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História do Espiritismo Guia de Estudo Histório-Doutrinário A História da Humanidade à Luz da Doutrina Espírita Allan Kardec Léon Denis

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História do EspiritismoGuia de Estudo Histório-Doutrinário

A História da Humanidadeà Luz da Doutrina Espírita

Allan Kardec Léon Denis

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Allan Kardec (1804–1869)

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NOTA DA EDITORA

"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução, mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por escrito da Instituição."

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História do Espiritismo EMENTA

DATA AULA TEMA O EVANGELHO SEGUNDO

O ESPIRITISMO (ESE)

MÓDULO I — O Despertar para Evolução Humana

1 O Universo e o desenvolvimento da civilização Cap. III, it. 9

2 Hinduísmo e Egito Antigo: religião e civilização Cap. II, it. 5

3 Judaísmo: A história do povo judeu Cap. I, it. 9: 1o ao 3o §

MÓDULO II — Precursores do Cristianismo

4 A civilização grega e o nascimento da Filosofia Intr. IV: 1o ao 3o §

MÓDULO III — Formação da Mentalidade Cristã

5 Jesus: Guia e Modelo da Humanidade Cap. I: 3o e 4o §

6 A vida, a missão e os ensinamentos do Apóstolo Paulo Cap. XV, it. 6

7 A Igreja de Antioquia e as origens do Cristianismo Cap. XVIII, it. 16

8 A Igreja Católica na Idade Média Cap. XV, it. 8

9 A Reforma Protestante Cap. XXIV, it. 15

MÓDULO IV — Nascimento do Mundo Moderno

10 Renascença no mundo: tempos de ruptura Cap. XVIII, it. 10

11 Iluminismo: a razão a serviço do progresso Cap. VII, it. 13

12 Liberdade, Igualdade e Fraternidade: uma nova etapa da evolução humana.

Cap. I, it. 10

MÓDULO V — A Doutrina Espírita: o Consolador Prometido

13 O Advento da Doutrina Espírita Cap. I, it. 5

14 Allan Kardec: o missionário da Terceira Revelação Cap. XVII, it. 7

15 A vida e a missão de Léon Denis Cap. XVII, it. 4

16 Os fatos espíritas sob a óptica dos cientistas e dos intelectuais

Cap. I, it. 8

MÓDULO VI — História do Espiritismo no Brasil

17 A Doutrina Espírita no Brasil Cap. XX, it. 5

18 Bezerra de Menezes e a Unificação do Movimento Espírita

Cap. XVII, it. 8

19 A obra missionária de Eurípedes Barsanulfo Cap. XVII, it. 3

20 Chico Xavier: o Apóstolo da Mediunidade Cap. XXVI, it. 7

21 Divaldo Franco: uma vida a serviço do próximo Cap. XXVI, it. 2

MÓDULO VII — Tempos de Renovação

22 Divulgação e a Evangelização Espírita Infantojuvenil: novas gerações no caminho do bem

Cap. VIII, it. 19

23 A importância do Centro Espírita para o alvorecer de uma Nova Era

Cap. I, it. 9: 4o e 5o §

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SUMÁRIO

Apresentação..................................................................................................................................................06

MÓDULO I / O despertar da evolução humana..................................................................................07

CAPÍTULO 1 – O Universo e o desenvolvimento da civilização

Aula 1 - E.S.E. – CAP. III: 9................................................................................................................................08

CAPÍTULO 2 – Hinduísmo e Egito Antigo: religião e civilização

Aula 2 - E.S.E. – CAP. II: 5....................................................................................................................................15

CAPÍTULO 3 – A História do Povo Judeu

Aula 3 - E.S.E. – CAP. I: 9; 1º ao 3º §.................................................................................................................20

MÓDULO II / Precursores do Cristianismo .............................................................................................26

CAPÍTULO 4 – A Civilização Grega e o Nascimento da Filosofia

Aula 4 - E.S.E. - Introdução IV: 1º ao 3º §............................................................................................................27

MÓDULO III / Formação da Mentalidade Cristã........................................................................................33

CAPÍTULO 5 – Jesus: Guia e Modelo da Humanidade

Aula 5 - E.S.E. – CAP. I: 3º e 4º§............................................................................................................................34

CAPÍTULO 6 – A vida, a missão e os ensinamentos do Apóstolo Paulo

Aula 6 - E.S.E. – CAP. XV: 6...................................................................................................................................43

CAPÍTULO 7 – A Igreja de Antioquia e as Origens do Cristianismo

Aula 7 - E.S.E. – CAP. XVIII: 16.............................................................................................................................52

CAPÍTULO 8 – A Igreja Católica na Idade Média

Aula 8 - E.S.E. – CAP. XV: 8..................................................................................................................................60

CAPÍTULO 9 – A Reforma Protestante

Aula 9 - E.S.E. – CAP. XVIII: 10..............................................................................................................................70

MÓDULO IV / O Consolador Prometido...................................................................................................75

CAPÍTULO 10 – Renascença do mundo: tempos de ruptura

Aula 10 - E.S.E. – CAP. XVIII: 10.............................................................................................................................76

CAPÍTULO 11 – Iluminismo: a razão a serviço do progresso

Aula 11 - E.S.E. - CAP .VII : 13................................................................................................................................81 CAPÍTULO 12 – Liberdade, Igualdade e Fraternidade: Uma Nova Etapa da Evolução Humana

Aula 12 - E.S.E. – CAP. I: 10..................................................................................................................................84

MÓDULO V / O Nascimento do Mundo Moderno....................................................................................92

CAPÍTULO 13 – O Advento da Doutrina

Aula 13 - E.S.E. – Cap.I : 5 ................................................................................................................... 93

CAPÍTULO 14 – Allan Kardec: O Missionário da Terceira Revelação

Aula 14 - E.S.E. – Cap. XVII: 7.................................................................................................................99

CAPÍTULO 15 – A vida e a missão de Léon Denis

Aula 15 - E.S.E. – Cap. XVII: 4................................................................................................................108 CAPÍTULO 16 – Os fatos espíritas sob a ótica dos cientistas e dos intelectuais

Aula 16 - E.S.E. – Cap.I : 8......................................................................................................................113

MÓDULO VI / A História do Espiritismo do Brasil.................................................................................118

CAPÍTULO 17 – A Doutrina Espírita no Brasil

Aula 17 - E.S.E. – Cap.XX: 5..................................................................................................................119 CAPÍTULO 18 – Bezerra de Menezes e a unificação do Movimento Espírita

Aula 18 - E.S.E. – Cap.XVII: 8.................................................................................................................133 CAPÍTULO 19 – A obra missionária de Eurípedes Barsanulfo

Aula 19 - E.S.E. – Cap.XVII : 3................................................................................................................139 CAPÍTULO 20 – Chico Xavier: O Apóstolo da mediunidade

Aula 20 - E.S.E. – Cap.XXVI: 7.................................................................................................................146 CAPÍTULO 21 – Divaldo Franco: Uma vida a serviço do próximo Aula 21 - E.S.E. – Cap.XXVI: 2................................................................................................................154

MÓDULO VII / Tempo de Renovação.........................................................................................................162

CAPÍTULO 22 – Divulgação e Evangelização Infanto-juvenil: novas gerações no caminho do bem.

Aula 22 - E.S.E. – Cap. VIII: 19................................................................................................................ 163

CAPÍTULO 23 – A importância do Centro Espírita para o alvorecer de uma Nova Era

Aula 23 - E.S.E. – Cap.I: 9; 4º e 5.......................................................................................................................171

Anexo Aula 23 – Altivo Panphiro – Yvone Pereira – Adelaide Câmara – Anália Franco...................176 Conclusão –.......................................................................................................................................178

pág.

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APRESENTAÇÃO

A Doutrina Espírita não é apenas um agrupamento formado por pessoas com um objetivo comum.

Sendo a consolidação dos ensinamentos dos Espíritos superiores, é tão ampla a sua importância que é

possível designá-la como um sol que veio clarear as consciências, esclarecendo a Humanidade sobre a vida

terrena e a realidade da Vida Espiritual.

[...] A verdadeira Doutrina Espírita encontra-se no ensino dado pelos espíritos e os conhecimentos que

este ensino comporta são graves demais para serem adquiridos de outra forma, que não por um estudo

sério e contínuo, feito no silêncio e no recolhimento; pois, apenas nessa condição, pode-se observar um

número infinito de fatos e de particularidades que escapam ao observador superficial e permitem firmar

uma opinião. [...]1

Se é inequívoco que a Doutrina Espírita precisa ser estudada com seriedade, também não resta

dúvida de que ela precisa ser refletida, meditada e sentida, uma vez que não basta apenas estar convencido

intelectualmente: é necessário, acima de tudo, que a verdade nos liberte das ilusões e nos coloque no

caminho da autoiluminação.

A este respeito, Allan Kardec afirma:

A Doutrina Espírita é, assim, o mais poderoso elemento moralizador, por se dirigir ao mesmo

tempo ao coração, à inteligência e ao interesse pessoal bem compreendido.2

O codificador ao apontar o elemento moralizador da Doutrina Espírita demonstra que a nossa posição

espiritual na vida futura é definida por nossa condição moral. Ora, não há condição moral sustentável sem o

amor e a sabedoria! A este respeito, o Espírito de Verdade em O Evangelho Segundo o Espiritismo, assim

proclamou aos espíritas: amai-vos, eis o primeiro mandamento; instruí-vos, eis o segundo!

Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas afirmar: “eu sei”, com

todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento. [...]3

***

Desde os primórdios da Humanidade terrestre o mundo espiritual interfere no curso dos

acontecimentos. Todavia, a Doutrina Espírita como ciência, filosofia e religião, destinada a explicar os

fenômenos espirituais de maneira sistematizada, surgiu no mundo no dia 18 de abril de 1857, com a

publicação de O Livro dos Espíritos.

Essa perspectiva nos impõe o seguinte questionamento: afinal, qual seria o marco inicial da História

da Doutrina Espírita? Seria em decorrência do lançamento de O Livro dos Espírito sou, de maneira mais

ampla, a História da evolução humana ao longo do tempo cuja atuação espiritual sempre foi marcante?

Em função do patrimônio de informações históricas oferecido pela Espiritualidade (seja por meio de

análises ou romances históricos, por exemplo), optamos por essa abordagem mais abrangente.

Sendo assim, o propósito desta primeira parte do guia de estudo é apresentar a visão espírita acerca

de uma quantidade expressiva de fatos históricos decisivos para se compreender os caminhos e desafios da

evolução humana na Terra.

Ora, esse trabalho interpretativo não se reduz ao mero relato dos acontecimentos. Neste sentido,

sempre que o tema em questão permitiu uma abordagem mais aprofundada, aspectos doutrinários ganharam

destaque.

É por essa razão que para melhor definir este trabalho demos o nome de guia de estudo histórico-

doutrinário.

1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Introdução, it.

XVII. 2 _______. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 2, cap. Credo espírita –

Preâmbulo. 3 XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Q. 354.

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O DESPERTAR DA EVOLUÇÃO HUMANA

"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução, mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por escrito da Instituição."

GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO I

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CAPÍTULO 1

O UNIVERSO E O DESENVOLVIMENTO DA

CIVILIZAÇÃO

Compreender que a visão do Universo amadurece de acordo com o

aprimoramento de nossa observação e conhecimento.

Realizar uma reflexão acerca do nascimento e desenvolvimento da

civilização humana.

Demonstrar como a vinda dos exilados de Capela contribuiu para o

avanço dos costumes e valores da humanidade terrestre.

O universo compreende a infinidade dos mundos que vemos e dos que não vemos, todos os seres animados e inanimados, todos os astros que se movem no Espaço, assim como os fluídos que o preenchem. 4

Quanto podemos conhecer do mundo? É possível conhecer tudo ou será que há limites para o nosso

entendimento? Estas perguntas surgem naturalmente quando buscamos compreender a formação dos

mundos, isto é, o “princípio” de tudo.

Há um ponto de partida no qual os cientistas, filósofos e religiosos estão de acordo: o que os nossos

olhos enxergam do mundo e o nosso conhecimento acerca de seu mecanismo, é uma pequena fração do que

realmente existe. Nossa percepção é bastante limitada diante de tamanha grandiosidade! Mesmo quando

aumentamos nossa percepção através de telescópios, microscópios e outros instrumentos de análise, temos

ainda um limite considerável a transpor.

O desenvolvimento tecnológico, fruto do progresso material, nos possibilita uma variedade de

ferramentas capazes de facilitar a nossa percepção do mundo. Entretanto, sem o amparo intelecto-moral, a

Ciência persistirá na direção do materialismo. Contra esta tendência limitadora, a Doutrina Espírita apresenta

explicações racionais, transmitindo para a Humanidade, por meio dos ensinos dos Espíritos superiores, um

novo paradigma:5 a ideia de um Deus cósmico, cuja ação está pautada em leis harmoniosas!

Para crer em Deus, basta lançar os olhos sobre as obras da Criação. O Universo existe, tem,

portanto, uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa e

afirmar que o nada pôde fazer alguma coisa.6

Vejamos agora apenas algumas definições sobre o Universo apresentada pela Doutrina Espírita.

Chegaremos à conclusão de que “Deus está em toda parte, tudo vê ea tudo preside, mesmo às mais pequenas

coisas. [...]”7

4 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Maria Lúcia Alcantara de Carvalho. 2.ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011, trecho que

antecede a questão 37, p. 79. 5 Paradigma: modelo ou padrão a ser seguido.

6 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de

Kardec à q. 4.

Objetivos

Ideias principais

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9

“Certamente, ele não se pôde [o Universo]fazer sozinho e, se existisse de toda a eternidade, como

Deus, não poderia ser obra de Deus.”8

“O Universo é a projeção da Mente divina [...]”9

“[...] O Universo é, pois, a soma de todas as perfeições reunidas e combinadas e o sinal

representativo da perfeição suprema.”10

Sendo Deus a causa primária de todas as coisas, a pluralidade dos mundos habitados se torna uma

realidade mais do que aceitável, perfeitamente natural. Esta teoria, aliás, é aceita pela maioria dos cientistas,

embora não confirmada categoricamente pelo fato das investigações estarem ainda a passos lentos.

[...] mundos incontáveis são, como disse Jesus, as muitas moradas da Casa do Eterno Pai. É neles

que nascem, crescem, vivem e se aperfeiçoam os filhos do Criador, a grande família universal...

São eles as grandes escolas das almas, as grandes oficinas dos Espíritos, as grandes universidades

e os grandes laboratórios do Infinito... E são também — Deus seja louvado! — os berços da

Vida.11

A Doutrina Espírita nasceu no momento histórico mais adequado para preencher as lacunas

existentes no pensamento religioso e científico, abrindo novos horizontes para o conhecimento humano.

Allan Kardec desenvolve essa reflexão de maneira mais específica em O Evangelho Segundo o

Espiritismo, quando afirma:

A Ciência e a Religião até hoje não puderam se entender porque, cada uma encarando as coisas do

seu ponto de vista exclusivo, se repeliam mutualmente. Era preciso alguma coisa para preencher o

vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse; esse traço de união está no

conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal, leis

também tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres.[...]12

Ora, para que possamos entender a relevância da visão espírita neste tema em particular, é necessário

analisar antes o que as religiões e as tendências científicas têm nos apresentado a este respeito.

1. Criacionismo e Evolucionismo

De modo geral, a teoria criacionista, baseada no relato bíblico do Gênesis, considera que tudo vem à

existência por ordem de Deus e tudo é criado segundo um sentido crescente de evolução. Neste sentido, Deus

é anterior à criação e todos os seres dele receberam o dom da vida.

No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o

abismo, e um sopro de Deus agitava a superfície das águas. Deus disse: “Haja luz”, e houve luz.

Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas (Gênesis, 1:1 a 4).13

O livro Gênesis inaugura o Antigo Testamento, tendo sido escrito há mais de três mil anos. É

importante destacar que este livro é uma literatura poética, um retrato da vida de camponeses desejosos de

ter uma experiência real com o Deus único. Essa experiência atingiu um grau de religiosidade tão elevado,

que resolveram expressar poeticamente essa vivência de fé.

Essas informações, à primeira vista, podem parecer secundárias; entretanto, ressaltar essas

questões nos ajuda a refletir melhor sobre o quanto os criacionistas e os cientistas até hoje, cada qual a seu

modo, se apegam a uma interpretação fundamentalista daquilo que deveria ser visto de uma forma literária.

7 _______. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. II, it. 20.

8 _______. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 37.

9 XAVIER, Francisco C. Nos Domínios da Mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. 36. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 13 —

Pensamento e mediunidade, p. 121. 10

MARCHAL, V. (Padre). O Espírito Consolador, ou os nossos destinos. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. 11

SANT’ANNA, Hernani T. Universo e Vida. Pelo Espírito Áureo. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. II — Ante a grandeza da vida. 12

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. I, it. 8. 13

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coordenada por Gilberto da Silva G.; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004. Nota da Editora: todas as citações bíblicas inseridas neste capítulo foram retiradas da fonte citada. Assim, para uma melhor fluidez do texto, não iremos repetir essa referência.

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10

[...] A formação do globo está escrita em caracteres imprescritíveis no mundo fóssil e está

provado que os seis dias da criação correspondem a tantos períodos, cada um, talvez, de

várias centenas de milhares de anos. Isto não é um sistema, uma doutrina, uma opinião isolada, é um fato tão consistente quanto o do movimento da Terra e que a Teologia não pode

recusar-se a admitir, prova evidente do erro que se pode cometer, tomando ao pé da letra as

expressões de uma linguagem, frequentemente, figurada. Poder-se-ia daí concluir que a Bíblia é

um erro? Não; porém, que os homens se enganaram ao interpretá-la.14

O aspecto essencial do Gênesis não é aquele em que Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo

descansou. Em realidade, este texto é uma literatura que visa demonstrar que tudo foi criado por Deus, e os

seres humanos são a sua imagem e semelhança. Para a época, nada mais revolucionário e original que isso!

Em tudo na evolução há um espírito de sequência: sem este ponto de partida concebido pelo povo

judeu e desenvolvido posteriormente por Moisés, o seu legislador, seria impraticável a mensagem divina do

Cristo tempos depois.

Isso evidencia o quanto a nossa percepção de Deus, do Universo e de nós mesmos, está condicionada

ao nosso grau de evolução espiritual alcançado. Ao subirmos degraus na jornada evolutiva, alcançamos um

novo patamar de compreensão!

Esclarecido este ponto, podemos caminhar agora na direção do entendimento da ciência sobre este

tema instigante. Evidentemente, há várias concepções que poderiam ser mencionadas. No entanto, como o

nosso objetivo é conhecer aspectos gerais, iremos nos limitar ao estudo introdutório do pensamento

evolucionista, cuja divisão pode ser definida pelo evolucionismo científico e o evolucionismo teísta.

O evolucionismo científico considera que o surgimento do Universo e dos seres vivos aconteceu de

maneira espontânea, a partir da gradual transformação dos seus elementos ao longo de bilhões de anos. Há

um consenso entre os pesquisadores dessa corrente de pensamento de que o Universo teria sido originado de

uma grande explosão ocorrida há cerca de 13,798 bilhões de anos.

A partir de então foram criadas as dimensões tempo, espaço e matéria. Repare que não há nenhuma

referência a dimensão espírito. Os defensores dessa teoria avaliam ainda que a origem do Universo se deu

em condições naturais e a sua evolução independe de uma intervenção inteligente.

No sentido inverso há o evolucionismo teísta, que busca conciliar as ideias do criacionismo e do

evolucionismo. De acordo com esta concepção, Deus não criou o Universo pronto e acabado, mas fundou as

bases e deu o início, estabelecendo as leis pelas quais se daria o processo evolutivo de sua criação.

Não podemos deixar de considerar que a Ciência evoluiu bastante no entendimento da natureza da

matéria. Contudo, já não há mais razão para elegê-la como fonte exclusiva de explicação de todos os

fenômenos. É importante insistir neste aspecto: a Ciência ao se prender exclusivamente à matéria,

estabelece muros em vez de pontes para as suas investigações. O elemento espiritual, assim como Deus,

infelizmente ainda são vistos de modo geral como misticismos religiosos pelos cientistas. Cedo ou tarde,

porém, a Ciência, vendo o quão limitado é o seu campo de investigação, buscará novos princípios, sem

descartar, é claro, os seus avanços inquestionáveis alcançados.

2. A Gênese Planetária na concepção Espírita

[...] O Espiritismo e o materialismo são como dois viajantes que caminham juntos, partindo de um

mesmo ponto; chegados a certa distância, um diz: “Não posso ir mais longe.” O outro prossegue e

descobre um novo mundo. Por que, então, o primeiro diz que o segundo é louco? só porque,

entrevendo novos horizontes, o segundo se decide a transpor os limites que o outro julga por bem

não avançar? [...]15

A concepção espírita do surgimento e formação do Universo é, de fato, singular. Fruto da revelação

dos Espíritos superiores, a natureza e o nosso lugar no Universo ganham significativa profundidade

filosófica.

Podemos iniciar essa reflexão pedindo auxílio a Léon Denis, que no livro O Grande Enigma,

asseverou:

14

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcântara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Cap. III, it. 59. 15

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap.X, it. 30.

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11

Certos sábios censuram, é verdade, que as leis universais são cegas. Mas como leis cegas poderiam

dirigir a marcha dos mundos no Espaço, regular todos os fenômenos, todas as manifestações da

vida, e isso com uma precisão admirável? Se as leis são cegas, diremos, evidentemente devem agir

ao acaso. Mas o acaso é a falta de direção, a ausência de qualquer inteligência atuante. Ele é

inconciliável com a noção de ordem e de harmonia.16

A Doutrina Espírita parte do princípio de que para todo efeito inteligente há uma causa

necessariamente inteligente. A este respeito, Allan Kardec em A Gênese, nos oferece uma reflexão profunda,

com a lucidez que lhe era peculiar:

O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável,

17 conduzido por um número não

menos incomensurável de inteligências, um imenso governo onde cada ser inteligente tem a sua

parcela de ação sob as vistas do soberano Senhor, cuja vontade única mantém a unidade por toda a

parte. Sob o império dessa vasta potência reguladora, tudo se move, tudo funciona em perfeita

ordem. O que, para nós, tem a aparência de perturbações são movimentos parciais e isolados que

nos parecem irregulares apenas porque a nossa visão é limitada. Se pudéssemos abarcar-lhe o

conjunto, veríamos que essas irregularidades são apenas aparentes e que elas se harmonizam no

todo.18

Se a criação universal é toda harmoniosa, toda a existência está revestida de um propósito

divino. Como nos diz Léon Denis, “[...] O Universo é o campo de educação do espírito imortal [...]”.19

Diante desta certeza, somos conduzidos a refletir sobre a nossa cota de responsabilidade diante da

criação divina de amor, justiça e misericórdia! Afinal, o Universo é:

[...] a exteriorização do pensamento divino, de cuja essência partilhamos, em nossa condição de

raios conscientes da Eterna Sabedoria, dentro do limite de nossa evolução espiritual.20

Já que mencionamos a respeito da evolução espiritual, a seguir iremos nos debruçar um pouco mais a

respeito desse longo percurso humano na Terra. Essa busca revela que acima de tudo somos os construtores

do nosso próprio destino, nas múltiplas experiências evolutivas vivenciadas.

3. Os primeiros passos da civilização

“No momento em que a Terra se encontrou em condições climatéricas próprias à existência da

espécie humana, os espíritos vieram nela encarnar[...].”21

Quando o homem primitivo ensaiava os primeiros passos de sua evolução na Terra, saindo das

cavernas para encontrar o desconhecido, imediatamente se deparou com o perigo que esta nova realidade

apresentava. Mesmo hoje, apesar dos avanços tecnológicos alcançados, ainda não lidamos bem com eventos

da Natureza que fogem ao nosso controle. Se ainda hoje é assim, imagine então para os indivíduos desse

período, desprovidos de todas as facilidades materiais e intelectuais.

O desbravar de uma nova realidade trazia incertezas e a angústia permanente era uma constante em

meio a uma natureza aparentemente hostil.

Por essa razão, o primeiro impulso do homem primitivo foi imaginar que o caos era o

princípio fundamental da vida. Essa percepção de uma vida absolutamente desordenada interferiu de

modo muito particular no psiquismo dos primeiros habitantes da Terra. Deste modo, chegaram à conclusão

de que a vida era regida pelo uso da força para controlar os perigos da Natureza.

16

DENIS, Léon. O Grande Enigma: Deus e o Universo. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 1, cap. VI – As Leis Universais. 17

Incomensurável: alguma coisa que não se pode nem se consegue medir. 18

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XVIII, it. 4. 19

DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2012. Cap. VIII — Decadência do Cristianismo, p. 163. 20

XAVIER, Francisco C. Nos Domínios da Mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. 36. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 1 — Estudando a mediunidade, p. 13. 21

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XI, it. 28.

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12

No entanto, desde o primeiro momento, buscaram também algo além da sua própria vida e de suas

circunstâncias particulares. Passaram assim a contemplar o mais alto, ansiosos por um significado maior para

as suas existências.

Foi desta maneira que as primeiras civilizações se organizaram. Todavia, mesmo com os seus

conhecimentos limitados, uma sensível contradição atormentava os seres primitivos: o Universo que eles

podiam contemplar olhando para o alto, parecia seguir uma ordem natural, ao passo que as suas vidas, a todo

o momento, estavam vulneráveis a toda ordem de perturbações.

É por isso que vamos encontrar em todas as civilizações do planeta, registros de cálculos do

movimento dos corpos celestes, bem como a catalogação do tempo. Essas invenções não constituíam meras

ações fruto da curiosidade: era, na verdade, uma questão de sobrevivência, ou em outras palavras, uma

tentativa de se anteciparem aos ciclos da Natureza.

Em O Livro dos Espíritos, compreendemos melhor essa necessidade de buscar a todo custo à

sobrevivência: O instinto de conservação é uma lei da Natureza?

“Sem dúvida; é dado a todos os seres vivos, qualquer que seja o grau de sua inteligência; em uns,

ele é puramente maquinal, em outros, ele é raciocinado.”22

Foi assim que os homens primitivos, com enorme espanto, constataram que muitos dos ciclos dos

corpos celestes estavam associados aos ciclos da Natureza. Por essa razão, compreenderam também que o

plantio e a colheita, o nascimento e desenvolvimento das plantas, eram regidos pelo ciclo lunar.

Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso.

Ele progride fisicamente, pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente pela

depuração dos espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois tipos de progresso

seguem um ao outro e marcham paralelamente, uma vez que a perfeição da habitação está

relacionada com a do habitante. [...]23

O processo evolutivo pode ocorrer lentamente, de acordo com os efeitos da Natureza (a Terra, aliás,

passou por inúmeras transformações físicas em todas as épocas), como também pela interferência de fatores

externos ao globo terrestre. Em determinado momento de sua trajetória evolutiva, há 30 mil anos a.C.,

aproximadamente, espíritos que não tinham relação direta com a Terra renasceram aqui, entrando em contato

com os habitantes que aqui já estavam presentes.

Esse processo espiritual que interferiu de modo decisivo na organização planetária, contribuiu para o

desenvolvimento de conhecimentos e habilidades até então rudimentares entre os habitantes originais da

Terra. Houve, portanto, um impulso fundamental, inclusive no que diz respeito à mudança dos corpos.

A seguir, iremos analisar essa influência definidora do processo evolutivo da Terra.

4. A vinda à Terra dos Capelinos

Há muitos milênios, um dos orbes da Capela, que guarda muitas afinidades com o globo terrestre,

atingira a culminância de um dos seus extraordinários ciclos evolutivos.

[...]

Alguns milhões de Espíritos rebeldes lá existiam, no caminho da evolução geral, dificultando a

consolidação das penosas conquistas daqueles povos cheios de piedade e virtudes, mas uma ação

de saneamento geral os alijaria24

daquela humanidade, que fizera jus à concórdia perpétua, para a

edificação dos seus elevados trabalhos.25

No livro A Gênese, Allan Kardec apresenta um princípio importante para compreendermos o papel

dos exilados de Capela no Planeta Terra:

22

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 702. 23

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XVIII, it. 2. 24

Alijar: desvencilhar, excluir. 25

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 3 — As raças adâmicas, it. Um mundo em transições.

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13

[...] Os que, apesar da sua inteligência e do seu saber, perseveram no mal, em sua revolta contra

Deus e contra suas Leis, se tornariam daí em diante um embaraço ao ulterior26

progresso moral,

uma causa permanente de perturbação para a tranquilidade e a felicidade dos bons, pelo que são

excluídos da Humanidade a que até então pertenceram e enviados a mundos menos adiantados,

onde aplicarão a inteligência e a intuição dos conhecimentos que adquiriram ao progresso daqueles

entre os quais são chamados a viver, expiando, ao mesmo tempo, por uma série de existências

penosas e por meio de árduo trabalho, suas faltas passadas e seu voluntário endurecimento.27

No mundo de regeneração não há espaço para aqueles que sentem prazer em praticar o mal.

Contudo, o exílio não é uma regra e sim uma exceção. Os exilados de Capela tiveram que passar pela

expiação de ter que habitar um mundo primitivo como era a Terra por estarem persistentes no crime e na

revolta, desprezando todos os apelos de renovação pelo bem que a Providência Divina oferece

permanentemente.

Alcançado um determinado nível evolutivo, qualquer humanidade planetária é impulsionada a

progredir de maneira ainda mais efetiva. Os exilados de Capela foram aqueles que estavam obstinados em

retardar este progresso. Renasceriam, deste modo, em um ambiente muito mais hostil ao que estavam

acostumados, com o objetivo de alcançarem o progresso moral.

E qual a maneira mais apropriada de progredir moralmente? Uma delas, talvez a principal, seja

contribuindo para o progresso de nossos semelhantes, não é mesmo? Foi exatamente assim que aconteceu

com os exilados de Capela: na Terra deveriam educar as massas primitivas aqui abrigadas.

O espírito sofre a pena das suas imperfeições, seja no mundo espiritual, seja no mundo corporal.

Todas as misérias, todas as vicissitudes que se sofrem na vida corporal são o resultado das nossas

imperfeições, expiações de faltas cometidas, seja na existência presente, seja nas precedentes.28

Pela natureza dos sofrimentos e das vicissitudes que se suportam na vida corporal, pode-se fazer

uma ideia da natureza das faltas cometidas em uma existência precedente, e das imperfeições que

são a sua causa.29

No livro A Gênese, Allan Kardec faz uma extensa abordagem sobre os capelinos, simbolizando o

conjunto destes espíritos como raça adâmica:

Segundo o ensino dos espíritos, foi uma dessas grandes imigrações, ou, se quiserem, uma dessas

colônias de espíritos vindas de uma outra esfera, que deu origem à raça simbolizada na figura de

Adão, e, por essa razão, chamada de raça adâmica. Quando ela chegou aqui, a Terra já estava povoada desde tempos imemoriais, assim como a América, quando os europeus chegaram lá.

A raça adâmica, mais adiantada do que aquelas que a haviam precedido na Terra, é, com efeito, a mais

inteligente, é ela que impele todas as outras ao progresso. A Gênese nos mostra essa raça, desde os seus

primórdios, habilidosa, apta às artes e às ciências, sem haver passado pela infância intelectual, o que não

é próprio das raças primitivas, mas que concorda com a opinião de que ela se compunha de espíritos

que já tinham progredido. [...]30

Talvez você possa estar se perguntando neste exato momento: até aqui eu compreendi a urgência dos

exilados de desenvolverem o senso moral. Também compreendi que para não retardarem o progresso do seu

mundo, eles tiveram que habitar a Terra para colaborar no desenvolvimento da cultura e dos costumes dos

povos primitivos.

Mas, se em seu paraíso longínquo, em condições favoráveis, eles estavam tão desconectados de

Deus, imagine agora em um planeta todo voltado para a realidade material, em que as sensações físicas são

predominantes? A possibilidade de buscar um novo caminho equivocado não seria ainda maior? E se eles

não aceitarem se envolver plenamente com os habitantes daqui?

Para responder a esta questão, recorremos ao benfeitor espiritual Emmanuel:

26

Ulterior: posterior, seguinte, subsequente. 27

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2.ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. XI, it. 43. 28

Precedentes: anteriores. 29

KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 1, cap. VIII, 7º Código penal da vida futura. 30

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XI, it. 36.

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Grande percentagem daqueles Espíritos rebeldes, com muitas exceções, só puderam voltar ao país

da luz e da verdade depois de muitos séculos de sofrimentos expiatórios; outros, porém, infelizes e

retrógrados, permanecem ainda na Terra, nos dias que correm, contrariando a regra geral, em

virtude do seu elevado passivo de débitos clamorosos.31

,32

A partir desta noção geral apresentada, iremos refletir sobre as particularidades destes povos

exilados: seus valores, costumes e escolhas coletivas. Examinar essas civilizações antigas, aumentará o nosso

repertório de conhecimento, e, quem sabe, poderá ser uma viagem ao nosso passado mais remoto!

31

Clamorosos: choroso; lamentoso 32

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 3 — As raças adâmicas, it. Origem das raças brancas.

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CAPÍTULO 2

HINDUÍSMO E EGITO ANTIGO: RELIGIÃO E

CIVILIZAÇÃO

Apresentar as principais características históricas do Hinduísmo e do Egito

Antigo à luz da Doutrina Espírita.

Identificar as concepções religiosas que despertaram na humanidade a

busca por espiritualidade.

1. Hinduísmo

[...] os hindus eram um dos ramos da massa de proscritos33

da Capela, exilados no planeta. Deles

descendem todos os povos arianos, que floresceram na Europa e hoje atingem um dos mais agudos

períodos de transição na sua marcha evolutiva. O pensamento moderno é o descendente legítimo

daquela grande raça34

de pensadores [...].35

O Hinduísmo, termo que significa o conjunto da cultura indiana, se desenvolveu como religião na

Índia,cerca de quatro mil anos a.C. Em outras localidades, como em Bangladesh e no Siri Lanka, o

Hinduísmo também tem uma expressiva representatividade.

Curioso notar que no Hinduísmo não há um personagem fundador da religião. Este é um traço

incomum na História, já que praticamente todas as religiões de influência no mundo possuem, direta ou

indiretamente, um responsável pela origem ou um grande inspirador.

O Hinduísmo é uma religião que ao longo da história tem adaptado para o seu sistema de

pensamentos outras expressões religiosas, demonstrando ser, neste aspecto, uma religião aberta à

diversidade.

No Hinduísmo podemos encontrar pelo menos três crenças principais: o politeísmo, o panteísmo e o

animismo. A seguir, será elaborada uma definição geral do que vem a ser essas três crenças e em seguida a

visão espírita a este respeito.

Politeísmo: literalmente significa a crença em vários deuses. Ocorre que no Hinduísmo havia uma

hierarquia das divindades, isto é, um deus mais poderoso comandava os outros deuses inferiores em poder e

inteligência.

Visão espírita: [...] a palavra deus possuía, entre os antigos, acepção muito ampla; não era, como

atualmente, uma personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica,

dada a qualquer ser existente fora das condições da Humanidade36

33

Proscritos: emigrado, exilado. 34

Nota da Editora: O livro A Caminho da Luz, foi ditado em 1938. Nessa época, o termo “raça” era amplamente aceito. Atualmente,

porém, o termo raça não é mais empregado. Hoje, utiliza-se o termo etnia. 35

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 5 — A Índia, it. Os arianos

puros. 36

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de

Kardec à q. 668.

Objetivos

Ideias principais

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Panteísmo: crença de que todas as coisas e seres são uma partícula de Deus. Como decorrência, não

há uma divindade que esteja além da vida e da natureza. Visão espírita:

[...] Não sabemos tudo o que Ele é, mas sabemos o que Ele não pode deixar de ser e este sistema

está em contradição com suas propriedades mais essenciais; ele confunde o Criador com a criatura,

exatamente como se quisesse que uma máquina engenhosa fosse parte integrante do mecânico que

a criou.37

Animismo: crença de que os elementos da Natureza são animados por espíritos que devam ser

cultuados.

Visão espírita: Para maior brevidade possível, proponho designar pela palavra animismo todos os fenômenos

intelectuais e físicos que deixam supor uma atividade extracorpórea ou a distância do organismo

humano, e mais especialmente todos os fenômenos mediúnicos que podem ser explicados por uma

ação que o homem vivo exerce além dos limites do corpo.38

A religiosidade hinduísta possui uma infinidade de cultos e rituais. No entanto, há pelo menos três

concepções fundamentais, sem as quais não será possível entender o hinduísmo; são elas: as castas, o carma

(ou karma), e a adoração da vaca como símbolo sagrado.

Castas: Desde os tempos antigos sempre houve na Índia estas classes sociais: sacerdotes, guerreiros,

agricultores, comerciantes, artesãos e servos. Mas, com o desenvolvimento da sociedade indiana, as pessoas

foram sendo divididas em novas castas, chegando ao número inimaginável de três mil, no início do século

XX. Para o Hinduísmo a noção de pureza e impureza é bastante destacada. Dependendo da “superioridade”

da casta, determinadas tarefas não são realizadas pelos seus membros, ficando a cargo de castas “inferiores”

a execução. A organização social e religiosa não limitava a ascensão social. Visão espírita:

[...] o povo hindu, não obstante as suas tradições de espiritualidade, deixou crescer no coração o

espinho do orgulho que, aliás, dera motivo ao seu exílio na Terra.

Em breve, a organização das castas separava as suas coletividades para sempre. Essas castas não se

constituíam num sentido apenas hierárquico, mas com a significação de uma superioridade

orgulhosa e absoluta. [...]39

Carma ou Karma: No Hinduísmo se acredita que, depois da morte de um ser humano sua alma

renasce num novo ser vivo. Pode renascer numa casta mais alta ou baixa, ou pode até mesmo passar a habitar

um corpo de animal. De acordo com a visão hinduísta, todas as ações de uma vida determinarão os aspectos

essenciais da vida seguinte. Por essa razão, as sucessivas vidas não correspondem à punição ou recompensa,

mas simplesmente a uma ação da lei natural. O resultado disso é a não aceitação de uma Providência divina,

uma vez que para o hinduísta, a responsabilidade pela vida atual e pelas seguintes é exclusivamente

individual.

Visão espírita:

— Sim, o “carma”, expressão vulgarizada entre os hindus, que em sânscrito quer dizer “ação”, a

rigor, designa “causa e efeito”, uma vez que toda ação ou movimento deriva de causa ou impulsos

anteriores. Para nós expressará a conta de cada um, englobando os créditos e os débitos que, em

particular, nos digam respeito. Por isso mesmo, há conta dessa natureza, não apenas catalogando

e definindo individualidades, mas também povos e raças, estados e instituições.40

37

_______. _______. Q. 16. 38

AKSAKOF, Alexander. Animismo e Espiritismo. v. 2. Trad. Dr. C.S. 6.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. IV — A hipótese dos

Espíritos. 39

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 5 — A Índia, it. As castas. 40

______. Ação e Reação. Pelo Espírito André Luiz. 30. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2017. Cap. 7 — Conversação preciosa.

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A Vaca Sagrada: A vaca é um animal sagrado na Índia e é adorada durante festejos religiosos. A vaca

é considerada um ser puro e pelo ritual seguido, a pessoa que toca a vaca está limpa. Outros animais são

considerados sagrados, como o macaco, o crocodilo e a cobra. Em virtude disso, criou-se na Índia uma

cultura contrária a matança de animais como forma de alimentação, contribuindo para a adoção da

alimentação vegetariana e, por assim dizer, por uma prática da não violência, que ficou marcada no mundo

por meio de Gandhi, cuja vitória pela independência da Índia contra a opressão do império britânico ocorreu

por meio da coexistência pacífica, e não por uma revolução armada, tão comum naquele momento.

Visão espírita:

Pode-se considerar a adoração como tendo sua origem na lei natural?

“Ela está na lei natural, já que é o resultado de um sentimento inato no homem; é por isso que a

encontramos em todos os povos, embora sob formas diferentes.”41

Os hinduístas também têm o seu livro sagrado. A base religiosa está fundamentada no Veda, ou

Vedas. A palavra “Veda” significa saber ou conhecimento. As tradições védicas estão escritas em livros,

sendo o mais antigo, conhecido como Rig Veda.

As almas exiladas naquela parte do Oriente muito haviam recebido da misericórdia do Cristo, de

cuja palavra de amor e de cuja figura luminosa guardaram as mais comovedoras recordações,

traduzidas na beleza dos Vedas e dos Upanishads. [...]42

Os Upanishads são os livros hinduístas mais populares na Índia e estão organizados sob a forma de

diálogos entre mestre e discípulo, sendo o mestre Brama, considerado o Deus supremo. O conceito central

destes livros é a noção de carma, que como já vimos, considera ser o homem imortal, podendo renascer ora

numa casta elevada, ora em outra mais rebaixada, ou até mesmo, dependendo de seus atos, reviver no corpo

de um animal.

É importante ressaltar que Allan Kardec não utilizou a palavra carma na codificação, optando por

denominar lei de causa e efeito, o processo em que:

[...] por meio da pluralidade das existências, que os males e aflições da vida são muitas vezes

expiações do passado, bem como que sofremos na vida presente as consequências das faltas que

cometemos em existência anterior, até que tenhamos pago a dívida de nossas imperfeições, pois

que as existências são solidárias umas com as outras.43

No período entre 1000 e 500 a.C., ocorreu na Índia uma reforma religiosa conhecida com o nome de

Bramanismo. Essa religião reformada, era exercida por iniciados em práticas védicas, denominados

brâmanes, os “sacerdotes mágicos”.

Há muitos séculos, floresceu na Índia uma religião, que ainda hoje se mantém com o nome de

bramanismo. [...] O bramanismo [...] ensina a reencarnação. Sua filosofia sobre a existência assenta na peregrinação das almas através das vidas sucessivas, onde elas colhem o fruto de suas

ações, se depuram, se elevam, se divinizam.44

Todavia, por volta do século VI a.C., um novo movimento religioso conhecido como Budismo se

contrapôs aos ideais religiosos do Bramanismo. O Budismo, que se alastrou pela Ásia, não aceitava o regime

de castas, além de não reconhecer as tradições védicas como superiores.

41

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010.Q. 652. 42

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 5 — A Índia, it. A

organização hindu. 43

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2.ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. XV, it. 15. 44

IMBASSAHY, Carlos. Religião. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1981.

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2. Egito Antigo

Dentre os Espíritos degredados na Terra, os que constituíram a civilização egípcia foram os que

mais se destacavam na prática do bem e no culto da verdade.

Aliás, importa considerar que eram eles os que menos débitos possuíam perante o tribunal da

Justiça Divina. [...]45

Há milênios o Egito Antigo desperta o interesse do mundo com a grandiosidade de seus monumentos

e os mistérios de sua religião. De fato, a religião alcançou um patamar sem precedentes na civilização

egípcia, razão pela qual desenvolveu uma cultura rica e profunda, cujos reflexos são percebidos até hoje.

Na arquitetura, construíram templos religiosos e especialmente as tumbas, túmulos com construção

de pedras. Para os egípcios, a morte era apenas um caminho de ascensão rumo à total divindade. Por essa

razão, aqueles que possuíam vastos recursos econômicos reservavam parte de suas riquezas para os

preparativos de sua morte, afinal, para eles, era necessário assegurar as melhores condições para a transição

para o outro mundo.

Alguns aspectos eram cuidadosamente observados pelos habitantes do vale do rio Nilo. Em especial,

vale destacar o processo de mumificação como forma de preservação do corpo. O desenvolvimento dessa

prática permitiu um considerável avanço na compreensão da anatomia humana, o que refletiu em progresso

para a Medicina da época.

Outro cuidado especial era o de colocar o corpo embalsamado numa tumba segura, feita de um

material durável como a pedra, tendo em volta vários alimentos para “fortalecer” o espírito do morto. Essas

medidas eram justificáveis na crença vigente, pois os egípcios entendiam que repousariam ali por toda

eternidade.

Para alcançar esses resultados, os egípcios empenharam-se nas construções das tumbas e das

pirâmides, mobilizando todos os meios para protegê-las dos ladrões. Havia motivos para essa preocupação:

nos túmulos, as múmias dos faraós ficavam cercadas de objetos de valor, despertando a cobiça de muitos. Os

túmulos dos reis eram ainda mais suntuosos, e em decorrência disso, para melhor protegê-los, passaram a ser

construídos dentro de enormes pirâmides.

[...] Impulsionados pelas forças do Alto, os círculos iniciáticos sugerem a construção das grandes

pirâmides, que ficariam como a sua mensagem eterna para as futuras civilizações do orbe. Esses

grandiosos monumentos teriam duas finalidades simultâneas: representariam os mais sagrados

templos de estudo e iniciação, ao mesmo tempo que constituiriam, para os pósteros,46

um livro do

passado, com as mais singulares profecias em face das obscuridades do porvir.47

Quando analisamos esta civilização singular sob a ótica espiritual oferecida por Emmanuel,

passamos a refletir melhor sobre a real motivação do culto à morte entre os egípcios:

[...] Em nenhuma civilização da Terra o culto da morte foi tão altamente desenvolvido. Em todos

os corações morava a ansiedade de voltar ao orbe distante, ao qual se sentiam presos pelos mais

santos afetos. [...]48

Na sociedade egípcia, predominava o trabalho servil. O Estado, na figura do faraó, era o grande

detentor das terras. Para explorá-las, a população camponesa pagava impostos ao rei e para os templos, seja

por meio do trabalho, seja com produtos agrícolas.

Como já vimos, a religião desempenhava um papel significativo na sociedade, e em função disso a

sua influência se estendia para as questões econômicas. A título de exemplo dessa realidade, todo o

excedente agrícola era armazenado nos templos, sendo os sacerdotes os responsáveis por sua proteção e

distribuição.

45

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — A civilização egípcia, it. Os egípcios. 46

Pósteros: o que acontecerá; o que ainda não aconteceu, mas vai acontecer; porvindouro. 47

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — A civilização egípcia, it. As pirâmides. 48

______. ______. It. Os egípcios.

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O culto aos animais era uma outra característica da religião egípcia. Para a cultura da época, o

verdadeiro animal sagrado é o próprio deus vivo, cuja existência era restrita apenas ao templo. O sacerdote

era o responsável pela escolha do animal de acordo com determinadas características comuns. No momento

em que o animal morria, outro era procurado. No entanto, não era qualquer animal, mas exatamente aquele

em que o “deus” havia “reencarnado”.

A crença na reencarnação já existia entre os egípcios. No papiro do escriba Anana, escrito há 1320

anos a.C., fica evidente esta realidade:

Os homens não vivem somente uma vez [...] eles vivem numerosas vezes e em numerosos lugares,

embora não seja sempre neste mundo. Entre duas vidas há um véu de obscuridade [...]. As almas

de uma vida podem encontrar-se outra vez, em outra encarnação.49

Emmanuel, no livro A Caminho da Luz, focaliza este aspecto fundamental da civilização egípcia:

O destino e a comunicação dos mortos e a pluralidade das existências e dos mundos eram, para

eles, problemas solucionados e conhecidos. O estudo de suas artes pictóricas50

positivam a

veracidade destas nossas afirmações. [...] Os papiros nos falam de suas avançadas ciências nesse

sentido, e, através deles, podem os egiptólogos modernos reconhecer que os iniciados sabiam da

existência do corpo espiritual preexistente, que organiza o mundo das coisas e das formas. [...]51

A religião politeísta, com muitas divindades, esteve presente em praticamente todas as manifestações

da sociedade. As cerimônias de nascimento, casamento, festas das comunidades e, sobretudo, as mortes, eram

sempre acompanhadas por ritos religiosos. Além disso, é necessário ressaltar apreciáveis descobertas feitas por

esta civilização no campo da medicina (ex.: teste de gravidez por meio da urina), da engenharia (ex.: construção

de um canal ligando o Mar Vermelho ao Mediterrâneo em 2500 anos a.C.), bem como na elaboração de um

calendário solar com 365 dias e 12 meses.

Por todas essas questões apresentadas, conclui-se que, dos exilados de Capela, esses espíritos

construtores desta civilização, eram os menos comprometidos espiritualmente com a lei de causa e efeito.

Sem dúvida alguma, isso contribuiu para que tivessem um entendimento mais fidedigno das questões

espirituais, o que resultou em um retorno mais rápido para a pátria espiritual de origem.

Em algumas centenas de ano, reuniram-se de novo, nos planos espirituais, os antigos degredados,

com a sagrada bênção do Cristo, seu patrono e salvador. A maioria regressa, então, ao sistema da

Capela, onde os corações se reconfortam nos sagrados reencontros das suas afeições mais santas e

mais puras, mas grande número desses Espíritos, estudiosos e abnegados, conservaram-se nas

hostes de Jesus, obedecendo a sagrados imperativos do sentimento e, ao seu influxo divino, muitas

vezes têm reencarnado na Terra, para desempenho de generosas e abençoadas missões.52

49

CAMPOS, Sônia; PALHA, Graça. A História à Luz do Espiritismo: antiga e medieval. v. 1. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2013. Cap. Um

Rio, um Povo, um Rei-Deus: O Egito, it. Religião. 50

Pictóricas: diz respeito à pintura. 51

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — A civilização egípcia,

it. Os egípcios e as ciências psíquicas. 52

______. ______. it. Redenção.

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CAPÍTULO 3

A HISTÓRIA DO POVO JUDEU

Apresentar os principais aspectos da História do Povo Judeu.

Destacar a importância de Moisés e da Revelação dos Dez Mandamentos.

Explicar os conceitos de politeísmo e monoteísmo.

Analisar a visão espírita acerca da missão do povo judeu.

Que vantagem há em ser judeu? Muita e de todos os pontos de vista. Em primeiro lugar, porque foi a eles que foram confiados os oráculos 53 de Deus. – Paulo (Romanos, 3:1-2)

1. Abraão e a sua descendência

Abraão, considerado o pai do povo judeu, é claramente a personagem humana mais importante do

livro Gênesis do Antigo Testamento. Sua vida é um importante divisor de águas na história da compreensão

do relacionamento de Deus com os seres humanos.

De acordo com a narrativa simbólica da Bíblia, Abraão, habitante da alta Mesopotâmia, recebeu de

Deus a ordem para abandonar a cidade de Ur (hoje localizada no Iraque), passando por Harã (hoje localizada

na Turquia), para estabelecer-se em um outro território, com a promessa de Deus de que ele se tornaria um

“grande povo”.

O Senhor disse a Abraão: “Sai da tua terra, da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que te

mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei o teu nome; sê uma

benção. (Gênesis, 12:1 a 2.)

O território no qual Abraão foi viver recebeu o nome de Canaã ou Terra Prometida. Com a morte do

patriarca, seu poder passou para o seu filho Isaque e deste para Jacó, que depois o passou para seus doze

filhos.

Interessante notar que para o entendimento da época, a cada geração Deus renovava o

relacionamento especial com o principal membro da família escolhida.

Foi exatamente o que aconteceu com Isaque quando enfrentou na terra de Canaã o problema da

fome. Na linguagem muito peculiar do livro Gênesis, Deus lhe apareceu e disse:

Não desças ao Egito; fica na terra que e te disser. Habita nesta terra, eu estarei contigo e te

abençoarei. Porque é a ti e à tua raça que eu darei todas estas terras e manterei o juramento que fiz

a teu pai Abraão. Eu farei a tua posteridade numerosa como as estrelas do céu, eu lhe darei todas

estas terras, e por tua posteridade serão abençoadas todas as nações da terra, porque Abraão me

obedeceu, guardou meus preceitos, meus mandamentos, minhas regras e minhas leis. (Gênesis,

26:2 a 5.)

53

Oráculos: profetas, reveladores.

Objetivos

Ideias principais

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A história de Jacó também apresenta um discurso divino contendo promessas direcionadas a ele de

modo especial:

Tua descendência se tornará numerosa como a poeira do solo; estender-te-ás para o Ocidente e o

Oriente, para o norte e o sul, e todos os clãs da terra serão abençoados por ti e por tua

descendência. (Gênesis, 28:14.)

Os dozes filhos de Jacó, considerados os legítimos descendentes de Abraão, formaram as doze tribos

judaicas. Um destes filhos, chamado José, foi vendido como escravo ao Faraó. No entanto, José não

permaneceu nesta condição por muito tempo, uma vez que o prestígio por ele alcançado fez com que se

tornasse administrador54

do Egito.

2. Israel no Egito

Por volta do ano 1700 a.C., o povo judeu migrou para o Egito em decorrência da fome. Em pouco

tempo, porém, tornaram-se tão numerosos no território estrangeiro que os faraós, preocupados com este

crescimento vertiginoso, submeteram os judeus a um período de dura escravidão que durou cerca de 400

anos.

No relato bíblico a seguir, é possível ter acesso a uma parte de tudo aquilo que os judeus foram

submetidos no Egito:

Mas, quanto mais os oprimiam, tanto mais se multiplicavam e cresciam, o que fez temer os

israelitas. Os egípcios obrigavam os israelitas ao trabalho, e tornavam-lhes amarga a vida com

duros trabalhos: a preparação da argila, a fabricação de tijolos, vários trabalhos nos campos, e toda

espécie de trabalhos aos quais os obrigavam. (Êxodo, 1:12 a 14.)

Para impedir o crescimento dos judeus no Egito, o Faraó ordenou que as parteiras matassem todos os

meninos que nascessem a partir de então. Todavia, elas não fizeram o que o soberano lhes havia ordenado e

este por sua vez decretou a todo o seu povo que jogassem no rio Nilo todo menino judeu que nascesse a

partir daquele instante.

3. Moisés

Moisés, um desses meninos jogado nas águas do Nilo, foi salvo curiosamente pela própria filha do

Faraó, sendo educado na corte. Mais tarde, Moisés se tornaria o libertador do povo judeu e o seu legislador.

Eis que a filha de Faraó desceu para se lavar no rio, enquanto as suas criadas andavam à beira do

rio. Ela viu o cesto entre os juncos e mandou uma de suas servas apanhá-lo. Abrindo-o, viu a

criança: era um menino que chorava. Compadecida, disse: “É uma criança dos hebreus!”. Então a

sua irmã disse à filha do Faraó: “Queres que eu vá e te chame uma mulher dos hebreus que possa

criar esta criança?”. A filha de Faraó respondeu: “Vai!”. Partiu, pois, a moça e chamou a mãe da

criança. A filha do Faraó lhe disse: “Leva esta criança e cria-a e eu te darei a tua paga.”. A mulher

recebeu a criança e a criou. Quando o menino cresceu, ela o entregou à filha de Faraó, a qual o

adotou e lhe pôs o nome de Moisés, dizendo: “Eu o tirei das águas.” (Êxodo, 2:5 a 10.)

Por volta de 1300 a.C., sob o comando de Moisés, cerca de 600 mil judeus foram libertados. Em

busca da Terra Prometida,atravessaram o Mar Vermelho e viveram cerca de 40 anos no deserto,

experimentando todas as dificuldades de uma vida peregrina. Durante essa travessia pelo deserto, Moisés recebe as Tábuas da Lei, também conhecida como

Decálogo ou Dez Mandamentos, no Monte Sinai:

I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egito, da casa da servidão. Não tereis, diante de

mim, outros deuses estrangeiros. Não fareis imagem esculpida, nem figura alguma do que está

54

Gênesis, 41:40.

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em cima do céu, nem embaixo da Terra, nem do que quer que esteja nas águas sob a terra. Não

os adorareis e não lhes prestareis culto soberano.

II. Não pronunciareis em vão o nome do Senhor, vosso Deus.

III. Lembrai-vos de santificar o dia do sábado.

IV. Honrai a vosso pai e a vossa mãe, a fim de viverdes longo tempo na terra que o Senhor vosso

Deus vos dará.

V. Não mateis.

VI. Não cometais adultério.

VII. Não roubeis.

VIII. Não presteis testemunho falso contra o vosso próximo.

IX. Não desejeis a mulher do vosso próximo.

X. Não cobiceis a casa do vosso próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o

seu asno, nem qualquer das coisas que lhe pertençam.

Os Dez Mandamentos permaneceram com os judeus durante toda a travessia do deserto. Antes de

morrer, Moisés nomeou Josué, filho de Num, como seu sucessor direto, a partir da “decisão de Deus”.

Ordenou, então, a Josué, filho de Num: “Sê forte e corajoso, pois tu introduzirás os israelitas na terra que eu

lhes havia prometido; quanto a mim, eu estarei contigo!” (Deuteronômio, 31:23.)

No relato bíblico, a fidelidade à Lei é a condição essencial para a ajuda divina a Josué:

Sê firme e corajoso, porque farás este povo herdar a terra que a seus pais jurei dar-lhes. Tão

somente sê de fato firme e corajoso, para teres o cuidado de agir segundo toda a Lei que te

ordenou Moisés, meu servo. Não te apartes dela, nem para a direita nem para a esquerda, para que

triunfes em todas as suas realizações. (Josué, 1:6 a 7.)

Em torno do século XIII a.C., Josué recebeu a ordem para atravessar o rio Jordão, levando o povo de

Israel para a Terra Prometida por Deus. No entanto, outros povos habitavam este território, e constantes

combates ocorreram.

Sob o comando de Josué, Israel derrotou os inimigos instalados em Canaã. A primeira medida após

este triunfo, foi distribuir as terras conquistadas entre as doze tribos.

Após a morte de Josué, houve um período em que as doze tribos de Israel foram governadas por

Juízes, em decorrência do abandono dos judeus ao culto do Deus único.

[...] Eu vos fiz subir do Egito e vos trouxe a esta terra que eu tinha prometido por juramento a

vossos pais. Eu dissera: Jamais quebrarei a minha aliança convosco. Quanto a vós, não fareis

aliança com os habitantes desta terra; ao contrário, destruireis os seus altares. No entanto, não

escutastes a minha voz. Por que fizestes isso? Por isso eu digo: não expulsarei estes povos de

diante de vós. Serão para vós adversários e os seus deuses serão uma cilada para vós. Assim que o

anjo do Senhor pronunciou essas palavras para todos os israelitas, o povo começou a clamar e a

chorar. (Juízes, 2:1 a 4.)

Nesse período de transição, destacou-se o último dos Juízes, Samuel, que introduziu uma nova forma

de governo e instituiu a monarquia. Assim sendo, Saul foi nomeado como o primeiro rei. Na realidade, esta tinha sido a vontade do povo cuja adoração a outros deuses havia naquele momento substituído o culto ao

Deus único, contrariando a postura de seus antepassados.

Morto Saul, tendo sob seu reinado obtido vitórias e derrotas, foi Davi o escolhido para ser o rei de

Israel, iniciando assim um período de glórias para a nação. Mas o auge do poder em Israel foi no reinado de

seu filho Salomão, responsável, por exemplo, pela construção do primeiro templo de Jerusalém, entre os

anos de 970 e 931 a.C.

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Tal foi a importância de seu reinado, que até mesmo Jesus, muito tempo depois, fez menção a

Salomão em uma de suas mensagens mais belas contidas no Novo Testamento:

E com relação à veste, por que vos inquietais? Examinai os lírios do campo como crescem! Não

labutam nem fiam. Eu, porém, vos digo que nem Salomão, em toda sua glória, vestiu-se como um

deles. Se a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao forno, Deus assim as veste, muito

mais a vós, homens de pouca fé. (Mateus, 6:28 a 30.)

Salomão reinou por quarenta anos em Jerusalém, tendo Israel unificada. No entanto, após a sua

morte, o reino foi dividido entre Roboão, seu filho, e Jeroboão, seu adversário; o primeiro contava com duas

tribos e o segundo com dez, tendo havido entre eles uma disputa permanente.

As tribos se organizaram, deste modo, em dois reinos distintos: o reino de Judá e o de Israel. O

reinado de Roboão deixou muito a desejar se compararmos com o de seu pai, Salomão. As nações

estrangeiras aproveitaram-se deste período de divisão e conflito e iniciaram um processo de expansão contra

as tribos de Israel.

Em virtude disso, depois de poucos anos de reinado, Roboão foi vencido pelo faraó Sisac, que

conquistou Jerusalém e se apropriou do templo e dos tesouros reais. Mais tarde, em 586 a.C.,

Nabucodonosor, rei da Babilônia, também conquistou Jerusalém e destruiu o templo de Salomão, deportando

como cativo a maioria do povo de Judá.

Após os anos de cativeiro na Babilônia, os judeus retornam à Palestina no ano de 538 a.C. Este

período inicial foi marcado por relativa estabilidade, o que possibilitou, por exemplo, a reconstrução do

templo de Salomão.

Nos séculos II e IV a.C., ocorreu a propagação da religião e cultura judaicas no Oriente Médio, em

decorrência da saída de vários judeus de sua terra natal por livre iniciativa.

Mas esse período de estabilidade sofreu um grande revés quando no ano 63 a.C., Jerusalém foi

conquistada pelo Império Romano. Por sua vez, no ano 6 d.C., toda a Judeia foi transformada em uma

província diretamente governada por Roma. Jerusalém que até aquele momento era semi-independente,

passaria agora a pertencer totalmente a Roma.

Em decorrência deste domínio de fato, ocorreu uma rebelião judaica no ano de 66 d.C. contra Roma.

Por um curto espaço de tempo, os judeus tiveram êxito e conseguiram libertar a Terra Santa da ocupação

romana. Entretanto, a partir dos anos 70 d.C., a reconquista do território pelo Império Romano foi absoluta,

culminando, inclusive, na destruição completa de Jerusalém.

Em última análise, este período foi marcado pela perda do que de mais sagrado havia para a religião

judaica. Vimos até aqui que o território para os judeus era revestido de uma singularidade religiosa, afinal,

era a Terra Prometida pelo Deus único desde o início com o patriarca Abraão.

Com todas as disputas, sejam elas de ordem interna — entre o próprio povo —, ou contra um

inimigo estrangeiro, o povo judeu já não tinha mais a força que havia sido alcançada no reinado de Davi, e,

sobretudo, no de Salomão. A dominação romana foi o estopim, e no ano 135 d.C. houve uma dispersão do

povo judeu para todos os continentes, circunstância histórica conhecida como Diáspora.

Embora o povo judeu tenha se espalhado pelo mundo, curiosamente foi mantida a coesão cultural e

religiosa. Dito de outra maneira, os judeus continuavam a ser uma nação mesmo sem ter um Estado.

Com a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), houve o maior genocídio da História: cerca de seis

milhões de judeus foram exterminados de maneira bárbara na Europa pelo Nazismo.

Este acontecimento que beirou a selvageria, justamente no século do “esplendor da civilização”,

como muitos consideravam ser o século XX, contribuiu decisivamente para que muitos judeus se tornassem ateus, pois partiram da premissa de que se Deus existisse não permitiria que o holocausto acontecesse.

A partir de 1945, com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, o mundo pôde ter mais

detalhes das perversidades cometidas pelo Nazismo. A natural comoção ante as atrocidades contra os judeus

colaborou para o início de um novo debate em torno da urgência da nação judaica voltar a ter um território

próprio.

Neste contexto, em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou um plano de partilha

da Palestina, a Canaã de outros tempos, e decretou a criação do Estado de Israel.

Contudo, havia um problema: existia ali uma população residente que em nenhum momento foi

consultada para saber se aceitava essa nova partilha. A decisão, porém, era irrevogável e muitos palestinos

perderam tudo que tinham para que o Estado de Israel fosse criado e novos moradores pudessem habitar.

Atualmente, estima-se que exista cerca de 13 milhões de judeus em todo o mundo, dentre os quais 4,5

milhões em Israel.

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O Estado de Israel e a Palestina, de maioria muçulmana, estão permanentemente em estado de

conflito, tendo alguns períodos de relativa estabilidade e outros de profunda tensão que pode acarretar a

qualquer momento em uma guerra.

Somente o diálogo fraterno e o desejo de superar o passado será capaz de superar este desafio da

atualidade.

4. A visão espírita

A lei do Antigo Testamento está personificada em Moisés, a do Novo Testamento está no Cristo; o

Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não está personificada em nenhum

indivíduo, porque é o produto do ensinamento dado, não por um homem, mas pelos espíritos, que

são as vozes do céu, sobre todos os pontos da Terra, e por uma multidão inumerável de

intermediários. [...]55

Os Dez Mandamentos são o alicerce da religião judaica. Por essa razão, o Judaísmo foi a primeira

religião monoteísta da Humanidade, pois no primeiro mandamento está explícita a obrigação de adorar e

obedecer a um único Deus. Em outras passagens, podemos notar que a crença no Deus único não é uma

escolha, mas uma questão de fidelidade absoluta a Deus:

Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor! Portanto, amarás ao Senhor teu Deus com

todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força. Que estas palavras que hoje te

ordeno estejam em teu coração. Tu as inculcarás aos teus filhos, e delas falarás sentado em tua

casa e andando em teu caminho, deitado e de pé. Tu as atarás também à tua mão como um sinal, e

serão como um frontal entre os teus olhos; tu a escreverás nos umbrais da tua casa, e nas tuas

portas. (Deuteronômio, 6:4 a 9.)

Hoje em dia, apesar das inúmeras concepções divergentes, a crença no Deus único é seguida pelas

principais religiões do mundo. Entretanto, há três mil anos esta prática era revolucionária para os costumes

da época.

Allan Kardec a este respeito teve a ocasião de afirmar:

Os hebreus foram os primeiros que, publicamente, praticaram o monoteísmo, aceitaram a unidade

divina; foi a eles que Deus transmitiu sua lei, inicialmente por Moisés, depois por Jesus. [...]56

Todos os outros povos da Antiguidade, até então, acreditavam em deuses e os retratavam por meio

de imagens, estátuas, pinturas e gravuras. Neste contexto, a ideia primitiva da divindade era de natureza

antropomórfica. Em outras palavras, Deus é imaginado e descrito sob a forma humana e com atributos

humanos.

