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REVISTA I’RIMEIRO ANNO VOLUME I asT-A-T-A-ILj EMPRESA ü’ A REPUBLICA EDITORA 1891)

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REVISTA

I’RIMEIRO ANNOV O L U M E I

a s T - A - T - A - I L j

EMPRESA ü ’ A REPUBLICA EDITORA

1891)

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OBRAS PUBLICADAS :

REVISTA DO RIO GRANDE DO NORTE—Anno I vol. I

RUÍNAS—Versos. Henrique Castriciano.

NO PRELO ;

MÃE—Poemeto. Henrique Castriciano.OBRAS A PUBLICAR :

HORTO—Versos. Au ta de Souza.ALMA E PATRIA—Poema eivieo : Homem de Si­

queira.A VIDA POTYGUAR—Critica de costumes, Anto­

nio de Souza.HORAS DE OCIO—Historia e litteratura. Alberto

Maranhão.FAV0N10S—Contos e chronicas. Zephirino Arruda. CHOROGEAPHIA DO RIO GRANDE DO NORTI

—Alberto Maranhão.O ENGEITADO Drama. Henrique Castriciano. SUPREMA DOR—Drama em verso. Henrique Cas­

triciano. 'CINZAS—Versos. Henrique Castriciano.

EM PREPARAÇÃO:

LIVRO AZUL—Contos e pliantasias. Manoel Dantas. A REDEMPÇÃO DE SATAN— Poema symbolico.

Henrique Castriciano.0 PHTYSICO—Romance. Henrique Castriciano ENSAIOS PílJ LOSOPIilCOS—Antonio de Souza DO CANTO A BICA—Critica de costumes—Polv-

carpo Feitcsa.COMBATES—Ensaios litterarios. Pedro Avelino.

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O Rio Grande do Norte•• / ’ ‘1 *■*- tl" ■ . “jí1

E nsaio Historioo

Ex/IUmcm-Norte. <• Etil—Imuiyru- ção— 0 bmnkiro do nortv—Pri- nidron ponmdores do Rio Grande, do Norte—Cobnimcão •portuffup- sa—Influencia holhmdt-za— Ele­mento africano—Estado urhtul da fusão das raças.

Tive a idea, ha mezes, de emprehender a des- fripçjlo histórica, geographiea e economica do meu lís- tado, no intuito de concorrer, embora escuBsamente, em vista da minha própria incompetência e da ausência quasi completa de dados seguros e verdadeiros actualmente para uma conscienciosa reconstrucçao da vida passada do Rio Grande do Norte, para a historia futura d’esta até hontein esquecida parte da unidade nacional.

Kssa idéa, (pie por alguns dias alimentei eBperan- coso de realisal-a, tive de abandonar em virtude da falta de informações com que de antemilo contava Bobre muitOB pontoB da nossa historia, falta que prejudicaria inteiramente o plano já concertado do pequeno livro de contribuiçilo.

Com o apparecimento d’esta Revista, porem, resolvi publicar, em capítulos separados e distinctos, algumas pa­ginas sobre o Rio Grande do Norte historico, geogra- phico, economico e politico-social, acompanhado da biographia dos seus homens illustres. paginas que, em

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w Revida do Rio rande du Norte

tempo, si possivel me for conseguir os dados indispen­sáveis para revestir o meu modesto ensaio da precisa authenticidade, serão publicadas em livro, devidamente augmentadas e correctas, cumprindo-se, assim, o meu justo e despretencioso desejo de ser de alguma forma ulil ao futuro historiador do meu Kstado.

Dito isto, ficam os leitores sabendo que não vão encontrar nas paginas seguintes um trabalho acabado e perfeito, mas um modesto onsaio que tom o unico mé­rito da sinceridade e que foi preciso reduzir ás propor (,‘ões materiaes d’esta Revista.

Ao critico intelligente e honesto que tiver a pachor­ra de descansar a vista sobro estas paginas eu pedirei a esmola de uma lieção, com o assignalamento dos de- feitOB, com certeza imuimeros. d’este ligeiro trabalho.

