Revista Raiz #10

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A REVOLUÇÃO DIGITAL por Marcelo Branco

Transcript of Revista Raiz #10

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Conheça mais os tons e cores de Ranchinho.

RANCHINHO Conheça mais os tons e cores de Ranchinho.

A ARTE VISIONÁRIA DE

A SENSIBILIDADE FALA MAIS DO QUE UM MILHÃO DE PALAVRAS

Ele tem um talento artístico extraordinário.Agora, sua história e sua obra estão descritos nesse livro.

Ricamente ilustrado com dezenas de obras do artista Texto dos experts Antônio Fernando Franceschi, Oscar D´Ambrósio e Roberto Rugiero.

MINISTÉRIO DA CULTURA, ASSOCIAÇÃO RAIZ E GALERIA BRASILIANA APRESENTAM

RANCHINHO

Nas melhores livrarias ou no portal Raiz: www.revistaraiz.com.br

Realização

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A edição 11 da RAIZ. apresenta muitas ideias e caminhos para se pensar a nossa cultura e a nossa identidade. São tantas as perspectivas

abordadas, que vamos descrevê-las acompanhando o sumário da revista, para que juntos possamos entender seus múltiplos desenvolvimentos.

Começamos com nossa religiosidade, misturada nas procissões católicas dos europeus, nas festas de matriz africanas e na fé em santos

não-canônicos, traduzidas em belos retratos cearenses e pernambucanos. Então, apresentamos o Fórum Internacional de Gestão Cultural

na USP realizado em São Paulo, para discutir a cultura como um bem social, fora dos meandros mercantilizadores e achatadores de

diferenças e possibilidades.

Continuando em São Paulo vamos o Instituto Tomie Otake acompanhar uma exposição ímpar que se inicia, com 10 artistas da maior significância

para nossa arte popular oriundos de 8 estados brasileiros. Eles vem para expor e dialogar diretamente com o público, sem intermediários ou

tradutores. E nós agraciados com o texto sempre elegante e profundo de Maria Lucia Montes.

Dos nosso artistas populares, homenageamos os 100 anos de Jorge Amado, com mais um texto marcante, este de Gustavo Rossi, que nos apresenta o

grande legado desse autor popular e erudito para a definição de nossa identidade brasileira. Nossa negritude aceita pelo endosso do autor.

Das letras aos bits com a ocupação digital do espectro eletromagnético e milhares de ondas, que as tecnologias nos permitem utilizar, assim como

já fazemos no mundo da Internet. Seguimos com a potencialização das redes do Fora do Eixo, que tem feito escola e realizado um dos trabalhos

mais sérios na geração de um economia colaborativa.

Daí mergulhamos em nossa identidade. Com a apresentação de uma das coleções mais belas da nossa arte popular, a coleção Gambarotto e indo

direto para Iguape, em São Paulo, onde o carnaval é mais do que uma festa popular.

Em uma edição, focada na formulação de políticas para a cultura, abordamos dois casos de sucesso de metodologias inclusivas: os trabalhos do

Instituto Olga Kos e da Associação Cultural Cachuera! O primeiro, incluindo portadores de deficiência intelectual através da arte e do esporte; o

segundo, trazendo os folguedos para o entendimento e consumo ampliado dos centros urbanos. Continuando para o novo MinC, já mais rodado

agora, que apresenta seus diferenciais no debate sobre a Economia Criativa e na análise do processo de Gilberto Gil a Ana de Hollanda, a dobrada

da MPB, que mudou e pretende mudar a Cultura do país.

Para se divertir, rótulos de cachaças históricos e iconográficos para o deleite do olhar. Continuando nosso entretenimento, nada como escutar a

música analógica do Acervo Origens, com os LPs antológicos da música brasileira e pegar a estrada com a Rede de Turismo Comunitário, que com

muito conforto oferece uma experiência diferenciada aos viajantes.

Para terminar, um bom cafezinho. Ainda mais se misturado com o caldo de cana em uma receita tradicional. Nunca experimentou? Não sabe o

que está perdendo.

Boa leitura!

Edgard Steffen Junior

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EXPEDIENTEEDITOR-CHEFE: Edgard Steffen Junior

EDITORA ASSISTENTE: Thereza Dantas

JORNALISTA: Cleber Erik da Silva

PROJETO GRÁFICO: Uirá Peixeiro

DIREÇÃO DE ARTE: Uirá Peixeiro e Igor Busquets

VÍDEOS: Célia Harumi Seki

VINHETA: Rodolfo Nakakubo

INTERNET: Leo Flauzino

ADMINISTRAÇÃO: Marcela Carvalho Campos

COLABORADORES: Cristina Astolfi, Lauro Ramos, Marcos Linhares, Mauro

Dias, Patrícia Dunker, Raul Lody e Roberto Ruggiero (TEXTOS); Fernando

Cavalcante, Guma, Julio Pereira, Lauro Rocha, Luiz Claudio Mayerhofer e

Luiz Santos (FOTOGRAFIAS)

JORNALISTA RESPONSÁVEL: Thereza Dantas – MTB 22.194

APOIO INSTITUCIONAL

Este é um projeto com o apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91)

COLABORADORES

Jefferson Duarte Apaixonado e disseminador da cultura

popular brasileira. Nasceu em Cascadura subúrbio do Rio de

Janeiro, mora atualmente em São Paulo. Cenógrafo autodi-

data por ofício, foi responsável pelas exposições: Na Terra de

Macunaima; 100 anos de Cordel - a história que o povo conta;

O Chão de Graciliano; Choro do Quintal ao Municipal; Estação

Cartola; Cariri Sertão Cultura; Sertão Brasil – uma viagem pelas

veredas do Rosa, Memorial da Inclusão – Mostra permanente

da Secretaria estadual da pessoa com deficiência; A Arte nos

tempos do café; entre outras. Hoje está à frente da Celophane

Cultural como produtor, cenógrafo e blogueiro.

Gustavo Rossi éGraduação em Ciência Sociais pela Unesp

(Araraquara) e Mestrado e Doutorado em Antropologia Social

pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor do

livro As cores da revolução: a literatura de Jorge Amado nos

anos 30.

RAIZ É UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO RAIZ. COM APOIO DA EDITORA CULTURA EM AÇÃO.

E-MAIL: [email protected]

PORTAL RAIZ.: www.revistaraiz.com.br

AGRADECIMENTOS AOS PARCEIROS DA 10ª EDIÇÃO DA REVISTA RAIZ:

Muda Cultural - Race Gestão Cultural - Primavera Filmes - Programa

Cultura Viva - Galeria Brasiliana – Rede Mocambos (Margareth Silva, TC e

PC) – Rede Cananéia – Museu Afro Brasil – Emanoel Araújo - Felipe Melo

- Bárbara Tércia – MinC Regional São Paulo.

IMPRESSÃO E ACABAMENTO: RR Donnelley

Diego Dionísio Jornalista e assessor de comunicação com

atuação há 10 anos na cultura popular brasileira, Pesquisador,

membro da Comissão e Paulista de Folclore com especialização

em inventário de Patrimônio Imaterial pela Crespial/Unesco.

Raquel Gonçalves é jornalista, formada pela Universidade

Federal do Ceará - UFC. Mestre em Comunicação e Semiótica

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC

SP.  Membro fundador do extinto grupo Tr.e.m.a. (Território

de Expressão no Mundo Anônimo) que atuou na cidade de

Fortaleza com intervenções e produções alternativas de comu-

nicação. Trabalhou no caderno de cultura do jornal O POVO,

em Fortaleza. Desde 2009 mora em São Paulo. Possui um blog

jornalístico de viagem. www.estradadosventos.blogspot.com`

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SUMÁRIO

O que rola de bom em nossa cultura

Debates sobre os caminhos da cultura brasileira

Livros, filmes, DVDs e CDs de RAIZ

O libertador de livros: João Corujão

Fernando Duarte, exclusiva com o secretário de cultura de Pernambuco

A exuberante Porto Alegre

A fala digital de Marcelo Branco

Caboclinho 7 Flexas, o índio urbano do carnaval

O erudito e o popular do Sagrama, PE

Tracunhaém, a cidade feita de barro

A coleção de João Maurício de Araújo Pinho

Comida com axé

Arte e transformação social em ação

ACONTECE......................6

RAIZ DA QUESTÃO...........40

BENS DE RAIZ....................70

VERSO...............................30

20

POLÍTICAS.........................56

VIAGENS...........................88

PROSA..............................

60

PATRIMÔNIO....................48

MÚSICA............................84

FIGURAS............................36

ENSAIOS...........................

COMIDAS.........................96

PONTOS DE CULTURA.....102

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EM SUA DÉCIMA EDIÇÃO, O FESTIVAL INTERNACIONAL DE

BONECOS DE BRASÍLIA DESCENTRALIZOU O EVENTO E FEZ

ARTISTAS DE ONZE PAÍSES PARTILHAREM EXPERIÊNCIAS E SONHOS

DEZ ANOS, DEZ PAÍSES E DES...CENTRALIZAÇÃO

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Por Marcos Linhares

Fotos Artur Leonardo, Flávio Manoel e Karim Sauro

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“O fato é que o mundo do teatro de bonecos já há muito encanta o Brasil, e a capital federal também não conseguiu

resistir à criatividade e à irreverência dessa nobre manifestação de cultura popular.”

Público interage no Festival Internacional de Bonecos de Brasília

ano, pôde-se notar uma preocupação

com a descentralização, no sentido de

realizar apresentações não só no centro da

capital federal (no chamado Plano Piloto)

mas também alcançar as outras regiões

administrativas, antigamente chamadas de

cidades-satélites, com população ávida por

atrações culturais e normalmente esqueci-

da dos grandes espetáculos.

“Nós apostamos na descentralização.

Nós queremos consolidar esse projeto.

Afinal, fora do Nordeste, o DF o local

com a maior concentração de bonequei-

ros do Brasil, e o festival deve cumprir

uma função social: gerar empregos dire-

Emoção. Brilho nos olhos do

espectador que brota quando da

manipulação de um boneco que

ganha vida. O fato é que o mun-

do do teatro de bonecos já há

muito encanta o Brasil, e a capital federal

também não conseguiu resistir à criativi-

dade e à irreverência dessa nobre mani-

festação de cultura popular. Colocando o

Distrito Federal na rota mundial, o Festival

Internacional de Bonecos de Brasília tem

aberto espaços, discutido o fazer cultural,

e construído um ambiente democrático

da arte humanística. Na décima edição,

realizada de setembro a outubro deste

tos e indiretos, tanto para artistas quanto

para prestadores de serviços de áreas

variadas. São dez anos e isso também

faz parte de nossa missão,” defende o

coordenador-geral, Ricardo Moreira. Mo-

reira conseguiu reunir grupos brasileiros

de várias unidades da Federação (CE,

DF, GO, MG, PB, PE, PI, PR, RJ, RN, RS,

SP) com artistas da Argentina, Bolívia,

Colômbia, Costa Rica, Chile, Espanha,

Quênia, México, Portugal e Uruguai.

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Breve histórico dos bonecos no Brasil

O mamulengueiro, ventríloquo, edu-

cador e um dos precursores da arte dos

bonecos no DF, Chico Simões, explica

que no Brasil os bonecos chegaram com

os primeiros portugueses. Religiosos ou

profanos tinham vários nomes: Presépio

de Fala, Bonifrates, Briguela, Engonços,

mas logo adquiriram o sabor africano e

indígena e novos apelidos.

“O mamulengo é para todos, sem

distinção de idade, credo religioso ou

classe social. Apresenta-se em qual-

quer parte, desde os salões da realeza

até as feiras e casas mais pobres, da

casa grande à senzala. Os bonecos são

feitos, geralmente de madeira e tecido,

de feições caricaturais e movimentos

engraçados, sempre lembram algum

conhecido nosso, um político, um reli-

gioso, um aventureiro, um patrão, um

empregado, alguns bichos naturais e até

criações do outro mundo. O palco pode

ser qualquer tecido onde o mamulenguei-

ro se esconda atrás e os bonecos possam

subir para brincar,” explica Simões.

Quando não existia a televisão e outras

formas de diversão o mamulengo fazia

muito sucesso em todo o Brasil, depois

passou por uma grande crise, mas hoje

em dia tem se tornado meio de vida de

muita gente que vai descobrindo novas

funções para os bonecos. Outras carac-

terísticas marcantes do mamulengo são

o improviso e a comunicação direta com

o público. A cultura popular brasileira

compõe um universo vivo em permanen-

te estado de ebulição. “As histórias ge-

ralmente partem de roteiros transmitidos

oralmente, são clássicos que, adaptados

livremente por cada mamulengueiro, se

renovam. De vez em quando um mamu-

lengueiro inventa um texto totalmente

novo, o que é muito bom pois renova a

tradição,” finaliza Simões.

Mestres

Presentes em todas as edições do

Festival, os mestres chamados de ma-

mulengueiros são um capítulo à parte:

talentosos, normalmente com pouco

estudo, de certa idade e com muitos anos

de estrada, eles encantam pela simplici-

dade de seu brincar que demove barreiras

culturais, étnicas, etárias e sociais. Em

comum, o riso fácil, a alegria de viver e

a honra pela profissão sofrida e normal-

mente carente de apoio governamental.

Representando o estado do Ceará,

o mestre Gilberto Calungueiro participa

do Festival há anos e em 2006, recebeu

do governo cearense o título de Mestre

da Cultura. “Participar do Festival foi a

maior alegria que já tive na vida. Gostei

da viagem, do povo de Brasília. Minha

vida é assim mesmo. Nunca pensei em ser

calungueiro. Nunca pensei em andar de

avião. Nunca pensei em ir para Brasília.

E olha só: deu tudo certo e estou muito

feliz,” contou o artista.

O evento conseguiu ocupar o status

de maior Festival de Bonecos do país,

graças ao público de cerca de 400 mil ex-

pectadores, sendo que aproximadamente

80% do total era composto por alunos

de escolas públicas urbanas e rurais que

puderam assistir a tudo gratuitamente.

“Quando não existia a televisão

e outras formas de diversão o

mamulengo fazia muito sucesso em

todo o Brasil.”

“Minha vida é assim mesmo.

Nunca pensei em ser calungueiro.

Nunca pensei em andar de avião.

Nunca pensei em ir para Brasília. E olha só: deu tudo certo e

estou muito feliz”, mestre Gilberto

Calungueiro

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Espetáculo “O princípio do Espanto” da Morpheus Teatro de São Paulo

LIVRO CONTA HISTÓRIA DOS MAMULENGOS DO PAÍS

a casa com o cachê recebido pelas

apresentações no evento, anos atrás.

Finalmente, com a participação dele este

ano, conseguirá finalizar a tão sonhada

moradia. “Sem o Festival de Brasília eu

jamais conseguiria,” revela feliz.

Fazendo um devido registro de seus

sonhos, dores e amores, os autores

abordam a maravilhosa dádiva da cultu-

ra popular por meio de seus protagonis-

tas e da paixão pelo teatro internacional

de bonecos.

“Os artistas exibem os diversos “sotaques” desse

‘brinquedo’”

Os artistas que trabalham com

bonecos exibem os diversos “sotaques”

(características, estilos) desse “brin-

quedo” mais conhecido pelo nome de

mamulengo, como é chamado em Per-

nambuco. No Brasil há outras alcunhas

que mudam de acordo com a região.

Na Paraíba, por exemplo, é chamado de

Babau; no Rio Grande do Norte, de João

Redondo ou Calunga; no Ceará, Piauí,

Maranhão e Pará como Cassimiro Coco;

na Bahia, quando existiu, se chamou

João Minhoca.

Mais do que falar do Festival Inter-

nacional de Bonecos de Brasília, o livro

Uma década de Brincadeiras – Uma

desculpa para falar de Bonecos, dos

jornalistas Marcos Linhares e Vitor Ferns,

foca em quem o faz: os artistas. É o caso

do cearense Toni Bonequeiro que com-

prou o lote onde reside com o dinheiro

do Bolsa-Família e começou a construir

Serviço:

Livro: Uma década de Brincadeiras –

Uma desculpa para falar de Bonecos

de Marcos Linhares e Vitor Ferns

Editora Thesaurus, 144 págs.

Quanto: 30 reais

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Da Redação

Fotos Divulgação

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BRINQUEDOS DO BRASIL

Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste traz objetos da coleção de David Glat, curador do Museu do Brinquedo Po-

pular na Bahia. A exposição tem uma grande diversidade de objetos, de bonecos representando figuras populares, como bailarinas

e forrozeiros, e mitológicas, como o saci e sereias, a miniaturas de veículos feitas de materiais diversos, tais como madeira, arame,

tecido e latinhas de refrigerante. O Museu Afro Brasil pretende nessa mostra, com mais de mil itens, pela via da estética, recuperar

as raízes brasileiras contidas nesses brinquedos, que embalaram gerações de infâncias de meninos e meninas brasileiros.

Serviço:

Exposição: Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste

Até dia 01 de abril de 2012, de terça a domingo das 10h às 17h

Local: Museu Afro Brasil – Avenida Pedro Álvares Cabral, s/n - Parque do Ibirapuera, portão 10, São Paulo

Fone: (11) 3320-8900 ramal 8921

Agendamento para visitas monitoradas www.museuafrobrasil.org.br

BRINCAR COM ARTE – O BRINQUEDO POPULAR DO NORDESTE, COM MAIS DE MIL OBJETOS DA COLEÇÃO DE DAVID GLAT.

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da Redação

Fotos Acervo Associação RAIZ

Na coleção do curador David Glat brinquedos criados com materiais diversos, tais como madeira, arame, tecido e latinhas de refrigerante.

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UMA MANEIRA DE OUVIR O BRASILAFRO-SAMBAS

Talvez Vinicius de Moraes não

tenha incorrido em redun-

dância, afinal, ao chamar de

afro-sambas (ou afro sambas,

as duas grafias são corretas)

o resultado de seu trabalho em parceria

com Baden Powell realizado no início

dos anos 1960, um grupo de canções

inspiradas em personagens, timbres,

pulso rítmico do candomblé. Seria

redundância se consideramos que todo

samba brasileiro tem origem africana.

Não seria redundante se Vinicius pen-

sasse – e nem mesmo que José Castello,

seu melhor biógrafo, que se debruçou

sobre a questão – que o samba, tal

como era praticado comercialmente

naquele momento, estava um tanto

afastado de suas origens, acomodado,

adocicado de modo a ser palatável para

a classe média formadora do crescente

negócio da fonografia.

Seja como for, Vinicius apenas adotou

o nome “afro-sambas”. Quem batizou

assim o conjunto de peças foi o produtor

Roberto Quartin, dono da gravadora

independente Forma. Homem de grande

conhecimento musical, bom gosto e tino

comercial, Quartin havia criado a Forma

em 1960. Lançou, pelo selo, discos im-

portantes (as estreias de Moacyr Santos

e do Quarteto em Cy, a trilha sonora

de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”)

e seria o produtor do encontro de Tom

Jobim com Frank Sinatra. Pois bem, foi

esse sujeito especial que viu o que havia

de especial naqueles sambas que Baden

e Vinicius haviam composto ao longo

de alguns anos. E percebeu que seria

interessante reuni-los de forma temática.

Por Mauro Dias

Fotos Guma

gente importante do mundo do rádio

– tocando valsas, boleros, beguines,

modas, muito samba-canção.

Seu contato com o samba foi,

portanto, quase nenhum. E seu conhe-

cimento da música mais próxima das ra-

ízes africanas praticamente não existiu.

Na cidade natal, porque era muito novo.

Na capital, porque foi frequentar outro

meio. Mas histórias certas escrevem-se

por linhas tortas.

E foi assim que, em 1962, acom-

panhando Sílvia Telles, Baden fez uma

viagem à Bahia. Lá foi ouvido pelo

compositor (também cantor, jornalista,

homem de teatro etc.) Carlos Coqueijo,

que, encantado com sua habilidade, lhe

deu de presente um disco de sambas

de roda e temas do candomblé. Aquilo

era totalmente novo para o violonista.

Baden ficou extasiado. Muito estudioso

e disciplinado (apesar da imagem pública

de boêmio não muito responsável), mer-

gulhou de cabeça nos sambas de roda e

músicas de terreiro. Baden isolou células

harmônicas, examinou intervalos, escan-

diu os complexos rítmicos e, ao cabo,

redimensionou as possibilidades técnicas

do violão de modo que o instrumento

Quando Quartin bolou o nome “afro-

-sambas” e lançou o disco, em 1966,

vários dos temas já haviam sido gravados

e feito sucesso (nas vozes de Odete Lara,

Elisete Cardoso, Rosinha de Valença,

Nara Leão, por exemplo).

E, seja como for, os afro-sambas de

fato têm, como conjunto, um grande

peso simbólico – tão ideológico quanto

musical ou poético. Em linhas gerais,

pode-se dizer que o samba, de fato,

afastou-se de seu berço quando passou

a ocupar lugar de importância na cadeia

da indústria de entretenimento. O que

seria mesmo inevitável – ou não entraria

“Os afro-sambas

de fato têm, como conjunto, um grande peso simbólico – tão

ideológico quanto musical ou poético.”

na cadeia da indústria de entretenimento.

Abandonou a temática de origem (dos

jongos, das rodas do recôncavo baiano),

sempre reverente às divindades de ori-

gem africana, para abarcar universo mais

amplo. E como não há conteúdo novo

sem forma nova, esse universo mais

amplo solicitou do criador uma nova

estética. Que deu no samba tal como

era criado pelo carioca Noel Rosa, pelo

baiano Assis Valente ou pelo mineiro

Ari Barroso.

Baden Powell de Aquino nasceu

numa cidadezinha do interior do Estado

do Rio, uma antiga pousada de boia-

deiros. Seu pai era mestre de banda e

mudou-se com a família quando Baden

era garoto. No Rio de Janeiro, Baden

começou a conviver com chorões –

muito mais do que com sambistas.

Pois seu pai, que tinha conhecimento

teórico de música, era amigo de gente

musicalmente instruída como ele – os

instrumentistas do choro. A turma do

samba era outra, mais intuitiva, sem

dúvida talentosa, mas de outro mundo.

Em pouco tempo o precoce violonista

Baden Powell começou a acompanhar

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Page 12: Revista Raiz #10

pudesse abrigar e explicitar a quantidade

de novas informações.

