REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

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FÓRUM NACIONAL DE PSICOLOGIA REVISTA PSICOLOGIA PARA Nº 1 I FEVEREIRO 2021 PSICÓLOGOS

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FÓRUM NACIONAL DE PSICOLOGIA

REVISTAPSICOLOGIA PARA

Nº 1 I FEVEREIRO 2021

PSICÓLOGOS

Page 2: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

Título: Revista Psicologia para Psicólogos

Edição / Proprietário:Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP)

Conselho Editorial: Carla Cunha, Joaquim Armando Ferreira, Rute Brites e Saúl Neves de Jesus (Coordenador)

Conselho Científico: Membros do Fórum Nacional de Psicologia

Composição e grafismo: Sara Pedroso

ISSN: 978-989-54623-9-1Depósito legal: 480442/21

FICHA TÉCNICA

Nota Editorial (Saúl de Jesus)

Índice3

Relação entre os fatores destresse económico e a saúde mental: O papel moderador do coping proativo e do suportesocial (João Viseu, Saúl de Jesus e Rafaela Matavelli)

4

Cyberbullying e Bullying: Impacto nos sintomas psicológicos e no bem-estar(Marina Carvalho, Cátia Branquinho e Margarida Gaspar de Matos)

Ecossistemas de Aprendizagem e Bem-Estar: Fatores que influenciam o Sucesso Escolar (Tania Gaspar, Gina Tomé, Lúcia Ramiro, Adriano Almeida e Margarida Gaspar de Matos)

Marcadores narrativos da mudança em psicoterapia: Os momentos de inovação(Divo Faustino, João Tiago Oliveira, João Batista, Cátia Braga e Miguel M. Gonçalves)

Sobrecarga dos cuidadores informais de pessoas com demência: Intervenções psicológicas para cuidar de quem cuida(Rute Brites, Odete Nunes, João Hipólito, Tânia Brandão e Francisco Moniz Pereira)

Relação entre dependência da Internet e autoestima: Compreender e desmistificar(Liliana Seabra, Manuel Loureiro, Henrique Pereira, Samuel Monteiro, Rosa Marina Afonso, Graça Esgalhado)

AUTORES e REVISORES

Normas para a Submissão de Artigos

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NOTA EDITORIALAtualmente são publicados muitos artigos científicos no domínio da Psicologia, em revistas científicas de elevado prestigio internacional.

No entanto, em geral, os Psicólogos não têm conhecimen-to destas publicações, ou então consideram que estas têm pouca relevância para a sua prática profissional, pois são escritas numa linguagem pouco acessível para quem exerce prática psicológica.

Conforme foi lembrado através da Resolução do Conselho de Ministros publicada no Diário da República n.º 70/2016, Série I, de 11-04-2016, “o conhecimento científico constitui um bem de maior grandeza, um bem público, pertença de todos, acessível a todos e que a todos deve beneficiar. (...) O conhecimento é de todos e para todos.”

A Revista Psicologia para Psicólogos pretende ser uma publi-cação de frequência anual, em formato online, de divulgação das implicações para a prática profissional de resultados de investigações realizadas no âmbito da Psicologia, validadas pela comunidade científica.

De forma a garantir esta validade, os resultados dessas investigações devem ter sido já apresentados em artigos publicados em revistas indexadas na Scopus ou na Web of Science.Para publicação na Revista Psicologia para Psicólogos, o(s) autor(es) desses artigos deverão reescrever o seu conteúdo em português, de forma sintética e focando-se nas impli-cações práticas das investigações realizadas.

Os artigos devem ser validados por um Psicólogo membro da OPP que poderá desenvolver um comentário em que com-plementa e acentua a utilidade prática do artigo submetido.

Esta proposta não se sobrepõe às outras duas revistas da OPP, a revista The Psychologist: Practice & Research Jour-nal, que pretende publicar artigos de divulgação científica em inglês, e a revista PSIS, que tem um caráter de divul-gação de informações sobre a Psicologia em Portugal.

Desta forma, a Revista Psicologia para Psicólogos é comple-mentar às revistas existentes e vem preencher uma lacuna ao nível das publicações existentes para os Psicólogos que estão a exercer nas mais diversas áreas da Psicologia.

Esta Revista era um projeto que já tinha sido perspetivado no âmbito da “Comissão para a Cooperação com o Ensino Superior e a Investigação em Psicologia” (CCESIP), entidade que antecedeu a criação do Fórum Nacional de Psicologia, pelo que é com grande satisfação que lançamos este primei-ro número.

Neste primeiro número são publicados artigos em que são

coautores membros do Fórum Nacional de Psicologia.

Este Fórum integra representantes propostos por todas as Instituições de Ensino Superior portuguesas em que existe formação de base e pós-graduada em Psicologia, pretend-endo reforçar a cooperação entre a OPP e estas instituições.

No Compromisso de Cooperação assinado pelas instituições é explicitado o objetivo de “criação de uma estrutura per-manente, onde se reúnam contribuições em matéria de in-teresse científico e profissional para a prática da psicologia, regulação da profissão e promoção do conhecimento científ-ico, tendo sempre presente a necessidade de envolvimento de todas as áreas da ciência psicológica e da sua aplicação.”Sendo constituído por representantes das IES, onde se en-contram a maior parte dos autores das investigações real-izadas no âmbito da Psicologia em Portugal, quisemos dar este contributo no primeiro número desta Revista e consti-tuir exemplo para os artigos que venham a ser publicados no futuro.

Queremos agradecer em primeiro lugar à Direção da OPP, na pessoa do seu Bastonário, Francisco Rodrigues, por ter acreditado nesta ideia.

De forma muito especial, um agradecimento aos autores dos artigos publicados neste número, bem como aos Psicólogos revisores dos mesmos.

Um agradecimento também a todos os colegas membros do Fórum Nacional de Psicologia, que constituem o Conselho Científico desta Revista, em particular aos colegas Carla Cunha, Joaquim Armando Ferreira e Rute Brites Lopes Dias que constituem o Conselho Editorial.

Esperamos que, a partir de agora, outros colegas, em par-ticular das Instituições de Ensino Superior e dos Centros de Investigação, que têm realizado investigações reconhecidas pelos pares, pois encontram-se publicadas em revistas de prestígio internacional, contribuam com artigos em que sin-tetizam os principais resultados e implicações práticas obti-das nessas investigações, tornando o conhecimento científi-co útil para quem exerce prática psicológica.

Este é o principal objetivo da publicação desta Revista Psic-ologia para Psicólogos e desejamos que este seja o primeiro de muitos números desta Revista!

Saúl Neves de Jesus(Professor Catedrático de Psicologia; Coordenador da Mesado Fórum Nacional de Psicologia; Coordenador do Conselho Editorial da Revista Psicologia para Psicólogos)

3NOTA EDITORIAL

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Relação entre os fatores de stresse económico e a saúde mental: O papel moderador do coping proativo e do suporte social

João Nuno Viseu1 2

Saúl Neves de Jesus1 2

Rafaela Matavelli3

PALAVRAS-CHAVE:COPING PROATIVO, SAÚDE MENTAL, STRESSE ECONÓMICO, SUPORTE SOCIAL.

STRESSE ECONÓMICO E A SAÚDE MENTAL4

1 FCHS, Universidade do Algarve2 Centro de Investigação em Turismo, Sustentabilidade e Bem-Estar (CinTurs)3 Afiliação Institucional: Faculdades ESUCRI (Brasil)

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Relação entre os fatores de stresse económico e a saúde mental: O papel moderador do coping proativo e do suporte social

RESUMO A crise financeira de 2011 teve um efeito negativo na economia de vários países, incluindo Portugal. Durante uma crise observa-se um agravamento da situação económica dos indivíduos, o que pode le-var ao surgimento de problemas de saúde mental (e.g., stresse, ansiedade e de-pressão). Assim, é fulcral compreender que mecanismos (e.g., coping proativo e suporte social) intervém na relação entre os fatores de stresse económico e os in-dicadores de saúde mental, com o objetivo de mitigar esta relação.

