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Historiografia em debate: a escravidão colonial nas obras de Jacob Gorender, KátiaMattoso, João José Reis e Luiz Felipe de Alencastro

por José Pereira Souza Junior

3. O marxismo aplicado nas ciências sociais

3.1. A “Escola Paulista” e a ampliação da pesquisa histórica

Como já foi dito, o mito da democracia racial edificado em “CasaGrande e Senzala” de Gilberto Freyre começou a ser refutado diametralmente a partirdas décadas de 50 e 60, principalmente por intelectuais da Universidade de São Paulo. Para compreender essa ampliação das pesquisas acadêmicas, émister entender o contexto que proporcionou tais transformações. A forçamotriz dessa mudança se deu sob a influência teóricometodológica domarxismo.

Conforme Leandro Konder, o núcleo de estudos do pensamento de Marx girava em torno do sociólogo Florestan Fernandes, que foi um dos pioneiros autilizar o marxismo como instrumento metodológico de análise. Porém, devemos fazer uma ressalva: “Tratavase [...] de um marxismo que nãocoincidia com o do PCB” (KONDER, 2000, p. 371).

Fernandes teve contato com o marxismo na sua juventude quando participou de grupo trotskista clandestino na luta contra o Estado Novo. SegundoJacob Gorender:

A atividade de Florestan Fernandes como sociólogo – desenvolvida nas funções de professor, teórico e pesquisador – ficou marcada pelapolarização entre as atrações do marxismo, enquanto doutrina de militância revolucionária, e a sociologia, enquanto disciplina acadêmica.(GORENDER, 1995, p. 32)

É nesse contexto dos anos 50 e 60 e sob a orientação metodológica de Fernandes que formouse um grupo de estudos sobre o “O Capital” de KarlMarx, do qual saíram várias pesquisas acadêmicas de autores como Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e Emília Viotti. Esses três autoresdesenvolveram teses que refutaram profundamente o conceito benemerente de Freyre.

O livro de Octávio Ianni “As Metamorfoses do Escravo” foi publicada em 1962, apresentando uma pesquisa sobre o sistema escravista na cidade deCuritiba no Paraná. A preocupação de Ianni se deu no tocante à formação social do Brasil. Para ele, a escravatura no Brasil se desenvolveu de umaforma totalizante. A economia, as leis, o poder, as relações sócioculturais e, enfim, o comportamento humano brasileiro foi erigido sobre um sistema detrabalho escravista. Segundo Ianni, esta padronização é digna de uma sociedade de castas.

Nessa pesquisa, o autor mostra que o escravo teria impregnado não apenas a estrutura econômica, dandolhe o sentido fundamental, mas também acomposição demográfica e o sistema sóciocultural. Como o autor utilizou o método dialético de Karl Marx como instrumento de análise, a concepção derelação paternal entre senhores e escravos defendida por Gilberto Freyre é substituída pela luta de classes de dominantes por um lado e dominados poroutro. Segundo o próprio Ianni:

A análise dialética permite explicar as múltiplas manifestações da consciência social das diversas camadas de um sistema estratificado,bem como as suas expressões grupais ou individuais, em termos do modo pelo qual as pessoas estão inseridas no sistema e conformeconcebemse a si mesmas e atuam socialmente.(IANNI, 1962, p.21)

Nesta obra, notase, que nos anos 60 já se pensava em um modo de produção peculiar para caracterizar o sistema escravista. Posteriormente, em finsda década de 70, Jacob Gorender construirá essa concepção por meio de ”O Escravismo Colônia”l (1978), obra de profunda fundamentação teórica. Noentanto, já na década de 1960, tanto Octávio Ianni, como outros “discípulos” de Florestan Fernandes, deram aos fatores econômicos o principal motivopara a utilização da mãodeobra escrava no Novo Mundo. Para Ianni, não foram os fatores sócioculturais ou étnicosociais que definiram a utilização demãodeobra cativa tanto em Curitiba quanto em toda a colônia. Antes de mais nada, teria sido os requisitos econômicos (carência de mãodeobraeuropéia ou nativa, capital obtido no tráfico de escravos, etc) os responsáveis primordiais por tal definição.