O primeiro afro-samba – que, nunca é

demais lembrar, não era chamado de “afro-

-samba” na ocasião – foi “Berimbau”, e é

notável o fato de que não haja alusão

religiosa na letra da canção. Pois o que

encantou tanto Baden quanto Vinicius

não foi a religiosidade da música do

candomblé e do samba de roda, mas a

riqueza harmônica, melódica e rítmica

contida naquelas formulações, e o uni-

verso – musical, poético – que se abria

como direta consequência.

Os afro-sambas, hoje, são totens da

expressão criativa popular, página sofisti-

cada que definiu critérios qualitativos para

autores que os ouviram. Edu Lobo diz que

sua música não seria a mesma sem aquela

série de canções; Chico Buarque faz coro, e

assim por diante. O violão brasileiro ganhou

dimensões novas e passou a ser reconheci-

do como um dos mais importantes – senão

o mais importante – da cena internacional.

Os nomes das divindades de origem africa-

na, os orixás, integraram-se ao vocabulário

cotidiano inclusive como reforço na afir-

mação de brasilidade que a cultura tentava

estabelecer naquele momento em que se

vivia o início da ditadura militar.

Baden – Vinicius com ele, mas Baden,

em primeiro lugar – criou um marco

divisório ali naquele início dos anos 1960,

um marco ainda não bem examinado

(mesmo que muito mencionado), talvez

de compreensão menos imediata do que

o outro, um pouco anterior, da bossa

nova, que veio pelas mãos de João Gilber-

to. São em tudo oponentes. Se João é a

contenção, a economia, o intimismo, o

distanciamento, Baden é a explosão, o

ruído, a busca da harmonia no ruído,

a porta aberta para a rua em festa, o

corpo, o contato. Essas expressões,

esses brasis estiveram em contraponto

naquela época, estão em contraponto

ainda hoje. Para entender Brasil é preci-

so ouvir essas duas vozes, estudá-las em

suas características e, fundamentalmen-

te, estudar o que as distancia.

“E como não há conteúdo novo

sem forma nova, esse universo mais amplo solicitou do criador uma nova

estética.”

“Em qualidade sonora – foi a pior naquele tempo; só existiam dois canais em hi-fi. Foi gravado num daqueles dias, em que caía um temporal histórico – o estúdio estava transbordando de água e chuva – cantava e tocávamos em cima de algumas caixas de cerveja e uísque que há muito já havíamos consumidos – estávamos todos com muita raça, mas também bastante bêbados. Poucos profissionais – até as namoradas, mulheres e amigos participaram da gravação”.

(Baden Powell em carta ao amigo Joel em 1º de novembro de 1990)

2012, ano em que se completam cinquenta anos da primeira parceria entre Baden Powell e Vinícius de Moraes, a Cia Jazzcira

de Repertório, buscando trazer luz a esta importante obra, coloca em circulação o Projeto Afro Sambas – 50 anos:

Ficha Técnica do show:

Show: O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius

Direção Musical: Igor de Bruyn

Direção Artística: Henrique Barros

Cia Jazzcira: Adriana Aragão (percussão), Daisy Cordeiro (voz), Edson Negrita (cavaquinho), Igor de Bruyn (violões),

Mauricio Paixão(percussão), Paula Souto(voz), Susie Mathias (voz), Vinicius Batucada (percussão)

Exposição: Doze Artes, Doze Canções

Cida Carvalho, Malu Perlingeiro (Brasilia/DF), Carlos Martins (Teresina/PI), Heraldo Candido (Belém/PA),

R. Francolino (Guarulhos/SP), Jair Guilherme, Shidon Soares, Sopa Grafix, Zaza Jardim (São Paulo/SP)

Liga dos Raros: www.ligadosraros.com.br

Afro Sambas: www.afrosambas.com.br

O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius: oamornostempos.wordpress.com

Circulação do show O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius, que além da série de músicas dos Afro-Sambas, traz os

clássicos “Apelo”, “Deixa”, “Formosa”, “Samba em Prelúdio”, “Samba da Benção”, “Tem Dó”, “Pra que chorar”, “Queixa”,

“Tempo Feliz” e “O Astronauta”. O show teve a sua estreia em maio de 2011, e já foi apresentado nas bibliotecas municipais de

Pinheiros, Vila Mariana, Vila Maria e Guaianazes, no SESC Santo Amaro, e na AABB–Associação Atlética do Banco do Brasil.

Circulação da exposição coletiva Doze Artes. Doze Canções. Nove artistas brasileiros recriam nas artes plásticas os doze afro-

-sambas que compõem a coleção de Baden Powell e Vinícius de Moraes (“Berimbau”, “Bocochê”, “Canto de Iemanjá”, “Canto

de Ossanha”, “Canto de Xangô”, “Canto do Caboclo Pedra Preta”, “Consolação”, “Labareda”, “Lamento de Exu”, “Samba da

Benção”, “Tempo de Amor” e “Tristeza e Solidão”). Exposição inaugurada na Galeria do Banco do Brasil.

Produção de documentário (ainda sem título). A partir do depoimento de alguns protagonistas (Quarteto em Cy, Dulce Nu-

nes, Alfredo Bessa, Betty Faria, César Proença, Otto Gonçalves Junior), recria os quatro dias da gravação do LP, ocorrida nos dias

03, 04, 05 e 06 de janeiro de 1966.

50 ANOS DE AFRO SAMBAS

O Projeto e a agenda dos shows podem ser acompanhados no blog: www.afrosambas.com.br

Serviço:

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brapa, criou e produziu diversos projetos de inclusão digital

para a prefeitura de Porto Alegre e para o governo do Estado

do Rio Grande do Sul. Foi um dos consultores em cultura

digital na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura.

Em meio à gestação da primeira filha e aos encontros nacio-

nais e internacionais sobre os temas do ciberespaço, concedeu

uma entrevista no café da Casa de Cultura Mario Quintana, na

capital gaúcha, Porto Alegre, para a revista RAIZ. Marcelo Bran-

co fala das mudanças do século 21 com segurança e da certeza

de que o mundo já mudou. Militância, ativismo, políticas públi-

cas e direito autoral foram alguns temas das quase duas horas

de bate-papo. Sem pressa, desplugado...

MARCELO BRANCODESPLUGADO

Segundo a Wikipedia, ele é “consultor para socieda-

de da informação e também ocupa o cargo de pro-

fessor honorário da Cevatec, além de ser membro

do conselho científico do programa internacional de

estudos superiores em Software Livre na Universida-

de Aberta de Catalunha.

Foi coordenador do projeto Software Livre Brasil, através

do qual também coordenou o Fórum Internacional de Softwa-

re Livre. Também foi diretor do Campus Party Brasil por três

anos. Deixou estas duas funções para se dedicar à coordena-

ção de campanha nas redes sociais da candidata Dilma Rous-

seff do PT nas eleições 2010 do Brasil”. Uma das referências

da cultura digital no Brasil, Marcelo D’Elia Branco frequenta o

ciberespaço há mais de trinta anos. Iniciou sua carreira na Em-

Marcelo D’Elia Branco mantém uma discreta porém ativa militância na implementação da Cultura Digital no Brasil.

21

Por Thereza Dantas

Fotos Fernando Cavalcante

prosa

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RAIZ.: Você tem uma longa experiência

no desenvolvimento da Cultura Digital.

Como foi a sua relação com o Ministério

da Cultura na gestão Gilberto Gil, na

qual esse movimento se transformou em

política pública?

Marcelo Branco: Primeiro, eu acredito

e compartilho essa opinião com outras

pessoas: que estamos vivendo uma revo-

lução digital e não tecnológica que está

alterando de forma intensa as relações

pessoais. E de forma tão profunda como

foi a revolução industrial do século 18

para o século 19.

Durante mais de dois séculos todas

as organizações, instituições e relações

foram mediadas por formas criadas

na revolução industrial. As disputas

políticas, econômicas se deram nesse

espaço que tem como base a revolução

tecnológica industrial. A internet está

mudando isso. Ela tem alguns atributos

que ampliam de forma intensa os rela-

cionamentos humanos. A Cultura Digital

é uma das novidades que surgem com

essa revolução digital. Na economia, a

acumulação do capitalismo era baseada

no segredo industrial, na propriedade

intelectual, na reserva do conhecimento,

esses eram os valores que acumulavam

capital. Na economia hoje, diante da re-

volução tecnológica digital, o valor a ser

perseguido até por grandes corporações

é o valor da abertura, do compartilha-

mento, da busca do conhecimento que

está distribuído na rede, para agregá-lo

às empresas e à vida das pessoas.

A Cultura Digital tem origem no início

da internet. O movimento do Software

Livre surge nos anos 1980 com o hacker

Richard Stallman e com ele os primeiros

conceitos de copyleft e Creative Com-

mons. E aí surgem os primeiros sujeitos

políticos da internet. A origem da Cul-

tura Digital está ligada a movimentos de

acadêmicos e hackers. A primeira grande

comunidade, a primeira grande rede

social de pessoas que se aglutinaram em

torno das possibilidades colaborativas

foi a do Software Livre da qual eu faço

parte.

Hoje a Cultura Digital está associada

a cultura nerd, geek e hacker. O próprio

ministro Gilberto Gil se considerava

um ministro hacker, porque ele tentou

construir as ações do Ministério a partir

“Estamos vivendo

uma revolução digital e não

tecnológica que está alterando de forma intensa as

relações pessoais.”

RAIZ.:No processo de criação dos Pontos

de Cultura eram cedidos equipamentos

como computadores, câmeras fotográ-

ficas e filmadoras para diversos grupos

como comunidades indígenas, quilom-

bolas ou grupos urbanos do movimento

hip-hop. Vocês chegaram a fazer uma

avaliação sobre o que foi produzido a

partir desse encontro da Cultura Popular

com a Cultura Digital?

Marcelo Branco: Não chegamos a fazer

essa avaliação, mas posso dizer que

existem vários programas de inclusão

digital de instituições como o Banco do

Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Se-

cretaria Nacional de Inclusão Digital com

políticas nacionais de inclusão digital.

Todas essas iniciativas são incomparáveis

à iniciativa de inclusão digital do MinC.

E a grande diferença é que a maioria

dos programas já vinha com projetos

criados dentro do governo, e os Pontos

de Cultura, dentro de um pequeno

orçamento, é um projeto horizontal que

respeita o trabalho das organizações

culturais já existentes e potencializa suas

ações. Foi um projeto ousado e exitoso

porque transferiu toda a gestão para a

própria organização, para a sociedade

civil. Não havia ninguém do governo

dizendo o que tinha o que ser feito. O

segredo do sucesso foi esse: foi deixar

os quilombolas, as aldeias indígenas, as

comunidades urbanas que já tinham sua

Genebra (2003) e Túnis (2005), o Brasil

defendeu posições já baseado nas orien-

tações das políticas do Gil. Ele é um cara

ligado e isso tem origem lá na Tropicália,

quando ele e o Caetano utilizaram a

tecnologia no campo da música popular

brasileira. Na época também foram

muito combatidos porque adicionaram a

guitarra à música brasileira... O Gilberto

Gil projetou o país internacionalmente

na área da Cultura Livre, da cibercultura,

da Cultura Digital!

dessa cultura. É bom deixar claro que há

diferenças entre hackers e crackers. Os

hackers são os criadores (ou desenvolve-

dores) que usam seu conhecimento para

ampliar a ação da rede através de par-

cerias, já os crackers são os que violam

privacidade, criam vírus, os que invadem

sites ou trabalham na CIA. Então, os

valores de origem da Cultura Digital são

os valores da colaboração, do comparti-

lhamento do conhecimento e do conhe-

cimento aberto. E na Cultura Digital não

existe o antigo conceito de obra original,

porque a obra pode sofrer uma colabo-

ração e virar uma obra derivada a partir

de várias obras originais.

No Rio Grande do Sul há mais de dez

anos incentiva-se o Fórum Internacional

do Software Livre, mas como uma polí-

tica de desenvolvimento da tecnologia.

No governo Lula iniciei a provocação e a

crítica sobre a questão do Software Livre

e conheci o Gilberto Gil no primeiro ano

do governo. Poderia ter sido o ministro

da Ciência e Tecnologia ou o ministro da

Indústria, não foi nenhuma Secretaria

da Tecnologia da Informação, mas foi o

Gilberto Gil que abraçou a questão. A

Cultura Digital só surgiu como política

pública na gestão do Gilberto Gil, quan-

do ministro da Cultura. Já havia grandes

redes sociais, mas na gestão Gil muitas

delas foram incentivadas – como foi o

caso da rede das Mídias Livres. Nas duas

cúpulas da Sociedade da Informação em

“Poderia ter sido o ministro da Ciência e Tecnologia ou o ministro da Indústria, não foi nenhuma Secretaria da Tecnologia da

Informação, mas foi o Gilberto Gil

que abraçou a questão da

Cultura Digital.”

23

prosa

Page 15: Revista Raiz #10

história, ampliarem seus trabalhos com o

apoio da Cultura Digital. Não foi neces-

sário construir nada a partir da iniciativa

do governo, ao contrário, os Pontos de

Cultura eram instituições que já existiam,

nunca foram órgãos do governo!

A grande sacada da gestão Gil foi

inverter a ordem. Sair da política da

cultura dos consagrados – e não tenho

nada contra os consagrados – e poten-

cializar a Cultura Popular que não tem

espaço na indústria criativa – indústria

do cinema, indústria fonográfica, até nas

comunicações. Foi um espaço de prota-

gonismo da cultura popular – Selma do

Coco, Mestre Felipe do Tambor de Criola

do Maranhão ou projetos culturais de

grupos quilombolas puderam ser vistos

e se entenderem como criadores de

cultura. Pela primeira vez, nunca antes

no Brasil...[risos]

RAIZ.: Mas foi feito algum balanço?

Marcelo Branco: Eu sei que o Programa

Pontos de Cultura atingiu cerca de oito

milhões de pessoas, que são quase dois

mil pontos de cultura, mas não fizemos

um balanço final sobre isso porque

acreditávamos que esse programa teria

uma continuidade...

Mas, voltando, as ações do MinC

impulsionaram as mídias livres, a

CulturaDigital.Br, a ideia da meta-recicla-

gem, de transformação dos equipamen-

tos digitais em arte, tudo isso associado

a uma discussão de possibilidades de

remuneração da nova cadeia produtiva

da cultura a partir da chegada da inter-

net. Foi um período de intensa discussão

que foi interrompido...

Vimos nesses oito anos de governo

Lula uma grande discussão, e não havia

“Poucos tinham a “sorte”, o “talento” ou a “oportunidade” de expor suas obras, porque todo bem cultural tinha uma

indústria que intermediava, que tinha a capacidade e a tecnologia do poder da

cópia e o monopólio da distribuição.”

a “oportunidade” de expor suas obras,

porque todo bem cultural tinha uma

indústria que intermediava, que tinha a

capacidade e a tecnologia do poder da

cópia e o monopólio da distribuição.

Então funcionava assim: a extração da

matéria-prima – o autor ou compositor,

entregava suas obras para a indústria da

cópia – impressão de CDs ou livros, que

um modelo acabado mas que valorizava

a internet como nova possibilidade de

produção colaborativa de arte, uma

nova possibilidade de divulgação da

arte – essa que não tem espaço nos

grandes meios de comunicação. Iniciou-

-se a discussão sobre a remuneração,

como o autor se sustentaria nesse novo

modelo, como o produtor, enfim não se

negou o desafio da remuneração nesse

novo contexto mas abria a discussão

contando com a internet como aliada e

não como inimiga!

No mundo inteiro os maiores ataques

contra as liberdades civis na internet vêm

da chamada indústria criativa, que histo-

ricamente vê a internet como inimiga. A

indústria do cinema, a indústria fono-

gráfica, a indústria do copyrigth, têm

lobbys fortes com a adesão de políticos

e governos para que se adotem ações de

vigilância, controle e censura na internet,

porque a internet ameaça o modelo de

negócio deles.

RAIZ.: No século 20 a economia

era baseada no bem material, e no

século 21 se baseia na informação

ou no bem imaterial. Quais seriam

as alternativas de remuneração, com

exemplos, e as questões do direito do

autor com as novas licenças Creative

Commons (CC) ou copyleft.

Marcelo Branco: Olha, a gente tem

que partir do princípio de que o modelo

de remuneração e reconhecimento do

século 20 não era justo. O modelo an-

terior era excludente, a grande maioria

dos artistas não conseguia chegar ao

conhecimento do grande público porque

o sistema funcionava como um funil.

Poucos tinham a “sorte”, o “talento” ou

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Para Marcelo Branco a Cultura Digital viveu seu melhor

momento na gestão do ministro “hacker” Gilberto Gil.

25

prosa

Page 16: Revista Raiz #10

também detém o poder da distribuição

dos produtos culturais, para chegar ao

público. Entre o criador e o público havia

uma indústria intermediária, talvez a

indústria mais poderosa do século 20,

a indústria do copyright que detinha

a tecnologia da cópia e o monopólio

da distribuição. O autor recebia uma

pequena parte desses rendimentos

financiados pelo público, e o varejo, que

vendia o produto, também ganhava uma

pequena parte. A maior parte do valor

que nós cidadãos pagávamos pelo bem

cultural ficava na mão dessa indústria

intermediária que controlava a cópia e

a distribuição. O que acontece quando

chega a internet? Esse produto imaterial

– a obra, que não precisa de um suporte

físico – não precisa da produção fabril

e muito menos do controle da distribui-

ção... ou seja, a indústria da interme-

diação evapora com a internet. Ela não

é mais necessária – não existe mais a

necessidade de fábrica de cópias de CDs

ou de livros, nem precisa mais de uma

estratégia de distribuição – e ela precisa

se reinventar. Mas ela ainda quer dar as

cartas do jogo, ela ainda é poderosa, ela

ainda quer manter as regras de quanto

o músico ou o autor devem ganhar ou

quanto a loja pode lucrar com a venda

do produto, ela quer também censurar

a internet... Então nós tínhamos um

modelo injusto, que, se não contasse

com as “bençãos” de uma gravadora ou

editora para ter seu trabalho exposto,

não chegava ao grande público. Quem

enfrentava esse modelo era chamado de

marginal, meio “hippongo”, mas eles

também repetiam o mesmo modelo de

produção de cópias e tentativas de distri-

buição. Então a internet veio para alterar

tudo isso, e as licenças alternativas como

a Creative Commons ou o copyleft vie-

ram de forma incidental.

A ideia das licenças alternativas co-

meçou com o movimento dos programa-

dores, na área da tecnologia digital. A

Microsoft e várias indústrias de software

vendem programas em forma de códigos

binários (01) aos consumidores e os pro-

gramadores não têm como reprogramar

sem o acesso ao código fonte. O Richard

Stalmann, um hacker do MIT (Massachu-

setts Institute of Technology) percebeu

que os programas de computadores

compartilhados pelos desenvolvedo-

res ou programadores passaram a ser

“Existem crimes no mundo virtual,

mas, como no mundo real, as pessoas têm direitos de defesa e

todos são inocentes até que se prove sua culpa via investigação, provas e

uma decisão judicial.”

licenciados e secretos. O código-fonte

não estava mais disponível. Percebendo

o movimento dessas apropriações, ele

criou quatro regras na comunidade do

Software Livre, ainda nos anos 1980:

liberdade do uso a qualquer propósito;

liberdade da cópia; liberdade de modi-

ficar a obra original, poder transformá-

-la em obra derivada; e distribuir a

obra derivada com a mesma licença. E

mesmo com essas quatro regras não há

nenhuma limitação de uso comercial do

código livre. Inclusive várias empresas

usam os softwares livres comercial-

mente, mas o que não é permitido é a

restrição do acesso - o conhecimento e

tudo o que for desenvolvido abaixo da

licença livre tem que ficar a disposição

de outros desenvolvedores.

E o Richard Stalmann, percebendo

a apropriação de um conhecimento

compartilhado, criou, com um grupo

de advogados, o copyleft. Ao invés de

criar uma nova lei, ele criou a licença

copyleft que está baseada no copyright.

Ele subverteu a ideia do direito autoral.

Com o passar do tempo a internet foi

atraindo outros usurários, além dos

desenvolvedores, e nessa evolução

percebeu-se que era necessário expandir

a questão do direito das obras de artistas

que começavam a utilizar a rede para

divulgar suas obras. Nos anos 2000 não

eram somente os códigos-fonte que

estavam na rede, mas músicas, filmes,

textos, e surgiu a ideia de um tipo de

copyleft para proteger a obra cultural.

Essa discussão começou a fervilhar no

ciberespaço. A licença número 1 (Gene-

ral Public Licence) do Software Livre, que

tem como base a defesa do direito do

autor, foi criada para os desenvolvedo-

res. Em 2001, por iniciativa do advogado

norte-americano Lawrence Lessig foi

lançado o Creative Commons, uma

alternativa de licença para proteger as

obras culturais. Era uma necessidade da

área da cultura e ela flexibiliza o uso da

obra. O Creative Commons não é uma

empresa “gringa”, é uma licença. Existe

uma entidade jurídica criada para esti-

mular o debate e ela reconhece o direito

do autor, que deve ser reconhecido ao

ser criada uma obra derivada, pois essa

é uma prática comum no mundo virtual.

Na licença Creative Commons há várias

formas de você disponibilizar seus tra-

balhos, permite-se a livre circulação com

direito a remix ou não, mas ela fecha o

atributo comercial. Enfim, essa licença dá

o direito de utilizar a obra de um autor,

mas sem fins comerciais. Há licenças

CC que são quase as mesmas regras da

licença do copyleft – pode remix, cópia

e distribuição, desde que o autor seja

citado, – ou mesmo próximas das regras

do copyright – onde se bloqueia o remix

e a cópia e permite-se a divulgação da

obra citando o autor.

RAIZ.: Afinal, por que a criação e a exis-

tência dessas licenças?

Marcelo Branco: Era uma necessidade

do ciberespaço que fossem criadas licen-

ças. No caso da CC, houve uma grande

sacada por que ela tem três linguagens:

a linguagem jurídica, para que os advo-

gados entendessem e pudessem tratar

das questões legais ligadas ao direito do

autor, uma linguagem para leigos, onde

artistas e criadores pudessem facilmen-

te indicar como utilizar sua obra no

ciberespaço, e a linguagem binária, onde

a licença pode ser interpretada pelas

máquinas. É uma evolução do direito

autoral na perspectiva de se adequar aos

novos tempos e às novas relações que

surgiram através da internet. E quero

deixar claro que nunca existiu da parte

da gestão Gilberto Gil ou de grupos da

sociedade civil a defesa da obrigatorie-

dade de utilização de quaisquer dessas

licenças. Sempre houve ativismo para

divulgar essas licenças, mas sempre res-

peitou-se o direito do autor de proteger

a sua obra a partir de suas escolhas!

