REVISTA PREA N 16

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Natal, RN - N° 16, Janeiro/Fevereiro, 2006 Umarizal Efervescência e diversidade cultural São Miguel do Gostoso Na rota de Gaspar de Lemos Entrevista Poeta Iracema Macedo Ensaio fotográfico “Os Cão” Paixão e devoção pelo circo se sucedem há três gerações Família Saturno

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REVISTA PREA N 16 JANEIIRO A FEVEREIRO DE 2006

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Natal, RN - N° 16, Janeiro/Fevereiro, 2006

UmarizalEfervescência e diversidade cultural

São Miguel do GostosoNa rota de Gaspar de Lemos

EntrevistaPoeta Iracema Macedo

Ensaio fotográfi co“Os Cão”

Paixão e devoção pelo circo se sucedem há três geraçõesFamília Saturno

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FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTORua Jundiaí, 641 - Tirol - CEP 59020-120

Fone/fax: (84) 3232.5327/3232.5304

GovernadoraWilma Maria de Faria

Presidente François Silvestre de Alencar

Diretor José Antônio Pinheiro da Câmara Filho

PREÁ - REVISTA DE CULTURA DO RIO GRANDE DO NORTE

ISSN 1679-4176ANO IV Nº 16

JANEIRO/FEVEREIRO/2006

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

PERIODICIDADEBIMESTRAL

EDITOR TÁCITO COSTA

[email protected]

EDITOR ASSISTENTE GUSTAVO PORPINO DE ARAÚJO

[email protected]

ESTAGIÁRIOSDAVID CLEMENTE E MICHELLI PESSOA

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO LUCIO MASAAKI

infi nitaimagem@infi nitaimagem.com.br(84)8805-1004

REVISORJOSÉ ALBANO DA SILVEIRA

CAPAFOTO: ANCHIETA XAVIER

[email protected]

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A palavra da casaFrançois Silvestre

Este número da Preá traz um encarte com a prestação de contas das nossas ações nestes três anos do Governo

Wilma de Faria. A prestação é nossa; o julgamento e a com-paração fi cam por sua conta, caro leitor.

Nenhum governo do Rio Grande do Norte, em todos os tempos, investiu tanto na infra-estrutura cultural quanto o atual. Digo e cobro a negação desta assertiva. O segundo lugar começa a fi car quase invisível no retrovisor.

Após o fracasso das revoluções sociais e políticas, tanto a burguesa quanto a socialista, nós enfrentamos um momen-to de perplexidade e de angústia ideológica.

O que sobrou dessas revoluções? A revolução burguesa, que prometia liberdade, igualdade e fraternidade foi derrotada pela ganância e criou a perversidade capitalista. A revolução soviética, que preconizava de cada um, conforme a capa-cidade, e para cada um de acordo com a necessidade, foi destruída pela violência política e pela burocracia estatal. O que sobrou? Sobraram o poder e o vazio.

Do vazio, não temos a divina capacidade de tirar proveito. Sobra-nos o poder. Esse ente dialeticamente antagônico. Afi rmação e negação dele mesmo. Dele, saem duas vertentes principais. Na negação, o poder usado para o domínio dos poucos que o usufruem. É a sua perversa face de desumani-zação. Na afi rmação, o poder pode transformar-se no ins-trumento de contenção desse abismo. Pelo controle social da repartição. Não se confunda isso com assistencialismo. Não. Esse controle deverá ser feito pela própria sociedade não detentora do comando econômico. Como? Pelo apro-fundamento da prática democrática. Do exercício cotidiano e continuado da Democracia. É fácil? Claro que não. É um aprendizado penoso. Lento e indelegável. Para o aprofunda-mento desse processo o povo não pode tirar férias.

E ainda do poder, na sua face de afi rmação, há duas ver-tentes. Uma, da transformação. Outra, da conservação. A transformação tem de atacar os bolsões de miséria, da po-breza e da violência. É sua obrigação política. A conserva-ção tem como objeto a identidade cultural e a paisagem. O que chamo de paisagem não é apenas o cartão-postal. É o conjunto do meio ambiente com o bom nível de vida em cada lugar. A identidade cultural é o único veículo capaz da condução à dignidade humana. Quem não se identifi ca cul-turalmente será humanamente incompleto. Por isso vamos tirar do poder o que ele ainda pode dar. Taí a Preá número dezesseis. A Preá Leão!

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Expediente / A palavra da casa 3

Cartas 6

Circo Saturno - Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor! 8

Volonté - “Do poeta falam tudo” 14

Ensaio fotográfi co - “Os Cão” 18

“Pessoal do Tarará” leva arte à periferia 24

Deífi lo Gurgel - “Escrevo com o coração” 28

O fi lme 31

Músicapoesia - Leito de saudades e lembranças 32

Fogo contra Fogo 34

Poesia Potiguar - Elí Celso de Araujo Dantas da Silveira 35

O palhaço Pára-choque segue a carreira do avô e do pai e não deixa o circo se acabar. Nova geração de artistas circenses acredita que o circo ainda tem muito a oferecer

O premiado fotógrafo Fernando Pereira assina ensaio sobre o famoso bloco carnavalesco “Os Cão”, que sai na Praia da Redinha, em Natal

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O escritor pernambucano Fernando Monteiro escreve sobre um mito do cinema, a atriz Greta Garbo

AGENDA - 13 POR 1 39

Foco Potiguar - Dois festivais 40

Descobertas e aprendizado pelas veredas do RN 42

O pensamento vivo de Guimarães Rosa 44

“Greta Garbo, quem diria, acabou de se sentar...” 48

O anjo terrível 52

Tratado das intenções com entrelinhas de sabotagem 56

Umarizal - Efervescência e diversidade cultural 58

Entrevista - Poeta Iracema Macedo 73

São Miguel do Gostoso - Na rota de Gaspar de Lemos 80

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O jornalista Gustavo Porpino (primeiro à direita), em texto de des-pedida e balanço, fala sobre as reportagens que fez no interior do Estado para a Preá. À esquerda, o fotógrafo Anchieta Xavier, e ao centro, o motorista Érico Alves

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Apreensão

Recebi com apreensão “A palavra da casa” na PREÁ 15. Pareceu-me um mis-to de pedido de socorro, explicitação de uma situação de abandono e uma despe-dida. Assim, externo minha preocupação com a existência em si da PREÁ, de po-der perceber, nas entrelinhas, a vulnera-bilidade e a transitoriedade dos subsídios que a mantém. Considero a PREÁ um patrimônio do RN. Até quando a elite governante não perceberá que o investi-mento do Estado em cultura é a mesma coisa que o investimento de um pai na educação de um fi lho, pois é necessá-rio, custoso, em longo prazo e a fundos perdidos... Porém, absolutamente im-prescindível. A PREÁ é uma das poucas coisas positivas que vi em toda minha vida, entregue graciosamente pelo ente público. Por favor, não deixem acabar com a PREÁ!!!

Aristóbulo Lima(Advogado – Currais Novos-RN)

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Patronímico

Li, com o agrado de sempre, a entrevis-ta com Ariano Suassuna, na PREÁ 14. Quanto à etimologia do patronímico Suassuna, prefi ro fi car com as raízes no nheengatu, sendo suassuna: o bicho grande. O veado é chamado suaçu, por-que é bicho grande.

Ítalo Suassuna (Médico – Rio de Janeiro-RJ)

Orgulho

Parabéns a toda equipe pelo alto nível de informação, divulgação e resgate da cultura e do orgulho que esta revista desperta nos nordestinos com quem tenho contato e que tiveram acesso a alguns números. Parabéns também pela agilidade da resposta, insisto na sugestão que no rodapé das imagens e/ou fotos, o leitor de fora ou distante possa locali-zar/saber que por exemplo: o casarão do tempo de “mil novecentos e vote”, que a imagem da santa tal, que o cruzeiro das almas de tal, está em tal cidade, povoa-do, sítio e etc.

Ana Lúcia(Educadora – Brasília-DF)

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Nordeste

Acabo de ler com prazer e interesse a PREÁ 14. E aqui venho para felicitar toda a equipe pela excelência da revista. Sem falar na entrevista de Ariano Suas-suna, sempre hors-concours, gostei so-bremodo das reportagens sobre cidades potiguares, como São José de Campestre e Rodolfo Fernandes e sua capela das “meninas das covinhas”. Elas despertam minha curiosidade pelo Nordeste, que é inesgotável, e mostram que em todos os recantos o brasileiro luta pela sua afi rma-ção como povo.

Enéas Athanázio(Balneário Camboriú-SC)

C A R T A SPesquisa

Chega às minhas mãos a PREÁ 14, editada por essa Fundação. Tive opor-tunidade de apreciar outros exempla-res e, diante da qualidade do trabalho, encaminhei à redação para auxiliar nos trabalhos diários dos repórteres. Porém, gostaria de poder agregar o produto ao acervo do Setor de Pesquisa do Diário de Natal. Para tanto, tomo a liberdade de consultá-lo sobre a possibilidade de ad-quirir a coleção de revistas já publicadas. Quero deixar o meu registro parabeni-zando a Fundação José Augusto pela ex-celente produção da revista PREÁ.

Albimar Furtado(Diretor-Geral do Diário de Natal)

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Viagem

Já tornei-me um leitor assíduo da PREÁ, pela excelente qualidade de suas reporta-gens. Entendo que essa revista tornou-se uma leitura obrigatória daqueles que “fazem” a cultura. Fiquei bastante emo-cionado ao ler a reportagem “São José do Campestre: a borborema potiguar” (PREÁ 14). Campestre é a minha terra natal! Essa reportagem levou-me ao túnel do tempo, através do texto bem elabora-do e das belas fotos. Foi uma verdadeira “viagem” às minhas origens.

Jerônimo Rafael Medeiros(Diretor do Museu Câmara Cascudo/UFRN

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6 Jan/Fev 2006

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Bicho da terra

Navegando dia desses, encontrei-o. Oxente, pensei, peraí: esse é bicho da terra, do mato; não é bicho do mar. Mas ele estava lá, melhor dizendo, ela, a PREÁ. Adorei a entrevista com o ge-nial Ariano Suassuna. Sou de Martins e moro em João Pessoa-PB há 15 anos. Pa-rabéns pela excelente e belíssima PREÁ. Corajosa. Inovadora. Independente. Sem pedantismo, mas também sem falsa modéstia. É, sem dúvida, uma das me-lhores nesta área.

Francisco Júnior Damasceno Paiva (Professor de Filosofi a – João Pessoa-PB)

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Divulgação

Vocês da PREÁ estão de parabéns. Fiquei maravilhada com o conteúdo da revista. Cheguei a divulgar através de trabalhos da universidade as técnicas utilizadas por vocês. Gostaria de me manter mais in-formada sobre a cultura do meu estado e também de contribuir para o engrande-cimento desse meio de comunicação.

Bartira M Coutinho,(Estudante de Jornalismo – Ipueira/RN)

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Coleção

Recebemos o grande presente para 2006. Chegaram os sete primeiros volumes da revista PREÁ para completar nossa co-

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leção tão procurada pelas pessoas que freqüentam esta Biblioteca. Nem temos palavras para agradecer-lhe. Deus lhe pague!

Biblioteca do Centro de Estudos Geográfi cos e Agrários

(Votuporanga-SP)

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Design e conteúdo

Sou pesquisador da cultura popular e autor de cordel. Há 2 anos tive contato com a PREÁ e o que me chamou logo a atenção foi o design gráfi co, e depois, claro, o conteúdo, diga-se de passagem, maravilhoso. Moro em São Paulo, ca-pital, a cidade mais nordestina fora do Nordeste.

Edson Luiz (São Paulo-SP)

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Ariano

Recebi o n° 14 da bem-elaborada PREÁ (nome curioso, sui generis). Excelente entrevista com o fora-de-série, Ariano Suassuna. Fotos lindas... Enfi m, uma publicação cultural excelente, bem ela-borada. São Paulo carece de uma revista de cultura deste porte. Magnífi ca, sem porquês... Ótima. Quem sabe um dia te-remos? Afi nal, temos duas secretarias de cultura, Estadual/ Municipal.

Renato Braga(São Paulo-SP)

Desconhecimento

Agradeço mais uma vez pela revista PREÁ, mormente o maravilhoso pre-sente da edição número 14, que traz a entrevista com Ariano Suassuna. Aqui, fi co pasmo de verifi car o quanto não são mostrados valores como ele nas nossas escolas, porquanto de dez amigas de mi-nha fi lha, todas adolescentes, nenhuma sabia quem era Ariano Suassuna. Porém, após mostrar e ler para elas, com certeza que jamais esquecerão deste maravilhoso escritor.

Ademir Neves(Jornalista-São Paulo-SP)

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Identidade

Tenho recebido com regularidade os exemplares da PREÁ, que a cada número se apresenta melhor e mais interessante! Para quem está fora do Brasil, ler bons textos em português e manter o conta-to com a própria cultura é essencial para preservar a identidade brasileira e suprir a “saudade” das nossas coisas. Portanto, agradeço a vocês por essa alegria que aqui chega! Que a PREÁ continue o seu caminho de sucesso.

Silvia Costola(Roma-Itália)

7Jan/Fev 2006

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8 Jan/Fev 2006

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O espetáculo está marcado para começar às 21 horas. A velha Kombi passou o dia anunciando pelo bairro. Mas chega o ho-rário previsto para o início do espetáculo e o público não aparece. Do lado de fora do Circo Saturno, armado no antigo e popular bairro das Rocas, em Natal, em frente à Ofi cina de Zé de Alaíde, na rua Luiz Joaquim de M. Filho, dois rapazes e uma moça conversam sob os fi os de alta tensão de um poste, de onde saem faíscas a intervalos intermitentes, que eles igno-ram solenemente.

O pessoal do circo aparenta tranqüilida-de e cada um faz o seu trabalho. A bi-lheteira, que é a partner do atirador de facas, está a postos desde às 20h30. O engolidor de fogo cuida da portaria. Na entrada, já estão montadas duas mesi-nhas, com pipocas, algodão-doce e um freezer com água mineral e refrigerantes. O algodão e a pipoca custam 1 real, cada.

A garrafi nha de água fi ca também por 1 real e o refrigerante 1 real e 50 centavos.

Tudo é muito simples e feito com devo-ção e seriedade. A dignidade está presente nos menores gestos. Uma das principais atrações do espetáculo, “Sheik”, aguarda tranqüilo a sua vez de entrar em cena. Pela aparência robusta, deve receber mesmo tratamento de estrela. O salário é pago por semana e depende dos núme-ros que cada artista apresenta, mas não ultrapassa os 100 reais. Em alguns casos, quando o artista tem família, para me-lhorar a renda, ele pode negociar com o dono a venda de produtos, como “maçã do amor”, pipocas, picolés e outras mer-cadorias, no interior ou nas proximida-des do circo.

Naelson Abreu da Silva, 23 anos, o Pára-choque, fi lho do dono, vai lá fora con-versar. Já são 21h10. Ele explica que o público só sai de casa depois da novela.

Circo Saturno

Tácito CostaFotos: Anchieta Xavier

O “camarim” onde Naelson Abreu

da Silva se transforma no palhaço Pára-

choque é também o local onde ele dor-

me, em um colchão de solteiro, com o

irmão, o trapezista Nadelson Saturno

de Carvalho. O local, uma cobertura de

lona, imitando uma barraca de camping,

é tão apertado que mal cabe uma pessoa.

E para completar ainda está abarrotado

de caixas e um baú com objetos do Cir-

co Saturno. O calor, mesmo à noite, faz

qualquer um que se demore lá dentro al-

guns minutos começar a suar. É sentado

no colchão que Naelson, segurando um

minúsculo espelho e com gestos rápidos

e certeiros, em menos de dez minutos se

apronta para entrar em cena.

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9Jan/Fev 2006

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Uma família de artistasAs condições gerais do Saturno são boas. Ele é todo coberto. A lona

é nova e foi adquirida recentemente. Custou 4 mil reais. É uma

lona vistosa, amarela, azul e branca, as cores da bandeira brasileira.

A arquibancada, aparentemente, é segura. As cadeiras é que estão

um pouco gastas. Mas nada que impeça o espectador de sentar e

desfrutar com tranqüilidade o espetáculo. O perigo, talvez, venha

do alto, onde o trapezista faz seu número sem nenhuma rede de

proteção.

O Saturno é um circo tradicional, que tem na família, sua razão de

existir. Sua história não é muito diferente da história de centenas de

pequenos circos que percorrem as cidades do interior e as periferias

das capitais e cidades maiores.

O seu dono, José Nazareno Saturno da Silva, 43 anos, cinco ca-

samentos e sete fi lhos, nasceu em Açu e, salvo alguns pequenos

períodos de sua vida, sempre esteve ligado ao circo. Em um des-

ses momentos, por exemplo, trabalhou como fi gurante no fi lme

“O Cangaceiro Trapalhão”, de Renato Aragão, rodado no Ceará.

Ele herdou o amor ao circo do pai, Manoel Saturno da Silva, que

em 1965 deixou o Açu em um circo. Tocava guitarra, mas depois

aprendeu a ser palhaço.

O que se comprova em seguida. Em 15 minutos as pessoas começam a chegar. Às 21h30 o espetáculo inicia com casa cheia.

Para uma terça-feira, depois de duas se-manas de espetáculo, é uma bilheteria surpreendente. Umas 300 pessoas lotam o Saturno, que tem capacidade para re-ceber, segundo o seu dono, cerca de 400 espectadores. Os preços são convidati-vos. A entrada para a arquibancada custa 1 real. Já para as cadeiras o ingresso sai por 2 reais. Mas o bom do circo é mes-mo a arquibancada, dividida entre crian-ças, adultos e idosos.

José Nazareno Saturno e o bode “Sheik”

José Nazereno (centro) e os fi lhos. Os dois mais velhos já atuam no circo. Naelson Abreu da Silva (à direita) é o palhaço Pára-choque; Nadelson Saturno de Carvalho (à esquerda) é o trapezista

10 Jan/Fev 2006

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Nascia aí a tradição de palhaços na fa-mília Saturno, que agora chega à terceira geração. Nazareno é o palhaço Pára-bri-sa. Ele se apresenta na segunda parte do espetáculo e o fi lho, Naelson, o palhaço Pára-choque, na primeira. Mas como a equipe de artistas é pequena todos se re-vezam fazendo outros números. Quan-do não estão no palco, de terra batida, vigiam a cerca para os moleques não entrarem sem pagar, cuidam do som, da portaria e da bilheteria e ajudam na ven-da dos refrigerantes.

Assim é que o palhaço Pára-brisa é tam-bém o atirador de faca e se apresenta ao lado da grande estrela “Sheik”; o trape-zista, Nadelson Saturno de Carvalho, 17 anos, também fi lho de Nazareno, se traveste para apresentar o personagem televisivo conhecido como “Lacraia”, o número mais ovacionado pela platéia; a bilheteira vira partner do atirador de facas; o engolidor de fogo (o “Homem Vulcão”) cuida da portaria e Luiz Eduar-do Júnior, o equilibrista, fi scaliza a cerca de arame para impedir que as pessoas entrem sem pagar. É este grupo, de seis pessoas, que conduz o espetáculo duran-te 1 hora e 30 minutos.

José Nazareno Saturno conta que come-çou a trabalhar em circo aos 14 anos, como o palhaço que saía pelas ruas, em pernas de pau, chamando o povo para o espetáculo. Depois deixou o Açu e foi encontrar com o pai na Bahia, que tinha montado um circo. A experiência durou pouco, ele trocou a Bahia pelo Ceará e so-mente em 1976 retornou ao Rio Grande do Norte, onde montou em 1988 o circo Noveon. O nome é uma homenagem ao

cantor e compositor Raul Seixas, autor da música “Novo Aeon”.

Três meses depois de criado, o circo es-tava armado em Upanema, no Oeste Potiguar, quando atearam fogo e o que restou foram apenas os ferros. “Fiquei com as mãos na cabeça, sem lenço e sem documento”, relembra Nazareno. Estava chegando ao fi m o sonho de ter a sua própria companhia e ele voltou a trabalhar de empregado em outros cir-cos, como o Fantástico Circo, Circo Real Madrid, American Circus, Diorama Cir-cus, Circo Europeu, Circo Califórnia, Circo Hatari, Circo Kaoma, Arca Circus e Circo Mágico Nelson, entre outros. Neste último foi onde nasceu o palhaço Pára-choque.

Em 1996, junto com os irmãos, fundou um novo circo, o primeiro Saturno, que uma ventania intensa, em 2003, quando estava armado em Ipanguassu, reduziu à tábua e ferro.

O novo Saturno foi montado este ano, em sociedade com Devaldo Freitas de Souza, e estreou nas Rocas, onde De-valdo, que já trabalhava com locação de som, mora. É a segunda vez que Nazare-no trabalha junto com os fi lhos. Ele con-ta que irá percorrer os bairros da cidade e municípios próximos, de forma que os fi lhos possam continuar estudando. Da arte circense ele manja tudo. “Sou do tempo em que tinha teatro no circo, com ‘ponto’ atrás da cortina”.

Circo Saturno

11Jan/Fev 2006

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Palhaço não tem pai nem mãeSer palhaço, para ele, é uma das mais difíceis profi ssões. “Palhaço não tem pai nem mãe, pode ter morrido a mãe, mas ele tem de se apresentar com um sorriso estampado no rosto”. Nazareno conta que não orienta nenhum fi lho a seguir carreira no circo. “Não pode ser o pai que destina o fi lho, ele deve estu-dar primeiro e depois seguir a carreira que escolher”, diz ele, que não chegou a terminar o primário. O apelido de Pára-brisa surgiu num dos primeiros circos em que trabalhou, ainda menino, fa-zendo fi guração no “Táxi maluco”, que acabava desmontado em meio a muitas palhaçadas.

Ao contrário dele, Naelson, o Pára-cho-que, lê e escreve com desenvoltura. Tra-balhou recentemente dois anos como ci-negrafi sta de uma TV de Natal e se mos-tra antenado com ferramentas modernas

como a Internet, cita Chaplin, Mr. Bean e os Três Patetas, como modelos que fa-zem rir com simplicidade e que devem ser adotados.

É possível notar a infl uência “moderni-zante” de Naelson antes mesmo de co-meçar o espetáculo, quando o sistema de som do circo toca o CD da banda Kid Abelha e na abertura das apresentações, quando um locutor faz um resumo didá-tico da história do circo. É visível o es-forço dele em apresentar um espetáculo de qualidade. Idéias visando isso ele tem e cita duas: patrocínios privados ou Leis de Incentivo à Cultura. Mas enquanto isso não é viabilizado, o espetáculo é montado com o que se pode e tem.

A noite abre com o bode “Sheik”, anun-ciado no microfone como “o único do Brasil que joga futebol”. “Sheik” faz a sua parte. Seu treinador, Nazareno, man-da e ele levanta a pata e cumprimenta o

público; depois paga uma promessa, de joelhos; dá umas cabeçadas em uma bola e mostra como se guia um bêbado. Su-cesso estrondoso.

“Sheik” tem dez anos e foi comprado ainda novo no Alto Oeste potiguar. Na-zareno conta que descobriu a vocação do bode para “artista”, quando viu o animal brincar de bola com um dos fi lhos. Co-meçou, então, a treinar o bicho para se apresentar no picadeiro.

O espetáculo prossegue com o palhaço Pára-choque; o equilibrista Júnior, no “Cilindro Oriental”; a personagem te-levisiva “Lacraia”; Pára-choque dubla o cantor italiano Andrea Bocceli; o atira-dor de facas faz o seu número temerário, convidando uma pessoa da platéia; o tra-pezista; o engolidor de fogo; e o palhaço Pára-brisa encerra a noite.

O público é um espetáculo à parte. Grita e ri o tempo todo, alguns dizem

12 Jan/Fev 2006

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palavrões, mas também surgem tira-das hilariantes, como por exemplo, um anônimo que chama a “banda” que acompanha a música de Andrea Bocceli, dublada por Pára-choque, de “Banda Diarréia”. É uma platéia po-liticamente incorreta. Uma moça um pouco acima do peso, cai na besteira de aceitar o convite do atirador de fa-cas, para participar do número. Ouve poucas e boas da platéia. Sai rindo!

O espetáculo se encerra por volta das 23 horas, com o bordão, pronuncia-do de forma engraçada, pelo palhaço Pára-brisa: “Gente, volte amanhã”. Dali a instantes é hora de contar o apurado, comentar as atuações, avaliar o que saiu errado e o que pode me-lhorar e cada um se recolher ao calor de suas barracas, para tentar dormir como pode. Porque no dia seguinte tem espetáculo, sim senhor!

Origens do circoAlguns estudiosos afi rmam que o circo surgiu na Grécia Antiga e no Império Egípcio, onde já havia animais doma-dos. As Olimpíadas, que começaram por volta do século VIII a.C., contavam com números circenses. Nos anos 70 a.C., em Pompéia, no Império Romano, ha-via um anfi teatro usado nas exibições de habilidades incomuns

A versão do circo que conhecemos – com picadeiro, lona, desfi le de animais – é recente e foi criada pelo subofi cial inglês Philip Astley, por volta de 1770. Na época, ele montou um espetáculo com cavalos, que contava com saltadores e palhaços.

O circo com suas características, em ge-ral itinerante, existe no Brasil a partir dos fi ns do século XIX. Desembarcavam em

um porto importante, faziam seu espe-táculo, partiam para outras cidades, des-cendo pelo litoral até o rio da Prata, indo para Buenos Aires. O circo brasileiro tro-picalizou algumas atrações. Por exemplo, o palhaço brasileiro fala muito, ao con-trário do europeu, que é mais mímico.

O Dia do Circo, no Brasil, 27 de mar-ço, está relacionado ao nascimento em Ribeirão Preto (SP) do palhaço Piolin, Abelardo Pinto “Piolin” (27.3.1897-1973). Filho de artistas circenses, Piolin foi um dos mais queridos palhaços bra-sileiros.

Outro grande palhaço é George Savalla Gomes, o Carequinha, que nasceu em Rio Bonito, RJ, em 1915. Começou a trabalhar como palhaço aos cinco anos de idade, passando por vários circos na-cionais e até um internacional, o Circo Sarrazani.

Circo Saturno

13Jan/Fev 2006

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Por Gustavo PorpinoFotos: Areta Luna

Sou um mulato democrático do litoral

a gente precisa ver o luar

(Volonté)

Quem conhece Volonté? Manoel Fer-nandes de Souza Júnior, 49 anos, nata-lense das Rocas, é uma das fi guras hu-manas mais populares de Natal. O poeta Volonté faz parte da Natal mais provin-ciana, em que quase todos compartilha-vam as mesmas amizades, batiam papo nas calçadas do centro e brincavam no carnaval de rua de Petrópolis à Ribeira. A Natal, pacata e boêmia, dos anos 70 e os jogos do escrete de 70, despertaram em Manoelzinho o gosto pela poesia. O garoto do Areial, nas Rocas, aceitou ser poeta e, desde então, espalha seus versos curtos e cortantes nas esquinas de Natal.

O pseudônimo “Volonté”, que ele diz já ter explicado a origem “umas cem vezes”, é uma homenagem ao ator italiano Gian Maria Volontè, ator principal do fi lme “Giordano Bruno”, dirigido por Giulia-

no Montaldo. “É talvez um dos maiores atores da história do cinema”, salienta.