Entre 2011 e 2014 Portugal enfrentou uma crise finan-ceira, devido a uma elevada dívida soberana, a proble-mas no sistema bancário e à falta de competitividade da economia. Esta situação levou a um pedido de assistência a três instituições, Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que implementa-ram um programa destinado a impulsionar a economia. Neste período aumentou o número de falências e a taxa de desemprego, principalmente em jovens. As conse-quências dos períodos de instabilidade económica são o incremento da insegurança laboral e das dificuldades económicas e o decréscimo dos salários e da assistên-cia social. A conjugação destes fatores levou a um au-mento da incidência dos problemas de saúde mental. Deste modo, procurou-se compreender como se rela-cionam os fatores de stresse económico (ameaça finan-ceira, dificuldades económicas e bem-estar financeiro) e três indicadores de saúde mental (stresse, ansiedade e depressão). A ameaça financeira diz respeito à perceção que um indivíduo possui relativamente à sua situação fi-nanceira. Por sua vez, as dificuldades económicas refer-em-se aos cortes na despesa, realizados por indivíduos e famílias, num contexto económico adverso. Por fim, o bem-estar financeiro é uma avaliação global, positiva ou negativa, sobre a situação económica. Foi recolhida uma amostra de 729 indivíduos, 66.1% do sexo feminino e 33.9% do sexo masculino, com uma média de idades

de 37 anos (M=36.99; DP=12.81). A maioria dos par-ticipantes (51.9%) era casado(a) ou vivia em união de facto, estava empregado (79.3%), tinha um rendimen-to mensal bruto médio de cerca de 1254€ (M=1254.36; DP=1758.45; Md=980) e apresentava um gasto mensal médio de 813€ (M=813.52; DP=683.12; Md=600).

Na maioria das situações, excetuando a associação en-tre o bem-estar financeiro e o stresse, observou-se que os fatores de stresse económico estavam positivamente relacionados com os problemas de saúde mental. Face a esta situação surgiu a necessidade de compreender que mecanismos existem para mitigar esta relação e pro-mover o bem-estar. Esses mecanismos, leia-se variáveis moderadoras, permitem atenuar o efeito do stresse económico, funcionando como um fator protetor. Foram propostas duas variáveis moderadoras, coping proativo e suporte social. O coping proativo é um tipo de cop-ing onde os indivíduos agregam, ao longo do tempo, um conjunto de recursos que lhes permitem enfrentar uma situação adversa. Por exemplo, uma pessoa antecipa o surgimento de uma situação económica difícil e acu-mula recursos para a enfrentar. Em consequência, na presença de dificuldades, ela estará preparada para lidar com elas. Por sua vez, o suporte social refere-se à ajuda emocional, informação recebida para enfrentar um prob-lema e apoio prático, da família, dos amigos, entre outras figuras significativas, para fazer face a contrariedades.

Os participantes foram divididos em dois grupos, alto cop-ing (valores superiores à média) e baixo coping (valores iguais ou inferiores à média). Os indivíduos com baixo coping estavam mais vulneráveis ao stresse económi-co. O efeito moderador foi evidente nas relações entre

5STRESSE ECONÓMICO E A SAÚDE MENTAL

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as dificuldades económicas e o stresse, a ansie-dade e a depressão. No caso do suporte social compararam-se dois grupos, sem e com suporte social. No global, excetuando as relações que o bem-estar financeiro estabelece com o stresse, a ansiedade e a depressão, verificou-se que o suporte social enfraqueceu a associação que o stresse económico estabelece com o stresse, a ansiedade e a depressão. A última análise testou o efeito moderador conjunto do coping proativo e do suporte social na relação entre a ameaça financeira, fator de stresse económico, e a saúde mental. Registou-se que o coping proativo mo-derou a relação entre a ameaça financeira e a depressão. O suporte social, individualmente ou combinado com o coping proativo, não moder-ou nenhuma das associações testadas. Estes resultados salientam a importância de dotar os indivíduos das competências necessárias para identificar situações de ameaça e para implemen-tar estratégias para as enfrentar. Por sua vez, é necessário aumentar a consciencialização sobre a importância das redes de suporte, dado que podem servir para diminuir o mal-estar e pro-mover um funcionamento psicológico adequado. O suporte também pode ser fomentado pelo esta-do social, pela comunidade e pelos profissionais de saúde. Por exemplo, podem ser desenvolvidos e implementados programas de ajuda à procu-ra de emprego, para pessoas desempregadas ou em situação de insegurança laboral. Os serviços de saúde devem ser reforçados com psicólogos,

...é necessário aumentar a conscienciaLização sobre a importância das redes de suporte social

para apoiar e aconselhar os indivíduos que estão em situação de maior risco financeiro e de saúde mental. Estes profissionais podem criar grupos de apoio, onde se desenvolvem estratégias de suporte emocional e informacional, e que podem servir, igualmente, para que os elementos do grupo troquem experiências entre si sobre como enfrentar situações adversas.

Referência(s) bibliográfica(s) base do artigoJesus, S. N., Leal, A., Viseu, J., Valle, P., Matavelli, R., Pereira, J., & Greenglass, E. (2016). Coping as a moderator of the in-fluence of economic stressors on psychological health. Análise Psicológica, 34(4), 365-376. https://doi.org/10.4417/ap.1122

Viseu, J., Jesus, S. N., Leal, A., Pinto, P., Ayala-Nunes, L., & Matavelli, R. (2019). Coping and social support as moderators: Relationship between financial threat and negative psycholog-ical outcomes. Current Psychology, 1-13. https://doi.org/10.1007/s12144-019-0157-z

Viseu, J., Leal, A., Jesus, S. N., Pinto, P., Pechorro, P., & Greenglass, E. (2018). Relationship between economic stress factors and stress, anxiety, and depression: Moderating role of social support. Psychiatry Research, 268, 102-107. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2018.07.008

STRESSE ECONÓMICO E A SAÚDE MENTAL6

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RevisorAdriana Sofia Correia, Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta; Doutoranda em Psicologia da Universidade do Algarve

Comentário do revisorConsidero o estudo apresentado de extrema relevância no contributo para a prática profissional dos psicólogos portugueses, não só pela condição de crise económica e financeira que a população portuguesa tem vivenciado na última década, mas principalmente por manter a atualidade do tema, em plena pandemia pelo Covid-19. Neste contexto, no qual assistimos a uma profunda crise económica de muitas famílias, que perderam os seus empregos, torna-se fundamental compreender quais são as consequências do stress económico ao nível da saúde mental, bem como os processos de coping proativo que podem ser desenvolvidos e trabalhados na prática clínica para melhorar o bem-estar e diminuir a condição de stress, depressão e ansiedade. Da mes-ma forma, o estudo do papel do suporte social é por demais pertinente, uma vez que se apresenta como um forte fator protetor em contexto de stress económico, e se encontra neste momento extremamente comprometido, quando deve ser responsavelmente promovido.

7STRESSE ECONÓMICO E A SAÚDE MENTAL

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CYBERBULLYING E BULLYING8

PALAVRAS-CHAVE:CIBERBULLYING; BULLYING; SINTOMAS EMOCIONAIS, BEM-ESTAR; ADOLESCENTES

Marina Carvalho4

Cátia Branquinho5 Margarida Gaspar de Matos5

4 ISMAT; CHUA; ISAMB5 FMH e ISAMB, Universidade de Lisboa

Cyberbullying e Bullying: Impacto nos sintomas psicológicos e no bem-estar

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9CYBERBULLYING E BULLYING

RESUMO O presente estudo teve como objetivo principal a análise da associação entre o envolvimento em situações de bullying e em situações de ciberbullying bem como o estudo da relação entre os diferentes contextos de violên-cia entre pares com um conjunto de variáveis psicológicas e contextuais na amostra do es-tudo internacional “Health Behavior in School Aged-Children”, composta por 6026 adoles-centes de ambos os sexos (47.7% rapazes e 52.3% raparigas), com idades entre os 10 e os 19 anos.