No caso do CC no site do MinC,

durante a gestão Gilberto Gil, foi uma

opção política licenciar o conteúdo no

Creative Commons – por entender que

aquilo que é feito a partir do dinheiro

público deve estar livremente à disposi-

ção dos internautas e cidadãos brasilei-

ros. O MinC estimulava através de seus

programas de governo o uso das licenças

livres. Agora presenciamos uma opção

política ao retirar essa mesma licença

do site do MinC. E essa antiga política

dos direitos autorais nunca beneficiou o

Brasil, beneficia um grupo seleto – que

merece o reconhecimento de seu valor

artístico, mas que permite que milhões

de royalties saiam do Brasil para pagar os

direitos de autor ou do fonograma para

selos de gravadoras multinacionais. E o

MinC tem que pensar como poder

27

prosa

Page 17: Revista Raiz #10

público e desenvolver políticas públicas

para os milhões de artistas populares

ou não que precisam de espaço para

divulgar a sua obra.

Graças a essa indústria cultural multi-

nacional, ao Brasil não foi permitido criar

a sua própria indústria cultural. E duran-

te a gestão Gil estávamos num processo

de efervescência de discussão das novas

possibilidades criadas pela internet.

Quem sabe não seria nesse processo de

abertura de novos modelos econômi-

cos que o Brasil finalmente criaria uma

indústria cultural?

RAIZ.: Há uma onda conservadora para

preservação do copyright no mundo.

Inclusive com montagem de lobbys e

reuniões com representantes da política

nos parlamentos e governos no mundo.

Como você vê isso?

Marcelo Branco: Realmente há uma

onda conservadora há alguns anos que

está tentando reprimir as novas possibili-

dades. Por exemplo, a indústria fonográ-

fica há dez anos arrecadava 26 milhões

de dólares ao ano, e dez anos depois ela

arrecada 10 milhões de dólares ao ano.

Esse é um exemplo de uma indústria

ameaçada por esses novos modelos, mas

que, ao invés de se reinventar, resol-

ve reprimir o seu público – no jargão

empresarial, os seus clientes. A indústria

fonográfica se voltou contra o público,

através da vigilância e quebra do direito

da privacidade. Os artistas historicamen-

te sempre quiseram ser ouvidos e conhe-

cidos pelo público e não ficar caçando

quem ouve suas músicas.

Há várias ações contra as novas

mídias e a mais recente é a ACTA. Esse

é um acordo contra a falsificação que

está sendo orquestrado por alguns

países como o Japão e Estados Unidos

de forma secreta, e, graças ao Wiki-

Leaks, documentos sobre esse acordo

vazaram e iniciou-se um movimento de

oposição a esse acordo que defende que

todo usuário deve ser vigiado através

de um filtro na porta da sua conexão da

internet. Eles defendem que entidades

privadas como Associações de Combate

a Pirataria analisem as ações dos inter-

nautas e avaliem se você está usando

obras protegidas ou não; que provedores

ganhem poderes de polícia que gram-

peiem a sua internet, e que se um usuá-

rio for descoberto assistindo uma cópia

de um filme seja acionado judicialmente.

A França foi o primeiro país a penalizar

internautas com as leis duras que podem

até desconectar o usuário. Essa mesma

lei inspirou o Brasil, com a Lei Azeredo,

que chega ao extremo de culpabilizar

qualquer usuário que copia um CD para

seu pendrive com uma pena de prisão

de até três anos!

Nesse momento há questões curiosas

como a grande imprensa que elogia

a queda de “ditadores” árabes pela

mobilização de jovens via internet e rede

sociais, e se cala sobre a tomada das

praças espanholas mobilizadas através

de um protesto contra a Lei Sind – que é

o sobrenome da ministra da Cultura da

Espanha, Ángeles González Sind – que

restringiu de forma severa os direitos

civis dos internautas para defender o

direito autoral convencional, fechando

sites ou desconectando a internet de al-

gumas pessoas. Nesse momento, os mi-

litantes da Cultura Digital iniciaram uma

reação com o movimento “No Les Vote”

contra os partidos PSOE, Convergência e

União e o Partido Popular que aprova-

ram essa Lei, e incitaram a ocupação das

praças espanholas no dia 15 de março,

o 15M, e deram origem ao movimento

“Democracia Real Ya”... Creio que nós

devemos refletir sobre o que aconteceu

na Espanha. A partir de um movimento

de defesa dos direitos civis na internet,

estudantes e desempregados tomaram

as praças, ampliaram suas reivindicações

com críticas ao sistema financeiro e der-

rubaram o primeiro ministro Zapateiro...

Nesse sentido, o Marco Civil da Inter-

net que está em trâmite no parlamento

brasileiro é uma vitória. De acordo com

o projeto, só quem pode retirar um site

do ar é o poder judiciário através de uma

decisão judicial, e não um provedor, um

prestador de serviço alçado a condição

de órgão fiscalizador das ações dos

internautas como determina essa AI-5

Digital brasileira, a Lei Azeredo. Existem

crimes no mundo virtual, mas, como no

mundo real, as pessoas têm direitos de

defesa e todos são inocentes até que se

prove sua culpa via investigação, provas

e uma decisão judicial.

RAIZ.: Existe uma vigilância na inter-

net. Não só do ponto de vista da uso

da obra cultural mas também do uso

de informações do usuário por gran-

des empresas.

Marcelo Branco: Há uma luta dos

ativistas da Cultura Digital pelo direito

a privacidade. Hoje as grandes em-

presas são responsáveis pela violação

da nossa privacidade e não os hackers

como espalham por aí. Nossos dados,

preferências e desejos são utilizados e

vendidos – aí sim há um uso econômico

abusivo – por grandes empresas e para

grandes empresas. Nós que estamos no

início da internet sempre defendemos o

direito a privacidade.

RAIZ.: E na sua opinião como a internet

pode ajudar a “economia criativa”?

Marcelo Branco: Na minha opinião, o

Brasil pode criar uma indústria cultural a

partir desses novos modelos que surgem

com a internet. Incentivos de negócios

na área da cultura podem ser criados

pelo poder público. Há casos de grupos

como o Teatro Mágico que tem toda a

sua obra disponível na internet e fazem

shows com casa lotada ou mesmo como

o Leoni (ex-Kid Abelha) – que declarou

ter nessas novas formas uma possibili-

dade real de divulgação e vendas de seu

trabalho. O Paulo Coelho, numa ação

curiosa de marketing, declarou recen-

temente que tinha um site pirata para

vender sua obra. Ele é um defensor do

Pirate Bay... [risos]

Participei de uma mesa no Seminário

do Plano Estadual de Cultura em Porto

Alegre com um poeta muito respeitado,

o Arlindo Trevisan, que tem mais de cin-

quenta livros editados. Ele declarou que

não tem esse apego ao livro impresso,

que existe uma grande dificuldade para

vender mil livros e que o seu blog tem

milhares de visitas diárias de pessoas dos

mais diferentes lugares como Rússia ou

China. Afinal, o que estamos discutin-

do? O livro ou a literatura? O CD ou a

música? Antes do advento da indústria

cultural já existia músicos e música, livros

e autores, eles viviam de suas obras

e agora essa indústria quer se impor

através de mecanismos de repressão. Os

nativos digitais nasceram baixando músi-

ca, compartilhando conhecimento. Tente

explicar para esses jovens que eles estão

pirateando, que eles podem responder

judicialmente por essa troca de informa-

ções. Cópia privada é bem diferente de

pirataria: a pirataria é o uso comercial de

algo que não é seu, e a cópia privada é o

direito de ouvir, ler ou assistir uma obra

copiada, sem fins comerciais, para seu

conhecimento, sua formação e prazer.

A verdade é que a música, a literatura,

o cinema não estão sob ameaça, nunca

se produziu tantos filmes, nunca se leu

tanto, mas os intermediários da indústria

cultural estão sob a ameaça de sumir!

“Afinal, o que estamos discutindo? O livro ou a literatura? O CD ou a

música? Antes do advento da indústria cultural já existia músicos

e música, livros e autores, eles viviam de suas obras e agora essa

indústria quer se impor através de mecanismos de repressão.”

29

prosa

Page 18: Revista Raiz #10

O SARAU CARIOCA CORUJÃO DA POESIA COMPLETA SEIS ANOS

COM ENCONTROS ESPECIAIS E CENTENAS DE BIBLIOTECAS

MONTADAS EM ESPAÇOS PÚBLICOS

A ANIMADA POESIA DO JOÃO DO CORUJÃO

Foto

: Ju

lio P

ere

ira

O Sarau do Corujão da Poesia

nasceu na zona sul carioca e

hoje distribui livros pelo estado

do Rio de Janeiro.

31

Da Redação

Fotos Julio Pereira

verso

Page 19: Revista Raiz #10

O Rio de Janeiro tem uma

longa tradição de saraus,

literatura e poesia. E essa

tradição é mantida no

Corujão da Poesia, uma

vigília literária que acontece todas as

terças-feiras, das 21h até o último poeta,

no Bar Cariocando, no Catete, um bairro

histórico da cidade.

Organizado pelo animador João Luiz

de Souza, o João do Corujão, assessor

de Cultura da Universidade Salgado de

Oliveira, o Corujão da Poesia promove

a “inclusão do livro nos espaços de

convivência e a formação do prazer da

leitura individual e coletiva”, segundo

João. São seis anos de existência do

Corujão da Poesia - Universo da Leitura.

Durante cinco anos e três meses os

encontros aconteceram na Livraria Letras

& Expressões no bairro do Leblon, da

meia-noite às seis horas da manhã, mas,

com o fechamento da Livraria 24 horas,

há quase dois anos encontraram outro

abrigo, o Bar Cariocando, onde o sarau

acontece das 21h às 4h da madrugada,

“para que as pessoas pudessem usufruir,

mais cedo, um espaço democrático, cria-

tivo e aglutinador de amantes dos livros

e da leitura,” avisa João. “O movimen-

to estimula os poetas e escritores em

geral a editarem seus livros, mas nossa

principal missão é a formação do prazer

da leitura e a difusão da literatura em

geral. Formar leitores é um compromisso

político primordial no Corujão da Poesia-

-Universo da Leitura. Se eles vão tornar-

-se autores, ainda é uma decisão que

julgamos de cunho muito pessoal que

cada um estabelece para a sua vida,”

explica. Com curadoria e apoio emocio-

nal do músico Jorge Benjor, não é difícil

encontrar músicos e atores conhecidos

nas noites do Corujão da Poesia.

João do Corujão é um personagem

sui generis no universo dos amantes da

literatura. Quem já presenciou as suas

performances sabe que ele lidera com

firmeza e certa graça as intervenções po-

éticas dos artistas que sobem ao palco.

“Eu sou um Animador Cultural, tal como

fui designado pelo Mestre Darcy Ribeiro.

O que posso garantir é que vivo per-

manentemente num estado poético e a

minha percepção do dia-a-dia passa pela

lente da poesia, mas, o que amo mesmo

é ler poemas”, avisa. O único alerta para

quem participa é que esteja sempre pre-

parado, pois o microfone está aberto à

sua apresentação/ performance/ leitura,

Foto

: Div

ulg

ão

Kopp, Paulo Betto Meirelles, Beatriz Pro-

vasi, Juliana Hollanda e um poeta mais

antigo, mas que precisa ser revisitado,

o Éle Semog. O Semog é um gênio, e

embora sua trajetória tenha começado

nos anos 1970, década em que nasciam

ou nem eram nascidos os outros poetas

que citei, ele tem a cara do nosso tempo

e fala de nossa negritude. Semog precisa

ser lido por todos nós”.

O Corujão da Poesia mantém um

trabalho social, o programa Universo da

Leitura - Bibliotecas Solidárias que ocorre

graças à mobilização de centenas de

pessoas que o frequentam. O programa

consiste na arrecadação permanente

de livros novos e usados para a forma-

ção de bibliotecas solidárias e caixas de

leitura que chegam aonde os recursos

da população não permitem o acesso

aos livros. Já são centenas de Bibliotecas

montadas, com acervo de até dois mil

livros, elas estão em presídios, orfanatos,

hospitais, espaços culturais, cineclubes e

tantos outros lugares que se dispuserem

a receber os livros e atender a população

que os queira ler. “Em todos os eventos

que realizamos pelo estado do Rio de

Janeiro, promovemos sorteios de livros

e brindes como estímulo à cultura e

formação de plateias para os produtos

de arte em geral. É por isso que, mais do

que nunca, precisamos de colaboradores

e de pessoas dispostas a receber os livros

e dinamizar os pontos de leitura. Não

aceitamos dinheiro, queremos livros e

agentes voluntários e solidários para a

promoção do prazer da leitura. Muitos

livros são destinados à formação de lei-

tores e cidadãos sensíveis aos problemas

de nosso tempo, mas também às infini-

tas possibilidades que temos de reinven-

tar a vida e melhorar este planeta que é

nossa casa-mãe,” explica João Luiz.

A Universidade Salgado de Oliveira

vem disponibilizando transporte para re-

colher as doações e realizar a entrega do

acervo aos destinatários, além de profes-

sores e alunos que colaboram na seleção

dos livros e no encaminhamento deles às

bibliotecas que estão sendo montadas

nos mais diversos pontos do estado.

O telefone para contato e doações é

(21) 2138-4851 ou (21) 9856-3543, com

João Luiz, das 16h30 às 22h, e o e-mail

é [email protected].

Para saber mais sobre as datas dos encontros do Corujão da Poesia:http://www.softzonebr.com/corujao

tal como manda a democrática e libertá-

ria tradição do evento que mantém um

formato único em toda a América Latina.

Além da presença de moradores da Zona

Sul carioca e de diversos bairros da cida-

de, o espaço é de intercâmbio também

com poetas e escritores de outros locais

do país e do exterior que, ao chegarem à

cidade, apresentam ali seus trabalhos em

suas próprias línguas ou sendo traduzi-

dos por algum voluntário.

“Formar leitores é um compromisso

político primordial no Corujão da Poesia-Universo

da Leitura.”

Com tantas referências fica uma

curiosidade: quais são os poetas que

João Corujão lê? Ele responde: “Agora

complicou. Neste momento eu estou

debruçado sobre os livros de poetas

afrodescendentes. Gosto de muitos no-

vos poetas. Destaco Pedro Lago, Pedro

Rocha, Marcos Vinícius Rodrigues, Betina

Mais uma biblioteca solidária montada com os livros enviados pela UNIVERSO e Corujão da

Poesia e da Música, no Lar Samaritano no bairro do Zé Garoto, em São Gonçalo, RJ.

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verso

Page 20: Revista Raiz #10

QUEM É JOÃO DO CORUJÃO?

Animador Cultural, ele diz,

“tal como fui designado

pelo Mestre Darcy Ribeiro”.

João Luiz de Souza é o João

do Corujão, assessor de

Cultura da Universidade Salgado de Oli-

veira, e responsável pela criação do Sarau

Corujão da Poesia. Formado em Letras,

João do Corujão é um apaixonado pela

poesia e divulga esse gênero lírico em en-

contros semanais onde podem participar

livremente poetas e músicos. Promover

a poesia, apesar de não criar, é o desafio

autoimposto pelo animador cultural.

O sarau, criado há seis anos na

Livraria Argumento do bairro carioca do

Leblon, tem hoje “filiais” na Barra da

Tijuca e na cidade de Niterói. “O que

posso garantir é que vivo permanente-

mente num estado poético e a minha

percepção do dia-a-dia passa pela lente

da poesia, mas, o que amo mesmo é ler

poemas. Ainda não sinto muita necessi-

dade de escrevê-las. Uma vez ou outra

sou tomado por uma premência de

escrever e aí nasce um poema escrito em

caderno… bem à moda antiga. Ressalvo

que o grande entusiasmo realmente é ler

os poetas e apresentá-los ao público em

geral,” explica.

A irreverência de João Luiz de Souza, o João do Corujão, não esconde o trabalho sério e libertador do livro.

Foto

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ira

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Da Redação

Foto Julio Pereira

“Eu sou um Animador Cultural, tal como fui designado

pelo Mestre Darcy Ribeiro.”

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Page 21: Revista Raiz #10

A CIDADEFEITA DE BARRO

Tracunhaém é sinônimo do barro. Cidade nascida pela exploração do

pau-brasil e da cana, é na década de 60, que milhares de utensílios de

barro vendidos nas ruas vão contando um pedaço importante da histó-

ria do artesanato e da arte popular brasileira.

Das cerâmicas utilitárias e decorativas do começo, vão surgindo os

santeiros e artistas do barro, muitos com produção de sotaque próprio, que muito

influenciou a maneira de se esculpir e queimar esse elemento primal da nossa arte

popular. Ao contrário do Alto do Moura, também em Pernambuco, os artistas de

Tracunhaém primam pela técnica e pelo estilo do barro puro, sem cores ou outros

acabamentos. Queimados em rústicos fornos à lenha nos ateliês, sempre abertos à

visitação do público interessado.

Tracunhaém fica a setenta quilômetros de Recife. Na entrada da cidade, uma

singela exposição de peças de tamanho avantajado dos artistas locais. Seguindo o

fluxo encontramos muitas placas dos artesãos, algumas com a chancela do Gover-

no do Estado. As ruas são simples, mas espaçosas, com casas pequenas e nenhum

edifício. Tão comum em nosso urbanismo colonial, aqui também as praças se

organizam em volta das igrejas.

O barro construiu muitas famílias, a cidade que se expandiu e vive de sua cul-

tura. Levou vários artistas locais para todo país e o exterior. Agora Tracunhaém en-

frenta o paradigma da continuidade e da renovação de seus saberes, uma vez que

o primeiro ciclo de seus artistas e artesãos já não produz como antigamente, seja

pela idade avançada, ou por doenças como a diabete ou a artrose. Alguns foram

agraciados como Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco, como os mestres

Nuca e Zezinho – o primeiro com seus leões imponentes, o outro com seus santos

delicados, mesmo quando em grandes dimensões. Alguns já se foram, como Baé,

Severino e Lídia Vieira. Outros artistas continuam atuantes, como Manoelzinho

perpetuando a tradição dos santeiros ou Betinho, o estranho no ninho, com sua

arte erótica.

Mas, os famosos ateliês hoje são tocados pelos filhos dos grandes mestres da

região, ainda sob os olhares atentos de Zezinho, Nuca ou Maria Amélia, mas sem

o toque direto das mãos dos artistas que marcaram época.

A seguir, uma pequena homenagem que a RAIZ. presta à cidade símbolo da

arte feita de barro. Uma menção de três ícones, que emprestaram tecnologia,

fama e beleza, não só para Tracunhaém, mas para a arte brasileira.

O LEÃO DA ZONA DA MATA NORTE

Os leões sentados do mestre Nuca são conhecidos em todo o Brasil. Feitos do barro de Tracunhaém,

uma das cidades da zona da Mata Norte de Pernambuco, onde a tradição popular vai dos maracatus do

baque virado às cerâmicas de mestres como “Seu” Nuca. Seus leões, galinhas e anjos de cabelos encara-

colados fazem parte do acervo de alguns dos grandes colecionadores de arte popular brasileira.

Mestre Nuca ou Nuca dos Leões trabalha com o barro desde os dez anos de idade e foi com a sua esposa,

a também artista Maria Gomes da Silva, que iniciou e desenvolveu na década de 60 em Tracunhahém, toda

a sua obra em terracota. Considerado dono de uma obra original pelos críticos de arte, Manuel Borges da

Silva nasceu em Nazaré da Mata em 1937, e, hoje, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC), man-

tém a produção de sua obra pelas mãos de seu filho Marco. Em 2006 o governo de Pernambuco prestou

uma justa homenagem quando o reconheceu como um Patrimônio Vivo do estado.

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Da Redação

Fotos Acervo Associação RAIZ.

Da Redação

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Page 22: Revista Raiz #10

OS SANTOS DE MARIA AMÉLIAA santeira Maria Amélia nasceu em 1924 em Tracunhaém e de lá nunca saiu. Uma das ceramistas

pioneiras da cidade, seus santos de terracota primam pelas faces expressivas e mantos pregueados.

Filha de ceramista, Maria Amélia inicia sua vida com o barro através de peças utilitárias, passando a

modelar animais, e finalmente encontra sua fonte de inspiração na criação de imagens de santos.

Suas peças feitas em terracota mantém a tradição da queima em forno a lenha e medem de cin-

quenta a setenta centímetros. De todas as imagens que faz, a que Maria Amélia gosta mais de criar

é a de São José.

AS GRANDE IMAGENS DE ZEZINHOInspirado no trabalho da santeira Lídia Vieira (1911 – 1974), José Joaquim da Silva, o Zezinho de Tra-

cunhaém, se encantou pela modelagem do barro quando foi trabalhar numa olaria da cidade. Começou

modelando imagens de seu cotidiano como animais e cangaceiros, mas ficou conhecido com a criação de

imagens de São Francisco segurando pássaros, sua peça preferida.

Suas obras costumam medir entre setenta centímetros e dois metros de altura, e possuem um colorido

vermelho brilhante resultado de uma pintura com açúcar e café torrado antes da queima das peças. Para

os delicados detalhes, o artista costuma utilizar espátulas de cobre e madeira. No seu ateliê, Zezinho de

Tracunhaém conta com a ajuda de seus filhos e de ajudantes que estão sendo iniciados no ofício de cera-

mistas. Em 2007 ele foi escolhido como Patrimônio Vivo de Pernambuco.

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Da Redação

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Da Redação

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Page 23: Revista Raiz #10

Em minhas centenas de viagens aos Pontos de Cultura

pelo interior do Brasil, eu sempre cantarolava a música

Notícias do Brasilde Milton Nascimento com letra de

Fernando Brant. Queria compartilhar este país que eu

tinha oportunidade de ver com meus próprios olhos,

um Brasil energizado e compartilhado pelos Pontos de Cultura,

com gente criativa e valente, fazendo coisas diferentes na

defesa do bem comum. De certa forma, pude contar essas

histórias no meu livro PONTO de CULTURA – o Brasil de baixo

para cima, tanto que abro o livro fazendo um diálogo com

esta música e a história dos Meninos e Meninas de Araçuaí

(Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais) e o presente que deram

à sua cidade: um cinema.

