistência não pecuniária para órgãos estaduais ou locais responsáveis pelo planejamento e atuação em casos de emergências. Estes projetos visam habilitar tais organizações e coletar informações acerca da produção, estocagem e uso de produtos químicos tóxicos presentes nas fábricas e outras instalações presentes nas respectivas jurisdições; a desenvolver planos de ação emergenciais; a treinar pessoal especializado em ações de emergência e melhorar a atuação de tais agências em caso de vazamento de produtos químicos.

8. Projetos que não são Admitidos como SEPs

Os seguintes projetos normalmente não são aceitos como SEPs:

a) projetos genéricos de educação ao público;

b) contribuição à pesquisa ambiental promovida por universidades;

c) condução de projetos comunitários não relacionados à proteção ambiental, ainda que benevolentes;

d) estudos e análises sem o comprometimento de adoção das conclusões;

e) projetos custeados como empréstimos federais com juros baixos, contratos e verbas federais.

E. CÁLCULO DA MULTA DEFINITIVA

Normalmente, os custos do poluidor no desenvolvimento de um projeto ambiental suplementar são considerados com fins de cálculo da quantia envolvida no termo de acordo. O cálculo da penalidade em sede de um termo de acordo que inclui um SEP ocorre em três fases. Primeiramente, as políticas de aplicação de sanções pela EPA são usadas para calcular todos os outros elementos da sanção resultante do acordo (incluindo benefícios econômicos e agravantes). Em segundo lugar, são calculados os custos totais, pós-tributação, do projeto. Finalmente, são avaliados os benefícios do SEP, baseados em fatores específicos, que determinam qual porcentagem dos custos totais, pós-tributação, serão considerados na determinação da sanção estabelecida em sede de termo de acordo.

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F. ATUAÇÃO POR TERCEIROS

O termo de acordo deve descrever precisa e detalhadamente o projeto ambiental suplementar, tanto no que diz respeito à descrição das ações a serem adotadas pelo poluidor como fornecer meios confiáveis para assegurar que este cumpriu com o projeto no prazo acertado. Tal estratégia pode envolver relatórios periódicos à EPA ou o emprego de auditores independentes às custas do poluidor. O SEP também exigirá a produção de um relatório final reconhecido por funcionário público competente, que evidenciará a aceitação do mesmo por parte da EPA.

G. OVERSIGHT AND DRAFTING ENFORCEABLE SEP’S

NAO HÁ TEXTO ALGUM

H . FRACASSO DO SEP E CLÁUSULAS PENAIS

Se o SEP não for completamente satisfatório, o poluidor pode ser exigido a pagar penalidades estipuladas em sede do termo de acordo.

1. Exceto no caso do parágrafo 2, abaixo, se um SEP não for completamente satisfatório, uma significativa multa estipulada deve ser aplicada. Esta multa deve ter entre 50% ou 100% do valor da multa originariamente reduzida por força da SEP.

2. Se a SEP não for completamente satisfatória, mas o poluidor agiu de boa fé e nos prazos previstos ou foi certificado, por documentação aceitável, de que pelo menos 90% da quantidade de dinheiro exigida para ser gasto no desenvolvimento do SEP foi gasto, nenhuma penalidade é necessária.

3. Se a SEP for satisfatoriamente concluída, mas o poluidor gastou menos que 90% da quantidade de dinheiro que deveria ser gasto no desenvolvimento do projeto, uma pequena multa será aplicada, normalmente no valor de 10% a 20% do total da penalidade mitigada pelo acordo.

4. Se a SEP for satisfatoriamente concluída e o poluidor tiver gasto pelo menos 90% da quantidade de dinheiro que deveria ser despendida, nenhuma penalidade é necessária.

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A determinação se um SEP foi ou não satisfatoriamente concluída e se o poluidor estava ou não imbuído de boa fé ou gastou o tempo necessário no projeto está sob a plena discricionariedade da EPA.

I. PROCEDIMENTOS DA EPA

Funcionários governamentais com autoridade para celebrar termos de acordo têm poder de aprovar um SEP. No entanto, funcionários de órgãos regionais devem ter a oportunidade de analisar e comentar os SEPs propostos. Quando um SEP não se enquadrar completamente nas determinações desta política, o SEP deve ser aprovado pelo Agente para Controle da Fiscalização e Cumprimento das Normas da EPA - “EPA Assistant Administrator for Enforcement and Compliance Assurance”.

Documentos e explicações sobre um SEP em particular podem se constituir em informações confidenciais a salvo das provisões da Lei de Liberdade de Informação - “Freedom of Information Aet” e sujeito de diversos privilégios.

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2. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE LIMINAR, EM FACE DO MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS.

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE CARLÓPOLIS- PARANÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça ao final assinado, com fundamento no disposto do artigo 225 da Constituição Federal, Lei 7.347 de 24 de julho de 1985, Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 e Lei Estadual 8.935/89 e demais disposições da lei adjetiva civil, vem perante Vossa Excelência, propor:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de LIMINAR, em face do:

MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS, pessoa jurídica de direito público interno, inscrito no CGC sob o nº 76.965.789/0001-87, representado pelo Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal, Sr. Luis Garbelotti, com sede na Rua Benedito Salles, nº 1.060 , Carlópolis, Paraná; e

ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Sr. Jaime Lerner, com sede no Palácio do Governo, Centro Cívico, Curitiba, Paraná;

conforme os fundamentos de fato e de direito a seguir expostos:

I- DOS FATOS:

Com o objetivo de instalar em Carlópolis mais uma unidade do “Programa Vilas Rurais”, o Poder Executivo local deu início à aquisição de um imóvel para a implementação do empreendimento.

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Aos 27 de novembro de 1.997, o Chefe do Poder Executivo encaminhou à Câmara de Vereadores os Projetos de Lei registrados sob os nº 41/1997 e 42/1997, onde pelo primeiro pedia autorização para adquirir uma área de terras medindo 26 alqueires paulistas, equivalentes a 62,92 ha, pertencente a HIROSHI KUBO, e, pelo segundo, pedia autorização legislativa para a contratação de operação de crédito necessária para o pagamento da área que estava por adquirir (docs. de fls. 14/24).

Os projetos de Lei tramitaram em regime de urgência, solicitado pelo Chefe do Poder Executivo, justificando que tal se impunha por expressa determinação da COHAPAR, a qual, “para se providenciar as Leis e documentos necessários”, pretendia solução do caso até o dia 02 de dezembro de 1.997 (documento de fls. 14).

Os referidos projetos foram aprovados aos 10 de dezembro de 1.997 (fls. 15 e 22) e, aos 29 de abril de 1.998, o MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS adquiriu, do senhor HOROSHI KUBO, um terreno rural com área de 629.200,00 m2 (seiscentos e vinte e nove mil e duzentos metros quadrados), ou seja, de 26 (vinte e seis) alqueires paulistas, de terras de cultura sem benfeitorias, situado na Fazenda Jaboticabal, no lugar denominado Bairro Pinheirinho, conforme as divisas e confrontações descritas na cópia da matrícula juntada a fls. 52/53.

A Escritura Pública de Compra e Venda encontra-se juntada a fls. 56/57, sendo certo que o MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS pagou pelo imóvel a importância de R$ 179.400,00 (cento e setenta e nove mil e quatrocentos reais).

Na seqüência, o MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS doou a área em questão à COMPANHIA DE HABITAÇÃO DO PARANÁ – COHAPAR, conforme Escritura Pública de Doação de fls. 54/55, isso aos 29 dias de abril de 1.998.

Em 17 de fevereiro de 1.998, o MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS entabulou com o ESTADO DO PARANÁ, este representado pelo Secretário Especial da Política Habitacional e pela COMPANHIA DE HABITAÇÃO DO PARANÁ – COHAPAR, o Convênio nº 095/AQVR/98, juntado a fls. 26/27, que tinha como objetivo a participação financeira do último, através da COHAPAR,

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visando propiciar ao primeiro as condições para a aquisição de área de terras destinada à implantação do “Programa Vilas Rurais”.

Dando seguimento à intenção de implantar a “Vila Rural Manga Rosa”, o MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS firmou com o ESTADO DO PARANÁ, representado pelo Secretário Especial de Política Habitacional, através da COHAPAR, SECRETARIA DE ESTADO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO, COPEL e SANEPAR, o Convênio nº 282/VR/98, datado de 02 de junho de 1.998 (documento de fls. 29/32), objetivando a construção de unidades habitacionais na área adquirida pelo MUNICÍPIO.

Ocorre que o empreendimento em questão encontra-se localizado em área considerada manancial de abastecimento público, pois ela abriga a nascente do Rio Jaboticabal, conforme relatório técnico efetivado pela Engª Agrônoma Elma Nery de Lima Romanó, servidora lotada no Ministério Público do Estado do Paraná (documento de fls. 172/178).

Além do solo em questão estar sujeito a intensos processos erosivos, constatou-se que constitui uma área extremamente frágil do ponto de vista ambiental. Convém citar o tópico “Fontes de Poluição” do estudo técnico de fls. 172/178:

“A área por situar-se em Bacia de Manancial de Abastecimento Público, é considerada uma área frágil do ponto de vista ambiental, pois qualquer atividade que venha a ser implantada no local irá atingir o manancial. Funciona como uma balança que deve estar em equilíbrio. Todas as atividades geradoras de efluentes químicos, criação de animais são proibidas, tendo em vista a situação topográfica da área em relação ao manancial, e mesmo cultivos que exponham o solo, são condenados, até porque será muito difícil ao aproveitamento deste solo para fins agrícolas, pois exigirá alta tecnologia, para recuperação da erosão que se encontra em grau bastante elevado. As propriedades vizinhas à Vila Rural, não estão sendo cultivadas, pelo tipo de solo e susceptibilidade à erosão.”

O relatório acaba por concluir que:

“A Vila Rural foi implantada em área imprópria para tal atividade, tendo em vista a fragilidade do local, bem como em relevo que contribui para processos de erosão, tendo em vista tratar-se de

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relevo ondulado até atingir o Rio Jaboticabal, as casas foram construídas na área de influência da rede de drenagem dos tributários do Rio Jaboticabal. O material solto, oriundo desta área está sendo carreado para a área de preservação permanente, ocasionando deposição, turbidez e assoreamento e conseqüente alteração da qualidade das águas do manancial.

Cabe ressaltar, que estão sendo implantadas casas que produzirão efluentes oriundos das atividades que serão desenvolvidas no local.

(...)

Observou-se que em dia de pluviosidade intensa, ocorre grande volume de água oriunda da drenagem superficial drenando em grande intensidade, ocasionando erosão, carreando tudo para o Rio Jaboticabal.

Cabe considerar ainda, toda uma legislação protetiva das áreas de mananciais, e de preservação permanente, pois são ambientes extremamente frágeis do ponto de vista ambiental, pois além dos problemas acima elencados, existe ainda a provável contaminação das drenagens com produtos químicos, se houver a utilização de agrotóxicos no local.

As superfícies desprovidas de cobertura vegetal, contribuem com uma carga elevada de material que tende a se acumular ao longo dos cursos d'água, sobretudo naqueles de baixo gradiente, gerando assoreamento dos mesmos.

Tem-se, portanto, uma alteração total do sistema hidrológico e conseqüentemente do curso d'água.

(...)

Quando é formado uma Vila Rural, nas proximidades da mesma ocorre um grande adensamento populacional, decorrente de serviços diretos e indiretos, resultando em uma falta total de planejamento, gerando conseqüências danosas ao meio ambiente, pois não existe infraestrutura para receber toda a população imigrante. Faltando condições básicas, desde rede de esgoto, bem como, com a degradação do manancial ocorrendo a falta de água potável.

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Daí a importância da preservação de bacias hidrográficas que se encontram preservadas, não disponibilizando as mesmas para recebimento de cargas poluidoras. A retirada mesmo de fatias de mananciais prejudicam o volume total de água disponível para abastecimento populacional. Historicamente, bem como, através de estudos já existentes pela Sanepar, Instituto Ambiental do Paraná – IAP, SUDERHSA, já estão mapeados os mananciais íntegros, que é este caso, e os mananciais já comprometidos.

Decisões precipitadas na disponibilidade dos mananciais ao que parece de forma irresponsável pelos administradores municipais trazem conseqüências desastrosas a médio e a longo prazo”.

Não é demais frisar que o projeto prevê a instalação de 67 (sessenta e sete) casas do tipo PR 1-44VR, conforme previsto no Convênio nº 282/VR/98 (fls. 29/32), cada uma delas recebendo um grupo familiar que, no caso, será formado em média por cinco pessoas.

Mas não é só isso.

O relatório elaborado por técnicos do Ministério Público foi precedido e motivado pela “Avaliação Ambiental da Área de Implantação da Vila Rural Manga Rosa e seus Impactos sobre a Bacia do Ribeirão Jaboticabal no Município de Carlópolis/PR”, realizado pelo Engº Sanitarista e Mestre em Engenharia Ambiental, Adriano Rausch Souto, no qual, em suas conclusões, citou que (fls. 101/139):

“CONCLUSÕES FINAIS

É interessante distinguir os conceitos contaminação e poluição. O primeiro refere-se à simples transmissão, pela água, de elementos, compostos ou microorganismos que possam prejudicar a saúde do homem ou de animais que a bebem. Nesse caso, a água desempenha o papel de veículo do agente contaminante e não o ambiente ecológico alterado. Ao contrário, a poluição se caracteriza muito mais por seus efeitos ecológicos, que produzem transformações do meio ambiente, de forma a tornar-se impróprio ao desenvolvimento normal das populações aquáticas. Por outro lado, a definição de poluição, como a de qualidade, está intimamente associada à noção de uso da água, que para o presente caso trata-se da bacia de abastecimento urbano, onde o

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aspecto proteção do manancial, ou seja, dos efeitos que o lançamento dos dejetos causarão no manancial e o aspecto potalidade da água, ou melhor, dos efeitos que o lançamento pode causar à saúde da população abastecida.

As restrições no uso da terra e da água são os únicos meios práticos à disposição do homem para evitar a excessiva exploração dos recursos naturais. A poluição consiste numa alteração indesejável nas características físicas, químicas e biológicas do ar, do solo e da água que podem afetar, ou afetarão, prejudicialmente a vida do homem e do meio ambiente. Odum (1971) salienta que: “Pode-se agora apostar fortemente na afirmação que de um adequado espaço vital livre de poluição, e não o alimento, será a chave para determinar a densidade ótima para o homem”.

Dado o índice de ocupação de toda área de influência, bem como a distância com relação a área urbanizada de Carlópolis, além dos vazios ocupacionais dentro da cidade, considera-se temerário qualquer projeção de uso dessas áreas. No entanto, é normal se esperar que paulatinamente tais áreas sejam parceladas e incorporadas a área urbana em seu processo de expansão. Com isso as vias de acesso que hoje consistem em estradas rurais, poderão num futuro próximo ser asfaltadas, requerendo com isso a implantação de uma rede de drenagem em toda a área, ora inserida na bacia do ribeirão Jaboticabal.

Na avaliação da área de estudo a Vila Rural Vila Rosa, foram encontradas as seguintes limitações quanto a forma de abastecimento e destinação final dos resíduos sólidos e líquidos gerados pela implantação da Vila Rural Manga Rosa:

(...)

2_ Quanto à qualidade das águas: o empreendimento em questão poderá ser no presente ou no futuro, uma fonte de contaminação do ribeirão Jaboticabal, pois existe na área, próximo às residências, na região central de convergência, uma nascente, que poderá se transformar num veículo de contaminação;

3_ Ao analisarmos o fator diluição, aplicando a metodologia de Fuller, para uma precipitação efetiva uniforme em toda a bacia hidrográfica de 1 mm, teremos a geração do seguinte escoamento fluvial em toda a bacia de: Q=0,43m3.s-1 Q=1.543,50m3.h-1 Q=37.044,00m3.d-1. Correlacionando com o volume de efluentes

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gerado diariamente V= 53,60m3.d-1, teremos um fator de diluição na ordem de 7,24:20.000. Branco (1978) cita que microorganismos patogênicos podem ainda estar presentes em uma água que sofreu diluição da ordem de 1:20.000 e na qual, em conseqüência, as análises químicas podem não revelar a presença de qualquer impureza;

4_ A bacia do ribeirão Jaboticabal por apresentar uma baixa distribuição de declividade e devido ao atrito imposto sobre o escorrimento superficial, produz o armazenamento temporário de certo volume de água, até o início do escoamento, isto implica no acúmulo de água no solo, ocasionando o transbordamento de toda área em especial aos poços sumidouros, contaminando toda região;

5_O efeito do armazenamento na rede de drenagem também é significativo, promovendo um abatimento na onda de cheia por armazenamento em seus canais, fazendo chegar ao exutório um hidrograma mais distribuído no tempo prolongando assim o período de exposição;

6_ Os índices físicos da bacia hidrográfica do ribeirão Jaboticabal, demonstraram que velocidade de escoamento da massa líquida é baixa, reduzindo a agitação, que é um fator importante na reaeração, proporcionada pela turbulência do meio líquido, o que reflete na capacidade da depuração biológica das águas;

(...)

8_ Procedimentos para coleta, transporte e destinação final de resíduos sólidos domiciliares e demais resíduos gerados, deverão ser adotados, pois a implantação de um aterro na área implicaria em mais uma fonte de poluição;

(...)

10_ Medidas de controle de erosão das estradas rurais deverão ser implementadas, visando evitar o assoreamento dos cursos de água, aumentando a turbidez das águas;

(...)”.

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De acordo com os estudos realizados, o empreendimento denominado “Vila Rural Manga Rosa” constitui fonte de grande poluição para o “Ribeirão Jaboticabal”, pois encontra-se localizado muito próximo às nascentes do mesmo, o que redundará em sério comprometimento à qualidade da água que virá a ser consumida no MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS.

Ao pretenderem instalar o empreendimento naquele local, o que foi feito “a toque de caixa” e sem um aprofundado estudo prévio, os requeridos irão contribuir para o desabastecimento de água potável da população local, o que pode ocorrer em um futuro bem próximo.

Os requeridos possuem total responsabilidade pelo empreendimento, devendo serem responsabilizados, portanto:

“Assim, compete ao Poder Público, por determinação normativo-constitucional o dever de fiscalização e de preservação dos níveis de poluição e de todas formas danosas aos elementos integrantes do universo ecológico.

Demonstram, no entanto, as estatísticas referentes a ações judiciais e medidas administrativas, bem como, denúncias e depoimentos, através da imprensa falada e escrita, que as municipalidades, em considerável maioria, distanciam-se de seu dever constitucional de velar pela política ambiental adequada, na execução de projetos ambientais, sem se louvar em laudos técnicos recomendados por especialistas da área.

(...)

E mais grave, considera-se a livre adoção de políticas, de decisões unilaterais dos dirigentes municipais, que, sob a égide da “discricionariedade” dos atos da Administração, passam ao largo dos deveres que devem respeitar e dos limites legais que têm de cumprir no que tange à implementação da política do meio ambiente, em observância da supremacia de princípios ecológicos e de disposições normativas sobre a vontade do administrador público, o qual é o mandatário daqueles que, em seu usual descaso pelas cousas públicas, pela inexistência de uma política educacional que fortaleça a participação da sociedade civil no destino de sua história, assumem a titularidade de vítimas de direitos violados.” (ABREU BOUCAULT. Carlos Eduardo de. A Responsabilidade Jurídica dos

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Municípios em face de fenômenos ambientais localizados: a resistência do órgão do Ministério Público. in: Revista de Direito Ambiental. RT. Jan-Mar. nº 09. São Paulo, 1998. p. 97-101)

II . DO DIREITO:

O art. 225, caput, da Constituição Federal, estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Afora este, outros artigos manifestam a opção do legislador constituinte em considerar a preservação do meio ambiente como um dos pilares fundamentais da ordem constitucional, como pode ser deduzido de leitura sistemática do referido texto legal. Os artigos 170, IV, que enquadra o meio ambiente no rol dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, e 186, II, que, ao atribuir à propriedade determinada função social, condiciona seu cumprimento à "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente" (sem grifos no original), são expressões significativas da penetração desta perspectiva no interior de institutos de relevante importância social e jurídica.

No âmbito estadual, a Constituição do Estado do Paraná elege a proteção do meio ambiente como diretriz fundamental:

“Art. 1º. O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático, (...) e tem por princípios e objetivos:

IX- a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida.

(...)

Art. 207 - Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.

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Parágrafo 1º - Cabe ao Poder Público, na forma da lei, para assegurar a efetividade deste direito:

(...)

XV - proteger o patrimônio de reconhecido valor cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeológico e científico paranaense, prevendo sua utilização em condições que assegurem sua conservação;

(...)”

Em nosso País, a exuberância da natureza contrasta tristemente com os abusos cometidos ao longo da história, em nome do progresso econômico e da evolução tecnológica, que acabou por destruir grande parte de nosso patrimônio natural.

Os legisladores pátrios, cientes do perigo que a degradação ambiental provoca na qualidade de vida do homem, posicionaram-se de forma a prevenir e proteger os ecossistemas remanescentes, na tentativa de frear a ação degradadora do próprio homem contra o seu ambiente, sendo real tal preocupação, vislumbrada nos textos legais regularmente editados, visando coibir tais atos impensados.

Com o advento da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabeleceu-se a Política Nacional do Meio Ambiente, definindo-se os parâmetros a serem seguidos pelo Poder Público na defesa do ambiente natural.

“Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio- econômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,

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considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

(...)

IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

(...)

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;

(...)”

A Lei Estadual n.º 8.935 de 7 de março de 1989 conceitua bacia manancial e estabelece a responsabilidade do Poder Executivo pela manutenção da qualidade da água, conforme os padrões legais exigidos:

“Art. 1º - As águas provenientes de bacias mananciais destinadas a abastecimento público deverão satisfazer os requisitos mínimos para o seu enquadramento na Classe 2, especificada na Resolução nº 20, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, de 18 de junho de 1986.

Parágrafo único - Bacia Manancial, doravante denominada bacia, será a

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bacia destinada a manancial de abastecimento público, ou a área da bacia hidrográfica situada a montante do local onde exista ou se preveja futuramente construir uma barragem destinada a captação de água para abastecimento público.

Art. 2º - Compete ao Poder Executivo, através de seus órgãos de fiscalização e execução, assegurar que a qualidade de água seja mantida para o futuro dentro de padrões mínimos aceitáveis, não obstante o crescimento populacional.” (grifei).

Conforme Portaria da SUREHMA nº 05/1991, o “Rio Jaboticabal”, curso d'água da Bacia do Rio Itararé, pertence à classe “1” da classificação fornecida pelo Decreto Estadual nº 5316/74 e Resolução do CONAMA nº 20/86, ou seja, são águas destinadas ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado.

Estabelece citada Portaria:

“Art. 1º - Todos os cursos d’água da Bacia do Rio Itararé de domínio do Estado do Paraná pertencem à Classe ‘2’.

Art. 2º - Constitui exceção ao enquadramento constante no art. 1º:

I – Todos os cursos d'água utilizados para abastecimento público e seus afluentes, desde suas nascentes até a seção de captação para abastecimento público, quando a área desta bacia for menor ou igual a 50 (cinqüenta) quilômetros quadrados, tais como os abaixo relacionados, que pertencem à classe '1'.

- Rio Jaboticabal, manancial de abastecimento público do Município de Carlópolis;

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(...)”

De acordo com a Resolução nº 20, de 18 de junho de 1.986, do CONAMA, as águas são classificadas em “doces”, “salobras” e “salinas”. As primeiras, ou seja, as doces, classificam-se em “classe especial” e “classes de 1 a 4”, de acordo com a sua destinação preponderante, sendo que as classes de numeração menor exigem tratamento mais simplificado. Confira-se:

“Art. 1º - São classificadas, segundo seus usos preponderantes, em nove classes, as águas doces, salobras e salinas do território nacional:

ÁGUAS DOCES

I – Classe Especial – águas destinadas:

a – ao abastecimento doméstico sem prévia ou com simples desinfecção;

b – à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas.

II – Classe 1 – águas destinadas:

a – ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado;

b – à proteção das comunidades aquáticas;

c – à recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho);

d – à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se

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desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas sem remoção de película;

e – à criação natural e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.

III - Classe 2 - águas destinadas:

a- ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional;

b – à proteção das comunidades aquáticas;

c – à recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho);

d – à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas sem remoção de película;

e – à criação natural e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.

(...)”

Como visto acima, as águas das classes especial e “1” merecem maior proteção do que as das classes seguintes, vez que seu tratamento é mais simplificado do que os destas.

Por força, então, da Lei Estadual nº 8.935, de 7 de março de 1.989, inviabiliza-se o funcionamento da Vila Rural no local em questão, uma vez que, segundo o art. 3º, inciso IV, alínea “a” daquele diploma legal, é proibido o parcelamento do solo em área de manancial. Confira-se:

“Art. 3º - São Proibidas as instalações nestas bacias das seguintes

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atividades ou empreendimentos que possam agravar o problema da poluição:

(...)

IV. Parcelamento do solo de alta densidade demográfica:

a. loteamento;

b. desmembramento;

c. conjunto habitacional.”

III - DO PEDIDO LIMINAR

Os requeridos estão prestes a implantar um empreendimento altamente poluente em uma área de extrema fragilidade, sem levar em conta critérios de suma importância, podendo causar prejuízos que se não forem sanados a tempo, trarão conseqüências muito sérias, não apenas a população local, mas para toda população paranaense, tendo em vista a importância das áreas de mananciais para o abastecimento público.

Não há que se falar, outrossim, em ausência de comprovação de dano futuro, mesmo porque vige, com relação à proteção ambiental, o princípio da prevenção, assim como a responsabilidade independe de culpa ou da ocorrência efetiva de dano, bastando a iminência de que venha a ocorrer.

O princípio da prevenção, de acordo com Toshio Mukai, norteia-se pelo seguinte significado:

“Pode ser visto como um quadro orientador de qualquer política moderna do ambiente. Significa que deve ser dada prioridade às medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente. Utilizando os termos da alínea "a" do artigo 3º da Lei de Bases do Ambiente, as atuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as

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causas, prioritariamente à correção dos efeitos dessas ações ou atividades suscetíveis de alterarem a qualidade do ambiente” (in Direito Ambiental Sistematizado, ed. Forense Universitária, 1992, SP, pág. 35)

Ainda a este respeito, bem pondera Édis Milaré ao discorrer sobre o tema:

“(...) no Direito Ambiental, diferentemente do que se dá com outras matérias, vigoram dois princípios que modificam, profundamente, as bases e a manifestação do poder de cautela do juiz: a) o princípio da prevalência do meio ambiente (da vida) e b) o princípio da precaução (algo mais que o princípio da prevenção, já tradicional no nosso Direito). (in Ação Civil Pública - Lei 7347/85 - Reminiscências após dez anos de aplicação, Ed. R.T., 1995, p.258)

Com inobjetável clareza se expõe a desnecessidade de comprovação de dano e sua confirmação para que os requeridos sejam responsabilizados.

De fato, qualquer atividade que tenha potencialidade de causar dano ambiental é proibida de se instalar em área de manancial.

Demonstrou-se, claramente, a proibição legal, baseada em legislação estadual e federal, para a instalação de uma “Vila Rural” no local em questão.

Do exposto, conclui-se que as Licenças e Autorizações emitidas pelo IAP com relação à implantação da “Vila Rural Manga Rosa” em área absolutamente proibida, tendo em vista se tratar de área de manancial de abastecimento de água potável, devem ser consideradas nulas e o empreendimento pretendido não pode ser efetivado, pois:

- Inexiste qualquer possibilidade legal de implantação do aludido empreendimento na área pretendida, tendo em vista a

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contrariedade com a legislação pertinente e o grande potencial poluidor do mesmo;

- Tanto as obras já realizadas, bem como a continuidade destas, que os requeridos pretendem proceder, mostram-se absolutamente irregulares, diante da flagrante lesão à legislação vigente e ao princípio da preservação ambiental;

- Há suficiente amparo legal, como foi demonstrado anteriormente, para a proteção da área de manancial;

- São nulas as licenças e autorizações emitidas em favor do ESTADO DO PARANÁ, representado pela COHAPAR, no que se refere a qualquer obra ou atividade que possa importar em impacto adverso na área de manancial, em virtude do desrespeito à legislação vigente.

O direito reservou para a tutela do meio ambiente a responsabilidade objetiva, restando ao autor, apenas, a comprovação do prejuízo, que se faz presente pela gravidade e pela periodicidade do dano e, também, pela sua anormalidade, e a comprovação do nexo causal, claramente demonstrado ao longo da inicial.

Há que se garantir a paralisação das atividades para que o dano não se torne irreversível. A lei 7347/85 é clara ao elencar que “poderá o juiz conceder mandado liminar como ou sem justificação prévia”.

Amparados no princípio da prevenção, que norteia o direito ambiental, e diante dos fatos já narrados que demonstram a atual situação da área e o justo receio de que nela se concluam as obras de construção da Vila Rural, empreendimento este licenciado indevidamente pelo IAP, fato que ocasionará danos irreversíveis, prejudicando sensivelmente o ecossistema de toda a região e colocando em risco o abastecimento público de água, evidentes o periculum in mora e o fumus boni iuris.

Por esta razão, requer-se a concessão de MEDIDA LIMINAR inaudita altera pars, determinando a proibição da implantação da “Vila Rural Manga Rosa”, com a distribuição dos lotes aos “vileiros” e a concessão do “habite-se” por parte do

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MUNICÍPIO, bem como a proibição do prosseguimento de obras que visem a sua implantação, com fulcro no que estabelece o art. 12 da Lei nº 7.347/85, com imposição de multa diária no caso de descumprimento, nos termos do artigo 11 da já citada lei.

A jurisprudência respalda a concessão de medida liminar inaudita altera pars, inclusive contra pessoas jurídicas de direito público. Aplica-se, no caso, o artigo 12 da Lei 7347/85, objetivando a manutenção do “status quo” até final sentença, evitando, assim, a efetivação de danos irreparáveis ao meio ambiente:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR CONCEDIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA SEM AUDIÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE ANTE A URGÊNCIA. PERDA DE OBJETO NÃO CONFIGURADA. NÃO OCORRÊNCIA DE ADITAMENTO DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO.

O juiz pode determinar, mesmo de ofício, medidas provisórias no curso do processo, sendo que no caso, pelo art. 12 da Lei 7.347/85, em se tratando de ação civil pública baseada em dano ao meio ambiente, facultado ao juiz a concessão de liminar, sem ouvir a parte contrária, procurando manter o ‘status quo’ até final sentença, a fim de evitar danos irreparáveis.

Não houve perda de objeto, porque mesmo concluída a obra, há que se preservar o ambiente, até que se decida, a final a lide, sem ingerência na modificação de depredação do local, protegendo-se o solo e a flora.

Não houve o alegado aditamento à inicial, nem decisão ‘ultra petita’. A autora, ao propor a ação, visava a suspensão de qualquer atividade no local e a abstenção de quaisquer atividades que viessem a proporcionar a continuidade da degradação em área de preservação permanente.

A liminar não só suspendeu as obras, mas também qualquer outra atividade por parte do Estado do Paraná e seus órgão de atuação naquele local.”

(TJ/PR - Acórdão nº 2255 - 6ª Câmara Cível - Ag Instr nº 0059872-7 - Des. Pres. Accácio Cambi e Relatora Anny Mary Kuss Serrano).

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“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Medida cautelar preparatória - Danos causados ao meio ambiente por Municipalidade - Liminar concedida sem prévia audiência - Admissibilidade - Inaplicabilidade da exceção do art. 928, parágrafo único, do CPC, privilegiadora das pessoas jurídicas de Direito Público, por inexistente na lei especial - Direito à ampla defesa garantido - “Fumus boni iuris” e “periculum in mora” evidenciados - Liminar mantida.

A liminar de medida cautelar preparatória de ação civil pública visando à recomposição de prejuízos causados ao meio ambiente por Municipalidade pode ser concedida sem prévia audiência, pois a lei especial não contempla a exceção do art. 928, parágrafo único, do CPC, privilegiadora das pessoas jurídicas de Direito Público. Por outro lado, efetivada a medida, tem a Municipalidade assegurado seu direito de ampla defesa, tornando possível, se procedentes seus argumentos, a revogação da cautela.”

(RT nº 637 - Novembro de 1988, p. 80-81)

Em caso de descumprimento da liminar, frisa-se, deve ser estipulada multa diária nos termos do art. 11 da Lei 7.347/85.

A desnecessidade de justificação prévia no presente caso se impõe e prevalece, uma vez que os requeridos estão agindo contra a legislação federal e estadual, além de atentar contra o interesse público, posto que o meio ambiente é bem de interesse coletivo e difuso, pertencente à coletividade, e a demora na concessão da medida liminar pode levar ao perecimento do direito.

VI - DOS PEDIDOS

Ante a tudo o que foi exposto, requer-se:

I – o deferimento da medida liminar acima pleiteada, inaudita altera pars;

II - a citação dos requeridos para, querendo, contestarem a presente ação, no prazo legal, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos ora alegados;

III – a procedência dos pedidos, com a proibição da implantação da “Vila Rural Manga Rosa” no imóvel atual, por se tratar de área de manancial de abastecimento de água potável do

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MUNICÍPIO DE CARLÓPOLIS, podendo ser instalado em qualquer local do mesmo Município, desde que observada a legislação ambiental pertinente, e que notadamente não se trate de área proteção ambiental, preservação permanente ou bacia de manancial, com a condenação dos Requeridos ao ônus da sucumbência e demais cominações legais;

IV - A condenação dos requeridos solidariamente na obrigação de fazer, consistente na promoção da recuperação da área degradada pela supressão de vegetação e terraplanagem, nos termos de eventual determinação de perícia que vier a ser realizada;

V - caso não haja o cumprimento da sentença por parte dos requeridos, no prazo fixado por Vossa Excelência, requer-se a cominação de multa diária, como dispõe o artigo 11 da Lei 7347/85.

Protesta-se ainda por todos os meios de prova que se fizerem necessários, inclusive depoimento pessoal dos requeridos, prova pericial, documental e testemunhal.

Observando-se quanto às despesas processuais o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1.985, dá-se à causa o valor de R$ 179.400,00 (cento e setenta e nove mil e quatrocentos reais).

Nestes termos,

Pede Deferimento.

Carlópolis, 06 de maio de 2.002

ANDRÉ GUSTAVO DE CASTRO RIBEIRO Promotor de Justiça

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Ação Civil Pública, com Pedido Liminar, em Face do Município de Londrina EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO

DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA - PARANÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por sua promotora ao final assinado, no uso das atribuições que lhe foram conferidas perante a Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente desta Comarca, e com fundamento nos arts. 225 da Constituição Federal, parágrafos 1º inciso IV e VII, a Lei 6938 de 31/08/81 em seus arts. 2º, incs. I, V, 3º inc. III, letras “a” a “e”, Portaria Federal nº 053 de 01/03/79 e demais disposições da Lei adjetiva Civil, vem, à presença de Vossa Excelência, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE

com pedido de concessão de MEDIDA LIMINAR, cumulando com obrigação de fazer e indenizar os danos causados,

EM FACE DE:

MUNICÍPIO DE LONDRINA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede administrativa na cidade de Londrina, comarca de Londrina, neste Estado do Paraná, tendo em vista os fatos e fundamentos a seguir aduzidos:

1. DOS FATOS

O Município de Londrina, desobedecendo a normas e princípios relativos à proteção ambiental, vem acumulando de forma irregular e desordenada grande quantidade de lixo no denominado “lixão” que localiza-se próximo à área de preservação permanente por ali encontrarmos a nascente do Córrego dos Periquitos.

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Para agravar ainda mais a situação, o vento carrega os materiais (plástico, latas e papel) para a estrada e terrenos vizinhos, bem como o odor que exala das lagoas de chorume alastra-se pelo campo carregando o ar com substâncias nocivas a saúde.

O local, atualmente, é absolutamente impróprio para a deposição de lixo, já que está situado próximo a uma nascente e, se não bastasse, sua vida útil já se esgotara há muito. Cumpre ressaltar que o córrego não está sujeito apenas à poluição hídrica, mas também à erosão, que ocasiona o assoreamento do rio, acabando por provocar a degradação ambiental da área. Tudo isto acelera a destruição do ecossistema florestal, com conseqüências imprevisíveis de agora para o futuro.

Não raras vezes o material ali depositado chega a deslizar para as lagoas de chorume, sendo comum em dias de chuva depararmo-nos com o perigo sempre constante e eminente de um transbordamento deste chorume às áreas vizinhas, bem como ao Córrego dos Periquitos.

Não há no local qualquer espécie de proteção e nem obras de contenção do chorume, e ressalte-se que se há são inócuas, da mesma forma que o depósito não está cercado como determina a legislação pertinente à matéria, adiante transcrita. Os trabalhos estão sendo realizados completamente fora das normas sanitárias legais.

A irregular descarga de lixo a céu aberto, sem as necessárias medidas de proteção, causa grande desconforto e acarreta inúmeros malefícios à saúde dos moradores da região (e também para aquelas pessoas desassistidas que não vêm outra oportunidade de ganhar a vida senão catando o lixo de nossa sociedade), em conseqüência do mau cheiro e da proliferação de moscas, roedores, baratas e outros vetores. As moscas apresentam um ciclo reprodutivo de 12 dias e botam cerca de 120 a 150 ovos por dia, sendo responsáveis pela transmissão de cem espécies patogênicas; os roedores transmitem doenças tais como a leptospirose e a salmonelose, e em apenas um ano de vida uma fêmea gera 98 novos ratos; as baratas, por sua vez, reproduzem-se exageradamente, visto que em apenas um ano e meio a barata gera 1.300 novas baratas, transmitindo doenças como o vírus da poliomielite e bactérias intestinais.

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Os "lixões" urbanos a céu aberto constituem-se num sério problema em relação a aspectos do meio ambiente, saúde e suas interações. Desconhece-se o grau de extensão de influência danosa dos "lixões" sobre o meio ambiente. Sabe-se, isto sim, o tipo de influência que estes resíduos podem causar sobre o ser humano. Alguns desses resíduos degradam-se facilmente em contato com as intempéries, tal como o papel; outros, ao contrário, persistem por muitos anos no meio ambiente, como é o caso do plástico, da lata, do vidro e do alumínio.

O impacto causado por determinados resíduos podem trazer conseqüências irreversíveis ao meio ambiente. Na questão do lixo doméstico, por exemplo, tem-se o problema das pilhas de rádio, que são comumente colocadas dentro dos sacos de lixo (que são de plástico). As pilhas contêm mercúrio, substância que representa um dos mais sérios e graves problemas de contaminação do homem e do meio ambiente. Ao ser depositado no "lixão", o mercúrio contamina a terra e a água (lixiviação para o lençol freático), entrando com facilidade na cadeia alimentar, o que representa um perigo potencial para o homem, já que ele se alimenta dos peixes ou aves das áreas vizinhas aos lixões. A ação tóxica do mercúrio afeta o sistema nervoso central, provocando lesões no córtex e na capa granular do cérebro. São observadas alterações em órgãos do sistema cardiovascular, urogenital e endócrino. Em casos de intoxicações severas, os danos são irreparáveis.

É de conhecimento comum que em épocas passadas não havia a mínima preocupação para com o meio ambiente, justamente pelo ser humano sempre ter visto nele, senão uma fonte de riqueza, um sistema morto disponível somente ao seu interesse. Vivíamos, e ainda hoje seus resquícios remanescem, o paradigma da industrialização descontrolada com o intuito único do “progresso” a qualquer preço. Não nos estranha, pois, a história deste lixão, que é a história viva do descuidado com a Natureza.

Parece que para as autoridades é mais cômodo deixar que a saúde pública se deteriore do que tentar resolver os problemas de saneamento básico de forma objetiva e eficaz. Segundo o "Perfil Ambiental e Estratégias", 1992, Secretaria Especial de Assuntos de Meio Ambiente:

"A saúde pública vem sendo seriamente afetada pela baixa qualidade do saneamento básico, principalmente a falta de

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tratamento de esgoto e a inadequada coleta e disposição de lixo urbano."

Outra situação originada pelos "lixões" é a da decomposição do lixo com pouco ou nenhum oxigênio, que contribui para a formação do gás metano, representando um sério risco de incêndio nestas áreas, como temos vistos recentemente na imprensa, inclusive referentes a este lixão que aí esta. Como estes resíduos são apenas lançados em um local qualquer, existe também uma necessidade natural da expansão do "lixão", com a conseqüente derrubada gradativa da vegetação circunvizinha.

Os aspectos de poluição do ar e visual também devem ser considerados, pois os "lixões" a céu aberto são fétidos e visualmente repugnantes.

Diante deste contexto, faz-se mister que medidas urgentes sejam tomadas, evitando-se, assim, que danos maiores venham a ocorrer. Segundo assevera Paulo Affonso Leme Machado, "verbis":

"Não podemos estar imbuídos de otimismo inveterado, acreditando que a natureza se arranjará por si mesma, frente a todas as degradações que lhe impomos. De outro lado, não podemos nos abater pelo pessimismo. A luta contra a poluição é perfeitamente exeqüível, não sendo necessário para isso amarrar o progresso da indústria, pois a poluição da miséria é uma de suas piores formas". (MACHADO, Paulo A. L. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: RT,1989. 3 ed.)

Além disso, o Município conta com um programa de reciclagem de lixo pouco eficiente, que se seriamente trabalhado diminuiria em muito a quantidade de resíduos depositados no lixão, aumentando sua vida útil. Estima-se que mais de 40% (quarenta por cento) do lixo doméstico é constituído por materiais recicláveis, dentre garrafas, papéis, metais e plásticos.

A situação do depósito de lixo do Município de Londrina é lamentável. Embora haja manifestação de efetuar melhorias no local, nada até aqui foi realizado por parte do requerido no sentido de adequar irregular situação às normas relativas à Política Nacional do Meio Ambiente.

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2. DO DIREITO

O art. 225 da Constituição Federal, em seu inciso IV, estabelece para as obras que causem danos ao ambiente a exigência prévia de elaboração do estudo de impacto ambiental (EIA), "in verbis":

"Art.225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(...)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade."

A política de proteção ao meio ambiente fez editar pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA, a Resolução nº 01 de 23 de janeiro de 1986, a qual expressamente determina em seu artigo 1º, inciso IV:

"Art. 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

(...)

IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente."

Mais adiante, em seu art.29, X, estabelece:

"Art. 29 - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto

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ambiental - RIMA, a serem submetidos a aprovação do órgão estadual competente, e da SEMA em caráter supletivo, o licenciamento, tais como:

(...)

X - aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos."

Com a sua atuação infringe a requerida o disposto na Portaria Federal nº 053 de 01 de março de 1979, a saber:

"I - os projetos específicos de tratamento e disposição de resíduos sólidos, bem como a fiscalização de sua implantação, operação e manutenção, ficam sujeitos à aprovação do órgão estadual de controle da poluição e de preservação ambiental, devendo ser enviadas, à Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), cópias das autorizações concedidas para os referidos projetos".

Em seu artigo 3º e incisos, dispõe a Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981:

"Art. 3º - Para fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - Meio Ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas:

II - Degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

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c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões estabelecidos."

No parágrafo 1º do art. 14, da citada Lei está expresso:

"Parágrafo 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente."

A requerida com sua atividade, infringe também o que estabelece o Decreto 88351/83:

"Art. 37 -

I - contribuir para que um corpo d'água fique em categoria de qualidade inferior à prevista na classificação oficial;

II - contribuir para que a qualidade do ar ambiental seja inferior ao nível mínimo estabelecido em Resolução Oficial;

III - emitir ou despejar efluentes ou resíduos sólidos, líquidos ou gasosos causadores de degradação ambiental em desacordo com o estabelecido em Resolução ou licença especial;

IV - exercer atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, sem a licença ambiental legalmente exigível, ou em desacordo com a mesma."

As infrações supra encontram-se agravadas na aplicação de multa, pelo disposto no artigo 40 do sobredito decreto, o qual em seus incisos destaca:

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"I - reincidência específica;

II - maior extensão da degradação ambiental;

III - dolo, mesmo eventual."

A irregular e inconseqüente ação do requerido causou e continua causando deplorável dano à ecologia. O meio ambiente é um patrimônio a ser necessariamente assegurado e protegido, e toda a sociedade é prejudicada pela supressão dos recursos ambientais. No presente caso é objetiva a responsabilidade pelo dano ambiental provocado pela ré, sendo desnecessárias quaisquer considerações acerca do caráter culposo da conduta da mesma.

Ademais, a Lei 4.771 de 15 de setembro de 1.965, Código Florestal, protege as áreas de preservação permanente, por serem de interesse comum a todos os habitantes do país, não podendo sofrer qualquer tipo de exploração ou ocupação, assim estabelecido no seu artigo 1º:

"Artigo 1º - As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabeleceu".

Em seu artigo 2º , alínea c, dispõe:

"Artigo 2º - Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura".

Ao Ministério Público como guardião da defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade compete, portanto, zelar pela fiel observância da Constituição e das leis, e nos termos da vigente legislação, defendendo os interesses meta-individuais, sendo o detentor de legitimidade para a defesa dos direitos difusos.

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3 - DA LIMINAR

Demonstrou-se, à exaustão, que o ordenamento jurídico brasileiro protege, em todos os degraus de sua hierarquia normativa, o ambiente natural.

O artigo 12 da Lei 7.347/85 é claro ao elencar que "poderá o juiz conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo."

A doutrina brasileira tem comumente entendido que para a concessão de mandado liminar faz-se necessária a presença de dois requisitos básicos, quais sejam o "fumus boni iuris" e o "periculum in mora".

O "fumus boni iuris" é a existência e ocorrência do direito substancial invocado por quem pretende a segurança, o que já foi vastamente demonstrado pelas razões de direito ora apresentadas.

O "periculum in mora" se configura em um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, e que no caso em questão se caracteriza pela possível compra pelo Poder Público de nova área destinada ao aterro sanitário sem que haja o imprescindível Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

Vale lembrar, aqui, que um dos princípios basilares do direito ambiental é o da prevenção, e a concessão de mandado liminar é uma forma de se evitar que danos maiores venham a ocorrer ainda no decurso do processo.

Assim sendo, é preciso que as áreas degradadas recebam especial atenção, seja pela sua recuperação, seja pela sua não utilização até que alcance seu estado natural e que as novas sejam planejada de modo a evitar definitivamente o que aconteceu neste atual lixão.

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Assim como, não podemos incorrer no mesmo erro crasso de nossos antepassados que não considerando as conseqüências de suas atitudes para com a natureza, agiam e depredavam, para depois tentarem remediar. A escolha de nova área para que seja implantado o aterro sanitário do Município de Londrina é mais do que urgente, porém não podemos abrir mão dos procedimentos, que embora possam parecer longos, nos trará à consciência o sentimento do dever cumprido com responsabilidade.

Face ao exposto, REQUER-SE, "hic et nunc", que sejam elaborados o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), bem como a elaboração de RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) nos termos da legislação pertinente e para tanto seja concedida por MEDIDA LIMINAR, até o julgamento final da ação, para que o Município abstenha-se de comprar nova área sem os respectivos institutos supra declinados.

Em caso de descumprimento, requer-se a imposição de multa diária, nos termos do artigo 11 da Lei 7.347/85.

4. DO PEDIDO

REQUER-SE, ainda, a procedência da ação para o fim de não mais ser utilizado o local mencionado para fins de depósito de lixo, isolando-se completamente a área, bem como seja recomposta a área degradada, com a recuperação integral do ambiente afetado, sendo construídas lagoas de contenção e outras medidas indicadas na perícia, para que readquira quantitativa e qualitativamente as condições anteriores ao processo de degradação.

Se assim entender a perícia, REQUER-SE a retirada do material depositado no local face à situação de risco potencial, já que o depósito está próximo da nascente de um córrego, sendo os resíduos transportados para local adequado.

Ademais, REQUER-SE a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental com o devido Relatório de Impacto Ambiental para o novo local que vier a ser utilizado como aterro sanitário.

REQUER-SE a condenação do Município na obrigação de fazer para que este efetive um programa de reciclagem de lixo eficiente, inclusive instruindo a população a separar o lixo orgânico do reciclável, ou seja, um programa de educação ambiental que

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tenha como finalidade ensinar à nossa comunidade a importância de viver em equilíbrio com a Natureza, respeitando-a; que a coleta seletiva de lixo possa alastrar-se para as quatro regiões da cidade com postos fixos de coleta e separação do lixo reciclável, e finalmente que seus eventuais proventos financeiros sejam revertidos para a continuidade deste projeto de vida.

Caso haja descumprimento, por parte do requerido, no prazo fixado por Vossa Excelência para cessação da atividade, por ocasião da sentença ao final, REQUER-SE a cominação de multa diária, consoante dispõe o art. 11 da Lei 7.347/85.

REQUER-SE, também, a citação do requerido nos termos do art. 221, inciso II, do Código de Processo Civil, para responder aos termos da presente ação, com as advertências da revelia, devendo o pedido ser julgado procedente, condenando-se a ré aos ônus da sucumbência, honorários periciais e demais cominações legais.

Protesta-se por todos os meios de provas em direito admitidos, inclusive depoimentos pessoais, juntada de documentos e perícias.

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 100,00 reais.

Nestes Termos

Pede Deferimento

Luciana Ribeiro Lepri Moreira

Promotora de Justiça

ROL DE DOCUMENTOS

1) Relatório de Inspeção elaborado pelo Instituto Ambiental do Paraná.

2) Fotografias do local.

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3) Auto de Infração Ambiental nº 1049 expedido pelo Instituto Ambiental do Paraná.

4) Reclamação efetuada junto ao Instituto Ambiental do Paraná pelo proprietário de uma área vizinha ao lixão.

5) Declaração do proprietário de uma área vizinha ao lixão ao Ministério Público do Estado do Paraná.

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Ação Civil Pública, com Obrigação de Fazer e Não Fazer e com Pedido de Medida Liminar, em Face de Consurpar – Construções e Urbanismo do Paraná S/A e Waldemir da Silva

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ______VARA CÍVIL DA COMARCA DE MARINGÁ, PR.

"A tolerância com edificações clandestinas em áreas de preservação permanente fará com que, estimulados pelo uso de meios retardatários da execução da liminar demolitória, mais violências contra o meio ambiente sejam perpetradas, em prejuízo de toda a comunidade. TJSC - DES. EDER GRAF". (in Jurisprudência Catarinense 83/84, p. 355).

O Ministério Público do Estado do Paraná, por seu representante infra-assinado, com atribuições legais junto a 13ª Promotoria de Justiça, desta Comarca de Maringá, em matéria do meio ambiente, com endereço na Av. Herval, 171, onde recebe intimações, com fulcro no art. 127, caput art. 129, III e lX da CF/88; no art. 1º e 2°, letra "b", da Lei n.º 4771, de 15 de setembro de 1965, modificado pela Medida Provisória 2.080-60 e outras que foram editadas posteriormente; no art. 3°, inciso IV, da Lei n.° 6.938, de 31 de agosto de 1981; no art. 5°, caput, da Lei n.° 7.347, de 24 de abril de 1985; no art. 25, inciso IV, letra "a", da Lei n.° 8.625, de l2 de fevereiro de 1993, combinados com o art. 282, do Código de Processo Civil e demais diplomas normativos pertinentes a espécie, vem a presença de Vossa Excelência para propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANO AO AMBIENTE NATURAL

com obrigação de fazer e não fazer e com pedido de medida liminar, em face de:

1º)- CONSURPAR – CONSTRUÇÕES E URBANISMO DO PARANÁ S/A, CGMC 42708, CNPJ 76.203.249/0001/66, com sede na Rua Arthur Thomaz, 904, nesta cidade; e,

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2º)- WALDEMIR DA SILVA, brasileiro, maior, agricultor, CPF n.° 595.533.75987, podendo ser encontrado no lote de terras 37-A-4/37C4/37D4, Zona 44, Gleba Ribeirão Pinguim, neste Município, pelas razões de fato e de direito que adiante alinhava.

