Revista Serafina Da Folha, 28 de Junho de 2015

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JORGE ZALSZUPIN BETTY HALBREICH CAROL CASTRO PARINTINS ALAIR GOMES MODA UMA BIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA ADRIANA KÜCHLER MACUNAÍMA JULHO 2015

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revista de domingo do jornal de San Pablo

Transcript of Revista Serafina Da Folha, 28 de Junho de 2015

  • JORGE ZALSZUPIN BETTY HALBREICH CAROL CASTRO PARINTINS ALAIR GOMES MODA

    UMA BIOGRAFIA NO AUTORIZADAADRIANA KCHLER

    MACUNAMA

    JULHO20

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  • Kids

    /Alair

    Gomes

    NDICE

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    12 CANVASArte vegetal

    Eduardo Sancinetti

    14 L .A . C IDADECENOGRFICAUm diretor no div

    Rodrigo Salem

    16 ZOOROPAPatrulha mdica

    Henrique Goldman

    18 RUHAN JIAPop star made in China

    Marcelo Ninio

    20 JORGE ZALSZUPINDana das cadeiras

    Juliana Tourruco

    26 ALAIR GOMESGarotos de Ipanema

    Karla Monteiro

    32 MACUNAMAMeu heri

    Adriana Kchler

    40 BETTY HALBREICHA diaba no veste Prada

    Chico Felitti

    44 MODAFesta estranha com gente esquisita

    Miro e Anderson Rodriguez

    52 FESTIVALDE PARINTINSBoi da cara azul ou vermelha

    Rafael Andery

    56 ROUPA NTIMAA polmica do book rosa

    Mario Mendes

    58 VINTAGEChico Csar

    8

  • PRESIDENTE:Luiz FriasDIRETOREDITORIAL:Otavio Frias FilhoSUPERINTENDENTES: Antonio ManuelTeixeira Mendes e Judith BritoEDITOR-EXECUTIVO: Srgio DvilaDIRETORADEREVISTAS: Cleusa Turra

    EDITORA: Tet RibeiroDIRETORDEARTECONVIDADO:

    Bruno Oliveira SantosEDITORA-ASSISTENTE:Adriana KchlerEDIODEFOTOGRAFIA:

    Cassiana Der HaroutiounianREPRTER:Rafael AnderyREDAO: Ricardo AmpudiaARTE: Cesar AlbornozPROJETOGRFICO:Luciano Schmitze Adriana Komura (assistente)COLABORADORESDETEXTO:Chico Felitti,Henrique Goldman, Juliana Tourruco, KarlaMonteiro, Mara Gama, Marcelo Ninio, MarioMendes, Noemi Jaffe, Rodrigo SalemCOLABORADORESDEFOTOGRAFIA

    E ILUSTRAO:Adriana Komura, Joo Kehl,Manuela Eichner, Marcelo Gomes, Miro, no-bru,Patricia Stavis, Rafael JacintoCOORDENADORDIGITAL:

    Wesley Klimpel (interino)TRATAMENTODE IMAGEM:William Vieira

    PUBLICIDADEDIRETOR-EXECUTIVOCOMERCIAL:

    Marcelo BenezGERENTEDEREVISTAS: Marcela MarchiTelefone: (11) 3224-4546GERENTESDEPUBLICIDADE: Andr Chear, JooGabriel Junqueira, Mauricio Belarmino, ManuelLuiz (RJ), Tatiane Loureno e Vicente FreitasTELEFONES: (11) 3224-7734

    ENDEREO: Alameda Baro de Limeira,425, 5 andar, CEP 01202-900, So Paulo, SP

    Tiragem total: 134.412 exemplares

    Impresso na PLURAL com tinta ecolgica resultante deuma combinao de matrias-primas renovveis quecausam menos impacto ao meio ambiente

    FILIADA AO IVC

    Impressa nas oficinas da Plural Editora e Grfica.Nmero 87. Folha de S.Paulo, 28 de junho de 2015

    P R X IMA E D I O :2 6 D E J U L H O

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    COLABORADORES / EXPEDIENTE

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

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    MAR I O M E N D E SJornalista especializado emmoda e cultura pop, oconvidado da coluna Roupa ntima nesta edio: Escrevisobre a vocao damoda para provocar polmica

    N O EM I J A F F EAutora do romance risz: as orqudeas, escreveu tambmo livro FolhaExplicaMacunama.Nesta edio, conta umahistria divertida sobre a obramais famosa deMrio deAndrade: um livromenos complicado do que dizem ser

    J U L I A N A T O U R R U C OA jornalista, que se diz apaixonada pelo design brasileiro, perfilou oarquiteto e designer JorgeZalszupin: Eleme recebeu em sua casaparamuitas tardes de caf e boas histrias

    A D O I T U R R U S G A R A IQuadrinista daFolha desde 1993 e quarto lugar gachoem salto triplo na adolescncia, o artista reinterpretoubrincadeiras do personagemMacunama namatria de capa:Comecei a ler Macunama eme deu umapreguia...

    M I R OComuma carreira de 40 anos fazendo de tudo nomundo da fotografia, clicou o ensaio demodadesta edio: Sempre umprazer trabalhar comSerafina.D vontade de trabalhar pormais 40 anos

    MAR C E L O N I N I OEx-correspondente daFolha emPequim, a caminho deWashington, entrevistouRuhan Jia, cantora projetada peloPartidoComunista para conquistar omercadomundial: Fiqueisurpreso pela forma critica comque falou do governo chins

    CA PAMacunama

    ilustraoBruno Oliveira Santos

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    [email protected]

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  • por Eduardo Sancinett i

    CANVAS

    AZUL E VERMELHO (2014)TINTA ACRLICA SOBRE TELA

    Nascido em Piracicaba (SP) e radicado em So Paulo, Eduardo Sancinetti formado em artes plsticas pela Unesp. A obra exposta nesta seo faz parte da srieDa Influncia das Plantas em Nosso Corpo e ilustra, segundo o artista, um corpo dentro de uma selva, mostrando como as plantas afetam nossos estados

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    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

  • por Rodrigo Salem. i lustrao Manuela Eichner

    ESQUECERAMDE MIM

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    14 L.A. CIDADE CENOGRFICA

    MEOFERECERAMHOMEM-ARANHA OUHARRY POTTER.ESCOLHI O SEGUNDO.HOJE, OS DOISMEDEIXAMENTEDIADO

    Hollywood um lugar inspito. Eno apenas para amadores. At ta-lentos consagrados sentem na pele afrieza da indstria.

    O diretor norte-americano ChrisColumbus, 56, um desses. Sabeaquele tcnico de futebol que ganhatudo, mas que asmesas redondas tei-mamemdizer que bonzinho demaispara o jogo? o caso dele.

    Filho de um minerador e de umaoperria, ele fez o roteiro de Gremlins(1984) e OsGoonies (1985), dois doslongasmaismarcantes dos anos 1980,e dirigiu EsqueceramdeMim (1990),Uma Bab Quase Perfeita (1993) eos dois primeiros captulos da sagaHarry Potter.

    Mesmo assim, no caado porprodutores ou fs. Tem jornalistaque conversa comigo e, horas de-pois, quando nos encontramos norestaurante, ele no me reconhe-ce. Meu produtor me chama de sr.Celofane, brinca, lembrando do per-sonagem que ningum nota no musi-cal Chicago.

    O diretor lana seu novo filmePixels, no dia 23 de julho, noBrasil. Diz que no pensa no passado(Espero ter tempo para isso no meuleito de morte), mas que imposs-vel escapar dele.

    GOONIESAindame surpreendo coma reper-

    cusso. Quando estava no set do pri-meiro Harry Potter, as crianas di-ziam que Os Goonies era o filme quehavia mudado a vida delas.

    HARRY POTTERCinco anos atrs, abriramoparque

    de Harry Potter em Orlando, Flrida,e me convidaram para a inaugurao.Levei minha famlia inteira e teve umaapresentao,mas nome chamarampara subir no palco. [O produtor]DavidHeyman estava l com parte do elen-co e o pessoal do estdio. E no memencionaram. No me importei, masmeu pai estava l e falou: Voc criouesse mundo, e eles nem falam seu no-me. Esse parque foi voc quem fez.Isso bateu forte em mim. No persi-go a fama, mas foi estranho.

    QUARTETO FANTSTICO (2005)Escrevi o roteiro e decidi que iria

    dirigir. Entrei no escritrio dos produ-tores e eles mostraram as artes con-ceituais para o longa. De forma gen-til, expliquei que faltava algo. Samosda reunio e o chefo do estdio ligoupara mim dizendo que no queria mever novamente. Nos demitiram e fi-zeram um filme horrvel. E ainda co-locaram nosso nome, porque senomeu scio no seria pago.

    SUPER-HERISSempre quis fazer Homem-

    Aranha. Me ofereceram ele ou HarryPotter e escolhi o segundo. Hoje, to-dos esses filmes me deixam entedia-do. O nico heri que no me deixacom sono Demolidor, do Netflix. incrvel. Amo super-heris, mas elesno estome interessando neste mo-mento da vida.

    DIRETOR DE FILMES COMO HARRY POTTER E UMABAB QUASE PERFEITA DIZ QUE NO O RECONHECEMNAS RUAS E ESQUECIDO EM HOMENAGENS

  • CNICO GERAL

    ZOOROPA

    por Henrique Goldman. i lustrao no-bru

    INSTITUIES FORTES SO O SONHO DO POVO BRASILEIRO, MAS COLUNISTAALERTA QUE ESSA CONQUISTA PODE ESCONDER UM LADO PERVERSO

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

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    J no tinha ido com a cara da-quele clnico geral nas duas primeirasconsultas do meu filho de seis anos,Caio, para tratar de um simples pro-blema de pele. Ele examinava o mo-leque com displicncia por 30 segun-dos e depois sentava no computadorpara fazer anotaes, dando respos-tas monossilbicas sem olhar para aminha cara. Em casa passamos a cha-m-lo de cnico geral.

    Duas semanasantesda terceira con-sulta, Caiomachucou o rosto ao dar decara na quina de umamesa. Nada gra-ve, sumpequenohematomaquenodiaseguinte foi esquecido. Mas, ao exami-nar o menino, a ateno do mdico foiatrada pela marca arroxeada. Ele quissaber o que tinha acontecido e eu res-pondi. A veio uma sucesso rpida deperguntas:

    Algumadultopresenciouoacidente?Sim, a bab.Do que seu filho brincava quando

    ocorreu o acidente?Pega-pega ou esconde-esconde.Comqualfrequnciaelebrincadepe-

    ga-pegaouesconde-esconde?Asoutrascrianasqueestavambrincandocomeletambm se machucaram?

    Cadarespostaeraregistradanocom-putador e seguida por mais perguntas,numtomdesconfiado. Sa comasensa-o de que a consulta tinha se transfor-mado num interrogatrio. E que o prin-cipal suspeito era eu.