Apresentam-se os aspetos chave dos resultados obtidos, a par das suas implicações para a prática profissional no âmbito do desenvolvimento e im-plementação de ações e programas de prevenção e/ou intervenção em situações de bullying e ci-berbullying:

Cerca de metade dos jovens avaliados relatam não estar envolvidos em situações de bullying e ciberbullying;

Existe uma relação entre o envolvimento em situações de bullying tradicional e o envolvimento em situações de ciberbullying que deve ser con-siderada no desenvolvimento e implementação de programas de prevenção e intervenção;

O envolvimento em situações de bullying e ci-berbullying no papel de vítima e agressor parece replicar-se independentemente do contexto. Sen-do expectável, pela literatura existente, que os es-tilos de relacionamento interpessoal mantenham um padrão, estes resultados parecem evidenciar que os jovens envolvidos em simultâneo em sit-uações de bullying e ciberbullying desempenham no mundo virtual papéis semelhantes aos papéis desempenhados na vida real;

A ausência de uma distinção clara, em função do género, no caso do envolvimento em situações de ciberbullying parece evidenciar uma maior participação das raparigas como agressoras ou vítimas provocadoras e representa um aspeto a considerar nas intervenções a desenvolver;

No envolvimento no bullying tradicional, os adolescentes assumem com maior frequência o papel de agressores e os pré-adolescentes as-sumem com maior frequência o papel de vítimas provocadoras. Apesar de não ser possível, pelo caráter transversal do estudo, afirmar que esta diferença é devida à progressão na idade/desen-volvimento, estes resultados demonstram que os programas a implementar devem ter estas difer-enças em consideração;

O contexto (bullying tradicional, ciberbullying ou combinado) apresenta um impacto diferen-ciado, existindo fatores comuns a ambos os con-textos e fatores específicos que os diferenciam. Ainda que o envolvimento em apenas uma forma de bullying apresente um impacto relevante so-bre o funcionamento dos jovens, o envolvimento combinado apresenta um impacto ainda mais sig-nificativo em termos do consumo de substâncias (tabaco, álcool, drogas), sintomas emocionais (medo, tristeza, rejeição), relações de amizade e violência física;

Os jovens sem qualquer tipo de envolvimento em situações de bullying e ciberbullying relatam mais fatores protetores a nível social. No entanto, também os jovens envolvidos em situações de ci-berbullying relatam uma maior ajuda e aceitação por parte dos amigos, o que pode estar relacio-nado com as suas caraterísticas de popularidade, dispondo de competências socio-emocionais, mas não as utilizando da forma mais adequada na regulação dos seus próprios estados emocio-nais.

Apesar da natureza representativa da amostra, pelo facto de se tratar de um estudo transversal, são ainda necessárias mais evidências acerca dos efeitos do envolvimento em ambos os con-textos, em particular no que respeita à análise longitudinal da estabilidade dos padrões de en-volvimento e do seu impacto no funcionamento psicológico. É, ainda, necessário analisar o papel e o impacto da exposição às situações de bullying e ciberbullying por parte dos observadores.

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Sendo ainda poucos os estudos que analisaram a associação entre am-bas as formas de bullying e o seu impacto no funcionamento, estes resultados levantam questões cuja relevância deve ser refletida, no âmbito dos objetivos e metodologias de implementação das intervenções, de caráter preventivo e/ou inter-ventivo. Qual o impacto das inter-venções desenvolvidas em contexto escolar sobre o envolvimento em situações de ciberbullying? Qual o impacto destas diferenças demográ-ficas nas trajetórias da violência na vida real e online? Como envolver

CYBERBULLYING E BULLYING10

os jovens na participação social de forma a prevenir ambas as formas de bullying e a promover relações interpessoais mais saudáveis?

Não sendo um fenómeno novo, a progressão das situações de bully-ing para o ciberbullying parece ser semelhante à progressão de formas de violência e o envolvimento no ciberbullying oferece novas possib-ilidades, particularmente relevantes em tempos de pandemia, dada a maior necessidade de utilização das tecnologias para a manutenção das

relações interpessoais.

O desenvolvimento de políticas pú-blicas e planos de ação, tendo em consideração o contexto escolar e o contexto familiar afigura-se da maior urgência. Dado o impacto na saúde e no bem-estar dos jovens, as ações a desenvolver devem con-siderar a necessidade de formação e envolvimento de pais, professores e outros agentes educativos para a identificação precoce e sinalização destas situações. O desenvolvimen-to de programas de prevenção e pro-

...programas de prevenção e promoção da saúde mental devem valorizar o envolvimento ativo dos próprios jovens

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11CYBERBULLYING E BULLYING

RevisorTeresa Paula MarquesExternato João Alberto Faria

Referência(s) bibliográfica(s) base do artigo Carvalho, M., Branquinho, C. & de Matos, M.G. (2021). Cyberbullying and Bullying: Impact on Psy-chological Symptoms and Well-Being. Child Indica-tors Research, 14, 435–452. https://doi.org/10.1007/s12187-020-09756-2

Comentário do revisorAs tecnologias são agora mais utilizadas por força da pandemia de COVID-19, o que veio acompanhado por um acréscimo de casos de agressividade online. É inegável que vivemos num mundo cada vez mais híbrido, onde as fronteiras entre o online e o offline tendem a esbater-se. Nesse sentido é de extrema importância que se explorem as relações entre comportamentos que surgem no face-a-face (bullying) e no digital (ciberbullying), tendo em conta que este último assume uma maior dimensão e tem repercussões psicológicas bastante mais destrutivas. A evidência de que o envolvimento dos jovens em ambos os tipos de bullying tem um impacto relevante a vários níveis, desde o consumo de substâncias, aos sintomas emocionais, passando pelas relações de amizade e violência física, é um dado a ter em conta, dada a existência do já referido continuum dos comportamentos offline para o online. Assim sendo, os resultados apresentados são uma mais valia no que respeita à prevenção e intervenção nos dois ambientes, visto que reforçam a ideia de que urge trabalhar as emoções, de modo a podermos formar bons cidadãos e assim travarmos o crescimento destes fenómenos.

moção da saúde mental deve valorizar o envolvimen-to ativo dos próprios jovens, através da identificação dos fatores de risco e vulnerabilidade e da implemen-tação de estratégias de prevenção, baseadas em evi-dências, com vista ao aumento da consciencialização para o fenómeno e um estímulo à tolerância zero.

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Ecossistemas de Aprendizagem e Bem-Estar: Fatores que influenciam o Sucesso Escolar

Tania Gaspar6

Gina Tomé6

Lúcia Ramiro6 Adriano Almeida6 Margarida Gaspar de Matos7

PALAVRAS-CHAVE:ECOSSISTEMA ESCOLAR, GOSTO PELA ESCOLA, SUCESSO ESCOLAR, BEM-ESTAR, STRESS ESCOLAR.

6 CLISSIS, Universidade Lusíada de Lisboa, e ISAMB, Universidade de Lisboa7 FMH e ISAMB, Universidade de Lisboa

ECOSSISTEMAS DE APRENDIZAGEM12

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Ecossistemas de Aprendizagem e Bem-Estar: Fatores que influenciam o Sucesso Escolar

RESUMO A escola, vista como um ecossistema pode funcionar como um promotor de sucesso es-colar e bem-estar dos seus habitantes. No presente estudo são incluídos participantes no estudo Português do Health Behaviour in School aged Children/OMS (Matos et al., 2018) e respetivas respostas ao questionário analisadas. Conclui-se que a perceção de sucesso e o gosto pela escola são fenómenos complexos e multidimensionais, mas que na prática aparecem associados maioritaria-mente às classificações escolares. Os partic-ipantes referem sentir elevada pressão com a escola, o que interfere no seu gosto pela aprendizagem.

As escolas são identificadas como um cenário privile-giado para a construção de resultados sociais, emocio-nais e comportamentais uma vez que os alunos passam bastante tempo neste contexto. As escolas fornecem um contexto de socialização no qual os alunos são ca-pazes de aprender uma série de competências de vida, muitas das quais estão associadas ao desempenho académico e sucesso escolar, e são consideradas um cenário exclusivo no qual o bem-estar social e emo-cional dos jovens pode ser promovido. Deste modo, é neste contexto escolar, neste Ecossistema, que com-petências fundamentais para as aprendizagens esco-lares, para o futuro profissional e para a vida podem ser aprendidas, desenvolvidas e otimizadas.

Aparentemente, as intervenções produzem resultados mais bem-sucedidos quando integradas na prática do dia-a-dia e na cultura escolar, procurando envolver to-dos os atores presentes no contexto escolar (alunos, professores, auxiliares, famílias, outros profissionais de saúde e de educação), reforçando competências fora da sala de aula, incluindo como contextos de aprendizagem e socialização por exemplo os corredores e recreios, apoiando o envolvimento dos pais e coordenando o trabalho com entidades e parceiros externos, enfati-zando a importância de adotar uma abordagem escolar global para melhorar o desenvolvimento de competên-cia sociais e emocionais dos jovens. Encontra-se uma forte relação entre competências sociais e pessoais e bem-estar psicológico e estão fortemente correlacion-adas com crescimento e desenvolvimento, enfatizando que essas competências estão positivamente relacion-

...urge ativar um

debate amplo sobre estas

questões, ouvindo os alunos e

envolvendo-os nesta mudança

adas ao bem-estar (Goldberg et al., 2019).