DOS FATOS

A APROMAC - Associação de Proteção do Meio Ambiente de Cianorte, PR., por representação formal, em data de 5/04/2002, trouxe ao conhecimento da Promotoria o caso de duas ocorrências ambientais, que tratam do não cumprimento da legislação que estabelece a necessidade de manutenção e conservação da Reserva Florestal Legal e de desrespeito à Área de Preservação Permanente (Mata Ciliar), ocorridas no Ribeirão Borba Gato, Gleba do Ribeirão Pinguim, neste município e Comarca de Maringá, PR;

A primeira ocorrência, em relação ao 2º requerido, Sr. Waldemir da Silva, arrendatário do Lote, lote 37A.4/37C4/37D4, zona 44, Gleba Ribeirão Pingüim, município de Maringá-PR., veio a noticia de que o curso d’água fora diretamente atingido, qual seja, o Ribeirão Borba Gato, descrevendo a ocorrência ambiental da maneira seguinte: “o arrendatário promove o uso irregular e abusivo de área de fundo de vale com invasão do leito do rio e alteração do curso do mesmo, com a instalação de canteiros para a produção de agrião numa área de 6.000 m2, com movimentação de solo prejudicando toda a biodiversidade local, e agravando a situação com a utilização numa periodicidade mensal de agrotóxicos como o ESCORI e o NUVACRON em toda a plantação, o que significa a contaminação direta no curso do rio”;

A segunda ocorrência da empresa CONSURPAR - Construções e urbanismo do Paraná S/A, proprietária do lote, conforme Registro do Livro 2, o imóvel, lote n.º 37-A-4/37-C-4/37-D-4, zona 44, da Gleba Ribeirão Pingüim, do município de Maringá-PR, de propriedade desta empresa, conforme Registro do Livro 2, do Matrícula 0462, do 2º Ofício de Imóveis desta Comarca, descrevendo a ocorrência ambiental da maneira seguinte: “verifica-se a ausência de Reserva Florestal Legal e Área de Preservação Permanente, conforme determina a SISLEG (Decreto Estadual 387/99)”. Juntou, inclusive fotografias da degradação.

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Também a Comissão de Assessoramento para Recuperação de Fundos de Vale, em vistoria no local, constatou as seguintes irregularidades:

a) Represamento do córrego Borba Gato;

b) Desvio do leito natural do referido córrego;

c) Retirada da mata ciliar;

d) Terraplanagem da várzea de alagamento;

e) Alteração da morfologia da vertente;

f) Alteração da velocidade do fluxo da água;

g) Assoreamento a montante e a jusante;

h) Utilização do leito natural do córrego;

i) Produção e comercialização de alimento “in natura”, irrigado com águas contaminadas por coliformes fecais, conforme exame bacteriológico anexo;

j) Construção de terraços em alvenaria na área de preservação ambiental;

k) Utilização de uso de água sem outorga pela SUDERSHA.

O próprio Município de Maringá, pela Notificação 64699, expediu notificação preliminar contra o 1º requerido, embargando a exploração de uma lavoura de agrião, que exercida na propriedade pelo 2º requerido, por infringência da Lei 413/01, art. 5º, inciso II, e art. 6º e 18, alíneas “a” e “b”, aplicando multa de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) (doc. junto);

Também o Laudo de Exame Bacteriológico nº 237/2002, emitido em 28/03/2002, pela Dra. Many Abrão de Campos, professora da UEM, doc. junto, comprova que água colhida no local contém: 2400 coliforme fecais por 100ml.

Ora, esses fatos, como relatados, são objeto de Procedimento Investigatório Preliminar nº 34/2002, cujas cópias instruem a presente, caracterizam mau uso da propriedade, colocam em risco a saúde da

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população e são passíveis de responsabilidade de seus autores na forma constante da presente ação.

Sobre a natureza desses fatos, pede vênia para fazer um breve retrospecto. O Estado do Paraná, segundo levantamento realizado pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), através de imagens de satélite realizadas em 1990, possui tão somente cerca de 7, 79% de cobertura florestal da mata atlântica. O Noroeste é a região mais agredida pela ocupação irracional do ambiente, o que provoca, inclusive, a constatação, por parte da Secretaria de Agricultura do Paraná, de que um milhão de hectares do Noroeste do Paraná sofrem processo de pré-desertificacão (informações constantes na publicação bilíngüe "Estratégias para o Desenvolvimento de Políticas Ambientais e de Uso do Solo: Um Estudo de Caso da Flórida-USA- e Paraná-Brasil", University of Florida, College of Law, pag.111).

O processo de desertificação caracteriza-se pela diminuição drástica da estrutura florística e faunística de um determinado biótipo, que é o local onde se encontra a fauna e a flora de um todo ecossistêmico.

Tais números são fáceis e empiricamente constatáveis na simples observação, por exemplo, nas margens dos rios que formam as bacias hidrográficas e das áreas situadas às margens das estradas da região.

A região Noroeste do Paraná, mais especificamente as regiões ao longo dos vales dos rios Ivaí e Piquiri, incluindo-se a prórpia bácia do Rio Pirapó, que abastece de água a cidade de Maringá, ocupadas a partir do início da segunda metade do século, é, como já se disse, entre todas as terras do Estado do Paraná, a que mais sofreu o impacto da ação antrópica.

A colonização, efetuada a partir da iniciativa privada, deu-se de maneira irracional, sem que se poupasse das derrubadas para a implantação inicial de culturas nem mesmo as margens de rios, estradas ou eventuais áreas de grande declividade.

A realidade é que a cobertura florestal da região, vista a partir de imagens Tecido Social, a Perda da Biodiversidade, através da virtual extinção da Floresta Pluvial Semidecidual Estacional originária, com o desaparecimento de número incalculável de espécies vegetais e animais, várias das quais poderiam - houvesse tempo para estudo - ter finalidades medicinais e alimentícias.

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Em nossa região não é diferente. O cinturão verde que poderia proteger a cidade de Maringá, para o presente e para o futuro, apesar dos apelos políticos e da mídia, que a caracterizam como cidade e região ecológica, nos dias atuais, como visto, também e sofre o abandono perene e o descaso das autoridades públicas. Todos praticam discurso “ecológico” e nada se implementa de realizações concretas para se resolver o problema de falta de água, de desmatamentos, de degradação de toda ordem, de industrias poluidoras, etc., que se tornam angustiantes e irá, por certo, influir na qualidade de vida futura.

A biodiversidade, como se sabe, é o conjunto de diferentes formas de vida que ocorrem em determinado local, tendo valor extraordinário no que diz respeito à possibilidade de utilização de espécies atualmente desconhecidas ou não, empregadas em favor do homem e, especialmente, dentro de uma visão holística, pela possibilidade de manutenção de vida na Terra.

A ausência de mata ciliar e da reserva legal em propriedades agrícolas de nossa região é uma constante. Conseqüente assoreamento das coleções hídricas são provocadas pelo processo de erosão da faixa ciliar.

Em todo o país, tem sido feita ampla divulgação através dos meios de comunicação, escolas, cooperativas, sindicatos rurais, etc., da necessidade de se preservar as áreas com cobertura florestal próximas aos cursos d'água (matas ciliares), e onde elas foram retiradas, a necessidade de se reflorestar tais áreas que funcionam como anteparo da erosão/assoreamento, e abrigo da fauna silvestre.

Em nosso Estado, o governo através da Secretaria de Agricultura e do Abastecimento - SEAB, e sua vinculada EMATER, tem desenvolvido trabalhos em conjunto com os produtores rurais e prefeituras municipais visando a conservação do solo agrícola e a proteção das áreas de Preservação Permanente; prova disto é que o Estado do Paraná, tem sido modelo para a América Latina de conservação do Meio Ambiente.

Alguns proprietários rurais, despreocupados com o bem comum, esquecendo-se de que a propriedade rural ou urbana tem dever social de preservar o meio ambiente e, por esse motivo sua exploração deve ser feita adequadamentede, dentro da legalidade, tem elevado a seus interesses pessoais/econômicos, acima de tudo, recusando-se à cumprir o preceito legal, e continuam a explorar áreas

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vedadas à este tipo de atividade, pelo Ordenamento Jurídico Pátrio. Inclusive, como no caso, construindo benfeitorias em local proibido.

Tais pessoas optaram por um confronto na esfera legal, pois estão cientes da expressa vedação legal da exploração de áreas de Preservação Permanente, pois trata-se de assunto amplamente divulgado, e não adotaram outro tipo de postura senão a da renitência.

A Promotoria de Defesa do Meio Ambiente de Maringá, vem fazendo trabalho no sentido de conscientização e já convidou inúmeros proprietários da região, na área agrícola, especialmente daqueles que formam o Cinturão Verde da Cidade, para realizarem Termo de Ajustamento Ambiental. Nesse sentido, tem concedido prazos para que executem o isolamento e o reflorestamento das áreas tidas como de Preservação Permanente e que façam a demolição dos prédios construídos irregularmente e, mesmo assim, como é o caso noticiado, alguns proprietários não atenderam ao convite, e continuam a explorar a referida área de forma ilegal e abusiva.

DA AÇÃO DANOSA

A ausência de vegetação, a falta de isolamento na área de Preservação Permanente e a construção de benfeitorias, inclusive casas e galpões nessas áreas, é desastrosa, já que não existem raízes fixadoras do solo e as existentes são degradadas, sendo freqüente o fenômeno da erosão de solos e consequentemente assoreamento dos ribeirões.

Também a exploração indiscriminada da lavoura de hortaliça, no caso de “agrião”, que é vendido nas feiras da cidade para uso da população, utilizando-se de agrotóxico e de água contaminada por coliformes fecais, além de atentar contra a saúde pública, não pode ser explorada em local não permitido e em área de preservação permanente.

DO DIREITO

A partir da constatação, muitas vezes trágica, de que o homem, ao contrário do que se imaginava até o início da Era Industrial, não é um ser superior à natureza que o cerca, passaram os ordenamentos jurídicos, de modo geral, a estabelecer normas protetivas do ambiente.

A observação empírica das mudanças das condições climáticas decorrentes do desflorestamento excessivo (tenha-se como exemplo a região de Umuarama) onde, quando ainda existia a Floresta Pluvial-

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Estacional típica do local, as chuvas ocorriam quase que diariamente, à exceção dos meses de junho, julho e agosto, quando, em razão da seca, o crescimento das árvores da floresta estacionava (daí a denominação), levaram o Legislador a estabelecer certas normas que hoje assumem caráter cogente.

Em nosso Direito Positivo, a proteção ambiental merece tratamento constitucional:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 3 As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

O Estado do Paraná, em sua Constituição, dedicou capítulo especial à questão ambiental, garantindo a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida do povo paranaense, importância esta que se extrai do contido na redação do artigo 207, in verbis:

“Artigo 207 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.

Parágrafo segundo - As condutas e atividades poluidoras ou consideradas lesivas ao meio ambiente, na forma da lei, sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas:

I - à obrigação de, além de outras sanções cabíveis, reparar os danos causados;

II - as medidas definidas em relação aos resíduos por ela produzidos;

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III - a cumprir diretrizes estabelecidas por órgão competente."

A jurisprudência vem entendendo que:

Apelação Cível n. 145.317-4

Rel.: Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo / 1. Câm.Cível

Ementa - Ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambient com obrigação de fazer - Alegada ausência de citação de litisconsote - Desnessidade - Nulidade de sentença por falta de fundamentação - Inocorrência - Terreno reservado - edificação sobre faixa de mata ciliar - Art. 2, letra ‘A’, item ‘5’, da lei n. 4.771/65 - Legitimidade do IAP para fiscalização - Honorários advocatícios devidos no termos do artigo 118, inciso II, alínea ‘A’, da Constituição Estadual - Recurso desprovido.

1- A fruição da propriedade e da posse, não pode legitimar a degradação do meio ambiente, áreas de preservação permanente.

2- Constitui uso nocivo da propriedade, destinação diversa daquela determinada pelo Código Florestal, nas áreas de preservação permanente, desrespeitando-se a limitação administrativa, cuja responsabilidade no direito ambiental é objetiva.

3- A preservação e a recomposição de mata ciliar é um imperativo que se impõem ao proprietário de terras, constituindo-se em obrigação propter rem.

4- Considera-se de preservação permanente, as florestas e demais formas de vegetaçào natural, situadas ao longo dos demais rios ou qualquer curso d’água, desde o seu nível mais alto em faixa marginal, cuja largura é fixada no Código Florestal (art.2)

5- As florestas de preservação permanente, instituídas, no art. 2, do Código Florestal, são consideradas as propriedades como de limitações administrativas.

6- Terrenos reservados são faixas de terras particulares, marginais dos rios, lagos e canais públicos, como define o Código de Águas.

7- Configura, limitação administrativa à propriedade, visando a proteção ambiental, a definição, como área de preservação permanente, ads florestas e demais formas de vegetação natural

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situadas ao longo dos rios o qualquer curso d’água. Tal limitação, não importa em violação do direito de propriedade, tampouco infringe qualquer direito.

8- Há leis que dependem de regulamentação para sua execução e outras que são auto-executáveis. No entanto, qualquer delas pode ser regulamentada, distinguindo-se de que as primeiras o regulamento é condição de sua aplicação e nas segundas é ato facultativo.

9- Os honorários advocatícios fixados em ação civil pública aforada pelo Ministério Público, julgada improcedente, decorrente da sucumbência, deverá ser recolhida ao Estado, como renda eventual, à conta da Procuradoria Geral da Justiça, para o Fundo Especial criado pela lei Estadual n. 12.241/98, nos termos do art. 118, inc. II, alínea ‘a’, parte final, da Constituição Estadual.

Ação Civil Pública - Liminar - Proteção Ambiental - Limitação Administrativa.

Configura limitação administrativa a propriedade, objetivando a proteção ambiental, a defniçào, como área de preservação permanente, das florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água. Essa limitação não importa em violação do direito de propriedade, tampouco em afronta a qualquer direito adquirido. Por isso, é mantida a concessão de liminar em ação civil pública, posto que ancorada em elementos informativos que evidenciam a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Agravo de instrumento desprovido.

Em nível infra-constitucional, encontramos como modelo de norma, em razão da acuracidade de seus termos, a Lei 6.938, de 3l de agosto de 1981, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, e que reza:

"Art. 2 - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

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I - Ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo:

II - Racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do mar;

VIII - Recuperação de áreas degradadas;

IX - Proteção de áreas ameaçadas de degradação;

Art. 3 - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - Meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II - Degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a)- prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b)- criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c)- afetem desfavoravelmente a biota;

d)- afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

IV - Poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

V - Recursos ambientais: a atmosfera, às águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora."

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É neste texto legal que encontramos o divisor de águas da atual política jurídico-normativa da questão ambiental: a responsabilidade objetiva do degradador pelos danos causados. É a redação do artigo 14, § 1 da Lei 6.938/81 que estabelece:

"§ 1- Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade...

Delimitados os contornos genéricos do tratamento legal ao ambiente, devemos passar à análise de normas protetivas específicas e que tratam diretamente do assunto em pauta.

DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

A necessidade de preservação das áreas marginais aos cursos d'água decorre do papel fundamental que tais áreas possuem na proteção das águas, elemento vital na vida do planeta. A inexistência da vegetação ribeirinha possibilita o aparecimento dos problemas vividos por nossa região, como o assoreamento de rios, erosão acelerada das terras agriculturáveis, desvio dos leitos e completa ausência de cobertura florestal, cobertura esta que possibilitaria a manutenção de um mínimo da fauna regional, etc...

É sintomático o fato de serem as atuais áreas de preservação permanente denominadas "florestas protetoras" pela legislação mais antiga, tais como a Lei Estadual n. 706 de 01 de abril de l.907 e o Decreto 50.813, de 20 de junho de 1961. Mais recente, no mesmo sentido a Lei Estadual 12.726/99, que institui a Política Estadual dos Recursos Hídricos e o Decreto 387/99, que trata das reservas Estaduais legais.

Norma fundamental na regulamentação da matéria e cuja aplicação absolutamente rigorosa, depois de anos de descaso, se faz necessária, é o Código Florestal Brasileiro, instituído pela Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, modificado por várias medidas provisórias, porém que ainda traz expresso que:

"Art. 2 - Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação situadas:

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a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:

1) de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;

...........

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados 'olhos d'água', qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura."

É importante ressaltar que as áreas de Preservação Permanente e a reserva legal, são consideradas Reservas Ecológicas pela já referida Lei 6.938/81 e pelo Decreto 89.336, de 31/04/84 e a Lei 9.984/200, que trata da Política Nacional dos Recursos Hídricos.

O fato é que as áreas de Preservação Permanente têm sua destinação determinada por lei, sendo sua supressão vedada, face a importância das mesmas ao equilíbrio ecológico e a vida de todos. O mesmo se diga em relação ao mau uso da propriedade, quando o proprietário ou arrendatário faz lavoura em local proibido, usa a área de reserva legal e até, sem autorização, impede o normal fluxo das águas com represas particulares e constrói casas e galpões.

A Lei dos Crimes Ambientais prevê em seu artigo 38 que quem destruir ou danificar florestas considerada de Preservação Permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção poderá ser penalizado com multa e detenção.

Deste modo, qualquer tipo de exploração, mormente aquelas que venham a afetar negativamente tais áreas, até mesmo com a destruição física do solo, levado pelas águas, é ilegal.

O artigo 2º do Código Florestal têm como finalidade precípua proteger a cobertura vegetal, onde se encontra expressamente elencada como floresta de preservação permanente aquelas situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água.

Nesse sentido correto afirmar-se que tais florestas não podem ser manejadas de forma a sofrerem cortes rasos. Embora tal restrição exista, não há que se falar da ausência de finalidade econômica na preservação dessas florestas, pois qual melhor investimento senão

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aquele que visa garantir, através da preservação dessas florestas, o bem estar da população, num sentido amplo? Mesmo porque, ao se preservar tais formas de vegetação, protege-se o solo dos processos erosivos, preserva-se a fauna e a flora.

Ao tratar das matas protetoras, Osny Duarte Pereira sabiamente asseverou:

"Sua conservação não é apenas por interesse público, mais por interesse direto e imediato do próprio dono. Assim como ninguém escava o terreno dos alicerces de sua casa, porque poderá comprometer a segurança da mesma, do mesmo modo ninguém arranca as árvores das nascentes, das margens dos rios, nas encostas da montanhas, ao longo das estradas, porque poderá vir a ficar sem água, sujeito a inundações, sem vias de comunicação, pelas barreiras e outros males conhecidamente resultantes de sua insensatez. As árvores nesses lugares estão para as respectivas terras como o vestuário está para o corpo humano. Proibindo a devastação, o Estado nada mais faz do que auxiliar o próprio particular a bem administrar os seus bens individuais, abrindo-lhe os olhos os danos que poderia inadvertidamente cometer contra si mesmo" (in Osny Duarte Pereira, Direito Florestal Brasileiro, pag 2l0).

Sobre a importância das matas ciliares, Eleotério Langowski nos ensina:

"As margens dos rios e córregos, totalmente devastados, não possuem a necessária proteção contra a erosão. As águas que alí chegam após as chuvas, chegam livremente, sem barreiras, indo parar direto nas calhas hidrográficas. O resultado é que logo após quaisquer precipitações pluviométricas, os rios se enchem de água, pois já estão completamente assoreados.

Em situação primitiva, quando a área era ocupada por floresta climax, as chuvas não causavam tantos estragos. Primeiramente porque havia uma barreira a ser superada, ou seja, floresta. As copas das árvores, as folhas do sub-bosque, e até a serrapilheira no piso, não permitiam que as gotas realizassem o trabalho erosivo

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sobre o solo arenoso. Além disso, o grande emaranhado de raízes sob o solo, propiciava a completa estabilização do sistema, com a contínua absorção de água de forma lenta e gradual, resultando em um lençol freático com nível estabilizado, que fluía nas nascentes e cursos d'água, fornecendo água limpa e abundante.(...) A legislação ambiental é sábia quando se considera áreas de preservação permanente às localizadas em pelo menos 30 metros das margens dos rios, sendo alí destinadas a manter vegetação natural, de preferência florestal, pois, são áreas de solo instável.(...) O afloramento do lençol freático, que irá determinar o nascimento de minas d'água e o fornecimento de água para os rios, necessita de proteção por vegetação florestal ao seu redor. ( in Engenheiro Florestal Eleotério Langowski, Subsídios técnicos sobre a problemática e importância da existência de Matas Ciliares na Região Noroeste do Paraná, fl 10 e 12).

Não se fale na inocorrente primazia do interesse econômico sobre o ambiental. É que a Constituição Federal estatui:

"Art. 170- A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

III- função social da propriedade;

IV- defesa do meio ambiente."

Em cotejo, observe-se o disposto no artigo primeiro do Código Florestal:

"Art. 1 - As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem."

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Parágrafo único - As ações e omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas são consideradas uso nocivo da propriedade.

Resta suficientemente demonstrado, portanto, ser o ambiente natural de forma geral, e as áreas situadas às margens dos cursos d'água, como no caso em concreto examinado, devidamente protegidos pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro, sendo este francamente favorável à posição de supremacia dos interesses ambientais públicos sobre os interesses econômicos particulares, justificando a propositura da presente ação para restaurar-se tudo o que foi degradado.

DA MEDIDA LIMINAR

A continuidade da utilização da área para cultivo de lavoura de hortaliças, por parte do 2º requerido, nas áreas de Preservação Permanente, só vem acarretando prejuízo aquele ambiente protegido e a saúde da população. A ilegalidade da atividade é expressa.

Estão presentes os elementos necessários à concessão de medida liminar.

A "fumaça do bom direito" é figura de linguagem imprópria para designar a abundância de normas que dão indicativo unívoco do entendimento da legislação pátria sobre a matéria.

O "perigo na demora", por outro lado, reside no fato de ser necessária a imediata cessação da atividade e isolamento da área de preservação permanente para que seja restabelecida a reserva permanente é medida que se impõe de imediato, havendo abundantes razões de ordem técnica e científica, como exposto, para que tal situação não permaneça nas áreas de preservação permanente.

Observe-se, ademais, que existindo, como no caso em concreto, os pressupostos para a concessão da medida liminar, é a mesma imperiosa, como entende a doutrina:

"75. Ao juiz não é dado poder discricionário de conceder ou não a liminar na ação civil pública e no CDC, segundo critérios de conveniência e oportunidade. Comprovados o periculum in mora e o fumus boni iuris, outro caminho não há para ser seguido, cabendo ao juiz deferir a liminar." ( in Liminares no Processo Civil, Betina

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Rizzoto Lara, Ed. Revista dos Tribunais, 1ª Edição, pag. 210)

Da mesma forma, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, no "Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor", Ed. Revista dos Tribunais, 1ª Edição, pág. 1037:

“...Preenchidos os pressupostos legais do periculum in mora e o fumus boni iuris, deve o juiz conceder a liminar, não havendo necessidade de justificação prévia."

Requer-se, portanto, em primeiro plano, a concessão de MANDADO LIMINAR, determinando-se ao 2º requerido que cesse, imediatamente, a exploração e cultivo da lavoura no local de Preservação Permanente, com a cominação de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais), no caso de descumprimento e que o 2º requerido isole, de imediato, a área que está utilizando ou que foi degradada para que o ambiente se recomponha normalmente até que se implemente outras medidas.

REQUER MAIS:

1- A condenação do 1º requerido na obrigação de fazer, consistente no isolamento definitivo das áreas de Preservação Permanente, situadas em sua propriedade, através da construção de cercas de arame liso ou farpado com no mínimo 05 (cinco) fios;

2- A condenação do 1º requerido na obrigação de fazer, consistente na recuperação da área devastada, pelo plantio de espécies nativas da região, via plantação de mudas florestais nos termos e modos que o IAP determinar, na área de reserva legal e preservação permanente situadas em sua propriedade;

3- A condenação do 1º requerido na obrigação de fazer, consistente na demolição de toda construção feita indevidamente e existente no local de preservação permanente, caracterizadas como “terraços em alvenaria” ou outras, conforme mencionado no relatório da Comissão de Assessoramento para Recuperação de Fundo de Vale;

4- A condenação do 2º requerido na obrigação de não fazer, consistente na abstenção de qualquer tipo de exploração lavoura, especialmente de hortaliças em áreas consideradas de preservação

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permanente pelo Código Florestal Brasileiro e com emprego de agrotóxico;

5- A condenação de ambos os requeridos na obrigação de indenizar, pelos prejuízos já causados, a coletividade paranaense, através da destinação ao fundo previsto no artigo 13, da Lei 7.347/85, de quantia correspondente ao total de utilização da área de preservação permanente até a presente data, pela exploração indevida destas áreas e a ser aferidos em laudos que estabeleçam o exato valor devido.

REQUER TAMBÉM:

1- A citação dos requeridos, nos termos do artigo 221, inciso II, do Código de Processo Civil, para responder à ação, no prazo legal, sob pena de revelia;

2- Que seja julgada procedente a presente ação, nos termos dos pedidos formulados, consolidando-se definitivamente a liminar, se for caso e, ainda, condenando-se os réus nos pagamentos das despesas processuais e verba honorária de sucumbência, cujo recolhimento deve ser feito ao "Fundo Especial do Ministério Público", criado pela Lei Estadual nº 12.241, de 28 de junho de 1998 (D.O.E. n. 5305, de 03 de agosto de 1998), nos termos do art. 118, inc. II, alínea "a", parte final, da Constituição do Estado do Paraná e nas demais cominações legais;

3- que seja concedido os benefícios da Justiça Gratuita.

Protesta-se pela produção de todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente pericial, documental e testemunhal, bem como o depoimento pessoal do requerido e inspeção judicial.

Dá-se a causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Nestes Termos

Pede Deferimento

Maringá, 03 de maio de 2002.

Manoel Ilecir Heckert

Promotor de Justiça

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Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer e Não Fazer, com Pedido de Liminar em Face de Ebi – Empresa Brasileira de Incorporações S/C Ltda, Rover – Negócios e Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda e Instituto Ambiental do Paraná - IAP. EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA

CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA - ESTADO DO PARANÁ.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, através de sua Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente, no uso de suas atribuições previstas na Constituição Federal em seu art. 129, inciso III, nas Leis Federais n.º 7.347/85 e 6.938/81, e na Lei Estadual n.º 7.109/79, regulada pelo Decreto Estadual n.º 857/79, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, propor a presente,

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER COM PEDIDO DE LIMINAR

em face de 1) EBI – EMPRESA BRASILEIRA DE INCORPORAÇÕES S/C LTDA, localizada à Rua Espírito Santo n.º 1426, Centro, CEP 86020-350, nesta cidade, empresa inscrita no CGC/MF 02.911.784/0001-35 e representada pelo Sr. MAX LOBATO SALES, brasileiro, casado, engenheiro civil, portador da cédula de identidade RG n.º 7.797.079 SSP/SP e do CPF/MF n.º 362.622.399-20, residente e domiciliado à Rua Santiago n.º 847, Jardim Bela Suíça, CEP: 86050-170, nesta cidade; 2) ROVER – NEGÓCIOS E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/C LTDA, localizada à Av. Higienópolis n.º 1.100, sala 111, Centro, CEP 86020-911, nesta cidade, empresa inscrita no CGC/MF 02.839.631/0001-24 e representada pelo Sr. NELSON SCHIETTI DE GIACOMO, brasileiro, casado, engenheiro civil, portador da cédula de identidade RG n.º 797.623-2 SSP/PR e do CPF/MF n.º 256.254.389-00, residente e domiciliado à Rua Santiago n.º 1.245, Jardim Bela Suíça, CEP 86050-170, nesta cidade; e 3) INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP, pessoa jurídica de direito público, com sede na rua Engenheiro Rebouças, n.º 1.206, bairro Rebouças, Curitiba, Estado do Paraná e escritório-regional na Rua Brasil, n o

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1.115, Londrina, Estado do Paraná na pessoa de seu Presidente e representante legal.

I – DOS FATOS

As empresas EBI - EMPRESA BRASILEIRA DE INCORPORAÇÕES E NEGÓCIOS S/C LTDA e ROVER - NEGÓCIOS E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/C LTDA, requereram ao Instituto Ambiental do Paraná – IAP licença prévia para a construção e instalação de cemitérios no Município de Londrina, conforme documentos em anexo.

Em 16 de novembro de 2000 este parquet protocolou junto ao IAP ofício 317/00 recomendando que o mesmo se abstivesse de licenciar qualquer obra referente à implantação de cemitérios no Município de Londrina sem a elaboração do Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA e o Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, conforme exigência do art. 225 caput e inciso IV da Constituição Federal de 1988 e Resolução 001/86 e 237/97 do CONAMA.

Foi instaurado o procedimento administrativo n.º 56/00 para apurar o licenciamento ambiental e a implantação destes cemitérios.

Em 26 de dezembro de 2.000, o IAP responde o ofício n.º 317/00; eis sua resposta:

[...] após parecer técnico e jurídico do IAP sob protocolo 4618045-3 deste IAP, com respeito à esta posição promotorial de Licenciamento de cemitérios para o município de Londrina decidiu-se não haver necessidade do EIA/RIMA.

Em 20 de fevereiro de 2001 enviamos ofício n.º 019/01 ao IAP requisitando cópia integral dos processos de licenciamento ambiental referentes à implantação de cemitérios. A resposta veio através do ofício n.º 006/01. Em anexo foram enviados três processos de licenciamento ambiental, todos com a licença prévia expedida.

II – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

Sobre a legitimação da autora para deflagrar a presente actio, invocamos o art. 129, III da Constituição Federal de 1988,

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que, expressa e claramente, estabelece como competência do Ministério Público, dentre outras, a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo uma de suas funções institucionais e constitucionais.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO ÓRGÃO PÚBLICO AMBIENTAL ESTADUAL – IAP

A legitimidade do INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ- IAP para figurar no pólo passivo da demanda em pauta, decorre da previsão constante na Resolução do CONAMA n.º 01, de 23 de janeiro de 1986, da Resolução do CONAMA n.º 09, de 03 de dezembro de 1987 e da Resolução do CONAMA n.º 237, de 19 de dezembro de 1997.

A responsabilidade do INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP, enquanto órgão ambiental oficial do Estado, cinge-se ao fato de que a ele cabe o dever de exigir, para as atividades efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, o Estudo de Impacto Ambiental, respeitando os trâmites do licenciamento.

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 225, inciso IV exige “para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. (nosso grifo)

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei n.º 6.938/81, em seu art. 10 prevê a competência dos órgãos ambientais estaduais para procederem ao licenciamento de certas atividades que causem danos ao meio ambiente:

art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais

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Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (nosso grifo)

Competente, portanto, o órgão ambiental estadual para analisar e verificar a viabilidade dos empreendimentos e obras que causem, mesmo que potencialmente, degradação significativa ao meio ambiente.

No estado do Paraná, o órgão ambiental competente para analisar e aprovar o licenciamento ambiental dos empreendimentos em questão é o INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ – IAP, tendo em vista o que dispõe a Resolução do CONAMA n.º 237/97.

Uma vez estabelecida a necessidade do licenciamento ambiental com a apresentação do estudo de impacto ambiental e a competência do órgão público ambiental, resta-nos estabelecer suas responsabilidades.

As responsabilidades do órgão público ambiental estão previstas em diversos diplomas legais, estando, portanto, vinculado ao cumprimento da Lei.

A Resolução do CONAMA n.º 237/97 em seu art. 8 caput prevê a competência do órgão ambiental para expedir licenças prévia, de instalação e de operação, sendo esta, pois, uma de suas responsabilidades.

O órgão público ambiental deve travar um relacionamento com o público que norteará inexoravelmente a decisão sobre o licenciamento. Este relacionamento é de fundamental importância para que o órgão balize seu entendimento e decisão com relação ao empreendimento ou obra a serem implantados.

Tem também o órgão público ambiental a responsabilidade de designar técnicos de seu quadro para fazer o acompanhamento do estudo de impacto ambiental, segundo o art. 9º da Resolução do CONAMA n.º 006/87:

art. 9º - O estudo de impacto ambiental, a preparação do RIMA, o detalhamento dos aspectos ambientais julgados relevantes a serem desenvolvidos nas várias fases do licenciamento, inclusive o programa de acompanhamento e monitoragem dos impactos,

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serão acompanhados por técnicos designados para este fim pelo(s) órgão(s) estadual(ais) competente(s).

A questão da responsabilidade é de tal importância que os servidores públicos dos órgãos públicos ambientais também estão sujeitos a sanções penais, é o que ensina o Mestre Paulo Affonso Leme Machado:

Acresce notar que o órgão público, e, por via de regresso, os servidores públicos responderão objetivamente pelos danos causados que a decisão administrativa vier a causar, mesmo que baseada no estudo de impacto ambiental.

Ou seja, a responsabilidade do órgão público ambiental no licenciamento do empreendimento ou obra é tão importante que prevê inclusive a responsabilização dos seus servidores.

IV – DA NECESSIDADE DO EPIA/RIMA

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental é um dos principais instrumentos de prevenção da Política Nacional de Meio Ambiente. Isto porque é um estudo prévio realizado por uma equipe multidiciplinar que deverá analisar minuciosamente todos os aspectos (físico, biológico e social) de uma determinada área que se quer impactar.

Após serão realizadas as audiências públicas, quantas forem necessárias, para que a população possa ter conhecimento e tirar suas dúvidas e assim posicionar-se favoravelmente ou desfavoravelmente ao empreendimento.

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental deverá ser solicitado sempre que uma obra ou atividade cause, mesmo que potencialmente, significativa degradação ao meio ambiente. É o que estabelece o art. 225, inciso IV da Constituição Federal do Brasil de 1988.

Ao se tratar da implantação de cemitérios mister sabermos se causam ou não significativa degradação ao meio ambiente, mesmo que potencialmente.

V – DOS RISCOS AMBIENTAIS DE UM CEMITÉRIO

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Apesar de todo caráter sagrado que possuem os cemitérios por ali serem enterrados nossos entes queridos e apesar de todas as crenças religiosas há diversos estudos apontando os cemitérios como uma fonte poluidora, principalmente das águas subterrâneas.

O Prof. Dr. Alberto Pacheco da Universidade Estadual de São Paulo - USP já escreveu diversos artigos falando dos riscos ambientais de um cemitério. Em Os cemitérios como risco potencial para as águas de abastecimento o Dr. Pacheco explica:

A presença de cemitérios nas imediações ou no interior de cidades pode também provocar impactos psicológicos e físicos nas populações e meio ambiente. A este há que acrescentar os do tipo paisagístico, afetando áreas verdes que devem ser preservadas como de interesse ecológico. Os impactos psicológicos, fruto de razões culturais de cada povo, podem se resumir ao medo da morte, às superstições que levam as pessoas a não quererem viver nas proximidades de lugares tão tenebrosos.

[...]

O impacto físico mais importante está no risco de contaminação das águas superficiais e subterrâneas por microorganismos que proliferam durante o processo de decomposição dos cadáveres e posterior o uso destas águas pelas populações.(nosso grifo)

Portanto, afirma o Prof. Dr. Pacheco da USP:

A implantação de cemitérios em áreas adequadas é uma forma de evitar que os efeitos da decomposição dos corpos sejam transferidos para fora e também de garantir a destruição natural dos mesmos.

O Geólogo Lezíro Marques Silva da Universidade São Judas Tadeu - São Paulo no I Fórum Sincepar “Cemitérios - Impacto Ambiental” Curitiba, 1999, em suas considerações finais ressalta:

a) dependendo das condições geológicas e hidrogeológicas locais, os cemitérios poderão constituir-

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se numa fonte pontual de degradação do subsolo (solo e água subterrânea);

b) no âmbito da pesquisa conduzida no Estado de São Paulo, compreendendo seiscentos cemitérios (75% municipais e 25% particulares), observou-se a incidência de 15% a 20% de casos de contaminação e poluição do subsolo, carreada pelos resíduos da decomposição dos corpos e efluentes cadavéricos (necrochorume);

c) a presença dos cemitérios, em condições propícias para a poluição das águas subterrâneas, contribuiu francamente no incremento das concentrações totais de íons (STD);

d) as águas subterrâneas apresentam concentrações excessivas de produtos nitrogenados, causadas pelos processos de decomposição dos cadáveres, com a participação efetiva da contaminação bacteriológica;

e) esta influência dos cemitérios no aqüífero freático, é corroborada pela presença de colifagos (vírus parasitas das bactérias do Grupo Coliforme) em alguns dos cemitérios problemáticos;

f) em termos de locação, os locais topograficamente mais baixos, devido à posição não profunda do lençol freático, na maioria esmagadora apresentará problemas de degradação do subsolo;

g) os processos de destruição dos corpos enterrados são predominantemente de oxidação, onde atuam estrategicamente os microrganismos aeróbicos;

h) em alguns cemitérios antigos de São Paulo, constatou-se uma concentração anômala de arsênio nas águas subterrâneas, motivada pelo sepultamento de corpos embalsamados;

i) verificou-se que os teores excessivos de alguns metais, como o zinco, cobre, ferro, manganês, crômio, prata, alumínio, etc são devidos a sua liberação a partir

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da destruição dos caixões enterrados, graças aos materiais utilizados: tinta, vernizes, selantes, fechos, dobradiças, alças, frisos, adereços;

j) nos cemitérios contendo corpos sepultados próximo aos pontos de amostragem, cujos indivíduos em vida foram submetidos a radioterapia ou receberam marca-passo cardiológicos, foi constatado um nível elevado de radioatividade na água subterrânea; (nosso grifo)

l) é imprescindível que a seleção dos locais para a implantação de cemitérios novos, seja precedida de execução de estudo hidrogeoambiental adequado (estudo este a ser realizado no EIA/RIMA);

m) instalação e a operação de um sistema de monitoramento hidrogeológico (estudo a ser realizado no EIA/RIMA);

o) deve ser incentivado o uso de caixões com materiais de fácil decomposição.

O risco de contaminação das águas subterrâneas por microorganismos é ainda mais preocupante quanto se leva em consideração seu uso posterior em poços rasos ou nascentes pelas populações próximas aos cemitérios. Tal prática ameaça essa parcela da população, pois ela pode contrair doenças veiculadas pela água, como o tétano, a gangrena gasosa, a toxiinfecção alimentar, a febre tifóide e paratifóide, a desinteria bacilar, a hepatite A, entre outras.

Assim, em se tratando de meio ambiente e saúde pública devemos zelar sempre pelos princípios da prevenção, precaução e do interesse público.

A exigência de um Estudo de Impacto Ambiental para a implantação de um cemitério, além de ser determinação legal, é de bom senso, pois, é o instrumento técnico que oferecerá maior profundidade no estudo do local (uma vez que é realizado por equipe multidisciplinar) que atestará a viabilidade ou não da obra, além de prever a participação da comunidade nas audiências públicas.

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VI - DIFERENÇAS ENTRE OS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS - EIA/RIMA, RCA, PCA.

A Legislação Ambiental, em sua competência federal, estadual e municipal apresenta direcionamentos necessários para que possamos trabalhar o Licenciamento Ambiental na implementação de obras ou atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental. O Licenciamento Ambiental básico conforme a Resolução 001/86 do CONAMA, “considera impacto ambiental, qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança, e o bem estar da população; as atividades sociais e econômicas, a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais.” (art. 1º)

Segundo Guerra (1999), a referida resolução regulamentou a elaboração do EIA/RIMA através de um rol exemplificativo de diversas categorias de obras ou atividades que possam ser instalados ou ampliados, além de estabelecer que as autoridades estaduais podem também exigir a apresentação do EIA/RIMA para outros projetos que considerarem relevantes (art. 2º).

Art. 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da SEMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:

X - aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos;

Sabe-se que para o Licenciamento Ambiental, conforme a Resolução do CONAMA 001/86, o órgão público ambiental é obrigado a apresentar uma proposta de Termo de Referência a ser entregue ao empreendedor.

A legislação ambiental brasileira não prevê nenhum outro procedimento de entrada para Licenciamento, sem a apresentação do EIA/RIMA, a não ser se for para Extração Mineral, onde são

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apresentados o Plano de Controle Ambiental - PCA, o Relatório de Controle Ambiental - RCA.

O RCA e o PCA são instrumentos de avaliação ambiental utilizados para o licenciamento de atividades de extração mineral e apresentados em fases diferentes do processo de licenciamento. Todavia esses documentos técnicos têm sido exigidos por alguns órgãos públicos ambientais, uma vez constatados, pela fiscalização, efeitos negativos dos empreendimentos já instalados.

A Resolução do CONAMA 010/90 que estabelece o licenciamento prévio para exploração de bens minerais da classe II, exige a apresentação do Relatório de Controle Ambiental - RCA para obtenção de Licença Prévia - LP e o Plano de Controle Ambiental - PCA para obtenção da Licença de Instalação - LI, casos em que o EIA/RIMA são dispensados (art. 3º- parágrafo único).

Art. 3º - A critério do órgão ambiental competente, o empreendimento, em função de sua natureza, localização, porte e demais peculiaridades, poderá ser dispensado da apresentação dos Estudos de Impacto Ambiental - EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA.

Parágrafo Único - Na hipótese da dispensa de apresentação do EIA/RIMA, o empreendedor deverá apresentar um Relatório de Controle Ambiental - RCA, elaborado de acordo com as diretrizes a serem estabelecidas pelo órgão ambiental competente.

Art. 4º - A licença prévia deverá ser requerida ao órgão ambiental competente, ocasião em que o empreendedor deverá apresentar os Estudos de Impacto Ambiental com o respectivo Relatório de Impacto Ambiental ou o Relatório de Controle Ambiental e demais documentos necessários.

Art. 5º - A licença de instalação deverá ser requerida ao órgão ambiental competente, ocasião em que o empreendedor deverá apresentar o Plano de Controle Ambiental - PCA, que conterá os projetos executivos de minimização dos impactos ambientais avaliados na fase da LP, acompanhado dos demais documentos necessários.

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Salientamos, portanto, que a possibilidade de apresentação do Relatório de Controle Ambiental - RCA e do Plano de Controle Ambiental - PCA, na hipótese de dispensa do EIA/RIMA, prevista na legislação, refere-se somente aos casos de extração mineral, não demonstrando a legislação autorização para outros tipos de empreendimentos.

Em anexo, encontra-se a documentação básica exigida pelo IAP para a implantação de cemitérios para os empreendedores ora requeridos. Dentre eles estão listados: a) documentação básica do terreno, b) estudo de viabilidade hidrogeoambiental, c) ensaio de permeabilidade do solo, d) abertura de poços piezométricos, e) análise da água, f) planta definitiva do empreendimento com áreas de preservação permanente e com áreas do município, g) planta topográfica da área do empreendimento, h) projeto relativo ao sistema de tratamento ou teste de absorção, i) nível do lençol freático e j) planta com a localização das valas do teste.

Não obstante os documentos exigidos e listados acima, o EIA/RIMA ainda se faz necessário, tendo em vista o enorme risco potencial que o empreendimento traz à população e ao meio ambiente.

O baluarte e precursor do Direito Ambiental brasileiro o Mestre Paulo Affonso Leme Machado, em sua grande obra Direito Ambiental Brasileiro tece seu entendimento quanto a dispensa do EIA/RIMA:

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental, conforme estatui o art. 225, parágrafo 1º, IV, da CF, é o instrumento único da análise da degradação potencial e significativa do meio ambiente, decorrente do exercício de atividades ou da instalação de obras. Não se pode contornar o caminho que a Constituição Federal traçou, com grande senso de estratégia ambiental. Não é um formalismo escravizador; pelo contrário, é o uso da forma como garantia do exercício da liberdade de viver em um ambiente sadio e da harmonia entre os seres. (nosso grifo)

(...) Portanto, qualquer ato de Conselhos Estaduais ou Municipais, ou Secretarias Estaduais ou Municipais, de meio ambiente, que dispense a realização do EPIA de atividades ou obras, baseada em

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RAP’S (Relatório Ambiental Preliminar instituído em São Paulo), quando o ato descumpra as normas gerais federais ambientais, estará viciado de inconstitucionalidade, e merece ser decretada a sua nulidade, de ofício, ou através de recurso pelo próprio Poder Executivo ou pelo Poder Judiciário, quando devidamente solicitado.

Portanto, a implantação de cemitérios, está condicionada à legislação vigente, qual seja a Constituição Federal de 1988, a Resolução do CONAMA 001/86 (EIA/RIMA), e as Leis do Plano Diretor da Cidade de Londrina - PR, no que se refere ao uso do solo e zoneamento urbano.

VII - DA LIMINAR

A presente ação tem por escopo evitar que o licenciamento ambiental seja concedido sem o devido estudo de impacto ambiental – EIA e de seu conseqüente relatório de impacto ambiental - RIMA, pois haveria lesão frontal e irreparável, ao meio ambiente, ainda que potencialmente, e aos interesses da população londrinense que, de forma direta ou indireta, poderá sofrer os impactos do empreendimento, não lhes sendo fornecidas as informações necessárias e suficientes para a promoção de discussões e propostas a fim de assumirem um posicionamento frente ao empreendimento que se pretende instalar.

Verifica-se, então, periculum in mora, uma vez que, em não sendo deferida a medida, o meio ambiente e os direitos da população londrinense serão irreparavelmente abalados, pois iniciado o processo de licenciamento ambiental, como já o fora, a população não terá mais garantias da necessária feitura do EIA e do RIMA, passando os requeridos à construção dos cemitérios (como já fora anunciado nos meios de comunicação).

Frise-se que a licença prévia já fora deferida pelo IAP!

O fumus boni iuris está demonstrado de modo cabal pela exposição dos fatos e fundamentos da presente medida judicial, principalmente no tocante ao desrespeito ao artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV da Constituição Federal e à Resolução do CONAMA N.º 001/86.

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Em virtude do exposto, comprovados o perigo da demora e a fumaça do bom direito, requer o Ministério Público seja a presente medida deferida liminarmente, sem justificação prévia, conforme facultado pelo artigo 12 da Lei 7.347/85, determinando-se a proibição do licenciamento do empreendimento em questão, bem como a construção das obras de implantação dos cemitérios até que o Estudo de Impacto Ambiental – EIA e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA sejam realizados.

Nesse sentido, manifestam-se os Tribunais:

A jurisprudência respalda a concessão de medida liminar inaudita altera pars, inclusive contra pessoas jurídicas de direito público. Aplica-se, no caso, o artigo 12 da Lei Federal n.º 7347/85, objetivando a manutenção do “status quo” até final sentença, evitando, assim, a efetivação de danos irreparáveis ao meio ambiente.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR CONCEDIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA SEM AUDIÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE ANTE A URGÊNCIA. PERDA DE OBJETO NÃO CONFIGURADA. NÃO OCORRÊNCIA DE ADITAMENTO DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO.

O juiz pode determinar, mesmo de ofício, medidas provisórias no curso do processo, sendo que no caso, pelo art. 12 da Lei 7.347/85, em se tratando de ação civil pública baseada em dano ao meio ambiente, facultado ao juiz a concessão de liminar, sem ouvir a parte contrária, procurando manter o ‘status quo’ até final sentença, a fim de evitar danos irreparáveis.

Não houve perda de objeto, porque mesmo concluída a obra, há que se preservar o ambiente, até que se decida, a final a lide, sem ingerência na modificação de depredação do local, protegendo-se o solo e a flora.

Não houve o alegado aditamento à inicial, nem decisão ‘ultra petita’. A autora, ao propor a ação, visava a suspensão de qualquer atividade no local e a abstenção de quaisquer atividades que viessem a proporcionar a continuidade da degradação em área de preservação permanente.

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A liminar não só suspendeu as obras, mas também qualquer outra atividade por parte do Estado do Paraná e seus órgãos de atuação naquele local.”

( TJ/PR - Acórdão n.º 2255 - 6ª Câmara Cível - Ag Instr n.º 0059872-7 - Des. Pres. Accácio Cambi e Relatora Anny Mary Kuss Serrano)

V - DO PEDIDO

Isto posto requer-se:

1. A condenação da EBI – Empresa Brasileira de Incorporações S/C Ltda e da Rover – Negócios e Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda, na obrigação de fazer, para que efetuem o Estudo de Impacto Ambiental – EIA e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, sob pena de multa diária, nos termos da Lei 7.347/85;

2. A condenação do Instituto Ambiental do Paraná - IAP, na obrigação de fazer, para que determine a feitura do EIA/RIMA à EBI – Empresa Brasileira de Incorporações S/C Ltda e à Rover – Negócios e Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda, com todas as especificações, detalhes e dados técnicos inerentes ao empreendimento.

3. A condenação do Instituto Ambiental do Paraná – IAP, na obrigação de não fazer, para que não licencie o empreendimento dos cemitérios na cidade de Londrina sem a necessária feitura do EIA/RIMA, sob pena de multa diária, nos termos da Lei 7.347/85;

4. A condenação da EBI - Empresa Brasileira de Incorporações S/C Ltda e da Rover - Negócios e Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda na obrigação de não fazer consistente na abstenção de construir os cemitérios antes da realização do EIA/RIMA;

Requer seja o pedido de liminar deferido sem a audiência da parte contrária como determina o art. 12 da Lei n.º 7.347/85.

Requer-se a citação dos réus, nos termos do artigo 219 e seguintes, para, querendo, contestarem a presente sob pena de revelia.

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Protesta-se pela produção de todas as provas admitidas em direito, principalmente pericial.

Requer-se, a indenização por eventuais danos causados o meio ambiente e a condenação dos réus ao pagamento de multa diária em caso de descumprimento da liminar, nos termos da Lei 7.347/85.

Pelo julgamento procedente da presente, em todos os termos do pedido, condenando-se os requeridos aos ônus da sucumbência e demais cominações legais.

Dá-se à causa o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para efeitos fiscais.

Londrina, 19 de setembro de 2001.

Luciana Ribeiro Lepri Moreira

Promotora de Justiça

Leandro Volochko

Estagiário de Direito

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Ação Civil Pública em Face de Petrobrás Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da Vara da

Circunscrição Judiciária de Paranaguá

O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Paraná, através dos seus respectivos órgãos ao final assinados, vêm à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 129 da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como nas Leis ns. 7.347, de 22 de julho de 1985 e 6.938, de 31 de agosto de 1981 e com base no Inquérito Civil Público instaurado pelo Ministério Público Federal (doravante ICP/MPF) n. 01/2001 e no Inquérito Civil Público instaurado pelo Ministério Público do Estado do Paraná (doravante ICP/MPE) n. 01/2001, a fim de propor a presente

Ação Civil Pública de Responsabilidade por danos causados ao Meio Ambiente

pelo procedimento ordinário, em face de

PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. (PETROBRAS), sociedade de economia mista vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com inscrições no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) n. 33000167/001-01 (número de cadastro da matriz) e n. 33000167/0809-70 (número de cadastro da Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR) e inscrição estadual n. 11.801.274-N, com sede no município de Araucária, Estado do Paraná, à Rodovia do Xisto (BR 476), km 16 (CEP 83.700-970 e fone 41-841-2402), pelos fundamentos de fato e de direito seguintes:

Da competência da Justiça Federal

A Competência da Justiça Federal para julgar a presente ação civil pública decorre do que estabelecem o art. 20, incisos VII e X, o art. 216, inciso V e o art. 225, § 4º, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, os quais dispõem:

Art. 20 - São bens da União (...) VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Art. 225 - (...)