Não são precisos grandes conhecimentos de etimo­logia para affirmar que o brazíleiro tende, cada vez mais, a ditferenciar-se, influenciado pelos factores physi­cos e ethnicos que o trabalham.

O estudo ligeiro das differontes raças que entraram para a formação do typo nacional, ainda em começo, basta para trazer nos a certeza de que a diversidade tem de operar-se, cada vez maior, entre os brazileiros do Norte e Rui.

Esta diversidade, porem, parece, felizmente, para bem da Patria, que limitar-se-á aos caracteres phisiono- micos e ao modo de sentir individual, sendo provável que o sentimento uno e collectivo do nosso povo, c.onio nação, serà mantido, pela influencia poderosa dos inte­resses políticos e economicos nacionaes, que a orien­tação patriótica dos partidos deve tornar cada vez mais ligados e dependentes da opinião commuin.

*

A maior ameaça que soffre o nosso espirito de nacionalidade è a immuração imperfeita mente dirigida para os Ratados do Rui.

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lia pouco tempo tivemos il prova do erro que con­siste em admittir-se e promu ver-se a loealisação de levas e levas de immigrantes do uma só origem em uni so ponto do paiz, sem que sejmn attemlidas as qualidades privadas d’esses oxtningeiroa, que vêm incorporar-se ao tiosso po'vo.

A demagogia deseut'reiada da colonia italiana em São Paulo, firmada lia grande força numérica de que dispôe, pois que existem n aquelle Kstado mais de non mil italianos, sendo a população da capital, em sua ma­ioria., composta de súbditos do rei Umberto ; e, alem disso, estimulada pela inconveniente patriotico d’uni sr. coude de lîrichan'ieau, deu logar a sérios conflictos e à al­teração da ordem, felizmente passageira, quando foi pela questão irritante, e tão mal julgada nos primeiros dias subsequentes, dos protocoles italianos.

O Rio Cirande do Sul, Paraná e Santa Catharina são o micleo principal da immigraçáo germanica ; e, não obstante serem os teuto-brazileiros uni dos mais fortes e bem acabados typos de cruzamento que possuímos, cumpre-nos ter mais algum cuidado na distribuiçãod’esses úteis e intelligentes representantes das raças puras do norte da Kuropn, para que não fiquemaquelles listados inteiramente entregues aos allemães do Rrazil.

Km muitas das conimunas d’aquelles listados do sul o governo local é exercido por extrangeiros, Bondo que em Riumeneau somente o presidente do Conselho de Intendência è brasileiro nato, sendo allemães de origem todos os restantes membros d'aquella corporação adminis­trativa ,

Indubitavelmente essa immigraçáo da Kuropa germanica é das melhores, e o nosso paiz já muito (leve aos esforços <> perseverante actividade industrial do muitos dos seus representantes ; as levas numerosas de immigrantes do sul europeu, eguulmente, tòm concorrido para o progres­so relativo das nossas industrias e commercío.

As principaes industrias, porem, aquellas ipie vão directa e immediatamento pedir ás forças naturaes da terra os elementos primordiaes da riqueza e do conforto sociaes. como a agricultura, principalmente da canna e

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Revista do Rio nde do Norte

do algodão no norte do paiz, e as industrias extracti- vas, estão ainda muito pouco desenvolvidas no Brazil, e isso devido à falta absoluta de braços e á igno­rância profissional dos que cultivam estas ubérrimas e prudigas regiões de nossa patria,

A immigração é, pois, um grande bem paru o Brazil, desde que haja o devido critério na introducção de immigrantes, Da escolha cuidadosa entre as popula­ções do extrangeiro dos trabalhadores que melhormente nos 3irvam, tendo-se também cuidadosamente em vista as qualidades moraes dos que para nós tenham do vir, pois que já estamos fartos de assimilar vagabundos e depravados, dependerá o progresso de nossa patria, fundado na exploração intelligente das prodigiosas fer­ras brazileiras.