    Jqueomdicohaviaregistradomeudepoimento,decidi escreverumacartaparaele relatandonovamenteos fatosepedindoqueexplicassea razodo inter-rogatrio por escrito. Dois dias depois,recebo um telefonema irritado. Era o

    cnico geral perguntando o que eu que-ria dele. Expliquei novamente que gos-tariadeentendera razode tantasper-guntas insinuantes. Ele disse que esta-va cumprindo sua funodemdico. Euinsisti. Se ele suspeitava de algo, eu ti-nha direito de saber do que era. Comoas respostas continuavam evasivas, in-terrompidizendoque, enfim,exigiaumaexplicao clara.

    Ainda mais irritado, ele respondeucommais perguntas: O senhor j ouviufalar de abuso de crianas? Isso existeem seu pas? Foi a minha vez de per-der a pacincia. Disse que, caso no re-cebesse uma explicao sem ambigui-dades por escrito, levaria a questo aoConselhodeMedicina.Jnodiaseguinterecebi uma cartamuito educada decla-rando formalmente que no havia sus-peita alguma e pedindo desculpas pelo

    mal-entendido.Minha irritao tem razo de ser.

    Por coincidncia, dois casais de ami-gosaqui emLondres estoenfrentandoproblemas srios por conta do exageropoliticamente correto vigente na Ingla-terra. Um est preso, o outro ameaa-do de perder a guarda do filho. Ambosacusados de negligncia pelos serviossociais depois deumacidentenenhumdos dois grave envolvendo os filhos.

    Ns, brasileiros, lamentamos afraqueza de nossas instituies, comrazo, e sonhamos com um pas me-nos corrupto. Mas essa moeda temumoutro lado. Exatamente porque sofortes, algumas instituies acabamabusando do poder e adotando umcomportamento paranoico que podedestruir vidas em nome de um bom-mocismo fundamentalista.

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  • 18 RUHAN JIA

    por Marcelo Ninio , de Pequim. foto Nic Gaunt

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    D I V A P R - F A B R I C A D A

    O poder como o amor: mais fcilsentir do que definir oumedir, compa-rou certa vez o estrategista americanoJoseph Nye, criador do badalado con-ceito de soft power. Traduzido livre-mente, o poder suave ou a capaci-dade de um pas de influenciar outroscom seus atrativos culturais, sem pres-so militar ou econmica.

    Nesse jogo de seduo global, na-da mais eficaz do que uma cano deamor, aposta a cantora Ruhan Jia. Seusonhoseguirospassosdasestrelasqueadmira, como Celine Dion, MariahCarey e Sarah Brightman, e se tornar aprimeira diva chinesa damsica emes-calamundial. E temumpadrinhodepe-so: o Partido Comunista da China.

    RuhanJia,31, foi aprimeiracontrata-dadaEarthMusic, umaprodutora cria-dapelogovernoem2011parapromoverartistas compotencial de sucesso inter-nacional. mais uma iniciativa do regi-me para tentar criar soft power, umaobsesso num pas que j tem a maioreconomiadomundo, segundoclculodoFMI, e presena global cada vez maisforte em tudo, menos na rea cultural.

    Os EUA tm Hollywood, a Frana agastronomia, o Brasil o futebol e a ima-gem de povo de bem com a vida, entreexemplos de pases com atrativos quefazem outros quererem ser como eles.

    E a China? O poder que a ascenso chi-nesa costuma evocar hard (duro).

    Elegante, num longo casaco de cou-ro preto at os joelhos que a protegedo friozinho matinal da primavera emPequim, Ruhan temosmodos contidos,deixandotranspareceradisciplinaadqui-rida soba rgida educaodame.Masela no consegue segurar o riso quan-doperguntadasobrearesponsabilidadede ser a escolhida como uma das carase vozes do soft power chins. Souumacantora, leal sminhamsica,diz.

    EMPURROZINHOSorriso fcil, simpatia sem afetao

    ou pose de diva, Ruhan at que temumcertopoder suave.Masoque surpreen-de sua franqueza. O governo talvezfale em conquistar o mundo, mas eununca penso nisso. Tenho a ambio deconquistar o mundo, sim, mas commi-nha msica.

    Projetos destinados a transformara China numa potncia cultural estopor toda parte, da compra de times defutebol europeus construo de umaHollywood chinesa, na cidade costeirade Qingdao. Ruhan demonstra ceticis-mo. Uma potncia cultural no se fazapenascomgrandesconstrues.Over-dadeiro soft power so as pessoas. preciso educ-las.

    Quando canta, Ruhan deixa a polti-ca de lado e se concentra em exibir ovirtuosismo de soprano construdo emumavida inteiradedicadamsica,des-de as lies de piano iniciadas aos qua-tro anos por presso dame. O projetode transform-laemdivamundial temoapoio do governo, mas no dos pais dacantora, um funcionrio pblico e umaprofessorauniversitriademsica. Elespreferiamque eu seguisse carreira aca-dmica, diz Ruhan.

    O treinamento rgido e o empurro-zinho do governo fazem dela uma dasprincipais promessas de internaciona-lizao da cultura chinesa. O modelo,admitido abertamente, a Coreia doSul e sua indstria pop responsvel porfenmenos que conquistaram o mun-do, das novelas aomegahit GangnamStyle, do cantor Psy. Com o incenti-vo oficial, a produo cultural explo-diu, fazendo a Coreia do Sul desban-car o Japo como o principal defini-dor de tendncias da sia.

    BUM, BUM, BUMEm seu lbum mais recente,

    Smile, gravado entre Xangai e Paris,Ruhan Jia canta em chins, italiano,ingls e francs. O repertrio eclti-co, talhado para se encaixar nas para-das internacionais. Entre as dez faixas

    hdesdeumarara canotnica chine-saatumanovaversode Ave-Maria.A versodigital do lbum j foi lanadano Brasil, e o prximo passo prepararuma turn no pas.

    Ruhan adora a ideia. No escondeque o poder suave brasileiro a acer-tou em cheio.

    O Brasil o pas dos meus sonhos.Lindo, sol o ano inteiro, pessoas glamo-rosas. E tem umamsica sexy, cheia depaixo. Bossa nova meu estilo favori-to. Quero incluir canes brasileiras emmeu repertrio, diz.

    Curiosamente, talvez o mais difcilpara um som com tamanha pretensointernacional seja conquistar o pblicodomstico. Ruhan conta que semprebem recebida no exterior, mas que naChina o gostomusical do pblico aindano desenvolvido.

    Fiz uma apresentao no Arco doTriunfo, em Paris, e os franceses meadoraram.Aqui naChina, dizemquemi-nhamsicabonita,masquietademais.Querem bum, bum, bum, diz, imitandoo bate-estaca das canes mais popu-lares. Ainda levar algum tempo parao gosto melhorar na China.

    CANTORA QUE TEM COMO PADRINHO O PARTIDO COMUNISTA DA CHINA, RUHAN JIA SONHA COM SUCESSO MUNDIAL

    Veja clipe de Ruhan Jia cantandoAve Maria em folha.com/no1647429

  • 19

    NA CHINA, DIZEMQUE MINHA MSICA BONITA, MAS QUIETADEMAIS. LEVARTEMPO PARA O GOSTOMELHORAR AQUI

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  • 20

    P E A R A R A

    COMO JORGE ZALSZUPIN, UM ARQUITETO POLONS

    FORMADO NA ROMNIA, TRANSFORMOU-SE EM UM

    DOS GRANDES DESIGNERS DE MVEIS DO BRASIL

    por Jul iana Tourruco. fotos Joo Kehl e Rafael Jacinto

    JORGE ZALSZUPIN

  • O arquiteto Jorge Zalszupin, um dosnomesmais importantesdodesignbra-sileiro, completou 93 anos no dia 10/6.E no lhe faltam histrias para contar.Confortavelmenteacomodadonumaca-deira de balano da Ikea, uma espciedeversoeuropeiadaTok&Stok, ele falasemparar, lembrando as andanas queo trouxeram ao Brasil nos anos 1950,depois de escapar da perseguio aosjudeus na Polnia, onde nasceu, e a suatrajetria como designer, marcada porcriaes que venceram o tempo.

    Zalszupin, que fundou em 1959 aLAtelier, umadasmarcasmais celebra-das do designmoderno noBrasil, assis-te hoje aumrevival do seu trabalho. Em2006, a empresria paulista-na Etel Carmona, dona da lo-jaEtel, comeoua reeditar osclssicos da LAtelier. J somais de 40 peas no acervo.Nocomeodoano,outrasseisreedies se juntaram cole-o.Osmveis saemda fbri-ca comnumerao de srie ecertificado de autenticidade,cuidado essencial para coibirfalsificaes. Eu costumava ficava fu-rioso comfalsificadores, diz odesigner.Hoje, penso na frase atribuda a CocoChanel: S se imita coisa boa.

    Peas originais criadas por ele tam-bm podem ser garimpadas em anti-qurios por pequenas fortunas. Uma

    mesinha de centro da LAtelier chegoua ser arrematada na galeria Bolsa deArte, por R$ 45mil. Os mveis vintageso, porm, escassos. A melhor opopara quem quer um Zalszupin legtimoem casa recorrer s reedies.

    Os mveis do Jorge soatemporais e primam pela ele-gncia. Ele sempre foi verstil,indo da madeira ao ferro, pas-sando pelo plstico, diz Etel.Nos ltimos dez anos, desdeque comeamos a reeditar osmveis da LAtelier, houve umaumento expressivo da procu-ra pelas peas dele. E a deman-da s cresce.

    Bem humorado e cheio de planos,apesar da dificuldade de locomo-o decorrente de dores nas articu-laes, Zalszupin vive na casa que eleprprio construiu h mais de cincodcadas, no Jardim Paulistano, zo-na oeste de So Paulo.

    1959MESALATERAL

    1959LINHA DOMIN

    1959MESAGUARUJ

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  • SENTA QUE L VEM HISTRIADa Bauhaus modelagem 3D, uma cadeira em evoluo

    1926MART STAM

    S33

    1927MIES VAN DER ROHE

    MR10

    1928MARCEL BREUER

    B32

    1930ALVAR AALTO

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    FINLNDIAHUNGRIAALEMANHAHOLANDA BRASIL ALEMANHA

    1970JORGE ZALSZUPIN

    POLNIA

    Commander

    1957PAULO M. DA ROCHA

    Paulistano

    2012KONSTANTIN GRCIC

    MytoNOME

    CRIADORES

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

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    1959POLTRONA PAULISTANA

    1959POLTRONA DINAMARQUESA

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    Catlogo Latelier

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  • Com cerca de 500 metros quadra-dos, a construo cercada por jar-dins e plantas que literalmente so-bem pelas paredes. Obras de arte, pe-asdeporcelanaeobjetoscoletadosemviagens pelo mundo espalham-se pe-los ambientes. Aqui e acol, mveis daLAtelier, comoocarrinhodecheapol-trona dinamarquesa, lembram quem o dono da casa.