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§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal mato-grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Estes dispositivos conduzem a duas conseqüências diretas na determinação da competência para o caso em tela. A primeira decorre da classificação atribuída à Floresta Atlântica, pois sendo este patrimônio nacional protegido constitucionalmente, a sua importância transcende os limites dos Municípios de Morretes e Antonina, refletindo-se inclusive internacionalmente, como será visto adiante. A segunda decorre da lei, traduzida no Decreto n. 750/93 que, em seu art. 1º e parágrafo único, condiciona qualquer intervenção na área de Floresta Atlântica à anuência prévia do IBAMA, sendo, portanto, inegável o interesse da União.

Reafirmando a competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação civil pública, está o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, que entendeu ser ela competente para apreciar causa onde haja interesse da União, mesmo quando a comarca onde ocorreu o dano não seja sede de suas Varas:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, I E § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. ART. 2º DA LEI N. 7.347/85.

O dispositivo contido na parte final do parágrafo 3º do art. 109 da Constituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir competência (rectius: jurisdição) ao Juízo estadual do foro do domicílio da outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda, desde que não seja sede de Varas da Justiça Federal, para causas específicas dentre as previstas no inciso I do referido artigo 109.

No caso em tela, a permissão não foi utilizada pelo legislador que, ao revés, se limitou, no art. 2º da Lei n. 7.347/85, a estabelecer que as ações nele previstas “serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.

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Considerando que o Juiz Federal também tem competência territorial e funcional sobre o local de qualquer dano, impõe-se a conclusão de que o afastamento da jurisdição federal, no caso somente poderia dar-se por meio de referência expressa à Justiça Estadual, como a que fez o constituinte na primeira parte do mencionado § 3º em relação às causas de natureza previdenciária, o que no caso não ocorreu (Recurso extraordinário n. 228.955-9-RS – STF – Pleno – Relator Ministro Ilmar Galvão – julgado em 10.2.2000 - conhecido e provido – votação unânime – In: DJU, Seção 1, de 24.3.2000, p. 219, e republicado In: DJU, Seção 1, de 14.4.2000, p. 56 por ter sido publicado com incorreção.)

No mesmo sentido:

Competência. Intervindo a União como assistente da ré (CESP) e sendo como tal admitida, em ambos os graus, pela Justiça Estadual, a competência para o processamento passa à Justiça Federal, nos termos do art. 125, I, da Constituição Federal, inclusive para admitir, ou não, a intervenção requerida, afastada, assim, a incidência da Súmula n. 556. Agravo Regimental desprovido (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento ou de Petição n. 100.064-SP – STF – 1ª Turma – Relator Ministro Octavio Gallotti – julgado em 17.12.1984 – improvido – votação unânime - in DJU, Seção 1, de 15.3.85, p. 3.140 e in Ementário n. 1370, p. 483).

Válido ainda, destacar o voto do eminente Juiz AMIR SARTI, quando da apreciação do Recuso de Apelação intentado pelo Ministério Público Federal, junto ao Tribunal Federal da 4ª Região, Processo n. 96.04.45111-1:

A Constituição Federal fixa, além de regras de jurisdição, regras de competência, deixando que a União, quando é autora, promove a ação na Seção Judiciária federal onde tiver domicílio a outra parte, e quando é ré, deve ser acionada na seção judiciária do domicílio do autor ou na seção judiciária do fato ou no Distrito Federal.

Então, quanto à União, a Constituição tem regras expressas de competência, e esse parágrafo 3º do art. 109 a que o acórdão do STJ se refere dirige-se às causas previdenciárias e a outras causas, quaisquer outras causas, mas não às que tenham a sua competência especificamente fixada nos dispositivos anteriores, pela simples razão de que esse parágrafo 3º é uma regra geral que não revoga a regra especial. A regra especial de competência

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contra a União está nos §§ 1º e 2º. O § 3º é residual, e, portanto, não revoga a competência fixada para causas em que a União está presente.

Ressalta-se que tal ponto de vista, já fora esboçado, pelo eminente Juiz Amir Sarti, quando do julgamento do Agravo n. 94.04.50553-6, em voto vencedor, acompanhado pela ilustre Relatora Juíza MARGA BARTH TESSLER.

Desta forma, conclui-se que a Súmula n. 183 do Superior Tribunal de Justiça, que diz competir ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de Vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo, está virtualmente revogada, tendo-se em vista o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, anteriormente transcrito.

Consequentemente, a Justiça Federal será competente para apreciar determinada matéria, sempre que ela de qualquer forma, diga respeito a bens ou interesses afetos à União.

E como consignado no início deste tópico, o vazamento ocorrido sob a responsabilidade da PETROBRAS, invariavelmente afetou bens ligados à União e de interesse nacional.

Note-se também que o IBAMA, órgão federal, deverá pronunciar-se sobre a questão, pois o vazamento atravessou áreas de Mata Atlântica, o que reforça ainda mais a competência da Justiça Federal, para processar o julgar o presente feito, sendo o que desde já se requer.

Dada circunstância de serem partes, de um lado, o Ministério Público Federal, como autor e de outro a PETROBRAS, como ré, indiscutível a competência da Justiça Federal, estribada no art. 109, inciso I, da Constituição da República: “aos juízes federais compete processar e julgar [...] as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes [SIC], exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, “se o Ministério Público Federal é parte, a Justiça Federal é competente para conhecer do processo” (Conflito de competência n. 4.927-0-DF – STJ – 1ª Seção – Relator Ministro Gomes de Barros – julgado em

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14.9.1993 – conflito conhecido e declarado competente o suscitado, Juízo Federal da 7ª Vara no Distrito Federal – votação unânime – In: DJU, Seção 1, de 4.10.1993, p. 20.482).

Não fosse esse dado, ainda assim a competência seria de Juiz Federal, tendo em conta que o dano ambiental ocasionado pelo acidente atingiu a Floresta Atlântica Brasileira, seus rios e outras fontes de recursos naturais que são de domínio e responsabilidade federais por disposição constitucional.

Sendo assim, diante da constatação de que o bem lesado constitui patrimônio da União e de que a PETROBRAS trata-se de empresa estatal, corrobora-se a competência da Justiça Federal.

Apenas para que não se coloquem quaisquer dúvidas sobre o perfil do pólo ativo desta demanda, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ propõem-na juntos. Na Justiça Federal, pois de Juiz Federal é a competência ratione materiæ para conhecer do pleito.

Dos antecedentes da Petrobras em desastres ambientais

A irresponsabilidade e o descaso da ré PETROBRAS no tocante ao vazamento de óleo e os danos ambientais de grandes proporções agrava-se, consideravelmente, tendo-se em vista que sua empresa se apresenta como reincidente em inúmeros desastres ambientais em nosso país.

Somente desde março de 1997 até fevereiro de 2001, é possível enumerar dezesseis ocorrências, todas elas de gravidade considerável, as quais aparentemente foram se intensificando com o passar do tempo.

Em março de 1997, houve rompimento de um duto provocando o vazamento de seiscentos mil litros de petróleo da REDUC, no Rio de Janeiro, e atinge quatrocentos metros quadrados de um manguezal.

No ano seguinte, em agosto de 1998, houve o vazamento de quinze mil litros de óleo do petroleiro “Maruim”, a serviço da PETROBRAS, poluiu onze praias provocando o maior desastre ambiental na cidade de Ilha Bela, litoral norte de São Paulo.

Em treze de outubro de 1998, uma rachadura de cerca de um metro no oleoduto que liga a refinaria de São José dos Campos

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(REVAP) ao Terminal de Guararema, ambos situados no Estado de São Paulo, causou o vazamento de um milhão e quinhentos mil litros de óleo combustível no rio Alambari.

Posteriormente, em seis de agosto de 1999, ocorreu o vazamento de três mil litros de óleo no oleoduto que abastece a usina Manaus Energia (REMAN), atingindo o Igarapé do Cururu e o rio Negro, todos esses locais situados no Estado do Amazonas.

Ainda no mesmo mês, em 24 de agosto de 1999, na REPAR, vazaram aproximadamente três metros cúbicos de nafta de xisto, produto que possui benzeno.

Apenas cinco dias após, em 29 de agosto de 1999, ocorreu novo vazamento de óleo combustível na REMAN, sendo que pelo menos mil litros de óleo contaminaram o rio Negro.

Uma falha de campo de produção de petróleo em Carmópolis, Estado de Sergipe, provocou, em novembro de 1999, o vazamento de óleo e água sanitária no rio Siriri.

Em dezoito de janeiro de 2000, o vazamento de um milhão e trezentos mil litros de óleo combustível de um duto rompido na capital do Estado do Rio de Janeiro poluiu a Baía de Guanabara, um dos cartões postais do país.

Logo em seguida, em 28 de janeiro de 2000, problemas num oleoduto entre Cubatão e São Bernardo do Campo, ambos municípios do Estado de São Paulo, ocasionaram o vazamento de duzentos litros de óleo diluente, sendo que o óleo foi contido na Serra do Mar, antes que contaminasse os pontos de captação de água potável do rio Cubatão.

Em dezessete de fevereiro de 2000, o transbordamento na refinaria de São José dos Campos provocou o vazamento de quinhentos litros de óleo no canal que separa a refinaria do rio Paraíba.

Devido ao rompimento de uma junta da refinaria da ré PETROBRAS em Tramandaí, Estado do Rio Grande do Sul (REFAP), houve o vazamento de dezoito mil litros de petróleo cru que gerou poluição de três quilômetros de praias gaúchas, em onze de março de 2000.

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Mais de sete mil litros de petróleo transbordaram, em dezesseis de março de 2000, de um navio contratado pela ré PETROBRAS em São Sebastião, Estado de São Paulo, poluindo quinze praias.

Em dezesseis de julho de 2000, aproximadamente quatro milhões de litros de óleo cru vazaram da Refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária, Estado do Paraná, causando o maior acidente ambiental envolvendo a PETROBRAS nos últimos 26 anos.

Em novembro do mesmo ano, o navio “Vergina 2”, da empresa cipriota “Grevia Marine”, que então prestava serviço para a PETROBRAS, derramou 86 mil litros de óleo no porto de São Sebastião (SP), contaminando vinte praias.

Já em 2001, dois operários terceirizados que trabalhavam na plataforma P-37, na bacia de Campos, Estado do Rio de Janeiro, morreram asfixiados por gás. A plataforma afundou, causando o mais grave acidente em plataformas de petróleo já visto no mundo.

DOS FATOS

Em dezesseis de fevereiro de 2001, rompeu-se o oleoduto denominado “OLAPA”, que interliga a Refinaria Presidente Getúlio Vargas da PETROBRAS, em Araucária, com o Terminal em Paranaguá, acarretando no vazamento de aproximadamente 57 mil litros de derivado de petróleo em plena Serra do Mar, Floresta Atlântica Brasileira, Patrimônio da Humanidade segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Inicialmente, a empresa informou que o vazamento fora de mil e duzentos litros, admitindo posteriormente o montante aproximado já indicado (57 mil litros) (Cf. fls. 4 a 16 e 59 e 60 do ICP/MPF n. 01/2001).

O derivado de petróleo – óleo diesel “de mistura”, conforme informou a própria ré Petrobrás (fls. 68-70 do ICP/MF n. 01/2001) – atingiu a Floresta Atlântica Brasileira, incluindo manguezais e várzeas do Rio dos Neves, rio Nhundiaquara, rio do Meio, rio Sagrado e, ainda, as Baías de Antonina e Paranaguá no litoral do Estado do Paraná, causando danos ambientais de grande monta, com prejuízos assombrosos à fauna e à flora e à saúde e qualidade de vida da população (Cf., a propósito, o croquis do acidente, nas fls. 61 do ICP/MPF n. 01/2001).

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Constata-se que as conseqüências desse vazamento tornam-no um dos maiores desastres ecológicos da história do Brasil por atingir o fragilíssimo ecossistema de Floresta Atlântica em seu último remanescente: a Serra do Mar e o litoral do Estado do Paraná. Os impactos ambientais adversos causados pelo derramamento de óleo são de grandes proporções, sem falar nos prejuízos de ordem econômica e à saúde pública.

Acentua-se esta a gravidade pela fragilidade do ambiente atingido, que, como será descrito nesta ação, tem importância indiscutível aos interesses nacionais, com expressa manifestação na Constituição Brasileira.

O Ministério Público, através de Laudos Técnicos (fls. 314-375 do ICP/MPE n. 001/01) realizados por Engenheiro Agrônomo e Geólogo, demonstra a omissão e o despreparo da PETROBRAS para evitar e conter o vazamento de petróleo e as elevadas dimensões dos danos ambientais, sociais e morais promovidos nas áreas em discussão.

Um trecho do laudo técnico desenvolvido pela Engenheira Agrônoma e de Segurança do Trabalho GISELE INÊS TARASZKIEWICZ HARBAR Wowk, especialista em Gestão e Engenharia Ambiental, deixa bem claros a omissão e o despreparo da PETROBRAS (fls. 356-357 do ICP/MPE n. 01/2001):

Nos dias 19 de fevereiro, 6, 7 e 19 de março de 2001, a equipe técnica do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Meio Ambiente – CAOPPMA, deslocou-se a Morretes a fim de verificar os danos causados pelo derramamento de óleo no duto. Foi constatado que as barreiras retentoras instaladas nos Rios do Meio, Sagrado e dos Neves, não estavam sendo eficientes na retenção do óleo (foi observado grande quantidade ultrapassando as barreiras), tendo em vista que o volume é grande e considerando que as barreiras são medidas tradicionais empregadas em vazamentos marítimos, onde a velocidade é mais lenta do que em um rio (...).

Além das barreiras absorventes e retentoras, os funcionários utilizaram canecas e baldes perfuradas no fundo, que primeiro escorriam a água, ficando o óleo na

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parte de cima sendo despejado em tambores que estavam espalhados por toda a área (...).

E sua conclusão, ainda mais incisiva, não deixa espaço para dúvidas (fls. 373 do ICP/MPE n. 01/2001):

O sistema de emergência montado pela empresa não funcionou adequadamente, a comunicação foi efetuada tardiamente, e suas proporções foram subestimadas, uma vez que a informação inicial era de que haviam vazado apenas 1.200 litros, de modo que, o preparo inicial da operação de emergência fosse aquém da real necessidade.

Apesar da empresa ter tido uma recente experiência com o acidente em Araucária, teve nesta oportunidade os mesmos problemas observados em sua tentativa de conter o acidente. As barreiras de contenção não funcionaram adequadamente, foram utilizados equipamentos improvisados, havendo também falta de experiência dos operários, e dos responsáveis pelo seu planejamento, uma vez que a Petrobras não está preparada para atender vazamentos em rios, que possuem características diferentes dos vazamentos ocorridos no mar, além da morosidade em se tomar decisões.

Os peritos do Ministério Público Federal, DALMA MARIA CAIXETA e MARCOS CIPRIANO CARDOSO GARCIA, subscreveram laudo (fls. 745 a 775 do ICP/MPF n. 01/2001) em que afirmam, em essência, o seguinte:

A provável causa apresentada pela PETROBRAS para o acidente foi o deslocamento do solo, o que provocou uma tração com conseqüente rompimento do duto. Essa argumentação também foi apresentada pela Agência Nacional do Petróleo – ANP, a qual também constatou que, em vários trechos do duto, o terreno encontra-se saturado. (...)

Segundo o técnico da PETROBRAS esse monitoramento da movimentação do solo já estava sendo realizado, tendo sido apontados problemas da estabilidade do solo. A próxima etapa seria a fase de

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licitação para contratação de projetos, porém o acidente aconteceu antes.

O acidente teve grande repercussão na imprensa. Apenas à guisa de exemplos colecionados, o fato foi noticiado pelos seguintes jornais: a) “Correio Braziliense”, edição na Internet de 20 de fevereiro de 2001 (fls. 28 e 29 do ICP/MPF n. 01/2001); b) “Folha de Londrina/Folha do Paraná”, edições de 17 a 24 e 28 de fevereiro de 2001 (fls. 6, 9, 14, 16, 17, 26, 27 e 53 do ICP/MPF n. 01/2001 e 123, 125, 126, 129, 130, 135, 144, 150, 153, 158 a 160 e 165 do ICP/MPE n. 01/2001); c) “Gazeta do Paraná”, edição de 17, 21 e 22 de fevereiro de 2001 (fls. 133, 134, 136, 141, 142, 161 e 161, verso, do ICP/MPE n. 01/2001); d) “Gazeta do Povo”, edições de 17 a 28 de fevereiro de 2001 (fls. 5, 10, 13, 15, 24 e 54 do ICP/MPF n. 01/2001 e 124, 127, 128, 131, 132, 140, 143, 145 ,152, 154 a 157 e 162 do ICP/MPE n. 01/2001); e) “Gazeta Mercantil”, edições de 19 e 21 de fevereiro de 2001 (fls. 19, 20 e 51 do ICP/MPF n. 01/2001); f) “Jornal do Brasil”, edição de 20 e 21 de fevereiro de 2001 (fls. 47 e 48 do ICP/MPF n. 01/2001); g) “Jornal do Estado”, edições de 17, 19 e 20 fevereiro de 2001 (fls. 4, 18 e 23 do ICP/MPF n. 01/2001); h) “O Estado do Paraná”, edições de 17 a 21 e 25 de fevereiro de 2001 (fls. 7, 11, 25 e 52 do ICP/MPF n. 01/2001 e 137, 138, 139, 163, 164, 166 a 170 do ICP/MPE n. 01/2001); i) “Paraná em Páginas”, edição de março de 2001 (fls. 18-b do ICP/MPE n. 01/2001).

Da redução de gastos necessários à conservação dos dutos e demais equipamentos e prevenção de vazamentos

Foi apurado pelos autores que a ré PETROBRAS, no período de alguns anos que antecedeu o acidente, vinha reduzindo seu efetivo de funcionários, de maneira que, em setores essenciais, como os de manutenção, carecia de pessoal técnico suficiente para enfrentar os desafios que haveriam de surgir. É possível afirmar que, nos últimos anos, a PETROBRAS reduziu substancialmente seu quadro de pessoal, de maneira que hoje – embora a produção tenha sido incrementada – há um número significativamente menor de funcionários trabalhando com o petróleo e seus derivados no que trata da prevenção e manutenção de suas unidades e dutos transportadores.

Essa redução ocorreu sem o acompanhamento de inovações tecnológicas que justificassem a utilização de um menor número de funcionários na operação dos equipamentos. Foi causa

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mediata não somente do acidente em si, como também da ausência de capacidade de minimizar-lhe as conseqüências em tempo hábil.

Escreveu o jornal “Gazeta do Povo”:

Para a Federação Única dos Petroleiros, a principal causa dos acidentes que ocorrem na Petrobrás é a redução do efetivo e a terceirização de atividades essenciais, como a manutenção.

- 91 trabalhadores morreram em acidentes de trabalho em todas as operações da Petrobrás, nos últimos três anos, média de 2 mortes por mês.

- O efetivo próprio da PETROBRAS em 1990 era de 62 mil funcionários havendo até 2001 uma perda de 45,16%, tendo hoje a empresa o efetivo de 34 mil funcionários. (...)

A categoria reivindica mais investimento em segurança no trabalho - em treinamento e qualificação - e a reposição imediata do efetivo da estatal, que teria caído de 62 mil, em 1989, para 34 mil, apesar do aumento da produção verificado nos últimos anos (Gazeta do Povo, edição de 22 de março de 2001).

Apuraram os autores que a ré PETROBRAS muitas vezes procurou ocultar essa redução de funcionários através do aumento de horas extraordinárias cumpridas pelo operador de maquinário, bem como através do aumento de “dobras”, isto é, do exercício seguido de mais de um turno. Ora, é óbvio que essa prática, além sobrecarregar os funcionários, compromete-lhes a saúde, física e mental.

Da ausência de plano emergencial eficiente e do despreparo da Petrobras para a contenção do vazamento

A minimização dos efeitos do óleo após seu vazamento no ambiente deve ser feita o mais rapidamente possível, através de ações que venham a monitorar, controlar e principalmente reter o material poluente inserido ao ambiente natural.

Para tais ações é necessária existência de um projeto de prevenção; e um preparo para a possibilidade de tal emergência. Este preparo deve ser coordenado por profissional capacitado e por equipes treinadas. Devem ser capazes de se organizar rapidamente, evitando assim maiores danos em acidentes que afetem o meio ambiente.

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A ré PETROBRAS corroborou, novamente, a sua posição de absoluto despreparo frente à possibilidade da ocorrência de qualquer vazamento em seus dutos e conseqüente desastre ambiental e confirmou a inexistência de um importante e obrigatório plano de emergência.

A Engenheira GISELE INÊS TARASZKIEWICZ HARBAR WOWK foi muito clara: “a PETROBRAS não está preparada para atender vazamentos em rios” (fls. 373 do ICP/MPE n. 01/01).

Tal fato também foi averiguado pelos técnicos do Instituto Ambiental do Paraná (INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ. Vazamento de Produto Derivado de Petróleo no Poliduto Olapa – Petrobrás-Transpetro, Trecho Araucária – Paranaguá – Relatório Técnico – versão de 30 de março de 2001, Curitiba: IAP, 2001, p. 5-6 – fls. 571-573 do ICP/MPE n. 01/01):

As primeiras vinte e quatro horas de um acidente ecológico, envolvendo principalmente derivados de petróleo são fundamentais para se minimizar o impacto ambiental. Neste aspecto, resta às equipes de atendimento pouco tempo para a análise situacional e adoção de medidas de contenção do óleo.

A partir desse pressuposto, as equipes de fiscalização do IAP fizeram as seguintes observações sobre as atividades da PETROBRAS.

a – Plano de emergência

A coordenação do Plano de Emergência da PETROBRAS foi exercida inicialmente pela central de São Francisco do Sul em Santa Catarina. Não havia no local do acidente um coordenador geral. A falta de informações, ou informações errôneas, como foi no caso da quantidade de óleo derramado, geraram problemas como a falta de material, distribuição irregular de equipamentos nos locais para colocação de barreiras e sub-dimensionamento das equipes de campo.

b – Falta ou inadequação de Material e Equipamentos

Nas primeiras horas, apurou-se a falta de materiais e equipamentos aliados ao fato de que muitos destes foram trazidos de locais mais distantes, como Araucária e São Francisco do Sul – SC. Esses fatos estão de certa forma relacionados à informação de que apenas 1.200 litros de óleo foram derramados. O IAP em data

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de 17/02/2001, através do Relatório de Inspeção Ambiental n. 02343 menciona a falta de material compatível com a necessidade. Verificamos que poucos são os equipamentos disponíveis no Paraná.

c – despreparo da Equipe de Emergência

Este fato foi verificado principalmente na colocação correta das barreiras para contenção do óleo. Inúmeras vezes, técnicos do Iap alertavam as equipes de campo e a coordenação da base montada para atendimento do acidente, que barreiras não estavam sendo eficientes devido à sua indevida colocação, manutenção e falta de material.

d – Quantidade de Óleo Derramado

As equipes do IAP e Defesa Civil que sobrevoaram o local do acidente, apuraram que as informações fornecidas pela Petrobrás estavam subdimensionadas. O IAP notificiou a Petrobrás, que em sua resposta confirmou o vazamento de 1.200 litros de óleo. (...) Ficou claro que houve uma informação errônea à Central de Acidente da Petrobrás, localizada em São Francisco do Sul, SC, pelos responsáveis que detectaram o vazamento de óleo na primeira hora, passando a informação de que haveria vazado apenas 1.200 litros de óleo. A Empresa, em função disso, deslocou para o local do acidente materiais em quantidade muito inferior ao que era necessário para o atendimento adequado. (...) Se o material adequado e em quantidade tivesse chegado em tempo hábil, provavelmente a área afetada teria menor impacto.

O Major QOBM Sérgio Gonçalves de Oliveira, Chefe da Divisão da Defesa Civil, que acudiu ao acidente, confirmou esse fato, isto é, que “a PEBROBRAS em nota oficial, em primeira análise, informou que o vazamento era da ordem de 1.200 litros do produto” (fls. 59 do ICP/MPF n. 01/2001).

Mais do que isso, o equipamento utilizado para reter o óleo derramado e, uma vez retido, retirá-lo dos rios, era totalmente inadequado. O mesmo Major QOBM Sérgio Gonçalves de Oliveira afirmou textualmente que “o produto derramado era retirado manualmente, por meio de vasilhames” (fls. 60 do ICP/MPF n. 01/2001).

Injustificável o despreparo dos funcionários da PETROBRAS, que, justamente no ano em que as empresa alcança seu maior lucro

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na história, ignora um princípio básico dentro das atividades perigosas ao meio ambiente: a prevenção.

Muitos dos danos impostos ao último remanescente de Floresta Atlântica do país poderiam ter sido evitados se a empresa poluidora ao menos mantivesse um Plano Emergencial aplicável com profissionais preparados para executá-lo. Ao contrário do que deveria, não o faz.

Dos danos sócio-ambientais

Não resta dúvida de que os danos ambientais acarretados pelo vazamento de óleo do oleoduto OLAPA são de grandes proporções, uma vez que foram atingidos vários rios além da própria baía de Paranaguá incluindo sua área de manguezais.

Os rios atingidos foram cobertos pelo “espelho” de óleo que evita a entrada da luz nos mesmos, diminuindo ou eliminando o processo de oxigenação da água e causando, portanto, uma radical interrupção nos processos que possibilitam a vida no meio aquático.

O mesmo efeito foi causado na baía de Paranaguá aonde além das águas, os manguezais foram atingidos.

A produção da vida tem o mangue como um de seus maiores geradores, pois é o mesmo que serve de fonte de alimentação e procriação para diversas espécies por ser riquíssimo em matéria orgânica. O mangue possui uma qualidade de absorção elevada o que agrava a situação pelo derivado de petróleo atingir profundas camadas deste importante ecossistema.

Muitos animais, aquáticos ou não, foram intoxicados; as aves são atingidas chegando à morte por pousar em áreas na beira dos rios atingidos ou ter contato com as águas destes, pois suas plumas ficam carregadas de produtos petrolíferos irremovíveis perdendo suas propriedades calorífugas e hidrófugas. Existe também a intoxicação consecutiva á ingestão do óleo diretamente pela água ou indiretamente através da alimentação de outros organismos contaminados. Os peixes morrem por falta de oxigenação e os mamíferos, por se alimentarem destes, também acabam se contaminando. Os anfíbios, animais com via de respiração cutânea, morrem asfixiados pela impregnação de óleo na sua pele.

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Como o óleo atingiu áreas de ocorrência aonde existe a exploração de subsistência (população ribeirinha e caiçara) e também comercial de peixes, crustáceos e outros invertebrados marinhos conclui-se que não só estes animais sofreram os danos causados pelos hidrocarbonetos do derivado de petróleo, mas também o homem que se alimenta destes animais.

Os animais que servem de alimento, provenientes dos rios e do mar que absorveram certos compostos dos produtos petrolíferos, constituem um gravíssimo perigo para as populações que venham a se alimentar destes animais contaminados.

Esta contaminação existiu, como se pode observar no trecho da perita GISELE INÊS TARASZKIEWICZ HARBAR WOWK (fls. 363 do ICP/MPE n. 01/2001):

Houve contaminação da água, barrancas e da vegetação próxima das margens, com o óleo em quatro rios: do Meio, Sagrado, dos Neves e Nhundiaquara.

Neles foi constatada morte de peixes de várias espécies e comprometimento de outros organismos aquáticos. Foi restringida por tempo indeterminado, a pesca, a captação de água para uso humano, animal ou em lavoura, o uso dos rios como balneário ou para a prática de esportes, e reforçou-se a necessidade de proibição de queimadas na região.

Também após o rompimento do duto, o óleo foi se infiltrando no solo, encharcando até aflorar à superfície, escorrendo pela drenagem natural do terreno. Por onde o óleo passou, danificou a vegetação e o solo ficou impregnado.

O ecossistema ripário (ciliar) foi tomado pelo óleo, gerando desequilíbrio, e não é possível precisar quais os efeitos que serão sofridos pela vegetação no decorrer do tempo, sem falar nos animais, que não mais estão no local.

As áreas de preservação permanente foram totalmente atingidas (mata de galeria, várzea, ecossistema ripário, restinga, mangue e outras tipologias caracterizadas como tal).

Cabe ressaltar que elementos tóxicos ficaram retidos no lodo do fundo dos rios, o que poderá ocasionar danos a longo prazo, ainda não apurados mas que teoricamente consistem na

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permanente contaminação dos seres vivos presentes no ambiente atingido.

Ademais, as pessoas que trabalharam na contenção e retirada do óleo sofreram seus efeitos, e podem ter ficado intoxicados.

Vale lembrar que as populações ribeirinhas, em razão do derramamento de óleo, tiveram prejuízo, terem sido contaminadas pelo consumo de água e alimentos contaminados além de cessar toda a sua atividade comercial que é baseada na pesca e o turismo.

Dos danos às áreas alagadas pelos rios atingidos (ecossistema ripário)

A área atingida pelo derramamento de derivado de petróleo é de preservação permanente conforme já justificado.

Sendo assim percebe-se uma agressão a uma categoria de vegetação de maior relevância, pois tem funções essenciais no sistema natural para assim serem classificadas.

No laudo de vistoria (fls. 314-375 do ICP/MPE n. 01/2001) apresentado por engenheira habilitada verifica-se com clareza a descrição técnica dos danos que vieram a ser ocasionados pela omissão da PETROBRAS na manutenção dos dutos. Alguns trechos do laudo são aqui transcritos:

Eles absorvem e regulam as águas das enchentes, assegurando o suprimento de águas durante um ano inteiro; absorvem nutrientes e retêm o sedimento, purificando o fornecimento da água; e servem de amortecedor na ação do vento e das ondas, ajudando a proteger muitas áreas costeiras contra tempestade. Além desses serviços ecológicos, muitas terras alagadiças produzem uma série de produtos que podem se coletados sustentavelmente, incluindo peixe, forragem, madeira. Muitas delas também suportam importantes populações de vida selvagem, como diversas espécies ameaçadas de extinção, sendo, além disso, importante fonte de lazer e turismo.

O ecossistema ripário foi totalmente invadido elo óleo ocasionando desequilíbrio naquele meio. O dano foi maior principalmente pelo alto índice pluviométrico registrado nos dias mais críticos da operação de recolhimento do óleo, fazendo com que a água extravasasse do seu canal carregando óleo para as

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áreas de várzeas dos rios atingidos. Quando as águas baixaram, grande parte do óleo ficou depositada nestes locais, contaminando o solo, a vegetação, e provavelmente o lençol freático.

Dos danos às águas

Conforme já descrito, houve contaminação da água, barrancas e da vegetação próxima das margens dos rios atingidos além da baía de Paranaguá.

Foi constatada a morte de peixes de várias espécies e comprometimento de outros organismos aquáticos.

Ressalta-se que os rios atingidos são considerados de Classe 1, segundo Resolução n. 20/86, do CONAMA, com a qualidade de suas águas, tão boas a ponto de servirem para o abastecimento público sem a necessidade de tratamento.

Dos danos ao mangue

A base de toda a vida e a importância dos manguezais está em sua vegetação. São plantas muito especiais que, ao longo de milhares de anos de evolução, adaptaram-se a um ambiente bastante hostil para a maioria dos outros vegetais. O manguezal apresente elevada salinidade da água e do sedimento, freqüência de inundações pela ação das marés, sedimento instável, mole e extremamente pobre em oxigênio.

De acordo com BERNA, V. e MONTANHEIRA, os manguezais são considerados um dos mais produtivos ecossistemas do mundo e sua existência é, sob vários aspectos, de múltipla importância (Manguezais: Educação Ambiental, Importância, Preservação e Legislação, 1996).

O manguezal é um grande produtor e exportador de materiais altamente nutritivos, fazendo deles o ponto de partida para a formação de cadeias alimentares importantes, que podem ter o homem como ponto final. O manguezal, através da produção de materiais nutritivos (nutrientes), contribui para a formação da base da cadeia alimentar marinha: o fitoplâncton. São áreas de reprodução de muitas espécies terrestres aquáticas, sendo considerados berçários marinhos, pois oferecem locais seguros para garantir a sobrevivência da fauna em crescimento. Além disso, a farta produção de materiais orgânicos nutritivos e as características especiais do sistema de raízes da vegetação, bastante intrincados,

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produzem numerosos e diferentes ambientes para o desenvolvimento de vários animais.

Como já comentado, o mangue foi atingido pelo óleo vazado, comprometendo inteiramente sua função de desenvolvimento natural como berçário da vida marinha, sendo que pela distância observada do ponto de vazamento até o mangue atingido, o dano maior poderia ter sido evitado sem a contaminação destas áreas, casos um Plano de Emergência eficiente fosse aplicado pela empresa poluidora.

O dano ao mangue ocasionado pelo óleo derramado pelo duto rompido da PETROBRAS, foi observado de imediato, com mortes de exemplares da ictiofauna.

Dos danos ao solo

Houve conação das margens dos rios, pois nas vistorias foram observadas manchas de óleo em alguns pontos das barrancas. Também houve grave contaminação do solo por onde escorreu o óleo (pela drenagem natural do terreno) próximo ao ponto zero, por onde escorreu, atingindo o Rio do Meio.

Cita a engenheira GISELE INÊS TARASZKIEWICZ HARBAR WOWK no laudo apresentado (fls. 364 do ICP/MPE n. 01/2001):

“Na foto aérea tirada pelo IBAMA, figura 26, constatamos a quantidade de óleo numa área de várzeas junto ao rio Sagrado. Devido às chuvas a água do rio que continha o produto extravasou, espalhado água e óleo pela várzea. Quando o nível da enchente baixou, o óleo ficou retido no solo.”

Também o renomado professor RIAD SALAMUNI averiguou e escreveu que “o óleo atingiu grande extensão de solo que possivelmente migrou para o lençol freático em seu laudo”.

É claro que, além das observações técnicas dos peritos que conseqüências drásticas ainda ocorrerão pela infiltração do derivado de petróleo no solo e conseqüentemente no lençol freático, vindo a impor um dano presente e futuro aos recursos do sistema natural considerado como um dos mais importantes do mundo: a Floresta Atlântica Brasileira.

Dos danos à fauna

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Qualquer intervenção sobre a quantidade ou qualidade da vegetação, água e solo repercutirá diretamente na vida selvagem, afetando sua abundância e variedade.

No caso do acidente causado pela omissão da PETROBRAS e do insuficiente Plano de Emergência aplicado pela empresa tanto vegetação, água como solo foram afetados, verificando-se, portanto, um grave atentado ao habitat natural dos animais.

Além dos danos já observados como a morte imediata de uma grande quantidade de peixes, outros danos ainda irão surgir, como os efeitos da cadeia alimentar afetada. Estes danos futuros atingem microorganismos, moluscos, peixes, aves, anfíbios e mamíferos que sobrevivem neste ecossistema.

Dos danos ao oceano

Segundo S. M. BRANCO (O meio ambiente em debate. São Paulo: Editora Moderna, 1988) o óleo disperso no oceano causa a morte de peixes, moluscos, crustáceos e algas, além de provocar sabor repugnante na carne de certas espécies que costumam se alimentar de substâncias retiradas do lodo do fundo do mar. O óleo flutuante atinge os costões rochosos, onde vivem mariscos de inúmeras espécies, e também as praias, embebendo a areia e sufocando siris e outros animais que ali vivem enterrados. Até as aves aquáticas morrem ao terem suas penas atingidas pelo óleo, o que as dificulta de voar.

Dos danos à população ribeirinha e da região banhada pelos rios afetados

Como já descrito a população local ficou impedida de se utilizar dos recursos naturais antes fartos e agora poluídos pela ação da PETROBRAS.

Não só de imediato, mas paulatinamente os danos aparecerão, levando à uma diminuição de animais que são utilizados como fonte de subsistência dos caiçaras. Os manguezais, por exemplo, exercem enorme influência na estrutura sócio-econômica das populações de caiçaras e pescadores localizadas na faixa litorânea, influenciando direta ou indiretamente a pesca comercial em geral. Quando um manguezal é destruído ou poluído, não só as plantas sofrem; os pescadores também padecem, pois perdem suas fontes de renda. Toda uma base sócio-econômica e

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cultural fica profundamente abalada pela degradação desse ecossistema.

Esclarece a perita GISELE INÊS TARASZKIEWICZ HARBAR WOWK no laudo apresentado (fls. 369 do ICP/MPE n. 01/2001):

Dados alarmantes são obtidos quando se compara a vertiginosa queda na captura de camarões e peixes associada à destruição dos manguezais.

Deve-se colocar em foco também, além dos pescadores, todos os pequenos produtores artesanais que vivem na região, tendo sua atividade diretamente ligada ao turismo na região, atividade esta embasada no patrimônio natural do litoral paranaense, que veio a ser seriamente danificado pela PETROBRAS através da poluição dos rios, várzeas, mangues, baía e oceano.

Do dano moral ambiental

A situação ocorrida no litoral paranaense causou, ao ecossistema da região, prejuízos incontáveis.

Além desse prejuízo material, cuja mensuração é das mais difíceis, há um outro dano, de configuração moral, que não pode ser esquecido.

O ecossistema Floresta Atlântica, juntamente com os recursos hídricos, manguezais e restingas, é previsto como patrimônio nacional pela Constituição Federal e é considerado pela ONU como reserva da biosfera e patrimônio da humanidade.

O discutido vazamento causou incômodos e inquietação na população ribeirinha, bem como intranqüilidade e angústia em toda a população do Estado do Paraná, a qual considera os rios atingidos e o ecossistema Floresta Atlântica um bem seu e, mais do que isso, um motivo de orgulho. Houve, paralelamente ao dano material ocorrido, um tangível dano moral, cuja vítima é a população de todo o Estado do Paraná, e em especial da que habita na região litorânea paranaense.

Não é de se desprezar, outrossim, o incômodo causado aos moradores dos municípios de Morretes e Antonina, em especial aqueles que dependem da atividade pesqueira para a sobrevivência, um vazamento que chegou a atingir até mesmo a baía de Antonina.

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É sabido que cada vez mais o Poder Judiciário vem reconhecendo a possibilidade de ressarcir, a título de reparação por dano moral, o sofrimento, o incômodo, a dor, enfim, causados às vítimas de fatos ilícitos.

Daí porque é indispensável condenar a ré PETROBRAS no pagamento de indenização em dinheiro, a ser liquidada em procedimento próprio, pelo dano moral ambiental.

Do perigo de loteamento nas áreas melhoradas pela Petrobras para atender ao acidente

Em meio a Serra do Mar, no coração da Reserva da Biosfera está situado o ponto “0”, ou seja, o local aonde ocorreu o rompimento da tubulação. Neste local e em outros acessos no percurso do óleo pelos rios foram abertos caminhos para acesso dos locais de combate ao óleo.

Para tal medida foi feito o alargamento e cascalhamento de caminhos rústicos antes utilizados.

Atesta a engenheira GISELE INÊS TARASZKIEWICZ HARBAR WOWK no laudo apresentado (fls. 368 do ICP/MPE n. 01/20012):

As estradas que dão acesso aos pontos de barreiras, foram alargadas e cascalhadas. Com isso , algumas árvores foram derrubadas, e a vegetação vizinha soterrada. Aquela que acessa o ponto zero é municipal, e também sofreu melhorias, visando permitir o grande fluxo de caminhões e tratores contratados pela PETROBRAS para atender o acidente. Desta forma criou-se uma situação ambiental preocupante nessa região, pois com a melhoria dos acessos, permitindo melhor tráfego, poderá ocorrer uma exploração imobiliária acentuada em área de Mata Atlântica.

Ressalta-se, portanto a perigosa atitude da PETROBRAS em recuperar não só o trecho que liga o local do acidente até a via principal, mas principalmente da empresa ter recuperado toda a estrada rural permitindo que carros transitem em área de total preservação entre o trecho próximo ao Viaduto do Padres e o município de Morretes.

O perigo de ocorrer um loteamento do local incentivando ao desmatamento e desviando o principal objetivo daquela floresta que é de preservação ambiental poderá se consumar caso não haja efetiva fiscalização e controle do trânsito no antigo caminho que

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serve de acesso livre para o interior da floresta protegida legalmente.

Da importância declarada da Floresta Atlântica brasileira, ecossistema afetado pelo vazamento

Estima-se que há aproximadamente quarenta milhões de anos surgiram as primeiras espécies vegetais desta parte do Universo. E ali a vida resistiu, há dois milhões e meio de anos, ao período de glaciação, quando o gelo cobriu quase todas as formas de vida do planeta. Esta resistência permitiu que a vida pudesse recomeçar e se espalhar novamente pela Terra, novamente coberta de matas. E continuou a Floresta Atlântica com a função de maternidade da vida.

Os rios, correm das encostas da serra e vão convergindo em direção ao nível do mar. Mas não deságuam propriamente no mar, pois a região é protegida do oceano aberto por uma nova muralha de terras e de matas. Dentro desse nicho ecológico misturam-se as águas dos rios e do mar, os seres vivos das terras e das águas. É onde se cria a vida e onde a PETROBRAS foi responsável pelo vazamento de óleo derivado do petróleo.

Durante os primeiros quatro séculos da colonização, a região estuarino-lagunar de Paranaguá permaneceu exatamente como foi, desde que a vida começou sobre a terra pois a região despertou pouco interesse dos colonizadores. Ficaram lá apenas uns poucos homens, que logo foram se integrando ao ambiente. Foi assim que a região escapou à violenta destruição que eliminou toda a Floresta Atlântica do litoral brasileiro.

O complexo estuarino-lagunar de Paranaguá continuou portanto na sua função de produzir vida. A FAO e a IUCN – siglas que identificam, respectivamente, a Food and Agriculture Organization e a International Union for Conservation of Nature, órgãos da ONU encarregados de proteger e estudar as fontes de alimento e o meio ambiente – são unânimes: trata-se de um dos cincos sistemas ecológicos costeiros mais notáveis do planeta.

E declaram: a região remanescente de Floresta Atlântica localizada no litoral do estado do Paraná é um patrimônio da humanidade, um dos últimos locais sobre a face da Terra onde ainda é possível assistir ao trabalho de formação da vida de forma plena, e que deve ser preservada em sua função a qualquer

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custo (In: Reserva da biosfera da Mata Atlântica, Fase II, apresentado durante o Seminário Nacional pelo Consórcio Mata Atlântica – Centro de Convenções da UNICAMP, 10 a 13 de dezembro de 1991).

Este precioso microcosmo que resistiu a quarenta mil séculos de intempéries e glaciações corre, no entanto, o risco de não sobreviver a uns poucos anos nos tempos modernos, pois ações poluidoras com produtos extremamente nocivos, neste caso o óleo de responsabilidade da PETROBRAS, pode, em um pequeno período de tempo, destruir este fértil celeiro da vida.

Dentro deste panorama, recentemente foi declarado pela ONU: a Floresta Atlântica é a primeira Reserva da Biosfera brasileira, compreendendo áreas protegidas do litoral dos Estados do Paraná e São Paulo sendo por tal titulação destinada à preservação permanente e ao uso controlado do patrimônio natural, necessárias ao aprendizado do convívio não traumático do homem com a natureza.

Como compreender uma empresa que não possui os cuidados mínimos para atender à necessidade de contenção de vazamento de um oleoduto que atravessa tão importante área?

Como compreender a má manutenção do oleoduto dentro de uma área tão importante ao interesse de toda a humanidade?

A “Reserva da Biosfera”, como foi declarada a Floresta Atlântica paranaense, privilegia o uso sustentável dos recursos naturais nas áreas assim protegidas. A UNESCO – sigla que identifica a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – mantém um sistema de informações que assegura o equacionamento de seus problemas, segundo a melhor tecnologia disponível.

Cada “Reserva da Biosfera” é uma coleção representativa dos ecossistemas característicos da região onde se estabelece. Terrestre ou aquática (rios e mares), busca otimizar a convivência homem-natureza em projetos que se norteiam pela preservação dos ambientes mais significativos do planeta.

Seu gerenciamento é o trabalho conjunto de instituições governamentais, não governamentais e centros de pesquisa. Esta integração busca o atendimento às necessidades da comunidade

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local e o melhor relacionamento entre os seres humanos e o meio ambiente.

A declaração da Floresta Atlântica na Serra do Mar e na planície litorânea até o mar como “Reserva da Biosfera” (a primeira do Brasil) pela ONU, traz ao Estado do Paraná inúmeros incentivos e benefícios que são ameaçados pela má administração da PETROBRAS quanto aos cuidados necessários para a manutenção do referido duto em funcionamento.

Para que uma área seja declarada como Reserva da Biosfera existem requisitos básicos:

a) ter uma efetiva proteção legal;

b) conter na sua zona núcleo valores naturais que justifiquem sua conservação e características ideais à preservação;

c) incluir áreas convencionais à pesquisa e á adoção de métodos de manejo sustentável dos recursos naturais;

d) ser representativa de uma unidade biogeográfica com extensão suficiente para sustentar todos os níveis de espécies representativas do ecossistema que se quer preservar.

Como se vê, é de suma importância que se recupere o mais rápido possível toda a área afetada pelo vazamento de responsabilidade da PETROBRAS, e que a mesma se capacite para melhor conservar seus dutos e atender à emergências, a fim de que não se interrompa um projeto internacional que traz benefícios morais, financeiros e políticos ao Brasil, e principalmente garante uma saudável vida à população que é a principal interessada neste processo. Fazer valer a legislação através da condenação da empresa à cumprir os objetivos que se buscam nesta ação, virá solidificar uma imagem séria de compromisso de nosso país não só com as próximas gerações de brasileiros como também para todo o futuro da humanidade como zela a ONU ao declarar a Floresta Atlântica Brasileira como “Reserva da Biosfera”.

Da ameaça à perda dos incentivos recebidos para a preservação da Floresta Atlântica

A Floresta Atlântica, devido à sua inquestionável importância para a conservação da qualidade de vida e por ser a segunda mais ameaçada floresta do planeta possui incentivos de

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diversos órgãos e instituições tanto brasileiras quanto estrangeiras, o que vêm a suprir uma deficiência quanto ao capital investido pelo governo federal nestas áreas.

Pode-se citar como exemplo de incentivos que abrangem diretamente e incluem em sua área de abrangência o local do desmate o Programa de Proteção da Floresta Atlântica-Paraná, financiado pelo “KfW - Kreditanstalt für Wiederaufbau” – Cooperação Financeira Brasil-Alemanha, projeto de financiamento através de capital estrangeiro dentro de uma parceria com o governo do estado do Paraná e também o projeto Pró-Atlântica, de cunho nacional, ambos projetos têm como uma das metas a melhor estruturação do Instituto Ambiental do Paraná, para que o mesmo tenha meios adequados para trabalhar evitando qualquer atividade nociva à Floresta Atlântica remanescente no estado.

É claro que incentivos são obtidos, mantidos e ampliados através da constatação de seu real aproveitamento pelo meio fornecedor. Sendo assim, conclui-se que o desastre ambiental promovido pela PETROBRAS vai contra qualquer esforço para o gerenciamento e obtenção dos recursos necessários para a proteção da Floresta Atlântica.

Do mangue: sua importância e proteção jurídica

Conforme relatam os laudos técnicos do Ministério Público o discutido vazamento atingiu extensões consideráveis de manguezais e restingas, agravando ainda mais os danos ambientais promovidos, uma vez que se tratam de ecossistemas imprescindíveis para o equilíbrio ecológico litorâneo.

Os manguezais formam um ecossistema único e especial, tendo fundamental importância na geração e produção de vida animal, principalmente marinha, sendo considerados no mundo científico como berçários da vida marinha.

ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS, que é também Juiz de Direito em São Paulo, em sua exposição sobre a importância e proteção jurídica dos manguezais, cita informações técnicas da especialista em mangues YARA SCHAEFER-NOVELLI:

...o fato do manguezal ser o aparador do mar e o elo de ligação entre este e a terra firme, faz com que receba riquíssimos compostos orgânicos como restos de folhas, excrementos de animais e sais minerais da

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própria terra pela força da maré, o que lhe dá uma destacada função no condicionamento biológico, favorecendo a alta produção.

O ecossistema manguezal possui, além de forte base energética solar, subsídios de outras fontes naturais de energia, sendo um sistema que produz excedente de matéria orgânica (...)

Sua importância cresce mais se considerarmos que tem ainda relevantes funções como: formar barreira de proteção das áreas ribeirinhas, diminuindo as inundações; proteger a terra ante a força do mar, retendo segmentos do solo; filtrar os poluentes, reduzindo a contaminação das praias; é uma grande fonte de alimento para a população ribeirinha; fornece proteção aos alevinos; grande fonte alimentar aos peixes, moluscos e crustáceos, principalmente; constitui-se em um enorme gerador de plâncton (SCHAEFER-NOVELLI, Yara. Ecossistema manguezal e suas comunidades. São Paulo: Curso de Difusão Cultural, Departamento de Ecologia da USP, 1991. Apud SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro dos. A importância e a proteção jurídica dos manguezais, in Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, 1997, n. 5, jan/mar de 1997, p. 105).

Ressalte-se que o solo e o subsolo da região em discussão contém alto grau de permeabilidade e porosidade, sendo que, na ocorrência do vazamento de substâncias tóxicas (petróleo), sob a responsabilidade da PETROBRAS, há uma conseqüente grave contaminação do lençol de água.

No Brasil, os manguezais possuem ampla previsão legal para sua preservação, faltando, contudo, maior consciência de sua importância e aplicação efetiva de suas normas protetivas.

Por força do art. 225, § 4º, da Constituição da República, a Zona Costeira é considerada “patrimônio nacional”, devendo ser utilizada observando a preservação do meio ambiente.

Reforçando esta previsão constitucional, a Lei n. 7.661, de dezesseis de maio de 1988 [diploma que instituiu o “Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro” (PNGC)], definiu em seu art. 2º,

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parágrafo único, zona costeira, como “o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano”.

No art. 3º, inciso I, da Lei n. 7.661/88, dá-se prioridade à conservação e à proteção, em caso de zoneamento, entre outros, aos manguezais, prevendo inclusive, sanções como interdição, embargos e demolição (art. 6º), além das penalidades do art. 14 da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (diploma que instituiu a “Política Nacional do Meio Ambiente”).

Consoante o art. 2º, letras “a” e “b”, do Decreto-lei n. 9.760/46, “são terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés”.

Neste ínterim, menciona-se o art. 2º, alíneas “a” e “f”, do Código Florestal (Lei n. 4771, de quinze de setembro de 1965), que elencou zonas de preservação permanente, reportando-se a florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água e nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.

O art. 7º, do Decreto n. 750/93, veda a adoção de práticas de exploração e supressão com relação às áreas de preservação permanente aludidas nos artigos 2º e 3º, da Lei n. 4.771/65, entre as quais se enquadram, sem dúvida, os mangues:

Art. 7º. Fica proibida a exploração de vegetação que tenha a função de proteger espécies da flora e fauna silvestres ameaçadas de extinção, formar corredores entre os remanescentes de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração, ou ainda, de proteger o entorno de unidades de conservação, bem como a utilização das áreas de preservação permanente, de que tratam os artigos 2º e 3º da Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965.

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Tendo-se em vista a importância da preservação deste ecossistema complexo (os manguezais), sua proteção jurídica transcende a esfera civil, atingindo também o âmbito penal. Desta forma, a Lei n. 9.605, de doze de fevereiro de 1998, prevê:

Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

LUÍS PAULO SIRVINSKAS tece valiosos comentários a respeito do dispositivo da Lei de Crimes Ambientais acima transcrito:

Mangue é a área costeira, baixa e plana, sujeita às inundações das marés, e também o nome vulgar genérico aplicado, com objetivos diversificadores, a diferentes plantas típicas do manguezal. Os mangues são forrados por sedimentos argilosos recentes, constituindo ‘vasas’ ou lamas. O fato é que esta lei veio proteger expressamente as dunas e os mangues, considerando-os de preservação permanente.(...)

Sua importância é tamanha que o legislador resolveu punir criminalmente aquele que destruir as florestas nativas ou plantadas ou a vegetação fixadora de dunas e protetora de mangues (SIRVINKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 80).

ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Juiz Federal, ensina que há várias limitações legais que devem ser respeitadas, tanto pelo particular, como pelo Poder Público na defesa dos manguezais:

É imperioso salientar que, a despeito da possibilidade da União dispor do domínio útil dos terrenos de marinha, e, por conseguinte, conferi-lo a particulares, isto não significa que os mesmos possam, livremente, usar gozar e dispor do aludido domínio, explorando abusivamente ou suprimindo a vegetação peculiar aos mangues. A propriedade e o domínio útil, como, de resto, qualquer direito real sobre bem imóvel, estão sujeitos a limitações impostas pelo ordenamento

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jurídico, ditadas por exigências decorrentes do bem comum. Assim, é perfeitamente legítimo impedir que o particular ou, mesmo, o próprio Poder Público deixe de observá-las e cause lesão grave ao equilíbrio ambiental (SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Mangues- Importância e Proteção Jurídica, in FREITAS, Vladimir Passos de (org.) Direito Ambiental em Evolução. Curitiba: Juruá, 1998).

Da imprescindibilidade da preservação dos recursos hídricos

Os rios Sagrado, Dos Neves, Do Meio e Nhundiaquara e as águas subterrâneas, foram desastrosamente atingidos pelo vazamento ocorrido sob a responsabilidade da PETROBRAS e agravados pela ausência de um Plano de Emergência eficiente e pelo evidente despreparo desta empresa em evitar e conter este vazamento.

A conduta da ré PETROBRAS além de lesar, frontalmente, a legislação ambiental pertinente, contraria todos os esforços em âmbito mundial para a preservação da qualidade dos recursos hídricos, fundamentais para a existência humana.

Os estudiosos em recursos hídricos expõem a atual situação da água no Planeta:

No dia 22 de março, comunidades de diversos países comemoraram o Dia Mundial da Água. Mas será que, diante do quadro atual, há alguma coisa para comemorar? Acreditamos que, infelizmente, não, porque os números relativos à situação da água no Planeta são alarmantes: do total de água existente, apenas 2,7% é adequado ao consumo humano; mais de 70% da população mundial, segundo a ONU, não dispõe de água potável e estima-se que 25 mil pessoas morrem diariamente como decorrência da poluição da água; uma cidade com 1 milhão de habitantes consome diariamente nada menos que 625 milhões de litros de água; como a população da Terra cresce a uma média de 250 mil pessoas por dia, dá para ter uma idéia do tamanho do problema (ALVES, Francisco E. No dia da

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água não há o que comemorar, in Revista Saneamento Ambiental, n. 56 (mar-abr/1999), p. 3).

ANTÔNIO MARSIGLIA NETTO, atual presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, reitera a importância da preservação dos recursos hídricos, inclusive para melhoria da qualidade de vida das populações:

A água é o elemento base da ligação entre a natureza e o homem, e à medida que se preservam os mananciais, melhora-se também a qualidade de vida das populações (MARSIGLIA NETO, Antônio, in Revista Saneamento Ambiental, n. 56 (mar-abr/1999), p. 3).

Evidente assim, que não se trata somente da luta pela preservação dos recursos naturais, mas também da pura necessidade de termos água para nosso consumo, uma necessidade básica para os seres humanos.

A proteção aos rios, além de envolver cuidados com o corpo hídrico propriamente dito, guarda íntima relação com a vegetação existente em todo o entorno do corpo hídrico. Segundo dita o princípio 6 da Carta Européia da Água de 1968, a manutenção de uma cobertura vegetal é essencial à conservação dos recursos hídricos.

MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA demonstra, em sua obra, a imprescindibilidade de preservação da cobertura vegetal para a proteção dos recursos hídricos, e as conseqüências negativas decorrentes da degradação desta vegetação, remontando também aos comentários de PAULO BEZERRIL JÚNIOR:

a cobertura vegetal tem papel importante, tanto no deflúvio superficial - parte da chuva que escoa pela superfície do solo - como no deflúvio de base - resultado da infiltração e percolação da água no solo - onde se desloca em baixas velocidades, aumentado os rios e lagos.(...)

A remoção da cobertura vegetal reduz o intervalo de tempo observado entre a queda da chuva e os efeitos nos cursos de água, diminui a capacidade de retenção de água nas bacias hidrográficas e aumenta

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pico de cheias. Além disso, a cobertura vegetal limita a possibilidade de erosão do solo, minimizando a poluição dos cursos de água por sedimentos.

(...) Assim, a recomposição das matas ciliares faz parte integrante de qualquer projeto de recuperação de corpos d’água.

Ressalta-se que, no tocante à proteção dos recursos hídricos através de uma cobertura vegetal, o Código Florestal - Lei 4.771, de 15.9.65, e alterações posteriores, considerou como de preservação permanente as florestas e formas de vegetação natural situadas, entre outros locais, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, ao redor de lagoas, lagos ou reservatórios d’águas naturais ou artificiais, nas nascentes, ainda que intermitentes, nos chamados ‘olhos d’água’, qualquer que seja sua situação topográfica... (GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito das águas e meio ambiente. São Paulo: Editora Ícone, 1993, p. 36).

Estudos realizados e publicados pela própria empresa estatal “Minerais do Paraná S/A” (MINEROPAR) revelam a importância e necessidade de preservação das bacias de mananciais, inclusive no tocante ao uso do solo nestas áreas:

A qualidade da água de um manancial que compõe uma bacia hidrográfica está relacionada com o uso do solo na bacia e com o grau de controle sobre as fontes de poluição. A partir disso, as principais medidas para promover a preservação dos recursos hídricos, evitando a poluição, dizem respeito a:

a) planejamento territorial: implantação de zoneamento adequado de usos do solo na bacia hidrográfica, com a caracterização de áreas de preservação de mananciais, reservas florestais, áreas agrícolas, distritos industriais, áreas de expansão urbana, obedecendo às características naturais da bacia hidrográfica, principalmente as geológicas, com a definição das características de escoamento superficial e infiltração no subsolo (...);

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f) crescimento urbano ordenado, evitando a ocupação de áreas potencialmente problemáticas (...).

g) (...) É necessário que haja administração racional, que não vise apenas aumentar a oferta de água com grandes investimentos em obras, mas se preocupe principalmente em conservar, preservar e reaproveitar a água que temos (OLIVEIRA, Luís Marcelo de. Guia de Prevenção de Acidentes Geológicos Urbanos. 1998, p. 40).

O eminente Juiz Federal VLADIMIR PASSOS DE FREITAS afirma que, no caso da água, o mundo vem passando por transformações brutais; “a água, sempre considerada elemento inesgotável, passou a receber tratamento mais atento. Com razão, pois o esgotamento dos recursos naturais do planeta e o aumento populacional levaram o precioso líquido a tornar-se cada vez mais disputado. (...) O Brasil, nos últimos anos, vem tomando consciência do problema. Afinal, um povo que possui os maiores rios do mundo tem dificuldade em imaginar que pode ficar sem água. Mas, apesar de termos cerca de 13,7% da água doce disponível no mundo, a verdade é que os problemas vêm se agravando” (FREITAS, Vladimir Passos de. Águas: considerações gerais, in FREITAS, Vladimir Passos de et alii. Águas: aspectos jurídicos e ambientais. Curitiba: Juruá, 2000, p. 17-18).

Não há dúvida de que a proteção ambiental é medida de interesse coletivo. O direito ao meio ambiente sadio, aliás, situa-se entre os interesses difusos da sociedade, não devendo ser fruído, de modo particular, por nenhum cidadão, mas sim por todos indistintamente.

DO DIREITO

O aludido vazamento ocorrido no litoral paranaense sob a responsabilidade da PETROBRAS, não somente promoveu significativos danos ao meio ambiente e à qualidade de vida da população como um todo, mas também afetou, calamitosamente, ecossistemas protegidos pela legislação ambiental pertinente, quais sejam mangues, restingas, matas ciliares, Floresta Atlântica.

O art. 225, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

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essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Afora este, outros artigos manifestam a opção do legislador constituinte em considerar a preservação do meio ambiente como um dos pilares fundamentais da ordem constitucional, como pode ser deduzido de leitura sistemática do referido texto legal.

O art. 170, inciso IV (que enquadra o meio ambiente no rol dos Princípios Gerais da Atividade Econômica) e o art. 186, inciso II (que, ao atribuir à propriedade determinada função social, condiciona seu cumprimento à “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente”) ambos da Constituição da República Federativa do Brasil, são expressões significativas da penetração desta perspectiva no interior de institutos de relevante importância social e jurídica.

No âmbito estadual, a Constituição do Estado do Paraná elege a proteção do meio ambiente como diretriz fundamental:

Art. 1º. O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático, (...) e tem por princípios e objetivos:

IX - a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida.

Art. 207. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.

§ 1º. Cabe ao Poder Público, na forma da lei, para assegurar a efetividade deste direito: (...).

XV - proteger o patrimônio de reconhecido valor cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeleológico e científico paranaense,

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prevendo sua utilização em condições que assegurem sua conservação;

Em nosso País, a exuberância da natureza contrasta tristemente com os abusos cometidos ao longo da história, em nome do progresso econômico e da evolução tecnológica, que acabou por destruir grande parte de nosso patrimônio natural.

Os legisladores pátrios, cientes do perigo que a degradação ambiental provoca na qualidade de vida do homem, posicionaram-se de forma a prevenir e proteger os ecossistemas remanescentes. Tentam, com isso, frear ação degradadora do ambiente pelo próprio homem. É real e palpável essa preocupação, vislumbrada nos textos legais regularmente editados.

Com o advento da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabeleceu-se a Política Nacional do Meio Ambiente, definindo-se os parâmetros a serem seguidos pelo Poder Público na defesa do ambiente natural:

Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; (...)

IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; (...)

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

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II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;

O art. 2º da Lei Estadual n. 8.935 de sete de março de 1989, estabelece a obrigatoriedade ao Poder Público e aos particulares no tocante à manutenção da qualidade da água, conforme os padrões legais exigidos:

Art. 2º. Compete ao Poder Executivo, através de seus órgãos de fiscalização e execução, assegurar que a qualidade de água seja mantida para o futuro dentro de padrões mínimos aceitáveis, não obstante o crescimento populacional.

Convém asseverar que, além do aludido vazamento implicar em impactos ambientais adversos aos rios e seus tributários atingidos, acabou por afetar Áreas de Preservação Permanente (restingas, manguezais e matas ciliares), conforme dita a Lei n. 4.771/65 (Código Florestal).

O Código Florestal (Lei n. 4.771/65) quando determina o que deve ser considerado como “Área de Preservação Permanente”, aponta as restingas, manguezais, córregos com a vegetação situada em seu entorno e outros, todos existentes nos trajetos atingidos pelo vazamento:

Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:

1) de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura: (...)

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; (...);

Art. 3º. Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

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a) a atenuar a erosão de terras; (...)

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçadas de extinção; (...);

h) a assegurar condições de bem-estar público.

Através do Código Florestal do Estado do Paraná (Lei Estadual n. 11.054, de 11 de janeiro de 1995), reafirmou-se o contido no art. 2º do Código Florestal Brasileiro estabelecendo normas que proíbem a utilização de áreas de preservação permanente:

Art. 6º. Consideram-se de preservação permanente, no âmbito do Estado do Paraná, as florestas e demais formas de vegetação especificadas no Código Florestal Brasileiro.

§ 1º. A autoridade florestal criará mecanismos e estimulará a recomposição das áreas de preservação permanente atualmente degradadas ou sem cobertura vegetal.

Art. 26. As florestas não sujeitas ao regime de utilização limitada prevista em lei e ressalvadas as de preservação permanente, são suscetíveis de exploração e transformação, obedecidas as disposições legais.

O referido vazamento, além de penetrar e danificar áreas de Floresta Atlântica, atravessou significativa extensão de Áreas de Preservação Permanente, diante da existência de manguezais, restingas e matas ciliares.

A Constituição da República Federativa do Brasil consagra o dever de preservação do meio ambiente e, em especial, a obrigação de proteger a diversidade e integridade do patrimônio nacional denominado Floresta Atlântica:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se

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ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (...)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade. (...)

§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º. A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

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A Mata Atlântica brasileira é declarada constitucionalmente como patrimônio nacional devido a sua importância e, sendo assim, a legislação determina seu uso dentro de um regulamento específico àquela tipologia vegetal através do Decreto n. 750, de dez de fevereiro de 1993.

Além disto, o Decreto n. 750/93 proíbe, de maneira absoluta, a exploração, poluição ou corte de Floresta Atlântica quando esta exerce a função de abrigo de espécies de flora e fauna ameaçados de extinção, ou quando protege o entorno de Unidades de Conservação e de áreas de preservação permanente, todas as situações existentes no caso em tela:

Art. 7º. Fica proibida a exploração de vegetação que tenha a função de proteger espécies da flora e fauna silvestres ameaçadas de extinção, formar corredores entre remanescentes de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração, ou ainda, de proteger o entorno de unidades de conservação, bem como a utilização das áreas de preservação permanente, de que tratam os artigos 2º e 3º da Lei n. 4771, de 15 de setembro de 1965.

Art. 8º. A floresta primária ou em estágio avançado e médio de regeneração não perderá esta classificação nos casos de incêndio e/ou desmatamento não licenciados a partir da vigência deste Decreto. (...)

E comina de nulidade (art. 10) os atos praticados em desconformidade com o que dispõe.

No mesmo diapasão, a Lei n. 4.771/65 (Código Florestal Brasileiro) prevê proteção total às Áreas de Preservação Permanente:

Art. 1º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

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Parágrafo único. As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas são consideradas uso nocivo da propriedade.

Trata-se a irresponsável conduta da ré PETROBRAS em uma atitude de uso nocivo da propriedade, pela degradação da Floresta Atlântica, de expressão máxima dentro daquele sítio (conjunto de fatores naturais do local) e de outras Áreas de Preservação Permanente.

Neste ínterim, salienta-se a urgente necessidade de impor à ré PETROBRAS a confecção de novos e eficientes Planos de Manutenção dos seus dutos e Planos Emergenciais e a destinação de maior parcela dos seus elevados lucros para a contratação de pessoal qualificado e equipamentos para a manutenção dos seus dutos e prevenção de vazamentos.

Assim, resta demonstrado que o réu, promovendo esta degradação ambiental de grandes proporções, atingindos os citados ecossistemas, desrespeitaram a legislação ambiental pertinente citada (federal e estadual), além de contrariar flagrantemente os princípios da administração pública.

Da responsabilidade objetiva da Petrobras

O princípio da responsabilidade civil, insculpido primordialmente no art. 159 do Código Civil, é um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro.

Sabe-se, por outro lado, que a responsabilidade no Direito Ambiental é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa, conforme estabelece o § 1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81, que dispõe: “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

Esta mesma lei estatui, ainda, em seu art. 3º, inciso IV, que se entende por poluidor “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental”, bem como define no inciso II como degradação da qualidade ambiental “a alteração adversa das características do meio ambiente”. E ainda, o art. 4º, inciso VII, da mesma lei, dispõe que a Política Nacional do Meio

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Ambiente visará a imposição ao poluidor da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente.

Vale lembrar que todos os dispositivos aqui citados vêm corroborar com a intenção do legislador constituinte expressa no art. 225 da Constituição da República, ou seja, a defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações, impondo-se este dever, não só à coletividade, mas principalmente ao Poder Público.

Tanto a Lei n. 6.938/81, em seu art. 14, § 1º, como a própria Constituição da República, no § 3º do já citado art. 225, estabelecem a responsabilidade objetiva para as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, ou seja, responsabilidade independente da existência de culpa.

Assim têm se posicionado os nossos Tribunais, inclusive o egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANO AMBIENTAL. APURAÇÃO DE CULPA. IRRELEVÂNCIA. PROVAS PERICIAL E TESTEMUNHAL.INDÍCIOS.IDONEIDADE E SUFICIÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA.

1. Merece parcial reforma a decisão monocrática, pois a apreciação das provas testemunhal e pericial é suficiente para se concluir pela responsabilidade do réu.

2. Tratando-se de DANO AMBIENTAL, que tem especial proteção constitucional, a apuração da culpa é irrelevante. A hipótese é de RESPONSABILIDADE OBJETIVA, a obrigação de indenizar decorre do PAR-1 do ART-14 da LEI-6938/81. Também é objetiva a responsabilidade em relação ao bem exterminado, não havendo necessidade da perfeita identificação da vítima. A prova indiciária tem idoneidade como fator de convencimento para um juízo condenatório.

4. A contestação mostrou-se tecnicamente falha, com argumentos falaciosos ou irrelevantes.

5. Condenado o réu a indenizar a União Federal pela morte de um leão-marinho, em montante a ser fixado em liquidação de

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sentença, e destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, Decreto n. 1.306/94; sobre a importância apurada incidirá correção monetária e juros de 6% (seis por cento) ao ano, desde a data do ato ilícito, custas e honorários de 10% (dez por cento) sobre o valor da indenização (Apelação cível n. 96.04.08378-3 (47331) – TRF 4ª Região – 5ª Turma – Relatora Juíza Marga Inge Barth Tessler – parcialmente provida – votação unânime – in DJU, Seção 2, de 29.1.1997).

Ação Civil Pública – Dano ao Meio Ambiente.

O poluidor do meio ambiente tem definição legal e é aquele que proporciona, mesmo indiretamente, degradação ambiental. E o poluidor é sujeito ao pagamento de indenização, além de outras penalidades (Apelação n. 96.536-1 – TJSP – 5ª Câmara Cível – julgada em 7.4.1988).

JOSÉ AFONSO DA SILVA afirma que dessa amplitude da responsabilidade por danos ambientais “decorre outro princípio, qual seja o de que à responsabilidade por dano ambiental se aplicam as regras da solidariedade entre os responsáveis, podendo a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis” (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed., São Paulo: Malheiros Editores, p. 217).

É interessante lembrar que o art. 29 do Código Florestal dispõe que as penalidades decorrentes de ação prejudicial ao meio ambiente incidirão sobre os a) autores diretos, sobre b) os “arrendatários, parceiros, posseiros, gerentes, administradores, diretores, promitentes compradores ou proprietários das áreas florestais, desde que praticadas por pressupostos ou subordinados e no interesse dos proponentes ou dos superiores hierárquicos” e sobre c) as “autoridades que se omitirem ou facilitarem, por consentimento ilegal, na prática do ato”.

Como bem observa ÁLVARO LUIZ MIRRA...

... a defesa do meio ambiente é um dever do Estado, a atividade dos órgãos estatais na sua promoção é de natureza compulsória. Com isso, torna-se viável, em relação ao Poder Público, a exigibilidade do exercício das competências ambientais, com regras e contornos constitucionalmente previstos.

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Esse aspecto ganha relevância no sistema constitucional vigente, em que a Constituição Federal acabou dando competências ambientais administrativas e legislativas aos três entes da nossa federação: à União, aos Estados e aos Municípios. Assim, ao mesmo tempo em que se exige de todos os entes federados o cumprimento de suas tarefas na proteção do meio ambiente, passa-se a controlar o exercício concreto dessas competências para que as coletividades públicas não extravasem os limites fixados na Constituição Federal para suas atividades.

E continua:

O meio ambiente não integra, por via de conseqüência, o patrimônio disponível do Estado, sendo para este um bem indisponível, cuja preservação se impõe em atenção às necessidades das gerações presentes e futuras. Em matéria de meio ambiente, portanto, o Estado não atua jamais como proprietário desse bem, mas, diversamente, como simples administrador de um ‘patrimônio’ que pertence à coletividade, no presente, e que deve ser transferido às demais gerações, no futuro. (...)

Os órgãos e agentes públicos, nessa matéria, têm um compromisso indeclinável com a eficiência de sua atuação, em conformidade com os propósitos e objetivos visados pelas políticas ambientais. E eficiência na preservação e conservação do meio ambiente é tema umbilicalmente ligado à idéia de prevenção de danos e agressões ambientais (MIRRA, Álvaro Luiz. Limites e controle dos atos do poder público em matéria ambiental, in MILARÉ, Edis. Ação civil pública. São Paulo: RT, 2001, p.31).

Sendo incontroverso que os danos ambientais foram causados em decorrência de vazamento de óleo de responsabilidade da ré PETROBRAS, resta a ela indenizar os danos causados, sejam eles de caráter ambiental ou econômico, e recuperar a área, sem que haja necessidade de perquirição de culpa.

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Ressalta-se que a tutela do meio ambiente não é apenas uma garantia constitucional, mas é posta com regime de cláusula pétrea, uma vez que os direitos fundamentais do homem são absolutos, invioláveis, inalienáveis e imprescritíveis, portanto, não passíveis de mutação.

Dos critérios para a fixação do montante indenizatório devido pela ré Petrobras

Não obstante as naturais dificuldades envolvidas na quantificação dos danos ensejados pelo acidente ambiental objeto do presente feito, a toda evidência podem e devem ser adequadamente equacionados até mesmo por imposição legal.

Neste sentido, avulta-se imprescindível a eleição de critérios objetivos e razoáveis para a fixação da justa indenização destinada a integralizar os fundos mencionados no art. 13 da Lei n. 7.347/85.

Em se tratando de lesão provocada a direito ontologicamente difuso (como o é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado). muito embora sejam invocáveis os critérios tradicionais preconizados pelo Código Civil atinentes aos “dano emergente” e ao “lucro cessante”, fato é que tais critérios revelam-se insatisfatórios para a adequada fixação do quantum debeatur.

Assim, tem sido difundido, tanto na doutrina como na jurisprudência pátrias, orientação no sentido de que se adote como parâmetros objetivos para a fixação da indenização devida não só a estimativa econômica dos prejuízos causados ao meio ambiente, mas também a estimativa da capacidade econômica do infrator.

NELSON NERY JÚNIOR sugere a utilização dos “critérios de arbitramento ou de fixação da indenização com base no valor do lucro obtido pelo causador do dano com sua atividade” (NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado. 4. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 1.513).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao apreciar precisamente a fixação de indenização por acidente com derramamento de petróleo, determinou que a quantia a ser reparada deveria ser calculada tendo como base a quantidade de óleo derramada, eventuais reincidências, medidas tomadas para diminuir

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o dano, capacidade econômica da ré, além de outras circunstâncias a serem aferidas pelo sensato critério judicial (Apelação cível n. 178.347-1 – TJSP – 8ª Câmara Cível – Relator Desembargador José Osório – julgada em 3.2.1993).

A recente Lei n. 9.847/99, que dispõe sobre a fiscalização e aplicação de sanções administrativas justamente no tocante ao armazenamento e transporte de combustíveis, corrobora o entendimento de que a sanção pecuniária deve corresponder à gravidade da infração, a condição econômica do infrator e os seus antecedentes:

Art. 4º - A pena de multa será graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem econômica auferida, a condição econômica do infrator e os seus antecedentes.

A partir de tais critérios, pois, impõe-se a determinação da reparação devida ao FDD e ao FEID, a título de restitutio in integrum.

Da capacidade econômica da ré Petrobras

É essencial, indispensável uma indenização pela PETROBRAS condizente com seu faturamento anual ou com base em seu lucro bruto, para que a função pedagógica do direito ambiental e, sobretudo, do magistrado que opera com o direito ambiental se realize.

Essa operação não configura nenhuma novidade nem é um exercício de excentricidade. Nos Estados Unidos da América a extensiva jurisprudência dos tribunais federais, sobre a base legal proporcionada pelo “Comprehensive Environmental Response, Compensation and Liability Act” (CERCLA), de 1980, aceita a aplicação de multas punitivas às empresas que causam acidentes ecológicos, especialmente por derramamento de substâncias tóxicas (hazardous substances releases).

Veja Vossa Excelência que a aplicação de quantias a título de responsabilização e punição tem um efeito de prevenção especial e também, o que talvez seja ainda mais importante, um efeito de prevenção geral dos mais relevantes. “No comércio tudo se sabe”, como se diz. Não somente o agente poluidor é advertido das penas por desrespeitar o meio ambiente: as outras empresas que operam no setor percebem que vale a pena investir em preservação do meio ambiente. A despesa com ações preventivas

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passa a ser vista como um investimento, não como um desconfortável e inconveniente gasto.

Conforme a revista “Balanço Anual”, editada em julho de 2001 pela prestigiosa “Gazeta Mercantil S.A.” (Anexo n. 01), bem como conforme a publicação da própria ré, denominada “Análise Financeira e Demonstrações Contábeis – 2000” (Anexo n. 02) o faturamento ou receita líquida da ré PETROBRAS, constante do balanço publicado no primeiro trimestre de 2001, foi de R$ 44.627.657.000,00 (quarenta e quatro bilhões, seiscentos e vinte e sete milhões, seiscentos e cinqüenta e sete mil reais). Ou, considerando a cotação do dólar estadunidense na data (dezesseis de março de 2002) da elaboração da presente petição (US$ 1.00 por R$ 2,35) foi de US$ 18.990.492.340,42 (dezoito bilhões, novecentos e noventa milhões, quatrocentos e noventa e dois mil, trezentos e quarenta dólares estadunidenses e quarenta e dois centavos).

Ainda conforme as mesmas publicações, o lucro bruto da ré PETROBRAS, no mesmo período, foi de R$ 18.941.169.000,00 (dezoito bilhões, novecentos e quarenta e um milhões, cento e sessenta e nove mil reais) ou, considerando a mesma cotação do dólar estadunidense na mesma data (US$ 1.00 por R$ 2,35) foi de US$ 8.060.071.914,89 (oito bilhões, sessenta milhões, setenta e um mil, novecentos e quatorze dólares estadunidenses e noventa e nove centavos).

Desta forma, verifica-se que ao responsabilizar-se civilmente a ré PETROBRAS pelos danos causados pelo discutido vazamento no litoral paranaense, não se pode olvidar o resultado astronômico que vem obtendo, anualmente, às custas (e em detrimento) do meio ambiente.

Freqüentemente ao infrator é interessante pagar a indenização após o dano ambiental ou até mesmo em sua continuidade, visto que, o fato já estaria consolidado e o prejuízo da indenização seria vantajoso, pois o empreendimento irregular estaria liberado e apto a gerar lucros e não sentir o pagamento de uma indenização insignificante.

Assim, deduzem os autores a necessidade da condenação da ré ao pagamento de um doze avos (1/12) de sua receita líquida em 2000 [R$ 3.718.971.416,66 (três bilhões, setecentos e dezoito milhões, novecentos e setenta e um mil, quatrocentos e dezesseis

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reais e sessenta e seis centavos) em valor corrigido] ou, alternativamente, de um sexto de seu lucro bruto no mesmo período [R$ R$ 3.156.861.500,00 (três bilhões, cento e cinqüenta e seis milhões, oitocentos e sessenta e um mil e quinhentos reais) em valor corrigido].

Do precedente com a empresa “Exxon” nos Estados Unidos da América

Para que se tenha a exata noção de como o tema afeito à indenização por dano ambiental tem sido tratado, de forma adequada, pelos Estados Unidos da América, faz-se referência ao caso da condenação imposta administrativamente à empresa “Exxon” (no Brasil, Esso) responsável pelo acidente com seu navio “Exxon Valdez” no Estado do Alasca, em março de 1989.

Conforme as informações que podem ser buscadas na “Word Wide Web”, ou INTERNET – a empresa infratora concordou em pagar, em acordo judicial perante a corte distrital do Alasca, em outubro de 1991, a título de indenização civil, US$ 900,000,000.00 (novecentos milhões de dólares estadunidenses), num prazo de dez anos, mais US$ 100,000,000.00 (cem milhões de dólares estadunidenses), para a restauração dos recursos naturais lesados não detectados à época do acordo, afora, ainda, outros US$ 250,000,000.00 (duzentos e cinqüenta milhões de dólares estadunidenses).

Como se vê, pois, no caso do grave acidente ocorrido com o derramamento de óleo cru no mar dos Estados Unidos da América, a fixação da responsabilidade indenizatória chegou à cifra de US$ 1,250,000,000.00 (um bilhão, duzentos e cinqüenta milhões de dólares estadunidenses) valor esse que, segundo informações colhidas na própria INTERNET, vem sendo utilizado ao longo dos mais de dez anos decorridos do fato.

A especificidade do acidente objeto do presente feito, por sua vez, indica que ele merece severo tratamento judicial quanto à fixação do montante reparatório. Com efeito, o derramamento de petróleo, atingindo e comprometendo indelevelmente rios componentes de bacia hidrográfica de importância vital para o Estado do Paraná, é um fato sem precedentes, o que deve ensejar, repita-se, resposta judicial adequada e, sem dúvida, sem precedentes na história brasileira.

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Das conclusões

De tudo o que foi exposto, é possível perceber que o vazamento do aproximadamente 57.000 (cinqüenta e sete mil) litros de derivado de petróleo do duto pertencente à ré PETROBRAS, trouxe danos de grande monta ao meio ambiente, bem como à população residente na área em que ele ocorreu, bem como à população de todo o Estado do Paraná, danos esses que devem ser liquidados e devidamente reparados.

O derivado de petróleo contaminou os rios Sagrado, Dos Neves, Do Meio e Nhundiaquara, as vegetações existentes em suas margens (matas ciliares), as restingas e manguezais da região e, ainda, a Floresta Atlântica.

Foram causados danos à fauna, à flora, à água, ao ar e ao solo, sem falar na saúde humana e nos prejuízos econômicos sofridos pela população ribeirinha.

Indiscutível o dever de reparação, pela PETROBRAS, de todos os danos sociais e ambientais ocorridos em virtude do discutido vazamento, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro impõe a responsabilidade objetiva do empreendedor em matéria de danos ambientais.

O plano de contingência ou emergencial da ré PETROBRAS se apresentou insuficiente e ineficiente para enfrentar um vazamento como o que ocorreu, uma vez que faltaram equipamentos e preparo técnico para conter o óleo e minimizar os danos ambientais.

Patente a ineficiência dos Planos de Manutenção e Monitoramento dos Dutos e dos Planos Emergenciais, de responsabilidade da PETROBRAS, e a existência de iminente possibilidade de novos vazamentos.

É possível concluir, outrossim, que vem havendo omissão e despreparo da PETROBRAS, não somente no presente desastre ambiental, mas também nos inúmeros anteriores, urgindo a intervenção judicial para que se exija a adoção de providências mínimas para evitar a ocorrência de novos vazamentos e, conseqüentemente, evitar a exterminação de ecossistemas naturais imprescindíveis à qualidade de vida.

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É preciso que, no presente caso, sejam tomadas as medidas pertinentes, de forma a obrigar a ré PETROBRAS a recuperar o meio ambiente por ela degradado e evitar novos vazamentos.

Além disso, é necessário que a ré PETROBRAS seja condenada a pagar uma indenização calculada com base em seu faturamento ou em seu lucro bruto, o que for maior, de forma a que esta ação judicial no âmbito do direito ambiental tenha um conteúdo de prevenção especial e geral, isto é, que não somente a ré PETROBRAS tenha clara a necessidade de investir em meio ambiente, como todas as outras empresas que manipulam materiais potencialmente tóxicos saibam dos riscos econômicos de não possuir instrumentos adequados de proteção ambiental.

Nas palavras do professor PAULO AFFONSO LEME MACHADO:

Não podemos estar imbuídos de otimismo inveterado, acreditando que a natureza se arranjará por si mesma, frente a todas as degradações que lhe impomos. De outro lado, não podemos nos abater pelo pessimismo. A luta contra a poluição é perfeitamente exeqüível, não sendo necessário para isso amarrar o progresso da indústria e da economia, pois a poluição da miséria é uma de suas piores formas (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 300-301).

Da ética e da responsabilidade ambientais

O homem e a natureza são parceiros intimamente relacionados. A natureza serve o homem há milênios, contudo, esta natureza não recebe do homem nem mesmo o respeito suficiente a sua subsistência. A natureza não deve assumir caráter meramente instrumental para a consecução de metas individuais ou de grupos econômicos. O relacionamento entre homem e natureza deve se inspirar em valores diversos da mera utilidade.

Saliente-se a relevância do papel do juiz frente à ética da proteção ambiental. Nesta toada, impõe-se ao juiz uma postura consciente, visto que é destinatário do comando constitucional, previsto no art. 225, e dos deveres dele decorrentes e explicitados nos sete incisos do § 1º deste dispositivo, notadamente o inciso VI:

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Art. 225- Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Parágrafo único. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...)

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

Compartilhamos, assim, do entendimento do Professor JOSÉ RENATO NALINI quanto à repercussão e influência da decisão proferida pelo juiz na conscientização ambiental.

O julgamento contém, subsidiariamente à solução da controvérsia, um ensinamento. Também mediante adequada decisão da lide ambiental, estará o juiz a promover a educação ecológica e a conscientizar o público no sentido da preservação do meio ambiente.

Para bem cumprir as tarefas dele exigíveis nessa peculiaríssima área, o juiz deverá se submeter a um refletido exame de consciência. (...) Ele não é espectador isento, desvinculado do destino da demanda. (...) Não sobrepaira, incólume à transformação do ambiente por ele autorizada. Integra a comunidade dos interessados e nenhuma imunidade o privilegiará.

Deverá, portanto, se desvestir de dogmas clássicos como o da neutralidade, bastando a tanto desenvolver sua consciência de ser humano a partilhar o destino dos semelhantes, sem proteção especial a não ser a intensificação de seu senso de ética ambiental (NALINI, José Renato, in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 45-46, (jan-dez/1996), p. 144).

O posicionamento da ré PETROBRAS, omitindo-se, flagrantemente, no seu dever de garantir o perfeito funcionamento e condição física dos seus dutos e de possuir um Plano de Emergência eficiente, possibilitando, a qualquer momento, a ocorrência de novos desastres ambientais decorrentes de vazamentos de petróleo e a nova degradação de Áreas de Preservação Permanente e ecossistemas de fundamental

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importância para um meio ambiente ecologicamente equilibrado e para uma sadia qualidade de vida, além de desrespeitar, frontalmente, a legislação ambiental vigente, contraria também o princípio da preservação do meio ambiente. Diante disto, o controle judicial sobre os atos danosos à coletividade assume papel fundamental.

O magistrado será intérprete do interesse comunitário, devendo saber distinguir entre valores momentaneamente perseguidos por grupos e aqueles permanentes, a serem garantidos como pressuposto de sobrevivência para as futuras gerações. Para isso, poderá exercer controle judicial sobre o mérito dos atos administrativos, consoante já prelecionou, com a autoridade de especialista no tema, o juiz ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA: “...a partir do momento em que o meio ambiente passa a ser considerado como um bem de uso comum do povo, não se der de modo satisfatório, segundo o juízo da comunidade, caberá a esta, valendo-se de seus legítimos representantes, buscar o estabelecimento da boa gestão ambiental, por intermédio, se for o caso, do Poder Judiciário” (NATALINI, José Renato, in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 45-46 (jan-dez/1996), p. 144).

A responsabilidade civil por danos ambientais, além de seus outros caracteres, tem um indisfarçável conteúdo pedagógico. Ao determinar a indenização por danos causados ao meio ambiente, o juiz não pode limitar-se aos danos ocorridos e proporcionar sua reposição. É preciso que, em sua sentença, vise a assegurar que o agente poluidor não só reponha as coisas ao status quo ante mas também pague uma indenização correspondente a uma relevante parte de seu resultado ou de seu lucro anuais, de maneira que perca aquilo que lucrou com sua operação a descoberto de instrumentos eficazes de proteção ambiental ou que advirta-se de que não vale a pena, economicamente, operar sem esses instrumentos.

É o que acontece com a ré PETROBRAS. Linhas atrás, os autores relataram diversas ocorrências envolvendo acidentes ambientais causados pela ré PETROBRAS. Acidentes ambientais graves, que denotam certa despreocupação com a proteção do meio ambiente. É preciso que, definitivamente, o Poder Judiciário advirta a ré PETROBRAS de que o problema ambiental, mormente para uma empresa que opera com uma substância tão tóxica como o petróleo, é crucial.

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Dos pedidos

VAZIO

Do pedido principal

Os autores requerem:

I. A citação da requerida para, querendo, contestar a presente ação, no prazo de quinze dias, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos acima articulados;

II. A imposição à ré do dever de descontaminar as águas contidas nos rios atingidos, na várzea afetada, bem como na Baía de Paranaguá;

III. A imposição à ré do dever de apresentar, mensalmente, relatórios sobre a qualidade das águas contidas nos rios Sagrado, do Meio, dos Neves e Nhundiaquara e nas águas marinhas das Baías de Antonina e Paranaguá, bem como nos solos afetados;

IV. A imposição à ré do dever de proceder à análise da qualidade da água fornecida à população dos municípios litorâneos, bem como da água utilizada pelas populações ribeirinhas, com a apresentação, em Juízo, de relatórios mensais das análises diárias que contemplem os componentes químicos que o petróleo usualmente contém;

V. A imposição à ré do dever de mandar publicar, mensalmente, os dados sobre a aludida qualidade da água, em jornal de circulação diária em todo o Estado do Paraná;

VI. A imposição à ré do dever de proceder à análise diária da qualidade das águas contida no lençol freático e retirada dos poços utilizados pela população na região de influência do vazamento, com o encaminhamento de relatórios a esse Juízo e publicação em jornal de circulação diária em todo o Estado do Paraná;

VII. A imposição à ré do dever de analisar diariamente os sedimentos dos rios atingidos e do lençol freático, com o intuito de monitorar a qualidade da água, encaminhando relatórios mensais ao Juízo, indenizando os danos causados;

VIII. A imposição à ré do dever de, sob a coordenação do réu IAP, do IBAMA, da Companhia de Saneamento do Paraná

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(SANEPAR) e da Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental (SUDERHSA), recuperar as águas e o lençol freático;

IX. A imposição à ré do dever de apresentar, mensalmente, durante o curso da presente ação, à autoridade judicial, relatórios sobre a qualidade das águas contidas no lençol freático e retiradas usualmente dos poços pela população;

X. A imposição à ré do dever de, às suas expensas, mandar publicar os resultados das análises em jornal de circulação estadual;

XI. A interdição dos poços de águas superficiais considerados impróprios para o consumo humano;

XII. A imposição à ré do dever de fornecer água potável às populações ribeirinhas em caso de proibição permanente de utilização de poços superficiais;

XIII. A imposição à ré do dever de, sob a coordenação do IAP e do IBAMA, descontaminar o ar na região de influência do acidente;

XIV. A imposição à ré do dever de apresentar, mensalmente, relatórios consistentes sobre a qualidade do ar na região de influência do acidente;

XV. A imposição à ré do dever de, sob a coordenação do IAP e do IBAMA, recuperar a flora, com o repovoamento da mata ciliar, através do plantio de espécies nativas, a reconstituição da várzea, restingas, manguezais e demais áreas atingidas, através da sua limpeza e do replantio, desde o local em que ocorreu o vazamento até a desembocadura do rio Nhundiaquara na Baía de Paranaguá, incluindo a região de manguezais afetadas, tudo através de plano de recuperação previamente aprovado judicialmente;

XVI. A imposição à ré do dever de apresentar relatórios trimestrais dos trabalhos realizados;

XVII. A imposição à ré do dever de, sob a coordenação do IAP e do IBAMA, repovoar a região com os animais (aves, peixes, anfíbios, mamíferos, répteis etc.) das espécies nativas, introduzir novamente a fauna aquática e marinha e os animais existentes no local antes do advento do vazamento, com monitoramento do

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habitat até a comprovação da perfeita sanidade dos animais aquáticos e marinhos, tudo através de plano de recuperação previamente aprovado judicialmente;

XIII. A imposição à ré do dever de apresentar relatórios trimestrais dos trabalhos realizados;

XIX. A imposição à ré do dever de construir um hospital, ou a construir uma ala em hospital já existente, e mantê-lo doravante, a fim de tratar das pessoas, no Sistema Único de Saúde (SUS) que, no futuro, apresentem problemas de saúde causados, direta ou indiretamente, pelo discutido vazamento;

XX. A imposição à ré do dever de pagar a indenização de um doze avos (1/12) de sua receita líquida em 2000 [R$ 3.718.971.416,66 (três bilhões, setecentos e dezoito milhões, novecentos e setenta e um mil, quatrocentos e dezesseis reais e sessenta e seis centavos) em valor corrigido)] ou, alternativamente, de um sexto de seu lucro bruto no mesmo período [R$ 3.156.861.500,00 (três bilhões, cento e cinqüenta e seis milhões, oitocentos e sessenta e um mil e quinhentos reais) em valor corrigido)].

XXI. O depósito de metade do valor pago a título de indenização no FDD e da outra metade no FEID;

XXII. A imposição à ré do dever de pagar indenização por dano moral ambiental, a ser liquidada em processo de execução;

XXIII. O depósito de metade do valor pago a título de indenização no FDD e da outra metade no FEID;

XXIV. A imposição à ré, como medida compensatória, do dever de equipar os Laboratórios da Universidade Federal do Paraná (UFPR) de Química, Biologia, Floresta, Geologia, com equipamentos para análise de solos contaminados com hidrocarbonetos;

XXV. A imposição à ré, como medida compensatória, do dever de equipar o Laboratório de Mineralogia da UFPR, para análise de produtos químicos residuais oriundos do vazamento;

XXVI. A imposição à ré do dever de apresentar relação de todos os empregados contratados para atuar na emergência, com suas qualificações, tudo visando à sua identificação para que

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possam ser conhecidos e estarem relacionados para qualquer questionamento jurídico advindo de seu trabalho na área contaminada, bem como da população do entorno que possa ter sido afetada pelo vazamento;

XXVII. A imposição à ré do dever de apresentar judicialmente e mandar publicar, às suas expensas, em jornal de grande circulação, de relatórios mensais sobre as atuais condições dos dutos em todos os trajetos no Estado do Paraná;

XXVIII. A imposição à ré do dever de promover o monitoramento eletrônico do oleoduto e da refinaria, para prevenir acidentes futuros;

XXIX. A imposição à ré do dever de fixar um percentual, entre 1% (um por cento) e 5% (cinco por cento), calculado sobre o seu faturamento anual, para a manutenção e troca de dutos, para a aquisição dos equipamentos emergenciais na hipótese da ocorrência de eventuais vazamentos, bem como para a formação e manutenção de uma equipe de funcionários com qualificação técnica para realizar o diário monitoramento dos dutos em todos os trajetos no Estado do Paraná;

XXX. A imposição à ré do dever manter funcionários trabalhando diretamente com manutenção e monitoramento dos dutos em número superior ao que historicamente sempre manteve para esta operação, através de novos Planos de Manutenção e Monitoramento e Planos Emergenciais, a serem aprovados pelo IBAMA, IAP e ANP;

XXXI. A imposição à ré do dever de promover a coleta de lixo no local atingido e dar destinação final ao lixo afetado, mediante autorização judicial, até que cesse a contaminação, fato este a ser comprovado nos autos;

XXXII. A imposição à ré do dever de promover plano de educação ambiental a ser efetuado mensalmente junto às comunidades afetadas desde o local em que ocorreu o discutido vazamento até a Baía de Paranaguá, inclusive, alertando sobre as atividades potencialmente poluidoras por ela desenvolvidas;

XXXIII. A imposição à ré do dever de solicitar ao IAP e ao IBAMA, mediante a apresentação de RIMA e de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Repar e do OSPAR, a emissão de novos

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licenciamentos ambientais, para todas as atividades referentes ao transporte de petróleo e seus derivados no Estado do Paraná;

XXXIV. A publicação de editais da sentença condenatória para que os eventuais lesados possam, na forma do art. 103, § 3º, da Lei n. 8.078, de onze de setembro de 1990, procederem a liqüidações e execuções dos danos individuais eventualmente sofridos;

XXXV. A notificação da representação do IBAMA no Estado do Paraná (situado nesta capital, na rua Brigadeiro Franco, n. 1.733, Bairro Batel, CEP 80.420-200) bem como do IAP (situado nesta capital, na rua Engenheiros Rebouças, n. 1.206, Bairro Rebouças, CEP 80.215-100), nas pessoas de seus respectivos representantes legais, para que manifestem eventual interesse no feito;

XXXVI. A imposição de multa diária, conforme dispõe o art. 11 da Lei n. 7.347/85, no caso de descumprimento, por parte da ré ou de qualquer de seus prepostos, de qualquer dos termos da sentença;

XXXVII. A produção de todos os meios de prova que se fizerem necessários, que serão especificados no momento oportuno;

XXXVIII. O julgamento de procedência da presente ação, em todos os seus termos, condenando-se a requerida ao ônus da sucumbência e demais cominações legais.

Dá-se à causa o valor de R$ 3.156.861.500,00 (três bilhões, cento e cinqüenta e seis milhões, oitocentos e sessenta e um mil e quinhentos reais).

Nestes Termos,

Pedem Deferimento.

Paranaguá, dezesseis de março de 2002

João Gualberto Garcez Ramos Procurador da República

Karina Anastácio Faria Promotora de Justiça

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Mônica Helena Derbli Baggio Promotora de Justiça

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Ação Civil Pública, com Pedido de Concessão de Liminar, em Face dos Réus João Amir Wosniak e Município de Curitiba. EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO

DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CURITIBA/PR

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça ao final assinado, através das atribuições que lhe são conferidas em lei, vem a presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 129 da Constituição Federal, nas Leis n.º 7.347, de 22 de julho de 1985 e n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, e demais dispositivos legais inerentes à espécie, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE, pelo procedimento ordinário, com pedido de concessão de liminar, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos, em face dos réus:

JOÃO AMIR WOSNIAK, brasileiro, casado, comerciante, portador da Carteira de Identidade n.º 1.523.780 - PR, inscrito no CPF/MF sob n.º 348.599.429-49, residente e domiciliado em Curitiba/PR, na Rua Nicolau Pelanda n.º 966, Bairro Umbará e

MUNICÍPIO DE CURITIBA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede à Av. Cândido de Abreu, nº 817, Centro Cívico, Curitiba/PR, pelas razões de fato e de direito que passa a aduzir.

1 - OS PROLEGÔMENOS

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João Amir Wosniak, já qualificado nos autos, extraiu areia e argila, de maneira irregular e degradante, em local absolutamente proibido pelas legislações federal, estadual e municipal, uma vez que se trata de Área de Preservação Permanente, por ser região destinada a preservação de mata ciliar, e APA - Área de Proteção Ambiental. Como se não bastasse uma significativa intervenção em local ambientalmente frágil em que a preservação é imprescindível para o equilíbrio ecológico da região, a atividade extrativista foi realizada de forma irregular, contrariando os dispositivos normativos que regulam a matéria. O município de Curitiba foi conivente com esta degradação ao se omitir do dever de fiscalizar a atividade, devendo, assim, ser responsabilizado solidariamente pelos danos causados.

Em data de 14 de setembro de 1995, o requerido protocolou junto ao 13º Distrito do Departamento de Pesquisa Mineral (DNPM), Requerimento de Pesquisa Mineral (documento em anexo) para proceder a execução de trabalhos necessários para a definição de uma jazida de areia (areal), localizada em uma área denominada “Casinha Armada”, situada à direita do Rio Iguaçu, no trecho próximo a confluência deste com o Rio Despique.

Entretanto, a propriedade em questão não pertence exclusivamente ao requerido, já que é compartilhada entre ele e os demais herdeiros de seu falecido pai, consoante matrícula do Registro de Imóveis em anexo. Diante disso, o Chefe do 13º Distrito do DNPM, em observação ao disposto no Decreto n.º 62.934, de 02 de julho de 1968, que regulamentou o Código de Mineração, artigos 37 e 38, enviou o procedimento licenciatório à justiça estadual, sendo o mesmo distribuído à 21ª Vara Cível. O art. 38 estabelece: “ Se até a data da transcrição do título de autorização o titular da pesquisa deixar de juntar ao processo prova de acordo celebrado com proprietário do solo ou posseiro sobre a renda e indenização referidas no artigo anterior, o Diretor-Geral do D.N.P.M. enviará, dentro de 3 (três) dias, ao Juiz de Direito da Comarca da situação da jazida, cópias do título de autorização e do plano de pesquisa.”

Desta forma, o processo de licenciamento foi convertido em um processo judicial de avaliação de pesquisa mineral, autuado com o n.º 1.269/99, em trâmite perante a 21ª Vara Cível de Curitiba, no qual figura como requerente o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais e como requerido João Amir Wosniak.

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Em consonância com os trâmites legais o Sr. João Amir Wosniak foi intimado a se pronunciar nos autos, sendo que nesta oportunidade manifestou-se pelo arquivamento do feito, alegando que os demais proprietários do imóvel a ser explorado, já haviam firmado declaração renunciando a qualquer indenização decorrente da prospecção de areia. (documento em anexo)

Todavia o MM. Juiz de Direito, Dr. Marcos de Luca Fanchin, indeferiu o pedido de arquivamento e seguindo o disposto no parágrafo 2º do artigo 37 do referido decreto, intimou o representante do parquet.

Em seu pronunciamento o órgão ministerial foi terminantemente contra a concessão da licença de pesquisa, opinando ainda, pelo cancelamento do alvará expedido pelo DNPM, n.º 4.968, de 02.08.99 (doc. em anexo) que autorizou o requerido a pesquisar areia em área de proteção ambiental (APA do Iguaçu).

O parecer do Douto Promotor de Justiça baseou-se em um laudo de vistoria (doc. em anexo) realizado por técnicos do Centro de Apoio das Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente, que, em visita à área a ser realizada a prospecção de areia, concluíram:

(...)

“O proprietário da área já efetuou a retirada da argila e areia em toda a área objeto do presente requerimento na região, em área de preservação permanente no sistema ripário do Rio Iguaçu.”

(...)

A importância na preservação da planície de inundação do Rio Iguaçu é sistematizada nos seguintes itens:

Na área ainda restam “habitats” pouco modificados e em vias de regeneração e que se constituem em áreas muito significativas da diversidade original de toda região.

Leopold et al (1964, in Fernandez, 1965) reconhecem dois tipos de planícies aluviais: as ativas e as inativas, de acordo com a freqüência em que é inundada. A planície inativa é inundada em raras

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oportunidades, enquanto a planície ativa é inundada pelo menos a cada três anos. A várzea em questão é definida como planície ativa.

A várzea funciona como uma “esponja” que enxuga o excesso das águas pluviais e com a contínua exploração tende a romper o equilíbrio existente com o regime hidrológico do Rio Iguaçu, e a primeira conseqüência disso é que as enchentes futuras poderão atingir áreas que atualmente são protegidas por essa planície de inundação.

(...)

Constatou-se dano ambiental, efetuado pelos proprietários das áreas que incluem a planície de várzea, dano este, que poderá se agravar caso a situação permaneça como está, devido não ter sido implantado o plano de recuperação ambiental da área, mesmo após concluída a lavra.

(...)

A preservação destas áreas de várzeas será portanto, de mesmo valor, visto que as mesmas integram um importante papel de equilíbrio no regime hidrológico do Rio Iguaçu, tanto como dissipadores da energia hídrica em épocas de cheia, quanto para a proteção do solo, visto que o mesmo, se desprovido da cobertura vegetal, é susceptível ao carreamento, ocasionando maior volume de sedimentos transportados para o rio.

A fauna é função do meio que abriga: tanto quanto nos outros organismos superiores, depende do habitat para atender às suas necessidades mais elementares de alimentação, abrigo, reprodução e criação da prole. Dessas quatro, as duas primeiras estão diretamente relacionadas com o meio. Qualquer intervenção sobre a quantidade ou qualidade da vegetação, repercutirá diretamente na vida selvagem, afetando sua quantidade (abundância) e qualidade (variedade).

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Até o presente, a influência antrópica na região, foi no sentido de um rompimento desastroso do equilíbrio ecológico, sem ações efetivas que levem o sistema a um novo equilíbrio, faz-se necessário a paralisação imediata das atividades degradantes que estão ocorrendo, com a recuperação imediata das áreas de várzeas que estão sendo utilizadas para a exploração mineral, atividade esta altamente destruidoras deste importante ecossistema, que faz parte de um complexo único “Rio Iguaçu- Várzeas”, que abriga diversas espécies da fauna e flora.”