O presente trabalho encontra-se integrado no Health Behaviour in School aged Children/HBSC (Matos et al., 2018), que é um inquérito realizado de 4 em 4 anos em 48 países, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde, seguindo um protocolo internac-ional. Neste trabalho específico serão incluídos alunos de 6º (30,7%), 8º (33,7%), 10º (20,8%) e 12º anos (14,8%), num total de 8215 alunos, sendo 4327 meni-nas (52,7%), de idade média de 14,36 anos (DP=2,28), de todo o continente, participantes no estudo Health Behaviour in School aged Children (HBSC) (Matos et al., 2018).

O estudo permite compreender e caracterizar com maior profundidade os fatores que condicionam o gos-to pela escola e a perceção de sucesso escolar dos adolescentes, levando em consideração as especifici-dades relacionadas ao género e idade e compreender quais os fatores do ecossistema escolar ligados ao ri-sco e à proteção relacionados com o gosto pela esco-la, pressão para os trabalhos de casa e perceção de sucesso.

As conclusões permitem um conhecimento fundamen-tado para o delineamento de programas e intervenções psicológicas, a fim de promover efetivamente com-petências sociais e pessoais no processo da adoles-

13ECOSSISTEMAS DE APRENDIZAGEM

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Referência(s) bibliográfica(s) base do artigo Gaspar, T., Tomé, G., Ramiro, L., Almeida, A. & Matos, M. (2020). Ecossistemas de aprendizagem e bem-estar: fatores que influenciam o sucesso escolar. Psicologia, Saúde & Doenças, 21(2), 462-481- http://www.scielo.mec.pt/pdf/psd/v21n2/v21n2a21.pdf

Outras referênciasAventura Social (2020a) EsABE: Ecossistemas de aprendizagem e bem-estar- perfil dos agrupamen-tos que promovem o perfil do aluno à saída da es-colaridade obrigatória, FMH/DGE (Documento de trabalho 1, 25 setembro 2020, não publicado)

Aventura Social (2020b) EsABE: Ecossistemas de aprendizagem e bem-estar- trajetórias de evolução e recomendações. FMH/DGE (Documento de tra-balho 2, 25 Novembro, 2020, não publicado)

Gaspar, T., Tomé, G., Gómez-Baya, D., Guedes, F. B., Cerqueira, A., Borges, A., & Matos, M. G. (2019). O bem-estar e a saúde mental dos adolescentes por-tugueses. Revista de Psicologia da Criança e do ad-olescente, 10(1), 17-28.

Goldberg, J., Sklad, M., Elfrink, T., Schreurs, K., Bohlmeijer, E., & Clarke, A. (2019). Effectiveness of interventions adopting a whole school approach to enhancing social and emotional development: a meta-analysis. European Journal of Psychology of Education, 34, 755-782. doi: 10.1007/s10212-018-0406-9

Matos, M.G., & Equipa Aventura Social (2018). A Saúde dos Adolescentes após a Recessão - Dados nacionais do estudo HBSC de 2018 ebook, (www.aventurasocial.com).

cência e para uma informação fundamentada das políticas públicas do setor.

Encontrou-se uma forte relação positiva entre competên-cias sociais e pessoais, bem-estar psicológico e perceção de sucesso.

Além do envolvimento e promoção de competências junto dos adolescentes, foi evidenciado que também os pais e os profissionais de educação e de saúde devem ser envolvi-dos e desenvolver competências adequadas para respond-er de forma eficaz e positiva às necessidades específicas dos adolescentes. Os programas de intervenção em meio escolar devem promover o bem-estar, competências so-cio-emocionais e de resolução de problemas, facilitando o sucesso escolar, e não apenas prevenir comportamentos de riscos. Os adolescentes mais velhos foram neste estudo considerados grupos de maior risco com necessidades de intervenção específicas. Rapazes e raparigas evidenciaram necessidades diferenciadas. Falando de ecossistemas, seus habitantes, seus espaços e suas dinâmicas, a intervenção preventiva deve ser implementada nos níveis escolar, famil-iar e comunitário.

Neste estudo fica claro que na perceção dos alunos, o sucesso e o gosto pela escola fica reduzido às classifi-cações escolares, que os alunos se sentem pressionados com a escola (com o peso das avaliações, a pressão dos pais face às notas; o excesso de matéria, a matéria afasta-da da vida), prejudicando estas perceções o seu gosto pela aprendizagem numa perspetiva de crescimento pessoal e de desenvolvimento socio-emocional.

Para a promoção do bem-estar e sucesso na escolar urge ativar um debate amplo sobre estas questões, ouvindo os alunos e envolvendo-os nesta mudança, desde a identifi-cação dos problemas até à sua resolução. Também deverá ser considerado o bem-estar dos próprios professores (Gaspar, Tomé, Gómez-Baya, Guedes, Cerqueira, Borges & Matos, 2019), uma vez que relação aluno-professor aparece fortemente associada ao gosto pela escola e bem-estar dos alunos, na realidade todos eles habitantes do Ecossistema Escola.

Alicerçado em grande parte neste estudo e nos seus re-sultados, foi desenvolvido em Portugal em 2019/2020, em 9 agrupamentos de escolas a nível nacional, em conjunto com a Direção-Geral de Educação (DGE), o projeto EsABE (Ecossistemas de Aprendizagem e Bem-estar) (http://aventurasocial.com/verartigo.php?article_id=657).

No âmbito deste projeto analisou-se e propôs-se, numa dinâmica de co-construção com os agrupamentos envolv-idos e com os seus vários intervenientes, o perfil de es-cola mais capaz de desenvolver nos alunos a autonomia, responsabilidade, o bem-estar, o sucesso escolar e o gosto e envolvimento na escola, em síntese “o perfil da escola mais capaz de ajudar os alunos a concretizar o perfil do alu-no à saída da escolaridade obrigatória”. Também aqui foram considerados os Agrupamentos enquanto Ecossistemas com os seus habitantes, os seus territórios, as suas dinâmi-cas e a sua comunicação interna e externa. As conclusões e as recomendações deste estudo foram já remetidas ao Ministério respetivo, através da DGE, e aos Agrupamentos envolvidos (Aventura Social, 2020a; 2020b).

ECOSSISTEMAS DE APRENDIZAGEM14

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RevisorMarta Reis FMH e ISAMB, Universidade de LisboaCo

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rev

isor Este artigo remete-nos para a conceção da

escola como um ecossistema humano e so-cial, funcionando como um todo e em con-stante interação. Analisa a escola com uma perpetiva global e holística, e como uma or-ganização na qual interagem os membros entre si e com o ambiente interno e exter-no. Reflete sobre os fatores que influenciam o sucesso escolar. Alguns destes fatores são intraescolares (pertencentes à organ-ização da escola) e outros são extraesco-lares (pertencentes ao contexto ou à família dos alunos). Escola e família devem estar integradas, em sintonia com a proposta pedagógica, bem como com as suas inter-venções. O núcleo familiar, dentro das suas condições, precisa de participar mais ativa-mente de todos os processos pedagógicos, devendo valorizar este vínculo, não somente por obrigação ou conveniência; por exemp-lo, através das “chamadas de reuniões” e entrega de notas, mas também para suger-ir, opinar, questionar e indagar através da gestão democrática escolar.

Apesar do aluno ser o centro da aprendizagem, e desta depender principal-mente dele, é a colaboração entre aluno, família e escola que leva à formação e à aprendizagem, processos que exigem re-sponsabilização e empenho tanto de profes-sores como da família e dos alunos, a união de esforços para o mesmo objetivo: prepa-rar os alunos para a vida, com competências científicas e sociais, para que sejam compe-tentes na sociedade.