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Também na década de 1960 foi publicada a obra “Da Senzala à Colônia” de Emília Viotti da Costa, que fez parte dos intelectuais da USP influenciadospela orientação de Florestan Fernandes. Neste livro, a autora analisa a formação social brasileira marcada pela mãodeobra cativa durante os trêsprimeiros séculos de colonização no Brasil. Segundo Viotti:

A escravidão marcou os destinos de nossa sociedade. Seus traços ficaram indeléveis na herança que nos legaram a cultura negra e ascondições sociais nascidas do regime da escravidão.(COSTA, 1989, p.13)

A autora, em prefácio da segunda edição, disse que o livro pretendia ser mais do que um exercício universitário, e de fato, a obra de Viotti ultrapassou atarefa de ser um simples trabalho limitado às “obrigações acadêmicas”. “Da Senzala à Colônia” utilizou uma metodologia que, inclusive, transcende àsexplicações meramente econômicas dadas tanto à utilização da mãodeobra escrava quanto aos motivos que levaram à abolição da escravatura.

No que tange à abolição, Viotti aborda, além das transformações no âmbito econômico no decorrer do século XIX, vários outros fatores, tanto internoscomo externos, que permearam os discursos abolicionistas. As rivalidades políticopartidárias e a ideologia “pró direitos humanos” são exemplos daexplanação da autora. Porém, um ponto de semelhança entre as idéias de outros autores da Escola Paulista e a análise de Viotti é a presença dadialética marxista em sua metodologia analítica. Sobre a utilização da dialética para analisar a abolição Viotti comenta: “Portanto, esta perspectivapareceume a melhor maneira de compreender o processo histórico e apanhálo em suas múltiplas dimensões, isto é, apresentálo na sua dialética”(COSTA, 1989, p.13).

3.2. Modo de Produção e Formação Social

No início de seu livro “O Escravismo Colônial”, Jacob Gorender diz que a história da escravatura no Brasil já havia sido pesquisada por várioshistoriadores, dos quais a maioria concordava que a extinção do sistema escravista significou um divisor de águas na História do Brasil, o que quer dizerque a escravidão tem papel fundamental para compreensão da história brasileira. Entretanto, para Gorender, a escravidão não estava sendo analisadacom a especificidade e profundidade com que o sistema escravocrata deve ser entendido. Nas obras de Gilberto Freyre e Oliveira Vianna, o enfoque foi opatriarcalismo dos senhores de escravos. Posteriormente, as teses de Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães, por exemplo, trouxeram parao primeiro plano a ênfase dada ao latifúndio. Na obra de Roberto Simonsen, o foco de análise teria sido os ciclos de produção da economia brasileira.

Seguindo em sua análise interpretativa, Gorender diz que houve um salto qualitativo em relação às obras anteriores em “Formação do BrasilContemporâneo” de Caio Prado Júnior. Em seus comentários, Gorender observa que:

Ao invés de tomar os ciclos dos produtos de exportação como épocas ou sistemas econômicos, Caio Prado Júnior descobriu nelesmanifestações seqüenciais de algo mais profundo, de uma realidade permanente e imanente – a estrutura exportadora da economiacolonial. (GORENDER, 1980, p.17)

Ao passo que as teorias marxistas penetravam mais na historiografia brasileira, a relação entre senhores e escravos passou a ser entendida como umarelação entre empresários coloniais e mãodeobra compulsória no sistema econômico agroexportador. Pioneiramente, alguns intelectuais da década de1960, como Fernando Henrique Cardoso e Fernando Novais, explicavam a escravidão dentro do modo de produção capitalista. Entretanto, Gorenderdefende que as relações de produção da economia colonial teriam de ser estudadas de dentro para fora. A partir dessa inovação em relação às tesesanteriores, ele propõe um estudo novo que ele denomina de modo de produção escravista.