    QUIPROQUSuas criaes fizeram histria. At

    no judiciriobrasileiroZalszupinmarcoupresena. So de sua autoria as poltro-nas de couro amarelo onde se sentamos juzes do Supremo Tribunal Federal(STF),emBraslia,equeficaramfamosaspor aparecer naTVenas capasdos jor-nais duranteo julgamentodomensalo.

    J a verso em couro preto foi, porum perodo, a cadeira oficial do prefei-to deSoPaulo e protagonizou umqui-proqu famoso da poltica brasileira nadcada de 1980. Foi nessacadeira que FernandoHenri-queCardosoposoucomopre-feito para uma foto quandoera apenas candidato. Deta-lhe: ele no foi eleito.

    Vencedor daquele plei-to, em 1985, Jnio Quadrosnoperdoouagafe.Aotomarposse, fezuma limpezanape-a, na frente de reprteres e

    fotgrafos, e declarou: Estou desinfe-tandoestapoltronaporquendegas in-devidas a usaram.

    Zalszupin contaquepassouanos so-nhandoemfazeroutromvel to impor-tante como aquela cadeira: Ela abriutantas portas na minha carreira. Ten-tei de diversas formas projetar outrascomo ela, mas nunca saa um resulta-do que me agradasse.

    Na arquitetura, tambm se fez pre-sente.ConstruiuprdiosnaavenidaPau-

    lista, autor do projeto do shop-pingMorumbi e idealizoumuitascasasparaaclassealtapaulista-naamaioriadelasdemolidapa-ra dar lugar a espiges. Enten-doqueeconomicamentepreci-so fazer isso, derrubar o peque-no para fazer o grande.Mas, pa-ramim, a destruio de uma ca-saqueprojeteiparaumafamliacomoumafacadanabarriga.

    2010POLTRONAVERNICA

    1959POLTRONAKANGURU

    1959POLTRONA LOBBY

    1959POLTRONA SNIOR

    1959MESASPTALAS

    1959POLTRONA DEL REY

    1959CADEIRA DE PALHA

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  • O criador das imponentes cadeiras ama-relas da sala do Supremo Tribunal Federal fazparte de uma gerao de arquitetos que co-meou a desenhar moblia e objetos a partirdo espao construdo e acabou mais conhe-cida pelo design que pela arquitetura.

    O polons Jorge Zalszupinintegrou o grupo que, a convi-te de Oscar Niemeyer, nos anos1960, concebeu e produziu m-veis para gabinetes e palciosna construo da nova capital,Braslia, numa empreitada her-clea que exigia escala indi-ta no pas at aquele momen-to. E muita pressa.

    Anos mais tarde, foi o res-ponsvel pela produo das pri-meiras cadeiras de plstico escolares, compranchetas acopladas.

    Ao longo de uma carreira muito produ-tiva, sua obra se distingue pela forte influn-cia do design nrdico, a qualidade da marce-naria e dos acabamentos e o pioneirismo naproduo em srie de moblia de escritriose utenslios em plstico como o baldinho daEva (da mazinha), cone dos anos 1970, quetem o pegador de gelo encaixado na tampa.

    De 1959, so dois dos seus mveis mais

    conhecidos e que ilustram a sua versatilida-de formal, como a poltrona dinamarquesa eo carrinho de ch, inspirado num carrinho debeb e recriado com bandejas de jacarande rodas de lato.

    Nos anos seguintes, viriam a poltrona 720,desmontvel, a cadeira Ouro Pre-to e o convidativo sof Brasiliana,um primo distante do sof mole,de Sergio Rodrigues.

    Nos ltimos dez anos, suaobra em design tem sido resga-tada, assim como a de outrosdesigners de mveis modernosdo Brasil. A mostra SempreModernos, que reuniu 40 peasde Zalszupin, Joaquim Tenreiro,Sergio Rodrigues e Jean Gillon,

    na galeria Passado Composto, em So Pau-lo, h cinco anos, foi um dos marcos dessarevalorizao.

    O interesse de colecionadores pelo de-sign moderno brasileiro tambm favoreceua redescoberta de Zalszupin. Em 2006, co-meou a ser reeditada uma coleo de pe-as suas, sem o uso do precioso jacarand(que marcou os originais), mas com madei-ras certificadas. As peas so vendidas noBrasil e exportadas para a Europa e os

    DAS POLTRONAS DO SUPREMO AO BALDINHO DE GELOMARA GAMA Colunista da Folha

    Balde degelo Eva

    Poltronado STF

    Estados Unidos. Seu sof Brasiliana podecustar at R$ 27 mil, e os pedidos levamde 12 a 14 semanas para serem entregues.

    Animado com as reedies, Zalszupincriou, em 2010, a poltrona Vernica, depoisde ficar 40 anos sem desenhar um mvel.

    Em 2014, foi lanado o livro JorgeZalszupin - Design Moderno no Brasil, deMaria Ceclia Loschiavo dos Santos, juntocom a autobiografia De * pra Lua, um re-lato divertido de sua trajetria, que ele con-sidera milagrosa de realizaes.

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

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    descreve a pea, s diz que ser confor-tvel, paraabrigarosapaixonados. Masningum se interessou ainda e eu tam-bm no insisti.

    CHIQUITA BACANAAos 16 anos, Jorge fugiu da Polnia,

    depois de sua me ter sido levada pa-ra um campo de concentrao nazista,de onde no voltou mais. Instalou-se

    A demolio de velhos projetos noo impede de idealizar novos. Cuidado deperto pela filha Vernica e pela mulher,Annette,86, comquemesth64anos,ele temnoquartoumabancadaparade-senhar. Como suas mos esto trmu-las, limita-se a rabiscar ideias.

    Uma delas uma cadeira para oscasais fazerem amor. J deu at no-me ao mvel: trepadeira. Zalszupin no

    1959CARRINHO DE CH

    JORGE ZALSZUPIN

    FotoFern

    andoLazl

    o

    Alan Marques

    tilida-ersavsua a am ilustrque e conhecidos e quesa dinamarona poltra como ormal, fde e d ohnirrac mun odaripsni ,hc ed ohnirrac o

    and carjade andejas bcom do ecriare beb

    , 027 anortlop a mairiv ,setniuges sona soN-erP oruO ariedac a ,levtnomsed, anailisarB fos ovitadivnoc o e ot, elom fos od etnatsid omirp mu

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    FTS od

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  • Anncios decriaes do designer

    moto Peugeot 250, diz. Sonhava efantasiava com esse novo mundo nacidade maravilhosa.

    Na autobiografia De * pra Lua(2014), ele conta que o desembarquese deu no cais do porto, ao som deChiquita Bacana, a marchinha queanimava a ento capital federal naque-le ano. Irreverente, a comear pelo ttu-lo, o livronarraacadnciade milagres navidades-se judeu polons. Minhavida foi cheia deles, ates-ta o designer.

    Logo que chegou, ar-rumou um emprego emSo Paulo com um con-terrneo seu, o arquitetoLucianoKorngold.Nopr-diodoescritrio, odestinodeu mais uma mozinha.Conheceu Annette, comquem teve duas filhas,Vernica,61,eMarina,58.

    Porcontadonascimen-to da primognita, acele-rou a papelada da cidadania brasileirae seu registro de arquiteto.Mudou, a, aassinaturaparaJorgeZalszupin e abriuo prprio escritrio. Nunca lhe faltoutrabalho. Os pedidos de projetos de ca-saspululavam.Eos clientespassaramalhepedirquefizesse tambmosmveis.Comademandaaumentando,Jorgedeuincio, ento, em 1959, dez anos aps odesembarque, aventura da LAtelier.

    Em 1970, ele vendeu a empresa pa-ra o grupo Forsa e se tornou respons-vel apenas pela rea criativa. Nessa fa-se, flertou com as resinas acrlicas, dei-xando milhares de donas de casa vi-das por suas louas de plstico colori-das. Nascia a charmosa linha Eva paraa marca Hevea.

    O diplomata e crtico de arte AndrAranha Corra do Lago lembra bem

    25

    essa poca no prefcio do livro JorgeZalszupin - Design Moderno no Brasil(2014). Um item dessa coleo foi oprimeiro objetodedesignbrasileiro quecomprei na vida.

    Mas Zalszupin tambm lidou com oostracismo. Em 2000, fui entrevist-lo em sua casa. Ele se sentia esqueci-do e descrente do design e da ativida-de de arquiteto. Produzia como artistaplstico e me pediu contatos em gale-rias, conta Ethel Leon, 63, professora epesquisadora de histria dodesign bra-sileiro, que o colocou em contato comEtel Carmona, dando incio a um novociclo de sua vida.

    Hoje em dia, passa amaior parte deseu tempo na sala de televiso, senta-donapoltronaPong, da Ikea. Estofadaem couro preto, a cadeira tem estrutu-ra de ripas coladas e curvadas em faia,que lhe do flexibilidade e um leve ba-lano. Zalszupin parece adorar o efei-to. Com o impulso do corpo, mantm oembalo constante.

    A cadeira parte de sua histria deidas e vindas, altos e baixos. Foi com-prada em Paris, no incio dos anos 90,quandoeledecidiu largar tudoe seapo-sentar na Frana. O retiro durou at1999, quando voltou a So Paulo pararecomear a carreira. Redecorar umanova casame fez feliz, como seme ca-sasse de novo.

    na Romnia e estudou arquitetura nopas. Aps se formar, decidiu se mu-dar de novo. Dessa vez o destino seria oBrasil. Corria o ano de 1949 quando,ento sob a alcunha de Jerzy Zalszupin(l-seGerzi Jauchupin), aos27anos, de-sembarcou noRio de Janeiro, emplenoCarnaval carioca.

    No que fosse um hbito meu, maseu trouxe mveis na bagagem e uma

    1970PORTA-OBJETOSPUTSKIT

    Catlogos Latelier

  • 26 ALAIR GOMES

    por Karla Monteiro , do Rio de Janeiro

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    AO TRANSFORMAR OS RAPAZES DAS PRAIAS CARIOCAS EM

    MATRIA-PRIMA DE SEU TRABALHO, O FOTGRAFO ALAIR GOMES

    INAUGUROU, NOS ANOS 1960, A ARTE HOMOERTICA NO BRASIL

    B E A C H

    B O Y S

  • Fragmentos da srieSonatina Four Feet n 22

  • 28

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

  • Na pg. ao lado, foto da srieEsportes; acima, imagens dasrie The Course of the Sun

  • 30 ALAIR GOMES

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    Ele olhou para o mundo com dese-jo. Um voyeur assumido. Ao longo detrs dcadas, 1960, 1970 e 1980, AlairGomes (1921-1992)capturouumRiodeJaneiro s seu, repletodehomensbelos,viris. Divinos, no sentido do Eros grego.Comeou a fotografar com quase 50anos e inaugurou no Brasil a fotografiahomoertica.Suaobratemcercade170mil negativos. Cada clique, um assobio.