Emmanuel, no livro A Caminho da Luz, esclarece:

[...] Moisés, com a expressão rude da sua palavra primitiva, recebe do mundo espiritual as Leis

básicas do Sinai, construindo desse modo o grande alicerce do aperfeiçoamento moral do mundo; e Jesus, no Tabor, ensina a Humanidade a desferir, das sombras da Terra, o seu voo divino para as

luzes do Céu.57

Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, no comentário da questão 668, faz uma análise geral de

como a crença em vários deuses estava condicionado ao patamar evolutivo da época:

A palavra deus possuía, entre os antigos, uma acepção muito ampla; não era, como atualmente,

uma personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica, dada a qualquer ser

existente fora das condições da Humanidade; ora, as manifestações espíritas tendo-lhes revelado a

existência de seres incorpóreos que agiam como potência da Natureza, chamaram-nos deuses,

como os chamamos espíritos. É uma simples questão de palavras, com a diferença de que, na sua

55

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. I, it. 6. 56

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XVIII, it. 2. 57

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 7 — O povo de Israel, it. O Judaísmo e o Cristianismo.

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ignorância, intencionalmente mantida por aqueles que nisso tinham interesse, eles lhes ergueram

templos e altares muito lucrativos. Entretanto, para nós, trata-se de simples criaturas como nós,

mais ou menos perfeitas e despojadas dos seus envoltórios terrestres. [...]58

Os israelitas deveriam, pois, ser o exemplo de como se deve viver em harmonia com Deus e com os

outros povos. Mas o autointitulado “Povo Escolhido de Deus”, convicto de sua “superioridade espiritual”,

optou por não se relacionar com os outros povos por considerá-los “inferiores”.

[...] somos naturalmente levados a perguntar o porquê da preferência de Jesus pela árvore de Davi,

para levar a efeito as suas divinas lições à Humanidade; mas a própria lógica nos faz reconhecer

que, de todos os povos de então, sendo Israel o mais crente, era também o mais necessitado, dada a

sua vaidade exclusivista e pretensiosa. [...]59

O povo de Israel sempre teve a esperança da vinda de um messias, um missionário responsável por

estabelecer no mundo um reino de paz e de justiça. Este é um dos temas centrais do Antigo Testamento e até

hoje constitui um dos fundamentos da fé do povo judeu.

Léon Denis, no livro Depois da Morte, apresenta uma noção geral do povo judeu que ratifica o papel

importante de sua missão, bem como os desafios que devem ser superados ainda hoje:

O papel do povo de Israel é considerável. Sua história é como o traço de união que religa o Oriente

ao Ocidente, a ciência secreta dos templos à religião vulgarizada. Apesar de suas desordens e de

suas máculas, a despeito do sombrio exclusivismo que é um dos lados do seu caráter, ele mereceu

ter adotado, até encarnar ele próprio, esse dogma da unidade de Deus, cujas consequências

ultrapassarão suas vistas e prepararão a fusão dos povos em uma família universal, sob um mesmo

Pai, sob uma única Lei.60

A Doutrina Espírita nos esclarece que há um espírito de sequência da revelação da Lei de Deus.

Compreender a história dos judeus não é importante apenas para nos oferecer informações históricas, mas

para nos esclarecer que, considerando a Doutrina Espírita como a Terceira Revelação da Lei de Deus, é

necessário compreender as duas revelações anteriores.

Emmanuel, na sua capacidade única de sintetizar ideias complexas, demonstra que entre o Judaísmo,

o Cristianismo e a Doutrina Espírita, há um espírito de sequência, sob os desígnios da Providência Divina:

Até agora, a Humanidade da Era Cristã recebeu a grande Revelação em três aspectos essenciais:

Moisés trouxe a missão da Justiça; o Evangelho, a revelação insuperável do Amor, e o Espiritismo,

em sua feição de Cristianismo Redivivo, traz, por sua vez, a sublime tarefa da Verdade. No centro

das três revelações encontra-se Jesus Cristo, como o fundamento de toda a luz e de toda a

sabedoria. É que, com o Amor, a Lei manifestou-se na Terra no seu esplendor máximo; a Justiça e

a Verdade nada mais são que os instrumentos divinos de sua exteriorização, com aquele Cordeiro

de Deus, alma da redenção de toda a Humanidade. A Justiça, portanto, lhe aplainou os caminhos, e

a Verdade, conseguintemente, esclarece os seus divinos ensinamentos. Eis por que, com o Espiritismo simbolizando a Terceira Revelação da Lei, o homem terreno se prepara, aguardando as

sublimadas realizações do seu futuro espiritual, nos milênios porvindouros.61

58

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de Kardec à q. 668. 59

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 7 — O povo de Israel, it. — A escolha de Israel. 60

DENIS, Léon. Depois da Morte. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho.3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 1, cap.VI — O Cristianismo. 61

XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016.Cap. 3 — Religião, Q.271.

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PRECURSORES DO CRISTIANISMO

"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução, mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por escrito da Instituição."

GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO II

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CAPÍTULO 4

A CIVILIZAÇÃO GREGA E O NASCIMENTO DA

FILOSOFIA

Analisar o papel da cultura grega como elemento indispensável para o

nascimento da filosofia.

Demonstrar de que maneira Sócrates e Platão podem ser considerados os

precursores da ideia cristã e do Espiritismo.

Esclarecer o significado e a abrangência da filosofia.

Compreender a importância da moral para o pensamento filosófico,

relacionando com a visão espírita.

1. Atualidade do Pensamento Grego Desde os primórdios da Antiguidade, a Grécia tem exercido grande fascínio sobre aqueles que

tiveram contato com sua cultura. A arte, a literatura e o pensamento grego ainda hoje estão ligados aos

valores da nossa civilização, mesmo sem percebermos isso no cotidiano.

A religião, como ocorreu nas demais civilizações da Antiguidade, teve grande importância na

formação da cultura grega. A religião grega era politeísta, cujos deuses apresentavam características divinas

(imortalidade e poderes sobrenaturais), mas também aspectos humanos (defeitos e virtudes). Foi neste

contexto que se deu origem à mitologia grega, que descrevia a origem do Universo, dos deuses e dos

homens.

Todas as divindades estavam reunidas em torno de Zeus, senhor supremo dos deuses e dos homens.

A democracia, teve o seu esplendor na Grécia Clássica no século V a.C., sobretudo a partir da

importância que a pólis (cidade, na concepção grega) passou a ter como um espaço de debate e decisão

coletiva sobre a vida social.

Os cidadãos reunidos na pólis passaram a defender a igual participação de todos no exercício do

poder. Ora, se todos os cidadãos poderiam participar do destino da pólis, algo de inédito surgiu: passaram a

vigorar a valorização do debate de ideias, a transparência e o convencimento pela força do argumento.

É necessário neste momento fazer uma distinção: a democracia ateniense era direta, ao passo que a

democracia brasileira, assim como a da maioria dos países ocidentais, é representativa. A diferença pode ser

resumida da seguinte maneira: se na pólis, o cidadão poderia participar ativamente do debate político e das

decisões, na atualidade, os cidadãos escolhem pelo voto os seus representantes, isto é, hoje em dia a

participação é bem menos efetiva, o que não quer dizer que seja necessariamente pior.

Não há como negar, contudo, que a democracia nasceu, para os padrões de hoje, pouco democrática

na Grécia, afinal, só era considerado cidadão o grego livre, homem e maior de 35 anos. Além do mais, a

democracia teve vida breve na Antiguidade, renascendo de modo mais pujante apenas no século 18. Até

nossos dias, a democracia ainda não é o modelo adotado por todas as nações, mesmo sendo considerado o

melhor modelo criado pela Humanidade até o momento.

Feitas essas considerações, convém observar essa conexão que fez toda a diferença: a autonomia do

pensamento e a liberdade de expressão determinaram o surgimento da democracia. Por sua vez, com a

democracia, o desenvolvimento do pensamento filosófico alcançou um patamar sem precedentes.

Objetivos

Ideias principais

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2. Mas, afinal, o que é a filosofia?

Quando o Homem pergunta, interroga, cogita, quer saber o “como” e o “porquê” das coisas, dos

fatos, dos acontecimentos, nasce a FILOSOFIA, que mostra o que são as coisas e porque são as

coisas o que são.62

Sócrates, personagem central da filosofia, nos adverte que uma vida impensada, não examinada por

quem a vive, não vale a pena ser vivida. Esta é uma declaração realmente forte, mas que merece ser

mencionada para demonstrar que o ponto de partida da filosofia foi este.

Vamos agora definir a Filosofia: (do grego, philos = amante e shopia = saber). Isto sugere a

Filosofia como amor pela sabedoria, condição experimentada apenas pelo ser humano:

[...] o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros animais que vivem

juntos. A natureza, que nada faz em vão, concedeu apenas a ele o dom da palavra [logos], que não

devemos confundir com o dom da voz. [...] A natureza deu-lhes um órgão limitado a este único

efeito; nós, porém, temos a mais, senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos o sentimento

obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação

dos quais nos foi principalmente dado órgão da fala. [...]63

Há um consenso entre os estudiosos de que a palavra Filosofia foi criada pelo filósofo grego

Pitágoras (570–495 a.C.).

Já se disse que duas asas conduzirão o espírito humano à presença de Deus.

Uma chama-se amor; a outra, sabedoria.

Pelo amor, que, acima de tudo, é serviço aos semelhantes, a criatura se ilumina e aformoseia por

dentro, emitindo, em favor dos outros, o reflexo de suas próprias virtudes; e pela sabedoria, que

começa na aquisição do conhecimento, recolhe a influência dos vanguardeiros do progresso, que

lhe comunicam os reflexos da própria grandeza, impelindo-a para o Alto.64

Léon Denis observa que o “[...] Saber é o bem supremo, e todos os males provêm da ignorância”.

65

O verdadeiro sábio tem a humildade de reconhecer a sua ignorância com relação a infinidade de

conhecimentos que ainda não tem domínio. A sabedoria é uma poderosa aquisição que aos poucos, nas

sucessivas vidas, dependendo de nossas escolhas existenciais, poderemos alcançar.

A felicidade suprema é a consequência da conquista da sabedoria infinita, realidade ainda inexistente

em nosso planeta de provas e expiações. Mas, se é caminhando que se faz o caminho, não podemos deixar

de trilhá-lo, eis porque não há um tempo definido para refletir sobre a vida e o seu significado

maior:

Que nenhum jovem adie o estudo da filosofia, e que nenhum velho se canse dela; pois nunca é

demasiado cedo nem demasiado tarde para cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz que o

tempo para este estudo ainda não chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado

cedo ou demasiado tarde para a felicidade. Logo, tanto o jovem como o velho devem estudar

filosofia, o primeiro para que à medida que envelhece possa mesmo assim manter a felicidade da

juventude nas suas memórias agradáveis do passado, o último para que apesar de ser velho possa ao mesmo tempo ser jovem em virtude da sua intrepidez perante o futuro. (EPICURO. Carta a

Meneceu.)66

62

BARBOSA, Pedro F. Espiritismo básico. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. O Espiritismo Filosófico. 63

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 64

XAVIER, Francisco C. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — Instrução. 65

DENIS, Léon. No Invisível: espiritismo e mediunidade. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Cap. XXII — Prática e Perigos da Mediunidade, p. 359. 66

Disponível em: http://criticanarede.com/html/meneceu.html

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29

3. Sócrates (469-399 a.C.)

Sócrates, da mesma forma que o Cristo, nada escreveu, ou, pelo menos, não deixou nenhum

escrito. Como o Cristo, teve a morte dos criminosos, vítima do fanatismo, por haver atacado as

crenças existentes e posto a virtude real acima da hipocrisia e da aparência das formas, em uma

palavra, por haver combatido os preconceitos religiosos. Como Jesus, foi acusado pelos fariseus de

corromper o povo com os seus ensinamentos. Sócrates também foi acusado pelos fariseus do seu

tempo — porque eles existiram em todas as épocas — de corromper a juventude, ao proclamar o

dogma da unidade de Deus, a imortalidade da alma e a vida futura.67

Se há uma questão pela qual não podemos duvidar, é que a Filosofia nasceu na Grécia e adquiriu sua

forma clássica com Platão, sob a inspiração original de Sócrates. É importante considerarmos isso, pois em O

Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec é categórico ao afirmar que Sócrates e Platão são os

precursores da ideia cristã e do Espiritismo.

Além disso, a Doutrina Espírita além de ser uma Ciência e uma Religião, é também uma Filosofia.

Por esse motivo, nada mais natural conhecermos mais sobre os seus pais fundadores.

Sócrates nasceu em Atenas, na Grécia, por volta de 469 a.C. e morreu em 399 a.C.

Embora seja considerado um dos homens mais sábios que já existiram, só temos conhecimento de

suas ideias por intermédio dos seus alunos. Platão foi um deles e se tornou o seu principal divulgador.

Praticamente nada se conhece da primeira metade da vida de Sócrates. É somente com o início da

Guerra do Peloponeso, em 431 a.C., quando Sócrates já contava mais de 35 anos, que a sua vida começa a

surgir na cena histórica. Entretanto, o que está bem documentado é o processo que desencadeou a sua morte,

momento em que a grandeza de seus ideais se revela de modo especial.

Depois de perder a guerra do Peloponeso para Esparta, os atenienses, acostumados com as glórias do

passado, tiveram uma crise de identidade. A valorização do conhecimento e a busca pela sabedoria, cedeu

lugar para um novo estilo de vida; a beleza física, o bem-estar e a idealização do passado passaram a ter mais

importância. Como Sócrates era um crítico aberto desse estilo de vida, cultivou naturalmente em torno dele

uma quantidade razoável de adversários. Pensando bem, você já reparou que todos aqueles que vieram à

Terra, em todas as épocas da Humanidade, para colaborar para o progresso intelecto-moral, sofreram as mais

variadas perseguições e incompreensões?

Em 399 a.C., Sócrates foi preso e conduzido a julgamento, sob a acusação de não ser religioso e de

corromper os jovens da cidade.

Sócrates é acusado de perverter os jovens atenienses, instilando-lhes o veneno da liberdade nos

corações.68

Considerado culpado, foi sentenciado à pena de morte por envenenamento. Todavia, apesar de ter

tido a possibilidade de fugir do próprio cárcere, Sócrates preferiu, sem duvidar em nenhum instante, tomar o

copo de cicuta.69

[...] Sua existência, em algumas circunstâncias, aproxima-se da exemplificação do próprio Cristo.

Sua palavra confunde todos os Espíritos mesquinhos da época e faz desabrochar florações novas de sentimento e cultura na alma sedenta de mocidade. Nas praças públicas, ensina à infância e à

juventude o formoso ideal da fraternidade e da prática do bem, lançando as sementes generosas da

solidariedade dos pósteros.70

67

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Introdução, it. IV — Sócrates e Platão, precursores da ideia cristã e do Espiritismo. 68

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 10 — A Grécia e a missão de Sócrates, it. Sócrates. 69

Cicuta: designa espécies de um gênero de plantas venenosas. 70

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 10 — A

Grécia e a missão de Sócrates, it. Sócrates.

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4. Platão (429-347 a.C.)

“Sócrates reflete-se nas páginas dos discípulos que lhe comungavam a intimidade, e, ainda hoje,

consumimos os elevados pensamentos de que foi ele o portador.”71

Platão nasceu em Atenas, por volta de 429 a.C. em uma família da elite grega. Devido a sua classe

social ser privilegiada, foi educado por professores renomados. No entanto, nenhum pensador teve maior

impacto sobre ele como Sócrates, por causa de sua habilidade em debater e produzir diálogos que geravam

sempre uma reflexão profunda. Se sabemos algo a respeito de Sócrates, devemos isso a Platão, pois os seus

trabalhos escritos se tornaram a principal fonte de informações.

A família de Platão, como representante da aristocracia ateniense, esperava que ele seguisse carreira

política. Contudo, dois eventos políticos modificaram o curso dos acontecimentos: a Guerra do Peloponeso,

cuja vitória foi de Esparta sobre Atenas, trazendo como consequência o afastamento de muitos parentes de

Platão do governo vencido, acusados de corrupção, além da já mencionada execução de Sócrates em 399

a.C. pelo novo governo ateniense.

Diante deste novo cenário, Platão abandonou de vez qualquer pretensão política e se dedicou a tarefa

de escrever e viajar. Na Sicília, estudou com Pitágoras e, quando retornou a Atenas, fundou a chamada

Academia, uma escola onde ele e outros cidadãos ensinavam e debatiam sobre Filosofia e Matemática.

Como Sócrates, Platão também acreditava que a Filosofia era um processo de contínuo

questionamento e diálogo. Seus trabalhos foram concebidos de acordo com esta característica.

Vejamos um exemplo:

Sócrates — Por conseguinte, se alguém declara que a justiça significa restituir a cada um o que lhe

é devido, e se por isso entende que o homem justo deve prejudicar os inimigos e ajudar os amigos,

não é sábio quem expõe tais ideias. Pois a verdade é bem outra: que não é lícito fazer o mal a

ninguém e em nenhuma ocasião.

Polemarco — Estou de pleno acordo.

[...]

Sócrates — Porém, visto que nem a justiça nem o justo nos pareceram significar isso, como

poderemos defini-los? (PLATÃO. A república).

Em sua filosofia, Platão buscava por verdades imutáveis, as únicas capazes de levar à estabilidade e

à sabedoria. Platão sugere ainda que a verdade é proveniente de uma entidade abstrata ou imaterial:

No mundo do conhecimento, a Forma do bem essencial constitui a fronteira dos nossos

questionamentos, mal podendo ser percebida. Mas, quando o é, somos forçados a concluir que, em

todos os casos, é a forma do que existe de mais brilhante e belo – no mundo visível gerando a luz,

enquanto no mundo intelecto difundindo a verdade e razão. Aqueles que agem com sabedoria, seja

em público ou na vida privada, inspiram-se na Forma do Bem.72

O Universo para Platão é criação de uma entidade divina conhecida como Demiurgo. Platão estava

convencido de que o Universo não era uma obra do acaso; pelo contrário: o Universo tal como o

conhecemos, dizia ele, é fruto de um propósito próprio, ou mesmo reflete o propósito de seu Criador.

No livro A Caminho da Luz, Emmanuel faz uma análise psicológica da missão de Platão na Terra:

[...] A História louva os discursos de Platão, mas nem sempre compreendeu que ele misturou a

filosofia pura do mestre com a ganga das paixões terrestres, enveredando algumas vezes por

complicados caminhos políticos. Não soube, como também muitos dos seus companheiros, conservar-se ao nível de alta superioridade espiritual, chegando mesmo a justificar o direito

tirânico dos senhores sobre os escravos, sem uma visão ampla da fraternidade humana e da família

universal.

71

_______. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — Instrução, p. 20. 72

GLEISER, Marcelo. A ilha do conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2014. In: Platão.

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Contudo, não deixou de cultivar alguns dos princípios cristãos legados pelo grande mentor,

antecipando-se ao apostolado do Evangelho, antes de entregar a sua tarefa doutrinária a

Aristóteles, que ia também trabalhar pelo advento do Cristianismo.73

5. A Filosofia e a Moral

Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir ao

arrastamento do mal?

“Um sábio da Antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”74

Na entrada do Oráculo de Delfos, templo dedicado à Apolo, na Grécia Antiga, encontrava-se a

seguinte inscrição: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses”. A frase, que foi

popularizada por Sócrates, é atribuída a Tales de Mileto, tendo sido pronunciada há mais de 2.500 anos. Esta

frase é considerada o marco inicial da Filosofia Ocidental, pois coloca o homem e a sua capacidade de

reflexão como elementos centrais de uma vida bem vivida. Cabe a cada indivíduo definir a sua relação

consigo mesmo, com os outros e com o mundo.

No entanto, em meio a realidade atual cada dia mais desafiadora e caótica, até que ponto não estamos

excessivamente voltados para tudo que nos é exterior e transitório? A busca permanente por fama, riqueza e

poder deve ser o centro exclusivo de nossas atenções?

Há portas que só se abrem por dentro!

O autoconhecimento, a construção da nossa própria identidade, a autorrealização, em outras

palavras, a reforma íntima, é uma equação da qual não se pode dispensar o entendimento, a conscientização e

a ação renovadora:

[...] só o culto infatigável do entendimento pode garantir-nos o equilíbrio indispensável no serviço

do autoburilamento em que devemos empenhar os nossos melhores sonhos, de vez que apenas o

amor puro é capaz de criar em nossa mente a energia da luz divina, a expandir-se de nós em

reflexos de protetora renovação.75

Este contínuo trabalho de renovação e aprimoramento necessariamente nos remete a moral.

Immanuel Kant, um dos maiores filósofos da história da Humanidade, sem definir o que vem a ser a

moral, proferiu uma frase memorável: “Aja de tal forma que a máxima que inspira a sua conduta possa se

transformar em uma lei universal”.

Em outras palavras: diante da dúvida acerca do modo certo de agir, duas perguntas poderão

responder ao seu questionamento: “E se fizessem isso comigo?”; ou, então: “E se todo mundo se

comportasse assim?”.

Costuma-se imaginar que moral tem a ver com limitação da liberdade. Esse conceito é equivocado,

porque o sentido filosófico desta palavra não é este. Em realidade, a moral é a escolha consciente do melhor

caminho a ser seguido justamente quando temos livre-arbítrio para isso.

Ora, sem livre-arbítrio, não existe moral, assim como o livre-arbítrio pressupõe o poder da razão.

Livre-arbítrio, aliás, é um dos temas centrais da Doutrina Espírita:

O livre-arbítrio é definido como “a faculdade que tem o indivíduo de determinar a sua própria

conduta”, ou, em outras palavras, a possibilidade que ele tem de, “entre duas ou mais razões

suficientes de querer ou de agir, escolher uma delas e fazer que prevaleça sobre as outras”.76

O livre-arbítrio aumenta à medida que o Espírito se adianta — não apenas em conhecimentos, mas

principalmente em moralidade. [...]77

73

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 10 — A Grécia e a missão de Sócrates, it. Os discípulos. 74

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011.Q. 919. 75

XAVIER, Francisco C. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 10 — Entendimento. 76

CALLIGARIS, Rodolfo. As leis morais: segundo a filosofia espírita. 15. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 35 — O livre-arbítrio. 77

AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. (Compilação de. Celso Martins). 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 16 — A liberdade espiritual e as contenções corporais.

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A Filosofia ensina que a moral é o pensamento livre sobre a vida. A Espiritualidade superior vai

além desta definição:

A moral é a regra para bem se conduzir, isto é, para a distinção entre o bem e o mal. Ela está

fundamentada na observância da lei de Deus. O homem procede bem, quando faz tudo

intencionalmente para o bem de todos, porque, então, cumpre a lei de Deus.78

A coragem moral é a capacidade de superar as próprias fraquezas e fazer o que se sabe que é certo,

mesmo quando o preço a pagar seja a incompreensão. Moralidade é você agir corretamente mesmo quando

ninguém está lhe observando.

Por sua vez, moralismo e relativismo moral são coisas bem diversas.

O moralismo se utiliza da moral para pregar a intolerância e o preconceito. Jesus, em seu tempo, a

todo momento combateu àqueles que preconizavam ideias louváveis, sem, contudo, praticá-las em sua

própria vida:

Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo para que também o exterior se torne limpo. Ai de

vós, escribas e fariseus, hipócritas, que vos assemelhais a sepulcros caiados, os quais se mostram

vistosos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a impureza. Assim,

também vós, por fora vos mostrais justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e

iniquidade. (Mateus, 23:25 a 28.)

O mundo atual também está mergulhado na cultura do relativismo moral. De acordo com esta

concepção, não existem mais certezas, nem valores pelos quais podemos seguir. O certo e o errado são

apenas conceitos vagos que variam de pessoa para pessoa.

Por outro lado, a moral espírita é a moral do Cristianismo. E nada melhor que deixar que a

mensagem insuperável do Cristo possa concluir o verdadeiro sentido da moral, na sua mais pura expressão:

Seja, porém, a vossa palavra sim, sim; não, não; o que excede disso é do mal. Ouvistes que foi

dito: “Olho por olho e dente por dente”. Eu, porém, vos digo para não se opor ao malvado. Pelo

contrário, ao que te bater na face direita, vira-lhe também a outra. E ao que deseja levar-te a juízo,

para tomar-te a túnica, deixa-lhe também o manto. E quem te compelir a caminhar uma milha, vai

com ele duas. Dá ao que te pede e não dês as costas ao que deseja tomar-te um empréstimo.

Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo” e “Odiarás o teu inimigo”. Eu, porém, vos digo:

Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai,

que está nos céus, já que seu sol desponta sobre maus e bons, e cai chuva sobre justos e injustos.

(Mateus, 5: 37 a 45.)

78

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 629.

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33

FORMAÇÃO DA MENTALIDADE CRISTÃ

"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução,

mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por

escrito da Instituição."

GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO III

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CAPÍTULO 5

JESUS: O GUIA E MODELO DA HUMANIDADE

Demonstrar, à luz da Doutrina Espírita, a missão de Jesus como guia e

modelo para a humanidade.

Analisar, através do Novo Testamento e da Doutrina Espírita, o nascimento e

a infância de Jesus.

Compreender a importância de João Batista como precursor de Jesus.

Abordar os ensinamentos insuperáveis de Jesus, relacionando com a visão

espírita a respeito destes ensinamentos.

1. A missão de Jesus

O Advento do Cristo representa o episódio mais importante já registrado na história da Humanidade.

Após o seu ministério público de apenas três anos, os historiadores convencionaram dividir a história da

Humanidade antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.). A vinda de Jesus ao plano físico consiste no

cumprimento da missão de amor, cujo propósito ainda é a formação de uma nova mentalidade a partir do

entendimento da realidade espiritual.

Jesus é para o homem o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus

no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a mais pura expressão de

sua lei, porque ele era animado pelo espírito divino e o ser mais puro de todos os que apareceram

na Terra.79

A Espiritualidade superior é bastante clara quando o assunto diz respeito a missão de Jesus. Podemos

iniciar com a resposta célebre contida em O Livro dos Espíritos:

Qual é o tipo mais perfeito que Deus tenha oferecido ao homem, para lhe servir de guia e de

modelo?

“Vede Jesus.”80

Veremos a seguir com riqueza de detalhes, que com a Doutrina Espírita, a Humanidade tem a

possibilidade de compreender a figura inigualável de Jesus a partir de um aspecto mais complexo e

revelador.

Já não é mais aceitável considerá-lo apenas como um líder religioso, e afirmamos isso por uma

simples razão: a dimensão espiritual de Jesus e a sua missão insuperável de amor, representaram uma Nova

Era para a Humanidade.

79

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de Kardec à q. 625. 80

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 625.

Objetivos

Ideias principais

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— Antes de tudo, precisamos compreender que Jesus não foi um filósofo e nem poderá ser

classificado entre os valores propriamente humanos, tendo-se em conta os valores divinos de sua

hierarquia espiritual, na direção das coletividades terrícolas.81

, 82

Jesus, ao encarnar na Terra, foi o único homem integralmente feito à imagem e semelhança de Deus.

Em outras palavras, quando Allan Kardec afirma que Jesus era animado pelo Espírito Divino, significa dizer

que seus ensinamentos e ações estavam em absoluta sintonia com Deus.

“Tendo Jesus a missão de transmitir aos homens o pensamento de Deus, sua doutrina pura pode

sozinha ser a expressão desse pensamento. [...]”83

Sem dúvida alguma, a missão de Jesus tinha um caráter libertador. Não era propriamente a libertação

de um povo por meio de uma revolução, mas de toda a Humanidade por meio do amor e da paz,

estabelecendo os fundamentos espirituais da Nova Era: “Porque o filho do homem veio salvar o que está

perdido.” (Mateus, 18:11.)

A proposta renovadora de Jesus indica que o caminho a ser feito em direção a Deus se dá no interior

de cada um de nós, pelas transformações íntimas que alcançamos por meio da vivência plena de seus

ensinamentos.

O próprio Cristo afirmou: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por

mim.” (João, 14:6.)

Muitos discípulos, nas várias escolas cristãs, entregaram-se a perquirições

84 teológicas,

transformando os ensinos do Senhor em relíquia morta dos altares de pedra; no entanto, espera o

Cristo venhamos todos a converter-lhe o Evangelho de amor e sabedoria em companheiro da

prece, em livro escolar no aprendizado de cada dia, em fonte inspiradora de nossas mais humildes

ações no trabalho comum e em código de boas maneiras no intercâmbio fraternal.85

A mensagem de Jesus, mesmo passados mais de dois mil anos, continua sendo a bússola

imprescindível para a nossa evolução espiritual:

Enquanto os reis terrestres têm um reino com períodos definidos pelas circunstâncias, ou pelo

próprio tempo de vida dos monarcas, o reinado de Jesus é perene, pois seu foco é o espírito

imortal.86

Na questão 11 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec faz a seguinte indagação à Espiritualidade:

O homem poderá, um dia, compreender o mistério da Divindade?

Os Espíritos superiores respondem: “Quando seu espírito não for mais obscurecido pela matéria e, por sua perfeição, tiver se aproximado

dele, então, ele o verá e o compreenderá.”

Jesus chegou a este patamar de perfeita comunhão com Deus. Algumas tradições religiosas

consideram que Jesus seja Deus, apesar de em vários momentos o próprio Cristo estabelecer uma hierarquia

absoluta entre Ele e o Pai. É inegável, porém, que Jesus ao falar, curar e amar, concretizava Deus no

cotidiano humano.

81

Terrícola: que vive na terra. 82

XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. Imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 3 — Religião, q. 283. 83

KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XVII, it. 26. 84

Perquirições: pesquisas, investigações. 85

XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1. Imp. Brasília: FEB, 2016. Interpretação dos textos sagrados, p. 14. 86

22º Encontro Espírita sobre Jesus — trecho da mensagem psicográfica recebida pelo médium Mário Coelho, em 9 de novembro de 2014, no Centro Espírita Léon Denis.

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2. A vida e a época de Jesus

Jesus é o Governador Espiritual do Planeta, em cujas mãos estão os destinos de toda a humanidade

terrena. Tomando como referência este princípio, quando analisamos a vida e a época de Jesus, é

fundamental não nos limitarmos apenas à pesquisa histórica, embora ela seja uma importante fonte de

informações.

A revelação espiritual acerca da vida de Jesus e de sua missão contribui para que possamos

preencher algumas lacunas que a pesquisa histórica ainda não consegue solucionar. Neste sentido, para a

reconstituição do “Jesus real”, reestabelecendo a legítima compreensão da essência do Cristianismo,

buscaremos conciliar, na medida do possível, a pesquisa histórica e a revelação espiritual.

2.1. O ano do nascimento de Jesus Nos Evangelhos, há poucas menções ao primeiro período da vida de Jesus. Os historiadores do

Cristianismo são unânimes em afirmar que os Evangelhos não são obras de História, no sentido usual da

palavra. De fato, os evangelistas não pretendiam produzir uma biografia completa da vida de Jesus. A

finalidade dos evangelistas era a de transmitir o ensino do Mestre e os fatos principais da sua trajetória, com

o objetivo de mostrar para o futuro o testemunho da fé. Em última análise, os evangelhos pretenderam expor

Jesus na qualidade de Cristo, e não apenas como um homem a frente de seu tempo.

A maioria dos estudiosos acredita que Jesus nasceu no ano 749 da era romana, que equivale ao ano 5

a.C. do calendário moderno. Entretanto, merece ser transcrito o extraordinário texto do Espírito Humberto de

Campos em que ele revela a data do nascimento do Cristo:

— João — disse-lhe o Mestre —, lembras-te do meu aparecimento na Terra?

— Recordo-me, Senhor. Foi no ano 749 da era romana, apesar da arbitrariedade de frei Dionísio,

que, calculando no século VI da Era Cristã, colocou erradamente o vosso natalício em 754.

— Não, meu João — retornou docemente o Senhor —, não é a questão cronológica que me

interessa, ao te arguir sobre o passado.É que nessas suaves comemorações vem até mim o doce

murmúrio das lembranças!...

— Ah! sim, Mestre amado – retrucou pressuroso o discípulo, compreendo-vos. Falais da

significação moral do acontecimento.Oh!... se me lembro... a manjedoura, a estrela guiando os

poderosos ao estábulo humilde, os cânticos harmoniosos dos pastores, a alegria ressoante dos

inocentes, afigurando-se-nos que os animais vos compreendiam mais que os homens, aos quais

ofertáveis a lição da humildade, com o tesouro da fé e da esperança. [...]87

2.2. Anúncio do nascimento

Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, prometida em casamento a José,

antes de coabitarem, concebeu pelo Espírito Santo.88

José, seu esposo, sendo justo e não querendo

difamá-la, resolveu repudiá-la em segredo. Após ter cogitado estas coisas, eis que em sonho

apareceu-lhe um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua

mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e o chamarás

pelo nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados. Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito pelo Senhor através do profeta, que diz: Eis que a virgem

conceberá e dará à luz um filho, e o chamarás pelo nome de Emmanuel, que traduzido é

“Deus conosco”. Ao despertar do sono, José agiu conforme lhe ordenara o anjo do Senhor, e recebeu sua mulher. Mas não a conheceu até ela dar à luz um filho, a quem chamou pelo

nome de Jesus. (Mateus, 1:18 a 25).89

87

XAVIER, Francisco C. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito Humberto de Campos. 17. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 15 – A ordem do Mestre, p. 82. 88

“Nos tempos hebraicos, a locução Espírito Santo era uma expressão familiar aos hebreus, significando tanto a manifestação pessoal de Deus por um ato qualquer, como a inspiração divina, o próprio sopro de Deus.”In: LIMA, Antônio. Vida de Jesus. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. 89

DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Nota da Editora: todas as citações do Novo testamento inseridas neste capítulo foram extraídas dessa fonte. Neste sentido, para uma melhor fluidez do texto, não iremos repetir essa referência.

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Começava a era definitiva da maioridade espiritual da humanidade terrestre, uma vez que Jesus,

com a sua exemplificação divina, entregaria o código da fraternidade e do amor a todos os

corações.90

2.3. Período da infância de Jesus

A criança crescia e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ela.

(Lucas, 2:40.)

Como já afirmamos anteriormente, certas passagens da vida de Jesus não são detalhadamente

apresentadas nos evangelhos. Em virtude disso, é necessário apresentar as passagens existentes,

complementando-a com o que a revelação espiritual tem nos oferecido até o momento:

Ora, seus genitores dirigiam-se a Jerusalém, anualmente, para a festa da Páscoa. Quando

completou doze anos, eles subiram {para Jerusalém}, segundo o costume da festa, porém,

terminados os dias, ao regressarem, permaneceu o menino Jesus em Jerusalém, sem que o

soubessem seus genitores. Todavia, supondo que ele estivesse na caravana dos viajores,

percorreram o caminho de um dia; e novamente o procuraram entre os parentes e os conhecidos.

Não o encontrando, regressaram a Jerusalém, procurando-o novamente. Decorridos três dias, eles

o encontraram no Templo, sentando em meio aos mestres, ouvindo-os e interrogando-os; e todos

os que o ouviam espantavam-se com a sua compreensão e com as suas respostas. Ao vê-lo,

surpreenderam-se, e sua mãe lhe perguntou: Filho, por que agiste assim conosco? Eis que teu pai e

eu, aflitos, te procurávamos. Ele lhes respondeu: Por que me procuravam? Não sabiam que eu

preciso estar nas coisas do meu Pai? Eles, porém, não compreenderam as palavras que ele lhes

dissera. Então, desceu com eles, indo para Nazaré e submetendo-se a eles. Sua mãe, porém,

guardava todas essas coisas em seu coração. Jesus progredia em sabedoria, em estatura e em graça,

junto a Deus e aos homens. (Lucas, 2:41 a 52.)

2.4 A Palestina da época de Jesus A seguir, algumas informações bastante resumidas da geografia na qual os acontecimentos que são

descritos nos evangelhos ocorreram.

Jesus nasceu no território conhecido hoje como a Palestina. É necessário considerar, porém, que este

é o nome mais recente do local, dado pelos romanos. Os hebreus a chamavam de Canaã, a “Terra Prometida

por Deus”, como afirmamos no capítulo A História do Povo Judeu.

Hoje em dia também conhecida como “Terra Santa”, este território tem proximidade com alguns

países como o Egito,a Arábia Saudita, a Síria, a Jordânia e o Líbano.

Na época de Jesus, a Palestina estava dividida em várias regiões, sendo as principais: Samaria,

Judeia e Galileia.

Situada no norte da Palestina, tendo uma população composta de fenícios, sírios, árabes e gregos, a

Galileia foi o palco,na maior parte do tempo, da vivência e das pregações do Mestre. A Palestina era uma região voltada para a atividade agrícola. Graças ao rio Jordão, ao Mar

Mediterrâneo e mar da Galileia,91

a pesca era uma atividade comum.

O centro de Israel estava situado em Jerusalém. Nesta capital que ficava a 760 metros acima

do nível do Mar Mediterrâneo, concentrava a cultura judaica e recebia em épocas de festividades

cerca de 180 mil peregrinos.

Próximo da capital estava o Gólgota (termo em aramaico que significa calvário), local onde

Jesus foi crucificado.

A Judeia também era atravessada pelo rio Jordão e pelo Mar Morto, ao passo que a Samaria,

localizada entre a Galileia e a Judeia, era um território cuja população rivalizava com os judeus,

apesar de ambos os povos serem originários das 12 tribos de Israel.

90

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 12 — A vinda de Jesus, it. A manjedoura. 91

Nota da Editora: conhecido também como mar de Tiberíades e lago de Genesaré.

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38

Por estarem proibidos de frequentar o Templo de Jerusalém, os samaritanos, sob o comando de um

sacerdote de Sião, construíram um santuário em cima do monte Garizim, no centro da Samaria, para rivalizar

com o da Judeia.

Foi neste local que Jesus esteve por alguns dias e estabeleceu um de seus diálogos mais notáveis:

[...] {ele} deixou a Judeia e partiu novamente para a Galileia. Era necessário ele passar pela

Samaria. Assim, dirigiu-se a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, próximo do lugar que Jacó

deu a José, seu filho. Estava ali a fonte de Jacó. Desse modo, Jesus, cansado da jornada, estava

sentado sobre a fonte; era quase a hora sexta. Vem uma mulher da Samaria tirar água. Jesus lhe

diz: Dá-me de beber. Pois os seus discípulos haviam ido à cidade, a fim de comprarem alimentos.

Assim, a mulher samaritana lhe diz: Como tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher

samaritana? — pois judeus não se associam com samaritanos. Em resposta, Jesus lhe disse: Se

conhecesses o dom de Deus, e quem é aquele que te diz “Dá-me de beber”, tu lhe pedirias e {ele}

te daria água viva. {Ela} lhe diz: Senhor, nem tens vasilha e o poço é profundo; portanto, donde

tens a água viva? Porventura, tu és maior do que nosso pai Jacó, que nos deu do poço, do qual ele

mesmo bebeu, como também seus filhos, e seu rebanho? Em resposta, disse-lhe Jesus: todo aquele

que bebe desta água terá sede novamente. Mas, quem beber da água que eu lhe der se tornará, nele,

uma fonte da água jorrando para a vida eterna. (João, 4:3 a 14.)

2.5 João Batista, o precursor de Jesus.

Sentado como um peregrino, nas adjacências do templo, Jesus foi notado por um grupo de

sacerdotes e pensadores ociosos, que se sentiram atraídos pelos seus traços de formosa

originalidade e pelo seu olhar lúcido e profundo. Alguns deles se afastaram, sem maior interesse,

mas Hanã, que seria, mais tarde, o juiz inclemente de sua causa, aproximou-se do desconhecido e

dirigiu-se-lhe com orgulho:

— Galileu, que fazes na cidade?

— Passo por Jerusalém, buscando a fundação do reino de Deus! — exclamou o Cristo, com

modesta nobreza.

— Reino de Deus? — tornou o sacerdote com acentuada ironia. — E que pensas tu venha a ser

isso?

— Esse reino é a obra divina no coração dos homens! — esclareceu Jesus, com grande serenidade.

— Obra divina em tuas mãos? —revidou Hanã, com uma gargalhada de desprezo.

E, continuando as suas observações irônicas, perguntou:

— Com que contas para levar avante essa difícil empresa? Quais são os teus seguidores e

companheiros?... Acaso terás conquistado o apoio de algum príncipe desconhecido e ilustre, para

auxiliar-te na execução de teus planos.

— Meus companheiros hão de chegar de todos os lugares — respondeu o Mestre com

humildade.92

Esse diálogo contido no o livro Boa Nova, demonstra o quanto a mensagem de Jesus soava como um

absurdo para os poderosos da época. Podemos também notar que embora Jesus pudesse ter a capacidade de

ação ilimitada, diante da sua superioridade espiritual, em todos os momentos elegeu a cooperação como

princípio fundamental de sua missão gloriosa.

João Batista foi o seu precursor:

João, de fato, partiu primeiro, a fim de executar as operações iniciais para grandiosa conquista.

Vestido de peles e alimentando-se de mel selvagem, esclarecendo com energia e deixando-se

degolar em testemunho à Verdade, ele precedeu a lição da misericórdia e da bondade. O Mestre dos mestres quis colocar a figura franca e áspera do seu profeta no limiar de seus gloriosos

ensinos e, por isso, encontramos em João Batista um dos mais belos de todos os símbolos imortais

do Cristianismo. [...]93

92

XAVIER, Francisco C. Boa Nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 37. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 3 — Primeiras

pregações, p. 24. 9393

XAVIER, Francisco C. Boa Nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 37. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 2 —

Jesus e o precursor, p. 21.

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39

João Batista se notabilizou como um ardoroso pregador da vinda do Messias escolhido por Deus. A

sua pregação irritava os poderosos da época, dentre os quais, os sacerdotes acostumados com os privilégios

que a condição religiosa lhes proporcionava.

Podemos ter a dimensão do testemunho de João Batista na citação a seguir:

Este é o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram sacerdotes e levitas de Jerusalém,

para o interrogarem: Quem és tu? Ele confessou e não negou; confessou: Eu não sou o Cristo. E

interrogaram-no: Então, quem {és}? Tu és Elias? Ele diz: Não sou. Tu és o Profeta? Respondeu:

Não. Disseram-lhe, então: Quem és, para darmos uma resposta aos que nos enviaram? Que dizes a

respeito de ti mesmo? Disse: Eu sou Voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor,

como disse o profeta Isaías. E os que tinham sido enviados eram dos fariseus. Interrogaram-no, e

disseram-lhe: Então por que batizas, se não és o Cristo, nem Elias, nem o Profeta? Respondeu-lhes

João, dizendo: Eu mergulho na água. No meio de vós, está quem vós não conheceis, aquele que

vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar a correia das sandálias. (João, 1:19 a 27.)

2.6 Os ensinamentos insuperáveis do Cristo.

BEM-AVENTURANÇAS E, levantando os olhos para os seus discípulos, dizia: Bem-aventurados os pobres, porque vosso é

o Reino de Deus. Bem-aventurados vós que tendes fome agora, porque sereis saciados. Bem-

aventurados vós que chorais agora, porque rireis. Bem-aventurados sois quando os homens vos

odiarem, e quando vos excluírem, vos injuriarem e repelirem o vosso nome como mau, por causa

do filho do homem. Alegrai-vos naquele dia e saltai {de alegria}, pois — eis que — {é} grande a

vossa recompensa no Céu: [...] Todavia, ai de vós, os ricos, porque estais recebendo a vossa

consolação. Ai de vós, os que estais fartos, porque tereis fome. Ai de vós, os que estão rindo agora,

porque estareis aflitos e chorareis. (Lucas, 6:20 a25.)

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS Espírito Lacordaire (Havre, 1863).

Livro: O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. V, it. 18 — Bem e mal sofrer.

Quando Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence”, ele não se

referia aos sofredores em geral, pois todos os que estão na Terra sofrem, quer estejam sobre um

trono ou na miséria; porém, poucos sabem sofrer, poucos compreendem que só as provas bem

toleradas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é um erro; Deus vos recusa

consolações se vos falta coragem. A prece é um sustentáculo para a alma, mas não é suficiente, é

preciso que ela seja apoiada sobre uma fé viva na vontade de Deus. Muitas vezes vos foi dito que

ele não envia um fardo pesado para ombros frágeis; o fardo é proporcional às forças, como a

recompensa é proporcional à resignação e à coragem. A recompensa será tanto mais grandiosa

quanto mais penosa for a aflição, mas é preciso merecer essa recompensa; é por isso que a vida é

cheia de adversidades.

O militar que não é enviado para a luta não fica contente, porque o repouso no campo não lhe

proporciona nenhuma promoção; sede, pois, como o militar e não procureis um repouso no qual

vosso corpo se enfraqueceria e vossa alma se embotaria. Ficai satisfeitos quando Deus vos envia à

luta. Essa luta não é o fogo da batalha, mas as aflições da vida onde, muitas vezes, é necessário ter

mais coragem que em um sangrento combate, porque aquele que permanece firme diante do

inimigo, cederá sob a pressão de um sofrimento moral.

O homem não tem recompensas por essa espécie de coragem, mas Deus lhe reserva os louros da

vitória e um lugar glorioso. Quando vos chegar um motivo de dor ou de contrariedade, esforçai-

vos para superá-lo, e quando chegardes a dominar os impulsos da impaciência, da cólera ou do

desespero, dizei com uma justa satisfação: “Eu fui o mais forte”.

“Bem-aventurados os aflitos” pode, portanto, ser assim traduzido: Bem-aventurados aqueles que

têm o ensejo de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus,

pois eles terão centuplicada a alegria que lhes falta na Terra, e, após o trabalho, virá o repouso.94

94

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010.

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PARÁBOLA DO TRIGO E DO JOIO Outra parábola propôs-lhes, dizendo: O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou

boa semente no seu campo. Dormindo, porém, os homens, veio o seu inimigo e semeou joio no

meio do trigo e partiu. Quando germinou o ramo e produziu fruto, então apareceu também o joio.

Aproximando-se os servos do senhor da casa, disseram-lhe: Senhor, não semeaste boa semente no

teu campo? De onde, portanto, terá vindo o joio? E ele lhes disse: Um homem inimigo fez isso; os

servos lhe dizem: Sendo assim, queres que, após sair, o recolhamos? Ele, porém, diz: Não; para

que, ao recolher o joio, não desenraizeis junto com ele o trigo. Deixai crescer ambos juntos até a

ceifa e, no tempo da ceifa, direi aos celeiros: Recolhei primeiro o joio e atai-o em molhos para os

queimar; o trigo, porém, reuni no meu celeiro. (Mateus, 13:24 a 30.)

INTERPRETAÇÃO ESPIRITUAL DA PARÁBOLA

Pelo Espírito Emmanuel

Livro: Vinha de Luz. Cap. 107 — Joio.

Quando Jesus recomendou o crescimento simultâneo do joio e do trigo, não quis senão demonstrar

a sublime tolerância celeste, no quadro das experiências da vida. O Mestre nunca subtraiu as

oportunidades de crescimento e santificação do homem e, nesse sentido, o próprio mal, oriundo

das paixões menos dignas, é pacientemente examinado por seu infinito amor, sem ser destruído de

pronto.

Importa considerar, portanto, que o joio não cresce por relaxamento do Lavrador divino, mas sim

porque o otimismo do celeste Semeador nunca perde a esperança na vitória final do bem.

O campo do Cristo é região de atividade incessante e intensa. Tarefas espantosas mobilizam

falanges heroicas; contudo, apesar da dedicação e da vigilância dos trabalhadores, o joio surge,

ameaçando o serviço.

Jesus, porém, manda aplicar processos defensivos com base na iluminação e na misericórdia. O

tempo e a bênção do Senhor agem devagarinho e os propósitos inferiores se transubstanciam.

O homem comum ainda não dispõe de visão adequada para identificar a obra renovadora. Muitas

plantas espinhosas ou estéreis são modificadas em sua natureza essencial pelos filtros amorosos do

Administrador da Seara, que usa afeições novas, situações diferentes, estímulos inesperados ou

responsabilidades ternas que falem ao coração; entretanto, se chega à época da ceifa, depois do

tempo de expectativa e observação, faz-se então necessária a eliminação do joio em molhos.

A colheita não é igual para todas as sementes da terra. Cada espécie tem o seu dia, a sua estação.

Eis por que, aparecendo o tempo justo, de cada homem e de cada coletividade exige-se a extinção

do joio, quando os processos transformadores de Jesus foram recebidos em vão. Nesse instante,

vemos a individualidade ou o povo a se agitarem em razão de aflições e hecatombes diversas, em

gritos de alarme e socorro, como se estivessem nas sombras de naufrágio inexorável. No entanto,

verifica-se apenas a destruição de nossas aquisições ruinosas ou inúteis. E, em vista do joio ser

atado, aos molhos, uma dor nunca vem sozinha.95

PARÁBOLA DO DEVEDOR IMPLACÁVEL Por isso, o Reino dos Céus é semelhante a um homem rei que quis ajustar contas com os seus

servos. Ao começar a ajustar {as contas}, foi trazido a ele um devedor de dez mil talentos. Não

tendo ele {com que} pagar, o senhor ordenou que fossem vendidos ele, a mulher, as crianças, e

tudo quanto tinha, para que fosse pago. Então, prosternando-se,96

o servo o reverenciava, dizendo:

Sê longânime97

para comigo, e tudo te pagarei. O senhor daquele servo, compadecendo-se,

liberou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos,98

que lhe devia cem denários99

e, agarrando-o, o estrangulava, dizendo: Paga, se algo me deves.

Assim, prosternando-se, o seu conservo rogava-lhe, dizendo: Sê longânime para comigo, e te

pagarei. Ele, porém, não queria; mais saiu e lançou-o na prisão, até que pagasse o que estava

devendo. Vendo, pois, os seus conservos o que acontecera, entristeceram-se muito, e vieram

relatar ao seu senhor tudo o que acontecera. Então, o seu senhor, convocando-o, lhe disse: Servo

mau, perdoei-te toda aquela dívida, quando me rogaste. Não devias tu, igualmente, ter misericórdia

do teu conservo, como eu também tive misericórdia de ti? E, irando-se, o seu senhor o entregou

95

XAVIER, Francisco C. Vinha de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2017. 96

Prosternar: curvar-se ao chão, em sinal de profundo respeito. 97

Longânime: ser paciente, clemente ou benigno. 98

Conservos: aquele que é servo justamente com alguém. 99

Denário: moeda de prata romana correspondente ao salário pago por um dia de trabalho no campo.

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aos carcereiros até que pagasse tudo o que estava devendo. Assim vos fará meu Pai {que está} nos

céus, se não perdoardes, de coração, cada um ao seu irmão. (Mateus, 18:23 a 35.)

INTERPRETAÇÃO ESPIRITUAL DA PARÁBOLA Pelo Espírito Emmanuel Livro: Ideal Espírita. Cap. 86 — Dívidas.

A criatura em si, não é apenas a soma das próprias realizações, mas também o produto de débitos

inumeráveis para com o grupo a que pertence.

Cada um deve incalculáveis tributos às almas com quem convive.

Não nos esqueçamos de que vivemos empenhados à boa vontade dos corações amigos…

A sabedoria dos mais experiente…

Ao carinho dos companheiros próximos…

Ao apoio e ao estimulo dos familiares…

Aos nobres impulsos das relações fraternais…

Portanto, pelo reconhecimento das nossas dívidas comuns, provamos a real inconsequência do

orgulho e da vaidade em qualquer coração e a impraticabilidade do insulamento em nosso passo

evolutivo.

A dívida importa em compromisso e compromisso significa resgate natural ou compulsório.

Todos somos devedores uns dos outros.

Se ainda alimentas algum laivo de superioridade egoística, à frente dos semelhantes, lembra-te das

dívidas numerosas, que ainda não saldaste, a começar pelo próprio instrumento físico que te foi

emprestado temporariamente.100

O MANDAMENTO MAIOR

Os fariseus, ouvindo que ele fizera calar os saduceus,101

reuniram-se em conselho, e um deles,

testando-o, o interrogou: Mestre, qual {é} o grande mandamento da lei? Ele lhe disse: Amarás {o}

Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com toda a tua mente. Este é o

primeiro e grande mandamento. O segundo, semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti

mesmo. Nestes dois mandamentos está dependurada toda a lei e os profetas. (Mateus, 22:34 a 40.)

INTERPRETAÇÃO DE ALLAN KARDEC:

Livro: O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. XV, it, 5.

Caridade e humildade, este é o único caminho para a salvação; egoísmo e orgulho, este é o da

perdição. Tal princípio está formulado de maneira precisa nas seguintes palavras: “Amarás a Deus

de toda a tua alma e ao teu próximo como a ti mesmo, toda a lei e os profetas estão contidos

nesses dois mandamentos”. E para que não houvesse dúvidas na interpretação do amor a Deus e do

amor ao próximo, acrescentou: “E eis o segundo mandamento, que é semelhante ao primeiro”; isto

quer dizer que não se pode amar verdadeiramente a Deus sem amar o próximo, nem amar o

próximo sem amar a Deus; portanto, tudo o que se faz contra o próximo, é contra Deus que se faz.

Não se podendo amar a Deus sem praticar a caridade com o próximo, todos os deveres do homem

se acham resumidos nestas palavras: Fora da caridade não há salvação.102

100

XAVIER, Francisco C. Ideal espírita. Por diversos Espíritos. Uberaba: CEC, 1963. Cap. 86 — Dúvidas. 101

Saduceus: pertencentes à alta sociedade, membros de famílias sacerdotais. 102

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010.

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2.7 Cronologia resumida

5 a.C. Nascimento de Jesus

6 d.C. A Judeia se torna oficialmente província

18 d.C. José Caifás é nomeado sumo sacerdote

26 d.C. Pôncio Pilatos se torna governador (prefeito) em Jerusalém

26–28 d.C. Início do ministério de João Batista

28–30 d.C. Início da missão de Jesus Cristo

30–33 d.C. Morte de Jesus Cristo

37 d.C. Conversão de Saulo de Tarso (Paulo)

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CAPÍTULO 6

A VIDA, A MISSÃO E OS ENSINAMENTOS DO

APÓSTOLO PAULO

Analisar a vida de Saulo de Tarso como importante figura do judaísmo de

sua época.

Demonstrar as perseguições realizadas por Saulo, doutor da Lei, ao

Cristianismo nascente.

Compreender a importância da conversão de Saulo para a mudança do

Cristianismo do primeiro século.

Abordar as cartas de Paulo e realizar uma compreensão à luz da Doutrina

Espírita.

1. Saulo de Tarso, o doutor da Lei

Para se entender adequadamente a vida de Saulo de Tarso, é necessário, antes de tudo, ter a noção da

complexidade dessa figura histórica responsável pela universalização do Cristianismo.

Saulo nasceu em Tarso, capital da Cilícia, no início do século I da nossa era. Fazia parte de uma

família judaica da tribo de Benjamin, além de possuir cidadania romana e vasto conhecimento da cultura

grega, a mais influente da época.

Saulo teve contato com o que havia de mais importante na cultura, na religião e na política daquele

momento, reunindo, assim, todas as qualidades de um homem bem-sucedido para os padrões da época.

No livro Paulo e Estêvão, Emmanuel analisa as qualidades de Saulo e as expectativas com relação ao

seu futuro:

[...] Os intelectuais do Templo estimavam nele uma personalidade vigorosa, um guia seguro,

tomando-o por mestre no racionalismo superior. Os mais antigos sacerdotes e doutores do Sinédrio

reconheciam-lhe a inteligência aguda e nele depositavam a esperança do porvir. Na época, sua

juventude dinâmica, votada quase inteiramente ao ministério da Lei, centralizava, por assim dizer,

todos os interesses da casuística. Com a argúcia psicológica que o caracterizava, o jovem tarsense

conhecia o papel que Jerusalém lhe destinava. [...]103

Saulo de Tarso, doutor da Lei, foi perseguidor implacável dos primeiros cristãos. O convertido

Paulo, tempos depois, na Carta aos Filipenses, recorda corajosamente o seu ímpeto intolerante:

Circuncidado ao oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamin, hebreu filho de hebreus;

quanto à Lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto à justiça que há na Lei,

irrepreensível. (Filipenses, 3:5 e 6.)

103

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 1, cap. VII — As primeiras perseguições.

Objetivos

Ideias principais

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A mensagem do Cristo, totalmente voltada para a realidade espiritual, colidia com as expressões

religiosas defendidas de maneira implacável pelo jovem de Tarso. O momento crucial de sua fervorosa

idolatria às realidades transitórias aconteceu quando surgiu em sua vida a figura evangelizada de Estêvão.

Em Atos dos apóstolos, temos a dimensão da importância de Estêvão, um judeu helenista, nascido na

cidade de Corinto, região dominada pelos romanos.

Estêvão, cheio de graça e poder, realizava prodígios e grandes sinais entre o povo. Levantaram-se

alguns dos {que eram} da sinagoga chamada dos Libertos, dos cireneus, dos alexandrinos, dos

provenientes da Cilícia e da Ásia, e debatiam com Estêvão. E não podiam resistir à sabedoria e ao

espírito com que falava. Então subornaram varões que diziam: Temos ouvido este {homem}

falando palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus. Instigaram o povo, os anciãos e os

escribas e, aproximando-se, o arrebataram e o conduziram ao Sinédrio. Apresentaram testemunhas

falsas, que diziam: Este homem não cessa de falar palavras contra o lugar santo e contra a Lei.

Pois {nós} o ouvimos dizer que esse Jesus, o Nazareno, destruirá este lugar e mudará os costumes

que Moisés nos transmitiu. Todos os que estavam sentados no Sinédrio, fixando os olhos nele,

viram o rosto dele como {se fosse} rosto de anjo. (Atos, 6:8 a15.)104

No livro Paulo e Estêvão, Emmanuel demonstra a intensa participação de Saulo na prisão e morte de

Estêvão. Vejamos a seguir como Saulo, no intuito de defender a lei de Moisés, chegava ao limite da

violência extrema:

[...] O caso de Estêvão é muito diferente. Trata-se de um homem sem significação para nós outros,

que se arvorou em reformador sedicioso e insolente. Sua personalidade representa, de fato, a

continuidade do desrespeito e do insulto à Lei de Moisés, iniciados em movimento de vastas

proporções por um carpinteiro alucinado, de Nazaré. Achas, então, que se não deve punir o ladrão

que assalta uma residência? Não merecerão castigo os que blasfemam no santuário do Eterno?105

Estêvão enfrentou com absoluta coragem a provação inevitável, jamais perdendo a fé em Deus,

demonstrando ser um fiel seguidor de Cristo.

A defesa de Estêvão no Sinédrio, revelou de maneira inequívoca a sua grandeza espiritual. A seguir,

selecionaremos trechos de sua defesa contidos em Atos dos apóstolos e no livro Paulo e Estêvão, duas fontes

que, como você já pôde perceber, têm sido guias importantes para a elaboração inicial deste capítulo:

[...] como os vossos Pais, {sois} também vós. Qual dos Profetas vossos Pais não perseguiram?

Mataram os que haviam predito sobre a vida do Justo, do qual vos tornastes agora traidores e

assassinos, vós que recebestes a Lei em preceitos de anjos, e não guardastes. (Atos, 7:51 a 53.)

— Como vedes, sois acusado de blasfemo, caluniador e feiticeiro [...]

— Permito-me perguntar em que sentido — retrucou o interpelado, com desassombro.

— Blasfemo quando inculcais o carpinteiro de Nazaré como Salvador; caluniador quando

achincalhais a Lei de Moisés, renegando os princípios sagrados que nos regem os destinos.

Confirmais tudo isso? Aprovais essas acusações?

Estevão esclareceu sem titubear:

— Mantenho minha crença de que o Cristo é o Salvador prometido pelo Eterno, por meio dos

ensinos dos profetas de Israel, que choravam e sofreram no decurso de longos séculos, por transmitir-nos os júbilos doces da Promessa. Quanto à segunda parte, suponho que a acusação

procede de interpretação errônea acerca de minhas palavras. Jamais deixei de venerar a Lei e as

Sagradas Escrituras, mas considero o Evangelho de Jesus o seu divino complemento. As primeiras

são o trabalho dos homens, o segundo é o salário de Deus aos trabalhadores fiéis.

— Sois então de parecer — disse Saulo sem dissimular irritação diante de tanta firmeza — que o

carpinteiro é maior que o grande legislador?

— Moisés é a justiça pela revelação, mas o Cristo é o amor vivo e permanente.106

104

DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Nota da Editora: todas as citações do Novo

testamento inseridas neste capítulo foram extraídas dessa fonte. Neste sentido, para uma melhor fluidez do texto, não iremos

repetir essa referência. 105

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 1, cap. VIII – A morte de

Estêvão, p. 134 e 135. 106

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017.Pt. 1, cap. VI —

Ante o Sinédrio, p. 96 e 97.

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Quando optamos por mencionar o trecho do Novo Testamento e em seguida uma obra espírita da

importância de Paulo e Estêvão, temos como objetivo demonstrar de maneira clara a íntima relação entre as

três revelações da Lei de Deus: o Antigo Testamento, o Novo Testamento e a Doutrina Espírita.

Feita essa consideração, importa assinalar que a morte de Estêvão mudaria definitivamente a vida de

Saulo de Tarso:

Lançando-o para fora da cidade, o apedrejaram. As testemunhas depuseram as suas vestes junto

aos pés de um jovem, chamado Saulo. E apedrejaram a Estêvão, que invocava dizendo: Senhor

Jesus, recebe o meu espírito. Pondo-se de joelhos, gritou com grande voz: Senhor, não lhes

imputes este pecado. E, tendo dito isto, adormeceu. (Atos, 7:58 a 60.)

[...] Vendo que Jesus contemplava, melancolicamente a figura do doutorde Tarso, como a lamentar

seus condenáveis desvios, o discípulo de Simão [Estêvão] experimentou pelo verdugo sincera

amizade no coração. Ele conhecia o Cristo e Saulo não. [...]107

Saulo encontraria Jesus e este momento sublime transformaria sua vida para sempre, e, por extensão,

o Cristianismo também iria ganhar um apóstolo da palavra e da ação. Agora no plano espiritual, Estêvão

auxiliaria Paulo, o convertido de Damasco, na sua missão redentora de divulgação da Boa-Nova.

2. A conversão de Saulo de Tarso

Logo após ao apedrejamento de Estêvão, Saulo de Tarso não satisfeito, deixou Jerusalém para

encontrar e punir exemplarmente outros seguidores de Jesus. O jovem perseguidor se ofereceu de maneira

voluntária para esta missão, mesmo sem ter recebido esta ordem do sumo sacerdote.

Foi quando estava a caminho da cidade de Damasco que o jovem fariseu teve uma experiência

inédita. Quando se aproximou dos portões da cidade de Damasco com seus companheiros de viagem, de

repente foi envolvido por luzes diferentes da tonalidade solar, piscando ao seu redor, desmoronando no chão

diante da inexplicável luminosidade.

Eis que de repente uma voz lhe interroga:

“— Saulo!... Saulo!...por que me persegues?”

“— Quem sois vós, Senhor?”, perguntou Saulo.

A resposta rompeu a luminosidade ofuscante:

“— Eu sou Jesus!...”108

A experiência o deixou cego, mas o auxílio do Cristo logo viria:

Esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu. Havia em Damasco um discípulo de nome

Ananias, e o Senhor lhe disse em visão: Ananias! Ele disse: Vede-me {aqui}, Senhor! {Disse} o

Senhor para ele: Levanta-te, vai pela viela chamada “Direita”, e procura, na casa de Judas, pelo

nome Saulo de Tarso, pois eis que {ele} está orando, e viu um varão de nome Ananias entrando e

impondo-lhe as mãos, a fim de que recobre a visão. Ananias, porém, respondeu: Senhor, de muitos

tenho ouvido a respeito deste varão, quantos males fez aos teus santos em Jerusalém. Aqui, {ele}

tem a autoridade dos sumos sacerdotes para prender a todos que invocam o teu nome. O Senhor

disse para ele: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido para carregar o meu nome diante

das nações, dos reis e dos filhos de Israel. (Atos, 9:9 a 16.)

[...] Banhado em pranto, como nunca lhe acontecera na vida, fez, ali mesmo, sob o olhar

assombrado dos companheiros e ao calor escaldante do meio-dia, a sua primeira profissão de fé.

— Senhor, que quereis que eu faça?

[...] Encontrando a revelação maior, em face do amor que Jesus lhe demonstrava solícito, Saulo de

Tarso não escolhe tarefas para servi-lo, na renovação de seus esforços de homem. Entregando-se-

107

______. ______. cap. VIII – A morte de Estêvão, p. 142 e 143. 108

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Cap. X — No caminho de Damasco, p. 178.

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lhe de alma e corpo como se fora ínfimo servo, interroga com humildade o que desejava o Mestre

da sua cooperação.

Foi aí que Jesus contemplando-o mais amorosamente e dando-lhe a entender a necessidade de os

homens se harmonizarem no trabalho comum da edificação de todos, no amor universal, em seu

nome, esclareceu generosamente:

— Levanta-te, Saulo! Entra na cidade e lá te será dito o que te convém fazer!...109

Convertido no ano 36 da nossa era, Saulo passou a se chamar Paulo de Tarso. É bastante raro alguém

empreender uma transformação interior tão radical como ocorreu com Paulo, consagrando a partir deste

momento toda a sua vida em função do Evangelho do Cristo.

De perseguidor, passou a ser perseguido, além de ter se tornado o protetor de todos os cristãos. Do

esplêndido status social que possuía, passou a viver como um humilde tecelão. Iniciou a sua pregação não

exatamente para os judeus, mas para os gentios110

que, até aquele instante, não haviam tido contato real com

o Cristo.

Sou agradecido para com aquele que me deu força, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me julgou fiel,

tomando-me para o seu serviço, a mim que outrora era blasfemo, perseguidor e insolente. Mas

obtive misericórdia, porque agi por ignorância, na incredulidade. Superabundou, porém, para mim,

a graça de nosso Senhor, com a fé e o amor que há em Cristo Jesus. Fiel é esta palavra e digna de

toda a aceitação. Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro.