A introducção, por exemplo, de alguns milhares desses tão procurados e celebres trabalhadores orien- taes os coolis seria, talvez, de um efteito decisivo para o levantamento da nossa agricultura. Kssa provavel­mente óptima immigraçáo foi obstada de realisar-se du­rante o Império pela obstinada e injusta aversão que o monareha deposto—D. Pedro II—votava aos tão malsi­nados habitantes do semi-barbaro paiz doB formalistas e ridículos mandatins. Itscapava ao ex-imperador do Brazil, poiem, a elle que era tido em todo o mundo como um sabio governante, sabedoria, aliás, boje, com bons fundamentos contestada, escapou-lhe. ’ digo', esta verdade. que a deciopita e tradicional organização po­lítica do vasto paiz do celeste imperador em nada al­tera, no caso de uma criteriosa immigração as mri- lidades próprias e provadamente óptimas d-essa utilís­sima classe dos mUx tão avaramente negada ás civi- lisações occidentaes por esses mesmos atrazados directo- res da política do isolamento chinez.

O ex-impeiadoi, intransigente em seus caprichos, e tendo em alto grao as virtudes do auctoritarismo, disfarçando o caracter absoluto do seu reinado com o derivativo habilmente utilisado, da excrescencia «mdi- tunonal do poder moderador, levou o seu erro ao non- to de oppor embargos desarrazoados ao tratado tão ha­bilmente negociado em 1880-1881 pelos chefes da pri-

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meira missão brasileira á China, almirante Artliur Jaee- gnay e ilr. Eduardo Callado. E, não satisfeito, depois de assignado esse tratado em Tien-tsm, a 3 de outubro de 1881, impediu a sua eftectividade, • quandoOra licito esperar-se a entrada em nosso paiz de al­guns milhares d’essas admiráveis machinas de trabalho — os coolis—que, segundo a, informação do competentíssi­mo e brilhante publicista Salvador de Mendonça, no seu livro— lVaMhtíãoi'ná Asiáticos,—tinham acabado de provar a sua superioridade sobre os trabalhadores brancos e negros na lucta contra a natureza do Rar IFcst ameri­cano.

Foi assim ipie negou o seu apoio ao capitalista ehinez Ton-kim-Sin, para a realisação das vantagens do tratado para a introducção de coolis, chegando a dizer pessoalmente ao poderoso intermediário que não contasse absolutamente com as sympathias do governo imperial. Isso desapontou o capitalista, que regressou fazendo um justo e desfavorável juizo da seriedade do ex-soberano do Brazil em matéria de tratados, apezar da preconisa- da sabedoria do incensado imperante americano.

o serviço de iminigrução, hoje a cargo dos listados da Federação Brazileira, cujos governos (iodem, com mais segurança, conhecer as necessidades locaes das di­versas e variadas zonas do nosso território, mais íacil e vantajosamente poderá ser feito por esses governos, des­de que mantenham no exfrangoiro competentes e cri­teriosos agentes que—estudando de perto as qualidades especiaes dos grupos de trabalhadores que se proponham emigrar de suas patrias, em virtude de uma Bensata propaganda—delem o nosso paiz com os necessários e fortes elementos de riqueza, que são os braços do homem.

A localisaçáo em um sò ponto de grande numero de extrangeiros de uma sò nacionalidade è um erro ethno- logieo, um perigo político e uma ameaça ao hm ilei- rismo. Todo o esforço deve ser no sentido de assimilar­mos as populações pareiaes do extrangeiro, maDtendo, porem, o espirito de nacionalidade e construindo a nossa tradição sobre os alicerces sociaes que já exis­tem. Precisamos de ser sempre o povo brazileiro ; de ­vemos molhoral-o, fortalocel-o, pela assimilação de ou-

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tras correntes de vida, nias nunca anniquilal-o pela imprevidente permissão da superioridade numérica das raças extrangeiras ; n’esta hypothèse, que cumpre evitar, se­riamos nós os assimilados : desapparecoria o brasileiro,

^ que ainda não é um typo definitivo, mas (pie ha de completar-3e em condições vantajosas si a sciencia e os conhecimentos especiaes das raças humanas presidirem ás futuras introducções de immigrantes, livrando-nos de surpresas desagradáveis, como» o já referido movimento de São Paulo, devido a essa tumultuaria e desordenada immigraçáo exclusivista com que antes e durante o con­tracto da Companhia Metropolitana eram feitas as acqiti- siçoes de trabalhadores para o Brazil.