    Ele uma aula de prazer e liberda-de, diz a historiadora Luciana Muniz,curadora de seu acervo, que pertence Biblioteca Nacional. Dizia que o ero-tismo masculino provocado pelo elo-gio. Elogiava e conseguia o que queria.

    A partir do dia 25/7, fotos dele es-taro em So Paulo, na Caixa Cultural,na exposio Alair Gomes: Percursos.O trabalhodoartistapoucoconhecido,apesar de figurar em grandes coleesparticulares e no acervo de instituiescomo oMuseu deArteModerna do RioouaFundaoCartier-Bresson,emParis.

    Sualtimagrandemostra foi realiza-da em 2012, na Bienal de Arte de SoPaulo.Antesdisso,amaiorexibiohaviaacontecidonaFundaoCartier-Bresson,em Paris, em 2001, quando foi lanadoum catlogo (esgotado e encontrado sem leiles), umdos poucos registros im-pressos de seus trabalhos.

    Ele pensou a fotografia comonarra-tiva, e no como instante. um cronistaque conseguiu, com a ideia de conjunto,transformaraobjetividadedabeleza,dizEder Chiodetto, curador da exposio.Alair foi um intelectual importante, pro-fessordaEscoladeArtesVisuaisdoPar-queLaje,deixoumuitosescritos.Suaobra estudada por vrios pesquisadores.

    Na exposio estaro as sriesmais famosas do artista, como So-natinas, Four Feet, Beach Triptychse A New Sentimental Journey, almde um ensaio indito que realizou napraa da Repblica, em So Paulo, em1969, no auge do movimento hippie.

    OS RAPAZES DO ALAIRNO ESTO SORRINDO,SE DIVERTINDO.ESTO DESFILANDO.A PERFORMANCE NAPRAIA DO RIO COISAMUITO SRIA

    Os ttulos em ingls foram dados pelofotgrafo, vislumbrando uma carreirafora do Brasil.

    Essas imagens ajudam a entendersua obra como um desdobramento darevoluocomportamentalocorridaapsmaiode 1968, soumaodeaohedonis-mo, aos prazeres semculpa, possibilita-das pelo sexo livre e pela regresso decertos dogmas, diz Eder.

    DIRIO ERTICOAt comear a fotografar, emmea-

    dos dos anos 60, o artista atravessoutormentas, depresses, viveu vrias vi-das. Nasceu emValena, cidade flumi-nense, em 1921. Nos anos 30, a fam-lia semudou para o Rio de Janeiro. L,formou-se em engenharia e trabalhouna Estrada de Ferro Central do Brasil.

    Desistiu da carreira para se de-dicar aos estudos de fsica, mate-mtica, lgica, fisiologia e religies.Em 1958, virou professor do Institutode Biofsica da UFRJ.

    Num tempo em que se assumir gayeramais complicado, ele sededicavase-cretamente ao seu Dirio Ertico, ini-ciado em 1954, no qual descrevia seusencontrosamorosos, seguindoaspistasliterriasdeD.H.Lawrence(1885-1930),controverso escritor ingls, autor deOAmantedeLadyChatterley. Os di-rios tambm foram escritos em ingls,para dificultar a leitura de xeretas.

    Seus conflitos comearamaindanocolegial. Ele viu dois meninos brigando.A imagem de um dos garotos no cho,sangrando,despertouneleumdesejo in-tenso, incompreensvel, conta Luciana.Os dirios eram uma forma de enten-der sua condio. A fotografia veio pa-ra somar as narrativas. Ele substituiu aescrita pela imagtica.

    Fotografando homens como escul-turas, Alair se tornou, a partir dos anos1960, um voyeur de vrios ngulos. Elemorou toda a vida adulta em Ipanema,e este foi seu territrio de ao. O quevariava eram seus pontos de vista.

    Na srie A Window in Rio (1967-1974), o fotgrafo se postou na jane-la de seu apartamento. Com uma len-te de longo alcance, flagrava a praia eseus personagens. Em The Course ofthe Sun (1967-1974), domesmopero-do e tambmda janela, flagrouhomensbelos seminusnascaladas.Capturadosde cima, com o movimento congeladono instante perfeito, os rapazes pare-cemmesmo esculturas.

    J em Symphony of Erotic Icons(1966-1978), ele usou sua casa comoestdio ps-praia, onde fotografou nussurpreendentes, com os mais belos es-pcimes masculinos mostrando suasvergonhas em poses de esttua grega.

    MENINOS DO RIOAo longode30anostrabalhandonas

    areias do Rio, acabou por documentartoda uma gerao, a juventude doura-da do lendrio per de Ipanema.

    EvandroMesquita e Petit, omeninodo Rio, esto l, nas fotos dele, comoannimas esculturas daquele pedaoda praia, tambm conhecido como asdunas da Gal, frequentadora assdua.

    Os jovens do Alair no esto sor-rindo, se divertindo. Esto desfilan-do. A performance na praia do Rio coisa muito sria, brinca Luciana.Com ele, aprendi a ficar olhando osrapazes. umamaravilha. Seu traba-lho de uma liberdade, de uma co-ragem de viver, de sentir desejo... Eume tornei discpula.

    Aos 71 anos, o artista foi assassina-do emseuapartamento. O crimenuncafoi solucionado. Na poca, notcias fa-laram de uma gangue que atuava emIpanema. Um jornal carioca, no dia damorte, publicouamanchete: Engenhei-ro asfixiado em Ipanema, negando-lhe a condio de homossexual e artis-ta, diz Luciana. Alair enfrentou todosos preconceitos, no foi compreendidono seu tempo, estava frente dele.

  • Uma das fotos do trpticoBeach Triptych n 26

  • 32 MACUNAMA

    por Adriana Kchler . i lustraes Bruno Oliveira Santos

    O texto desta reportagem emprestou vocabulrio do Macunama deMrio de Andrade. No se sarapante com as palavras e expresses incomuns que encontrar

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    ENQUANTO O ESCRITOR MRIO

    DE ANDRADE VOLTA BERLINDA

    COM A POLMICA SOBRE SUA

    SEXUALIDADE, SERAFINA

    DISSECA EM QUATRO PARTES

    A CRIAO MAIS CLEBRE DO

    AUTOR MODERNISTA, O HERI SEM

    CARTER QUE PULOU DA REDE PARA

    AS PGINAS, TELAS E PALCOS

    M A C U N A M AD E Q U AT R O

  • 34

    I MACUNAMANo fundo do mato-virgem nasceu

    Macunama, heri de nossa gente. Erapreto retinto e filho do medo da noite.E, se no fosse hoje a constelao daUrsaMaior (desculpemospoiler), deve-ria serumdosconvidadosdaFestaLite-rria deParaty, j que aprincipal cria-o do homenageado da vez, Mrio deAndrade. Mas, se ainda assim decidis-sem cham-lo para uma conferncia, provvel que secundasse Ai! Que pre-guia! edeixasseosconvidados jururus.

    Mrio nasceu em So Paulo, cidadelambida pelo igarap Tiet, em 1893, emorreu tambm por aqui h 70 anos data que suscita o tema da Flip, o lan-amento de livros e volumes de corres-pondncias, a reaberturadesuacasanaBarra Funda, todas essas homenagens.Mrio dizia que era 300, eMacunamano fica atrs. Pois nasceu no mato-virgem e tambm emAraraquara.

    Foi l que, no fimde 1926, na chca-ra do tio Pio, Mrio sentou numa redepor seis dias e, numa espcie de tran-se, entre cigarros e cigarras, pariuMacunama O Heri Sem NenhumCarter, que viraria livro quase doisanos depois. Mas no fique sarapanta-do ao descobrir que o heri nasceu ain-da em outro lugar, porm.

    Ele venezuelano, diz CarlosAugusto Calil, curador da mostraAMoradadoCoraoPerdidonaCasaMrio de Andrade. Entre suas viagenspelo pas e sua intensa pesquisa do fol-clore e dos costumes brasileiros, Mriose encantou comaobra cientfica VomRoraima zum Orinoco (De Roraima aoOrinoco), do etnlogo alemo TheodorKoch-Grnberg (1872-1924), que rela-tava a histria do mito indgena da Ve-nezuela com aquele mesmo nome.

    Elenotinhanenhumproblemacomisso.Assumiaquetinhaplagiadomesmo,

    Macunama um ndio quenasce pretoretinto e, depoisde um banho,vira louro deolhos azuizinhos

    O vilo VenceslauPietro Pietra o gigante Piaimcomedor de gente.No livro, morrenuma panela demacarronada. Nofilme, numa feijoada

    OS 800 EXEMPLARESSARAM DO BOLSO DOPRPRIO MRIO, QUEPEDIA AOS AMIGOSQUE OS LEVASSEMAT A LIVRARIA

    N0 MATO-VIRGEMConhea ou relembre alguns dos personagens e cenas mais marcantes do livro

    Amuiraquit oamuleto que Macunama

    ganha da sua amada,Ci, e depois perde.Venceslau compra

    a pedra verde eMacunama passa o

    resto do livrotentando recuper-la

  • diz Eduardo Jardim, autor da biografiadeMrio Eu Sou Trezentos. O prprioautor se explicou: Resolvi escreverpor-quefiquei desesperadodecomoo lri-ca, quandopercebi queMacunamaeraumheri semnenhumcarter nemmo-ral nem psicolgico, achei isso enorme-mentecomoventenemsei porqu.Ou-trospedaosdabricolagemqueMacu-nama foramcolhidosde livrosdeCoutodeMagalhes (1837-1898), Capistranode Abreu (1853-1927), contos, lendas,mitos e canes do folclore brasileiro.

    Essamistureba, a queoescritor cha-mou rapsdia, virou a histria cheia dehumor do ndio que nasce preto e virabranco. Se apaixona por Ci, a Me doMato, e logo perde sua amada. Ganhadela o talism muiraquit e logo tam-bm o perde para o vilo, VenceslauPietroPietra, ogigantePiaimcomedorde gente. Vai a So Paulo, tenta recu-perar o talism, viaja por todo o Brasil,

    brinca commuitas e vrias cunhs atacabar sozinho e virar constelao.

    Entre os modernistas que liderarama Semana de Arte Moderna de 1922,MriodeAndradeera tidocomoomaisintelectual.Autodidata, erapoeta,msi-co, professor, crticoeumdedicadopes-quisador do folclore e da cultura popu-lar. Macunama o coroamento e, doponto de vista literrio, a mais bela ex-presso dos propsitosmodernistas dosegundo tempodomovimento, escreveEduardoJardimemEuSouTrezentos.