Se me foi feita misericórdia, foi para que em mim primeiro, Cristo Jesus demonstrasse toda a sua

longanimidade, como exemplo para quantos nele hão de crer para a vida eterna. (I Timóteo, 1:12 a

16.)

3. O Apóstolo Paulo Ainda hoje, os ensinamentos de Paulo contêm aspectos de enorme relevância para a nossa evolução

espiritual. Paulo compreendia a urgência em propagar os ensinamentos do Cristo. No entanto, era

humanamente impossível estar presente em todos os lugares como ele gostaria. No instante de maior

angústia ante a impossibilidade de pregar a Boa-Nova com a extensão almejada, Emmanuel nos relata que o

próprio Cristo indicou a Paulo a melhor solução:

Sentindo-se incapaz de atender a todas as necessidades ao mesmo tempo, o abnegado discípulo do

Evangelho, valendo-se, um dia, do silêncio da noite, quando a Igreja se encontrava deserta, rogou

a Jesus, com lágrimas nos olhos, não lhe faltasse com os socorros necessários ao cumprimento

integral da tarefa.

Terminada a oração, sentiu-se envolvido em branda claridade. Teve a impressão nítida de que

recebia a visita do Senhor. Genuflexo,111

experimentando indizível112

comoção, ouviu uma

advertência serena e carinhosa:

— Não temas — dizia a voz —, prossegue ensinando a verdade e não te cales, porque estou

contigo.

O Apóstolo deu curso às lágrimas que lhe fluíam do coração. Aquele cuidado amoroso de Jesus,

aquela exortação em resposta ao seu apelo penetravam-lhe a alma em ondas cariciosas. A alegria

do momento dava para compensar todas as dores e padecimentos do caminho. Desejoso de

aproveitar a sagrada inspiração do momento que fugia, pensou nas dificuldades para atender às

várias igrejas fraternas. Tanto bastou para que a voz dulcíssima continuasse:

— Não te atormentes com as necessidades do serviço. É natural que não possas assistir

pessoalmente a todos, ao mesmo tempo, mas é possível a todos satisfazerem, simultaneamente,

pelos poderes do espírito.

Procurou atinar com o sentido justo da frase, mas teve dificuldade íntima de consegui-lo.

Entretanto, a voz prosseguia com brandura:

— Poderás resolver o problema escrevendo a todos os irmãos em meu nome; os de boa vontade

saberão compreender, porque o valor da tarefa não está na presença pessoal do missionário, mas

no conteúdo espiritual do seu verbo, da sua exemplificação e da sua vida. Doravante, Estêvão

109

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 1, cap. X — A caminho de Damasco, p. 180. 110

Gentios: eram todos os que não professavam a fé dos judeus. 111

Genuflexo: ajoelhado 112

Indizível: que não pode ser traduzido em palavras.

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permanecerá mais conchegado a ti, transmitindo-te meus pensamentos, e o trabalho de

evangelização poderá ampliar-se em benefício dos sofrimentos e das necessidades do mundo.113

Seguindo o conselho amoroso do Cristo, Paulo inicia uma nova fase de sua missão, transmitindo aos

seus discípulos como a genuína fé em Jesus Cristo nos liberta e nos transforma!

As Cartas de Paulo nascem do desejo de instruir, aconselhar e por vezes até mesmo repreender erros

cometidos. Em muitos momentos, as cartas tinham como objetivo maior estimular o bom ânimo aos

discípulos.

Se você chegou até aqui e se encantou pela história do “vaso escolhido”114

pelo Cristo, saiba que

para conhecê-lo, duas fontes você já teve acesso: os Atos dos apóstolos e a obra-prima Paulo e Estêvão, do

benfeitor espiritual Emmanuel.

A partir de agora, recolheremos uma nova pérola: as Cartas de Paulo.

4. As Cartas de Paulo

[...] num colar de pérolas, cada qual tem valor específico e que, no imenso conjunto de

ensinamentos da Boa-Nova, cada conceito do Cristo ou de seus colaboradores diretos adapta-se a

determinada situação do Espírito, nas estradas da vida. [...]115

Das quatorze Cartas de Paulo contidas no Novo Testamento, iremos mencionar uma passagem

importante de cada uma delas, convidando, desde já ao amigo leitor a conhecer o conteúdo integral dessas

cartas:

Romano

Tendo sido, pois, justificados pela fé, estamos em paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo,

por quem tivemos acesso, pela fé, a esta graça, na qual estamos firmes e nos gloriamos na

esperança da glória de Deus. E não é só. Nós nos gloriamos também nas tribulações, sabendo que

a tribulação produz a perseverança, a perseverança a virtude comprovada, a virtude comprovada a

esperança. (Romanos, 5:1 a 4.)

Coríntios (primeira e segunda cartas)

Eu vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo: guardai a concórdia uns com os

outros, de sorte que não haja divisões entre vós; sede estreitamente unidos no mesmo espírito e no

mesmo modo de pensar. (I Coríntios, 1:10.)

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda

consolação. Ele nos consola em todas as nossas tribulações, para que possamos consolar os que

estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebemos de Deus. Na

verdade, assim como os sofrimentos de Cristo são copiosos para nós, assim também por Cristo é

copiosa a nossa consolação. Se somos atribulados, é para a vossa consolação e salvação que o

somos. Se somos consolados, é para a vossa consolação que vos faz suportar os mesmos

sofrimentos que também nós padecemos. E a nossa esperança a vosso respeito é firme: sabemos que, compartilhando os nossos sofrimentos, compartilhareis também a nossa consolação. (II

Coríntios, 1:3 a 7.)

Gálatas

Vós fostes chamados à liberdade, irmãos. Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a

carne, mas, pela caridade, colocai-os a serviço uns dos outros. Pois toda a Lei está contida numa só

palavra: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Mas se vos mordeis e vos devorais reciprocamente, cuidado, não aconteça que vos elimineis uns aos outros. (Gálatas, 5:13 a 15.)

113

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. VII — As primeiras perseguições, p. 377 e 378. 114

O Senhor disse para ele: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido para carregar o meu nome diante das nações, dos reis e dos filhos de Israel. (Atos, 9:15.) 115

XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2016.Interpretação dos textos sagrados, p. 14.

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Efésios Vede, pois, cuidadosamente como andais: não como tolos, mas como sábios, tirando bom proveito

do período presente, porque os dias são maus. Por isso não sejais insensatos, mas procurai

conhecer a vontade do Senhor. E não vos embriagueis com vinho, que é a porta para a devassidão,

mas buscai a plenitude do Espírito. (Efésios, 5:15 a 18.)

Filipenses

Somente vivei vida digna do Evangelho de Cristo, para que eu, indo ver-vos ou estando longe,

ouça dizer de vós que estais firmes num só espírito, lutando juntos com uma só alma, pela fé do

Evangelho, e que em nada vos deixais atemorizar pelos vossos adversários, o que para eles é sinal

de ruína, mas, para vós, de salvação, e isso da parte de Deus. Pois vos foi concedida, em relação a

Cristo, a graça não só de crer nele, mas também de por ele sofrer, empenhados no mesmo combate

em que me vistes empenhados no mesmo combate em que me vistes empenhado e em que, como

sabeis, me empenho até agora. (Filipenses, 1:27 a 30.)

Colossenses

Tomais cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da “filosofia”,

segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo.

(Colossenses, 2:8.)

Tessalonicenses (primeira e segunda cartas)

Alegrai-vos sempre, orai sem cessar. Por tudo dai graças, pois esta é a vontade de Deusa vosso

respeito, em Cristo Jesus. Não extingais o Espírito; não desprezeis as profecias. Discerni tudo e ficai

com o que é bom. Guardai de toda espécie de mal. (I Tessalonicenses, 5:16 a 22.)

Quando estávamos entre vós, já vos demos esta regra: quem não quer trabalhar também não há de

comer. Ora, ouvimos dizer que alguns dentre vós levam vida à toa, muito atarefados sem nada

fazer. A estas pessoas ordenamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem na

tranquilidade, para ganhar o pão com o próprio esforço. Quanto a vós, irmãos, não vos canseis de

fazer o bem. Se alguém desobedecer ao que dizemos nesta carta, notai-o, e não tenhais nenhuma

comunicação com ele, para que fique envergonhado. Não o considereis, todavia, como inimigo,

mas procurai corrigi-lo como irmão. (II Tessalonicenses, 3:10 a 15.)

Timóteo (primeira e segunda cartas)

Se, pois, temos alimento e vestuário, contentemo-nos com isso. Ora, os que querem se enriquecer

caem em tentação e cilada, e em muitos desejos insensatos e perniciosos, que mergulham os

homens na ruína e na perdição. Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro, por cujo

desenfreado desejo alguns se afastaram da fé, e a si mesmos se afligem com múltiplos tormentos.

(I Timóteo, 6:8 a 10.)

Foge das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, a caridade, a paz com aqueles que, de coração

puro, invocam o Senhor. Repele as questões insensatas e não educativas. Tu sabes que elas geram

brigas. Ora, o servo do Senhor não deve brigar; deve ser manso para com todos, competente no

ensino, paciente na tribulação. (II Timóteo, 2:22 a 24.)

Tito Evita controvérsias insensatas, genealogias, dissensões e debates sobre a Lei, porque para nada

adiantam, e são fúteis. Depois da primeira e da segunda admoestação,116

nada mais tens a fazer

com um homem faccioso,117

pois é sabido que o homem assim se perverteu e se entregou ao

pecado, condenando-se a si mesmo. (Tito, 3:9 a 11.)

Filemon

Dou sempre graças ao meu Deus, lembrando-me de ti em minhas orações, porque ouço falar do teu

amor e da fé que te anima em relação ao Senhor Jesus e para com todos os santos. Possa a tua

generosidade, inspirada pela fé tornar-se eficaz pelo conhecimento de todo bem que nos é dado

realizar por Cristo. De fato, tive grande alegria e consolação por causa do teu amor, pois, graças a

ti, irmão, foram reconfortados os corações dos santos. (Filemon, 1:4 a 7.)

116

Admoestação: advertência, corrigenda, conselho. 117

Faccioso: que exerce alguma ação contrária à Lei ou ao dogma.

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49

Hebreus Assim, meus santos irmãos e companheiros da vocação celeste, considerai atentamente Jesus, o

apóstolo e Sumo Sacerdote118

da nossa profissão de fé. É fiel a quem o constituiu, como também o

foi Moisés em toda a sua casa. Ele foi, de fato, considerado digno de maior honra do que Moisés.

Pois o arquiteto tem maior honra do que a própria casa. Toda casa, com efeito, tem o seu arquiteto;

mas o arquiteto de tudo é Deus. Ora, Moisés era fiel em toda a sua casa, como servo, para ser

testemunha das coisas que deveriam ser ditas. Cristo, porém, na qualidade de filho, está acima de

sua casa. Esta casa somos nós, se mantivermos a confiança e o motivo altaneiro119

da esperança.

(Hebreus, 3:1 a 6.)

5. As cartas de Paulo à luz da Doutrina Espírita

“Assim é que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram, eis que tudo se

fez novo.” — Paulo (II Coríntios, 5:17.)

INTERPRETAÇÃO ESPIRITUAL

Pelo Espírito Emmanuel Livro: Caminho, Verdade e Vida Cap. 7 — Tudo novo

É muito comum observarmos crentes inquietos, utilizando recursos sagrados da oração para que se

perpetuem situações injustificáveis tãosó porque envolvem certas vantagens imediatas para suas

preocupações egoísticas.

Semelhante atitude mental constitui resolução muito grave.

Cristo ensinou a paciência e a tolerância, mas nunca determinou que seus discípulos

estabelecessem acordo com os erros que infelicitam o mundo. Em face dessa decisão, foi à cruz e

legou o último testemunho de não violência, mas também de não acomodação com as trevas em

que se compraz a maioria das criaturas.

Não se engane o crente acerca do caminho que lhe compete.

Em Cristo tudo deve ser renovado. O passado delituoso estará morto, as situações de dúvida terão

chegado ao fim, as velhas cogitações do homem carnal darão lugar à vida nova em espírito, onde

tudo signifique sadia reconstrução para o futuro eterno.

É contrassenso valer-se do nome de Jesus para tentar a continuação de antigos erros.

Quando notarmos a presença de um crente de boa palavra, mas sem o íntimo renovado, dirigindo-

se ao Mestre como um prisioneiro carregado de cadeias, estejamos certos de que esse irmão pode

estar à porta do Cristo, pela sinceridade das intenções; no entanto, não conseguiu, ainda, a

penetração no santuário de seu amor.120

***

“Agora, pois, permanecem estas três, a fé, a esperança e a caridade; porém, a maior destas é a

caridade.” — Paulo (I Coríntios, 13:13.)

INTERPRETAÇÃO ESPIRITUAL

Pelo Espírito Emmanuel Livro: Ceifa de Luz Cap. 1 — Caridade do entendimento

Na sustentação do progresso espiritual precisamos tanto da caridade quanto do ar que nos assegura

o equilíbrio orgânico.

118

Sumo Sacerdote: aquele que representa os homens junto a Deus. 119

Altaneiro: que se eleva muito; que voa muito alto. 120

XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2016.

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50

*

Lembra-te de que a interdependência é o regime instituído por Deus para a estabilidade de todo o

Universo e não olvides a compreensão que devemos as todas as criaturas.

Compreensão que se exprima, por meio de tolerância e bondade incessantes, na sadia convicção de

que ajudando aos outros é que poderemos encontrar o auxílio indispensável à própria segurança.

*

À frente de qualquer problema complexo naqueles que te rodeiam, recorda que não seria justa a

imposição de teus pontos de vista para que se orientem na estrada que lhes é própria.

*

O Criador não dá cópias e cada coração obedece a sistema particular de impulsos evolutivos.

*

Só o amor é o clima adequado ao entrelaçamento de todos os seres da Criação e somente por meio

dele integrar-nos-emos na sintonia excelsa da vida.

*

Guarda, em todas as fases do caminho, a caridade que identifica a presença do Senhor nos

caminhos alheios, respeitando-lhes a configuração com que se apresentam.

*

Não te esqueças de que ninguém é ignorante porque o deseje e, estendendo fraternos braços aos

que respiram atribulados na sombra, diminuirás a penúria que se extinguirá, por fim, no mundo,

quando cada consciência ajustar-se à obrigação de servir sem mágoa e sem reclamar é que

permaneceremos felizes na ascensão para Deus.121

***

“De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus.” — Paulo

(Filipenses, 2:5.)

Pelo Espírito Emmanuel Livro: Fonte viva Cap. 2 — Modo de fazer

Todos fazem alguma coisa na vida humana, mas raros não voltam à carne para desfazer quanto

fizeram.

Ainda mesmo a criatura ociosa, que passou o tempo entre a inutilidade e a preguiça, é constrangida

a tornar à luta, a fim de desintegrar a rede de inércia que teceu ao redor de si mesma.

Somente constrói, sem necessidade de reparação ou corrigenda, aquele que se inspira no padrão de

Jesus para criar o bem.

Fazer algo em Cristo é fazer sempre o melhor para todos:

Sem expectativa de remuneração.

Sem exigências.

Sem mostrar-se.

Sem exibir superioridade.

Sem tributos de reconhecimento.

Sem perturbações.

Em todos os passos do Divino Mestre, vemo-lo na ação incessante, em favor do indivíduo e da

coletividade, sem prender-se.

Da carpintaria de Nazaré à cruz de Jerusalém, passa fazendo o bem, sem outra paga além da

alegria de estar executando a vontade do Pai.

Exalta o vintém da viúva e louva a fortuna de Zaqueu, com a mesma serenidade.

Conversa amorosamente com algumas criancinhas e multiplica o pão para milhares de pessoas,

sem alterar-se.

Reergue Lázaro do sepulcro e caminha para o cárcere, com a atenção centralizada nos Desígnios

celestes.

Não te esqueças de agir para a felicidade comum, na linha infinita dos teus dias e das tuas horas.

Todavia, para que a ilusão te não imponha o fel do desencanto ou da soledade, ajuda a todos,

indistintamente, conservando, acima de tudo, a glória de ser útil, “de modo que haja em nós o

mesmo sentimento que vive em Jesus Cristo”.122

121

XAVIER, Francisco C. Ceifa de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2014. 122

XAVIER, Francisco C. Fonte Viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1 ed. 9. imp. Brasília: FEB, 2015.

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51

***

“E, sobre tudo isto, revesti-vos de caridade, que é o vínculo da perfeição.” — Paulo (Colossenses,

3:14.)

Pelo Espírito Emmanuel Livro: Vinha de Luz Cap. 5 — Com amor

Todo discípulo do Evangelho precisará coragem para atacar os serviços da redenção de si mesmo.

Nenhum dispensará as armaduras da fé, a fim de marchar com desassombro sob tempestades.

O caminho de resgate e elevação permanece cheio de espinhos.

O trabalho constituir-se-á de lutas, de sofrimentos, de sacrifícios, de suor, de testemunhos.

Toda a preparação é necessária, no capítulo da resistência; entretanto, sobre tudo isto é

indispensável revestir-se nossa alma de caridade, que é amor sublime.

A nobreza de caráter, a confiança, a benevolência, a fé, a ciência, a penetração, os dons e as

possibilidades são fios preciosos, mas o amor é o tear divino que os entrelaçará, tecendo a túnica

da perfeição espiritual.

A disciplina e a educação, a escola e a cultura, o esforço e a obra, são flores e frutos na árvore da

vida, todavia, o amor é a raiz eterna.

Mas, como amaremos no serviço diário?

Renovemo-nos no espírito do Senhor e compreendamos os nossos semelhantes.

Auxiliemos em silêncio, entendendo a situação de cada um, temperando a bondade com a energia,

e a fraternidade com a justiça.

Ouçamos a sugestão do amor, a cada passo, na senda evolutiva.

Quem ama, compreende; e quem compreende, trabalha pelo mundo melhor.123

***

“Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem

revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação. — Paulo (I Coríntios, 14:26.)

Pelo Espírito Emmanuel Livro: Pão Nosso Cap. 1 — Mãos à obra

A igreja de Corinto lutava com certas dificuldades mais fortes, quando Paulo lhe escreveu a

observação aqui transcrita.

O conteúdo da carta apreciava diversos problemas espirituais dos companheiros do Peloponeso,

mas podemos insular o versículo e aplicá-lo a certas situações dos novos agrupamentos cristãos,

formados no ambiente do Espiritismo, na revivescência do Evangelho.

Quase sempre notamos intensa preocupação nos trabalhadores, por novidades em fenomenologia e

revelação.

Alguns núcleos costumam paralisar atividades quando não dispõem de médiuns adestrados.

Por quê?

Médium algum solucionará, em definitivo, o problema fundamental da iluminação dos

companheiros.

Nossa tarefa espiritual seria absurda se estivesse circunscrita à frequência mecânica de muitos, a

um centro qualquer, simplesmente para assinalarem o esforço de alguns poucos. Convençam-se os discípulos de que o trabalho e a realização pertencem a todos e que é

imprescindível se movimente cada qual no serviço edificante que lhe compete. Ninguém alegue ausência de novidades, quando vultosas concessões da esfera superior aguardam a firme decisão

do aprendiz de boa vontade, no sentido de conhecer a vida e elevar-se.

Quando vos reunirdes, lembrai a doutrina e a revelação, o poder de falar e de interpretar de que já

sois detentores e colocai mãos à obra do bem e da luz, no aperfeiçoamento indispensável.124

123 XAVIER, Francisco C. Vinha de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2017.

124 XAVIER, Francisco C. Pão Nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2016.

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52

CAPÍTULO 7

A IGREJA DE ANTIOQUIA E AS ORIGENS DO

CRISTIANISMO

Analisar a Igreja de Antioquia como uma expressão genuína do Cristianismo

Primitivo.

Caracterizar os principais fatos históricos relativos ao Cristianismo Primitivo.

1. A Igreja de Antioquia

A morte de Estêvão resultou em uma onda de perseguição aos discípulos do Cristo em Jerusalém. As

autoridades religiosas que já não viam com bons olhos a presença destes discípulos na Cidade Santa

passaram a não mais tolerá-los, principalmente, após as palavras de Estêvão, cuja verdade sublime estas

autoridades não podiam suportar. No capítulo anterior, vimos que uma dessas autoridades era Saulo de

Tarso, convertido em seguida, e responsável, junto com Estêvão no plano espiritual, pela propagação dos

ensinamentos do Cristo para a humanidade conhecida.

Então aqueles que foram dispersos desde a provação que sobreveio a Estêvão atravessaram {as

regiões} até a Fenícia, Chipre e Antioquia, não falando a ninguém a palavra, senão somente aos

judeus. (Atos, 11:19.)125

Emmanuel nos oferece informações valiosas acerca da importância da Igreja de Antioquia:

[...] A instituição fora iniciada por discípulos de Jerusalém, sob os alvitres generosos de Simão

Pedro. [...] Antioquia era dos maiores centros operários. Não faltavam contribuintes para o custeio

das obras [...], entretanto, escasseavam os legítimos trabalhadores do pensamento. [...]

[...]

A instituição de Antioquia era, então, muito mais sedutora que a própria Igreja de Jerusalém.

Vivia-se ali num ambiente de simplicidade pura [...]. Havia riqueza, porque não faltava trabalho.

Todos amavam as obrigações diuturnas, aguardando o repouso da noite nas reuniões da Igreja,

qual uma bênção de Deus. [...] A união de pensamentos em torno de um só objetivo dava ensejo a

formosas manifestações de espiritualidade. Em noites determinadas, havia fenômenos de “vozes

diretas”. [...]126

Três discípulos do Cristo merecem destaque quando buscamos entender a história da Igreja de

Antioquia: Simão Pedro, Barnabé e o já conhecido Paulo de Tarso.

Ao realizarmos uma combinação do relato bíblico com o livro Paulo e Estêvão, podemos ter com

segurança algumas informações deste período histórico. Em Atos dos apóstolos, é mencionado que Barnabé

partiu para Tarso, cidade natal de Paulo, para buscá-lo.

125

DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Nota da Editora: todas as citações do Novo testamento inseridas neste capítulo foram extraídas dessa fonte. Neste sentido, para uma melhor fluidez do texto, não iremos repetir essa referência. 126

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros labores apostólicos, p. 278, 281.

Objetivos

Ideias principais

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Precisamos entender a razão disso.

A chegada de Paulo em Jerusalém ocorreu três anos após sua conversão em Damasco, ou seja, no

verão do ano 39 de nossa era. Sua permanência na Judeia foi bastante curta, pois se viu obrigado a fugir da

perseguição após ter feito uma pregação contra os religiosos apegados apenas ao poder. Em seguida,

aconselhado por Simão Pedro, o tecelão (esta foi a profissão que passou a exercer quando se converteu)

fixou residência em sua cidade natal, Tarso, pelo período de três anos.

Barnabé ao encontrar Paulo em Tarso, o conduziu para Antioquia no ano 42 de nossa era. De acordo

com Emmanuel, apesar da Igreja de Antioquia não carecer do elementar para a sua sobrevivência, faltava a

iluminação do pensamento, a intelectualidade a serviço da renovação espiritual.

E quem era o mais preparado para esta tarefa? Em teoria, Saulo, e foi por isso que Barnabé foi ao seu

encontro.

Barnabé exaltou a dedicação dos homens humildes que cooperavam com ele. A instituição,

todavia, reclamava irmãos dedicados que conhecessem profundamente a Lei de Moisés e o

Evangelho do Mestre, a fim de não ser prejudicada a tarefa da iluminação intelectual.127

A Igreja de Antioquia representou para Paulo a primeira escola cristã a que ele teve acesso e que

pôde se dedicar.

Pressuroso

128 e prestativo, Saulo de Tarso em breve se instalava em Antioquia, onde passou a

cooperar ativamente com os amigos do Evangelho. Durante largas horas do dia, consertava tapetes

ou se entretinha no trabalho de tecelagem.129

Ora, Saulo não iria para a Antioquia para iluminar as consciências? Sim, mas esta tarefa não

dispensava a humildade de ter que começar com as tarefas mais simples para então exercer as mais

complexas. Ainda hoje, o trabalho com o Cristo requer espírito de sequência e amadurecimento para as

tarefas mais árduas.

[...] Nos Atos dos apóstolos, vemos-lhe o nome citado sempre por último, quando se referem aos

colaboradores de Barnabé. Saulo havia aprendido a esperar. Na comunidade, preferia os labores

mais simples. Sentia-se bem, atendendo aos doentes numerosos. Recordava Simão Pedro e

procurava cumprir os novos deveres na pauta da bondade despretensiosa, embora imprimisse em

tudo o traço da sua sinceridade e franqueza, quase ásperas.130

Foi em Antioquia que os discípulos, pela primeira vez, foram aconselhados a se chamarem cristãos.

Um médico muito jovem chamado Lucas estava de passagem pela cidade. Imediatamente aproximou-se da

Igreja e sentiu uma imensa vontade de conhecê-la, desejoso de aprender algo a mais. Logo quando encontrou

Saulo, estabeleceu com ele uma sintonia incomum, e o ex-doutor da Lei logo demonstrou as verdades do

Evangelho, o que deixou Lucas sinceramente impressionado.

No livro Paulo e Estêvão, Emmanuel nos dá mais detalhes acerca deste evento importante:

Barnabé havia terminado os comentários da noite, quando o médico tomou a palavra para

despedir-se. Falava emocionado e, por fim, considerou acertadamente:

— Irmãos, afastando-me de vós, levo o propósito de trabalhar pelo Mestre, empregando nisso todo

o cabedal de minhas fracas forças. Não tenho dúvida alguma quanto à extensão deste movimento

espiritual. Para mim, ele transformará o mundo inteiro. Entretanto, pondero a necessidade de

imprimirmos a melhor expressão de unidade às suas manifestações. Quero referir-me aos títulos

que nos identificam a comunidade. Não vejo na palavra “caminho” uma designação perfeita, que traduza o nosso esforço. Os discípulos do Cristo são chamados “viajores”, “peregrinos”, “caminheiros”, mas há viandantes

131 e estradas de todos os matizes.

132 O mal tem, igualmente, os

127

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros labores apostólicos, p. 279. 128

Pressuroso: apressado, impaciente, ansioso. 129

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros labores apostólicos, p. 279. 130

______. ______. 131

Viandantes: caminheiro, viajante. 132

Matizes: pequenas diferenças entre coisas de um mesmo gênero.

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seus caminhos. Não seria mais justo chamarmo-nos — cristãos — uns aos outros? Este título nos

recordará a presença do Mestre, nos dará energia em seu nome e caracterizará, de modo perfeito,

as nossas atividades em concordância com os seus ensinos.133

Essa novidade se espalhou por Jerusalém e por toda a parte, afinal o termo “caminho” de fato não

designava com exatidão os propósitos e as atividades dos trabalhadores do Cristo, sendo substituído agora

por “cristão” e “cristianismo”.

2. As viagens missionárias de Barnabé e Paulo Importante ressaltar novamente um aspecto de nosso estudo: consideramos fundamental demonstrar

que a obra Paulo e Estêvão é um resgate do Cristianismo puro de homens abnegados cujas vidas foram

entregues a causa do Evangelho. Neste sentido é bastante oportuno assinalar como esta obra espírita

contribui para um entendimento mais ampliado das narrativas dos Atos dos apóstolos.

Em virtude disso, iremos realçar a importância de Barnabé e Paulo para este período de enormes

desafios para o Cristianismo nascente. Nos Atos dos apóstolos, vemos com muita frequência as atividades

dos dois. Emmanuel, por sua vez, revela ângulos ainda mais interessantes na sua obra, revelando, acima de

tudo, a sua missão de colaborar para a reconstituição da essência da mensagem libertadora do Cristo.

2.1 Em Chipre Eles, então, enviados pelo Espírito Santo, desceram para a Selêucia,

134 e dali navegaram para

Chipre. Ao chegarem a Salamina, anunciaram a palavra de Deus nas sinagogas judaicas [...]. (Atos,

13:4 a 5.)

[...] cheios de confiança em Deus, Saulo e Barnabé, seguidos por João Marcos, despediam-se dos

irmãos, a caminho de Selêucia. A viagem para o litoral decorreu em ambiente de muita alegria. De

quando a quando, repousavam à margem do Orontes,135

para a merenda salutar. À sombra dos

carvalhos, na paz dos bosques enfeitados de flores, os missionários comentaram as primeiras

esperanças.

[...] Entusiasmados com o acolhimento dos irmãos da fé, Barnabé e Saulo embarcaram para

Chipre, sob a impressão de comovente e carinhosa despedida.136

2.2 Paulo e Barnabé em Antioquia da Pisídia

Eles, passando por Perge, chegaram a Antioquia da Pisídia; e, indo à sinagoga, num dia de sábado,

sentaram-se. Depois da leitura da Lei e dos Profetas, os chefes da sinagoga enviaram

{comunicado} para eles, dizendo: Varões, Irmãos, se há em vós alguma palavra de exortação para

o povo, dizei. Paulo, levantando-se e fazendo sinal com a mão, disse: Varões israelitas e os que

temem a Deus, ouvi. (Atos, 13:14 a 16.)

No dia imediato, Antioquia da Pisídia estava empolgada pelo assunto. A tenda de Ibrahim e a

olaria de Eustáquio foram locais de grandes discussões e entendimentos. Paulo falou, então, das

curas que se poderiam fazer em nome do Mestre. [...] Os dois emissários do Evangelho ganharam logo muito conceito. A gente mais simples vinha solicitar-lhes orações, cópias dos ensinos de

Jesus, enquanto muitos enfermos se restabeleciam. Se o bem estava crescendo, a animosidade

contra eles também crescia, da parte dos mais altamente colocados na cidade. Iniciou-se o

movimento contrário ao Cristo. Não obstante a continuidade das pregações de Paulo, aumentava, entre os israelitas poderosos, a perseguição, o apodo

137 e a ironia. Os mensageiros da Boa-Nova,

entretanto, não desanimaram.138

133

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV – Primeiros labores apostólicos, p. 282 e 283. 134

Selêucia: Importante cidade portuária do Mar Mediterrâneo 135

Orontes:rio bastante próximo da cidade portuária de Selêucia. 136

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros labores apostólicos, p. 293. 137

Apodo: zombaria, comparação ridícula. 138

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros labores apostólicos, p. 316.

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2.3 Paulo e Barnabé em Icônio

E sucedeu que, em Icônio, eles entraram juntos na sinagoga dos judeus e falaram de tal modo que

creu grande multidão, tanto de judeus quanto de gregos. Porém os judeus que não se persuadiram,

excitaram e exasperaram a alma dos gentios contra os irmãos. Assim, {eles} permaneceram

bastante tempo, falando abertamente sobre o Senhor, que testemunhava a palavra da sua graça,

concedendo fossem realizados sinais e prodígios pelas mãos deles. Dividiu-se a multidão da

cidade: os que estavam com os judeus e os que {estavam} com os apóstolos. {Foi} quando ocorreu

um motim139

dos gentios e dos judeus, com as suas autoridades, para ultrajá-los140

e apedrejá-los.

Percebendo isso, fugiram para as cidades da Licaônia, Listra e Derbe, e circunvizinhança. Ali

permaneceram evangelizando. (Atos, 14:1 a 7.)

[...] Os orgulhosos filhos de Israel não podiam tolerar um Salvador que se entregara, sem

resistência, à cruz dos ladrões. A palavra do Apóstolo,entretanto, alcançara tão grande favor

público que os gentios de Icônio ofereceram-lhe um vasto salão para que lhes fosse ministrado o

ensinamento evangélico, todas as tardes. Queriam notícias do novo Messias, interessavam-se

pelos seus menores feitos e por suas máximas mais simples. O ex-rabino aceitou o encargo, cheio

de gratidão e simpatia. [...] Dominando a administração, os judeus não tardaram em reagir, mas foi

inútil a tentativa de intimidar o pregador com as mais fortes ameaças. [...]141

2.4 Dificuldades em Listra

Em Listra, estava sentado certo varão, fraco dos pés, coxo desde o ventre da sua mãe, o qual

jamais havia caminhado. Ele ouviu Paulo falando, o qual, fitando-o e vendo que tinha fé para ser

salvo, disse, em alta voz: Levanta-te direito sobre teus pés! {Ele} saltou e caminhava. As turbas,

vendo o que Paulo fizera, levantaram a voz, dizendo em {língua} licaônica: Os deuses, que se

assemelham a homens, desceram a nós. E chamavam a Barnabé de Zeus, e a Paulo de Hermes,

visto que ele era o que comanda a palavra. O sacerdote de Zeus, cujo {templo} estava diante da

cidade, trazendo touros e coroas para os portões, queria, com as turbas, sacrificá-los. Os apóstolos

Barnabé e Paulo, ao ouvir {isso}, rasgando as suas vestes, correram para a turba, gritando e

dizendo: Varões, por que fazeis estas {coisas}? Nós também somos homens sujeitos aos mesmos

males que vós, e estamos evangelizando a fim de vos voltardes destas {coisas}vãs ao Deus vivo,

que fez o céu, a terra, o mar e todas as {coisas} que {há} neles. (Atos, 14:8 a 15.)

Emmanuel, em Paulo e Estêvão, prossegue a narrativa:

Os poucos judeus de Listra deliberaram consultar as autoridades de Icônio, relativamente aos dois

desconhecidos. E foi isso o bastante para que se turvassem os horizontes. Os comissários

regressaram com um acervo de notícias ingratas. [...] Paulo, principalmente, era apresentado como

revolucionário temível. O assunto, em Listra, foi discutido intramuros. [...] Desde a chegada

dos dois desconhecidos, que falavam em nome de um novo profeta, Listra vivia

sobressaltada por ideias diferentes. Era preciso coibir os abusos. A palavra de Paulo era audaciosa e requeria corretivo eficaz. Finalmente, deliberaram que o fogoso pregador fosse

apedrejado na primeira ocasião que falasse em público.

Ignorando o que se tramava, o Apóstolo dos Gentios, deixando Barnabé acamado por excesso de

trabalho, fez-se acompanhar do pequeno Timóteo; no sábado imediato, ao entardecer, foi até a

praça pública onde, mais uma vez, anunciou as verdades e promessas do Evangelho do Reino.142

No entanto, Paulo sofreria a incompreensão dos intolerantes que, matando o corpo imaginam que

eliminarão a força indestrutível das ideias renovadoras:

139

Motim: atos explícitos de desobediência. 140

Ultrajar: tratar com desrespeito; insultar. 141

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV – Primeiros labores apostólicos, p. 318. 142

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV – Primeiros labores apostólicos, p. 326 e 327.

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Chegaram judeus de Antioquia e Icônio e, persuadindo as turbas, depois de apedrejarem Paulo, o

arrastaram para fora da cidade, supondo que ele estava morto. Após os discípulos o rodearem,

levantou-se e entrou na cidade. No{dia} seguinte, saiu com Barnabé em direção a Derbe. (Atos,

14:19 a 20.)

Se hoje temos os ensinamentos do Cristo a nossa disposição, devemos bastante ao testemunho de

Paulo. Enquanto a maioria decidiria por abandonar o Cristo, diante de tantas provações, Paulo segue o seu

caminho sem nenhuma rebeldia, pois no seu coração já havia a certeza de que o trabalho com o Cristo exige

renúncia e amor.

2.5 O retorno para Antioquia da Síria

Depois de falarem a palavra em Perge, desceram para Atália, e dali navegaram para Antioquia {da

Síria}, onde foram entregues à graça de Deus para a obra que haviam cumprido. Ao chegarem e

reunirem a igreja, relataram quantas {coisas} fizera Deus com eles, e que abrira a porta da fé aos

gentios. E permaneceram não pouco tempo com os discípulos. (Atos, 14:25 a 28.)

Após muito tempo de labor, resolveram regressar ao núcleo original do seu esforço. Vencendo

etapas difíceis, visitaram e encorajaram todos os irmãos escalonados143

nas diversas regiões da

Licaônia, Pisídia e Panfília.

De Perge, desceram para Atália, de onde embarcaram com destino a Selêucia e dali ganharam

Antioquia.

Ambos haviam experimentado a dificuldade dos serviços mais rudes. Muita vez se viram

perplexos com os problemas intricados da empresa: em troca de dedicação fraternal, haviam

recebido remoques,144

açoites e acusações pérfidas;145

contudo, não obstante o abatimento físico e

os gilvazes,146

irradiavam ondas invisíveis de intenso júbilo espiritual. É que, entre os espinhos da

estrada escabrosa, os dois companheiros desassombrados mantinham ereta a cruz divina e

consoladora, espalhando a mancheias147

as sementes benditas do Evangelho de Redenção.148

É importante deixar claro que o nosso objetivo neste capítulo não foi o de relatar todos os fatos

relativos ao Cristianismo daquele período, pois demandaria um guia de estudo à parte. Limitamo-nos a

analisar alguns acontecimentos relevantes do ponto de vista histórico e espiritual, dando a nossa reverência

àqueles que deram a vida em favor da propagação da mensagem do Cristo.

Ao utilizamos com bastante frequência os Atos dos apóstolos, almejamos comprovar que essas

passagens merecem de nossa parte um estudo mais aprofundado. Demonstramos ainda que a belíssima obra

Paulo e Estêvão é um monumento da literatura mundial, responsável por oferecer detalhes relevantes do

Cristianismo nascente.

3. Cronologia comentada dos principais fatos relativos ao Cristianismo Primitivo A seguir, o leitor amigo terá acesso aos principais fatos históricos relacionados ao Cristianismo. Sem

dúvida, há muitos outros fatos que poderiam ter alguma menção. Entretanto, temos um objetivo claro neste

momento: mostrar que, do século I ao III de nossa era, o Cristianismo passou por profundas transformações. Por essa razão, essa cronologia nos ajudará a compreender o nascimento e a atuação da

Igreja Católica, nosso próximo estudo.

143

Escalonados: disposto em forma de escada. 144

Remoque: dito malicioso ou picante cuja intenção é ofensiva 145

Pérfido: desleal, traidor, infiel. 146

Gilvazes: golpe ou cicatriz no rosto, produzido por instrumento cortante. 147

Macheias: a porção que uma mão pode segurar. 148

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV – Primeiros labores apostólicos, p. 329 e 330.

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Ano: 64

Acontecimento: Incêndio de Roma Por volta de 64 da nossa era, alguns oficiais romanos começaram a perceber que o Cristianismo,

aceito com relativa normalidade até então, não era apenas uma sub-religião judaica. Aliás, os judeus eram

totalmente contrários ao Cristianismo. Quando o Cristianismo entrou em confronto com a crença politeísta

do Império Romano, aí resultou o início das perseguições. Em 19 de julho do ano 64, ocorreu um incêndio

de grandes proporções em uma região de trabalhadores de Roma. O incêndio se prolongou por sete dias, e de

um total de quatorze quarteirões, cerca de dez foram destruídos, e muitos morreram em função desta

catástrofe.

O imperador Nero, a princípio, não tomou qualquer atitude para diminuir os estragos resultantes do

incêndio. Logo em seguida verificou-se que o próprio imperador foi o mandante do terrível ato.

Curiosamente depois deste evento, Nero obteve grande extensão de terra, construindo ali os Palácios

Dourados, modificando, a partir de então, a área urbana de Roma.

Com o objetivo de desviar o foco das atenções, Nero passou a culpar os cristãos pelo incêndio

arquitetado. Como resultado, jurou perseguir e matar os cristãos.

Ano: 66 Acontecimento: Morte de Paulo e de Pedro em Roma

O enorme ímpeto de Nero por perseguir os cristãos, acarretou a crucificação e a queima de vários

cristãos. De acordo com a tradição, tanto Pedro quanto Paulo foram martirizados na perseguição de Nero:

Paulo foi decapitado, e Pedro foi crucificado de cabeça para baixo.

Ano: 70 Acontecimento: Destruição de Jerusalém

O domínio romano sobre Jerusalém ocorreu a partir de 63 a.C., quando o mestre estrategista de

Roma, Pompeu Magno, entrou com suas legiões e sitiou o Templo sagrado para os judeus. Jerusalém sob

domínio romano gozava de relativa liberdade. De maneira geral, os romanos aceitavam o culto judaico,

permitindo a realização de seus rituais e sacrifícios. Até mesmo a adoração direta ao imperador, que Roma

determinava a todos os seus outros territórios conquistados, não foi imposta aos judeus, desde que, é claro, os

imposto e tributos estivessem em dia.

Géssio Floro, procurador romano, governava a Judeia no ano 70 de nossa era e diferentemente dos

outros governantes romanos que aceitavam as características religiosas do povo judeu, desde que pagassem

fielmente os impostos, ele carregava consigo essa intolerância religiosa de modo mais exacerbado. A

situação piorava quando a entrada de impostos era baixa. Para contrabalançar, ele se apoderava da prata do

Templo, uma clara afronta aos judeus. Em 66, quando a tensão social aumentou e a oposição cresceu, Géssio

Floro enviou tropas a Jerusalém para crucificar e massacrar alguns judeus. A ação de Floro foi o estopim

para uma revolta que já estava em ebulição havia algum tempo.

Inspirados pelas atrocidades de Floro, alguns judeus revolucionários, conhecidos como

zelotes,decidiram atacar a fortaleza construída para defender o palácio estabelecido pelos romanos, no

governo de Herodes. A História nem sempre é vencida pelos opressores, e neste episódio,

surpreendentemente os judeus massacraram o exército romano que estava acampado ali.

Logo em seguida, em Jerusalém foi declarada abertamente uma rebelião contra Roma. Não demorou

muito para que toda Jerusalém estivesse envolvida nesta revolta. As tropas romanas ou foram expulsas ou

mortas. A Judeia também se revoltou, assim como a Galileia. Por um breve período de tempo, parecia que os

judeus estavam reconquistando a sua soberania.

Diante do contexto agora desfavorável, o imperador Nero enviou Vespasiano, general bastante

experiente e detentor de inúmeras condecorações, para sufocar a rebelião em marcha. Vespasiano foi

minando a força dos rebeldes, eliminando a oposição na Galileia e redondezas, até chegar e iniciar o cerco a

Jerusalém.

Entretanto, antes do golpe final, Vespasiano foi chamado a Roma, pois Nero havia morrido. O

próprio Vespasiano tornou-se o novo imperador e a primeira medida adotada foi a nomeação de seu filho

Tito para conduzir a guerra contra os judeus.

A situação se voltou contra Jerusalém, agora cercada e isolada do restante do país por um exército

romano muito mais fortalecido. Conforme o cerco se prolongava, as pessoas morriam de fome e novas

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doenças surgiram. Para termos uma dimensão do quadro crítico, a esposa do sumo sacerdote, antes cercada

de luxo, passou a revirar as lixeiras da cidade em busca de alimento.

Enquanto isso, os romanos empregavam novas máquinas de guerra para arremessar pedras contra os

muros da cidade. Os defensores judeus lutavam durante todo o dia e tentavam reconstruir as muralhas

durante a noite. Por fim, os romanos irromperam pelo muro exterior, depois pelo segundo muro, chegando

finalmente ao terceiro muro. Os judeus, no entanto, continuaram lutando, pois correram para o Templo —

sua última linha de defesa.

Esse foi o fim para os bravos guerreiros judeus — e também para o Templo. Tito até havia pensado

em preservar o Templo, um verdadeiro símbolo da sociedade judaica, mas os soldados romanos estavam tão

enfurecidos com a resistência dos judeus que terminaram por queimá-lo.

A queda de Jerusalém, essencialmente, pôs fim à revolta. Os judeus foram dizimados ou capturados

e vendidos como escravos. O grupo dos zelotes que havia tomado a fortaleza romana permaneceu três anos

por lá. Quando os romanos, finalmente, construíram a rampa para cercar e invadir o local encontraram todos

os rebeldes mortos. Eles cometeram suicídio para que não fossem capturados pelos invasores.

A revolta dos judeus marcou o fim do Estado judeu, pelo menos até os tempos modernos com a

implantação do Estado de Israel, fato histórico mencionado no capítulo dedicado ao Judaísmo.

Ano: 312 Acontecimento: A conversão de Constantino ao Cristianismo

Constantino era um jovem general que comandava as tropas romanas da Bretanha e da Gália. No ano

de 312, suas tropas marcharam em direção a Roma para desafiar Maxêncio, outro postulante ao trono

imperial. De acordo com o relato histórico, o general Constantino olhou para o céu e viu um sinal: era uma

cruz brilhante, na qual era possível ler: “Com isto vencerás”. Naquele momento, o soldado já não adorava

mais as divindades romanas, como era comum, passando a considerar um único Deus, o que para um romano

era algo bastante incomum. Para se ter uma noção, seu pai adorava o supremo deus Sol.

Logo em seguida, Cristo teria aparecido a Constantino em um sonho, segurando o mesmo sinal (uma

cruz inclinada), lembrando as letras gregas chi e rho, as duas primeiras letras da palavra Christos. O general

foi instruído a colocar esse sinal nos escudos de seus soldados, o que fez prontamente, da forma exata como

fora ordenado.

De fato, Constantino venceu a batalha.

No ano 313, Constantino e Licínio estabeleceram o Edito de Milão,garantindo a liberdade religiosa

dentro do império. O objetivo principal do Edito de Milão era garantir tanto aos cristãos quanto a todos os

outros a plena liberdade de culto. No entanto, é inquestionável que Constantino privilegiou o Cristianismo.

Até hoje em dia, os historiadores se perguntam: Constantino se converteu por uma questão pessoal

ou política? Não podemos esquecer que apesar das perseguições, já havia um número expressivo de cristãos

naquele momento. Por outro lado, se tantos realizaram a conversão, porque não poderia o imperador? Essa

questão fica em aberto.

De qualquer forma, a igreja passou de perseguida a privilegiada. Em um período de tempo curto,

suas perspectivas mudaram radicalmente. O imperador assegurou a tolerância oficial à fé cristã e a batalha

contra a perseguição romana foi de certo modo vencida.

Retirando-se para Salona, exausto da tarefa governativa, ocorre a rebelião militar que aclama

Augusto a Constantino, filho de Constâncio Cloro, contrariando as disposições dos dois Césares,

sucessores de Diocleciano e Maximiano. A luta se estabelece e Constantino vence Maxêncio às

portas de Roma, penetrando a cidade, vitorioso, para ser recebido em triunfo. Junto dele, o

Cristianismo ascende à tarefa do Estado, com o Edito de Milão.149

149

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 15 — A evolução do Cristianismo, it. Constantino.

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Ano: 325 Acontecimento: Concílio de Niceia

No início do século IV da nossa era, Ário, pastor de Alexandria, no Egito, considerava-se cristão,

mas também tinha influência da teologia grega, cuja ideia era de que Deus é um só e não pode ser conhecido.

De acordo com esse pensamento, Deus é tão supremo que não pode partilhar sua substância com qualquer

outra coisa. Em outras palavras, somente Deus pode ser Deus.

Na obra intitulada Thalia, Ário afirmou que Jesus poderia até ser divino, mas não era Deus. De

acordo com Ário somente Deus, o Pai, poderia ser imortal, de modo que o Filho era, necessariamente, um ser

criado. Ele era como o Pai, mas não era verdadeiramente Deus.

Por ser um bom comunicador, Ário sabia extrair o máximo de sua capacidade de persuasão e até

mesmo chegou a colocar algumas de suas ideias em canções populares, cantada pelo povo com naturalidade.

Constantino compreendeu que a questão não estava somente no âmbito religioso e convocou um

concilio para todo o império, a ser realizado na cidade de Niceia, na Ásia Menor. Constantino disse aos mais

de trezentos bispos que compareceram àquela reunião que deveriam resolver o impasse: afinal Deus era uno

como sustentava Ário, ou uma tríade?

O imperador defendia que a divisão da igreja era pior do que uma guerra. Neste instante, os bispos

começaram a debater sobre o assunto. Por sua vez, convocado diante dos bispos, Ário proclamou

abertamente que o Filho de Deus era um ser criado e, por ser diferente do Pai, passível de mudança. A partir

daí a assembleia dos bispos denunciou e condenou a afirmação de Ário. Todavia, era necessário elaborar um

dogma que expressasse de maneira fiel o pensamento da assembleia.

Proclamaram então que o Filho era “um em substância com o Pai” mediante o uso do termo grego

homoousios. Traduzindo: Homo quer dizer “igual”; ousios significa “substância”.

Com a influência do vencedor da ponte Mílvius, efetua-se o Concílio Ecumênico de Niceia para

combater o cisma de Ário, padre de Alexandria, que negara a divindade do Cristo. Os primeiros

dogmas católicos saem, com força de lei, desse Parlamento eclesiástico de 325.150

Conclui-se, portanto, que o Concilio de Nicéia foi convocado tanto para estabelecer uma questão

teológica quanto para solidificar a íntima relação da igreja com o Estado.

150

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 16 — A Igreja e a invasão dos bárbaros, it. Vitórias do Cristianismo.

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CAPÍTULO 8

A IGREJA CATÓLICA NA IDADE MÉDIA

Analisar a integração da Igreja ao Estado como fonte de profundas

transformações em suas estruturas doutrinárias e ações.

Evidenciar as diferenças entre a Igreja do Ocidente e Oriente.

Demonstrar a importância histórica de alguns membros da Igreja Católica,

como Gregório VII, Santo Agostinho e Francisco de Assis.

Abordar as Cruzadas a partir dos acontecimentos, assim como a visão

católica e espírita a respeito.

Caracterizar a visão espírita a respeito da Inquisição.

Avaliar a relevância de Jan Huss, uma das encarnações de Allan Kardec,

como contraponto aos abusos da Igreja Católica no seu tempo.

1. Integração da Igreja ao Estado No final do capítulo anterior, analisamos como o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império.

Vendo pelo lado positivo, este acontecimento trouxe como consequência imediata o fim da intensa

perseguição que os cristãos eram vítimas. No entanto, inserida no poder, a Igreja passou a se tornar uma

aliada fiel do Estado, realizando inúmeras concessões políticas. Por sua vez, a pureza da mensagem cristã

que a duras penas foi mantida pelos primeiros cristãos, em muitos momentos do período da Idade Média,151

ficou relegada a um plano secundário.

O Cristianismo, porém, já não aparecia com aquela mesma humildade de outros tempos. Suas

cruzes e cálices deixavam entrever a cooperação do ouro e das pedrarias, mal lembrando a madeira

tosca, da época gloriosa das virtudes apostólicas.

[...] A união com o Estado era motivo para grandes espetáculos de riqueza e vaidade

orgulhosa, em contraposição com os ensinos daquele que não possuía uma pedra para

repousar a cabeça dolorida.152

151

Idade Média ou Idade das Trevas: período entre os séculos IV e XVI. O termo Idade Média ou Idade das Trevas, foi elaborado pelos artistas e literatos do século XVI. Por considerarem que viviam em uma época de renascimento da civilização greco-romana ou Antiguidade Clássica, tudo que estivesse contrário a estes valores nada mais era do que um período intermediário. Os Iluministas no século XVIII popularizaram o conceito de Idade Média, com o objetivo de desqualificar este período. Nossa intenção, neste capítulo, é o de abordar alguns acontecimentos e personagens relevantes. Com relação aos temas ainda hoje polêmicos, como as Cruzadas e o Tribunal da Inquisição, apresentamos a visão espiritual e em linhas gerais a visão católica. 152

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 16 — A

Igreja e a invasão dos bárbaros, it. Primórdios do Catolicismo.

Objetivos

Ideias principais

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2. Raízes históricas do termo católico

Em meados do século III, começou a surgir a palavra católico associada aos cristãos. Desde então, o

termo catholica virou sinônimo de igreja cristã. O conceito fundamental do termo católico remonta a ideia de

universalidade da salvação e unidade da fé. Contudo, somente no ano de 381 com a criação do Concílio

Ecumênico de Constantinopla que o termo católico foi utilizado oficialmente.

3. Principais fundamentos religiosos A fé católica está fundamentada na Bíblia e na tradição. Em outras palavras, isso quer dizer que os

dogmas da Igreja são uma consequência da doutrina e dos costumes transmitido pelos apóstolos, nos

primórdios do Cristianismo. A Igreja Católica se considera uma expressão material do reino de Deus, cujas

características são essas:

Única — existe apenas uma e verdadeira Igreja, responsável por garantir a real vivência da

mensagem cristã.

Santa — ensina uma doutrina santa e verdadeira, oferecendo a todos os meios para a

santidade.

Católica — significa que é uma igreja mundial, de caráter universalista e para todos. Se

Jesus pediu aos apóstolos para que o evangelho fosse levado para todo o mundo, a Igreja

Católica também deve pregar o evangelho para o mundo.

Apostólica — de acordo com a Igreja, seus comandantes são pessoas que prosseguem a

missão dos apóstolos, permanecendo fieis à doutrina deles.

Para a Igreja Católica, o homem foi criado à imagem de Deus, tendo, por essa razão, uma alma

eterna e detentora de livre-arbítrio. Com o pecado original, o homem abusou do seu livre-arbítrio,

desobedecendo a Deus, trilhando, assim, o caminho equivocado. Além disso, compreendem que em

decorrência desse pecado, o livre-arbítrio foi reduzido, permanecendo no ser humano a capacidade de fazer

boas ações como uma pré-condição para obter a salvação. Todavia, isto não é o suficiente; pois somente pelo

Cristo que o homem pode ser salvo, seguindo os exemplos deixados por ele como: sua vida, sua expiação,

seu sacrifício e sua ressurreição. A salvação não é uma imposição divina e sim uma livre escolha a partir da

crença na Palavra de Deus difundida pela Igreja Católica.

Para a Igreja Católica, os santos são pessoas que dedicaram a vida a honrar a Deus de maneira

extraordinária. A morte como um mártir, isto é, quando uma pessoa é submetida a suplícios em função de

suas convicções, ou por meio dos “milagres”, segundo a crença, comprovados, o processo de canonização153

é iniciado.

Na verdade, a todas as correntes religiosas e a todos os grupos humanos, a Espiritualidade superior

tem enviado, século após século, os nobres mensageiros da luz redentora e do exemplo

dignificante, a valerem por convites vivos à Humanidade para a sua ascensão espiritual.154

4. Santo Agostinho Agostinho nasceu em 354, na cidade de Tagaste. Filho de mãe cristã, Mônica, e de pai pagão,

Patrício, um oficial romano, logo perceberam o quão brilhante era o filho, colocando-o nas melhores escolas.

Estudou retórica em Cartago e foi estimulado a ler autores latinos como Cícero. Por meio dos

estudos, estava plenamente convencido de que a busca pela verdade era o seu objetivo de vida. Inicialmente,

Agostinho rejeitou o Cristianismo porque via nele uma religião para pessoas iletradas ou de conhecimento

reduzido.

153

Canonização: ato pelo qual a Igreja Católica declara que uma pessoa morta é um santo, inscrevendo-a no cânon, ou lista, dos santos reconhecidos. O ato de canonização é exclusividade do Vaticano, ou seja, a coisa é decidida pelo mais alto escalão do clero e ratificada pelo próprio papa. 154

TAVARES, Clovis. Mediunidade dos santos. 1. ed. Brasília: FEB; Araras: IDE, 2015. Cap. 1 — Mediunidade e Santidade, p. 24.

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Buscando novas experiências intelectuais, mas nada foi capaz de superar a sua insatisfação,

Agostinho sai de Cartago em direção à Roma. Pouco tempo depois passou a residir em Milão. Neste local,

Agostinho se encontrou com o bispo Ambrósio e chegou a uma conclusão que seria o primeiro passo para a

sua transformação: aprendeu que, apesar do Cristianismo ser uma religião, cuja maioria vive na pobreza

material, haviam ensinamentos elevados e ele viu na prática essa realidade quando teve a certeza do

brilhantismo de Ambrósio.

Em 387, enquanto estava sentado em um jardim de Milão, Agostinho ouviu uma criança cantar uma

música que dizia: “Pegue-a e leia-a, pegue-a e leia-a”. Agostinho imediatamente leu a primeira coisa que

encontrou na sua frente: era exatamente a carta de Paulo aos Romanos. As palavras de Paulo tocaram

profundamente seu coração e Agostinho encontrou o que sua alma tanto buscava. Após esse encontro com a

essência cristã, Agostinho afirmou: “Foi como se a luz da fé inundasse meu coração e todas as trevas da

dúvida tivessem sido dissipadas.”.

Em 395, tornou-se bispo da cidade de Hipona, no norte da África.

Seus pensamentos se espalharam entre os teólogos católicos e mais tarde entre os protestantes.

Lutero e Calvino, por exemplo, citavam Santo Agostinho com bastante frequência, pois concordavam com a

sua ênfase na graça de Deus e na incapacidade do homem de salvar-se a si mesmo.

Já no plano espiritual, Santo Agostinho teve um papel de extrema relevância nas obras codificadas

por Allan Kardec.

Em O Livro dos Espíritos, nas questões 919 e 919a, temos um valioso ensinamento deste espírito:

Qual o meio prático mais eficaz para se melhorar nesta vida e resistir ao arrastamento do mal?

“Um sábio da Antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”

a) Concebemos toda a sabedoria desta máxima; porém, a dificuldade é, precisamente, a de

conhecer-se a si mesmo; qual o meio de consegui-lo?

“Fazei o que eu mesmo fazia quando vivi na Terra: no final do dia, interrogava minha consciência,

passava em revista o que tinha feito e me perguntava se não havia faltado a algum dever, se

ninguém tivera motivo de se queixar de mim. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver, em

mim, o que precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, relembrasse todas as suas ações do

dia e se perguntasse o que fez de bem ou de mal, rogando a Deus e ao seu anjo guardião que o

esclarecessem, adquiriria uma grande força para se aperfeiçoar, pois, crede-me, Deus o assistiria.

Perguntai, portanto, a vós mesmos e interrogai-vos sobre o que tendes feito, e com que objetivo

agistes em tal circunstância; se fizestes alguma coisa que censuraríeis, da parte de outrem; se

praticastes uma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda isto: se aprouvesse a Deus

chamar-me neste momento, teria eu que temer o olhar de alguém, ao retornar ao mundo dos

espíritos, onde nada fica oculto? Examinai o que podeis ter praticado contra Deus, depois, contra o

vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas serão um repouso para vossa

consciência ou a indicação de um mal que precisa ser curado.

O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave da melhoria individual; mas, direis, como julgar-

se a si mesmo? Não teremos a ilusão do amor-próprio que diminui as faltas e as torna

desculpáveis? O avarento se considera simplesmente econômico e previdente; o orgulhoso acredita

ter apenas dignidade. Isto é muito verdadeiro, mas tendes um meio de controle que não pode

enganar-vos. Quando estiverdes indeciso sobre o valor de uma de vossas ações, perguntai a vós

mesmos como a qualificaríeis, se ela fosse praticada por uma outra pessoa; se a censurais em

outrem, ela não poderia ser legítima em vós, pois Deus não tem duas medidas de justiça. Procurai

também saber o que dela pensam os outros e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, pois

estes nenhum interesse têm em mascarar a verdade, e Deus frequentemente os coloca ao vosso

lado, como um espelho, para vos advertir, com mais franqueza, do que o faria um amigo. Que

aquele que tem a vontade séria de melhorar-se, explore, portanto, a sua consciência, a fim de

arrancar dela os maus pendores, como arranca as ervas daninhas do seu jardim; que faça o balanço

do seu dia moral, como o comerciante faz o de suas perdas e de seus lucros, e vos asseguro que um

lhe renderá mais do que o outro. Se puder dizer que o seu dia foi bom, poderá dormir em paz e

aguardar sem receio o despertar de uma outra vida.

Fazei, portanto, perguntas claras e precisas e não temais multiplicá-las; pode-se muito bem gastar

alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias visando

acumular aquilo que vos proporcione o repouso na vossa velhice? Esse repouso não será o objeto

de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem!

O que representa esse repouso de alguns dias, perturbado pelas enfermidades do corpo, comparado

àquele que aguarda o homem de bem? Para isto não valerá a pena fazer alguns esforços? Eu sei

que muitos dizem que o presente é positivo e o futuro, incerto; ora, eis precisamente o pensamento

que estamos encarregados de destruir em vós, pois queremos fazer-vos compreender este futuro,

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de maneira que não possa deixar dúvida alguma na vossa alma; foi por isso que, primeiramente,

chamamos a vossa atenção, através de fenômenos capazes de vos impressionar os sentidos; em

seguida, nós vos damos instruções, que cada um de vós está encarregado de difundir. Foi com este

objetivo que ditamos O Livro dos Espíritos. Santo Agostinho155

5. A monarquia156 papal No século VI o imperador Justiniano, responsável pela união das duas partes do Império, a do

Ocidente e a do Oriente, reclamou para si a superioridade de direito sobre a Igreja, confrontando diretamente

o bispo de Roma. No entanto, pelo fato de abrigar as sepulturas dos Apóstolos Pedro e Paulo, a Igreja

romana possuía um prestígio maior, e como consequência, o seu bispo detinha mais poder.

Com o papa Leão I (440–461), grande jurista e homem de Estado, houve uma mudança radical na

estrutura de poder da Igreja. Ele utilizou a forma romana de poder, ou seja, o absolutismo e o autoritarismo

do imperador. Para dar respaldo a esta nova estrutura monárquica, o papa Leão passou a interpretar trechos

do Novo Testamento de maneira a lhe conferir o poder absoluto.

[...] Os bispos de Roma, abusando do fácil entendimento com as autoridades políticas do Estado,

impunham suas inovações arbitrárias, contrariando as sublimes finalidades do ensinamento

daquele que preconizara a humildade e o amor como os grandes caminhos da redenção.157

6. O Cisma158 entre as igrejas do Oriente e do Ocidente Em 1043, Miguel Cerulário tornou-se oficial da Igreja de Constantinopla. Já em 1049, Leão IX

tornou-se papa da Igreja de Roma. O papa Leão desejava que Miguel — e, por meio dele, a Igreja Oriental

— se submetesse a Roma, a Igreja Ocidental. O papa Leão IX, obstinado em seu interesse de dominação,

enviou representantes a Constantinopla, mas Miguel se recusou a recebê-los. Diante do que consideravam

uma afronta, os representantes da Igreja do Ocidente excomungaram159

Miguel em nome do papa. Miguel

respondeu a esta atitude fazendo exatamente o mesmo com os representantes do papa, excomungando-os.

Toda essa polêmica envolvendo a excomunhão e declarações de que o outro não era verdadeiro

cristão, redundou no inevitável — o cisma. Por não chegarem a um acordo, o Oriente e o Ocidente

começaram a trilhar caminhos diversos.

155

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. 156

Monarquia: sistema de governo em que o monarca (rei) governa um país como Chefe de Estado. Não há eleições para a escolha de um monarca. Este governo é de forma vitalícia, ou seja, o Chefe de Estado governa até morrer ou até que renuncie. 157

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 16 — A Igreja e a invasão dos bárbaros, it. A Igreja de Roma. 158

Cisma: falta de acordo diante de um assunto que resulta na separação de uma pessoa ou grupo de pessoas de uma organização, geralmente religiosa. 159

Excomungar: expulsar, um ou mais integrantes, do convívio na Igreja Católica.

DIFERENÇAS Igreja de Roma Igreja de Constantinopla

LÍNGUA Latim Grego

CASAMENTO

Os sacerdotes ocidentais

não podiam se casar e

apresentavam o rosto

completamente barbeado.

O clero podia se casar e

usar barba

PURGATÓRIO Dogma da Igreja Romana

O Oriente se sentia

desconfortável com a

doutrina acidental do

purgatório.

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7. A importância de Gregório VII [...] Gregório VII, ouvindo as inspirações que lhe desciam ao coração, do plano invisível,

preparou-se para a missão que o esperava no Vaticano. Sua figura é das mais importantes do

século XI, pela fé e pela sinceridade que lhe caracterizaram as atitudes. Eleito papa, após a

desencarnação de Alexandre II, reconheceu que as primeiras providências que lhe competiam eram

as do combate ao simonismo160

no seio da instituição católica e as do restabelecimento da

autoridade da Igreja, que ele desejou sinceramente reconduzir ao seio do Cristianismo, embora as

lutas sustentadas contra Henrique IV façam parecer o contrário. Convocando um concílio em

Roma, no ano de 1074, procurou reprimir a enormidade de tantos abusos referentes ao mercado

dos sacramentos e às honras eclesiásticas. Filipe I e Henrique IV prometem amparo e auxílio às

decisões do pontífice, no sentido de regenerar a organização da Igreja. Henrique IV, porém,

prestigiado pelos bispos culpados de simonia, fugiu ao cumprimento da promessa e, depois de

exortado161

por Gregório VII, tenta depô-lo, reunindo em Worms um sínodo162

de sacerdotes

transviados. O papa excomunga o príncipe rebelado, ocorrendo então os célebres acontecimentos

de Canossa. A luta ainda não havia terminado, quando Gregório VII se desprende do mundo em

1085, deixando, porém, o caminho preparado para a Concordata de Worms, que se realizaria em

1122 com Henrique V, com a independência da Igreja e a regeneração aproximada de sua

disciplina.163

8. As Cruzadas

As Cruzadas foram expedições de caráter militar, embora tenham sido organizadas pela Igreja, com

o propósito de combater supostamente os “inimigos do Cristianismo”. Inicialmente, as cruzadas combateram

os muçulmanos, considerados infiéis. Não se limitando a esta guerra aos seguidores de Maomé, as Cruzadas

atingiram todos os povos não cristãos conhecidos da época.

A Primeira Cruzada foi iniciada em 1095, ao passo que a oitava e última foram realizadas no ano de

1270.

AS CRUZADAS

Ano Acontecimento

1095 Primeira Cruzada: O exército se encaminhou para o sul e para o leste, capturando as

cidades de Antioquia e Jerusalém. Depois da vitória na Terra Santa, houve um banho de

sangue.