“Queria compartilhar este país que eu tinha

oportunidade de ver com meus próprios olhos, um Brasil energizado e compartilhado

pelos Pontos de Cultura”

Agora, estando há mais de um ano e meio fora do ministério

da cultura, me lembro da música e apenas faço uma mudança

na letra, trocando “interior”por “exterior”. A vida tem me leva-

UMA NOTÍCIA ESTÁ CHEGANDO LÁ DO EXTERIORNÃO DEU NO RÁDIO NO JORNAL OU NA TELEVISÃO

CULTURA VIVA NAAMÉRICA LATINA

do para fora do Brasil, e desde março tenho recebido incontáveis

convites para conferências e cursos em outros países, sobretudo

América Latina, mas também Europa. No período em que estava

trabalhando no Ministério da Cultura evitei as viagens oficiais

ao exterior, pois tinha consciência de que, naquele momento,

minhas responsabilidades estavam em dar conta de meu traba-

lho para o povo brasileiro, atendendo às milhares de entidades

culturais comunitárias do Brasil, e assim fiz. Agora, sem respon-

sabilidades de governo, posso sair difundindo, não mais um

programa governamental, mas teoria, conceitos e experiências

que podem e devem ser compartilhadas. Com isso já estamos

realizando uma campanha continental pela Cultura Viva Comu-

nitária, que busca assegurar em lei um orçamento mínimo de

0,1% do orçamento público para o “fazer cultural” autônomo

e protagonista, potencializando os Pontos de Cultura existentes

em cada país. Esta é uma experiência de lei continental, que se

estende da Terra Fogo ao Rio Grande (o rio seco que separa o

México do estado norte-americano do Texas), unindo 21 países.

Uma primeira percepção com estas viagens: é tudo tão comum!

Eu nos vejo quando estou na Guatemala, junto com a Caja

Lúdica fundada por um casal de colombianos de Medellin. Neles

encontro os tantos casais que diariamente levam adiante seus

Pontos de Cultura no Brasil (entre os muitos Pontos de Cultura

que conheci, aqui e no exterior, sempre encontro a presença

dedicada e cúmplice de casais). Em verdade, a Caja Lúdica de

Guatemala atua como um Pontão de Cultura, articulando,

capacitando e difundindo Pontos de Cultura por todo o país e

mesmo entre seus vizinhos da América Central. São cinquen-

ta pessoas em trabalho diário, vivendo da caixa lúdica, sendo

remunerados por ela (não muito, pois sabemos o quanto é dura

a vida de quem opta para trabalhar em uma perspectiva do bem

comum, mas suficiente para uma vida digna e feliz). Des-silen-

ciam um povo silenciado pelos genocídios recentes (a guerra civil

que assolou o país até o final do século XX deixou mais de 50

mil desaparecidos e 200 mil mortos, isso em um país com pouco

mais de 14 milhões de habitantes) e passados (a Guatemala está

no centro da civilização Maya), recuperando a medicina tradicio-

nal dos povos Maya, seus ritos e histórias; mobilizando jovens e

difundindo a cultura e a paz no país com o segundo maior índice

de homicídios do mundo (setenta assassinatos para cada 100 mil

habitantes - no Brasil, a taxa é de 22 por 100 mil); recuperando

“Estamos realizando uma campanha continental pela

Cultura Viva Comunitária, que busca assegurar em lei um orçamento mínimo de

0,1% do orçamento público para o “fazer cultural”

autônomo e protagonista”

41

Por Célio Turino

raiz da questão

Page 24: Revista Raiz #10

brincadeiras infantis e ocupando as ruas

e praças com teatro, dança e música.

Lá na Guatemala eles não contam com

uma política pública como o Cultura Viva

e obtém recursos financeiros através de

acordos de colaboração internacional;

mas querem que o Estado assuma sua

responsabilidade reconhecendo a Cultura

como um direito humano inalienável. Em

agosto deste ano participei de uma Com-

parsa (passeata festiva) nas ruas da Cida-

de da Guatemala, a capital; estávamos

em mais de quinhentos manifestantes,

gente em perna de pau (lá descobri que

a perna de pau era usada pelos Mayas há

milênios), com roupas diferentes, másca-

ras, e muito sorriso no rosto. O que que-

riam e querem? Pontos de Cultura como

base e a Cultura Viva como alavanca para

o desenvolvimento sustentável.

Em outro extremo da América, a

Argentina, nova manifestação (foi em

novembro de 2010, se bem me recordo):

El Pueblo Hace Cultura! Igualmente, mais

de quinhentas pessoas nas ruas. Grupos

de Teatro do Oprimido se apresentaram

en las calles (com sotaque bem portenho,

em que dois eles formam “gê”). As ave-

nidas largas de Buenos Aires foram palco

de uma linda manifestação com tambo-

res e caminhões artísticos do Calderon

Timbal (outro Pontão de Cultura que pre-

enche a periferia da grande Buenos Aires

com arte). Juntos, saímos do Congresso

Nacional e fomos até a Casa Rosada (pa-

lácio presidencial), concentrando-nos na

histórica Plaza de Mayo e provando que

Crear vale la pena! (mais um Ponto de

Cultura). E para lavar a festa, uma chuva

de verão, com direito a sol e arco-íris. Na

Argentina já há edital do governo para

seleção de Pontos de Cultura e projeto de

lei no Congresso.

Mais ao norte, no Peru, novas manifes-

tações pela Cultura Viva por una Nueva

Lima! O governo da capital do Peru já

está implantando o programa como

estratégia para o desenvolvimento local,

e o Ministério da Cultura, após a vitória

do presidente Ollanta Humalla, definiu

os Pontos de Cultura como prioridade;

há até um slogan no site do ministério:

“Punto de Cultura, la identidad en la

diversidad!”. Tudo começou com uma

moça peruana que esteve presente na

Teia de Fortaleza e que leva o nome de

pomba: Paloma; mas hoje já são tantas

as pessoas engajadas nas terras Incas que

nem é possível contá-las. Tudo em tão

pouco tempo e já voam como a Cultura

Viva que se espalha pelo mundo.

Atravessando os Andes, e regressando

à América Central: Costa Rica. Pura Vida!

É assim que eles definem a vida por lá,

Pura Vida, um país de gente corajosa,

que há sessenta anos decidiu viver sem

forças armadas e priorizar o investimento

em cultura e educação. Um país peque-

no, com um povo feliz e educado; eles

se autodefinem como ticos, isso porque

têm o hábito de se referir a tudo no

diminutivo. O ministro da cultura e ju-

ventude, Manuel Obregón, é um músico

entre o erudito, o tradicional e o jazz

e há anos sai recolhendo ritmos e sons

da cultura popular da América Central,

depois compõe em coisas novas com a

Orquesta de la Papaya – pura mistura,

como a realizada a partir dos prêmios do

Interações Estéticas do Cultura Viva. Há

redes de cultura no interior do país, na

montanha, no litoral, entre vulcões, na

capital; surpreendam-se: em San Jose (a

capital, com 1 500 000 habitantes) há

vinte teatros com programação regular,

de quarta a domingo. Todos querem ser

Ponto de Cultura; ou melhor: PunTICOS

de Cultura!

Mais ao norte: México. Um país con-

tinente como o Brasil. A terra das cores

vibrantes, das mil culturas, das pirâmides

e da sabedoria ancestral ameríndia. O

ponto de encontro foi a Cidade do Mé-

xico, enorme, e para lá foi gente de todo

país. Na divisa com os Estados Unidos,

uma cidade assolada pelos cartéis do

tráfico de drogas e a super exploração da

mão de obra em fábricas maquiladoras,

Ciudad Juarez combate o genocídio de

mulheres com biblioteca comunitária

e ações de leitura e gênero; mais um

Ponto de Cultura que já é. Há outros, na

periferia da capital, nos estados de Oxaca,

Chiapas, falando em espanhol ou em

idiomas indígenas. Além de um enorme

interesse das universidades mexicanas por

toda a experiência brasileira; na faculdade

de economia da UNAM (Universidade

Nacional Autônoma do México) a con-

ferência foi “Economia Viva e Economia

Criativa?”, na IberoAmericana, sobre

Cultura Digital, e na Universidade do

Distrito Federal, sobre Cultura e Direitos

Humanos. Pura troca em que fui acompa-

nhado por um Ponto de Cultura do Brasil,

o Vídeo nas Aldeias.

Unindo as partes desta América

diversa e ensolarada, a Colômbia. Uma

surpresa! Eu próprio, acostumado a

combater estereótipos e preconceitos, me

surpreendi com aquele país. Um povo tão

gentil e amável. Como podem viver em

meio a tanta violência? Narcotraficantes,

contras, guerrilheiros. Como pode? Em

sua cultura ancestral, vi uma das mais

delicadas metalurgias, só trabalhos em

ouro, com imagens de flores, pássaros,

macacos, nenhuma arma, nenhuma

cena de violência. Enquanto visitava esta

bela ourivesaria no Museu do Ouro de

Bogotá, comparava com a cultura grega,

romana ou dos demais povos europeus

ou asiáticos e lembrava das imagens de

guerra e destruição, das armas e batalhas

aterradoras. Com a arte dos primeiros

habitantes do El Dorado (os conquista-

dores espanhóis supunham que a cidade

de ouro estava no território da atual

Colômbia) só vi beleza e paz. Para eles,

os Pontos de Cultura tem um significado:

des-esconder a Colômbia ancestral e reli-

gar o presente com a paz. Em Bogotá, há

toda uma articulação da prefeitura muni-

cipal pela Cultura Viva; em Cali, mais de

cem grupos a defender os conceitos da

Cultura Viva (autonomia, protagonismo

e empoderamento social) e em Medellin,

um dos mais instigantes laboratórios

de tecnologias sociais no mundo. Uma

cidade que se reinventa pela Cultura (5%

do orçamento público vai para a pasta

da Cultura), que faz lindas bibliotecas

em meio a favelas, que estabelece um

compromisso cidadão e trata bem ao seu

povo; assim estão superando as marcas

do narcotráfico e das desigualdades. Mas

faltava um ponto a aproximar ainda mais

governo e povo, um ponto de potência

que só se encontra nas comunidades

ativas. Quem fez este ponto e alavanca,

foi um Ponto de Cultura que já é, Nuestra

Gente, uma casa comunitária em meio

à favela, com Jorge Blandon e tantos

amigos gentis.

Nuestros hermanos, em todos os paí-

ses, gente comum a todas as outras que

conheci em cada viagem pelo interior do

Brasil e agora por nuestra América.

Célio Turino - Historiador, escritor e

gestor de políticas públicas. Foi idealiza-

dor e gestor do programa Cultura Viva e

dos Pontos de Cultura, tendo exercido di-

versas funções públicas, entre elas: Secre-

tário de Cultura e Turismo em Campinas/

SP (1990/92), Diretor de Esporte e Lazer

em São Paulo/SP (2001/2004) e Secretário

da Cidadania Cultural no Ministério da

Cultura (2004/2010). Autor dos livros: Na

Trilha de Macunaíma – ócio e trabalho na

cidade (Ed. SENAC, 2005) e PONTO de

CULTURA – o Brasil de baixo para cima

(Ed. Anita Garibaldi, 2009), entre outros.

“Com a arte dos primeiros habitantes do El Dorado (os conquistadores espanhóis supunham que a cidade de ouro estava no território da atual

Colômbia) só vi beleza e paz. Para eles, os Pontos de Cultura tem um significado: des-esconder a Colômbia

ancestral e religar o presente com a paz.”

43

raiz da questão

Page 25: Revista Raiz #10

A cultura é tão importante

para as políticas públicas

de desenvolvimento da

educação e da economia

do país quanto para o

desenvolvimento da própria cultura de

um país. Não existe cultura sem cultura.

E avanço do conhecimento não significa

avanço da cultura tal como crescimento

da economia pode significar avanço da

economia. Um país entendido como

célula planetária da civilização e como

lei da existência coletiva e multiplicadora

das soberanias nacionais que não se

dignifica a estruturar sua identidade,

simplesmente, destitui seus cidadãos do

direito à sociedade. Direito à sociedade

pressupõe plenitude, aplicação do que é

apreendido por meio da educação supõe

também que a educação seja cultivada

e exercida pela inteligência local e pela

globalidade das inteligências. Este direito

depende das “reservas de mercado”

para sua construção. São elas a arte,

a noção da inteligência e a memória

organizada pela história, além da mani-

festação livre e as inúmeras formas de

registro social que produz.

Muito embora haja várias definições de

cultura propaladas pela sociologia, a maior

noção que se pode ter da cultura é que

ela é o “DNA de uma sociedade”– aliás,

ela é o “DNA da humanidade” em suas

diversas formas de organização a partir

de um contexto próprio que possibilita

a identificação de uns pelos outros com

a mesma autenticidade de 7 bilhões de

rostos diferentes entre si que compõe

uma população em busca permanente de

integração no tempo de hoje. Ninguém

mais é brasileiro sem ser coexistente a

outros povos; e a relação não é mais de

hegemonia de uns pelos outros, é pela

notoriedade das diferenças e semelhanças

existentes entre culturas diversas.

Um dos exemplos mais potentes que

possuímos nesse sentido é o fato da arte

ser responsável não pela existência da

cultura, mas pela criação das passagens

entre ciência e sociedade, ciência e eco-

nomia, educação e inteligência, sistemas

privados e política. Uma sociedade pode

possuir cultura e não possuir arte, mas não

pode possuir arte e não possuir cultura. A

cultura da cultura, por um lado, não leva

necessariamente o desenvolvimento da arte

à noção de cultura; mas, a arte, por outro

lado, depende, visceralmente, da cultura

da própria arte para existir. E a arte, naquilo

que é sua atribuição como forma de conhe-

cimento, ou seja, possibilitar ao ser humano

o exercício das diferenças humanas, longe

da exatidão da ciência como existência

e daquilo que é, via de regra, aceito pela

sociedade, poderia parecer antítese da

ciência que domina nosso tempo. Mas não

é. Isso é apenas o que se quer que a arte

pareça para que não se perceba o quanto a

arte tem influenciado as principais áreas de

poder e a formação da personalidade das

principais lideranças de nossa época assim

como um grande número de estratégias de

poder público e privado.

Durante a Revolução Industrial o homem

foi perdendo espaço para a máquina;

durante o século 20 – graças à genialidade

inventiva de muitos artistas e da extrapo-

lação de suas linguagens na sociedade via

meios de comunicação de massa e, princi-

palmente, rádio e cinema – a hegemonia

da máquina foi exaltada por uma década

e esfacelada por nove décadas no século

20 também com o auxílio involuntário da

difusão da psicanálise nas nações ociden-

tais. E como a anatomia pregnou o sentido

de organização da sociedade, chegando

ao ápice no século 17 e não nos deixou até

hoje, a noção de máquina também persiste,

mas sua persistência não permanece nas

posturas individuais e sim nos sistemas

políticos da nação. A mecânica mais po-

derosa é a que se apropriou da lógica das

instituições, comprovando pela primeira vez

em 2 000 anos que Aristóteles estava erra-

do ao vincular a arte à mimésis. A mimésis

não é arte. Mimésis é cultura. Arte é poder,

pois na sua epistemologia ela não copia,

mas cria e regenera. Portanto, o poder se

utiliza da capacidade criadora para dominar

a cultura e impor modelos culturais com e

sem cultura: é uma questão de opção.

E como nos dias de hoje a hegemonia

do poder é a dos intelectuais do mercado

financeiro e mesmo os que não são são

contratados por eles, forma-se o grupo dos

engenheiros máximos das dinâmicas de

uma economia pós-utópica e mais defensi-

va do que a tradicional economia territo-

rial de séculos antes, que só pode sofrer

alterações pela prática do desconhecimento

econômico. Ou seja, a informalidade é um

fenômeno fundamental para a criatividade,

tanto quanto a artesania da exatidão foi

necessária para a arte ser inventiva, contra-

dizendo a informalidade, há quatro décadas

atrás, com a presença do Concretismo. É

como se o melhor que temos em termos

tecnológicos e de educação tivesse que

depender da outra face do pêndulo, onde

estão a ignorância e a privação da ciência.

Não há regra para se definir a posição

da arte em nenhum tempo da história. A

arte para existir, necessariamente, muda de

lugar na sociedade de seu tempo. Mas a

cultura é o organismo que, embora rajado

por uma infinidade de ocorrências, perma-

nece ali. Essa permanência compõe o corpo

das nações. A noção individual, por outro

lado, é o novo elemento da cultura que

faz com que a cultura, estando ao mesmo

tempo baseada em seu local de origem,

circule, dissemine e colha elementos de

outras culturas para retornar a sua cultura

de origem. Este fenômeno de universali-

dade colaborativa é o maior exemplo do

que não acontece quando um país se furta

de cultivar a cultura. O problema maior é

quando a cultura fica sem a sociedade, ou

seja quando a sociedade deixa de agir em

45

Por Saulo Di Tarso

Foto Fábio Domingues

CULTURA SEM SOCIEDADE OU O ERRO DE ARISTÓTELES

“Direito à sociedade pressupõe plenitude,

aplicação do que é apreendido

por meio da educação supõe

também que a educação

seja cultivada e exercida pela

inteligência local e pela

globalidade das inteligências.”

raiz da questão

Page 26: Revista Raiz #10

2% do orçamento para a cultura quando

na verdade 100% do PIB brasileiro é resul-

tado da cultura brasileira. Se é a cultura que

queremos ou não, são outros quinhentos.

E, no fundo esta é a pergunta fundamental:

nós não temos cultura ou a nossa cultura

está sem sociedade?

Nada se cria tudo se copia, ou tudo se

cria e nada se copia – mas aquilo que se

cria, quando agrada aos olhos de quem

vê, se copia.

Foto

: Fá

bio

Do

min

gu

es

Saulo Di Tarso

favor do organismo da cultura. Isso não

quer dizer que sejamos uma sociedade sem

cultura, mas que somos uma sociedade que

não distribui a cultura como direito.

Se um país educar sem cultura, a educa-

ção não terá sentido; e, se a educação não

tiver sentido, a economia não terá um dire-

cionamento dinâmico do ponto de vista da

constituição social. Sem esse dinamismo a

cultura de um país não transita e estaciona.

E tudo que não pode ocorrer no tecido de

um país da sociedade atual é a paralisação,

pois os biomas naturais e culturais, vale

dizer, patrimônio natural e urbano, só se

distinguem através da identidade de suas

populações. Sem a cultura como força de

ação estratégica nos modelos de governo

o que haverá é um território ocupado mas

não um país. Nossa educação está sem

cultura. Se alguém não percebe a importân-

cia estratégica da cultura nos modelos de

integração econômica e nas distinções dos

conteúdos de educação, basta começar a

imaginar um mundo onde não haja a possi-

bilidade de ler, ouvir música, ver cinema, vi-

ver, lembrar, vender e comprar. Se ninguém

for às próximas eleições, não haverá eleitos;

e se nossos eleitos não compreenderem

que cultura é estratégia de educação,

ficaremos condenados ao PIB quando, na

verdade, a propriedade intelectual e os bens

culturais necessariamente passam a compor

a nova lógica do capital. A nós brasileiros

basta saber se queremos continuar expor-

tando minério e importando inteligência

ou se queremos sentir conforto cultural

dentro de nossos corpos e do nosso locus,

longe das violações do darwinismo social e

próximos da reverberação de uma máxima

poética deixada para nós pelo geógrafo

Milton Santos: “o Brasil não tem que ser

feito para ser potência, o Brasil tem que ser

feito para os brasileiros”.

Esse Brasil não ouso dizer quem pode

fazê-lo, mas afirmo com todas as letras que

ele só poderá ser construído por brasileiros

cultos acerca do que é a cultura brasileira e

do que são as riquezas que o Brasil dispõe

para o mundo enquanto nação. E o grande

desafio para que isso ocorra é que temos

que baixar a guarda, economistas preci-

sam fazer arte e artistas precisam respeitar

o que a economia pode lhes prover pois

ambas são forças produtivas da sociedade

e nascem dos modelos de educação. Mas,

se a cultura continuar sendo mal educada

e a educação continuar se fazendo sem

cultura, o que veremos é a disputa pelos

47

“E, no fundo esta é a pergunta fundamental:

nós não temos cultura ou a nossa cultura está sem

sociedade?”

raiz da questão

Page 27: Revista Raiz #10

Foto

: Ace

rvo

Ass

ocia

ção

RAIZ

.

NO FIM DA TARDE, CHEGANDO NA RUA ESTREITA DE

PARALELEPÍPEDOS NO BAIRRO DE ÁGUA FRIA, ZONA NORTE DO

RECIFE, UM NEON VERDE E VERMELHO SE SOBRESSAI

RITUAIS INDÍGENAS NAS RUAS DE RECIFE

AS SETE FLECHASDO CABOCLO

49

Da Redação

Fotos Acervo Associação RAIZ.

patrimônio

Page 28: Revista Raiz #10

Foto

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ção

RAIZ

.

Nas fantasias dos Caboclinhos 7 Flexas existe um grande cuidado com a beleza e o luxo

Foto

: Ace

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Ass

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ção

RAIZ

.

Paulinho 7 Flexas é o responsável por manter a tradição do folguedo

O neon marca a presença

da iluminada sede do

Caboclinho 7 Flexas. A

agremiação foi fundada

no início dos anos 1970

por José Severino dos Santos, o Mestre

Zé Alfaiate, hoje com 84 anos. São mais

de quarenta anos de atividades na cul-

tura do caboclo, seus ritmos e danças,

expressos em inúmeras apresentações

no Brasil e no mundo.

Vizinha à sede fica a residência do

mestre Alfaiate e dona Marlene, com

portas sempre abertas à comunidade,

num entra e sai frenético de pessoas

que vão beber uma água ou trocar uma

prosa. A casa simples com porta e janela

para a rua contrasta com os panos

de vidro, o neon, os cadeados e o ar

condicionado da sede ao lado. Ter uma

sede é a maior preocupação do mestre,

talvez por conta de sua idade avançada.

“O clube com sede é difícil de se acabar.

Mesmo que não tenha um presidente, a

gente tem onde botar a cabeça”. Com-

pleta: “Temos vida porque temos sede”.

joulas, espelhos, plumas e tudo que for

preciso para tornar a apresentação do

7 Flexas um deleite estético. Na dança

é o filho que puxa a qualidade. Pina

Bausch, depois de ver Paulinho dançan-

do, convidou-o para inúmeras oficinas

e apresentações na Europa. Antônio

Nóbrega, sempre que pode, tem o mes-

mo Paulinho ensinando no seu Espaço

Brincante, em São Paulo.