    Quase 90 anos depois de sair pelomundo, o livro faz vestibulandos que-brarem cabeas com suas palavras di-fceis e acadmicos ainda se dedicama dissec-lo. Especialistas destacam atentativa de desregionalizar o Brasile propor uma cultura nacional ao passem carter, sem identidade, a aproxi-mao das linguagens escrita e faladaea fugadoespao-tempoconvencional.

    Os 800 exemplares da primeira edi-o saram do bolso do prprio Mrio,que enviava os livros pelo correio paraamigos comoManuel Bandeira (1886-1968) e pedia que os levassem at a li-vrariamaisprxima.Mal imaginavaqueseu pi viraria um clssico da literaturabrasileira, almde filme, pea de teatroe at enredo de escola de samba.

    II O CINEMAUma feita Macunama pulou para

    as telas e ampliou sua fama. Era Gran-de Otelo (1915-1993) quando negro,e Paulo Jos quando branco. Quandoum vira o outro, o personagem brada:Fiquei branco, fiquei lindo!

    Paulocontaque,aoconvid-lo,odiretorJoaquimPedrodeAndrade(1932-1988)propsqueeleoperasseonariz: parecemdois,umfino,sevistode lado,outrobata-tudo, se visto de frente. Irreconciliveis.O ator se negou,mas ganhou opapel.

    Quase todo mundo quemorre se transforma emcorpo celeste. Macunamavira a constelao daUrsaMaior

    Entre os bordes maisusados pelo heri semcarter esto Ai! Quepreguia! e Poucasade e muita savaos males do Brasil so!

    A CENSURA DISSEQUE O FILME ERA AHISTRIA DE UM PRETOQUE VIRA BRANCO E VAI CIDADE DAR VAZOA INSTINTOS SEXUAIS

    MACUNAMA

  • Veja entrevistas, vdeos e textos sobre Macunamano site da Serafina: http://goo.gl/Tzpzyx

    36

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    Estavanumlugarmuitoespecial,divi-dindoapersonagemcomoGrandeOtelo,oprprioMacunama,escrevePauloementrevista por e-mail. S tinha que imi-t-lo, j vinha pronto. Era fazer as cenasdomodomais natural de ser do Otelo.

    Ofilmefoi lanadoem1969, temposdifceis, disse Eduardo Escorel, monta-dor do longa e parente distante deM-rio em debate recente sobre o tema.

    Entre 1967, quando o roteiro foi es-crito, e o lanamento, em 1969, o re-gime poltico se radicalizou. Conheci-do pela peraltagem, Macunama ga-nhou tonspolticos no cinema: JoaquimPedro transformaCi, a amadaamazonado heri, emguerrilheira e inclui a frase cada um por si e Deus contra. Nofilme, ele no sobe ao cu e vira estre-la. No h lugar para esse fim na ver-so pessimista, disse Eduardo.

    Pra Macunama, o filme, passar pe-la censura foi um furduno. O pareceranunciava sempudor: DesconhecemosaobraoriginaldeMriodeAndrade, au-tor tido como rebelde s tradies so-ciais em geral. E depois resumia a tra-macomoahistriadeumpretoquevi-ra branco e vai para a cidade dar vazoaos seus instintos sexuais, voltando de-pois para a selva de onde viera.

    MasofilmefezsucessonoFestivaldeVeneza.EJoaquimusouacelebrao in-ternacionalparadefender seuMacuna-ma da censura no Brasil. Dos 16 cortesimpostos inicialmente, amaioriadenus,a censura se contentou s com trs. E odiretor poderia decidir o que cortar. Fi-las extensas se formaram nos cinemas,e a obra voltou s livrarias.

    Joaquimexplicounapocacomo fezpegar seufilme: Tive a intenodelibe-radadeprocurar umacomunicaopo-pular to espontnea, to imediata, co-mo a chanchada. Ele procura ser feitodo povo para o povo, a orquestraomais simples possvel.

    Chamado pelo jornal TheNewYorkTimes de artefato gloriosamente

    RIO URARICOERAs margens do rio, nasceuo heri de nossa gente,uma criana feia,filho do medo da noite

    CERROS DAVENEZUELA

    Ali, Macunama,Imperador do Mato-

    Virgem, imperouao lado de Ci

    SANTARMMata umaviada paridaque no eraviada no, eraa prpria me

    ILHA DEMARAPATPor l, deixa a

    conscincia, quemais tarde volta

    pra buscar

    SO PAULONa cidade lambida peloigarap Tiet, o burbonvogava e a moeda noera mais cacau

    RIO DE JANEIROPara se vingar do gigante, foi pedirajuda de Exu no zungu da tia Ciata

    BARBACENAMacunama faz uma

    orao para uma vacabrava, que acha graa

    e d leite para ele

    ITAMARACFugindo, o heriacha tempo pracomer uma dziade manga-jasmim

    ILHA DEMARAJMacunama no achamais graa na terra e ficaem dvida entre morarno cu ou emMaraj

    BURACODEMARIA PEREIRAEncontrou umaportuguesa, amufumbadano morro desde a guerracom os holandeses

    DUNAS DEMOSSORAvistou o padreBartolomeu Lourenode Gusmo pelejandopra caminhar no areo

    O TURISTA LITERRIOO rastro de Macunama em suas viagens por cidades, caatingas, corgos, matos-virgens e milagres do serto

    Num tejupar no fim da ruaMaranho, olhando pra noruegado Pacaembu, morava o giganteVenceslau Pietro Pietra

    Vai na Cantareira passear e napraa Antonio Prado meditarsobre a injustia dos homens

    Diz que caou viados catingueirosna feira do Arouche e que achourasto de tapir na frente da Bolsade Mercadorias

    MACUNAMA

  • demente do seu tempo e comparado aFellini e JohnWaters, nossoheri foi pa-rar ainda outra vez nos cinemas. Numaverso hoje perdida e quase desconhe-cida, o diretor Paulo Verssimo promo-veu em Exu-Pi, Corao deMacuna-ma, de 1987, o encontro entre oMacu-namaqueeraGrandeOtelo, dofilmede1969, eoMacunamaqueeraCacCar-valho,dapeaencenadaapartirde1978.

    III O TEATROO heri caiu do cu no colo do di-

    retor Antunes Filho. ele quem diz.Eu estava inserido no teatro comer-cial, mas aquilo no correspondia aoque eu queria do teatro. O ento dire-tor da Aliana Francesa me convenceuaencenaroMacunama.Ali,mudeimeurumo, dizAntunes, 85, que s conheciao livro de resumo escolar.

    Formouumgrupoeacamparamnumteatroemrunas, emSoPaulo, durantemeses, comoelencopeladopra cimae

    pra baixo. Atores escreviam cenas; ce-nrios e adereos eram feitos de jornal.

    EMacunamaeraumCacCarvalhode25anos,prontopravoltarpraquernciadele, Belm, e que s foi ao teste acom-panhar uma amiga. Acabou aprovado.Antunesdiziaque,paraserMacunama,eu devia sermoleque como fui na infn-cia e imperioso como era como adulto.

    E levavaCacaoMaspparaverqua-drosdePortinari, parabuscar inspiraoemoutrosmodernistas. Incentivavaain-daosatoresa fazeremumapesquisa in-tensa dos hbitos indgenas. Viam do-cumentriospara imitar seusmovimen-tose tinhamencontroscomosertanistaOrlando Villas Bas (1914-2002).

    E, quando uma tribo de ndios xa-vantes veio fazer uma apresentao noTheatro Municipal, fomos incentivadosa interagir com eles, que ficaram hos-pedados no ginsio do Ibirapuera, diza atriz Mirtes Mesquita, 60, que esta-vanoelencoe fezumestudoacadmico

    sobreaadaptaoqueentrouparaahis-tria do teatro nacional.

    Se o Macunama do cinema surgiuno auge da represso da ditadura, o doteatro marcava o incio do fim. Aque-lasmulheres nuas em cena eram o pre-nnciodaaberturaqueviria logodepois.Fazer aquela obra era umgrito de liber-dade, dizAntunes. O topless comeoua ser discutidodepois dapea, era novi-dade. Tudo comeou ali.

    IV O SEXOO vestibular no pergunta, mas, se

    tem uma coisa queMacunama , sa-fado. Brincar o eufemismoqueoau-tor usapara falar de sexoo tempo todo.Brinca-se na rede, na jangada, no ma-to, no rio. Mas o trecho mais obscenoda obra foi cortado da primeira para asegunda edio (leia abaixo).

    Talvez seja a parte que melhor seajusta ao conceito de pornografia lite-rria, naacepomodernado termo.

    ...

    ...

    O GRUPO FORMADOPOR ANTUNES FILHOACAMPOU NUM TEATROEM RUNAS PORMESES,COM O ELENCO PELADOPRA CIMA E PRA BAIXO

    BRINCADEIRASCENSURADAS

    Com medo de que o livro fosse consideradopornogrfico, Mrio de Andrade cortouo trecho ao lado em que descreve transasde Macunama e Ci da verso originalpara a segunda edio da obra

    Trecho reproduzido de Macunama, o Heri sem Nenhum Carter. Edio crtica de Tel Porto Ancona Lopez. Editora da UFSC, 1988.

    Um geito engraado era enrolar a redebem e no rolo elstico sentados frente afrente brincarem se equilibrando no ar. Omedo de cair condimentava o prazer e asmais das vezes quando o equilibrio fal-tava os dois despencavam no cho s gar-galhadas desenlaados pra rir.

    Outras feitas Ci balanava sozinha narede, estendida de atravessado. Macu-nama convexando o corpo entre doisgalhos baixos em frente buscava acertarno alvo o uaquiz. Acertava bem. E aosembalanos chegando e partindo a brin-cadeira esquentava at que no agen-

    tando mais o imperador partia tambmno vo da rede num embalano final.

    Outras feitas mais raras e mais deseja-das o heroi jurava pela memria da mique no havia de ser perverso. Ento Cienrolando os braos e as pernas nas varan-das da rede numa reviravolta ficava esfre-gando o cho. Macunama vinha pordebaixo, enganchava os ps nos ps dacompanheira, as mos nas mos e seerguendo do cho com esfro, principia-vam brincando assim. Dava uma angustiade proibio sse geito de brincar. Careciade umesfro tamanho nosmsculos todos

    se sustentando, o corpo do heroi semprechamado sempre puxado pelo peso daTerra. E quando a felicidade estava paradar flor o heroi no se vencia nunca, man-dando juramento passear. Abria alargadoos braos e as pernas, as varandas da redeafrouxavam e os companheiros sem apoiotombavam com baque seco no cho. Eramilhor que Vei, a Sol!