1145 Segunda Cruzada: É proclamada pelo papa Eugênio II, sendo coordenada pelo rei da

França, Luís VII e pelo imperador alemão, Conrado III. Tiveram grandes dificuldades nesta guerra, muito em função da força do chefe militar mulçumano chamado

Saladino.

1188 Terceira Cruzada: Organizada por Frederico I “Barba-Roxa”, imperador do Sacro

Império Romano-Germânico, Filipe Augusto, rei de França, e Ricardo Coração de Leão,

rei da Inglaterra, a pedido do papa Gregório VIII.

1198 Quarta Cruzada: Proclamada pelo papa Inocêncio III, sendo dirigida por Bonifácio I

de Montferrat e Balduíno IX de Flandres. 1215 Quinta Cruzada: Solicitada também por Inocêncio III por meio do IV Concílio de Latrão.

1225 Sexta Cruzada: Iniciada no papado de Gregório IX, sob o comando do imperador Frederico

II.

1248 Sétima Cruzada: Concebida no Concílio de Lyon, cujo comando foi do rei francês, Luís IX

(São Luís).

1270 Oitava Cruzada: Também foi comandada por Luís IX, mas o exército foi arrasado em três

meses devido a uma peste e depois por uma tempestade.

160

Simonismo: compra ou venda ilícita de coisas espirituais. 161

Exortar: aconselhar; fazer com que alguém pense ou se comporte de determinada maneira. 162

Sínodo: assembleia periódica de bispos de todo o mundo que, presidida pelo papa, se reúne para tratar de assuntos ou problemas relacionados à Igreja. 163

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 18 — Os abusos do poder religioso, it. Gregório VII.

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Em muitos aspectos, as Cruzadas deixaram uma herança muito negativa. Sua ânsia de dominação

ameaçou ainda mais as relações entre as igrejas do Ocidente e do Oriente. Por sua vez, a brutalidade dos

cruzados em nome do Cristianismo somente contribuiu para manchar a mensagem do Cristo para os outros

povos.

8.1. A visão católica sobre as Cruzadas

[...] As Cruzadas não foram um fracasso ou um contratestemunho dos cristãos. Não se pode deixar

de sublinhar em primeiro lugar o que de positivo as Cruzadas representam. A fé e o amor dos

cristãos, na Idade Média, demonstraram a grandeza do seu amor a Cristo. E, além disso, as

Cruzadas trouxeram benefícios no plano cultural e científico. O contato entre latinos, gregos

(bizantinos) e árabes trouxe um avanço na Matemática, Medicina, indústria, comércio e outros

ramos das atividades humanas; desenvolveu a navegação e modificou as condições econômicas da

sociedade feudal. Preparou o grande surto das artes e das ciências exatas nos séculos XV/XVI.

Entendendo bem o contexto medieval, as Cruzadas não foram uma “mancha negra”; ao contrário,

atestam — segundo o contexto da época — a unidade dos povos da Alta Idade Média, que

encontraram na sua fé a força para realizar façanhas heroicas, porém marcadas as limitações

humanas. O homem moderno não consegue compreender o que isto significava para o homem

medieval.164

8.2. A visão espírita sobre as Cruzadas

Os mensageiros de Jesus, que de todos os acontecimentos sabem extrair os fatores da evolução

humana para o bem, buscam aproveitar a utilidade desses acontecimentos dolorosos. Foi por essa

razão que as Cruzadas, não obstante o seu caráter anticristão, fizeram-se acompanhar de alguns

benefícios de ordem econômica e social para todos os povos. Na Europa a sua influência foi

regeneradora, enfraquecendo a tirania dos senhores feudais e renovando a solução dos problemas

da propriedade, conjurando muitas lutas isoladas. Além disso, os seus movimentos intensificaram,

sobremaneira, as relações do Ocidente com o Oriente, apenas paralisadas mais tarde, em vista da

ferocidade dos turcos e dos invasores mongóis.165

9. Francisco de Assis Na virada do século XII, ο futuro parecia promissor para o jovem Francisco Bernardone. Filho de um

rico comerciante da cidade de Assis, na Itália, Francisco podia olhar para o seu futuro e vislumbrar uma vida

de nobreza e de facilidades materiais.

A cidade de Assis estava em guerra contra Perúgia, cidade vizinha, e Francisco se encaminhou para

lá a fim de se tornar um dos combatentes. Ao ser capturado, foi mantido prisioneiro de guerra por um ano em

Perúgia. Pouco tempo depois de sua libertação, foi acometido de uma grave enfermidade.

Essas adversidades fizeram com que Francisco questionasse muitos aspectos de sua vida.

Reza a lenda que certa vez Francisco em sua cavalgada viu um leproso na estrada. Por sentir

verdadeira aversão, começou a galopar com rapidez a fim de deixar o enfermo para trás. Todavia, esse

homem parecia ter a face de Cristo. Diante da perplexidade, um senso de espiritualidade até então esquecido,

aflorou em Francisco. Imediatamente desceu de seu cavalo e foi ter com o enfermo. Deu dinheiro ao homem

e, colocando-o na garupa de seu cavalo, levou-o até seu destino.

A partir daí um desejo ardoroso de cuidar dos mais necessitados cresceu em Francisco, embora seu

pai não visse com bons olhos tamanha transformação moral. Em 1206, Francisco saiu de casa, renunciando à

riqueza do pai, que por fim terminou por deserdá-lo. O jovem de Assis passou a viver uma vida de absoluta

pobreza. Passou a dar comida e roupas a todos os que precisavam. Ele próprio passou a viver uma vida de

profunda simplicidade, pedindo aos ricos, sem qualquer vergonha, para partilhar com os aqueles que “nada

possuíam”.

164

Disponível em: http://cleofas.com.br/o-que-foram-as-cruzadas/ 165

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 19 — As Cruzadas e o fim da Idade Média, it. Fim das Cruzadas.

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Francisco começou a pregar em capelas desertas próximas de Assis. Seu evangelho de amor e de

serviço ao próximo despertou a atenção de seguidores fiéis. Para os que estavam dispostos a se juntar a ele

na renúncia à riqueza, estabeleceu um conjunto de regras para a vida, o que ficou conhecido como as regras

básicas da ordem franciscana.

Na véspera do dia em que Francisco de Assis foi com os seus doze amigos pedir ao papa Inocêncio

III que fosse autorizada a pregação do Evangelho, o pontífice teve um sonho no qual a sua Catedral

balançava a ponto de estar prestes a cair. Em seguida a este abalo, surgia um monge enviado por Deus, que,

sozinho, apoiando-se contra as muralhas frágeis, impedia que a queda fosse consumada. Inocêncio III

compreendeu que Francisco era o missionário responsável por relembrar o verdadeiro sentido dos

ensinamentos do Cristo.

Em 1218, Francisco tinha cerca de três mil seguidores. Contudo, ele havia tocado em um ponto

crítico para a Igreja na época. A estrutura eclesiástica havia acumulado poder e riqueza. Francisco, no

entanto, ofereceu um novo caminho de humildade e muitos devotos seguiram seu exemplo. Outras pessoas,

que não estavam dispostas a fazer tais sacrifícios, admiravam essa postura genuinamente cristã e apoiavam

seu ministério com ofertas.

Séculos mais tarde, Martinho Lutero (1483–1546), precursor da Reforma Protestante, criticaria

severamente a tradição franciscana de dar ênfase às boas obras. Para Lutero, a salvação vem somente pela fé

e não pelas obras.

Francisco morreu no auge de seu reconhecimento público, em outubro de 1226. Foi canonizado dois

anos depois, tornando-se São Francisco de Assis. Em 1939, Pio XII proclamou que São Francisco de Assis

era o “mais italiano dos santos e mais santo dos italianos”, anunciando-o padroeiro principal da Itália.

[...] se a Inquisição preocupou longamente as autoridades da Igreja, antes da sua fundação, o negro

projeto preocupava igualmente o Espaço, onde se aprestaram providências e medidas de renovação

educativa. Por isso, um dos maiores apóstolos de Jesus desceu à carne com o nome de Francisco

de Assis. Seu grande e luminoso espírito resplandeceu próximo de Roma, nas regiões da Úmbria

desolada. Sua atividade reformista verificou-se sem os atritos próprios da palavra, porque o seu

sacerdócio foi o exemplo na pobreza e na mais absoluta humildade. [...]166

10. Joana d’Arc (1412–1431) Mártir francesa e Santa padroeira da França, foi executada em 1431 e canonizada em 1920, quase

cinco séculos depois de ter sido queimada viva em um auto de fé.Camponesa modesta e analfabeta, tornou-se

heroína de seu povo, sendo chefe militar da Guerra dos Cem Anos, durante a qual tomou partido pelos

Armagnacs. A facção dos Armagnacs, no século XV, constituía um dos dois partidos oponentes que

travaram uma guerra civil, na França, paralelamente à Guerra dos Cem Anos. Os adversários dos

Armagnacs, na longa luta contra eles,eram os Bourguignons.

No início do século XV, a coroa da França era disputada entre o delfim de França167

Carlos (futuro

Carlos VI) e o rei inglês Henrique VI. O exército de Henrique estava ocupando grande parte do norte do

reino com os burgúndios (leais ao duque de Burgúndia e aliados dos ingleses), enquanto a situação do delfim

era mais delicada, já que, cinco anos após a morte de seu pai, ele ainda não havia sido coroado rei da França.

A França estava prestes a ser dizimada pela fome, pelas pestes e encontrava-se dominada pelos

ingleses, porém, havia um poder invisível velando o destino do país que estava sendo preparado ser o berço

do Espiritismo.

Filha de Jacques d'Arc e Isabelle Romée, Joana tinha mais quatro irmãos: Jacques, Catherine, Jean e

Pierre, sendo ela a mais nova dos irmãos. Seus pais eram agricultores e de vez em quando artesãos. Joana

também era muito religiosa, ia muito à igreja e frequentemente fugia do campo para ir orar na igreja de sua

cidade.

Seria uma menina comum às outras não fosse sua preocupação com os problemas alheios, pois

estava sempre disposta a ajudar os mais necessitados e até mesmo oferecia seu leito aos viajantes que

chegavam cansados e ia dormir sobre feixes de palha. Muito voltada ao trabalho, assim como para as belezas

da Natureza e o céu estrelado.

166

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 18 — Os abusos do poder religioso, it. Francisco de Assis. 167

Herdeiro do trono francês.

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67

No livro Joana d’Arc, médium, por Léon Denis, nos apresenta a personalidade de um espírito que

nenhum registro oficial informa: “um espírito de ordem superior de qualidades mediúnicas que desde cedo

estava sendo orientada para uma missão que mudaria os rumos da história”.

Suas características e sua maneira de ser já mostravam que era diferente, superior às pessoas de sua

época com um especial objetivo.

Desde cedo, vozes lhe diziam para ser boa e confiar no Senhor e frequentar a igreja. No seu tempo o

Catolicismo era a religião oficial e referência para as pessoas que tinham no Cristianismo as coisas de Deus.

Uma das vozes se identificou para Joana como arcanjo São Miguel, informando sobre a missão que

ela teria junto à França ao qual se sentiu incapaz, pois se tratava de uma pobre e jovem moça e sequer sabia

cavalgar, muito menos guerrear. Porém, os conselhos dos espíritos estavam cada vez mais frequentes,

afirma-nos Denis: “[...] conselhos dos Espíritos superiores são sempre breves, concisos,elevados e

luminosos”.

Registros oficiais informam que aos 17 anos Joana foi a Vaucouleurs, cidade vizinha a Domrèmy.

Recorreu a Robert de Baudricourt, capitão da guarnição armagnac estabelecida em Vaucouleurs para lhe

ceder uma escolta até Chinon, onde estava o delfim, já que teria que atravessar todo o território hostil

defendido pelos ingleses e bourguignons. Quase um ano depois, Baudricourt aceitou enviá-la escoltada até o

delfim. A escolta iniciou-se aproximadamente em 13 de fevereiro de 1429. Entre os seis homens que a

acompanharam estavam Poulengy e Jean Nouillonpont (conhecido como Jean de Metz). Jean esteve presente

em todas as batalhas posteriores à Joana d'Arc.

Um dado curioso para a aceitação de Joana na frente de batalha estava remetido a uma profecia de

Merlin, o bardo, de que uma missionária jovem virgem iria defender e libertar a França.

Sozinha na presença do rei, ela o convenceu a lhe entregar um exército com o intuito de libertar

Orléans. Porém, o rei ainda a fez passar por provas diante dos teólogos reais. As autoridades eclesiásticas em

Poitiers submeteram-na a um interrogatório, averiguaram ainda sua virgindade e suas intenções.

Convencido do discurso de Joana, o rei entrega-lhe em mãos uma espada e um estandarte,

autorizando-a a acompanhar as tropas francesas que seguiam rumo à libertação da cidade de Orléans, que

havia sido invadida e cercada pelos ingleses havia oito meses.

Somente uma grande capacidade mediúnica é capaz de explicar como uma jovem com pouco mais

de 18 anos pôde liderar um exército de homens cheios de maus hábitos e vícios de pilhagem. Viam nela uma

fada, uma bruxa como daquelas assombrações dos bosques;dessa forma Joana conquistou rapidamente uma

ascendência sobre todos.

Denis afirma ainda que os livros de história para as escolas da França falam da heroína Joana, de

como lutou pelo país, mas não explicam como ela, ainda adolescente e mulher, foi aceita por um exército de

homens brutos para comandá-los e de onde vinham seus méritos e poder de persuasão sobre os militares e a

sociedade. A história oficial e todos registros sobre ela eliminaram de Joana d’Arc tudo que fosse

espiritualista.

As vozes que orientavam Joana lhe diziam como agiria em cada batalha, o que a tornava consciente

da sua missão, ciente que não duraria mais de um ano e que todos deveriam aproveitá-la bem nas frentes de

batalha,, pois tinha certeza da curta duração da sua carreira militar e da sua vida.

Ainda segundo Denis, após lutar emvárias cidades da França sempre obtendo sucesso, Joana foi

recebida em Reims como uma Santa, por uma grande multidão que queria pelo menos tocar-lhe as mãos e

seu anel. Todos tinham a certeza que tinha sido enviada de Deus para libertar o reino.

Em outros registros históricos, cerca de um mês após sua vitória sobre os ingleses, em Orléans, ela

conduziu Carlos VII à cidade de Reims, onde foi coroado rei da França, em 17 de julho de 1429. A vitória de

Joana d'Arc e a coroação do rei acabaram por reacender as esperanças dos franceses para se libertarem do

domínio inglês,representando a virada da guerra.

Joana logo encorajou o rei Carlos a sitiar Paris, uma fortaleza inglesa, e o ataque foi consumado em

8 de setembro. Joana foi ferida na perna com uma balestra, mas continuou a lutar. Na manhã seguinte, no

entanto, recebeu uma ordem real para recuar.

10.1 Morte e canonização

Joana d'Arc foi capturada pelos bourguignons, aliados dos ingleses, na primavera de 1430, quando

tentava libertar a cidade de Compiègne. O conde de Luxemburgo não possuindo mais fortuna a entregou ao

rei da Inglaterra em troca de 10 mil libras em ouro. Acusada de assassinato e heresia, foi condenada à morte

e queimada viva, aos 19 anos, no dia 30 de maio de 1431, em Rouen, na França.

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68

Em 1456, Joana d'Arc foi considerada inocente pelo papa Calisto III e o processo que a condenou foi

considerado inválido. Quase cinco séculos após sua morte, a Igreja Católica autorizou sua beatificação, no

dia 18 de abril de 1909. Em 1920, foi canonizada pelo papa Bento XV. Nesse mesmo ano, se tornou santa

padroeira da França.

Segundo Denis:

Uma legião de espíritos elevados vieram confortá-la, seres a quem ela chamava de “irmãos do

paraíso”. Estes diziam que sofrer é engradecer-se, é elevar-se, ela receberia a libertação

conforme ensinada pelos druidas, seus antepassados: a morte pelos martírios, mas com grande

vitória espiritual.

Joana comunicou mediunicamente a Léon Denis que na fogueira ela recebia chuvas de fluidos

benéficos dos amigos espirituais que aliviavam sua dor.

*

Segundo Humberto de Campos, pela psicografia do médium Chico Xavier, a última reencarnação de

Judas Escariotes, na Terra, foi como Joana d'Arc, conforme mensagem apresentada no livro Crônicas de

Além-Túmulo.

Nessa última encarnação, o espírito Joana ou como queiram, Judas, já se encontrava bastante

adiantado e perdoado pelo Mestre Jesus e muito apto para nobre missão de luta pela libertação da França.

Léon Denis em um de seus vários trabalhos de pesquisas mediúnicas recebe de um de seus mentores,

junto ao trabalho de divulgação do Espiritismo, esse espírito se apresenta como Espírito Azul, auxiliando nas

tarefas, mais tarde se identifica como o espírito Joana d’Arc.

11. O Tribunal da Inquisição

Muito pouco valeram as lições do bem, diante do mal triunfante, porque em 1231 o Tribunal da

Inquisição estava consolidado com Gregório IX. Esse instituto, ironicamente, nesse tempo não

condenava os supostos culpados diretamente à morte — pena benéfica e consoladora em face dos

martírios infligidos aos que lhe caíssem nos calabouços —,168

mas podia aplicar todos os suplícios

imagináveis.

A repressão das “heresias” foi o pretexto de sua consolidação na Europa, tornando-se o flagelo e a

desdita do mundo inteiro.

Longo período de sombras invadiu os departamentos da atividade humana. A penumbra dos

templos era teatro de cenas amargas e sacrílegas.169

Crimes tenebrosos foram perpetrados ao pé

dos altares, em nome daquele que é amor, perdão e misericórdia.

[...]

A Inquisição foi obra direta do papado, e cada personalidade, como cada instituição, tem o seu

processo de contas na Justiça divina. Eis por que não podemos justificar a existência desse tribunal

espantoso, cuja ação criminosa e perversa entravou a Humanidade por mais de seis longos

séculos.170

[...] O Tribunal da Inquisição, com poderes de vida e morte nos países católicos, fez milhares e

milhares de vítimas, ensombrando o caminho dos povos. Espetáculos sangrentos e detestáveis

verificaram-se em quase todas as grandes cidades da Europa, os autos de fé acenderam horrendas

fogueiras do Santo Ofício, por toda parte onde existissem cérebros que pensassem e corações que

sentissem.171

A título de registro histórico, em 1998,o Vaticano abriu os arquivos do Santo Ofício (o nome atual da

Inquisição), para uma equipe de 30 pesquisadores de todo o mundo, sem vinculação com a Igreja

Católica. Esses estudiosos fizeram uma análise extensa da documentação disponível e elaboraram um

relatório de 800 páginas. Em linhas gerais, concluíram que a tortura era uma atividade rara e somente um por

168

Calabouço: prisão subterrânea, fria e escura; masmorra. 169

Sacrílegas: provém do termo sacrilégio, um pecado grave contra as coisas sagradas. 170

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 18 — Os abusos do poder religioso, its. A Inquisição; A obra do papado. 171

______. ______. Cap. 20 – Renascença do mundo, it. Companhia de Jesus.

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69

cento das pessoas que se apresentaram perante a Inquisição Espanhola — a mais extensa e radical — foram

realmente executadas.

Curioso notar que muitos livros de História apontam para cerca de 20 milhões de mortes ou mais.

Partindo do pressuposto de que esta reavaliação esteja correta e a visão geral desse período equivocada,

ainda assim, quando Emmanuel afirma que milhares foram mortos, esta informação é perfeitamente factível,

até mesmo para os pesquisadores dos documentos do Vaticano.

Nada, todavia, justifica as atrocidades cometidas, mesmo em escala mais reduzida. Compreendendo

esta realidade, ao final do trabalho dos acadêmicos, o papa João Paulo II, responsável por solicitar esta

pesquisa, teve a grandeza de pedir perdão pelos excessos cometidos no período da Inquisição.

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70

CAPÍTULO 9

A REFORMA PROTESTANTE

Compreender a circunstâncias que determinaram o surgimento da

Reforma Protestante.

Analisar as ações reformadores de Lutero, sob a ótica histórica e pela visão

espírita.

Abordar a ascensão de Calvino e refletir sobre a doutrina da

predestinação.

1. Precursores da Reforma: Segundo a história oficial, Martinho Lutero foi o principal nome associado à Reforma Protestante no

século XVI. Porém, a própria História também revela partes consideráveis de que suas ideias reformadoras

vieram da inspiração de outros homens que haviam criticado a Igreja Católica séculos antes do padre alemão.

1.1 John Wycliffe (1328–1384) Na Inglaterra, no final do século XIV, o padre e teólogo apresentou uma série de críticas às doutrinas

católicas que iria inspirar Martinho Lutero mais de um século depois. Dentre elas estavam a afirmação de

que a salvação eterna era conseguida por meio da fé em Deus, bem como o posicionamento contrário à venda

de indulgências172

— perdão concedido pela Igreja aos pecadores — praticada pelo clero católico. Trabalhou

na primeira tradução da Bíblia para o idioma inglês, que ficou conhecida como a Bíblia de Wycliffe.

Acreditava ainda que a Bíblia deveria ser um bem comum de todos os cristãos e precisaria estar disponível

para uso cotidiano, na língua nativa das populações.

1.2 Jan Hus Também foi outra importante fonte de inspiração para Lutero. Hus defendia, como Wycliffe antes

dele e Lutero posteriormente, a autoridade das Sagradas Escrituras, como a Bíblia, sobre a tradição da Igreja

Católica e sobre a palavra do papa, que era tida como a palavra de Deus. Esse posicionamento afrontava o

poder religioso do papa e abria caminho para que todos os fiéis pudessem ler e interpretar a Bíblia.

172

A Indulgência é assim definida no Código de Direito Canónico (cf. cân. 992) e no Catecismo da Igreja Católica (n. 1471): “A indulgência é a remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados cuja culpa já foi apagada; remissão que o fiel devidamente disposto obtém em certas e determinadas condições pela ação da Igreja que, enquanto dispensadora da redenção, distribui e aplica, por sua autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos”.

Objetivos

Ideias principais

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2. Martinho Lutero: a fé como elemento único da salvação

— A Reforma e os movimentos que se lhe seguiram vieram ao mundo com a missão especial de

exumar a “letra” dos Evangelhos, enterrada até então nos arquivos da intolerância clerical, nos

seminários e nos conventos, a fim de que, depois da sua tarefa, pudesse o Consolador prometido,

pela voz do Espiritismo cristão, ensinar aos homens o espírito divino de todas as lições de Jesus.173

A Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero a partir de 1517, foi além da crítica aos dogmas

e práticas contestáveis da Igreja Católica.

Em linhas gerais, o Protestantismo privilegiou três doutrinas essenciais, contrárias aos dogmas da

Igreja Católica: a justificação pela fé, o sacerdócio universal, a infalibilidade174

apenas da Bíblia.

Com o apoio de segmentos sociais insatisfeitos com a enorme autoridade e poder do papa, a Reforma

contribuiu para modificar não apenas o aspecto religioso, mas foi responsável também por mudanças

políticas, sociais e econômicas.

[...] O plano invisível determina, assim, a vinda ao mundo de numerosos missionários com o

objetivo de levar a efeito a renascença da Religião, de maneira a regenerar os seus relaxados

centros de força. [...]175

É comum que se analise neste período que corresponde ao final do século XV e início do XVI os

muitos grupos considerados hereges176

pela Igreja Católica que denunciavam os abusos do clero e

propunham um retorno ao modo de vida dos primeiros cristãos.

De acordo com Jean Delumeau, é necessário relativizar essa visão:

A tese segundo a qual os Reformadores teriam deixado a Igreja romana, porque ela estava repleta

de devassidões e impurezas é insuficiente. No tempo de Gregório VII e de São Bernardo, existiam

tantos abusos na Igreja como na época da Reforma. Não resultou daí, contudo, nenhuma ruptura

comparável à do Protestantismo. Outro fato que deve nos esclarecer: Erasmo, tão duro no Elogio

da Loucura (1511)177

para os padres, monges, bispos e papas do seu tempo, não aderiu, entretanto,

à Reforma. Inversamente, quando, no século XVII, a Igreja Católica tinha corrigido a maior parte

das fraquezas disciplinares que podia-se legitimamente lhe censurar no século precedente, as

diferentes confissões reformadas não procuraram regressar à obediência de Roma.178

A doutrina da justificação pela fé e não pela prática de boas obras contrariava a venda de

indulgências, prática comum na época e motivo de críticas de Lutero, expressas, sobretudo, quando elaborou

as suas 95 Teses.179

A seguir algumas teses de Lutero:

Tese 75: Considerar as indulgências do papa tão poderosas, a ponto de poderem absolver alguém

dos pecados, mesmo que (cousa impossível) tivesse desonrado a mãe de Deus, significa ser

demente. Tese 86: Ainda: Por que o papa, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer Credo,

não prefere edificar a catedral de S. Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro

de fiéis pobres?

173

XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Q. 295. 174

Infalibilidade: qualidade do que é infalível; infalível, por sua vez, é tudo aquilo que não comete erros, que nunca se engana ou se confunde. 175

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença no mundo, it. Renascença religiosa. 176

Hereges: é o nome dado ao indivíduo que professa uma heresia, ou seja, que questiona certas crenças estabelecidas por uma determinada religião. 177

Elogio da Loucura: Uma das mais célebres obras filosóficas da Renascença, O elogio da loucura, foi escrito, originalmente, em latim e publicada em Paris, no ano de 1511, pelo escritor, filósofo e teólogo Desiderius Erasmus (1469–1536), mais conhecido como Erasmo de Rotterdam, em referência ao porto holandês onde nasceu. 178

DELUMEAU, Jean. Nascimento e a afirmação da Reforma. São Paulo: Pioneira, 1989. Livro II, cap. I. 179

Disponíveis em: http://www.monergismo.com/textos/credos/lutero_teses.htm

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72

Tese 95: E assim esperem mais entrar no Reino dos céus através de muitas tribulações do que

facilitados diante de consolações infundadas.

A popularidade que as teses de Lutero alcançaram, repercutiu em Roma.

Por ocasião dos primeiros protestos contra o fausto180

desmedido dos príncipes da Igreja, ocupava

a cadeira pontifícia Leão X, cuja vida mundana impressionava desagradavel-mente os espíritos

sinceramente religiosos. Sob a sua direção criara-se, em 1518, o célebre Livro das taxas da

sagrada chancelaria e da sagrada penitenciária apostólica, onde se encontrava estipulado o preço

de absolvição para todos os pecados, para todos os adultérios, inclusive os crimes mais hediondos.

Tais rebaixamentos da dignidade eclesiástica ambientaram as pregações de Lutero e seus

companheiros de apostolado.181

O papa Leão X exigiu que Lutero voltasse atrás em suas afirmações. Lutero além de não responder

ao documento condenatório convocando-o a ir para Roma, simplesmente o queimou, provocando

imediatamente a sua excomunhão.182

Ao receber a proteção da nobreza alemã, Lutero manteve-se escondido,

pois nada poderia garantir que ele não tivesse o mesmo fim que Jan Hus,183

nesse momento de profunda

tensão.

Além do mais, Lutero tinha a expectativa de que a nobreza alemã adotasse a religião reformada a

partir de suas novas concepções. Entretanto, haviam outros setores vinculados à Reforma que tinham

posturas mais radicais. Eles ficaram conhecidos como os anabatistas e tinham como propostas mais

conhecidas, o retorno ao igualitarismo dos tempos apostólicos. Os anabatistas eram favoráveis a partilha de

riquezas, sobretudo a partir da divisão justa da terra.

Os anabatistas eram integrantes da pequena nobreza sem terras e prestígio social. Inspirados pelos

ideais de Lutero de crítica do enriquecimento da Igreja Católica, invadiram as propriedades do clero e

realizaram uma divisão com os camponeses. Ocorre que o próprio Lutero condenou essas ações mais

radicais, afirmando que as terras deveriam ficar sob o domínio da alta nobreza, isto é, os grandes senhores

detentores de poder político e econômico.

Thomas Munzer, líder dos anabatistas, percebendo que Lutero estava vinculado aos setores mais

aristocráticos,184

rompeu relações com o reformador, e estabeleceu a sua própria doutrina, cuja principal

bandeira era a extinção da propriedade privada.

Em 1530, Lutero sistematizou sua doutrina: a fé como a única fonte de salvação, a livre interpretação

da Bíblia e a sua tradução para as línguas nacionais, a existência de uma igreja nacional, sem o domínio do

papa e dos bispos e o fim do celibato dos padres, eram as suas principais concepções religiosas.

[...]Os postulados de Lutero constituíram, antes de tudo, modalidade de combate aos absurdos romanos,

sem representarem o caminho ideal para as verdades religiosas. Ao extremismo do abuso, respondia

com o extremismo da intolerância, prejudicando a sua própria Doutrina. Mas o seu esforço se

coroou de notável importância para os caminhos do porvir.185

180

Fausto: luxo, ostentação. 181

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do mundo, it. Renascença religiosa. 182

Excomunhão: penalidade da Igreja Católica que consiste em “excluir” alguém da totalidade ou de parte dos “bens espirituais” comuns aos fiéis. 183

A vida de Jan Hus será analisada na segunda parte deste guia histórico-doutrinário. 184

Aristocracia: em sua acepção literal, significa: poder dos melhores (termo que provém do grego aristos, o melhor, e kratos, poder. Em sentido mais amplo, significa basicamente uma organização sociopolítica baseada em privilégios de uma classe social formada por nobres. 185

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do mundo, it. Renascença Religiosa.

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73

A Reforma conseguiu arrancar a metade da Europa do jugo de Roma. O Protestantismo distingue-

se do Catolicismo pelo princípio em que repousa: o livre-exame. Sua moral é mais precisa. Ele tem

o mérito de se aproximar mais da simplicidade evangélica. Mas a ortodoxia protestante não

poderia ser considerada como a última palavra da renovação religiosa, em razão de seu apego

exclusivo à “letra que mata” e à bagagem dogmática que conservou, em parte.186

3. João Calvino: a predestinação incondicional187

João Calvino se converteu ao luteranismo por volta de 1530, o que de início o fez sofrer intensa

perseguição. Em virtude disso, se transferiu para Genebra no ano de 1536. Nesta cidade, publicou o

documento Instituições da religião cristã, em que detalhava seus principais fundamentos teológicos.

A seguir uma de suas ideias centrais:

[...] Ele não cria a todos em uma mesma condição e estado; mas ordena uns a vida eterna e a outros

a perpétua condenação. Portanto, segundo o fim a que o homem é criado, dizemos que está

predestinado ou à vida ou à morte.188

O calvinismo como um movimento religioso contribuiu para as grandes lutas políticas e culturais do

século XVI e XVII nos principais países capitalistas da Europa, especialmente na Inglaterra e na França.

Os princípios calvinistas tinham como fundamento uma rigorosa disciplina, além da valorização

moral do trabalho e a importância da poupança. De acordo com Calvino, determinados indivíduos eram

predestinados a salvação e outros não. Para Calvino, a salvação almejada por muitos não depende do mérito

pessoal: a determinação é uma decisão de Deus e cabe aos indivíduos apenas aceitar.

Mas qual era o critério para descobrir se alguém era predestinado ou não? O critério é relativamente

simples: se o indivíduo havia obtido em vida riqueza material, era um indício inquestionável de que Deus o

havia escolhido para ser salvo. Esse pensamento religioso deu sustentação ideológica ao capitalismo ainda

nascente, porque valoriza, social e espiritualmente, quem detém um poder aquisitivo maior.

Em conformidade, pois, com a clara doutrina das Escrituras asseveramos que Deus, por um

desígnio eterno e imutável, determinou de uma vez para sempre quais as criaturas que ele admitiria

à salvação e quais as que condenariam à destruição. Afirmamos que esse desígnio, no que diz

respeito ao escolhido, baseia-se em Sua bondade gratuita, totalmente independente do mérito

humano, mas que, para os que ele destina à condenação, o portão da vida encontra-se fechado por

uma decisão justa e irrepreensível, porém, incompreensível.189

A partir de 1541, não apenas a religião, mas o próprio governo de Genebra já estava sob total

domínio de Calvino. Sua autoridade era praticamente ilimitada e por esse motivo exerceu um controle

permanente do cotidiano das pessoas, obrigando-as, inclusive, a participar dos cultos sob a sua orientação

teológica.

4. Caça às “bruxas”

De 1450 a 1750, longos três séculos, as mulheres que ousassem questionar os dogmas católicos e

mais tarde as ideias protestantes, eram classificadas como bruxas, sendo, em muitos casos, levadas à

fogueira. Católicos e protestantes eram unânimes em afirmar que todas os fenômenos “sobrenaturais” só

poderiam ser obra do “demônio”.

Essa doutrina era repetida em tom de ameaça nas hostes católicas e protestantes. Consideravam ainda

que a bruxaria constituía como uma calamidade tão perigosa quanto a peste, perigo constante naquele

período.

186

DENIS, Léon. Depois da Morte. Trad. Maria Lucia Alcantara Carvalho. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Cap. VI — O Cristianismo, p. 93. 187

Jean Calvin Noyon (1509–1564), teólogo e reformador francês. 188

CALVINO. In: ARTOLA, Miguel. Textos fundamentales para la historia. Madri: Aliansa, 1995. [Nossa tradução]. 189

CALVINO. In: DURANT, Will. A Reforma. Rio de Janeiro: Record, 1993.

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Convém observar que ao estabelecer uma relação”da mulher com o pecado original e analisando ao

pé da letra essa passagem bíblica, os religiosos desse período impuseram um fardo muito pesado para a

mulher, realidade que se estendeu até o século XVII.

[...] Foi em plena Idade Moderna — a mesma que presenciou a descoberta de um novo mundo com as

grandes navegações, a ascensão da burguesia comercial, o fim do domínio feudal e a formação dos

primeiros Estados nacionais europeus — que o temor às forças do “mal” deixou o campo da crendice

popular para se tornar alvo de uma perseguição sistemática de tribunais leigos, religiosos e da

Inquisição — sob controle papal. Não que as fogueiras tenham sido estranhas à sociedade medieval. A

Idade Média também presenciou exibições do poder purificador das chamas, a mais notável delas, sem

dúvida, aquela que consumiu a vida da jovem Joana d’Arc, em 30 de maio de 1431, na cidade de

Rouen, então sob domínio inglês. Heroína nacional, Joana ficou famosa depois que conduziu o exército

francês à vitória sobre os ingleses em Orléans e deu início à revanche de seu país na Guerra dos Cem

Anos (1337–1453), até aquele momento vencida fragorosamente pelos britânicos.190

190

Disponível em:http://super.abril.com.br/historia/inquisicao-idade-moderna-e-as-bruxas-as-mulheres-em-chamas

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75

O NASCIMENTO DO MUNDO MODERNO "Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução, mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por escrito da Instituição."

GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO IV

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CAPÍTULO 10

RENASCENÇA DO MUNDO: TEMPO DE

RUPTURA

Compreender as transformações culturais ocorridas no século XVI.

Demonstrar como a Renascença foi um período de retorno à Antiguidade

no que diz respeito às ideias e símbolos.

Analisar os principais expoentes da arte renascentista.

Refletir sobre o período de descoberta de novos territórios como uma

consequência da ideia humanista da Renascença.

1. O processo de renovação

Nos albores191

do século XV, quando a Idade Média estava prestes a extinguir-se, grandes assembleias espirituais se reúnem nas proximidades do planeta, orientando os movimentos renovadores que, em virtude das determinações do Cristo, deveriam encaminhar o mundo para uma nova era.

192

A palavra Renascença quer dizer “renascimento”, isto é, um novo nascimento. O que estava

renascendo era o humanismo da Antiguidade. A Idade Média foi um período de extrema religiosidade, no

qual Deus estava no centro de todas as preocupações. Agora, contudo, os humanistas da Renascença

voltavam a se aprofundar nas culturas gregae romana, anteriores ao Cristianismo. Na Era Moderna, a Idade

Média passou a ser percebida como uma época obscura, período intermediário entre duas épocas gloriosas: a

arte e a cultura da Antiguidade e o período atual, cujo propósito era retornar às origens.

William Shakespeare em sua obra Hamlet, preconizou as dádivas do ser humano, algo impensável na

Idade Média que, como já afirmamos, estava centrada em Deus.

[...] Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio, tão vário193

na capacidade; em forma o

movimento, tão preciso e admirável; na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus;

a beleza do mundo, o exemplo dos animais. [...]194

A Renascença redescobriu o valor do ser humano. Assim puderam renovar a filosofia, a ciência e a

literatura. Até mesmo os fenômenos naturais, antes visto como castigo divino em muitas ocasiões na Idade Média, agora eram vistos de maneira positiva, o que despertou um estudo mais aprofundado do mundo

natural.

191

Albores: início, começo, os primeiros. 192

XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2015. Cap. 20, item: Movimentos regeneradores, p.159. 193

Vário: caracterizado pela diversidade, que abrange diversas manifestações. 194

SHAKESPEARE, William. Hamlet.

Objetivos

Ideias principais

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77

Deolindo Amorim avalia que a renovação é necessária para que o progresso seja uma realidade:

[...] Há renovação constante de ideias, costumes, conceitos, quadros sociais etc. etc., pois não

haveria progresso se não houvesse renovação. Mas renovação é enriquecimento e melhoramento,

não é destruição total de experiências acumuladas por gerações anteriores.195

A partir do século XV a cultura renascentista saiu da Itália e se espalhou para outros países,

difundindo uma nova atitude para com a Humanidade, um novo método científico e uma nova imagem do

mundo.

[...] o conceito de “Renascimento” significa um processo social total, estendendo-se da esfera

social e econômica, onde a estrutura básica da sociedade foi afetada até ao domínio da cultura,

envolvendo a vida de todos e os dias e as maneiras de pensar, as práticas morais e os ideias éticos

cotidianos, as formas de consciência religiosa, a arte e a ciência. [...]196

2. Arte renascentista “[...] Antigos mestres de Atenas reencarnaram na Itália, espalhando nos departamentos da pintura e

da escultura as mais belas joias do gênio e do sentimento. [...]”197

A arte renascentista possui como fonte de inspiração o modelo artístico grego, cujas características

consistem na valorização do homem e um alto grau de fidelidade à natureza.

O artista na Idade Média era considerado um instrumento da manifestação divina, não tendo,

portanto, méritos próprios. Na Renascença, por sua vez, o artista passa a ser valorizado, tendo a oportunidade

de realizar experiências e descobertas.

[...] Há mesmo, em todos os departamentos das atividades artísticas, um pronunciado sabor da vida

grega, anterior às disciplinas austeras do Catolicismo na idade medieval, cujas regras, aliás,

atingiam rigorosamente apenas quem não fosse parte integrante do quadro das autoridades

eclesiásticas.198

É nesse período que a arte passa a ter relativa autonomia, conquistando um espaço próprio,

diminuindo o impacto da religião. A seguir breves palavras sobre os dois principais expoentes das artes nesse

período.

2.1 Leonardo da Vinci

Nasceu na Itália no dia 15 de abril de 1452. Foi um dos mais importantes pintores do Renascimento

Cultural. É considerado um gênio, pois demonstrava excelente habilidade como anatomista, engenheiro,

matemático, músico, arquiteto e, claro, pintor e escultor.

As pinturas de da Vinci revelam algumas características marcantes, tais como o uso de cores

próximas da realidade, figuras humanas perfeitas, temas religiosos, paisagens, figuras humanas com

expressões de sentimento, tudo isso com profunda minuciosidade artística. A sua obra mais famosa é a enigmática Gioconda (Monalisa), ainda hoje considerada uma das pinturas mais importantes de todos os

tempos.

195

AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. (Compilação de Celso Martins). 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 12 — Passado e presente. 196

HELLER, Agnes. O homem do renascimento. Lisboa: Presença, 1982. 197

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do mundo, it. Movimentos regeneradores, p. 160. 198

______. ______. it. Apogeu da Renascença.

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78

2.2 Michelangelo

Nasceu na Itália no dia 6 de março de 1475. Como grande parte dos pintores e escultores da época,

Michelangelo iniciou a sua carreira artística como aprendiz de um grande mestre das artes: Domenico

Ghirlandaio. Após observar o talento do jovem aprendiz, Ghirlandaio encaminhou-o para a cidade de

Florença, para aprender com Lorenzo de Médici. Na Escola de Lorenzo de Médici, Michelangelo

permaneceu por dois anos (1490 a 1492), recebendo influências artísticas de vários pintores, escultores e

intelectuais da época, já que a cidade era um grande centro de produção cultural.

Sua principal obra foram os afrescos do teto da Capela Sistina.

3. Em busca de terras desconhecidas

[...] Na Península Ibérica,199

sob a orientação da personalidade de Henrique de Sagres, incumbido

de grandes e proveitosas realizações, fundam-se escolas de navegadores que se fazem ao grande

oceano, em busca de terras desconhecidas. [...]200

Henrique de Sagres, príncipe português nascido no Porto, foi considerado um dos grandes heróis da

história de Portugal por seu relevante papel na expansão ultramarina portuguesa, especialmente no que diz

respeito aos descobrimentos, sobretudo quando mudou-se para Sagres, em 1433, onde fez o seu próprio

quartel-general e fundou um Centro de Estudos de Náutica, Astronomia, Cosmografia e Ciências correlatas,

que com o decorrer do tempo, transformou-se na famosa Escola de Sagres.

Portugal, por ter alcançado a sua unificação, conseguiu um desenvolvimento náutico e de

instrumentos marítimos sem precedentes, tornando-se, assim, o país certo para a aventura das grandes

navegações.

Desde o início, o que motivou a expansão marítima, em Portugal, foi o equilíbrio entre os interesses

comerciais, militares e de evangelização. Todavia, anteriormente, entre os séculos XIV e XV, o que

impulsionou o espírito aventureiro na procura de novas rotas marítimas foi o mercado de especiarias do

Oriente. As “especiarias” eram produtos de origem vegetal, utilizados como temperos e conservação de

alimentos, já que naquela época não havia qualquer tipo de refrigeração.

Com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em 29 de maio de 1453, os mercadores

portugueses e espanhóis ficaram impedidos de utilizarem esta rota tradicional, em virtude do domínio turco

estabelecido na região.

Em decorrência desses obstáculos, Portugal e Espanha passaram a organizar expedições de

exploração, com o objetivo de encontrar rotas alternativas tanto por terra quanto por mar.

Portugal buscou criar uma nova rota contornando o continente africano, instalando nessas viagens

entrepostos comerciais em algumas zonas costeiras da África. Por outro lado, o reino espanhol buscava uma

nova rota para o Oriente por meio do Ocidente.

Foi por meio desta estratégia e sob as ordens dos reis católicos da Espanha — Fernando e Isabel —

que o navegador genovês Cristóvão Colombo comandou a frota que primeiro alcançou o continente

americano em 12 de outubro de 1492.

Após a descoberta da América, grande esforço de seleção espiritual foi levado a efeito no seio das

lutas europeias, no intuito de criar no Novo Mundo um outro sentido de evolução.201

Consolidado o Tratado de Tordesilhas entre Espanha e Portugal, objetivando a divisão das terras já

descobertas e por ainda descobrir, a expedição de Pedro Álvares Cabral, motivada inicialmente a encontrar

um novo caminho das Índias, se deparou com sinais de terra desconhecida pelo Ocidente até então.

Os navegadores perceberam de imediato um grande monte que chamaram de Pascoal, em alusão ao

período de páscoa daquela semana. O local passou a ser chamado de Terra de Vera Cruz e o encanto era

199

Península Ibérica: território onde estão localizados Portugal e Espanha, além do principado de Andorra e o território britânico de Gibraltar. 200

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do mundo, it. Movimentos regeneradores. 201

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do mundo, it. O plano invisível e a colonização do Novo Mundo.

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79

patente entre os descobridores, mas, ao mesmo tempo, o território que mais tarde seria chamado de Brasil,

despertou também o interesse econômico e evangelizador.

Se os colonizadores da região americana, nos primeiros tempos, eram os degredados, ou os

proscritos202

das sociedades europeias, importa considerar que esses colonos não vinham tão

somente das grandes capitais do antigo continente, na exclusiva observância do plano material. Do

mundo invisível, igualmente, partiram caravanas inúmeras de almas de boa vontade, que

encarnaram nas terras novas, como filhos daqueles degredados muitas vezes perseguidos pela

iniquidade da justiça dos homens. A esses Espíritos mais ou menos adiantados, aliaram-se

numerosas entidades da Europa, cansadas das lutas inglórias de hegemonia e de ambição,

buscando a redenção no esforço construtivo de uma nova pátria em bases sólidas de fraternidade e

amor, originando-se, desse modo, entre os povos americanos, sentimentos mais elevados, quanto à

compreensão da comunidade continental. Se reconhecemos na América a projeção espiritual da

Europa, temos de convir que se trata de uma Europa mais sábia e mais experiente, não só quanto

aos problemas da concórdia internacional e da solidariedade humana, como também em todas as

questões que significam os verdadeiros bens da vida.203

4. O advento da Ciência Moderna

A ciência legítima é a conquista gradual das forças e operações da Natureza, que se mantinham

ocultas à nossa acanhada apreensão. E como somos filhos do Deus Revelador, infinito em

grandeza, é de esperar tenhamos sempre à frente ilimitados campos de observação, cujas portas se

abrirão ao nosso desejo de conhecimento, à maneira que grandeçam nossos títulos

meritórios.[...]204

Com a transição da mentalidade medieval, profundamente submissa aos dogmas religiosos, e a visão

moderna de mundo, com o retorno da racionalidade para o entendimento dele, a Ciência moderna atingiu um

novo patamar no século XVII.

Conhecer algo a respeito da natureza não poderia mais se limitar ao exercício da reflexão: a Era

Moderna introduz o método de compreensão a partir da realidade observada.

Vê-se a Ciência no dever de investigar, de estudar, e, no seu afã incessante de saber, rolam por

terra ideias errôneas, mantidas até hoje como alicerces de todas as suas perquirições205

[...]206

4.1 Nicolau Copérnico

Nicolau Copérnico (1473–1543) colocou a Terra em seu devido lugar. Revolucionou a Ciência ao

demonstrar que o nosso planeta girava em torno do Sol, teoria conhecida como heliocêntrica. Havia fortes

objeções a esta ideia, sobretudo da Igreja, fundamentada em algumas passagens bíblicas que indicavam a

Terra como o centro do Universo e o Sol girando em seu redor. Copérnico sabia que contrariar esse dogma

desprovido de evidências irrefutáveis, poderia lhe acarretar sérias consequências.

Apesar de ter divulgado por volta de 1514 um texto de 40 páginas com suas principais descobertas,

Copérnico passou cerca de três décadas preparando um tratado mais aprofundado sobre o tema, recusando-se no fim a publicá-lo, muito provavelmente com receio do que essa descoberta poderia lhe ocasionar,

em um momento em que a intolerância extrapolava o mais elementar bom senso.

202

Proscritos: suprimido, eliminado, extinto. 203

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 —

Renascença do mundo, it. O plano invisível e a colonização do Novo Mundo. 204

______. No Mundo Maior. Pelo Espírito André Luiz. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 9 — Mediunidade. 205

Perquirição: pesquisa, investigação. 206

XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 13 — As

investigações da Ciência, it. 13.1 — O resultado das investigações.

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80

4.2 Galileu Galilei (1564–1642)

Em sua observação sistemática do céu, aprofundou o modelo heliocêntrico do Universo, iniciado por

Copérnico. Em outras palavras, Galilei concluiu em seus estudos que a Terra estava em constante movimento

ao redor do Sol, assim como todos os planetas, o que o levou a considerar que o centro planetário do

Universo não era a Terra, mas sim o Sol, contrariando proposições da Igreja, como vimos com Copérnico,

que não tardou em considerá-lo um herege.

No tribunal, Galileu com receio da pena capital, se viu obrigado a negar todas as suas descobertas.

No entanto, apesar disso, foi condenado à pena de prisão domiciliar perpétua e a leitura semanal dos salmos

que respaldavam o dogma da Igreja. Somente em 1980, o papa João Paulo II determinou uma revisão do

processo contra Galileu, determinando a sua absolvição e eliminando os últimos resquícios de resistência da

Igreja Católica contra a revolução iniciada por Copérnico e aperfeiçoada por Galileu, uma das mudanças

mais radicais da História no que diz respeito à compreensão do funcionamento do Universo.

4.3 Giordano Bruno(1548–1600)

Foi um pensador de grande importância em muitas áreas, sobretudo na astronomia, em que

desenvolveu, assim como Galileu, a teoria heliocêntrica de Copérnico.

A primeira afirmação de enorme impacto para a época de Giordano Bruno é que o Universo é

infinito, pois, partindo da premissa de que Deus é um ser infinito e criador do Universo, este só poderia ser

infinito. Ele chega a dizer que há um número indefinido de mundos, cada um com seu sol e habitado por

seres inteligentes, reduzindo a Terra ao seu verdadeiro papel no conjunto da obra, o que na época e ainda

hoje, a Igreja não aceita.

Giordano Bruno não se limitou a isso: afirmou que há posições fixas no Universo, e que tudo

dependeria do referencial adotado, abordagem utilizada pela Física Moderna mais tarde.

Essas ideias, sem dúvida alguma, eram muito ousadas para a época. Diante deste cenário, Giordano

Bruno acabou enfrentando problemas com a Inquisição.

Entretanto, diferentemente de Galileu, não negou suas afirmações o que lhe acarretou a condenação à

fogueira. No dia da sentença, chegou a afirmar: “Talvez vocês, meus juízes, pronunciem esta sentença contra

mim com maior medo que o meu em recebê-la”. Apesar de ter recebido um prazo para se arrepender de suas

ideias, isto não chegou a acontecer, e a sentença foi executada em 17 de fevereiro de 1600.

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81

CAPÍTULO 11

ILUMINISMO: A RAZÃO A SERVIÇO DO

PROGRESSO

Analisar o Iluminismo como um movimento de renovação de ideias do

século XVIII.

Abordar as ideias dos principais expoentes do Iluminismo bem como

compreender a atualidade destes pensamentos para a realidade presente.

1. Origens do Iluminismo

O Iluminismo foi um movimento de ideias que se desenvolveu no século XVIII a partir de uma

bandeira principal: o triunfo da razão. Os filósofos iluministas consideravam-se detentores da “luz” do

conhecimento verdadeiro, e por essa razão deveriam combater a tradição cultural que, apesar do

Renascimento do século XVI, ainda estava muito apegada à religiosidade da Idade Média, período que eles

consideravam as “trevas” da Humanidade.

O século XVIII iniciou-se entre lutas igualmente renovadoras, mas elevados Espíritos da Filosofia

e da Ciência, reencarnados particularmente na França, iam combater erros da sociedade e da

política, fazendo soçobrar207

os princípios do direito divino, em nome do qual se cometiam todas

as barbaridades.208

Os escritos mais importantes desse movimento intelectual eram unânimes em afirmar: somente pelo

uso da razão os indivíduos poderão atingir o verdadeiro progresso

Para os iluministas, qualquer ser humano é apto para pensar por si mesmo, sem a interferência da

religião ou de qualquer ideologia. Esses filósofos eram claramente anticlericais, isto é, contrários à

hegemonia da Igreja como um poder responsável por definir o que é certo ou errado.

Como Emmanuel afirmou em A Caminho da Luz, foi na França que o Iluminismo teve maior

destaque, tornando-se não apenas um movimento intelectual, mas uma doutrina política e social de

expressivas consequências. Os iluministas eram contrários à monarquia absolutista, modelo político no qual

o rei detinha poderes sem limites. Para eles, a sociedade deveria ser governada por um Estado constitucional.

Em outras palavras, defendiam a existência de uma autoridade nacional com poderes definidos e limitados

pela constituição.

Como não poderia deixar de ser, por todas essas transformações que esses filósofos buscavam

implementar, muitas pressões surgiram — sobretudo do governo e da Igreja —, os mais afetados por essa

nova fase da evolução humana.

Apesar das pressões, suas concepções prevaleceram e a Humanidade avançou. Um paralelo possível

de fazer desse período é com a própria Doutrina Espírita que no século seguinte iria descortinar a realidade

207

Soçobrar: arruinar; sofrer ou causar um fracasso. 208

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 21 — Época de transição, it. Os enciclopedistas.

Objetivos

Ideias principais

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82

espiritual por meio da fé raciocinada. Assim como os iluministas, apesar das perseguições, sua revelação

prevaleceu.

2. A mentalidade iluminista

Vamos encontrar nessa plêiade209

de reformadores os vultos veneráveis de Voltaire, Montesquieu,

Rousseau, D’Alembert, Diderot, Quesnay. Suas lições generosas repercutem na América do Norte,

como em todo o mundo. Entre cintilações210

do sentimento e do gênio, foram eles os instrumentos

ativos do mundo espiritual, para regeneração das coletividades terrestres. [...]211

Voltaire (1694–1778): considerado um dos maiores pensadores da França, acreditava que um

governo deveria ter poderes limitados. Afirmava ainda que todos os homens têm direito à liberdade, à

propriedade e à proteção das leis. Por suas ideias à frente de seu tempo, sofreu inúmeras perseguições, sendo

preso diversas vezes na França, até que se exilou na Inglaterra, onde teve a chance de publicar seus

pensamentos.

Montesquieu (1689–1755): a teoria da separação dos poderes foi a sua maior contribuição. Para

Montesquieu, a maneira mais eficaz de evitar um governo absolutista era dividi-lo em três poderes:

Legislativo, Executivo e Judiciário. Esses poderes devem ser independentes, mas harmoniosos entre si. As

principais democracias do mundo até hoje estão estruturadas dessa maneira, inclusive a brasileira.

Montesquieu ressaltou que a liberdade política não consiste em fazer o que se quer, mas fazer tudo o que as

leis permitem.

Rousseau (1712–1778): defendia a tese de que os indivíduos viviam inicialmente em estado natural e

que esta realidade era a mais adequada para a sua vida. Todavia, a partir de um determinado momento da

evolução humana, alguns homens desejaram a posse da terra e a demarcação de suas propriedades. Para

Rousseau, essa mudança de um estado natural em que todos são iguais, para um modelo desigual de

sociedade em que uns tem mais e outros menos, deu origem aos crimes, guerras, assassínios e misérias.

D’Alembert (1717–1783): tornou-se conhecido por estabelecer um princípio básico de mecânica,

conhecido como Princípio de D'Alembert. Publicou estudos importantes sobre cálculo integral além de ter

formulado o teorema fundamental da Álgebra, conhecido como Teorema de D'Alembert, apresentado, em

1740, na Academia de Berlim.

Diderot (1713–1784): era contrário ao absolutismo real e favorável a um modelo de sociedade

democrática, sendo um dos principais divulgadores desse modelo de governo. Empenhou-se na tradução de

enciclopédias inglesas, o que lhe acarretou consideráveis perseguições da Igreja. Além disso, considerava a

liberdade um direito de todos que possuem a razão.

Quesnay (1694–1774): participante ativo da primeira corrente de economistas do século XVIII, tinha

como proposta o fim da interferência do Estado na economia. Acreditava que as atividades econômicas

voltadas para a agricultura, a mineração e a pesca tinham maior importância para a prosperidade da nação do

que a atividade do comércio.

[...] foi dos sacrifícios desses corações generosos que se fez a fagulha divina do pensamento e da

liberdade, substância de todas as conquistas sociais de que se orgulham os povos modernos.212

3. O Iluminismo e as descobertas científicas

Ao mesmo tempo em que as ideias iluministas se espalharam pelo mundo, novas descobertas

científicas contribuíram para o progresso da civilização.

Seguindo o caminho aberto por estudiosos da Renascença, como Copérnico, Kepler e Galileu, o

inglês Isaac Newton (1642–1727) elaborou um novo modelo para explicar o Universo. Tendo como

referência os estudos matemáticos de Blaise Pascal (1623–1662), Newton ultrapassou a simples descrição

209

Plêiade: reunião de pessoas ilustres. 210

Cintilação: brilho que produz deslumbramento. 211

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 21 — Época de transição, it. Os enciclopedistas. 212

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do céu, chegando a analisar de maneira metódica a posição e a órbita de muitos corpos celestes. Além disso,

anunciou ao mundo a Lei da Gravitação Universal, que explicava desde o movimento de planetas longínquos

até a simples queda de uma fruta.

A Biologia progrediu também no estudo do ser humano com a identificação dos vasos capilares e da

circulação sanguínea. Descobriu-se também o princípio das vacinas — a introdução do agente causador da

moléstia no organismo para que este produza suas próprias defesas.

A Química deste período teve na figura de Antoine Lavoisier (1743–1794),o vulto mais expressivo.

Seus estudos provaram como a matéria pode mudar de estado por meio de uma série de reações químicas.

Atribuiu-se a ele a célebre frase: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.

A descoberta da eletricidade e o surgimento de uma nova ciência — a Geologia — a partir da qual se

desenvolveu uma teoria que explicava a formação da Terra, foram inovações importantes deste período.

Convém observar que o Iluminismo trouxe consigo grandes avanços que abriram espaço para a

profunda mudança política determinada pela Revolução Francesa, processo histórico que será analisado a

seguir.

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CAPÍTULO 12

LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE:

UMA NOVA ETAPA DA EVOLUÇÃO HUMANA

Analisar os fatos históricos que contribuíram para que o processo de

liberdade, igualdade e fraternidade pudesse se estabelecer.

1. A independência americana

As ideias nobilitantes213

dos autores da enciclopédia e das novas teorias sociais haviam encontrado

o mais franco acolhimento nas colônias inglesas da América do Norte, organizadas e educadas no

espírito de liberdade da pátria do parlamentarismo.

O mundo invisível aproveita, desse modo, a grande oportunidade, deliberando executar nas terras

novas os grandes princípios democráticos pregados pelos filósofos e pensadores do século XVIII.

E enquanto a Inglaterra desrespeita, para com as suas colônias, o grande princípio por ela própria

firmado, de que “ninguém deve pagar contribuições sem as ter votado”, os americanos resolvem

proclamar a sua independência política. Depois de alguns incidentes com a metrópole, celebram a

sua emancipação em 4 de julho de 1776, organizando-se, posteriormente, a Constituição de

Filadélfia, modelo dos códigos democráticos do porvir.214

A independência das treze colônias americanas foi influenciada por muitos autores do Iluminismo

que criticavam o poder dos reis, assim como a exploração das colônias por meio de monopólios. Dos

filósofos iluministas, o que influenciou de maneira mais efetiva os colonos foi John Locke (1632–1704).

Este filósofo desenvolveu a ideia de um Estado de base contratual. Este contrato entre o Estado e os

seus cidadãos teria por objetivo garantir os “direitos naturais do homem”. Estes direitos naturais eram a

liberdade, a felicidade e a prosperidade. Locke ia além ao afirmar que a maioria tem o direito de fazer valer

seu ponto de vista e, quando o Estado não cumpre seus objetivos e não assegura aos cidadãos a possibilidade

de defender seus direitos naturais, os cidadãos podem e devem fazer uma revolução neste Estado.

Na visão dos colonos americanos, a Inglaterra atentava contra os seus direitos fundamentais, tais

como a preservação da vida, a liberdade política e a busca pela propriedade.

Em virtude desses abusos da metrópole, as treze colônias se uniram contra a dominação inglesa,

apoiados nas ideias de Locke. Em meio ao aprofundamento das disputas armadas entre os colonos e ingleses,

em 1774, foi estabelecido o Congresso da Filadélfia.

Apesar dos congressistas terem opiniões diversas a respeito da ação que deveria ser tomada, o

folheto de Thomas Paine (1737–1809) intitulado Senso Comum: os direitos do homem pregava abertamente

a independência e atribuía ao rei da Inglaterra os males das colônias:

[...] Tudo o que é justo ou razoável advoga em favor da separação. O sangue dos que caíram e a

voz chorosa da natureza exclamam: Já é hora de separar-nos! Inclusive a distância que o todo-

213

Nobilitante: dignificante, enobrecedor. 214

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 21 — Época de transição, it. A independência americana.

Objetivos

Ideias principais

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Poderoso colocou entre a Inglaterra e as colônias constitui uma prova firme e natural de que a

autoridade daquela sobre estas nunca entrou nos desígnios do Céu...215

Em 4 de julho de 1776, o Congresso se reuniu na Filadélfia e com o apoio da população, a

Declaração da Independência foi redigida e a partir de então surgia uma nova nação: os Estados Unidos da

América.

Quando Emmanuel afirma que a Constituição de Filadélfia foi um modelo dos códigos democráticos

do porvir, compreende-se esta realidade à medida que a Independência Americana teve como fundamento os

ideais iluministas de igualdade, direito à liberdade e participação popular nas decisões políticas por meio do

voto.

2. A Revolução Francesa A independência americana acendera o mais vivo entusiasmo no ânimo dos franceses, humilhados

pelas mais prementes dificuldades, depois do extravagante reinado de Luís XV.216

Influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776), a Revolução

Francesa é considerada o marco inicial da Idade Contemporânea, principalmente por ter abolido a servidão e

proclamado os princípios universais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. No entanto, esse período não é

marcado apenas por avanços, afinal de contas toda luta pelo poder pode gerar toda ordem de radicalismo.

Desde o início, os revolucionários deram o nome de “Antigo Regime” ao mundo que eles haviam

transformado radicalmente. Este “Antigo Regime”, anterior, portanto, à Revolução, era uma monarquia sob o

reinado de Luís XVI e de sua esposa, Maria Antonieta.

A sociedade estava dividida em ordens, cada qual com sua cota de privilégios. A Igreja Católica

tinha a primazia nessa sociedade, pois além de ter o direito exclusivo de ensinar a religião, possuía também

terras e rendas significativas.

A nobreza era uma ordem que também desfrutava de muitos privilégios, dentre os quais, o acúmulo

de propriedades rurais, participação na corte do rei, além da possibilidade de se tornar magistrado; estes

últimos compunham o que ficou conhecido como a nobreza togada.217

Os camponeses, representando três quartos da população, apesar de serem livres e donos de suas

próprias terras, ainda eram obrigados a pagar em dinheiro ou em espécie, duros impostos aos nobres no final

do século XVIII. Além dos camponeses fixados no meio rural, havia nas grandes e pequenas cidades da

França artesãos e comerciantes, além de uma burguesia ascendente, composta por negociantes ricos e

empresários do setor têxtil ou da metalurgia. Apesar da riqueza, na sociedade pré-revolucionária a burguesia

não participava do poder.

Este era o Terceiro Estado, ordem na qual recaía a maior parte dos tributos que além de mal

repartidos e cobrados de maneira injusta, serviam para manter os privilégios das “ordens superiores”.

O luxo desenfreado e os abusos do clero e da nobreza, em proporções espantosas, haviam

ambientado todas as ideias livres e nobres dos enciclopedistas e dos filósofos, no coração torturado

do povo. A situação das classes proletárias e dos lavradores caracterizava-se pela mais hedionda

miséria. Os impostos aniquilavam todos os centros de produção, salientando-se que os

nobres e os padres estavam isentos desses deveres. [...]218

Em 1787, às vésperas da Revolução, esse padrão de injustiça começava a dar sinais de esgotamento.

Havia um grave problema financeiro e administrativo de complexa solução. Embora a crise exigisse uma

reforma profunda das instituições, a divisão social permaneceu intacta, mas não por muito tempo...

215

KARNAL, Leandro; [et al.]. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3 ed. São Paulo: Editora Contexto, 2011. Cap. O processo de independência, it. Guerras e mais guerras. 216

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução Francesa, it. A França no século XVIII. 217

Toga: vestimenta utilizada pelos juízes, advogados ou promotores no tribunal. 218

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A

Revolução Francesa, it. A França no século XVIII, p. 175.

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De nada valera o esforço de Luís XVI convidando os espíritos mais práticos e eminentes para

colaborar na sua administração, como Turgot e Malesherbes. O bondoso monarca, que tudo fazia

para reerguer a realeza de sua queda lamentável, em virtude dos excessos do seu antecessor no

trono, mal sabia, na sua pouca experiência dos homens e da vida, que uma era nova começava para

o mundo político do Ocidente, com transformações dolorosas que lhe exigiram a própria vida.219

O rei Luís XVI era um monarca absoluto, por muito tempo considerado um escolhido de Deus. Por

não estar submetido a uma Constituição, a sua vontade era a lei, razão pela qual seus ministros apenas

obedeciam a sua vontade, ao passo que os intendentes administravam as províncias em seu nome.

Ao se ver obrigado a convocar os Estados Gerais, uma espécie de consulta popular aos

representantes das três ordens sociais, os franceses tiveram a oportunidade de reivindicar profundas

transformações, levando esta tarefa até as últimas consequências.

O que ocorre em seguida é o aprofundamento do radicalismo, de ambas as partes: daqueles que

querem subverter a ordem e os que objetivam mantê-la como tal.

O historiador Michel Vovelle nos ajuda a compreender essa fase crucial da Revolução:

Os deputados do Terceiro Estado proclamaram-se Assembleia Nacional, depois Assembleia

Nacional Constituinte. Membros do clero juntaram-se a eles — os padres “patriotas”, como

começam a ser chamados. Em seguida, o rei concordou que as ordens participassem juntas da

Assembleia. Podia-se esperar que, com essa atitude, ele estivesse aceitando um começo de

transformação pacífica: nesse meio tempo, contudo, ele reuniu tropas em torno da capital, onde o

povo se mobilizava para defender os deputados em Versalhes (que fica bem próximo de Paris). Na

verdade, o rei preparava um golpe arriscado: ao demitir o ministro Necker no dia 11 de julho, a

revolta estourou. Em busca de armas no dia 14 de julho os parisienses invadiram a Bastilha, antiga

fortaleza medieval que se tornara uma prisão do Estado.220

A Tomada da Bastilha foi o marco decisivo para o fortalecimento do levante revolucionário.