Urge que os Governos dos Estados estudem seria­mente essa questão, tendo a maxima previdência no tocante às qualidades moraes e aptidões individuaes dos colonos, destribuindo-oH scientificamente para que, no futuro, não tenhamos a lamentar a extineção completa do hnmláro em muitos pontos do nosso paiz.

Antes de terminar esta parte sobre a immigraçáo para o Brazil, devo, francamente, sem mais commenta- rios, dizer que seria também utilíssima a introdueção de japonezes em nosso paiz. 0 grande progresso que tão rapidamente realisou na sua patria essa interessante raça oriental recommenda-a á attenção e estudos dos agentes de immigraçáo.

As vantagens que adviriam para nós do auxilio de alguns milhares d’esses laboriosos artistas do deta­lhe e tenazes e perseverantes trabalhadores, ainda muito ignorados, estão fora de duvidas.

0 exito da i tu migração parece indubitável que de­penderá da intelligente selecção feita pelos agentes entre povos vários, que entre si neutralisent a iniluencia predominadora de um só grupo ethnico extraugeiro sobre a população nacional.

Esta, sem os perigos de ser vencida na fusão que se operar, tem de, necessariamente, surgir d’esse bem dirigido cruzamento mais forte, mais intelligente, mais trabalhadora, sem perder, comtudo, o traço caracte­rístico e indigena da tradição histórica. íáerá melhora da c mantida.

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/litivi a do Rio Grande do Norte

** *

0 norte do Bmzil, eujiw condições climatéricas mais umicilmente permittem a adaptação em massa das po­pulações extrangeiritô, está. destinado a realisar o typo genuinamente brazileiro do porvir, typo resultante " da fusão dos tres grupos (pie primeiramento entraram em lucta o portuguez colonisador, o negro escravisado e o índio autochtone.

IVahi a difíerença entre o norte e o sul.lista difíerença, aetualmente. attendendo-se á relati­

vidade seientifiea de todas as cousas, é ainda maior, levando-se em conta as subdivisões geographicas e dif- ferenças de clima das vastas regiões brazileiras, e as ori­gens coíomaes do sul ; mas, a primeira difíerenciação,

que emana de uma rapida « superficial observação, e a seguinte : o sul, das fronteiras rio-grandenses até Minas e Espirito Santo, e o norte, da Amazônia, onde a ímmigraçao que se nota é a nacional mestiça—cearen­ses, rio-grandenses do norte, piauhyenses e maranhen­ses até a' Bahia inclusive, onde mais profundamente influiu o elemento negro, intelligente, trabalhador e aflectivo.

Temos, poia : ao sul, o typo semi-europeu, compos­to do allemães no Rio Grande do Sul. Santa Catharina e parte do Paraná, italianos em S. Paulo, parte do Rio de Janeiro, Espirito Santo e Minas, e portuguezes no Rio de Janeiro. Minas e Espirito Santo, typo que sup- plantará totalmente as representações já rareadas do pri­mitivo cruzamento ; ao norte, as populações mestiças do portuguez, negro e indio, que não soffreram a concor- lencia em grande escala do elemento estrangeiro, pois que o europeu do norte, o portuguez, não è em numero sulliciente para anniquilar a poderosa mestiçagem, para a qual tao vantajosamente contribuiu e vai contribuindo.

Esta é a primeira distineção, sem alludir-se ás pre­ponderâncias parciaes de cada um dos tres grupos componentes do mestiço do norte.

bomos os nortistas por acaso lesados pelas eirciim- stancias nessa partilha do destino ?

Parece - me que nao: __ embora as populações sulistas

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aejam representantes mais directas da civilisação européa, ás do norte está confiada a elevada missão de apre­sentarem no futuro b typo definitivo f desse cruzamento que se está operando no littoral centro do paiz, e exten- dèndo-ae para o norte pela emigração nacional para as seductoras regiões dá bacia do Amazonas.

E este futuro producto da selecção natural não se pode dizer que seja o portuguez ligeiramente reforma­do, mas sim uma nova raça intelligente e forte, des­tinada talvez a realisar grandes feitos civilisadores.