    Ci tiririca se erguia sangrando e davasovas tremendas no heroi. Macunamaadormecia no cho entre pauladas, nopodendo viver mais de tanta felicidade.Era assim.

  • 38

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    H algumas semanas, como que donada, recebi uma carta do Japo. O reme-tente, de quem nunca tinha ouvido falar, um professor de japons em uma uni-versidade japonesa. Ele me conta que,nos anos 70, estudou lngua portuguesano Rio de Janeiro e que, na poca, depa-rou com Macunama, livro que enten-deu completamente e pelo qual seapaixonou.

    Traduziu trs captulos para o japo-ns, mas a editora de ento no teriaaprovado sua traduo. Deixei, eleconta. Hoje, depois de quase 40 anos,ele est retomando a traduo, pratica-mente terminada, mas resta uma nicadvida e ele, depois de pesquisar meuemail e no encontrar, resolve escreverpara a PUC, onde j trabalhei.

    Sua dvida se expressa assim:O que que feixo?Depois de ler todo o Macunama e

    traduzi-lo inteiro para o japons, o pro-fessor me pergunta e juro que no estouinventando o que que feixo?

    Ele no sabe, mas raras vezes depoisde muitos anos ensinando e estudandoliteratura brasileira li algo to macu-

    namico, e Mrio de Andrade, se tivesselido esta pergunta, teria dado pulos deum entusiasmo proftico e sairia paraescrever mais um captulo dessa raps-dia que no tem fim.

    Macunama foi escrito em Arara-quara, no stio de um parente de Mriode Andrade, no ano de 1926. O nome dopersonagem baseado em um livroescrito pelo antroplogo alemo Koch-Grnberg (1872-1924), que viajou portoda a Amaznia, onde deu com essaalcunha, que significaria o grande mau.

    Mrio de Andrade, mesclando folclore,brasileiro e europeu, a vida pessoal, a antro-pologia, a histria antiga e recente do pas,a geografia nacional, as lnguas popular eerudita, ditados, provrbios e suas leiturasda sociologia brasileira da poca criou noum grande, mas talvez um pequeno mal-vado brasileiro.

    Macunama , at hoje, um sem car-ter que representa nossa forma de ser-mos um e sermos outro, de estarmosaqui e l ao mesmo tempo, agora e ento.

    Como muitos outros personagens dahistria da literatura que acabam portranscender seus criadores, penso que o

    mesmo se passa nesse caso particular.Pois se Mrio quis criar, com Macu-

    nama, uma crtica mutabilidade inte-resseira do brasileiro, seu protagonistase transforma, sua revelia, em algodiferente disso. Um negro, branco e ndio,com cabea de criana, ingnuo eesperto, solidrio e egosta, amoroso emimado. Um Grande Otelo que, maistarde, o prprio encarnou como ningum.

    A teoria literria, com Gilda de Melloe Souza e Haroldo de Campos e vriosoutros, tambm se perguntou o que que Macunama?, com a primeiravendo nele a derrota do brasileiro dointerior que migra para a cidade e oltimo reconhecendo, no personagem, avitria da palavra narrada, numa dis-puta argumentativa em que ambos, felize infelizmente, tm razo.

    E o professor japons, com sua formu-lao charadstica, no sabe, mas deveter sido cutucado pelo prprioMacunamaque, a essa hora, est l no Japo, longedaqui e no futuro de Mrio, rindo muitopor ter impedido o professor de traduzira rapsdia com perfeio.

    A propsito: no sei o que que feixo.

    O HERI EM VERSO JAPONESA Como traduzir Macunama Por Noemi Jaffe

    BRINCAR OEUFEMISMO PARAFALAR DE SEXOO TEMPO TODO.BRINCA-SE NA REDE,NA JANGADA, NO MATO

  • MACUNAMA

    BRINCAR DE NDIO A convite da Serafina o cartunista Ado Iturrusgarai rel safadezas de nosso heri

    Nela, o escritor se entrega tarefa dedescrever posies lascivas sem bus-car justificativa fora do prprio sexo,diz Eliane Robert Moraes, professorade literatura da USP e organizadora daAntologia da Poesia Ertica Brasilei-ra, para quem Macunama um tex-to fundante da nossa ertica literria.

    Induzido pelo amigo e escritorManuel Bandeira, um dos principais in-terlocutores de suas cartas, Mrio ca-prichananarraodemalabarismosse-xuais de Macunama e Ci na rede, maslogo searrepende. Elepraticaautocen-sura.Tiraacena, escabrosaehilria, quecausou enorme choque na poca, parano dar pretexto para o livro ser consi-derado pornogrfico, diz Calil.

    Assim como balanava entre o ins-tinto e a autocensura, Mrio vivia divi-dido. Ele tinha uma personalidade ex-tremamente sensual e, aomesmo tem-po, eramuito intelectual. Eradilaceradoporessas forasemoposio, diz obi-grafo Eduardo Jardim. Ele conta que oescritor se dizia um pansexual, que po-deria se apaixonar at por uma rvore.

    A longa polmica sobre sua homos-sexualidade talvez d uma descansadaagora que veio tona uma carta do au-tor, guardada h dcadas, em que falamaisabertamente,massembrincadeirase furunfunfuns, sobre sua opo sexual.

    Como a homossexualidade de M-rio de Andrade ficou intocada durantemuito tempo, tornou-se um tabu, e suaverve imoral terminouporficar tambmna sombra, diz Eliane. As duas coisasandaram juntas e talvez tenha chegadoomomento de liberar a primeira, de or-dempessoal, para se reconhecer a qua-lidade da segunda, de ordem esttica.

    Temmais no.

  • BETTY HALBREICH

    por Chico Fel i t t i , de Nova York. foto Marcelo Gomes

    BETTY HALBREICH TEM 87 ANOS, OLHOS E

    LNGUA AFIADOS E UMA SRIE SENDO FEITA

    SOBRE SUA VIDA, MAS SEGUE VENDENDO AS

    ROUPASMAIS CHIQUES DOMUNDO PARA NOMES

    QUE VO DE HILLARY CLINTONA BEYONC

    Vestiu, poca, mulheres como GraceKelly e Elizabeth Taylor hoje, sua listatem Sarah Jessica Parker e Beyonc.

    Quando cheguei, todas ramos ven-dedoras.Agora, algumassechamamdepersonal shopper. Eu continuo sendos uma vendedora, diz ela, que h 30anos trocouoesquemadecomissoporum salrio fixo na casa das dezenas demilhares de dlares, para no ter de sepreocupar commetas a bater. E poderser honesta com os clientes.

    Halbreich Solutions o nome dodepartamento de Betty, compostopor duas salas de espelhos, uma listade espera demeses e letrasmetlicasgarrafais na parede. No amo o no-me. Soluo seria a cura para o cn-cer, diz, comum senso crtico que nosai da sala em duas horas de conver-sa. So s roupas, por Deus.

    A frase uma das mais usadas noseu segundo livro autobiogrfico, UmBrinde a Isso, lanado neste ano. Es-crevi em papel e algum digitou. Novou ler para no ter que me olhar.

    Quinta Avenida. Uma sala de corcreme no terceiro andar da loja queAnna Wintour apontou como a maischiquedeNovaYork. Entraumamulherde cabelos brancos curtos, olhos azuise um blazer cinza minimalista, com umbroche de bronze em formato de folha.

    Ela derruba um dos quatro vestidosquetrazianobraoe,abaixandootroncosem dobrar os joelhos, recolhe a pea ese levanta de mo estendida, oferecen-do tambm um pedido de desculpas:Sintomuito.Deixei vocesperando,quedesagradvel. Betty Halbreich, 87,estava trs minutos atrasada.

    difcil atribuir uma profisso a ela,que j foimuitascoisas. Filhadeumafa-mliaqueenriqueceuemChicagovenden-do roupaspopulares, foimiss naFlridaassim que a Segunda Guerra Mundialacabou. Casou-se com um playboy no-va-iorquino e virou dona de casa eme.

    At que, 38 anos atrs, o casamen-to desandou e ela, para no dependerdemesadadehomem, passoudeclien-te a vendedora na Bergdorf Goodman.

    A A N A R Q U I S T A

    D A 5 a A V E N I D A

    40

  • HOJE, ALGUMASVENDEDORASSE CHAMAM DEPERSONAL SHOPPER.EU CONTINUO SENDOS UMA VENDEDORA

    41

  • Betty comenta os figurinos queajudou a criar para filmes e sries

    ME NADA GENTIL

    Dezenas de pessoas para vestirtodos os dias. Tinham muitodinheiro na dcada de 1980,conseguimos colocar a nata damoda europeia para as donas decasa americanas verem

    All My Childrennovela que foi ao ar de 1970 a 2011

    Foi quando ensinei CandiceBergen a andar de saltos.Ela passou a maior parte da vidamontando a cavalo e tinha puladoessa educao. Bom para ela!

    Encontros e Desencontrosde Alan Pakula (1979)

    Meninas ricas usandoalta-costura europeia.Usando mal, claro

    Gossip Girl(de 2007 a 2012)

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    42

    Ela tambmprotagonizaodocument-rio ScatterMyAshesatBergdorfs (es-palheminhas cinzasnaBergdorfs), queem2013mostrou as entranhas da loja.

    Enquanto sua assistente pessoal sequeixacomacompanhia telefnicapor-quea internetdoescritrio caiuhduashoras, um celular de flip o nico arte-fato tecnolgico namesa da chefe. oquinto aparelho de telefone que a lojamed.Oanterior, um iPhone, eu usei suma vez para pedir que amigos fossemme buscar nos Hamptons. Nuncamais.

    Ela prefere se comunicar pela linhafixa ou por cartas. Como uma de agra-decimento, recebida por ela e assina-da pela candidata presidncia HillaryClinton, pendurada em um mural. Masno de bom tom tocar no assunto.No posso falar dosmeus clientes. Se-ria muita indiscrio. Mas, pelados, so-mos todos iguais.

    NO GRITOPormaisquesuaatualmelhoramiga

    sejaLenaDunham, a criadorade Girls,quetransformaavidadeBettynumafu-tura srie, o grosso da sua agenda no composto por famosos ou bilionrios.Nunca recusei um cliente e sou muitohonesta com todos. Sua sinceridade lendriaenuncacomedida.Elaconfirmaomito: Quando uma roupa que escolhino cai bem, grito porque fico frustra-dacomigomesma,nuncacomocliente.

    Foinoseucarpetequevriasmulheresaprenderamaandar sobre saltos. E on-denasceramfigurinosdefilmese sriescomoPoderosaAfroditeeSexandtheCity, a partir de peas que ela ofereciaa figurinistas. Mulheres comuns tam-bmaprendemase vestir comela, nemsempre com grifes famosas. Etiquetas,ensina, so cantos da sereia, s iludeme fazem se afogar nummar de iluso.

    As dicas no mudaram com o tem-po, j so quase quadragenrias. J aloja mudou muito em quatro dcadas.