Em 1789, estalara a Revolução Francesa, modificando a estrutura de todos os governos da Europa.

Depois da sua reunião em Versalhes, no dia 5 de maio de 1789, os Estados Gerais se

transformaram em Assembleia Constituinte e, a 14 de julho do mesmo ano, o povo, oprimido e

dilacerado pelas flagelações221

e pelos impostos, derrubava a Bastilha, esfacelando222

o símbolo do

despotismo da realeza. Luís XVI é guilhotinado a 21 de janeiro de 1793. Instala-se a república

francesa sobre um pedestal de sangue, que corre abundantemente nas praças de Paris. A guilhotina

decepa todas as cabeças da nobreza. [...]223

Muitos revolucionários se tornaram representantes do povo na Assembleia Nacional Constituinte.

Até outubro de 1791 medidas de enorme impacto foram tomadas nesta Assembleia, dentre as quais, a

abolição dos privilégios da nobreza e do clero e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

3. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

Derrubada a Bastilha em 14 de julho de 1789 e após a célebre Declaração dos Direitos do Homem

e do Cidadão, uma série de reformas se verifica em todos os departamentos da vida social e

política da França.224

219

______. ______. p. 175 e 176. 220

VOVELLE, Michel. A Revolução Francesa explicada à minha neta. Trad. Fernando Santos. São Paulo: Editora UNESP, 2007. Cap. 2, p. 31. 221

Flagelo: tormento, aflição. 222

Esfacelar: destruir, estragar. 223

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 15 — A Revolução Francesa, p. 95. 224

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília, 2016. Cap. 22 — A

Revolução Francesa, it. Época de sombras.

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Muitos direitos que hoje em dia consideramos como naturais só foram possíveis por meio de muito

empenho e lutas renovadoras. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi um avanço notável

em meio a efervescência revolucionária daquele período.

A seguir alguns dos artigos que demonstram o caráter renovador:

Art.1o Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem

fundamentar-se na utilidade comum.

Art. 4o A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício

dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros

membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados

pela lei.

Art. 6o A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer,

pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos,

seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente

admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem

outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Art. 10o Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que

sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.

Art. 11o A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do

homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia,

pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.225

Após a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, as coletividades da França se haviam

entregado àqueles anos de embriaguez no morticínio226

. Esses movimentos invadem todos os

departamentos das atividades políticas da Europa. Todos os tronos se unem, então, para o

extermínio da república nascente. Mas os revolucionários não esmorecem na sua encarniçada227

resistência.

Dois sentimentos eram predominantes neste momento: esperança e medo. Esperança de uma

sociedade mais justa; medo, em função do radicalismo. O medo pode ser exemplificado pelos muitos

castelos incendiados em toda a França, e a destruição pelos camponeses de todos os documentos que

determinavam pagamentos abusivos de impostos. A esperança pode ser caracterizada pela abolição do

Antigo Regime a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Ou seja, era o fim da sociedade hierarquizada: acabavam-se as ordens da nobreza e do clero, as

corporações e as academias; o que havia agora eram os cidadãos livres e iguais perante a lei. Os

direitos e os impostos feudais e senhoriais estavam abolidos — mas é possível perceber aqui até

onde vão os limites da generosidade. Só desapareciam os direitos que recaíam sobre a própria

pessoa; os que diziam respeito aterra podiam ser recuperados.228

Se a sociedade dividida em ordens havia sido abolida, uma nova divisão começava a surgir: a

distinção de classes de acordo com a riqueza. Recordemos que na França pré-revolucionária, a burguesia

embora tivesse acumulação de capital, era integrante de uma ordem marginalizada, uma vez que o critério

que definia o poder e a tomada de decisões não era a riqueza pessoal.

Todos eram considerados cidadãos, mas uns mais que os outros. Qual foi o critério estabelecido para

realizar essa distinção? A ideia era basicamente esta: para o cidadão poder votar nas eleições locais e nacionais — e ser considerado por extensão um cidadão ativo —, era imprescindível pagar um imposto

referente a três dias de trabalho. De outro modo, para poder ter o direito não apenas de votar, mas de ser

eleito, era necessário ser bastante rico.

Curioso notar que o modo de eleição da França do final do século XVIII e início do XIX se

assemelha de modo peculiar a realidade brasileira atual, em que o poder do dinheiro define se o candidato é

eleito ou não, sendo as ideias e propostas para o bem comum apenas um mero detalhe retórico.

225

Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html 226

Morticínio: número expressivo de mortes. 227

Encarniçada: enfurecida, inflamada, sanguinária. 228

VOVELLE, Michel. A Revolução Francesa explicada à minha neta. Trad. Fernando Santos. São Paulo: Editora UNESP, 2007. Cap. 2, p. 31.

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4. Período de radicalismo pós-revolução

Aquelas renovações, todavia, preludiavam os mais dolorosos acontecimentos. [...]

Um mundo de sombras invadia as consciências da França generosa, chamada, naquela época, pelo

plano espiritual, ao cumprimento de sagrada missão junto à Humanidade sofredora. [...]

Todavia, se alguns Espíritos se encontravam preparados para a jornada heroica daquele fim de

século, muitas outras personalidades, infelizmente, espreitavam na treva o momento psicológico

para saciar a sede de sangue e de poder. [...] A volúpia da vitória generalizou uma forte

embriaguez de morticínio no ânimo das massas, conduzindo-as aos mais nefastos

acontecimentos.229

A França vivia um período dramático de sua história! As rebeliões multiplicavam-se e a situação do

rei — considerado o maior culpado pela desordem do país —, era realmente insustentável. No dia 10 de

agosto de 1792, os soldados da Guarda Nacional e os revolucionários se uniram e sitiaram o palácio real.

Luís XVI e toda a sua família foram presos e submetidos a um julgamento posterior. Com a morte de Luís

XVI na guilhotina,230

em 21 de janeiro de 1793, encerrava-se uma monarquia que exercia uma soberania

absoluta por cerca de mil anos.

Em meio ao colapso financeiro e social e sob a pressão de grupos contrários à Revolução,

Robespierre assume o comando. Com o objetivo de acabar com a crise, Robespierre e outros líderes

jacobinos — grupo revolucionário constituído de deputados, escritores e jornalistas —, estabeleceram uma

política de terror sanguinária, sem amparo constitucional. Este período de violência, cujo objetivo era o de

conter as forças contrárias à revolução vigorou a partir de outubro de 1793 até julho de 1794.

[...] Foi assim que se instalou o hediondo Tribunal Revolucionário e a chamada Junta de Salvação

Pública, com os mais sinistros espetáculos do patíbulo.231

A consciência da França viu-se

envolvida em trevas espessas. A tirania de Robespierre ordenou a matança de numerosos

companheiros e de muitos homens honestos e dignos. [...]232

Estima-se que cerca de 150 mil foram mortos nesse período de maior repressão. O relato a seguir

evidencia como a insensatez predominou quando foi criado um Tribunal Revolucionário em Paris:

[...] É preciso punir não apenas os traidores, mas até os indiferentes; punir quem quer que seja

passivo na República e não faça nada por ela; pois desde que o povo francês manifestou sua

vontade, tudo que se opõe a ele está fora da soberania. — (Saint-Jus — deputado jacobino)233

A implantação da República na França sob o comando de Robespierre ocorreu no contexto de

profunda crise, cuja solução dependia de medidas emergenciais. Isso não justifica a violência empregada sem

precedentes até então na França revolucionária.

[...] O período do terror é a grande ameaça ao mundo inteiro. Esse período, porém, se encerra com

a morte de Maximiliano Robespierre, no cadafalso234

para o qual os seus excessos de autoridade

haviam mandado inúmeras vítimas.235

229

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução Francesa, it. Época de sombras, p. 176 e 177. 230

Guilhotina: máquina criada por um deputado chamado Guillotin com o propósito de decepar a cabeça do condenado com rapidez, evitando, assim, um “sofrimento” demorado. 231

Patíbulo: lugar onde se aplica a execução de morte. 232

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução Francesa, it. O período do terror, p. 178 e 179. 233

BRAICK, Patricia R; MOTA, Myriam B. História: das cavernas ao terceiro milênio. v. 1. 1. ed. São Paulo, 1997. 234

Cadafalso: estrutura provisória de madeira onde os condenados à morte eram executados.

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Chega a ser paradoxal ponderar que nessa conjuntura hostil, Robespierre teve a ocasião de aprovar

na Convenção o reconhecimento da imortalidade da alma, atitude que desagradou muitos revolucionários

que pretendiam implantar o ateísmo na França, rejeitando, deste modo, não apenas a Igreja Católica —

símbolo do Antigo Regime —, mas todas as religiões.

5. A Constituição Francesa de 1795

Depois de grandes lutas com o predomínio das sombras, conseguem os gênios da França inspirar

aos seus homens públicos a Constituição de 1795. Os poderes legislativos ficavam entregues ao

Conselho dos quinhentos e ao Conselho dos anciães, ficando o poder executivo confiado a um

diretório composto de cinco membros.236

O novo governo conhecido como Diretório elaborou uma nova Constituição que manteve a

sociedade livre da ameaça de um retorno aos padrões do Antigo Regime — monarquia absolutista — bem

como dos jacobinos —, movimento revolucionário mais radical.

Estabelece-se dessa forma uma trégua de paz, aproveitada na reconstrução de obras notáveis do

pensamento. Os centros militares lutavam contra os propósitos de invasão de outras potências

europeias, cujos tronos se sentiam ameaçados na sua estabilidade, em face do advento das novas

ideias do liberalismo, e os políticos se entregavam a uma vasta operosidade de edificação,

vingando nesse esforço as mais nobres realizações.237

Apesar disso, a burguesia republicana — a classe responsável por esse período constitucional —,

enfrentou em 1796 a reação dos jacobinos, inspirados por ideais igualitários. A revolta foi esmagada pelo

Diretório, mas a trégua duraria pouco.

[...] a França, depois dos seus desvarios de liberdade, estava ameaçada de invasão e

desmembramento. Povos existem, porém, que se fazem credores da assistência do Alto, no

cumprimento de suas elevadas obrigações junto de outras coletividades do planeta. Assim, com

atribuições de missionário, foi Napoleão Bonaparte, filho de obscura família corsa, chamado às

culminâncias do poder.238

6. Napoleão Bonaparte

O humilde soldado corso, destinado a uma grande tarefa na organização social do século XIX, não

soube compreender as finalidades da sua grandiosa missão. Bastaram as vitórias de Árcole e de

Rívoli, com a paz de Campoformio, em 1797, para que a vaidade e a ambição lhe ensombrassem o

pensamento.239

Nas eleições de 1799, as assembleias elegeram membros vinculados ao movimento revolucionário,

pondo fim ao domínio do Diretório. A burguesia havia conquistado riqueza e prestígio político. Para conservar essa dominação julgaram como necessário um governo forte, capaz de conter os ímpetos

revolucionários e manter a ordem vigente.

Napoleão Bonaparte era a figura política ideal para a pretensão burguesa. No dia 18 de brumário (9

de novembro de 1799), Napoleão dá início a um golpe de estado militar, afastando os deputados e assumindo

o cargo de primeiro-cônsul. De 1800 a 1804 seu poder é amplamente consolidado, possibilitando-lhe tornar-

se imperador por meio de um plebiscito. Na Catedral de Notre-Dame, o genial militar nascido na Córsega,

sagrou-se imperador dos franceses.

235

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34.ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 15 — A Revolução Francesa, p. 96. 236

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução Francesa, it. A Constituição. 237

______. ______. 238

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução Francesa, it. A Constituição, p. 179 e 180. 239

______. ______. it. Napoleão Bonaparte.

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Sua rápida ascensão contribuiu para a estabilidade política, pondo fim aos distúrbios provocados

pelos movimentos igualitaristas e a reação monarquista. Como estadista, Napoleão reformou o sistema

tributário, realizou inúmeras obras públicas e deu à educação uma atenção especial, instalando escolas

públicas e centros de formação de professores.

[...] Sob a sua direção audaciosa, todas as conquistas militares se empreendem. A Europa inteira

apresta-se para a campanha, ao tinido240

sinistro das armas. Pela estratégia dos generais franceses,

caem todas as praças de guerra e o imperador vai catalogando o número ascendente das suas

vitórias.241

O Código Civil napoleônico, concebido em 1804, foi o mais importante código do século XIX. Este

código francês pretendia edificar uma sociedade baseada nos princípios da igualdade e da liberdade dos

cidadãos.

O código foi a concretização de uma dupla expectativa do Iluminismo: fazer com que as leis

fossem submetidas a uma ordenação determinada pela razão — desejo de Montesquieu — e obra

de um déspota ilustrado –como esperava Voltaire.242

Entretanto, Emmanuel nos oferece uma visão mais abrangente acerca do Código Civil, apreendendo

as sutilezas que a visão materialista da História ainda não pode analisar em profundidade:

[...] No cumprimento da sua tarefa, organizava-se o Código civil, estabelecendo as mais belas

fórmulas do Direito, mas difundiam-se a pilhagem e o insulto à sagrada emancipação de outros,

com o movimento dos seus exércitos na absorção e anexação de vários povos.243

Um traço marcante do período de dominação napoleônica foi o uso do poderio militar francês como

estratégia para alcançar hegemonia econômica e política na Europa. Dito de outra forma, Napoleão não

queria apenas comandar a França, mas por meio dela dominar todo o continente. Foi neste contexto que

Napoleão decretou, em 1806, o Bloqueio Continental contra a Inglaterra, primeiro país a alcançar a

Revolução Industrial.

A superioridade militar era da França, mas a maior força econômica era a Inglaterra; Napoleão não

aceitava esta realidade. O Bloqueio Continental da França tinha como objetivo proibir a introdução de

produtos ingleses nos países europeus, visando, assim, asfixiar a economia britânica. Sendo assim, qualquer

país europeu que desobedecesse a essa determinação, seria invadido pelas tropas napoleônicas. O Império

Francês concentrou suas forças na eliminação de seu maior concorrente para assim alcançar predominância

nos mercados europeus.

[...] Assediado pelo sonho de domínio absoluto, Napoleão foi uma espécie de Maomé transviado

da França do liberalismo. Assim como o profeta do Islã pouco se aproximara do Evangelho, que a

sua ação deveria validar, também as atividades de Napoleão pouco se aproximaram das ideias

generosas que haviam conduzido o povo francês à revolução. [...]244

Portugal, acostumado a manter relações econômicas com a Inglaterra, desobedeceu o bloqueio

imposto. Imediatamente, as tropas napoleônicas invadiram Portugal, resultando com a vinda da família real

portuguesa, em 1808, para o Brasil, sua principal colônia.

A Inglaterra, com a sua prudência, sugere à Casa de Bragança a retirada para o Brasil. D. João VI

hesita, antes de tomar semelhante resolução. O grande príncipe, tão generoso e tão infeliz, é

encontrado, nas vésperas da partida, a chorar convulsivamente em um dos aposentos privados do

240

Tinido: som agudo de metal ou de vidro. 241

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8, imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 15 — A Revolução Francesa, p. 96. 242

Disponível em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/3317/conteudo+opera.shtml 243

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução Francesa, it. Napoleão Bonaparte, p. 180 e 181. 244

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução Francesa, it. Napoleão Bonaparte.

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palácio, mas aquela decisão era necessária e inadiável. A frota real velejou do Tejo245

a 29 de

novembro de 1807, a caminho da colônia e, mal havia desaparecido nas águas pesadas do

Atlântico, já os soldados de Junot246

se apoderavam de Lisboa e de suas fortalezas, com ordem de

riscar Portugal da carta geográfica europeia.247

O início do século XIX caracterizou-se pela luta das potências imperialistas, sobretudo França e

Inglaterra, pela hegemonia em toda a Europa. Essa disputa, que mais tarde contaria com outros países, iria

culminar com a explosão da Primeira Guerra Mundial deflagrada em 1914.

A ação de Bonaparte, invadindo as searas alheias com o seu movimento de transformação e

conquistas, fugindo à finalidade de missionário da reorganização do povo francês, compeliu o

mundo espiritual a tomar enérgicas providências contra o seu despotismo e vaidade orgulhosa.

Aproximavam-se os tempos em que Jesus deveria enviar ao mundo o Consolador, de acordo com

as suas auspiciosas promessas.248

A Era Napoleônica consolidou conquistas fundamentais do movimento revolucionário. O preço que

foi pago foi o retrocesso da principal conquista almejada pela Revolução: a tão buscada liberdade. A sua

tirania reduziu a liberdade do povo francês, mas não a eliminou por completo. O mundo com o qual nos

relacionamos hoje em dia, em muitos aspectos possui as marcas da sua passagem conturbada e renovadora

pelo poder.

Sua fronte de soldado pode ficar laureada, para o mundo, de tradições gloriosas, e verdade é que

ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças; mas, no Além, seu coração

sentiu melhor a amplitude das suas obras, considerando providencial a pouca piedade da Inglaterra

que o exilou em Santa Helena após o seu pedido de amparo e proteção. Santa Helena representou

para o seu espírito o prólogo das mais dolorosas e mais tristes meditações, na vida do Infinito.249

245

Tejo: maior rio da península Ibérica. 246

Nota da Editora: Jean Andoche Junot (1771–1813), militar francês. 247

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 15 — A Revolução Francesa, p. 99. 248

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução Francesa, it. Allan Kardec. 249

______. ______. it. Napoleão Bonaparte, p. 181.

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A DOUTRINA ESPÍRITA: O CONSOLADOR PROMETIDO "Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução, mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por escrito da Instituição."

GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO V

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93

CAPÍTULO 13

O ADVENTO DA DOUTRINA ESPÍRITA

A finalidade da Doutrina é despertar na Humanidade as forças do bem, completar a obra de Jesus, regenerando os homens, ligando o mundo visível ao invisível, preparar a Terra para o advento da verdadeira era de fraternidade.250

Contribuir para uma melhor compreensão acerca do surgimento da

Doutrina Espírita no mundo.

1. Uma nova era nascia no século XIX

“O século XIX desenrolava uma torrente de claridades na face do mundo, encaminhando todos os

países para as reformas úteis e preciosas.”251

Esse século foi caracterizado pelo progresso científico e por descobrimentos. Mas não apenas isso: a

produção artística monumental, a especulação financeira, foram, do mesmo modo, aspectos significativos de

um dos períodos mais complexos e instigantes da história da Humanidade.

A religião, questionada desde o Renascença do século XVI até o século XVIII com o Iluminismo, foi

perdendo a sua supremacia paulatinamente à medida que os indivíduos, confiantes na superioridade de sua

inteligência, acreditavam que a Ciência iria aniquilar tudo aquilo que remontasse ao sobrenatural.

Não foi exatamente isso que aconteceu!

A crença segundo a qual havia uma separação entre o mundo dos vivos e o dos mortos, crença, aliás,

propagada pelo Iluminismo, era abertamente rechaçada entre aqueles que viam no regresso dos mortos e na

possibilidade de comunicação uma realidade possível.

Apesar do progresso inédito da Ciência, uma espécie de encantamento acompanhado de uma viva

curiosidade despertava o ânimo dos indivíduos do século XIX para o “desconhecido”. Curiosamente, Paris,

cenário no qual resplandecia todos os símbolos da mais alta cultura ocidental e das principais revoluções

políticas desse período, apesar de considerar a razão como um instrumento libertador, continuava

profundamente atenta aos “fenômenos sobrenaturais”. Para se ter uma ideia deste contexto, era comum a

imprensa francesa relatar múltiplas aparições espirituais nas cidades.

Em pouco tempo, na mesma Paris, um missionário demonstrará que esses fenômenos não estavam

relegados ao fantástico e ao maravilhoso, mas isto é assunto para o próximo capítulo. A melancolia também estava presente no panorama psíquico desta época. Basta analisar os principais

filósofos e algumas das principais obras literárias que será admissível concluir os lastros de angústia e

pessimismo.

Essa era uma época sombria e cheia de ansiedades. Uma crise atravessava o Ocidente. A tensão se

instalara nas doutrinas religiosas [...]. A ciência se tornou uma aliada poderosa, investigando

fenômenos e lançando novas bases para pensar qualquer coisa. Muitos intelectuais viam nas

“convulsões do tempo” as primeiras dores de um novo parto. Os fenômenos vividos por

VALENTE, Aurélio A. Sessões práticas e doutrinárias do Espiritismo: organização de grupos, métodos de trabalho. 8. Ed. Rio

de Janeiro: FEB, 2002. Capítulo 4. 251

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 23 — O século XIX, it.

Allan Kardec e seus colaboradores.

Objetivo

Ideias principais

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“espíritos”, estes, sim, trariam renovação. Eles anunciavam um movimento espiritual, científico e

filosófico baseado na relação com a morte, no contato sistemático com os mortos, nas

manifestações dos espíritos e nos ensinamentos por eles transmitidos.252

2. Materialismo, Positivismo e Niilismo

O campo da Filosofia não escapou a essa torrente renovadora. Aliando-se às ciências físicas, não

toleraram as ciências da alma o ascendente dos dogmas absurdos da Igreja. [...] Longe de

exemplificarem aquela fraternidade do divino Mestre, entregavam-se a todos os excessos do

espírito de seita. A Filosofia recolheu-se, então, no seu negativismo transcendente, aplicando às

suas manifestações os mesmos princípios da ciência racional e materialista. [...]253

Inúmeros pensadores materialistas do século XIX combateram a ideia de haver uma vida que

transcende a material. O principal expoente desse pensamento é, sem dúvida alguma, Karl Marx (1818–

1883), idealizador do materialismo histórico, do socialismo científico e do comunismo.

Para Marx, tudo que se passa na consciência está diretamente relacionado as características da vida

material em que cada um vive. Em outras palavras, Marx estava convencido de que para compreender o que

as pessoas pensam, a verdadeira explicação está no processo de produção de bens materiais da sociedade em

que se está inserido, isto é, na economia da sociedade em que você vive. Fazendo uma abstração, se Marx

fosse um pensador de nosso tempo, certamente afirmaria que o consumismo atual determina o que pensamos

acerca da vida e como agimos diante dela.

Filósofos como Ludwig Feuerbach (1804–1872), Friedrich Nietzsche (1844–1900) e Marx, são

unânimes em afirmar que Deus é produto da imaginação humana que, incapaz de viver da maneira como

gostaria, idealiza um ser que possui características transcendentais, numa espécie de consolo ante as suas

impossibilidades humanas. Marx vai além e afirma que a Humanidade inventou Deus para as necessidades

materiais de uma vida em sociedade.

Abrindo um rápido parêntese, Clóvis de Barros Filho, filósofo da atualidade, em Devaneios sobre a

atualidade do Capital, faz uma análise acerca do consumismo desenfreado que merece uma reflexão menos

apressada:

O homem já desconfiou muito do prazer como meio para a felicidade. Veja como Sócrates define

o prazer no Fedro:254

“Quando o guarda relaxa a corrente do seu pé.”. Ele explica que todo prazer

pressupõe um desejo anterior e, portanto, uma insatisfação, uma dor. Portanto, acreditar que uma

somatória de satisfações vai dar um estado de satisfação plena é um erro de cálculo, porque a

satisfação só é satisfação à medida que resolve um problema de insatisfação anterior. O grande

problema do consumismo [...] é que a busca deste prazer requererá sempre uma dor anterior. A

cultura do consumo exige de você sempre um pouco mais de dor que de prazer. Porque ela quer

que você vá correndo atrás da satisfação desses desejos, que são como tapa-buracos dos seus

incômodos.255

Uma corrente de pensamento baseada na vida material como elemento único da vida, reduz a

complexidade do real que não se limita a transitoriedade da experiência física. Longe de querer menosprezar

a inquestionável contribuição do pensamento marxista, é inegável que o materialismo histórico de Marx foi

um desserviço à Humanidade.

Léon Denis, ao abordar essa questão de maneira mais ampla, compartilha desse entendimento

quando afirma:

Certamente podemos medir a extensão dos desastres causados pelas doutrinas negativis-tas. O

determinismo, o materialismo, negando a liberdade humana e a responsabilidade, minam as

252

DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo.1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 65 e 66. 253

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 23 — O século XIX,it. As

Ciências Sociais. 254

Fedro: obra do filósofo grego Platão. 255

BARROS FILHO, Clóvis de; DAINEZI, Gustavo F. Devaneios sobre a atualidade do capital. Porto Alegre: CDG, 2014. Primeiro

devaneio, it. Consumismo: materialismo histórico em ação, p. 22 e 23.

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próprias bases da Ética universal. O mundo moral não é mais que um anexo da fisiologia, isto é, o

reino, a manifestação da força cega e irresponsável. [...]256

Em O Livro dos Espíritos a Espiritualidade superior é bastante taxativa no que diz respeito a

necessidade de superar o materialismo e suas consequências deletérias para a Humanidade:

De que maneira o Espiritismo pode contribuir para o progresso?

“Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz com que os homens

compreendam onde se encontra o seu verdadeiro interesse. Não estando mais a vida futura velada

pela dúvida, o homem compreende melhor que poderá assegurar o seu futuro através do presente.

Destruindo os preconceitos de seitas, de castas e de cores, ele ensina aos homens a grande

solidariedade que deve uni-los como irmãos.”257

O Positivismo de Auguste Comte também teve enorme impacto nos círculos intelectuais do século

XIX. Na bandeira brasileira está escrito: Ordem e Progresso! Pois bem, este é um lema do Positivismo. De

acordo com essa concepção, a evolução da Humanidade só seria possível mediante a superação do

pensamento religioso e metafísico. Somente por meio de um estado positivo, isto é, a razão e a ciência como

realidades absolutas, a Humanidade poderia atingir um novo patamar de evolução. Tais ideias conduzem aos

exageros do cientificismo, uma vez que a Ciência passa a ser praticamente uma religião dogmática. Aliás, foi

justamente isso que aconteceu: quando a esposa de Auguste Comte faleceu, pouco a pouco a Ciência foi

cedendo lugar para a religião. Tanto é verdade que em 11 de maio de 1881, foi fundada a Igreja Positivista

do Brasil.

Em O Céu e o Inferno Allan Kardec se pronuncia a respeito do Positivismo:

[...] O que falta à religião neste século de positivismo, em que se quer compreender antes de crer, é

a sanção de suas doutrinas por fatos positivos; é também a concordância de certas doutrinas com

os dados positivos da Ciência. Se ela diz branco e os fatos dizem negro, é preciso optar entre a

evidência e a fé cega.

É nesse estado de coisas que o Espiritismo vem opor um obstáculo à invasão da incredulidade, não

somente pelo raciocínio, não somente pela perspectiva dos perigos que ela traz consigo, mas pelos

fatos materiais, fazendo tangíveis e visíveis a alma e a vida futura.258

Em linhas gerais, o niilismo corresponde a um discurso filosófico baseado na descrença absoluta

acerca da vida. Allan Kardec, no livro O Céu e o Inferno, critica abertamente essa corrente filosófica da

passagem do século XVIII para o XIX.

Se existe uma doutrina malsã e antissocial é seguramente o niilismo,porque ela rompe os

verdadeiros laços da solidariedade e da fraternidade, fundamentos das relações sociais.259

Em Obras Póstumas, compreende-se a malefício do niilismo pela ênfase dada por Kardec no que se

refere aos prejuízos deste pensamento para a Humanidade:

A doutrina do nada é a paralisia do progresso humano, porque circunscreve a visão do homem

sobre o imperceptível ponto da existência presente; porque lhe restringe as ideias e as concentra,

forçosamente, na vida material; com essa doutrina, o homem nada sendo antes, nem depois,

cessando com a vida todas as relações sociais, a solidariedade é uma palavra vã, a fraternidade

uma teoria sem raízes, a abnegação em favor de outros uma velhacaria, o egoísmo, com sua

máxima: cada um por si, um direito natural; a vingança um ato de razão; a felicidade cabe ao mais

forte e aos mais astuciosos; o suicídio, o fim lógico daquele que, sem mais recursos e expedientes,

256

DENIS, Léon. O Problema do Ser e do Destino. Trad. Homero Dias de Carvalho. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Introdução, p. 16. 257

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 799. 258

KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 1, cap. I, its. 3 e 4. 259

______. ______. it. 2.

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nada mais espera, e não pode desembaraçar-se do lodaçal. Uma sociedade fundada sobre o nada,

traria em si o gérmen da sua próxima dissolução.260

Para o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788–1860), o homem, por ser a forma de vida mais

complexa e bem-acabada da Natureza, tem a consciência da falta de sentido de sua existência. Seu

pessimismo chegou às últimas consequências quando afirmou que a vida é como um pêndulo que oscila

entre a dor e o tédio.

Por sua vez, o filósofo alemão Nietzsche, vai mais além dessa visão negativista da vida. Se por um

lado, Schopenhauer pregava a aceitação passiva da falta de sentido da vida, Nietzsche utilizava deste

princípio para estabelecer uma regra de conduta, cujo teor pode ser resumido a partir desta máxima: “já que a

vida realmente não tem sentido, cada indivíduo pode criar seus próprios valores”.

O relativismo moral da atualidade tem como fonte original este princípio equivocado de que não

existe verdade nenhuma e em lugar nenhum, sendo tudo apenas um ponto de vista. Léon Denis já intuía as

consequências desse pensamento obscurantista para o futuro da Humanidade:

[...] Deve-se atribuir a elas, em grande parte, este lento trabalho, obra obscura de ceticismo e de

desencorajamento, que permanece na alma contemporânea.

É tempo de reagir vigorosamente contra estas doutrinas funestas261

e de procurar, fora das

bitolas262

oficiais e das velhas crenças, novos métodos de ensino que respondam às imperiosas

necessidades do presente momento. [...]263

3. O início de uma transformação

O Espiritismo vinha, desse modo, na hora psicológica das grandes transformações, alentando o

espírito humano para que se não perdesse o fruto sagrado de quantos trabalharam e sofreram no

esforço penoso da civilização. [...]264

Um famoso advogado de Nova York, George Templeton Strong, com certo ar de prepotência e

desconhecimento do alcance do processo que estava apenas em seu início, registrou assim a sua percepção

relativa ao contato dos vivos com os mortos, na metade do século XIX:

O que eu diria a quem predissesse que o século XIX, tão orgulhosos de suas luzes, terminaria com

centenas de milhares de pessoas neste país acreditando poder se comunicar com seus avós?265

Na primavera de 1848, num pequeno vilarejo de Hydesville, região a oeste de Nova York, ocorreu

um fenômeno, no mínimo inusitado. Aqueles que vivenciaram os acontecimentos, não poderiam supor a

dimensão mundial que iria alcançar. As irmãs Margarethe Kate Fox, filhas adolescentes de um casal

vinculado a Igreja Metodista, passaram a se comunicar com um espírito por meio de batidas na parede.

Mas, afinal, quem era este espírito que buscou estabelecer contato? Era um ambulante que foi

assassinado pelos antigos moradores e enterrado no porão da casa. Cada pergunta feita pelas irmãs Fox era respondida na forma de pancadas. Desde então, foi criado um alfabeto para traduzir as batidas em palavras

articuladas.

Compreende-se a relevância desse contato pela primeira frase proferida:

Caros amigos, deveis proclamar ao mundo estas verdades. É a aurora de uma nova era; e não

deveis tentar ocultá-la por mais tempo. Quando houverdes cumprido vosso dever, Deus vos

protegerá e os bons espíritos velarão por vós.266

260

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 2,Credo espírita – Preâmbulo , p. 378. 261

Funestas: algo que é mortal ou que provoca a morte. 262

Bitolas: medida de largura de cordas e/ou fios. 263

DENIS, Léon. O Problema do Ser e do Destino. Trad. Homero Dias de Carvalho. 1 ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Introdução, p. 12. 264

XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 24 — O Espiritismo e as grandes transições, it. Restabelecendo a verdade. 265

DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 37. 266

WANTUIL, Zêus. As mesas girantes e o espiritismo. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 1, p. 6 e 7.

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97

Mais tarde, Leahse juntou às irmãs e foi por meio de seu caráter empreendedor que as manifestações

passaram a ter expressiva repercussão. Os salões ficaram cada vez mais lotados e a notícia das manifestações

chegava a outras regiões do país. Finalmente, depois de submetidas a interrogatórios dos mais variados e a

constantes investigações, o fenômeno ganhou respeitabilidade.

Brochuras favoráveis às “manifestações” se multiplicaram. Sessões no Hotel Barnum, em Nova

York, e o apoio do jornal New York Tribune expandiram o movimento pela costa leste americana,

atingindo, sobretudo, as populações brancas e protestantes do noroeste do país e do Middle West, o

Meio Oeste. Na sua grande maioria, os espiritualistas americanos eram abolicionistas267

convictos.

Sua pressão fez com que o estado do Alabama, com grande concentração de escravos, até pensasse

em estabelecer leis antiespiritualistas. No Sul, notadamente em Nova Orléans, a influência

francesa e afro-crioula incentivou um sucesso sem igual do movimento. Em 1852, foi fundado o

Spiritual Telegraph, órgão do movimento que contou, ao longo de vinte anos, com até oitenta

jornais.268

Como consequência da popularização do fenômeno, pouco a pouco o que era novidade passou a ser

encarado com profissionalismo: a quantidade de médiuns cresceu e as atividades das irmãs Fox passaram a

ser remuneradas.

As experiências seguiram-se, numerosas e precisas. Os curiosos, atraídos por esses fenômenos

novos, não se contentaram mais com perguntas e respostas. Um deles, chamado Isaac Post, teve a

ideia de nomear em voz alta as letras do alfabeto, pedindo ao Espírito para bater uma pancada

quando a letra entrasse na composição das palavras que quisesse fazer compreender. Desde esse

dia, ficou descoberta a telegrafia espiritual; este processo é o que vemos aplicado nas mesas

girantes.269

Antes mesmo das irmãs Fox, o deslocamento dos móveis e objetos já era um fato corriqueiro na

Europa. Embora não tivessem uma teoria ou hipótese que justificasse, compreendiam que aquele fenômeno

advinha de uma força sobrenatural. Para a mentalidade da época constituíam fenômenos misteriosos cuja

perplexidade ainda não havia motivado um estudo sério e sistematizado.

O primeiro fato observado foi o de objetos diversos postos em movimento; designaram-no,

vulgarmente, sob o nome de mesas girantes ou dança das mesas. Este fenômeno, que parece ter

sido observado primeiramente na América, ou melhor, que se repetiu nesse país, pois a História

prova que ele remonta à mais remota Antiguidade, produziu-se acompanhado de circunstâncias

estranhas, tais como ruídos insólitos, pancadas sem causa ostensiva conhecida. Daí, propagou-se

rapidamente pela Europa e por outras partes do mundo; a princípio, despertou muita incredulidade,

porém a multiplicidade das experiências, em pouco tempo, não mais permitiu duvidar da

realidade.270

O espiritualismo americano encontrou ressonância na Inglaterra, chegando até a Áustria e à Rússia.

Na França, a partir de 1852, quando os primeiros médiuns americanos começaram a chegar a Europa, a

burguesia francesa e os círculos literários demonstraram ávido interesse. O grande escritor Victor Hugo, autor de Os Miseráveis, um dos maiores clássicos da literatura de todos os tempos, foi um dos grandes

entusiastas e defensores das mesas girantes, compreendendo essa prática como uma fase inicial de uma

revelação que estava prestes a revolucionar o mundo.

Voltando aos dias da tumultuosa França de meados de 1853, vemos que grupos e mais grupos de

experimentadores curiosos se haviam organizado num fechar de olhos. A maravilhosa loucura do

século XIX já se havia infiltrado no cérebro da Humanidade. [...]

267

Abolicionistas: contrários à escravidão. 268

DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 38. 269

DELANNE, Gabriel. O fenômeno espírita. Trad. Francisco Raymundo Ewerton Quadros. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Pt. 1,cap. 2 –Na américa, p. 24. 270

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011.

Introdução ao estudo da Doutrina Espírita, it. III.

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98

E Paris inteira assistia, atônita271

e estarrecida, a este turbilhão feérico272

de fenômenos imprevistos

que, para a maioria, só alucinadas imaginações poderiam criar, mas que a realidade impunha aos

mais céticos e frívolos.273

, 274

Em 30 de março de 1853, um jornal alemão teve a capacidade de sintetizar as aspirações de um

tempo e ao mesmo pressentir a necessidade de uma análise mais compatível com a complexa realidade que

se apresentava:

Há oito dias a nossa boa cidade se encontra numa agitação difícil de descrever. Está

completamente absorvida por uma maravilha que ninguém jamais sonharia antes da chegada do

vapor Washington. As pessoas se preocupam bem menos com o preço do tabaco ou o sucesso da

máquina Ericsson do que com a dança das mesas [...] Não se trata de uma brincadeira americana.

Um misterioso problema está sendo colocado à ciência; cabe a ela resolvê-lo.

Em verdade, coube à Doutrina Espírita, por meio do trabalho missionário de Allan Kardec resolvê-

lo.

271

Atônita: surpreendida, sem reação. 272

Feérico: deslumbrante, ofuscante. 273

Frívolos: inconsistente, superficial. 274

WANTUIL, Zêus. As mesas girantes e o espiritismo. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 9, p. 57.

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99

CAPÍTULO 14

ALLAN KARDEC: O MISSIONÁRIO DA TERCEIRA REVELAÇÃO

Allan Kardec é da estirpe daquelas Entidades que vieram trazer as respostas, só que necessitavam do instrumento encarnado para as indagações. Daí, ele estava em perfeita sintonia com o mundo espiritual. Eles, antes da encarnação de Allan Kardec, ou da sua reencarnação, dialogaram, estabeleceram as bases, para que o próprio Codificador direcionasse as perguntas. Nos seus desprendimentos pelo sono, ele voltava à equipe, era elucidado e trazia as interrogações.275

Analisar os aspectos mais relevantes da vida de Allan Kardec e os traços

marcantes de sua personalidade.

1. Jan Huss

O precursor da Reforma Protestante, Jan Hus, ilustre pensador, sacerdote e reformador tcheco,

nasceu no ano de 1369, no reino da Boêmia (hoje República Tcheca), reino que, naquela época, era parte do

Sacro Império Romano-Germânico.

Filho de pais camponeses, Jan Hus completou o seu curso de Teologia na Universidade de Praga, no

ano de 1394. Também se formou em Artes e Filosofia, tornando-se bastante prestigiado nos meios

universitários. Como escritor, deu também sua grande contribuição para a reforma da língua literária tcheca.

Em 1400, foi ordenado sacerdote, e, no ano seguinte, ocupou o cargo de reitor da Universidade de

Praga, aproximando-se intelectualmente da obra do reformador inglês John Wycliffe, a ponto de considerá-lo

teologicamente seu mestre.

Em 1401, tornou-se pregador da capela de Belém, em Praga (capital do reino da Boêmia), tendo o

importante apoio do arcebispo.

Assim como Wycliffe, Jan Hus não aceitava o poder absoluto do papa. Sua convicção era de que

apenas a pessoa do Cristo deveria ser considerada como chefe e cabeça da Igreja. Concebia também o

Evangelho como a “única lei” a ser seguida. Seu pensamento sobre a Igreja era bastante influenciado pelas

ideias de Santo Agostinho.

À medida que suas críticas ao clero se intensificaram, mais claramente era perceptível a sua adesão à

doutrina de Wycliffe. Aliás, este por sua vez, traduziu a Bíblia para o seu idioma nacional, contribuindo para

que as Escrituras Sagradas estivessem ao alcance de todos.

Diante de todas essas atitudes, Jan Hus sofreria uma inflexível oposição. Sua excomunhão foi

concretizada em 1410. Como consequência deste ato extremo da Igreja,ocorreu uma mobilização popular em

Praga em favor dele. Ao receber o apoio do rei Venceslau (1361–1419) e da maioria da população, Jan Hus

foi festejado como um herói nacional. Por ser opositor ao tráfico das indulgências, à política guerreira do

papa e à sua infalibilidade, foi novamente excomungado e por precaução teve de se afastar de Praga.

Apesar de ter sido autorizado a comparecer ao Concílio de Constança, em 1414, Jan Hus foi

encarcerado de maneira arbitrária, permanecendo por vários meses numa prisão desumana. Pouco tempo

275

FRANCO, Divaldo P. Conversa fraterna: Divaldo Franco no Conselho Federativo Nacional. Organizado por Geraldo Campetti Sobrinho. 2. Ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Questão 4.

Objetivo

Ideias principais

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depois foi condenado e queimado vivo nessa cidade, enfrentando a morte inevitável com enorme coragem.

Jan Hus ainda estava vivo quando os seus livros foram também queimados. Os algozes de Jan Hus acreditavam que queimando o corpo e os livros, as ideias do nobre pensador

seriam eliminadas. Estavam, contudo, equivocados. Naqueles tempos de grande intolerância, Jan Hus foi

considerado o primeiro mártir da liberdade religiosa, dezesseis anos antes que a heroína francesa Joana d’Arc

fosse do mesmo modo queimada viva, e mais de cem anos antes que outro célebre reformador, o teólogo

alemão Martinho Lutero, apresentasse suas 95 Teses, em 1517.

Na revista Reformador de setembro de 1978, o Espírito Humberto de Campos, pela psicografia de

Chico Xavier, registrou o momento em que Jesus se dirigiu a Jan Hus no plano espiritual, confiando a ele,

tempos depois, uma nova missão na Terra. Este missionário retorna ao plano físico com o nome de Hippolyte

Léon Denizard Rivail, pseudônimo Allan Kardec, codificador da Doutrina Espírita:

Depois de se dirigir aos numerosos missionários da Ciência e da Filosofia, destinados à renovação

do pensamento do mundo no século XIX, o Mestre aproximou-se do abnegado Jan Hus e falou,

generosamente:

— Não serás portador de invenções novas, não te deterás no problema de comodidade material à

civilização, nem receberás a mordomia do dinheiro ou da autoridade temporal, mas deponho-te nas

mãos a tarefa sublime de levantar corações e consciências.

A assembleia de orientadores das atividades terrestres estava comovida. E ao passo que o antigo

campeão da verdade e do bem se sentia alarmado de santas emoções, Jesus continuava:

[…]

É indispensável estabelecer providências que amparem a fé, preservando os tesouros religiosos da

criatura. Confio-te a sublime tarefa de reacender as lâmpadas da esperança no coração da

Humanidade.

O Evangelho do Amor permanece eclipsado no jogo de ambições desmedidas dos homens

viciosos!… Vai, meu amigo. Abrirás novos caminhos à sagrada aspiração das almas, descerrando

a pesada cortina de sombras que vem absorvendo a mente humana. Na restauração da verdade, no

entanto, não esperes os louros do mundo, nem a compreensão dos teus contemporâneos.276

2. Hippolyte Léon Denizard Rivail: o eminente educador.

Nasceu em Lyon, no dia 3 de outubro de 1804. Filho de pais católicos ligados à magistratura, Rivail

logo demonstraria inclinação para o estudo das ciências e da filosofia racionalista.

Aos 10 anos, seus pais — Jean Baptiste Antoine Rivail e Jeanne Duhamel — matricularam Rivail na

Escola de Pestalozzi, em Yverdun, na Suíça, um dos centros de ensino mais inovadores da Europa. A partir

do momento em que Rivail passou de aluno para professor, consolidou-se como um dos mais notáveis

discípulos de Pestalozzi, atuando como propagandista do seu sistema de educação, bastante influenciado

pelos princípios iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, lema da Revolução Francesa.

Formado na escola do pedagogo Heinrich Pestalozzi, ele afirmava que a educação do povo,

fundada na tolerância e na fraternidade, era indispensável ao avanço da humanidade. O importante

era “aprender a aprender”. Lutou contra o castigo físico, que ainda era aplicado em crianças, e

convidava os alunos a desenvolver a inteligência pela reflexão e o questionamento. Visionário,

apostava no trabalho feminino, não como signo de inferioridade econômica, e sim como expressão

de independência pessoal.277

Concluídos seus estudos, voltou para a França, mas não poderia imaginar que em pouco tempo sua

vida mudaria radicalmente.

No dia 6 de fevereiro de 1832, Rivail que conciliava as atividades de educador e contador casou-se

com Amélie Gabrielle Boudet, professora de Letras e Belas-Artes.

Apesar de já ter estudado as teorias do médico alemão Franz Anton Mesmer a respeito de um fluído

invisível existente em todo o Universo e que agia sobre os seres humanos de maneira direta, Rivail ainda não

havia empenhado os seus esforços intelectuais para conhecer profundamente as causas dos fenômenos que

agitavam o círculo intelectual francês.

276

XAVIER, Francisco C. Lembrando Allan Kardec. Pelo Espírito Humberto de Campos. In: Reformador, ano 96, n. 1.794, set. 1978, p.

25(293)-26(294). 277

DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 44.

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Aliás, Rivail era um intelectual de prestígio. Entre as suas numerosas obras de educação, destacamos

as seguintes:

Curso prático e teórico de Aritmética, segundo o método Pestalozzi, para uso dos professores e das mães de família (1824);

Plano proposto para o melhoramento da instrução pública (1828);

Gramática francesa clássica (1831);

Catecismo gramatical da língua francesa (1848).

Em 1850, passou a trabalhar como contador de um teatro de Paris. Foi justamente neste teatro que se

apresentava um mágico conhecido como Lacaze, um dos mais conhecidos da época em toda França. Isso

despertou o interesse de Rivail para o estudo do magnetismo e dos fenômenos, ditos à época, de

sobrenaturais.

3. Primeiros contatos com os fenômenos mediúnicos

Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes. Um dia, encontrei o Sr. Fortier, o

magnetizador, a quem eu conhecia há muito tempo; ele me disse: Sabe a singular propriedade que

se acaba de descobrir no magnetismo? Parece que não são apenas os indivíduos que podem ser

magnetizados, mas as mesas que se fazem girar e caminhar à vontade. — “É, com efeito, muito

singular, respondi; mas a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético,

que é uma espécie de eletricidade, pode muito bem agir sobre os corpos inertes e fazê-los mover.”

Os relatos que os jornais publicaram, de experiências feitas em Nantes, em Marseille e em algumas

outras cidades, não podiam deixar dúvida sobre a realidade do fenômeno.278

Rivail havia encontrado um campo de estudos e pesquisas ainda inexplorados. Era necessário

estabelecer as bases da observação lógica e racional de um fenômeno aparentemente ilógico e irracional.

Eu estava, portanto, diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às leis da Natureza, e

que minha razão repelia. Eu ainda nada tinha visto, nem observado; as experiências, feitas na

presença de pessoas honradas e dignas de fé, confirmavam-me quanto à possibilidade do efeito

puramente material, mas a ideia de uma mesa falante não entrava ainda na minha mente.279

Foi na casa da Sra. de Plainemaison que o professor Rivail foi apresentado a duas meninas: Caroline

e Julie Baudin, e este encontro seria decisivo para a compreensão de uma nova Ciência, Filosofia e Religião

que haveria de surgir.

[...] Numa das reuniões da Sra. de Plainemaison, conheci a família Baudin que morava, então, na

Rua Rochechouart. O Sr. Baudin convidou-me para assistir às sessões semanais que aconteciam

em sua casa, e às quais fui, desde este momento, muito assíduo.

[...] Os dois médiuns eram as Srtas. Baudin, que escreviam numa ardósia com a ajuda de uma

cesta, chamada pião, descrita em O Livro dos Médiuns. Este processo, que exige o concurso de

duas pessoas, exclui qualquer possibilidade de participação das ideias do médium. Aí, vi

comunicações contínuas, e respostas dadas a perguntas formuladas, algumas vezes até a perguntas

mentais, que acusavam, de uma maneira evidente, a intervenção de uma inteligência estranha.

[...]

Foi nessas reuniões que fiz meus primeiros estudos sérios em Espiritismo, menos ainda por meio

de revelações do que pelas observações. Apliquei a esta nova ciência, como o fizera até então, o

método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas; observava atentamente, comparava,

deduzia as consequências; dos efeitos eu procurava remontar às causas, pela dedução e o

encadeamento lógico dos fatos, só admitindo como válida uma explicação quando ela pudesse

resolver todas as dificuldades da questão. É assim que sempre procedi nos meus trabalhos

anteriores desde a idade de 15 a 16 anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração

que ia empreender; entrevi nesses fenômenos a chave do problema tão obscuro e tão controvertido

do passado e do futuro da Humanidade, a solução do que procurara durante toda minha vida; era,

278

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, Extratos, in extenso, extraídos do livro das Previsões concernentes ao espiritismo, it. Minha primeira iniciação no Espiritismo. 279

______. ______. p. 266.

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numa palavra, toda uma revolução nas ideias e nas crenças: era necessário, pois, agir com circunspeção

280,e não com leviandade; ser positivista e não idealista, para não se deixar levar pelas

ilusões.281

4. A grande missão Em 12 de junho de 1856, o professor Rivail teve a oportunidade de obter informações mais

detalhadas acerca de sua missão. Estabeleceu-se, então, um diálogo cujo valor histórico é difícil definirem

palavras:

Pergunta: (à Verdade) — Bom espírito, desejaria saber o que pensais da missão que me foi

designada por alguns espíritos; quereis dizer-me, peço-vos, se é uma prova para meu amor-

próprio. Tenho, com certeza, como sabeis, o maior desejo de contribuir na propagação da verdade,

porém, do papel de simples trabalhador ao de missionário em chefe, a distância é grande, e não

compreenderia o que poderia justificar em mim tamanho favor, de preferência a tantos outros que

possuem talentos e qualidades que não tenho.

Resposta: — Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres vencer.

Saberás mais tarde coisas que te explicarão o que hoje te surpreende. Não te esqueças de que

podes triunfar, como podes falir; neste último caso, um outro te substituirá, pois os desígnios de

Deus não se repousam sobre a cabeça de um homem. Não fala, pois, jamais de tua missão: seria o

meio de fazê-la fracassar. Ela apenas pode ser justificada através da obra efetuada, e não fizeste

nada ainda. Se a cumprires, os próprios homens saberão reconhecê-lo, cedo ou tarde, pois é pelos

frutos que se reconhece a qualidade da árvore.

Pergunta: — Certamente não tenho nenhum desejo de vangloriar-me de uma missão na qual creio,

eu mesmo, com dificuldade. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da

Providência, que ela disponha de mim; neste caso, reclamo vossa assistência e a dos bons espíritos

para ajudarem-me e sustentarem-me na minha tarefa.

Resposta: — Nossa assistência não te faltará, mas ela será inútil se, de teu lado, não fizeres o que é

necessário. Tens teu livre-arbítrio; cabe a ti usares como o entenderes; nenhum homem é

constrangido a fazer coisa alguma.

Pergunta: — Quais as causas que poderiam fazer-me fracassar? Seria a insuficiência das minhas

capacidades?

Resposta: — Não; mas a missão dos reformadores está cheia de escolhos e de perigos; a tua é rude,

previno-te, pois trata-se de abalar e transformar o mundo inteiro. Não penses que te bastará

publicar um livro, dois livros, dez livros, e ficares tranquilamente em casa; não, ser-te-á preciso

expor tua pessoa; suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados conjurarão tua perda;

estarás exposto à malevolência, à calúnia, à traição mesmo daqueles que te parecerão os mais

devotados; tuas melhores instruções serão desprezadas e deturpadas; sucumbirás,mais de uma vez,

sob o peso da fadiga; numa palavra, será uma luta quase constante que terás que sustentar, e o

sacrifício de teu repouso, de tua tranquilidade, de tua saúde, e até de tua vida,pois, sem isso,

viverias muito mais tempo. Pois bem! Não poucos recuam quando, ao invés de uma estrada

florida, encontram sob seus passos urzes,282

pedras pontiagudas e serpentes. Para tais missões,não

basta a inteligência. Primeiramente, para agradar a Deus,é preciso a humildade, a modéstia e o

desinteresse, pois ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os

homens é preciso ter coragem, perseverança e uma firmeza inabalável; é preciso também

prudência e tato para conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito

através de medidas ou de palavras intempestivas; é preciso, por fim, ter devotamento, abnegação, e

estar pronto para todos os sacrifícios.

Vês que tua missão está subordinada a condições que dependem de ti. — Espírito Verdade283

280

Circunspecção: precaução no agir e no falar. 281

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, Extratos, in extenso, extraídos do livro das Previsões concernentes ao espiritismo, it. Minha primeira iniciação no Espiritismo, p. 268 e 269. 282

Urzes: designação dada a várias plantas arbustivas da família das ericáceas. 283

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2,

Extratos, in extenso, extraídos do livro das Previsões concernentes ao espiritismo, it. Minha missão.

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5. Allan Kardec

Compreendendo a sua missão e decifrando com mais desenvoltura a lógica por trás do véu que se

erguia em torno das mesas girantes e mais adiante,analisando a comunicação direta com o mundo invisível

por meio de intermediários, as perguntas feitas pelo professor Rivail ficavam cada vez mais complexas.

Em 1856, os diálogos com o mundo invisível alcançaram um novo patamar de complexidade. E para

a surpresa do eminente observador, as mesmas respostas eram dadas em outras reuniões sérias.

Allan Kardec já estava plenamente convencido de que a ciência tradicional, ao excluir a dimensão

espiritual, limitando-se apenas a matéria tangível, reduzia de maneira drástica o seu campo de observação.

Assim, tornava-se essencial criar métodos próprios e desenvolver fundamentos para a compreensão da

ciência espírita.

Diante do volume de anotações e da consistência das respostas dadas pelos espíritos, era necessário

dar um corpo sistematizado a este conjunto de informações, além de definir um formato que pudesse ser

claro, objetivo e atraente para o grande público.

***

Com o aval dos espíritos, um livro deveria ser publicado. Esta nova obra, contudo, não era fruto das

convicções pessoais de Rivail. É preciso recordar, aliás, que o professor Rivail havia publicado inúmeras

obras de grande prestígio na França. Todavia, desta vez era algo completamente distinto.

Em meio a dúvida de assinar como Hippolyte Léon Denizard Rivail ou com um pseudônimo, prática

relativamente comum entre os autores da época, numa sessão na casa das irmãs Baudin, o eminente educador

teve a resposta.

O Espírito Zéfiro o informou que ambos teriam convivido como druidas,284

nas Gálias, sob o

domínio do imperador Júlio César. Naquela época, segundo Zéfiro, Rivail teria se chamado Allan Kardec.

Ao adotar o pseudônimo Allan Kardec, Rivail iniciaria uma nova fase de sua vida. Na manhã do dia

18 de abril de 1857, O Livro dos Espíritos começou a ser vendido em Paris e, para a surpresa do agora Allan

Kardec, os primeiros 1.550 exemplares foram vendidos muito rapidamente.

Em síntese O Livro dos Espíritos contém os princípios relativos à natureza dos espíritos, sua

manifestação e relação com os seres encarnados. São abordados ainda nesta obra inaugural as leis morais, a

vida presente, a vida futura e o futuro da Humanidade, sendo ditado e publicado por ordem dos Espíritos

superiores.

No diálogo a seguir é possível ter o real entendimento da coordenação e interferência direta dos

espíritos em todos os pormenores desta verdadeira pedra angular da Terceira Revelação:

Pergunta: (à Verdade) — Uma parte da obra foi revista, seríeis bastante bom para me dizer o que

pensais dela?

Resposta: — O que foi revisado está bem; mas quando tudo terminar, ser-te-á necessário revê-la

ainda, a fim de ampliá-la em certos pontos, e de abreviá-la em outros.

Pergunta: — Pensais que deva ser publicado antes que os acontecimentos preditos se tenham

cumprido?

Resposta: — Uma parte, sim; mas tudo, não; pois eu te asseguro de que teremos capítulos muito

espinhosos. Por mais importante que seja este primeiro trabalho, não é senão uma espécie de

introdução; ele tomará proporções que hoje, estás longe de suspeitar, e que tu mesmo

compreenderás que certas partes só poderão vir à luz muito mais tarde e gradualmente, à medida

que as novas ideias se desenvolverem e criarem raízes. Dar tudo de uma só vez, seria uma

imprudência; é preciso dar tempo para que a opinião se forme. Encontrarás com impacientes que te

empurrarão para adiante: não os ouças; vê, observa, sonda o terreno, saibas esperar, e faz como o

general prudente que só ataca quando chega o momento favorável.285

“Compreendeste bem o objetivo do teu trabalho; o plano está bem concebido; estamos contentes

contigo. Continua; mas, sobretudo, quando a obra estiver terminada, lembra-te de que te

recomendamos fazê-la imprimir e propagá-la: é de utilidade geral. Estamos satisfeitos, e não te

deixaremos nunca. Crê em Deus, e caminha.” — Vários espíritos286

284

Druidas: sacerdotes dos gauleses e dos celtas. Acreditavam nas existências progressivas da alma e na pluralidade dos mundos habitados. 285

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, cap. Extratos, in extenso, extraídos do livro das Previsões concernentes ao espiritismo, it. O Livro dos Espíritos, p. 283 e 284. 286

______. ______. p. 285.

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Em três anos, a monumental obra seria revista e ampliada de modo substantivo, tendo ao todo 1.019

questões, além de comentários e ensaios teóricos do codificador.

Kardec escreveu outras obras fundamentais, dentre as quais destacamos:

O que é o Espiritismo (julho de 1859);

O Livro dos Médiuns (janeiro de 1861);

O Evangelho segundo o Espiritismo (abril de 1864);

O Céu e o Inferno (agosto de 1865);

A Gênese (16 de janeiro de 1868).

O trabalho da Codificação foi muito além da coleta, seleção e organização das mensagens recebidas

do mundo espiritual. Temos uma ideia mais clara a este respeito no livro Obras Póstumas, coletânea de

escritos e comunicações pessoais de Allan Kardec, publicado em 1890, 21 anos após a sua desencarnação.

6. Por que a Doutrina Espírita veio ao mundo A atuação de Allan Kardec na Revista Espírita, nas reuniões da Sociedade Espírita de Paris, ou,

principalmente, por meio dos livros da codificação, demonstram como a nova Doutrina adquiriu um caráter

metódico e regular, claro e acessível para todos.Kardec não era apenas um intelectual brilhante: seu trabalho

persistente e o seu senso moral elevado contribuíram para que, do amontoado caótico de mensagens

mediúnicas surgissem os princípios fundamentais de uma nova doutrina filosófica, de caráter científico e de

consequências morais e religiosas.

Com o intuito de facilitar a compreensão do amigo leitor, eis algumas definições importantes:

A Doutrina dos Espíritos, pois, veio desvendar ao homem o panorama da sua evolução, e

esclarecê-lo no problema das suas responsabilidades, porque a vida não é privilégio da Terra

obscura, mas a manifestação do Criador em todos os recantos do Universo.287

Com a Doutrina Espírita tudo está definido, tudo está claro, tudo fala à razão; numa palavra, tudo

se explica, e os que se aprofundaram em sua essência encontram nela uma satisfação interior, à

qual não mais desejam renunciar.288

[...] A verdadeira Doutrina Espírita encontra-se no ensino dado pelos espíritos e os conhecimentos

que este ensino comporta são graves demais para serem adquiridos de outra forma, que não por um

estudo sério e contínuo, feito no silêncio e no recolhimento; pois, apenas nessa condição, pode-se

observar um número infinito de fatos e de particularidades que escapam ao observador superficial

e permitem firmar uma opinião. [...]289

É a Doutrina Espírita um corpo doutrinário unitário no seu arcabouço que se desenvolve em

diversos campos: científico, filosófico, religioso, sociológico, educacional.290

287 XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 26, it. 26.4 – Nós

viveremos eternamente. 288

KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). Brasília: FEB,

2015. Cap. 1, p. 11. 289

______. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Introdução

ao estudo espírita, it. – XVII. 290

LOMBROSO, Cesare. Hipnotismo e mediunidade. Trad. Almerindo Martins de Castro. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB,

1999.

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7. O Auto da fé de Barcelona e o desafio atual da intolerância religiosa

A pedido do Sr. Lachâtre, então residente em Barcelona, eu lhe havia expedido certa quantidade de

O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, as coleções da Revista Espírita e diversas obras e

brochuras espíritas, formando um total de mais ou menos 300 volumes. A expedição havia sido

feita regularmente pelo seu correspondente de Paris, numa caixa que continha outras mercadorias,

e sem a menor infração à legalidade. Na chegada dos livros, fizeram pagar ao destinatário os

direitos de entrada, mas antes de liberá-los, teve-se que entregar uma relação das obras ao bispo,

pois nesse país, a polícia de livraria competia à autoridade eclesiástica. Este estava em Madrid; ao

regressar, baseando-se na relação que lhe fora feita, ordenou que as ditas obras fossem apreendidas

e queimadas em praça pública pela mão do carrasco. A execução da sentença foi fixada para 9 de

outubro de 1861.291

Se nos séculos XV e XVI a Inquisição levava à fogueira pessoas que ousavam questionar os dogmas

religiosos, o Auto da Fé de Barcelona de 1861, levou a fogueira os livros espíritas, um ato impositivo que

objetivava deter a marcha ascendente da Doutrina Espírita.

No entanto, diferente do que imaginaram os opositores, o ato em si gerou significativa notoriedade a

causa espírita, produzindo uma repercussão ainda maior. De fato, o mundo de então havia progredido, e tais

práticas, dignas da Idade Média, não foram capazes de retardar o avanço das ideias. Uma multidão

incalculável estivera presente na esplanada protestando aos gritos de: “Abaixo a Inquisição”.

No dia 19 de outubro de 1861, Allan Kardec recebe espontaneamente a seguinte comuni-cação

espiritual: “Era preciso que alguma coisa chocasse com violência certos espíritos encarnados, para que se

decidissem a se ocuparem desta grande Doutrina que deve regenerar o mundo. Nada é feito

inutilmente na vossa Terra, por isso, nós que inspiramos o auto de fé de Barcelona, sabíamos bem,

que agindo assim, teríamos dado um passo imenso adiante. Este fato brutal, inaudito nos tempos

atuais, consumou-se, tendo por objetivo chamar a atenção dos jornalistas que permaneciam

indiferentes diante da agitação profunda que movimentava as cidades e os Centros Espíritas; eles

deixavam que se falasse e deixavam que se fizesse; mas obstinavam-se em se fazerem de surdos, e

respondiam com o mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. De bom grado

ou de mau grado, é preciso que falem dele, hoje; uns constatando o histórico do fato de Barcelona,

os outros desmentindo-o, provocaram uma polêmica que dará a volta ao mundo, e da qual o

Espiritismo será o único a tirar proveito. Eis porque, hoje, a retaguarda da Inquisição fez seu

último auto de fé, porque nós assim o quisemos.” — Um Espírito292

Na atualidade, eventos como o Auto da Fé de Barcelona ficaram no passado. Há de se considerar,

contudo, que a problemática da intolerância religiosa permanece como um dos maiores desafios da

Humanidade.

Por que razão o radicalismo da fé é tão presente ainda hoje?

Em O Evangelho segundo o Espiritismo, em uma página notável, Allan Kardec assevera:

De todas as liberdades, a mais inviolável é a de pensar, que compreende também a liberdade de

consciência. Reprovar energicamente aqueles que não pensam como nós é reclamar essa liberdade

apenas para si e recusá-la aos outros; é violar o primeiro mandamento de Jesus: a caridade e o

amor ao próximo. Persegui-los por sua crença, é atentar contra o direito mais sagrado que

todo homem tem de crer no que lhe convém, e adorar a Deus como ele o entende.

Constrangê-los a atos exteriores semelhantes aos nossos é mostrar que se tem mais amor

à forma que ao conteúdo, às aparências que à convicção. A renúncia forçada jamais

proporcionou a fé, só pode fazer hipócritas; é um abuso da força material que não prova a

verdade; a verdade está segura de si mesma: convence e não persegue, porque não tem

necessidade disso.293

291

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, it. — Auto da fé de Barcelona. Apreensão dos livros. 292

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcântara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, it. Auto da fé de Barcelona, p. 299 e 300. 293

______. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap.

XXVIII, it. 51.

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A Doutrina Espírita vem nos esclarecer que as criaturas estão em níveis de consciência distintos, de

acordo com o grau de evolução alcançado nas sucessivas existências. Portanto, diante deste fato, a

diversidade religiosa mais do que uma característica cultural de uma sociedade, como por exemplo, a do

Brasil, em realidade é uma decorrência natural das distintas visões de mundo e propósitos de vida de cada

um.

A tolerância é, portanto, uma das essências da caridade em seu sentido mais profundo.

8. Trabalhador incansável

Além dos livros já mencionados, Kardec publicou cerca de 260 artigos na Revista Espírita: Jornal de

Estudos Psicológicos. Fundada em 1857, a publicação funcionava como um canal direto de comunicação

com o público. Neste mesmo ano, também foi fundada a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, primeira

sociedade com essa característica a ser regulamentada na França.

Através da Revista Espírita e da Sociedade de Paris das quais era o presidente, constituíra-se, de

alguma forma, o centro onde tudo acontecia, o traço de união de todos os experimentadores. Há

alguns meses, sentindo próximo o seu fim, preparou as condições de vitalidade desses mesmos

estudos depois da sua morte, e estabeleceu a Comissão Central que lhe sucede.294

Durante dez anos de sua admirável missão, cerca de quinhentas mil pessoas na França tornaram-se

espíritas. Hoje, são milhões em todo o mundo! Com certo laivo de arrogância ou desconhecimento, ou, quem

sabe, as duas coisas, muitos objetivam desmerecer o trabalho do codificador, justificando que não havia sido

a primeira vez na história que os vivos estabeleceram diálogo com os mortos. Em nenhum momento a

Doutrina Espírita advogou semelhante primazia. Não resta dúvida, contudo, que graças ao trabalho pioneiro

de Allan Kardec esse diálogo edificou o fundamento de uma moral, de uma religião, de uma filosofia e de

uma ciência de observação.