As qualidades nativas das raças inferiores que en­traram na composição do brazileiro têm produzido nus. seus herdeiros cruzados optimos e promettedores resul­tados. A mestiçagem estável do futuro já se tem mos­trado em algumas organizações individuaes possuidora de qualidades de primeira ordem, lntelligencia penetrante ; pasmosa facilidade de assimilar todos os conhecimentos humanos, chegando, por vezeB, a aprofundar-se em espe­cialidades seientificas ; brilhantismo de espirito ; fluência u rato ria, habilidade política notabilíssima, são quali­dades que sobejamente consolam os seus representantes da pecha de homem ib ror, para alguns espíritos, in­felizmente, ainda significando condição de inferioridade.

Tobias Barreto, Luiz (lama. André Rebouças, Ba- zilio da Gama, P". Josè Maurício, Gregorio de Mattos, José do Patrocínio, Francisco Glycerio, Laurindo Kabello e, entre nos, relativamente, Henrique ('aetriciano e Eloy de Souza, ahi estão, entre innumeros outros, para attestar as qualidades apontadas.

Tobias Barreto, uma das mais alfas representações da mentalidade brazileira, é o ruais frisante exemplo. Poeta, professor notável, philosopho, orador, cammr miravel, 6 a affirmação mais soberanamente impreseio- nadora da potência iutèllectual do mestiço.

Não e, portanto, para lamentarmos o ter sido o norte fadado pela natureza e pelas circumstancias para guardar as tradições do nosso paiz, realisundo no por­vir o brazileiro—typo ethnico.

E’ tradição em alguns pontos do Estado que, mes'

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Revista do Rio ranãe do orle 17

mo antes da chegada casual de Pedro Alvares Cabral a Porto Seguro, já tinha sido o território do Rio Grande do Norte visitado por alguns navegadores (Paquella epo- cha de afanosa lide descobridora—séculos XV eXVl,

De uma noticia que recebi do Apody, aproveitada para a descripção histórica, geographica e economica dos municipios do Estado que apresentei em um dos últimos rela­tórios da Secretaria do Governo, consta que, já enrlP.rí), os navegadores Alonso de Hojeda e Américo Vespucio. acompanhados pelo piloto biscahinho doão de La Cosa, che­garam, pelo rio Mossoró ou Apody, até a lagoa ltahü (pedra preta) hoje denominada Apody.

Nas margens d’essa lagoa encontraram localisados os indios payarutíes, da raça tuyy, e ás margens do ião a tribu dos apodys, que deram nome ao logar, ao rio e á lagoa, antiga ítalni.

Não e’ inverosimil essa tradição conservada pelos velhos habitantes dáiquella localidade.

0 grupo indígena do littoral era o dos pulyyiumtt, o que justificou a proposta de «José Leão para passar o nosso Estado a denominar-se—Potyguarania.—

A esse grupo pertencia o famoso guerreiro Felippe Camarão, o «poty» da «Iracema», aquelle celebre e mavioso poema em prosa de «José. do Alencar.

Esse «poty» (camarão) nós, os rio-grandenses. pre­tendemos que seja nosso, contra a opinião de alguns per­nambucanos cearenses. No capitulo sobre os nossos homens illustres e notáveis do passado histórico, capilu lo que fará parto de artigo posterior n‘esta Revista, pro­curarei provar que o grande auxiliar dos portuguezes contra a invasão hollandeza de Pernambuco, no século XVII, nasceu no Rio Grande do Norte e por muito tempo habitou às margens do «Pot.ygy», rio que hoje chama-se, por corrucção de linguagem, Potengy, e cujo nome servirá também para provar ser rio-grandense o famoso «Poty», que passou á historia com o nome civi- lisado de Antonio Felippe Camarão.

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Ig , ista do Nio Orando dai Norte

Em 1597, durante o governo de D. Francisco de Souza, Manoel Mascarenhas, capitão-mòr de Pernam­buco. conquistou as terras rio-grandenses e, a menos de très kilometros da foz do Rio Grande do Norte, nome com que desaguam no oceano o Potengy e o Jundiahy, fundou a povoação de Natal, levantando sobre o recife, na margem direita do rio, o forte dos Reis Magos.