    No gosto de mudanas, mas com is-so eu consigo lidar. Sinto raiva, expres-so minha raiva e me ouvem. As quei-xas somuitas: S tenhodezdedosnasmos, eles no do conta!

    Tabeladetamanhos: Issoaindaexis-te? Temos aqui muitos Ps, algunsMs epouqussimosGs. De onde tiramos quetodos so tamanhoP? Foramos desig-ners quedecidiram?No.As lojas quedoascartas.Penaparaacharvestidosdemangas compridas, um anacronis-mo para estilistas, para quemmostrarpele ser jovem, diz, folheando vesti-dos pendurados pela sala.

    Quando sobra energia depois da jor-nada, ela se dedica ao passatempopre-ferido: Ficar de joelhos, com as moscobertaspor luvasdepanovagabundoeencerarochodoapartamentode300epoucosdosmetrosquadradosmaisca-ros do mundo, na vizinha Park Avenue.

    um prazer. Lavo o cho, um pou-code roupaecorrijo os errosda faxinei-ra. Sou muito meticulosa. Os 12 guar-da-roupas dela so lavados e arejadosao menos uma vez por ano.

    Eu amava roupas. Ainda amo,s que sou sovina demais para com-pr-las, diz s gargalhadas. Em se-guida, faz uma proposta irrecus-vel: Vamos dar uma volta pela loja?

    VAMPIRO DE SI MESMOTodos saem da frente quando Betty

    passapeloscorredoresdaBergdorf.Unspoucos a cumprimentam. Por que sotodos clones uns dos outros?, pergun-ta-se andando pelo terceiro andar, on-de convivem em harmonia marcas co-moThierryMugler,DioreSaintLaurent.Passa por uma saia envelope de courodoamericanoRickOwens,queridinhodamodernidade, e franze o cenho.

    NemnanoitedeHalloweenvocmeveria usando isso. Est em liquidao ecomrazo.VestidosterrososdesedadaPrada tambm viram alvos de crticas.

  • Um filme sobre uma mulherrica do Upper East Side queusa Armani, Valentino eChanel... Muito Chanel. Umenredo familiar para mim

    Simplesmente Alicede Woody Allen (1990)Simplesment

    990)oody Allen (1de WSimplesment

    A Escolha de Sofiade Alan Pakula (1982)

    Meryl Streep usandoquase s branco: umdesafio, uma elegncia

    Um chique muito americano.Tweed e blazers que eramrealmente a moda desse pas

    Hannah e Suas Irmsde Woody Allen (1986)

    Prostituta se vestindo comroupas de mulher rica. Ouvice-versa. Olhe ao redor,voc ver vrias

    Poderosa Afroditede Woody Allen (1995)

    Chanel aconselhava se olharno espelho antes de sair decasa e retirar uma pea. Asmeninas se olhavam noespelho e colocavam maisquatro peas, das maisdiversas. Foi divertido.Mas admito que nuncaassisti a um episdio da srie

    Sex and The City(de 1998 a 2004)

    43

    Essa grife um vampiro que chu-pa o prprio sangue e no se renova.Ela [MiucciaPrada] jseesforoumais.

    Emmeioa umdesertodecriativida-de, ela para ao lado de uma arara deroupas e sorri. So criaesdeJohnsonHartig, o nome por trs da grife Liber-tine. Ele usa criaes antigas (vinta-ge palavra proibida nos domnios deBetty), decasascomoBalenciagaeCha-nel, e borda lantejoulas, rendas e pom-ponsemcimadaspeasquerecolocavendapormilharesdedlaresecomsuaetiqueta costurada ao lado da original.

    Olha a festa que se pode fazer nes-se acabamento, diz ela enquanto pas-sa as mos num gabardine verde querecebeumanchas espaadas de paetsroxos. Omovimento faz umbarulho pa-recido comovoode umbesouro. umtrabalhomuito bem feito, ainda que to-das essas peas sejam da coleo anti-ga. Sinal de que vendemos quase tudo.Quebom,dizela. esseo intuito, no?

    Enquanto Betty atende o telefone-ma de uma cliente em pnico (Semroupas para uma festa com um xequeem Dubai), possvel ver da janela aTiany & Co. em frente qual AudreyHepburntomoucafdamanh, emBo-nequinhadeLuxo (1961).Mas, nosqua-se 40 anos de labuta, Betty foi alm dodesjejum na Bergdorf: at hoje almoae janta os canaps de pepino que servea todo e qualquer cliente, para evitar omau humor da fome. Eu me sinto emcasa aqui, diz, estendendo a mo paraum aperto de despedida.

    DE ONDE TIRARAMQUE TODOS SOTAMANHO P?OS DESIGNERSDECIDIRAM? NO. ASLOJAS DO AS CARTAS

    Foto

    sRe

    prod

    uo

  • 44 MODA

    fotos Miro . sty l ing Anderson Rodriguez

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    U M B R IS O N

    Raul Barretto veste smokingCamargo Alfaiataria, camisae gravata Zegna; Carol usatiara Estdio Xingu, brincos H.Stern, vestido Fendi e sapatosChristian Louboutin; Juanusa acessrio de cabea DaviRamos, smoking Hugo Boss eluva lagosta Rober Dognani

  • N D E A O SH O SCONVIDADOS ESPECIAIS: CAROL CASTRO, JUANALBA E RAUL BARRETTO. INSPIRAO: O BAILE SURREALISTA

    DE 1972, DA SOCIALITE FRANCESAMARIE-HLNE DE ROTHSCHILD. TRAJE: NOMNIMO EXTRAORDINRIO

    esq., ele usa smoking e camisa EtiquetaNegra, gravata Highstil, broche Ruth Grieco,

    acessrios Marco Apollonio; nela, vestidoCris Barros, quimono Vitorino Campos e

    cabea Estdio Xingu; dir., ela usa blazerPedro Loureno, top Maria Sanz, saia Paula

    Raia e bolsa Marco Apollonio; ele usa cabeaDavi Ramos, smoking e camisa Polo Ralph

    Lauren e gravata Minha Av Tinha

  • 46 MODA

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

  • Acessrio para a cabea Estdio Xingu,brincos H. Stern e vestido Fendi

  • 48 MODA

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    esq., acessrio de cabea Davi Ramos,smoking Joo Pimenta, camisa CamargoAlfaiataria e lao Fabiana Milazzo; dir., cala e camisa Aramis, roupo FrouFrou, bracelete Gustavo Silvestre, culosVentura e cabea Marco Apollonio

  • esq., vestido Lino Villaventura, bolsaIsla, colar Bottega Veneta, broche FrouFrou, brincos Duda Camaro e acessrio

    de cabea Graciella Starling; dir., vestidoOscar de la Renta, brinco Guilherme Duque

    e, no rosto, colar Karin Reiter

  • 50 MODA

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    TRAT

    AMEN

    TO:FUJOCK

    ACR

    EATIVEIM

    AGES

    PRODU

    ODEMODA:TATH

    IANAYUMIKU

    RITA

    ASSISTEN

    TE:CARO

    LLINEAZEVED

    OBE

    LEZA

    :RO

    MULO

    FLORE

    SMODELOS:AFONSO

    MALLMANN(FORD

    MODELS),IVES

    KOLLING,TAT

    IANERE

    ISEDUTTYWRU

    CK(CLOSERMODELS)

    Juan veste smoking, camisa e gravataBurberry e chapu Eduardo Laurino;Carol usa vestido, sapato e bolsa Dior,pulseira H. Stern, brincos Ruth Grieco eacessrio de cabea Estdio Xingu

  • Ela usa capa Rodrigo Rosner, vestidoVersace, brincos Marina Jordo, cabeaMarco Apollonio e bolsa Serpui Marie;

    ele veste smoking e camisa Dolce &Gabbana, cartola Eduardo Laurino e

    cisne negro Minha Av Tinha

  • 52 FESTIVAL DE PARINTINS

    por Rafael Andery . i lustraes Repbl ica Books

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    Quando David Assayag canta, mi-lhares se agitama sua esquerda e umamultido se cala a sua direita. Ali, a es-querda veste azul, enquanto a direitatraja vermelho.

    Enquanto azuis danam, pulame fa-zemcoreografiasperfeitamente sincro-nizadas, vermelhos resistem at a ba-ter o p no cho para acompanhar oritmo da msica.

    Quando David canta, ele coloca emmovimento uma complexa engrena-gem performtica. Quatrocentos m-sicos batem tambores, surdos e caixi-lhas. Enormes estruturas cenogrficasentram em cena e uma lenda amaz-nica ganha vida, dramatizada por per-sonagens em fantasias extravagantese atuaes exageradas.

    DE UM LADO, TUDO VERMELHO, DE OUTRO, TUDO AZUL. AS TORCIDAS RIVAIS DO BOI GARANTIDO

    E DO BOI CAPRICHOSO SE DIVIDEM NO FESTIVAL DE PARINTINS E TRANSFORMAM OS CANTORES,

    SEBASTIO JNIOR E DAVID ASSAYAG, EM SEUS MAIORES DOLOS

    A V O Z

    D O S B O I S

    O Boi Caprichoso e o Boi Garantidose enfrentam durante trs dias segui-dos em um bumbdromo, uma arenade formato circular que recebe os com-petidores por duas horas emeia. Nesteperodo, os bois encenam uma espciede peraque exalta diversos elementosfolclricos da Amaznia.

    Durante cada noite de competio,David, o cantor corpulento e cego, che-gaacantarat20toadasdiferentes.Asmsicas variam a cada ano. O levanta-dor um dos caras que mais trabalhaali e tambm um dos que tm a maiorresponsabilidade, diz.

    Levantador do Caprichoso h cincoanos, a histria deDavid emParintins antiga.Comeouacantaraos14anos, searriscandoporreasmenosexticas

    Masocantornovoespetculoqueo cerca. Vtimadeumadoenadegene-rativa, ficou cego depois de adulto. Da-vid, 46, o intrprete, ou levantador, detoadasdoBoiCaprichoso,umadasduasagremiaes de boi-bumb que se en-frentam todos os anos durante o Festi-valFolclricodeParintins, realizadosem-pre no ltimo final de semana de junho,na cidade demesmo nome, no Amazo-nas, a 400 km deManaus.

    Em uma analogia com o carnavalde sambdromo, o boi uma esp-cie de escola de samba, a toada osamba-enredo, e o levantador um pu-xador. Ao contrrio da festa popularmais famosa do Brasil, contudo, emParintins apenas duas agremiaesdisputam o ttulo.