Ele atingiu o coração das preocupações da época, captou sensibilidades, disse alto o que se

murmurava e abriu as portas para o outro lado. Ele queria libertar a humanidade do obscurantismo

e dar esperanças aos desfavorecidos.295

Allan Kardec retornou a pátria espiritual em 31 de março de 1869, em decorrência de um problema

cardíaco.Desprovido dos símbolos, seu cortejo fúnebre foi acompanhado por milhares de admiradores. Em

uma parte de seu discurso pronunciado junto ao túmulo de Allan Kardec, Camille Flammarion, astrônomo e

espírita convicto, autor de A pluralidade dos mundos habitados e amigo pessoal do codificador, com

inegável inspiração afirmou:

[...] Quantos corações foram primeiramente consolados através dessa crença religiosa! Quantas

lágrimas foram secadas! Quantas consciências abertas para as luzes da beleza espiritual! Ninguém

é feliz aqui. Muitas afeições foram desfeitas! Muitas almas foram adormecidas pelo ceticismo.

Não significa nada ter conduzido ao espiritualismo tantos seres que flutuavam na dúvida, e que

não amavam mais a vida, nem física nem intelectual?

Allan Kardec foi homem de ciência, que, sem dúvida, não teria podido prestar esse primeiro

serviço, e espalhá-lo, assim, a distância como um convite a todos os corações. Mas era o que eu

chamaria simplesmente de “o bom senso encarnado”. [...]296

294

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 1,Discurso pronunciado sobre o túmulo de Allan Kardec, p. 31. 295

DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1.ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 59. 296

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcântara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 1,Discurso pronunciado sobre o túmulo de Allan Kardec, p. 32.

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9. Missão cumprida

[...] Allan Kardec, apagando a própria grandeza, na humildade de um mestre-escola, muita vez

atormentado e desiludido, como simples homem do povo, deu integral cumprimento à divina

missão que trazia à Terra, inaugurando a era espíritacristã, que, gradativamente, será considerada

em todos os quadrantes do orbe como a sublime renascença da luz para o mundo inteiro.297

297

XAVIER, Francisco C. Cartas e crônicas. Pelo Espírito Irmão X. 14. ed. 3. Imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 28 — Kardec e Napoleão.

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CAPÍTULO 15

A VIDA E A MISSÃO DE LÉON DENIS

Lembre-se de que a vida é curta. Enquanto ela dura, esforce-se para adquirir o que veio procurar nesse mundo: o verdadeiro aperfeiçoamento. Possa o seu ser espiritual daqui sair mais puro do que quando aqui entrou! Acautele-se das armadilhas da carne; reflita que a Terra é um campo de batalha, onde a matéria e os sentidos abandonam a alma num assalto perpétuo. Lute com coragem contra as paixões vis; lute pelo espírito e pelo coração, corrija seus defeitos, adoce seu caráter, fortifique sua vontade. Que seu pensamento se afaste das vulgaridades terrestres e escape para o céu luminoso!298

Esclarecer, em linhas gerais, a vida e a missão desempenhada por Léon

Denis.

1. Infância e Juventude

Como transmitir informações da vida e da obra de Léon Denis sem cometer o equívoco de diminuir a

sua importância? Este questionamento se apresenta visto que a sua obra é de uma riqueza filosófica e

religiosa inigualável, ao passo que a sua vida exala ensinamentos oportunos para cada um de nós.

Todo aquele que pretende semear no coração do próximo os ensinamentos do Cristo, deve se

preparar para as dificuldades do caminho. Não seria diferente com o Apóstolo do Espiritismo.

***

Léon Denis nasceu em 1o de janeiro de 1846, em Foug, pequena localidade de Tours, na França.

Desde muito cedo nutria profunda admiração pela Natureza, pelos animais e por caminhar. Com 7 anos,

amparado pelo seu avô François, antigo soldado das tropas de Napoleão Bonaparte, já realizava caminhadas

longas em bosques.

A vida da família de Joseph Denis, pai de Léon Denis, não era fácil. Quando o pequeno Denis tinha

9 anos, seu pai Joseph foi obrigado procurar o sustento da família em outra localidade. Foi assim que toda a

família teve de se fixar em Strasbourg, local em que Joseph começou a trabalhar na Casa da Moeda. Neste

período, Léon iniciou seus primeiros estudos na escola particular do Sr. Haas. Nesta escola pouco aprendeu,

mas isso não o prejudicou tanto, pois já sabia alguns aspectos básicos do alfabeto, além de já ter domínio em

contas, aprendizado adquirido em virtude dos ensinamentos da mãe.

Quando foi aberta uma vaga na Casa da Moeda em Bordeaux, Joseph conseguiu transferência.

Apesar disso, o salário obtido era insuficiente para manter o lar com dignidade. Diante desse desafio, Léon

Denis interrompeu seus estudos para trabalhar no polimento das moedas. Esta ajuda ao pai lhe causava danos

físicos, uma vez que seus dedos sangravam para descolar as lâminas de cobre. Todavia, esse esforço

contribuía para melhorar a combalida condição financeira da família. Em março de 1857, Joseph empregou-se na Companhia das Estradas de Ferro do Sul. Após um curto

estágio trabalhando como carteiro, Joseph foi nomeado como chefe da estação de Morcenx, em Landes.

298

DENIS, Léon. Depois da morte. Tradução de Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Conclusão, p. 417.

Objetivo

Ideias principais

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Desse modo, a família teve a chance de residir em um local menos precário. Além disso, a situação

financeira apesar de não ser satisfatória, a partir desta mudança, ao menos assegurava acesso às necessidades

mais essenciais Finalmente, Léon Denis recomeçou seus estudos, afinal já não era imprescindível que

trabalhasse para contribuir na renda familiar.

Ao receber as lições de um professor local, Léon Denis entregou-se de corpo e alma aos estudos. Na

bucólica solidão da nova localidade, cuja diversão única parecia ser o vaievem dos trens, o menino

esforçava-se no aprendizado. O professor de Morcenx levava os seus alunos com regularidade a passeios.

Sem dúvida alguma, essas lições em plena Natureza repercutiram de modo significativo na vida e, por

decorrência natural, na obra de Léon Denis. Entretanto, a fase de peregrinações não havia acabado. Joseph

Denis recebeu uma promoção e em virtude disso teve de deixar a chefia da estação de Morcenx para iniciar

uma nova etapa profissional na estação de Moux.

Inúmeras adversidades, além do sentimento de que aquela não era a sua vocação, fizeram com que

Joseph pedisse demissão do cargo, em outubro de 1862. Após essa decisão, a família de Joseph Denis se

fixou definitivamente na cidade de Tours. Léon Denis, voltou a trabalhar duro para ajudar a família. Como,

em hipótese alguma, pensava em abdicar dos estudos, realizava-os à noite, como relembrou na Revista

Espírita de 1924: Obrigado a ganhar, durante o dia, meu pão e o de meus velhos pais, disse-lhe, consagrei muitas

noites ao estudo, a fim de completar meus conhecimentos, e daí data o enfraquecimento prematuro

de minha vista.299

Léon Denis trabalhava na Casa Pillet, uma das empresas de couro mais importantes da região central.

Suas tarefas eram voltadas para a área de correspondência e contabilidade. Todos na empresa percebiam em

Léon Denis uma viva inteligência, além de considerá-lo portador de excepcionais méritos pessoais.

As noites de estudos começaram a revelar suas características intelectuais. Desde então, o enigma da

vida começou a se apresentar com maior profundidade em suas meditações filosóficas.

Com seus 18 anos, deparou-se com um livrou que iria modificar radicalmente a sua vida. O próprio

Léon Denis, na Revista Espírita de janeiro de 1923, resumiu o que lhe aconteceu quando viu pela primeira

vez O Livro dos Espíritos:

Adquiri logo o livro, disse-lhe, e lhe assimilei o conteúdo. Encontrei nele uma solução clara,

completa, lógica do problema universal. Minha convicção se firmou. A teoria espírita dissipou

minha indiferença e minhas dúvidas.300

Com a sua pouca idade e falta de tempo, Léon Denis, no primeiro momento, não teve condições de

frequentar um Grupo Espírita. Contudo, isso não o impedia de estudar a Doutrina Espírita com apaixonante

curiosidade, chegando até mesmo a realizar experiências, juntamente com outros amigos interessados nas

questões espirituais. Nesta fase de pesquisas e trabalhos, um acontecimento importante ocorreu na vida de

Léon Denis. Allan Kardec iria passar alguns dias na pacata cidade de Tours, com seus amigos. Todos os

espíritas dessa região foram convidados a recebê-lo e a saudá-lo. Léon Denis ficou encarregado de guiar os

convidados para o local da reunião.

Por meio de suas próprias palavras, é possível ter a dimensão histórica daquela reunião:

Sob a claridade das estrelas, a voz suave e grave de Allan Kardec se elevava, e sua fisionomia

meditativa, iluminada por uma pequena lâmpada colocada sobre uma mesa, no centro do jardim,

produzia um aspecto fantástico.301

Para Léon Denis, as viagens eram uma fonte de alegria e de aprendizado. Interessavam-lhe as praças,

os monumentos, o povo, os hábitos, os costumes e a meditação entre os velhos caminhos das montanhas.

Estas longas horas de meditação solitária no seio da Natureza conduziu Léon Denis a uma profunda

compreensão de Deus.

299

LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2013. Em Tours, p. 33. 300

______. ______. p. 36. 301

LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2013. Em Tours, p. 38.

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110

2. A laboriosa missão

Léon Denis, contemporâneo e um dos mais fiéis seguidores de Allan Kardec, é considerado pelo

Espírito Humberto de Campos aquele que faria o desdobramento filosófico da Codificação.

Apesar de ter lido pela primeira vez O Livro dos Espíritos em 1864, o ano que marca o início do seu

apostolado é 1882. Desde então, teve que enfrentar sucessivos obstáculos.

O materialismo e o positivismo haviam conquistado seguidores obstinados no meio intelectual e

científico. Assim sendo, toda proposta filosófica e científica contrária a estes postulados, eram

ridicularizadas. Por sua vez, a religião oficial somava todos os esforços para desacreditar tudo aquilo que

pudesse contrariar seus interesses consolidados ao longo dos séculos.

Allan Kardec teve a resiliência necessária para cumprir a sua missão, a despeito de todas essas forças

contrárias ao avanço que a Doutrina Espírita vinha trazer à Humanidade.

Não foi diferente com Léon Denis!

Os companheiros invisíveis, todavia,em nenhuma circunstância deixaram de encorajá-lo e estimulá-

lo a combater o bom combate:

É dia 2 de novembro, Dia dos Mortos do mesmo ano, quando um outro acontecimento de capital

importância se produz em sua vida.

Aquele que, durante meio século, deveria ser seu guia, seu melhor amigo, mais ainda, seu pai

espiritual, “Jerônimo de Praga”, comunica-se, pela primeira vez, em sessão espírita, no meio de

um grupo de operários, num subúrbio de Le Mans, onde Léon Denis estava de passagem. [...]

[...]

No mês de março seguinte, o ousado pioneiro espírita recebia de Jerônimo a garantia formal de

uma assistência que não deveria faltar um só dia. “Vai meu filho, no caminho aberto à tua frente;

marcharei atrás de ti, para te sustentar.”. E, como Léon Denis ainda pergunta se seu estado de

saúde lhe permitirá estar à altura da tarefa, recebe a seguinte mensagem: “Coragem, a recompensa

será mais bela!”302

3. O orador

Em 30 de março de 1884, no anfiteatro da Escola Profissional da cidade de Nantes, realizou uma

exposição intitulada “A Guerra dos 100 anos e Joana d’Arc”. No dia seguinte o Le Populaire fez uma análise

de Léon Denis:

O conferencista de domingo não é um homem comum. Além de ser uma capacidade, ele é,

principalmente, um pensador e um filósofo.

Léon Denis é uma dessas almas nobres que sentem o coração da Humanidade e que gostariam que

todos os homens se amassem uns aos outros, fizessem um esforço sobre si mesmos para se

libertarem das estreitezas do velho mundo e organizarem uma sociedade de fraternidade e de

amor.303

Em 12 de março de 1885, Léon Denis fez uma conferência sobre Joana d’Arc e suas vozes na cidade

de Mans. Victor Goutard exaltou os dons oratórios de Léon Denis da seguinte forma:

“O orador prendeu, durante uma hora e meia, o auditório às suas palavras; era belo ver aquela

multidão atenta, recolhendo, piedosamente, as frases do orador, palavras calorosas e enérgicas que

fazem vibrar as mais sensíveis fibras de nossos corações. Quando ele fala da pátria, sente-se um

coração de ouro bater nesse peito varonil e sabe-se que são suas próprias crenças que ele

manifesta, porque, apesar da facilidade de expressão de um conferencista, quando só pronuncia

frases feitas e apenas exprime ideias encomendadas, ele não encontra todos esses motivos que

tanto emocionam um público, mantendo-o em suspenso e realizando o milagre de fazê-lo abdicar

de suas crenças pessoais para adotar, momentaneamente pelo menos, as do orador.304

302

LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2013. Na Liça, p. 93 a 95. 303

REGNAULT, Henri. A morte não existe: com base nas obras de Léon Denis. Rio de Janeiro: CELD, 1994. Cap. I — A vida de Léon Denis. 304

REGNAULT, Henri. A morte não existe: com base nas obras de Léon Denis. Rio de Janeiro: CELD, 1994. Cap. I — A vida de Léon Denis.

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Além de seu trabalho profissional, dedicava tempo aos estudos pessoais, participava de reuniões

experimentais, preparava suas conferências e escrevia seus livros, tarefas múltiplas e árduas que exigiam

energia física e um comprometimento que poucos conseguem praticar. Apesar de sua delicada saúde, Léon

Denis em nenhum momento fugiu às suas diversas obrigações.

Fisicamente cansado por um trabalho sem descanso, vendo sua visão enfraquecer cada vez mais,

teve que conciliar suas ocupações diárias, seus trabalhos de escritor, realizar constantes viagens e

roteiros de propaganda, que exigem uma séria preparação.

Algumas vezes queixa-se disso a seus amigos invisíveis e solicita não uma substituição, mas um

descanso momentâneo. “Coragem, eles lhe respondem; cuide da saúde e prossiga; estaremos ao

seu lado”.305

4. Os escritos

No Congresso Espírita de 1889, ao ser nomeado Presidente da Comissão de Propaganda, Léon Denis

propôs a Henri Sausse a publicação de edição popular de uma obra de Allan Kardec ou outra que pudesse ser

uma síntese dos ensinamentos da Espiritualidade superior. Henri Sausse disse a Léon Denis que ele era a

pessoa mais adequada para realizar esse projeto. No primeiro momento, Léon Denis não respondeu, mas o

projeto ganhou consistência e em 25 de dezembro de 1890, é publicada a obra Depois da Morte, obtendo

expressiva venda nas livrarias. Léon Denis passou a ser considerado um escritor de primeira grandeza pela

crítica francesa. A primeira grande obra de Léon Denis, aquela que iria ter uma repercussão tão duradoura,

apareceu no fim de 1890, com o título de Depois da Morte, tendo como subtítulo: Exposição da

Filosofia dos Espíritos, suas bases científicas e experimentais, suas consequências morais.306

Léon Denis escreveu obras que apareceram, umas em brochuras e outras em livros. Dentre suas

obras, destacam-se:

Cristianismo e Espiritismo

Depois da Morte

Espíritos e Médiuns

Joana D’Arc, Médium

No Invisível

O Além e a Sobrevivência do Ser

O Espiritismo e o Clero Católico

O Espiritismo na Arte

O Gênio Céltico e o Mundo Invisível

O Grande Enigma

O Mundo Invisível e a Guerra

O Porquê da Vida

O Problema do Ser e do Destino

O Progresso

Provas Experimentais da Sobrevivência

Socialismo e Espiritismo

Em 1892, foi convidado pela duquesa de Pomar a expor a respeito da Doutrina Espírita. Até então,

Léon Denis havia falado apenas para o grande público, sem ter acesso a uma elite social. Contudo, com o

sucesso de Depois da Morte, a alta sociedade, movida não necessariamente pela transformação moral, passou

a ter ainda mais curiosidade. Embora tenha ficado em dúvida, Léon Denis aceitou o desafio.

305

LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2013. Grandes Conferências, p. 131. 306

LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2013. Depois da Morte.

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Uma dessas apresentações ganhou destaque no Le Journal, que assim expressou o encanto dos

ouvintes com as palavras de Léon Denis:

Reunião das mais elegantes foi realizada ontem, na residência da Duquesa de Pomar, para ouvir a

conferência de Léon Denis sobre a “Doutrina Espírita”. Com uma eloquência muito literária, o

orador soube encantar seu numeroso auditório, falando-lhe do destino da alma que pode, disse ele,

reencarnar neste mundo até conseguir a perfeição. “Ele tem a alma de um Bossuet!”, exclamou um

entusiasta espiritualista.307

Por muitos anos, Léon Denis realizou inúmeras e penosas excursões onde falou para públicos muitas

vezes hostis, tendo que manter a paz de espírito e responder com tolerância e bom senso as zombarias e

sarcasmos dos adversários da Doutrina Espírita.

Aos poucos, porém, a sua saúde começava a dar sinais de esgotamento. Perto de completar 60 anos

sua voz já não possuía a mesma potência, seus pulmões estavam cansados com mais facilidade e por esses

fatores sua resistência física diminuiu. Até 1910, prosseguiu no seu trabalho de orador espírita, levando a

semente majestosa da Terceira Revelação.

A partir de 1910, a visão de Léon Denis foi, pouco a pouco, diminuindo. A operação a qual foi

submetido, dois anos antes, não lhe proporcionou nenhuma melhora. Apesar disso, Léon Denis suportava

com serenidade e resignação este problema iniciado na juventude.

Este mal físico, porém, naturalmente trazia sérias dificuldades na escrita, seu instrumento elementar

para difundir seus pensamentos. Algumas assistentes ajudaram nesta tarefa, trans-crevendo suas ideias.

No entanto, Léon Denis tinha dificuldades em rever e corrigir as novas edições dos seus livros e dos

seus escritos. Todavia, seu planejamento e disciplina, aliada a uma memória prodigiosa, superavam os

obstáculos que a reduzida visão impunha.

Depois da morte da sua genitora, uma empregada passou a cuidar da sua pequena habitação. Ele só

exigia uma coisa: o absoluto respeito às suas numerosas notas manuscritas, as quais ele arrumava com

meticulosa precaução.

Desde o mês de maio de 1885, ele era vice-presidente da União Espírita Francesa, fundada em 24 de

dezembro de 1882. Foi designado membro honorário de múltiplas sociedades, dentre as quais, as Uniões

Espíritas da Catalunha e do Brasil; a Federação Algeriana e Tunisiana dos Espiritualistas Modernos, por ele

fundada, a Federação Espírita do Sudeste da França, dentre outras

Em 1911, após empreender considerável esforço no preparo da nova edição de sua obra O Problema

do Ser e do Destino, ficou gravemente enfermo em decorrência de uma pneumonia.

Três anos depois, uma circunstância histórica iria lhe causar enorme tristeza: em 1914 começa a

Primeira Guerra Mundial.

Até 1918, este conflito acarretou milhões de mortes, dentre os quais muitos dos amigos de Léon

Denis que tiveram de ir para a frente de batalha.

Léon Denis neste período sofria de uma doença intestinal além de estar parcialmente cego. Aos 62

anos, aprendeu a tocar piano e a ler o alfabeto braile.

Em 1915, elaborou uma nova série de artigos de profunda beleza poética, preconizando, sobretudo, o

retorno à Natureza. Nesta época, em virtude da repercussão que a metapsíquica passou a ter, a Doutrina

Espírita passou a ser vista com descrédito. Era recorrente afirmarem que à medida que a metapsíquica

avançasse, o Espiritismo iria, por extensão, perder importância.

Como o tempo é o senhor da razão, o que ocorreu foi justamente o contrário!

Léon Denis elaborou alguns artigos demonstrando a diferença entre as duas concepções. Mas não

apenas isso. Teve também de responder às críticas e ataques de altos membros da Igreja Católica.

Léon Denis trabalhou até o último segundo de sua existência. Havia acabado de escrever a obra O

Gênio Céltico e o Mundo Invisível e já pensava no livro seguinte que ainda almejava escrever, mas não havia

mais tempo. Em 12 de abril de 1927, às 21 horas, Praça das Artes,n.19, numa casa de Tours, com uma vista

maravilhosa para as margens do Loire, Léon Denis desencarna.

Por toda a sua existência e de todas as formas possíveis, Léon Denis foi útil à sociedade e a causa

espírita. Apesar das dificuldades de sua vida, Léon Denis deve ser visto hoje e permanentemente como um

fiel defensor e apóstolo da Doutrina Espírita. Sua obra foi um bálsamo de consolações e a sua vida foi uma

expressão viva daquilo que falava e escrevia.

307

LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2013. Grandes Conferências, p. 133.

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113

CAPÍTULO 16

OS FATOS ESPÍRITAS SOB A ÓTICA DOS CIENTISTAS E DOS INTELECTUAIS

A Ciência legítima é a conquista gradual das forças e operações da Natureza, que se mantinham ocultas à nossa acanhada apreensão. E como somos filhos do Deus Revelador, infinito em grandeza, é de esperar tenhamos sempre à frente ilimitados campos de observação, cujas portas se abrirão ao nosso desejo de conhecimento, à maneira que engrandeçam nossos títulos meritórios.308

Esclarecer as contribuições de estudiosos e cientistas para a investigação

dos fatos espíritas.

1. Métodos científicos O método científico é um conjunto de normas básicas para desenvolver uma determinada

experiência, com a finalidade de produzir um novo conhecimento, ou mesmo corrigir ou reinterpretar

conhecimentos já existentes. As principais disciplinas científicas trabalham no sentido de obter evidências

observáveis e baseadas apenas na experiência. Essas evidências devem ser mensuráveis e a sua análise deve

ser subordinada à lógica. Em outras palavras, para se desenvolver uma pesquisa ou experimento, faz-se

necessário, antes de tudo, um método, isto é, regras racionais que devem ser utilizadas para uma determinada

finalidade.

Como afirma Thomas S. Kuhn em A Estrutura das Revoluções Científicas,“o conhecimento

científico é cumulativo, vai construindo sobre prévias marcas de nível para escalar novos picos”.

2. Ciência Espírita

Desenvolvida, a ciência espírita, nada mais fez que formular, tirar do nevoeiro ideias já existentes

em seu foro íntimo; daí por diante o futuro se apresenta com objetivo claro, preciso, perfeitamente

definido; já não marcha ao sabor das ondas: vê o seu caminho. Não é mais esse futuro de

felicidade ou de desgraça que a razão não podia compreender e que, por isso mesmo, o repelia; é

um futuro racional, consequência das próprias Leis da Natureza, capaz de suportar o exame mais

severo.309

Se pudéssemos caracterizar em linhas gerais como se desenvolve o método científico, seria possível,

embora seja insuficiente, resumir assim: classificar, registrar e interpretar os fatos à luz da observação racional. Allan Kardec não apenas realizava esses procedimentos em suas análises como também estava

absolutamente convencido de que a ciência materialista precisaria avançar para compreender plenamente

uma nova ordem de fenômenos que a Doutrina Espírita apresentava.

308

XAVIER, Francisco Cândido. No mundo maior. Pelo Espírito André Luiz. 24. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 9. 309

KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). Brasília: FEB, 2014. Cap. 7, p. 61.

Objetivo

Ideias principais

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Para muita gente, a oposição das corporações científicas é, senão uma prova, pelo menos

uma forte presunção contrária. Não somos daqueles que protestam contra os

pesquisadores, pois não queremos que digam que escoiceamos; temo-los, ao contrário,

em grande estima e ficaríamos muito honrados de nos contar entre eles; porém a opinião

deles não poderia representar um julgamento irrevogável em todas as circunstâncias.

Caso a Ciência saia da observação material dos fatos, quando se trata de apreciar e

explicar estes fatos, o campo fica aberto às conjecturas; cada um apresenta seu

sistemazinho que deseja fazer prevalecer e sustenta obstinadamente. Não vemos todos os

dias as opiniões mais divergentes alternadamente preconizadas e rejeitadas? Ora repelidas

como erros absurdos, depois proclamadas como verdades incontestáveis? Os fatos, eis o

verdadeiro critério de nossos julgamentos, o argumento sem-réplica; na ausência de fatos,

a dúvida é a opinião do homem sensato.310

O tempo deu razão à Kardec e é o que veremos a seguir.

3. Principais estudiosos e cientistas dos fatos espíritas

Superando o ceticismo, muitos estudiosos e cientistas investigaram os fatos espíritas, contribuindo

para a elucidação de questões que antes não eram analisadas com a devida seriedade e espírito crítico. Resta

ainda advertir que em razão do limitado espaço disponível, não foi possível apresentar uma gama maior de

estudiosos e cientistas, assim como detalhar com mais profundidade suas conclusões. Entretanto, este

panorama geral visa apresentar o essencial, desde já convidando ao amigo leitor a uma pesquisa mais

analítica:

Alexander Aksakof (1832–1903) — professor e pesquisador da Academia de Leipizig, além de

ser diplomata e doutor em Filosofia, destacou-se na análise dos fenômenos espíritas durante o

século XIX, realizando diversas pesquisas com alguns dos mais conhecidos sensitivos da época.

Suas investigações resultaram na elaboração de dois livros: Um Caso de Desmaterialização, e

Animismo e Espiritismo.

Alfred Russel Wallace (1823–1913) — conceituado naturalista inglês, geógrafo, antropólogo e

biólogo evolucionista, colaborador direto de Charles Darwin. No ano de 1865, Wallace

pesquisou os fenômenos das mesas girantes, bastante frequente na Europa, e a mediunidade dos

senhores Marshall e Cuppy, entre outros. Diante das investigações realizadas, chegou à

conclusão de que as comunicações com os espíritos eram perfeitamente comprováveis pela

Ciência.

Arthur Conan Doyle (1859–1930) — tornou-se famoso graças aos contos e romances policiais

que escreveu, particularmente um em especial, o detetive Sherlock Holmes, e seu inseparável

companheiro, o médico dr. Watson. O estilo direto da narrativa e a vivacidade dos diálogos

estimulou o desenvolvimento da criminologia, pregando o uso de métodos científicos na

pesquisa policial. Após a Primeira Guerra Mundial e suas trágicas consequências, Conan Doyle

tornou-se espírita. Rapidamente destacou-se como um lúcido escritor espírita, revelando uma

notável compreensão acerca da Doutrina Espírita como ciência, filosofia e religião. É de sua

autoria a obra História do Espiritismo, elogiada na época de sua publicação pela revista inglesa

Light, que destacou o equilíbrio e a imparcialidade com que o assunto foi abordado. Conan

Doyle ainda teria a oportunidade de escrever um livro intitulado A Nova Revelação, em que

descreve com riqueza de detalhes como se deu a sua adesão à Doutrina Espírita.

Camille Flammarion (1842–1925) — além de astrônomo, filósofo e investigador, Flammarion

também foi um respeitado autor espírita. Mas antes disso, desde muito jovem, ficou conhecido

no mundo das letras com a obra A Pluralidade dos Mundos Habitados, que escreveu aos 19

anos. Em 1869, foi convidado para homenagear Allan Kardec, em função de sua desencarnação,

310

______. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Introdução ao estudo da doutrina espírita, it. VII, p. 35 e 36.

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na Sociedade Espírita de Paris. Seu importante discurso, em que chega a afirmar que Kardec era

o bom senso encarnado, foi publicado em diversos livros, inclusive em Obras Póstumas. As

obras de Flammarion foram traduzidas para vários idiomas e muitos artigos seus foram

publicados na Revista Espírita. Em 28 de janeiro de 1887 criou a Sociedade Astronômica da

França, com o objetivo de “difundir as Ciências do Universo e fazer os amadores participarem

do seu progresso”, projeto que continua vigente até os dias atuais. D. Pedro II é um dos

primeiros membros fundadores (no 85) dessa sociedade, bem como o “pai da Aviação” e

astrônomo amador, Alberto Santos Dumont. A sua contribuição para a Doutrina Espírita veio por

meio das seguintes obras: As Casas Mal-assombradas, O Desconhecido e os Fenômenos

Psíquicos — v. 1 e 2, Deus na Natureza, Estela, O Fim do Mundo, A Morte e o seu Mistério —

v. 1, 2 e 3, Narrações do Infinito e Urânia.

Charles Richet (1850–1935) — médico e fisiologista francês com prestígio internacional, tendo

conquistado, em 1913, o Prêmio Nobel de Medicina. Analisou com profundidade os fatos

espíritas, sobretudo a obsessão. Suas pesquisas com pacientes portadores de distúrbios mentais

colaboraram também para a elaboração de sua importante obra intitulada Tratado de

Metapsíquica.

A escola metapsíquica, no começo do século XX, teve repercussões inevitáveis no movimento

espírita, já prestígio do nome de Richet nos meios científicos, já pelas atividades do Instituto

Metapsíquico da França. [...] Mas o fato de haver Metapsíquica se imposto ao respeito pela sua

preocupação científica, não abalou as posições espíritas, não trouxe nenhum elemento capaz de

modificar os conceitos fundamentais do Espiritismo.311

Cesare Lombroso (1835–1909) — médico e cientista italiano, contribuiu de maneira decisiva

para o avanço dos campos da antropologia, da sociologia e da psicologia criminais. Considerado

o pai da moderna criminalística, elaborou a relevante obra intitulada: Hipnotismo e Mediunidade,

amplo estudo de comprovação dos fatos espíritas por meio da mediunidade de Eusapia Palladino.

Inúmeros fenômenos físicos foram produzidos por meio dessa famosa médium: movimento de

objetos, levitação de mesas e dela própria; aparição de luzes, materializações, execução de

trechos musicais sem contato humano, por meio de vários instrumentos etc. Diante de tantas

evidências, Lombroso se declarou “convencido e entristecido por haver combatido tantas vezes a

possibilidade dos fenômenos espíritas”.

Ernesto Bozzano (1862–1943) — professor de filosofia científica da Universidade de Turim,

estudou a metapsíquica e os fatos espíritas por meio das obras de Allan Kardec, Léon Denis,

Gabriel Delanne, William Crookes e outros. A consequência de seus estudos, experiências e

investigações, estão na extensa obra que publicou, dentre as quais, serão mencionadas algumas

que alcançaram destaque:

Hipótese Espírita e Teoria Científica — 1903 A Crise da Morte — 1930–52 Xenoglossia — 1933 Os Mortos Voltam — 1947 A Psique Domina a Matéria — 1948 Pensamento e Vontade — 1967 Os Fenômenos de Transfiguração — 1967

Frederic W. H. Myers (1843–1901) — professor de cultura clássica da Universidade de

Cambridge, na Inglaterra, fundou nesta instituição a Sociedade de Pesquisas Psíquicas com o

objetivo de investigar os fatos espíritas, na época denominados como telepatia, hipnotismo, assombrações e alucinações. Com o auxílio de inúmeros médiuns, realizou pesquisas

311

AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. (Compilação de Celso Martins). 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 36 – A Doutrina Espírita e as mudanças históricas, it. III – Movimentos de opinião.

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importantes que foram publicadas na Sociedade Psíquica e que deram origem também a duas

obras: A Personalidade Humana e Os Fantasmas Vivem. O autor defendia a tese de que se o

mundo espiritual em algum momento se manifestasse aos seres humanos era imprescindível

realizar uma investigação séria para descobrir sinais inequívocos e reveladores dessa

manifestação.

Gabriel Delanne (1857–1926) — Dedicou-se desde cedo à pesquisa experimental dos fatos

presenciados dentro da sua própria casa. Sua mãe, portadora de mediunidade ostensiva,

colaborou nas obras de Kardec por meio de suas comunicações que traziam informações

relevantes e confiáveis. Seu pai, por sua vez, foi um dos fundadores da Liga Parisiense de Ensino

e grande amigo de Kardec, fazendo parte, inclusive, da direção da Sociedade Espírita de Paris,

fundada por ambos. Gabriel Delanne se tornou um defensor incansável do Espiritismo. Em 1883,

fundou a revista O Espiritismo, graças à generosidade de Elisabeth d’Esperance, que lhe doou o

dinheiro para as despesas. Passou então a realizar experiências com grandes médiuns. Em 1904,

juntamente com Charles Richet e outros estudiosos, presenciou os fenômenos de materialização

de Vila Carmem, em Argel. A produção literária de Delanne sempre se apoiou em fatos

investigados e confirmados por ele mesmo. Dedicou-se de maneira especial ao trabalho de

demonstrar que o Espiritismo está assentado em bases científica. Nessa tarefa, teve a ocasião de

afirmar:

“A luta é inflamada e provavelmente será longa, uma vez que os prejuízos religiosos e científicos

se mostram obstinados. Insensivelmente, porém, a evidência acaba impondo-se. Temos agora a

convicção de que a certeza da imortalidade se tornar uma verdade científica, cujas consequências

benfazejas, fazendo-se sentir no mundo inteiro, mudarão os destinos da Humanidade.312

Jean Meyer (1855–1931) — escritor, cientista e filósofo suíço, foi uma das mais destacadas

figuras espíritas no início do século XX. Ao se convencer da realidade que a Doutrina Espírita

apresentava, após ter lido as obras de Allan Kardec e Léon Denis, dedicou-se de corpo e alma à

grandiosa tarefa de divulgação dos ensinamentos dos espíritos. Em Paris, fundou o Instituto

Internacional de Metapsíquica, sendo considerado pelo governo francês um instituto de utilidade

pública, em função de seus relevantes trabalhos. Apesar de ter se dedicado com afinco ao estudo

dos aspectos filosófico e científico da Doutrina Espírita, amparou financeiramente várias

instituições assistenciais, dentre elas uma obra erguida em Lyon, pelas senhoras Stephen e Dayt.

Oliver Joseph Lodge (1851–1940) — físico e escritor inglês prestigiado por seus trabalhos

relacionados à telegrafia, ao éter, aos relâmpagos e à eletricidade. Além disso, este cientista

notabilizou-se pelos estudos sobre a vida para além da matéria e as manifestações dos espíritos e

as comunicações com os encarnados. No livro Raymond, a Vida e a Morte, aborda com fatos

comprobatórios a sobrevivência de seu filho, Raymond, que havia desencarnado na Primeira

Guerra Mundial (1914–1918). Suas pesquisas deram origem também a outras obras

fundamentais, tais como:

Sobrevivência do Homem — 1909

Vida e Matéria — 1912

Porque creio na Imortalidade da Alma — 1928

A Realidade do Mundo Espiritual — 1930

Convicção da Sobrevivência — 1930

Thomas Pallister Barkas (1851–1940) — membro da Sociedade de Geologia de Newcastle,

durante oito anos estudou os fatos espíritas antes de pronunciar-se sobre a sua autenticidade. O

que o fez ficar mais convencido foram as experiências feitas com uma célebre médium, Elisabeth

d’Esperance. Aliás, Madame d’Esperance, como também era conhecida, foi médium de grande

projeção, tendo sido instrumento para as pesquisas de muitos outros estudiosos. Mas foi por

312

Disponível em: http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/06/Gabriel-Delanne.pdf

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intermédio de T. P. Barkas que a médium apareceu em público pela primeira vez. Nessa época a

médium era praticamente uma adolescente, cuja educação formal era mediana. Entretanto,

quando em transe mediúnico, demonstrava bastante discernimento das coisas, revelando um grau

elevado de sabedoria, muito acima do padrão geral. Em sua investigação, Barkas elaborava

extensas listas de perguntas, abrangendo vários aspectos da Ciência. As respostas eram obtidas

com incrível rapidez, e geralmente em inglês, seu idioma; porém, algumas vezes escrevia em

alemão ou em latim, idiomas que a médium não tinha familiaridade.

A médium é autora do livro intitulado No País das Sombras, através do qual relata seus dons

mediúnicos. Diz ela que, em sua infância, brincava com Espíritos de crianças, como se estes

fossem crianças reais. Mais tarde lhe foi acrescentada a faculdade de materialização, pois ela

fornecia, em abundância, o fluido chamado “ectoplasma”, que serve para a produção desse

fenômeno. Seu guia espiritual era uma bela moça árabe, que dava o nome de Yolanda. Esse

Espírito se materializava constantemente, dada a perfeita afinidade que tinha com a médium.

Elisabeth d’Espérance desencarnou em 1918.313

William Crookes (1832–1919) — químico e físico inglês, desvendou o elemento químico Tálio,

além de ter sido o criador do radiômetro. Desenvolveu pesquisas importantes no campo da

espectrometria e estudou, por cerca de 5 anos, a materialização dos espíritos. Essas pesquisas

resultaram na elaboração do livro Fatos Espíritas, em que ele conclui que os fenômenos

mediúnicos de materialização não podiam ser explicados como prestidigitação.314

A partir do

respaldo das pesquisas de Crookes, muitos outros cientistas passaram a confirmar a veracidade

da comunicação com os espíritos.

Os diversos fenômenos que venho atestar são tão extraordinários e tão inteiramente opostos aos

mais enraizados pontos do credo científico [...] que mesmo agora, recordando-me dos detalhes de

que fui testemunha, há antagonismo em meu espírito entre minha razão, que diz ser isso

cientificamente impossível, e o testemunho de meus sentidos da vista e do tato, testemunho

corroborado pelos sentidos de todas as pessoas presentes [...].315

313

GODOY, Paulo A.; LUCENA, Antonio de S. Personagens do espiritismo. 1. ed. São Paulo: FEESP, 1982. In: Elizabeth d’Esperance, p. 68. 314

Prestidigitação: técnica ou habilidade de iludir com a ajuda das mãos. 315

CROOKES, William. Fatos espíritas. Trad. Oscar D’Argonnel. 10. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Fenômenos espíritas observados por William Crookes.

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118

HISTÓRIA DO ESPIRITISMO NO BRASIL

"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução, mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por escrito da Instituição."

GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO VI

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119

CAPÍTULO 17

A DOUTRINA ESPÍRITA NO BRASIL

[...] O Brasil é realmente, por decreto divino, o país escolhido para ser o Grande Evangelizador do planeta e esta Sublime Oficina é a feliz depositária deste legado crístico. [...]316

Relacionar a missão espiritual do Brasil com os fatos mais relevantes acerca

do advento e a propagação da Doutrina Espírita no Brasil.

1. A missão espiritual do Brasil

Para que o corpo humano esteja em plena harmonia, cada órgão tem uma tarefa específica a realizar.

Do mesmo modo, na Terra, cada cultura tem uma missão a cumprir. A missão do Brasil não é a do

desenvolvimento material, perceptível com mais clareza, mas a da educação espiritual, elemento

imprescindível para a regeneração da Humanidade.

Neste instante você deve estar se perguntado: E a violência e a corrupção? E o tão conhecido jeitinho

brasileiro? Como um país com essas características pode ter uma missão tão grandiosa no planeta?

Neste momento de crise em que o Brasil está atravessando, é comum que prevaleça a perplexidade e

a desesperança, redundando até mesmo em extremismos de toda ordem.

Essa postura, porém, é a mais correta? Para a Doutrina Espírita, não!

Ao afirmar que quando um mal existe, não se cura sem crise, Allan Kardec demonstra que a crise é o

alerta necessário para que a urgente renovação se estabeleça. Em um mundo pautado pelo materialismo e por

um racionalismo desprovido de sensibilidade, cabe ao Brasil a missão da solidariedade e do acolhimento, da

tolerância e do respeito às diferenças. Apesar de ainda imperfeita, a trajetória histórica do Brasil é marcada

por esses aspectos essenciais.

Evidentemente, isso não quer dizer que em nosso processo evolutivo como nação não tenhamos que

nos inspirar em valores que em outros países já se encontram em processo mais avançado. O que não se pode

esquecer é a missão do Brasil como uma nova luz a irradiar em todos os campos da atividade humana:

O Brasil tem a missão de cristianizar. É a Terra da Promissão. A Terra de todos. A Terra da

fraternidade. A Terra de Jesus. A Terra do Evangelho…Na Era Nova e próxima, abrigará um povo

diferente pelos costumes cristãos. Cumpre ao que ouve os arautos do Espaço, que convocam os

homens de boa vontade para o preparo da Nova Era, reconhecer em Jesus o chefe espiritual. Com

o Evangelho explicado à luz do Espiritismo, a moral de Jesus, semeada pelos jesuítas e alimentada

pelos católicos, atingirá a sua finalidade, que é rejuvenescer os homens velhos, que aqui nascerão

ou para aqui virão de todos os pontos do Globo, cansados de lutas fratricidas e sedentos de

confraternidade. A missão dos espíritas no Brasil é divulgar o Evangelho em Espírito e Verdade.

Os que quiserem cumprir o dever, a que se obrigaram antes de nascer, deverão, pois, reunir-se

debaixo deste pálio trinitário: Deus, Cristo e Caridade.317

,318

316

SANT’ANNA, Hernani T. Correio entre dois mundos. Diversos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1990. 317

Pálio trinitário: pálio significa manto; trinitário provém de trindade, grupo de três pessoas ou coisas semelhantes. 318

Mensagem de Ismael, mentor espiritual do Brasil, ao Grupo Confúcio, da Federação Espírita Brasileira, em 1873.

Objetivo

Ideias principais

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No livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo Espírito Humberto de

Campos, temos a seguinte informação a respeito do Grupo Confúcio:

[...] Por esse grupo passaram, na época, todos os simpatizantes da Doutrina e, se efêmera foi a sua

existência como sociedade organizada, memoráveis foram os seus trabalhos, aos quais compareceu

pessoalmente o próprio Ismael, pela primeira vez, esclarecendo os grandes objetivos da sua

elevada missão no País do Cruzeiro.319

Para se compreender a missão espiritual do Brasil e o seu papel na evolução da Humanidade no

porvir, faz-se necessário situar o avanço da Doutrina Espírita na Pátria do Evangelho.

2. A influência da cultura francesa

Em decorrência da invasão militar francesa não restava outra alternativa para o governo português:

ou fugia do mais poderoso exército do mundo à época ou estaria fadado a sofrer uma derrota inevitável.320

Não restando alternativa, no dia 22 de janeiro de 1808, a família real portuguesa chegou ao Brasil, sua

principal colônia, tornando-a, assim, a nova sede da monarquia lusitana. A antiga colônia transformara-se

agora em sede da metrópole.

A 22 de janeiro de 1808, aporta na Bahia a maior parte das embarcações que constituíam a frota

real. O povo baiano recebe o príncipe regente e sua comitiva com as mais carinhosas

demonstrações de amizade. Clarins e bandeiras anunciam, sob um sol quente e amigo, a presença

da família real nas terras do Cruzeiro. A cidade de Salvador julga-se de novo nos seus grandes

dias, contando com a honra de ser outra vez a capital da colônia, mas os navios descem ao longo

da costa para o Rio de Janeiro.321

Já instalados na nova sede, a corte portuguesa reestruturou toda a máquina administrativa, afinal, era

a partir dali que seriam expedidas as ordens que deveriam chegar a todos os locais em que vigorava a

dominação portuguesa.

A partir da abertura dos portos, em 1808,322

e o tratado de 1810323

o Rio de Janeiro abriu as portas

para a chegada e envio de produtos:

Ainda na Bahia, graças às suas relações com o conde de Aguiar, ministro de D. João VI, José da

Silva Lisboa, mais tarde visconde de Cairu, consegue do soberano a abertura de todos os portos da

colônia ao comércio universal. E note-se que semelhante providência, a base primordial da

autonomia brasileira, teve seus ascendentes indiscutivelmente, na atuação das forças espirituais

que presidiam aos movimentos iniciais da emancipação, porque, na convenção secreta de Londres,

em 22 de outubro de 1807, um dos pontos essenciais que deveriam ser observados, em troca da

proteção de George III à Casa de Bragança, no sentido de sua fuga para a colônia distante, era o da

abertura dos portos do Brasil à livre concorrência da Inglaterra, reservando-se tal direito somente

aos interesses britânicos. O soberano e seus ministros conheciam essas estipulações [...] mas, com

o auxílio das influências salutares do plano invisível, reconsideraram a tempo o absurdo de

semelhantes exigências e cuidaram de realizar as primeiras aspirações dos patriotas brasileiros.324

319

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 23 — A obra de Ismael, p. 143. 320

A propósito, mesmo a Espanha não tendo ligação com este contexto, também foi invadida e tomada pelas tropas francesas. Como na época para chegar a Portugal era necessário antes passar pela Espanha, os franceses encontraram o ensejo e estabeleceram domínio sobre esses dois países. 321

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 16 — D João VI, p. 102. 322

Abertura dos Portos (1808): o Decreto assinado pelo príncipe regente D. João VI,em 28 de janeiro de 1808, abria os portos brasileiros às nações amigas. Na prática, isso significou o rompimento com o Pacto Colonial que garantia exclusividade aos comerciantes portugueses nas transações dos produtos oriundos da colônia. 323

Tratado de 1810: esse acordo confirmou a liberação dos portos brasileiros para as demais nações do mundo, simbolizando a vitória do liberalismo econômico. 324

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 16 – D. João VI, p. 102 e 103.

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Com a abertura dos portos para as nações estrangeiras, chegaram da Inglaterra metais e gêneros

alimentícios; da Holanda, cerveja, vidros e linho; da Rússia e da Suécia, utensílios de ferro, cobre, couro e

alcatrão; e da França, artigos de luxo, móveis e gravuras, mas não apenas isso...

Com os franceses chegava o desejo de montar o aparato laico em relação às artes e a intenção de

impor uma “nova cultura artística”. Não que não existissem na colônia artistas e aprendizes —

muito pelo contrário —, porém não havia até então ensino sistematizado. [...] Os artistas seriam

responsáveis, ainda, por várias obras urbanísticas e grande monumentos, bem como criariam

arquiteturas efêmeras, onde se exibiam comemorações públicas associadas ao Estado.325

A influência francesa na cultura era cada vez maior, principalmente a partir da queda de Napoleão

em 1815. Multiplicaram-se cursos, aulas particulares na língua francesa, e uma oferta considerável de obras

literárias.

Radicados ou não entre nós, e principalmente entre o Primeiro e o Segundo Reinado, os franceses

não se dedicaram apenas ao comércio de produtos de consumo de luxo, mas tiveram grande

participação no desenvolvimento das letras. A eles ficamos devendo não apenas a circulação de

livros e jornais em francês, mas as primeiras livrarias e bons encadernadores. Os livros eram

alugados ou comprados, encadernados e, depois, longa-mente discutidos.326

O teatro francês se fez presente também a partir da década de 1840, incorporando ao cotidiano da

elite inúmeras opções culturais. Mas o que de fato agitou o círculo intelectual da corte do Rio de Janeiro da

segunda metade do século XIX, foram os fenômenos ditos “sobrenaturais”, ou, as “soluções” transcendentais

constituídas a partir de bases filosóficas e científicas.

Retomaremos este assunto mais adiante. Antes, porém, merece consideração o papel valioso da

homeopatia como precursora de concepções que mais tarde viriam a ser desenvolvidas pela Doutrina

Espírita.

3. A introdução da Homeopatia no Brasil

As primeiras experiências espiritistas, na Pátria do Evangelho, começaram pelo problema das

curas. Em 1818, já o Brasil possuía um grande círculo homeopático, sob a direção do mundo

invisível. O próprio José Bonifácio se correspondia com Friedrich Hahnemann. Nos tempos do

Segundo Reinado, os mentores invisíveis conseguem criar, na Bahia, no Pará e no Rio de Janeiro,

alguns grupos particulares, que projetavam enormes claridades no movimento neoespiritualista do

continente, talvez o primeiro da América do Sul.327

Interessante notar que Humberto de Campos informa que Homeopatia foi a precursora da Doutrina

Espírita no Brasil, antes mesmo das primeiras reuniões espíritas ocorridas no Rio de Janeiro, por volta de

1853. Sendo considerada por muitos de seus entusiastas uma nova ciência capaz de substituir a medicina

tradicional, a Homeopatia alcançou repercussão mundial no início do século XIX. Essa rápida propagação

contribuiu para a sua introdução e prática no Brasil a partir de 1818, mediante os esforços de Antônio

Ferreira França.

A consolidação da Homeopatia no Brasil ocorreu de maneira progressiva, embora tenha enfrentado

enormes desafios.

Por volta de 1840, ao influxo das falanges de Ismael, chegavam dois médicos humanitários ao

Brasil. Eram Bento Mure e Vicente Martins, que fariam da Medicina homeopática verdadeiro

apostolado. [...] Introduziram vários serviços de beneficência no Brasil e traziam por lema, dentro

da sua maravilhosa intuição, a mesma inscrição divina da bandeira de Ismael — “Deus, Cristo e

Caridade”. Indescritível foi o devotamento de ambos à coletividade brasileira, à qual se haviam

incorporado, sob os altos desígnios do mundo espiritual.328

325

SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap. 7, p. 192. 326

DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 61. 327

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 22 — Bezerra de Menezes, p. 136. 328

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 23 — A obra de Ismael.

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O francês Benoît Jules Mure (1809–1858), considerado um dos mais destacados incentivadores da

Homeopatia no Brasil, desembarcou no Rio de Janeiro em novembro de 1840.

Três anos depois, em 1843, juntamente com o Dr. Vicente José Lisboa já haviam criado o Instituto-

Escola Homeopático no Rio de Janeiro. Em dezembro do mesmo ano fundaram o Instituto Homeopático do

Brasil, com o objetivo de propagar a Homeopatia nos setores mais pobres da sociedade.

Bento Mure, como era chamado no Brasil, era movido pelo propósito de alcançar no Brasil o mesmo

prestígio que a Homeopatia havia adquirido no Exterior. Em vista disso, divulgou amplamente a nova ciência

para em seguida criar uma escola de formação de médicos homeopatas,de acordo com os princípios de

Hahnemann.

Nesta boa terra de todos os santos, surgiria, num dia de 1847, vindo do Rio de Janeiro, o Dr. João

Vicente Martins, o maior propagandista da homeopatia no Brasil oitocentista. A 14 de outubro, em

companhia do Dr. Pereira Mesquita e outros médicos, ele instalava em Salvador a Sociedade

Homeopática Baiana. No dia seguinte, no Correio Mercantil, num artigo provocativo, o Dr.

Martins atacava rudemente a alopatia.329

Como já mencionado anteriormente, a Homeopatia praticada no Brasil do século XIX estava voltada

especialmente para o atendimento das camadas mais populares da sociedade imperial. Em grande medida,

isso é uma consequência do monopólio que os médicos alopatas desfrutavam no exercício da profissão,

impedindo que a atuação dos homeopatas se estendesse a todas as classes sociais. Ambicionando conservar

sua hegemonia, o corpo institucional dos médicos tradicionais, frequentemente, colocava em descrédito a

prática homeopática, objetivando, ao fim e ao cabo, mantê-la na ilegalidade.

Apesar de todas as pressões, a Homeopatia finalmente foi legalizada pelo imperador D. Pedro II em

1846.

Pela imprensa, durante o final de 1846 e início do ano seguinte, desencadeou-se uma assanhada

troca de ataques e contra-ataques entre alopatas e homeopatas. O episódio teve uma espécie de

grandfinale com a publicação do romance Gabriela envenenada ou a providência, no qual o Dr.

João Vicente Martins esmiuçava o caso, demonstrando a inconsistência dos ataques à

homeopatia.330

De acordo com Bento Mure, a Homeopatia representa uma revolução em termos do conhecimento

que se tinha até então em Medicina. Para ele, a Homeopatia é parte do todo e age sobre a complexidade dos

organismos, introduzindo uma abordagem holística dos seres e do mundo.

[...] Foram eles, os médicos homeopatas, que iniciaram aqui os passes magnéticos, como imediato

auxílio das curas. Hahnemann conhecia a fonte infinita de recursos do magnetismo espiritual e

recomendava esses processos psicoterápicos aos seus segui-dores.331

O conceito estabelecido por Hahnemann de princípio vital, presente em sua obra Organon da Arte de

Curar, é também abordado por Allan Kardec em A Gênese. O codificador afirma que o principal vital...

[...] dá origem à vida dos seres, perpetuando-a em cada mundo conforme a sua condição, princípio

em estado latente que dorme lá onde a voz de um ser não o chama. Cada criatura mineral, vegetal,

animal ou qualquer outra — uma vez que existem muitos outros reinos naturais, de cuja existência

sequer suspeitamos — sabe, em virtude desse princípio vital universal, adequar as condições de

sua existência e de sua duração.332

Com relação a este conceito, Emmanuel também ressalta:

[...] O princípio vital é o agente entre o corpo espiritual, fonte da energia e da vontade, e a matéria

passiva, inerente às faculdades superiores do Espírito, que o adapta segundo as forças cósmicas

329

MACHADO, Ubiratan Paulo. Os intelectuais e o espiritismo. 2. ed. Niterói: Publicações Lachâtre, 1996. Cap. 3, p. 67. 330

______. ______. 331

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 23 — A obra de Ismael, p. 142. 332

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. VI, it. 18.

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123

que constituem as leis físicas de cada plano de existência, proporcionando essa adaptação às suas

necessidades intrínsecas.333

Este é um dos exemplos da convergência existente entre a Homeopatia e a Doutrina Espírita. Caso

queira se aprofundar mais neste relevante tema, a sugestão é a leitura do livro: Hahnemann, o Apóstolo da

Medicina Espiritual, de Hermínio C. Miranda.

4. A difusão do magnetismo no Brasil

Embora já no século XV se falasse em “simpatia magnética”, foi somente nos séculos seguintes,

principalmente com Van Helmont e Mesmer, que se tornou mais generalizado o interesse a

respeito do magnetismo. Van Helmont, no século XVII, foi quem primeiro utilizou a expressão

“magnetismo animal”, e Mesmer teve tão destacada influência sobre o magnetismo que muitas

vezes se confundem os termos magnetismo e mesmerismo, embora o mesmerismo seja na

realidade o conjunto das ideias de Mesmer sobre o magnetismo e não o magnetismo propriamente

dito.334

Por meio dos imigrantes franceses, o magnetismo não tardou a chegar ao Brasil. No final da década

de 1840, muitos adeptos dessa nova atividade poderiam ser encontrados nas classes favorecidas da Corte.

Com a rápida popularidade, logo a imprensa carioca iria destacar em suas páginas matérias sobre o

magnetismo animal. A primeira menção ocorreu em dezembro de 1852. Nos anos seguintes, inúmeras

matérias, cartas e anúncios foram divulgados com regularidade nos três principais periódicos do Rio de

Janeiro: o Jornal do Commercio, o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro.

A seguir será possível ter uma noção mais apurada de como o magnetismo passou a figurar no

cotidiano carioca em meio as páginas de jornais.

Jornal do Commercio, 5 de dezembro de 1852:

“Temos por várias vezes assistido às sessões de magnetismo com que Dr. Albuquerque de Oliveira

tem obsequiado os seus amigos, e onde se tem achado muitas pessoas distintas, e das mais notáveis

da sociedade. Os fenômenos que sempre temos observado, operados pela influência magnética, são

realmente admiráveis e dignos dos mais sérios estudos; porém o que mais nos tem extasiado são

alguns pontos de lucidez que o sonâmbulo apresenta, em que descobre as coisas mais ocultas,

principalmente no exame das enfermidades, em que o sonâmbulo se tem tornado notável, e de que

o Dr. Albuquerque já tem colhido belos resultados [...] “Assinado por “W.”

Diário do Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1852:

“[...] Quem não sabe por aí que o Dr. Magalhães (hoje em Nápoles) foi o primeiro que aqui

praticou o magnetismo em maior escala, e que dessa prática ainda existem curas, para lhe servirem

de prova? Quem não sabe que o falecido Dr. Gamard praticou aqui o magnetismo, e até teve uma

espécie de Casa de Saúde? E além destes tantos outros senhores que têm apresentado o

magnetismo e o têm exercido, médicos ou não. [...]” Autor da Carta: Jácomo Ulysses.

Correio Mercantil, 25 de dezembro de 1852:

“[...] O magnetismo está hoje muito propagado na Europa; por meio dele se tem feito maravilhosas

curas, graças àqueles grandes homens que não temendo o ridículo que a princípio acovardava os

que nele acreditavam, começaram a praticá-lo, a ensiná-lo e a escrever sobre ele essas obras de que

o Sr. Ulysses e talvez muito melhor gente não tenha ainda notícia, mas começa a ter depois que

nós temos procurado fazer curas e sessões magnéticas como meio de propagação. [...]” Seção

Correspondência – escrita por José Hilário Teixeira Coelho de Miranda.

Em 1860, os adeptos do magnetismo fundaram um jornal próprio intitulado Jesus e Mesmer. O nome

deste jornal evidencia a relação com o Cristianismo. Um ano depois foi criada a Sociedade de Propaganda do

333

XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 24 — O corpo espiritual, it. 24.4 — O santuário da memória. 334

GURGEL, Luiz Carlos de M. O Passe Espírita. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Pt. 2, cap. 1, p. 61.

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Magnetismo, além do Júri Magnético do Rio de Janeiro, responsáveis pela pesquisa e tratamento por meio do

magnetismo animal. Estas entidades foram autorizadas a funcionar desde que as práticas curativas fossem

conduzidas exclusivamente por médicos, o que contribuiu para a presença maciça de muitos doutores

vinculados à Escola de Medicina do Rio de Janeiro.

A difusão do magnetismo, logicamente, abria largas perspectivas ao espiritismo. Dos passes

magnéticos aos passes mediúnicos, o caminho era curto. Curto e convidativo. Era como um passo

a mais rumo ao mistério. Um passo sereno, pelo menos na Corte, já que a Igreja fluminense, ao

longo de toda a década de 60, não fazia qualquer pressão contra magnetizadores e espíritas.335

5. As mesas girantes no Brasil

Foi o Jornal do Commercio, o primeiro periódico a noticiar no Brasil a agitação provocada pelas

mesas girantes na Europa. Pelo valor histórico que o relato possui, convém reproduzir o depoimento do

médico de José da Gama e Castro acerca do enorme sucesso que as mesas girantes haviam alcançado na

Alemanha, como em praticamente toda a Europa:

Jornal do Commercio, 14 de junho de 1853. Exterior — Correspondência do Jornal do

Commercio:

Berlim, 30 de abril. Não há neste momento uma reunião na Alemanha na qual não se fale na nova

importação americana — themovingtable — e não se experimente mais de uma vez o fenômeno;

parecendo-me que a sua descrição poderá interessar os seus leitores, passo a referir o que vi.

Importa pouco a madeira de que a mesa deve ser feita, basta que seja de forma oval e pouco

pesada, para tornar rápida a execução da experiência. Sentadas cinco pessoas pelo menos à roda da

mesa, põem as mãos sobre ela e formam uma cadeia, colocando o dedo mínimo da mão esquerda

da pessoa que lhe fica à direita; não deve haver anéis nos dedos. A atenção e a vontade dos que

fazem a experiência devem estar concentrados no seu resultado, que se deve verificar entre 35 e 70

minutos de tempo. Começa a notar-se na mesa um movimento de ondulação que se transforma em

movimento de rotação assaz rápido. Descobriu-se uma nova variante menos penosa, por isso que o

fenômeno se produz em cinco minutos. Em vez de se formar a cadeia sobre uma mesa, forma-se

com três pessoas sobre as abas de um chapéu. Agora, quanto à maneira porque este fenômeno se

pode explicar, nada sei. [...]

A novidade vinda da Europa estimulava de tal modo a curiosidade dos leitores que não demorou

muito para que os principais jornais do Brasil abordassem este fenômeno com bastante frequência.

Informação confirmada pelo Diário de Pernambuco, cujo correspondente em Paris afirmava que

era impossível entrar num salão sem que se visse uma mesa redonda, e os presentes, dedos

mínimos entrelaçados, esperando em silêncio a mesa voltear. A febre bateu nos trópicos, e o

articulista de o Folhetim relatava que nada mais importava: nem a alta dos juros, nem a oposição

parlamentar ou a passagem de novos cantores estran-geiros.336

6. Consolidação da monarquia no Brasil (1841–1864)

No ano de 1841, foi coroado o jovem imperador.

Não obstante a sua condição de adolescente, D. Pedro II, assistido pelas numerosas legiões do

bem, que o rodeavam no plano invisível, tomava o cetro e a coroa consciente da responsabilidade

gravíssima que lhe pesava sobre os ombros.337

Uma das responsabilidades gravíssimas que D. Pedro II teve de assumir foi a pressão pelo fim do

tráfico negreiro. Entre 1839 e 1842, houve um aumento significativo das apreensões de navios negreiros. Em

1850, sobretudo por pressão da Inglaterra, a situação tornou-se insustentável. Os tempos eram outros, e a

complacência do Estado imperial com o tráfico de escravos era uma prática considerada retrógrada pelos

335

MACHADO, Ubiratan Paulo. Os Intelectuais e o Espiritismo. 2. ed. Niterói: Publicações Lachâtre, 1996. Cap. 3, p. 71. 336

DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 65 e 66. 337

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 24 — A Regência e o Segundo Império, p. 150.

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outros países. Para se ter uma dimensão do comprometimento do país com a escravidão, entre os anos de

1841 e 1850, dos africanos transportados como escravos para a América, cerca de 83% desembarcavam aqui

no Brasil.

Com o fim do tráfico de escravos, em 1850, houve a possibilidade de se investir na infra-estrutura do

país, com destaque para a construção das primeiras linhas telegráficas e de navegação, além das primeiras

estradas de ferro. No que diz respeito à educação, cresceu o número de escolas e de estabelecimentos de

instrução.

A partir de 1860, o governo passou a financiar a vinda de imigrantes europeus e orientais para o

Brasil. Duas razões explicam este incentivo: o encarecimento do tráfico interno de escravos, já que não era

mais possível exportá-los da África, e a ideia de realizar o “branqueamento da população”, movimento

político em sintonia com as teorias científicas da época.

Nesse período de relativa estabilidade financeira e política, a capital do Império — o Rio de Janeiro

— passou por profundas transformações urbanísticas. O propósito era transformar a capital do Império numa

espécie de espelho da sociedade parisiense, o que revela o quão predominante era a influência francesa neste

período. Em virtude disso, muitos palácios, jardins públicos e amplas avenidas foram erguidos.

Agora era a vez da mística Rua do Ouvidor, onde se abriam a cada dia novas lojas de modistas

franceses, floristas, joalheiros, cabeleireiros, charuteiros e até sorveteiros. Por oposição ao

reduzido movimento de outrora, surgiam os passeios à tarde, os chás nas cafeteiras elegantes, as

indumentárias requintadas com tecidos ingleses e modelos vindos de Paris. Não por acaso, a Rua

do Ouvidor transformava-se no símbolo dileto dessa nova urbanidade, segundo a qual se pretendia

viver nos trópicos como nos bulevares euro-peus.338

Estas conquistas chegavam a um ambiente restrito de uma elite acostumada a todo tipo de privilégio.

Nesse período, não havia em qualquer parte do mundo a concentração de negros escravos em área urbana

como no Rio de Janeiro, contingente semelhante apenas ao período no qual do Império Romano estava

prestes a ruir.

O projeto civilizatório do Império brasileiro esbarrava em permanências contraditórias ao sentido de

civilização que pretendia dar a nova nação. A dinâmica dos acontecimentos colaborou para que,

progressivamente, essa realidade fosse transformada. De fato, o país não era mais o mesmo.

A atuação de D. Pedro II no sentido de promover um novo modelo de cultura nacional contribuiu

para o projeto modernizador do Império, cuja essência era se contrapor ao atraso que a escravidão relegava

ao Brasil no cenário mundial.

7. Os tempos são chegados

Na década de 1860 intensificou-se no Brasil a presença de tipógrafos e livreiros, sendo a capital

carioca, o foco principal de atuação. A incorporação de novas tecnologias na navegação e a facilidade de

trocas comerciais, a partir da assinatura da convenção postal entre diversos países, dentre os quais o Brasil,

permitiu a diminuição dos custos de transporte entre os países. Este novo cenário comercial foi decisivo para

que, em 1844, chegasse ao Rio de Janeiro, Baptiste Louis Garnier, um dos mais importantes livreiros e

editores franceses.

Foi considerado por muitos estudiosos do livro como o mais importante editor do século XIX.

Luiz Edmundo, referiu-se a Livraria Garnier, palco diário de encontros entre diversos escritores e

literatos, como a “sublime porta” e a relacionava à admiração que havia quanto ao espírito francês:

“persistimos franceses, pelo espírito e, mais do que nunca, a diminuir por esnobismo tudo que seja

nosso. [...] Bom, só o que vem de fora. E ótimo, só o que vem da França”.339

A Editora Garnier, foi a primeira a publicar O Livro dos Espíritos no Brasil. A tradução para o

português da obra foi uma iniciativa de Fortúnio, pseudônimo usado por Joaquim Carlos Travassos. Foi

notório o sucesso da publicação, razão pela qual a Garnier publicou posteriormente: Como e Por que me

Tornei Espírita, O Livro dos Médiuns e O Céu e o Inferno. Entre os franceses radicados no Brasil, havia um grupo de leitores das obras de Allan Kardec e

adeptos da Doutrina Espírita.

338

SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap. 11, p. 277. 339

Disponível em: https://bndigital.bn.br/francebr/garnier.htm

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Deste grupo, destacou-se Casimir Lieutaud, amigo pessoal do proprietário da Editora Garnier.

Prestigiado pedagogo, Casimir comandou à época o renomado Colégio Francês. Com todo o prestígio

alcançado como educador, seria um enorme risco para a sua reputação publicar um livro sobre um tema

ainda tão controverso. Contudo, sua coragem moral prevaleceu e, em 1860, Casimir Lieutaud publicou o

primeiro livro de divulgação espírita impresso no Brasil. A sua obra foi intitulada: Os Tempos são Chegados.