Constata-se que o empreendimento, além de estar sendo executado em área expressamente vedada pela legislação pertinente, por ser Área de Preservação Permanente e Área de Proteção Ambiental, vem sendo realizado em absoluta contrariedade às normas que regulamentam a atividade extrativa. O requerido executou a lavra da região, sendo que o alvará concedido pelo DNPM autorizava a pesquisa da área.

Diante destas constatações, o MM. Juiz da 21ª Vara Cível de Curitiba oficiou a SMMA (Secretaria Municipal do Meio Ambiente), para que este órgão se pronunciasse sobre o caso, mas em vez disso, tal secretaria, demonstrando um patente descaso para com o problema ambiental, condicionou o seu valioso parecer à apresentação de uma “guia azul”, ignorando o interesse público em jogo, pois o meio ambiente equilibrado e a sadia qualidade de vida são direitos constitucionalmente garantidos.

É importante considerar que o município de Curitiba, ao se omitir de seu dever de fiscalizar o empreendimento, foi conivente e contribuiu para a degradação verificada na região, agindo, assim, de forma contrária ao seu dever de defender o interesse público e coletivo.

Entretanto, como os poderes do juiz de direito em relação ao referido processo limitam-se à determinação da indenização a ser paga pelo empreendedor aos proprietários da área, em razão da prospecção da areia e ainda, como os demais interessados, co-proprietários do imóvel, haviam manifestado sua desistência em relação a qualquer compensação decorrente da exploração da areia, outra alternativa não restou ao magistrado a não ser arquivar o processo, informando às autoridades competentes.

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2- DA LOCALIZAÇÃO E DO ACESSO

As áreas “a serem exploradas” situam-se no Município de Curitiba, ao sul da sede municipal, no local conhecido como “Casinha Armada”, mais precisamente a direita do rio Iguaçu, próximo a confluência deste com o rio Despique.

O acesso se dá pela Rua Nicola Pelanda. A região em questão encontra-se próximo ao seu término, na ponte de ferro sobre o rio Iguaçu, no lado esquerdo de quem trafega no sentido Pinheirinho - Fazenda Iguaçu.

3- DOS DANOS DECORRENTES DA EXTRAÇÃO MINERAL

A questão referente aos reflexos da extração mineral é importante e passível de grande preocupação entre os ambientalistas. Isto se justifica pela finitude dos recursos naturais extraídos e pelos efeitos negativos consubstanciados nos danos que a sua retirada causa ao meio ambiente. A atividade mineral, dentre todas as atividades primárias, é a que maiores alterações causa ao ambiente natural, pois retira o próprio substrato sobre o qual se apoia o biótipo.

Esta questão da degradação pela extração mineral atinge tal importância na preservação ambiental que, justificadamente, o legislador constitucional não hesitou em regulamentá-la. Previu, no artigo 225, §2º de nossa Carta Magna que “aquele que explorara recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.”

Pelo fato de gerar degradação, a atividade minerária deve obedecer a um estrito controle, buscando-se minimizar seus efeitos negativos, evitando-se que os extratores, após esgotados os recursos, abandonem a área explorada, deixando para as futuras gerações o ambiente degradado.

Estudos realizados acerca do assunto apresentam alguns efeitos negativos decorrentes da extração mineral, dentre os quais destacamos:

“a) antes do início das atividades, a supressão da vegetação da margem dos rios ou encostas,

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consideradas de preservação permanente pelo Código Florestal;

b) durante a realização das atividades de extração de areia, o lançamento de águas residuárias (efluentes) diretamente nos rios, causando assoreamento e turbidez do curso d’água;

c) supressão e/ou impedimento da regeneração da vegetação ciliar com a deposição do minério e dos resíduos da extração nas margens dos rios;

d) a desestabilização da margem do rio e o comprometimento da vegetação ciliar, deixando-se exposto o solo às interpéries e sujeitos à erosão a ao desbarrancamento da margem dos rios;

e) a inexistência de sistema de decantação de efluentes (ou sistema de decantação existente sem qualquer eficiência), gerando danos nas áreas de pátio, com contaminação do solo;

f) o óleo e a graxa provenientes de seu maquinário contaminam a vegetação e o solo;

g) impedimento da regeneração natural da vegetação das margens pelo uso de equipamentos de compactação de areia no solo antes produtivo, tornando-o impróprio para o crescimento da vegetação e da mata nativa do lugar;

h) desaparecimento de morros e montanhas;

i) outros danos bastante comuns: comprometimento dos taludes das margens, alargamento do leito, formação do remanso, solapamento por ondas provocadas pelo movimento das embarcações, lançamento de rejeitos nas águas do rio, poluição do solo, do ar,

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da água e poluição sonora, inutilização do solo para o futuro.”

Neste sentido, conclui:

“ (...) embora se reconheça a importância econômica da extração mineral, especificamente da areia para a construção civil, não se pode negar o alto grau de degradação ambiental que provoca.” (CARRAMENHA, Roberto. “Mineração” in Manual Prático da Promotoria do Meio Ambiente, p. 318. São Paulo, 1999).

Concomitante ao reconhecimento da importância dos minérios, principalmente da areia, é inaceitável a utilização destes recursos naturais sem a promoção de medidas mitigadoras enquanto há a extração, e de medidas de recuperação ambiental, quando paralisada a atividade. O alto potencial degradante observado na atividade extrativa deve ser reduzido, em observação ao princípio do desenvolvimento sustentável, com a aplicação de medidas mitigadoras e de recuperação.

A perda, em termos ambientais, mormente no que diz respeito à biodiversidade, é muitíssimo superior a eventuais ganhos econômicos que a exploração de área de reserva legal e de preservação permanente possam acarretar. O quadro é do clássico confronto entre o interesse econômico particular e o interesse público e coletivo na preservação ambiental.

É importante ressaltar que quando se comenta o assoreamento dos rios, imediatamente chega-se ao problema das enchentes, cujas conseqüências causam todos os anos grandes prejuízos aos cofres públicos, no atendimento de pessoas desabrigadas, limpeza de ruas e bairros, etc.

4 - DO MÉTODO UTILIZADO E SEU IMPACTO AMBIENTAL

O sistema utilizado pelo Sr. João Amir Wosniak para extração de areia e argila na área em questão foi o tipo mecanizado, executado a céu aberto. Deste tipo de exploração

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resultam grandes impactos ambientais, tendo em vista a necessidade de abertura de grandes cavas para sua execução. Invariavelmente, estas, após a exploração, são abandonadas sem nenhum tipo de recuperação, trazendo danos gravíssimos ao meio ambiente. A exploração realizada na área em questão não foi exceção a esta lamentável situação.

A empresa Minerais do Paraná S.A - Mineropar , em estudo sobre a “Mineração nas Várzeas do Alto Iguaçu”, realizado pelos geólogos Luciano Coerdeiro de Loyola, Adão de Souza Cruz e Roberto E. Anjos Santiago, analisou o problema das “cavas abandonadas”:

“ Com a intenção de se estabelecer critérios para a concessão de autorizações de lavras de areia, foram estudadas as cavas abandonadas que são um testemunho representativo de como se desenvolvem e em que estado são abandonadas as minerações de areia.

Muitas destas zonas praticamente inutilizadas pelo descaso e pelo abandono, com inchaço da urbanização, transformam-se em áreas habitadas, não existindo uma separação clara entre arruamento, lotes casas e cavas, sendo tema que merece tratamento individualizado mais à frente.

(...)

Algumas zonas com cavas desativadas, passam atualmente por uma nova fase de lavra, onde é explorado o que sobrou do areial local.

Este tipo de serviço, quando executado como atividade marginal por pequenos mineradores clandestinos resulta na escavação de valas e interligações entre as cavas e o leito ativo da drenagem, prejudicando tanto o sistema viário como poluindo e assoreando os rios.

As principais observações, de caráter geral, sobre as zonas de cavas abandonadas são listadas a seguir:

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- nestas várzeas, o nível de lençol freático é raso, resultando que as cavas abandonadas sempre tem água e, se a lavra foi paralisada a mais de um ano, esta água é visualmente limpa;

- análises bacteriológicas de águas coletadas nestas cavas, revelaram elevado nível de coliformes fecais e totais;

(...)

- as escavações são utilizadas também com fins recreativos nas épocas mais quentes, onde principalmente as crianças praticam natação, oportunidade para muitos acidentes fatais;

- nas cavas cercadas por casas, é comum a utilização de suas águas para lavagem de roupa;

(...)

- na maioria das áreas de lavra, os rejeitos depositados em montes ficaram parecendo grandes diques marginais com 2 a 3 metros acima do nível das ruas, e sem direções preferenciais.”

Observa-se que a exploração realizada com a abertura de cavas, que foi a utilizada pelo requerido, além de gerar danos ambientais gravíssimos, é responsável, também, por um problema social. A maior parte das zonas de cava de mineração de areia abandonadas são ocupadas por loteamentos e invasões irregulares. Estas populações acabam estabelecendo formas de convivência e mesmo de sobrevivência com a paisagem. As cavas permanecem abertas, interrompendo ruas e sistema de iluminação pública, dificultando o trânsito e comprometendo o sistema de água e esgoto destas regiões.

Por isso, este tipo de atitude, qual seja de abandonar as áreas exploradas sem qualquer tipo de recuperação, deve ser reprimido com severidade, pois gera graves problemas, tanto no âmbito ambiental como na área social.

5 - DA IMPORTÂNCIA AMBIENTAL DA MATA CILIAR

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Entende-se por mata ciliar aquela que margeia e recobre o rio, riacho, córrego, lago ou lagoa. Este tipo de vegetação caracteriza-se por aproveitar a abundância de águas e a deposição de nutrientes nas margens proporcionando, em contrapartida, proteção contra a erosão e o assoreamento. Garantem assim, a constância do volume de água. Possui outras denominações, dentre as quais mata ripária, floresta de galeria, mata aluvial e veredas.

A mata ciliar é de fundamental importância para a preservação do equilíbrio hidrológico da região a que pertence. Funciona como controlador de uma bacia hidrográfica, regulando os fluxos de água superficiais e subterrâneas, a umidade do solo e a existência de nutrientes. Apresenta diversas funções que são de suma importância para a região, dentre as quais destacamos: reduzir as perdas de solo e os processos de erosão, bem como o assoreamento; proporcionar refúgio e alimento para a fauna silvestre e aquática; manter a perenidade das nascentes e fontes; evitar o transporte de defensivos agrícolas para os cursos; possibilitar o aumento de água dos lençóis freáticos; garantir o repovoamento da fauna e maior reprodução da flora e controlar a temperatura.

Estudiosos no assunto destacam a importância de sua preservação para a manutenção da qualidade de vida:

“(...) a água se renova e, dentro desta visão pode se afirmar que se trata de um recurso inesgotável. No entanto, o desafio mundial do próximo século em matéria ambiental é o combate à sua escassez e a obtenção de água com qualidade que venha a atender as necessidades básicas da sociedade moderna. (...) As águas localizadas nos aqüíferos profundos são as consideradas as mais puras e estão protegidas pelas formações geológicas e geomórficas. Contudo, o descontrole nas áreas de proteção permanente também gera a poluição destes lençóis, comprometendo-lhes a pureza e a qualidade e inviabilizando sua utilização. (...) Assim, a proteção das águas superficiais e subterrâneas somente pode ocorrer com a preservação e recomposição das matas ciliares, garante-se assim, uma sadia qualidade deste recurso natural e permitem a criação de estratégias para sua correta utilização, além de contribuir para a recarga de aqüíferos

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subterrâneos.” (VIDAL, José Fernando de Souza. “Mata Ciliar” in manual Prático da Promotoria do Meio Ambiente, p. 173 e 174. São Paulo, 1999).

Por estes motivos, o legislador ordinário não se descuidou da matéria, pois o Código Florestal, em ser artigo 2º, há mais de trinta anos, estabeleceu que a vegetação de mata ciliar é de preservação permanente, estabelecendo faixas variáveis em razão da largura do curso d’água em questão, buscando, com isso, evitar danos ambientais catastróficos e irreparáveis.

Ao tratar das matas protetoras, Osny Duarte Pereira sabiamente asseverou:

“Sua conservação não é apenas por interesse público, mas por interesse direto e imediato do próprio dono. Assim como ninguém escava o terreno dos alicerces de sua casa, por segurança da mesma, do mesmo modo, ninguém arranca as árvores das nascentes, das margens dos rios, nas encostas das montanhas ao longo das estradas, porque poderá vir a ficar sem água, sujeito a inundações, sem vias de comunicação, pelas barreiras e outros males conhecidamente resultantes de sua insensatez. As árvores nestes lugares estão para as respectivas terras como o vestuário está para o corpo humano. Proibindo a devastação, o Estado nada mais faz do que auxiliar o próprio particular a bem administrar os seus bens individuais, abrindo-lhe os olhos contra os danos que poderia inadvertidamente cometer contra si mesmo.” (in Osny Duarte Pereira, Direito Florestal Brasileiro, p. 210).

O dano ambiental é de caráter permanente e, portanto, deve ser reparado o mais depressa possível. Afinal, se assim não ocorrer, seus efeitos poderão ser mantidos muito tempo depois por toda a sociedade, podendo inclusive atingir proporções municipais, estaduais, federais e, quiçá, internacionais.

O desenvolvimento de qualquer atividade que possa ser fonte de maiores lesões ambientais em Área de Preservação Permanente deve ser objeto do mais rigoroso estudo, e sua

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recuperação é de incomensurável importância, posto que seus efeitos atingem toda a coletividade.

6- DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

A Constituição Federal em seu artigo 225, § 1º, inciso III, estabelece como sendo um dos deveres do Poder Público “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e supressão permitida somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.”

Através da criação da APA - Área de Proteção Ambiental - o que se busca é a preservação de uma área de grande relevância ecológica com o intuito de assegurar a consecução do bem-estar das populações humanas e a conservação ou melhoria das condições ecológicas locais.

Como visto, a criação da APA acarreta limitações ao direito de propriedade para que se faça cumprir a sua função social, quais sejam a proibição de implantação e funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras e proibição ou limitação de obras de terraplanagem, de abertura de canais, de atividades capazes de provocar erosão das terras, de atividades que possam provocar acentuado assoreamento das coleções hídricas e de atividades que ameacem extinguir espécies raras da biota regional.

As Áreas de Proteção Ambiental (APA) foram criadas pela Lei Federal n.º 6.902, de 27 de abril de 1981, que em seus artigos 8º e 9º, dispõem:

“ Art. 8º - O Poder Executivo, quando houver relevante interesse público, poderá declarar determinadas áreas do Território Nacional como de interesse para a proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais.

Art. 9º - Em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitutivos que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas, limitando ou proibindo:

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a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras capazes de afetar mananciais de água;

a realização de obras de terraplanagem e a abertura de canais, quando essas iniciativas importarem em sensível alteração das condições ecológicas locais.”

A Resolução do CONAMA n.º 10, de 14 de dezembro de 1988, em seu artigo 1º, estabelece:

“ Art. 1º - As Áreas de Proteção Ambiental - APA’s - são unidades de conservação destinadas a proteger e conservar a qualidade ambiental e os sistemas naturais ali existentes, visando a melhoria da qualidade de vida da população local e também objetivando a proteção dos ecossistemas regionais.”

6.1 - DA APA DO IGUAÇU

A APA do Iguaçu, situada a leste e sul do Município de Curitiba, à margem direita do Rio Iguaçu e Atuba, foi criada através do Decreto Municipal n.º 192/00. Seu principal objetivo é garantir a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental da região de manancial do Rio Iguaçu. Visa evitar e controlar a degradação dos solos e o assoreamento do Rio Iguaçu, assim como de proteger populações e bens do risco de enchentes ao longo de seu curso.

Conforme o artigo 4º, incisos I e III, do referido decreto, temos que:

“ Art. 4º - Na implantação e no funcionamento da APA do Iguaçu adotar-se-ão, entre outras, as seguintes medidas prioritárias:

utilizar os instrumentos legais e incentivos financeiros governamentais, para assegurar a recuperação, conservação e proteção das áreas, o uso racional do solo e outros aspectos referentes à salvaguarda dos recursos naturais;

(...)

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III- aplicar medidas legais, educativas e de fiscalização, destinadas a impedir o exercício de atividades causadoras de degradação da qualidade ambiental.”

(...)

Da leitura do artigo supracitado extrai-se a absoluta ilegalidade e impossibilidade de se praticar qualquer atividade causadora de degradação ambiental na região.

Esta proibição, como é o caso da exploração mineral praticada pelo Sr. João Amir Wosniak, é reforçada com veemência no artigo 6º do referido decreto.

“Art. 6º - De acordo com o mapa integrante deste decreto, ficam definidas as seguintes áreas e setores na APA do Iguaçu:

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - consiste em preservar ou recuperar, de forma a propiciar a regeneração natural da cobertura vegetal, possibilitar o estabelecimento natural e o deslocamento da fauna local, assim como de proteger os cursos d’água, e compreende as faixas marginais mínimas de 100m (cem metros) ao longo do Rio Iguaçu e 50m (cinqüenta metros) de seus meandros, as faixas marginais de 30m (trinta metros) ao longo do Rio Atuba e dos demais cursos d’água e as manchas de cobertura vegetal que extrapolem as larguras estabelecidas para as faixas marginais quando da existência de áreas cadastradas no Setor Especial de Áreas Verdes, as quais terão ocupação segundo a Lei n.º 9.806/00 e o uso somente residencial unifamiliar, com exceção do estabelecido no art. 2º da Lei Federal n.º 4.771/65;

(...)

Parágrafo 1º - Na Área de Preservação Permanente, só serão permissíveis as atividades educativas e científicas, o uso de recursos hídricos e a implantação de equipamentos de tratamento de efluentes, desde que, com anuência prévia da Secretaria Municipal do Meio Ambiente - SMMA e da

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Secretaria Municipal de Obras Públicas - SMPO, atendido o estabelecido na Resolução do CONAMA n.º 237/97.”

O descumprimento destes preceitos ensejará a aplicação das penalidades previstas em lei, como estabelece o artigo 10 do decreto em questão:

“ Art. 10- As pessoas físicas ou jurídicas, que de qualquer modo, degradarem a APA Iguaçu, estão sujeitas às penalidades previstas na legislação vigente, Leis nºs 7.833/91 e 9.806/00.”

A bacia de manancial do Rio Iguaçu é de indiscutível importância ambiental. Atividades degradantes, como a extração mineral verificada, devem ser repelidas com as sanções previstas, buscando-se evitar a degradação deste ecossistema.

7 - DA RESPONSABILIDADE JURÍDICA DOS MUNICÍPIOS PELA PROTEÇÃO AMBIENTAL

O Município de Curitiba, por ter agido de forma omissiva no tocante a seu dever constitucional de fiscalizar e zelar pela preservação do meio ambiente, permitiu a degradação de uma área de importante valor ecológico. Da constatação de que a conduta do Município foi fator que propiciou ao Sr. João Amir Wosniak extrair irregularmente areia e argila, degradando Área de Preservação Permanente, depreende-se a necessidade de responsabilizá-lo solidariamente pelos danos causados.

Ao deixar de realizar a fiscalização, o Município de Curitiba propiciou a degradação de área de grande valor ecológico para a região, agindo assim, em favor de interesses particulares e em detrimento do interesse público. Destarte contrariou os princípios que regem a Administração Pública.

Carlos Eduardo de Abreu Boucault tece comentários sobre a interferência dos municípios nas decisões que pertinem ao meio ambiente e a necessidade de cumprimento da legislação ambiental:

“ Assim, compete ao Poder Público, por determinação normativa- constitucional, o dever de fiscalização e de preservação dos níveis de poluição e

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de todas formas danosas aos elementos integrantes do universo ecológico.

Demonstram, no entanto, as estatísticas referentes a ações judiciais e medidas administrativas, bem como, denúncias e depoimentos, através da imprensa falada e escrita, que as municipalidades, em considerável maioria, distanciam-se de seu dever constitucional de velar pela política ambiental adequada, na execução de projetos ambientais, sem se louvar em laudos técnicos recomendados por especialistas da área.

(...)

E mais grave, considera-se a livre adoção de políticas, de decisões unilaterais dos dirigentes municipais, que, sob a égide da discricionaridade dos atos da Administração, passam ao largo dos deveres que devem respeitar os limites legais que têm de cumprir no que tange à implementação da política do meio ambiente, em observância da supremacia de princípios ecológicos e de disposições normativas sobre a vontade do administrador público, o qual é mandatário daqueles que, em seu usual descaso pelas causa públicas, pela inexistência de uma política educacional que fortaleça a participação da sociedade civil no destino de sua história, assumem a titulariedade de vítimas de direitos violados.” (ABREU BOUCAULT, Carlos Eduardo de. A Responsabilidade Jurídica dos Municípios em face de fenômenos ambientais localizados: a resistência do órgão do Ministério Público - in Revista de Direito Ambiental, p. 97-101, Jan - Mar, n.º 09, São Paulo, 1998).

Da mesma forma, eis a orientação jurisprudencial:

“A administração pública responde civilmente pela inércia em atender a uma situação que exigia a sua presença para evitar a ocorrência danosa.” ( STF - 2ª T. - RE - Rel. Temístocles Cavalcanti - j. 29.5.68 - RDA 971/177).

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Sendo assim, salta aos olhos o nexo causal entre o dano causado e a conduta omissiva dos órgãos públicos que não cumpriram os preceitos legais anteriormente expostos e tão pouco as disposições constitucionais elencadas nos artigos 196 e 225, parágrafo 1º, IV, Da Carta Magna.

8- DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Em relação à responsabilidade civil consagrada no artigo 159 do Código Civil, tem-se que a mesma independe de culpa quando se trata de ato comissivo ou omissivo praticado pelo ente estatal, espécie de responsabilidade denominada objetiva, consagrada no artigo 37, inciso XXI, parágrafo 6º da Constituição Federal, que dispõe:

“ Art. 37 (...)

XXI- (...)

Parágrafo 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Conclui-se que as condutas, tanto do Sr. João Amir Wosniak quanto do Município de Curitiba, que resultaram em degradação de Área de Preservação Permanente, são situações em que a responsabilidade é imputada objetivamente. Não é necessário comprovar a culpa ou a ilicitude de suas condutas, mas tão somente o dano causado e o nexo causal existente, os quais são evidentes e incontestáveis.

A adoção da responsabilidade objetiva em questões ambientais fundamenta-se na “Teoria do Risco Integral”. Esta preceitua que pelo fato de praticar tais atividades, o agente assume todos os riscos dela oriundos, ou seja, deve indenizar ainda que o dano seja decorrente de caso fortuito ou força maior. O poluidor assume todo risco que sua atividade possa acarretar. Com isso, o simples fato da existência da atividade, somado à existência de nexo causal entre esta e o dano observado, gera a responsabilidade, e conseqüente dever de indenizar dos requeridos.

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Assim, conclui o mestre em Direito Ambiental, Paulo Affonso Leme Machado:

“Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranqüilidade.”(MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 273, Ed. Malheiros, São Paulo, 1998).

9 - DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

A responsabilidade solidária é aquela pela qual todo os devedores respondem integralmente pelo danos, mesmo que não os tenham causado por inteiro. Este instituto cria um benefício ao credor que pode escolher quem acionar e, mesmo tendo vários condenados, pode escolher de quem cobrar.

Em questões ambientais, assim como nos demais interesses difusos, aplicam-se as regras da solidariedade. A obrigação pode ser exigida de todos e de qualquer um, o qual poderá utilizar-se do regresso contra os demais.

Rodolfo Camargo Mancuso demonstra, com maestria, a configuração da responsabilidade civil solidária:

“Outrossim, cabe lembrar que em sede de responsabilidade por danos a interesses difusos, aplicam-se as regras da solidariedade; a reparação é exigível de todos e de qualquer um dos responsáveis, inclusive podendo ser oposta àquele que se afigure o mais solvável, o qual ao depois se voltará contra os demais, em via de regresso.” MANCUSO, Rodolfo Camargo. In: Ação Civil Pública em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e consumidores, Editora Revista dos Tribunais, p. 190).

Devidamente conceituado o instituto da responsabilidade solidária, é interessante apresentar o porquê de ser co-responsável a pessoa jurídica de direito público competente. Transcrevemos,

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com este intuito, trecho da obra do mestre em Direito Ambiental, Paulo Affonso Lemes Machado:

“Para compelir, contudo, o Poder Público a ser prudente e cuidadoso no vigiar, orientar e ordenar a saúde ambiental nos casos em que haja prejuízo para as pessoas, para a propriedade ou para os recursos naturais mesmo com observância dos padrões oficiais, o Poder Público deve responder solidariamente com o particular.” (MACHADO, Paulo Affonso Lemes. Direito Ambiental Brasileiro. p. 276. Malheiros, São Paulo, 1998).

Por isso, tanto o Sr. João Amir Wosniak, quanto o Município de Curitiba devem ser compelidos por medida judicial a reparar os danos causados por suas ações e omissões. As condutas de ambos foram geradoras de degradação ambiental e, como tal, devem ser punidas judicialmente, observando-se os institutos da responsabilidade objetiva e solidária. Suas atividades guardam nexo causal indiscutível com a destruição ambiental observada.

10 - O DIREITO

Em nosso País, a exuberância da natureza contrasta tristemente com os abusos cometidos ao longo da história, em nome do progresso econômico e da evolução tecnológica, o que acabou por destruir grande parte de nosso patrimônio natural.

Visando coibir ações degradantes do meio ambiente, como as praticadas pelo Sr. João Amir Wosniak, editou-se a Lei Federal n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, definindo os parâmetros a serem seguidos pelo Poder Público na defesa do ambiente natural.

“Art. 2º- A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana...”

Neste mesmo sentido, o ordenamento jurídico brasileiro recepcionou o artigo 225, caput, da Constituição Federal estabelecendo que: “ todos têm direito ao meio ambiente

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ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Afora este, outros artigos manifestam a opção do legislador constituinte em considerar a preservação ambiental como um dos pilares fundamentais da ordem constitucional, como pode ser deduzido de leitura sistemática do referido texto legal. Os artigos 170, IV, que enquadra o meio ambiente no rol dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, e 186, II, que, ao atribuir à propriedade a função social, condiciona seu cumprimento à “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente” (sem grifos no original), são expressões significativas da penetração desta perspectiva no interior de institutos de relevante importância social e jurídica.

No âmbito estadual, a Constituição do Estado do Paraná elege a proteção do meio ambiente como diretriz fundamental:

“Art. 207 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e os uso racional dos recursos ambientais.

Parágrafo 1º - Cabe ao Poder Público, na forma da lei, para assegurar a efetividade deste direito:

XV- proteger o patrimônio de reconhecido valor cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeleológico e científico paranaense, prevendo sua utilização em condições que assegurem sua conservação.”

O Município, por sua vez, também se preocupou com a proteção ambiental em sua Lei Orgânica Municipal:

“Art. 188- O meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, devendo o Município e a coletividade defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras.”

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Na mesma esteira do Código Florestal Brasileiro editou-se o Código Florestal do Estado do Paraná (Lei Estadual n.º 11.054/95), no qual se reafirmam as disposições do artigo 2º do Código Florestal Brasileiro estabelecendo normas que proíbem a utilização de áreas de preservação permanente.

Também nas leis municipais podemos encontrar especial destaque a preservação e conservação das matas ciliares. A Lei 7.833/91, a qual dispõe sobre a política de proteção, conservação e recuperação do meio ambiente confirmou esta idéia:

“Art. 3º - Para o cumprimento do disposto no art. 30 da Constituição Federal, no que concerne ao meio ambiente, considera-se como de interesse local:

(...)

- a preservação, conservação e recuperação dos rios e das matas ciliares;”

Percebe-se com tudo o que foi apresentado, que nossa legislação estabeleceu proteção especial à vegetação existente à margem de córregos, rios, lagos e lagoas, justamente pelo fato de que o solo, quando privado de sua cobertura vegetal, fica modificado em sua estrutura e perde as propriedades físico-químicas capazes de garantir a retenção de água.

Além de evitar o assoreamento do leito dos rios, a mata ciliar consiste num ecossistema peculiar que abriga uma diversidade florística e faunística de vital importância pata o equilíbrio de toda uma região. Além de proteger indiretamente a fauna aquática, posto evitar o transporte de resíduos de agrotóxicos utilizados largamente na agricultura, o que, na ausência da mata ciliar, são arrastados para os rios ocasionando, não raras vezes, a morte de peixes em função da poluição que provoca.

Tendo em vista às informações fornecidas através do relatório de vistoria, pela equipe técnica do Centro de Apoio Operacional das Promotorias do Meio Ambiente, e as demais provas produzidas, facilmente se vislumbra o desrespeito dos requeridos, Sr. João Amir Wosniak e Município de Curitiba, aos limites impostos pelas legislações estadual e municipal. Em toda extensão onde o Rio Iguaçu margeia a área em questão, não foram observados os 30 (trinta) metros determinados pelo Código Florestal. A extração de areia e argila gerou danos ao meio

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ambiente por degradar Área de Preservação Permanente. Com tal fato foi conivente o Município de Curitiba que, além de conceder autorização para tal empreendimento, não exerceu seu dever de fiscalizar a atividade. Restando comprovada a culpabilidade dos agentes, devem os mesmos serem responsabilizados por suas condutas.

A requisição do Sr. João Amir Wosniak, e o alvará do DNPM (concedido em agosto de 1999) referem-se a permissão para pesquisa mineral da área em questão. Esta consiste na “execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamento econômico” (art. 14 do Código de Mineração). Em nenhum momento o requerido obteve a concessão de lavra, sendo esta o “conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver, até o beneficiamento das mesmas”. (art. 37 do Código de Mineração).

Todavia, constatou-se que os trabalhos realizados na área não objetivaram “pesquisa da área”, e sim a exploração econômica da jazida. Esta afirmação se confirma ao analisarmos as informações presentes no relatório de vistoria: “ O proprietário da área já efetuou a retirada da argila e areia em toda área objeto do presente requerimento.” A licença pleiteada pelo requerido não condiz com a atividade praticada na área.

Com isto, incorreu o agente nos crimes previstos nos artigos 54 e 55 de Lei Federal n.º 9.605/98:

“Art. 54 - Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortalidade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena- reclusão de um a quatro anos, e multa.”

“Art. 55 - Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena- detenção de seis meses a um ano, e multa.

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Parágrafo único - Nas mesmas penas incorre quem deixar de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.”

Além disto, a Resolução do CONAMA n.º 009/90 estabelece a exigência de licenciamento ambiental tanto para a execução da lavra, que foi a atividade verificada, quanto para a pesquisa mineral, que foi a atividade autorizada. Destarte, verifica-se outra irregularidade na extração mineral observada.

11- DA INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO IBAMA E DA AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO OU SOCIAL NA ATIVIDADE

Conforme determinação do Código Florestal as Áreas de Proteção Permanente são apenas suscetíveis de intervenção ou supressão quando existente autorização do órgão federal do meio ambiente, qual seja o IBAMA e, ainda, eivado o empreendimento de interesse social ou utilidade pública.

Desta forma, diante da inexistência de autorização do IBAMA para que o João Amir Wosniak promovesse a intervenção e supressão de área de mata ciliar, e da ausência de interesse social ou utilidade pública no empreendimento, este apresenta-se absolutamente ilegal e eivado de vícios que comprometem sua licitude.

Relevante expor o significado e a extensão dos interesses difusos, objetivando comprovar que o interesse decorrente do empreendimento praticado na área não consiste em utilidade pública ou interesse social. Édis Milaré revela a importância da tutela dos interesses mais amplos da comunidade, em detrimento dos interesses de alguns grupos:

“Sejam quais forem os títulos e formas de propriedade que gravam os recursos naturais de bens ambientais de interesse maior, não meramente individual ou grupal, pesa sobre tais recursos e bens uma hipoteca social: não se pode dispor deles livremente e a bel-prazer se interesses maiores e mais amplos da comunidade forem violados ou indevidamente restringidos.

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(...)

A moral tradicional não desenvolve a necessária solidariedade com o planeta vivo nem com os nossos semelhantes. Ao contrário, a tendência que provém de instintos primitivos nos tornou senhores das coisas à nosso modo pessoal e em função de interesses nem sempre justificáveis, embora racionalizados inteligentemente.

(...)

... não se poderá deixar de ouvir a Ética, a voz da moral transcendente que supera os pontos de vista e os posicionamentos individuais. O parâmetro regulador e indiscutível será o saldo positivo de qualquer empreendimento na balança da qualidade ambiental e do respeito ao ecossistema planetário.” (MILARÉ, Édis. Responsabilidade ética em face do meio ambiente . in: Revista Jurídica, out/dez, p. 111-112. São Paulo, 1996.

Não há dúvida de que a proteção ambiental é medida de interesse coletivo. O direito ao meio ambiente sadio, aliás, situa-se entre os interesses difusos da sociedade, não devendo ser fruído, de modo particular, por nenhum cidadão, mas sim por todos indistintamente. A atividade extrativista deverá ser praticada de acordo com os ditames legais, com a utilização de medidas mitigadoras da degradação, e com a devida recuperação dos danos verificados.

12 - DA JURISPRUDÊNCIA

O egrégio Tribunal de Justiça do Paraná posiciona-se de forma pacificamente contrária ao desenvolvimento de atividades que venham a degradar o meio ambiente. Assim, o faz tanto na prevenção quanto na punição de pessoas físicas ou jurídicas, que venham a produzir danos ambientais:

Ementa: Ação Civil Pública. Extração de areia. Danos causados ao meio ambiente. Fato incontroverso. Procedência. Impugnação: decisão “ultra petita”. Inocorrência. Sendo fato incontroverso que, ao extrair areia da margem do rio Iguaçu,

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produzindo um buraco de grande proporção, a empresa- réu causou dano ao meio ambiente, julga-se procedente a ação civil pública proposta pelo Ministério Público, condenando a ré a repor a área florestal danificada, restaurando a mata ciliar. A decisão que se restringe a acolher os pedidos formulados na inicial não é “ultra petita”. Apelação desprovida. (TJPR - Ação Civil Pública. Acórdão 9931. Desembargador Relator Accácio Cambi. 1ª Câmara Cível. 01/03/1994).

Ementa: Agravo de Instrumento - Ação Civil Pública - Liminar - Responsabilidade por danos causados ao meio ambiente - Limitação Administrativa - Improvimento. 1- A fruição da propriedade e da posse, não pode legitimar a degradação do meio ambiente, em áreas de preservação permanente. 2- Constitui uso nocivo da propriedade, destinação diversa daquela determinada pelo Código Florestal, nas áreas de preservação permanente, desrespeitando-se a limitação administrativa, cuja responsabilidade no direito ambiental é objetiva. 3- A preservação e a recomposição da mata ciliar é um imperativo que se impõem ao proprietário de terras, constituindo-se em obrigação propter rem. 4- Considera-se de preservação permanente, as florestas e demais formas de vegetação natural, situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, desde o seu nível mais alto em faixa marginal, cuja largura é fixada no Código Florestal (art. 2º). 5- As florestas de preservação permanente, instituídas no art. 2º, do Código Florestal, são consideradas as propriedades como de limitações administrativas. 6- Terrenos reservados são faixas de terras particulares, marginais de rios, lagos e canais. 7- Configura limitação administrativa a propriedade, visando à proteção ambiental. A definição como área de preservação permanente, das florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água. Tal limitação não importa em violação do direito de propriedade, tampouco infringe qualquer direito. 8- Há leis que dependem de regulamentação para sua execução e outras que são auto - executáveis. No entanto, qualquer delas pode ser regulamentada, distinguindo-se de que nas primeiras o regulamento é condição de sua aplicação e, nas segundas, é ato facultativo. ( TJPR, Agravo de Instrumento - Ação Civil Pública - Liminar. Acórdão 10902. Desembargador Relator- Lauro Augusto Fabrício de melo. 1ª Câmara Cível. 13/04/1999).

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Observa-se que o posicionamento jurisprudencial tem sido unânime em proclamar a proteção às áreas de preservação permanente, incluindo as regiões de mata ciliar; a responsabilidade objetiva em questões ambientais e a limitação administrativa ao direito de propriedade, tendo em face a supremacia do interesse público.

13 - ÉTICA AMBIENTAL

Salienta-se a relevância do papel do juiz frente a ética da proteção ambiental. Nesta tomada, impõe-se ao juiz uma postura consciente, visto que é destinatário do comando constitucional, previsto no art. 225 e dos deveres dele decorrentes e explicitados nos sete incisos do parágrafo primeiro deste dispositivo, notadamente o inciso VI:

“Art. 225 - Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, em de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações;

Parágrafo único - Para assegurar a efetividade desse direito, incube ao Poder Público:

VI- promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.”

Compartilhamos, assim, do entendimento do Professor José Renato Natalini quanto à repercussão e a influência da decisão proferida pelo juiz na conscientização ambiental.

“O julgamento contém, subsidiariamente à solução da controvérsia, um ensinamento. Também mediante adequada solução da lide ambiental, estará o juiz a promover a educação ecológica e conscientizar o público no sentido da preservação do meio ambiente.

Para bem cumprir as tarefas dele exigíveis nessa peculiaríssima área, o juiz deverá se submeter a um refletido exame de consciência (...) Ele não é espectador isento, desvinculado do destino da demanda. (...) Não sobrepaira, incólume à transformação do ambiente por ele autorizada. Integra a

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comunidade dos interessados e nenhuma imunidade o privilegiará.

Deverá, portando, desvestir-se de dogmas clássicos como o da neutralidade, bastando a tanto desenvolver sua consciência de ser humano a partilhar o destino dos semelhantes, sem proteção especial, a não ser a intensificação do seu senso de ética ambiental.” (NATALI, José Renato. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Jan/ Dez. 1996, p. 144).

14 - DO PEDIDO DE LIMINAR

Confrontando-se os documentos integrantes do Procedimento Administrativo, que indicam a localização e irregulariedades ambientais da referida atividade, o Laudo Técnico elaborado pela equipe técnica da Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente, demonstrando a existência de Área de Preservação Permanente e significativos danos ambientais e, por fim, toda a legislação ambiental apontada, constata-se a inviabilidade legal e ambiental da extração de areia e argila, do modo que foi realizada, no local em questão.

Como é de notório conhecimento, há a exigência legal para a concessão de liminar da ocorrência cumulativa dos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.

O fumus boni iuris está expresso no evidente desacordo da atividade praticada com a legislação vigente. Por ser de grande potencial degradante, a extração mineral deve atender a diversos dispositivos que visam reduzir seu potencial lesivo e possibilitar a regeneração de áreas degradadas. A atividade realizada pelo requerido desatende às normas atinentes a matéria, trazendo grandes prejuízos ao equilíbrio do ecossistema da região.

O periculum in mora está expresso, claramente, no dever de impedir a continuidade de uma atividade manifestamente ilegal e, ainda, que continua promovendo, impunemente, a degradação do meio ambiente e da mata ciliar, pondo em risco não somente o ecossistema da região, mas também a saúde e a qualidade de vida da população. E aqui abre-se um parêntese, pois, desta atividade pode resultar o assoreamento dos rios que acarreta problemas com

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enchentes, cujas conseqüências causam todos os anos grande prejuízo aos cofres públicos e à população.

Amparados no princípio da prevenção, o qual norteia o direito ambiental, e diante dos fatos já narrados que demonstram a atual situação da área, e do justo receio de que o empreendimento ilegal de extração mineral promovido pelo Sr. João Amir Wosniak, continue em atividade, e para evitar que haja continuidade, absolutamente ilegal, da intervenção em área de preservação permanente, fato este que ocasionará danos irreversíveis, prejudicando sensivelmente o ecossistema de toda região, evidentes o periculum in mora e o fumus boni iuris, razão pela qual requer-se a concessão de MEDIDA LIMINAR “ inaudita altera pars”, com fulcro no que estabelece o artigo 12 da Lei n.º 7.347/85, com imposição de multa diária no caso de descumprimento, nos termos do artigo 11 da já citada lei, sem necessidade de justificação prévia, com a imposição de multa diária determinando:

A não utilização da área afetada pelo dano ambiental em atividades contrárias à sua regeneração e a suspensão de qualquer licenciamento ambiental autorizando a exploração de atividades minerarias, dentre elas pesquisa e lavra mineral.

A jurisprudência respalda a concessão de medida liminar inaudita altera pars, objetivando a manutenção do status quo até o final da sentença, evitando, assim, a efetivação de danos irreparáveis ao meio ambiente:

“Agravo de instrumento. Liminar concedida em ação civil pública sem audiência da pessoa jurídica. Possibilidade ante a urgência. Perda do objeto não configurada. Não ocorrência de aditamento da inicial. Impossibilidade de revogação. Agravo improvido.

O juiz pode determinar, mesmo de ofício, medidas provisórias no curso do processo, sendo que no caso, pelo art. 12 da Lei 7.347/85, em se tratando de ação civil pública baseada em dano ao meio ambiente, facultado ao juiz a concessão de liminar, sem ouvir a parte contrária, procurando manter o status quo até final da sentença, a fim de evitar danos irreparáveis.

Não houve perda do objeto, porque mesmo concluída a obra, há que se preservar o ambiente, até que se decida a lide, sem

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ingerência na modificação de depredação do local, protegendo-se o solo e a flora.

Não houve o alegado aditamento à inicial, nem decisão ultra petita. A autora, ao propor a ação, visava a suspensão de qualquer atividade no local e a abstenção de quaisquer atividades que viessem a proporcionar a continuidade da degradação em área de preservação permanente.

A liminar não só suspendeu as obras, mas também qualquer outra atividade por parte do Estado do Paraná e seus órgãos de atuação naquele local.”

(TJ/PR - Acórdão n.º 2.255 - 6ª Câmara Cível - Ag. Instr. n.º 0059872-7 - Des. Pres. Accácio Cambi e Relatora Anny Mary Kuss Serrano.)

15 - DO PEDIDO FINAL

Diante do exposto, requer-se de Vossa Excelência:

I - A concessão da liminar nos moldes anteriormente delineados.

II - A citação dos requeridos com o permissivo do artigo 172, parágrafo 2º, do CPC, para querendo, responder e acompanhar os termos da presente, sob pena de serem considerados como verdadeiros os fatos nesta alegados.

III - A imposição aos réus, Sr. João Amir Wosniak e do Município de Curitiba, na obrigação de fazer, responsabilizando-os solidariamente a completa recuperação das áreas degradadas, na forma a ser estabelecida por perícia realizada no local, restabelecendo-se as condições anteriores da degradação ambiental, e a imposição de indenização pelos danos causados ao meio ambiente, revertendo-se os valores ao Fundo Estadual de Defesa aos Interesses Difusos -FEID, criado em atendimento a Lei Federal nº 7347/85 e Lei Estadual nº 11.987/98, regulamentada pelo Decreto nº 4620/98.

IV - Caso não haja o cumprimento da sentença por parte dos requeridos, no prazo fixado por Vossa Excelência, requer-se a cominação de multa diária, como dispõe o artigo 11 da lei nº 7.347/85.

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V - Protesta-se ainda por todos os meios de prova que se fizerem necessárias, inclusive depoimento pessoal dos representantes legais do requerido, prova pericial, documental e testemunhal;

VI - Seja julgada procedente a presente ação em todos os termos do pedido retro, condenando-se os requeridos ao ônus de sucumbência e demais cominações legais, inclusive honorários advocatícios, este último a ser recolhido ao Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Paraná, criado pelo Lei Estadual nº 12. 241, de 28 de julho de 1.998 (DOE nº 5302, de 29 de julho de 1.998).

Requer-se, desde logo, a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, nos termos do artigo 18 da lei nº 7.347/85.

Comunica a Vossa Excelência, para os fins do artigo 236, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, que receberá intimações à Avenida Marechal Floriano Peixoto, n.º 1251, Rebouças, CEP: 80.230-110, Curitiba, Paraná.

Dá-se à causa para efeitos fiscais, o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Termos em que,

Pede deferimento.

Curitiba, 26 de agosto de 2002.

SÉRGIO LUIZ CORDONI Promotor de Justiça

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Ação Civil Pública , com Pedido de Liminar, Contra Fospar S/A - Fertilizantes Fosfatados do Paraná e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Decisão. EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO

DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE PARANAGUÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, através da PROMOTORIA DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE desta Comarca, por seu representante legal, através das atribuições que lhe são conferidas em lei, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 129 da Constituição Federal, nas Leis nºs 7.347, de 22 de julho de 1985 e 6.938, de 31 de agosto de 1981, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA , com pedido de liminar, contra:

FOSPAR S/A - Fertilizantes Fosfatados do Paraná, pessoa jurídica de direito privado, com sede na rua Presidente Getúlio Vargas, s/nº, Vila da Madeira, município de Paranaguá - PR;

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, pessoa jurídica de direito público, com sede na rua Brigadeiro Franco, nº 1733, bairro Centro, município de Curitiba-PR, na pessoa de seu representante legal no Estado do Paraná.

OS FATOS

A empresa Fospar, com sede no Porto de Paranaguá, entre o Canal do Anhaiá e o Terminal da Petrobrás, nas proximidades do cais do porto, defronte à baía de Paranaguá, pretende ampliar suas instalações através da construção de um Píer ligado a um terminal especializado em granéis sólidos.

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Contudo, os aludidos Píer e Terminal Marítimo que a empresa FOSPAR está na iminência de construir, segundo o próprio projeto apresentado por esta empresa, envolvem a edificação de aproximadamente 7.000 ( sete mil) m2 de área avançada em mar sobre águas profundas, sendo prevista a supressão de significativa extensão da área de mangue existente no local, aproximadamente 0,568 há (fotos em anexo), ou seja, poderá haver, indevidamente, destruição de considerável área de preservação permanente.

A exploração das atividades portuárias no Porto de Paranaguá foi objeto de concessão da União Federal para o Estado do Paraná. Este criou a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA). O Ministério dos Transportes editou a Portaria nº 207, que acabou por delimitar as áreas do Porto organizado de Paranaguá, na qual se insere a área de 84.525 m2 arrendada a empresa Fospar.

A empresa Fospar requereu ao Instituto Ambiental do Paraná (órgão estadual do meio ambiente) as licenças necessárias ao início da construção do Terminal Marítimo e do Píer, e autorização para a supressão do mangue.

Atendendo ao requerimento da empresa, o Instituto Ambiental do Paraná expediu Licença de Instalação nº 3418, datada de 19 de dezembro de 1998, referente as construções do Terminal Marítimo e do Píer, encaminhando, no entanto, ao IBAMA o procedimento que originou este licenciamento para que o órgão ambiental federal se manifestasse a respeito da supressão do mangue existente no entorno da empresa Fospar.

Analisando o procedimento licenciatório o IBAMA do Estado do Paraná (órgão federal do meio ambiente) entendeu ser competente para o licenciamento de todo o empreendimento.

Constata-se, através dos documentos acostados, que o IBAMA do Estado do Paraná se posicionou, patentemente, contrário ao licenciamento solicitado pela empresa Fospar, para a construção de um píer graneleiro e a supressão de mangue.

Conforme Parecer Técnico/Jurídico emitido por Comissão do IBAMA/PR, datado de 28 de outubro de 1998, verifica-se o indeferimento do licenciamento do empreendimento pleiteado, baseando-se nos obstáculos legais para construção em área de preservação permanente e na responsabilidade do empreendedor

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na degradação do mangue, tendo-se em vista a constatação de níveis de poluição por fosfatos (matéria prima básica da empresa) acima do padrão permitido pela Resolução do CONAMA nº 020/86.

Cita-se trechos deste Parecer Técnico-Jurídico que exprimem o posicionamento do IBAMA/PR:

“Por tratar-se de obra a ser integralmente construída em área de preservação permanente, (...) vêm inviabilizar qualquer atividade em áreas de APP. Portanto, há obstáculos legais para a implantação do empreendimento pela FOSPAR S/A”.

(...)

...a análise dos sedimentos apresentada, indica um elevado índice de elementos químicos fora dos padrões máximos admitidos, conforme o estabelecido na Resolução 020/86 do Conama.

(...)

...a vegetação do mangue está degradada por fosfatados (matéria prima básica da empresa). Diante disso, a Comissão questiona o grau de responsabilidade do empreendedor na degradação do mangue.

(...)

Mesmo após requerimento formulado, em 13 de novembro de 1998, pela empresa Fospar, defendendo o procedimento licenciatório promovido até o momento e solicitando a confirmação do licenciamento pelo IBAMA, este órgão reiterou sua manifestação contrária ao licenciamento, através de Parecer datado de 22 de dezembro de 1998, argumentando a existência de vasta legislação protetiva dos mangues como área de preservação permanente e da consideração de extinção do mangue como medida injustificável pelo simples fato do ambiente já se encontrar parcialmente degradado.

Abaixo, transcreve-se os principais trechos do Parecer (doc. em anexo) emitido pelo IBAMA/PR (órgão federal do meio ambiente), de 22 de dezembro de 1998, demonstrando a inviabilidade ambiental do empreendimento em questão:

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“Que o fato do ambiente estar degradado por interferência antrópica, quer seja pela ocupação das populações ribeirinhas adjacentes ao empreendimento, ou ainda pelo despejo residual das indústrias, não justifica outra ocupação, que possa resultar em perdas ambientais irreversíveis, resultantes de aterro e da contaminação do solo, água, e do ar, fato este já evidente na área do mangue com a mortalidade de árvores ao longo dos sangradouros e exclusão da fauna de invertebrados bênticos em muitos bolsões anóxicos, nas proximidades do canteiro da Fospar S/A e pela elevada concentração de fosfato na baia de Paranaguá.

(...)

...esta Comissão no qual veio indeferir o pedido por impedimento legal (Lei 4771/65; Decreto Estadual 5040/89, Decreto 750/93 e demais legislações ambientais) e também tecnicamente face ao aterro do mangue e área de influência direta da maré (aterro de área de inundação do mar), ressaltamos que, mesmo com o advento da Medida Provisória 1605-30, de 19/11/98, na qual vem alterar o artigo 3º e 44 do Código Florestal, no que concerne em supressão de vegetação em áreas de preservação permanente da Lei 4.771/65, esta Comissão entende que, em se tratando de aterro do mangue/área de influência direta da maré como solicitado pela empresa, é muito mais grave do que simples retirada de vegetação, pois haverá extinção do ecossistema manguezal. Portanto, a referida MP fica a merçê de aplicação no presente caso, pois esta não vem revogar demais normas destinadas a proteção do manguezal.

(...)

...considerando que o ecossistema manguezal é um dos mais ricos sistemas ecológicos da terra e de que a sua preservação tem uma vasta previsão legal, faltando, porém, uma maior consciência de sua importância e aplicação efetiva de suas normas protetivas.

(...) Esta Comissão vem opinar pelo INDEFERIMENTO do licenciamento do projeto de implantação do Pier Graneleiro (...)”

Diante da negativa do IBAMA/PR ao licenciamento pretendido pela empresa Fospar, o presente procedimento licenciatório foi, então, encaminhado ao IBAMA do Distrito Federal, para que fosse emitido novo parecer sobre a questão. De forma

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surpreendente e inexplicável, este órgão (IBAMA/DF) emitiu parecer favorável ao licenciamento, inclusive quanto a supressão do mangue existente no local.

Alegando o atendimento de todos os requisitos legais e a existência de interesse público no empreendimento, o IBAMA do Distrito Federal emitiu Licença de Instalação nº 060/99, datada de 03 de fevereiro de 1999, referente a construção do Píer e do Terminal Marítimo e Autorização para supressão do mangue.

Desconhecendo a existência de um mangue como área de preservação permanente, o mesmo órgão emitiu autorização para a supressão do mangue, tendo como “justificativa” o interesse público.