Em 1598, ou antes, a começar de 25 de De­zembro de 1597, ha precisamente très séculos, Jero- nymo de Albuquerque, então commandante do forte dos Reis Magos, augmentou a povoação fundada por Mascarenhas, aproveitando principalmente as populações indígenas, que aquelle commandante procurou localisai’ definitivamente. Foi o primeiro colonisador d;esta hoje capital do Rio Grande do Norte.

Durante o governo intelligente e fecundo do principe Maurício de Nassau, em Pernambuco, cujas boas intenções e largas vistas não puderam agradar á oananciosa Companhia das Índias, aquella poderO:H e conhecida empresa de ricos commerciantes da Hollanda conquistadora, á qual o illustrado estadista Mauricio de Nassau representou no Brazil, foi a villa de Natal ele­vada á categoria de cidade.

Na constância da guerra hollandeza foi, por vezes, o território d’este Estado presa dos invasores, que chegaram, em .1632, a apoderar-se. dirigidos por Cala* bar, do forte dos Reis Magos , que denominaram Ceulen, e dando começo ao dominio hollandez, que terminou em 1645, cinco ânuos depois da restauração da monarchia portugueza pelos quarenta fidalgos de Lisboa, em favor do duque de Bragança—D. João' IV.

Km 1651, este monarcha doou a capitania do Pio Grande do Norte a Manoel Jordão, que morreu em um naufragio, sendo depois considerado nullo o acto da doação.

A capitania do Rio Grande do Norte teve em 1689 o titulo de Condado, sendo conferido a Lopo Furtado de Mendonça, continuando, porem, logo depois,

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Revisia ão Rio rande âo oHe 19

como d'antes, a depender, ora de Pernambuco, ora da Bahia.

Por oecasião da revolução de Pernambuco, em 1^17, , ü ëovernador José Ignacio Borges emancipou o Rio Grande do Norte da dependência legal (pie o acorrentava a Pernambuco, tornando-o dependente exclu- siyamente da Corte em suas relações politlcas e ad­ministrativas. Finalmente, em 1822, constituiu o RioGrande do Norte uma das províncias do Império.

Com a proclamação da Republica, emanada da re­volução pacifica de 15 de novembro de J88ít, esta então província, como todas Hs outVas do ex-imperio, passou a constituir um Estado autonome.

A adhesao do Rio Grande do Norte á Republica teve logar a 17 de novembro, dois dias depois da de­posição da realeza no Rio de Janeiro.

Presidia a província o vice-presidente, coronel An- (onio Bazilio Ribeiro Dantas, um dos chefes do antigo partido liberal aqui. Substimiu-o, como governador pro- visorio acclamado, o Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, chefe do pequeno partido da propaganda e do actual partido republicano federal deste Es­tado. *

♦ +

O dominio hollandez deixou no Estado muitos ves - tigios, notando-se no typo sertanejo, principalmente no Apody e Neridõ. pronunciadas semelhanças com aquelie povo. Os traços phisionomicos e mesmo algumas qua­lidades de ordem moral do muitos dos nossos homens do interior fazem lembrar a tenaz e trabalhadora raça flamenga, que, para muitos, nos teria sido muito mais util do que a portugueza, si vingasse o plano da in­vasão.

Não sei; e, da mesma forma que os primeiros co­lonos portuguezes eram em regra sabidos das ultimas camadas do Reino, da escoria de Lisboa, os hollande- zes que a celebre Companhia da.»■ Indias nos mandava • não_ primavam eguulmente pela moralidade ; e a rapina, é sabido’, constituiu a maior occupação dos civiliaadon que 1

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vinham protectoramente desalojar das suas selvas queridas os nossos bravos e indolentes autochtones.

Para mim, a colonisação hollandeza, como foi a portugueza, seria de vantagens muito limitadas para a nacionalidade brazileira do futuro.

Não é que desconheça as qualidades superiores da forte gente dos Payzes Baixos que, sob as ordens do taciturno prineipe de Orange, deu licções inegualaveis de civismo e denodo ao poderoso rei da França, em l(>72, inundando o seu proprio paiz para reprimir a in­vasão.