O psicólogo entra em cena neste ecossis-tema, como catalisador de transformações e agente de mudanças. E a atuação do psicólogo no ambiente escolar não deve ser restrita ao trabalho com os alunos. Na ver-dade, o psicólogo pode e deve estar atento à atuação docente e atuar junto do professor para que esse compreenda a dimensão soci-ocultural do processo ensino/aprendizagem e passe a ver o aluno como um ser em transformação, sujeito a erros e acertos. O psicólogo deve criar condições para que os professores repensem e problematizem as suas práticas; ajudá-los na compreensão do importante papel que têm como agentes de educação; auxiliar na compreensão crítica em relação ao desenvolvimento humano, e das suas articulações com a aprendizagem e as relações sociais.

A atuação do psicólogo dependerá muito do conhecimento holístico sobre a realidade do aluno e sobre todos os elementos que des-encadeiam o fracasso escolar. Assim, para que o trabalho alcance os seus objetivos no espaço escolar há que se levar em conta que o profissional da psicologia não é ap-enas um avaliador, mas um agente de mu-dança. É um profissional das ciências hu-manas que se enquadra na área da saúde, e não podemos ter humanização sem saúde. O psicólogo terá de definir de que modo e com quais os instrumentos dar-se-á a sua atuação, estando ciente das suas múltiplas funções junto dos professores, especialis-tas, pais e alunos. De qualquer modo, terá de ter em conta a realidade de um mundo em transformação, dentro do qual imperam a inversão de valores e a progressiva perda de autoridade dos pais e dos professores, especialmente em razão do predomínio da influência da Internet e do fracasso da edu-cação sistematizada e tradicional.

Todo o ecossistema tem de se renovar para subsistir entrando em ligação com o exte-rior…E o papel principal do psicólogo será ajudar o ecossistema a desenvolver uma “personalidade” equilibrada e completa, dotada de auto-estima, capacidade crítica e divertida!

15ECOSSISTEMAS DE APRENDIZAGEM

Page 16: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

Divo Faustino8

João Tiago Oliveira8

João Batista8 Cátia Braga8 Miguel M. Gonçalves8

8 CIPsi - Centro de Investigação em Psicologia, Escola de Psicologia, Universidade do Minho

Marcadores narrativos da mudança em psicoterapia: Os momentos de inovação

PALAVRAS-CHAVE:MOMENTOS DE INOVAÇÃO; TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL; PROCESSO DE MUDANÇA;PSICOTERAPIA.

PSICOTERAPIA: OS MOMENTOS DE INOVAÇÃO16

Page 17: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

RESUMO Os momentos de inovação emergem quando o paciente constrói exceções ao padrão problemático re-sponsável pelo seu sofrimento, constituindo um processo relevante na mudança em psicoterapia. Estes indicadores de transformação narrativa foram estudados em diversos modelos de psicoterapia breve, tendo sido identificados padrões de ocorrência muito semelhantes. A investigação permitiu identificar três níveis, estando os mais complexos (níveis 2 e 3) associados ao sucesso terapêutico. Este artigo procura carac-terizar sumariamente estes processos, evidenciando a sua relevância e a sua aplicação à prática clínica.

Matos e Gonçalves (2004) iniciaram um programa de investigação focado no estudo do processo de mudança em psicoterapia, partindo da perspetiva da Terapia Narrativa (White & Epston, 1990) e da Te-oria do Self Dialógico (Hermans & Kempen, 1993). Esta linha de investigação assenta no pressuposto que o sofrimento psicológico pode ser explicado pela dominância de uma autonarrativa problemática, a qual é tendencialmente transversal a vários domíni-os de vida, formando assim um padrão. Partindo da ideia de que o sucesso em terapia está associado à transformação do padrão problemático, Gonçalves, Ribeiro et al. (2017) propõem que a mudança ocorre através da emergência e do desenvolvimento de ex-ceções, designadas por Momentos de Inovação (MIs).

Os MIs podem ser de 7 tipos (ação I e II, reflexão I e II, protesto I e II, e reconceptualização), os quais podem ser agrupados em três níveis (ver Batista et al., 2020; Gonçalves et al., 2017). Os MIs de nível 1 (ação I, reflexão I e protesto I) ocorrem quando o/a paciente constrói algum distanciamento do padrão problemático, mas não refletem ainda uma alter-ação significativa desse padrão. Ou seja, os MIs de tipo 1 são de natureza reativa, mantendo o problema em pano de fundo. Por outro lado, os MIs de nível 2 (ação II, reflexão II, protesto II) ocorrem quando o/a paciente se centra na elaboração da mudança (i.e. num padrão alternativo), criando contrastes entre um estado anterior (próximo do padrão problemático) e um estado novo (próximo do padrão adaptativo), e/ou elaborando sobre como o contraste ocorreu (i.e. processo de mudança). Finalmente, os MIs de nível 3 (reconceptualização) ocorrem quando as duas com-ponentes atrás referidas (contraste e processo) são articuladas de uma forma significativa.

Os conceitos expostos podem ser aplicados, a título de exemplo, a um/a paciente diagnosticado/a com

depressão. Um padrão problemático típico desta perturbação está relacionado com a falta de volição ou energia (que pode ser sintetizada na afirmação “não me apetece fazer nada”). O padrão subjacente a essa afirmação pode estar associado, por exemp-lo, ao sentimento de inutilidade e à deterioração de relações interpessoais. Tendo em conta este exem-plo, um MI seria identificado quando o/a paciente contraria o padrão de inatividade. Um exemplo de um MI de nível 1 seria “decidi ir dar um passeio esta manhã”. Esta decisão representa inovação relati-vamente ao padrão problemático, no entanto, ainda surge como uma exceção à norma (inatividade). Por outro lado, num exemplo do tipo “agora já sou capaz de ir correr várias vezes por semana em vez de pas-sar os dias em casa como acontecia quando iniciei a terapia” já há um contraste entre esta nova forma de agir e o antigo padrão de inatividade, representando um MI de nível 2. Um MI de nível 3 articularia este contraste - “já sou capaz de ir correr ao contrário do que acontecia antes” -, com o processo que do ponto de vista da/o paciente lhe deu origem: e.g. “percebi que ou fazia isto ou estava condenado a ficar mais e mais deprimido”.

Não obstante a raiz teórica dos MIs, os resultados de diversos estudos fortalecem a hipótese de que este fenómeno é transteórico. A proporção de MIs que surgiu em terapia cognitivo-comportamental (TCC) foi semelhante à encontrada em estudos anteriores, noutros tipos de terapia (e.g., Terapia Narrativa). No entanto, houve uma grande proporção de MIs do tipo “reflexão” tanto de nível 1 como de nível 2. Os re-sultados do estudo com a amostra de TCC, sumar-iados neste artigo, também revelaram que os MIs são melhores preditores da melhoria sintomática do que o padrão contrário (i.e., a melhoria sintomática ser preditor da emergência de MIs). Mais especifica-mente, a emergência de MIs do tipo Reflexão 2 numa sessão permitiu predizer a melhoria sintomática na

17PSICOTERAPIA: OS MOMENTOS DE INOVAÇÃO

Page 18: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

sessão seguinte. Este padrão não demonstra causalidade, dada a natureza não experimental dos estudos, mas sug-ere uma precedência da ocorrência dos MIs relativamente à mudança sintomática. É provável que os MIs possam simul-taneamente funcionar como processo, conduzindo a mel-horias sintomáticas, e como resultado, sendo uma conse-quência da mudança sintomática (dependendo dos modelos terapêuticos e dos processos idiossincráticos de mudança). Noutras amostras, ao contrário desta, os MIs de nível 3 dif-erenciam claramente os casos de sucesso dos casos de insucesso. Ao contrário dos MIs de nível 2 e 3, os MIs de nível 1 não parecem ser uma variável diferenciadora entre os casos de sucesso e de insucesso em terapia (Gonçalves et al., 2017), nas diferentes amostras estudadas.

Em psicoterapia, o terapeuta poderá procurar promover e enfatizar a emergência de MIs de nível 2 e de nível 3 du-rante a sessão, tal como no seguinte exemplo:

P: Acho que amanhã vou ao cinema com um amigo meu, isto não pode ser… tenho de sair de casa! (MI nível 1)

T: Que boas notícias! Talvez seja ainda um pouco difícil identificar mas... estou curioso… há algo de diferente em si que tenha permitido esta mudança? (o terapeuta procu-ra explorar o processo de mudança, isto é, promover a emergência de MIs nível 2 e eventualmente nível 3)

P: Não sei bem, mas sinto bastante mais energia neste mo-mento (contraste implícito).