Embora o Conselho do Litoral, através de uma de suas Comissões Permanentes, tenha efetuado uma votação objetivando decidir o posicionamento do Conselho a respeito do licenciamento para o empreendimento pretendido pela empresa Fospar, e o resultado tenha sido favorável a esta empresa, há Parecer Técnico contrário a este licenciamento, elaborado pelo Assessor Técnico Walter Cardoso de Melo, CREA 13.952-D, integrante da Secretaria Executiva do Conselho do Litoral:

“O aterro em empreendimento em projeto, seria executado totalmente em área de Preservação Ambiental Permanente, portanto somos de parecer contrário a execução do aterro, embasado na Legislação Ambiental descrita abaixo:

a) Decreto Estadual nº 5040/89; Art. 11, alíneas “a, b, c”; Art. 13, alíneas “a e c”;

b) Decreto Estadual nº 2722/84; Art. 2º incisos I e VI;

c) Lei Federal nº 4771/65; Art. 2º, alínea “f”;

d) Decreto Federal 750/93; Art. 7º;

e) Código Florestal; Art.2º alínea “f”

f) Constituição Federal; Art. 225, Parágrafo 1º, inciso III;

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g) Resolução Federal nº 004/85 (CONAMA), Art. 3º inciso III;”

Conveniente lembrar que a empresa Fospar possui antecedentes na prática de danos ambientais, inclusive em áreas de manguezais, respondendo a Procedimento Administrativo em trâmite na Promotoria de Proteção do Meio Ambiente. (docs em anexo). A empresa Fospar já respondeu também por Autos de Infração Ambiental nº 13797 e 13798, expedido pelo Instituto Ambiental do Paraná, referentes a supressão, lançamento de efluentes líquidos e construção de tubulações em área de manguezal.(docs em anexo). Tal conduta da empresa também é objeto de Inquérito Policial, com o já indiciamento dos representantes legais da empresa Fospar.

O MANGUE E SUA PROTEÇÃO JURÍDICA:

Os manguezais formam um ecossistema único e especial, tendo fundamental importância na geração e produção de vida animal, principalmente marinha, sendo considerados no mundo científico como berçários da vida marinha.

O Juiz de Direito Antônio Silveira Ribeiro dos Santos, em sua exposição sobre a importância e proteção jurídica dos manguezais, cita informações técnicas da especialista em mangues Schaefer-Novelli:

“...o fato do manguezal ser o aparador do mar e o elo de ligação entre este e a terra firme, faz com que receba riquíssimos compostos orgânicos(...) O ecossistema manguezal possui, além de forte base energética solar, subsídios de outras fontes naturais de energia, sendo um sistema que produz excedente de matéria orgânica (...)

Sua importância cresce mais se considerarmos que tem ainda relevantes funções como: formar barreira de proteção das áreas ribeirinhas, diminuindo as inundações; proteger a terra ante a força do mar, retendo segmentos do solo; filtrar os poluentes, reduzindo a contaminação das praias; é uma grande fonte de alimento para a população ribeirinha; fornece proteção aos alevinos; grande fonte alimentar aos

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peixes, moluscos e crustáceos, principalmente; constitui-se em um enorme gerador de plâncton.”

(SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro dos. A importância e a proteção jurídica dos manguezais. In: Revista de Direito Ambiental nº 05, Ano 2, jan – março de 1997. Editora RT.p.105)

Ressalte-se que o solo e o subsolo da região em discussão contém alto grau de permeabilidade e porosidade, sendo que, na ocorrência de hipótese de vazamento de substâncias tóxicas, advindas da empresa Fospar, há forte possibilidade de grave contaminação do lençol de água.

No Brasil, os manguezais possuem ampla previsão legal para sua preservação, faltando, contudo, maior consciência de sua importância e aplicação efetiva de suas normas protetivas.

Por força do artigo 225, parágrafo 4º da Constituição Federal Brasileira, a Zona Costeira é considerada “patrimônio nacional”, devendo ser utilizada observando a preservação do meio ambiente.

Reforçando esta previsão constitucional, a Lei 7.661, de 16.05.1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), definiu em seu artigo 2º, parágrafo único, a Zona Costeira: “o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano”.

No artigo 3º, inciso I, da Lei 7.661/88, dá-se prioridade a conservação e proteção, em caso de zoneamento, entre outros, aos manguezais, prevendo inclusive, sanções como interdição, embargos e demolição (art. 6º), além das penalidades do art. 14 da Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente.

Consoante o Decreto-Lei 9.760/46, art.2º, “são terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831, os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés; e os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés”.

Neste ínterim, menciona-se o artigo 2º, alíneas “a” e “f”, do Código Florestal (Lei 4771/65), que elencou zonas de preservação

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permanente, reportando-se a florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água e nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.

Verifica-se que a Lei nº 6.938/81, em seu artigo 18, transformou em reservas ou estações ecológicas, a serem administradas pelo IBAMA, as florestas e as demais formas de vegetação natural de preservação permanente, relacionadas no artigo 2º do Código Florestal. O Decreto nº 89.336/84 disciplinou as reservas ecológicas e as áreas de relevante interesse ecológico, regulamentando, portanto, o dito diploma legal. Por seu turno, a Resolução nº 04/85, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), considerou os manguezais como reservas ecológicas, de modo compatível com a Lei e o Decreto referidos.

O Decreto Federal nº 750/93, em seu artigo 7º, veda a adoção de práticas de exploração e supressão com relação às áreas de preservação permanente aludidas nos artigos 2º e 3º, da Lei 4.771/65, entre as quais se enquadram, sem dúvida, os mangues:

Decreto Federal nº 750/93:

Art. 7º - ”Fica proibida a exploração de vegetação que tenha a função de proteger espécies da flora e fauna silvestres ameaçadas de extinção, formar corredores entre os remanescentes de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração, ou ainda, de proteger o entorno de unidades de conservação, bem como a utilização das áreas de preservação permanente, de que tratam os artigos 2º e 3º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.”

A Lei de Parcelamento de Solos (Lei 6.766/79) expressa a impossibilidade de alteração em áreas de preservação permanente, quando proíbe, através do artigo 3º, parágrafo único, inciso V, o parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica, incluindo nestas os manguezais por força do artigo 2º, “f” da Lei 4771/65 (Código Florestal).

Tendo-se em vista a importância da preservação deste ecossistema complexo (os manguezais), sua proteção jurídica transcende a esfera civil, atingindo também o âmbito penal. Desta

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forma, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/98) prevê em seu artigo 50:

Lei Federal nº 9.605/98:

Art. 50 - “Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação:

Pena - detenção, de 3 (três) meses 1 (um) ano, e multa.

Luís Paulo Sirvinskas tece valiosos comentários a respeito do dispositivo da Lei de Crimes Ambientais acima transcrito:

“Mangue é a área costeira, baixa e plana, sujeita às inundações das marés, e também o nome vulgar genérico aplicado, com objetivos diversificadores, a diferentes plantas típicas do manguezal. Os mangues são forrados por sedimentos argilosos recentes, constituindo ‘vasas’ ou lamas. O fato é que esta lei veio proteger expressamente as dunas e os mangues, considerando-os de preservação permanente.

(...) Sua importância é tamanha que o legislador resolveu punir criminalmente aquele que destruir as florestas nativas ou plantadas ou a vegetação fixadora de dunas e protetora de mangues.”

(SIRVINKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente. Ed. Saraiva. São Paulo, 1998. p. 80)

Élio Wanderley de Siqueira Filho, Juiz Federal, ensina que há várias limitações legais que devem ser respeitadas, tanto pelo particular, como pelo Poder Público na defesa dos manguezais:

“É imperioso salientar que, a despeito da possibilidade da União dispor do domínio útil dos terrenos de marinha, e, por conseguinte, conferi-lo a particulares, isto não significa que os mesmos possam, livremente, usar gozar e dispor do aludido domínio, explorando abusivamente ou suprimindo a vegetação peculiar aos mangues. A propriedade e o domínio útil, como, de resto, qualquer direito real sobre bem imóvel, estão sujeitos a limitações impostas pelo ordenamento

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jurídico, ditadas por exigências decorrentes do bem comum. Assim, é perfeitamente legítimo impedir que o particular ou, mesmo, o próprio Poder Público deixe de observá-las e cause lesão grave ao equilíbrio ambiental.”

(SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Mangues- Importância e Proteção Jurídica. in: Direito Ambiental em Evolução. org. Vladimir Passos de Freitas. Ed. Juruá. Curitiba, 1998. p.515)

Se fosse o caso de licenciamento, como não o é, havia, ainda, a necessidade de elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 225, parágrafo único, inciso IV; da Resolução do CONAMA nº 001/86, em seus artigos 2º e 3º e da Resolução do CONAMA nº 237/97, em seu artigo 3º.

DA AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO OU INTERESSE SOCIAL NO EMPREENDIMENTO E A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL:

Medida Provisória nº 1.736-36, de 06 de maio de1999:

Art. 1º - “Os arts. 3º, 16 e 44 da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art.3º.........................................................................................................................................

Par. 1º - A supressão total ou parcial de florestas e demais formas de vegetação permanente de que trata esta Lei, devidamente caracterizada em procedimento administrativo próprio e com prévia autorização do órgão federal de meio ambiente, somente será admitida quando necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, sem prejuízo do licenciamento a ser precedido pelo órgão ambiental competente;

A preocupação geral da humanidade pela preservação do meio ambiente é uma questão de sobrevivência, de garantir sobrevida às gerações presentes e de possibilitar vida às gerações futuras.

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Tendo-se em vista a diversidade de leis que dispõem sobre o meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro, impõe-se a necessidade, para a sua correta aplicação e interpretação, da análise de princípios gerais que orientam a matéria.

Quando nos deparamos com a possibilidade de supressão de um ecossistema de altíssima complexidade (mangue), com a finalidade de construção e instalação de um píer de carga e descarga de produtos de uma empresa, constatamos a prevalência de interesses absolutamente particulares sobre o interesse público de toda a coletividade integrante de uma nação em preservar o meio ambiente e garantir a vida.

Relevante expor, neste ínterim, o significado e a extensão dos interesses difusos, objetivando comprovar que o interesse decorrente do empreendimento pretendido pela empresa Fospar não consiste em interesse social ou público:

“... a nota característica do interesse difuso está na titularidade ativa: não tem ele por titular uma só pessoa, nem mesmo um grupo bem determinado de pessoas.

(...)

...poderíamos dizer que interesse difuso é aquele concernente a todo o grupo social, a toda a coletividade (...)

(...)

...no caso do interesse difuso o vínculo se estabelece entre o grupo social, ou parte dele, e um bem que poderíamos chamar de público ou coletivo, como a integridade do ar e das águas, a preservação do patrimônio histórico, ou, de modo mais genérico, a boa qualidade de vida. Sob esse ângulo, portanto, conceituamos o interesse difuso como aquele que tem por objeto um bem necessário para toda a coletividade, ou para uma parcela desta.

(...)

‘Reconhecer a existência dos interesses difusos, pretender sua tutelabilidade e, ainda, criar o

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instrumental à sua efetiva proteção significa, evidentemente, acolher novas formas de participação, como instrumento de racionalização do poder.”

(FERRAZ, Antônio Augusto Melo de Camargo. A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos / Antônio Augusto Melo de Camargo, Édis Milaré, Nelson Nery Junior. Ed. Saraiva. São Paulo, 1984. p. 56-59)

A implacável degradação do meio ambiente servindo como instrumento para a instalação de um empreendimento favorável a um grupo restrito de pessoas, revela a prevalência do individual sobre o coletivo, do econômico sobre o social.

Édis Milaré revela a importância da tutela dos interesses mais amplos da comunidade, em detrimento dos interesses individuais e interesses de alguns grupos:

“Cada indivíduo do gênero humano tem direito à qualidade ambiental, a um ‘ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, como reza nossa Constituição Federal de 1988.

(...)

Sejam quais forem os títulos e formas de propriedade que gravam os recursos naturais de bens ambientais de interesse maior, não meramente individual ou grupal (oligárquico), pesa sobre tais recursos e bens uma hipoteca social: não se pode dispor deles livremente e a bel-prazer se interesses maiores e mais amplos da comunidade forem violados ou indevidamente restringidos.

(...)

Infelizmente somos herdeiros - e, por vezes, praticamente convictos - de um sistema ético mal-elaborado ou, até mesmo, deformado. Crescemos orientados por preceitos de uma moral individual (para não dizer individualista).

(...)

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A moral tradicional não desenvolve a necessária solidariedade com o planeta vivo nem com os nossos semelhantes. Ao contrário, a tendência que provém de instintos primitivos é tornarmo-nos senhores das coisas à nossa moda pessoal e em função de interesses nem sempre justificáveis, embora racionalizados inteligentemente.

(...)

...não se poderá deixar de ouvir a Ética, a voz da moral transcendente que supera os pontos de vista e os posicionamentos individuais. O parâmetro regulador e indiscutível será o saldo positivo de qualquer empreendimento na balança da qualidade ambiental e do respeito ao ecossistema planetário.”

(MILARÉ, Édis. Responsabilidade ética em face do meio ambiente. In: Revista Justitia. out/dez. 58 (176). São Paulo, 1996 - p. 111-112)

Não há dúvida de que a proteção ambiental é medida de interesse coletivo. O direito ao meio ambiente sadio, aliás, situa-se entre os interesses difusos da sociedade, não devendo ser fruídos, de modo particular, por nenhum cidadão, mas sim por todos indistintamente. Sendo de interesse eminentemente público, deve prevalecer sobre os interesses de natureza privada, até por que a preservação ambiental constitui fator essencial para, em última instância, assegurar a existência da vida em sociedade.

Expressa, com propriedade, o princípio da supremacia do interesse público o Juiz Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

“...orienta-se a doutrina no sentido de elencar entre os princípios basilares do direito ambiental aquele que propugna a primazia dos interesses públicos. Havendo dúvida sobre a aplicação de normas ao caso concreto, deve prevalecer aquela que proteja os interesses da sociedade.”

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(VAZ, Paulo Afonso Brum. in Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil - Direito Ambiental - Ano 16 - Número 55 - Maio/Junho/Julho - 1997. p.14)

A argumentação da degradação do meio ambiente ser justificada pelo atendimento ao interesse público sob o pretexto de geração de empregos deve ser refutada de plano, conforme nos ensina ainda Paulo Afonso Brum Vaz:

“Situação muito comum nos dias de hoje, por conta dos altos índices de desemprego, é o argumento de que o empreendimento produtivo, ainda que prejudicial ao meio ambiente, deve ser autorizado. Tal raciocínio não vem, felizmente, obtendo êxito junto ao Judiciário, que na análise do problema tem levado em conta muito mais os interesses gerais da sociedade do que o do grupo teoricamente favorecido por tais iniciativas.”

(VAZ, Paulo Afonso Brum. in Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil - Direito Ambiental - Ano 16 - Número 55 - Maio/Junho/Julho - 1997. p.15)

Mesmo se considerarmos que a construção do Terminal Marítimo e do Píer possa gerar benefícios para um grupo local, seja no âmbito municipal (Município de Paranaguá), seja no âmbito estadual (Estado do Paraná), a supressão do mangue em questão gerará prejuízos incalculáveis e irreversíveis para toda a coletividade, nacionalmente e internacionalmente, inclusive contribuindo para privar de nossas gerações futuras um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado.

O IBAMA, ao emitir licenciamento para o empreendimento em questão, agiu contra a natureza e os fins da administração pública, e, além disto, feriu frontalmente um princípio básico da administração, qual seja o princípio da legalidade.

A supressão do mangue para a construção de um terminal marítimo e de um Píer, que favorecerá economicamente um grupo restrito de pessoas, não pode ser considerado interesse público, interesse da coletividade. Se a administração assim considerar,

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estará traindo a verdadeira vontade do titular dos interesses administrativos – o povo.

Assim se manifesta o mestre em Direito Administrativo, Hely Lopes Meirelles:

“A natureza da administração pública é a de um múnus público para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade.

(...)

Daí o dever indeclinável de o administrador público agir segundo os preceitos do Direito e da moral administrativa, porque tais preceitos é que expressam a vontade do titular dos interesses administrativos – o povo – e condicionam os atos a serem praticados no desempenho do múnus público que lhe é confiado.

(...)

Os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada.”

(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17ªed. Malheiros. São Paulo, 1992. p.81-82)

A empresa Fospar, com seu empreendimento, poderá destruir uma área de preservação permanente, uma área de manguezal. Trata-se assim, de interesses particulares que ferem interesses públicos, expressos na preservação do meio ambiente. Diante disto, é dever da administração pública impedir que o interesse particular se sobreponha ao interesse público, ou seja, é dever da administração pública não autorizar a supressão do mangue. Confirma este pensamento Hely Lopes Meirelles:

“O poder administrativo, portanto, é atribuído à autoridade para remover os interesses particulares que se opõem ao interesse público. Nessas condições, o poder de agir se converte no dever de agir.”

(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17ªed. Malheiros. São Paulo, 1992. p.89 )

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Atualmente, não se pode cogitar em submissão a projetos de desenvolvimento econômico, sem que exista uma compatibilização deste desenvolvimento com a manutenção da qualidade ambiental e da produtividade dos recursos naturais.

DA NULIDADE DA LICENÇA E AUTORIZAÇÃO EMITIDAS:

No diapasão do Direito Administrativo, sabe-se que os atos administrativos possuem requisitos necessários à sua formação e aperfeiçoamento, quais sejam: a competência, a finalidade, forma, motivo e objeto. Estes requisitos devem ser atendidos para que haja condições de eficácia para produzir efeitos válidos.

O IBAMA emitiu, em favor da empresa Fospar, licença para construção do Píer Graneleiro e autorização para supressão do mangue. Agiu o IBAMA, assim, de forma ilegal, pois não cumpriu a exigência constitucional de realização de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Imapacto Ambiental, que consiste em condição indispensável para o licenciamento em questão. Agiu também o IBAMA de forma contrária ao interesse público, e, portanto, à finalidade pública, diante de sua desconsideração a uma área de preservação permanente de interesse coletivo.

O insigne administrativista Hely Lopes Meirelles leciona a obrigatória observância da administração pública com relação ao princípio da legalidade:

“A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17ªed. Malheiros. São Paulo, 1992. p. 82)

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Hely Lopes Meirelles aponta, ainda, a necessidade do atendimento ao requisito da finalidade na administração pública para que um ato administrativo seja válido:

“Outro requisito necessário ao ato administrativo é a finalidade, ou seja, o objetivo de interesse público a atingir.

(...)

Desde que a Administração Pública só se justifica como fator de realização de interesse coletivo, seus atos hão de se dirigir sempre e sempre para um fim público, sendo nulos quando satisfizerem pretensões descoincidentes do interesse coletivo.”

(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17ªed. Malheiros. São Paulo, 1992. p. 135)

Tratam-se, os aludidos licenciamentos e autorizações, de atos nulos, não passíveis de convalidação, conforme ensinamentos da majoritária doutrina:

“Ato nulo é o que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo.

(...)

A nulidade pode ser explícita ou virtual. É explícita quando a lei a comina expressamente, indicando os vícios que lhe dão origem; é virtual quando a invalidade decorre da infringência de princípios específicos do Direito Público, reconhecidos por interpretação das normas concernentes ao ato. Em qualquer destes casos, porém, o ato é ilegítimo ou ilegal e não produz qualquer efeito válido entre as partes, pela evidente razão de que não se pode adquirir direitos contra a lei.”

(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17ªed. Malheiros. São Paulo, 1992. p. 156)

“Para Hely Lopes Meirelles, não existem atos administrativos anuláveis, pela ‘impossibilidade de

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preponderar o interesse privado sobre atos ilegais, ainda que assim o desejem as partes, porque a isto se opõe a exigência de legalidade administrativa.

(...)

Em relação à finalidade, se o ato foi praticado contra o interesse público ou com finalidade diversa da que decorre da lei, também não é possível a sua correção;”

(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 6ª.ed. Atlas. São Paulo, 1996. p. 202-204.)

DO DIREITO

O art. 225, caput, da Constituição Federal, estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Afora este, outros artigos manifestam a opção do legislador constituinte em considerar a preservação do meio ambiente como um dos pilares fundamentais da ordem constitucional, como pode ser deduzido de leitura sistemática do referido texto legal. Os artigos 170, IV, que enquadra o meio ambiente no rol dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, e 186, II, que, ao atribuir à propriedade determinada função social, condiciona seu cumprimento à "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente" (sem grifos no original), são expressões significativas da penetração desta perspectiva no interior de institutos de relevante importância social e jurídica.

No âmbito estadual, a Constituição do Estado do Paraná elege a proteção do meio ambiente como diretriz fundamental:

“Art. 1º. O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático, (...) e tem por princípios e objetivos:

IX- a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida.

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Art. 207 - Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.

Parágrafo 1º - Cabe ao Poder Público, na forma da lei, para assegurar a efetividade deste direito:

XV - proteger o patrimônio de reconhecido valor cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeológico e científico paranaense, prevendo sua utilização em condições que assegurem sua conservação;

Em nosso País, a exuberância da natureza contrasta tristemente com os abusos cometidos ao longo da história, em nome do progresso econômico e da evolução tecnológica, que acabou por destruir grande parte de nosso patrimônio natural.

Os legisladores pátrios, cientes do perigo que a degradação ambiental provoca na qualidade de vida do homem, posicionaram-se de forma a prevenir e proteger os ecossistemas remanescentes, na tentativa de frear ação degradadora do próprio homem, contra o seu ambiente, sendo real tal preocupação, vislumbrada nos textos legais regularmente editados, visando coibir tais atos degradadores.

Com o advento da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabeleceu-se a Política Nacional do Meio Ambiente, definindo-se os parâmetros a serem seguidos pelo Poder Público na defesa do ambiente natural.

“Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio - econômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

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I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

(...)

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;

Tendo em vista que o empreendimento pretendido pela empresa Fospar e objeto de licenciamento pelo IBAMA, situa-se em Zona Costeira, relevante a definição trazida pela Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988. Por força do seu artigo 2º, parágrafo único, definiu-se zona costeira como o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre.

Paulo Affonso Leme Machado exprime em seus ensinamentos, de forma lapidar, a imprescindibilidade de preservação da zona costeira, revelando que este patrimônio consiste em interesse coletivo.

“A Constituição Federal, no artigo 225, parágrafo 4º, diz que:...a Zona Costeira é ‘patrimônio nacional’ e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. A regra geral constitucional tem sua importância não só por indicar ao administrador público, aos particulares e ao juiz que o desenvolvimento econômico não deve ser predatório, como torna claro

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que a gestão do litoral não interessa somente a seus ocupantes diretos, mas a todo brasileiro, esteja ele onde estiver, pois se trata de patrimônio nacional”

(Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 6ªed. ed.Malheiros. São Paulo, 1996.)

Conclui-se que:

1. As Licenças e Autorizações emitidas pelo IBAMA com relação à construção do Terminal Marítimo e Píer pela empresa Fospar, envolvendo a supressão de mangue existente no local, devem ser consideradas nulas e o empreendimento pretendido não pode ser efetivado, pois:

1.1 Não há interesse público, interesse social ou utilidade pública na construção de um píer graneleiro, mas tão somente interesses econômicos de um grupo determinado de pessoas. Deve-se, assim, fazer prevalecer o interesse público decorrente da preservação ambiental de uma área pública, com titularidade pertencente a toda a coletividade;

1.2 Há suficiente amparo legal, como foi demonstrado anteriormente, para a proteção dos manguezais como área de preservação permanente e reserva ecológica;

1.3 Não há Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), previstos constitucionalmente como condição indispensável para o licenciamento do empreendimento em questão;

1.4 São nulas as licenças e autorizações emitidas em favor da empresa Fospar, no que se refere a qualquer obra ou atividade que importe em supressão do mangue, em virtude do desrespeito a legislação vigente.

DA ÉTICA AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE:

O homem e a natureza são parceiros intimamente relacionados. A natureza serve o homem há milênios, contudo, esta natureza não recebe do homem nem mesmo o respeito suficiente a sua subsistência. A natureza não deve assumir caráter meramente instrumental para a consecução de metas individuais ou de grupos

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econômicos. O relacionamento entre homem e natureza deve se inspirar em valores diversos da mera utilidade.

Saliente-se a relevância do papel do juiz frente a ética da proteção ambiental. Nesta toada, impõe-se ao juiz uma postura consciente, visto que é destinatário do comando constitucional, previsto no artigo 225 e dos deveres dele decorrentes e explicitados nos sete incisos do parágrafo primeiro deste dispositivo, notadamente o inciso VI:

Constituição Federal / 1988

“Art. 225- Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

Parágrafo único - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;”

Compartilhamos, assim, do entendimento do Professor José Renato Natalini quanto à repercussão e influência da decisão proferida pelo juiz na conscientização ambiental.

“O julgamento contém, subsidiariamente à solução da controvérsia, um ensinamento. Também mediante adequada decisão da lide ambiental, estará o juiz a promover a educação ecológica e a conscientizar o público no sentido da preservação do meio ambiente.

Para bem cumprir as tarefas dele exigíveis nessa peculiaríssima área, o juiz deverá se submeter a um refletido exame de consciência. (...) Ele não é espectador isento, desvinculado do destino da demanda. (...) Não sobrepaira, incólume à transformação do ambiente por ele autorizada. Integra a comunidade dos interessados e nenhuma imunidade o privilegiará.

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Deverá, portanto, se desvestir de dogmas clássicos como o da neutralidade, bastando a tanto desenvolver sua consciência de ser humano a partilhar o destino dos semelhantes, sem proteção especial a não ser a intensificação de seu senso de ética ambiental.”

(NATALINI, José Renato. in: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. jan/dez.1996.(45/46).p.144.)

O posicionamento dos órgãos públicos ambientais, mais precisamente do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e do IBAMA/DF, autorizando o licenciamento para a construção do píer e a supressão do mangue existente no local em questão, além de desrespeitar, flagrantemente, a legislação ambiental vigente, contraria também o princípio da preservação do meio ambiente. Diante disto, o controle judicial sobre os atos danosos à coletividade assume papel fundamental.

“O magistrado será intérprete do interesse comunitário, devendo saber distinguir entre valores momentaneamente perseguidos por grupos e aqueles permanentes, a serem garantidos como pressuposto de sobrevivência para as futuras gerações. Para isso, poderá exercer controle judicial sobre o mérito dos atos administrativos, consoante já prelecionou, com a autoridade de especialista no tema, o juiz ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA: ‘...a partir do momento em que o meio ambiente passa a ser considerado como um bem de uso comum do povo, não se der de modo satisfatório, segundo o juízo da comunidade, caberá a esta, valendo-se de seus legítimos representantes, buscar o estabelecimento da boa gestão ambiental, por intermédio, se for o caso, do Poder Judiciário’”.

(NATALINI, José Renato. in: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. jan/dez.1996.(45/46).p.144.)

DO PEDIDO DE LIMINAR

Amparados no princípio da prevenção, que norteia o direito ambiental, e diante dos fatos já narrados que demonstram a atual situação da área e o justo receio de que nela se concretize a supressão do mangue existente no local e autorizado, indevidamente, pelo IBAMA, fato este que ocasionará irreversíveis, prejudicando sensivelmente o ecossistema de toda a região,

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evidentes o periculum in mora e o fumus boni iuris. Por esta razão, requer-se a concessão de MEDIDA LIMINAR inaudita altera pars, determinando que não seja efetuada qualquer obra ou atividade que importe em supressão do mangue existente no local em discussão, com fulcro no que estabelece o art. 12 da Lei nº 7.347/85, com imposição de multa diária no caso de descumprimento, nos termos do artigo 11 da já citada lei.

Ressalta-se a existência de sentença, em ação civil pública, ora juntada nos documentos em anexo, determinando a impossibilidade de supressão de área de mangue e a responsabilidade objetiva pelos danos causados ao meio ambiente. (in: Revista de Meio Ambiente - 3, p. 298-306)

A jurisprudência respalda a concessão de medida liminar inaudita altera pars, inclusive contra pessoas jurídicas de direito público. Aplica-se, no caso, o artigo 12 da Lei 7347/85, objetivando a manutenção do “status quo” até final sentença, evitando, assim, a efetivação de danos irreparáveis ao meio ambiente:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR CONCEDIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA SEM AUDIÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA.

POSSIBILIDADE ANTE A URGÊNCIA.

PERDA DE OBJETO NÃO CONFIGURADA.

NÃO OCORRÊNCIA DE ADITAMENTO DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO.

O juiz pode determinar, mesmo de ofício, medidas provisórias no curso do processo, sendo que no caso, pelo art. 12 da Lei 7.347/85, em se tratando de ação civil pública baseada em dano ao meio ambiente, facultado ao juiz a concessão de liminar, sem ouvir a parte contrária, procurando manter o ‘status quo’ até final sentença, a fim de evitar danos irreparáveis.

Não houve perda de objeto, porque mesmo concluída a obra, há que se preservar o ambiente, até que se decida, a final a lide, sem ingerência na modificação de depredação do local, protegendo-se o solo e a flora.

Não houve o alegado aditamento à inicial, nem decisão ‘ultra petita’. A autora, ao propor a ação, visava a suspensão de qualquer

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atividade no local e a abstenção de quaisquer atividades que viessem a proporcionar a continuidade da degradação em área de preservação permanente.

A liminar não só suspendeu as obras, mas também qualquer outra atividade por parte do Estado do Paraná e seus órgão de atuação naquele local.”

( TJ/PR - Acórdão nº 2255 - 6ª Câmara Cível - Ag Instr nº 0059872-7 - Des. Pres. Accácio Cambi e Relatora Anny Mary Kuss Serrano)

(doc. em anexo)

.........../.................

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Medida cautelar preparatória - Danos causados ao meio ambiente por Municipalidade - Liminar concedida sem prévia audiência - Admissibilidade - Inaplicabilidade da exceção do art. 928, parágrafo único, do CPC, privilegiadora das pessoas jurídicas de Direito Público, por inexistente na lei especial - Direito à ampla defesa garantido - “Fumus boni iuris” e “periculum in mora” evidenciados - Liminar mantida.

A liminar de medida cautelar preparatória de ação civil pública visando à recomposição de prejuízos causados ao meio ambiente por Municipalidade pode ser concedida sem prévia audiência, pois a lei especial não contempla a exceção do art. 928, parágrafo único, do CPC, privilegiadora das pessoas jurídicas de Direito Público. Por outro lado, efetivada a medida, tem a Municipalidade assegurado seu direito de ampla defesa, tornando possível, se procedentes seus argumentos, a revogação da cautela.”

(RT nº 637 - Novembro de 1988, p. 80-81)

DO PEDIDO FINAL

Diante do exposto, requer-se que Vossa Excelência:

I. a condenação da empresa FOSPAR S/A- Fertizantes Fosfatados do Paraná na obrigação de não fazer, consistente em se abster da promoção de qualquer obra ou atividade referente a construção do Terminal Marítimo e Píer Graneleiro, ou qualquer

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outra obra ou atividade que importe em supressão, ainda que parcial, do mangue existente no local;

II. a condenação do IBAMA na obrigação de não fazer, consistente em se abster na concessão de qualquer licença ou autorização de obra ou atividade que importem em supressão do mangue, diante do flagrante desrespeito à legislação ambiental vigente, tais como a Medida Provisória nº 1.736-36 , o Código Florestal (4.771/65) e a Constituição Federal Brasileira;

III. a declaração de nulidade de todas as licenças e autorizações expedidas em favor da empresa Fospar, com relação à construção de Terminal Marítimo e Píer graneleiro, e que possam importar em supressão do mangue;

IV. caso seja constatado qualquer dano ambiental na área de manguezal existente, a condenação do IBAMA e da empresa FOSPAR S/A, solidariamente, ao pagamento de indenização pelos danos causados, a qual reverterá ao Fundo Estadual do Meio Ambiente, nos termos do artigo 13 da Lei 7.347/85;

V. que seja julgada procedente a presente ação, caso haja o descumprimento da sentença por parte dos requeridos, no prazo fixado por Vossa Excelência, cominação de multa diária, consoante dispõe o artigo 11 da Lei 7.347/85;

VI. protesta-se por todos os meios de prova que se fizerem necessários, inclusive depoimento pessoal dos requeridos, prova documental, pericial e testemunhal;

VII. a citação do representante legal do IBAMA, por precatória, com sede na rua Brigadeiro Franco, nº 1733, bairro Centro, Curitiba - PR e do representante legal da empresa Fospar, com sede na rua Presidente Getúlio Vargas, s/nº, município de Paranaguá-PR;

VIII. seja julgada procedente a presente ação em todos os termos do pedido retro, condenando-se os requeridos ao ônus da sucumbência e demais cominações legais.

Dá-se à causa o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para os devidos fins legais.

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Termos em que,

Pede deferimento.

Paranaguá, 06 de agosto de 1999.

LAIS LETCHACOVSKI

Promotora de Justiça

Decisão Autos n.º 307/99

Vistos.

O Ministério Público do Estado do Paraná propõe Ação Civil Pública contra FOSPAR S/A - Fertilizantes Fosfatados do Paraná e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Objetivando evitar a introdução de qualquer obra ou atividade que importe em supressão parcial ou total do mangue existente na área em que a primeira ré pretende utilizar para ampliar suas instalações, através de construção de um Pier ligado a um terminal especializado em granéis sólidos.

Sustenta o autor que não obstante a licença obtida pela primeira ré perante a segunda, há comprovação de que a degradação do mangue acarretará dano irreversível ao meio ambiente e o empreendimento contraria as legislações ambientais.

De fato, antes da expedição da licença pelo órgão ambiental federal, houve estudo realizado anteriormente pelo mesmo órgão de nível estadual e restou constatada a inviabilidade ambiental do empreendimento em questão, como se vê nas documentações anexas.

Assim, não obstante o licenciamento expedido sob o fundamento de existência de interesse público no empreendimento, merece melhor análise a questão da supressão do mangue.

Outrossim, imprescindível a concessão de medida liminar pleiteada, no sentido de determinar que a Fospar se abstenha de iniciar as atividades que importem em supressão do mangue

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existente no local em discussão. Pois uma vez erradicado o soterramento o mangue, restará sem qualquer eficácia da sentença que vier proferir ao final.

Isto posto, defiro a medida liminar para determinar que a ré Fospar S/A se abstenha de promover qualquer espécie de obra ou atividade referente a construção do Terminal Marítimo e Pier Graneleiro e que importe em supressão parcial ou total do mangue existente no local, sob pena de aplicação de multa de R$ 500.000,00 por dia de atraso no cumprimento da ordem.

Efetivada a medida liminar, mediante intimação do representante da primeira ré, cite-se, inclusive a segunda ré.

Paranaguá, 06 de agosto de 1999.

HÉLIO T. ARABOKI - Juiz de Direito

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Ação Civil Pública, Com Pedido de Liminar, em Face de Odislei Paraná Silva e Instituto Ambiental do Paraná. Decisão do Pedido Liminar. Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara

Cível de Paranaguá-Paraná.

O Ministério Público do Estado do Paraná, por seu Promotor ao final assinado, vem perante Vossa Excelência, nos termos da Lei 7347/85, Portaria Federal nº 160, de 22/04/82, do Ministério da Fazenda, Decreto Estadual 5395, de 03/09/83, Decreto 2611/80, e demais disposições da lei adjetiva civil, propor a presente

Ação civil pública,

com pedido de liminar, em face de :

ODISLEI PARANÁ SILVA, brasileiro, residente na Ilha do Mel, neste Estado, e,

INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ, com sede à rua Eng. Rebouças, nº 1206, em Curitiba-PR, na pessoa de seu representante legal, pelas razões de fato e de direito que são expostas a seguir .

Em data de 01 DE JUNHO DE 1998, ODISLEI PARANÁ SILVA, obteve a autorização nº 48/98 do Instituto Ambiental do Paraná - IAP, para a construção da denominada Pousada do Zorro, na praia de Encantadas em desconformidade com o zoneamento da Ilha do Mel, podendo construir benfeitoria com dois pavimentos, térreo e superior, possuindo cada um dos pavimentos 140,72 m2 (cento e quarenta, setenta e dois metros quadrados), totalizando 281,44m2, excedendo o permitido pela legislação em 131,44m2.

Tal autorização é ilegal, a medida que é contrária as determinações estabelecidas pelo Plano de Uso da Ilha do Mel, segundo o qual a área do terreno a ser dado em concessão de uso varia de 400 a 500m2, tendo como taxa de ocupação do terreno no máximo 30% da sua área, área máxima de construção por

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ocupação 150m2, com altura máxima de 04 metros, sendo apenas permitida a construção de um pavimento.

O título apresentado não se encontra em nome do requerido, figurando como ocupante da área AMILTON MENDES, com o Título de concessão de Uso registrado administrativamente sob nº 157, do livro 01, datado de 22 de maio, sem possibilidade da leitura do ano de expedição conforme documento oferecido pelo IAP.

Atendendo-se ao disposto acima, também, por esse fato, não poderia qualquer autorização ser concedida em razão de não ser o requerente o concessionário do imóvel.

DO DIREITO

Através da Portaria 160, de 22.04.82 da Secretaria Geral do Ministério da Fazenda, o Estado do Paraná, por contrato de cessão sob o regime de aforamento, adquiriu o domínio útil da Ilha do Mel, localizada no Município de Paranaguá, verbis:

“Art. 1º - O Serviço do Patrimônio da União fica autorizado a promover a cessão, sob o regime de aforamento, ao Estado do Paraná, dos terrenos de marinha e nacional interior que constituem a denominada “Ilha do Mel”, situada na Baía de Paranaguá, Município de Paranaguá, Estado do Paraná, exceto os terrenos e as benfeitorias neles existentes que se acham sob a jurisdição de órgãos da administração federal;

“Art. 2º - Os terrenos a que se refere o artigo anterior destinam-se a preservação do ambiente natural e o equilíbrio ecológico, proteção da flora e fauna e dos bens tombados; reflorestamento, bem assim, para execução de plano turístico e de urbanização;

Art. 3º - Obriga-se o cessionário a submeter à prévia aprovação do Serviço do Patrimônio da União, no prazo de até 12 (doze) meses, a partir da presente data, um Plano de Utilização da Ilha, onde deverão ser especificadas as condições de uso, os projetos a executar e os respectivos cronogramas.

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Art. 6º - A cessão tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, sem direito o cessionário a qualquer indenização, inclusive por benfeitorias realizadas, se aos terrenos, no todo ou em parte, vier a ser dada destinação diversa da prevista nos artigos 2º e 3º desta Portaria ou se ocorrer inadimplemento da cláusula contratual.”

Pelo do Decreto 5395, publicado no Diário Oficial do Estado do Paraná em 03.09.83, o então Instituto de Terras, Cartografia e Florestas - ITCF, atual Instituto Ambiental do Paraná - IAP, recebeu delegação, para a execução das atribuições constantes na Portaria acima citada, condicionando a sua atuação ao cumprimento das disposições constantes do Plano de Uso da Ilha do Mel, elaborado pela comissão especial instituída pelo Decreto nº 2611/80, conforme adiante transcrevemos:

“Art. 1º - Ficam delegados ao Instituto de Terras e Cartografia - ITC, os poderes necessários à fiel execução das atribuições conferidas ao Estado do Paraná na Portaria nº 160, de 15 de abril de 1982, da Secretaria Geral do Ministério da Fazenda, e no Contrato de Cessão firmado com a União Federal, pelos quais foram cedidos ao Estado, sob o regime de aforamento, os terrenos de marinha e interiores que constituem a denominada “Ilha do Mel”, situada na Baía de Paranaguá.”

Art. 2º - O Instituto de Terras e Cartografia - ITC, para a execução das medidas de que trata o artigo anterior obedecerá, no que couber, as disposições constantes do Plano de Uso da Ilha do Mel, elaborado pela Comissão Especial instituída pelo Decreto 2.611, de 02 de julho de 1980.”

Em cumprimento ao disposto no decreto acima citado, foi elaborado o Plano de Uso da Ilha do Mel, no qual consta o seu zoneamento com a delimitação de zonas de preservação, de ocupação e áreas especiais.

As zonas de ocupação abrangem uma área de 120,4591 ha, distribuídas na praia da Ponte Oeste, praia da Fortaleza Norte, praia

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da Fortaleza Sul, praia do Limoeiro, Prainha, Pontal do Farol das Conchas.

Consta no Plano de Uso elaborado quais as normas para regularização das ocupações e normas para construções, quais sejam:

“NORMAS PARA REGULARIZAÇÃO DAS OCUPAÇÕES

- Área de terreno: 400 a 500m2

- Testada mínima: 12 metros

- Não será permitida a subdivisão dos terrenos, incluindo os já inscritos

- A transferência de ocupação significará a perda de direito a novas ocupações.

NORMAS PARA CONSTRUÇÕES

- Taxa de ocupação do terreno; 30%

- Área máxima de construção por ocupação: 150m2

- Número máximo de pavimentos: 01 (um)

- Altura máxima: 04 metros”

Nesses locais disciplinou-se as formas de ocupação, autorizando-se o Instituto Ambiental do Paraná a outorgar Concessão de Uso para aqueles que preenchessem os requisitos contemplados no Decreto Estadual 4964/85. Este mesmo diploma legal determinava as características básicas que as construções de benfeitorias deveriam possuir.

O Decreto 3502/97, publicado em 03 de setembro de 1997, revogou o Decreto 4964/85. Entretanto este dispositivo legal não disciplina quais as características que as benfeitorias devem possuir, estabelecendo no seu artigo 8º que:

“Art. 8º - As benfeitorias deverão obedecer ao plano de instruções básicas a serem definidas pelo IAP, em conjunto com os órgãos e entidades públicas ou privadas envolvidas, adaptadas às condições

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paisagísticas, ambientais e fundiárias do imóvel, previstas no Plano de Uso.”

Ocorre que, o artigo 8º do Decreto 3502/97 ainda não foi regulamentado, aplicando-se para as novas benfeitorias as condicionantes estabelecidas pelo Plano de Uso existente e já mencionado.

O Requerido, no caso aqui apresentado, teve seu pedido para construção de benfeitorias analisado e aprovado pelo Conselho Gestor da Ilha do Mel - criado pelo artigo 18 do Decreto 3502/97, cuja autorização foi expedida pelo Escritório Regional do Litoral do Instituto Ambiental do Paraná - IAP.

Estabelece o artigo 18, verbis:

“Art. 18 - Fica criado o Conselho Gestor da Ilha do Mel, com a finalidade de gerenciar as obras e atividades de interesse público e privado, a serem desenvolvidas no imóvel.

#1º - O Conselho Gestor, de caráter deliberativo, será constituído de forma paritária por membros representantes da administração pública do Estado, do Município de Paranaguá e por representantes das entidades com sede na Ilha do Mel, este no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação deste Decreto.”

Entretanto o requerimento para a construção acima citada foi aprovado em desacordo com as regras estabelecidas pelo Plano de Uso ainda em vigor, conforme consta na descrição dos fatos.

Cabe aqui mencionar que mesmo tendo o Conselho Gestor caráter deliberativo, não pode aprovar construções que contrariem as disposições constantes no Plano de Uso, mesmo porque até a presente data o seu regimento interno, o qual estabelece a sua organização e atribuições de seus membros, não foi publicado.

Além de que, nos termos da parte final do artigo 8º do Decreto 3502/97, o plano de instruções básicas a serem definidas devem ser adaptadas às condições paisagísticas, ambientais e fundiárias do imóvel, previstas no Plano de Uso.

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Diante do exposto, conclui-se que as autorizações foram emitidas sem o devido amparo legal, razão pela são nulas de pleno direito, e as benfeitorias construídas em desacordo com a legislação citada devem ser demolidas.

Ora, o Plano de Uso da Ilha do Mel estabelece 150m2 como área máxima de construção por ocupação, contendo apenas um pavimento com altura máxima de 4 metros.

A Constituição Federal consagra no artigo 225, a proteção ao meio ambiente, in verbis:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

...

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VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

...”

O Estado do Paraná, na edição de sua Constituição, dedicou capítulo especial à questão ambiental, garantindo a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida do povo paranaense, importância esta que se extrai do contido na redação do Artigo 207, "in verbis":

"Artigo 207 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.

Parágrafo 1º - Cabe ao Poder Público, na forma da lei, para assegurar a efetividade deste direito:

IV - instituir as áreas a serem abrangidas por zoneamento ecológico, prevendo as formas de utilização dos recursos naturais e a destinação de áreas de preservação ambiental e de proteção de ecossistemas essenciais;

V - exigir a realização de estudo prévio de impacto ambiental para a construção, instalação, reforma, recuperação, ampliação e operação de atividade ou obras potencialmente causadoras de

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significativa degradação do meio ambiente, no qual se dará publicidade;

XV - proteger o patrimônio de reconhecido valor cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeleológico e científico paranaense, prevendo sua utilização em condições que assegurem a sua conservação.

Parágrafo 2º - As condutas e atividades poluidoras ou consideradas lesivas ao meio ambiente, na forma da lei, sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas:

I - à obrigação de, além de outras sanções cabíveis, reparar os danos causados;

III - a cumprir diretrizes estabelecidas por órgão competente."

Com o advento da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1.981, estabeleceu-se a Política Nacional do Meio Ambiente, que definiu os parâmetros a serem seguidos pelo Poder Público na defesa do ambiente natural.

Os objetivos da citada norma estão explicitadas em seu artigo 2º:

"Artigo 2º - A Política Nacional do meio ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento, aos interesses da segurança nacional e proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

I- ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

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II- racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

IV- proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

V- controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras."

No artigo 3º da mesma Lei, encontramos uma série de definições que trazem luz à matéria:

"Artigo 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I- Meio Ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II- Degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;

III- Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

IV- Poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividades causadora de degradação ambiental;

V- Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora."

"Art. 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:

II - O zoneamento ambiental".

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DA MEDIDA LIMINAR

Do exposto requer-se seja liminarmente deferida a interdição de uso do andar superior da obra, tendo em vista que construída em desacordo com o plano de uso ilha, em razão do dano que vem causando ao meio ambiente e o desconforto para os demais habitantes do local já que têm seus imóveis regulares com construções que atendem aos parâmetros estabelecidos, tudo isto em conformidade com o direito já mencionado demonstrando-se o “fumus boni juris” além do “periculum in mora” caracterizado pelo desacordo as leis ambientais que regulam a boa ocupação do local, bem como a fixação da multa diária em caso de descumprimento, nos termos do artigo 11 da Lei 7347/85.

Que o Instituto Ambiental do Paraná, liminarmente, não conceda qualquer outra autorização em desconformidade com o Plano de Uso da Ilha do Mel, com a imposição de multa diária em caso de descumprimento.

DO PEDIDO

Requer-se a condenação de ODISLEI PARANÁ SILVA, consistente na demolição do andar superior da obra realizada em desacordo com o permitido, fixando-se multa diária para o caso de descumprimento da decisão judicial, nos termos do artigo 11 da Lei 7347/85.

Na impossibilidade de cumprimento da obrigação, pede-se ainda, seja o réu condenado ao pagamento de indenização, cujo valor será apurado em liquidação de sentença a fim de reparar o dano causado, e revertido ao Fundo Estadual de Meio Ambiente, nos termos do artigo 13, da Lei 7.347/85.

Requer-se do Instituto Ambiental do Paraná, através deste Juízo, venham aos autos os documentos originais, consistentes no procedimento administrativo pelo qual foi fornecida a autorização, bem como as atas do Conselho Gestor onde relatam-se os fatos mencionados.

No tocante ao Instituto Ambiental do Paraná que seja condenado à promover a demolição da área excedente no imóvel do requerido concedido em desacordo com a lei, com a imposição de multa diária.

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Que seja o Instituto Ambiental do Paraná condenado a abster-se de conceder autorização em desconformidade com o Plano de Uso e as normas ambientais vigentes, com a imposição de multa diária em caso de descumprimento.

Pede-se a notificação da UNIÃO FEDERAL para que, querendo se manifeste no feito.

A citação dos requeridos nos termos do artigo 221, inciso II, do Código de Processo Civil para, querendo contestar presente, sob pena de revelia.

Por fim a procedência da ação nos termos do pedido, com a condenação do requerido nas custas processuais e ônus da sucumbência.

Protesta-se por todos os meios de prova em direito admitidas, mormente testemunhal, pericial e depoimento pessoal.

Dá-se à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Paranaguá, 17 de junho de l.999.

Cláudia Cristina Rodrigues Martins

Promotora de Justiça

Rol de documentos:

Licença fornecida pelo IAP, sob nº 48/98;

Procedimento Administrativo nº 929/98, do IAP.

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Decisão do pedido liminar

“Autos nº 297/99)

1 - Consoante a petição inicial, em data de 01/06/98, o réu Odisley Paraná Silva obteve autorização nº 48/98 do Instituto Ambiental do Paraná para construção de pousada na praia de Encantadas e introduziu benfeitoria com dois pavimentos, térreo e superior, possuindo cada pavimento 140,72m2, totalizando 281,44m2, excedendo o permitido pela legislação em 131,44m2. Sustenta o Ministério Público autor que tal obra é ilegal porque contraria as determinações estabelecidas pelo Plano de Uso da Ilha do Mel, segundo o qual a área do terreno a ser dado em concessão varia de 400 a 500m2, tendo como taxa de ocupação do terreno no máximo 30% da sua área, não podendo a construção exceder a 150m2 e nem a altura de 4m, sendo permitido apenas a construção de um pavimento. Ao final, requer condenação de ambos os réus, Odisley Paraná Silva e Instituto Ambiental do Paraná, à demolição do andar superior da obra realizada em desacordo com o permitido, com medida liminar interditando o uso do andar superior pelo primeiro réu, compelindo o segundo a não expedir autorização em desconformidade como o Plano de Uso da Ilha do Mel, com cominação de multa diária em caso de descumprimento.

2 . Relevantes os fundamentos apresentados. De acordo com as normas citadas e aplicáveis ao caso, a obra configura-se ilegal e, para que não haja proliferação de obras ilegais pela ilha em prejuízo do meio ambiente, faz-se necessário impedir que a segunda ré (IAP) se abstenha de expedir novas autorizações em desconformidade com o Plano de Uso da Ilha do Mel.

Defiro, pois, medida liminar neste sentido, fixando a multa diária em R$ 1.000,00 por descumprimento.

3 - Quanto à liminar de interdição do uso do segundo pavimento, é de ponderar-se que tal medida em nada minorará o prejuízo ao meio ambiente, posto que a obra já se acha concluída. Não vislumbro também risco de lesão grave à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública capaz de justificar a interdição do uso do segundo pavimento.

Como bem salienta a ilustre Representante do Ministério, a obra tida como ilegal causa, efetivamente, desconforto aos demais habitantes locais que atendem aos parâmetros estabelecidos.

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Porém, a simples interdição do uso não afasta o dito desconforto, à medida em que a obra permanecerá inalterada até que haja decisão definitiva.

Nestas condições, indefiro a medida liminar de interdição de uso.

4 - Citem-se os réus dos termos da presente ação, sendo que o segundo réu (IAP) deverá ser intimado também para que se abstenha de expedir novas autorizações em desconformidade com Plano de Uso da Ilha do Mel, sob pena de incidência de multa diária acima estabelecida na hipótese de descumprimento.

Requisite-se do segundo réu os autos originais do procedimento administrativo em que foi fornecida a autorização para construção, bem como as atas do Conselho Gestor onde relatam-se os fatos mencionados.

Int.

Hélio T. Arabori

Juiz de Direito

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3. JURISPRUDÊNCIAS

3.1 JURISPRUDÊNCIA CÍVEL Processo: 0319323-3

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 319.323-3

VARA ÚNICA DA COMARCA DE ICARAÍMA

AGRAVANTE: APPAN - ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE PROTEÇÃO AO AMBIENTE NATURAL.