Na revista Reformador de novembro de 1989, em ocasião do centenário da morte de Casimir

Lieutaud, Zêus Wantuil destaca um trecho da histórica e relevante obra:

Em [sic] quanto a mim, intimamente convencido da suma importância do Espiritismo, estimar-me-

ei feliz se me for dado poder, até o fim dos meus dias, contribuir, com minha pequena parte, para a

propaganda das grandes e confortantes verdades por ele ensinadas, nas quais seus adeptos bebem

tão doces consolações, em meio até das circunstâncias árduas desta vida transitória e quase sempre

tão tormentosa.340

Destacados na cultura e em sua maioria detentores de uma boa situação financeira, muitos franceses

mantinham contato com o palácio imperial e por extensão com a alta sociedade da época. Isso permitiu que a

ideia espírita se propagasse com maior fluidez. Allan Kardec compreendeu que algo de importante estava

acontecendo no Brasil e não deixou de fazer um comentário a este respeito na Revista Espírita de julho de

1864:

Constatamos com satisfação que a ideia espírita faz sensíveis progressos no Rio de Janeiro, onde

conta expressivo número de representantes, fervorosos e devotados. A pequena brochura O

Espiritismo na sua expressão mais simples, publicada em português, muito contribuiu para ali

espalhar os verdadeiros princípios da Doutrina.341

8. A Propagação da Doutrina Espírita no Brasil

Luiz Olympio Telles de Menezes - (1828 – 1893).

Iniciou no estado da Bahia em Salvador em 1865 com Luiz Olympio Telles de Menezes os primeiros

trabalhos mediúnicos registrados como a psicografia.

Professor, estenógrafo foi um dos maiores jornalistas do Brasil. Correspondia-se com Kardec, falava

várias línguas e fundou a 17 de setembro de 1865 o Grupo Familiar do Espiritismo às 20:30. Foi a primeira

agremiação doutrinária do Brasil. Um espírito denominado "Anjo Brasil" (associam a Ismael) deu uma

mensagem psicografada (primeira psicografia do Brasil). Mensagem essa que estimulou Telles a dar

continuidade a sua missão. Considerado como o pioneiro do Espiritismo no Brasil, teve uma missão árdua e

até espinhosa, lutando muito pela propagação do Espiritismo no Brasil.

Para melhor defender e propagar o Espiritismo, duramente atacado pelo clero e a imprensa de

Salvador, criou o primeiro jornal espírita do Brasil "Écho D' Além-Túmulo, em julho de 1869. Telles foi o

primeiro presidente da Associação Espírita Brasileira, entidade que visava ao "desenvolvimento moral e

intelectual do homem nas largas bases que cria a filosofia espirítica, e a exemplificação do sublime e

celestial preceito da caridade cristã".

Telles faleceu em extrema pobreza, na sua residência na rua Barão de São Félix, sendo sepultado no

Cemitério São Francisco Xavier a expensas de colegas e amigos.

340

WANTUIL, Zêus. Casimir Lieutaud: centenário de desencarnação. In: Reformador, ano 107, n. 1928, nov. 1989, p. 31(347) -35(351). 341

KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 7, n. 4, jul. 1864. Extrato do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro de 23 de setembro de 1863, it. Crônicas de Paris, p. 283. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2014.

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9. Combate a Doutrina Espírita pela imprensa

Desde os seus primórdios até os dias atuais, a mídia — ou no caso específico de nossa análise, a

imprensa —, cria no imaginário social a realidade que ela se propõe a descrever. Em teoria, os critérios de

objetividade e imparcialidade devem nortear a ação midiática. Entretanto, convém observar que a

espetacularização e a construção de estereótipos ganham maior destaque à medida que tudo aquilo que choca

ou atiça à curiosidade, retém mais rapidamente a atenção do público-alvo a ser alcançado.

Esta reflexão parece demasiadamente abstrata, mas julgamos necessária abordá-la, pois a seguir

serão apresentadas verdadeiras caricaturas da imprensa da corte a respeito dos fenômenos mediúnicos e mais

especificamente da própria Doutrina Espírita. Este resgate histórico parece-nos relevante para que se perceba

hoje o quão desafiador foi o surgimento e a consolidação do ideal espírita na Pátria do Evangelho.

Em março de 1864, a Revista Ilustrada, em tom sarcástico, beirando ao ridículo aos olhos de hoje,

anunciava:

NOVIDADE! NOVIDADE! A época é dos espectros e por isso arregalem os olhos [...] Três

franceses, amigos de Satanás, chegaram ultimamente do Inferno e trarão um carregamento de

espectros, fantasmas e aparições para embasbacar os entusiastas do maravilhoso.! O espiritismo já

não é uma mentira. Diabos azuis, anjos amarelos, bruxas encarnadas, duendes verdes, espectros

roxos, fantasmas negros e almas do outro mundo sem cor.

No editorial do Diário de Notícias de dezembro de 1870, nota-se, sendo bastante ponderado

em nosso juízo de valor, uma verdadeira aversão a nova Doutrina. A linguagem, ademais, revela o

desconhecimento fundamental acerca do que se buscou opinar:

O espiritismo consiste no poder de fazer comparecer espíritos, isto é, de fazer sair do pó

das catacumbas aqueles que nela foram depositados há longo tempo, isto a fim de virem

responder as questões que se lhes propõem. Se no magnetismo, e no sonambulismo,

achamos alguma cousa realmente existente, aqui nada se encontra que não seja pura

fantasmagoria; nada, absolutamente nada, existe de admissível em tão grosseiro

charlatanismo e faz pasmar que homens que campam de inteligentes se deixem levar

pelos espetáculos grosseiros de uma nigromancia digna de séculos afastados; será porque

à testa dos espiritistas se acha alguém que possa merecer-lhe importância e crédito?

Talvez.

A opinião hostil emitida no Jornal do Commercio, em 13 de dezembro de 1874, também

revela o quanto a Doutrina Espírita amedrontava as forças reacionárias daquele tempo:

Após desta coarctada em nome da moral, vem a propósito passar a um assunto grave e

tristonho: o da influência do Espiritismo, que vai-se generalizando de modo assustador. O

Espiritismo vem produzindo loucos. É uma epidemia mais perigosa do que febre amarela.

De tempos em tempos vem-nos a notícia de que mais uma vítima tombou no abismo. Uns

fetiches asiáticos e outros africanos exigiam sangue, Allan Kardec exige a razão.

Principiaram livreiros e ociosos propagando o veneno e esta natureza brasileira

exuberante de seiva e de curiosidade vai-se atirando ao tremedal com uma coragem que

faz tremer. [...]

Em 1875, chegaram ao Brasil a Revista Espírita, O Livro dos Espíritos, O Livro dos

Médiuns e O Céu e o Inferno, todos traduzidos para o português.A rápida expansão da Doutrina dos

Espíritos deixava os críticos claramente desconcertados. O jornal O Novo Mundo, em sua

publicação, de 23 de abril de 1875, não esconde a contrariedade ante a popularização das obras

ditadas pela Espiritualidade superior a Allan Kardec:

[...] Intuitivo é que quero falar do [...] Sr. B. L. Garnier, que, cedendo a instigações de

interessados, ou não pensando assaz no mal que com a sua condescendência poderia

fazer, tem dado à estampa os devaneios de Allan Kardec, famigerado apóstolo do

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Espiritismo e responsável por tantos e tão lamentáveis desarranjos mentais. Sabido é que na

natureza humana, sempre houve, e infelizmente ainda há, extraordinária propensão para o

maravilhoso, que tem o atrativo do fruto proibido, prometendo nos descortinar novos horizontes e

revelar mistérios insondáveis. Até agora os livros desses funestos videntes eram escritos em

idiomas estranhos e por isso inacessíveis à grande maioria da população, mas agora que estão

vertendo na língua vernácula, ninguém haverá que não deseje travar conhecimento com eles e

instruir-se nas novas e facínoras teorias que aí se propagam, visto como dando diversa

interpretação ao dogma da imortalidade da alma buscam restaurar a velha doutrina dos filósofos

indianos, conhecido por metempsicose.

Esta visão equivocada merece um exame mais aprofundado. Ora, ou este crítico agiu de má fé ou

simplesmente não conhecia aspectos elementares da Doutrina que, com tanto ardor buscou se contrapor neste

artigo. Seja como for, Allan Kardec é absolutamente claro ao demonstrar em O Livro dos Espíritos a

distinção entre a metempsicose e a reencarnação:

A metempsicose seria verdadeira, se se entendesse por esta palavra a progressão da alma de um

estado inferior a um estado superior, onde adquirisse desenvolvimentos que transformassem sua

natureza; mas ela é falsa, no sentido de transmigração direta do animal para o homem e

reciprocamente, o que implicaria a ideia de uma retrogradação ou de fusão; ora, como esta fusão

não pode dar-se entre os seres corporais das duas espécies, isto é um indício de que elas estão em

graus inassimiláveis e que deve acontecer o mesmo com os espíritos que as animam. Se o mesmo

espírito pudesse animá-las, alternadamente, haveria, por conseguinte, uma identidade de natureza

que se traduziria pela possibilidade da reprodução material. A reencarnação ensinada pelos

espíritos se funda, ao contrário, na marcha ascendente da Natureza e na progressão do homem,

dentro da sua própria espécie, o que nada lhe tira de sua dignidade. [...]342

10. Nada pode deter a marcha da Doutrina Espírita!

O homem não pode permanecer perpetuamente na ignorância, porque deve atingir o objetivo

estabelecido pela Providência: ele se esclarece pela força das coisas. As revoluções morais, como

as revoluções sociais, se infiltram, pouco a pouco, nas ideias; estas germinam durante séculos;

depois, de repente, irrompem e fazem desmoronar o edifício corroído do passado, que não está

mais em harmonia com as necessidades novas nem com as novas aspirações.343

A partir da década de 1870, a Doutrina Espírita chegou a todos os segmentos sociais. Apesar das

investidas dos detratores, era perceptível sua marcha ascendente, fincando bandeiras definitivas no Brasil.

Convidativa à experiência espírita era a própria casa urbana brasileira. A sala ampla e acolhedora

oferecia ambiência ideal para os contatos com o Além. Isso explica o caráter inicial doméstico,

familial, do espiritismo brasileiro, particularmente na Corte, onde durante o longo período da

década de 1860, ele sobreviveu graças a reuniões familiares.344

Em 23 de março de 1876, nasce então a Sociedade de Estudos Espírita Deus, Cristo e Caridade, sob a

direção de Bittencourt Sampaio, advogado, poeta, jornalista e político que abandonou a sua carreira de

destaque para se empenhar ao ideal espírita cristão. Dois anos depois, se junta a Bittencourt Sampaio o

eminente escritor e jornalista Antônio Luiz Sayão, aguerrido divulgador da Doutrina Espírita.

Em 1880, Augusto Elias da Silva, fotógrafo português radicado no Rio de Janeiro, funda e preside a

União dos Espíritas do Brasil. É inquestionável que Augusto Elias da Silva teve papel decisivo nesse

período, sendo, inclusive, considerado o pioneiro da Doutrina Espírita no Brasil.

Em 21 de janeiro de 1883, sob sua a direção é fundada a revista Reformador, órgão que além de

divulgar ideias, desde o início contribui para dar visibilidade ao movimento espírita ainda em seu

nascedouro.

342

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário à q. 613. 343

______. ______. Comentário de Kardec à q. 783 344

MACHADO, Ubiratan Paulo. Os Intelectuais e o Espiritismo. 2. ed. Niterói: Publicações Lachâtre, 1996. Cap. 5, p. 116.

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Em 15 de março de 1883, o Reformador informou que uma delegação da Sociedade Acadêmica

Deus, Cristo e Caridade acabava de retornar à corte, após uma viagem de propaganda e visita aos

Grupos Espíritas do Brasil. Percorrendo várias localidades do país, em todas elas os delegados

efetuaram conferências públicas muito concorridas e fundaram diversos grupos. Foi o primeiro

movimento espírita, neste sentido, que se fez no Brasil.345

Apesar desses esforços, muitas polêmicas entre os diversos grupos tornavam o processo de unificação uma

tarefa das mais complexas e desafiadoras. Foi neste contexto de rearticulação que em 27 de dezembro de 1883,

Augusto Elias da Silva promoveu uma reunião dos grupos espíritas até então existentes. Estes eram os grupos

participantes da reunião: o Grupo dos Humildes, a Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, o Centro da

União Espírita do Brasil e o Sociedade Espírita Fraternidade.

Dessa histórica e decisiva reunião foi oficializada a criação da Federação Espírita Brasileira, em 2 de

janeiro de 1884 A Federação Espírita Brasileira, fundada desde o ano-bom de 1884, por Elias da Silva, Manoel

Fernandes Figueira, Pinheiro Guedes e outros companheiros do ideal espiritualista, no Rio de

Janeiro, esperava, sob a proteção de Ismael, a época propícia para desempenhar a sua elevada

tarefa junto de todos os grupos do país, no sentido de federá-los, coordenando-lhes as atividades

dentro das mais sadias expressões da Doutrina.346

10. Perseguição à Doutrina Espírita no Rio de Janeiro (1890–1900)

Em 15 de novembro de 1884, exatamente cinco antes da Proclamação da República, a revista

Reformador publicou um duro artigo contrário a escravidão ainda existente no Brasil.

Eis, a seguir, alguns trechos do artigo de autoria de Sedóro:

A escravidão é perniciosa ao desenvolvimento do país; ele não medra, não se engrandece na

medida de suas forças e vastidão, como prova o mais superficial exame, o mais ligeiro confronto

com outros da mesma região; os quais, sem gozarem de igual paz e estabilidade de governo, se lhe

têm avantajado debaixo de muitos pontos de vista. [...] Em nome da justiça, da ciência e da

religião, pela igualdade, pela liberdade e pela fraternidade; seja abolida a escravidão!

Desde os anos 1860, houve o fortalecimento da campanha pela abolição da escravidão no Brasil.

Com o fim do tráfico de escravos, em 1850, a absurda permanência da escravidão no Brasil ganhou destaque

na opinião pública, despertando nas elites locais e governamentais verdadeiro assombro. Somente Cuba,

além do Brasil, matinha a escravidão nas Américas. A pressão internacional para o fim da escravidão crescia

e não era mais possível ficar indiferente.

Com o término da Guerra do Paraguai,347

a agitação em torno da Proclamação da República e da

abolição da escravidão voltaram a crescer. Em 28 de setembro de 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre

que libertava os escravos que nascessem após a data da promulgação desta lei. Ocorre que as mães escravas

não tinham a sua liberdade, o que na prática tornava a lei obsoleta, já que seus filhos tinham liberdade apenas

no papel. Evidentemente isso beneficiava os grandes proprietários.

Apesar disso, essa lei não deixou de ser relevante, sendo o prelúdio de uma nova era em que as

forças favoráveis a continuidade da escravidão já não tinha o poder de retardar o urgente avanço.

D. Pedro se reconfortava com essas doutrinações das massas, no seu liberalismo e na sua bondade

de filósofo. Desejaria antecipar-se ao movimento ideológico, decretando a liberdade plena de

todos os escravos, mas os terríveis exemplos da guerra civil que ensanguentara os Estados Unidos

da América do Norte durante longos anos, na campanha abolicionista, faziam-no recuar a luta das

multidões apaixonadas e delinquentes. Foi, pois, com especial agrado, que acompanhou a

deliberação de sua filha de sancionar, a 28 de setembro de 1871, a Lei do Ventre Livre, que

garantia no Brasil a extinção gradual do cativeiro, mediante processos pacíficos. Seu grande coração, no âmbito das suas impressões divinatórias, sentia que a abolição se faria nos

derradeiros anos do seu governo. [...]348

345

WEGUELIN, João Marcos. Memória Espírita. Papéis velhos e histórias de luz. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2005. Cap. 20, p. 122. 346

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 28 — A Federação Espírita Brasileira, p. 172. 347

A Guerra do Paraguai foi o maior conflito armado internacional ocorrido na América do Sul no século XIX. 348

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8.

imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 26 — O movimento abolicionista, p. 160 e 161.

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De fato, havia de ambos os lados — na campanha abolicionista e no governo imperial — o receio de

que ocorresse no Brasil uma guerra civil nos moldes dos Estados Unidos, e, mais alarmante ainda, uma

rebelião generalizada de escravos, a exemplo das revoltas deflagradas no Haiti. De todo modo, embora D.

Pedro se afirmasse contrário à escravidão, não houve de sua parte uma interferência tão decisiva no sentido

de apressar a abolição.

Na década de 1880, a monarquia estava cercada por desafios complexos, de difícil solução. Os focos

de oposição ao Império eram os abolicionistas, os republicanos e o exército. O avanço do Partido

Republicano era notório; o exército inspirava preocupações; no entanto, era o fim da escravidão que

despertava todas as atenções, afinal, a abolição poderia ser o presságio da queda do Império.

“Medo” era uma palavra e um sentimento que se socializava. Medo da reescravização, medo da

violência, que virava moeda corrente no contexto. E não só os escravizados se amotinavam como o

sistema se tornava ainda mais violento nos seus estertores. Os senhores, prevendo o fim do regime,

e tendo boa parte de seu capital imobilizado em escravos, passavam a exigir uma jornada ainda

mais carregada de trabalho. As consequências foram fugas constantes, ataques e assassinatos de

fazendeiros e feitores, protestos de forros e populares [...] Conscientes de que a escravidão perdia a

legitimidade e o consenso, grupos de escravos ganhavam em ousadia e articulação. [...]349

Para o Império não restava outra alternativa. A luta abolicionista aliada a própria ação mais efetiva

dos escravos em prol de sua liberdade, criou um sentimento nacional que não poderia mais ser repelido.

O texto da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, não dava margem a ambíguas interpretações: “É

declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil”. Pelas leis estabelecidas em anos anteriores,

os escravos representavam menos de 10% da população estimada na época em 15 milhões de habitantes.

A estatística oficial de 1887 acusava a existência de mais de setecentos e vinte mil escravos em

todo o país. O ambiente geral era de apreensão em todas as classes, ante a expectativa da

promulgação da lei que extinguiria a escravidão para sempre, o que constituiria duro golpe na

fortuna pública do Brasil. Mas Ismael articula do Alto os elementos necessários à grande vitória. O

generoso imperador é afastado do trono, nos primeiros meses de 1888, sob a influência dos

mentores invisíveis da pátria, voltando a regência à princesa Isabel, que já havia sancionado a lei

benéfica de 1871. Sob a inspiração do grande mensageiro do divino Mestre, a princesa imperial

encarrega o senador João Alfredo de organizar novo ministério, que veio a compor-se de Espíritos

nobilíssimos do tempo. Os abolicionistas compreendem que lhes chegara a possibilidade

maravilhosa e a 13 de maio de 1888 é apresentada à regente a proposta de lei para imediata

extinção do cativeiro, lei que D. Isabel, cercada de entidades angélicas e misericordiosas, sanciona

sem hesitar, com a nobre serenidade do seu coração de mulher.350

***

Existe uma mensagem atribuída à Allan Kardec recebida pela Sociedade Espírita Fraternidade, em

uma de suas reuniões, no ano de 1889.Nesta mensagem, o codificador conclama os espíritas brasileiros a

trabalharem pela união em favor do ideal que haviam se engajado. Em um trecho da mensagem, há sérios

questionamentos que valem a devida menção:

Será possível nos preparemos para os tempos que chegam, vivendo cheios de dissensões e lutas,

como se não constituíssemos uma única família, tendo para regência dos nossos atos e dos nossos

sentimentos uma única doutrina? Será possível nos preparemos para os tempos que chegam, dando

a todo momento e a todos os instantes a nota do escândalo, apresentando-nos aos homens como

criaturas cheias de ambições que não trepidam em lançar mão até das coisas divinas para o gozo da

carne e a satisfação das paixões do mundo?

Embora seja apenas uma hipótese, tendo a acreditar que essa mensagem tinha o propósito de

preparar os espíritas para os severos desafios que pouco tempo depois teriam de enfrentar.

349

SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap. 12, p. 308. 350

XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 26 — O movimento abolicionista, p. 162 e 163.

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[...] os anos de 1888 e 1889 assinalaram os derradeiros tempos do único império das plagas

americanas. Por toda a parte e em todos os ambientes civis e militares acendiam-se os fachos do

idealismo republicano, sob o pálio da generosidade da Coroa.351

Em 1889, a campanha republicana ganhou força no Brasil, ao passo que a monarquia ficava cada vez

mais isolada, sendo o exército a instituição cujo descontentamento era mais latente. Em suas fileiras,

predominavam os ideais positivistas e republicanos.

Os acontecimentos se precipitaram e no dia 15 de novembro houve na Câmara Municipal do Rio de

Janeiro o anúncio oficial da República. A monarquia era finalmente extinta, cedendo lugar ao Governo

Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil.

O projeto republicano — a despeito dos titubeios iniciais — significou uma saída legítima diante

da falência do Império. Mais que uma questão exclusivamente institucional, ele vinha de encontro

a uma ampliação importante do espaço público durante a década de 1880, que levou a ação política

para fora do Parlamento.352

O início da República no Brasil representou um dos maiores obstáculos para a livre atuação da

Doutrina Espírita no Brasil.Para o Estado Republicano, ser espírita era a expressão de um crime contra a

saúde pública. É necessário recordar que a República tinha no ideal positivista o seu fundamento filosófico.

Como já foi examinado em capítulo precedente, para o Positivismo a religião era uma etapa a ser superada

para que o modelo positivista, lógico, racional e científico, preponderasse.

Curioso notar como a Doutrina Espírita detinha mais liberdade no período monárquico — cuja

religião oficial era a Igreja Católica —, do que propriamente no primeiro momento da República brasileira

que postulava a existência de “liberdade religiosa” no Brasil embora na prática agisse contrariamente a este

propósito.

O Código Penal de 1890 refere-se assim a Doutrina Espírita, no tocante aos crimes contra a saúde

pública:

Art. 157 — Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para

despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim,

para fascinar e subjugar a credulidade pública:

Penas — de prisão celular de um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.

Parágrafo 1o: Se, por influência, ou por consequência de qualquer destes meios, resultar à paciente

privação ou alteração, temporária ou permanente, das faculdades psíquicas.

Penas — de prisão celular por um ano a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000.

Parágrafo 2o: Em igual pena, e mais na privação de exercício da profissão por tempo igual ao da

condenação, incorrerá o médico que diretamente praticar qualquer dos atos acima referidos, ou

assumir a responsabilidades deles.

Diante da gravidade do quadro, em 1892, foi criada uma comissão permanente de defesa da causa

espírita. Como não poderia deixar de ser, o ponto central desta comissão era o de retirar a “prática espírita”

do Código Penal, demonstrando a improcedência de tal inserção. Bezerra de Menezes estava na lista destes

abnegados defensores. No ano seguinte, esta comissão elaborou uma representação no Congresso Nacional, e

um dos trechos da defesa considera:

[...] uma vergonha que o Código Penal, confundindo o Espiritismo com a feitiçaria e a magia, comine

penas aos que o praticam, quando, na Europa, os vultos mais eminentes das ciências chamadas exatas, o

estudam, e ainda há pouco em Turim se realizaram notáveis experiências espíritas com o concurso de

sábios como Schiaparelli, Lombroso, Richet e outros.

351

______. ______. Cap. 27 — A República. 352

SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap. 12, p. 316.

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132

Apesar dos esforços desvelados dos trabalhadores espíritas, o Código Penal não foi alterado no curto

prazo. Em virtude disso, alguns médiuns foram presos ou processados em sessões nos centros, em suas

residências, ou até mesmo na própria Federação Espírita Brasileira.

Por ser considerado um crime contra a “tranquilidade pública”, o espiritismo não se inseria num crime

contra a pessoa, mas crime de consequências públicas, como o são os estelionatos e afins. Já os espíritas

que trabalhavam nos centros espíritas como “médicos receitistas” podiam ser enquadrados triplamente

no Código Penal: indivíduos sem habilitação profissional, que se propunham a curar através do

“espiritismo”, prescrevendo medicações homeopáticas. Essas disposições atingiam diretamente os

grupos espíritas existentes.353

Esse período de luta e resistência, também foi de progresso e esperança de dias melhores. Em

Assembleia Geral datada de 3 de agosto de 1895, Bezerra de Menezes foi eleito pela segunda vez presidente

da FEB. Em 1896, por aclamação foi reeleito, assumindo uma missão de elevada estatura, cujo detalhamento

será apresentado no capítulo seguinte.

353

DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1.ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap.

4, p. 156.

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133

CAPÍTULO 18

BEZERRA DE MENEZES E A UNIFICAÇÃO DO MOVIMENTO ESPÍRITA

Bem sabemos que não é fácil, nestes desafiadores dias de ciência, de tecnologia e de comodidade, ser espírita. Mas lembrai-vos: ser espírita é a honra que deveis disputar, porque o Espiritismo, com o qual tendes uma dívida assumida antes do berço, é o único farol, nesta noite escura, para guiar os nautas da era nova. Sois os preparadores dos novos tempos. Empenhai-vos mais, renunciai mais aos ideais personalistas em favor da glória estelar.354

Analisar a vida e destacar a importância de Bezerra de Menezes no

trabalho de unificação do Movimento Espírita.

Bezerra de Menezes é um dos trabalhadores da última hora que em vida mais contribuiu para a união dos espíritas em prol de um mesmo ideal. No plano espiritual, permanece estimulando os espíritas a se tornarem efetivamente os trabalhadores da última hora, desempenhando, assim, o papel de construtores do mundo de regeneração:

1. Os trabalhadores da última hora

Pois o Reino dos Céus é semelhante ao homem, senhor de casa, que saiu ao raiar do dia a

assalariar trabalhadores para sua vinha. Depois de ajustar com os trabalhadores um denário por

dia, os enviou para a sua vinha. E tendo saído por volta da terceira hora, viu outros, que estavam

de péna praça, desocupados,e disse a eles: Ide vós também para a vinha, e que for justo vos darei.

E eles foram. Novamente, saindo por volta da sexta e nona hora, procedeu da mesma forma. Tendo

saído por volta da undécima {hora}, encontrou outros, que estavam de pé, e diz para eles: Por que

ficaste de pé, aqui, o dia inteiro, desocupado? Eles lhe dizem: Porque ninguém nos assalariou. Ele

lhes diz: Ide vós também para a vinha.Chegando o fim da tarde, o senhor da vinha diz ao seu

administrador: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o salário, começando dos últimos até os

primeiros. Vindo os da undécima hora, receberam um denário cada um.Vindo os primeiros,

pensaram que receberiam mais; todavia, também eles receberam um denário, cada um. Ao

receberem, murmuravam contra o senhor da casa, dizendo: Estes últimos fizeram só uma hora, e tu

os fizeste iguais a nós, que carregamos o peso do dia e o calor ardente. Em resposta, disse a um

deles: Companheiro, não estou sendo injusto contigo.Não ajustaste comigo um denário? Toma o

teu e vai-te; quero dar a este último tanto quanto a ti. Não me é lícito fazer o que quero com o {que

é} meu? Ou o teu olho é mau, porque eu sou bom? Assim, os últimos serão os primeiros, e os

primeiros {serão} últimos. (Mateus, 20:1 a 16.)355

MENEZES, Bezerra de (Espírito). Em nome do amor: a mediunidade com Jesus. Psicografado por Divaldo Franco; organizado por

Antonio Cesar Perri de Carvalho; Marta Antunes de Oliveira de Moura; Geraldo Campetti Sobrinho. 2.ed. Brasília: FEB, 2015. Capítulo: Convite à luta, p. 165. 355

DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. Brasília: FEB, 2016. Parábola dos trabalhadores da vinha.

Objetivo

Ideias principais

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Jesus destaca nesta parábola que alguns servos passaram o dia à espera de alguém que os contratasse.

Na última hora, porém, finalmente foram chamados para trabalharem no processo de finalização da colheita

da uva ou do preparo do vinho, sendo remunerados de modo idêntico àqueles que já estavam trabalhando

desde o início do dia. Jesus encerra esta parábola de modo enigmático ao declarar que os últimos serão os

primeiros e os primeiros serão os últimos.

Os ensinamentos de Jesus, à primeira vista, parecem sem sentido quando não é considerado o sentido

espiritual que Ele buscou transmitir. É necessário extrair o espírito da letra e a Doutrina Espírita fornece

excelente base para a compreensão do significado das lições evangélicas.

Ao analisar esta importante parábola, Haroldo Dutra Dias, pesquisador bíblico e expositor espírita,

afirma que Jesus compara a vinha ao Reino dos Céus, ao passo que o trabalho na vinha corresponde a ação

providencial de Deus na condução espiritual dos seus filhos. Haroldo avalia ainda que esta parábola está em

sintonia com uma visão moderna de gestão em que o trabalho é valorizado não pela quantidade, mas pela sua

qualidade.

É inegável que os trabalhadores da última hora nada poderiam fazer se não fosse o trabalho realizado

por todos os outros que os antecederam. Porém, a questão essencial reside no seguinte aspecto: sem a

preocupação com as últimas providências, sem a atenção com o momento de finalização, processo complexo

e árduo, não haveria a conclusão adequada do trabalho.

Os trabalhadores da primeira hora são os Espíritos que contam com maior número de encarnações,

mas que não souberam aproveitá-las, perdendo as oportunidades que lhes foram concedidas para

se regenerarem e progredirem. Os trabalhadores contratados posteriormente simbolizam os

Espíritos que foram gerados há menos tempo, mas que, fazendo melhor uso do livre-arbítrio, [...]

lograram em apenas algumas existências o progresso que outros tardaram a realizar. [...]356

As oportunidades de aperfeiçoamento espiritual são permanentemente oferecidas por Deus, a

Inteligência Suprema que rege o processo evolutivo da Humanidade. Os missionários que nos precederam

aceitaram a tarefa de cultivar virtudes, trabalhando com desinteresse, boa vontade e espírito de renúncia,

contribuindo para o processo gradual de espiritualização do mundo.

[...] Sendo os últimos a chegar, os espíritas aproveitam os trabalhos intelectuais dos seus

antecessores, porque o homem deve herdar do homem, e porque seus trabalhos e seus resultados

são coletivos: Deus abençoa a solidariedade. Diga-se, a propósito, que muitos deles revivem

atualmente, ou ainda reviverão, para acabar a obra que começaram outrora. Mais de um patriarca,

mais de um profeta, mais de um discípulo do Cristo, mais de um propagador da fé cristã se

encontram entre eles, porém, mais esclarecidos, mais adiantados, trabalhando, não mais na base,

mas no acabamento do edifício; seu salário, portanto, será proporcional ao mérito da obra.357

Fomos chamados por Jesus para a construção do mundo novo pelo qual aspiramos. O serviço no bem

é o nosso campo de iluminação!

2. O médico e o político

Então, Bezerra de Menezes, sentindo a importância e a gravidade do problema que se desenvolvia

arbitrariamente, aqui e ali, capacitou-se da imprescindibilidade de uma nova unificação do

comportamento espírita, naturalmente seguindo a linha sensata e segura do Codificador, nos

difíceis tempos da luta pela estabilização da Doutrina, em setores ainda pouco preparados para

alcançar a significação da desejada homogeneidade da ação espírita, quer nos trabalhos práticos ou

experimentais, quer nas tarefas de doutrinação e evangelização. Desde aí, o Espiritismo brasileiro

compreendeu, acompanhando o raciocínio superior de Bezerra de Menezes, que a unificação,

indiscutivelmente indis-pensável e urgente, teria de ser, não um serviço de emergência, transitório,

mas um trabalho de caráter permanente, contínuo, destinado a se desenvolver de acordo com as

necessidades presentes e futuras, porquanto, além de receber sempre novos contingentes de

356

CALLIGARIS, Rodolfo. Parábolas Evangélicas: à luz do espiritismo. 11. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap. 7 — Parábola dos trabalhadores e das diversas horas do trabalho. 357

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XX, it. 3.

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135

adeptos, inscientes358

e carentes de orientação, teria de estimular e ajudar àqueles que, vindo de

outros credos, se encontrassem, ainda que inconscientemente, apegados a praxes359

e costumes

diversos, e a outros, mais antigos, que, não havendo ainda assimi-lado completamente o espírito da

Doutrina, pensassem de boa-fé, mas erroneamente, em introduzir novidades, convencidos de

laborarem360

para o bem da causa por eles abra-çadas.361

Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti nasceu em 29 de agosto de 1831 na fazenda Santa Bárbara,

município cearense de Riacho do Sangue, hoje Jaguaretama, estado do Ceará.

Em 1838, no interior do Ceará, conheceu as primeiras letras, em uma escola da Vila do Frade,

demonstrando significativa capacidade intelectual desde o período de seus estudos iniciais.

Em 1842, quando se transferiu com a família para a Serra dos Martins, Rio Grande do Norte,

aprendeu latim em curto espaço de tempo. Já em 1846, residindo em Fortaleza, acompanhado do irmão mais

velho, o Dr. Manuel Soares da Silva Bezerra, intelectual e líder católico, efetuou os estudos preparatórios,

destacando-se entre os primeiros alunos do tradicional Liceu do Ceará. Bezerra queria ser médico, mas seu

pai, em função das dificuldades financeiras que enfrentava naquele instante, não poderia custear seus

estudos. Diante desta incompatibilidade, Bezerra de Menezes, alcançando seus 18 anos de vida, decidiu

viajar para o Rio de Janeiro, a então capital do Império, a fim de alcançar o seu sonho de ser médico.

Aos dezoito anos, e naquela disposição de espírito, deixei a casa paterna para vir fazer meus

estudos na capital do Império, onde vivi, mesmo no tempo de estudante, sobre mim, sem ter a

quem prestar obediência.362

Instalado no Rio de Janeiro, ingressou, em 1852, no Hospital da Misericórdia. Para poder estudar,

nas horas vagas, dava aula de filosofia e matemática. Em 1856, Bezerra formou-se pela Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro.

Em 1857, candidatou-se ao quadro dos membros titulares da Academia Imperial de Medicina com o

escrito intitulado: “Algumas considerações sobre o cancro, encarado pelo lado do seu tratamento”. Foi

empossado em sessão de 1o de junho e nesse mesmo ano passou a colaborar para a Revista da Sociedade

Físico-Química.

Em 20 de fevereiro de 1858, foi admitido no Corpo de Saúde do Exército como cirurgião-tenente.

Em função de sua atividade médica em favor dos menos favorecidos, angariou respeito popular e notório

reconhecimento. O passo seguinte foi o ingresso na política, que, nas palavras de Bezerra de Menezes era “a

ciência de criar o bem de todos”.

Em 1860, foi eleito vereador para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Nesta casa legislativa,

desenvolveu grande trabalho na defesa dos humildes e necessitados, o que lhe conduziu a exercer mais um

mandato para o período de 1864–1868.

Em 1867, foi eleito deputado-geral, cargo público correspondente hoje a deputado federal. Quando

ocorreu um fortalecimento político dos conservadores a partir de 1868, a Câmara dos Deputados foi

dissolvida. Em 1873, após quatro anos afastados da política, retomou suas atividades, agora como vereador.

Com o retorno dos liberais ao poder, Bezerra de Menezes foi novamente eleito para a Câmara dos

Deputados, representando politicamente o Rio de Janeiro do período de 1878 até 1885.

3. O primeiro contato com a Doutrina Espírita Joaquim Carlos Travassos, primeiro tradutor de O Livro dos Espíritos no Brasil foi o grande

responsável por Bezerra de Menezes ter contato direto com a Doutrina Espírita. Antes disso, ele via com

certo ceticismo o alcance que as ideias espíritas haviam conquistado em tão pouco tempo.

358

Inscientes: ignorantes de determinado fato ou assunto. 359

Praxes: rotinas. 360

Laborar: exercer uma atividade. 361

MENDES, Indalício. Rumos doutrinários. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. Fidelidade à Doutrina, it. Ser ou não ser, eis a questão, p. 197. 362

SOUZA, Juvanir Borges de (Coord.). Bezerra de Menezes: ontem e hoje. 4. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2016. Pt. 1, cap. 2 – Evolução religiosa de Bezerra de Menezes, it. 1 — Que crenças tinha antes de ser espírita?, p. 25 e 26.

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136

Começaram a aparecer as primeiras notas espíritas no Rio de Janeiro; mas eu repelia semelhante

doutrina sem conhecê-la nem de leve! somente porque temia que ela perturbasse a tal ou qual paz que me trouxera ao espírito a minha volta à religião de meus maiores, embora com restrições.

363

A viagem de retorno para casa era de uma hora, tempo suficiente para Bezerra de Menezes iniciar a

leitura de O Livro dos Espíritos. Este fato aparentemente comum — a leitura de um novo livro —, foi, sem

dúvida alguma, o divisor de águas na vida de Bezerra de Menezes:

Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se acha em O Livro dos Espíritos, mas com certeza nunca

tinha lido obra alguma espírita e, portanto, me era impossível descobrir onde e quando me fora

dado o conhecimento de semelhantes ideias!

Preocupei-me seriamente com este fato que me era maravilhoso e a mim mesmo dizia: parece que

eu era espírita inconsciente, ou, como se diz vulgarmente, de nascença, e que todas essas

vacilações que sentia meu espírito eram marchas e contramarchas que ele fazia, por descobrir o

que lhe era conhecido e, porventura, obrigado a isto.364

Coragem! Esta palavra é a mais adequada para definir a adesão pública de Bezerra de Menezes à

Doutrina Espírita, no dia 16 de agosto de 1886. Nesta data emblemática, Bezerra de Menezes realizou uma

conferência na sede da Federação Espírita Brasileira. Este fato alcançou ampla repercussão na imprensa,

como é possível verificar na reportagem do Diário de Notícias de 17 de agosto de 1886:

Conferência Espírita — Foi grande ontem a concorrência de senhoras e cavalheiros no salão da

Guarda Velha, para ouvirem o Dr. A. Bezerra de Menezes. O orador começou explicando os

motivos poderosos que o levaram a abraçar o Espiritismo, dentre os quais dominava o preceito de

que os princípios da religião estão fora do alcance da compreensão da razão, preceito que assim

inutiliza a ação da mais elevada faculdade do homem. Foi estudando a moral e a teogonia365

romana que o orador se convenceu da veracidade dos ensinos espiríticos, completamente

conformes com aquela, e se discordam desta, é por ser esta, como ele demonstra, o fruto de

interpretações humanas. Tratou depois largamente da Doutrina Espírita, sendo acolhido, ao

terminar, por calorosos aplausos.

A partir deste momento, Bezerra de Menezes tornou-se o grande expoente do Movimento Espírita no

Brasil. Com sua cultura privilegiada e verdadeiro amor ao próximo, Bezerra aliava amor e sabedoria, e isto

foi fundamental para que conduzisse a Doutrina Espírita para um novo patamar, mesmo a despeito das

perseguições e dos desafios próprios da unificação do Movimento Espírita.

Presidente da FEB em 1889, foi reconduzido em 1895, período de profunda discórdia e até mesmo

de radicalização no meio espírita. Permaneceu na tarefa até 1900, quando desencarnou. Todavia, seu

empenho e senso de responsabilidade permitiu que a solidariedade e a cooperação triunfasse ante as

desavenças.

A Federação Espírita Brasileira lhe deve tudo. Se ainda hoje existe, é graças aos seus esforços:

como homem, colocado em sua presidência, traçando-lhe o roteiro de que os seus saudosos

auxiliares e continuadores tomavam consigo mesmos o compromisso de jamais se afastarem;

como Espírito, agindo — que sabemos nós? — por todas as formas possíveis de atividade, quer

assistindo e inspirando os modestos operários a quem transferiu a sua tarefa, quer encaminhando,

com o auxílio de misteriosas e salutares influências, para a nossa sociedade grande número

daqueles que a podem e devem sustentar. Ele é assim para nós, ao lado dos nossos invisíveis

protetores espirituais, uma espécie de anjo tutelar.366

363

SOUZA, Juvanir Borges de (Coord.). Bezerra de Menezes: ontem e hoje. 4. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2016. Pt. 1, cap. 2 — Evolução religiosa de Bezerra de Menezes, it. 1 — Que crenças tinha antes de ser espírita?, p. 27. 364

______. ______. p. 28. 365

Teogonia: estudo das origens dos deuses e heróis da mitologia grega. 366

Extraído de Reformador de maio de 1907, p. 147 — seção: “Ecos e Fatos”.

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137

4. “Solidários seremos união. Separados uns dos outros, seremos pontos de vista”!367

[...] Os espíritas do mundo inteiro terão princípios comuns que os ligarão à grande família pelo

laço sagrado da fraternidade, mas cuja aplicação poderá variar conforme as regiões, sem que por

isso, a unidade fundamental seja rompida, sem formar seitas dissidentes, que se atirem pedras e se

lancem anátemas, o que seria antes de qualquer coisa, antiespírita. Portanto, poderão se formar, e

inevitavelmente se formarão, centros gerais em diferentes países, sem outro laço que não seja a

comunhão de crença e a solidariedade moral, sem subordinação de uns aos outros [...]368

Diante da abrangência e profundidade dos postulados espíritas, é necessário que os adeptos ao

analisarem todo este conteúdo esclarecedor e consolador, não incorra em erro das interpretações

personalistas. Neste sentido, preparação intelectual é um elemento importante, mas é apenas o primeiro

degrau da compreensão. A verdadeira compreensão requer, antes de tudo, preparação moral e sensibilidade.

Até o final da década de 1940, havia uma forte divisão do Movimento Espírita no Brasil. Entretanto,

a partir dos anos de 1947 e 1948, lideranças espíritas preocupadas com a unificação do entendimento e da

prática da Doutrina Espírita, realizaram inúmeros encontros cujo consenso só seria alcançado em janeiro de

1950 com a instalação do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira.

O desdobramento imediato da criação deste conselho foi a criação da Caravana da Fraternidade,

movimento cujo objetivo era colher adesões de onze estados do Norte e do Nordeste ao Pacto Áureo. Esta

caravana teve como estação final a casa do médium Chico Xavier, em Pedro Leopoldo.

Já em 20 de abril de 1963, em reunião da Comunhão Espírita Cristã, Chico Xavier recebe a

mensagem de Bezerra de Menezes em que ele aborda a importância e as diretrizes do trabalho de união dos

espíritas, das instituições espíritas e de unificação do Movimento Espírita brasileiro.

Eis a seguir alguns trechos deste documento histórico que ainda norteia as ações do Conselho

Federativo Nacional:

O serviço da unificação em nossas fileiras é urgente, mas não apressado. Uma afirmativa parece

destruir a outra. Mas não é assim. É urgente porque define objetivo a que devemos todos visar;

mas não apressado, porquanto não nos compete violentar consciência alguma. Mantenhamos o

propósito de irmanar, aproximar, confraternizar e compreender, e, se possível, estabeleçamos em

cada lugar, onde o nome do Espiritismo apareça por legenda de luz, um grupo de estudo, ainda que

reduzido, da obra kardequiana, à luz do Cristo de Deus. [...]

[...]

Nenhuma hostilidade recíproca, nenhum desapreço a quem quer que seja. Acontece, porém, que

temos necessidade de preservar os fundamentos espíritas, honrá-los e sublimá-los, senão

acabaremos estranhos uns aos outros, ou então cadaverizados em arregimentações que nos

mutilarão os melhores anseios, convertendo-nos o movimento de libertação numa seita estanque,

encarcerada em novas interpretações e teologias, que nos acomodariam nas conveniências do

plano inferior e nos afastariam da Verdade.369

Interessante notar como Bezerra de Menezes prossegue da Espiritualidade convidando os espíritas

dos dias atuais ao mesmo sentimento de abnegação e renúncia em favor da união e difusão da Boa-Nova

neste período de transição planetária.

A seguir alguns trechos da mensagem psicofônica recebida pelo médium Divaldo Franco, no

encerramento da Reunião do Conselho Federativo Nacional, realizado em Brasília, no dia 7 de novembro de

2010:

[...] Há sessenta anos, tudo era expectativa e, hoje, encontramo-nos diante da realidade. Os

trabalhadores da Caravana da Fraternidade, repetindo a façanha dos bandeirantes, que se adentraram pelo país na busca por diamantes, realizaram o seu périplo,

370 distribuindo o

diamante da verdade por onde passaram. Continuando a atividade no Mais-além, transformaram os

367

Bezerra de Menezes (Psicografia de F. C. Xavier — Mensagem de União — “Unificação” — nov.-dez./1980.). In: Orientação aos Órgãos de Unificação. 368

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia de Alcantara Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Constituição do Espiritismo, it. VI — Amplitude de ação da comissão central, p. 356. 369

Transcrição parcial da mensagem Unificação — Bezerra de Menezes. In: Reformador de dezembro de 1975, p. 11(275). 370

Périplo: viagem de longa duração.

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companheiros encarnados em novos peregrinos da ensementação371

do Evangelho no solo ainda

não preparado dos corações. Resultaram as bênçãos que hoje fruímos: as alegrias de podermos

contemplar a Doutrina Espírita no lugar a que tem direito, lentamente, no concerto das nações. São

estes os momentos graves definidores de rumos para o futuro. Não é mais possível retroceder! O

que está planejado pelo Senhor e em plena execução seguirá o seu processo de materialização na

Terra. [...]. Na condição de servos que somos de ambos os lados da vida, neste trabalho de

libertação de consciências, a nós nos cabe atender os impositivos que dizem respeito à obra de

amor, que um dia triunfará em nosso planeta abençoado pela regeneração372

371

Ensementar: semear. 372

FRANCO, Divaldo. Em nome do amor: a mediunidade com Jesus. Pelo Espírito Bezerra de Menezes. (Org. Antonio Cesar Perri de Carvalho; Geraldo Campetti Sobrinho; Marta Antunes de Oliveira). 2. ed. Brasília: FEB, 2015. Cap. 3 — Terceira parte — Mensagens do Espírito Bezerra de Menezes recebidas pelo médium Divaldo Pereira Franco, it. 3.20 — Rumos para o futuro, p. 207 e 208.

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139

CAPÍTULO 19

A OBRA MISSIONÁRIA DE EURÍPEDES BARSANULFO

Eurípedes – espelho cristalino do servo fiel, no desempenho da missão que o Pai lhe

atribuíra como Mensageiro da Sua Vontade, também avançara no tempo, multiplicando as horas de devotamento, no incessante anseio de devolver ao Senhor os talentos havidos nos diversos campos de ação, com que enriqueceu a vinha Divina de frutos soberbos, capital de luz e Amor que realizou dentro de permanente linha de conduta, tendo a humildade como facho sublime.373

Abordar, em linhas gerais, a vida e a missão desempenhada por Eurípedes

Barsanulfo.

1. A parábola dos talentos

A parábola dos talentos que Jesus tem apresentado à Humanidade — sim, ainda apresentado, pois a

lição ainda não foi plenamente internalizada, evidencia os benefícios concedidos por Deus a fim de que

possamos progredir material, intelectual e moralmente. Senão, vejamos:

Pois {será} como um homem que, ausentando-se {do seu país}, chamou seus próprios servos e

entregou-lhes seus bens. A um deu cinco talentos; a outro, dois; e a outro, um; a cada um segundo

sua própria capacidade; e ausentou-se {do seu país} imediatamente. Tendo partido, o que recebera

cinco talentos trabalhou com eles e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que {recebera} dois,

ganhou outros dois. Porém o que recebera um saiu,cavou na terra e escondeu a prata do seu

senhor. Muito tempo depois, vem o senhor daqueles servos e ajusta contas com eles.

Aproximando-se o que recebera cinco talentos, trouxe-lhe outros cinco, dizendo: Senhor, cinco

talentos me entregaste. Vê! Ganhei outros cinco. Disse-lhe o seu senhor: Servo bom e fiel, foste

fiel sobre pouco, sobre muito te constituirei. Entra na alegria do teu Senhor. Aproximando-se,

também, o que {recebera} dois talentos, disse: Dois talentos me entregaste. Vê! Ganhei outros

dois. Disse-lhe o seu senhor: Excelente, servo bom e fiel, foste fiel sobre pouco, sobre muito te

constituirei. Entra na alegria do teu Senhor. Mas,aproximando-se também o que tinha recebido um

talento, disse: Senhor, soube que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e que recolhes

onde não espalhaste; temendo, fui e escondi o teu talento na terra. Vê! Tens o {que é} teu. Em

resposta, o seu senhor lhe disse: Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei, e

recolho onde não espalhei. Portanto, devias ter entregado asminhas pratas aos banqueiros; e,

quando viesse, receberia o {que é} meu com juros. Tirai, portanto, dele o talento e dai ao que tem

dez talentos, pois a todo aquele que tem será dado, e terá em abundância; mas daquele que não

tem, até o que tem lhe será tirado.Lançai o servo inútil na treva exterior; ali haverá o pranto e o

ranger de dentes. (Mateus, 25:14 a 30.)374

NOVELINO, Corina. Eurípedes – o Homem e a Missão. 18.ed. São Paulo: IDE, 2007. Capítulo 14: Eurípedes, homem público, p. 167. 374

DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. Brasília: FEB, 2016. Parábola dos talentos.

Objetivo

Ideias principais

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140

As parábolas de Jesus são narrações alegóricas cuja finalidade é despertar a reflexão a partir de

ensinamentos morais. Seu alcance pedagógico é inestimável. Basta lembrar que ainda hoje ela suscita em

cada um de nós o discernimento e a ação. Ao buscar tirar o espírito da letra, compreende-se que no início da

parábola dos talentos, Jesus demonstra que Deus concede a seus filhos determinadas missões de acordo com

as possibilidades de cada um. O grau de capacidade está intimamente relacionado aos esforços empreendidos

nas experiências reencarnatórias.

Como nos esclarece Emmanuel, há talentos do Senhor distribuídos por todas as criaturas, em toda

parte. O benfeitor espiritual, acrescenta:

Não olvides que os talentos de Deus são iguais para todos, competindo a nós outros a solução do

problema alusivo à capacidade de recebê-los.

[...]

Lembra-te de que o Senhor nos concede tudo aquilo que necessitamos para comungar-lhe a glória

divina, entretanto, não te esqueças de que as dádivas do Criador se fixam, nos seres da Criação,

conforme a capacidade de cada um.375

O servo negligente atribui ao medo a causa da sua inatividade. Talvez seja por isso que tenha

recebido o menor valor, porquanto ainda não estava preparado para multiplicar as dádivas recebidas. Ora,

por não ter tido a coragem de melhorar para progredir, permaneceu estacionário. Em linhas gerais, a despeito

dos grandes missionários e dos heróis anônimos que sequer conhecemos, é forçoso concluir que no estágio

atual da evolução humana, a maioria de nós ainda é tímida em utilizar os dons recebidos do Pai Celestial.

Por essa razão, nada mais atual do que render justa reverência à Eurípedes Barsanulfo, pois a sua

missão é um estímulo à ação no bem, aqui e agora. Desejaríamos relembrar todos os fatos dessa vida

admirável de devotamento a Jesus. No entanto, a exiguidade do espaço não nos permite detalhes mais

aprofundados. Sendo assim, limitar-me-ei ao que é essencial, convidando desde já ao amigo leitor, uma

leitura mais extensa deste servo bom e fiel.

2. Primeiros momentos

Eurípedes Barsanulfo nasceu em 1o de maio de 1880 e retornou à Pátria Espiritual em 1

o de

novembro de 1918, com apenas 38 anos. A diminuta passagem na Terra não foi capaz de limitar a grandeza

de suas realizações. O exemplo maior de que o tempo reduzido de ação não impede que uma missão seja

plenamente concluída é o do próprio Jesus, cujo ministério de três anos representou a máxima expressão do

amor e da humildade.

Filho de Hermógenes Ernesto de Araújo e de D. Jerônima Pereira de Almeida (D. Meca), Eurípedes

foi um dos 15 filhos que o casal teve. A família morava nas proximidades da estação de Sacramento, Minas

Gerais. O senhor Hermógenes atuava como auxiliar desta estação, além de ter um pequeno empório na

cidade de Conquista, sob a responsabilidade de Eulógio, um de seus filhos.

Em busca de melhores condições financeiras para combater problemas de saúde, Hermógenes e toda

a família fixaram residência em Sacramento, e lá adquiriram uma pequena casa comercial.

Já em idade escolar, Eurípedes ficou sob a tutela intelectual do professor Fernando Vaz de Melo,

mais conhecido por Tatinho. Mais tarde, tornou-se discípulo do professor João Derwil de Miranda,

proprietário e diretor do Colégio Miranda.

Seja por meio de seus métodos de ensino inéditos para os padrões da época, seja por suas

extraordinárias faculdades mediúnicas, Eurípedes tornou-se um missionário da Educação e da Doutrina

Espírita, deixando inúmeros exemplos de amor ao próximo.

Amigo da leitura e do estudo, Eurípedes era portador de um discernimento admirável se comparado

aos outros alunos com a mesma idade. Ávido por mais e mais livros, encontrou o primeiro empecilho: seu

pai não possuía uma condição financeira favorável a ponto de comprar algo além das necessidades básicas.

Eurípedes passa a trabalhar como carregador de malas de viajantes, além de arrear seus animais. Do

reduzido recurso adquirido, comprava livros e estudava com mais afinco, distanciando-se, cada vez mais, dos

divertimentos comuns de sua idade.

375

XAVIER, Francisco C. Melhorar para progredir. In: Reformador, ano 75, fev. 1957, p 8(28) — Seção: Esflorando o Evangelho, 2ª mensagem.

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141

Por seus esforços intelectuais e por uma natural inclinação para o ensino, recebeu de seu mestre

escolar a tarefa de lecionar aos próprios colegas de sala.

Embora muito jovem, manifestou desde cedo a inclinação para o ensino, e é por essa razão que foi

incumbido pelo seu mestre a ensinar aos próprios companheiros de sala de aula.

De família tradicional católica, Eurípedes seguiu quando criança os preceitos religiosos à risca,

inclusive auxiliando o sacerdote da região nas liturgias e festividades religiosas, até se tornar, anos depois, o

secretário da Irmandade de São Vicente de Paulo.

Cidadão exemplar, não tardou para que Eurípedes fosse considerado uma referência moral para a

juventude de sua cidade. Por sua dignidade, era presença constante em todas as iniciativas que visassem o

bem-estar da população.

Foi assim que em companhia de Pedro Salazar, dr. João Gomes Vieira de Melo, padre Santa Cruz,

José Martins Borges, coronel. José Pereira de Almeida e tantos outros, Eurípedes teve a oportunidade de

fundar a Gazeta de Sacramento, sendo o seu redator durante dois anos, e o Liceu de Sacramento, no qual

lecionou de 1902 a 1906 com toda a dedicação e eficiência.

Eurípedes ingressou no poder legislativo na qualidade de vereador, cargo que exerceu por exatos seis

anos. Como homem público atingiu ainda mais notoriedade, constituindo-se como figura central da

sociedade a qual pertencia.

Graças à sua inteligência privilegiada e ao seu próprio esforço, chegou a possuir tal cultura, que os

seus biógrafos a consideram verdadeiramente assombrosa. Tinha profundos e largos

conhecimentos de Medicina e Direito. Dissertava sobre astronomia, filosofia, matemática, ciências

físicas e naturais, literatura, com a mais extraordinária segurança, sem possuir nenhum diploma de

escola superior.376

Com esforço próprio, Eurípedes havia alcançado o respeito e a admiração de todos. Ocorre que

estava reservado à Eurípedes uma reviravolta que transformaria por completo a sua atual existência.

A conversão de Eurípedes à Doutrina Espírita chocou a pacata e tradicional cidade de Sacramento.

Como se tornou espírita? Esta era a pergunta recorrente, entremeada de perplexidade e assombro.

3. Léon Denis e a conversão de Eurípedes Barsanulfo

O processo que culminou com a conversão de Eurípedes ao ideal espírita não pode ser explicado

apenas por um único fator. Não se pode esquecer também, que do plano espiritual, havia todo um

planejamento para que, no momento oportuno, Eurípedes despertasse para a sua maior missão: a da

mediunidade com Jesus!

De todo modo, por não ser possível analisar pormenorizadamente toda a conjuntura que desencadeou

a transformação de Eurípedes, é bastante oportuno eleger a leitura do livro Depois da Morte de Léon Denis

como o passo crucial.

Era comum o jovem Eurípedes debater com o seu tio Mariano da Cunha a respeito da Doutrina

Espírita. Mariano, homem simples do campo, foi o fundador do Centro Espírita Fé e Amor, em 28 de agosto

de 1900, situada na Fazenda de Santa Maria, nas proximidades de Sacramento.

Certa feita, Mariano visitou a residência de Eurípedes que, por sua vez, como de costume, perguntou

ao tio:

“— Como é, tio sinhô, as sessões continuam?”377

Depois de expor algumas ideias que, apesar da simplicidade, eram de uma persuasão incomum, o tio

Mariano entregou-lhe um livro e sentenciou:

“— O que eu não posso explicar a você, este livro vai fazer, em parte por mim.”378

O ano era 1904. Eurípedes não perdeu tempo e imediatamente começou a leitura da significativa

obra de Léon Denis. O jovem tão ávido pela leitura, portador de uma erudição invejável e um senso moral exemplar, mal conseguia disfarçar a empolgação e o interesse por Depois da Morte, a primeira obra de Léon

Denis traduzida para o português e que havia recebido da crítica francesa honrosos elogios, o que permitiu a

sua divulgação para além da França.

376

WANTUIL, Zêus. (Org.). Grandes Espíritas do Brasil: 53 biografias. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. 377

NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 9 — O toque do despertar, p. 74. 378

______. ______.

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142

Em seguida a este episódio singular, Eurípedes era um novo homem. No momento seguinte, passou a

visitar às reuniões espíritas na Fazenda de Santa Maria. O que veio a seguir apenas revela o caráter de sua

missão: foram criados o Grupo Espírita Esperança e Caridade, o Colégio Allan Kardec e a Farmácia Espírita

“Esperança e Caridade”.

A dedicação de Eurípedes a estas causas, além da mediunidade aliada ao amor e ao serviço ao

próximo, fez com que fosse conhecido como o “Apóstolo do Triângulo Mineiro”.

4. Grupo Espírita Esperança e Caridade

O Grupo Espírita Esperança e Caridade foi fundado em 27 de janeiro de 1905 sob a orientação de

Eurípedes. Os membros da família que de início viam com certo espanto a sua conversão à Doutrina Espírita,

naquele momento já estavam participando ativamente das atividades deste Grupo Espírita em formação.

Nos dois anos iniciais, numerosos colaboradores definiram posição, junto a Eurípedes. As tarefas

ampliavam-se em todas as áreas de serviço. A razão imediata do desdobramento das atividades era

a fama das curas, que já se estendia por outros Estados da Federação.379

Entre os anos de 1912 e 1913, um espírito de excepcional condição intelectual embora com pouco

discernimento espiritual, passou a se manifestar nas sessões dirigidas por Eurípedes no Grupo Espírita

Esperança e Caridade. Este espírito se autodenominou como o Donatista.

Revelara-se sistematicamente contrário à existência de Deus, ferrenho adversário do Cristo e

impertinente amigo do mal. Dois a três anos duraram aquelas polêmicas memoráveis, entre

Eurípedes e o Donatista, onde temas filosóficos entravam em foco. De um lado, o Espírito com sua

lógica ateísta. De outro, Eurípedes, sob o escudo de serena humildade, redarguia com

argumentações racionais que o Amor pontilhava de reverberações luminescentes.380

Apesar desse clima de tensão, o espírito afeito ao debate tinha um profundo respeito por Eurípedes.

Por outro lado, Eurípedes mantinha o propósito de mostrar ao espírito incrédulo a necessidade da fé para

prosseguir o caminho da autoiluminação.

Três anos se passaram e o quadro aparentemente parecia o mesmo. Eis que, em mais uma reunião

tradicional, diante da recusa do espírito a se entregar ao amor de Deus, Eurípedes inicia uma oração que de

tão inspirada conseguiu comover o endurecido Donatista. Aquele momento era realmente singular, haja vista

a transição de pensamento e conduta de um espírito tão obstinado à descrença e ao mal.

Profundamente comovido, Donatista faz um relato surpreendente em forma de oração:

Tenho penetrado em Centros Espíritas, em toda parte. Tenho discutido com muitos presidentes

cultos e nunca fui vencido. Esfacelei muitos desses Centros. Aqui penetrei, animado do mesmo

intuito. Lutei para derrubar este e derrotá-lo, Mestre, mas fui anulado por sua bondade, por sua

sabedoria, por seu Amor!381

Aquele era o início de uma transformação lenta e gradual, mas que não seria possível se não fosse o

Grupo Espírita Esperança e Caridade, sob a orientação e trabalho incessante de Eurípedes.

5. Colégio Allan Kardec

Os companheiros de magistério, no Liceu Sacramento, abandonaram Eurípedes, após sua conversão ao

Espiritismo. O mobiliário escolar fora retirado e o prédio requerido por seus proprietários. O jovem

estava abatido, mas não desanimado. O testemunho reclamara-lhe determinação e pujança382

na fé nova. Por isso, continuava firme nas tarefas espíritas. [...] Ele passara anos felizes no Liceu, no desempenho consciente de sua querida carreira de professor. Os alunos por sua vez, não se

conformavam à ideia de perder o mestre e amigo.383

379

NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 9 — O toque do despertar, p. 99. 380

NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 9 — O toque do despertar, p. 99. 381

______. ______. p. 102. 382

Pujança: algo excepcionalmente forte ou vigoroso. 383

NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007.Cap. 12 — O Colégio Allan Kardec, p. 110.

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Eurípedes lutou o quanto pôde pela sobrevivência do Liceu. Quando percebeu que os esforços

haviam sido aparentemente em vão, Eurípedes não consegue disfarçar a tristeza e começa a chorar diante das

salas vazias de uma escola à frente de seu tempo.

Neste contexto de angústia e preocupação, Eurípedes sente o seu braço sendo tomado por uma força

superior alheia à sua vontade e por meio da psicografia inconsciente transmite uma mensagem que

direcionaria os próximos passos da vida do missionário:

Não feche as portas da escola. Apague da tabuleta a denominação Liceu Sacramento — que é um

resquício do orgulho humano. Em substituição coloque o nome — Colégio Allan Kardec. Ensine o

Evangelho de meu filho às quartas-feiras e institua um curso de Astronomia. Acobertarei o

Colégio Allan Kardec sob o manto do meu Amor.384

A mensagem era de Maria Santíssima e Eurípedes seguiu à risca as suas instruções espirituais.

Ademais, essa mensagem revela, o quanto Maria realizava uma verdadeira supervisão particular em torno da

vida de Eurípedes.

De ânimo forte, em 1o de abril de 1907, Eurípedes fundou o Colégio Allan Kardec, um verdadeiro

marco educacional. Esse instituto de ensino passou a ser conhecido em todo o Brasil, tendo funcionado

ininterruptamente desde a sua inauguração, com a média de 100 a 200 alunos, até o dia 18 de outubro,

quando foi obrigado a cerrar suas portas por algum tempo, devido à grande epidemia de gripe espanhola que

assolou nosso país.

Como educador, Eurípedes centrava a sua ação em favor das crianças mais pobres. Além disso,

adotou no Colégio Allan Kardec os mesmos métodos de ensino de Pestalozzi, apesar de não conhecer nada a

respeito dos postulados do educador suíço.

Eurípedes Barsanulfo, no Colégio Allan Kardec, usa de metodologia bem próxima daquela em que

Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec) foi educado — o Método de Pestalozzi — em que

se busca valorizar a potencialidade do outro.385

No Colégio Allan Kardec destacam-se algumas medidas bastante progressistas para a época, tais como a

adoção de classes mistas — atitude que gerou polêmica no início —, a abolição de castigos e recompensas, o fim

dos exames tradicionais, bem como a inserção dos estudos em Botânica, Arte Dramática, Astronomia, Zoologia,

Anatomia e História das religiões e do Espiritismo.

A experiência didático-pedagógica do Colégio Allan Kardec tinha por finalidade negar a escola livresca,

autoritária e distante da realidade; pretendia criar uma nova forma de lidar com os alunos considerando seus

interesses, necessidades, vivências, promovendo a educação intelectual, física e moral.

O aluno passou a ser respeitado nos valores naturais de que era portador em potencial, pois o

mestre conhecia-lhe as faculdades racionais, as percepções, ideias, hábitos e reações

condicionadas. Isto vinha estreitar o relacionamento entre o Professor e seus discípulos, criando

entre eles os laços de mútua confiança.386

6. A Farmácia Espírita Esperança e Caridade

Não se tem uma noção exata de quando a Farmácia Espírita Esperança e Caridade foi fundada.

Entretanto, tudo leva a crer que ela iniciou as suas atividades no mesmo ano em que Eurípedes tornou-se

espírita.

Desde os primórdios desse movimento — que pouco a pouco assumia proporções gigantescas —

Eurípedes voltara para a casa paterna, onde sempre recebeu o carinhoso apoio da mãe e do Sr.

Mogico, bem como das irmãs Edirith e Eurídice (Sinhazinha), suas devotadas auxiliares na

manipulação dos medicamentos. O velho pai de Eurípedes revelou-se, sem dúvida, o grande esteio

384

______. ______. 385

Trecho da mensagem do Espírito Victor, psicografada pelo médium Mário Coelho, em 11/12/2013, no Centro Espírita Léon Denis. 386

NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 12 — O Colégio Allan Kardec, p. 116.

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material, em que o filho se apoiava, no desdobra-mento da Missão em que Jesus o situara entre as

criaturas.387

A Farmácia de Eurípedes não cobrava por nenhum atendimento. A sobrevivência do estabelecimento

vinha de seu próprio salário como escriturário de duas casas comerciais do pai, além da ajuda financeira de

amigos como Frederico Peiró, Azarias Arantes e futuramente de D. Maria Leite, colaboradores responsáveis

pela sustentabilidade material do projeto.

Essa ajuda, porém, não extinguia os períodos de maiores dificuldades. Em nenhum momento

Eurípedes retrocedeu, até porque a fé movia todas as suas ações. Essa confiança irrestrita estimulava os seus

colaboradores.

Dois horários eram rigorosamente observados para o receituário e os consequentes trabalhos: Pela

manhã — atendia-se aos pedidos de fora. Das 15h30 às 17h30. — o serviço era dedicado às

solicitações locais. Eurípedes, sentado à sua escrivaninha ampla, era o intérprete do Espírito Dr.