T: hmm hmm... mais energia...

P: sim... tenho-me sentido mais forte estes dias (contraste, nível 2). Aliás, decidi até voltar ao trabalho já na próxima segunda-feira. Percebi que a perda da minha mãe era in-evitável e que estar com outras pessoas, divertir-me e ser bem-sucedido no meu trabalho é a melhor forma de honrar a sua memória (Processo de mudança, nível 2) (articulação prévia entre contraste e processo, resulta num MI de nível 3).

Tal como ilustrado neste exemplo, uma forma de utilizar os resultados destes estudos na prática clínica é direcionar esforços para a transformação de MIs de nível 1 em MIs de nível 2 e de nível 3. Por exemplo, face à emergência de um MI de nível 1 durante a sessão, o terapeuta pode conduzir o diálogo terapêutico no sentido de promover contrastes (o que mudou) e/ou processos (como mudou) associados à in-ovação. Este tipo de questionamento poderá ajudar o cliente a alterar o foco do problema (MI de nível 1) para a mudança (MI de nível 2 e de nível 3), contribuindo assim para a pro-moção do sucesso terapêutico.

PSICOTERAPIA: OS MOMENTOS DE INOVAÇÃO18

Referência(s) bibliográfica(s) base do artigo Gonçalves, M. M., Silva, J. R., Mendes, I., Rosa, C., Ribeiro, A. P., Batista, J., Sousa, I., & Fer-nandes, C. F. (2017). Narrative Changes Predict a Decrease in Symptoms in CBT for Depression: An Exploratory Study. Clinical Psychology and Psychotherapy, 24(4), 835–845. https://doi.org/10.1002/cpp.2048

Gonçalves, M. M., Ribeiro, A. P., Mendes, I., Alves, D., Silva, J. R., Rosa, C., Braga, C., Bati-sta, J., Fernández-Navarro, P., & Oliveira, J. T. (2017). Three narrative-based coding systems: Innovative moments, ambivalence and ambiv-alence resolution. Psychotherapy Research, 27(3), 270–282. https://doi.org/10.1080/10503307.2016.1247216

...diálogo

terapêutico no sentido de

promover contrastes

(o que mudou) e/ou processos

(como mudou) associados à

inovação

Page 19: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

RevisorEugénia RibeiroCIPsi - Centro de Investigação em Psicologia, Escola de Psicologia, Universidade do Minho

Comentário DO revisorA investigação em Momentos de Inovação em Psicoterapia apresenta evidência empírica consistente sobre a evolução dos MIs ao longo do processo terapêutico e a sua relação com a eficácia da psicoterapia. A consolidação das conclusões dos estudos, considerando distintos modelos terapêuticos, torna os Momentos de Inovação relevantes na formação e prática profissional dos psicólogos clínicos e psicoterapeutas. Para além da comprovada validade empírica, considero que o Modelo dos Momentos de In-ovação mostra validade pragmática. Como o artigo apresentado sugere, a identificação dos MIs, enquanto marcadores narrativos de mudança, constitui uma estratégia terapêutica útil para a monitorização in loco da evolução do paciente. Além disso, a com-petência na identificação dos MIs, durante a conversação terapêutica, poderá habilitar os terapeutas a ajustarem a sua intervenção de modo imediato e responsivo à prontidão dos pacientes para ativarem e elaborarem processos narrativos mais produtivos.

19PSICOTERAPIA: OS MOMENTOS DE INOVAÇÃO

Outras referênciasBatista, J., Silva, J., Magalhães, C., Ferreira, H., Fernández‐Navarro, P., & Gonçalves, M. M. (2020). Study-ing psychotherapy change in narra-tive terms: The innovative moments method. Counselling and Psychother-apy Research.

Hermans, H. J. M., & Kempen, H. J. G. (1993). The dialogical self: Meaning as movement. Academic Press.

Matos, M., & Gonçalves, M. M. (2004). Narratives on marital violence: The construction of change through re-authoring. In R. Abrunhosa (Ed.), Assessment, intervention and legal issues with offenders and victims (pp. 161–170). Politea.

White, M., & Epston, D. (1990). Narra-tive means to therapeutic ends. Nor-ton.

Page 20: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

Sobrecarga dos cuidadores informais de pessoas com demência: Intervenções psicológicas para cuidar de quem cuida

Rute Brites9

Odete Nunes9

João Hipólito9

Tânia Brandão9

Francisco Moniz Pereira10

PALAVRAS-CHAVE:CUIDADOR INFORMAL, DEMÊNCIA, SOBRECARGA, SINTOMAS NEUROPSIQUIÁTRICOS, INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA. 9 CIP - Centro de Investigação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade

Autónoma de Lisboa10 Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, Universidade Autónoma de Lisboa

CUIDAR DE QUEM CUIDA20

Page 21: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

21CUIDAR DE QUEM CUIDA

RESUMO O artigo apresenta um conjunto de inter-venções psicológicas que têm o propósito de ajudar os cuidadores informais de pessoas com demência: grupos terapêuticos, grupos psicoeducativos, grupos centrados no ato de cuidar e relaxamento corporal. Extensa lit-eratura evidencia o risco associado à tarefa de cuidar informalmente, pelo que estas in-tervenções se afiguram pertinentes para a di-minuição deste risco, o aumento da qualidade de vida/ saúde dos cuidadores e um melhor desempenho da função de cuidar.

O estudo “Effects of supporting patients with dementia: a study with dyads” examinou os fatores associados à sobrecarga de cuidadores informais de pessoas com demência. Recolheram-se dados dos pacientes (sinto-mas neuropsiquiátricos e nível de autonomia) e cui-dadores (nível de sobrecarga e necessidades individ-uais). Os resultados demonstraram que os cuidadores em risco de experienciar níveis superiores de sobre-carga são as mulheres (em consonância com a liter-atura), os cuidadores cujo paciente apresenta mais sin-tomas psiquiátricos e menor autonomia e aqueles que admitem a necessidade de mais informação/ apoio.

A evidência científica tem revelado o risco psicológi-co em que se encontram estes cuidadores informais (ver artigo de referência), sobretudo de sobrecarga, depressão e ansiedade. Cuidar de alguém que sofre de uma doença irreversível, vivenciando um processo de deterioração progressivo, um agravamento dos sin-tomas e da dependência de terceiros, é, no mínimo, desafiante.

Sem formação prévia ao nível de competências profis-sionais de ajuda, os cuidados são prestados a partir do bom senso dos cuidadores, sustentados na interior-ização de valores humanos de respeito, solidariedade e compaixão. Tal nem sempre é suficiente, aumentando o risco de sofrimento psicológico e a diminuição pro-gressiva da qualidade de vida.

Por diversas razões, estes cuidadores são a princi-pal “fonte” de cuidados neste âmbito, pelo que urge que possam beneficiar de intervenções eficazes que “amorteçam” o potencial impacto negativo da tarefa de cuidar, contribuindo para a manutenção da sua saúde. Estas intervenções, simultaneamente, facilitarão o de-senvolvimento de competências de ajuda nos próprios, com impacto positivo na pessoa de quem cuidam. A um nível experiencial, será benéfico proporcionar a estas pessoas um espaço onde possam partilhar, num clima de segurança e confiança, as vivências relacio-nadas com o ato de cuidar. Estes grupos terapêuticos, desenvolvidos numa lógica de Grupo de Encontro, per-mitirão a livre expressão de emoções e sentimentos e a partilha de experiências, facilitando paralelamente o desenvolvimento de formas de comunicação mais efi-cazes e um aumento de competências de escuta.

Outra intervenção pertinente são os grupos psicoed-ucativos, com o objetivo de aumentar o conhecimento sobre a doença e as suas especificidades através do fornecimento de informação que ajude a melhor com-preender a sintomatologia, os efeitos da medicação, a evolução da doença, aspetos técnicos importantes do cuidar e meios de apoio disponíveis. Paralelamente, será possível desenvolver competências comunicati-vas através de uma melhor descodificação da comu-nicação verbal e não verbal, identificação e validação de emoções dos pacientes, gestão de comportamentos difíceis e esclarecimento de dúvidas. A participação possibilitará aos cuidadores desenvolver recursos para lidar com a situação (sentindo um maior “controlo”), sentindo-se mais preparados para eventuais tomadas de decisão relativas ao paciente e podendo partilhar a sua experiência e as suas aprendizagens, ao longo do tempo.