A respeito do modo de produção não se compreende apenas a produção propriamente dita de bens materiais, porém, por igual, sua distribuição ,circulação e consumo. Então, o modo de produção seria um sistema orgânicoprodutivo composto de várias partes distintas que formam um todo.Temos, ainda, de salientar, que duas categorias são originárias do modo de produção: as relações de produção e as forças produtivas. A primeiraconsiste nas relações entre os homens e a segunda são os meios pelos quais a produção é efetivada. Com base nesta breve explicação, concluímos que,para entender a formação social de determinada sociedade, do ponto de vista marxista, é fundamental compreender o modo de produção que lhe servede base. Assim, o objeto de estudo de “O Escravismo Colonial” é o modo de produção escravista e a formação social oriundo dele.

Segundo Gorender, a priori, o estudioso que pretende analisar o escravismo colonial, encontrará o seguinte problema: como se deu o confronto entreconquistadores e conquistados no século XVI em terras que viriam a se tornar o Brasil ? Para explicar isso, Gorender recorre à explanação de Marx:

O povo conquistador submete o povo conquistado ao seu próprio modo de produção (por exemplo, os ingleses neste século na Irlanda e,em parte, na Índia); ou ele deixa subsistir o antigo modo de produção e se satisfaz com um tributo (por exemplo, os turcos e os romanos);ou então se produz uma ação recíproca que dá nascimento a uma forma nova, a uma síntese (em parte, nas conquistas germânicas).(GORENDER, 1980, p.53)

Para Gorender, o escravismo colonial no Brasil não é concebível por nenhuma das três possibilidades expostas por Marx. Isso, por se tratar de um modode produção historicamente novo com características específicas e distintas dos modelos preexistentes. Por isso, ele ainda ressalta que o historiadordeve se empenhar a fundo no estudo da economia política do modo de produção escravista para não ser tentado por analogias simplistas eanacronismos históricos. Segundo ele, é “ ... tentador equiparar o escravismo colonial com o capitalismo e isto nos conduz a um beco sem saída...”(GORENDER, 1980, p.58).

Tendo como base as explicações acima descritas, Jacob Gorender busca analisar o escravismo colonial ao nível categorialsistemático, buscando oconhecimento histórico em sua totalidade. E, com isso, segundo ele, seria possível analisar a formação social no Brasil escravista. Essa busca deentendimento da escravidão em sua totalidade sistêmica incomodou alguns historiadores que pesquisaram a escravidão nas duas últimas décadas doséculo XX, como veremos no próximo capítulo.

A escravidão por si só não indica um modo de produção. Porém, quando essa produção passa a ser produtiva, fundamental e estável nas relações deprodução, ela dá lugar a dois modos de produção diferenciados: o escravismo patriarcal, caracterizado por uma economia predominantemente natural; eo escravismo colonial, que se orienta no sentido da produção de bens comerciáveis.

Combatendo profundamente os conceitos paternalistas freyrianos acerca da relação senhorcativo, Gorender defende que a característica mais essencialno ser escravo reside na condição de ser propriedade de outra pessoa. Esta condição se encontra conjugada com outro conceito: a sujeição pessoal.Apoiado nas idéias de Aristóteles e Montesquieu, Jacob Gorender afirma que o conceito de escravidão se embasa na sujeição de um ser humano à

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outrem. Os anseios, bens e o trabalho do cativo, portanto, seriam totalmente pertencentes ao seu proprietário. Essa idéia de sujeição faz com que oconceito de escravidão passe de caráter brando freyriano ao conceito violento abordado pelos marxistas.

O cativo na sua condição de propriedade é uma coisa. Entretanto, ao mesmo tempo que é coisa é pessoa, pois pertence à espécie humana. Sendoassim, estamos diante de uma contradição: coisa versus homem. Antes mesmo desta contradição fazer parte dos discursos historiográficos, ela já eraexteriorizada pelos escravos por meio de suicídios, assassinatos de seus senhores, fugas e rebeliões. Então, a sujeição pessoal dos escravos não deve serconfundida com acomodação dos escravos perante o sistema escravista. Para Gorender, escravo, trabalho e punição são termos indissociáveis no âmbitoescravista colonial. Sendo assim, como acomodar com tal violência ?