Volonté é irrequieto, crítico, às vezes im-paciente, leitor voraz de jornais e obser-vador do cotidiano natalense. Sabe como ninguém ler as entrelinhas das colunas e artigos e tem sempre uma opinião formada. Não suporta os bajuladores e tem sempre uma crítica dirigida aos que chama de “canalhas”. Para ser amigo de Volonté, ou pelo menos ser respeitado por ele, tem que ter opinião, como disse certa vez o poeta mineiro Cacaso no iní-cio do poema “Face a face”.

São as trapaças da sortesão as graças da paixãopra se combinar comigotem que ter opinião

A obra do poeta e ensaísta Antônio Carlos de Brito (1944-1987), o Cacaso, parece ter infl uenciado Volonté. O poe-ta potiguar admira a “poesia marginal” de Cacaso e também faz uso da crítica social nos seus poemas. Outros versos do poeta mineiro casam perfeitamente com Volonté.

O meu amor e eunascemos um para o outroagora só falta quem nos apresente

O poeta andarilho é solitário. Gosta de caminhar pelas ruas como se estivesse à procura de si mesmo. O artista plásti-co Dorian Gray Caldas desvenda bem Volonté no prefácio do livro “Proemas”, publicado em 2004. Segundo Dorian, “o poeta está sempre em trânsito, sem-pre com um livro consultando, lendo, discutindo o texto ou passando a poesia para alguém”.

Há 15 anos mora sozinho numa quitine-te na Cidade Satélite. Passa longas horas ouvindo música, lendo e telefonando sem ser importunado. Adora telefonar para jornalistas e alguns poucos amigos. “A melhor conversa que tem é por tele-fone”. Na simplicidade da sua morada, rabisca seus versos em pedaços de papel. “Só escrevo com lápis, tenho medo de computador”.

A fi gura de cabelos já grisalhos, corta-dos bem curtos, sandálias havaianas, calça jeans com a bainha dobrada e ca-miseta, tem seus pontos de parada fa-voritos. Quando não está em casa ou na sede da Fundação José Augusto, de

V O L O N T É

14 Jan/Fev 2006

Page 15: REVISTA PREA N 16

“Do poeta falam tudo”

onde é funcionário, pode ser facilmente encontrado no sebo Letra e Música, Café Cirol ou tomando cerveja no Beco da Lama. “Gosto muito de andar a pé. De ônibus e de carro é uma tortura. O trânsito de Natal está um cân-cer quase incurável”.

Os sebos exercem um fascínio sobre os poetas. Volonté fre-qüenta os principais sebos de Natal. Vai sempre ao Sebo Vermelho conversar com o livreiro Abimael Silva, gosta dos sebos de Jácio e Amorim, mas é no “Letra e Música”, do amigo Ary Ramalho, que Volonté parece se sentir em casa. A música de boa qualidade acalma o poeta, tem sempre um jornal guardado à sua espera e a companhia de Ary para trocar idéias sobre música entre um e outro cigarro.

Música, poesia e cerveja são três grandes paixões na vida do poeta. Os Beatles, preferencialmente interpretado por Sarah Vaughan, Bob Dylan, Led Zeppelin, Chat Baker, Luís Gonzaga, Vital Farias, Lenine e Paulinho da Viola for-mam o universo musical de Volonté. No mundo das letras é igualmente exigente. Perde facilmente a paciência com textos mal escritos.

Conta que já passou dez anos sem ler. De 1988 a 1998. Entre os anos de 1991 a 1995 viveu a fase mais difícil. “O percalço da vida”, como defi ne. Diz ter sido salvo por alguns amigos como os médicos Elmano Marques e Na-poleão Paiva. Vencida a fase de imersão, retomou o olhar sobre os poemas de Cacaso, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Fernando Pessoa e Mário Faustino. Também elogia a “dura poesia concreta dos irmãos Campos (Haroldo e Augusto de Campos)”.

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O culto à cerveja Volonté exerce, prefe-rencialmente, no Beco da Lama, reduto de boêmios no centro de Natal, e aceita até a sofi sticação dos shoppings, desde que o chope seja bem gelado. Antes mes-mo de publicar o primeiro livro, “Ante-cedentes criminais” (1979), Volonté já freqüentava o Beco da Lama na com-panhia do poeta Bosco Lopes, já faleci-do. Mais recentemente, gosta de dividir mesa nos bares do Pedrinho e Nazaré com o músico Carlança.

Poesia potiguarVolonté acompanha de perto a produção poética nas terras potiguares. É fi gura certa nos lançamentos de livros e saraus poéticos. Elogia muitos e desconversa sobre outros. Os poemas dos potiguares Napoleão Paiva, Demétrio Diniz, Adria-no de Sousa, Alex Nascimento, Plínio Sanderson, Moacy Cirne, Nei Leandro e Sanderson Negreiros são celebrados por Volonté. A explicação pela escolha é simples. “É gente que escreve bem”, diz. “Inclua na lista também a fotografi a poética de Giovanni Sérgio”.

O poeta andarilho prefere falar dos ver-sos alheios, de elogiar os outros poetas. Não gosta de comentar sua própria obra,

nem de escolher rótulos para si mesmo. Acha até que “não há defi nição para o ser humano”. Poetas, então, são ainda mais complexos. “Nem Octávio Paz conse-guiu defi nir o poeta”, diz, recorrendo ao ensaísta mexicano de quem é admirador assumido. Mas alguns poemas de “Cara a cara”, livro reeditado em 2005 com ilustrações do sobrinho João Felipe, 11 anos, falam por Volonté.

Do poetafalam tudoe sei que o mellambuza hipocrisia

Volonté acha mesmo é que “a pessoa é mais persona”. O poeta pretende apre-sentar algumas destas fi guras “mascara-das” em “Perfídia”, livro de crônicas so-bre Natal e alguns personagens da cena natalense. “Mas utilizo nomes de cidades americanas e fi ctícios para as pessoas”, avisa. O novo livro ainda não tem data para ser lançado.

Copa e carnavalA Copa de 70 foi “o primeiro alumbra-mento” de Volonté. “Foi um momento sem igual entre poesia, arte e autentici-dade da malandragem brasileira”, des-creve. O futebol-arte de Tostão, Gérson,

Pelé, Rivelino e companhia encantou tanto Volonté que no ano seguinte nas-ciam os primeiros poemas. Marcados também pela crítica social ao regime da ditadura. “Vi a Copa todinha na antiga Confeitaria Atheneu”, relembra. Alguns anos depois, Volonté fez parte do grupo fundador do “Comitê norte-rio-gran-dense pela anistia”.

A paixão de Volonté por carnavais de rua vem da infância no Areial. “Quando eu era criança, esperava sempre a ‘Bagunça do PV’ passar”. O bloco de rua do car-naval das Rocas arrastava os canguleiros pelas ruas do bairro e criava em Volonté o gosto pela folia. Já crescido, o poeta passou a acompanhar a Bandagália e relembra antigos foliões do carnaval de Natal. “Eugênio Cunha, Jácio Fiúza, Olinto Rocha, Laércio Bezerra, Ary Ra-malho, todos eles, seguiam as bandinhas de rua do Tob’s bar, em Petrópolis, até a Peixada Potengi, na Ribeira”.

Enquanto os antigos carnavais de Na-tal não voltam, como deseja Volonté, o poeta segue andando por aí, colhendo versos do cotidiano, telefonando para uns, encontrando outros e espantando os dândis.

V O L O N T É

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DOIS POEMASINÉDITOS DE VOLONTÉ

Um dia de torres gêmeas

Acordo pela manhãAcendo um cigarroVejo a cor do solDiferenteEntre guerras e torresE terrorismoManhattan não será mais a mesmaSomente um começo de séculoE milênioViajando para o infi nitoE meu velho amigo de tantos anosEsfumaçando meu pensamento

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Tenho um passadoDentro de mimA lira lampejaMinha poesiaEm versos soltosNosferatu

“Do poeta falam tudo”

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FERNANDO PEREIRA

Fernando Pereira é jornalista e fotógrafo freelancer. Participou de várias exposições e ganhou concursos de fotografi a no RN, como “Revele a Vila”, “Visões da Redinha” e “Eu Fotografei as Kengas”. Porém, seu maior feito veio do Japão, com o concurso fotográfi co promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – 1994/95. Participaram do evento 19.491 fotógrafos, oriundos de 153 países, concorrendo com 44.039 trabalhos. Desses, apenas cem imagens foram selecionadas para compor o catálogo, entre elas a sua foto “Earthen Men” (“Homens de Barro”). Contatos: (84) 3641-1949, 9984-0899.

“OS CÃO”“Os Cão” é um tradicional bloco carnavalesco da praia da Redinha, em Natal, que sai às ruas uma vez por ano, com os foliões recobertos da lama do mangue.

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“OS

CÃO

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“OS

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“Pessoal do Tarará”leva arte à periferia

Sérgio VilarFotos: Anchieta Xavier

É com o ideal de disseminar arte ao público da periferia que o grupo de teatro de rua “O Pessoal do Tarará”, de Mossoró, começou suas atividades. Mú-sica, circo, máscaras, barulho, ideologia, arte, enfi m, tudo aquilo que tem cor, vida e contrasta com o conceito de que as ruas são meros fl uxos econômicos de uma cidade, está presente no teatro de rua do Tarará. São nesses espaços cinzen-tos que o artista fala com seu semelhante de forma direta e pura.

Tudo começou em novembro de 2002, com um par de tênis doado. Quando

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se cogitou fazer uma rifa para angariar dinheiro e conseguir o fi gurino e arte-fatos para as primeiras apresentações. O apurado foi pouco, mas quem conhece a realidade de “O Pessoal do Tarará” re-conhece que com o pouco se faz muito. O grupo iniciou os ensaios, nas praças de Mossoró e em um espaço empresta-do por amigos, que funciona como sede improvisada. O primeiro espetáculo en-cenado foi o “Sanduíche de Gente”, do poeta mossoroense Crispiniano Neto. Ficou um ano em cartaz e ganhou, in-clusive, as ruas de Natal.

Com a peça, o grupo concorreu ao Prê-mio de Fomento à Cultura, patrocinado pela Petrobrás e prefeitura de Mossoró. Venceu e ganhou R$ 15 mil. Foi o bas-

tante para montar o segundo espetáculo: “O Inspetor Geraldo”, uma livre adap-tação de “O Inspetor Geral”, de Nicolai Gogol, autor de clássicos da literatura russa. “Adaptamos à nossa linguagem, à nossa cultura, com os costumes da nossa terra”, explica o roteirista do espetáculo, Dionízio Cosme Neto, o Dionízio do Apodi. Sentida as difi culdades de loco-moção do primeiro espetáculo, o grupo decidiu comprar bicicletas para cada componente e facilitar o transporte das indumentárias dos shows aos locais de apresentação.

A necessidade virou marca do grupo. Chegada a hora da apresentação, lá vai “O Pessoal do Tarará”, em cima de bi-cicletas repletas de adereços variados e

coloridos, em cortejo pelas ruas de Mos-soró. Na frente, o ator Jarllon Azevedo, 20, segura um alto-falante, a chamar todos ao espetáculo: “Pra você que está com nome sujo no SPC, está com in-sônia, vem para cá que você vai ser um novo moço, uma nova moça. É o grupo Tarará...”. E no improviso, acompanha-do por apitos, buzinas e chocalhos dos outros componentes, o jovem ator guia um grupo de dez bicicletas até chegar à travessa Riacho Doce, no bairro Barro-cas, periferia de Mossoró. Era lá a apre-sentação do dia.

A presença repentina e barulhenta do grupo causa surpresa aos moradores das redondezas. Ao contrário daqueles que acenavam para o grupo no meio do

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caminho, as pessoas agora fi cam confu-sas com todos aqueles jovens, adultos e crianças com máscaras e pinturas no rosto, roupas espalhafatosas e um cená-rio simples, guardado dentro das maletas que seguem penduradas no bagageiro das bicicletas até o local da apresentação. Em cerca de 10 minutos o “palco” está montado. “Senhoras e senhores, respei-tável público...”, anuncia o início do es-petáculo o mais jovem componente do grupo, com apenas 12 anos, em cima de uma perna de pau.

O espetáculoA trama da peça original, “O Inspetor Geral” é respeitada na livre adaptação do

grupo: as autoridades de uma pequena aldeia tomam conhecimento de que um inspetor do governo chegará incógnito em breve para investigar certos abusos. Por acaso, um aventureiro passa por ali e os poderosos do local, achando que ele é o inspetor, fazem de tudo para subor-ná-lo.

No entanto, o status de alguns perso-nagens foi modifi cado. O aventureiro é um engraxate, que carrega toda a malí-cia e o jeitinho brasileiro de se dar bem em qualquer situação, e aproveita-se do suborno para dias de luxo. Para não ci-tar o poeta russo, Punchin, no meio do roteiro, o grupo prefere os bons nomes da terra, como Antônio Francisco. A lin-guagem empregada é a de rua. E se há

menção a alguma obra clássica, vai para o popular romance de Romeu e Julieta, escrito por “Xeiquespeáre”.

Alguns componentes do grupo já reali-zavam outros trabalhos ligados ao teatro amador, mas a maioria se dividia em atividades distintas e aguardava, mesmo sem muito acreditar, o desejo de um dia trabalhar com teatro de rua. É o caso de Bené Tavares, o mais velho do grupo, com 46 anos.

Bené largou a atividade de professor para entrar no grupo Tarará. Lecionava Filo-sofi a e Sociologia no Colégio Geo. E veio do Ceará para Mossoró só para isso, em 1993. Sempre afi cionado pelo teatro de rua, ao ver a passagem do pessoal do Ta-rará, um velho sonho de juventude redi-

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mensionou conceitos na mente de Bené. “Tenho aprendido com essa juventude a renovar minha mentalidade. Não vejo idade quando estou aqui (nos ensaios e nas apresentações). Vejo, sim, espírito e força de vontade. E isso ajuda até na for-mação dos meus fi lhos”, revela.

Mesmo tendo largado a atividade peda-gógica por completo, Bené ainda con-segue tempo para dedicar-se ao rádio, aonde conduz o programa “Cantada Brasileira”. Na verdade, foi numa rádio em Icó, interior do Ceará, que Bené to-mou gosto pela arte teatral, ainda com 15 anos. Ele participava da Companhia Vassoura de Arte, que encenava apresen-tações na rádio. A temporada foi curta, mas a magia do teatro improvisado per-

maneceu no jovem artista. Hoje, Bené interpreta a mulher do prefeito, na peça “O Inspetor Geraldo”. É ele quem arran-ca as maiores risadas do público.

Euzimário Macário, 19, é outro exemplo de dedicação ao ofício. Ainda morador do sítio Juvenal, no distrito de Baraúna, Euzimário vem diariamente a Mossoró para o colégio e os ensaios com o Tarará. Por vezes, dorme na sede improvisada do grupo, devido às distâncias. Mas mesmo antes de entrar para o grupo e interpretar os protagonistas das peças, Euzimário já estudava teatro no grupo Arruaça, tam-bém de Mossoró. “Mas quando o Tara-rá passou, me chamou atenção o modo como trabalhava”. Ao deixar o grupo Ar-ruaça, recebeu um convite de Dionízio

do Apodi, diretor do Tarará, para inte-grar o grupo.

“Estamos sempre aprendendo com as si-tuações das ruas; o improviso leva a isso. Às vezes tem bêbado atrapalhando, é um cachorro que não pára de latir... Mas é tudo em nome da arte”, conclui.

Com apenas três anos de existência, “O Pessoal do Tarará” já conseguiu gravar um documentário sobre a rotina do gru-po, desde os ensaios, à saída da sede e apresentações na rua. O documentário foi premiado no Festival do Vídeo Po-tiguar. Além do documentário, foi feito o fi lme “Um Chão de Esperança”, de 45 minutos com roteiro e direção de Dioní-zio do Apodi.

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David ClementeFotos: Anchieta Xavier

Deífi lo Gurgel, 79 anos, é um dos mais respeitados estudiosos do folclore no Rio Grande do Norte. Mas quando perguntado sobre sua profi ssão, respon-de simplesmente: “aposentado do Es-tado”. No entanto, essa classifi cação é vaga demais para quem publicou livros de poesia e sobre folclore, estudou Di-reito, foi bancário, professor, diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal do Natal e diretor do Centro de Promoções Culturais da Fundação José Augusto. Um currículo considerável para ser resumido apenas a “aposentado do Estado”.

O pesquisador da cultura popular nas-ceu e viveu toda a infância na cidade de Areia Branca, a 330 km de Natal. Ele conta que seu pai era rigoroso em muitas

coisas, mas quando se tratava de amiza-de, não havia restrições. O menino, que mais tarde seria folclorista, recorda que costumava brincar de “touro passa” e “barquinho passará”. As brincadeiras não infl uenciaram sua carreira, pois ele só veio a se interessar profi ssionalmente por folclore a partir dos 44 anos. Antes disso, sempre teve ligação afetiva com a cultu-ra. Era poeta. Sua poesia está em quatro livros de versos inéditos e um quinto em que reúne os melhores poemas dos livros anteriores. O primeiro foi intitu-lado “Cais da Ausência”, publicado em 1961. O segundo chamava-se “Os Dias e as Noites”, publicado em 1979. Em 1983 nasceu “7 Sonetos do Rio e Ou-tros Poemas”. Em 2002, publicou “Areia Branca, a Terra e a Gente”, no qual além de poesia há também história e antropo-logia e está, como diz o autor, “vendendo como cocada” porque consta no edital de um concurso da prefeitura da cidade. O

quinto livro, de 2005, ganhou o nome de “Os Bens Aventurados”.

Em 1967 ele recebeu o diploma de ba-charel pela Faculdade de Direito de Natal. Mal teve tempo de praticar sua formação, pois em 1971 aceitou dirigir o Departamento de Cultura do Estado do RN. Foi quando nasceu seu interes-se pelo folclore. Ao se instalar no novo local de trabalho, encontrou cadernos com cantigas folclóricas. Primeiro fi cou curioso, depois apaixonado e pôs-se a procurar mais registros culturais como aqueles. “Entrei com toda a força para o universo do folclore”, diz Deífi lo que até ensaia uma comparação com o con-terrâneo Câmara Cascudo: “Ele estudou todos os países. Eu me centrei aqui no RN”. E quando volta ao assunto do di-ploma, ele diz não muito preocupado: “deve estar numa dessas gavetas da mi-nha casa”.

DEÍFILO GURGEL

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No mesmo ano em que tomou posse no seu novo cargo, o governador do Esta-do, Cortez Pereira, realizou uma grande festa para celebrar o natal. E lá estavam as tradicionais apresentações de Pastoril, Bumba-meu-boi, Chegança e Fandango. Numa delas, em São Gonçalo do Ama-rante, Deífi lo fi cou deslumbrado com a dança e as marradas do Boi. “Comecei a comprar livros para estudar o folclore e hoje tenho uma biblioteca”. Aquele era o elo entre o antes e o depois. A partir de então a poesia foi deixada de lado, pois era a vez do folclore. Apesar disso, ainda publicou livros de poesia.

Em 1979 vieram dois novos desafi os para Deífi lo. Num deles teria que administrar, no outro, lecionar, ambos ligados à cultu-ra. Nesse ano ele tomou posse como dire-tor do Centro de Promoções Culturais da Fundação José Augusto e como professor de Folclore Brasileiro, na UFRN.

Dois anos depois começavam os lançamentos dos seus livros sobre folclore. Respectivamente, Danças Folclóricas do RN; João-Redondo - Teatro de Bonecos do Nordeste; Romanceiro de Alcaçuz; Manual do Boi-Calemba; Espaço e Tempo do Folclore Potiguar.

O livro com que Deífi lo mais se em-polga para falar é, sem dúvida, Areia Branca, a Terra e a Gente. Soman-do todas as fases, o autor investiu 15 anos para terminar a obra. Dos quais, dois para concluir a primeira parte e treze para a segunda, que trata da árvore genealógica das famílias da cidade. “Para desvendar a genealogia areia-branquense, foi necessário visi-tar casa por casa para ver as famílias”, diz. E conta orgulhosamente que no lançamento, o professor Vingt-un Rosado disse que dentro de 50 anos o RN não verá outro livro tão impac-

tante. “Sempre escrevo com o coração. Mas nesse livro foram uns três ou quatro corações para escrever”, diz o autor.

Além de todas as profi ssões, Deífi lo tam-bém atende pelo substantivo de pai para 9 fi lhos, o de avô para 15 netos e de bi-savô para quatro bisnetos.Todos frutos de um único matrimônio com Zoraide Gurgel, para quem ele compôs o poema “Musa”, em 1996.

O folclorista cidadãoO lado pesquisador do folclorista, por vezes se confunde com o cidadão. Deí-fi lo conta que muitas de suas fontes de pesquisa são pessoas comuns, mas que guardam na sua memória canções, ver-sos e costumes folclóricos quase extintos. São geralmente pessoas tão comuns que sequer sabem o valor que essa memória tem para a cultura. Para o pesquisador da cultura popular, não é correto pesquisar,

“ E s c r e v o c o m o c o r a ç ã o ”

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registrar e sumir. “Não é justo. Eles dão tanto para todos que eu tenho procurado ajudar”. O primeiro caso que ele relata é do cantador Chico Antônio. Quando o coquista foi redescoberto, a TV Glo-bo o chamou e o Ministério da Cultura lançou o fi lme “O Herói com Caráter”. Mas ele queria algo para o artista. Con-seguiu, então, uma aposentadoria de três salários mínimos.

Em São Gonçalo do Amarante, na Gran-de Natal, mora Dona Militana (Milita-na Salustino do Nascimento), 80 anos, mais uma artista nata que Deífi lo des-cobriu e a classifi ca como “fenomenal”. Dona Militana, que recebeu das mãos do Presidente Lula a Ordem do Mérito Cultural, é considerada a mais impor-tante romanceira do Brasil por conhecer diversas canções dos romanceiros ibéri-cos e brasileiros. Algumas delas datam da época da descoberta do Brasil.

No mundo globalizado de hoje em dia, as músicas consideradas “da moda” tam-bém chegam aos ouvidos do dedicado pesquisador de cultura popular. E Deífi -lo admite que “música, seja ela qual for, há sempre canção boa”, dos Beatles aos forrós estilizados. E admite também que nem todas as cantigas de folclore são tão boas assim. “Algumas são monótonas, chatas e só têm valor histórico. Mas há outras belíssimas”. A proposta do pro-fessor para as apresentações é que sejam selecionadas as melhores como forma de agradar o público.

Folk-loreA palavra “folclore” é derivada da junção dos termos ingleses “folk” e “lore”. O primeiro signifi ca povo e o segundo signifi ca saber. Portanto, Folk-lore quer dizer sabedoria de um povo. Com o passar do tempo a palavra perdeu o hífen (folklore) e depois adaptou-se ao português e passou a ser escrita folclore, como conhece-mos hoje. Ultrapassando a grafi a, Deífi lo destaca a defi nição do professor paulista Racine Tavares, quando explica que Folclore é a ciência que estuda a cultura es-pontânea da gente do campo e da cidade. Não é adquirida em escolas e nem em faculdades, pois atinge desde analfabetos até doutores.

Outra forma de entender o que é folclore é conhecer sua história. O professor Deífi lo explana que no RN, em determinada época, o estudo nessa área era me-nosprezado, pois começou com brincadeiras de escravos e pessoas que não tinham acesso à cultura erudita, quase sempre importada da Europa. Depois os próprios eruditos passaram a estudá-la e descobriram que naqueles versos espontâneos ha-via história e costumes descritos.

DEÍFILO GURGEL

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Moacy Cirne Encontro-me na primeira fi la, sentado, à espera do início da sessão. À espera do fi lme, qualquer fi lme de categoria, desde que brasileiro, espanhol, italiano. Ou francês. Só que o de hoje não é um fi lme qualquer. Agrada-me fi car na primeira fi la; sinto com mais intensidade a luz que vem da tela, o som que me envolve de forma quase sensual. Aos 35 anos, con-tinuo amando o cinema, sempre amei. Desde os tempos de Caicó, no interior do Rio Grande do Norte. O Paissandu, hoje, é a minha segunda casa, moro aqui perto. Depois das sessões, gosto de dis-cutir com amigos ou conhecidos nas me-sas do Oklahoma, molhando as palavras sem maiores preocupações, sem maiores ilusões. Mas com muita paixão sobre o último Godard, o último Glauber, o último Antonioni, o próximo Nelson Pereira, o próximo Joaquim Pedro, o próximo Luiz Rosemberg. Ou a última sacanagem do governo. Às vezes, aparece uma amiga que me acompanha até o meu apartamento, na Senador Vergueiro. Mas eis que a sessão começa. Depois dos primeiros minutos, complementos inúteis, inicia-se o fi lme, um fi lme an-siosamente esperado por mim, que ainda não o conhecia, por incrível que pareça. Aliás, eu era o único da turma que não o conhecia. E o fi lme se desenrola, nobre e solene. Com sua música. Seus ruídos. Seus diálogos. Tu n’as rien vu à Hiro-shima. Rien. J’ai tout vu. Tout. Non, tu n’as rien vu à Hiroshima. Ainsi l’hôpital, je l’ai vu. J’en suis sûre. L’hôpital exis-te à Hiroshima. Comment aurais-je pu éviter de le voir? Sim, a dor me toca, o passado não me consola, o presente me abstrai, a paz já não existe em minhas memórias. Sou Hiroshima, sou Nevers,

sou Caicó, sou Natal. Sou o fi lme que me completa. Nas sombras do cinema. Nas sombras das vozes. Nas sombras do futuro. C’est à Nevers que j’ai été le plus jeune de toute ma vie... Jeune-à-Ne-vers. Jeune-à-Ca-i-có. Oui, Jeune à Caicó. Et puis aussi, une fois, folle à Natal. Viajo nas minhas idéias, nos meus sentimen-tos, nas minhas angústias; o fi lme me fascina, me consome, me embriaga, me destrói. Me diz tudo, tudo, tudo. Et la Loire? C’est un fl euve sans navigation aucune, toujours vide, à cause de son cours irrégulier et de ses bancs de sable. En France, le Seridó passe pour un fl euve très beau, à cause surtout de sa lumière... tellement douce, si tu savais. O que fazer da saudade que tenho do Seridó, da sua luz quando cheio de barreira a barreira? O que fazer das minhas desilusões? Das minhas esperanças desbotadas? O que fazer do amor que se perdeu no tempo e no espaço? Não o esquecerei, jamais. Jamais. Je t’oublierait! Je t’oubli déjá! Re-garde, comme je t’oublie. Regarde-moi! Hi-ro-shi-ma. Hi-ro-shi-ma. C’est ton nom. Depois de tudo, a música. Depois do fi m, o silêncio. Estou exausto. Dila-cerado. Desnorteado. Escuto as pessoas que se levantam de suas poltronas. Algu-mas vozes, alguns vazios. Tomo a minha bengala e começo a tatear, devagar; não tenho pressa. O encarnado e o azul há muito que me escaparam da memória. Há muito que deixei de sentir os crepús-culos e as cores do Seridó. Não vejo mais do que alguns poucos fi apos de sombras, alguns restos de pequenas certezas. Não vejo mais do que o nada e uma certa náusea. Moro perto, já disse. Sei voltar sozinho para casa. E hoje prefi ro voltar sozinho.