Page 22: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

Os grupos centrados na tarefa de cuidar con-stituem outro tipo de intervenção relevante. Nestes, o foco é a partilha de experiências e dúvidas sobre o ato de cuidar e todas as tare-fas associadas, imbuídos de um espírito de aprendizagem interpares, embora com uma dinâmica simultaneamente terapêutica. Aqui, os cuidadores conhecerão formas diferentes de cuidar e de estar na relação com o paciente, desenvolverão estratégias mais eficientes de cuidar do outro e, paralelamente, sentir-se-ão aceites e compreendidos nas suas vivências bem como, aprenderão a identificar e com-preender as suas próprias emoções.

A investigação tem identificado níveis eleva-dos de stresse nos cuidadores, em paralelo com a acumulação de tensão e consequente desgaste físico e emocional, em resultado do trabalho exaustivo e de eventuais alterações na vida social, laboral e económica.

Sintomaticamente, tal pode manifestar-se em tensão, irritabilidade, alterações de humor, sentimentos negativos, fragilidade emotiva, ressentimento, incapacidade de relaxar, dores de cabeça e de costas, fadiga e alterações do sono. A gestão destes sintomas pode ser equa-cionada através de intervenções centradas no

...intervenção mais adequada

dependerá das necessidades específicas dos cuidadores

informais

relaxamento do corpo, permitindo lidar melhor com o stresse através da distensão corporal e adquirir um melhor conhecimento do funcion-amento do próprio corpo e do significado das suas sensações e vivências corporais.

A intervenção mais adequada dependerá das necessidades específicas dos cuidadores in-formais. Uma vez que, neste grupo, se incluem pessoas de várias idades, desde crianças a adultos mais velhos, com responsabilidades e tarefas diversificadas, as intervenções devem responder às diferentes necessidades.

Estas intervenções deverão ser desenvolvidas por psicólogos com competência reconhecida, sob o risco de não se conseguir proporcionar aos cuidadores “ambientes” adequados e fa-cilitadores da sua tarefa.

CUIDAR DE QUEM CUIDA22

Page 23: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

Referência(s) bibliográfica(s) base do artigo Brites, R., Brandão, T., Pereira, F. M., Hipólito, J., & Nunes, O. (2020). Effects of supporting patients with dementia: A study with dyads. Perspectives in Psychiatric Care, 56(3), 614-620. http://doi.org/10.1111/ppc.12476

Comentário DO revisorO artigo é bastante pertinente. A temática abordada é atual face à situação demográfica que se verifica em Portugal, observan-do-se elevados níveis de envelhecimento da população com tendência para um agravamento. Para além deste facto, as carac-terísticas socioeconómicas da população portuguesa com baixos rendimentos e uma saúde biopsicossocial precária, agudizam o contexto em que é prestado o cuidado a quem o precisa, havendo carência de respostas estruturais para esse fenómeno. No presente caso, o do cuidador informal que muitas das vezes também se encontra em grande vulnerabilidade e com necessidade de também dele ser cuidado. O Psicólogo e a Psicologia não se podem alienar desta “encomenda social” tendo aqui um papel fulcral neste apoio. As intervenções propostas fazem todo o sentido para atingir este objetivo. Os grupos terapêuticos, os grupos centrados na tarefa de cuidar e as intervenções centradas no relaxamento do corpo, revelam-se bastante apropriadas e apesar de se apresentarem descritas de forma sucinta alertam para os cuidados a ter na sua aplicação.

RevisorTito Rosa LaneiroUniversidade Autónoma de Lisboa

23CUIDAR DE QUEM CUIDA

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PALAVRAS-CHAVE:AUTOESTIMA, COMPORTAMENTO ADITIVO, DEPENDÊNCIA DA INTERNET, INTERNET, USO PROBLEMÁTICO DA INTERNET.

Liliana Seabra11

Manuel Loureiroa,12Henrique Pereira11

Samuel Monteiro11, 13

Rosa Marina Afonso11, 14 Graça Esgalhado11

11 Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal 12 CIDESD - Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano 13 NECE - Research Center in Business Sciences 14 CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde

Relação entre dependência da Internet e autoestima: Compreender e desmistificar

INTERNET E AUTOESTIMA24

Page 25: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

RESUMO Cada vez mais, as pessoas estão mais facilmente e de forma contínua ligadas à Internet, devido ao uso de dispositivos com acesso à Internet. No entanto, a Internet tem desvantagens, geralmente relacionadas com o seu uso problemático. Este artigo analisa de forma resumida a publicação original “Relationship between Internet addiction and self-esteem: Cross-cultural study in Portugal and Brazil” de Seabra et al. (2017), a partir de uma perspetiva prática.

O tema da dependência da Internet ou uso exces-sivo surgiu nos anos 90 pela psicóloga e espe-cialista Kimberly Young e existem cada vez mais estudos nesta área. Sendo a Internet um instru-mento que todos usamos e nos facilita a vida, é difícil olhar para esta como algo prejudicial.

Naturalmente, se considerarmos apenas alguns aspetos ou até mesmo algumas aplicações, seja mais fácil reconhecer a dependência que se pos-sa criar. Deste modo, alguns autores definiram diferentes tipos de dependentes da Internet: (1) Jogadores/gamers: consideram-se todos os tipos de atividades online em qualquer dispositivo com acesso à Internet em que os sujeitos possam jog-ar e surge com um profundo componente social; (2) utilizadores de redes sociais: utilizadores de salas de chat, trocas de mensagens instantâneas e emails, estes indivíduos estão mais focados no aspeto da sociabilidade que a Internet lhes oferece; (3) utilizadores de conteúdos sexuais: comportamentos de visualização, download e troca de pornografia online, assim como a ex-ploração de salas de role-play de fantasia para adultos. Se considerarmos apenas estes três ti-pos, vemos uma semelhança com outra pertur-bação aditiva já existente, o jogador patológico que denominamos de gamblers, este stes usam a Internet para satisfazer essa dependência. O sujeito com hábitos de jogo e/ou utilizador de re-des sociais, poderá não ser necessariamente um indivíduo dependente da Internet. Os sintomas e problemas que afetam o sujeito são importantes para perceber este fenómeno, preveni-lo e tratá-lo. Na prática clínica torna-se especialmente rel-evante, uma vez que o objetivo principal é ajudar o utente nas questões que apresentam conse-quências para a sua vida, seja esse problema

de índole psiquiátrica ou não. Diversos autores propõem alguns dos seguintes sintomas como os mais significativos na dependência da Inter-net: (1) uso excessivo da Internet; (2) abstinência (quando offline); (3) tolerância; (4) negação e en-cobrimento e (5) consequências adversas (pre-juízo social, escolar/ocupacional ou físico).

Como já referido, a Internet não é, na sua na-tureza, viciante, no entanto, pode conduzir a padrões de comportamento aditivos. Por isso, o que torna a Internet viciante? Uma mistura das suas características atraentes e envolventes ou das nossas próprias fragilidades psicológicas? A baixa autoestima foi considerada uma das car-acterísticas psicológicas que as pessoas apre-sentam quando se encontram excessivamente envolvidas no uso da Internet. A autoestima é a autoavaliação geral ou o sentido de auto-val-orização de uma pessoa, usado para avaliar os seus traços e capacidades. Esta avaliação ba-seia-se nos pensamentos próprios e nos julga-mentos sociais interiorizados. As pessoas com baixa autoestima geralmente possuem uma visão negativa sobre a vida, sentindo-se mais infelizes, deprimidas, agressivas ou com medo dos outros, isoladas e com receio de serem punidas. Assim, tornam-se mais vulneráveis a desenvolver prob-lemas clínicos variados.