  • 54

    Se voc acha os critrios de avaliaodos jurados do Carnaval complicados,nem tente entender o que levaum boi glria no Festival Folclricode Parintins. Esquea quesitos comoharmonia, alegoria e evoluo e presteateno em alguns dos 21 itensavaliados na festa, como o amo do boi, asinhazinha da fazenda, a galera e o paj

    MARUJADADE GUERRA /BATUCADA o grupo rtmicoque acompanhaos bois, uma espciede bateria do festival

    AMO DO BOIinterpreta no festival

    o dono do boi.Os dois amos se

    enfrentam em umaespcie de batalha

    de repentistas

    SINHAZINHADA FAZENDA

    ela interpreta a filhado amo do boi, usandovestidos que remetem

    ao perodo colonial

    BOI-BUMBa razo de ser dafesta, feito de panoe usado pelo tripa doboi, que evolui comele ao longo da arenaPAJ

    No folclore, oresponsvel porressucitar o boi. Nofestival, um atorque necessita de boaexpresso corporal efacial, alm de domniodo espao cnico

    VAQUEIRADA uma ala que representaos vaqueiros, guardies doboi no folclore tradicional

    MELHOR DE 21

  • 55

    LEVANTADORDE TOADAS

    o cantor do festival,interpreta todas as msicas

    apresentadas pelo boi

    GALERA isso mesmo, atorcida tambmconta pontos nadisputa dos bois.Mas no s fazerbarulho. Sincronia ecoreografia tambmso avaliadas

    CUNH-PORANGAa mulher mais bonitade cada um dos boisdisputa esta categoria. difcil ser maissubjetivo, mas quesitoscomo simpatia ajudamno desempate

    ESTREEI [EMPARINTINS] CANTANDOJUNTO COM A DANIELAMERCURY. EU ESTAVAMUITO NERVOSO. MASELA TAMBM

    que as toadas. F de Emilio Santiago eTom Jobim, fazia shows de MPB embarzinhos. Nos anos 1980, tentou a vi-da em So Paulo, cantando na noite.

    Foi s quando voltou para Parintins,alguns anos mais tarde, que comeoua se aproximar do gnero que o con-sagrou. Eu tinha resistncia para en-trar na toada, conta. Depois assumicomo meu ritmo oficial. uma msicacom contedo e d a oportunidade decantar as suas prprias composies.

    ROBERTOCARLOSDOAMAZONASEnquanto conversa com Serafina,

    no Bar Brahma, onde os levantadoresdos dois bois se apresentaram para di-vulgaro festival,David trajaazuldospsao pescoo. Em seu rosto, os culos es-curos so de um pretomais convencio-nal. Mas nem sempre foi assim. Duran-te 13 anos, de 1995 a 2008, David ves-tiu vermelho. Erao levantadoroficial doBoiGarantido. Cantandopor l, ganhousete ttulos do festival e tornou-se umdolo regional. Um amigo paulista brin-ca que, em Parintins, jantar com o can-tor como jantar com Roberto Carlos.

    O prestgio do cantor e a grande ri-validadeentreosbois explicamacomo-o que tomou a regio quando Davidanunciou que trocaria o vermelho peloazul. comoseZico trocasseoFlamen-gopeloVasco, Lula se debandasse parao PSDBou, para colocar nos termos doamigopaulista,RobertoCarlosapresen-tasse seu show de fim de ano no SBT.

    O torcedor no vai entender nun-ca, esquiva-se. poca, David alegouproblemas com a diretoria do Garanti-do. Garante que no trocou de bois porpuro capricho.

    NOVILHO DE OUROSebastio Jnior, 28, o anti-David.

    Jovemeesguio, pula, dana, tocavioloe s anda por a usando vermelho. Cou-beaelea responsabilidadede substituiro dolo. Comapenas23anos, foi jogadoaos bois na arena.

    Fui escolhido faltando pouco tem-po para o festival, diz. Estreei cantan-do junto com aDanielaMercury. Eu es-tava muito nervoso. Mas ela tambm.

    Sebastio podia ser novo,mas expe-rincia nomeiomusical no lhe faltava.Gravou seu primeiro disco como violo-nista comapenas 13anos. ComoDavid,peregrinou no esquema umbanquinho,um violo, cantando msicas de gentecomo Djavan, Caetano Veloso e JorgeVercillo. J trabalhou como produtormusical e foi funcionrio da prefeiturade sua cidade natal, Juruti, no Par, on-demontavaaagendacultural de shows.

    Cheguei a levar oDavid para cantarem Juruti, lembra o cantor garantido.Semprefui fdele,porqueatoadaumdos ritmosmaisdifceisde ser cantado.

    O perodo de trabalho dos levanta-dores com seus bois costuma durar dejaneiro a junho, quando ocorre o festi-val. Entre as temporadas, Sebastio fazshowsdeMPBpeloNortedopas.Econ-ta que o pblico aumentou depois queentrouparaoGarantido.Aindanovonouniverso toadeiro, ele no tem uma re-lao to exclusiva com o ritmo comoDavid. Queria aproveitar o embalo doboi-bumb para lanar um disco doSebastio Jnior como artista, diz.

    Tenho muitas composies minhasguardadas, diz. Mas nos meus showsnotem jeito, opblicosemprepedepa-ra ouvir uma toada.

  • JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

    56 ROUPA NTIMA

    por Mario Mendes . i lustrao Adriana Komura

    OS MAUS MODOS E A MODAENTRE GNIOS DOMAL, DISTRBIOS ALIMENTARES E O BOOK ROSA DA NOVELA,

    A MODA CAUSA POLMICA NUMMUNDO DOMINADO PELO POLITICAMENTE CORRETO

    Karl Lagerfeld o personagemmaisprximodeumsoberanooudeumsumopontfice que amoda possui est con-vencido de quemdia e pblico adoramalardear am famado mtier porqueexiste a crena de que se trata de umaprofisso fcil demais, na qual as pes-soas trabalhampoucoeganhammuito.

    No caso, ele se referia ao fato de tersido retratado como um gnio do mal,com um plano perverso para dominaro mundo, na stira cinematogrficaZoolander, de 2001.

    L se vo 14 anos e amoda, mesmono tendo ainda abalado a geopolticaplanetria, segue firme e forte em suavocao para causar polmica. Consu-mismodesenfreado, danosaomeioam-biente, trabalho escravo, distrbios ali-mentares, prostituio, drogas e outrasmazelas sociais so muitas vezes asso-ciadosaesses salesdeatmosfera rare-feita habitados por uma fauna afetada.

    Nomais recenterounddesseembate,est aatual noveladohorrio adultodaRedeGlobo, VerdadesSecretas.Emba-ladaecomercializadacomoumcomen-trio realistasobreo outro ladodamo-da, a atraocausou furornas redes so-ciais, provocando acalorados protestos

    ebate-bocasenvolvendosobretudomo-delos e seus agentes.

    Tudoporqueo folhetimdas11danoi-teexploracomostonsberrantesqueseespera de um folhetim a existncia doinfame book rosa, o catlogo que cer-tas agncias de modelos usariam paravender, demaneira sigilosa, os serviosde algumas de suas contratadas comoluxuosas garotas de programa.

    Donos de agncia estrilaram exigin-do um pedido de desculpa da emisso-ra como praxe em nossos dias poli-ticamente corretos, modelos conheci-das vieram a pblico declarar que, se aprtica realmente existe, elas nunca ti-veramconhecimento, eos revoltadosdeplanto condenaramde sada a partici-paodatopmodelAlessandraAmbr-sioemumatramaque, segundoeles, de-nigre a profisso.

    Como jornalista que cobre a reah mais de 20 anos, devo dizer que ve-jo as desventuras da jovem Angel (Ca-mila Queiroz) como mais uma histriade garota ingnua que cai na vida (na-da fcil), e no como um retrato fiel erevelador sobre a moda.

    Se existem profissionais do sexoe seus agentes atuando no setor, em

    especial durante as semanas interna-cionais de lanamentos e outros gran-des eventos? Sem dvida, como emtodas as demais esferas da vida emsociedade ou no ouviramos mais asurrada classificao de a mais anti-ga das profisses.

    Claro que, emummeiomovido ado-ses macias de juventude e beleza, issofica aindamais evidente. Porm, bomnoesquecerquehouvetempoquandoa moda como negcio globalizado nohavia sido inventada em que o meioartstico era totalmente estigmatizado.Atrizes e cantorasnoerambem-vistaspela sociedade burguesa bem-posta. Eolha que nem faz tanto tempo assim.

    Mas, enquanto o destino da modeloAngel ser decidido nas prximas se-manas pelo autor Walcyr Carrasco, asbita notoriedade do book rosa nodeve impedir que mais e mais garotasalimentem e busquem o sonho de ser aprxima Gisele.

    Como disse a decana agente de mo-delos americana Eileen Ford, falecida noano passado, na concluso do polmicolivroModel:TheUglyBusinessofBeauti-fulWomen,do jornalistaMichaelGross:Paraso s quando a gentemorre.

    TRABALHO ESCRAVO,PROSTITUIO EOUTRASMAZELAS SOASSOCIADOS A ESSESSALES HABITADOS PORUMA FAUNAAFETADA

  • 57

  • Chico CsarVINTAGE

    1. Quando no tinha nada, eu

    2. Quando tudo era ausncia, esperava

    3. Quando tinha frio

    4. Quando chegava carta

    5. Quando ouvia Prince

    6. O olho brilhava quando

    7. Quando criava asas

    8. Me apaixonava quando via

    Aos 32, acabara de gravar hits como Primeira Vista e Mama frica

    1. Quando no tenho nada, eu

    2. Quando tudo ausncia, espero

    3. Quando tenho frio

    4. Quando chega carta

    5. Quando ouo Prince

    6. O olho brilha

    7. Quando crio asas

    8. Me apaixono quando vejo

    Arqu

    ivope

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    Foto

    Patricia

    Stav

    is

    Aos 51, Chico lana Estado de Poesia, seu primeiro disco em sete anos

    ONTEM 1. Respirava commuito mais calma. 2. Que algo daquilo nomeabandonasse nunca. 3. Eu pensava em voltar pra Paraba mas acendia fogocom lcool numa tigelinha e ficava. 4. Abria e lia sofregamente. Depoisrelia, com calma. 5. Tudo emmim danava. 6. Conhecia um dolo, algumque eu admirava, e este se mostrava gentil e humano. 7. Subia emmeusmuros e me atirava. Cada vez nummuro mais alto. 8. Asmoas orientais,quandomorei numa penso prxima estao So Joaquim.

    HOJE 1. Sossego e agradeo. 2. A inspirao chegare virar msica. 3. Me enrosco com a namorada e ligo a TV baixinho.4. Acho que ummilagre pois todomundo s quer saberde cutucar e enviar torpedos. 5. Ainda pasmo e dano.6. Escuto um artista novo, jovem, explodindo em criatividadee com personalidade. 7. Passareio. 8. Minha namorada BrbaraSantos todos os dias ao acordar, de verdade.

    20151996

    JULHO 2015FOLHA DE S.PAULO

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