Algumas das tribos de caboclinhos

são seguidoras do candomblé ou da

umbanda. Para esclarecer; o 7 Flexas não

Zé Alfaiate vive da construção e pre-

servação da cultura do Caboclinho e do

culto ao Caboclo 7 Flexas, entidade que

descreve em detalhes. “Sujeito forte,

moreno, alto, do rosto afilado, que sen-

do filho de um casamento entre casal

de tribos rivais, foi expulso e vive nas

matas,” explica. A religiosidade, sempre

perpassando nos nossos folguedos é o

grande motivador do Caboclinho.

Paulinho 7 Flexas, filho do mestre Zé

Alfaiate, conta que: “Quando estava

com o braço deslocado na Europa, todo

enfaixado e proibido de dançar, minha

paixão foi tão grande pelo Caboclinho,

que bati com o ombro na parede e o

braço encaixou. No dia seguinte, fui

ao mercado e comprei ervas como a

jurema, alfavaca-de-caboclo e outras e

fiz um chá. Logo depois, pela graça do

Caboclo, dancei normalmente”. A lenda

vai virando história.

José Severino, alfaiate de profis-

são, desenha e tece com maestria as

fantasias e adereços que sua agremiação

desfila. Usa e abusa das palhas, lante-

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Page 29: Revista Raiz #10

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Mestre Zé Alfaiate, um dos Patrimônios Vivos de Pernambuco.

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Detalhes das fantasias dos integrantes do Caboclinhos 7 Flexas

é tribo, mas é da vertente da jurema ou

catimbó, outro componente da religio-

sidade dos caboclos. A jurema, como

apresentada na literatura de José de

Alencar no século 19, tem Iracema como

a guardiã da bebida e é ela quem pro-

tege a brincadeira do Caboclinho. Com

vários preparos, a receita do 7 Flechas

pede ervas da mata, vinho, champanhe,

mel, alfavaca–de-caboclo, liamba, mas-

truz e cimento de caboclo.

Zé Alfaiate dança o Caboclinho

desde os dez anos de idade, quando

se iniciou com os Carijós de Alagoas.

Seguindo a tradição da nossa cultura

popular, onde a vida do comandante se

funde com a entidade que representa, o

mestre passou recentemente o coman-

do para seu filho Paulinho 7 Flexas.

Além de Paulinho, outros integrantes da

família também participam. A estrutu-

ra do Caboclinho obedece a seguinte

hierarquia: o cacique, a “cacica”, o

pajé, o capitão ou guia, o tenente ou

contra-guia, as crianças chamadas de

curumins. Toda essa dedicação e busca

pela perfeição tornaram o Caboclinho 7

Flexas uma referência cultural nacional.

A agremiação é um dos destaques do

carnaval pernambucano e foi reconheci-

da como “Patrimônio Vivo” do estado.

O Caboclinho é uma expressão bas-

tante recorrente no estado de Pernam-

buco, mais numeroso que o Maracatu,

por exemplo. Presente há mais de um sé-

culo na região, com agremiações como

os Carijós, de 1889, e os Canindés, de

1897, o caboclinho é uma dança tradi-

cional do carnaval pernambucano. Seus

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Page 30: Revista Raiz #10

Mestre Zé Alfaiate entre os troféus da agremiação

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.Dona Marlene, a parceira de toda a vida de Zé Alfaiate.

participantes vêm vestidos de índios,

ornamentados com caprichados cocares,

adornos de pena e colares, represen-

tam cenas de caça e de combate. Uma

dança de muita agilidade nos pés, que é

acompanhada do arco e flecha rítmicos

– chamados de preacas, instrumentos de

marcação que produzem um som seco.

Os instrumentos musicais também são

bem particulares: a flauta, chamada de

gaita; as maracas ou chocalhos; e um

surdo de zinco com couro de bode em

ambos os lados. Na frente, o apito para

o caboclos puxarem o cordão para os rit-

mos do toré, mais lento; depois, guerra e

baião, mais acelerados – sempre varian-

do conforme a agremiação praticante.

Assim, dançando habilmente e esta-

lando suas preacas, homens, mulheres e

crianças, os caboclos e as caboclas, vão

contagiando a assistência. Todos que

passam pela rua param para acompa-

nhar o ensaio do 7 Flexas. Muitos da

zona norte de Recife participam da vida

da agremiação, sempre rigidamente

orientados pelo Mestre Alfaiate e seu

filho Paulinho 7 Flexas. A vida associativa

começa cedo e vemos muitas crianças

participando do ensaio. Algumas bem

pequenas nos mostrando a importân-

cia que um Caboclinho tem nesse exer-

cício intuitivo de perceber o mundo,

de pertencer a esse mundo e de ser

reconhecido por ele.

A militância pela identidade que o

mestre Zé Alfaiate e seu Caboclinho 7

Flexas praticam tem a força da verdade

que os impulsiona a atravessar a zona

norte do Recife para os palcos eruditos

da Pina Bausch em Paris. É tão popular, é

tão bem feito, que é do erudito.

Loa (cântico de louvor)do caboclo 7 Flexas

Tupiriçá, Taquá. Que caboclo são vocês? 7 flexas. 7 flexas em cima, do alto daquela serra pede o grito de paz ou guerra. Guerra! Vinte e quatro candeia. Corta o pau do caboclo. Corta o pau tira o mel. Uma abelha no sul, Outra no céu.

55

patrimônio

Page 31: Revista Raiz #10

“A complexidade está em estabelecer os parâmetros para acomodar tantas diferenças,

sem hierarquizar ou proteger algumas em detrimento de outras”. (Fernando Duarte)

FERNANDO DUARTE, VIVA A CULTURA DA DIVERSIDADE!Da Redação

Foto Acervo Associação RAIZ.

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políticas

Page 32: Revista Raiz #10

como um artista militante. Some-se a

isso, muita disciplina. Seja na produ-

ção artística constante de pinturas

e xilogravuras, seja nos expedientes

administrativos culturais de Pernam-

buco. Exemplo desses empenhos são

os Cadernos de Arte e os Diários que

escreve compulsivamente. Hoje já são

240 cadernos de folhas sem pauta

com 35 mil páginas desenhadas.

Como administrador, o artista

atua na gestão pública desde 2001,

quando assumiu a secretaria-adjunta

de Cultura na Prefeitura do Recife; na

gestão de José Roberto Peixe, também

artista plástico e hoje Secretário de

Apoio Institucional do Ministério da

Cultura. O resultado dessa administra-

ção é notório no Carnaval Multicultural

do Recife. Uma política de valoriza-

ção da diversidade artística marcante

desse estado tão plural no campo da

cultura. Ao mesmo tempo, traz artistas

renomados para os shows emblemáti-

cos no Marco Zero, no centro histórico

do Recife, promovendo os diálogos e

os encontros multiculturais, que dão

nome ao evento.

O Carnaval Multicultural do Recife

se revelou uma política pública de-

mocratizante, também nos processos

que cria, descentralizando o evento

em Polos nos diversos bairros da

cidade, valorizando os mestres e suas

agremiações. Tudo sem cordões de

isolamento, ou venda de pacotes de

fantasias ou abadás. Hoje, o carnaval

pernambucano é um dos maiores do

país em visibilidade, movimentação

Em 27 de dezembro de 2010, o

Governador de Pernambuco,

Eduardo Campos, nomeou

Fernando Duarte para substituir

o famoso Ariano Suassuna na

Secretaria de Cultura do Estado. Uma

secretaria que em Pernambuco tem um

significado maior, pois a rica cultura

pernambucana tem sido a chave mestra

da propulsão do seu reconhecimento

diferenciado como estado no país, ala-

vancando várias outras economias como

a do turismo e do carnaval.

Fernando Duarte da Fonseca tem 53

anos, é piauiense de nascimento, mas

pernambucano de vida. Uma vida dedi-

cada à política e às artes, como gestor

público e artista plástico. Iniciou-se nas

artes na década de 70. Sua militância

política vem de longa data também, nos

anos 1970 e 1980. Estudante militante

da POLOP (Organização Revolucionária

Marxista Política Operária) na Engenharia

Civil na UFPE (Universidade Federal de

Pernambuco) e sindical, quando atuOU

no Sindicato dos Bancários pelo Banco

do Brasil. Fernando também é um dos

fundadores do PT (Partido dos Traba-

lhadores) no estado, do qual é filiado

desde 1979. Entre 2005 e 2008, ele foi

presidente da Fundação de Cultura da

Cidade do Recife e foi assessor-executivo

da Secretaria, em 2009 e 2010, até a sua

nomeação como Secretário do Estado.

Fernando Duarte tem se desdobrado

entre as duas vocações, a política e a

arte, que busca articular de manei-

ra equilibrada, uma vez que sempre

dialogou no cenário pernambucano

Todas as proposições e iniciativas da

gestão pública da Secretaria de Cultura

podem ser acompanhadas pelo projeto

“Pernambuco Nação Cultural”. O total

de ações é alto, disponibilizou quase 124

milhões de reais em editais de fomento,

com mais de 20 mil shows realizados e

a criação de 175 mil postos de trabalho,

para apresentarmos alguns parâmetros.

O “american way of life” do pós-

-guerra; que vendeu a cultura americana

por todo planeta, fruto de uma política

com fortes intuitos territorialistas e eco-

nômicos; percebeu que a cultura vale por

mil tanques em operação. Hoje o Jazz,

Blues, R&B, Rock, Rap, Hip Hop fazem

parte do nosso cardápio e de nossa eco-

nomia de consumo. Que o “Pernambuco

way of life” possa levar sua riqueza para

todos também. Sem tendências imperia-

listas, mas pela sua estética: diversa, har-

mônica, bela e fruto de nossa identidade

jovem e renovadora.

da economia local e captação financeira

de patrocínio e publicidade. Tudo feito

sem abrir mão de suas características

e ritmos próprios. No famoso carnaval

da Bahia, por exemplo, o frevo tocado

nos trios elétricos, foi substituído pelo

“dial” das rádios FM.

A preocupação com a identidade e de

todo universo que a cerca é a locomoti-

va sobre a qual as políticas culturais em

Pernambuco tem trilhado seu caminho.

Essa valorização da cultura própria é

intensa e intrínseca à alma pernambu-

cana. No caso de Fernando Duarte é a

premissa básica da sua maneira de fazer

política cultural. Ele nos diz: “A complexi-

dade está em estabelecer os parâmetros

para acomodar tantas diferenças, sem

hierarquizar ou proteger algumas em

detrimento de outras”.

O secretário continua desafiando

seu conhecimento sobre a grande di-

versidade que administra: “Na música

temos frevo, coco, maracatu, afoxé,

ciranda, caboclinho, blocos líricos,

samba, entre outros. Já na literatura

temos João Cabral de Melo Neto, Ma-

nuel Bandeira, Joaquim Cardozo, Josué

de Castro. Nas artes plásticas temos

manifestações em cerâmica, telas e tin-

tas, xilogravuras, barro. São tantas as

possibilidades, que isso realmente nos

oferece um cenário desafiador”.

A política da cultura de Pernambuco

foi estruturada sobre quatro eixos que

visam preparar a infraestrutura legal e

institucional para apoio às demais inicia-

tivas, como a geração de redes locais e

regionais, intenso programa de fomento

e finalmente a promoção e divulgação

das ações programadas. São eles:

EIXO 1 - Constituinte Cultural de Pernam-

buco e Reestruturação Organizacional.

Gerando leis e equipamentos necessários.

EIXO 2 - Dinamização da Rede de

Equipamentos e Implantação da Rede

Regional nos 185 municípios com as

Escolas Públicas.

EIXO 3 - Desenvolvimento da Política

Cultural, que visam o fomento, a preser-

vação, a formação, a difusão, a distribui-

ção da cultura no estado.

EIXO 4 - Comunicação, conexões e

difusão cultural, também responsá-

vel pela implementação do portal de

internet Pernambuco Nação Cultural

(www.nacaocultural.pe.gov.br).

“No famoso carnaval da Bahia, por

exemplo, o frevo que era tocado

nos trios elétricos, foi substituído pelo ‘dial’ das

rádios FM. ”

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Page 33: Revista Raiz #10

João Mauricio Ottoni Wanderley de Araujo Pinho, nascido

em 1936, é um dos advogados tributaristas mais requisi-

tados do país, em especial no Rio de Janeiro onde nasceu

e reside. Foi professor de 1967 até 1992, trilhou vários

percursos públicos e privados até formar seu concorrido

escritório em 1979 no centro da cidade, com janelas voltadas

para o Palácio Tiradentes e a Baia de Guanabara ao fundo.

No campo da cultura, foi dirigente dos grandes museus da

cidade maravilhosa. João Maurício presidiu o Museu Histórico

do Rio de Janeiro, a Associação de Amigos do Museu Nacional

de Belas Artes, a Casa de Cultura Laura Alvim, a Casa de Rui

Barbosa, o Museu do Pontal de Arte Popular, a Casa França-

Brasil e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Num

incansável amor pela arte.

Amor maior, Araújo Pinho nos revela através de sua enorme

e belíssima coleção de arte popular brasileira. O advogado tribu-

tarista trata da sua paixão pela arte popular – coleciona também

peças africanas – com um conhecimento que desfila sua eru-

dição. Muita diversidade, variedade, artistas e estilos, mas com

foco total na contribuição de cada peça para o seu olhar e a sua

alma. Como ele nos diz: “Eu não me motivo pela coleção, mas

pelo que me diz cada peça. Elas conversam comigo”. E foi de

peça em peça, que o colecionador gerou as dimensões do seu

vasto acervo. Se perguntado sobre o volume de obras adqui-

ridas, em sua longa trajetória de colecionador, diz não saber.

Mas, não há onde olhar no escritório do tributarista, que não se

veja as milhares de obras, onde a cor, o barro, a madeira, o ferro

esculpido não estejam presentes. Outros ambientes no centro e

no bairro de Botafogo estão à serviço de sua coleção. Humilde

ele revela: “Sou um curioso da beleza”.

Vitalino é um dos artistas populares de maior destaque da

sua coleção. Em uma prateleira de vidro vemos o dentista e o

paciente sempre tenso; uma procissão de beatos e bêbados,

onde o padre é protegido do sol por uma mesa de bar; os

famosos e tão particulares bois; os cangaceiros de barro, mas

com olhos vivos; são muitas as peças do gênio pernambucano

JOÃO MAURÍCIO DE ARAÚJO PINHO, O CURIOSO DA BELEZA

“Eu não me motivo pela coleção, mas pelo que me diz cada peça. Elas

conversam comigo”

famoso na tradução do modo de vida dos sertanejos. Como

de todos os pontos produtores de arte do país, são vários os

artistas de Pernambuco presentes: Manoel Eudócio, J. Borges,

Ana das Carrancas, os artistas de Tracunhaém. João Maurício

tem predileção por aqueles que retratam o seu entorno e a sua

realidade, daí a força das obras que encantam seus ambientes

de estar e trabalhar. Dialoga também com as várias superfícies.

Vemos obras em três dimensões, mas também muitas pinturas:

Ranchinho, João da Silva, Heitor dos Prazeres, Mirian, Alcides,

Zé do Carmo, e tantos, e muitos. A coleção de João é um pai-

nel do melhor da nossa arte popular. A arte que o colecionador

chama de pura. “Coleção é a busca da beleza por assemelha-

ção, coleção é a busca da verdade,” arremata João Maurício.

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Esculturas africanas fazem parte do acervo de João Maurício de Araújo Pinho

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Texto e Fotos por Edgard Steffen Jr.

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Page 38: Revista Raiz #10

A BARKA AFRICANA

Na semana da consciência negra estreou o docu-

mentário Barka na Cinemateca, em São Paulo.

Filmado em 2008, Barka é um retrato de uma co-

munidade de Burkina Faso, na África. Dirigido por

Carlinhos Antunes e Márcio Werneck, o média-

-metragem vai muito além do dia-a-dia da população, reve-

lando os valores, a identidade cultural e os sonhos de jovens e

adultos moradores da cidade de Koudougou. O documentário

não cai na tentação de retratar o país como uma terra exótica,

distante e diferente. Nas cenas finais, a montagem intercala

com agilidade cenas de Burkina e da periferia de São Paulo e o

espectador se dá conta de que as semelhanças são muitas.

Dentro de uma realidade difícil, ganham destaque iniciativas

que buscam a superação da pobreza, da opressão, do desem-

prego e do analfabetismo, promovendo o desenvolvimento e

a cultura dos habitantes. Um dos exemplos é o da Associação

Benebnooma, dirigida pelo protagonista do documentário

Koudbi Koala, que provê a educação de cerca de quinhentas

crianças e adolescentes. Para o diretor Márcio Werneck, o

documentário mostra uma África que muitos não conhecem.

“O documentário mostra uma África que tem muita dignida-

de, com pessoas magníficas tentando com suas possibilidades

melhorar suas vidas e as que estão ao seu lado. O continente

africano é muito grande, são muitas realidades diferentes.

Burkina Faso é um país especial. Felizmente lá não há guerras

étnicas e o número de aidéticos é pequeno em relação a outros

países da África. O país é pobre, mas ser pobre num país pobre

é bem diferente de ser pobre num país rico como o Brasil. Mas

para entender melhor este conflito só assistindo o documentá-

rio”, explica o diretor.

Barka é o segundo documentário dirigido por eles nessa

região. Em 2007, os músicos e documentaristas Carlinhos

Antunes e Márcio Werneck participaram do Festival NAK

de música e dança e produziram Sete Dias em Burkina, que

retrata a experiência deles naquele país. Em 2008, eles vol-

taram para Koudougou, em Burkina Faso, tocaram nova-

mente no Festival NAK, apresentaram ao ar livre o docu-

mentário nos vilarejos por onde passaram e aprofundaram

ainda mais a relação com essa comunidade, realizando esse

segundo documentário na região.

Serviço:

Documentário: BARKA

Direção: Carlinhos Antunes e Márcio Werneck

Elenco: Koudbi Koala, participações de Alpha Blondy, Didier Awadi, Sinfonia da Kora do Mali (família Diabate), Balé nacional de

Burkina, entre outros.

Produção: Divina Imagem Produções e Mundano Produções

Realização: SESCTV

Trailer no Youtube: Trailer Barka

O documentário Barka nos mostra a vida na

cidade Koudougou, em Burkina Faso.

VAMOS TODOS CIRANDAR...

Na estrada desde 2005, jovens músicos dão cara

nova à tradicional ciranda caiçara de Paraty, RJ.

Pandeiros, violas, tambores, baixos e guitarras,

trazem uma nova forma e um novo tempero para

a roda. De lá pra cá, o interesse por suas raízes e

tradições gerou um grande movimento cultural na cidade. “Só

os mais velhos tocavam ciranda e só os mais velhos dançavam

ciranda. O mesmo jovem que faz as baladas de música eletrôni-

cas, a gente está trazendo para dançar ciranda também”, diz

o percussionista e vocalista Leandro Campelo. Cada músico

foi trazendo a sua influência musical – rock, hip hop, samba,

funk – para a mistura com os ritmos caiçaras, com destaque

para cana-verde, caranguejo, ciranda, felipe, jongo e canoa.

Criaram, assim, uma nova maneira de se tocar ciranda: uma

Ciranda Elétrica!

Com um CD na praça, Caiçaras de Raça, o espírito da

novidade da banda Ciranda Elétrica agora está na internet.

A banda criou o site Cirandas de Paraty, fruto de uma parceria

com a Secretaria do Estado da Cultura do Rio de Janeiro. Um

espaço virtual sobre a rica história desse estilo musical caiçara.

O projeto é motivo de orgulho para Leandro Campelo, o Dou-

tor. Para ele, o site é um espaço “importante para a divulgação

de nossa cultura. Pela primeira vez os cirandeiros tradicionais

de Paraty terão a chance de apresentar e compartilhar suas

histórias, sua arte e suas músicas de maneira profissional e com

alta qualidade”.

Para Leandro, graças às conexões digitais “a secular tradição

caiçara mostra seu ritmo e seu legado para o mundo. Pela

internet, a velha guarda da ciranda paratiense (os Coroas

Cirandeiros) apresenta seu perfil autêntico, sua simplicidade

e grandeza cultural junto com a Ciranda Elétrica de Paraty e

a proposta de uma Ciranda Eletrônica representada pelo DJ

Kobna”, avalia.

Serviço:

Cirandas de Paraty – Passado, Presente e Futuro

www.cirandasdeparaty.com.br

Ciranda Elétricawww.myspace.com/cirandaeletrica

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Da Redação

Foto Divulgação

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Da Redação

Foto Divulgação

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Page 39: Revista Raiz #10

SOBRE O OLHAR DE PIERRE VERGER

Pierre Verger fez da África a inspiração de sua obra.

O antropólogo francês

Jérôme Souty lançou

o livro Pierre Fatumbi

Verger: do olhar livre ao

conhecimento iniciático.

Nesse trabalho, ele analisa o processo

de transformação do fotógrafo Pierre

Verger, um dos mais respeitados fotó-

grafos franceses do século 20, em um

etnólogo, botânico e historiador da vida

de brasileiros e africanos.

Jorge Amado escreveu certa vez

que Pierre Verger (1902-1996) “de tão

extraordinário, parece uma invenção”.

De fato, a trajetória do fotógrafo francês

é bastante singular. Aos trinta anos,

deixou Paris, sua cidade natal, para

descobrir o mundo, libertar seu olhar e

se afastar de seu meio familiar e cultural.

Fotógrafo e viajante, desenvolveu uma

curiosidade por outras formas de viver

que o levou muito além da fotografia.

Os cinquenta anos que dedicou às

pesquisas sobre as culturas negras do

Brasil e da África, especialmente na

Nigéria e no Benim, fizeram com que se

tornasse etnólogo, botânico e histo-

riador e o levaram a desenvolver um

conjunto de saberes que o fizeram uma

espécie de embaixador entre os dois

continentes, restituindo laços rompidos

pela escravidão. Homem da imagem

que custou a enveredar na escrita,

acabou por escrever obras etnográficas

Serviço:

Livro: Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático de Jérôme Souty

Editora Terceiro NomePatrocínio: Banco Pine

Apoio: Fundação Pierre Verger, Maison de France, MinC, Secretaria de Cultura do Estado da Bahia

Quanto: 60 reais

site: www.terceironome.com.br

definitivas, em que registrou a riqueza

e a especificidade dessas culturas e de

sua oralidade. O itinerário singular e o

método de trabalho original permitiram

que ele recolhesse um material artístico,

documental e científico notável.