Mas é que a colonisação havia de ser feita, não pelo povo hollandez propriamente dito, mas pelas levas mais ou menos desmoralisadas dos mercenários do Com- mercio Associado para a exploração do Brazil, como si isto aqui fosse simplesmente um campo de negocios e não também um grande território destinado a crear e manter uma nacionalidade.

Por outro lado ; si a descoberta do Brazil pelos portuguezes tivesse sido realisada na epocha florescente da dynastia de Aviz, do ramo directo e descendente do grande rei da bòa memória e da energica e virtuosa filha do duque de Lancastre , e não sob o reinado venturoso do collateral D. Manoel, reinado (pie inicia a deca­dência do povo luzitano, a influencia da metropole portu- gueza teria sido de efteitos outros e melhores para o nosso paiz. Infelizmente não, alcançámos o neriodo áureo da pequena nação de Affonso Henriques, * aquelle que vai das locuhrações scientificas do Infante D. Henrique, o misanthropo estudioso do promontorio de Sagres, o cruel sacrificador do seu infeliz irmão D. Fernando, o martyr de Tanger, até á morte do poderoso .João 11, o príncipe perfeito, que tinha todas as virtudes e mal­dades de um grande estadista da epocha e ao qual a rainha D. Izabel de Castella chamava—O homem--si gnilicando, a3sim, a sua admiração pela indomável energia e pela capacidade governativa do terrível e natural i- nimigo da sua bella Hespanha.

Como quer que fosse, porem, ultimou-se a coloni- Bação portugueza e razão teve, talvez, a fatalidade

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historia, determinando, como se verificou, que para a victoria de Portugal nas guerras da conquista o -da expulsão dos invasores concorressem, com o elemento inestimável da sua bravura e lealdade, as populações brazileiras de negras e indios, negros assimilados e indios naturaes, dos quaes foram capitães mais notá­veis Camarão e Henrique Dias, dois dos mais sympa- thicos vultos da uossa historia colonial.

O elemento africano, importado para o trabalho rude da lavoura e que por tanto tempo soffreu em nosso paiz os effeitos da maior iniquidade da cwilisação dos brancos —a escravidão—foi, n’este Estado, facil­mente assimilado pelas populações branca e indígena.

Hoje nota-se já a diminuição dos representantes puros da raça negra que inteira e facilmente foi aqui ab­sorvida pelo portuguez e, em proporção muito menor, pelo indio.

A influencia africana, porem, no mestiçamento do Estado foi grande, principalmente no littoral, e, apezar do rachitismo e apparente fraqueza organica de uma grande parte do povo d’esta capital e arredores, creio bem nas vantagens que ella nos poderá trazer em definitiva assimilação, certo como estou, de accordo com eruditos ethnologos nacionaes e estrangeiros, das excellentes qua­lidades nativas d’essa infortunada raça infantil dos sertões da Africa.

O eBtado actual do cruzamento das très raças que primeiro entraram para a nossa formação é, entre nós, como em todo o centro littoral do Brazil, uma mescla, variadíssima ainda, de mulatos, mamelucos ou caboclos, curibocas ou cafusos, e pardos.

Predomina o cruzamento mulato, com as Buas va­riantes : de primeiro sangue, claros e escuros.

Alem desta mestiçagem, da qual tudo nos cumpre esperar, existem, no alto sertão, algumas representações

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22 Revida do Rio Orando ao Norte

quasi exclusivamente brancas, descendentes dos liollan- dezes invasores que alli estanciaram no comeco do século XVII.

Parece que a população do futuro será constituída pelo numeroso grupo dos mulatos claros, de retorno á raça branca e que a esta ameaça anniquilar, como ob­serva competentemente o illustre e eminente medico- legista, dr. Nina Rodrigues, em seu «Ensaio sobre a res­ponsabilidade penal no Brazil».

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Em outro artigo tratarei do papel do nosso Estado na historia patria; dos seus homens illustres ; e, princi­palmente, da. parte activa que tomou nas revoluções de­mocráticas de 1817 e 1824.

A lherto Maranhão.