Os resultados obtidos no estudo original de Sea-bra et al. (2017) foram ao encontro de outras in-vestigações, verificando-se uma correlação sig-nificativa e negativa entre estas duas variáveis. Adicionalmente, os resultados apontaram a ex-istência de um círculo vicioso, no qual a autoes-tima pode desencadear dependência da Internet

25INTERNET E AUTOESTIMA

Page 26: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

INTERNET E AUTOESTIMA26

e sintomas negativos, nomeadamente o fator da abstinência e negação, levando a baixa autoestima. Tendo em conta todos os resultados analisados consideramos que a primeira medida a tomar para minimizar este problema é a prevenção, promov-endo-se o uso saudável e sensato da Internet, jun-to da comunidade. Em contexto terapêutico, o foco será intervir no uso excessivo e problemático, en-quanto se lida com os sentimentos negativos rela-cionados, os défices do indivíduo (ex.: autoestima baixa) e a reparação das consequências negativas. Deste modo, selecionamos algumas estratégias para a prática psicológica com utentes com esta problemática. Assim, para intervir e prevenir o uso excessivo e problemático é necessário: (1) ensinar o indivíduo a conhecer os seus padrões de uso na Internet, o tempo que passa online e em que ativ-idades; (2) criar limites para a utilização, ajusta-dos ao sujeito e possivelmente horários para o seu uso. Deve ser promovido o autocontrolo, contudo poder-se-á recorrer ao uso das ferramentas tec-nológicas que os dispositivos já oferecem como, o controlo parental, consulta e emissão de avisos que alertam o indivíduo para o tempo de ecrã ou equilíbrio digital e (3) limitar o uso das tecnologias no trabalho para uso lúdico ou de entretenimento. Quando nos focamos na relação da dependência da Internet e autoestima é necessário: (1) inter-vir, terapeuticamente no aumento da autoestima; (2) fomentar uma ligação emocional saudável com a Internet, de não dependência, uma vez que não podem simplesmente deixar de a usar; (3) des-valorizar metas e estatísticas relacionados com o alcance das publicações.

Referência(s) bibliográfica(s) base do artigo Seabra, L., Loureiro, M., Pereira, H., Monteiro, S., Afonso, R. M. A. & Esgalhado, G. (2017). Relationship Between Internet Ad-diction and Self-Esteem: Cross-Cultural Study in Portugal and Brazil, Interacting with Computers, 29(5), 767–778. https://doi.org/10.1093/iwc/iwx011

Page 27: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

27INTERNET E AUTOESTIMA

...ensinar o indivíduo a

conhecer os seus padrões de uso na Internet, o

tempo que passa online e em que atividades

RevisorCarla Sofia NascimentoUniversidade da Beira Interior; Clínica Médico e Enfermagem D. Sancho I

Comentário Comentário do revisor

O artigo aqui debatido e publicado em 2017, reveste-se de um importante contributo para a prática clínica do psicólogo uma vez que alerta não só para a dependência da internet como também para a relação desta com a autoestima, focando uma faixa etária que nem sempre é tida em conta em situação de diagnostico diferencial nesta tipologia de adições.

O artigo apresenta uma conexão entre a adição à internet e a autoestima. O trabalho em questão apresenta-se com relevância na prática clínica, principalmente nos dias de hoje em que vivemos uma “nova realidade” fruto de uma pandemia por COVID-19, que nos levou a uma submissão profissional face à internet, pelo teletrabalho na maioria das faixas etárias. Assim o artigo, sem desvalorizar as vantagens da internet, apresenta no entanto, uma indicação clara de relação entre os níveis de autoestima e a dependência da internet e adultos. Por norma a adição à internet é alvo de cam-panhas de prevenção junto de faixas etárias mais baixas. Contudo, este estudo alerta os psicólogos clínicos para a importância da avaliação, prevenção e intervenção na dependência de internet em adultos e da sua relação com a autoestima, uma vez que a dependência pode ter no seu cerne, mais do que a utilização abusiva da internet, níveis expressivos de baixa autoestima.

Page 28: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

AUTORES E REVISORESAUTORESAdriano Almeida ([email protected])

Cátia Braga ([email protected]; Membro da OPP nº 22773)

Cátia Branquinho ([email protected]; Mem-bro da OPP nº 14831)

Divo Faustino ([email protected])

Francisco Moniz Pereira ([email protected])

Graça Esgalhado ([email protected]; Membro da OPP nº 3462)

Gina Tomé ([email protected]; Membro da OPP nº 4560)

Henrique Pereira ([email protected], Membro da OPP nº 7683)

João Batista ([email protected]; Membro da OPP nº 9466)

João Hipólito ([email protected])

João Nuno Viseu ([email protected]; Membro da OPP nº 20890)

João Tiago Oliveira ([email protected]; Membro da OPP nº 21813)

Liliana Seabra ([email protected]; Membro da OPP nº 23349)

Lúcia Ramiro ([email protected])

Manuel Loureiro ([email protected]; Membro da OPP nº 6369)

Margarida Gaspar de Matos ([email protected]; Membro da OPP nº 905)

Marina Carvalho ([email protected]; Membro da OPP nº 202)

Miguel M. Gonçalves ([email protected]; Membro da OPP nº 8395)

Odete Nunes ([email protected]; Membro da OPP nº 8448)

Rafaela Matavelli ([email protected]; Membro da OPP nº 25046)

Rosa Marina Afonso ([email protected]; Membro da OPP nº 5253)

Rute Brites ([email protected]; Membro da OPP nº 8494)

Samuel Monteiro ([email protected]; Membro da OPP nº 2380)

Saúl Neves de Jesus ([email protected]; Membro da OPP nº 6056)

Tânia Brandão ([email protected]; Membro da OPP nº 14604)

Tania Gaspar ([email protected]; Membro da OPP nº 8286)

REVISORESAdriana Sofia Correia ([email protected]) Membro da OPP nº 16280)

Carla Sofia Nascimento ([email protected]; Membro da OPP nº 11370)

Eugénia Ribeiro ([email protected]; Membro da OPP nº 6629)

Teresa Paula Marques ([email protected]; Membro da OPP nº 916)

Marta Reis ([email protected]; Membro da OPP nº 5046)

Tito Rosa Laneiro ([email protected]; Membro da OPP nº 8505)

AUTORES28

Page 29: REVISTA PSICOLOGIA PARA PSICÓLOGOS

Normas para submissão de artigos1. O artigo deve ser escrito em português.

2. A(s) referência(s) bibliográfica(s) a partir da(s) qual(is) o artigo foi escrito deve(m) ter sido publicada(s) nos últimos 5 anos. 3. O(s) autor(es) do artigo deve(m) coincidir com o(s) autor(es) da referência a partir da qual o artigo foi escrito. 4. O(s) autor(es) deverão declarar que se trata duma publicação original, embora escrita a partir de ar-tigo(s) científico(s) publicado(s) previamente.

5. Pelo menos um dos autores dos artigos deve ser membro efetivo da OPP.

6. Para ser aceite, o artigo deverá ser revisto por um Psicólogo membro da OPP, com pelo menos 5 anos de experiência profissional, o qual deverá escrever um parecer positivo sobre a relevância do artigo para a prática profissional.

7. O Psicólogo referido no número anterior deverá escrever um comentário (até 1000 caracteres, incluindo espaços) sobre as implicações práticas do artigo, bem como da(s) referência(s) deste, o qual será também publicado. Este comentário, quando exista, será submetido pelo(s) autor(es) do artigo, fazendo parte inte-grante da proposta para publicação.

8. O texto do artigo deverá contemplar as seguintes seções:

A – Título

B – Nome(s) do(s) autor(es), respetiva(s) afil-iação(ões) institucional(is), contato(s) de e-mail (e nº de membro da OPP, para os que cumprirem este requisito)

C – Breve resumo, em que é explicitado o prin-cipal objetivo do artigo (máximo 500 caracteres, incluindo espaços)

D – Palavras-chave (máximo de 5)

E – Corpo do artigo em que se procuram evi-denciar as principais implicações práticas da in-vestigação realizada (máximo 5000 caracteres, incluindo espaços)

F – Referência(s) bibliográfica(s) base do artigo (caso o artigo seja escrito a partir de mais do que uma referência publicada em revista indexa-da na Scopus ou na Web of Science, podem ser indicadas as várias referências, num máximo de 3)

G – Eventuais imagens, esquemas, gráficos ou tabelas deverão ser apresentadas em folha úni-ca, não podendo ocupar mais do que uma página por artigo

H – Nome, afiliação institucional do revisor, con-tato de e-mail e nº de membro da OPP

I – Comentário do revisor

9. Os artigos devem ser enviados para [email protected], até ao mês de setembro de cada ano

29NORMAS PARA SUBMISSÃO DE ARTIGOS

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