Este livro, que se aproxima de um es-

tudo biográfico, é mais que uma análise

da produção científica e artística de Pierre

Verger ou uma reflexão geral sobre a ori-

ginalidade de sua experiência. Ao narrar

os passos dessa vida-obra, o antropólogo

francês Jérôme Souty interroga com

profundidade a etnologia, seu valor e

seus limites, e contribui para a renovação

dos métodos e para a reconsideração dos

objetivos da antropologia.

Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático, de Jérôme Souty

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Da Redação

Da Divulgação de Pierre Verger

benz de raizbenz de raiz

Page 40: Revista Raiz #10

SÃO PAULO TEM UM NOVO ESPAÇO CULTURAL: A CASA DA IMAGEM

Voltado à pesquisa e difusão

da história da imagem

documental da cidade e à

preservação dos acervos

Iconográfico e Gestões

Municipais, o novo espaço da fotografia:

A Casa da Imagem. Instalado na cen-

tenária Casa nº 1, depois do restauro

iniciado em 2008, seu acervo, que reúne

710 mil imagens da cidade de São Paulo

(entre as quais 120 mil já digitalizadas),

recebeu tratamento para conservação,

além de ter sido constituída uma base de

dados de gerenciamento e recuperação

de informações. Localizada na antiga Rua

do Carmo, hoje Rua Roberto Simonsen, a

Casa da Imagem fica ao lado do Beco do

Pinto e do Solar da Marquesa de Santos,

que também passaram por processo de

restauro e foram reabertos ao público.

“Promover ações de pesquisa junto

ao acervo da Secretaria Municipal de

Cultura garante o conhecimento, difusão

e preservação de suas coleções, como é

caso desta exposição”, afirma Henrique

Siqueira, gestor do novo museu.

Eventos de abertura

Muita gente conhece o trabalho de

Guilherme Gaensly, mas poucos são

aqueles que conhecem a exata dimen-

são de sua importância para a icono-

grafia da cidade de São Paulo. Por isso,

a obra do fotógrafo foi escolhida para

inaugurar o novo museu da Secretaria

Municipal de Cultura de São Paulo, que

fará parte da rede do Museu da Cidade.

Esta exposição – Guilherme Gaensly,

o fotógrafo Cosmopolita – inaugura

a Casa da Imagem, com curadoria de

Rubens Fernandes Junior, coloca luz

sobre o mais importante conjunto de

fotografias produzidas ao longo de

três décadas – entre 1890 e 1920 –,

momento em que a cidade radicalizou

sua transformação urbana.

Gaensly não se preocupou em docu-

mentar a cidade em obras, mas produziu

uma coleção de fotografias cuja principal

preocupação foi evidenciar a nova dinâ-

mica da cidade: seus edifícios públicos,

seus parques e praças reurbanizados,

benz de raiz

Fachada do novo espaço cultural da cidade de São Paulo: A Casa da Imagem

seus palacetes e os trilhos dos bondes

elétricos recém-chegados ao espaço

urbano. Esse conjunto de imagens, espe-

cialmente criado para divulgar os novos

atributos da capital, foi decisivo para São

Paulo adquirir um status de metrópole

emergente. “Essas fotografias são um

dos mais expressivos documentos visuais

da história da cidade e estimulam o

visitante a se envolver com o passado da

cidade, por isso escolhermos mostrá-las

na inauguração da Casa da Imagem”,

afirma Rubens Fernandes Junior. Ele

aponta, por exemplo, como a fotogra-

fia do Largo do São Bento de Gaensly

deverá se chocar com a imagem metal

que o visitante tem hoje do mesmo

espaço. A proposta busca estimular a

criação de vínculos afetivos que possam

dar ao cidadão uma leitura crítica sobre

o desenvolvimento econômico da cidade

e, ao mesmo tempo, capacitá-lo para

uma melhor compreensão da evolução

do espaço urbano.

Beco do Pinto – No ar, de Laura Vinci

A Casa da Imagem é responsável pela

programação do Beco do Pinto, logra-

douro público, entre o novo museu e o

Solar da Marquesa de Santos. Era uma

passagem utilizada na São Paulo colonial

para o trânsito de pessoas e animais,

ligando o largo da Sé à várzea do rio

Tamanduateí. A proposta é convidar

artistas plásticos para conceberem insta-

lações para o local que será inaugurado

com a obra da artista Laura Vinci, No ar.

A instalação (site specific) sugere uma

reflexão sobre a transformação e a pas-

sagem do tempo. A passagem do tempo

é tema recorrente na obra da artista

paulista. Sua obra também se destaca

por estabelecer um diálogo com o espa-

ço no qual se insere. Essas características

sublinham a instalação criada para o

Beco do Pinto, onde a artista instaura

ainda uma delicada poética sobre um

tempo em suspensão.

Serviço:

Exposição: Guilherme Gaensly, o fotógrafo Cosmopolita

Instalação: No ar, de Laura Vinci

Até 8 de abril de 2012 - de terça a domingo, das 9h às 17h - Entrada gratuita

Casa da Imagem - Rua Roberto Simonsen, 136-B, Centro, SP

fone: (11) 3106 5122 – e-mail: [email protected]

Visitas monitoradas: Equipe disponível para atendimento de grupo escolares, organizações da sociedade civil, associações e visitantes.

O fotógrafo Guilherme Gaensly produziu imagens da cidade de São Paulo entre os séculos 19 e 20

73

Da Redação

Fotos Divulgação de Nelson Kon e Guilherme Gaensly

Foto

: Nel

son

Kon

Foto

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lher

me

Ga

ensly

Page 41: Revista Raiz #10

benz de raiz

Duas versões de livros de

Pedro Martinelli, fotógrafo

brasileiro que conquistou

o prêmio Esso (1996) e diver-

sos prêmios Abril de Jornalis-

mo, foram lançadas no segundo semestre

de 2011. Uma com custo acessível e

outra para colecionadores, mas ambas

apostando na divulgação do trabalho de

um ícone do fotojornalismo tupiniquim.

O livro Martinelli, Pedro, da coleção Fo-

tógrafos Viajantes, chegou às livrarias em

agosto pela Terra Virgem Editora e reúne

64 imagens feitas durante os quarenta

anos de carreira em que Martinelli atuou

em grandes jornais e revistas do país.

A coleção Fotógrafos Viajantes teve

início com Pierre Verger (2009), seguido

de Cássio Vasconcellos (2010). “A cole-

ção apresenta grandes fotógrafos, suas

imagens e viagens, editadas de forma a

contar um pouco sobre a visão peculiar

de cada um deles. O que me interessa é

a diversidade de olhares, de lugares, de

desejos,” diz Linsker, editor da coleção.

“Pedro Martinelli se encaixa perfeita-

mente nessa proposta. Desde os anos

1970, realiza um trabalho importantís-

simo sobre a Amazônia e suas imagens

carregam uma reflexão essencial,

e muitas vezes incômoda, sobre as

escolhas da sociedade brasileira para a

região,” completa.

Uma versão do livro tem formato

de bolso e capa dura. O livro é gigante

no que se refere à variedade de temas,

épocas e emoções retratadas por Pedro

Martinelli. A outra versão foi criada para

amantes da fotografia, colecionadores de

obras de arte ou para quem quer adquirir

fotografias exclusivas de artistas impor-

tantes a preços acessíveis. As paisagens,

os índios, o desmatamento e os detalhes

da Amazônia permeiam todos os livros e

dividem espaço com campos de futebol;

políticos como Lula, Maluf ou Juruna;

uma modelo tcheca em Paris, e uma

versão “dona de casa” de Sonia Braga,

cozinhando em Paraty. “Pela primeira vez

um livro mostra os diversos temas com

PEDRO MARTINELLI GANHA LIVRO DA COLEÇÃO FOTÓGRAFOS VIAJANTESTERRA VIRGEM EDITORA LANÇA TERCEIRO VOLUME DA COLEÇÃO EM AGOSTO

os quais trabalho. É um primeiro balanço,

uma amostra do meu arquivo editada

pelo Roberto Linsker, de quem recebi o

convite para fazer o livro e a quem dei

total liberdade para recontar minhas his-

tórias,” diz Pedro. “Vivi mais da metade

da minha vida no mato, conheço o Brasil

todo, e acompanho a desgraça na Ama-

zônia desde os anos 1970. Em 1995 pedi

demissão e fui fotografar o que sobrou

Serviço:

Livro: Martinelli, Pedro

Texto: Pedro Martinelli e Roberto Linsker

Terra Virgem Editora64 imagens

Características e preços:

Edicão limitada (100 exemplares)

20 livros assinados e numerados de 1/100

a 20/100, acompanhados de cópia foto-

gráfica no tamanho 55 X 44 cm numera-

da e assinada pelo autor, com impressão

da floresta e resgatar o que existia dos ín-

dios, que agora usam camisa de time de

futebol, bermuda até o meio da canela,

tênis desamarrados e boné,” completa.

Linsker é responsável pela escolha

e sequência das imagens do livro. “A

edição do livro é uma leitura minha, muito

particular, sobre a obra do Pedro”, explica

o curador. “Gosto desta ideia do vai e

volta, das semelhanças e contrastes entre a

floresta e a cidade, da Amazônia impreg-

nada na vida do Pedro, desses diálogos

silenciosos entre mundos que pela primeira

vez se encontram lado a lado nas páginas

do livro. Como o saltador em Acapulco

que se larga para o mar e para a vida e a

vítima que, durante o incêndio de 1974,

pula para a morte no edifício Joelma em

chamas,” completa Linsker.

em jato de tinta K3 sobre papel

Hahnemühle Classic Velour 290g/m2

Quanto: 3.000 reais

80 livros assinados e numerados de

21/100 a 100/100

Quanto: 190 reais

Edição simples

Quanto: 45 reais

Onde encontrar:A edição simples está disponível nas

principais livrarias do Brasil.

A edição limitada estão à venda na pró-

pria editora e em galerias selecionadas.

Informações: [email protected].

Mosaico das imagens produzidas nos 40 anos do fotógrafo Pedro Martinelli

75

Da Redação

fotos Pedro Martinelli

Foto

s: Pe

dro

Ma

rtine

lli

Page 42: Revista Raiz #10

APLICATIVOINSTAGRAMREVELA OBRASIL

Com 25 anos no mercado de

fotografia, Mônica Maia foi

responsável pela primeira

exposição em São Paulo de

fotos tiradas com o aplicativo

Instagram impressas em papel algodão,

que aconteceu no Clube Alberta em abril

de 2011. A coleção Revelar #azulejos nas-

ceu no processo da montagem dessa

exposição. “Eram cópias 20x20cm e na

parede lado a lado me veio a imagem

de azulejos decorados. Fiz várias pesqui-

sas e a técnica da impressão brilhante

se aproximou muito do aplicativo e

dos efeitos retrôs obtidos através dos

filtros,” comenta a fotógrafa. Seguiu-se

a mostra Inspir.ação, o Revelarparaty,

cobertura colaborativa do evento de

fotografia Paraty em Foco, e a Insta-

Sampa, que selecionou trinta imagens

entre as 1.200 inscritas, no Armazém

Piola, em São Paulo.

A coleção Revelar #azulejos traz para

o mundo real as fotos feitas através do

Instagram, um dos aplicativos mais po-

pulares para iPhone. O aplicativo, criado

pelo brasileiro Mike Krieger e pelo

americano Kevin Systrom, atingiu, em

apenas um ano de lançamento a marca

de 10 milhões de usuários com mais de

200 milhões de imagens. Atualmente o

sistema possibilita o uso de diversos fil-

benz de raiz

tros que recriam estéticas de processos

fotográficos que remetem às câmeras

analógicas como Lomo e Polaroid. O

azulejo tem 15 x 15cm e a moldura,

de cor nogueira, tem 16,5 x 16,5 x

3,7cm. O preço do azulejo na moldura

é 240 reais. A foto compartilhada na

rede social é quadrada, por isso quando

aplicada neste suporte fica muito fiel ao

que se vê na tela do aparelho. Além do

formato, a impressão brilhante ressalta

o estilo retrô das fotos.

As fotos selecionadas pela dona da

Agência Revelar, Mônica Maia, mostram

um Brasil de verdade em todos os aspec-

tos, com fotos reais, documentais, que vão

desde grandes acontecimentos até cenas

do dia a dia. As imagens são impressas em

azulejos, que podem ser emoldurados ou

aplicados diretamente na parede. Profissio-

nais experientes estão entre os fotógrafos

selecionados pela curadora para esta

primeira linha Revelar #azulejos. São eles:

Aurch, Ana Beatriz, Chebel, Daigo Oliva,

Filiperama, Garrida, Helena de Castro,

Letsvamos, Paulo Pampolin, Renato Sto-

ckler, Ricky Arruda, Rosa Bastos, T.Pires,

entre outros. Fotógrafos selecionados por

Mônica Maia direto do aplicativo Insta-

gram. “Procuro selecionar aqueles que

criam uma identidade visual, seja pelas

cores, enquadramentos, filtros, temas

fotografados, ou seja, procuro trabalhos

com personalidade e, claro, que ficam

bem em paredes, prateleiras e ambientes

internos e externos,” explica.

Existe a intenção de fazer exposições

pelo país, não só de azulejos mas com

ações na rede Instagram. “Fizemos em

São Paulo a exposição InstaSampa, onde

fotos da cidade eram compartilhadas

na rede,” conta Mônica Maia. Mas caso

haja interesse em adquirir algum dos

azulejos a compra pode ser feita pelo site

www.revelarbrasil.com.br na sessão

Impressões - coleção #azulejos, ou sob

encomenda pelo email:

[email protected]

Sob a curadoria da fotógrafa Mônica Maia foi criada uma nova possibilidade de colecionar imagens do Brasil.

Foto

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77

Da Redação

Fotos Renato Stockler, Rosa Bastos e Ana Beatriz Chebel

Page 43: Revista Raiz #10

VÍDEOS NAS MUITAS ALDEIASAshaninka, Asurini, Baniwa, Enawenê-Nawê, Gavião–Parakatejê, Guarani-Kaiowá, Guarani-Mbya, Kaxinawá, Ikpeng, Kaingang, Kanoê, Kisêdjê, Krahô, Kuikuro, Makuxi, Manchineri, Maxacali, Nambiquara, Panará, Pankararu, Parakanã, Tariano, Waiãpi, Waimiri (alguns dos 250 povos indígenas do Brasil)

Foto

: Ern

esto

de

Ca

rva

lho

perder o elã inicial, como os Médicos

sem fronteiras, a nível mundial, e o

Vídeo nas Aldeias, aqui no Brasil.

O Projeto Vídeo nas Aldeias – ori-

ginário da ONG Centro de Trabalho

Indigenista e, em particular, da atuação

militante de Vincent Carelli - desde 1986

é um exemplo ímpar na construção de

uma política cultural estruturante, demo-

cratizante e de visibilidade da questão

indígena. Com uma produção audiovi-

sual constante e invejável, o VNA não

impõe, ao contrário, compõe com seu

Vídeo nas Aldeias é uma

ONG, um Ponto de Cultura

e um projeto precursor do

audiovisual indígena no

Brasil. Com mais de quarenta

títulos de autoria indígena lançados, o

acervo do VNA proporciona uma visão

única no diálogo com a temática dos

nossos índios. Um diálogo cultural direto

da fonte. Uma fonte complexa e que traz

o mito de origem do país, que envolve

memórias e lendas, mas também manejo

florestal e divisas territoriais. O VNA aporta

equipamentos de áudio e vídeo, forma

técnicos e fotógrafos, e ajuda no processo

de distribuição dos produtos gerados. Traz

à tona nossa grande diversidade de povos

e etnias, abordando parte significativa dos

mais de 250 povos indígenas do país.

Em meio a caça às bruxas das ONGs,

fruto do aparelhamento partidário

de algumas entidades envolvidas em

escândalos recentes, falar do Vídeo nas

Aldeias é colocar de volta à mesa, a

temática realizadora e impulsionadora

original dessas empresas militantes de

suas causas.

As ONGs têm sido um fenôme-

no mundial com forte influência na

formação da humanidade. Atuando em

causas nobres como meio-ambiente,

trabalho infantil, minorias, tortura,

entre outros; estando presente, muitas

vezes, na ausência do Estado ou do res-

ponsável pelos direitos. ONGs também

cresceram como empresas, rompen-

do fronteiras e se configurando em

verdadeiras multinacionais. Muitas sem

Vincent Carelli na aula de edição com o Ashaninkas, no Acre

“Um diálogo cultural direto

da fonte.”

79

Da Redação

Fotos Ernesto de Carvalho e Carlos Fausto

bens de raiz especial

Page 44: Revista Raiz #10

benz de raiz especial

interlocutor com o respeito às caracterís-

ticas e a história de cada povo indígena

abordado. Os produtos audiovisuais do

VNA surgem do olhar dos próprios ín-

dios, que em oficinas e reuniões dispõem

como quiserem dos recursos intelectuais

e ferramentais aportados para construir

uma narrativa própria e autônoma.

No primeiro trabalho, com os

Nambiquara, com o equipamento VHS

do próprio Vincent (pronuncia-se em

francês ‘vanssant’) sempre à disposição,

uma surpresa: Os índios não gostaram

de muita coisa que viram e promove-

ram ajustes na sua imagem, uma vez,

revelada pelo espelho das câmeras. Esse

potencial de gerar novas dinâmicas,

que se configuram em alavancas para

a expressão individual e coletiva das

aldeias, é a chave do sucesso do projeto

VNA. Mais do que o seu fim como

produto consumível, o filme, pelo olhar

intimista e diferenciado do realizador de

cada povo, alavanca uma interlocução

especial com quem não conhece o tema

– os de fora. Mas também, movimenta,

na sua confecção e resultado final, os

povos retratados – os de casa. Num

círculo virtuoso em que os processos se

alavacam positivamente; com os de fora

rompendo o estranhamento comum e

compreendendo que o nosso índio não

é só aquela figura mítica do alto Xingu,

forte, desnudo e dançando o Quarup. E

os de casa se vendo e se reconhecendo

como uma cultura específica.

“Os índios não gostaram de muita

coisa que viram e promoveram ajustes na sua

imagem...“

Se num primeiro momento o VNA

retrata, num segundo forma cineastas

índios. Em 1997 foi realizada a primeira

oficina de formação na aldeia Xavante

de Sangradouro. Numa ciranda que não

para nunca. Em 2004, o encontro com o

Programa Cultura Viva alavancou ainda

mais a iniciativa indigenista audiovisual

do VNA. Vincent nos conta: “O projeto

levou tempo para decolar. Havia muita

ignorância sobre as questões indígenas.

Até nos tornarmos Ponto de Cultura,

nunca tínhamos recebido nenhum centa-

vo. Agora podíamos equipar as aldeias

e dar mais autonomia a elas”. Vincent

continua: “Junto, vem a revolução digital

e a política de fortalecimento da nossa

diversidade cultural na gestão do Minis-

tro Gilberto Gil”. Estruturado e prepara-

do, o Vídeo nas Aldeias ganha energias

renovadas num cenário favorável.

Com mais musculatura, amplia a

extensão de suas ações em novas e dife-

rentes nações indígenas. Caminha então

para a terceira via de suas atividades.

Entra a distribuição e a promoção dos

conteúdos gerados, sempre apresenta-

dos em português e mais uma língua,

além da indígena falada. O Vídeo nas

Aldeias vai para a TV aberta no progra-

ma de Marcos Palmeira “A’uwe”, na TV

Cultura por quase três anos, com boa

aceitação do público, em uma empatia

que envolveu humor, intimidade e toda

densidade das várias histórias indíge-

nas do presente.

Atualmente, o Vídeo nas Aldeias vive o

paradigma da esperança e da decepção.

Esperança nas novas Leis 11 645 e 10

630 de inclusão das culturas indígenas

e afrodescendentes no ensino médio,

onde a distribuição dos produtos do VNA

podem atingir os três dígitos. Decepção

com o desmonte de vários programas em

favor da diversidade e da cultura popular

no Ministério da Cultura e outras institui-

ções culturais hegemônicas.

Independente dos cenários que o

cercam, o Vídeo nas Aldeias se renova

e começa a focar o público infantil,

com conteúdo adequado e dublado

para as crianças. Iniciando uma nova

fase de sua evolução como entidade

e projeto indigenista.

Em um quarto de século o VNA gerou

um acervo de mais de 3 mil horas de

imagens de quarenta povos indígenas

brasileiros e uma coleção de oitenta víde-

os, metade de autoria dos próprios índios.

Para celebrar uma vida rica de histórias

e momentos publica: Vídeo nas Aldeias

– 25 anos. Um livro que apresenta uma

abordagem diferenciada, que privilegia

os processos de sua centena de produ-

tos e seus principais atores, os cineastas

indígenas, valorizando cinco povos que

mais produziram pelo projeto: os índios

Ashaninka (AC), Kuikuro, Xavante (MT),

Huni Kui (AC) e Mbya-Guarani (RS). Diz

Vincent: “Os depoimentos revelam o

impacto da chegada do vídeo às aldeias:

a apropriação do meio incita a retomada

de rituais esquecidos, evidencia disputas

políticas entre facções diversas, expõe

conflitos geracionais; mais do que tudo,

possibilita projetar para o mundo uma

imagem mais fiel dos realizadores”. Em

uma edição caprichada, o livro com 255

páginas ricamente ilustradas e dois DVDs

busca captar a visão dos realizadores,

oficineiros, produtores e público na busca

de contar como chegaram até aqui, 25

anos depois.

“Em 25 anos de vida o VNA gerou

um acervo de mais de 3 mil

horas de imagens de quarenta

povos indígenas brasileiros e uma

coleção de oitenta vídeos, metade de autoria dos

próprios índios.”

Serviço:

Livro-Vídeo: Vídeo nas Aldeias – 25 anos

256 páginas, 10 filmes

Quanto: 200 reais

Foto

: Ca

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Faus

to

Vincent Carelli entre os Kuikuru

81

Page 45: Revista Raiz #10

Foto

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ulg

açã

o

E AS FRONTEIRAS DOPOPULAR E ERUDITO

SAGRAMAM

úsica erudita é aquela consagrada, a dos compositores universais. Ela possui estruturas formais muito bem demar-

cadas: abertura, desenvolvimento, a construção de um clima de tensão e depois relaxamento”. Foi assim que Sérgio

Campello, flautista e diretor artístico do Sagrama, começou a contar a sua visão sobre a música erudita × música

popular. Para ele, música erudita é aquela que interpreta fielmente a composição do autor, respeitando-a nota por

nota. O erudito estuda a música de maneira formal, tem mais bagagem e referências musicais que o músico popular.