[ in A palavra e outras palavras, a sair em 2006 ] O

fi lm

ePara um livro-em-progresso

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Carlos Gurgel PoetaAcho de extrema importância se constatar, que na cena cultural da cidade, existem gru-pos que escolhem a poesia como base dos seus trabalhos. Aliás, é importante que se frise: pronunciar o poema, não é para qual-quer um. Acredito, inclusive, que é necessário dispor de elementos cênicos, para que a coisa aconteça.

Desse ângulo, é preciso que a interpretação, a expressão corporal e a técnica vocal, aqueçam e consolidem o ritmo de empatia com o que se quer mostrar.

Falar poesia é difícil. Tem a escolha a ser feita dos poemas. Tem o ritmo de cada poema, a química de cada palavra (ao lado da outra). E tem (o que eu considero o mais importante), o sentimento, a emoção, o coração.

É imprescindível que se tenha consciência que toda essa manufatura que se estabelece, ela é urdida por entre muitas noites de so-nhos, e na maioria das vezes, uma constante e verossímil ampulheta que separa com suas lentes, o imaginário do factual.

É como uma energia que alivia e retempera a verdade que cada palavra encerra. Ainda mais, se tudo que foi escrito, for dito por quem es-creveu. É o que podemos chamar, a foz au-toral. O próprio poeta dando o tom do seu sentimento. Do seu ar. Da sua temperatura.

Esses meninos do “Elegia e seus Afl uentes”; Drika (vocal e poesias), Letto (violão, voz e arranjos), Maíra (percussão), Rita (percussão) e Jennifer (fl auta transversal, arranjos), estão suando e experimentando recados. Emoldu-

Le i to de saudades e lembranças

Foto: Augusto César Bezerra - Arte digital: Venâncio Pinheiro

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ram com suas crenças e melodias, um li-vro recheado de avisos e apelos.

Quem simpatiza, acolhe e propaga versos e batuques e que esteja afi nado como um segredo do coração, é bom fi car atento.

O “Elegia” com seu som acústico, sem quase nenhuma distorção eletrônica, permite que a poesia de Drika pouse como uma chuva de recados. É dessa for-ma que o grupo, com seus couros, vozes e sinos, abre espaço na cena da cidade para mostrar para que veio. Com sua sensível veia poética, Drika assume com seu repertório, lugar de destaque na nova safra de poetisas da cidade.

Com sua poesia, que chama todos nós para o diálogo da escolha. Da escolha de permanecer passivo, indiferente ou indócil, ou mostrar-se de olhos abertos, como percebendo que a vida capitula, só se quisermos.

E assim também o som do “Elegia” aca-ricia sambas, lamentos, manhãs, chuvas e lágrimas. E ressuscita, como o arranjo de Letto, banhado por suas mãos, verbos e recados. Belezas e relíquias.

É como se fosse, rimas e sinos. A vazan-te de uma infi nidade de possibilidades. Como uma fl auta que se quer no meio da noite, e que aponta o caminho que a música segue, sempre procurando o me-lhor inverno de letras. Sempre ao redor de Maíra com seus cachos de sons, com Ritinha com sua inabalável introspecção letra/música, e de Jennifer, sincera e de extremo bom gosto.

Eu sei, eu acredito na capacidade que eles têm, de transformar o cotidiano em pura arte. De irrigar com seus afl uentes, a chama que alimenta o pão, a poesia, e da sonoridade que liberta mãos e olhos.

Pois é preciso cada vez mais acreditar em verdades e vontades poéticas. (Até na zona desconhecida da criação). Como olhos que investigam penumbras e sombras. Como um garimpo de suor, como uma lanterna que ilumina ao redor do nosso mundo, a vontade de falar e de revelar o suspiro que reina entre rios e encostas...

E sobre as veias que insistem em saciar com seus encantos, trilhas e línguas da nossa fragilidade humana. Sobre os aguapés de palavras e tons, instante onde se celebram pecados e promessas. Verões e quimeras.

E sobre estalos e sussurros, também. Sim, sobre estalos. Ou você se esquece que a maioria do que se fala, nada vale? Nada vale a pena. E é aí que a poesia en-tra em cena.

Portanto, o que se fala sempre está li-gado a estalos. Como se fossem fi lmes desconhecidos. Onde o cenário é nu-vem. Onde não se tem conhecimento de nada. Feito a idéia de Buca Dantas, que está fi lmando sem roteiro. O roteiro é feito na hora. Parecido com a língua, com o verbo e com as idéias que nos tornam cúmplices do desenlace, de ta-tos e tratos. E que (também) nos eleva a mártires, e a salvadores de uma noção que nada sabemos. E assim somos nós. E assim é a vida.

Logo, quem, além da poesia, sobrevive com frases curtas (ou longas), a mesmi-ce das coisas? Quem, íntegro e inteiro, procura pela parte que lhe cabe nesse latifúndio que nos resta? Quem há de possuir extensas lentes híbridas, e vis-lumbram a vastidão da estrada que nos abocanha?

Poeticamente escrevemos. Poeticamen-te podemos falar. E poeticamente pen-samos. A dança em que as palavras se mostram, os pensamentos que de tão enormes e vadios, nos transformam em códigos, sobrenomes, lembranças e te-mores.

A poesia tem disso. Ela arma senhas e procura saídas. Às vezes nem tão pródi-gas. Outras, o próprio paraíso.

Pois a poesia, às vezes nua, às vezes en-coberta por silhuetas, não tem meio ter-mo. Ela, com sua língua, de saliva farta e de longas abas, abocanha quem pensa que somos somente espelhos bizantinos e movediços.

E no nosso chão, bem na nossa frente, poesia e música se fundem. Unem e ir-manam visões de tantos varais. Uma melancolia que nos salva, recuperando a janela do espírito tão esquecido. Tão essência. Tão poesia.

Parecida com a calma que guardamos ao redor do sol e da espuma do mar. Que nos lava como se fôssemos ilhotas, pre-núncios de vento e tanta luz.

Por isso que o “Elegia” navega sem pudor nas margens dos olhos e nas águas que de tão profundas, desembocam silêncios e riquezas. E ao redor das palavras que vão se encaixando como desenhos, ras-cunhos, abrigos. E na lenha do son(h)o verbal, que ressuscita o quebradiço da vida, que de sã, aceita avulsos acentos.

É como apalpar palavras, que nos que-rem próximas de uma avalanche de rit-mos. Embalando a letra tão curva, tão lâ-mina e tão frágil, como os pilares de uma língua que não se parte. E que não se curva. À espera de um dilúvio de tristes e aromáticos jardins. Que não se esconde. Como possuída por lentas e intransponí-veis pepitas. Que não se poupa, como o prenúncio da espera do que virá. Como o cordão que alimenta portos e estopins, vazantes e amantes.

Assim, a elegia que escolhemos, não passa por nós como uma andorinha que fenece. Ela assina a vida como um corre-dor de fantasias, quermesse de lendas e truques. Maresias da fútil lembrança das nossas sombras.

Passageiros somos todos nós. De uma eterna e preciosa lembrança do passado. Que passa por cima de morros. Aldeias. Cardumes. Varreduras.

Assim somos nós. Hóspedes do passado. Parentes de lentas e tontas agonias. Par-ceiros da luz, que organiza circos. E da imaginação que nos exorta.

E livre de toda e qualquer trapaça que ainda podemos passar. Guerreiros de uma louca e desavisada aventura chamada vida. Recheada de tapumes e dragões. E dos

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Rubens Lemos Filho JornalistaJuntar Al Pacino e Robert de Niro num mesmo fi lme tem o peso de um duelo entre Patton e Rommel na 2ª Guerra Mundial. Ou, puxando meu cordão umbilical com uma bola de futebol, a um confronto acima do tempo e da lógica entre Pelé e Maradona. Um aos 22 anos, disputando o título intercontinental pelo San-tos contra o Benfi ca. Dieguito aos 26 na Copa do México, que ganhou sozinho.

Em “Fogo contra Fogo”, de 1995, Pacino vive um policial atormentado por um péssimo casamento do qual recebeu de dote uma enteada com tendências suicidas, e De Niro é o maior bandido de Los Ange-les e redondezas. Frio, sofi sticado, inteligente. Pacino imbatível como Vincent Hanna, o detetive de Homi-cídios, De Niro implacável como Neil McCauley.

É um marco do cinema. Os dois também estavam na segunda parte da trilogia de “O Poderoso Chefão”. Mas não contracenaram. De Niro encarnou Dom Vito Andolini, Dom Corleone, pai de Michael, per-sonagem de Pacino de crueldade invejável.

”Fogo contra Fogo” é extremamente atual. Pela le-talidade das armas, pelo requinte dos crimes, pela brutalidade dividida entre policiais e bandidos, raja-das a granel pelas ruas movimentadas da metrópole. Ninguém é respeitado nos tiroteios. É bala para quem puser cara e focinho.

Pacino passa a pesquisar a vida de De Niro. Seus tru-ques e manhas. McCauley corrompe um tira para sa-

ber mais sobre Vincent Hanna. Os dois se respeitam como os grandes times, os generais de batalha.

Até que marcam um encontro. Num bar. Tomando cafezinho. De frente um para o outro. Perguntam, um ao outro, a receita para sobreviver até o juízo fi nal que será o clássico entre ambos, o duelo moderno do Curral O.K.

Hanna (Pacino) diz que não hesita quando a hora exige matar. Pensa nas ví-timas das mortes que investiga. Guarda um ódio melancólico traduzido por seus olhos de peixe com sono. E descarrega o ódio e o pente do seu fuzil com toda a força. De Niro (McCauley) chega a ser fi losófi co. Conta que não se deve apegar a nada que não se possa largar em 30 segundos. Tem o coração seco. Engata uma paixão por uma webdesigner. Es-canteada quando ele encontra a chance de matar um delator. Um jura liquidar o outro.

Só um dos dois sobra no fi m. E é Vin-cent Hanna. Mas de McCauley sobra a maior lição sobre a raça humana: Não confi e nela. Se livre nos 30 segundos que lhe restarem. Fo

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PEQUENA INTRODUÇÃO AO LOUCO

Era da maior purezavestia camisas brancasnão comia carneouvia pela casa uma música silenciosade cornetas roucas e fl autinhas fanhasque só ele ouviadiziam-no loucopois cuidava de gaiolas vaziasdesperdiçava guardadose ria mesmo dos pedintespor fi m atravessava meia cidadecom um ramo de jasmim na mão direitapara jogá-lo no riogastava uma tarde na margemfazia nadavoltando para casaaceso o candeeiroo colocava sobre o alqueirepara que iluminasse a treva da casa

POESIA POTIGUAR

O poeta potiguar Elí Celso de Araujo Dantas da Sil-veira é Doutor em Teoria Literária pela UFRJ e Mestre em Tecnologia Educacional pela UFRN. Especializou-se em Filosofi a e foi professor do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em 1991, em parceria com os poetas Iracema Macedo, Celso Boa-ventura Jr. e André Vesne, publicou poemas nas coletâneas Vale feliz, Gravuras (1995) e Ceia das cinzas (1998). Tem parceria só com Celso Boaventura Jr. - Reminiscências do Tártaro/Lamentações, respectivamente. É fi lho dos poetas Celso da Silveira e Myriam Coeli. Já foi premiado com o Othoniel Menezes e o Câmara Cascudo, entre outros. Em 2004, ganhou menção honrosa no Concurso de Poesia Luís Carlos Guimarães, da Fundação José Augusto. Os poemas que seguem foram publicados no livro 15 Poetas do RN, lançado no ano passado pela FJA, com os poemas vencedo-res do Concurso de Poesia LCG 2004. Como saíram com erros, decidimos publicá-los na Preá, como forma de mini-mizar o dano.

O AFOGADO

acordamos todos os diaseu e meu fantasmaele me confessa agora tudodepende de ti: ou imitoo meu tempo ou fujo do teatrose canto o átimoou as rendeirinhascanto contudo sem forçamal dou meu corpo para o diamal elaboro a falsa continuidade...e logo as mesmas solidõesbeijam minha voz cansadameus braços bonsas rosas pálidas dos jardins públicosos vasos de guerramas seja porque já vai tardeou se é por a fl or lamentar a semente(se a que vem, se a que foi)passo a olhar nuvensas cidades armadas no céuo distante que houvere além dessa saudadede não saber de nadae que me rouba dum futuro absurdoe pretexta minha voltaem golpadas arremessandode agora para frenteno molhe da entrada da barraarremessando arremessando

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LIVRO DOS MORTOS

em antigos jazigosplantaram três mortossementes de trigodepois desses mortosdepois desse trigoabriu-se um céupão de paraísosjardim de perigosse a carne desceumas se a carne ardeua infernos comigomeu fruto venceuos fogos do trigoco’as minhas raízescresceram abismostapou-me os ouvidosum silo de nadanum mundo sem coruma boca fechadafechando meu gritoàs margens de nadanegrura rehabitoguardo pelo tempoterra e escuridãoo ventre emproadoa barca emprenhadanum rio esquecidoe sempre perdidocoração de trevapor raiz cerzidoguardo, ...guardo aqui comigo

TÉDIO / ABPAXAΣ

(linhas fecham círculos)

nome e armas da famíliaforam barco desse engodono século dezoitoum senhor de vassalosfi lho de D. Miguel da Guirlandacujo fi lho fi cou viúvoe alcoólatra consumadojá vivia desordenadamenteentre os seus servosgestas de enfadoas bandeirolas da Casaserviam de guardanapoos lírios caíam ao chãoeram vidro estilhaçadoleões* perdidos em fl oresabriam-se no mundo erradoos amores atravessavam espinhaçosdas senhorias de Vilanova de Tormespara desagüar no mar friooutubros abandonando-se em maiose os perfumes e os calafriosna fl or que dormepesada de pesaδeλoςsuspensa em janeirose em cravos de açoeram guirlandas de dore seduções de marçoô tia minha mysériaeste homem era euelí de araujo o entediadodefronte ao que não acabapor entre beleza e horrorgirei a rosa do calendário_________________*o λις

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ERRO

(`Éρρω)

nome cálido, inferno brancoouro de neblinamina de meninaabrindo-me ao fl anco

segredo de amadorna confusão da fl orte peço a pôr almaonde morte mia calma

pelejando noite e enfadose sabes que é do ladoque esse rio tem brotadoda fonte tua na costa minha,

nome a tal consolodá-me um: sou tolo.nome de rio ou n’almaguardarei se morte ou fala.

ah, menina do fl ancoaberto ao vento deserto,me inundo da neblina,nome cálido, inferno branco

pois és só a que me tocapó é só o que me sina.

DONJON/NEMÓLITO

Tu és o cavaleiro que conquista.Que adentra meu castelopela ponte levadiça

Que me sobe ao torreãoe abraça-me o peito ninhoMha senhor, que desesperoeu tinha antes de ti ...

Tu és a amazona que fereos alvos da minha carne e pele.Que me rouba de mim

A de pretos cabelos de treliça

Mha senhor, algoz desesperoeu tinha antes de ti

ASTROLÁBIO

O teu sexo é instrumento graduadoque me leva às estrelas,me ensina

O teu braço é um compassoque me afaga de levee me fulmina

O teu quadril é uma feraque me recoita marése me rumina

A tua ternura é um caloruma solidão sem dorme termina

(o teu peito é o pêssego do mundo)

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Page 38: REVISTA PREA N 16

Sou homem,dentro da minhabarrigacrioúteros

fera fútilfaço poemas

gero assim sacrilegamentepães ou trufasselas de cavalo/ranúnculosmeu olho é um bornalo pênis arsenal-armaos círculos concêntricosdo coraçãomilícia de involuçõeschocam arrecifesSou homem,dentro da minhacabeça, num planeta balofocrescem zoológicosa varejo,colméias de pequenos anjosburocratase um cristohumilhadíssimo

PEQUENO GÊNESIS SEGUNDO ELÍ DE ARAUJO

Onde dorme a mãe do homem?Entre os braços e os ossos do deus?A casa do deus é uma fotografi atomada a favor do solem tarde antiga e piaA casa do deus tem a granulação douradada rosa do desertoé numa encosta amareladaque se esboroa esboroaesboroaa casa do deusonde dorme a mãe do homem,fl or que não murcha ave que não voa?A casa do deus é no fi rmamentonuma ilha qualquer pendurada ao ventoA habitação do homem é barroe pulmão e vazio e ventocom um só pavimentoa casa do homem é feita com traves de carnaúbanos subúrbios do tempo

Onde mora a mãe do homem?A que se veste de noite e dias?Suas janelas, de vidro bisotadoseu dentro de brita e cimentosua coluna de um ferro de mãeduras suas mãos de ungüentoPor uma tristeza e um naufrágiose eu soubesse te diriamas me falta crer os amargosdesses mitos e da cosmogonia

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Page 39: REVISTA PREA N 16

13 P

OR

1

Michelli Pessoa ([email protected])A g e n d aCentro de Formação Teatral

O Centro de Teatro, da Fundação José Augusto, oferece em março e abril, ofi -cinas de Iniciação Teatral, para a faixa etária a partir dos 14 anos, com os pro-fessores Lenilton Teixeira e João Júnior; ofi cinas de Jogos Teatrais para crianças, dos 8 aos 12 anos, com Titina Medeiros, João Júnior e Quitéria Kelly; Módulo II, com alunos de Iniciação Teatral em mon-tagem de espetáculo no segundo módulo do curso com João Júnior e a Sala de Lei-turas, voltada para o exercício da fala, da palavra e da dramaturgia, com Henrique Fontes. Informações: (84) 3212-1663.

Site interessante

Em seu blog (http://grandeponto.blo-gspot.com) Alexandro Gurgel publica notas, artigos, crônicas, fotos, poemas e reportagens sobre diversos temas.

Cidade da Criança

No dia 8 de abril a Cidade da Criança realiza o I Festival de Viola, com artis-tas da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. No mesmo dia e local será aberta exposição de gravuras de Alcides Sales. Mais informações: (84)3232-9757.

Seis e Meia

O projeto Seis e Meia será reiniciado no dia 21 de março com o grupo Delicatto, no Teatro Alberto Maranhão. Informa-ções: (84) 3232-3669/3232-9704.

Casas de Cultura Popular

Em março, as Casas de Cultura de Macau, Currais Novos, Parelhas, Cai-có e Campo Grande realizarão ofi cinas de teatro, música (fl auta doce e coral), dança e artesanato. Em abril, a Casa de

Cultura de Martins oferecerá ofi cinas de Câmara de Cinema e Vídeo (Projeto “Cinema para Todos”).

Teatro Alberto Maranhão

A programação de março do TAM é a seguinte: de 09 a 12, às 21 horas, o es-petáculo “Aluga-se um Namorado”, com Eri Johnson e texto de James Scherman; dia 12, às 17 horas, espetáculo infantil “Rock Monstro”, com texto de Valeska Picado; dia 14, às 10h e às 15 horas, Projeto Escola - espetáculo “ A Princesa Engasgada”, com a Cia. de Teatro GRU-TUM; dias 15 e 16, às 20 horas, espe-táculo “Dom Casmurro”, com o grupo GRUTUM; dia 19, às 17 horas, espetá-culo infantil “Chapeuzinho Vermelho”, com texto e direção de Geraldo Maia; de 24 a 26, às 21 horas, espetáculo “Beijos de Verão”, com Bruno Ferrari e texto de Domingos Oliveira; dia 26, às 17 horas, espetáculo infantil “O Gatinho Nicolau”, com o grupo Manacá de Teatro, texto de Mano Macário; dia 28, às 20h30, I Concerto da OSRN; dia 29, às 15h30,

I Concerto Didático da OSRN; dias 30 e 31, às 21 horas, comédia teatral “As Coroas”, com a Cia. Paraibana de Co-média e texto de Saulo Queiroz.

Programação de março do TCP

A programação do Teatro de Cultura Po-pular, da FJA, para março é a seguinte: Dia 8, às 17 horas: “CANTART” - Arte e Poesia para as Mulheres; dia 17, às 15 horas: Espetáculo teatral “A Princesa En-gasgada ou o Médico Camponês”, texto de Márcia Frederico e direção de Gil-berto Brito, com o grupo de teatro de Mossoró GRUTUM; Dia 17, às 20h30, show de humor “Descasacando”, com “Casaca de Couro”; Dias 23 e 24, às 20 horas, espetáculo teatral “À Luz da Lua, os Punhais”, texto de Racine Santos, com o grupo de teatro do TCP e direção de Sônia Santos; Dias 25 e 26, às 19 horas, espetáculo teatral “Enquanto a Tempes-tade não Passa...”, com o grupo Cumbu-ca Teatral, texto e direção de Weid Sousa; Dia 27, às 13 e 20 horas, “À Luz da Lua, os Punhais”. Informações: 3232-5307.

Marcos Ferreira (escritor)

Romancista: José Humberto DutraPoeta: Márcio de Lima DantasLivro: Saudades, de Francisco Rodrigues da CostaFilme: Caldeirão do DiaboDiretor de cinema: Moacy GóesAtor/atriz: Carlos José (Contonete)Pintor: Fábio EduardoCantor/cantora: Genildo CostaCompositor: Danilo GuanaisMúsica: Santo de Barro, de Iremar LeitePeça teatral: Chuva de Bala no País de MossoróIntelectual: José NicodemosPersonalidade cultural do RN: Raimundo Soares de Brito

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F O C OP O T IG U A RDO

IS F

ESTI

VAIS Marcos Aurélio Felipe

[email protected] http://focopotiguar.zip.net/

Quando, no último Festival de

Cinema de Natal, me sentei na poltro-

na do Centro de Convenções, as expec-

tativas ultrapassavam toda e qualquer

noção de espaço e tempo – toda lógica

e estética, todo o entendimento possí-

vel... Mas o fato é que todo e qualquer

fi lme do diretor brasileiro Carlos Rei-

chenbach entraria na minha lista como

algo a ser esperado e, imediatamente,

visto com muita expectativa, já que no

mesmo evento e em uma projeção se-

melhante anos atrás tive o prazer dian-

te da tela como há tempos não sentia

na sala de cinema. Desde “Dois Cór-

regos” (1999), quando não consegui

conter meu entusiasmo após a sessão

e percorri a cidade do Natal quase que

de uma ponta a outra incorporando

aquela atmosfera lírica e histórica, que

aguardava outro fi lme seu com os ner-

vos à fl or da pele.

Porque a história de Hermes (Carlos Al-

berto Riccelli), que vive clandestino no

Brasil ditatorial após participar da luta

armada, chegou em um momento em

que as coisas estavam sendo defi nidas.

Eu tinha acabado de elaborar o projeto

para a pós-graduação em educação, con-

tactar alguns personagens da época do

Regime Militar no RN e de ter acesso

aos processos dos presos políticos no ar-

quivo público do Estado. Afora que, em

“Dois Córregos”, o lirismo que marca

aquele piano, o silêncio daquele homem

preso ao passado político e afetivo e as

cartas que escrevia aos fi lhos mesmo sa-

bendo que não seriam enviadas, já eram

mais do que sufi cientes. Mas o fato é que

o novo fi lme de Reichenbach não pro-

vocou, em mim, o mesmo entusiasmo

que o seu cinema havia provocado anos

atrás.

Talvez porque “Bens Confi scados”

(2005), ao assemelhar-se a um projétil

estilhaçado, tenha seu núcleo dramáti-

co fragmentado demais, o que acarreta

o deslocamento do seu foco sem muita

precisão e propósito. Assim, o centro da

câmera é dominado ora pela relação de

40 Jan/Fev 2006

Page 41: REVISTA PREA N 16

Serena (Betty Faria) e Luis Roberto (Re-

nan Augusto) ou pela história do caseiro

(Werner Schunemann) e sua jovem es-

posa, ora pelo núcleo que se forma em

torno dos personagens do hotel (Marina

Person e Eduardo Dusek) ou pelas rela-

ções entre Serena e Luis Roberto com os

demais personagens – além do assessor e

do político corrupto, que, invisivelmen-

te, movem a história. Apesar de chegar

uma hora em que é preciso perguntar

sobre “quem?” ou “o quê?” é o fi lme,

vemos a composição de inesquecíveis e

belos momentos.

A abertura de “Bens Confi scados”, as-

sim como a cena fi nal de “O Pântano”

(2001, de Lucrecia Martel) com toda

aquela atmosfera envolta da queda da-

quela escada, trás uma das cenas mais

instigantes do cinema contemporâneo

– a do suicídio da estilista amante do

político corrupto em pleno centro de

São Paulo. Quando, nessa cena, o foco

sobre a relação personagem-espaço in-

verte seu ponto de vista para a relação

personagem-história, a inversão em esca-

la e ângulo da câmera justifi ca a si e ao

próprio fi lme. De modo que, ao sair da

relação da personagem com a metrópo-

le, o que então passa a interessar às suas

lentes é a relação que os indivíduos esta-

belecem com suas vidas. Na escolha do

movimento, da escala e do ângulo dessa

tomada temos toda a história e o que sob

suas cortinas decidem os personagens.

Portanto, apesar da diversidade espa-

cial, o que fi ca mais evidente são as

decisões que afetam os destinos dos

personagens. O que, em parte, justifi ca

a fragmentação do foco dramático que,

a cada deslocamento de espaço, inverte

a noção de personagem principal e co-

adjuvante. Porque, assim como na vida,

a fi cção têm histórias particulares que

também precisam ser consideradas. Mas

a inversão mais signifi cativa está no

diálogo que “Bens Confi scados” man-

tém com “Dois Córregos”, quando, por

exemplo, ausenta o Pai que antes estava

presente; dar vida ao “Filho” e a “Mãe”

e a Praia de Cidreiras–RS que apareciam

somente em delírios; e quando, a partir

dos mesmos ângulos, faz reviver imagens

do fi lme anterior – como a estética de

uma contínua e permanente evocação

cinematográfi ca.

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Page 42: REVISTA PREA N 16

café com bolo ali, um doce de leite com queijo de manteiga acolá. E nas conversas com a gente simples do interior potiguar surgiam bons personagens e informações valiosas para enriquecer as matérias.

Comprovamos a receptividade potiguar e fomos sempre bem recebidos. Depois da consolidação da revista, lá pela edição número 5, a chegada da equipe da Preá foi até motivo de festa em alguns muni-cípios. Em São José de Campestre, tinha faixa de boas vindas ao lado da igreja e uma mesa farta com galinha caipira, fei-jão macassar, batata-doce, farofa e arroz de leite à nossa espera. O motorista Éri-co Alves e o fotógrafo Anchieta Xavier, gulosos assumidos, se deleitavam a cada banquete.

Paisagens surpreendentes foram muitas. A vista das serras de Portalegre e Martins no inverno encanta até mesmo a quem está acostumado a passar férias na Eu-ropa. A estrada de São Miguel a Venha Ver, também em época de chuvas, cor-ta um vale de verde intenso e pequenas fl ores. Cenário bem diferente do interior nordestino estereotipado pela mídia. Em cada lugar visitado, uma surpresa. Perso-nagens que ainda guardam a sabedoria do sertanejo e tem muito a contar.