Para concluirmos nossa análise das teorias contidas em “O Escravismo Colonial”, devemos salientar que, Gorender, além de refutar as concepçõesfreyrianas, ele rompe também com historiadores marxistas, como Nelson Werneck Sodré, por exemplo, que tentaram aplicar, de forma estática, asteorias marxistas na análise do sistema escravista no Brasil(1). Diferentemente de Sodré, Jacob Gorender expõe, em sua obra, que a escravidão colonialedificou um modo de produção único e específico, em tempo e espaço determinados.

3.3. Escravidão: o debate reabilitado

Ao passo que o centenário da abolição da escravatura 13 de maio de 1988 se aproximava, o debate acerca de sua significação se acirrava, crescendoo interesse pelo estudo sobre a escravidão no Brasil, com a publicação de várias pesquisas históricas a partir da década de 1980, apresentando enfoquesnovos sobre o tema. Em “A Escravidão Reabilitada” (1990), Jacob Gorender analisou e refutou vários historiadores dessa nova geração, considerandoosresgatadores das concepções freyrianas.

Na década de 1980 são publicadas algumas pesquisas – de Kátia Mattoso e de Stuart Schwartz, por exemplo – que estariam negando a coisificação aque os escravos estariam submetidos dentro do sistema. O binômio utilizado por Stuart Schwartz, “resistênciaacomodação”, estaria retratando a idéiadesses pesquisadores que, segundo Jacob Gorender, estariam propondo uma relação entre senhores e escravos em que os últimos teriam uma certaautonomia para agir através de resistências para, após terem suas reivindicações atendidas, se acomodarem “confortavelmente” diante do sistema.Para Gorender, a maior influência externa para esses historiadores teria vindo do norteamericano Eugene Genovese. Um dos historiadoresinfluenciados pelo autor norteamericano teria sido João José Reis, cujo trabalho recebeu o seguinte comentário de Gorender:

J. J. Reis foi ao ponto de afirmar que os escravos de ganho de Salvador, uma vez que podiam marcar o tempo de trabalho segundo critériopessoal, ‘parece que não lhes convinha trocar a escravidão pura pela escravidão assalariada’. O historiador não apresenta nenhum casoconcreto de indivíduo tão amoroso da escravidão que a preferisse à liberdade, mesmo para ser ‘escravo assalariado’. Já não se trata dehistória, porém de ficção. Porque o escravo de ganho, uma vez livre, conquistava desde logo o direito de ficar com a renda antesobrigatoriamente entregue ao senhor. O que sabemos de concreto é que escravos de ganho forcejavam até o limite das energias parajuntar o dinheiro exigido pela alforria. (GORENDER, 1990, p.22).

Esta é a dura crítica de Gorender acerca das pesquisas de Reis, apesar de reconhecer a importância das análises feitas pelo historiador baiano sobre aRevolta dos Malês.

Seguindo as críticas analíticas, ele ainda afirma que a historiografia novista dos anos 1980 deu um novo caráter à escravidão e à posição do escravofrente ao sistema. O cativo seria ator de vontade própria, capaz de ações autônomas no interior do sistema escravista. E esse caráter ativo do escravodentro do sistema será que pode ser entendido como um resgate da concepção de brandura na relação paternal entre senhores e cativos ? Estaria omito da “democracia racial” sendo (re)construído ? Estaria, enfim, Gilberto Freyre sendo (re)abilitado ? Estas e outras questões, que no livro “AEscravidão Reabilitada” possuem certamente resposta positiva, só podem ser entendidas a partir da análise das obras caracterizadas por Gorender comoamenizadoras da escravidão.

Notas

(1) Sobre a influência do marxismo na historiografia brasileira, ver Astor Antônio DIEHL, A Cultura Historiográfica Brasileira: Década de 1930 aos anos1970, Passo Fundo, UPF Editora, 1999.

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Comentários:

Raphael disse em 07/03/2013 às 16:42:45 que:

Em primeiro lugar a forma de construção da referência do autor não atende a ABNT, se o último sobrenomeé um distico, por exemplo: JÚNIOR, FILHO, NETTO, então deve também ser utilizado o penúltimosobrenome.

Leonardo Humberto Soares disse em 07/03/2013 às 18:15:02 que:

Boa tarde Raphael!

Obrigado por nos alertar sobre o problema. Já encontramos o erro e a referência já foi consertada.

Um grande abraço!Site NetHistória

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