“Veja os sanfoneiros, a maioria não conhece teoria musical, mas tocam por intuição e pelo aprendizado que tiveram com os pais,

com as pessoas da sua comunidade, em casa, nas festas”.

Ensaio do grupo pernambucano Sagrama

Sagrama é:

Sérgio Campelo (Direção artística / arranjos) - Flautas

Frederica Bourgeois - Flautas

Crisóstomo Santos - Clarinetes

Cláudio Moura (Assistente de direção) - Violão / Viola nordestina

Fábio Delicato - Violão

João Pimenta - Contrabaixo

Antônio Barreto - Marimba / Vibrafone / Percussão

Tarcísio Resende - Percussão

Hugo Medeiros - Percussão

85

Por Cristina Astolfi

Fotos Divulgação

música

Page 46: Revista Raiz #10

Para entender um pouco melhor a

relação entre o erudito e o popular na

música, e para avaliar a produção do

próprio Sagrama, recorri ao professor

José Roberto Zan, da Unicamp, que

iluminou a minha investigação com ge-

nerosidade a partir de um olhar histórico

muito pertinente à questão. Segundo o

professor, a música erudita remonta à

Idade Média, mas a partir do século 19

ela estabelece uma relação especial com

a música popular. Nessa época, a Europa

passa por uma grande crise e reconfi-

guração socioeconômica: o desenvol-

vimento do capitalismo industrial; os

desdobramentos da Revolução Francesa;

o desencanto com os ideais iluministas; e

a necessidade de consolidar a incipiente

unificação de países como Inglaterra,

Itália e Alemanha.

Impulsionadas pela necessidade de

erigir um projeto nacional, as elites in-

telectuais desses jovens Estados buscam

na cultura popular elementos para a

constituição de uma identidade co-

mum, de Povo, de Nação, para aquele

agrupamento artificial de comunidades

tão diversas. Surgem as pesquisas dos

folcloristas, dos quais podemos destacar

os alemães. Se, por um lado, o conhe-

cimento das diferentes comunidades

tradicionais sempre existiu; por outro, é

essa elite que o traz à tona, tornando-

-o visível ao valorizá-lo e pesquisá-lo.

De certa forma, é o folclorista quem

inventa o folclore (do inglês, folk e lore:

“povo” e “saber”). Os artistas dessas

Enquanto a música erudita é inserida

em um campo artístico até certo ponto

autônomo, com músicos seguindo regras

rigorosas e em um diálogo interno com

os compositores que os antecederam e

seus contemporâneos, a música popular

se dá intrinsecamente ligada ao contexto

das culturas de onde emergem, vincula-

da a práticas, festividades periódicas, a

aspectos religiosos e sociais. Além disso,

ela é mais solta, espontânea. Também

possui determinadas regras, mas são me-

nos amarradas, abertas a improvisações e

recriações constantes dos seus autores.

Para Sérgio, “o erudito cria a obra a

partir do popular, que traz em si a essência,

onde nasce tudo, o ritmo, o gênero, o

autêntico. Expressa um povo, um costume,

um lugar, uma cultura”. Ele define a músi-

ca feita pelo Sagrama como uma mistura

baseada na cultura popular, nas fontes,

nos folguedos (festas populares), mas feita

em uma “linguagem mais elaborada”. O

grupo não altera a rítmica (baião, mara-

catu, frevinhos etc.) e a instrumentação

aplicada é um misto de popular e erudito.

Muito dessa miscelânea se deve à própria

formação heterogênea dos nove músicos:

há desde integrante da Orquestra Sinfônica

do Recife a percussionista com “formação

de rua”. Além disso, Sérgio reconhece a

influência do Movimento Armorial, do

Manguebeat, das Orquestras de Frevos e

do Ciclo Carnavalesco. Só mesmo quem

visitou Recife pode ter a dimensão de

como a música e a cultura pulsa viva nas

ruas daquela cidade.

“A música erudita é inserida em um campo artístico até certo ponto autônomo, com músicos seguindo regras rigorosas e em um diálogo

interno com os compositores que os antecederam e seus contemporâneos.”

classes hegemônicas no contexto do

Romantismo brasileiro, do qual também

faziam parte músicos, compositores de

tradição clássica, passam a pesquisar

as práticas, festas e sonoridades do

povo não para reproduzi-las, mas para

reelaborá-las e rearranjá-las de forma a

construir o verdadeiro Espírito do Povo

(Volksgeist, em alemão).

Do lado de cá, o Brasil proclama a

sua independência em relação a Portu-

gal. O dilema que o funda é a busca da

sua própria identidade, procurando se

distinguir da metrópole que o coloni-

zou. Um movimento de construção de

um projeto nacional semelhante ao

europeu, firmado na reelaboração e

organização das práticas

populares, inicia-se e

pode ser observado nos

ideais do movimento

romântico brasileiro. No

entanto, ele ganha força

e repercussão a partir

do século 20, com a

vanguarda dos modernis-

tas, tendo como marcos a

Semana de Arte Moderna

de 1922 e o Manifesto

Pau-Brasil (1924).

Nas discussões sobre música desta-

cou-se o escritor Mário de Andrade com

o seu Ensaio Sobre a Música Brasileira

(1929). Para ele, era fundamental o

desenvolvimento da música brasileira,

que deveria ser erudita, a partir da fonte

popular. É o que fazia Heitor Villa-Lobos

(que se apresentou, inclusive na Semana

de 22) em trabalhos como Uirapuru

e Amazonas: colhia no folclore, na

cultura indígena e popular determina-

dos elementos e os trabalhava a partir

dos procedimentos formais da música

europeia. Ele sinfonizava o folclore.

Mais uma vez, como na Europa, temos

o entrelaçamento da música erudita e

da música popular segundo um projeto

da classe dominante: a expressão da

identidade nacional através do rearran-

jo de elementos populares segundo a

estrutura formal erudita.

Até agora tratamos da música

popular como aquela produzida fora

do mercado, sem fins lucrativos, ligada

aos valores e práticas de comunidades

específicas, ligadas à vida cultural e

religiosa. Porém, a partir da indus-

trialização do século 20, temos uma

tendência mundial de descaracterização

do folclore devido à separação entre

artista e obra, que passa a ser comercia-

lizada, a ser construída para o mercado.

A música popular se profissionaliza e

se racionaliza, perde a espontaneidade,

transforma-se em resultado de estudo

e pesquisa. Além disso, o diálogo entre

as sonoridades de diferentes lugares se

acirra na proporção do desenvolvimen-

to da comunicação e da globalização.

Surge o pop, o popular internacional.

No Brasil tivemos um grande floresci-

mento dessa música popular de mercado

(a nossa riqueza musical é mundialmente

notória), mas também a manutenção

de práticas folclóricas. Aqui coexistem

diferentes estéticas, sonoridades, hege-

mônicas ou não. Por outro lado, a esfera

da nossa música erudita, comparada à

europeia, é frágil, um reduto de poucos

artistas e ouvintes. E por requerer uma

estrutura cara, com um grande elenco de

músicos, ela é dependente de subsídio

estatal para sobreviver. Como aponta

Sérgio, “a música erudita feita no Brasil é

restrita, mas respeitada. Existem grandes

orquestras, grandes escolas. Mas há uma

ligação muito forte com o governo”.

E como podemos ler essa relação en-

tre popular e erudito no caso do Sagra-

ma? O grupo pode ser visto como uma

manifestação inserida em um movimen-

to regional, e não no movimento de pro-

jeto nacional, que ocorreu com a música

erudita brasileira até a década de 60.

O Sagrama realiza cortes

locais e regionais, em bus-

ca não da construção de

uma identidade nacional,

mas sim da construção

da sua própria identida-

de, os músicos afirmam

os valores do lugar onde

moram, da cultura pul-

sante que vivenciam. Algo

parecido aconteceu com o

movimento Manguebeat,

também pernambucano.

Mas se o Sagrama seleciona e colhe

determinados elementos da música

folclórica pernambucana e dá a eles

um tratamento erudito, os grupos do

movimento Manguebeat recolhem esses

mesmos elementos, mas dão a ele um

tratamento pop. Zan arrisca: talvez pos-

samos afirmar que no contexto global o

projeto nacional perde força, enquanto o

movimento regional se fortalece. É uma

boa aposta, não?

“A música popular se dá intrinsecamente ligada ao

contexto das culturas de onde emergem, vinculada a práticas,

festividades periódicas, a aspectos religiosos e sociais.”

87

música

Page 47: Revista Raiz #10

PORTO ALEGRE

Foto

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uro

Ro

ch

a

Texto e Fotos por Lauro Rocha

E O TURISMO CULTURAL

69

viagens

Page 48: Revista Raiz #10

Anoitecer em Porto Alegre

O mês é novembro. As cal-

çadas estão tomadas de

flores, caídas dos

ipês-roxos que, assim como

os manacás e os jacarandás,

dão graça às ruas. A primavera é a mais

generosa das estações do ano para os que

querem conhecer Porto Alegre, a capital do

Rio Grande do Sul, um estado conhecido –

quase caricaturado – por seu inverno e pela

imagem de um povo descendente de eu-

ropeus, ou então, a do gaúcho pampiano,

uma figura mítica tal qual a de Centauro

na mitologia grega.

A beleza da cidade pode ser percebida

em qualquer das quatro estações, mas o

rigor do inverno fica mais bonito no inte-

rior do estado, especialmente na serra,

acompanhado de um bom vinho.

O verão é impiedoso. A cidade é

banhada por um enorme lago, o Guaíba.

A combinação da baixa altitude com a

“A primavera é a mais generosa das estações do ano para os que querem conhecer

Porto Alegre”

Foto

: La

uro

Ro

ch

a

que se tem é de que o centro da cidade

inteiro se transformou em uma imensa

livraria a céu aberto. Não muito distante

dali, a Bienal do Mercosul e suas insta-

lações também agregam vida e cultura

ao cenário colorido da Capital gaúcha.

Dois quarteirões acima, a Praça da

Matriz, berço histórico da cidade está

tomada de manifestantes. Pedem o

fim da impunidade e da corrupção. Na

rua acima fica o Palácio Piratini, sede

do Governo do Estado, e a Assembleia

Legislativa. Do outro lado, fica o cente-

nário Theatro São Pedro e o novíssimo

Multipalco, que juntos formam o maior

complexo cultural da América Latina.

teatros, auditórios e espaços públicos,

oferecendo cultura a preço baixo e até

mesmo de graça.

O centro da cidade, agora rebatizado

para Centro Histórico, concentra grande

parte dos chamados pontos turísticos de

Porto Alegre.

Mas é em novembro que a cidade

mostra aquela que talvez seja a sua

característica mais marcante, a diversida-

de artístico-cultural. Por onde se passa

há uma exposição, um show, uma busca

pela interação das pessoas com a arte de

rua e da arte na rua.

A Praça da Alfândega está lotada com

as bancas da Feira do Livro. A impressão

proximidade do estuário transforma a

cidade numa panela de pressão entre

os meses de dezembro e março. Em

2010, por exemplo, a cidade figurou

como o lugar mais quente do mundo

durante quase uma semana. Imagino

que pontos do deserto do Saara ou de

Gobi não tenham aferição permanente

de temperatura, mas a sensação térmi-

ca de 50ºC é suficiente para espantar

qualquer viajante.

Mas, ainda assim, a cidade guarda

boas atrações aos que se aventurarem

ao turismo durante o verão. A cidade

ferve - perdoem o trocadilho, foi inevitá-

vel – com atrações artísticas que lotam

Centro Histórico no fim da tarde

71

viagens

Page 49: Revista Raiz #10

É no centro que está a Casa de

Cultura Mario Quintana. O prédio era

um antigo hotel, o Majestic, e serviu,

durante anos, de residência ao poeta

que lhe dá nome. Bem perto, na Praça

da Alfândega, ficam dois museus: Júlio

de Castilhos, que conta a história do

Estado e o MARGS, que possui em

seu acervo obras de artistas brasileiros

como Xico Stockinger, Ado Malagoli e

Cândido Portinari e estrangeiros como

Jean Geoffroy.

Outro ponto, e certamente o mais

movimentado de todos, é o Mercado

Público, que segue sendo referência de

produtos alimentícios de boa qualidade,

bons restaurantes e ponto de encontro

A cidade está tomada de cor, cultura,

arte e inconformismo.

É também no centro que fica o Cais

do Porto e seus galpões, cuja utilização

principal, atualmente, é para abrigar fei-

ras e eventos culturais. Há anos se espera

pela sua revitalização e um projeto ambi-

cioso pretende, finalmente, transformá-lo

numa espécie de Puerto Madero.

“A cidade está tomada de cor, cultura, arte e

inconformismo.”

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Artistas de rua se apresentam no Cais do Porto

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de trabalhadores que buscam um chope

no fim de tarde.

Não muito longe dali está a Usina

do Gasômetro, uma antiga estação

de geração de energia que, desde sua

reforma e transformação em espaço

cultural, é uma referência em lazer e

cultura aos porto-alegrenses. Atualmen-

te, ela abriga nada menos que dezesseis

companhias de teatro e dança, além

de possuir cinema e amplo espaço para

exposições e shows. Ela possui também

um mirante, de frente para o lago, de

onde se tem uma das mais belas vistas

para o pôr do sol.

A cidade tem inúmeros festejos ao lon-

go do ano. O mais famoso deles é o Vinte

dades carnavalescas, a Esmeralda e os

Venezianos. A história conta que a riva-

lidade dos grupos era grande e os car-

navais memoráveis, tanto na rua quanto

nos bailes de gala, realizados no Theatro

São Pedro. Atualmente o bairro conta

com o bloco Maria do Bairro, que faz a

alegria daqueles que optam por ficar na

capital e fugir dos engarrafamentos em

direção ao litoral.

Visitar Porto Alegre sem conhecer

o Parque da Redenção é como não ter

passado pela cidade. Localizado entre os

bairros Bom Fim, Centro e Cidade Baixa,

ele é uma espécie de “quintal” dos mo-

radores locais. A ampla área verde, com

direito a chafariz, lago, espelho d’água

de Setembro, alusivo à Revolução Farroupi-

lha, com direito a desfile de gaúchos com

roupas típicas montados em cavalos e

tudo mais. O segundo, adivinhem, é o

carnaval. No bairro Cidade Baixa, berço da

colonização açoriana da cidade, ainda no

século 18, uma brincadeira de rua chama-

da “entrudo”, onde os recém chegados

portugueses jogavam frutas, ovos e água

uns nos outros, é considerada a introdução

da festa de Momo na capital. Mais tarde,

os chamados “negros urbanos”, no perío-

do pós abolição, inseriram o ritmo africano

na brincadeira lusitana e colocaram o

carnaval na história da cidade.

No início dos anos de 1930 a cidade

tinha pelo menos duas grandes socie-

Travessa Venezianos

Bloco de carnaval Maria do Bairro

73

viagens

Page 50: Revista Raiz #10

derivação de brique, expressão francesa

para tijolos vermelhos, em alusão ao cal-

çamento. A segunda, de bric-a-brac, uma

gíria utilizada para denominar os mercados

de pulgas da Inglaterra, cujas mercadorias

eram colocadas também no chão.

Um pouco mais distante da região

central, costeando a margem do Lago

Guaíba e rumando para a zona sul

da cidade cruza-se com um prédio

imponente. Fachada curva, de con-

creto branco, incrustado no pé de um

morro. É o prédio da Fundação e Museu

Iberê Camargo. O acervo possui obras

(pinturas, gravuras e desenhos) e mais

de 20 mil documentos que registram a

trajetória do artista que lhe dá nome,

além de acolher inúmeras exposições ao

e jardins temáticos é tomada por mora-

dores de todos os cantos da cidade.

Aos domingos, ele abriga o Brique

da Redenção, onde artistas, artesãos e

colecionadores vendem suas obras e anti-

guidades. Há duas versões sobre o nome

“Brique”. A primeira é de que seria uma

“Visitar Porto Alegre sem

conhecer o Parque da Redenção

é como não ter passado pela

cidade.”

Parque da Redenção

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talvez seja o caminho mais curto para o

sucesso nesta empreitada. Mas é preciso

que a cidade receba investimentos

efetivos na manutenção e conservação

dos pontos turísticos. Recentemente, o

Ministério Público do Estado precisou

intervir junto ao município para que este

revitalizasse o viaduto Otávio Rocha,

obra inaugurada em 1932, que se en-

contra em péssimo estado de conser-

vação. Se tudo der certo, será mais um

destino merecedor de visita por parte

dos turistas.

restaurantes, das mais diversas corren-

tes gastronômicas, famosos por servir

porções de tamanho avantajado.

O poder público vem tentando ao

longo dos últimos anos alavancar a

cidade como um pólo turístico no Brasil.

A aposta na sua multiplicidade cultural

longo do ano. Projetado pelo arquiteto

português Álvaro Siza, o prédio do mu-

seu é, igualmente, uma obra merecedora

de admiração.

Uma viagem só é completa quando

se tem acesso à culinária local, e neste

caso, é impossível não pensar numa

visita a uma das inúmeras churrascarias

existentes na cidade. Uma indicação

óbvia são aquelas que possuem algum

dos chamados “shows típicos”, mas, se

o seu interesse for tão somente comer

bem, procure ir às mesmas churrascarias

que os moradores locais costumam ir.

Seu bolso irá agradecer.

No geral, o preço das refeições é

baixo se comparado com outras capitais

do país. A cidade tem variedade de

“É impossível não pensar numa

visita a uma das inúmeras churrascarias

existentes na cidade.”

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Viaduto Otávio RochaIberê Camargo

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Page 51: Revista Raiz #10

COM AXÉ NÃO TENHO FOME

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Pai Brivaldo oferece o ajeum, termo yorubano usado para designar a comida, uma

das motivações para que as pessoas participem das festas dos terreiros.

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Por Raul Lody

Fotos Luis Santos

comidas

Page 52: Revista Raiz #10

Sem dúvida, o papel históri-

co, social e nutricional dos

terreiros de matriz africana

no Brasil reafirma sua função

de dar de comer a milhares

de brasileiros que se alimentam com

fartura e qualidade. Isso se dá nas

muitas festas dos calendários em louvor

aos Orixás.

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Nos terreiros, os animais são abatidos

como acontece com a carne kosher dos

judeus; como no Ramadã dos muçulma-

nos, quando são sacrificados milhares de

carneiros, cujas carnes são partilhadas e

consumidas. Assim, a comida ritual é um

exercício de dignidade e de identidade, e

tudo isso é garantido na liberdade religio-

sa como está na Constituição Brasileira.

No terreiro, costuma-se fazer comida

farta, variada e gostosa. Essa comida

é servida para os membros do terreiro,

para a comunidade do entorno, e para os

visitantes. O valor dessa comida une-se

ao sentido ritual, como acontece com

qualquer religião organizada.

A comida é um elo sagrado da vida,

por isso o que se come nos terreiros é

preparado com o maior cuidado culinário.

Tudo é gostoso e tem estética própria, pois

os Orixás apreciam o que é bom e belo. As

carnes dos animais são preparadas, como

nas nossas casas, com as técnicas culiná-

rias apropriadas. As carnes são cozidas,

guisadas ou fritas. Há acompanhamentos

como: feijão, milho, acarajé, abará, acaçá,

inhame, vatapá, caruru, farofa de dendê.

Mãe Neide oferece o xinxim de porco afinal a comida enquanto elo de renovação da relação entre os iniciados e seus orixás

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comidas

Page 53: Revista Raiz #10

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A pasta branca tem como base a

farinha de milho branco. O milho deve

ficar alguns dias de molho, e depois

deve ser passado no moinho ou pilado.

Essa farinha deve ser cozida com água

até formar uma pasta, e, então, deve-

se pegar uma porção da pasta ainda

quente e envolvê-la em um pedaço de

folha de bananeira e deixá-la esfriando

até enrijecer. Em alguns países da África

é utilizada folha do èpàpo.

O acaçá de Mãe Elza é uma comida de

santo tradicional nos rituais e oferendas da

religião afrobrasileira. O acaçá é a única comi-

da capaz de restituir o axé e restaurar a paz,

segundo os que seguidores do Candomblé.

RECEITA DO TRADICIONAL ACAÇÁ

Pai Cleiton oferece o acaça. O acaçá é uma

comida feita com milho branco ou com massa

de arroz, geralmente sem tempero Foto

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comidas

Page 54: Revista Raiz #10

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Enseada da Baleia no litoral sul do estado de São Paulo

Pontos de Cultura do Vale do Ribeira.

Outra ação do projeto está focada na divulgação do turismo

comunitário de Cananéia. Isso se dará através da elaboração de

um site e de um vídeo que mostrem um pouco da essência da

cultura local, ou seja, o que o visitante poderá entrar em conta-

to e vivenciar ao realizar algum dos roteiros dentro da proposta

do turismo comunitário de Cananéia. O projeto também prevê

campanhas e oficinas para a difusão de informações sobre

turismo comunitário e consumo consciente para a comunidade

cananeense, entre outras atividades.

A Rede Cananéia faz parte da Rede Turisol – Rede Brasilei-

ra de Turismo Comunitário, que se caracteriza pela união de

diversas organizações no Brasil que desenvolvem projetos de

turismo solidário e que buscam, através da união e troca de

experiências, fortalecer as iniciativas existentes e despertar outras

comunidades para a construção de um turismo diferente. Devido

a um apoio da TAM a esta rede, será possível que lideranças de

comunidades e grupos de Cananéia conheçam a experiência da

Rede Tucum, no Ceará.

Entre as comunidades e grupos que participam da rede

de turismo comunitário de Cananéia estão: as comunidades

tradicionais caiçaras do Itacuruçá, Marujá e Enseada da Baleia,

que se localizam na Ilha do Cardoso; a comunidade tradicional

caiçara do Ariri; a comunidade tradicional do Santa Maria,

a comunidade quilombola do Mandira, localizadas na parte

continental do município; seis sítios da agricultura familiar;

grupos culturais e grupos de artesanato local, além do Ponto

de Cultura Caiçaras.