A primeira edição da Preá já trouxe uma destas fi guras quase extintas pela massi-fi cação cultural. Dinho de Zé dos San-tos, o poeta do caderninho azul, teve a primeira oportunidade de mostrar seus versos originais nas páginas de uma re-

Descobertas e aprendizado pelas veredas do

Rio Grande do NorteGustavo PorpinoFoto: Anchieta Xavier

A riqueza cultural do Rio Grande do Norte é indiscutível. Muito se fala das danças folclóricas, poetas populares, violeiros, culinária típica e costumes pe-culiares ao sertanejo, mas são escassas as tentativas de dimensionar a cultura poti-guar. A Preá tem cumprido seu papel de mostrar as muitas faces das regiões poti-guares. Em três anos desbravando o Rio Grande do Norte foram mais de 15 mil quilômetros percorridos entre idas e vin-das de Natal ao interior. Subimos serras, visitamos sítios arqueológicos, conhece-mos dezenas de tipos populares e vimos manifestações folclóricas brotarem em todas as regiões visitadas.

Comemos muito também! A tapio-ca feita na casa de farinha do Rosário, em Portalegre, é imbatível. A autêntica carne-de-sol de Pau dos Ferros, o bolo ligado de São Miguel, o caldo de cama-rão do Gargalheiras, em Acari, e o guiné torrado de Lagoa de Velhos ainda atiçam meu paladar. Queijeiras foram muitas. Experimentamos de tudo. O chouriço de Carnaúba dos Dantas, por exemplo, pode não ser atrativo visualmente, mas quem saboreia gosta. Às vezes parecía-mos candidato a deputado em campanha pelo interior. Um convite para tomar um

Anchieta Xavier (fotógrafo), Érico Alves (motorista e “faz tudo”) e Gustavo Porpino: quase 15 mil quilômetros rodados em busca da verdadeira cultura do RN

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vista. Descobrimos outros poetas po-pulares, cordelistas, violeiros, rezadeiras e até cantadoras de incelências. Quase todos os artistas têm algo em comum. São pessoas simples e muito receptivas. Alguns vivem em condições de pobreza extrema como o poeta e violeiro mosso-roense Luís Campos. Mas não lembro de ter encontrado gente infeliz.

A alegria de Dona Aldizes Bessa, dança-deira de São Gonçalo, no sítio Pega, em Portalegre, foi marcante. Outras comuni-dades de negros também nos receberam muito bem. Em Patu, fomos surpreendi-dos pela riqueza cultural dos negros do Jatobá com sua louvação a São Benedito. Comprovamos também a vivacidade da dança dos Negros do Rosário de Caicó, e seus compadres nas proximidades de Parelhas.

Fomos bater na divisa de São Miguel com Pereiro (CE) para conhecer a dança de São Gonçalo feita por lá. Ouvimos cânticos preservados que atravessaram mais de um século e registramos tam-bém a arte da louceira mais antiga de São Miguel. Bois-de-reis foram vários. Uns feitos como antigamente, outros mais infl uenciados pela modernidade. Mas, como bem disse Ariano Suassuna, a cul-tura popular se transforma. Não temos o direito de querer que as manifestações folclóricas permaneçam sempre iguais.

Tivemos muitas conversas curiosas. Des-taco, aqui, duas fi guras pitorescas. O mestre Antônio da Ladeira, comandante do Boi-de-reis de Santa Cruz, e Anacre-onte, um seridoense de Cruzeta, homem humilde e grande conhecedor da genea-logia do povo da sua região. Vencemos a resistência dos dois em contar um pouco sobre suas vidas. Antônio é um autênti-co cabra da peste. Durante a conversa, o mestre do Boi-de-reis não largou, em nenhum momento, um cacetete de ma-deira feito por ele. “Se vier com frescura, eu dano no pé do ouvido”, disse. Anacre-onte, também desconfi ado, não admitia ser fotografado. Para ele, a máquina era “coisa do cão”.

A Preá também acerta ao exibir em suas páginas a riqueza dos sítios arqueológi-cos potiguares. O sítio Xiquexique, em Carnaúba dos Dantas, foi o que mais me despertou interesse. Não esperava encontrar tantas pinturas rupestres ricas em detalhes e tão nítidas, apesar da falta de interesse do poder público em preser-var estes locais tão ricos em história. O Lajedo Soledade, em Apodi, por ter mais fama e já receber investimentos públi-cos, não chegou a me surpreender tanto. Mas, obviamente, também é um lugar encantador que merece ser visitado.

Timbaúba dos Batistas, terra dos bor-dados, também superou nossas expec-tativas com suas inscrições rupestres no

sítio Pintado. Foram várias descobertas e muito aprendizado. A entrevista com Ariano, no casarão do bairro Casa Forte, no Recife, foi uma aula de teatro e cul-tura popular.

Também resgatamos fotógrafos im-portantes da cena natalense como Jaeci Emerenciano, destaque da oitava edição, e convencemos Giovanni Sérgio, um verdadeiro poeta da imagem, a ganhar as páginas do número 11. Outro per-fi l, daqueles que todo repórter gosta de escrever, foi feito com o poeta “galado” Alex Nascimento. Criativo e sarcástico, Alex diz tudo que a gente gosta de ouvir. Quem não leu, pode conferir na Preá 14. Todas as edições estão disponíveis na pá-gina da FJA na internet (www.fja.rn.gov.br).

Faria tudo de novo. Conheci o Rio Grande do Norte e seu povo em sua ple-nitude. Vi uma terra culturalmente rica e de povo humilde. Faltou agradecer a alguns pela oportunidade. Deixo aqui o meu agradecimento e a vontade de rever cada personagem. Vida longa à Preá!

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Nei Leandro de Castro Escritor

Em novembro de 1967, no meio do caminho de uma pesqui-sa que resultaria no meu livro “Universo e Vocabulário do Gran-de Sertão”, estive no Rio de Janeiro para conhecer pessoalmente João Guimarães Rosa.

Sem combinar antes o encontro (falha imperdoável), fui à Di-visão de Fronteiras do Itamarati, onde o escritor trabalhava, levando comigo parte da pesquisa. Guimarães Rosa, segundo a secretária que me atendeu, estava em casa, às voltas com o seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. No momento não recebia visitas. Adiada desde 1963, sua posse na ABL seria, fi nalmente, dali a dois dias, 19 de novembro.

As pessoas não morrem, fi cam encantadas, disse Guimarães Rosa no seu discurso de novo imortal, três dias antes de morrer. Vinte e oito anos depois desse “encantamento”, 50 anos depois do lan-çamento do “Grande Sertão: Veredas” reúno aqui uma pequena parte do pensamento do romancista mineiro, o maior que o Bra-sil já teve, em todos os tempos.

Para os que não lêem Guimarães Rosa, sob o pretexto de que ele escreveu numa linguagem ininteligível, devo acrescentar que foi excluído desta pes-quisa, propositadamente, todo trecho rosiano onde havia palavras não di-cionarizadas.

As citações que se seguem foram ex-traídas de “Grande Sertão: Veredas”, “Corpo de Baile”, “Ave, palavra”, “Em memória de João Guimarães Rosa” (Livraria José Olympio Editora) e de “Literatura deve ser vida” (um diálo-go de Günter W. Lorenz com JGR, em Gênova, 1965, publicado no católogo da Exposição do Novo Livro Alemão, em 1971).O

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Rosa

44 Jan/Fev 2006

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Minha biografi a, antes de tudo minha biografi a literária, não deveria ser cru-cifi cada em datas. Aventuras são sem tempo, sem começo e fi m. Meus livros são aventuras. Eles são minha maior aventura. Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço do infi nito. Eu vivo o infi nito, o instante não conta. Vou-lhe revelar um segredo: creio que já vivi uma vez. Naquele tempo, eu também era bra-sileiro e me chamava João Guimarães Rosa. Quando eu escrevo, repito aquilo que vivi anteriormente. E para essas duas vidas meu vocabulário não basta.

*****

Eu quero tudo: o mineiro, o brasileiro, o português, o latim – talvez até o esquimó e o tártaro. Queria a língua que se falava antes de Babel.

*****

O caráter do homem é seu estilo, sua língua. Isto deve soar naturalmente dou-trinário, mas é apenas uma verdade sim-ples da vida. Eu não entendo tampouco isso por elegância ou seleção de estilo da língua. Elegância demasiada também é suspeita, porque ela esconde um vazio.

*****

Todos que malmontam o sertão só alcan-çam de reger em rédea por uns trechos; que sorrateiro o sertão vai virando tigre debaixo da sela.

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O sertão é uma espera enorme.

*****

O sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!

*****

Goethe nasceu no sertão, como Dos-toievski, como Tolstoi, como Flaubert e Balzac; ele foi, como os outros que eu admiro, um moralista, um homem que viveu com a língua e que pensou na eter-nidade. Eu acho que Goethe foi mesmo o único poeta da literatura mundial que não escreveu para o dia, que escreveu para a infi nidade. Ele era sertanejo. Zola, como exemplo oposto arbitrário, provi-nha apenas de São Paulo. De cem escri-tores, um é parente de Goethe, noventa e nove de Zola.

*****

Deus é paciência. O contrário é o diabo.

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Eu sou místico, pelo menos eu acho. Que sou também cismador, aí não sei se isso eu devo lamentar ou alegrar-me, isso eu reparo no meu trabalho sempre de novo. Eu posso meditar muito tempo sobre alguma coisa, posso fi car quieto e esperar. Nós sertanejos somos muito di-ferentes das pessoas cheias de tempera-mento do Rio ou da Bahia, que não po-dem fi car nem um minuto quietas. Nós somos tipos especulativos, cismar nos dá até prazer.

*****

O diabo vige dentro do homem, os cres-pos do homem – ou é o homem arruina-do, ou o homem dos avessos.

*****

Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o se-nhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.

*****

Saudade dos Gerais. O senhor vê: o re-môo do vento nas palmas dos buritis todos, quando é ameaço de tempestade. Alguém esquece isso? O vento é verde. Aí, no intervalo, o senhor pega o silêncio e põe no colo.

*****

Aprendi umas línguas estrangeiras só para enriquecer a minha própria lin-guagem. E porque existem demasiadas coisas intraduzíveis, pensadas em sonho, intuitivas, que só se podem encontrar no som original.

*****

Viver é muito perigoso.

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Sertão: é dentro da gente.

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Nós temos de aprender de novo a de-dicar muito tempo a uma idéia. Então seriam escritos de novo melhores livros. Livros nascem do pensamento: escrever é técnica e prazer no jogo com palavras.

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Eu não preciso inventar estórias. Elas vêm ao meu encontro, aproximam-se de mim, forçam-me a escrevê-las. As-sim se passa comigo (...) de repente o diabo me cavalga, que, no caso, se cha-ma inspiração.

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Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem.

*****

A lógica, meu caro, é a faca com a qual o homem ainda se matará um dia. Só quem supera a lógica pensa com justiça. Refl ita pois uma vez: amor é sempre iló-gico, mas todo crime é cometido segun-do as leis da lógica.

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Eu quero a paz, e pago-a com um fervor de guerra.

*****

A morte é um corisco que sempre já veio.

*****

Só o epitáfi o é fórmula lapidar.

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Eu não sou revolucionário da língua. As pessoas que afi rmam isso não têm elas mesmas o sentido da língua, porque jul-gam segundo a pura aparência. Se é pre-ciso absolutamente uma classifi cação, eu gostaria mais de que me chamassem de reacionário da língua. Porque eu quero voltar cada dia à origem da língua, ali,

onde a palavra ainda está abrigada nas entranhas da alma, para que eu possa dar-lhe a luz, segundo minha imagem.

*****

O que não é Deus é estado de demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para ha-ver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo.

*****

O sertão é do tamanho do mundo.

*****

Mesmo, o espaço é tão calado que ali passa o sussurro da meia-noite às nove horas.

*****

O escritor é um descobridor, apenas o bom escritor, naturalmente. O mau crí-tico é seu inimigo porque ele é o inimigo dos descobridores, daqueles que partem para mundos estrangeiros. Colombo deve ter sido sempre ilógico, do contrá-rio não teria descoberto a América. O escritor deve ser um Colombo. Mas o crítico malévolo e não sufi cientemente instruído faz parte daquela camarilha que quer impedir sua partida, porque ela contradiz sua chamada lógica. O bom crítico vai como piloto a bordo do navio.

*****

Todo buritizal é fl orestal – ramagem e amar em água.

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Mas, por cativa em seu destinozinho de chão, é que árvore abre tantos braços.

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O pássaro que se separa de outro vai vo-ando adeus o todo tempo.

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Quando chegamos cá no acampo, as ramas d’árvores já iam pegando o pó da noite.

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O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.

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Noite redondeou, noite sem boca.

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Dia da lua. O luar que põe a noite in-chada.

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Passarinho que se debruça – o vôo já está pronto!

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Aí quando é tempo de vaga-lume, es-ses são mil demais, sobre toda a parte: a gente mal chega, eles vão se esparra-mando de acender, na grama em redor é uma esteira de luz de fogo verde que tudo alastra.

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Só não existe remédio é para a sede do peixe.

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O pensamento vivo de Guimarães Rosa

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Toda saudade é uma espécie de velhice.

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Coração da gente – o escuro, escuros.

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A gente estava desagasalhados na alegria, feito meninos.

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Vingar, digo ao senhor, é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais.

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O vau do mundo é a alegria!

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No combate velho do Tamanduátão: limpamos o vento de quem não tinha ordem de respirar.

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Querer o bem com demais força, de in-certo jeito, pode já estar sendo se que-rendo o mal, por principiar.

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Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase: e os todos sacrifícios.

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Medo agarra a gente é pelo enraizado.

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O prazer muito vira medo, o medo vai vira ódio, o ódio vira esses desesperos?

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Pobre tem de ter um triste amor à ho-nestidade.

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Os sapos gritavam latejado.

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O sapo não fecha os olhos: guarda-os, reentrando-os na caixa da cabeça.

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Silêncio tenso – como pausa de araponga.

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O peixe vive pela boca.

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Perdoar uma cascavel: exercício de san-tidade.

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Pela cascavel, por transparência, vê-se o pecado mortal.

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Pantera negra: na luz esverdeada de seus olhos, lê-se que a crueldade é uma loucu-ra tão fria que precisa do calor de sangue alheio.

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A cigarra cheia de ci.

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Avista-se o grito das araras.

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O arrebol de um pavão.

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Os castores – num jeito de quem conta dinheiro, murmuram segredos aos tron-cos das árvores.

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Só o cintilante instante sem futuro nem passado: o beija-fl or.

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A coruja não agoura: o que ela faz é saber os segredos da noite.

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O poço nunca é do peixe: é do outro pei-xe mais forte.

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A zebra se coça contra uma árvore, tão de leve, que nem uma listra se apaga.

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Hoje em dia, um dicionário é, ao mesmo tempo, a melhor antologia lírica. Cada palavra é na sua essência um poema. Pense só na gênese delas. No meu cente-nário, publicarei um livro, meu romance mais importante: um dicionário. Talvez o faça um pouco mais cedo. Isso será en-tão a minha autobiografi a.

O pensamento vivo de Guimarães Rosa47Jan/Fev 2006

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Fernando Monteiro Escritor

Para Vicente Serejo

Foi essa a frase (“Greta Garbo, quem diria...”) que, há vinte anos, eu murmu-rei para a minha mulher, numa tarde de julho de 1985. Estávamos caminhando ao longo das margens do Hudson, num daqueles passeios arborizados que acom-panham as amuradas do rio novaiorqui-no, quando Cristina propôs que sentás-semos um pouco.

Vimos um sólido banco de ferro, repin-tado de verde, e esperávamos fi car sós nele, na quietude daquela área onde os habitantes da megalópole podem tomar o sol esquivo entre choupos e tílias. Ali – mais ou menos da 51 para cima – eram ruas menos permeadas de turistas, na-quela época, e, suponho, não parecíamos com eles, sem sacolas de compras e sen-tados não para os lanches improvisados dos cucarachas.

Não me passou pela cabeça, então, a pro-ximidade de um dos endereços mais gri-tantes de silêncio do cinema: o de Greta Lovisa Gustafsson, número 450 da rua

“Greta Garbo, quem diria,

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52 de passantes indiferentes uns aos ou-tros, nos domingos e nos outros dias da semana (se você não for um daqueles va-gabundos profi ssionais, olhando para o nada como se olhassem para as portas do fundo de alguma antiga vida).

Foi então que veio sentar-se, no mesmo banco, uma senhora também cansada.

“É ela. Eu juro. É ela, sim!” – foi o meu murmúrio seguinte, para a incrédula Cristina.

“Quem?”

“Greta. Greta Garbo.”

Eu não podia me enganar com aquele formato do rosto e com a boca, embo-ra o nariz... Não, não era nada que se pudesse apontar: seria, antes, a reminis-cência de uma aura magnética, o resto do halo da “Divina”, naquela face de-vastada. Sei lá por que, mas algo da sua personalidade misteriosa estava ainda presente, e não deixava dúvidas sobre você estar diante da Estrela Absoluta dos Céus Frios da Perdida Idade de Ouro do Cinema, persistente nas retinas. Por falar em retinas, seus olhos – a prova de-fi nitiva – estavam infelizmente velados pelos óculos escuros, de modelo anti-quado. Apoiava-se numa bengala preta,

e se aproximara com a leve hesitação de uma senhora bem-educada, para se sen-tar justo no nosso banco lustroso da tinta nova onde o ferro estivera, quem sabe, tão descascado quanto ela própria, Greta Garbo.

“Greta Garbo?”

Minha mulher não acreditava. Mas, era. Era a Garbo, aquela anciã em quem nin-guém estava prestando atenção, exceto nós – com o cuidado extremo dos disfar-ces inúteis para olhos talvez implacáveis, atrás daquelas lentes grossas.

O canto esquerdo de seus lábios, num ricto, passou a fugidia impressão da pes-soa que fi ca nervosa, ao se saber reconhe-cida.

“Não olhe assim!”.

Cristina tinha razão. Eu estava a exami-nar muito diretamente a estranha que ela tentava proteger da minha curiosi-dade. De pouco adiantava, entretanto: qualquer um fi caria vidrado na fi gura de cabelos escorridos, sem estilo (aparados pela própria?) e sem o brilho que, um dia, havia ostentado na noite artifi cial dos estúdios. Estava vestida com o des-leixo de quem saíra apenas para esticar as pernas e caminhar ao longo das amu-

radas, calçada com uns tênis meio sujos nos pés talvez grandes demais para uma mulher.

Minha atenção era, portanto, fascinada e irreprimível. Ou mal-educada, numa palavra que são duas (você deixa de sa-ber contar, diante do fantasma de uma Diva). E daí? Você só vai estar sentado junto de Greta Garbo uma vez – se é que vai estar, alguma vez na vida.

Ficamos ali, portanto, trocando olhares oprimidos pela certeza de saber quem era aquela senhora pálida e descolorida como o casaco machucado que ela usava sobre o corpo antigamente escultural, com mais um lenço desbotado na cabeça...

Quando o tirou (para receber o sol ate-nuado), eu tive, então, a mais plena cer-teza: era, de fato, a atriz retirada do ci-nema há 44 anos, puxando do bolso um saco de milho para dar aos pombos privi-legiados, alguns dos quais acostumados, acercando-se para se alimentar das mãos de dedos nodosos – como pequenos ga-lhos castigados – de um dos seres huma-nos mais belos e mais enigmáticos que já nasceu sobre a superfície do planeta qua-se tão exausto quanto a solitária senhora de Nova York, quem diria, Greta Garbo, 80 anos, acabou de se sentar...

acabou de se sentar”...

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I want to be alone...

Muitos garantiram que ela nunca disse isso, “eu quero fi car só”. Sua frase (a um jornalista), teria sido: I want to be let alo-ne – “eu quero que me deixem sozinha”. Ou seja, em paz (ela que tinha horror de entrevistas e mexericos).

Eu sabia do reparo feito à frase tão famo-sa, e podia estar olhando, sendo indis-creto, até incômodo etc, porém jamais iria romper com as derradeiras regras da educação e apresentar-me como cinéfi lo e perguntar a Greta Garbo: “Por que ra-zão a senhora abandonou o cinema, no auge da fama?”

Claro que era humanamente impossí-vel indagar isso, sem mais nem menos, à gentil alimentadora de pombos tristes entre seus pés (ela sorrindo à sombra da-quele sorriso iluminado pelos mais acla-mados mestres da fotografi a).

Tudo que eu fazia era olhá-la, sem ten-tar virar o rosto ou disfarçar – como se olha para o busto da rainha Nefertiti, no museu egípcio de Berlim. Só que ali, próximo das águas do Hudson, es-tava uma contrafação da beleza imóvel da genial escultura da 18ª dinastia: um rosto vivo, e não de pedra calcária, cujas

linhas devastadas pouco correspondiam àquelas imortalizadas em 24 quadros por segundo nas telas e no rio do tempo que faz escorrerem os minutos, as horas, os meses, os anos e as décadas sepultando tudo sobre a pedra-pome de Pompéia há séculos soterrada.

Greta Garbo – então, você existe? E nas-ceu de mulher, como se diz na Bíblia, no dia 18 de setembro de 1905? Cresceu num bairro pobre, a terceira fi lha de um gari de Estocolmo?

Perguntas possíveis. As respostas – bem, as respostas poderiam variar um pouco, de acordo com o humor da jovem sueca cujo primeiro emprego havia sido a mais que subalterna função de ensaboar os rostos dos clientes de uma barbearia.

Você ainda se lembra do seu primeiro fi lme longo?

Eu sei qual foi (caso você já tenha esque-cido): Pedro, o Vagabundo, uma comédia dirigida por Erick Petschler, em 1922. Com o pouco dinheiro que ganhou nes-se fi lme ridículo, Senhora dos Pombos da Paz Impossível, você foi estudar na Real Academia de Arte Dramática, onde seu belo rosto anguloso logo chamou a atenção de Mauritz Stiller (1883-1928),

cineasta nascido na Finlândia, e não na Suécia, como muitos imaginam.

Foi Stiller quem a dirigiu num fi lme ba-seado num livro de Selma Lagërlof – A Saga de Gösta Berling – que chamou a atenção para a novata. Mauritz queria chamá-la “Mona Garbor”, nos letreiros onde você mesma escolheu chamar-se Greta Garbo (e não Garbor).

O sucesso de Gösta Berling a levou para as mãos do diretor alemão G. W. Pabst. Com ele, você fez o seu segundo fi lme – Rua das Lágrimas (1925) – porém Stil-ler a recuperou para si, quando recebeu, naquele ano, convite de Louis B. Mayer para trabalhar em Hollywood. Você se lembra? O seu descobridor impôs, ao produtor, uma única condição para via-jar rumo à loucura da América: contratar também a “querida Greta”, com salário de 300 dólares por semana.

Quantas “verdinhas” mais você terá ga-nhado, minha linda sovina, para apare-cer em mais 24 fi lmes, na maioria gran-des sucessos de bilheteria? O mordomo Gustav, serviçal na sua mansão de Bever-ly Hills, mais tarde iria revelar: “Eu nun-ca vi Miss Garbo comprar um vaso para a casa; ela me dava 100 dólares mensais para a comida e isso era tudo; se eu com-

“Greta Garbo, quem diria,

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prasse algo a mais, ela reclamava como uma caixeirinha”.

É verdade, senhora? E é verdade, tam-bém, que você nunca amou ninguém? Nem o astro de A Carne e o Diabo, aque-le rapaz de bigodinho chamado John Pringle? Ídolo da tela com o nome de John Gilbert, ele chegou a comprar um palácio em Los Angeles e um iate de 200 mil dólares, para recebê-la na terra e no mar. Deu em água: você desapareceu, em 1927, depois que ambos atuaram em Love, a primeira versão de Ana Karenina. Gilbert fi cou esperando, durante anos, até se afogar em uísque, depois de fi lmar Ana, de novo, consigo, oh Senhora Sem-pre Sozinha!

Você não amou nem sequer aquela amiga íntima, Mercedes de Acosta, ro-teirista e aristocrata de luminosa inteli-gência? (Você admirava as mentes bri-lhantes.) E, confesse, gostava mais das mulheres do que dos homens. E mais dos jogos de espírito do que dos praze-res do corpo? O que sentiu, no fundo, por “Stoky”? (Se ninguém adivinha, esse foi o apelido que ela pôs no ma-estro Leopold Stokowski, seu amante vinte e três anos mais velho.)

E o fotógrafo inglês Cecil Beaton – que todos chamam de o seu “último amor” – poderia lhe dar prazer? Ele que, sim, preferia os rapazes, mas viria a abrir ex-ceção, em 1932, para amar uma única mulher em toda a sua longa carreira de paixões masculinas?

Vocês dois nunca foram (todo mundo sabe) “apenas bons amigos”, por favor. A senhora passou o fi nal da guerra com Beaton, e, já envelhecida, fez cruzeiros seletíssimos com ele, nos mais luxuosos transatlânticos gregos. Até que acabou (você acabou).

Senhora Dureza, quantas vezes luziu o diamante do seu coração gelado do norte europeu? Cecil, o artista delicado, fotografou-a como ninguém. Dizem que você possui todas essas fotos fechadas num arquivo. E também dizem que Bea-ton, para os melhores amigos, reconhecia ser você “uma excêntrica e uma chata” que ele amara sem restrições, até sofrer um derrame em 1974, quando fi cou se-miparalítico e com a fala travada, na In-glaterra. Um dia, anunciaram-lhe a visita de Miss Greta. Ele autorizou, e ela subiu as escadas de mármore, entrou no quarto do doente, para uma conversa por sinais

e palavras truncadas do homem de robe de chambre na cama estilo Tudor.

Depois, a atriz de Ana Karenina assi-nou o livro de visitas (que o educadís-simo Beaton disponibilizara no saguão repleto de obras de arte). E nunca mais se viram.

Para se livrar de algumas dívidas, a sua amiga Acosta escreveu um livro de me-mórias que consta ter irritado a senhora profundamente, no seu retiro do apar-tamento da rua 52 aqui perto – isso procede? Você não desejava que fossem divulgadas coisas como a pequena Greta se ver como um “homenzinho”, desde a infância, quando se referia a si mesma na terceira pessoa, como “ele”...

Enfi m, minha cara senhora, quem é ou, melhor, quem foi você, mito vivo e inco-modado com meus olhares insistentes?

Mas ela já não estava ali. Com difi cul-dade que não pedia por qualquer ajuda, Greta Garbo havia se levantado do ban-co de ferro e partido, com seu caminhar inseguro, fi rmando a bengala para pros-seguir rumo à solidão escolhida. Cinco anos depois, iria falecer num hospital de Nova Iorque, no dia 15 de abril de 1990, mais só do que jamais havia sido.

acabou de se sentar”...

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O anjoterrível

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Gustavo de Castro e SilvaPoeta e escritor. Doutor em Antropologia, é professor da UCB e da UnB

São muitas as formas que a arte en-contra para falar em nós.