AGRAVADO: F. ANDREIS E CIA. LTDA.

RELATOR: JUIZ CONV. LUIZ A. BARRY

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS AO MEIO AMBIENTE. MINERAÇÃO. EXTRAÇÃO DE AREIA E FUNCIONAMENTO DE ATIVIDADE DE DEPÓSITO DE AREIA, EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FUNCIONAMENTO DA ATIVIDADE SEM O DEVIDO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. LIMINAR. REQUISITOS AUTORIZADORES PRESENTES. PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, ATÉ A APRESENTAÇÃO DA LICENÇA AMBIENTAL DE OPERAÇÃO PARA A ATIVIDADE. AGRAVO PROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 319.323-3, da Vara Única da Comarca de Icaraíma, em que é agravante APPAN - Associação Paranaense de Proteção ao Ambiente Natural e agravado F. Andreis e Cia. Ltda.

Relatório.

A Associação Paranaense de Proteção ao Ambiente Natural - APPAN, já qualificada e por advogado, ingressa com o presente recurso de agravo de instrumento, contra a r. decisão do d. juízo monocrático que, nos autos de Ação Civil Pública de Responsabilidade por Danos ao Meio Ambiente, reconsiderou anterior concessão de liminar que concedera, por ocasião do

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despacho inicial, que paralisava a exploração econômica levada a efeito pela empresa ora Agravada, consistente em retirada e depósito de areia, de área de preservação permanente.

Em ação civil pública de responsabilidade por danos ao meio ambiente, a Agravante requereu a concessão de medida liminar, consistente na imediata paralisação das atividades da ré, a ora Agravada, no tocante a retirada e depósito para comercialização de areia de área de conservação permanente, visto tratar-se de retirada de tal substância do leito do rio Paraná, na localidade de Porto Figueira, Município de Vila Alta.

De início, ao receber o processo, o juízo a quo concedeu a liminar, determinando a imediata paralisação das atividades da ré, na área em questão.

Posteriormente, atendendo pedido de reconsideração, o juízo a quo revogou a liminar que concedera anteriormente, o que acarretou o presente agravo de instrumento, por parte da associação-agravante.

Em agravo de instrumento, a ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE PROTEÇÃO AO AMBIENTE NATURA - APPAN aduziu, em rápida síntese: que se faz necessária paralisar, de imediato, toda exploração econômica na área de preservação permanente em questão, sendo que a questão, ao contrário do entendido pelo juízo a quo, não se refere unicamente quanto a extração de areia, sendo que o ponto nodal está ligado ao funcionamento dos depósitos de areia comercial e flutuante dentro dos limites da área de preservação permanente, sendo que descarregamento da areia ocorre às margens do rio, enquanto que o depósito comercial encontra-se situado dentro da faixa de 500 metros; assim, a manutenção dos depósitos de areia na área de preservação permanente implica em impactos ambientais negativos, pois trata-se de exploração econômica que acarreta trânsito de veículos, pessoas, utilização de maquinário pesado, possibilidades de contaminação da área com substâncias tóxicas (como por exemplo, óleo e graxa); ainda, acusa a falta de licença ambiental para os depósitos de areia, comercial e flutuante, fazendo-se presente o periculum in mora, diante da possibilidade dos danos tornarem-se irreversíveis, requerendo a concessão de efeito suspensivo, para restabelecer a liminar inicialmente deferida, para impedir qualquer tipo de atividade mineraria ou exploração econômica, nas áreas de preservação permanente, especialmente o

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depósito comercial e o depósito flutuante, antes da apresentação da devida Licença Ambiental de Operação para a atividade de depósito de areia.

E, é contra o teor de tal decisão que se insurge o presente recurso, pretendendo a reforma, para se antecipar os efeitos da tutela.

Não foi concedido o pretendido efeito suspensivo, como se resume do contido no despacho do então Relator, às fls. 301-311/TJ).

Com as contra-razões, pugnando pelo desprovimento do agravo, vieram, os autos, a esta Corte.

Com o parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça, pelo provimento do agravo, vieram-me, os autos, conclusos.

É o relatório.

Voto.

O recurso é de ser conhecido, posto que presentes as condições de procedibilidade.

Em rápido provimento, de se ver: o juízo a quo revogou o pedido de liminar concedido, entendendo ausente o periculum in mora, no prosseguimento das atividades da extração de areia em área de preservação permanente, referindo-se expressamente ao "impacto ambiental positivo pela prática da atividade da empresa", referindo-se que a extração da areia do leito do rio Paraná acarreta o benefício do desassoreamento do rio.

Não obstante, o impacto ambiental negativo e que causa danos ao meio ambiente não deriva especificamente da extração da areia do leito do rio, mas sim, da manutenção do depósito de areia na área de preservação permanente, uma vez tratar-se de exploração econômica que acarreta trânsito excessivo de veículos, de pessoas, utilização de maquinário pesado, com sérios e plenamente possíveis riscos de contaminação da área por substâncias tóxicas.

De modo que, como exposta a situação, em se prosseguindo a exploração econômica mantida pela Agravada, máxime a manutenção de depósitos de areia, acarretará indubitável

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possibilidade de lesão irreparável ao meio ambiente.

E, a atividade econômica desenvolvida pela Agravada abrange sim área de preservação permanente, vez que tem seu início no leito do rio Paraná, daí se verificando a extração de areia que, a seguir é trazida para as margens, onde localiza-se o depósito comercial, e, como a agravada não possui o licenciamento ambiental, para a exploração da atividade, máxime do depósito de areia, desconhece-se o impacto ambiental negativo que poderá advir, sabendo-se tão-somente que será irreversível.

Assim, é de se entender que a liminar, como pretendida pela Agravante deve ser concedida, para determinar a paralisação das atividades da empresa-agravada, até que seja realizada a verificação dos danos causados ao meio ambiente. E, entendendo que o meio ambiente é um interesse eminentemente público, deve prevalecer sobre os de natureza privada. Deve-se, à evidência, na questão da preservação ambiental, levar-se em conta muito mais os interesses gerais da sociedade como um todo, do que do grupo teoricamente favorecido pela exploração de tal atividade econômica.

Neste sentido esta Corte já assim se posicionou, verbis:

'MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. MINERAÇÃO, FUNCIONAMENTO DE ATIVIDADE DE DEPÓSITO DE AREIA, EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FUNCIONAMENTO DE DEPÓSITO DE AREIA SEM O DEVIDO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES, PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE NA INSTÂNCIA 'A QUO'. VIABILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. Funcionamento de atividade de depósito de areia, em área de preservação permanente, sem o devido licenciamento ambiental, enseja a paralisação das atividades da empresa de exploração mineral até que seja realizada a verificação dos danos causados ao meio ambiente" (TJPR - Ap. Cív. 149.601-7 - 4ª C.Cív., Rel. Des. José Wanderleii Resende - Julg; 28/06/2004).

Assim, por entender perfeitamente ao Juiz determinar liminarmente a paralisação das atividades da empresa de exploração mineral até que seja realizada a verificação dos danos causados ao meio ambiente, o agravo é de ser provido, para proibir a exploração econômica da área de preservação permanente,

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especialmente o depósito comercial e o depósito flutuante, até a apresentação da devida Licença Ambiental de Operação para a atividade de depósito de areia.

Por tais razões, o voto é para prover o agravo de instrumento, reformando a decisão interlocutória em questão.

Decisão

Acordam os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao agravo de instrumento, de acordo com o voto do Relator.

Participaram do julgamento, acompanhando o voto do Relator, os Excelentíssimos Desembargadores ROSENI ARÃO C. PEREIRA e LUIZ MATEUS DE LIMA.

Curitiba, 13 de novembro de 2.006

Relator Convocado

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Processo: 0335651-2

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 335.651-2, DA VARA CÍVEL DE ARAUCÁRIA.

AGRAVANTES: AADS - ASSOCIAÇÃO ATMOSPHERA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL e AMAR - ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DE ARAUCÁRIA.

AGRAVADO: ETR - COMÉRCIO DE AREIA LTDA.

RELATOR: DES. MARCOS DE LUCA FANCHINº

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL. EXTRAÇÃO DE AREIA SEM A DEVIDA LICENÇA. JUIZ QUE, APÓS CONCEDER LIMINAR PARA IMPEDIR A EXTRAÇÃO DE AREIA EM DETERMINADA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, DEFERE ORDEM PARA AUTORIZAR O LEVANTAMENTO DA AREIA JÁ EXTRAÍDA E ESTOCADA - AGRAVO DE INSTRUMENTO TENDENTE A IMPEDIR ESSA AUTORIZAÇÃO - EMPRESA AGRAVADA QUE, EM CONTRA-RAZÕES, COMUNICA A CELEBRAÇÃO DE "TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA" COM O IAP.

1. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO POR DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 526. ÔNUS PROCESSUAL E NÃO DEVER. RECURSO CONHECIDO. PRELIMINAR AFASTADA.

Mérito

2. LEVANTAMENTO DA AREIA ESTOCADA PELA EMPRESA AGRAVADA QUE JÁ ESTAVA IMPEDIDO PELA DECISÃO PROFERIDA NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 310.987-1. DECISÃO RECORRIDA QUE DESRESPEITA A ORDEM EXARADA NO OUTRO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANUTENÇÃO DA PROIBIÇÃO DE EXTRAÇÃO MINERAL E O LEVANTAMENTO DA AREIA ESTOCADA.

3. EMPRESA EXTRATIVISTA QUE NÃO CONSEGUIU, NO AI 310.987-1, COMPROVAR SUFICIENTEMENTE A REGULARIDADE DE SUA ATIVIDADE DIANTE DA FALTA DE LICENÇA DO ÓRGÃO PÚBLICO. ILEGALIDADE ESSA QUE NÃO

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É AFASTADA PELA CELEBRAÇÃO DO "TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA" - ACORDO ESSE QUE NÃO CONTOU COM A PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E NEM DAS AUTORAS DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AREIA ESTOCADA EXTRAÍDA DE FORMA ILEGAL. LEVANTAMENTO DESSE ESTOQUE QUE, POR ENQUANTO, NÃO DEVE SER AUTORIZADO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

1. RELATÓRIO

As associações AADS - ASSOCIAÇÃO ATMOSPHERA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL e AMAR - ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DO MEIO-AMBIENTE DE ARAUCÁRIA interpuseram agravo de instrumento, com pleito suspensivo, voltado contra a decisão do juiz singular que, em despacho saneador na Ação Civil Pública movida pelas agravantes em face da agravada ETR COMÉRCIO DE AREIA LTDA, deferiu a essa a liberação da areia estocada e, ainda, determinou a citação da Areal Costa Ltda. como litisconsorte passivo.

O efeito suspensivo foi concedido pelo despacho de fls. 119 e seguintes.

Em contra-razões, a agravada suscitou, preliminarmente, o não conhecimento do recurso em virtude do descumprimento do artigo 526 por parte das agravantes. No mérito, sustentou a ausência de provas acerca do dano ambiental, constatação essa que imprescinde da prova pericial e, ainda, que a proibição de comercialização do estoque não foi pedida pela parte autora (fl. 134), daí porque o provimento do recurso implicará em julgamento "ultra petita". Por fim, comunicou a celebração de um "Termo de Ajustamento de Conduta" com o IAP que lhe permite continuar a extraindo o minério desde que recupere a área degradada (fl. 136), acordo esse que não poderia ser desrespeitado por ferir o princípio da separação dos poderes.

Diante do aludido termo de fls. 583 e do Plano de Controle Ambiental apresentado pela agravada (fl. 158 e seguintes), o juiz de primeiro grau revogou parcialmente o despacho de fls. 119 para autorizar o levantamento da areia estocada.

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As agravantes manifestaram-se às fls. 270 e seguintes denunciando irregularidades no mencionado "Termo de Ajustamento de Conduta" porque está substituindo o processo de licença prévia, o que seria inaceitável, eis que o aludido termo só poderia substituir a licença operacional. Disse que o mencionado termo não atende a legislação sobre a faixa vegetal de proteção da área de preservação permanente - APP; não faz análise dos impactos causados pela elevação do lenço freático sobre a vegetação nativa; não prevê a drenagem permanente das áreas exploradas, quando da sua recuperação; não prevê a composição do meio físico, químico e microbiológico do solo, além de outras irregularidades.

Ouvida, a Douta Procuradoria opinou pelo provimento do recurso.

É O RELATÓRIO.

2. VOTO

O recurso merece provimento.

Da preliminar de não conhecimento do recurso por descumprimento do artigo 526 do CPC.

Com razão o Ilustre Procurador de Justiça quando afirma ser um ônus ao agravante, e não uma obrigação, a comunicação ao juiz acerca do agravo de instrumento interposto, pois, quedando-se inerte frente essa faculdade, não poderá propiciar ao juiz o direito de retratação.

Vejamos estas decisões:

"Não é obrigatória, mas sim ônus do agravante, a comunicação ao juízo de primeiro grau de que o agravo foi interposto, sendo, portanto, facultativa. Caso o agravante não comunique, terá contra si apenas a possibilidade de o juiz retratar-se, não podendo ser apenado com o não conhecimento do agravo..." (TJSP, Ag. 34838-0/8, Des. Luis de Macedo)

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARTIGO 526 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DESCUMPRIMENTO.

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1. A não juntada pelo agravante da cópia da petição de agravo interposto, descumprindo os termos do artigo 526 do Código de Processo Civil, não é, por si só, fato impeditivo do seu conhecimento.

2. Cuidando-se de mera faculdade posta à disposição da parte, sua inobservância acarreta, apenas, a impossibilidade do juízo agravado de se retratar (STJ - AgRg no EDcl no Ag nº 508.347/RJ, 31/05/2005)

"116047435 - PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO NA ORIGEM - ART. 526 DO CPC - A interpretação dada ao artigo 526 do CPC, na redação anterior à Lei nº 10.352, de 26.12.2001, pela jurisprudência desta eg. Corte, é no sentido de que o seu descumprimento não é razão impeditiva de conhecimento do agravo. Recurso Especial conhecido e provido." (STJ - RESP 555534 - SP - 4ª T. - Rel. Min. Cesar Asfor Rocha - DJU 14.06.2004 - p. 00234)

Ainda que se tratasse de dever, e não de mera faculdade, é certo que mesmo assim a areia estocada não poderia ser levantada porque esse Relator reconheceu, quando do julgamento do Agravo de Instrumento 310.987-1 (envolvendo as mesmas partes e tendo o mesmo objeto - a extração de areia), a legalidade da decisão que impediu a continuidade da atividade extrativa e da circulação de qualquer veículo naquela área.

Portanto, quer do conhecimento do recurso, quer de sua prejudicialidade em virtude da decisão exarada no Agravo de Instrumento nº 310.987-1, o certo é que a ausência de apresentação da cópia do agravo de instrumento ao juízo de origem, ainda que inobservado o prazo para tanto, não terá o condão de permitir o levantamento da areia estocada.

Do mérito

Analisando melhor as circunstâncias fáticas, agora em juízo de cognição exauriente, denota-se que o "Termo de Ajustamento de Conduta" de fls. 583 não pode ser aceito e imposto às agravantes porque celebrado sem a participação do Ministério Público e das recorrentes, que são autoras da Ação Civil Pública. Logo, os efeitos do aludido acordo não podem ser impostos às aludidas partes.

A par disso, a tese defendida pela agravante de que não exerce atividade clandestina, eis que conta com a autorização

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Federal, Estadual e Municipal, não pode persistir porque contraria frontalmente as provas que colacionam o Agravo de Instrumento 310.987-1 (envolvendo as mesmas partes), como será demonstrado.

O documento de fls. 199 e seguintes daquele recurso não podem ser aceito como "Licença Federal", eis que não vai além de um cadastro no Departamento Nacional de Produção Mineral.

O Alvará municipal de fls. 203, lá constante, também não é suficiente a autorizar a extração do mineral porque o próprio Município informa que embargou as atividades da agravante por entender que o exercício estava sendo abusivo, tanto que estendeu esse embargo a todos os areais que lá estavam instalados (fl. 134/TJ AI 310.987-1).

Por fim, também não se pode aceitar a existência de licença ambiental do Poder Estadual diante das autuações de fls. 258 a 260 dos autos do AI 310.987-1 por, respectivamente, ausência de licença do órgão e por extração de minérios em área de preservação ambiental.

Portanto, se não possui licença ambiental para a extração do minério, também não possui para levantar o estoque da areia irregularmente extraída, pois, é indubitável que a areia estocada pode ser utilizada, de alguma forma, para minimizar os prejuízos causados ao meio-ambiente.

Por outro lado, se não possui a licença dos demais poderes, mormente da União por se tratar de extração mineral, de nada adianta o mencionado "Termo de Ajustamento de Conduta".

Urge ressaltar que nada impede que a agravante, quando da instrução processual perante o juízo singular, consiga comprovar a legalidade de sua atividade, mas, nessa seara recursal, não apresentou as provas necessárias a lhe autorizar o levantamento da areia estocada.

Ao ensejo de conclusão, cumpre observar que o provimento do presente recurso, ao contrário do defendido pela agravada, não representa julgamento "ultra petita" porque, como já dito, a proibição de levantamento da areia estocada também é uma forma de ressarcimento dos danos causado ao meio-ambiente, pedido esse que contou no rol da petição inicial da Ação Civil Pública.

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3. Pelo que, voto pelo provimento do agravo de instrumento em apreço para revogar a decisão recorrida, bem como revogar, também, o despacho de fls. 119 para restabelecer a proibição de levantamento da areia estocada.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em afastar a preliminar e dar provimento ao recurso.

Participaram do julgamento os Desembargadores Regina Afonso Portes, Presidente em exercício, com voto e o Juiz Substituto em segundo grau Dr. Adalberto Jorge Xisto Pereira.

Curitiba, 31 de outubro de 2006.

Des. Marcos de Luca Fanchin

Relator

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Processo: 0183473-1

AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 183473-1, DE APUCARANA - 1.ª VARA CÍVEL.

AGRAVANTE : URBANIZADORA CAMPOS VERDES LTDA.

AGRAVADO : INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP.

RELATOR : DES. J. VIDAL COELHO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - TUTELA ANTECIPADA - LIMINAR - LICENÇA DE INSTALAÇÃO - CEMITÉRIO - EXIGÊNGIA DE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL - DECISÃO MANTIDA - AGRAVO DESPROVIDO.

A atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente, somente pode ser autorizada, depois de estudo do impacto ambiental que possa ela causar.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n.º 183473-1, de Apucarana - 1.ª Vara Cível, em que é agravante Urbanizadora Campos Verdes Ltda e agravado o Instituto Ambiental do Paraná - IAP.

1. Vem o presente agravo deduzido pela agravante em face da decisão que, em ordinário feito ajuizado contra o Instituto Ambiental do Paraná, deixou de conceder tutela antecipada no sentido de que fosse permitida a continuidade das obras de seu empreendimento, consistente na instalação de cemitério no Município de Apucarana, sem a necessidade de apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

Para pleitear a reforma da decisão, disse que obteve a licença prévia junto ao IAP, exigindo-se, ali, apenas a apresentação de um PCA - Plano de Controle Ambiental, para que se prosseguisse na implementação do projeto. Ao depois, ao protocolar requerimento para obter a licença de instalação, foi ela indeferida, com base na Resolução Estadual da SEMA n.º 019/04, que exige a realização do estudo de impacto ambiental, para aprovação do empreendimento. A parte isso, sustentou que seriam ilegais as

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novas exigências, impostas por normas aprovadas depois do deferimento da primeira licença.

O agravo foi recebido sem a concessão da tutela antecipada.

O juízo prestou as informações de praxe, pedindo o agravado a manutenção da decisão.

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento.

2. A solução da pendência, passa pelo saber-se se seria necessária, no caso, a apresentação do Relatório de Impacto Ambiental, após concedida a licença prévia pelo órgão de fiscalização ambiental.

A agravante obteve a licença prévia fornecida pelo IAP em 05.V.2003, com prazo de validade de 12 meses. Ali se consignou a necessidade de apresentação do Plano de Controle Ambiental - PCA (fls. 85/86).

Ao depois, ao pleitear a licença de instalação lhe foi exigido o Estudo de Impacto Ambiental - EIA/RIMA.

É de natural sabença, que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo e um direito de todos os cidadãos, das gerações presentes e futuras, estando o poder público e a coletividade obrigados a preservá-lo e defendê-lo. Isso é firme na ordem constitucional (art. 225, CF), que diz, ainda, incumbir ao Poder Público exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ao meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. (art. 225, inciso IV)

Na lição de José Afonso da Silva, o estudo de impacto ambiental, é um instrumento da política de defesa da qualidade ambiental, cujo procedimento compreende elementos subjetivos e objetivos. Os primeiros consistem no proponente do projeto, a equipe multidisciplinar e a autoridade competente. Os segundos são a elaboração das diretrizes, os estudos técnicos da situação ambiental, o relatório de impacto ambiental RIMA e a avaliação do órgão competente (Direito Ambiental Constitucional, 2.ª edição, pág. 199).

Por sua vez, compete ao Conselho Nacional do Meio

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Ambiente - CONAMA fixar os critérios básicos segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para o licenciamento de atividades que tais. Daí, proveio a Resolução n.º 237/97, que revisa os critérios e procedimentos para o licenciamento ambiental destacando, em seu artigo 3.º, que A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

A exigência imposta à agravante, veio com base na Resolução n.º 019 da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - SEMA, de 04 de maio de 2004, que, em seu artigo 3.º estabelece a obrigatoriedade da elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA para concessão de licença prévia de toda e qualquer implantação e ampliação de cemitérios, de acordo com o que estabelece o art. 225, § 1.º, inciso IV, da Constituição Federal do Brasil e a Resolução do CONAMA n.º 001, de 23 de janeiro de 1986.

Ao ver da agravante, em tendo ela já obtido a licença prévia quando da edição da mencionada Resolução, seria ilegal o ato em que se exigiu a elaboração do EIA/RIMA.

As coisas não são assim, contudo.

O processo para o licenciamento ambiental é ato complexo que exige, em cada etapa, o cumprimento de diversos requisitos. No caso, obteve a agravante a licença prévia concedida na fase preliminar do planejamento para implantação de cemitério tipo parque. Por ela, liberou-se a área para realização dos testes de sondagem, coleta de amostras, permeabilidade do solo e abertura de poço para monitoramento do lençol freático e direcionamento do fluxo das águas subterrâneas.

Entanto, quando foi protocolado o pedido de licença de instalação, a fase seguinte para a obtenção do licenciamento, já estava em vigor, resolução exigindo a elaboração do relatório de impacto ambiental.

Por essa razão, não há que se falar, nem em ilegalidade,

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nem em violação de direito adquirido, posto que incidente norma de aplicação imediata. O fato de se ter iniciado o processo antes do advento da Resolução n.º 019/2004 e protocolado pedido de licença de instalação no prazo de validade da licença prévia, não afasta, de modo algum, a aplicação da referida resolução.

A propósito do tema, Edis Milaré ensina que a conclusão inelutável a que se chega, portanto, independentemente da questão de validade ou não de licença já expedida, é que o EIA pode ser exigido a qualquer tempo, desde que possível obviar ou remediar uma situação crítica ao ambiente, e que a sua não elaboração no momento azado rende ensejo ao acertamento da responsabilidade administrativa, civil e penal - de quem se omitir do dever de exigi-lo. (in Direito do Ambiente, ed. RT, pág. 298).

Tira-se, disso, que, segundo as normas que regulam a matéria, necessário se faz o prévio Estudo de Impacto Ambiental - EIA e o respectivo e posterior Relatório de Impacto Ambiental - RIMA para a concessão de qualquer licenciamento de obra ou empreendimento de impacto ambiental. A exigência, por isso, revela-se perfeitamente legal.

O especialista Paulo Affonso de Leme Machado, citado no parecer do Procurador de Justiça, frisou que o licenciamento, como medida decorrente do exercício do poder de polícia, não cria direitos para o seu beneficiário e pode ser revogado ou modificado a qualquer tempo. Inexiste assim, para o empreendedor direito adquirido ao exercício de sua atividade nas condições em que inicialmente licenciadas. (in Direito Ambiental Brasileiro, 9.º edição, Malheiros - 1998).

Registre-se, ainda, por necessário, que no caso em tela, trata-se de empreendimento de porte considerável que ocupará uma área de 50.000 m2, de um terreno de 80.966,77 m2 , num total de 700 jazigos.

Assim, não pode a agravante furtar-se ao cumprimento das exigências constitucionais para a implantação do empreendimento de instalação de cemitério parque, pelo que, bem se andou no primeiro grau ao não se conceder a tutela antecipada pretendida.

O desprovimento do recurso, por isso, é medida que se impõe.

Pelo exposto, ACORDAM os desembargadores integrantes

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da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.

Participaram do julgamento o desembargador Manassés de Albuquerque, como presidente, e a juíza convocada Lélia S. M. Negrão Giacomet.

Curitiba, 01 de novembro de 2005.

J. VIDAL COELHO - Relator

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Processo: 0169799-8

APELAÇÃO CÍVEL Nº 169.799-8, DE NOVA ESPERANÇA - VARA CÍVEL E ANEXOS.

APELANTE : TEREZINHA TEIXEIRA DOS ANJOS.

APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.

RELATOR : DES. ANTONIO LOPES DE NORONHA.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE EM SEPARAR, DEMARCAR E ISOLAR ÁREAS DESTINADAS À RESERVA LEGAL - ÔNUS DO PROPRIETÁRIO - PRAZO DE 20 (VINTE) ANOS PARA O REFLORESTAMENTO - ARTIGO 7º DO DECRETO ESTADUAL Nº 387/99 - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.

Compete ao proprietário do imóvel rural a demarcação e isolamento da área destinada à reserva legal, independentemente se foi o causador do desmatamento da floresta nativa.

O prazo para a recuperação das áreas de reserva florestal legal é de 20 (vinte) anos e deve ser cumprido pelo proprietário conforme tabela contida no artigo 7º do Decreto Estadual Nº 387/99.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 169.799-8, de Nova Esperança - Vara Cível e Anexos, em que é Apelante Terezinha Teixeira dos Anjos e Apelado o Ministério Público do Estado do Paraná.

1. O Ministério Público do Estado do Paraná propôs ação civil pública para tutela ambiental da "área de reserva legal" em face de Terezinha Teixeira dos Anjos, alegando que a requerida é proprietária de um imóvel rural (Matrícula Nº 9.878 do Registro de Imóveis da Comarca de Nova Esperança), situada no Município de

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Atalaia e banhado pelo Rio Pirapó. Requereu que a ré seja condenada a tomar as seguintes providências: 1) delimitar a área de reserva legal no prazo de 12 (doze) meses, a contar do trânsito em julgado da sentença, conforme projeto técnico elaborado por profissional habilitado; 2) protocolar junto à Promotoria de Justiça, no prazo de 30 (trinta) dias, após findo o prazo do item anterior, a cópia do projeto devidamente aprovado pelo Instituto Ambiental do Paraná; 3) proceder à averbação da reserva legal junto ao Registro Imobiliário, no prazo de 90 (noventa) dias, com início após o término do prazo do item 1; 4) cercar o local, de modo a impedir o acesso de animais quadrúpedes, no prazo de 18 (dezoito) meses, a contar do trânsito em julgado da sentença condenatória; 5) reflorestar toda a área, na proporção de 1/5 (um quinto) por ano, no prazo de 5 (cinco) anos, a partir do término do prazo do item anterior. Pleiteou, ainda, a imposição de multa diária em caso de descumprimento da obrigação.

Em contestação, a requerida argüiu, preliminarmente, a sua ilegitimidade para atuar no pólo passivo da lide, eis que adquiriu o terreno já desmatado. No mérito, afirmou que o artigo 16, incisos III e IV, do Código Florestal, são inconstitucionais, pois limitam o direito de propriedade sem que haja previsão na Carta Magna e de forma indiscriminada para todas as propriedades rurais. Sustentou que "somente será obrigatória a recomposição das florestas de reserva legal no percentual necessário para a manutenção dos processos ecológicos essenciais e para preservação da flora, fauna e belezas naturais, situação que somente poderá ser aferida a partir da análise técnica da região onde se localiza o lote rural da requerida e, jamais, a partir da exigência legal pura e simplesmente". Asseverou que possui o prazo de 30 (trinta) anos para recompor a área de reserva legal, nos termos do artigo 44, inciso I, do Código Florestal, com a alteração dada pela Medida Provisória 2.166-67, de 24 de agosto de 2001. Ressaltou que deve ser procedida a necessária perícia, para que seja averiguada a necessidade do reflorestamento exigido pelo representante do Ministério Público.

O autor impugnou a contestação às fls. 62/70.

Sentenciando, o Dr. Juiz de Direito julgou procedentes os pedidos, para o fim de: 1) condenar a ré, em local de sua escolha e sob pena de multa mensal de R$ 1.000,00 (mil reais): a) a separar área equivalente a 20% (vinte por cento) da superfície do lote nº 100-F (matrícula 9.878) e isolá-la com cerca de arame à prova de

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passagem de gado bovino, se confrontar com área de pasto, no prazo de 1 (um) ano a contar do trânsito em julgado da sentença; b) a promover o reflorestamento da referida área com espécies nativas, de acordo com orientação do órgão ambiental oficial, a ser concluído nos 12 (doze) meses subseqüentes, a contar do término do prazo concedido no item anterior; 2) a averbar a restrição à margem da matrícula do imóvel, após o trânsito em julgado da sentença, sob pena de incorrer em multa igual à anteriormente estipulada. Condenou a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que foram arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais).

Inconformada, interpôs a vencida recurso de apelação, sustentando que é parte ilegítima para atuar no pólo passivo da demanda, tendo em vista que a mesma já estava desmatada quando adquiriu a área objeto da lide. Afirmou que há necessidade de dilação probatória. Alegou a inconstitucionalidade do artigo 16 do Código Florestal, tendo em vista que estabelece, de forma indiscriminada, que os proprietários de área rural devem reservar 20% (vinte por cento) da mesma para o reflorestamento, sem critérios específicos. Salientou que possui 30 (trinta) anos para cumprir a sentença, nos termos do artigo 44, inciso I, do Código Florestal (alterado pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 28 de agosto de 2001) ou, na pior das hipóteses, o prazo de 20 (vinte) anos, conforme preceitua o artigo 7º do Decreto Estadual nº 387/99. Requereu o preqüestionamento da matéria abordada.

Em contra-razões, o Ministério Público do Estado do Paraná ressaltou que se trata de obrigação propter rem, portanto, não importa se o proprietário do imóvel foi o causador ou não do dano ambiental. Disse que é possível o julgamento antecipado da lide, como no caso dos autos, em que é dispensável a instrução probatória. Afirmou a constitucionalidade do artigo 16 do Código Florestal e que são adequados os prazos concedidos na sentença. Argumentou que a ré deve reflorestar o local e não apenas abandoná-lo.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

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2. Estão presentes os pressupostos legais para a admissibilidade da apelação: cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, tempestividade, preparo oportuno, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer.

Não obstante os argumentos expendidos pela apelante, seu recurso não deve ser provido.

Primeiramente, cabe salientar que a obrigação de demarcar e reflorestar a área de reserva legal é propter rem, ou seja, acompanha a coisa, pouco importando se foi o seu atual ou o anterior proprietário que deu causa ao dano.

Nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, a responsabilidade pelos danos ambientais é objetiva, sendo desnecessária a investigação sobre quem é o seu verdadeiro causador:

"Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(...)

§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente".

A respeito, conclui Luis Henrique Paccagnella:

"A obrigação de reconstituir a vegetação natural, nas áreas de preservação permanente e reserva legal, possui caráter real - 'propter rem' - ou seja, é uma obrigação que se prende ao titular do direito real seja ele quem for, em virtude, tão-somente, de sua condição de proprietário ou possuidor" (Meio Ambiente - Função Sócio-ambiental da Propriedade Rural e Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Florestal Legal, publicada na RJ nº 247 - MAI/1998, pág. 16).

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O meio ambiente deve ser protegido e, se o atual proprietário, não cumpriu os ditames legais de forma espontânea, deve ser compelido a fazê-lo, nos termos do provimento judicial.

Nesse sentido é a jurisprudência:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - ILEGITIMIDADE PASSIVA INEXISTENTE - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - Segundo o previsto no artigo 14, parágrafo único, da Lei Nº 6.938/81, a responsabilidade de reparar o meio ambiente é objetiva. A obrigação de preservar a mata e de repará-la acompanha a propriedade, independentemente de quem seja o seu titular, por tratar-se de obrigação 'propter rem', ou seja, de obrigação que recai sobre uma pessoa por força de um determinado direito real. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - RESERVA FLORESTAL LEGAL - O legislador ao instituir as áreas de reserva florestal, procurou preservar um bem de interesse de toda a sociedade, permitindo o desenvolvimento do ecossistema, tentando evitar que o proprietário rural dispusesse dessas áreas de acordo com as suas próprias necessidades pessoais. A reserva florestal, disposta no artigo 16 do Código Florestal, tem como finalidade própria de reserva e deve ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel" (TJPR, ApCiv 0112153-9, 1ª C.Cív., Rel. Des. Antonio Prado Filho, DJPR 10/6/2002. Os destaques não constam do original).

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CÓDIGO FLORESTAL - DANO AO MEIO AMBIENTE - RESERVA LEGAL - FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - PRINCÍPIOS ELENCADOS NA CONSTITUIÇÃO - O PROPRIETÁRIO TEM OBRIGAÇÃO DE REFLORESTAR 20% DA ÁREA DE SUAS TERRAS. É FATO INCONTROVERSO NOS AUTOS, QUE O PROPRIETÁRIO UTILIZOU INTEGRALMENTE A ÁREA - INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO 2º, DO ARTIGO 16, DO CÓDIGO FLORESTAL (LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965) - CONSIDERANDO-SE A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA, O RESPEITO ÀS NORMAS ERIGIDAS PARA A DEFESA DO MEIO AMBIENTE NÃO FERE O DIREITO DE PROPRIEDADE - O INSTRUMENTO DE QUE SE VALE O PODER PÚBLICO PARA ALCANÇAR O BEM COMUM É O DIREITO, E A PROTEÇÃO SÓ É POSSÍVEL COM A

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RELATIVA LIMITAÇÃO DA PROPRIEDADE PARTICULAR, CONCILIANDO O DIREITO REAL E ABSOLUTO DE LIVREMENTE USAR E GOZAR, COM O DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E À SADIA QUALIDADE DE VIDA - APELO IMPROVIDO - I. O atual proprietário, embora não seja o responsável pelo desmatamento, não pode se subtrair à exigência legal, que é dirigida a todos indistintamente, máxime se continuou a explorar a integralidade da área com a atividade pecuária, ocasionando o mesmo dano. II. O Código Florestal instituiu a chamada reserva florestal legal, assim entendida a área de no mínimo 20% de cada propriedade rural, onde não é permitido o corte raso, sendo vedada a alteração de sua destinação nos casos de transmissão a qualquer título, ou de desmembramento da área (art. 16, § 2º, da Lei Nº 4.771/65)" (TJPR, ApCiv 0118454-5, 2ª C.Cív., Rel. Des. Hirosê Zeni, DJPR 17/6/2002. Os destaques não constam do original).

"RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "C" - PROPRIEDADE RURAL - ATIVIDADE AGRO-PASTORIL - RESERVA LEGAL - TERRENO ADQUIRIDO PELO RECORRENTE JÁ DESMATADO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ADQUIRENTE DO IMÓVEL - EXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 16 ALÍNEA "A" E § 2º DA LEI N. 4.771/65; 3º E 267, IV, DO CPC - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA.

Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens.

Aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental (...)" (STJ, RESP 217858/PR, 2ª Turma, Relator Ministro Franciulli Netto, publicado em 19/12/2003. Os destaques não constam do original).

O artigo 16 do Código Florestal dispõe:

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"Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

(...)

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País".

Não se sustenta o argumento da apelante de que referido dispositivo é inconstitucional. Consoante estabelece o artigo 225 da Constituição Federal, o Poder Público poderá tomar medidas que visem à preservação do meio ambiente, inclusive, editando leis que atendam a esse objetivo:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Obviamente que, com base nesse preceito, foi recepcionado pela Carta Magna o artigo 16 do Código Florestal. Assim, corretamente aplicada a condenação para que a recorrente proceda à demarcação e reflorestamento da área de reserva legal, pois tal obrigação é decorrente de lei, a qual foi baseada em amplos estudos para estabelecer esse percentual mínimo como critério para a restrição ao uso da propriedade.

A respeito já decidiu este egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANOS AO MEIO AMBIENTE E OBRIGAÇÃO DE FAZER - EXIGÊNCIA DE REFLORESTAMENTO DE RESERVA LEGAL EM 20% DA ÁREA DE IMÓVEL RURAL - FATO CONSTITUTIVO - INCONTROVÉRSIA - PEDIDO JULGADO PROCEDENTE - PRINCÍPIOS ELENCADOS NA CONSTITUIÇÃO - DIREITO DE PROPRIEDADE E DEFESA DO MEIO AMBIENTE - PREJUÍZO MAIOR AO MEIO AMBIENTE -

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Apelação desprovida. (...) 2. Tendo em vista a função social da propriedade privada, o respeito às normas erigidas para a defesa do meio ambiente não fere o direito de propriedade. O instrumento de que se vale o Poder Público para alcançar o bem comum é o direito, e a proteção só é possível com a relativa limitação à propriedade particular, conciliando o direito real e absoluto de livremente usar e gozar, com o de proteção do meio ambiente e da sadia qualidade de vida" (TJPR, ApCiv 0105687-9, 5ª C.Cív., Rel. Des. Ivan Bortoleto, DJPR 25/3/2002. Os destaques não constam do original).

Não é demais lembrar o disposto no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, ao estabelecer que a propriedade deverá atender à sua função social.

Portanto, mostra-se legítima a obrigação da apelante em estabelecer uma área de reserva legal, fato que não lhe retira o direito de propriedade, mas apenas o amolda de forma a atender sua função social.

Desse modo, desnecessária a dilação probatória, pois tal imposição é decorrente de lei, que fixou a reserva legal em seu percentual mínimo, fato que foi respeitado na decisão monocrática.

Por fim, a recorrente sustentou que possui 30 (trinta) anos para cumprir a sentença, nos termos do artigo 44, inciso I, do Código Florestal (alterado pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 28 de agosto de 2001, ainda em vigor em virtude do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001) ou, na pior das hipóteses, o prazo de 20 (vinte) anos, conforme preceitua o artigo 7º do Decreto Estadual nº 387/99.

Dispõe o artigo 44, inciso I, do Código Florestal:

"Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus § § 5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:

I - recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual

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competente".

Por sua vez, estabelece o artigo 7º Decreto Estadual 387/99:

"Art. 7º - O prazo máximo para a recuperação das áreas de reserva florestal legal fixado por este Decreto é de 20 (vinte) anos, a ser cumprido pelo proprietário de forma escalonada, conforme tabela deste artigo:

(...)

Parágrafo único - O não cumprimento da recuperação da parcela correspondente anual, gera efeito cumulativo para os anos subseqüentes".

O magistrado a quo julgou procedentes os pedidos para o fim de: 1) condenar a ré, em local de sua escolha e sob pena de multa mensal de R$ 1.000,00 (mil reais): a) a separar área equivalente a 20% (vinte por cento) da superfície do lote Nº 100-F (matrícula 9.878) e isolá-la com cerca de arame à prova de passagem de gado bovino, se confrontar com área de pasto, no prazo de 1 (um) ano a contar do trânsito em julgado da sentença; b) a promover o reflorestamento da referida área com espécies nativas, de acordo com orientação do órgão ambiental oficial, a ser concluído dentro de 12 (doze) meses subseqüentes, a contar do término do prazo concedido anteriormente; 2) a averbar a restrição à margem da matrícula do imóvel, após o trânsito em julgado, sob pena de incorrer em multa igual à anteriormente estipulada.

Quanto aos itens 1.a e 2, não há óbice para que sejam cumpridas nos prazos estipulados pelo magistrado, tendo em vista que se trata de separação da área, isolamento e averbação no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Nova Esperança.

Todavia, o prazo de 2 (dois) anos para proceder ao reflorestamento, a contar do trânsito em julgado da sentença condenatória, é exíguo ante as providências a serem tomadas, tanto que a referida legislação estabelece prazo extenso para o cumprimento dessa obrigação propter rem.

Ressalte-se o que foi decidido na Apelação Cível nº 140.710-5, pela 1ª Câmara Cível deste egrégio Tribunal de Justiça, em que se verifica a prevalência do comando normativo que melhor proteja o meio ambiente:

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"Processo Civil. Nulidade de Citação. Inocorrência. Direito Ambiental. Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Florestal Legal. Isolamento e reflorestamento. Obrigação do atual proprietário rural. Desnecessidade de prévia delimitação. Prazo legal.

(...)

2. A obrigação de recomposição das áreas de preservação permanente e de reserva legal incumbe, por força de lei, ao proprietário do imóvel rural e transfere-se do alienante ao adquirente, independentemente de culpa pela degradação do meio ambiente.

3. A exploração econômica do imóvel em sua totalidade, sem o isolamento da faixa ciliar e sem a reserva de 20% da sua superfície para a reserva florestal, importa em atividade poluidora, seja qual for a destinação dada pelo proprietário.

(...)

5. Por força da legislação estadual sobre meio ambiente, cuja competência é concorrente, o prazo máximo para a recuperação das áreas de reserva legal é de 20 anos, a ser cumprido pelo proprietário na proporção de 1/20 por ano.

(...)

Razoável, portanto, a decisão recursada, quando condena os apelantes a promoverem o isolamento das áreas de preservação permanente e de reserva legal, de acordo com orientação do órgão ambiental oficial. Tal determinação não só viabiliza o efetivo cumprimento das normas que visam a preservação do meio ambiente, como também permite que tal ocorra de forma correta, pois os técnicos que incorporam os referidos órgão poderão auxiliar em diversas questões, como quais as espécies nativas a serem utilizadas, o espaço ideal a ser isolado, dentre outras.

(...)

Quanto ao segundo, registrar é preciso que a Lei Nº 8.171/91, no artigo 99, estabelece o prazo máximo de 30 anos para a recomposição da reserva legal, determinando o plantio, em cada ano, de pelo menos um trinta avos da área total, enquanto que o

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Decreto Estadual Nº 387/99 prevê o prazo máximo de 20 anos, a ser cumprido pelo proprietário de forma escalonada, na proporção de 1/20 por ano, consoante tabela fixada no seu artigo 7º.

Considerando-se que é concorrente a competência dos Estados para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, consoante disposto no artigo 24, VI, da Lei Fundamental e, ainda, que em matéria de meio ambiente deve incidir a lei mais favorável ao interesse público, revela-se adequada a adoção do prazo estabelecido na lei estadual, qual seja, 20 anos" (TJPR, Relator Des. Ulysses Lopes, julgado em 17/2/2004. Os destaques não constam do original).

Sendo assim, deve ser modificada parcialmente a sentença, para estabelecer que o prazo para a recuperação das áreas de reserva florestal legal é de 20 (vinte) anos, a contar do trânsito em julgado da sentença, a ser cumprido pela proprietária de forma escalonada, conforme tabela constante do artigo 7º do Decreto nº 387/99.

Tendo em vista que houve reforma parcial da sentença, a recorrente deverá arcar com 70% (setenta por cento) das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados na decisão monocrática.

Não se condena o Ministério Público aos ônus da parcial sucumbência, tendo em vista que não agiu com má-fé, nos termos do que preceitua o artigo 18 da Lei nº 7.347/85.

Veja-se o seguinte julgado a respeito do tema:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROCEDÊNCIA - CONDENAÇÃO EM CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - INVIABILIDADE - MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 18 DA LACP - Mesmo se vencido na ação civil pública, não há de se falar em condenação do Ministério Público ao pagamento das custas e honorários advocatícios, se não há prova de que tenha agido com má-fé. Ademais, a má-fé não se presume" (TJMG, APCV 000.283.972-8/00, 4ª C.Cív., Rel. Des. Hyparco Immesi, J. 10/4/2003. Os destaques não constam do original).

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"MINISTÉRIO PÚBLICO - Ação civil pública. (...) Ação improcedente. Recurso provido. SUCUMBÊNCIA - Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público. Inexistência. Observância do art. 18, da Lei Nº 7.347/85 (LACP). Inversão incabível" (1º TACSP, AP 0829931-8, 11ª C., Rel. Juiz Vasconcellos Boselli, julgado em 7/2/2002. Os destaques não constam do original).

Por estas razões, ACORDAM os integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Desembargadores Luiz Cezar de Oliveira e Prestes Mattar.

Curitiba, 8 de junho de 2005.

ANTONIO LOPES DE NORONHA

PRESIDENTE E RELATOR

Apelação Cível Nº 169.799-8

REsp 58937 / SP ; RECURSO ESPECIAL 995/0001256-1 Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER (1104) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 16/09/1997 Data da Publicação/Fonte DJ 06.10.1997 p. 49928

EMENTA ADMINISTRATIVO. CODIGO FLORESTAL. RESERVA LEGAL. AVERBAÇÃO NO REGISTRO DE IMOVEIS. A AVERBAÇÃO, NO REGISTRO DE IMOVEIS, DA RESERVA LEGAL SO E EXIGIVEL APOS A PUBLICAÇÃO DA LEI 7.803/1989, QUE ACRESCENTOU PARÁGRAFOS AO ART. 16 DA LEI 4.771/1965, UM DOS QUAIS PREVENDO EXPRESSAMENTE ESSA OBRIGAÇÃO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

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RMS 18301 / MG; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2004/0075380-0 Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 24/08/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 03.10.2005 p. 157

Ementa ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. AVERBAÇÃO DE RESERVA FLORESTAL. EXIGÊNCIA. CÓDIGO FLORESTAL. INTERPRETAÇÃO. 1. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito que a Constituição assegura a todos (art. 225 da CF), tendo em consideração as gerações presentes e futuras. Nesse sentido, desobrigar os proprietários rurais da averbação da reserva florestal prevista no art. 16 do Código Florestal é o mesmo que esvaziar essa lei de seu conteúdo. 2. Desborda do mencionado regramento constitucional portaria administrativa que dispensa novos adquirentes de propriedades rurais da respectiva averbação de reserva florestal na matrícula do imóvel. 3. Recurso ordinário provido.

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3.2 JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2002.72.01.001754-1/SC

Data da Decisão: 02/05/2007

Órgão Julgador: OITAVA TURMA

Fonte D.E. DATA:09/05/2007

Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ

Ementa PENAL. CRIME AMBIENTAL CONTRA A FAUNA MARINHA. PESCA EM LOCAL DE DEFESO. UTILIZAÇÃO DE PETRECHOS PROIBIDOS. PRAIA DE ITAPOÁ. SANTA CATARINA. PORTARIA 074/2001 DO IBAMA E ART. 34, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADOS. ESTADO DE NECESSIDADE. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O delito de pesca em local vedado ou com petrechos proibidos perfectibiliza-se com qualquer ato tendente à captura de espécimes ictiológicos (Lei nº 9.605/98, arts. 34 c/c 36), ou seja, com a simples conduta capaz de produzir materialmente o prejuízo. O crime é formal, prescindindo de dano concreto (pesca efetiva), e o perigo, presumido. Eventual obtenção do resultado material consiste em mero exaurimento do tipo.

2. Hipótese em que o agente, contrariando as disposições contidas na Portaria nº 074/2001, do IBAMA, efetuou pesca de camarão com rede de "malha de arrasto e duas portas", em local de proibido.

3. A situação de dificuldade financeira, comum nos dias de hoje, não justifica a prática de atos ilícitos.

4. O bem jurídico agredido, nas infrações penais ambientais, é o ecossistema (constitucionalmente tutelado: art. 225 da CF/88), cuja relevância não pode ser mensurada, o que resulta na impossibilidade de aplicação da tese do crime de bagatela e, por conseqüência, dos princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade do Direito Penal.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.72.08.001805-1/SC

Data da Decisão: 06/12/2006

Órgão Julgador: OITAVA TURMA

Fonte D.E. DATA:10/01/2007

Relator ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO

Relator do Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ

Ementa PENAL. CRIME AMBIENTAL CONTRA A FAUNA MARINHA. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. ART. 34 DA LEI Nº 9.605/98. ILHA DESERTA. RESERVA BIOLÓGICA MARINHA DO ARVOREDO. ESTADO DE SANTA CATARINA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADOS.

Quem pesca em lugares interditados pelo órgão competente comete o delito previsto no art. 34 da Lei nº 9.605/98. Hipótese em que o agente foi flagrado na posse de petrechos de pesca, dentro da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, área de proteção ambiental, sujeita a regime especial de uso, conforme dispõe o Decreto nº 99.142, de 12 de março de 1990.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.70.08.000804-8/PR

Data da Decisão: 04/10/2006

Órgão Julgador: OITAVA TURMA

Fonte DJU DATA:11/10/2006 PÁGINA: 1196

Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Ementa PENAL. PROCESSO PENAL. EMENDATIO LIBELLI. CRIMES AMBIENTAIS CONTRA A FAUNA E FLORA. AUTORIA E MATERIALIDADE. CONSUMAÇÃO. OMISSÃO.

ESTADO DE NECESSIDADE. PORTE DE ARMA.

1. Admissível a reclassificação típica prevista no artigo 383 do Código de Processo Penal somente quando os fatos empregados na sentença condenatória encontram respaldo na peça acusatória. 2. Consuma-se a modalidade majorada do delito do artigo 29, caput, c/c §4º, inciso V, da Lei 9.605/98 quando demonstrado nos autos que o agente promoveu o abate de animais silvestres dentro de parque nacional. Incorre no mesmo delito aquele que recebe em sua residência e guarda o armamento de caçadores, omitindo-se, por conseqüência, com o dever de agir imposto legalmente ou pela sua própria conduta (artigo 13, § 2º, alíneas "a" e "b" do Código Penal).

3. Dificuldade financeira desprovida de comprovação no processo não autoriza o reconhecimento do estado de necessidade - artigo 156 do Código de Processo Penal.

4. O corte de árvores, ainda que para consumo próprio de lenha, mediante a utilização de motosserra e sem o devido registro nas autoridades competentes configura o crime previsto no artigo 51 da Lei 9.605/98, especialmente quando praticado dentro de área de preservação ambiental.

5. A presença de armas de fogo e munição de terceiros se enquadra na figura típica do artigo 10 da Lei 9.437/97, que, nos verbos "possuir", "deter", "ter em depósito”.

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CRIMES CONTRA A FLORA E EXTRAÇÃO MINERAL

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.72.04.002610-3/SC

Data da Decisão: 13/06/2007

Orgão Julgador: OITAVA TURMA

Fonte D.E. DATA: 20/06/2007

Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Ementa PENAL. DERRUBADA DE ÁRVORES EM APP. EXTRAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE ARGILA SEM AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA DE ÓRGÃO RESPONSÁVEL. ART. 55, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98. ART. 2º, CAPUT, DA LEI Nº 8.176/91. CONCURSO FORMAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. EX OFFICIO.

1. Verificada que a derrubada de árvores está compreendida na fase executória (iter criminis) de outro tipo penal, que também tutela o meio ambiente, resta caracterizado o antefato impunível.

2. Realizada uma conduta, apresentando-se compreendida em dois tipos penais que tutelam bens jurídicos distintos, art. 55 da Lei nº 9.605/98 (meio ambiente) e art. 2º da Lei nº 8.176/91 (patrimônio público), tal hipótese configura concurso formal de crimes, com aplicação da regra do art. 70 do Código Penal.