TURISMO COMUNITÁRIO

Teve inicio em julho de 2011 o projeto de turis-

mo comunitário intitulado “A vivência da cultura

tradicional gerando renda para a comunidade local,

através do turismo cultural de base comunitária: rede

de produtores culturais”, com apoio da Secretaria da

Cidadania Cultural, do Ministério da Cultura, através do Prêmio

Economia Viva em 2010. Sendo assim, uma série de ações

estão sendo realizadas no município de Cananéia, litoral sul

de São Paulo. O projeto é em parceria com o Ponto de Cultura

Caiçaras. O Ponto de Cultura terá um importante papel na

elaboração dos meios de divulgação do turismo comunitário

e no fortalecimento de uma rede virtual entre os pontos de

cultura do Vale do Ribeira, para a discussão sobre temas como

o turismo comunitário, comunidades tradicionais, entre outros.

Busca-se fomentar o turismo comunitário em Cananéia com

ações locais de fortalecimento de seis grupos/comunidades, que

fazem parte da Rede Cananéia, e ações coletivas. Entre as ações

coletivas está prevista a estruturação de uma Rede de Turismo

Comunitário. Esta Rede é formada por comunidades e grupos

do município que trabalham direta ou indiretamente com o tu-

rismo e pretendem desenvolver o turismo comunitário, colocan-

do-os em contato para a troca de experiências e a construção

colaborativa de roteiros de turismo cultural de base comunitária

de Cananéia. Para isso foram levantados os possíveis atrativos

junto às comunidades e grupos envolvidos e os roteiros serão

formados com apoio do Projeto Bagagem, organização que

trabalha com a elaboração de roteiros de turismo comunitário

com comunidades de todo o Brasil. Um dos roteiros elaborados

será testado pelos participantes do projeto e representantes dos

Para mais informções acesse: www.redecananeia.org.br/

Serviço:

Por Patrícia Dunker

Fotos Luis Meyerhofer

EM CANANÉIA

Page 55: Revista Raiz #10

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ENCONTROS DE PARATY

da Redação

Fotos Divulgação

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Na sala do cineclube da Casa na Praça, a Associação Casa

Azul organizou um ciclo de palestras e debates sobre a iden-

tidade e o patrimônio cultural de Paraty, cidade no sul do es-

tado do Rio de Janeiro. O evento que aconteceu no segundo

semestre de 2011 reuniu personagens do cenário cultural da

cidade para falar da cultura popular paratiense, sua evolução

e estratégias de promoção e preservação deste patrimônio no

século 21.

Os temas tratavam do patrimônio imaterial – como as Festas

de Paraty ou 3x Cultura – A Ciranda ontem, hoje e amanhã

– aos personagens culturais da cidade – como o poeta José

Kleber e a criação ciclo do cinema em Paraty. Os outros temas

trataram das experiências culturais da cidade: A origem e a

tradição do Bloco da Lama; A Eco TV e o patrimônio cultural de

Paraty; A poesia e o teatro em Paraty e as Histórias da Banda

Santa Cecília, onde se reuniram pensadores e artistas como

Luiz Perequê, Lia Capovilla, Thêmis Corrêa, Leônidas Passos,

Marcelo Assis, Pardinho da Tarituba, Hélio Braga, Zé Malvão e

Leandro Doutor, entre outros.

Todos os “Encontros de Paraty” foram gravados e serão

reunidos em um DVD que ficará disponível para o público em

geral, mas especialmente para a rede escolar de Paraty, para

ser utilizado em pesquisas e como suporte pedagógico em

Educação Patrimonial.

Serviço:

Blog da FlipZona: flipzona.wordpress.com

O músico Luiz Perequê e o artista Hélio Braga em um encontro sobre sobre o ciclo do cinema em Paraty, RJ

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Page 56: Revista Raiz #10

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TENDA DOS SABERES

A Pajelança Quilombólica aconteceu em outubro de 2011.

Reuniu mestres, griôs e aprendizes de diversas comunidades qui-

lombolas do Brasil em Campinas, cidade do interior do estado

de São Paulo, para discutir e trocar experiências. As Pajelanças

têm a função de apontar soluções práticas para os vários temas

que vem surgindo: novas tecnologias, questões sociais, econômi-

cas e ambientais, direitos humanos, territórios e outros. O nome

Pajelança Quilombólica é uma homenagem à miscigenação, às

fusões de culturas, que foi dado por mãe Dango, uma referência

da cultura afro-brasileira na região de Campinas (SP).

No quarto encontro promovido pela Rede Mocambos, o

tema da reunião foi o bambu e o compartilhamento de conhe-

cimento ancestral e atual de técnicas de seu desenvolvimento

e manejo. Os mestres dividiram seus saberes, metodologias,

pedagogias e tecnologias das formas de construção de casas

como feito antigamente por seus pais e avós. Esses conheci-

mentos respeitam as características de cada lugar, segundo

muitos dos mestres presentes.

Alguns dias antes do encontro, o mestre de obras Raimundo

Chagas do Maranhão ministrou uma oficina sobre o feitio do

tijolo adobe, considerado um tijolo ancestral onde o processo

construtivo é uma forma rudimentar de alvenaria. Para essa ofici-

na ele utilizou barro e água na confecção dos tijolos e tudo foi

seco ao sol, exatamente como se fazia antigamente.

Do Rio Grande do Sul, da cidade de Porto Alegre, vieram o

mestre Paraqueda e o griô Paulo Romeu. Do Quilombo de Morro

Alto, que fica na Serra Gaúcha, mestre Antônio também esteve

presente no encontro; ele aprendeu com seus avós o método

de construção baseado nas paredes forradas com guanxuma e

erva-da-bruxa, ervas típicas do Rio Grande do Sul. Esses saberes

que vão do Norte ao Sul do Brasil serão reunidos em forma de

catálogo e a proposta é que no ano de 2012 o material possa

ser apresentado ao governo brasileiro e organizações privadas e

públicas que tratam da moradia no Brasil.

da Redação

Fotos Divulgação

Problemas da terra

Nas rodas, mestres, griôs, aprendizes, quilombolas rurais

e urbanos, povo de Santo (terreiro), representantes do poder

público de Campinas (SP) e Hortolândia (SP), movimentos

sociais e ativistas dos movimentos de software livres, MNU e da

Rede dos Pontos de Cultura, voltaram a discutir a questão da

posse da terra. Mestre Antonio, do Quilombo Morro Alto do

RS, relatou suas vivências na comunidade quando ocuparam

o INCRA. “Os grandes agricultores que invadiram as terras

quilombolas estão se articulando com políticos locais da região,

deputados e senadores para a legalização da posse das terras

cercadas. Existe um clima de medo por parte dos quilombo-

las, pois existem casos de Quilombos que foram ameaçados e

constrangidos por parte dos “brancos”, denunciou o mestre

Antonio. Mas em todo país essa situação não é diferente, e,

na reunião, muitos dos presentes reforçaram que o poder

público tem agido de forma branda e lenta, tolerando uma

série de injustiças, aceitarndo uma série de recursos a favor dos

invasores do território quilombola. Segundo muitos mestres, a

Justiça muitas vezes tem dificultado o andamento do processo

de regularização fundiária no país.

Bambu

O bambu como matéria-prima permite a fabricação de

diversos produtos, como móveis, e pode também ser aplicado

na construção civil. Assim, o levantamento, desenvolvimento

e transferência de conhecimento acerca do bambu para as

comunidades quilombolas, permite geração de renda por um

cultivo ecologicamente sustentável e criação de moradia com

técnicas desenvolvidas a partir dos conhecimentos tradicionais

das próprias comunidades. Geração de renda, impacto am-

biental positivo, solução de moradia – assim o bambu pode se

tornar um caso de Tecnologia Social segundo os organizadores

da Pajelança Quilombólica.

O estudo do bambu que já vem sendo feito por membros da

Rede Mocambos com o apoio de diversos parceiros, entre eles o

Instituto Agronômico de Campinas, e encontra agora na “Lei do

Bambu” (Lei nº 12 484/2011), publicada em 09 de setembro de

2011 no Diário Oficial da União (DOU), institui a Política Nacional

de Incentivo ao Manejo Sustentado e ao Cultivo do Bambu

(PNMCB). Com a lei, o governo visa estimular a transformação

do bambu brasileiro, são cerca de duzentas espécies em flores-

tas, e gerar renda a partir de uma matéria-prima que permite

a produção de artesanato, móveis, alimentação, moradia e,

inclusive, geração de créditos de carbono.

Participantes do IV Encontro Pajelança QuilombólicaCasa de Cultura Tainã: Antônio Carlos Santos Silva -TC, Denise Xavier,

Layla Xavier, Kimba Xavier, Jorge Matheus Dersu, Fábio Invamoto- Peetssa,

Alcídes Antonio, Anatalino José da Silva e Mercedes dos Santos

Projeto Território Livre da Cultura Afro Brasileira: Alceu José Estevan

Ponto de Cultura Jongo Dito Ribeiro: Heberth de Souza

Ponto de Cultura Nos Caminhos de São Paulo Grupo UrucungosMST de AmericanaQuilombo de Brotas (SP)Quilombo de Jaó – Itapeva (SP)Quilombo de Cafundó Ponto de Cultura NINA/Ação GriotCasa de Cultura Aquarela Brasil: Marcos Brytto

Centro de Cooperativa ToninhaDiretora de Cultura de Hortolândia (SP): Elaine Tozzi

Inzo Musambu Hongolo Menha - Casa do Arco Íris: Mãe Dango

Mestre do Maranhão Raimundo Chagas – São Luiz (MA)

Instituto Agronômico de Campinas: Chico de Assis e Leandro Pereira

Mestres do Griôs do Rio Grande do Sul Ação Griô: Antonio Carlos, Paulo Romeu e Eugênio Alencar

Cooperativa Rizoma: Paulo Barbosa

Serviço:

Page 57: Revista Raiz #10

109

COMMUNE NO CORAÇÃO DA CIDADE

O Teatro Commune fica em plena Avenida da Consolação, no centro da cidade de São Paulo.

Luta com tantas informações – bares, restaurantes, e outros teatros – que poderia fazer seus

responsáveis procurarem por um lugar mais calmo. Mas o espaço é Ponto de Cultura e trata de

aglutinar artistas e produtores culturais para discussões sobre teatro e política cultural.

O ator José Augusto Marin é o responsável por este trabalho. E ele concedeu uma entrevista

para a RAIZ. contando detalhes do processo que busca na estética da Commedia dell’arte – um

tipo de teatro tradicional italiano baseado no improviso e comicidade, mas com personagens fixos

- contar a história de tantos brasileiros. Segundo o produtor José Augusto, “esses personagens

da urbis paulistana podem se transformar no jogo da comédia ao mesmo tempo que revelam a

característica mais marcante dessa gente: a construção da tolerância em relação à diversidade,

mesmo após conflitos, desconfianças e preconceitos.”

da Redação

Fotos Augusto Paiva

RAIZ.: Quantas oficinas foram oferecidas?

José Augusto Marin: São sete oficinas,

sendo uma delas o processo de monta-

gem do espetáculo teatral que perma-

nece dois meses em cartaz no Teatro

Commune, algo raro nos dias de hoje.

O projeto compreende a realização

de Oficinas de Commedia dell’arte

(interpretação e confecção de máscaras)

nas quais o jovem apreende a fazer e

jogar com a máscara, Oficina de Circo

e Expressão Corporal, Dramaturgia,

Produção e Formatação de Projetos,

Iluminação e Sonoplastia, Oficina de

Cenografia e Figurinos e conhecimen-

tos gerais sobre as necessidades de

um espetáculo e um teatro (bilheteria,

limpeza, contra-regragem, etc.)

RAIZ.: O Ponto de Cultura Commune

abriu um espaço para a discussão sobre

a Commedia dell’arte e o teatro em ple-

no burburinho do centro de São Paulo…

José Augusto Marin: Sim, na verdade, o

Ponto de Cultura vem subsidiando o pro-

jeto de pesquisa, criação e formação do

Coletivo Teatral Commune desenvolvido a

partir da metodologia das máscaras e da

estética da Commedia dell’arte, aliadas à

obra de Dario Fo, de outros dramaturgos

italianos e da dramaturgia do próprio

grupo, coordenada por mim e Michelle

Gabriel. Temos desenvolvido uma drama-

turgia voltada para a adaptação de textos

clássicos, a criação de farsas, a encenação

de roteiros (canovacci) de Commedia

dell’arte e de paródias.

RAIZ.: Como foi a montagem do

projeto do Ponto de Cultura?

José Augusto Marin: O projeto do

Ponto se chama Teatro Cidadão

e prevê a formação de jovens

atores e aprendizes por meio da

metodologia das máscaras, ou

seja, da formação de um ator cô-

mico, um jogador, um fabulador,

uma máscara!

O projeto vem sendo desenvol-

vido desde 2004, e no Ponto de

Cultura desde 2005. Atendemos

aproximadamente quarenta jovens

por ano e pessoas de várias idades e

condições sociais, por meio de ciclos

de leituras, palestras, workshops,

debates e apresentações públicas.

Um dos personagens da Commedia dell’arte no palco do Teatro Commune em São Paulo.

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Page 58: Revista Raiz #10

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múltiplas a gente da nossa nação.

Os jovens vivenciam todo o processo

de criação e montagem de um espetáculo

teatral, percebendo como um espetá-

culo é construído e quais atividades e

profissionais estão envolvidos – desde as

leituras e ensaios até as apresentações

públicas e a criação de cartazes, banners,

fotografias, vídeos e imagens.

As aulas, oficinas e ensaios do

Laboratório de Montagem Teatral serão

conduzidas de forma sistemática e

integrada, permitindo ações simultâneas:

enquanto os jovens do grupo teatral

criam gags (cenas), máscaras, figurinos e

cenários e ensaiam a peça, os jovens da

área técnica montam projetos de luz e

som, participam da produção executiva

O trabalho com as máscaras cria uma

versatilidade subjetiva que favorece a

assunção dos papéis sociais que o aluno

virá a desempenhar ao longo de sua vida

pessoal e profissional como cidadão,

possibilitando que ele transite com

mais desenvoltura por esses papéis. O

processo de construção das identidades

é desenvolvido no projeto a partir da

utilização das máscaras e personagens

da Commedia dell’arte para a criação de

personagens-tipos brasileiros, paulistas e

até paulistanos, revelando a diversidade

da maior capital da América do Sul e,

ao mesmo tempo, o espírito de amálga-

ma cultural do Brasil, em que levas de

imigrantes italianos e de várias outras

etnias vão pintando com cores próprias e

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e os jovens da cultura digital registram

em foto e vídeo o dia-a-dia do trabalho

e criam propostas para o layout dos

cartazes e programa do espetáculo.

Todo o processo e a montagem são

desenvolvidos no Teatro Commune, sede

do Ponto de Cultura, no qual os jovens

apreendem o oficio teatral na prática, re-

alizando temporada de 24 apresentações

consecutivas (dois meses), algo cada vez

mais raro no mundo profissional e quase

impossível para alunos que se formam

em escolas de teatro.

O projeto visa não apenas a manuten-

ção do núcleo estável de atores profissio-

nais e jovens do Teatro Commune, mas,

também, a formação de monitores e

agentes multiplicadores, entre os jovens

do atual projeto, que possam replicar

a experiência bem sucedida e gerando

dessa forma autossustentabilidade.

RAIZ.: E quais foram os resultados prá-

t icos? Exposição ou montagem

de espetáculos?

José Augusto Marin: Os resultados fo-

ram a criação de alguns espetáculos, A

verdadeira História de Adão e Eva (paró-

dia), com dramaturgia feita por mim; O

Arlecchino e Nem Todo Ladrão vem para

Roubar, de Dario Fo; O Mentiroso de

Carlo Goldoni; e A Comédia da Esposa

Muda, de autor anônimo do século 16.

Agora, Liberatropa e a Greve das Pernas

Cruzadas (inspirada em Lisístrata, de

“Este ano foi tudo muito difícil para nós e para os outros pontos de cultura do país. Verbas foram

brutalmente cortadas, a burocracia venceu temporariamente a criatividade e a inovação!”

O Teatro Commune também tem uma galeria onde acontecem exposições de fotos e máscaras.

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Page 59: Revista Raiz #10

113

Aristófanes) que estreiam em janeiro.

Paralelamente aos espetáculos,

realizamos na Galeria de Exposições do

teatro, que leva o nome do cenógrafo

Cyro Del Nero, uma mostra de todo

o processo de criação da peça, com

esboços de cenários, figurinos, maque-

tes, máscaras, recortes de jornais etc.

dialogando com o público de hoje sobre

os temas em discussão na peça.

RAIZ.: Quais são os novos projetos

para 2012?

José Augusto Marin: Temos um projeto

de uma pesquisa sobre a comédia. O

projeto se chama O Cômico, a Comi-

cidade e os Comediantes, e prevê a

montagem de um roteiro de Commedia

dell’arte, uma oficina sobre a comicidade

realizada por mim e pela Imara Reis, pa-

lestras e debates sobre o cômico e uma

pequena exposição sobre comediantes

do teatro brasileiro, além da apresen-

tação de todo o repertório do Coletivo

Teatral Commune.

Outro projeto é a montagem da

peça Os Figurantes, de Jose Sanchis

Sinisterra, com direção e adaptação

minha e tradução de Daniela De

Vecchi., A peça foi lida recentemente

no Projeto Letras em Cena, do Masp,

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o

com grande sucesso. Participaram

com dezenove renomados atores

– entre eles, Carlos Capeletti, Djin

Sganzerla, Imara Reis, Salete Fraca-

rolli, Nyrce Levin, Eudes Carvalho.

Outro projeto – estamos cheios

de projetos [risos] –, chama-se Teatro

Obrigatório e propõe a discussão de pra

quê e pra quem fazemos teatro hoje

em São Paulo, a partir dos textos Teatro

Obrigatório e Por que os teatros estão

vazios? de Karl Valentin.

RAIZ.: Houve grandes mudanças na

relação com o Ministério da Cultu-

ra (MinC)?

José Augusto Marin: Infelizmente, sim.

Este ano foi tudo muito difícil para nós e

para os outros pontos de cultura do país.

Verbas foram brutalmente cortadas, a

burocracia venceu temporariamente a

criatividade e a inovação!

Vencemos o Prêmio Areté em 2010

para realizar a TEIA da Capital dos

Pontos de Cultura e no meio de 2011,

o edital foi cancelado e o prêmio foi

destinado a outro grupo, sem a menor

consideração nem respeito pelo nosso

trabalho. Nós sequer fomos avisados

do cancelamento.

Até hoje não conseguimos receber o

Prêmio Asas por termos sido classifica-

dos em primeiro lugar entre os pontos

de cultura de todo o país por culpa da

burocracia dos setores de prestação

de contas do MinC. Agora estamos

acionando advogados e a Justiça para

tentar receber o prêmio que é nosso

por mérito e direito.

Estamos pasmos como um governo

que fez tantas coisas importantes para a

cultura pôde mudar tanto em tão pouco

tempo. Mas como temos esperança,

esperamos que as coisas mudem em

2012! E que a Cultura volte a ser uma

prioridade política deste governo.

Oficinas sobre Commedia dell’arte são oferecidas aos jovens de diversos bairros da cidade de São Paulo.

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O AFROTRAÇODA BÁRBARAB

árbara Tércia da Silva Almeida, a Bárbara Tércia, foi

uma das artistas selecionadas no Prêmio Interações

Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de

Cultura 2010 promovido pela Fundação Nacional

de Artes (Funarte) em parceria com a Secretaria de

Cidadania Cultural (SCC) do Ministério da Cultura, na catego-

ria nacional. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em

Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal

da Bahia, Bacharel em Design Gráfico pelo Centro Universitário

Belas Artes de São Paulo, a ex-aprendiz do Liceu de Artes e Ofí-

cios da Bahia ganhou uma residência de seis meses no Museu

Afro Brasil em São Paulo. Sua residência rendeu, além da troca

de experiências, um outro olhar para com o Museu Afro Brasil

e sua esquipe.“ O Museu é um espaço importante para co-

nhecer a nossa ancestralidade africana. E todos os integrantes

da equipe, dos bombeiros ao Emanoel Araújo, entendem essa

responsabilidade,” explicou a artista.

Os ganhadores do Prêmio Interações Estéticas têm que

oferecer contrapartidas, e a artista plástica baiana promoveu

oficinas. “Dei oficinas para o público do Museu e para algumas

pessoas da equipe. E aproveitei e pesquisei muito sobre arte

afro-brasileira, principalmente as obras do Mestre Didi, artista

baiano, hoje com 93 anos,” conta. A partir das famosas escul-

turas de Mestre Didi, ela produziu uma série chamada AFRO-

TRAÇO, que consiste em 28 imagens PB. Para Bárbara Tércia,

além da produção das obras, a residência foi uma oportunida-

de para entender as etapas pelas quais uma obra de arte passa.

“Deu uma ampliada no conceito do que é Arte. Que ele vai

desde o meu lápis até as crianças que participam do projeto de

arte educação do Museu Afro Brasil”.

Com esse trabalho, Bárbara Tércia foi convidada para a ex-

posição coletiva Espiritualidades Atávicas – Diálogos entre a an-

tropologia y arte contemporânea em Cuernavaca, no México.

“Criei duas imagens exclusivas para a exposição no México, fiz

performance projetando e editando ao vivo todas as imagens,”

conta Bárbara Tércia. Agora ela está desenvolvendo obras com

cores. “É a segunda etapa do processo que já foi visto na expo-

sição do México. Mas o Brasil também terá a oportunidade de

ver essas obras pois já recebi o convite para uma exposição no

Museu Afro Brasil em 2012,” avisa.

AFROTRAÇO, de Bárbara Tércia

Em exposição virtual no site oficial da artista plástica www.barbaratercia.com Venda: na Galeria da Bárbara Tércia - R. Laranjeiras, 25 – Pelourinho, Salvador, BA

Fone: (71) 3488-2273

Serviço:

da Redação

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O tambor de crioula, o maracatu, o carnaval de rua, o cordel.

A Arte e a Cultura de do nosso Brasil vem que cada canto, de cada gueto,

vem do sertão, vem do artesão mineiro, da escritora baiana, do

cordel pernambucano, da pintora catarinense, vem da Raiz do nosso país.

E da Raiz., vai pra todos os lugares. Onde existir alguém

conectado vai haver um artista brasileiro em destaque,

seja nas páginas impressas da Raiz., no Portal, no tablet ou nas redes sociais.

A #NovaRevistaRaiz vai trazer muito mais informação,

dicas e acesso a uma cultura genuinamente brasileira.

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