Rubem Alves diz que os verdadeiros ar-tistas nunca são felizes, mas seres ator-mentados, angustiados, terríveis. “Os felizes, diz ele, não necessitam fazer arte. Têm de viver a sua felicidade”. De qual-quer forma, os artistas – sejam eles feli-zes ou infelizes – são atores sociais ainda pouco pensados pelos acadêmicos e estu-diosos de plantão. O historiador Victor Leonardi, no livro Jazz em Jerusalém (Ed. Nankim, 2001) — indispensável para quem quer investigar as razões da criação na arte e no artista — tentou investigar a produção social do artista através de uma história cultural da criatividade. Outra instância pouco pensada, sobretudo pe-las ciências sociais, é a da arte enquanto produção social do protesto. A revolta parece ter sido um pouco esquecida pela arte contemporânea. E quais serão os motivos desse silenciamento? O Estado conseguiu, através das diversas leis de incentivo à produção artística, fi nanciar obras de todos os tipos. Terá isso afetado o artista e a sua crítica social? Por outro

lado, os tempos atuais parecem resgatar o que Aristóteles chamou a seu tem-po de “A Beleza do Feio” ou o belo do monstruoso. As obras parecem caminhar para uma estetização em que vale o que é pior, uma arte desconectada da elevação espiritual, do protesto social, da vertica-lidade subjetiva. Assim, vemos hoje a es-tetização da violência (Sin City e as obras de Quentin Tarantino), a cosmética da fome (termo criado pela pesquisadora Ivana Bentes para analisar a produção re-cente do cinema nacional), a estetização do êxodo e da migração (cujo principal representante é Sebastião Salgado), entre outros, sem que junto à estética venha a produção do pensamento. Mas, digamos em coro, para que pensar?! Os padres espanhóis da idade média cunharam até uma máxima que fi cou famosa em seu país: “Malditos os que incitam ao pen-samento”. Quem ama o conhecimento que trate de imbecilizar-se ou corre o risco de fi car sozinho. O jovem escritor francês, Martin Page, escreveu Como me Tornei um Estúpido (Rocco, 2005) como protesto à cultura do superfi cial. O livro conta a história de um personagem que, para não fi car ilhado culturalmente, de-cide iniciar um projeto de auto-imbecili-zação. Assim, começa a investir na bolsa de valores, compra todas as roupas da

moda, vai constantemente ao shopping, deixa de ler, de ir a museus, etc. A cena fi nal é hilariante. Seus amigos, preocu-pados com ele, que estava realmente se tornando um imbecil, decidem seqües-trá-lo. Amarram-no com cordas e come-çam a ler Flaubert, Proust, Balzac, entre outros, numa tentativa desesperada de salvá-lo. E ele, fi nalmente, se recupera. Mas não é fácil escapar de tanto lixo cul-tural. Tanto lixo que, quando vejo o con-sumo desenfreado de pagode, axé, forró, funk, sertanejo, entre outras porcarias, imagino esses consumidores como por-cos que chafurdam no lixo e na lama da cultura contemporânea.

Talvez por isso é que o livro do escritor e professor universitário Alex Galeno, Antonin Artaud – A revolta de um anjo terrível (Sulina, 2005), seja um bálsamo contra a miséria cultural dos tempos atuais. Depois que terminamos de ler o livro, fi camos com dois sentimentos distintos: um pelo personagem do livro, outro pelo que o livro em si incita. No primeiro caso, somos levados pouco a pouco a conhecer a alma de um artista notável: escritor, poeta, desenhista, en-cenador, cenógrafo, pintor, que teve (e tem) papel decisivo na teoria da arte tea-tral. Nascido em Marselha, descendente de uma família de turcos, teve logo no

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início da sua vida, crises profundas. Por ser hipersensível, esteve sujeito à dor do mundo e padeceu por isto vida afora: a perda da irmã, as crises de depressão, a primeira internação num sanatório, aos 19 anos, o consumo de láudano e ópio, o misticismo, o eletrochoque que o fez perder os dentes. Ao chegar a Paris, em 1920, para tratar de sua saúde, rapida-mente insere-se na cena parisiense. Es-creve para uma revista de arte e literatu-ra, conhece os surrealistas entre os quais se torna uma das principais referências do movimento. Monta e atua em diver-sas peças teatrais, faz cinema e é reco-nhecido internacionalmente como ator. Por quase vinte anos, tematiza a revolta, a peste, a crueldade, a injustiça, a revolu-ção e a dor-do-mundo como arcabouço estético e conceitual. Não fez concessões ao pensamento em favor da estética, ao contrário, arriscou fama, carreira, pres-tígio, em favor da revolta e do protesto. Referindo-se à psicanálise (aliás, o livro Antonin Artaud – A revolta de um anjo terrível deveria ser lido por todos os psi-canalistas), diz algo que vale para os que gostam do encarceramento das idéias, algo que vale também para a vida e que vai além da psicanálise: “fugirei de qual-quer tentativa de encarcerar minha cons-ciência em preceitos ou fórmulas, numa

organização verbal qualquer” (p.68). É notável ver no livro a prepotência de Ja-cques Lacan ao lidar com o caso Artaud. Afi rma inclusive que tentará desestimu-lar algum aluno seu que desejar cuidar do caso. “O caso Artaud está resolvido”.

Alex Galeno diz que Lacan não estava preparado para diagnosticar a lucidez da poesia e o desconcerto estético presentes em Artaud. De fato, não é fácil mesmo entender nem a poesia, nem a loucura. Elas têm às vezes muita sabedoria por trás para facilitar o entendimento. Têm sobretudo uma outra visão de mundo. Têm a força vulcânica do que não se enquadra. Não é fácil distinguir o que é clínico do que é místico, o obscuro do iluminado, o irracional do sapiencial, ou o que são ambas as coisas ao mesmo tempo. Sabemos, ao fi nal do livro, que Artaud realmente sofria de problemas psíquicos, mas não deixamos de vê-lo como um gênio artístico. Não é fácil sa-ber o limite das coisas.

Deleuze e Guattari dirão, no Anti-Édipo, anos depois: “Artaud é a destruição da psiquiatria. É a realização da literatura precisamente por ser esquizofrênico e não por não o ser”. Se a poesia e a lite-ratura não tivessem esse não-sei-quê de

coragem, loucura e lucidez não seriam o que são. Nem faria sentido sê-lo.

Em janeiro de 1936, Artaud inicia uma viagem ao México, ao país dos Tarahu-mara. Conhece Diogo Rivera, prova o peiote, dá palestras em universidades, fi ca ali por quase um ano. Ao voltar, no ano seguinte, vai a Bruxelas e a Dublin, capital da Irlanda, vaga pelas ruas sem dinheiro, drogas, e com extrema difi -culdade para falar inglês, desentende-se com os padres jesuítas, a polícia local, é preso e deportado para a França. Chega à França de camisa-de-força e é interna-do num hospital psiquiátrico. É o início de sua vida asilar, que durará nove anos. Daí em diante, Artaud é transferido de hospital em hospital. Isso não o impede de criar; o vemos sempre desenhando, escrevendo, pintando. Seus cadernos hoje valem uma fortuna e sua obra é mo-tivo de contenda judicial entre a família e a editora Gallimard. No asilo, Artaud foi praticamente abandonado pela famí-lia. Após o fi nal da guerra, em 1946, um grupo de intelectuais se une para tirá-lo do asilo. Contribuem Georges Bataille, Pablo Picasso, Jean Paul Sartre, Albert Camus, Simone de Beauvoir, entre ou-tros. Em 1948, ele morre de câncer no reto, no hospital psiquiátrico de Ivry, nos

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subúrbios de Paris. É encontrado aos pés da cama, segurando um sapato.

A cena da morte de Artaud é, a propósi-to, a primeira imagem forte do livro de Alex Galeno. Ela alia-se a outras cenas desse livro-tese-ensaio que farão o lei-tor emocionar-se ao mesmo tempo que pensar. As cenas das relações sexuais de Artaud com Anaïs Nin são perfeitas.

O livro do escritor e professor de Ci-ências Sociais da UFRN é resultado de uma pesquisa de doutoramento realizada na PUC de São Paulo, sob a batuta do fi lósofo e antropólogo Edgard de Assis Carvalho. A obra de Galeno, aliás, é o se-gundo sentimento que gostaria de ressal-tar nesta crítica. Quanto a isso, sejamos sinceros: um livro que discute a revolta, a loucura, o tormento, o despedaçamento e o desassossego não é fácil de engolir em tempos que preferem os personagens do-ces e meigos, que buscam o entendimen-to sem debate, as facilidades da literatura água com açúcar, entre outras babosei-ras. Galeno foi na direção contrária. Ao escolher um autor que se insere no seio dos malditos como Nietzsche, Rimbaud, Nerval, Van Gogh — os que não aceitam facilmente as mentalidades de sua época —, optou pelos que geralmente ninguém escolhe: os marginais, os suicidados da

sociedade, os esquecidos, os rebeldes e os inconformados. Bela escolha.

Para construir sua obra, ele visitou um número considerável de textos, livros, documentos, teses, cartas e postais de e sobre o autor francês. Esteve em contato com pesquisadores na França, adquiriu catálogos pictóricos e fotográfi cos, viu fi lmes, leu e assistiu a peças teatrais, leu fi lósofos preocupados com a idéia da estrangeiridade e de estranhamento, e, sobretudo, ao fi nal, conseguiu construir uma obra viva, no fundo, uma poética da revolta dramática, elemento que per-cebe desde os clássicos, como Sófocles, passando por Shakespeare, Dostoievsky até chegar a Artaud, Camus, entre ou-tros. Talvez, realmente, como disse Ru-bem Alves, os verdadeiros artistas não sejam nunca felizes, mas atormentados, angustiados, terríveis. Talvez por isso consigam dizer mais profundamente. Talvez por isso fi quem como patrimônio artístico da cultura humana. Talvez por isso sejam Artistas! Quem vai ler Antonin Artaud – A revolta de um anjo terrível, se prepare para encontrar ali uma vida pul-sante, uma escrita encarnada, uma obra, simultaneamente, leve como um anjo e terrível como um demônio. Assim como são as coisas belas da vida.

O anjoterrível

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Josimey Costa EscritoraIlustração: Isaias Ribeiro

Deseje.

Deseje com força, com urgência. Busque extremos. Não: torne-se o extremo. Faça concessão nenhuma, principalmente em seu desejo. Só o melhor é o bastante para começar. As meias medidas, o meio de vida, a meia pataca, o médio oriente, o meio-fi o, a meia-boca, jogue fora tudo isso. Rompa os limites, sim, vá além deles. Encha o êmbolo até o fi m, beba até a últi-ma das gotas, mergulhe no mais fundo do poço, desça depois do quinto inferno... e aí você poderá pleitear o seu gozo.

O gozo pleno é uma arte. Exige extrair, meticulosamente, a essência de todas as coisas. Macere, pois, os sentimentos para que sejam sumo e néctar, ácido e bálsa-mo, a luz mais cortante e a sombra mais compacta. Torne isso palavra e, com ela, engravide os atos. Tantos, tão profundos

Tratado das intenções com

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e verdadeiramente signifi cativos – mas

mesmo ainda há o desejo.

Assim, olhe para o que deseja.

Que seja antes de longe, e o desejo se ani-

nhará, completo. Abrace com o olhar e

traga para mais perto o seu objeto de de-

sejo. Ouça-o muito bem. Ouça a modu-

lação do seu som e ouça até o ar que não

vibra quando nada é dito. Ato contínuo,

cheire aquilo que deseja. Toque-o com

o seu olfato e decifre as mensagens que

nem ele sabe que emite. Tatue na memó-

ria de cada célula do corpo, do seu e do

outro, o padrão desse desejo que, enfi m,

se assume molecular. Fractal. Tão entra-

nhado que nem é mais desejo. É você.

Agora, costure pele nesse desejo.

O que antes o olhar abraçava, empunhe,

sorva, deguste, invada, emaranhe, dedi-

lhe, mordisque, respire, dissolva e des-

creva, esvaia e preencha.

Então, vá para casa.

O seu desejo é mesmo tonto e cego. Não elege alvos; aciona armadilhas.

Assim, é preciso cuidado e distância. O terreno é instável; deve ser apenas meio medido. As pausas são bons anteparos, prioridades dão ótimo escudo. Qualquer fervura não queima quando engole água fria. Evidentemente, há que inciar a fer-vura, isso o desejo impõe. O fogo, porém, deve ser lento e a água, contida. Desejo e paixão são uma alquimia de morte. Petite mort. Morte por sufocamento.

Só se morre asfi xiado quando algo ou al-guém chega muito perto, tão perto que pressiona os sentidos, desacerta a pul-sação e seqüestra a voz. Ah, mas isso só pode vir por dentro. Como um vampiro, precisa de convite para entrar e não acei-ta nenhuma ordem para sair. Há perigo e você não constrói discurso sobre isto senão enquanto dor. O infi nitamente próximo é também mortiferamente po-deroso. É esta a condição para fazer você gozar como sonha. Como um animal com alma. Um anjo. Demoníaco.

entrelinhas de sabotagem

Mas você é fl echa. Uma fl echa não com-

porta um se. Você é efi ciência e arte fi nal.

Você é a decisão.

Por isso, vá sempre para casa.

Brinque com os extremos que você co-

nhece. Perca-se em si e todo estranha-

mento não ultrapassará os tecidos dos

seus órgãos. Distraia a dor, precisamente

essa dor. As outras, viva-as plenamente,

elas não arrancam você das suas próprias

mãos. Dê-se também o seu próprio pra-

zer. Quando, onde e como você quiser.

Se isso não for sufi ciente para aquietar o

seu desejo, escolha uma armadilha pron-

ta como alvo. Qualquer uma; os meca-

nismos você adivinha só com o olhar.

Depois, você poderá voltar para casa do

mesmo jeito, com seu discurso pronto e

na ponta da língua.

Para mais do que isso, seria preciso você

se perder muito além de si e sem pressa

alguma de se achar.

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U M A R I Z A LEfervescência e diversidade cultural movimentam a cidade

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Sérgio VilarFotos: Anchieta Xavier

Umarizal, a 405 km de Natal, ainda é uma jovem cidade. Não tem 50 anos. Somente emancipou-se de Martins em 27 de novembro de 1958. Muitos mo-radores, sobretudo os mais antigos, dei-xaram sítios e fazendas de criar e plantar das redondezas para morar na cidade, que prosperava amparada no ciclo algo-doeiro. Talvez por isso, a receptividade sertaneja e pura, já escassa em alguns lugarejos, ainda resista em Umarizal. O município, que chegou à condição de terceiro em arrecadação do Estado, hoje vive em função dos empregos gerados por uma grande empresa fabricante de carrocerias. O ciclo do algodão ou a feira livre da cidade, que aglomeravam visi-tantes de todas as regiões são hoje apenas retratos de um passado rico.

O nome de Umarizal pode ter surgido em referência à grande quantidade de árvores chamadas umarizeiras. Hoje o que se encontra em cada quarteirão da cidade são as árvores sempre-verdes. São elas que emprestam alguma sombra às ruas. Mas Umarizal já colecionou outros nomes. Antes de se constituir Vila Divi-nópolis, em 1938, a região tinha o nome de Gavião. O nome vem da povoação que se formou às margens do riacho ho-mônimo. Como escreveu o escritor Ma-

noel Onofre Júnior, a ocupação daque-las terras foi no início do século XVIII, quando foi concedido ao padre Manoel Pinheiro Teixeira e a Joseph Ferreira, terras situadas entre as serras da Mãe D’Água e Catolé, às margens do riacho Umari. Parte dessas terras pertenciam ao padre João de Paiva e fi cava na nascente do riacho Gavião.

Em 1902, escreveu Câmara Cascudo, no livro Nomes da Terra, o povoado de Gavião já contava com cemitério, ca-pela e algumas casas de taipa e palha. E foi em volta do cemitério, puxada pela movimentação de uma feira livre que reunia cantadores, violeiros, folhetos de cordel, comidas típicas e artesanatos va-riados em cerâmica lúdica, utilitária ou decorativa, que a cidade cresceu. A ca-pela do Sagrado Coração de Jesus, hoje igreja matriz, também foi construída em 1902, por iniciativa do padre Abdon Melibeu. Mas, como tantas outras, está distante da arquitetura original. O seu oratório tem pouca semelhança com os de estilos antigos.

No entanto, muito da história do mu-nicípio está preservada na memória de moradores ilustres, como dona Telva Menezes, de 98 anos. A irreverência em conjunto com a valentia de seu povo pode ser retratada pelos depoimentos, recordações e trejeitos de seu Felipe Go-mes de Souza, de 80 anos, e suas lem-branças de Lampião. O escritor Mário

de Andrade, considerado o papa do Mo-dernismo brasileiro, quando de passagem pelos interiores do Nordeste, em 1929, caracterizou os moradores do povoado de Gavião como “gente brigona, acanga-ceirada”. Mas a julgar pela simplicidade do empresário mais bem sucedido da região: Joaquim Suassuna Filho, 70, ou mesmo pelo silêncio das ruas nas noites de Umarizal, a verdade é outra.

O estilo pacato ou a riqueza também se encontram naqueles onde a simplicida-de foi oferecida como sina pelo destino. O violeiro e cantador Raimundo Praxe-des é um destes. Considerado um dos nomes mais representativos da cultura popular de Umarizal, vive sem apoio ou até estímulo para espalhar sua poe-sia pelos recantos nordestinos, como a maioria dos poetas, cordelistas e canta-dores populares.

A Umarizal de ruas largas, do senador Zezito, ainda abriga outras expressões culturais. Mas, a decadência da antiga feira livre, vitrine para mostra e venda de produtos artesanais e das artes plásticas da cidade, contribui para o anonimato desses personagens. A Casa de Cultura Popular instalada no município ainda serve de espaço para algumas exposições ou apresentações de grupos como o “Re-lendo Araruna” e a companhia teatral “Arte & Riso”, sobretudo durante os eventos da cidade.

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A história do município em cordelDesde 2000, o vice-diretor da Escola Estadual 11 de Agosto, Francisco Praxedes,

o professor Chiquito, 49 anos, tenta editar o livro que escreveu sobre a História de

Umarizal, intitulado “A cultura nordestina chega ao terceiro milênio”. No livro, o

professor resgata lembranças dos tempos da Umarizal de ontem e, embasado em

pesquisas, conta a história de fundação e primeiras famílias do município.

Muitas das histórias são contadas em versos de cordel. É que a convivência estreita

do professor com as letras começa já na adolescência, quando produzia literatura de

cordel com temas ligados à pedagogia ou sobre os fatos de Umarizal. Mas, os aconte-

cimentos no sítio Poço Branco, em Caraúbas, também o infl uenciou. E não poderia

ser diferente. “Os tempos de menino foram difíceis. Não tinha como esquecer”.

O professor Chiquito chegou a Umarizal aos 15 anos. A mudança cultural, segundo

ele, “travou um pouco a inspiração de um matuto vindo de sítio”. Só aos 25 anos

iniciou na escrita do cordel. Foi também nessa idade que iniciou as pesquisas para o

livro. “Existe uma carência de temas voltados para esse resgate da história local. E é

importante deixar imortalizada e também divulgar essa história, essa cultura. É uma

forma de deixar os moradores orgulhosos e conhecedores de sua história”.

Pioneirismo, criatividade e trabalhoA necessidade muitas vezes se faz manual de aprendizado. E no interior, ela alia-se à criatividade do sertanejo. O empre-sário Joaquim Suassuna Filho, cria do sítio Cajuais, no município de Riacho da Cruz e que adotou Umarizal como moradia a partir de 1978, construiu um império chamado Vicunha, a maior fa-bricante de carrocerias para camionetes, caminhões e carretas do Nordeste, com fi liais em Fortaleza e Natal. A empresa é a maior fonte de renda de Umarizal.

Como outros moradores antigos do mu-nicípio, a cultura ensinada nos sítios im-pregnou seu Joaquim de uma simplicida-de sólida. O meio de transporte de que mais se utiliza é uma bicicleta Monark, já com 42 anos de estrada. Ao lembrar os tempos difíceis, no trabalho junto à madeira cerrada ou planada por duas máquinas confeccionadas pelo próprio empresário, seu Joaquim sorri. É que ele parece viver daquele tempo. Sua casa é semelhante a muitas outras do muni-cípio. Mas seus bens tomam extensos quarteirões, onde são processadas todas as etapas de fabricação das carrocerias.

“Vim para Umarizal por causa da edu-cação dos meus fi lhos. E aqui tinha a vantagem da feira, que juntava muita gente. Umarizal estava se desenvolven-do”, lembra. Joaquim trabalhou por 12

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anos em Riacho da Cruz. A tal necessi-dade, no início, obrigou também a sua mulher, Marlene de Amorim Suassuna, 65, a ajudar na produção das carrocerias. Ela fazia as pinturas, detalhadas em fi nos traços. O método foi improvisado, fruto da criatividade necessária: “Não usava pincel. Eu tirava a parte de dentro de uma seringa e deixava só a ponta. Pegava uma agulha mais grossa, cortava um pe-daço e depois pegava uma lã de carneiro pra fazer um pincel na ponta da agulha. Depois, amarrava com uma linha. Ali, colocava a tinta, que ia ensopando a lã até chegar à ponta da seringa”.

A tecnologia da maquinaria domina hoje os espaços dos muitos galpões de Joaquim. Em um deles, uma ofi cina

para jovens da periferia foi formada. É o orgulho e o passatempo do empresário nessa altura da vida. A idéia surgiu ao ver crianças e jovens ao redor da fábri-ca em busca de restos de material. Por questão de espaço, são 22 alunos, sele-cionados por critério de idade (12 aos 17 anos) e média escolar. A ofi cina já dura 15 anos. Na produção dos jovens, pre-domina a fabricação de colméias, ativi-dade em expansão no município. Mas há também garajaus (cestos) para proteção de plantas e cercas para jardins. Muitos alunos assumem hoje cargos gerenciais e de chefi a na empresa. Outros saíram de lá para trabalhar em outras fábricas. “Do tolhimento da madeira se faz mil e uma obras de arte”, comenta Joaquim.

Barba, cabelo, bigode e poesiaAntônio Márcio Sobrinho, mais conhe-cido como Toinho de Otília, 63 anos, mistura duas profi ssões bem distintas. No salão em que trabalha desde 1979, ele faz barba, cabelo e também poesia. Toinho chegou a Umarizal vindo do sí-tio Traíra, em Apodi, no mesmo ano de 1979. Mas a “mania” de escrever come-çou há apenas dois anos, com músicas

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de forró e hinos evangélicos para o irmão que mora em São Paulo.

Muitos clientes ainda desconhecem e até duvidam que o barbeiro, tão conhecido na cidade, deu pra poeta. Mas ele recebe com ironia a descon-fi ança: “Quando dizem: ‘você sabe fazer nada, homi’. Aí eu mostro o discurso da missa de primeiro ano de morte do sanfoneiro Chico de Kival. Aí o povo se admira”.

Francisco de Assis dos Santos, o Chi-co de Kival (1965-2004), foi assas-sinado aos 38 anos. Era natural de Umarizal. O sanfoneiro chegou a to-car nas bandas de forró Saia Rodada, Linder Som e Cheiro de Menina. Era nome expoente na Zona Oeste. Em 16 estrofes, Toinho prestou homena-gem ao seu primo. Alguns trechos:

“Os passarinhos acordaram/ Ali ao romper da Aurora/ Em vez de can-tar choraram/ Aquela triste sonora/ Dizendo um pro outro/ Nosso artis-ta foi embora. Chorou toda região/ Inclusive Umarizal/ Toda família sentiu/ Aquele golpe fatal/ E a notí-cia se espalhando/ Morreu Chico de Kival”.

E completa o barbeiro poeta: “Poesia, música, não depende do saber. As es-colas até aperfeiçoam, mas se o cara não nascer pra aquilo, acabou-se”.

O homem que conheceu LampiãoFelipe Gomes de Souza, 80, nasceu de sete meses. Mas nem precisava dizer. Apesar da idade, o pernambucano, nascido no município de Floresta, é ativo como um jovem, e espirituoso como os bons sertanejos de antigamente. Além de ter morado em várias cidades brasileiras, “por não conseguir parar em nenhuma”, seu Felipe guarda outra peculiaridade: em sua morada de infância, na Fazenda Betânia, entre os 4 e 5 anos de idade, em Pernambuco, o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, aparecia com freqüência.

O cangaceiro era tão íntimo da casa que apadrinhou dois irmãos de seu Felipe. “Lam-pião foi criado junto com meu pai”, recorda. Segundo suas lembranças, o cangaceiro era homem moreno, magro e simpático. Lampião passava até três dias na Fazenda. “Polícia num ia lá porque tinha medo”. Para a criançada da Fazenda, a presença daque-le cangaceiro de bandoleira carregada de ouro entre uma ponta e outra, as vestimentas requintadas e brilhantes, embora tipicamente nordestinas, aguçavam o imaginário da molecada. “Todos nós queríamos ser iguais a ele”, conta.

Outra recordação da presença do cangaceiro e seu bando na Fazenda também per-durou na memória de seu Felipe: “Maria Bonita foi a mulher mais bonita que eu

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já vi. E era valente também. Ela seguiu Lampião porque o marido lhe deu uma surra. E ela num era mulher de aceitar surra de marido”, disse seu Felipe, meio encabulado ao elogiar a beleza de Maria Bonita ao lado de sua mulher, Raimunda Gomes de Souza, Passados 25 anos do casório, seu Felipe ainda lembra detalhes dos primeiros contatos, motivo pelo qual fi ncou morada no município.

“Assim que cheguei em Umarizal, na casa de meu primo, ela estava lá e logo me ofereceu água. Depois, foi a primei-ra a me oferecer queijo. Aí pensei: Essa mulher tá me perseguindo”. Seu Felipe foi embora de Umarizal, mas sentenciou para dona Raimunda: “Eu volto aqui pra te buscar”. Voltou e fi cou. E apesar de ter morado em São Paulo por 27 anos, onde trabalhou de pedreiro “pra ganhar o sufi ciente pra fi car dois meses sem trabalhar”, seu Felipe percorreu vários municípios Brasil afora. E deixou mar-cas em muitos: “Deixei nove mulheres com aliança, mas só casei mesmo com Raimunda”, orgulha-se.

O casamento foi acertado através de carta escrita de São Paulo pelo escritor François Silvestre. Sem saber ler e escre-ver, seu Felipe pediu ao amigo para man-ter contato com a noiva, em Umarizal. Quando retornou a Umarizal para casar, não lembrava as feições da noiva e pediu a uma conhecida para apontá-la, porque temia confundi-la com a irmã.

Quadrinhos com sotaque nordestino

Em 2004, Rodrigo voltou a Natal para ensinar desenho artístico no ateliê de Ricardo Tinoco. Mas os planos do ar-tista em produzir revistas e fanzines não avançavam. Voltou para Umarizal no ano seguinte. E desde então tem feito a arte seqüencial dos personagens do ro-teirista Francinildo Senna, como o herói chamado de Crânio. A tiragem é de 800 exemplares e já possui mercado em Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Mas o sonho mesmo de Rodrigo é ver seu persona-gem, o Bispo, estampado nos fanzines. A originalidade do personagem está no ambiente em que vive: uma Natal escu-

As histórias dos super-heróis em quadri-nhos ou da turma de Maurício de Sousa foram leituras quase obrigatórias para as crianças, sobretudo dos anos 80. Mas, para Rodrigo Fernandes, 26 anos, elas se mostraram caminho para a futura profi ssão de arte-fi nalista. Nascido em Umarizal, Rodrigo costumava desenhar por hobby já em tenra idade. Ao per-ceber um talento peculiar, começou a estudar arte seqüencial. Ele se julga um batalhador neste campo da arte. E não é para menos: Rodrigo precisa retirar do próprio bolso os custos para a publica-ção bimestral dos fanzines produzidos.