3. É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica em delitos ambientais, nos termos do art. 225, § 3º, da CF/88 e no art. 3º da Lei nº 9.605/98. 4. Ausente critérios específicos na legislação a respeito da prescrição das penas de pessoa jurídica, de modo a facilitar sua análise, deve ser determinada a sanção aplicada dentro do prazo da pena em abstrato, com cumprimento de forma mensal, pois considerando que o administrador é o mentor do ilícito, não se apresenta razoável usar outro critério que leve o prazo prescricional a ser maior que aquele incidente para o gestor da empresa.

5. Fixada pena inferior a 01 (um) ano e transcorridos mais de 02 anos entre o recebimento da denúncia e a decisão condenatória, deve ser reconhecida, de ofício, a incidência da prescrição e declarada extinta a punibilidade, com aplicação dos

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arts. 107, IV, 109, VI e 110, § 1º, todos do CP.

CRIME EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.72.08.000593-3/SC

Data da Decisão: 04/07/2007

Órgão Julgador: OITAVA TURMA

Fonte D.E. DATA: 11/07/2007

Relator ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO

Ementa PROCESSO PENAL. AUTO DE INFRAÇÃO. LEGALIDADE. CRIME AMBIENTAL. ARTS. 50 E 64 DA LEI Nº 9.605/98. DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO FIXADORA DE DUNAS. CONSTRUÇÃO EM SOLO NÃO EDIFICÁVEL. ÁREA DE IMPORTANTE VALOR PAISAGÍSTICO E ECOLÓGICO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. REDUÇÃO DA REPRIMENDA.

1. Não há falar em ilegalidade da autuação, quando o ato praticado por servidor do IBAMA foi realizado em estrita obediência aos regulamentos administrativos e às normas legais, inclusive tendo o próprio réu assinado o documento como responsável pelo imóvel sem opor qualquer objeção.

2. A conduta de destruir ou danificar vegetação de restinga/fixadora de dunas prevista no art. 50 da Lei 9.605/98 não pode ser punida como crime autônomo, quando o ato praticado se caracteriza como ante-fato impunível, sendo o meio para atingir o objetivo de construir sobre solo não edificável, sem autorização dos órgãos competentes (crime fim - art. 64 do mesmo Codex Ambiental) restando por este absorvida, em face do princípio da consunção.

3. Materialidade, autoria e dolo plenamente comprovados nos autos, pois o réu, na condição de proprietário e engenheiro, mesmo tendo consciência da necessidade de licença das entidades ambientais federais, foi o responsável pela construção e ampliação do empreendimento comercial em área de preservação permanente.

4. Sanções redimensionadas, em observância aos critérios legais.

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CRIME DE POLUIÇÃO APELAÇÃO CRIMINAL nº 2000.72.04.001531-8/SC Data da Decisão: 23/02/2005 Órgão Julgador: OITAVA TURMA Fonte DJU DATA:09/03/2005 PÁGINA: 666 Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO Ementa PENAL. CRIME AMBIENTAL. CAUSAR POLUIÇÃO AO MEIO AMBIENTE MEDIANTE O LANÇAMENTO DE ESGOTO EM ARROIO. MATERIALIDADE E AUTORIA. - Suficiente para configuração da materialidade e autoria do artigo 54, caput, §4º, incisos IV e V, da Lei 9.605/98 a prova de que dejetos oriundos da atividade de um hotel administrado pelo acusado eram lançados em arroio fluvial apresentando índices de coliformes fecais acima do permitido em Resolução do CONAMA.

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2005.04.01.006368-5/ SC Data da Decisão: 10/05/2005 Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA Fonte DJU DATA:25/05/2005 PÁGINA: 889 Relator TADAAQUI HIROSE Ementa PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ARTS. 40 E 48 DA LEI Nº 9.605/98. PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIDADE PENAL. PARTE PASSIVA LEGÍTIMA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ART. 41, CPP. JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL.ART. 43, CPP. MATÉRIA DE FATO. EXAME EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas está prevista no art. 225, § 3º, da CF bem como no art. 3º da Lei 9.605/98. Assim, podem figurar no pólo passivo de ação penal pela prática de crime ambiental, por ação ou omissão decorrente de decisão de seu representante legal ou contratual. 2. Em sede de Mandado de Segurança só cabe o trancamento da ação penal por ausência de justa causa em situações especiais, ou seja, quando a negativa de autoria é evidente ou quando o fato narrado não constitui crime, ao menos em tese, ou mesmo em situações em que não é necessária a instrução criminal para tal percepção.

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HABEAS CORPUS nº 2004.04.01.019821-5/ SC Data da Decisão: 09/06/2004 Órgão Julgador: OITAVA TURMA Fonte DJU DATA:16/06/2004 PÁGINA: 1244 Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ Ementa PENAL. PESSOA JURÍDICA. CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS. IMPOSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL QUE DEVE SER POSTULADO POR MEIO DE MANDADO DE SEGURANÇA. DENÚNCIA. NARRATIVA DE FATO QUE CONSTITUI CRIME EM TESE. IN DUBIO PRO SOCIETATIS. RECEBIMENTO DO LIBELO. 1. Não obstante a criminalização pela Lei nº 9.605/98 dos atos praticados por pessoa jurídica em detrimento ao meio ambiente, é uníssono o entendimento jurisprudencial de que a ela não se concede ordem de habeas corpus, uma vez não possuir a mesma capacidade de locomoção assegurada às pessoas físicas. Desse modo, "o trancamento de ação penal contra pessoa jurídica somente pode ser postulado em juízo através de mandado de segurança" (TRF 4ª Região - 7ª Turma; Rel. para acórdão Des. Federal Fábio Rosa; DJU 26/02/2003, p. 914). 2. Contendo o libelo acusatório a narrativa de fato que constitui crime em tese, bem como, ainda que sucintamente, os elementos necessários à exata compreensão da conduta delitiva imputada ao agente - afigurando-se, desse modo, que somente o exame do panorama probatório dos autos, em ocasião própria, poderá desvelar eventual inexistência de ilícito penal -, justifica-se o curso da ação penal, em respeito ao princípio 'in dubio pro societatis'. APELAÇÃO CRIMINAL nº 2001.72.04.002225-0 UF: SC Data da Decisão: 06/08/2003 Órgão Julgador: OITAVA TURMA Fonte DJU DATA:20/08/2003 PÁGINA: 801 Relator ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO Ementa PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. EXTRAÇÃO DE PRODUTO MINERAL SEM AUTORIZAÇÃO. DEGRADAÇÃO DA FLORA NATIVA. ARTS. 48 E 55 DA LEI Nº 9.605/98. CONDUTAS TÍPICAS. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. PROVA. MATERIALIDADE E AUTORIA. SENTENÇA MANTIDA.

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1. Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a Constituição Federal (art. 225, § 3º) bem como a Lei nº 9.605/98 (art. 3º) inovaram o ordenamento penal pátrio, tornando possível a responsabilização criminal da pessoa jurídica. 2. Nos termos do art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se dele não resultar prejuízo à defesa (pas de nullité sans grief). 3. Na hipótese em tela, restou evidenciada a prática de extrair minerais sem autorização do DNPM, nem licença ambiental da FATMA, impedindo a regeneração da vegetação nativa do local. 4. Apelo desprovido. MANDADO DE SEGURANÇA nº 2002.04.01.013843-0 UF: PR Data da Decisão: 10/12/2002 Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA Fonte DJU DATA:26/02/2003 PÁGINA: 914 Relator JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA Relator do Acórdão FÁBIO ROSA Ementa PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA. PASSAGEM DA CRIMINALIDADE INDIVIDUAL OU CLÁSSICA PARA OS CRIMES EMPRESARIAIS. CRIMINALIDADE DE EMPRESAS E DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. DIFERENÇAS. SISTEMA NORMATIVO REPOSITIVO E RETRIBUTIVO. IMPUTAÇÃO PENAL ÀS PESSOAS JURÍDICAS. CAPACIDADE DE REALIZAR A AÇÃO COM RELEVÂNCIA PENAL. AUTORIA DA PESSOA JURÍDICA DERIVA DA CAPACIDADE JURÍDICA DE TER CAUSADO UM RESULTADO VOLUNTARIAMENTE E COM DESACATO AO PAPEL SOCIAL IMPOSTO PELO SISTEMA NORMATIVO VIGENTE. POSSIBILIDADE DA PESSOA JURÍDICA PRATICAR CRIMES DOLOSOS, COM DOLO DIRETO OU EVENTUAL, E CRIMES CULPOSOS. CULPABILIDADE LIMITADA À MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DE QUEM DETÉM O PODER DECISÓRIO. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL DA PENA. FALÊNCIA DA EXPERIÊNCIA PRISIONAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. MELHORES RESULTADOS. APLICABILIDADE ÀS PESSOAS JURÍDICAS. VONTADE DA PESSOA JURÍDICA SE EXTERIORIZA PELA DECISÃO DO ADMINISTRADOR EM SEU NOME E NO SEU PROVEITO. PESSOA JURÍDICA PODE CONSUMAR TODOS OS

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CRIMES DEFINIDOS NOS ARTIGOS 29 E SEGUINTES DA LEI 9.605/98. PENAS APLICÁVEIS. CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS E PRESCRIÇÃO. LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PREVISTOS NOS TIPOS DA LEI 9.605/98. INTERROGATÓRIO NÃO DEVE SER FEITO NA PESSOA DO PREPOSTO. ATO DEVE SER REPETIDO NA PESSOA DO ATUAL DIRIGENTE. PROVA. NECESSIDADE DE REVELAR A EXISTÊNCIA DE UM COMANDO DO CENTRO DE DECISÃO QUE REVELE UMA AÇÃO FINAL DO REPRESENTANTE. INVIABILIDADE DE ANALISAR PROVAS EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A criação da pessoa jurídica derivou de uma evolução histórica diante das necessidades emergentes. Não poderia o direito negar sua realidade. Logo, o advento de um sistema normativo regulador das atividades empresariais coletivas constituiu decorrência inexorável. 2. Uma sociedade não tinha pensamento, não decidia nada, não praticava atos, não sofria reação reparadora do sistema, não assinava. Entretanto, passou a ser objeto da regulação jurídica. Havia de reparar danos causados, devolver imóvel objeto de esbulho, pagar o aluguel, satisfazer os salários, etc. Essa presença no mundo jurídico se consubstanciava de que maneira? Por intermédio de sua representação individual, que vinha determinada e esclarecida no ato constitutivo. Uma pessoa jurídica não poderia assinar um contrato, porque não possui existência física. Não poderia comparecer numa audiência. Não poderia fazer um acordo. Mas essa impossibilidade física foi superada pelo reconhecimento jurídico. Não haveria o direito de negar-se a encarar a realidade dos fatos. Indispensável criar dogmaticamente para adaptar os princípios à evolução histórica. E isso tudo foi feito, não havendo mais qualquer dúvida sobre a responsabilidade civil das pessoas jurídicas. 3. A pessoa jurídica não passa, sem dúvida alguma, de um mero patrimônio. E esse patrimônio somente recebe significado jurídico porque a norma lhe empresta esse significado. Não é por outro motivo que uma sociedade pode contratar. Insere-se no ramo de direito privado, onde a liberdade de vontade é regulada. A vontade da pessoa jurídica, portanto, teve de ser reconhecida, consubstanciando-se no seu cérebro que é a pessoa física gerenciadora das atividades sociais.

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4. O Direito Penal , por seu lado, evoluiu historicamente de maneira bem definida. Quando de sua sistematização científica, a partir da conquista da liberdade com a Revolução Francesa, em 1789, iniciou-se uma pesquisa no mundo europeu com Bentham (Inglaterra), Romagnosi (Itália) e Feurbach (Alemanha) que atravessou o século XIX. Nessa fase a criminalidade exclusiva era a que hoje denominamos clássica. A delinqüência de maior presença se identificava nas ações deletérias no âmbito das cidades, que sofriam um inchaço derivado da Revolução Industrial e, em seguida, resultante de seu fracasso. A ação se limitava a um conceito puramente individualista, como de resto a culpabilidade. 5. E isso não se modificou no início do século XX. Em verdade, no sistema anglo-saxão, cujo direito contém uma inspiração altamente pragmática, em que se busca muito mais a efetividade da normatização do que seu refinamento científico, desde o século XIX já marcava a doutrina americana uma preocupação com o problema do crime econômico. Em 1890 o Congresso dos EEUU aprovava a Lei Antitruste Sherman. A Europa continental, adotando um sistema romano-germânico, de índole formalista e com forte influência do espírito especulativo alemão, somente na década de 50 do século XX, num congresso em Roma, admitia e existência de um direito penal econômico. 6. Em verdade, o crime ainda se exprimia pela violência ou sagacidade individuais. Tal realidade recrudesceu a partir de 1960, quando o movimento hippie, numa reação pacifista diante da guerra do Vietnã, vulgarizou o uso do tóxico como mecanismo de fuga psicológico. A dificuldade para o acesso à droga causou o incremento da violência nos centros urbanos. É o que estamos vivenciando no momento atual. Crime de natureza individual. 7. Entretanto, o aumento dos investimentos foi determinando uma reformulação no âmbito das sociedades, cada vez maiores e mais complexas, formando-se o capital com ações colocadas no mercado de bolsas. Os negócios foram evoluindo, tendo a globalização estabelecido um nível extremo de complexidade nos mesmos. Nesse ambiente arrefeceu o âmbito da regulação dos estados e, exatamente por isso, abriu-se a oportunidade para que os crimes empresariais se afirmassem, tendo por sujeito passivo em especial o universo de consumidores, os habitantes de cidades, etc. 8. O crime é sempre a ocupação do espaço vazio de poder. O crime do colarinho branco exatamente entendeu a falha do sistema. Um direito penal montado dogmaticamente sobre uma experiência individualista nunca poderia atingir as sociedades. E foi através delas, com seu uso, que os criminosos passaram a agir com o

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objetivo de lucro e vantagens. E, diga-se de passagem, há duas espécies de criminalidade nesse âmbito econômico: a das empresas e a das organizações criminosas. A primeira diz respeito ao empresário que, para obter um melhor resultado no emprego do capital, frauda o consumidor, o fisco, lesa o meio ambiente, etc. Desse tipo de crime surge o chamado dinheiro negro. A segunda, que teve um recrudescimento vertiginoso em especial depois da vulgarização do uso do tóxico, deixou de simplesmente vender proteção, explorar prostituição ou jogos de azar. Passou a empregar as vultosas quantias objeto do tráfico internacional de entorpecentes nas atividades empresariais. Dessa ação delinqüente se origina o dinheiro sujo. Disso tudo resultou que as ações complexas no mundo internacional dos negócios tem como protagonista o poder econômico das sociedades e não simplesmente o das pessoas físicas. Desconhecer isso é desviar os olhos da realidade, uma volta à época em que se pretendia negar personalidade jurídica às sociedades, quando estas surgiram. Ihering criticava o formalismo jurídico, afirmando que a vida não deve submeter-se aos princípios, e sim os princípios haverão de modelar-se à vida. 9. Interessante observar que há uma reação de parte da imprensa contra órgãos judiciários, que agem de forma austera contra a criminalidade econômica. Coloca-se a questão como se o judiciário estivesse a emperrar o progresso da região, desestimulando os empresários. Essa é uma visão distorcida, estimulada exatamente pelo criminoso do colarinho branco para quem aproveita um sistema normativo confuso e uma justiça criminal ineficiente. Os grandes empresários procuram segurança em seus negócios, e não há maior segurança do que a prudência de um estado organizado, que não deixa espaço para o delito, garantindo o sucesso de quem investe respeitando a população do país. 10. A norma jurídica existe para inspirar os homens a exercer o limite da liberdade, em geral originada num conceito ético, mas às vezes num utilitarismo de programas de administração política. Essas normas, quanto às conseqüências que comportam, podem ser divididas em duas espécies: repositivas e retributivas. As primeiras têm finalidade reparadora, repõem as coisas no estado anterior. Se o sujeito não paga o seu débito, a regra determina a satisfação da dívida, com a atualização devida se for o caso. Acaso não devolva o terreno esbulhado, é obrigado a entregá-lo ao legítimo possuidor. Deixando de pagar o salário do empregado, acaba instado a fazê-lo sob pena de penhora dos bens. As normas retributivas podem conter reposição ou não, mas se caracterizam por implicar um plus em relação às repositivas. Se o sujeito furta, é

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obrigado a devolver os objetos e, além disso, será recolhido à prisão como pena. Se mata, não pode repor o status quo ante, porém sofrerá os efeitos da sanção. Observe-se que normas retributivas existem em quase todos os ramos do direito, bastando a caracterizá-las a existência daquele plus de que falamos. Assim, a multa da legislação trabalhista, tributária ou administrativa caracteriza sempre uma norma retributiva, assim como a norma do direito penal propriamente dito. Disso deriva a existência de um direito administrativo penal, de um direito trabalhista penal, de um direito tributário penal, etc. 11. Pois bem, o sistema normativo regula as atividades humanas, frente a fatos e atos jurisdicizados, tendo como fim o condicionamento das vontades, a manutenção de um dever-ser. Exatamente esse sentido impõe que o objeto da regulação seja tanto o ato individual como aquele derivado de uma ficção de pessoa representada por um patrimônio ao qual se atribui personalidade jurídica. A não devolução do imóvel pela sociedade locatária, a falta de pagamento do tributo, o dano derivado de uma decisão na fabricação do produto, todos esses fatos são atribuídos à pessoa jurídica. Ela, porém, nada decide, porque não pode pensar. Seu cérebro é o colegiado eleito para orientar os rumos da atividade empresarial. Ele decidiu não devolver o imóvel, deixar de recolher o tributo, causar dano ao consumidor para baratear a produção. E é essa decisão que se leva em consideração para atribuir responsabilidade contratual ou legal. As pessoas jurídicas se submetem às normas repositivas pela responsabilidade social derivada de seu comando representado pela administração. O artigo 1523 do Código Civil brasileiro de 1916 atribui responsabilidade civil às pessoas jurídicas por culpa ou negligência. A quem será atribuída tal culpa? Lembre-se, aqui, a afirmação de Bernardo J. F. Sánchez: la persona jurídica es el instrumento en manos del "hombre de trás" (Cuestiones Basicas sobre la Responsabilidad de las Personas Jurídicas, de Otras Personas y de Agrupaciones y Asociaciones de Personas, Revista do IBCrim. ano 7, nº 27, p. 32). Não pode ser outra a solução, tratando-se da incidência das normas retributivas. A resistência a respeito da responsabilidade penal das pessoas jurídicas se traduz, em realidade, na impossibilidade de sua submissão às regras de retribuição. E isso, obviamente, imporia que a sociedade nunca ficasse submetida a uma norma trabalhista penal, tributária penal, administrativa penal, porque todas elas, como se viu, contêm sanção. 12. Sustenta-se que a imputação penal às pessoas jurídicas é impossível pela incapacidade de praticarem a ação de relevância

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penal, pela incapacidade de atribuir-se-lhes culpabilidade e, por fim, pela incapacidade de sofrerem os efeitos da pena. Inicialmente, é forçoso concluir que não há lógica na atribuição de responsabilidade criminal a quem não pensa. Entretanto, também não há lógica em responsabilizar civilmente alguém que não decide. Se o pragmatismo impôs o reconhecimento da personalidade jurídica às sociedades, é ele novamente que há de imperar para atribuir responsabilidade penal à pessoa jurídica. Não pode o sistema sucumbir diante do crime empresarial sem qualquer reação a ações que se constituem no verdadeiro mal social. Lê-se em Russel Mokhiber: Clinard relaciona os seguintes exemplos de crime empresarial: restrições comerciais (fixação de preço e monopólio), manipulação financeira, propaganda enganosa, emissão de títulos fraudulentos, declarações de imposto de renda falsificadas, ambiente de trabalho insalubre, fabricação de produtos e drogas perigosos, descontos ilegais e propinas no Exterior, práticas trabalhistas injustas, contribuições políticas ilegais, práticas empregatícias discriminatórias e poluição ambiental (ob. cit. p. 20). Muitas outras são as atividades criminosas das pessoas jurídicas no mundo globalizado. Inviável manter a eficácia da norma retributiva apenas às pessoas físicas que administram ou participam da sociedade. Hoje, sabe-se que muitas sociedades têm existência formal adequada, mas com sócios fantasmas, geridas por procuradores com instrumentos de mandato falsificados. Como reagir, então, com referência às fraudes fiscais, trabalhistas, administrativas dessas pessoas jurídicas? 13. Refere William Terra de Oliveira: o tema da responsabilidade penal das pessoas jurídicas revela a enorme projeção que o Direito Penal Econômico vem ganhando neste final de século. Não sem motivos, boa parte da doutrina internacional assinala que as relações internacionais e o perfil do Direito Penal Moderno muito terá que ver com as questões econômicas e com as relações difusas, ao contrário da marcante característica individualista do Direito Penal tradicional. Em seguida, em nota de rodapé diz o autor: esta tendência vem sendo percebida nos últimos anos na temática acolhida pela doutrina penal, em várias partes do mundo. O Direito Penal Econômico tem adquirido grande importância em um cenário onde o papel do Estado é cada vez maior, revelando um intervencionismo nas bases do sistema econômico, ao mesmo tempo em que o mercado se especializa, tornando-se cada vez mais complexo e massificado, resultando que, na atualidade, as mínimas relações econômicas apresentem-se como anônimas ou impessoais, e quase automáticas. Somando-se tais tendências ao gigantesco progresso social do último século,

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cria-se um ambiente favorável ao surgimento de novas formas de criminalidade, especialmente a econômica (Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Sistemas de Imputação, in Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias e Direito Penal, coordenador Luiz Flávio Gomes, ed. RT, SP, 1999, p. 161). 14. Verifica-se que alguns pretendem a criação de uma forma intermediária do direito penal e administrativo para regular a criminalidade econômica, viabilizando a disciplina dos atos das pessoas jurídicas. Seria, então, aplicável um sistema sancionatório a quem não pode praticar ação, responder por culpa, nem sofrer os efeitos reparatórios e preventivos da pena? Não parece razoável esse posicionamento. Por que a sanção pode se originar em norma administrativa e não em norma penal se ambas são normas retributivas? Afinal de contas não pode responder pela multa por falta de cumprimento de obrigação acessória tributária quem não tem capacidade de ação, de decidir pelo ato ou de sofrer os efeitos da sanção pecuniária. 15. A teoria causalista define a ação como aquela sem a qual o resultado não teria acontecido. É a teoria da equivalência, que predominou no período sob influência da filosofia mecanicista. A ação para a teoria finalista de Hans Welzel pressupõe mais do que essa relação de causalidade: uma vontade dirigida ao resultado. A ação é imputável a quem lhe deu causa com um propósito. É a ação final, porque ninguém age sem um escopo. Para a teoria social da imputação objetiva, além da relação de causalidade, é preciso que a ação caracterize a quebra do papel social devido com frustração da expectativa posta na norma jurídica. 16. Por que seria a pessoa jurídica incapaz de realizar a ação com relevância penal? Costuma-se afirmar que a imputação penal da sociedade pela conduta do sócio administrador seria uma responsabilidade por fato alheio, o que repugna o Direito Penal. No entanto, o que se impõe é fazer a distinção entre os atos praticados pelos administradores da pessoa jurídica em proveito próprio e aqueles praticados em proveito da sociedade. A quem atribuir o resultado do dano ao erário no crime tributário com falsificação da escrituração: à pessoa jurídica que aproveita o valor sonegado, utilizando-o como capital de giro, ou ao gerente dela? Caso a ação típica tiver sido praticada para fraudar o fisco e obter a fonte fácil para o investimento, não haverá a menor dúvida de que o administrador assim determinou a ação em nome e no interesse da pessoa jurídica. Logo, a responsabilidade desta haveria de ser reconhecida penalmente. Entretanto, diversa solução ocorreria se o gerente tivesse falsificado um documento apenas para

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comprometer a empresa e prejudicar, por vingança, os demais sócios. A responsabilidade penal não poderia ser da sociedade porque não foi em proveito dela e, pois, em seu nome, que teria se desenvolvido o comportamento típico. 17. Quando o colegiado que dirige a pessoa jurídica decide poluir um rio, despejando os dejetos, porque dispendioso seria agir de outro modo; ou, por outro lado, opta por uma solução de previsível insuficiência para evitar o dano, ocasionando-o, evidentemente não se está ante uma ação individual, mas na presença de uma atividade da própria sociedade, do empreendimento, e, logo, este há de responder pelo crime tipificado. A autoria da pessoa jurídica deriva da capacidade jurídica de ter causado um resultado voluntariamente e com desacato ao papel social imposto pelo sistema normativo vigente. Esta é a ação penalmente relevante. O sócio administrador foi apenas o protagonista do desenvolvimento das atividades empresariais que visava ao lucro. Submetendo-se a esse papel representa a responsabilidade social penal, e também a individual penal, ou seja, a pessoa jurídica e o sócio serão réus na ação penal. 18. Logo, a ação do ponto de vista penal pode ser praticada pela pessoa jurídica, cuja existência no âmbito normativo é aceita, porque desenvolve atividades no meio social, podendo os atos praticados em seu nome e proveito vir a caracterizar comportamentos típicos. Quem polui ou frauda é a pessoa jurídica, do mesmo modo que é ela que esbulha a posse e responde o interdito possessório. Não há diferença. 19. Da concepção normativa da culpa derivou que o juízo de censura constitui uma atribuição originada na norma jurídica. Ao indivíduo se impõe o dever de agir conforme o direito. A ação consciente e voluntária para lesar a norma penal acarreta o juízo de censura contido na mesma. A culpa não está no espírito do autor do fato, mas dentro da regra, criada por ela. A conduta desconforme ao direito acarreta a responsabilidade penal. Exigência de comportamento adequado é um conceito estritamente normativo. Como já se viu, o desenvolvimento das atividades empresariais se origina de um centro de decisão representado pelas pessoas indicadas no ato constitutivo. Klaus Tiedemann fala em responsabilidade por organização ou defeito de organização. O objeto da censura resultante da norma só pode ser a ação praticada pela empresa, que se traduz no comportamento do administrador em nome e proveito da pessoa jurídica. 20. A pessoa jurídica, através de seu centro de decisão, poderá praticar crimes dolosos, com dolo direto ou eventual, e crimes

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culposos. Como se sabe, segundo a teoria da adequação exige-se um comportamento social adequado do cidadão, que se deve comportar segundo o nível de cuidado exigível. Superar o limite do cuidado sinaliza a superação do permitido, sendo objeto da inculpação. Comportamento negligente é o mantido fora do limite do cuidado exigível no tráfico. O colegiado mantém o poder decisório, direciona a ação final da pessoa jurídica, os rumos do investimento. A decisão sobre a conduta adequada, dentro da margem de risco permitida, parte da gerência. 21. Quando são vários os indivíduos encarregados da administração, basta que um dirija a vontade da empresa para certa atividade, sem a previsão exigível, para que se considere consumado o crime culposo da pessoa jurídica. Tal não acontecerá, certamente, se o administrador tiver traído os objetivos contratuais, regulamentares ou regras costumeiras do empreendimento. Mas se apenas cumpriu o seu papel na direção do empreendimento, presume-se a ação em proveito da sociedade. Isso pode acontecer, por exemplo, quando se elege uma forma econômica de investimento na produção, gerando produtos defeituosos que causam danos aos consumidores. Pode, também, o descuidado se revelar pela culpa in eligendo, ao se atribuir responsabilidade técnica a quem, evidentemente, não a possui. Pela culpa in vigilando, ao abandonar-se o cuidado necessário na orientação e acompanhamento dos prepostos ou empregados no exercício de suas atividades, omitindo o treinamento e atualização. O principal é estabelecer o cordão umbilical entre a ação imprudente do preposto ou empregado e a extensão do poder decisório do colegiado. Assim, se a empresa providencia todas as precauções possíveis para evitar a ação típica culposa, mas é traída pelo preposto ou empregado que deixa de atender às recomendações ou regras internas, não se pode atribuir responsabilidade penal à pessoa jurídica pelo evento delituoso. Aí, estaríamos diante de responsabilidade objetiva. 22. O que se há de constatar é que certos empreendimentos ocupam espaços de riscos mais acentuados. Nessas hipóteses, o que se exige é o maior índice do cuidado na produção. É o mesmo que acontece com a pessoa física. Ao dirigir seu automóvel numa rua deserta tem dever menor de cautela com certas regras do que ao locomover-se em tráfego congestionado de estradas expressas. O exame do caso concreto no evento culposo será realizado com base na adequação da decisão e orientação gerencial da pessoa jurídica. O depósito para fabricar escovas de dente supõe medidas preventivas bem menores do que o destinado à fabricação de fogos

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de artifício. Faltando esse cuidado, o fato típico decorrente por eventual incêndio ou explosão, é atribuído à responsabilidade do centro de decisão da pessoa jurídica, que optou pela conduta negligente a fim de economizar no investimento. 23. Haverá situações em que a prova será muito difícil a fim de se concluir sobre a imprudência do colegiado e, pois, de seu ente social. Evidenciando-se a desproporção entre o ato do preposto e a capacidade decisória da pessoa jurídica, esta não será culpável criminalmente. Tal ocorre nos atos de boicote à empresa, ou que decorrem de mal súbito sofrido na operação ou, até mesmo, de empregado desqualificado que agiu por decisão exclusiva do preposto. Em todas essas hipóteses o descuidado do centro de decisão não pode ser reconhecido. 24. Caberá à prova do processo penal esclarecer se a decisão para o delito está fora do âmbito do centro de decisão empresarial, o que resultará na impossibilidade de responsabilizar a pessoa jurídica pelo delito. Acaso após a instrução do processo reste a dúvida sobre a imputação da pessoa jurídica, porque inexistente a clara intervenção do centro de decisão, como condicionante do ato delituoso, aí, então, a absolvição será inevitável. A culpabilidade da pessoa jurídica está limitada à manifestação de vontade de quem detém o poder decisório para agir em seu nome e proveito. Isso, por certo, não retira a responsabilidade social pela culpa in eligendo ou in vigilando, conforme já se notou. A prova é que evidenciará a existência da culpa. 25. Em princípio, sempre que houver a responsabilidade criminal da sociedade estará presente também a culpa do administrador que emitiu o comando para a conduta. Do mesmo modo o preposto que obedece à ordem ilegal, como de resto o empregado que colabora para o resultado. Todavia, se o preposto ou empregado participaram apenas de parcela do comportamento típico, pode ocorrer o que relata Luis Gracia Martín, citando Zugaldía Espinar: ...que debe fundamentarse una exclusión de la responsabilidad para quien, a pesar de tener conocimiento del significado de su acción, la realiza, sin embargo, en el ejercicio de una competencia sólo fragmentaria o parcial con respecto al contexto que organiza otro (ob. cit. p. 55). 26. A pena não mais é vista como castigo, reprovação, retribuição, resposta. A liberdade constitui um fato reconhecido. No entanto, o exercício da liberdade individual, necessariamente, encontra limites. E tais limites se revelam nas normas de convivência, éticas ou jurídicas. A presença no meio social do sujeito que invade o território do direito alheio torna insuportável a harmonia do grupo. Esse nível de liberdade, em determinadas comunidades, não pode

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ser exercido. Assim, o fundamento ético da pena passa a ser, exclusivamente, a insuportabilidade dos efeitos do crime. Não se castiga com a pena. Esta serve tão-somente para a prevenção geral e especial. O conjunto de regras típicas, com suas sanções, desestimula a escolha pelo comportamento criminoso, o que implica a prevenção geral. Ao criminoso condenado, a pena revela a conseqüência negativa da opção pela quebra da regra do sistema, retirando-o do convívio, o que é prevenção especial. A censura resume-se a isso: ofensa a um valor eleito como direção da vida social. À sede de vingança, que orientava a teoria da pena como retribuição, sucede a necessidade de suprimir uma presença perigosa na comunidade. 27. Indubitavelmente, a pena não mais pode ser vista como medida retributiva ou ressocializadora. Sua função é, segundo o direito penal moderno, de prevenção geral e especial. Ora, facea esse posicionamento sobre o efeito sancionatório, inegável que, para a aplicação da pena, há de se constatar a capacidade de agir e de decidir a respeito da conduta típica. Isso basta. Não é indispensável que o sujeito tenha a capacidade de sofrer os efeitos da sanção, assimilar a mensagem que ela representa, como emenda individual. Se a pena não pudesse ser aplicada a quem não tem consciência para sofrer seu efeito reparador, certamente nunca haveria de ser aplicada aos milhares de reincidentes que povoam as prisões, para quem a sanção nada representa. A pena visa a prevenir o crime, não a castigar ou remendar o defeito psicológico ou moral. E, nessa dimensão, pode ser aplicada tanto a pessoas naturais como a pessoas jurídicas. Estas, ao sofrer a sanção, corrigirão seu defeito de organização. 28. Não se há de indagar sobre sentimento, integridade interior, correção do pensamento, defeito da formação ética. Isso não interessa. O que se tem de verificar é se houve escolha para a conduta típica com imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta adequada. É o suficiente para considerar-se alguém culpado. O defeito da conduta é a infração ao parâmetro da norma, não a contaminação da consciência do indivíduo. O caráter funcional do Direito Penal marca a política criminal contemporânea. Se o nome que se dá à segregação social em defesa da integridade do grupo é pena ou medida, isso pouco importa. Interessa apenas que constitui uma decisão da sociedade diante da atitude consciente que lesa uma norma penal. Perigoso é aquele que desatende o preceito, seja consciente (imputável) ou inconscientemente (inimputável).

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29. A medida com que o Estado afasta o primeiro do meio social se convencionou chamar de pena, porque tinha o sentido inicial de expiação, como já se observou. Em relação ao segundo, a segregação recebe a denominação de medida de segurança, por influência da Escola Positiva. Em ambos os casos a periculosidade social é que fundamenta a reação estatal, num caso porque tendo capacidade para adaptar-se à regra, decide lesá-la; noutro, porque embora não saiba o que faz, revela-se capaz de quebrar as regras e afetar a harmonia do meio. A pessoa jurídica, através de seu cérebro, que é o centro de decisão formado pelos administradores, é capaz de desacatar, conscientemente, normas penais. Recebe a pena como prevenção especial, a fim de que não volte a delinqüir, para que adapte o desenvolvimento das atividades aos bens sociais objeto de tutela. 30. As penas acabaram por tomar novas feições. Com a falência da experiência prisional, modernamente optou-se por sanções que restringem o exercício de direito ou impõem deveres de conteúdo social. A prestação de serviços à comunidade é a pena que apresenta melhores resultados práticos. Ao invés de impor gastos, beneficia o poder público. Além disso, atende setores carentes e dá oportunidade de o criminoso vivenciar uma realidade desconhecida que pode levá-lo a uma readaptação social. Portanto, a resistência à apenação das pessoas jurídicas, tendo em vista não poderem sofrer restrição na liberdade física, já não constitui argumento consistente. Em matéria ambiental, grandes danos somente podem ser reparados pelo poder econômico das empresas, que são suficientemente capitalizadas para cumprir a sanção. 31. Há quem sustente que o texto institucional, ao estabelecer o direito penal da culpa e a personalização da pena, entre as garantias individuais, estaria a impedir a responsabilização criminal das sociedades. Um corpo de normas, como é o típico caso de uma constituição, constitui uma unidade. Ao ser editada a constituição, presume-se a validade de todas as normas que a compõem. Se há dificuldade de aplicação de alguma regra, porque em aparente confronto com outra, faz-se necessário proceder a interpretação que salve o texto. Não há regras institucionais ou legais inúteis. Sempre podem ter aplicação com uma interpretação adequada. Portanto, o preceito que atribui responsabilidade penal às pessoas jurídicas tem presumida validade e a adaptação de sua existência com as garantias criminais há de receber interpretação como a que se fez acima, ao analisar os componentes da imputação penal às sociedades. O argumento de que a responsabilização criminal da pessoa jurídica encontraria obstáculo nas garantias individuais

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improcede, a não ser que o preceito estivesse inserido em emenda constitucional. 32. O art. 3º da Lei 9.605/98 estabelece: as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Como se vê, atribui-se a responsabilidade da pessoa jurídica pela atividade desenvolvida com base em seu centro de decisão. Nessa hipótese é a pessoa jurídica que está agindo. A lei é expressa no sentido de que a ação há de ser realizada no interesse ou benefício da sua entidade. Isso significa que a decisão do colegiado em nome e no proveito social é como se a vontade da sociedade tivesse sido movimentada. Logo, se a gerência aproveita a ocasião do ato decisório para satisfazer interesse pessoal não age em nome da entidade que representa e, pois, responderá sozinha pelo eventual ato típico. A vontade da pessoa jurídica se exterioriza pela decisão do administrador em seu nome e no seu proveito. 33. O interesse social pode gerar ação final dolosa ou culposa. Na primeira hipótese sabendo-se, por exemplo, que a atividade acarretará o dano ao meio ambiente, escolhe-se lesar o meio ambiente para gerar economia no investimento. É o dolo direto. Acaso haja a previsão do risco e anuência quanto ao evento lesivo, ocorrerá o dolo eventual. Porém, se o desenvolvimento empresarial importar a opção por tecnologia ou técnicas inadequadas, de que se origina a previsível agressão ao meio ambiente, estaremos ante a forma culposa. O parágrafo único do art. 3º dispõe: a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato. Quem decide em nome da empresa participa da cadeia causal, colabora para o resultado, do mesmo modo que o preposto que executa o ato. Desse modo, tanto a pessoa jurídica, como o diretor, o preposto e o empregado aportam carga relevante na relação causal do delito. 34. Ressalte-se que não há qualquer ressalva nos tipos criados pela Lei 9.605/98 no que se refere à imputação da pessoa jurídica. Em princípio, ela poderá consumar todos os crimes definidos nos artigos 29 e seguintes. É lógico que, na maioria dos casos, será impossível a realização da conduta típica pela sociedade, decorrendo da interpretação a inaplicabilidade da regra legal à mesma. Do mesmo modo, a atribuição da forma de culpabilidade. Se a decisão do colegiado caracterizou dolo direto ou eventual, o crime será doloso. Tendo dita decisão faltado com o cuidado

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exigível, a negligência implicará a realização do tipo culposo que estiver expressamente previsto. Segundo o art. 21 da Lei 9.605/98, as penas aplicáveis à pessoa jurídica pela prática do crime são a multa, as penas restritivas de direitos e a prestação de serviços à comunidade. Os artigos 22 e 23 especificam os direitos objeto de restrição e a forma como será realizado o serviço em benefício da comunidade. Registre-se que essas não são sanções substitutivas, como acontece no art. 44 do Código Penal e no art. 7º da Lei 9.605/98 em relação às pessoas físicas. São penas principais e únicas aplicáveis às sociedades. Se a pessoa jurídica for condenada e o diretor absolvido ou tiver extinta sua punibilidade, ela sofrerá uma das penas acima referidas. As penas mencionadas poderão ser cumuladas ou aplicadas alternativamente, ou seja, a pessoa jurídica poderá ser condenada a multa e prestação de serviços à comunidade, ou apenas a uma pena restritiva de direitos. É o que decorre do contido no caput do art. 21 da Lei 9.605/98. 35. Registre-se que as penas recebem descrição genérica numa espécie de parte geral da Lei 9.605/98, ou seja, não estão contidas em cada dispositivo dos tipos da lei. Não há qualquer defeito nessa forma de regulação. Também as penas substitutivas às pessoas físicas recebem disciplina genérica no Código Penal e na própria Lei 9.605/98. Ao juiz caberá a escolha da pena mais adaptada a constituir a resposta eficaz do Estado diante do crime ambiental praticado pelo ente social. 36. Há, entretanto, um problema gerado pela imprecisão técnica da Lei 9.605/98. É que as penas alternativas do art. 44 do Código Penal e do art. 7º da Lei 9.605/98 substituem as principais e, pois, respeitam a extensão temporal fixada como pena privativa de liberdade. Isso não acontece com as pessoas jurídicas. Então, a dificuldade é de se fixar o tempo, por exemplo, de uma interdição temporária de estabelecimento, suspensão de atividades ou da prestação de serviços consubstanciada na manutenção de espaços públicos. É forçoso um limite temporal por uma questão lógica, senão a interdição não seria temporária ou a suspensão se transformaria em extinção da empresa. A solução menos prejudicial é limitar o aspecto temporal aos limites mínimo e máximo da pena privativa de liberdade prevista no dispositivo de cada tipo da Lei 9.605/98, embora ele se refira apenas á pessoa física. Não há analogia in malam partem no caso. Muito ao contrário. Se não se lançasse mão de um parâmetro para limitar a pena restritiva de direitos, o tempo da mesma poderia ser ilimitado. Logo, os mesmos limites impostos à pessoa física haverão de ser considerados para a sanção da pessoa jurídica.

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37. Quanto à multa, não se pode compreender a resistência de alguns autores à incidência das regras da parte geral do Código Penal que, por força do disposto no seu art. 12, são plenamente aplicáveis à hipótese em comentário. Por certo, na quantificação dos dias-multa voltará o problema da individualização antes comentado. Todavia, no que se relaciona com o valor incide o que o próprio inciso III do art. 6º da Lei 9.605/98 manda considerar: a situação econômica do infrator. 38. Para que se evite a imprescritibilidade dos crimes praticados pela pessoa jurídica contra o meio ambiente é preciso estabelecer um parâmetro. Ora, do mesmo modo que se considerou para efeito de dosagem da pena restritiva, haverá de fazer-se com referência à prescrição, isto é, tomam-se os limites abstratos do tipo, embora a pena privativa de liberdade somente seja aplicável à pessoa física. Não é analogia prejudicial, porque possibilita que se evite a imprescritibilidade do delito. Aplicada a sanção, considerada a extensão temporal, como acima se especificou, esse tempo haverá de constituir a base de cálculo da prescrição da pretensão punitiva pela pena concretizada. Assim, se a interdição temporária do estabelecimento for por um ano, a prescrição pela pena em concreto será de quatro anos, na forma do artigo 109, inciso V, do Código Penal. 39. O interrogatório, como se sabe, caracteriza-se como um ato de prova e de defesa. Revela o fato e todos os componentes a serem analisados no que se refere à imputação criminal. Uma prova acusatória sem uma confissão exige muito maior carga de convencimento do que outra que corrobora uma confissão. Essa é uma evidência de que o interrogatório constitui prova. Por certo que não tem eficácia exclusiva, podendo até mesmo caracterizar o crime de auto-acusação falsa descrito no art. 341 do Código Penal. Também contém eficácia de defesa o interrogatório, sendo esta a precípua função dele, por isso ficando obrigado o juízo a ouvir o interrogando em qualquer fase do processo, sob pena de lesão ao princípio da ampla defesa. O réu, ao falar em juízo, tem a oportunidade de esclarecer a situação fática, explicar os motivos de sua ação, revelar fatos desconhecidos em seu proveito, dar sua interpretação referentemente a provas já colhidas, etc. 40. Tratando-se de interrogatório de pessoa jurídica, quem tem esse poder? Logicamente, aquele que se posicionou como o centro de decisão na ocasião dos fatos ou que ocupa a função contemporaneamente ao processo. Só essa pessoa tem a capacidade de esclarecer e explicar a motivação da conduta, que importa para a imputação da pessoa jurídica. Obviamente, se

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houver colidência de interesses entre as defesas da sociedade e do diretor, este não poderá representá-la no ato de interrogatório. Todavia, nunca poderá atribuir-se a preposto o direito de ser interrogado em nome da empresa. Acaso haja incompatibilidade entre as defesas do diretor do qual emanou a ordem e da pessoa jurídica, por certo nesse processo a sociedade não será interrogada, a não ser que exista outro administrador integrante do colegiado, que não tenha sido acusado. 41. O trancamento de ação penal contra pessoa jurídica somente pode ser postulado em juízo através de mandado de segurança. Com efeito, sustentando-se a existência de ilegalidade por ato de autoridade que não importa lesão ao direito de locomoção, a espécie processual é a adequada. O habeas corpus destina-se a atacar ato ilegal de que tenha derivado ou possa derivar óbice ao exercício da liberdade física, o que é incompatível com uma pessoa jurídica, que se constitui num simples patrimônio ao qual se atribui personalidade jurídica. 42. O art. 3º da Lei 9.605/98 condiciona a responsabilidade criminal da empresa ao fato de ter sua direção atuado no interesse ou benefício de sua entidade. O que se deve examinar para saber se o tipo penal do art. 3º da Lei 9.605/98 acabou por ser subsumido é analisar o conteúdo da decisão do órgão diretivo. Se ela foi tomada no desenvolvimento empresarial e para garantir o sucesso dele, não há interesse individual do gerente na decisão, mas da sociedade. Logo, a mesma surgiu para satisfazer o interesse da garantia do resultado da produção. Esse proveito para o sucesso da empresa pode ser intencional (dolo) ou fruto de negligência (culpa). 43. A prova adequada para incriminar a pessoa jurídica demanda carga suficiente para constatar-se a existência de um comando do centro de decisão dela que revele uma ação final do representante, cumprida sob sua orientação. Em caso de culpa, verifica-se se a negligência partiu da decisão do administrador no sentido de diminuir o nível do cuidado exigível no manuseio da operação de que decorreu o fato típico, ou seja, a poluição. 44. O mandado de segurança, que aqui substitui o habeas corpus, só pode ter por objeto a discussão de questões de direito, em vista de situação fática revelada nos autos por prova acabada, indiscutível. O texto da denúncia, que se transcreveu, mostra uma grande complexidade na operação de que resultou o dano, não sendo inequívoca a conclusão de que tal situação fática não decorreu do comando do centro de decisão da pessoa jurídica denunciada. Sem dúvida, tal prova acusatória poderá ser difícil de se fazer, mas

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existe o indício, que é aquele juízo de probabilidade que caracteriza o fumus boni juris suficiente para oferecimento e recebimento da denúncia. Neste momento, diante de tudo o que se apurou, constituiria uma decisão errada concluir pela completa ausência de elementos indiciários para a incriminação da empresa. 45. As penas aplicáveis à pessoa jurídica são de três espécies: multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade. Constitui disposição geral, não constando em cada preceito incriminador. Isso, como já se sustentou, em nada vicia o texto legal. Seria até mesmo uma forma tumultuada de legislar estabelecer a previsão em cada crime da pena para a pessoa física e outra para a pessoa jurídica. As penas substitutivas do art. 44 do Código Penal e do art. 7º da Lei 9.605/98 são normas gerais da mesma forma. Quanto à multa, também não se pode apontar defeito na lei. Incidem as regras do Código Penal por força do art. 12 desse mesmo diploma legal. Impossível ver-se nisso interpretação analógica vedada. 46. O conteúdo e dimensão da decisão do representante da pessoa jurídica na ação culposa vai depender da previsibilidade do resultado. Assim, se a ordem se dirigiu a empregados desqualificados a culpa in eligendo estará evidenciada. Mais uma vez ressalta-se que a questão demanda o exame da prova. 47. A descrição na denúncia da situação fática e dos fatores determinantes da poluição importa a atribuição do fato doloso ou culposo ao poder decisório do dirigente. Logo, não há de se fazer análise do comportamento, da postura do administrador na denúncia. Nos crimes empresariais a ação final se presume realizada por aquele que detinha o poder de decisão da pessoa jurídica. Se esta poluiu só pode ter sido por orientação de seu centro de decisão. O comportamento atribuído à empresa tem presumida concretização na forma como foi orientada a atividade da mesma. O preposto ou o empregado não age por conta própria, mas respeitando ordens. O contrário é que há de ser comprovado pela pessoa jurídica denunciada. 48. A pessoa jurídica é direcionada por seus representantes. São eles os artífices da ação final objeto da imputação penal. Muito se utilizou empresas para encobrir ações delituosas. A doutrina moderna sustenta a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, afastando-se de uma construção dogmática construída sobre uma experiência individual do crime. Hoje, a delinqüência está por trás dos grandes empreendimentos. A orientação moderna foi

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incorporada pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 225, § 3º. 49. As circunstâncias necessárias para a dosagem da sanção às pessoas jurídicas estão no art. 6º da Lei 9.605/98. Entretanto, nada impede que aquelas definidas no art. 59 do Código Penal também sejam consideradas. Por exemplo, os antecedentes em relação a empresas recalcitrantes, que respondem a outros processos. As conseqüências referentemente à extensão do dano. Os motivos, que podem ser objeto de maior ou menor censura. Há, portanto, formas de que o juiz possa lançar mão para avaliar o grau de censura na atuação criminosa da pessoa jurídica. 50. A descrição feita na denúncia, referindo-se à falta do cuidado exigível com a assunção do risco diante do resultado previsível cabe, exatamente, no âmbito da figura subjetiva do dolo eventual. O dolo indireto está relacionado com a duplicidade no enfoque subjetivo: age-se com a intenção de um resultado, sendo previsível um outro resultado como eventual. Diante da previsão sobre a probabilidade do resultado eventual, o sujeito assume o risco de causá-lo. Se o centro de decisão opta por operação arriscada ao meio ambiente, prevendo o dano e assumindo o risco de sua existência, a pessoa jurídica responde pelo crime com dolo indireto. Não há contradição na forma como descrita a situação subjetiva do fato na denúncia. 51. A imputação feita à pessoa jurídica deriva do comando de seu centro de decisão. E, nesse sentido, descabe fazer distinção entre a vontade que dirigiu a ordem. Ela faz incriminar a empresa e o administrador. É a mesma atuação que implica a imputação a ambos. 52. Nos crimes empresariais, em regra, o que incumbe ao órgão acusador é descrever a atividade desenvolvida pela empresa que acaba por tipificar o crime. A empresa segue as ordens de sua direção. Assim, implícita na denúncia a imputação dos fatos aos administradores. Conforme já se disse, não é necessário indicar a maneira como cada dirigente se conduziu no exercício do poder gerencial quanto à ação final. 53. Nas ações criminosas praticadas pelas pessoas jurídicas devem responder estas, mas também os dirigentes autores da decisão e os prepostos que colaboraram com a ação delituosa, obedecendo a ordem que não era legal, conscientemente. São três personagens que integram a cadeia causal do delito: a pessoa jurídica, o dirigente que é autor do comando e o preposto que é o executor da ordem e causador direto do dano. Se adotada uma teoria puramente causalista, em especial a da equivalência prevista em nosso Código

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Penal, é evidente a imputação do resultado a todos. A pessoa jurídica direcionou sua atividade empresarial para o crime. 54. Os dirigentes optaram pela conduta típica e os prepostos executaram a ilegalidade. Todos deram causa ao resultado. Adotada, outrossim, a teoria do domínio do fato, com base no finalismo de Welzel, também a imputação recairia sobre todos. Em verdade, os três personagens poderiam redirecionar sua ação causal, evitando o resultado. Dominando-o, portanto, agiram com o propósito de perseguir o fim que é o dano ao ambiente. Por último, mesmo sob o prisma da moderna teoria da imputação objetiva, haveriam todos de responder pelo evento. É que, no exercício de suas atividades, superaram a margem de risco admitida pela norma, deixaram de cumprir o papel que correspondia à expectativa de quem cria a regra. 55. As questões de direito sustentadas pela defesa, neste mandado de segurança, que constitui a via adequada ao trancamento de ação penal contra a pessoa jurídica, foram examinadas pelos votos dos eminentes magistrados, que se encontram juntados aos autos e que integram o presente, com exceção da questão do interrogatório do voto do ilustre Relator. O conteúdo deste voto, com o trabalho doutrinário e a complementação feita, do mesmo modo, rejeitam as teses de defesa. O que ressalta é a impossibilidade da utilização da via estreita do writ para concluir-se pela inexistência da autoria e da culpabilidade da empresa denunciada. Na ação penal deverá ser produzida a prova, com respeito ao contraditório. Aí, então, haverá de examinar-se a existência de um juízo de certeza para condenar. Até aqui, porém, exigível apenas um juízo de probabilidade para denunciar. O interrogatório não pode ser feito na pessoa de preposto. Logo, o ato deve ser repetido na pessoa do atual dirigente. 56. Segurança denegada.