O mercado de HQ’s em Umarizal ou nos interiores do Estado é praticamente nulo. Por isso, já aos 17 anos Rodrigo veio para Natal estudar e se profi ssio-nalizar. Passou quatro anos. Trabalhou nos estúdios Reverbo, de estórias em quadrinhos, e desenhando a arte-fi nal da revista Brado Retumbante, com per-sonagens de super-heróis locais. Uma cooperativa de artistas do gênero era res-ponsável pela publicação da revista. Os cooperativados se reuniam na Fundação Capitania das Artes para discutir proje-tos e roteiros das estórias. Mas o campo de HQ’s, mesmo na capital, também é difícil. “Não tem mercado. A cultura local não favorece. Não fosse o lance da paixão pura já teria desistido”.

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suais, o Bispo é um vigilante revoltado

pelo assassinato brutal de sua família. Ele

vive pelas ruas, vigiando as madrugadas

natalenses. “O Bispo não tem dinheiro

como o Batman pra comprar automóveis

ou armas. Ele combate na raça mesmo”.

E nesse caso, criador e criatura se mistu-

ram em uma mesma intenção: vencer as

batalhas na raça e na força de vontade.

As lembranças de Galdino remetem a uma Umarizal próspera. Agricultor apo-sentado, ele lembra ainda do auge do cultivo do algodão e das famílias ricas do município. “O algodão acabou por cau-sa do bicudo, que derrubou tudo, até as usinas. Em 1985 eu plantei algodão na propriedade dos Germanos. Em 1 ano colhi 14 mil quilos de algodão em 10 hectares de terra. Mas o bicudo atrapa-lhou tudo”, recorda.

Casado há 53 anos, o agricultor de 14 fi lhos, “todos espalhados mundo afora”, 28 netos e 4 tataranetos não cansa de co-mentar as lembranças de outrora: “Tra-balhei em 22 propriedades em Umari-zal. Botei muita renda nessas famílias”, orgulha-se. Embora continue no campo, onde passou boa parte da vida, Galdino é saudosista também da feira livre do município. “Antigamente as feiras iam até de noite. Hoje, depois das 14 horas,

o povo vai embora”, reclama o agricultor de trajes e trejeitos rurais.

ra, nas madrugadas sombrias e violentas da cidade grande. Na próxima edição do fanzine, a ser publicado este mês, o Crâ-nio dividirá atenções com o Bispo. Am-bos serão protagonistas do roteiro.

O Bispo foi inspirado no famoso herói de Gotham City, Batman. Mas tem lá um quê de Lampião também. Sem su-perpoderes ou maiores incrementos vi-

A nostalgia de um velho agricultorRaimundo Galdino, 80 anos, é persona-gem cotidiano no centro de Umarizal. Todos os dias ele anda “uma légua”, do sítio Caiçara onde mora desde que nas-ceu, ainda nos limites do município, até as praças da cidade. No momento da reportagem, Galdino estava sentado em um costado de uma churrascaria. A expressão sonolenta e tranqüila, de ob-servador passivo, denotava um homem de histórias guardadas.

Raimundo é dos poucos umarizalenses ainda moradores de sítio. Muitos apon-tam a praga do bicudo e a conseqüente falência da prática algodoeira como mo-tivo maior do êxodo para a cidade. No censo de 1991, as pesquisas mostravam 533 casas na Zona Rural já sem condi-ções de moradia. O abandono ocasionou também a falência de uma minindústria de castanha, mesmo com o produto ain-da em abundância na região.

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O hobby que virou profi ssãoOs trabalhos com cera e grafi te são o forte do artista plástico Macson Antônio, 30 anos. A perfeição dos traços e formas de seus quadros e telas impressionam. E tudo o artista aprendeu na prática. As fi sionomias e as paisagens predominam na obra de Macson. Como muitos artistas que lidam com desenhos, ele iniciou no mundo da arte como hobby.

Aos 8 anos Macson já desenhava seus primeiros rabiscos. Segundo ele, a facilidade no manuseio com os lápis e pincéis logo chamaram atenção de todos. A profi ssiona-lização veio em seguida, assim como a desvalorização de seu trabalho devido à falta de apoio do poder público para os artistas locais.

“Sinceramente, me sinto desestimulado. Já pensei em desistir”, comenta. Macson já expôs seu trabalho na Zona Oeste e ainda tem recebido algumas encomendas. “Mas é pouco. Desse jeito não dá para viver só da arte”.

“O sertão é tudo”, diz o trovador

Raimundo Praxedes, 51 anos, é um daqueles artistas que mais parecem uma metáfora perfeita da poesia popular. Um sertão de pedras e pedregulhos, de ho-rizontes extensos e cinzas, a dividir paisagem com o céu limpíssimo, habitam a cabeça do cantador. “O ser-tão é tudo”, afi rma, como se nem precisasse adivinhar que cada um carrega mesmo um sertão dentro de si. E quando sentencia a universalidade do sertão, Rai-

mundo Praxedes confi rma que ninguém melhor que o cantador pode sentir a variedade de cenários do cotidiano sertanejo.

A voz aguda de repentista confunde-se em afi nação e harmonia com sua viola desgastada pelo tempo, já com dez anos de estradas nordes-tinas. Parecem cantar juntos. É ela quem acompanha as sextilhas do poeta, que também passeia pelos campos do galope beira-mar ou do martelo agalopado. Em suas canções e improvisações, Praxedes traz dos sertões para as cidades o retrato da natureza e do rigor que castiga peles e mentes. E que também alimenta costumes e cultura.

“O caboré, um pássaro noturno e vigilante/ Quando é de meia-noite em diante/ Ele voa pra um morro de um sopé/ Dali passa a noite e num dá fé/ Que ele olha com muita ligeireza/ Uma muralha de pedra é sua empresa/ Ele olha e vê todo o movimento/ Discursa montado em rolamento/ O quanto é grande o poder da natureza”, canta Praxedes, em som misturado ao da viola, do cacarejo da galinha e do silêncio audível e místico do sertão em volta.

A morada do cantador é simples. Fica no bairro Mutirão, quase zona rural de Umarizal. O município ainda chamava-se Vila do Gavião

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quando Praxedes nasceu nessa casa de chãos de terra batida. Ali, ele planta e colhe, cria algum gado, porcos e galinhas. “Viver só da viola não dá”, lamenta, já acostumado e sabe-dor da sina dos poetas populares. Apenas enquanto viveu na região do Seridó, na década de 80, Praxedes conseguiu “viver da viola”.

O início na cantoria foi em 1978. O poeta e cordelista mos-soroense, Luiz Campos foi seu primeiro incentivador. Logo, Praxedes trocaria Umarizal por Caicó, onde viveu cinco anos

O grupo de danças Araruna é um dos representantes da cultura potiguar. O pessoal de Umarizal foi buscar inspiração nele para criar o grupo “Relendo Araruna”. A So-ciedade Araruna de Danças Antigas e Semidesaparecidas, que tem à frente o mestre Cornélio Campina (enfocado em reportagem publicada na PREÁ nº 6 ), foi criada em 1956.

O grupo “Relendo Araruna”, como o próprio nome confi rma, é uma conseqüên-cia do Araruna de Natal. A formação do grupo, com 20 integrantes, se deu na 1ª

Mostra de Cultura Popular na Educação, promovida pelo Governo do Estado, em novembro de 2003. A mostra reuniu mi-lhares de estudantes do ensino médio de escolas públicas vindos de 50 municípios do Estado.

Nessa mostra cultural, cada cidade do RN era representada por um folguedo. O xaxado, caboclinho, pastoril, malha-ção do judas e fandango foram algumas danças apresentadas. Foi nesse evento onde os integrantes do “Relendo Araru-na” conseguiram os fi gurinos de casacas e cartolas, e os longos vestidos de saias rodadas em preto e branco, a denotar um estilo aristocrático, infl uente na origem da Araruna. O aprendizado dos alunos para a Mostra ocorreu por meio de um vídeo onde coreografi as da dan-ça eram praticadas. A professora de artes Maria da Paz foi quem conseguiu a fi ta e orientou os alunos. A partir daí, outras coreografi as foram montadas, sempre em respeito às normas da dança.

“Relendo Araruna”: respeito à tradição

e participou de vários programas de rádio. Acabaram com as can-torias nas rádios, que davam alguma notoriedade aos cantadores. Os desafi os dos repentistas, antes vistos em praças públicas de forma costumeira, parece se esvair.

Os CDs independentes, gravados e copiados facilmente a preços baixos são hoje a mídia dos repentistas do interior. Ainda assim, Pra-xedes lamenta: “Até tenho um trabalho gravado, mas falta dinheiro para copiar”. E dessa forma o poeta segue seu ritmo de vida, vencen-do obstáculos no improviso das necessidades e dos repentes.

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Arte & Riso faz a horaEm dezembro de 2001, as comemora-ções do natal promovidas pela fábrica de carrocerias Vicunha, de Umarizal, muda-riam a vida de quatro jovens. Para animar as muitas crianças presentes, fi lhos de funcionários da empresa, a secretária da Vicunha procurou o estudante Emanuel Alves, 18 anos. Ela já conhecia o traba-lho teatral de Emanuel na escola e achou que, se reunisse outros estudantes ligados a grupos teatrais, o improviso poderia dar sucesso. Estava criado ali o embrião para a “Cia. de Teatro Arte & Riso”.

Os estudantes Jardel Amorim, Francis-co Dias e José Neto foram os outros a entrarem no grupo para aquela primei-ra apresentação. Em princípio ela seria única, apenas para aquele natal. As rou-

pas foram confeccionadas pela empresa e emprestadas aos atores amadores. O show surpreendeu as crianças e o público em ge-ral. Como pagamento, os jovens atores preferiram o fi gurino, até então emprestado pela empresa. A partir dali, a empresa apoiou o grupo em apresentações pela Zona Oeste e até em Natal e For-taleza.

Hoje, a companhia conta com oito integrantes. O teatro de rua está presente no repertório do grupo, mas é mesmo a arte circen-se que predomina nos espetácu-los. Imitações de personagens da cidade ou históricos, o malabares tradicional, entre outras peças são apresentadas pelo Arte & Riso.

Os líderes do futuroO grupo de teatro amador Umaricatu ensaia suas apresen-tações baseado em roteiros enviados pela Internet. Os textos são do professor cea-rense Arnaldo Lima, responsável pela ini-ciação dos 25 com-ponentes do grupo. Com apenas sete me-ses de atuação, o Umaricatu já participou de projetos de cultura pelo Estado, como o “Lei-tura de Texto”, de Racine Santos, e várias apre-sentações locais. O novo espetáculo chama-se “Hoje a banda não sai”, do cearense Severino Tavares.

O nome Umaricatu é uma junção do nome da cidade com a palavra caricatura. Os compo-nentes têm faixa etária entre 12 e 21 anos. O grupo é vinculado à sociedade maçônica, res-ponsável por outros projetos sociais em Umari-zal. Segundo o médico e maçom Roberto Alen-car, 33 anos, a idéia de patrocinar a atividade dos jovens é a da preparação social de líderes comunitários. “Queremos formá-los não só na arte, mas também pessoalmente, para que pro-duzam obras sociais”, afi rmou.

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fl ores e coroas de cetim, trabalhos com gesso e enfeites em miniatura. Como Aline, a artesã também procura vender seu produto em municípios vizinhos ou mesmo de porta em porta, procurando mostrar um pouco do artesanato e da força de vontade de Umarizal.

que elas foram vistas. Tem que ter inicia-tiva. Pretendo reservar o espaço da Casa de Cultura por uma semana para mostrar meu trabalho. É assim que se começa”, aconselha. Aline hoje se orgulha em ter seu trabalho comprado para ser revendi-do. “Os cursos incentivam a população a produzir arte. Mas vejo também que quando oferecem cursos por aqui, pouca gente freqüenta. É uma pena”.

Alexandra Maria dos Santos, 28 anos, foi das poucas umarizalenses a participar do curso ministrado na cidade, em agosto de 2005, pela Estima Artesanato, de Re-cife. Hoje, ela produz um trabalho ori-ginal no município, com artesanatos em

Artesanato: distração e rendaO melhor meio que Aline Maria dos Santos, 25 anos, arranjou para se dis-trair em Umarizal foi produzir arranjos fl orais em meia de seda. Ela aproveitou um curso de artes oferecido em escola de Sumaré, São Paulo, onde morou e des-de então tem produzido peças variadas e pequeninas, em sua maioria. O produto encontra boa aceitação em feiras e expo-sições de artesanato, afi rma. Mas o moti-vo maior da venda, ressalta, é evidenciar o trabalho produzido.

“Muita gente produz, mas guarda sua obra em casa ou tem preguiça de expor nas feiras. Cansei de colocar minhas pe-ças à venda e ninguém comprar. Mas sei

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Os azulejos coloridos de ZenaideDepois que Maria Zenaide de Souza, 30 anos, viu na televisão como pintar pai-sagens e desenhos variados em azulejos, decidiu dividir sua profi ssão de fotógrafa com a nova paixão artística. Com apenas um ano nessa atividade, ela já adquiriu agilidade na pintura. E se os muitos de-talhes e a qualidade do trabalho impres-sionam, o tempo para completar o de-senho também. Em apenas três minutos ela começa e dá os últimos retoques no azulejo.

O material usado é a tinta acrílica, com-prada por encomenda na Internet. O

“grosso” do desenho ela faz com os dedos. Para os detalhes minuciosos da pintura, a artista usa palitos e algodão. Zenaide precisa viajar a Mossoró para comprar caixas de azulejos. Apesar do esforço da produção, ela afi rma que acumula seus trabalhos em casa por falta de mercado. E lamenta só conseguir expor seu traba-lho em escolas ou na Casa de Cultura de Umarizal. “Mesmo assim continuo pin-tando pra passar o tempo”.

Dona Aurélia luta para manter quadrilhaIndependente das discussões sobre a legitimidade da qua-drilha estilizada como forma de manifestação da cultura popular, dona Aurélia Alencar, de 59 anos, segue sua la-buta para perpetuar a quadrilha junina de Umarizal por longos anos. O fi gurino colorido – que lembra o folclore dos pampas gaúchos – dos 54 componentes é alugado. A maioria dos integrantes, afi rma dona Aurélia, são pes-soas humildes que precisam esperar apoio da iniciativa privada ou do poder público para bancar apresentações

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Um roqueiro cordelistaAs cirandas de cordel e o rock progressivo caminham em estradas opostas, ou pelo menos distantes. O umarizalense Joelson de Souto, de 22 anos, quer provocar essa mistura e produzir um trabalho original e de qualidade. Ele é hoje acadêmico da Faculdade de Letras e Artes, estuda lite-ratura, leciona gramática e redação em escolas e cursinhos de Mossoró, além de guitarrista das bandas Cumade Cristina, Audiobuzz, Projeto Blues e Graciele de Lima. A mistura dessas atividades que realiza em Mossoró ainda é um projeto de vida de Joelson.

Após reunião com representantes dos bairros, fi cou decidido que o São João da cidade passaria a ser festejado todo ele na quadra municipal de esportes, e não mais de forma fragmentada em bairros. O resultado foi imediato. Já no primei-ro ano, uma quadrilha estilizada pôde ser organizada. As coreografi as – uma das características que diferenciam a quadrilha tradicional da estilizada – são elaboradas por coreógrafo de Riacho da Cruz. Dona Aurélia e seu marido, José Mário de Morais viraram padrinhos da quadrilha, com toda satisfação: “Nosso maior orgulho é ver o desenvolvimento desses meninos e meninas durante esses seis anos de trabalho”, afi rma Aurélia.

No início as quadrilhas eram matutas (ou caipiras). Foram criadas quando as co-memorações do São João eram espalha-das em cada bairro da cidade. Pequenas quadrilhas improvisadas eram formadas e por ali festejavam o mês junino. Dona Aurélia afi rma sempre gostar de festas, ou “fi lotê”, como chamam em Umarizal. Ela está sempre envolvida nas organi-zações de eventos na cidade. Após dois anos da iniciativa do ex-prefeito Manoel Paulo Cavalcanti em criar o São João dos bairros, dona Aurélia vislumbrou uma idéia para facilitar o investimento e a or-ganização do São João em Umarizal.

e viagens que o grupo faz para competir em municípios vizinhos.

Em 2005 conseguiram recursos apenas para duas viagens. O dinheiro veio de bingos e eventos. Foi o menor núme-ro desde que começaram há seis anos. Nunca chegaram a vencer competições. “Com essa situação fi nanceira não dá. O apoio tem diminuído”, reclama Aurélia. Mas os membros da quadrilha são vito-riosos mesmo assim. Já conseguiram se apresentar em quase toda a Zona Oes-te. E dona Aurélia, proprietária de uma pousada em Umarizal, faz parte de for-ma intensa nessa história.

Desde 1999, quando partiu para Mos-soró, Joelson procura se estabilizar nas profi ssões de professor e músico. “Para sobreviver em Umarizal só se for comer-ciante ou funcionário público”, comenta. A batalha na capital do Alto Oeste come-çou desde que chegou. Trabalhou como jardineiro e engraxate. Mas a leitura e as pesquisas sobre Língua Portuguesa con-tinuavam como dedicação paralela. Por falta de tempo Joelson nunca procurou publicar seus cordéis. Em breve, ele pre-tende trabalhar em um projeto autoral com seus poemas, sejam eles musicados ou recitados.

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da cidade fi cava ao redor dela e do cemitério. Tinha tam-bém um barracão, onde se fazia feira. O açougue era no meio do mato. Era só isso que tinha”.

A longevidade de dona Telva parece ser herança de famí-lia. Seu pai morreu com “80 e bote força”, como disse. Dos cinco irmãos, dois morreram com mais de 90 anos. Sua irmã Nonata tem 95 anos. As outras duas, 90 e 84 anos. O segredo para a idade longa, dona Telva explica e aconselha: “Fomos criados comendo, mas comendo bem muito pra encher a barriga. Agora, nunca nosso pai com-prou quilo de carne de criação pra botar no forno. Só se comprava um quarto de bode, ou matava três guinés pra botar como almoço. Mas a gente trabalhava na roça. O trabalho também é importante. Nunca fomos à escola. Mas também não tinha escola naquele tempo”.

São dos expedientes “sofridos e alegres” na roça que dona Telva tem as melhores lembranças. A colheita do feijão e algodão; as covas para plantação, as faxinas com a enxada construíram épocas difíceis que escapolem das nostalgias do “tempo bom” de dona Telva. As noitadas na roça sim, abrem sorrisos e saudosismos. As lembranças de dona Telva remetem aos costumes de vida brejeira, sertaneja, à vida na ainda Vila Divinópolis, ou mesmo na região do Gavião, primeiros nomes de Umarizal.

“Eram quatro famílias de irmandade morando em volta do roçado. Quando era de noite se ajuntavam todos. Nem passava gente nem bicho, porque era tudo cercado. Certa vez, fi zemos um fogo do lado de fora. Botamos uma pa-nela. Aí fomos apanhar feijão maduro pra cozinhar. Ga-nhamos o roçado e não acertamos voltar. Mamãe sentiu falta pelo silêncio. Ela foi ao terreiro e viu uma lamparina, que era no gás. Estávamos num pé podado que tinha no terreiro da cozinha, com três carreiras de algodão. Mamãe nos achou ali. Depois do carão, botamos o feijão pra co-zinhar. Era tudo de bom. Nós passamos muita vida boa e muita vida ruim ali”, disse a senhora matriarca dos quatro netos e quatro tataranetos.

A bordadeira de 98 anosEtelvina Menezes tem 98 anos. Confecciona cobertas, varandas de rede, detalhes em retalhos, renda de almofadas ou o que a imagina-ção e o tempo lhe permitirem. Faz crochê também. “Faço e vendo”, ressalta. dona Telva, ou Telvinha, é como os umarizalenses a conhe-cem. Ela, na verdade, é quem os conhece. A idade, a memória e, sobretudo, a lucidez de “dona Telva”, atestam o fato.

Ela nasceu em 1908. Seus avós e bisavós também eram umarizalen-ses, os primeiros moradores da região. Dona Telva escava da parede da memória as lembranças da Umarizal de ontem, no início do sé-culo passado: “Só havia quatro ou cinco famílias: a de seu Porcino, de Joaquim Pinto e seu Manoel Alves. O velho Delmiro morava só, numa casa aqui perto. E tinha o velho Pachico, meu avô. O nome dele era José Francisco. A igreja era uma capelinha ainda. O centro

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Engenhoca de som em miniaturaUm cabo de bicicleta, um compensado, latas de refrigerante, dobradiças de plás-tico, zinco, massa e está feita uma réplica de carro de som com potência de 160 wats. A engenhoca, que costuma aglo-merar dezenas de pessoas, quando liga-do, foi idéia dos estudantes Misael Amo-rim, 16 anos, e Alexandro de Oliveira, 19 anos. Tudo começou com cortes de

papelão no formato do automóvel. Aos pou-cos os equipamentos eletrônicos foram sendo adaptados, montados e colados. “Aprendemos mexendo mesmo”, revela Misael. Os estudan-tes já montaram três miniaturas de carro de som. Um dos exemplares foi vendido para uma equipadora. “Vamos levar isso pra frente e tentar ganhar algum dinheiro com a idéia”, prevê o estudante.

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IRAC

EMA

MAC

EDO

A poesia como intensifi cação da vida

Por Tácito Costa e Carmen VasconcelosFotos: Anchieta Xavier

A poeta potiguar Iracema Macedo reside há quatro anos em Ouro Preto-MG. Doutora em Filoso-fi a, dá aulas na UFMG, em Belo Horizonte. Na década de 90, participou das coletâneas de poesia Vale Feliz (1991), Gravuras (1995) e Ceia das cinzas (1998), em parceria com os poetas Elí Celso e André Vesne, antes de estrear carreira solo com Lance de dardos (2000). Em 2004 lançou Invenção de Eurídi-ce. É autora das obras acadêmicas Idealismo e Amor fati na estética de Nietzsche e Nietzsche, Wagner e a época trágica dos gregos. Considerada uma das mais importantes poetas do Estado, ganhou os prêmios Othoniel Menezes, Myriam Coeli e Auta de Souza. Em dezembro último, como faz todos os anos, ela esteve em Natal, de férias. Em entrevista à Preá, que contou com a participação especial da poeta Carmen Vasconcelos, Iracema falou sobre sua formação poética; sobre a poesia feita no Rio Grande do Norte; a relação entre fi losofi a e poesia; entre linguagem e poesia; inspiração e técnica; enalteceu a poesia feita por mulheres norte-rio-grandenses (“Foi um acaso muito feliz que tivessem nascido aqui tantas mulheres especiais”) e diz que sua poesia celebra a estetização da existência. “Tento apresentar uma estetização da existência, na dor, na alegria, na intensidade, no amor, no desamor, enfi m, em todas as suas instâncias”.

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Preá – Quando e como a poesia entrou na sua vida?

Iracema Macedo – A poesia entrou na minha vida através dos cadernos poéticos que minha mãe fazia na adolescência, na juventude. Ela copiava sonetos de revis-tas e jornais. Quando eu tinha uns doze anos, tive acesso a esses cadernos. Foi ba-sicamente com os sonetos copiados com a letra da minha mãe, que eu comecei a ter contato com a poesia. A minha lem-brança é de ter feito meus dois primeiros poemas, em forma de sonetos – mas não sonetos bem feitos –, nessa época.

Preá – A sua casa tinha livros de poesia?

Iracema Macedo – Não. Tinha esse caderno, que foi fundamental, que me deu uma certa idéia do que era escrever um poema. Por outro lado, havia muitos livros de fi losofi a em casa, porque meu pai foi seminarista e estudou Filosofi a.

Preá – Quando você tomou a decisão de se tornar poeta?

Iracema Macedo – Com certeza não houve decisão, foi um acontecimento inevitável.

Preá – Em 1992, você com 22 anos de idade, ganhou dois dos principais prê-mios de poesia de Natal (Myriam Coeli e Othoniel Menezes). Isso teve alguma importância na sua vida?

Iracema Macedo – Muita. Foi um sentimento de reconhecimento, de saber que estava seguindo o caminho certo, de que tinha alguma coisa a dizer. Sem dúvida, esses prêmios nessa época foram um “batismo”, não um “batismo” social, mas pessoal, para que eu sentisse mesmo que era a isso que eu deveria me dedicar com toda força.

Preá – Naquela época você estava liga-da a algum grupo ou pessoas que faziam poesia?

Iracema Macedo – Era ligada ao Elí Celso, ao André Vesne, que tinha sido meu namorado quando fazíamos o cur-so de Filosofi a, e ao Boaventura Júnior. Nós lançamos em 1991 “Vale feliz”, nes-se movimento coletivo de quatro poetas. Foi um livro totalmente artesanal, a gente garimpou o papel, pedimos nas livrarias, e fi zemos o livro em cópias xerox, com apoio de alguns setores da universidade. Lançamos esse livro com esse apoio meio irreverente, contando também com a nossa irreverência à época.

Preá – Como você defi niria a poesia, se-gundo a poesia que você mesma faz?

Iracema Macedo – É muito difícil defi nir poesia. Nesse sentido eu vou pe-dir o apoio do meu fi lósofo predileto, Nietzsche, para quem a arte é a intensi-fi cação da vida. Então, se eu tivesse que dizer alguma coisa sobre poesia, sem dúvida diria que ela é intensifi cação da vida, no que ela tem de mais lindo e de mais terrível.

Preá – O poema é uma construção lin-güística pura? E pensando assim, o poe-ma como uma construção de linguagem, que tipo de sensação uma palavra produ-ziria no poeta? Uma palavra sozinha tece um poema?

Iracema Macedo – Muitas vezes uma simples palavra, num momento de leitu-ra ou de lembrança, é a célula que vai ge-rar o poema. Portanto, para mim, aquela palavra guarda um poema inteiro. Isso eu não tenho dúvida, não só uma pala-vra, mas também uma imagem, como por exemplo, o poema “Canção de amor para uma moça judia”, que foi gerado pelo retrato da Rosinha Palatnik, no ce-mitério do Alecrim. Apenas um retrato foi sufi ciente para me mover intensa-mente, fazendo com que eu criasse aque-

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le poema. Mas há também poemas feitos a partir de sonhos, pesadelos. Poderia citar uma palavra, “Carmen”, que resul-tou num poema, uma palavra que vem carregada de todo um signifi cado, por ser uma cigana, além do bem e do mal. Essa palavra, por exemplo, me gerou um poema, chamado “Rito de Carmem”. No título coloquei o nome de Carmen com “m” para dar a idéia de uma mu-lher mais real e diferenciá-la um pouco da cigana de Prosper Mérimée. Mas às vezes algumas palavras também precisam ser exiladas do poema. Isso faz parte do meu processo criativo. Tem o título de um poema, em “Invenção de Eurídice”, “Anúncio de Antiquário”, inspirado na visão que eu tenho quando saio de casa em Ouro Preto, a uns quinhentos me-tros de onde moro tem essa loja de An-tiguidades da família Toledo e eu a vejo e contemplo praticamente todos os dias. Então, não só a palavra, como a ima-gem e a cena geraram o poema inteiro. E tive a imensa alegria de ter esse poema musicado pela Valéria Oliveira, que está com um CD para ser gravado. Ou seja, de uma palavra, de uma imagem, nasce o poema e nasceu também uma música. Penso muito na idéia de que a criação não é solitária. É nítido para mim isso, a presença de múltiplas fi guras no que eu faço. Tudo pode ser irradiação de pessoas e coisas. Não se ama sozinha e não se faz poesia sozinha.

Preá – A inspiração é necessária para se fazer poesia?

Iracema Macedo – Eu não faço coro com os detratores da inspiração. Para mim, inspiração e técnica são, ambas, extremamente necessárias. Ou seja, apo-líneo e dionisíaco são duas formas do fa-zer poético, uma sendo a mais elaborada ou a mais pensada, a mais medida, que é a apolínea, e a forma dionisíaca, que seria a forma mais inspirada. Então, de

alguma maneira, pelo menos eu entendo assim, esses dois movimentos de inspira-ção e elaboração fazem parte do poema.

Preá – Então, nada de poema encomen-dado?

Iracema Macedo – Não sei fazer po-ema encomendado. Gostaria de saber. Não tenho nada contra, mas não sei fa-zer. Um dia, quem sabe...

Preá – Como você descreveria para o leitor o seu trabalho de carpintaria poética?

Iracema Macedo – Como eu já dis-se, não faço poesia sozinha. Faço poesia com os outros. Com todos que estão ao meu redor, com as pessoas com quem eu convivo, com as pessoas com quem eu tive experiências intensas, com as coisas que me cercam. As próprias coisas con-versam entre si e com o poeta. Eu diria que há vários co-autores do meu trabalho poético, pessoas que viveram comigo ri-tos, amores, sensações, que foram poéti-cas tanto no sentido do amor quanto no sentido da amizade, como no sentido da contemplação estética. Eu não me sinto uma solitária ao fazer poemas, porque acho que vários temas me foram ofereci-dos por pessoas muito queridas e muito importantes para mim. Vários poemas vieram dessas relações. O maior cúmpli-ce da minha vida e da minha poesia nos últimos onze anos é o Romã Fernandes ao lado de quem me permito tudo e que me inspira muito; ele abre muitas jane-las para mim. Faz com que eu aprenda a correr riscos.

Preá – Como você escolhe os títulos dos seus livros?

Iracema Macedo – “Lance de Dardos” eu devo a Nei Leandro de Castro, foi um

presente dele. Já “Invenção de Eurídice”, eu devo a Romã Fernandes e Nonato Gurgel, sendo que a capa deste livro é de Romã.

Preá – Você aceita críticas, sugestões, no processo de elaboração dos seus livros?

Iracema Macedo – Sou muito recepti-va a críticas e sugestões. Há três pessoas que eu concedo que mexam nos meus poemas. São elas: Romã Fernandes, No-nato Gurgel e a poeta Maria Dolores Wanderley. Essas três pessoas lêem meus poemas antes de serem publicados. E uma quarta pessoa, especial, é Nei Lean-dro de Castro, que teve acesso aos meus poemas e que eu respeito e ouço muito.

Preá – Quais os poetas que cabem den-tro da sua poesia?

Iracema Macedo – Se a gente for pen-sar em termos de quem me infl uenciou, inicialmente foi Adélia Prado, a ponto de no primeiro prêmio que eu participei, em que ganhei menção honrosa, Paulo de Tarso Correia de Melo {poeta} ter feito a seguinte observação: “É visível a infl uência de Adélia Prado, mas será que ela é tão inescapável assim? É preciso es-capar dessa infl uência”. Adélia Prado foi realmente um marco, no sentido de que ela esteve em Natal, quando eu tinha 17 anos, no projeto Encontro Marcado, e foi a partir desse momento, desse encontro, que comecei a produzir poesia de forma mais consciente. Eu ainda não tinha lido Adélia Prado. A partir daí, passei a pro-duzir poesia intensamente. Então, ela foi o meu momento inicial. Depois dela tive muitos outros encontros: Drummond, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Muri-lo Mendes, sobretudo poesia brasileira, incluindo aí a poesia feita por mulheres.

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Preá – Eu queria que você especifi cas-se que poesia é essa, que mulheres são essas?

Iracema Macedo – Começaria com Adélia Prado, Cecília Meireles, Ana C., Hilda Hilst e outras poetas de língua inglesa: Marianne Moore, Elizabeth Bishop, Sylvia Plath. Toda a literatura escrita por mulheres me interessou e me interessa até hoje.

Preá – Alguns críticos locais questio-nam a força da poesia feminina do Rio Grande do Norte. Como você vê isso?

Iracema Macedo – Sei que existe uma polêmica muito grande sobre isso. Eu acho que essas demarcações: literatura étnica, literatura negra, literatura políti-ca, literatura feminina são demarcações que resultam em facas de dois gumes. Por um lado elas estimulam uma refl e-xão sobre algo que está sendo produzido, mas por outro lado elas limitam muito. Eu respeito quem trabalha com esses conceitos. É importante trabalhar com isso, uma vez que se estimula alguma coisa. Mas não gostaria de ser reduzida, que se reduzisse o meu trabalho apenas à literatura feminina.

Preá – Você acha que existe uma super-valorização da poesia feminina feita no Rio Grande do Norte?

Iracema Macedo – Acho que existe e é muito merecida, porque temos mulheres excepcionais nesse Estado, não há como negar. Foi um acaso muito feliz que ti-vessem nascido aqui tantas mulheres es-peciais.

Preá – No cenário literário do Rio Grande do Norte quais autores você des-tacaria?

Iracema Macedo – Tenho profunda admiração pela produção poética do Rio Grande do Norte e, sem querer defender uma demarcação da literatura feminina, acho a sensibilidade das mulheres que es-crevem aqui um caso excepcional.

Preá – Dos poetas do Rio Grande do Norte com quem você tem ou teve uma relação mais próxima?

Iracema Macedo – Além da turma do “Vale Feliz”, eu tenho uma relação boa, desde os vinte e poucos anos de idade, com Paulo de Tarso Correia de Melo, depois tive contato com o pai de Eli Celso, Celso da Silveira, Luís Car-los Guimarães, Nei Leandro e Moacy Cirne e tenho contato também com o jovem escritor, Pablo Capistrano, que eu admiro muito. Eu não conheci Zila Mamede nem Myriam Coeli, mas co-nheci o Elí, que era fi lho da Myriam Coeli, então convivi com ela através do fi lho. Em relação a Zila, houve um epi-sódio bonito para mim. No dia que ela morreu, eu estudava na Aliança Fran-cesa e um professor chegou recitando um poema dela, que era a “Canção do Afogado”. Então estava repercutindo na cidade inteira a notícia da morte dela. Eu tinha uns 15, 16 anos de idade e este foi um momento de convivên-cia com ela, no momento da morte. A partir de então eu procurei conhe-cer a obra dela, porque eu era muito nova ainda e não conhecia. Das poetas atuais eu tenho uma convivência mais próxima e afetiva com Ana Paula de Oliveira e Maria Dolores Wanderley, das pessoas que vivem em Natal, com Carmen Vasconcelos e com Marize Castro, que fez um livro muito lindo esse ano {2005}, “Esperado Ouro”, é um livro que eu brindo como um dos mais belos dela.

Preá – Do que você gosta na poesia contemporânea brasileira?

Iracema Macedo – Hoje em dia o po-eta brasileiro vivo que eu mais admiro é Eucanaã Ferraz. A obra dele, que é um jovem poeta, me tocou intensamente.

Preá – O próprio Nietzsche escreveu poemas. Qual a sua relação com a poe-sia dele?

Iracema Macedo – Com os poemas eu tenho pouquíssima relação. Não te-nho nenhuma infl uência dos poemas de Nietzsche. Mas como os poemas expres-sam também o pensamento dele, aí sim a relação é visível. É inevitável que haja de alguma maneira uma presença dele em minha poesia.

Preá – Vários textos críticos sobre a sua obra ressaltam ou o lirismo ou o dese-jo e o erotismo. A sua poética, de certo modo, sempre foi a do desejo?

Iracema Macedo – Sobretudo no início, no despertar da sexualidade, foi muito a poética do desejo. Hoje eu tal-vez esteja fazendo uma poética menos desejante, mais ponderada, menos apai-xonada.

Preá – É possível observar nos seus livros uma evolução que a aproxima de mitos e deuses. Suas primeiras obras quase não têm referências a isso.

Iracema Macedo – Isso é plenamente verdadeiro. Houve um momento de de-sejo, não de desejo apenas em relação ao erotismo, mas um erotismo em sentido amplo, que você vê no primeiro livro, que desvela sensações muito importan-tes, com coisas simples, como cajueiros, caldeirões de alumínio, coisas que eu vivi quando descobri em 1991 a vila de Ponta Negra como cenário poético.

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Esses tipos de experiências estéticas e sensíveis estão muito presentes. Em “In-venção de Eurídice” há como que uma elaboração das experiências, que fi cam mascaradas, mais camufl adas, talvez mais apolíneas se a gente for pensar em termos nietzscheanos.

Preá – “Invenção de Eurídice” é tam-bém um livro importante, mas teve uma fortuna crítica menor que o “Lance de Dardos”. A que você atribui isso?

Iracema Macedo – Sem dúvida. Tal-vez a intensidade de paixão menor, que eu reconheço que é nítida em “Inven-ção de Eurídice” com relação a “Lance de Dardos”, que a meu ver é um livro intensamente apaixonado. “Invenção de Eurídice” é um livro mais sóbrio, mais pensado, mais mascarado, ou seja, essa presença de deuses e mitos, que você fala, na realidade foi uma maneira de fi ltrar experiências minhas, para não pa-recerem experiências tão biográfi cas, e parecerem experiências mais universais. Tentei transcender muito o pessoal em “Invenção de Eurídice” e talvez por isso ele não tenha comovido tanto as pessoas como “Lance de Dardos”. Mas isso é bem relativo, já ouvi muitos leitores dizerem que gostaram muito mais do segundo livro. Eu gosto dos dois, são dois fi lhos igualmente queridos, cada um com seu ritmo e sua diferença.

Preá – O professor e pesquisador de lite-ratura Nonato Gurgel diz que a sua poe-sia celebra uma estetização da existência. Você concorda com essa afi rmação?

Iracema Macedo – Plenamente. Tento apresentar uma estetização da existência, na dor, na alegria, na intensidade, no amor, no desamor, Enfi m, em todas as suas instâncias.

Preá – Por que você não usa ponto fi nal nos seus poemas?

Iracema Macedo – Nunca foi inten-cional, não foi uma proposta estética. Isso aconteceu a partir da coletânea cole-tiva lançada em 1995. Foi um movimen-to espontâneo, sem nenhuma pretensão. No entanto, eu acho que não é algo irre-levante deixar de colocar um ponto fi nal, faz sentido porque a poesia não tem um ponto fi nal.

Preá – Você hoje é considerada uma das poetas mais importantes do Rio Grande do Norte. Isso mexe, de alguma forma, com a sua vaidade?

Iracema Macedo – Vaidade todo mundo tem. Mas, no sentido mais pro-fano de vaidade, realmente essa é uma experiência que eu não consigo ter mui-to, não porque eu tenha fugido disso, ou tenha feito um movimento ou alguma coisa para fugir da vaidade. É porque as minhas sensações, minhas experiências de vida, toda a minha história, tanto pela minha educação familiar, sobretu-do pela minha educação familiar, nunca me levou para qualquer sentimento de vaidade profana. Eu considero a vaidade um sentimento afi rmativo, se ela é pro-dutiva, geradora, se não, é um sentimen-to que pode ser infrutífero e afastar as pessoas de você.

Preá – Quais autores você lê sempre?

Iracema Macedo – Sobretudo os au-tores brasileiros ou de língua portugue-sa. Não por nenhum nacionalismo, mas simplesmente pela questão da língua, por ser a língua em que escrevo. Como já disse um dos maiores poetas de língua portuguesa: “a pátria é minha língua”.

Preá – Como você vê o trabalho da crítica?

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Iracema Macedo – Eu não tenho do que me queixar da crítica, porque eu sei que tudo é muito difícil. Conseguir uma crítica, ser aceito como verdadeiro poe-ta, conseguir ser reconhecido, tudo isso é resultado de um trabalho muito grande. Nós estamos em um país em que a cul-tura, infelizmente, não é a prioridade, a gente sabe disso. Não tenho nem muita ilusão a respeito disso, nem muita decep-ção. Acho que nesse ponto a gente tem que ser realista.

Preá – O que é que sendo humano ain-da é capaz de lhe causar espanto?

Iracema Macedo – Se eu disser que não me espanto mais seria terrível, mas chegou um momento em que, apesar da curta vida que eu vivi, tem coisas que não me surpreendem, eu acho que tudo é possível. Acredito cada vez mais em milagres, surpresas e mistérios.

Preá – É possível ser feliz depois de per-dida a inocência?

Iracema Macedo – É sempre possível restaurar a inocência. Então, é possível ser feliz restaurando a inocência. Agora há muitas controvérsias sobre a noção de felicidade, sobre o que é realmente ser feliz. Sou sacerdotisa da alegria, mas não acredito em vida plena sem dor e sem saudade, por exemplo.

Preá – Há coisas existentes entre céu e terra que a Filosofi a não pressente. A poesia é capaz de pressentir?

Iracema Macedo – Eu vejo que a poesia consegue ir muito mais além da Filosofi a. A Literatura está intensamen-te mais à frente da Filosofi a nesse sen-tido, porque navega pelo território do inconsciente, do mistério, da escuridão. Mas ainda assim, a poesia não pode di-

zer tudo, uma vez que ela já é linguagem

e nem tudo no mundo é decifrável por

palavras. Há também um território in-

sondável, que nem a poesia consegue

pressentir.

Preá – Qual é o território da Filosofi a?

Iracema Macedo – O território da

Filosofi a, a meu ver, é o território do

sondável.Que pode ser pensado. O ter-

ritório da poesia é um território que vai

além do que pode ser pensado.

Preá – Como a Filosofi a entra na sua

poesia?

Iracema Macedo – A Filosofi a entra

na minha poesia da mesma forma que

todas as outras coisas entram, como ins-

piração. Eu diria que a poesia é uma pi-

tada essencial no meu trabalho fi losófi co.

Há muito mais poesia na fi losofi a que eu

faço do que, conscientemente, fi losofi a

na poesia que eu escrevo. Por exemplo,

na minha experiência de professora eu

sinto que estou tentando ser uma pro-

fessora poética também, é uma maneira

que eu tenho de conciliar as duas coisas.

Preá – Qual é a maior de todas as ar-

tes?

Iracema Macedo – Essa é uma respos-

ta que pode variar de tempos em tempos

na vida de cada um. Neste momento,

neste ano de 2005, para mim a maior

de todas as artes é a música. Em 2005

eu ouvi intensamente música, cheguei

ao êxtase musical. Esse ano me marcou

pela música. Então, em 2005 diria que

a arte mais importante foi a música, mas

talvez em outro momento, eu dissesse

outra coisa.

Preá – Em um mundo tomado por guerras, terrorismo, fome... ainda há lu-gar para a poesia neste mundo? Para que serve a poesia?

Iracema Macedo – Essa pergunta é feita para muitos poetas. Eu ouço essa pergunta, por exemplo, no documen-tário sobre Leminski. Ele respondeu: “Mas então para que serve o orgasmo?”. Eu ouvi essa pergunta sendo feita para Marina Colassanti e ela disse: “Eu não quero essa pergunta, essa pergunta é do-ente, é uma pergunta de uma sociedade doente”. Só sabe para que serve a poesia quem é poeta, quem lê poesia, quem ama poesia, quem escreve poesia. Ou seja, os leitores e os autores.

Preá – O verso ou a prosa?

Iracema Macedo – O verso é mais próximo de mim, eu não consigo me ex-primir em prosa como consigo em verso. Não digo que para todo mundo, mas para mim, inevitavelmente é o verso.

Preá – O que é necessário para ser po-eta? A pessoa já nasce poeta ou aprende a ser poeta?

Iracema Macedo – Comigo foram decisivos os cadernos da minha mãe, a coisa foi acontecendo, eu começando a escrever com doze anos. Mas, como uma criança com doze anos, pré-adolescente, pode dizer que escolheu? Não escolheu, aconteceu, veio. O caminho é pesado, alguma força se apodera de você. Ago-ra, depois que a força se apodera, então vamos lapidá-la. Claro, não acredito em espontaneidade. Há uma força que se apodera de você e você não pode mais fugir dela, porque ela tomou conta do seu ser e chega um momento de luci-dez, de maturidade que pode acontecer a cada um em idades diferentes; então é necessário lapidar essa força, essa energia

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que está tomando conta do seu corpo. Eu não teria receita nenhuma, assim como na minha vida não tenho receita nenhuma.

Preá – O mar ou a montanha?

Iracema Macedo – Eu saí de Natal há quatro anos, num movimento que foi li-teralmente uma fuga. Fugi do mar para a montanha e a montanha me acolheu. Digamos que vivi intensamente o mar, vivi a ponto de ter contato direto com o mar, praticamente todos os dias, um contato religioso. Chegou um momen-to em que precisei me afastar. Para falar em termos de metáfora, era como se o mar estivesse exigindo de mim mais do que eu poderia dar. Eu tinha que me salvar. Fui embora. E a montanha me acolheu. Agora, eu me sinto plenamente salva e posso voltar com toda tranqüili-dade. Então, eu fi co com os dois, o mar e a montanha. São duas plenitudes, duas fontes de força para mim, duas necessi-dades minhas.

Preá – Existe a possibilidade de você retor-nar a Natal? Isso está nos seus planos?

Iracema Macedo – Claro que sim. Mas é como diz Cazuza, “o seu futuro é du-vidoso”. O meu futuro é completamente duvidoso. Também aprendi a conviver com a dúvida, aliás, se eu não soubesse conviver com a dúvida não teria esco-lhido o caminho profi ssional da Filoso-fi a. Eu aceito a dúvida, convivo com a dúvida, quero a dúvida e eu vou conti-nuar com a dúvida como minha sombra e minha luz. Eu nunca planejei morar em Minas, foi algo assim meio que do des-tino. Se eu tiver de voltar, também será uma decisão do destino. Mas nenhuma cigana me disse nada até agora.

Preá – Você está produzindo algum novo livro?

Iracema Macedo – Estou vivendo um dos melhores momentos na minha vida profi ssional, vou lançar o livro “Nietzs-

che, Wagner e a época trágica dos gregos”, em 2006, pela editora Annablume e lan-cei um livro de poemas no ano passado. O próximo nascerá quando for o tempo dele. Estou passando por um momento de menos intensidade das paixões, estou muito cautelosa e eu não sou uma pessoa cerebral. Gostaria de ser, seria ótimo se eu fosse, mas eu não sou. Meu sonho é chegar a uma certa maturidade contem-plativa. Talvez eu chegue a essa maturi-dade algum dia. Tenho esse desejo. Por enquanto, preciso viver intensamente o que escrevo e de alguma maneira tive necessidade de uma racionalização das coisas que estavam acontecendo comigo. Não signifi ca que eu não vá me arriscar de novo, mas eu preciso estar no mo-mento propício, com âncoras, com segu-rança. Quando eu escrevi os poemas de “Lance de Dardos” eu não tinha as res-ponsabilidades que tenho hoje, eu estava literalmente numa vida muito “mansa”, sem muito trabalho, então eu pude vi-ver e escrever plenamente os poemas de “Lance de Dardos”. Hoje em dia, eu não posso viver certas coisas, que me inspi-rariam fortemente, porque simplesmente eu tenho que dar aula no outro dia, te-nho compromissos sérios no outro dia e por incrível que pareça, eu sinto na pele uma antinomia entre a vida séria e a vida poética. Pretendo superar isso e conciliar melhor os dois mundos, mas descobri que isso foi um confl ito até para o grande e fantástico Goethe, foi um confl ito tam-bém para Sylvia Plath, quanto mais para uma mera professora brasileira que preci-sa ganhar o pão com o suor do trabalho. Fazer um pacto com a poesia é fazer um pacto com o perigo. Platão que o diga. Os poetas são extremamente perigosos. Se algum poeta atravessar sua vida, tome muito cuidado. Eu, por exemplo, tenho que ter muito cuidado com uma certa poeta que vive dentro de mim.

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SÃO MIGUEL DO GOSTOSONa rota da expedição de Gaspar de Lemos

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David ClementeFotos: Anchieta Xavier

Localizado a 100 km de Natal, na “esquina do continente” onde, para a alegria dos praticantes de Windsurfe e Kite surfe, o vento faz a curva, São Mi-guel do Gostoso tem população estima-da pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE) em 8.600 pessoas.

Cada um o chama como prefere. Alguns de São Miguel, outros apenas de Gosto-so e no site do IBGE está a denominação de São Miguel de Touros. A última no-menclatura é dada porque Gostoso era distrito do município de Touros. Quan-do emancipou-se, há quase nove anos, a cidade adotou o apelido nada modesto e vem fazendo jus a ele. Sua população vive da pesca, agricultura e turismo.

O município também inscreveu o seu nome na História do Rio Grande do Norte para sempre. Foi lá, na Praia do Marco, que a expedição portuguesa de Gaspar de Lemos, em 1501, chantou o Marco Colonial do Brasil. Atualmente, o Marco está guardado no Forte dos Reis Magos, em Natal.

Mas, há quem tenha outra versão, bem diferente, para a história do Marco. O escritor norte-rio-grandense Lenine Pin-to, com base em pesquisas históricas, de-fende que foi em São Miguel do Gosto-so onde a frota de Pedro Álvares Cabral

primeiro chegou ao Brasil. Em seus dois últimos livros Ainda a questão do Descobrimento e Reinvenção do Descobrimento, afi r-ma ser impossível chegar ao Sul da Bahia em 40 dias navegan-do contra ventos e correntes marítimas. Municiado de provas, aponta que as armas do brasão português que estão talhadas no marco de pedra que serviu de altar à primeira missa, segundo a descrição de Caminha, são as mesmas que estão no marco em exposição na Fortaleza dos Reis Magos.

Os padrões, que são marcos trabalhados em pedra, foram criados por Diogo Cão em sua primeira viagem ao continente africano com a fi nalidade de substituir as cruzes de madeira. Lenine Pin-to revela em seus livros, que a costa norte do RN já era utilizada antes do descobrimento do Brasil como local de abastecimento dos navios que se destinavam à Índia – uma pista extra-ofi cial da presença portuguesa em terras brasileiras antes de 22 de abril de 1500.

A prova está na existência do marco talhado em pedra lioz, o mármore de Lisboa, tendo o primeiro terço a cruz da Ordem de Cristo, em relevo, e abaixo as armas do Rei de Portugal, original-mente chantado na divisa dos municípios de São Miguel e Pedra Grande. No livro Reinvenção do Descobrimento, Lenine defende que o Monte Pascoal que Cabral viu das caravelas, no litoral da Bahia, seria na verdade o pico do Cabugi, localizado entre os municípios de Lajes e Angicos, no Rio Grande do Norte.

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bastante. Mudou-se de João Câmara para Natal e já passou pelos Estados de Goiás e Rio de Janeiro. No último, fez um curso de arte culinária para registrar no seu currículo. Com novos convites para cozinhar, ainda passou pelo Uru-guai e pela Argentina. Em São Miguel do Gostoso ela chegou com o marido francês, Daniel Santiago, 57 anos, em procura de tranqüilidade. “Escolhi o pa-raíso para morar”, diz Fátima.

Tudo vira arte pelas mãos de Elvira ArtesãNa fachada da casa simples, uma placa pintada à mão anuncia que ali mora El-vira (Néri) Artesã. A ex-dona-de-casa de 40 anos de idade aprendeu a fazer seu artesanato no ano 2000. Segundo a ar-tista, natural de Gostoso, uma coopera-tiva chegou à cidade e formou um grupo de 17 alunos interessados em aprender aquela arte. Ela foi a única a persistir no aprendizado. Suas obras são quase todas produzidas a partir de materiais natu-rais, encontrados em Gostoso. Fibras de coqueiro e pequenas conchas do mar são os principais, que se transformam em bolsas, abajures e outras luminárias, cortinas e várias formas decorativas, que

“Escolhi o paraíso para morar”Numa casa com sete gatos adultos e cinco fi lhotes, dois cachorros, um coelho e mui-tas plantas, mora Maria de Fátima Adelino, 45 anos, mais conhecida como Fátima Artesã. Ela nasceu em João Câmara-RN, onde quando era criança, brincava de fazer panela de barro com sua avó. Tomou gosto pelo que suas mãos poderiam moldar e começou a produzir animais da sua região como burrinhos e vacas. Aos poucos a sua criatividade ganhou as mais variadas formas. Até os quadros que produz não são pintados, são esculpidos, estatuetas rodeadas por uma moldura.

No pequenino ateliê montado na varanda da sua casa, onde um dos gatos descansa-va despreocupadamente sobre a mesa de trabalho, se misturam as matérias-primas como cabaças, cuités, cordas, cocos e pedaços de chita. É lá que Fátima Artesã cria cerca de 50 peças por mês. “Tudo que faço é com amor”, afi rma. E vende, princi-palmente, de duas formas: como ambulante na praia de Ponta Negra, em Natal, e como exportadora, através da fi lha que mora na Itália.

Mas moldar não é a única habilidade que Fátima tem. Deixando a modéstia à parte, ela conta que cozinha muito bem e por causa dos seus dotes culinários já viajou

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Elvira põe à venda em lojas da própria cidade onde mora. Ela conta que em 2003 foi convidada para mostrar seu trabalho na França, numa feira de artesanato, mas preferiu mandar apenas as peças. Conversando com a artesã é fácil notar o quanto sua simplicidade é forte. Provavelmente o ingrediente principal para garantir o toque rústico à sua arte.

Sem enfado para tocar forróQuando nasceu, em 1945, o fi lho de Francisco Cândido recebeu o nome de José Cândido da Silva. Em pouco tempo ganhou o apeli-do de Dedé de Chico Cândido, como é mais conhecido. O apelido, que foi adotado como nome artístico, tem o adjetivo “cândido” por causa do nome próprio do pai. Mas já nos primeiros cinco minutos de conversa com Dedé, fi ca a impressão de que a palavra caracteri-za sua simplicidade e timidez.

O sanfoneiro, com 43 anos de música, economiza muito nas pala-vras para falar, mas para tocar sanfona não tem enfado. Seu primei-ro instrumento foi de 80 baixos, que ele comprou sem saber tocar, juntando seu sacrifi cado dinheiro ganho no roçado e na feira. Dedé

tinha 18 anos e diz que não teve professor: “O dom foi Deus quem me deu”, conta o sanfoneiro, que não sabe ler partituras e da língua portuguesa assina somente seu nome.

Para aprender a manusear o instrumento, Dedé usa a audição e a concentração. “Toco de ouvido”, conta ele, para explicar que primeiro escuta a melodia depois a reproduz com a sanfona. No comecinho de tudo, sua família era a principal platéia, depois estendeu para os amigos e diz que “agora a vergonha desapareceu mais”. Tanto que já tocou em Ponta Negra e aceita convites para tocar em festas. Entre as músicas preferidas pelo sanfoneiro estão os forrós de Luiz Gonzaga. Seu público sempre pede “as mais antigas”. E mesmo cândido como Dedé aparenta ser, se estiver com o domínio da sanfona, o forró se sobressai.

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A “ministra do lixo da ordem praieira”O que levaria uma pessoa a deixar seu país de origem, passar a morar numa cidade onde não conhecia ninguém e se envolver com os problemas do lugar para ajudar? A enfermeira Ana Ra-bul, 60 anos, suíça dos Alpes, descreve sua ação como cidadania. Ela está no Brasil há 16 anos e durante todo esse tempo mantém residência em São Miguel do Gostoso. Ela procurava um tra-balho de campo que envolvesse o lazer das pessoas e escolheu Gostoso porque era onde um irmão seu possuía uma casa.

Antes de morar defi nitivamente, fi cou cerca de oito meses co-nhecendo o local, a cultura, as doenças e como eram tratadas. Depois começou a prestar serviço que, por sinal, é celebrado por todos na cidade. Ela não precisou descrever o que fez para mudar a cultura de tratamento do lixo doméstico. Os próprios moradores, ao ouvirem o nome de Ana Rabul, começam a falar imediatamente o que ela ensinou.

O trabalho, que deu à enfermeira o título de “Ministra do Lixo da Ordem Praieira” começou quando Ana visitava casa por casa, abria o lixo e mostrava para os moradores como aquele depósito de restos poderia prejudicar a qualidade de vida. Aos poucos, a cidade aceitou seus conselhos. Hoje em dia é fácil de perceber isso, basta notar a grande quantidade de lixeiras que há espa-lhadas pelas ruas. As praias também são muito limpas e o bom aspecto da areia é graças aos mutirões de limpeza regulares.

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Mas não só na área de ecologia Ana contribuiu para a melhoria de São Mi-guel do Gostoso. Apesar de ser estrangeira, ela ajudou a estimular a pre-servação folclórica do lugar. Ana Rabul, Francisca Gomes Pinheiro - mais conhecida como Nenê - e Rubens de Oliveira sempre estiveram à frente da Associação Sociocultural e Desportiva Gostosense – ASDEG.

Os três começaram sozinhos abordando os moradores, buscando patrocínio e trabalhando para que a cultura de Gostoso não se resumisse a receber tu-ristas. Agora, a Associação tem apoio da prefeitura e de Organizações Não-Governamentais estrangeiras. O primeiro grupo que nasceu foi um Bumba-meu-boi. Assim como o Boi-de-reis, a ASDEG trabalha em favor de grupos de Pastoril, Capelinha, Papangus, Coco-de-roda, Capoeira, Futebol e da Banda de Música Cecília Gomes. Graças a esse trabalho, a cidade realiza em agosto uma Semana do Folclore.

O trabalho da ASDEG não só ajuda a preservar a cultura popular de São Miguel do Gostoso e movimentar o calendário cultural, como também inibe a violência no campo e incentiva a freqüência escolar. “Havia meni-nos que eram rebeldes. Agora são atletas. Ocupar o tempo livre com lazer é muito importante”, destaca Nenê. E não só as crianças são o público-alvo,

os adultos também. O grupo de Boi-de-reis é todo composto por adultos que estudam. Os integrantes do Boi-de-reis relatam que aprende-ram a tradicional dança ensinada pelos pais. O pescador Luiz Tenório, 64 anos, e o agricultor Eusébio Idalino, 75 anos, foram quem confec-cionaram a roupa do Bumba-meu-boi. Levaram cinco dias, se revezando, para montar o boneco. E falam com prazer sobre sua apresentação: “É só alegria, é bonito, agrada a quem assiste e faz bem ao coração”.

Apesar de os projetos estarem funcionando bem, seus idealizadores lamentam a falta de estrutura fi nanceira para os grupos, pois gostariam de ter ajuda que fi nanciasse instrutores. “O grupo de Boi-de-reis, por exemplo, é quase todo forma-do por idosos que estão fi cando cansados. Um instrutor ajudaria a formar um grupo de menor idade”, argumentam Ana, Nenê e Rubens. Para a banda, a ajuda poderia vir como investimento na aquisição e manutenção dos equipamentos. Bolsas de estudo para músicos que se destacas-sem também seriam bem-vindas. E por falar em destaque, na Banda de Música Cecília Gomes isso é comum. Sete dos seus alunos já tocam em bandas profi ssionais. Como é o caso de Maicon Nascimento, 17 anos, da Banda Arrocha o Nó e Welington França, 19 anos, que é membro da Banda Substância Zero.

Resgates da cultura e cidadania

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A música chega ao assentamentoConsiderando que os cidadãos gostosenses não estão apenas na cidade de São Mi-guel, mas também nos distritos e arredores, viajamos 12 quilômetros por uma es-trada de barro, com muita poeira, para chegar até ao assentamento Antônio Conse-lheiro. Era o 12º dia de fevereiro, domingo, e primeiro dia de aula de música para os jovens da comunidade. O encontro com os 32 alunos recém-inscritos é um exemplo do que faz o Projeto Manga Rosa de educação pela música, ligado à ASDEG.

O professor de música Gabriel Ribeiro, 47 anos, visitará o assentamento três vezes por mês, sempre nos fi ns de semana, para as aulas. Ele ensinará os jovens a tocarem violão, fl auta, percussão e canto em coral. Todos com instrumentos cedidos pelo projeto. “Dependendo do interesse de cada um, em três meses eles estarão aptos e em quatro anos estarão com o domínio do instrumento”, prevê Gabriel.

O professor também relata que em Tabua, distrito de São Miguel do Gostoso, o mesmo projeto tem bons resultados. A turma começou com 13 alunos, dos quais quatro já tocam de ouvido e ele começa a inserir partituras. O grupo já recebeu a visita do regente da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Minas Gerais, o maestro Eduardo Ribeiro.

Culinária ganha prêmios nacionaisTudo em São Miguel é gostoso. Os ha-bitantes poderiam ser gostosenses, mas se apresentam como “gostosos”. Lá tem mercadinho Hiper Gostoso, Farmácia Gostosa, Padaria Gostosa, Pousada do Gostoso e uma culinária deliciosa. A gastronomia de Gostoso é conhecida em todo o país, sobretudo por ter recebido seguidas vezes a estrela de indicação da revista Quatro Rodas.

O responsável pela estrela chama-se Leo-nardo Godoy Vasconcelos, 65 anos, “na-talense e potiguar papa-jerimum”, como ele mesmo diz. Morou na capital do Estado até seus 18 anos, onde estudou Engenharia Mecânica na Escola Técnica (antiga ETFRN, atual CEFET) e resol-veu “tentar a vida” na capital de São Pau-lo. Na terra da garoa ele fi cou por dois anos apenas. Voltou a subir o país nas férias e aportou em Salvador-BA, onde logo conseguiu uma proposta de empre-go como gerente de uma concessionária Ford. O prazo, que seria de 15 dias, du-

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rou nada menos que 28 anos. Período

esse em que ele concluiu a faculdade de

Engenharia Mecânica e montou seu pró-

prio negócio, a Motorphine.

A idéia inicial era que o empreendimen-

to comercializasse peças e equipamentos

para carros. Mas conheceu amigos pos-

suidores de barcos que, eventualmente,

pediam para fazer um reparo. Resistiu ao

mar por um tempo, mas quando se ren-

deu foi de vez: “Nunca havia velejado. Aí

um amigo me chamou para andar de bar-

co e eu comprei o barco no mesmo dia

do passeio”, conta Godoy, que aprendeu

a cozinhar depois de uma viagem maríti-

ma. O destino era a Europa, o caminho

era o mar e o meio de transporte era um veleiro.

A aventura de Leonardo Godoy durou três meses. Ele fazia parte da muito re-sumida tripulação que levou um ca-sal de holandeses para o outro lado do Atlântico. Nesse tempo, ele gastou sua inquietude testando receitas culinárias. “Não tinha restaurante na esquina e eu tinha que misturar as frutas e as sobras para fazer as refeições”. Dessas misturas surgiu o “Peixe à moda do pescador”, o “peixe com manga” e o premiado “arroz de polvo”.

Leonardo Godoy chegou a São Miguel do Gostoso em 1986, que na época ainda pertencia a Touros. Ele conta que

chegou pela beira mar de buggy, encan-tou-se com a enseada, comprou um lote do terreno e decidiu contruir a Pousada do Gostoso. Segundo Godoy, na época que ele se instalou em São Miguel do Gostoso não havia sequer onde comprar prego. Mas o esforço valeu a pena. De-pois de cinco anos a cozinha da Pousada foi descoberta pela revista Quatro Rodas e fi cou pelos seis anos seguintes receben-do a renovação do mérito.

Em 1998, Leonardo decidiu que era hora de mudar de ramo, pois buscava menos preocupações. Vendeu a Pousada e abriu um restaurante na beira da praia. Deco-rado com nós de marinheiro e considera-do um infl uenciador do cardápio local, o restaurante foi batizado de Brisa do Mar. Sua esposa Creuza Ribeiro, 34 anos, gos-tosense, o ajuda o cozinhar. Mas quando o prato chega à mesa qualquer um fi ca em dúvida se é melhor apreciar a vista do mar ou o sabor da refeição.

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O cachacista que recita Augusto dos AnjosAntes de chegar de fato à cidade de São Miguel do Gostoso, é preciso atenção para as atrações preliminares. As dunas, as lagoas que ladeiam a estrada, a vegetação quase virgem... Já na areia da costa, uma pedra enorme e imponente se destaca. É a chamada “Pedra do Cabaço”, que fi ca em frente a uma pousada de nome também sugestivo: Enseada dos Amores. Para explicar o porquê do nome da pedra, Michele Tinôco, a proprietária da pousada, explica educadamente que muitos amores nas-ceram naquela pedra. Mais uma boa razão para um monumento natural da praia de Gostoso.

Ao lado dali, uma placa convida para conhecer outro estabelecimento comercial. É a Urca do Tubarão. Poderia ser apenas mais um bar dentre muitos, com cadeiras de plástico e um som que tocasse qualquer música que seus clientes pedissem. Mas a Urca do Tubarão é uma cachaçaria absolutamente irreverente. A começar pelo proprietário Edson Oliveira, 40 anos, dono do título de “Ministro da Cachaça”. Ele já recebe seus clientes recitando poesias de Augusto dos Anjos e aos poucos apresenta cada um dos apetrechos decorativos do lugar. Tem a “bichada” que é

uma enxada com um cabo que se bifur-ca (semelhante à forma de estilingue) com metal nas duas pontas para arar a terra em dois lugares ao mesmo tempo. Há também a “cesta básica etílica” que é um caixote repleto de garrafas de ca-chaça antigas não abertas; o “martelo português” com um cabo e duas extre-midades vizinhas de metal. “Tem gente que quando vai martelar sempre bate no dedo primeiro e depois no prego. Com esse martelo dá para atingir os dois ao mesmo tempo. Ou seja, é mais prático”, explica Edson. Ele ainda apresenta mais criações: “tem bar que oferece carta de vinhos. Aqui nós não temos carta, nem e-mail de vinho e nem bilhete de vinho. Nós temos é mala direta”, fala apresen-tando uma antiga mala de madeira que ele usa como ade-ga.

Por toda a cachaçaria há peças engraça-das, curiosas e muitas antigas. Das quais apenas 20% foram compradas, o restan-te ele achou no lixo ou chegou como presente. A mais antiga é uma bala de canhão que ele comprou numa sucata

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por três reais. A geladeira que funciona a querosene “se for nova, tem 67 anos”, diz Edson. O “telefone portátil” é um aparelho tão antigo que não tem disco com os números e, quando funcionava, efetuava ligações por uma manivela. Do “baú de lançamentos” ele tira um vinil de Emilinha Borba e diz brincando que é a nova parceira musical de Sandy, depois mostra um disco de Nelson Ned dizen-do que é do tempo em que o cantor era pequeno. O detalhe é que na Urca do Tubarão só se toca vinil. “Uma vez veio um cliente pedindo para tocar Zezo. Eu disse que tocaria desde que fosse em vi-nil. Ele perguntou o que era vinil. Se ele não sabe o que é vinil, imagine música boa”, conta o inusitado empresário, que coleciona cerca de 1.200 discos. “Recebi de uma só vez uma encomenda de 40 kg de discos de música clássica”.

Quando se aproxima da pilha de barris que ele cuida com esmero, colhe um pouco de cachaça na concha da mão e esfrega no braço dele e de cada um de nossa equipe. “Espere secar”, pede. En-quanto isso explica os princípios para se identifi car e apreciar uma boa dose da bebida. Primeiro coloque-a num copo, aguarde fazer uma marca, preste atenção na cor, cheire fazendo movimentos cir-culares com o copo e deguste aos pou-cos. “Os dois princípios básicos são não ter pressa para fazer, nem para tomar. A

boa desce suave”. Quando o braço seca, a ordem é para cheirá-lo. Surpresa. Exala um cheiro bom de mel de rapadura e o braço não fi ca pegajoso.

O Ministro da Cachaça não produz a bebida que vende. Seu fornecedor é o engenho Olho D’água, que passa para a Urca do Tubarão o líquido recém-pre-parado. Com o conhecimento que Ed-son adquiriu quando cursava faculdade de Química, ele dá tratamento próprio à cachaça que posteriormente recebe o rótulo com o nome Urca do Tubarão. O bar que ainda completará seis anos já recebeu a visita de Luiz Carlos Prestes Filho e de um embaixador da Bulgária que elogiou dizendo que um lugar como aquele poderia ser indicado até para um rei. Também tem público fi el que sempre lota o estabelecimento em datas como o carnaval e o Dia da Poesia, 14 de março. Edson e sua esposa Lila tam-bém costumam organizar exposições de artistas plásticos, saraus e apresentações de cantores ao vivo. “Quando trazemos músicos, deixamos o cantor tocar letras de sua autoria ou o que ele gosta”, escla-rece Edson.

O nome do estabelecimento é Urca do Tubarão porque funcionaria nas redon-dezas da cidade de Macau. Mais precisa-mente no distrito de Diogo Lopes, onde existe um lugar com o mesmo nome. Mas São Miguel do Gostoso acabou re-

cebendo o empresário por ter, segundo ele, mais infra-estrutura, mais beleza e ser mais perto de Natal, onde seu fi lho Pedro Carvalho, 19 anos, cursa Admi-nistração na UFRN. Mesmo assim Edson não descarta a possibilidade de mudar-se. Nas previsões que ele faz, em dez anos Gostoso estará muito movi-mentado turisticamente e ele deseja mo-rar num lugar calmo. Seu plano é que seu fi lho Pedro fi que gerindo a Urca do Tubarão e ele possa abrir outro estabele-cimento onde haja calmaria.

Entre uma dose e outra, um verso de Augusto dos Anjos e outro, ele tem respostas para tudo. Quando oferece cachaça prefere que aceitem. Dizer que se está trabalhando é um bom motivo para ouvir: “aqui você está fora da área de serviço ou temporariamente desliga-do. Pode beber que aqui você não pega”. E quando questionado por que algumas garrafas do seu bar têm o pescoço torto, ele responde que “as garrafas não estão tortas, você é que já bebeu”.

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Ao contrário do que muitos imaginavam (eu, inclusive) existe vida inteligente e cultural na maioria dos municípios do RN. E foi a série de reportagens que a PREÁ fez desde a sua criação que me mostrou isso. Jamais a nossa equipe retornou de uma das viagens ao interior sem boas histórias para contar. Relatos de luta, resistência, e exemplares do que pode ser feito, muitas vezes contra tudo e todos. O que tenho observado é que não existe uma relação automática entre o tamanho ou a riqueza econô-mica do município e sua força cultu-ral. Aqui e ali municípios pequenos e jovens nos surpreendem. E outros, grandes, de que esperávamos muito, nos deixam frustrados. Por exemplo, eu jamais apostaria que Umarizal tivesse uma diversidade cultural tão grande, com atividades que vão do cordel ao rock, passando pelos qua-drinhos e quadrilha estilizada.

Quem morou no interior até o fi nal dos anos setenta, deve ter boas recordações dos circos que visitavam as cidades uma vez ou outra. Movido por essa nostalgia escrevi a reporta-gem sobre o Saturno. Foi legal cons-tatar que quase tudo continua igual. Eu ainda alcancei o palhaço de perna de pau que saía pela rua anunciando o espetáculo e os dramas encenados, duas atrações que não resistiram ao tempo. Infelizmente não guardei os

nomes desses circos que apareciam esporadicamente em Santana do Ma-tos, minha cidade. Mas, não tenho dúvidas, deviam ter nomes tão boni-tos e pomposos como Saturno.

Todos os anos, geralmente em dezembro, a poeta Iracema Macedo passa alguns dias de férias em Natal, revendo amigos e familiares. Saben-do disso, entrei em contato com ela, por e-mail, e marquei a entrevista desta edição, que contou com ajuda da também poeta Carmen Vasconce-los, nossa amiga comum. A entrevis-ta foi feita numa noite calorenta de dezembro na casa de Carmen e teve momentos bem descontraídos. Na entrevista o leitor fi ca conhecendo o pensamento e a trajetória da poe-ta, mas tenho dúvida se a entrevista passa a grandeza humana, ancorada na generosidade, humildade e no caráter, desta grande poeta potiguar. Na dúvida, fi ca o meu testemunho pessoal disso.

A reportagem sobre o “Pesso-al do Tarará” deveria ser publicada junto com a de Mossoró, na edição passada. Mas enfrentamos difi cul-dades devido ao volume de material produzido (o maior, entre os municí-pios, até agora) e decidimos guardar para esta edição.

Acertei com Elí Celso que pu-blicaria os poemas dele nesta edição porque saíram com erros no livro “15 Poetas do RN”, que reúne os poemas vencedores do Concurso de Poesia Luís Carlos Guimarães, da FJA, coordenado por mim. Ele ha-via sugerido uma errata, mas como a edição, de mil livros, já tinha sido quase toda distribuída, eu propus - e ele aceitou - publicar os poemas na PREÁ. Não foi a solução ideal, mas a possível, levando-se em conta as circunstâncias. Minhas desculpas, públicas, ao poeta.

Com o texto de Nei Leandro, iniciamos as homenagens aos 50 anos de publicação de Grande Sertão: Ve-redas, de Guimarães Rosa. Na minha opinião, o livro mais importante da literatura brasileira.

A PREÁ sofreu a sua primeira baixa desde que foi criada há três anos. O editor-assistente Gustavo Porpino, aprovado em concurso pú-blico, se mudou para Brasília, onde atuará como jornalista na Embrapa. Sobre a competência e profi ssiona-lismo de Gustavo, não falarei nada. Seria chover no molhado. As repor-tagens que ele escreveu ao longo dos últimos três anos falam por si, quem tiver alguma dúvida é só consultar todas as edições. Gostaria de ressal-tar e dá o meu testemunho sobre o caráter, honestidade e lealdade de Gustavo. Em três anos de convivên-cia diária, pude conhecê-lo melhor e desconheço qualquer ato dele que não seja ético e honrado. Foi uma convivência enriquecedora, baseada na honestidade de propósitos e ami-zade, que se foi consolidando com o tempo. Numa equipe pequena como a nossa, uma perda dessa dimensão, não deixa de abalar. Mas não pode-mos desanimar, as velas estão içadas e com ou sem vento é preciso ir em frente.

No lugar de Gustavo entrou Sérgio Vilar, em quem eu levo muita fé. Sérgio já vinha fazendo reporta-gens e artigos e acompanhou Gusta-vo em algumas viagens pelo interior do Estado. Tem a mesma índole boa do grande Gustavo. Boa sorte para ambos!

Até a próxima!

90 Jan/Fev 2006

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3 ANOS FAZENDO O RIOGRANDE DO NORTE MELHOR

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Prestando contas

Este encarte da PREÁ é um informativo das nossas ações à frente da Fundação José Augusto, nestes três anos do Governo Wilma de Faria. Seria uma injustiça negar que sem a decisão política da Governadora este trabalho não poderia ser mostrado.

Criação do Programa Casas de Cultura Popular, com 14 em funcionamento, 12 em obras avan-çadas e mais 14 que serão edifi cadas até o fi nal do ano. Num total de 40 Casas de Cultura, espa-lhadas pelo interior do Estado. Ação que não tem comparação nem similaridade com nenhum outro trabalho, na área de cultura, realizado por qualquer outro Governo, na História do Rio Grande do Norte.

Edição da Revista PREÁ, que por ela mesma já se divulga e se defi ne. Basta ler a quantidade e qualidade de cartas recebidas do Brasil e do exterior.

Recuperação dos equipamentos da Fortaleza dos Reis Magos, com ampliação do acesso e con-servação.

Devolução da Cidade da Criança às crianças de Natal, além do projeto de sua recuperação defi -nitiva.

Reestruturação da Orquestra Sinfônica e do Coral Canto do Povo, com abertura de concursos públicos.

Recuperação do Memorial Monsenhor Expedito, em São Paulo do Potengi; Restauração do Mu-seu do Capitão Antas, em Pedro Avelino; recuperação da Gráfi ca Manimbu, em Natal.

Consolidação do Projeto Seis e Meia e do Concurso de Poesia Luís Carlos Guimarães.

Realização do concurso nacional de arquitetura para escolha do projeto do Teatro de Natal.

Elaboração de projetos para reestruturação do Instituto de Música Waldemar de Almeida e do Caldeirão da Cultura, no prédio onde funciona a Penitenciária João Chaves, na Zona Norte de Natal.

Criação e edifi cação do Teatro de Cultura Popular, com espaços para ofi cinas e galerias.

Restauração do Teatro Alberto Maranhão; Restauração do Teatro Lauro Monte Filho, em Mos-soró, e Adjuto Dias, em Caicó; Restauração do prédio-sede da Fundação José Augusto, com a criação do Auditório Franco Jasiello, Galeria Newton Navarro e Espaço Cultural Odilon Ribeiro Coutinho. Reequipamento das salas, com condições dignas de trabalho para os servidores da casa. Praça Emmanuel Bezerra, Largo Jornalista Ubirajara Macedo e Praça do TCP Olavo de Medeiros Filho.

Não está tudo neste resumo. Você, caro leitor, verá mais no próprio encarte que esta PREÁ lhe oferece. Testemunhe o nosso trabalho e não permita que ele seja interrompido pelo medo da comparação, que é fi lhote da inveja.

Com o nosso abraço amigo,François Silvestre de Alencar

Presidente da Fundação José Augusto

O Rio Grande do Norte tá melhor

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- Criação do Programa Casas de Cultura Popular

- Edição da revista PREÁ

- Recuperação da Fortaleza dos Reis Magos

- Recuperação da Cidade da Criança

- Recuperação do Memorial Monsenhor Expedito, em São Paulo do Potengi

- Reestruturação da Orquestra Sinfônica e do Coral Canto do Povo, com realização de concursos públicos

- Recuperação do Centro de Formação Teatral

Casas de Cultura

O Governo do Estado, através da FJA, in-vestiu R$ 2 milhões 289 mil para construir treze Casas de Cultura Popular no interior do RN. Outras 27 serão entregues até o fi -nal do ano, num programa inédito e origi-nal de interiorização da cultura

Casa de Cultura Popular de Parelhas

Casa de Cultura Popular de Martins

Casa de Cultura Popular de Santa Cruz

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- Restauração do Museu do Capitão Antas, em Pedro Avelino

- Criação e edifi cação do Teatro de Cultura Popular

- Restauração do Teatro Alberto Maranhão

- Criação do programa de Auxílio Montagem Teatral

- Programa Ribeira das Artes

- Restauração do Teatro Lauro Monte Filho, em Mossoró

- Restauração do Teatro Adjuto Dias, em Caicó

Revis

ta P

reá

O Rio Grande do Norte tá melhor

Com circulação bimestral, tiragem de 5 mil exemplares, distribuída gratuitamente, e edição on line, a revista Preá leva a produ-ção cultural do RN para o Brasil e o mundo

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- Restauração do prédio da FJA, com a criação de Auditório; Galeria de Arte; Espaço Cultural; Praças e Largo

- Projeto Seis e Meia

- Semana de Cultura Popular

- Encontro do Teatro Nordestino

- Prêmio de Poesia Luís Carlos Guimarães

- Prêmio Nacional de Arquitetura para escolha do projeto do Teatro de Natal

- Edição dos livros “Poetas do RN”, com os poemas vencedores do Concurso de Poesia Luís Carlos Guimarães

Um Presentede Natal

Depois do sucesso na capital, o espetáculo Um Presente de Natal, realizado no mês de dezembro, foi levado a várias cidades do in-terior do Estado. O projeto é totalmente pro-duzido e encenado por artistas potiguares

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- Edição do livro “Fundação José Augusto – 40 Anos (1963-2003)”

- Apresentação da EDTAM (Escola de Danças do Teatro Alberto Maranhão) em Londrina-PR

- Edição do livro sobre os cem anos do Teatro Alberto Maranhão

- Co-edição, com a USP, do livro “Dicionário Crítico Câmara Cascudo”

- Apoio à Feira de Sebos

- Comemoração do centenário do Teatro Alberto Maranhão

- Elaboração de nova Lei de Cultura, com criação do Fundo de Cultura e a Lei Orgânica da Fundação José Augusto

FundaçãoJosé Augusto

A Fundação José Augusto foi restaurada e reequipada e ganhou o Auditório Franco Jasiello; Galeria Newton Navarro; Espaço Cultural Odilon Ribeiro Coutinho; Praça Emmanuel Bezerra; Largo Jornalista Ubi-rajara Macedo e Praça do TCP Olavo de Medeiros Filho

O Rio Grande do Norte tá melhor

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- Projeto de reestruturação do Instituto de Música Waldemar de Almeida

- Encontro de agentes das Casas de Cultura Popular

- Criação do site da Fundação José Augusto

- Projeto de criação do “Caldeirão da Cultura”, na Penitenciária João Chaves, Zona Norte de Natal

- Apoio, com recursos fi nanceiros, para gravação de CDs, edições de livros, shows e exposições

- Interiorização do projeto “Um Presente de Natal”, que também chegou à Zona Norte

- Lei de Incentivo à Cultura Luís da Câmara Cascudo, que destinou 12 milhões para o setor cultural

Teatro de Cultura Popular

Presidente da FJA François Silvestre e a governadora Wilma de Faria inauguram o novo teatro

Natal, depois de décadas, ganhou um novo teatro. O TCP tem 680 metros quadrados de área construída, capaci-dade para 200 lugares sentados e custou 400 mil reais

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- Realização dos seguintes seminários, através do Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza: “Bom-dia Café” (sobre o Presidente da República Café Filho); “Bom-dia Padre João Maria”; e “1935 setenta anos depois”

- Projetos aprovados, no valor de R$ 512 mil, junto ao MINC, para preservar e equipar os museus do RN

- Realização do Dia Internacional do Museu; Encontro do Museu Potiguar; Fórum Museu Potiguar

- Reativação do Sistema Estadual de Bibliotecas

- Realização da Conferência Estadual de Cultura

- Projeto aprovado de criação, em 2006, de 14 bibliotecas públicas no interior do Estado

Fortaleza dos Reis

Magos

O mais antigo e importante monumento histórico e arquitetônico do Rio Grande do Norte, a Fortaleza dos Reis Magos, passou por reforma que custou R$ 600 mil. Foram construídos boxes para artesanato e o esta-cionamento foi ampliado

O Rio Grande do Norte tá melhor

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Concurso de Poesia

Orquestra Sinfônica

Cidade da Criança

Sinfônica fez excursão, inédita, pelo interior do Estado, e no ano passado iniciou reestruturação, com realização de concurso para contratação de novos componentes

Concurso revelou novos valores da poesia potiguar, como Karina Gra-ce (foto), além de oferecer prêmios em dinheiro e publicar livro com os poemas dos vencedores

Cidade da Criança foi totalmente restaurada, ganhou novos brinquedos, um circo cultural e manutenção permanente

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3 ANOS FAZENDO O RIOGRANDE DO NORTE MELHOR