Adolfo Bezerra de Menezes, no receituário.388

A atuação de Bezerra de Menezes foi crucial para que o trabalho de caridade tivesse êxito no alcance

dos mais necessitados:

Efetivamente, o Espírito Bezerra de Menezes fora o companheiro dedicadíssimo, o colaborador da

Missão esplendorosa, onde ambos granjearam uma folha de serviços na Seara de Jesus, cujo valor

dimensional não podemos aquilatar.389

Eurípedes com a Farmácia Espírita Esperança e Caridade não apenas ajudava aos doentes a se

restabeleceram fisicamente. Em muitas receitas, Eurípedes orientava a leitura das obras de Allan Kardec,

pois do que adianta o corpo são se o espírito permanece na ignorância e no erro?

Assim, naquela pequena farmácia, iam-se formando equipes, que se moldavam no trabalho

diuturno, cultivando o Amor, em busca do Mestre no santuário das próprias almas.390

7. Fidelidade a Deus

Eurípedes, em toda a sua existência, manteve o pensamento em relação íntima com Deus, como

podemos verificar no poema de sua autoria, cujo título é Deus:

O Universo é obra inteligentíssima, obra que transcende a mais genial inteligência humana. E,

como todo efeito inteligente tem uma causa inteligente, é forçoso inferir que a do Universo é

superior a toda inteligência. É a inteligência das inteligências, a causa das causas, a lei das leis, o

princípio dos princípios, a razão das razões, a consciência das consciências; é Deus!... Deus!...

Nome mil vezes santo, que Isaac Newton jamais pronunciava sem descobrir-se!...

É Deus! Deus, que vos revelais pela natureza, vossa filha e nossa mãe. Reconheço-vos eu, Senhor,

na poesia da Criação, na criança que sorri, no ancião que tropeça, no mendigo que implora, na mão

que assiste, na mãe que vela, no pai que instrui, no apóstolo que evangeliza!

Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, no amor da esposa, no afeto do filho, na estima da irmã, na

justiça do justo, na misericórdia do indulgente, na fé do pio, na esperança dos povos, na inteireza

dos íntegros!

Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, no estro391

do vale, na eloquência do orador, na inspiração do artista,

na santidade do moralista, na sabedoria do filósofo, nos fogos do gênio!

Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, na flor dos vergéis,392

na relva dos vales, no matiz dos montes,

na amplidão dos oceanos, na majestade do firmamento!

Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, nos lindos antélios,393

no Iris multicolor, nas auroras polares, no

argênteo394

da Lua, no brilho do Sol, na fulgência das estrelas, no fulgor das constelações!

387

NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 13 — A Farmácia Espírita Esperança e Caridade, p. 144. 388

______. ______. p. 160. 389

______. ______. p. 146. 390

NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. p. 162. 391

Estro: Entusiasmo artístico; veio, gênio, inspiração. 392

Vergéis: Jardins.

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Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, na formação das nebulosas, na origem dos mundos, na gênese

dos sóis, no berço das humanidades; na maravilha, no esplendor, no sublime do infinito!

Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, com Jesus, quando ora: “Pai nosso que estais no céu...” ou com

os anjos, quando cantam: “Glória a Deus nas alturas...” “Aleluia!...”395

393

Antélios: Claridade refletida pelo Sol, no lado oposto a ele. 394

Argênteo: Brilhante como prata. 395

Eurípedes Barsanulfo, Sacramento, 18 de janeiro de 1914.

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CAPÍTULO 20

CHICO XAVIER: O APÓSTOLO DA MEDIUNIDADE

Se eu fosse alguém, se eu tivesse influência, se eu fosse realizar alguma coisa em benefício da comunidade, e se eu tivesse a menor autoridade para fazer isso, eu apenas repetiria para mim mesmo e para todos os nossos irmãos em humanidade de todas as terras e de todos os idiomas, aquelas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, porque amor é esquecimento de si mesmo; porque amor é nada pedindo para si mesmo. O “Amai-vos uns aos outros” foi superado pelo “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. Amar alguém ou alguma causa sem pedir nada, sem esperar o pagamento nem mesmo da compreensão e da inteligência do próximo...é trabalhar por uma humanidade mais feliz, por um mundo melhor, pela extinção das guerras e pelo incentivo do progresso em bases morais convenientes para que nós todos estejamos no melhor lugar possível, que possamos ocupar, no campo da vida humana, servindo ao Pai, ao Criador, ao Nosso Senhor Jesus Cristo e a todos os princípios cristãos ou mesmo aos princípios mais nobres de outras religiões, para que com o respeito mútuo, possamos vencer todas as barreiras e amar como o amor deve ser consagrado entre nós, isto é, amor sem recompensa [...]

Chico Xavier

Relatar fatos históricos significativos da vida de Chico Xavier.

Analisar, em caráter introdutório, a abrangência da obra mediúnica de

Chico Xavier para uma compreensão mais madura da humanidade

acerca da vida espiritual.

1. A missão dos discípulos

Vós sois a luz do mundo; não se pode ocultar uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a

candeia colocando-a debaixo do módio, mas sobre o candeeiro, assim ilumina todos que estão na casa.

Da mesma forma, brilhe a vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e

glorifiquem vosso Pai, que está nos Céus. (Mateus, 5:14a 16.)396

Certa vez Francisco de Assis afirmou: “Pregai o Evangelho, se for necessário, utilize palavras”. Essa

recomendação é de uma atualidade desconcertante. Se todas as bocas que louvam a Jesus vivessem o

Evangelho, o mundo já estaria transformado. O Cristo com as suas palavras de vida eterna, conclama aos

seus discípulos de ontem e hoje a serem a luz do mundo, isto é, a agirem como cartas vivas do Evangelho.

O Mestre foi muito claro em sua exposição. Para que os discípulos sejam a luz do mundo,

simbolizarão cidades edificadas sobre a montanha, onde nunca se ocultem. A fim de que o

operário de Jesus funcione como expressão de claridade na vida, é indispensável que se eleve ao

396

DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1 ed. Brasília: FEB, 2016. Missão dos discípulos.

Objetivos

Ideias principais

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monte da exemplificação, apesar das dificuldades da subida angustiosa, apresentando-se a todos na

categoria de construção cristã.397

A contribuição da obra de Chico Xavier para a compreensão do Evangelho foi inestimável.

Todavia, a sua vida é um espelho de sua mensagem. Se a intenção deste trabalho fosse abordar toda a vida de Chico Xavier, evidentemente um capítulo

seria insuficiente para abranger 75 anos de exemplificação no trabalho espírita. Por esse motivo, será dado o

devido enfoque a determinados ângulos do seu trabalho apostolar, com a finalidade de estimular um estudo

mais aprofundado.

2. A evolução do pensamento religioso

O pensamento, a crença e o sentimento religiosos estão entre as mais enganosas atividades do

espírito humano. Afirmamos, frequentemente, que é em Deus que acreditamos, mas, na realidade,

pode ser que acreditemos num símbolo de nossos interesses pessoais, no qual insistimos. Podemos

admitir que nos sentimentos atraídos por Deus, mas, na verdade, pode ser que o verdadeiro objeto

de nossa adoração seja outro poder qualquer desse mundo. Podemos afirmar que nos importamos

com Deus, mas pode ser que estejamos preocupados apenas com o nosso próprio ego. Examinar

nossa existência religiosa é, portanto, uma tarefa que tem de ser executada constantemente.398

Por milênios, a religiosidade humana esteve condicionada às variáveis de nossa condição de espíritos

ainda a caminho da luz.

Jesus veio para propor uma religiosidade completamente espiritual e a Humanidade se viu diante de

algo absolutamente renovador. Apesar da vinda do Guia e Modelo da Humanidade ter mostrado a verdadeira

essência da religiosidade, isso não impediu, todavia, que os velhos hábitos da religiosidade milenar

continuassem a ter espaço privilegiado em nossas experiências existenciais.

Em virtude disso, o Cristianismo puro e simples pouco a pouco transformou-se em um conjunto de

práticas rituais, instituições mundanas e hierarquias descomprometidas com o Cristo. A Doutrina Espírita, na

qualidade de Cristianismo redivivo, veio ao mundo com a divina tarefa de resgatar a religiosidade

apresentada por Jesus, no período em que a Humanidade já havia progredido o suficiente para ter acesso a

uma experiência religiosa genuinamente espiritual.

Quando Allan Kardec codificou a Doutrina Espírita, ele nos colocou em condições de ter um contato

maduro com a Espiritualidade. As obras psicografadas por Chico Xavier, ao desenvolver os princípios da

Doutrina Espírita, descortinaram este novo horizonte. Por intermédio de sua mediunidade abençoada, foi

erguido um monumento literário que expõe a realidade espiritual de maneira sistemática, lógica e

consoladora, algo inédito no mundo.

3. Devotamento e humildade

Chico Xavier costumava dizer que apenas os benfeitores espirituais deveriam receber o justo

reconhecimento pelos livros psicografados. Compreendia que as suas faculdades mediúnicas eram

semelhantes aos “talentos” da parábola imortalizada por Jesus. Deveria, pois, na posição de servidor

consciente e vigilante, multiplicar esses talentos por meio do serviço no bem e em favor do próximo.

4. Um pouco de sua história

Chico Xavier nasceu em 2 de abril de 1910, em Pedro Leopoldo, pequena cidade de Minas Gerais.

Seus pais — João Cândido, vendedor de bilhetes de loteria, e Maria João de Deus, dona de casa e lavadeira

—, tiveram nove filhos. A mãe de Chico Xavier morreu quando ele tinha apenas 5anos. Essa perda precoce

desestruturou o seio familiar de Chico Xavier, e na impossibilidade de João Cândido criar todos os filhos

sozinho, teve de distribuí-los a parentes e a amigos.

Dessa maneira, o menino Chico Xavier passou dois anos sob os cuidados de sua madrinha, período

em que começou a ver o espírito de sua mãe, com quem conversava como se viva ainda estivesse. A família,

397

XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 76 — Edificações. 398

HESCHEL, Abraham Joshua. Deus em busca do homem. Trad. Tuca Magalhães. 1. ed. São Paulo: Arx, 2006. Cap. 1, p. 26.

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no entanto, não via com bons olhos este comportamento, chegando inclusive a questionar se o precoce

médium não possuía algum tipo de perturbação mental.

Em 1917, João Cândido casou-se novamente. Sua abnegada esposa exigiu que os filhos do

casamento anterior fizessem parte da nova família. Posteriormente, mais seis filhos coroariam a constelação

familiar.

Chico Xavier ingressou na escola primária aos 9 anos. Ao relatar com naturalidade o contato que

mantinha com seres vistos apenas por ele e mais ninguém, tornou-se alvo frequente de zom-barias.

Em um período em que quase todas as famílias eram católicas, o seu convívio com os espíritos

despertava contrariedades, sobretudo em João Cândido, cuja preocupação levou-o a cogitar a hipótese de

interná-lo num sanatório.

Curiosamente, coube ao padre Sebastião Scarzelli, com quem Chico Xavier se confessava, a

sugestão para os supostos “problemas”. Além das penitências que prescrevia ao menino, o padre convenceu a

sua família de que todas aquelas experiências eram meras fantasias e que bastariam duas medidas a serem

tomadas: deixá-lo longe de livros, jornais e revistas, provável fonte de suas “criações mentais”, e ocupá-lo

com um emprego para que não tivesse tempo para pensar em “devaneios perigosos”.

A recomendação foi cumprida à risca: João Cândido queimou as folhas impressas, e, aos 10anos,

Chico Xavier começou a trabalhar na fábrica de tecidos da cidade de Pedro Leopoldo. A sua rotina, para

dizer o mínimo, era muito desgastante: pela manhã, frequentava a escola e das quinze horas à uma da manhã,

trabalhava como servente de fiação. Este trabalho provocou problemas pulmonares no menino Chico Xavier.

A sua experiência escolar foi encerrada precocemente com a conclusão do curso primário em 1923.

Pouco tempo depois, passou a trabalhar como servente de cozinha no “Bar do Dove” das sete horas às vinte

horas. Aos 15 anos, tornou-se balconista de um pequeno armazém, onde trabalhou por cerca de dez anos. Em

1933, começou a trabalhar como auxiliar de serviço na Fazenda Modelo, órgão vinculado ao Ministério da

Agricultura. Daí em diante, Chico Xavier só deixou essa ocupação em 1961, quando se aposentou como

escriturário.

Em 1927, uma de suas irmãs apresentou sintomas de perturbação mental e os médicos não

conseguiram curá-la. Apesar da ligação com o catolicismo, ao não encontrar uma solução na Medicina, a

família de João Cândido solicitou ajuda a um casal de espíritas. A intervenção dos amigos espíritas foi

exitosa e esse episódio despertou o interesse de Chico Xavier e de alguns de seus familiares pela Doutrina

Espírita.

Neste mesmo ano, Chico e estes mesmos familiares fundaram o Centro Espírita Luiz Gonzaga, o

primeiro a existir na cidade de Pedro Leopoldo. Era um momento de transição na vida de Chico Xavier. O

preconceito social cedia lugar ao desenvolvimento de sua mediunidade a partir dos princípios expostos pela

Codificação de Allan Kardec.

Aos 17 anos, Chico iniciou a prática da psicografia. Basicamente, Allan Kardec esclarece em O

Livro dos Médiuns que a psicografia é a transmissão do pensamento do espírito mediante a escrita feita com

a mão do médium.

O amadurecimento pessoal e uma melhor compreensão de suas capacidades mediúnicas, permitiu-

lhe um encontro espiritual que seria um divisor de águas em sua vida. Apareceu-lhe o Espírito Emmanuel

propondo orientá-lo em seus trabalhos mediúnicos sob a condição de absoluto devotamento e disciplina. O

próprio Chico Xavier relata este encontro — ou, melhor dizendo, reencontro —, memorável:

Lembro-me de que, em 1931, numa de nossas reuniões habituais, vi a meu lado, pela primeira vez,

o bondoso Espírito Emmanuel.

Eu psicografava, naquela época, as produções do primeiro livro mediúnico, recebido por meio de

minhas humildes faculdades, e experimentava os sintomas de grave moléstia nos olhos.

Via-lhe os traços fisionômicos de homem idoso, sentindo minha alma envolvida na suavidade de

sua presença, mas o que mais me impressionava era que a generosa entidade se fazia visível para

mim, dentro de reflexos luminosos que tinham a forma de uma cruz. Às minhas perguntas naturais,

respondeu o bondoso guia:

“Descansa! Quando te sentires mais forte, pretendo colaborar igualmente na difusão da Filosofia

espiritualista. Tenho seguido sempre os teus passos e só hoje me vês, na tua existência de agora,

mas os nossos espíritos se encontram unidos pelos laços mais santos da vida, e o sentimento

afetivo que me impele para o teu coração tem suas raízes na noite profunda dos séculos.”

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Essa afirmativa foi para mim imenso consolo e, desde essa época, sinto constantemente a presença

desse amigo invisível que, dirigindo as minhas atividades mediúnicas, está sempre ao nosso lado,

em todas as horas difíceis, ajudando-nos a raciocinar melhor, no caminho da existência terrestre.

[...]399

No ano seguinte, Chico Xavier apresentou sua primeira obra à Federação Espírita Brasileira (FEB):

Parnaso de Além-túmulo.

5. Parnaso de Além-túmulo

O livro de poemas mediúnicos intitulado Parnaso de Além-túmulo, composto por 259 poemas

atribuídos a 56 poetas brasileiros e portugueses, foi a primeira obra mediúnica de Chico Xavier.

O ano era de 1932 e a repercussão da obra foi imediata no círculo intelectual brasileiro.

O escritor Zeferino Brasil, integrante da Academia Riograndense de Letras, traduziu a

perplexidade geral numa crônica publicada no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre. “Ou os

poemas em apreço são de fato dos autores citados e foram realmente transmitidos do além ao

médium ou o Sr. Francisco Xavier é um poeta extraordinário, capaz de imitar os maiores gênios da

poesia universal”.400

Parnaso de Além-túmulo é uma obra-prima da literatura mundial! A sua relevância, porém, não é

apenas artística. Emmanuel, como o maestro deste trabalho cooperativo, tem a preocupação de harmonizá-la

com a Codificação de Allan Kardec. Movido por este propósito, todos os poemas de Parnaso de Além-

túmulo estão em perfeita sintonia com as leis morais contidas em O Livro dos Espíritos.

***

O artigo “Poetas do outro mundo”, do escritor Humberto de Campos, publicado no Diário Carioca

em 10 de julho de 1932, resume o sentimento de espanto com os poemas de Parnaso de Além-túmulo. Eis

um trecho do artigo deste escritor que na ocasião era integrante da Academia Brasileira de Letras:

Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que,

fazendo versos pela pena do Sr. Francisco Cândido Xavier, os poetas de que ele é intérprete

apresentam as mesmas características de inspiração e de expressão que os identificavam neste

planeta. Os temas abordados são os que os preocuparam em vida. O gosto é o mesmo e o verso

obedece, ordinariamente, à mesma pauta musical. Frouxo e ingênuo em Casimiro, largo e sonoro

em Castro Alves, sarcástico e variado em Junqueiro, fúnebre e grave em Antero, filosófico e

profundo em Augusto dos Anjos [...].401

A obra inaugural do apostolado mediúnico de Chico Xavier estava longe de ser unanimidade entre a

elite pensante brasileira. Contudo, vale menção o artigo do poeta Djalma Andrade, publicado no Diário da

Tarde de Belo Horizonte, em 28 de julho de 1944. Djalma Andrade rebate a acusação de que os poemas

mediúnicos são inferiores aos poemas escritos em vida pelos autores espirituais. Para Djalma, essa visão não

correspondia à realidade, chegando a comentar no artigo: “Alguns foram meus conhecidos, neste mundo.

Lendo-os, agora, sou forçado a reconhecer que progrediram muito...”

6. Série mediúnica de Humberto de Campos

Entre os anos de 1937 e 1943, Chico Xavier psicografou cinco livros de autoria do Espírito

Humberto de Campos. Essas obras obtiveram grande sucesso de público, superando as vendas dos livros do

autor enquanto esteve vivo.

Em 1944, algo de inédito e paradoxal iria acontecer: a viúva do escritor Humberto de Campos,

Catarina Vergolino de Campos, resolveu entrar com uma ação judicial contra Chico Xavier e a Federação

399

XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Explicando..., p.12. 400

MAIOR, Marcel Souto. As vidas de Chico Xavier. 2. ed. São Paulo: Editora Planeta, 2003. Cap. 3, p. 46. 401

PONSARDIN, Mickaël. Chico Xavier, O Homem e o Médium. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: Conselho Espírita Internacional, 2010. Cap. V. — Sucessos e dissabores, p. 73 e 74. In: BACELLI, Carlos Antônio. Chico Xavier, mediunidade e ação.

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Espírita Brasileira, responsável pela publicação das obras espirituais do escritor maranhense. Catarina

chegou ao cúmulo de solicitar ao Ministério Público que julgasse se os livros psicografados eram de fato de

autoria de seu falecido marido e, caso confirmada esta hipótese, se os herdeiros teriam ou não acesso aos

direitos autorais sobre estas produções literárias.

A ação judicial era inédita em todo o mundo, provocando uma acirrada discussão no meio intelectual

a respeito da psicografia de Chico Xavier. Apesar de querer ficar alheia a esse tipo de polêmica, até mesmo a

Academia Brasileira de Letras transformou-se numa arena de debates acalorados.

Com base no entendimento de que os direitos autorais de uma pessoa terminam com a sua morte, a

ação judicial movida pela viúva de Humberto de Campos foi arquivada. Curioso notar como o autor

espiritual parecia prever, sete anos antes do acontecimento, todo esse imbróglio. No prefácio de Crônicas de

Além-túmulo, ditado a Chico Xavier em 25 de junho de 1937, Humberto de Campos deixou claro suas novas

motivações:

Desta vez, não tenho necessidade de mandar os originais de minha produção literária a

determinada casa editora, obedecendo a dispositivos contratuais, ressalvando-se a minha estima

sincera pelo meu grande amigo José Olympio. A lei já não cogita mais da minha existência, pois,

do contrário, as atividades e os possíveis direitos dos mortos representariam séria ameaça à

tranquilidade dos vivos.

Enquanto aí consumia o fosfato do cérebro para acudir aos imperativos do estômago, posso agora

dar o volume sem retribuição monetária. O médium está satisfeito com a sua vida singela, dentro

da pauta evangélica do “dai de graça o que de graça recebestes” e a Federação Espírita Brasileira,

instituição venerável que o prefeito Pedro Ernesto reconheceu de utilidade pública, cuja livraria

vai imprimir o meu pensamento, é sobejamente conhecida no Rio de Janeiro, pelas suas

respeitáveis finalidades sociais, pela sua assistência aos necessitados, pelo seu programa cristão,

cheio de renúncias e abnegações santificadoras.402

Os detalhes deste processo judicial estão bem registrados pelo advogado Dr. Miguel Timponi no seu

livro A Psicografia ante os Tribunais.

***

Para evitar outras ações judiciais, a partir de 1945, Humberto de Campos assina as suas obras como

Irmão X. Suas páginas estão repletas de informações valiosas. O seu estilo de escrita impressiona pela beleza

e fina ironia. Estas são as suas obras, cuja leitura deve ser sempre recomendada:

Crônicas de Além-túmulo — 1937

Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho — 1938

Novas Mensagens — 1940

Boa Nova — 1941

Reportagens de Além-túmulo, o último título atribuído a Humberto de Campos — 1943

Lázaro Redivivo, o primeiro assinado por Irmão X — 1945

Luz Acima — 1948

Pontos e Contos — 1951

Contos e Apólogos — 1958

Contos Desta e Doutra Vida — 1964

Cartas e Crônicas — 1966

Estante da Vida — 1969

7. A obra espiritual de Emmanuel na Pátria do Evangelho

Emmanuel é aquele coração profundamente evangelizado, que conhece Jesus e lhe devota

profundo amor. É ele o responsável por todo esse grandioso movimento espiritual que tem em

Chico Xavier o medianeiro encarnado.403

402

XAVIER, Francisco C. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito Humberto de Campos. 17. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2016. Ao leitor, p. 9 e 10. 403

SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. Palavras finais.

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Arnaldo Rocha, fundador do Grupo Espírita Meimei, de Pedro Leopoldo, e importante colaborador

de Chico Xavier nas atividades do Centro Espírita Luiz Gonzaga, em inúmeras ocasiões confidenciou uma

história cuja reflexão permanece atual. Com a presença do importante médium Peixotinho, foi realizada uma

sessão no Centro Espírita Luiz Gonzaga voltada para o fenômeno da materialização dos espíritos. No final

desta reunião, Arnaldo relata que, inesperadamente, surge uma figura espiritual imponente, usando uma

túnica estilo romano com traços de inspiração grega. Arnaldo informa que este espírito levanta uma tocha

com a mão esquerda e o que vem a seguir causou perplexidade a todos os presentes: a luminosidade da tocha

chega a todos os recantos do ambiente simples. Depois do assombro, tiveram a chance de notar: era a figura

luminosa de Emmanuel. Ainda atônitos diante de tamanha grandiosidade espiritual, os presentes tiveram a

oportunidade de ouvirem a voz firme, porém amorosa, do benfeitor espiritual: “O compromisso do médium é

com o livro, porque o livro educa”.

Este era Emmanuel, coordenador e supervisor de toda a obra literário-mediúnica de Chico Xavier,

responsável pelas centenas de mensagens interpretativas dos textos do Novo Testamento e tantas outras

mensagens de esclarecimento e consolo.

Pela clareza, sinceridade, firmeza e lealdade com que expõe suas ideias; pelos ensinamentos que

transmite; pela mais pura moral cristã que veicula, Emmanuel conquistou a confiança e o apreço

incondicionais devasta legião de aprendizes da Boa-Nova do Reino, no Brasil.404

8. Romances históricos de Emmanuel

Estou absolutamente convencido de que no futuro não muito distante, os romances históricos de

Emmanuel serão analisados não apenas por espíritas, mas por uma infinidade de pesquisadores desejosos de

se aprofundarem em fatos e circunstâncias trazidos pelo benfeitor espiritual para uma melhor compreensão

do Cristianismo dos primeiros séculos.

Os romances históricos, em linhas gerais, possuem duas características fundamentais: pesquisa

histórica e ficção. Para ilustrar melhor esta assertiva, imagine um escritor decidido a elaborar um romance

histórico. Uma tarefa primordial, sem a qual um romance perde sentido, é a construção do cenário.

Compreendendo esta necessidade, vamos supor que o nosso autor fictício opte como cenário de sua narrativa

a cidade do Rio de Janeiro do século XIX. Com essa etapa concluída, o escritor poderá criar os personagens

que atuarão neste cenário. Logicamente, isso não constitui uma regra, pois é perfeitamente possível imaginar

os personagens antes para em seguida pensar no cenário. O que importa frisar é que um romance histórico,

muitas vezes, é composto de realidade e ficção, pois do contrário deixaria de ser um romance e passaria a se

tornar, por exemplo, uma reportagem jornalística.

Você deve estar se perguntando: afinal, isso se transformou em aula de literatura? Seu possível

questionamento faz sentido, mas essas informações iniciais eram necessárias para mostrar o quanto os

romances históricos de Emmanuel se distinguem do padrão normativo deste gênero literário.

Ora, nos romances de Emmanuel, não há, em nenhum momento, ficção! Não era o seu propósito

idealizar personagens e episódios. Tanto isso é verdade que o primeiro romance, intitulado Há Dois Mil

Anos, de 1940, diz respeito a uma de suas vidas como o senador Publius Lentulus.

Em 30 de dezembro de 1938, no trabalho de revivescência de suas mais recônditas memórias,

Emmanuel expõe com clareza o sentimento que movia o seu coração:

Para mim essas recordações têm sido muito suaves, mas também muito amargas. Suaves pela

rememoração das lembranças amigas, mas profundamente dolorosas, considerando o meu coração

empedernido, que não soube aproveitar o minuto radioso que soara no relógio da minha vida de

Espírito, há dois mil anos.

Permita Jesus que eu possa atingir os fins a que me propus, apresentando, nesse trabalho, não uma

lembrança interessante acerca de minha própria personalidade, mas, tão somente, uma experiência

para os que hoje trabalham na semeadura e na seara do nosso divino Mestre.405

Se Emmanuel não criou personagens e, evidentemente, não realizou uma pesquisa histórica limitada

aos documentos ou vestígios materialmente disponíveis aos estudiosos da Terra, como foi construída toda a

narrativa?

404

BÉRNI, Duílio Lena. Brasil, mais além!. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1999. Emmanuel. 405

XAVIER, Francisco C. Há Dois Mil Anos. Pelo Espírito Emmanuel. 49. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Na intimidade de Emmanuel, p. 8.

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152

Ao pesquisar essa complexa questão, Haroldo Dutra Dias, juntamente com outros pesquisadores

chegaram a seguinte conclusão: Emmanuel realizou uma pesquisa histórica por meio do resgate de registros

psíquicos.

Na introdução de Arquivos Psíquicos do Egito, Hermínio Miranda respalda essa hipótese

apresentada:

Ainda que timidamente e a espaços, começa a despertar a consciência de que os mais amplos e

confiáveis arquivos da história não são os documentos de pedra, cerâmica, papiro e pergaminho,

mas os que se preservaram no psiquismo humano. Enquanto aqueles se deterioram com o passar

do tempo e chegam aos pesquisadores — quando chegam — fragmentados, ilegíveis e, às vezes

indecifráveis, a memória é indelével e desafia os milênios. No psiquismo de todos nós, estão

gravadas para sempre as vivências passadas no anonimato das plateias ou sob os holofotes da

ribalta, fazendo história, em vez de apenas assisti-la.

Diante desta hipótese, outro questionamento veio à tona: qual a finalidade de Emmanuel em

apresentar tantos detalhes históricos em um romance de consequências morais? A conclusão a que chegaram,

parece-me bastante plausível: Emmanuel ao apresentar detalhes inéditos, inacessíveis aos estudiosos de todos

os tempos, prova a imortalidade da alma.

Dia virá em que as ciências humanas e sociais não estarão mais restritas majoritariamente às

ideologias materialistas e ao seu campo limitado de observação. Quando este dia chegar, os romances

históricos de Emmanuel abrirão novas perspectivas para o conhecimento intelectual e acadêmico.

Se o amigo leitor se entusiasmou com a grandiosidade deste projeto de resgate histórico, não deixe

de ler, se instruir e se emocionar com os romances de Emmanuel:

Há Dois Mil Anos — 1940

Cinquenta Anos Depois — 1940

Paulo e Estêvão — 1942

Renúncia — 1943

Ave, Cristo! — 1953

9. Série mediúnica de André Luiz

[...] Emmanuel, desde fins de 1941, se dedica, afetuosamente, aos trabalhos de André Luiz. Por

essa época, disse-me ele a propósito de “algumas autoridades espirituais” que estavam desejosas

de algo lançar em um nosso meio, com objetivos de despertamento. Falou-me que projetavam

trazermos páginas que nos dessem a conhecer aspectos da vida que nos espera no “outro lado”, e,

desde então, onde me concentrasse, via sempre aquele “cavalheiro espiritual”, que depois se

revelou por André Luiz, ao lado de Emmanuel. Assim decorreram quase dois anos, antes do Nosso

Lar.406

Em todas as épocas da Humanidade, o mundo espiritual foi retratado com uma linguagem metafórica

em que aspectos simbólicos sobressaiam a princípio com uma exposição objetiva e racional de sua realidade.

Com as obras de André Luiz, a Humanidade teve acesso a uma descrição detalhada da vida

espiritual, preparando as nossas consciências para a transição da morte. Uma riqueza de detalhes

inquestionável e uma profundidade de conceitos sem a roupagem da fantasia: este é um dos méritos

inquestionáveis dos escritos de André Luiz.

De médico aprendiz no plano espiritual, André Luiz teve a chance de viver inúmeras experiências

esclarecedores para em seguida compartilhá-las com os encarnados. Neste sentido, em 1943, as portas do

mundo espiritual foram abertas e reveladas por André Luiz com a obra Nosso Lar.

André Luiz escreve para educar, e por essa razão não há espaço para curiosidades pueris nem

tampouco relatos que não contenham preciosos ensinamentos com o propósito de esclarecer questões antes obscuras. No prefácio de Nosso Lar, Emmanuel ao apresentar o novo amigo, revela a essência do

trabalho de iluminação das consciências:

406

SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. Surge André Luiz — Detalhes de Missionários da luz e da Obra de André Luiz — 12/10/1946.

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[...] há muito desejamos trazer ao nosso círculo espiritual alguém que possa transmitir a outrem o

valor da experiência própria, com todos os detalhes possíveis à legítima compreensão da ordem

que preside o esforço dos desencarnados laboriosos e bem-intencionados nas esferas invisíveis ao

olhar humano, embora intimamente ligadas ao planeta.

[...]

André Luiz vem contar a você, leitor amigo, que a maior surpresa da morte carnal é a de nos

colocar face a face com a própria consciência, na qual edificamos o céu, estacionamos no

purgatório ou nos precipitamos no abismo infernal; vem lembrar que a Terra é oficina sagrada, e

que ninguém a menosprezará sem conhecer o preço do terrível engano a que submeteu o próprio

coração.407

Emmanuel termina a apresentação do livro com uma frase lapidar: “[...] em nosso campo doutrinário,

precisamos, em verdade, do Espiritismo e do Espiritualismo, mas, muito mais, de Espiritualidade”.

Espiritualidade é uma aquisição interior que uma vez conquistada não se perde jamais!

***

O fio condutor que une todos os capítulos d os livros de André Luiz é a caridade. Todos os casos são

abordados com extremo respeito, independente da condição espiritual dos personagens retratados.

É possível dizer com segurança que ler André Luiz também é um desafio intelectual, porque ele trata

de alguns temas que nos obrigam a rever o nosso modo de pensar a vida e a nossa caminhada evolutiva.

Em todo o seu trabalho jamais se permitiu fantasias ou delírios objetivando atemorizar os seres

humanos, sempre considerando a qualidade sublime de Deus-amor, ultrapassando os tradicionais

textos religiosos das doutrinas ortodoxas a respeito do Deus-pavor, que reaparece na atualidade de

alguma forma severo e cruel, inclusive, em algumas informações ditas do Além-túmulo...

[...]

Estudar a fantástica obra do mensageiro espiritual é dever de todo aquele que deseja compreender

a vida e os fenômenos em torno da morte, assim como da sobrevivência do Espírito à disjunção

cadavérica, adquirindo conhecimento e propondo-se a viver de maneira consentânea com as lições

aprendidas com esse dedicado e humilde servidor de Jesus.408

10. Amor e renúncia

Consta no Evangelho de João, 21:25, interessante informação a respeito de Jesus. O texto afirma que

se todas as coisas que Jesus realizou fossem escritas uma por uma, nem mesmo o mundo teria lugar para os

livros escritos. A vida de Chico Xavier e a sua obra psicográfica foram instrumentos para a mais abrangente

difusão da Doutrina Espírita no Brasil, motivo pelo qual em apenas um despretensioso capítulo como este

seria insuficiente para dimensionar a amplitude do seu apostolado.

Nas manifestações públicas, entrevistas e diálogos, Chico Xavier demonstrou respeito, prudência e

fidelidade a Jesus e a Kardec. No acolhimento e ajuda continuada aos necessitados do alimento espiritual e

material, Chico Xavier sempre levou o amparo necessário e a palavra de carinho, consolo e alento. Se

possível fosse definir Chico e sua obra em apenas duas palavras, ousaria mencionar o amor e a renúncia.

407

XAVIER, Francisco C. Nosso Lar. Pelo Espírito André Luiz. 64. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2016. Novo amigo, p. 10 e 11. 408

CAMPETTI SOBRINHO, Geraldo. A vida no mundo espiritual: estudo da obra de André Luiz. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Apresentação, p. 13 e 14.

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CAPÍTULO 21

DIVALDO FRANCO: UMA VIDA A SERVIÇO DO PRÓXIMO

Gostaria de dizer que vale a pena amar. Se você não é amado, não é importante. O

importante é quando ama. Não se preocupe com os inimigos. Todos nós temos inimigos. Mas isto é secundário. O importante é não ser inimigo de ninguém. Se alguém não gosta de você, o problema é dele. Mas quando você não gosta de alguém o problema é seu. Então, ame! Seja qual for a circunstância. O amor é o sublime elixir409 da plenitude: para quem o esparge410 e para quem é dirigido. Então, como disse Jesus: “Amar a Deus acima de todas as coisas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Ame-se também. Quando você se ama, você se instrui, você se cuida, você se prepara para uma vida feliz. E somente quando você se ama é que você é capaz de amar a outrem, porque amando-se, você pode perceber as dificuldades que existem para o indivíduo abandonar as suas imperfeições, as suas mazelas...em tornar-se a tolerância, a compreensão, a fraternidade, por fim o amor. O amor é a alma da vida!

Divaldo Franco

Destacar, em linhas gerais, os acontecimentos significativos que marcaram

a vida e a atuação de Divaldo Franco na Doutrina Espírita.

1. O semeador saiu a semear...

Naquele dia, saindo Jesus de casa, estava assentado junto ao mar,e muitas turbas reuniram-se perto

dele, de modo que entrou no barco para se assentar, e toda a turba permanecera de pé na praia. E

lhes falou muitas {coisas} em parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear e, ao semear,

{uma parte} caiu à beira do caminho, e vieram as aves e as comeram 2. Outra {parte} caiu sobre

{solo} pedregoso, onde não havia muita terra, e brotou imediatamente, por não haver profundidade

de terra. Raiando o sol, foi crestada e, por não ter raiz, ressecou-se. Outra {parte} caiu sobre

espinheiros; os espinheiros subiram e as sufocaram. Outra {parte} caiu sobre terra boa e dava

fruto: uma cem, outra sessenta e outra trinta. Quem tem ouvidos, ouça! (Mateus, 13:1 a 9.)411

Divaldo Franco, assim como Chico Xavier, é um missionário com uma admirável tarefa a

desempenhar na Terra: a de levar a Doutrina Espírita aos corações necessitados de esclarecimento e consolo.

O programa de Divaldo para a existência atual, iniciou-se na Espiritualidade, dando

prosseguimento a tarefas específicas por ele exercidas em antecedente reencarnação, já no

exercício da mediunidade. Comprometeu-se ele, por certo, a ser um semeador de Jesus. A semear

o Evangelho a todas as gentes, tanto quanto lhe fosse possível e por todos os meios ao seu alcance.

Mas, semear a Boa-Nova em sua feição de Consolador, de Cristianismo puro que a Doutrina veio

revivescer.412

409

Elixir: bálsamo. 410

Espargir: espalhar, difundir. 411

DIAS, Haroldo D. (Trad.) O Novo Testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB: 2016. Parábola do semeador. 412

SCHUBERT, Suely Caldas. O Semeador de Estrelas.4. ed. Salvador: LEAL, 1998. Apresentação, p. 9 e 10.

Objetivo

Ideias principais

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O verdadeiro servidor do Evangelho é todo aquele que sente a necessidade de sair de si mesmo a fim

de beneficiar corações alheios. Não é uma tarefa fácil, não é mesmo? Há de se convir, porém, que não é

impossível, pois o Criador não elege criaturas mais capazes do que outras.

Assevera-nos, o Cristo de Deus: “e o semeador saiu a semear...”. Isso equivale a dizer que o

semeador saiu de si mesmo, a desvencilhar-se de todas as concepções de separatividade e egoísmo,

a fim de auxiliar e compreender, trabalhar e servir, amar e tolerar, com esquecimento de si mesmo

para vitória do Bem.413

Divaldo Franco, aos 90 anos, prossegue anunciando a Doutrina Espírita no Brasil e no mundo. Os

números relativos ao seu trabalho na seara espírita revelam a extensão do apostolado: até o momento, foram

aproximadamente 15 mil palestras proferidas e cerca de 300 livros publicados, que, juntos, chegaram a

marca de 10 milhões de exemplares vendidos.

Aquele que traz consigo o coração vibrando no entendimento fraterno, plenamente integrado na

conjugação do verbo servir, é, indiscutivelmente, o semeador que sai com Jesus a semear, sem

afligir-se com o tempo de rememoração e sem preocupar-se com os resultados, identificado com a

luz da verdade que lhe indica o futuro ilimitado e divino, na direção da seara de sabedoria e de

amor em pleno infinito.

O companheiro que traz consigo o coração é o semeador que sai com Jesus a semear, ajudando

incessantemente a execução do plano divino e preparando a seara do amor e da sabedoria, em

favor da Humanidade, no futuro Infinito. — André Luiz.414

Como bem assinalou Suely Caldas Schubert em Semeador de Estrelas, as três principais tarefas de

Divaldo Franco estão em harmonia com o tríplice aspecto da Doutrina Espírita: Ciência, Filosofia e Religião.

No que diz respeito à Ciência, a sua mediunidade possibilitou, por exemplo, um avanço na

abordagem dos temas psicológicos ao correlacioná-los com a gama de novas perspectivas apresentadas pela

Doutrina Espírita.

Com relação à Filosofia, na qualidade de orador espírita, sua ênfase tem sido voltada, sobretudo, para

temas filosóficos. Desde questões ético-morais até a busca pelo reequilíbrio emocional, Divaldo Franco foi

pioneiro na propagação das ideias espíritas por meio de palestras, seminários e workshops.

Por fim, no que tange à Religião, Divaldo Franco vive plenamente a moral cristã de amor e caridade.

Essa vivência foi de tal modo superlativa, que é possível vê-la materializada na Mansão do Caminho.

Por todas essas razões apresentadas, a missão assumida por Divaldo Franco na Espiritualidade e

levada a efeito ainda hoje com uma energia fora do comum, precisa ser realçada, tamanha é a sua amplitude

no concerto da harmonia geral.

Que estas páginas possam demonstrar o quanto Jesus, o maior de todos os semeadores, convida, a

cada um de nós, a semear na estrada do bem. Divaldo Franco aceitou o convite e prossegue semeando a boa

semente do Senhor.

2. Mediunidade na infância

O Brasil é hoje a nação com o maior número de seguidores e simpatizantes da Doutrina Espírita. A

estimativa mais aceita é de que haja 30 milhões de pessoas entre adeptos e os que acreditam em muitos dos

princípios espíritas sem, no entanto, frequentar com regularidade um Centro Espírita, por exemplo.

Este cenário era muito diferente no início da década de 30, período no qual Divaldo começou a ter

visões. A Doutrina Espírita era associada a magia e adivinhações pela Igreja Católica e a crime pelo Código

Penal de 1890. Somente em 1940 com a reformulação do Código Penal é que os artigos que relacionavam a

prática espírita a crimes foram retirados.

***

413

O Evangelho por Emmanuel: comentários ao evangelho segundo Mateus.(Coord. Saulo Cesar Ribeiro da Silva). 1.ed. Brasília: FEB, 2014. Mensagem: O semeador saiu, p. 389. In: Mensagem contida no livro Paz, originalmente publicada pela Editora Cultura Espírita União, cap. 6. 414

XAVIER, Francisco C. Dicionário da Alma. Autores diversos. (Org. Esmeraldina Bittencourt). 5. ed. Brasília: FEB, 2004. Verbete: semeador, p. 222 e 223.

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Nascido na cidade de Feira de Santana — Bahia, em 5 de maio de 1927, Divaldo é o caçula de 13

filhos de uma humilde família comandada por Francisco Pereira Franco e dona Ana Alves Franco. Desde

muito cedo, Divaldo percebeu ser diferente das outras crianças, por ser portador de faculdades especiais

ainda não compreendidas por ele mesmo e por sua família.

As primeiras visões relatadas por Divaldo eram vistas como “alucinações” ou como coisas do

“demônio”. Francisco, pai de Divaldo, passou a ficar ainda mais contrariado à medida que a mediunidade do

menino se mostrava prodigiosa com o passar do tempo, despertando a curiosidade da vizinhança. “Quem está

comigo?”e “O que ele diz?” eram perguntas corriqueiras a Divaldo. A sua mediunidade era tão natural que

para Divaldo era comum responder a esses questionamentos.

Nesse clima, as primeiras aparições relatadas pelo menino foram logo taxadas de demoníacas.

Algumas eram terríveis. Por vezes eram tão cruéis e ameaçadoras que Divaldo só conseguia

adormecer quando se refugiava na cama dos pais, mãos dadas à mãe. Outras entidades, mais

amorosas, tentavam consolá-lo ou enviar recados.415

A vida espiritual de Divaldo na adolescência foi bastante ativa, pois mantinha um intercâmbio

permanente com os espíritos. Em 1943, recebeu o diploma de professor primário, mas seu objetivo inicial era

ser médico ou sacerdote.

Ainda na juventude, Divaldo passaria vicissitudes emocionais em decorrência da morte de três de

seus irmãos ainda jovens. Ao buscar explicações para as suas dores emocionais, como católico convicto,

procurou o pároco local. Contudo, em vez de orientá-lo, o representante católico além de não aceitar era

incapaz de explicar os fenômenos mediúnicos experienciados por Divaldo.

Aos 17 anos, Divaldo sofreu paralisia nas pernas, sendo obrigado a ficar vários meses imobilizado

em uma cama depois de passar por vários médicos, sem ter uma solução para a sua enfermidade. Em visita a

Feira de Santana, a médium Ana Ribeiro Borges aplicou-lhe passes que muito o ajudaram naquele momento

crítico. Ato contínuo, recomendou a família de Divaldo que o levasse ao Centro Espírita no qual ela atendia

enquanto permanecia temporariamente na cidade baiana.

Católico praticante à época, Divaldo até que compareceu ao local, mas não deixou de levar o rosário

consigo para se proteger das possíveis investidas do “demônio”. Quando chegou ao Centro Espírita, ao ouvir

a prece de Cáritas, Divaldo entrou em transe mediúnico. Ao retornar à consciência, soube que a sua paralisia

era oriunda de sua mediunidade ostensiva.

O rapaz foi chamado a sentar-se à mesa. Pela primeira vez, ouviu a leitura de uma página de O

Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulada “Orgulho e humildade”. A prece de Cáritas abriu os

trabalhos. Psicografada no Natal de 1873, a oração foi ditada pelo Espírito Cáritas, que se

comunicava principalmente por meio de madame W. Krell, uma das grandes médiuns de seu

tempo, em um círculo espírita de Bordeaux, na França. Cáritas reencarnou como Irene, martirizada

em Roma no ano de 305. No próprio Evangelho e na Revista Espírita (periódico fundado por

Kardec, em 1850, encontram-se outras mensagens ditadas pelo mesmo Espírito, todas estimulando

a fraternidade, a solidariedade e a caridade.416

Foi com a Doutrina Espírita que o jovem Divaldo encontrou as respostas às suas inquietações,

podendo, pela primeira vez, na atual encarnação, educar a sua mediunidade seguindo a codificação espírita

apresentada por Allan Kardec no século XIX. Mas não foi apenas isso. Motivado pela missão de servir ao

próximo, Divaldo engajou-se, definitivamente, na divulgação dos postulados espíritas, o que mudou a sua

vida por completo.

***

Decorridos os primeiros contatos com a Doutrina Espírita, Divaldo mudou-se para Salvador. Prestou

concurso e empregou-se no Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), dando

início a sua carreira como exemplar funcionário público.

415

LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora, 2015. Cap. 2, p. 27. 416

LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora, 2015. Cap. 5, p. 54.

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Não estava programada em sua atual encarnação constituir família nos moldes tradicionais. Sua

família seria mais numerosa, bem mais numerosa. A sua encarnação estava reservada a causa humanista.

3. O encontro com Nilson de Souza Pereira

Em 1945, Divaldo conheceu aquele que viria a ser o seu grande irmão em sua jornada humanista:

Nilson de Souza Pereira. Na Praça Quinze Mistérios, situada no bairro de Santo Antônio, em Salvador,

existia uma acanhada escola de datilografia. Dona Helenita dos Santos era proprietária desta escola de

datilografia, cuja sede era em sua própria residência. Na época, ter um diploma de datilógrafo era uma

importante porta de entrada para o mercado de trabalho. Só que somente isso não era o suficiente, pois o que

adiantaria ter domínio técnico em datilografia e não ter compreensão básica da língua portuguesa?

Helenita conheceu Divaldo quando esteve em Feira de Santana. Informada de que ele procurava

emprego e moradia definitiva, ofereceu-lhe que lecionasse português e rudimentos de inglês a

alguns alunos. [...] O serviço adicional podia ser contratado mediante modesta quantia. Divaldo

aceitou imediatamente. Não estava em condições de recusar nada. Já em seus primeiros dias na

nova atividade, em fevereiro de 1945, um jovenzinho de aparência moderna entrou para se

matricular. Sem saber, seria aquele que se tornaria seu braço direito por toda a vida: Nilson de

Souza Pereira. Nascido em Plataforma, no subúrbio de Salvador, era quase três anos mais velho

que o médium e trabalhava como telégrafo da Marinha. Acreditava que o curso de datilografia

poderia abrir-lhe novas oportunidades.417

Três meses se passaram e Nilson estava no curso profundamente entristecido. Divaldo procurou

saber o que estava acontecendo com o então conhecido. Nilson explicou que o pai estava muito doente e

havia sido desacreditado pelos médicos. Divaldo explicou que era médium e se dispôs a ir até a casa do pai

para ajudá-lo. Nilson, até então sem esperanças, aceitou a contribuição.

Ao entrar na casa, Divaldo se viu diante de uma entidade perversa que acompanhava o doente. Neste

instante grave nascia uma amizade de 70 anos de respeito e de devotamento mútuo:

Um Espírito nobre — um médico, que somente se identificaria mais tarde — apareceu a Divaldo

recomendando passes e um medicamento homeopático, indicado para o fígado. Enquanto Nilson

corria à farmácia para comprar o remédio receitado pelo guia, Divaldo iniciou os passes. Fez assim

naquele dia e nos três dias seguintes. Pouco a pouco, o senhor melhorou e recuperou-se.

Mediante a esta prova irrecusável da relação dos espíritos com o mundo material, facultando a

melhora significativa do pai, Nilson tornou-se espírita. Amigos inesperáveis, Nilson e Divaldo passaram a

estudar melhor a doutrina que nortearia as ações dos dois no horizonte próximo.

Pouco a pouco, Nilson percebeu que deveria ser em vida um “guardião” de Divaldo. Sua

preocupação era ainda maior no início, haja vista as consequências traumáticas pelas quais Divaldo teve de

vivenciar em função de sua mediunidade ainda em processo de desenvolvimento e maturação.

4. O primeiro contato consciente com Joanna de Ângelis

Divaldo Franco, no decurso dessas quatro décadas de labor apostolar, sempre se manteve dentro de

uma ética irrepreensível. Prudente, discreto, humilde, jamais alardeou a superioridade de sua

Mentora, que ao longo do tempo foi-lhe sendo revelada. [...]418

Interessante notar como o ano de 1945 marcou a vida de Divaldo. Além de conhecer o grande amigo

e colaborador Nilson de Souza Pereira, foi neste ano em que teve o primeiro contato consciente com a

benfeitora espiritual Joanna de Ângelis. Ao senti-la diariamente ao seu derredor, Divaldo passou a ter uma

diretriz segura para as suas atividades mediúnicas.

No dia 5 de dezembro de 1945, eu a vi por primeira vez. A minha memória guardou a data,

porque foi um momento de muita significação e importância na minha atual existência.

417

LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora, 2015. Cap. 7, p. 63. 418

SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. 4. ed. Salvador: LEAL, 1998. Cap. 2 — Joanna, além do tempo, p. 22.

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Não a vi com as características de religiosa com que ela se vem apresentando nos últimos trinta anos, mas vi uma claridade muito grande, próxima de mim e uma voz muito meiga que me disse: — Eu tenho a tarefa de caminhar contigo na atual existência corporal e envidarei todos os esforços para que a nossa tarefa se coroe de êxito. Não te prometo as regalias nem as comodidades que, às vezes, entorpecem os sentidos e aniquilam os ideais. Não esperes de mim aquilo que o mundo pode dar e que tu conseguirás com teu próprio esforço, mas eu te afianço ser necessário que, na tua fidelidade à palavra do Senhor, contes com a minha presença de amiga na razão direta em que eu possa contar contigo nas necessidades do nosso programa.

419

5. Centro Espírita Caminho da Redenção No dia 5 de setembro de 1947, José de Costa Freitas, expositor espírita conhecido em todo o Brasil,

realizou uma palestra na União Espírita Baiana. Divaldo esteve presente no evento, ficou bastante admirado

com tudo o que ouviu e no final buscou se aproximar de Costa Freitas.

Foi por meio deste contato com Costa Freitas que Divaldo foi convencido da necessidade de se ter

um Centro Espírita em um endereço próprio, podendo, dessa maneira, realizar as reuniões mediúnicas e de

atendimento ao público com mais organização e eficiência.

Na noite seguinte, tomando por modelo os estatutos da própria União Espírita do Estado, Freitas

redigiu a primeira ata do novo Centro. Dois dias depois, em 7 de setembro, às 10 horas da manhã,

em um salão na residência de uma das frequentadoras das reuniões domésticas, dona Ethelvina

Perrone — na Rua Barão de Cotegipe, 224 — teve lugar a inauguração do Centro. A primeira

tarefa do grupo foi criar um serviço de apoio aos sofredores da região, conhecida como “invasão”.

Na área, sujeita a enchentes e local de despejo do lixo, palafitas e casas feitas de caixotes e barro

se uniam umas às outras por pequenas passarelas improvisadas sobre a imundice. Não raro,

crianças caíam e morriam afogadas, presas ao lodo.420

Em 1951, o Centro Espírita Caminho da Redenção ampliou a sua atuação ao inaugurar a Escola

Infantil Jesus Cristo. Um projeto educacional modesto, situado no quintal humilde de dona Ethelvina, mas

que com o tempo teria a projeção que os seus idealizadores nem poderiam supor quando empreenderam esta

iniciativa.

À medida que a mediunidade de Divaldo amadurecia e suas responsabilidades aumentavam, Joanna

de Ângelis passou a assumir mais diretamente a direção espiritual deste grande projeto em marcha de

ascensão.

É necessário recordar que Divaldo não deixou de trabalhar no IPASE para cumprir a sua missão.

Para poder dar conta de tudo, frequentemente varava as madrugadas atendendo no Centro Espírita Caminho

da Redenção.

6. Ide e pregai!

Divaldo realizou a sua primeira palestra na União Espírita Sergipana em março de 1947. A partir daí

surgiram inúmeros outros convites para divulgar a Doutrina Espírita em todo o Brasil, até que em 1962, foi

convidado a realizar uma palestra em Buenos Aires.

À medida que Divaldo foi se tornado mais conhecido, passou a falar em cinemas, teatros e clubes.

Na atualidade, Divaldo viaja o mundo propagando a Boa-Nova. Não raro, realiza palestras, seminários e

workshops em grandes auditórios para multidões.

Divaldo apresenta a Doutrina Espírita, conforme está na Codificação. Sua trajetória como principal

orador espírita do Brasil e do mundo não seria exitosa, como tem sido, se ele adotasse uma postura

personalista, emitindo opiniões pessoais em detrimento dos princípios doutrinários e das orientações dos

benfeitores espirituais:

419

______. ______. p. 27. 420

LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora, 2015. Cap. 11, p. 102.

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Sempre temos o cuidado de pregar o Espiritismo consoante está na Codificação. Para mim, pessoalmente, encontro sempre respaldo no pensamento kardequiano, que pode ser apresentado como contribuição às áreas da ciência, da filosofia e da religião, em cujo comportamento religioso está a ética, a moral inspirada no Cristianismo, por ser até hoje, do meu ponto de vista, a Doutrina que melhor interpreta o pensamento de Jesus. Isto é perfeitamente lícito, este direito de liberdade, que Kardec defende em O Livro dos Espíritos, quando fala, que “as leis de Deus estão escritas na consciência” humana. É o direito de liberdade de consciência que ninguém pode violar, que me permite assim expressar, porque, do contrário, teríamos padrões de comportamento sob supervisão de chefes, dos quais já nos libertamos, quando abandonamos a ortodoxia ancestral. Como a Doutrina Espírita é simples, clara e pura, e não necessita de pessoas que a interpretem para nós, porque se tal ocorresse, ela seria corpo tão estranho que necessitaria de novos teólogos para nos dizerem como entendê-la, oferece-nos, por consequência, um campo muito amplo para que cada um se movimente no seu corpo, sem defraudar-lhe os objetivos, porém, conforme a cada um melhor lhe aprouver.

421

7. Joanna de Ângelis presente Convidada a participar da equipe que daria origem à codificação da Doutrina Espírita, a benfeitora

espiritual Joanna de Ângelis, assinando como Um Espírito Amigo, ditou duas mensagens que foram

publicadas em O Evangelho Segundo o Espiritismo. A primeira mensagem pode ser encontrada no capítulo

IX, item 7, com o título “A paciência”. Já a segunda mensagem, cujo título é “Dar-se-á àquele que tem”, está

contida no capítulo XVIII, item 15.

Certo dia, Joanna explicou mais detalhadamente a Divaldo a longa parceria que tantos benefícios têm

trazido à Humanidade. A benfeitora sintetizou a Divaldo como a missão seria desenvolvida:

Escreverei muito por tuas mãos. Trago comigo um número muito grande de almas que me são

afins e estão espalhadas. São minha família espiritual. Tenho a responsabilidade de chamá-las,

reunindo-as sob a direção de Francisco de Assis. Em princípio, tu as convidarás pela palavra;

posteriormente, pela escrita.422

Divaldo passou a psicografar todos os dias, estabelecendo uma disciplina rigorosa, praticada ainda

hoje: levanta-se às seis horas da manhã e, sob a inspiração de Joanna, até às sete horas escreve algumas

páginas. Depois a benfeitora orienta o trabalho de recebimento de mensagens de outros espíritos.

Dependendo da circunstância, algumas páginas podem ser escritas nas reuniões mediúnicas das segundas e

quartas-feiras. É relativamente comum Divaldo prosseguir trabalhando madrugada adentro quando é

necessário psicografar um romance ou uma obra de maior complexidade.

Em 1956, Divaldo já havia psicografado cerca de mil mensagens a respeito dos mais variados temas.

Tudo era guardado com bastante zelo. Nada havia sido publicado e nem seria...

Joanna esperou o momento oportuno: quando Divaldo contemplava as mensagens psicografadas,

todas muito bem guardadas em uma grande mala, Joanna solicitou que tudo aquilo fosse queimado. Diante

da natural perplexidade do médium, Joanna explicou que aquele trabalho era um treino e que de agora em

diante o trabalho iria começar de fato.

A respeito da difícil tarefa que o médium passaria a desempenhar com maior grau de

responsabilidade, Joanna foi bastante clara:

[...] Se tu tiveres coragem para levá-lo adiante, conta comigo. Mas, não esperes flores. A flor será a

mensagem, mas a tua será a parte do sofrimento. Se estiveres disposto a dar o testemunho do silêncio,

a receber a crítica mordaz e sarcástica, a ter ferida a alma com os espinhos da perversidade alheia e

ver as mensagens serem levadas à praça pública do ridículo, de forma que te sangre o coração, até

serem jogadas ao lixo, e se tu aceitares isto como fenômeno natural, sem te defenderes nem as procurar defender ou a nós, os Espíritos, porque o nosso defensor é Jesus, tudo bem. Quem vai defender-se perde tempo e enquanto se está defendendo os Amigos Espirituais não podem

tomar as decisões compatíveis para que permaneça a verdade. O médium, que se defende, é

aquele que não confia em Deus e que não é realmente um bom instrumento. Como médium, a

421

SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. 4. ed. Salvador: LEAL, 1989. Cap. 5 — Pregação Espírita, p. 39 e 40. 422

LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora, 2015. Cap. 12, p. 117.

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tua tarefa é ser fiel ao dever e não te preocupares com os resultados, que não são teus e sim do

Cristo.423

Divaldo tem sido um dos instrumentos mais fiéis da Espiritualidade. Sua moralidade desenvolvida

em anos de devotamento ao próximo, permitiu-lhe estar em sintonia com espíritos com elevado grau de

evolução. Ademais, todo o seu esforço no campo mediúnico tem aprimorado, cada vez mais, a sua

capacidade “técnica”.

Em 2004, chamou a atenção por receber [psicografia] especular em francês. Mais de 2 mil pessoas

lotavam o auditório do 4º Congresso Espírita Mundial, em Paris, que tinha como tema o

bicentenário de nascimento do codificador da doutrina, quando o médium psicografou

“Reconnaissance à Allan Kardec”, escrita por Léon Denis, de trás para a frente. 424

8. Mansão do Caminho

Em reunião mediúnica na presença de Abel Mendonça, Rachel Ribeiro, Nilson de Souza Pereira e

alguns outros amigos, Divaldo teve conhecimento de mais uma etapa de sua missão. Ao entrar em

transe425

algumas entidades se comunicaram, informando que estava previsto, no horizonte próximo, o início

de uma obra educacional cuja atividade inicial seria o recolhimento de crianças e a posterior adoção como

filhos; essas crianças residiriam em verdadeiros lares pertencentes a uma comunidade específica.

Ao ter ciência das mensagens, Divaldo não escondeu a estranheza de trabalhar com crianças. Apesar

de sempre ter tido propensão ao ensino, não imaginava que teria de coordenar um projeto desta magnitude.

Joanna teve a ocasião de explicar a Divaldo as razões desse empreendimento planejado no plano

espiritual: o propósito era estabelecer um modelo educacional em que teoria e prática estivessem em

equilíbrio. A partir daquela noite, os membros do Centro passaram a canalizar esforços para a aquisição de

uma sede própria que permitisse atender à recomendação dos Espíritos. Mensalmente faziam

reuniões de confraternização para a realização de pequenos leilões. Sem recursos para comprar

brindes dispendiosos, estes envolviam coisas singelas, como louças — e até mesmo um mamão.

Em 1950, Divaldo leu nos jornais que haveria o leilão de um casarão de três andares situado

próximo ao Centro Espírita Caminho da Redenção, na própria Rua Barão de Cotegipe, no número

124. O imóvel era conhecido como Mansão dos Silva e estava em condição de massa falida.426

Divaldo entusiasmou-se com a possibilidade de aquisição do imóvel. Faltava-lhe, porém, o

elementar: dinheiro. Divaldo não escondia a tristeza: todos os esforços pareciam nulos e as dificuldades

financeiras pareciam insuperáveis.

A Espiritualidade, contudo, não tardou para orientá-lo no melhor caminho a seguir. O

Espírito José Nunes de Matos, até então desconhecido, pediu que Divaldo ligasse para o seu filho, o

engenheiro José Nunes de Matos Filho. O espírito forneceu as informações necessárias e Divaldo

estabeleceu contato. Matos Filho, ao saber do contato de seu pai desencarnado com Divaldo, ficou

bastante intrigado, mas em nenhum momento desconfiou de Divaldo, tamanha a riqueza de

detalhes. Contrariando todas as expectativas, conseguiram arrematar o imóvel por 530 mil cruzeiros. Mas

não contaram com a intolerância da Igreja, que não aceitava que o “demônio” instalasse sua sede

em frente à Casa de Nossa Senhora dos Mares. Sem dinheiro para entrar na Justiça, Divaldo

recorreu ao advogado do IPASE, Newton Martins O’Dwyer. Que, mesmo sendo católico

praticante, resolveu ajudá-lo por achar a reivindicação justa. O processo se arrastou por meses: o

fechamento oficial do negócio só se daria na Páscoa de 1952.427

423

SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. 4. ed. Salvador, Bahia: LEAL, 1989. Cap. 5 — Pregação Espírita, p. 70. 424

LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora, 2015. Cap. 13, p. 130. 425

Transe: [...] é um processo semelhante ao adormecimento [...]; quanto à volta, parece um despertar. Se o transe foi profundo, [o médium] retorna com a sensação de que fez uma viagem distante. Desperta sempre sentindo-se melhor do que se sentia antes. MIRANDA, Hermínio C. Reencarnação e imortalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. 14. 426

LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora, 2015. Cap. 16, p. 151. 427

LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora, 2015. Cap. 16, p. 152.

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A Mansão do Caminho finalmente foi inaugurada no dia 15 de agosto de 1952. O nome remete à

Casa do Caminho, primeira comunidade cristã do primeiro século de nossa era. A Casa do Caminho foi

fundada por Simão Pedro com a colaboração abnegada de Bartolomeu, Tiago, Filipe e João. Estêvão e Saulo,

mais tarde, Paulo de Tarso, também estiveram presentes nesta comunidade.

Passados tantos séculos, a Mansão do Caminho passaria pelas mesmas dificuldades materiais que a

Casa do Cristianismo nascente passou. Tanto a reforma do local como a compra do mobiliário esbarravam

nas dificuldades financeiras. Aos poucos, contudo, as doações aumentaram e as rifas passaram a

complementar o reduzido orçamento destinado a suprir os aspectos mais elementares da Mansão do

Caminho.

Hoje, a Mansão do Caminho é um admirável complexo educacional e assistencial, contando com 50

edificações, fora as construções em andamento, distribuídas em ruas, bosques e lago, onde são atendidas três

mil crianças e jovens de famílias de baixa renda.

São desenvolvidas diversas atividades socioeducacionais, como: enxovais; pré-natal; creche; escolas

de ensino pré-escolar, básico e fundamental; informática; cerâmica; panificação; bordado; tapeçaria;

reciclagem de papel; centro médico; laboratório de análises clínicas; atendimento fraterno; Caravana Auta de

Souza; Casa da Cordialidade e bibliotecas.

Para movimentar toda essa engrenagem, a diretoria conta com mais de 200 funcionários, além de 400

colaboradores voluntários permanentes.

Divaldo já afirmou que a Mansão do Caminho foi criada há mais de cem anos antes de sua

materialização no plano físico. Apesar da idade avançada, permanece supervisionando este monumental

projeto como um operário obstinado e incansável à serviço da Espiritualidade superior.

Embora prossiga semeando o Evangelho no Brasil e no mundo, o ritmo de palestras diminuiu um

pouco.

Divaldo tem dado especial atenção ao Movimento Você e a Paz. Este projeto tem o objetivo de unir

as religiões e as doutrinas no esforço conjugado para reduzir a violência e a desigualdade social por meio de

uma reflexão profunda quanto à necessidade de renovação dos sentimentos e mudança de comportamento.

Divaldo! Que a sua voz prossiga, nos rumos dos sofrimentos humanos, entoando a sinfonia eterna

do Amor, para que a Humanidade compreenda que é possível emergir do abismo da dor e do

aturdimento para as estrelas refulgentes da Paz e do Bem.

Joanna de Ângelis, a amorável Mentora, guia-lhe os passos e, juntos, sob o olhar de Francisco,

conduzem essa grande família espiritual, que se lhes vincula, ao encontro de Jesus.428

428 SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. 4. ed. Salvador, Bahia: LEAL, 1998. Cap. 41 — Palavras finais, p. 325.

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TEMPOS DE RENOVAÇÃO "Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução, mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por escrito da Instituição."

GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO VII

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CAPÍTULO 22

DIVULGAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO INFANTO-JUVENIL: NOVAS GERAÇÕES NO CAMINHO DO BEM

[...] estamos certos, por experiência já vivida, de que nas áreas onde penetra a luz do ensino espírita a maneira de ver as coisas já é diferente. Os jovens que têm formação espírita, por exemplo, formação adquirida nas Mocidades e Juventudes, atualmente numerosas no Brasil, quando realmente conservam as sementes recebidas, vão para a Universidade ou ingressam depois na vida pública com um lastro de princípios orientadores. Já sabem, por isso, que a paz duradoura, a paz profunda, inspirada na Mensagem do Cristo, Mensagem que está fora e acima de quaisquer configurações geográficas, políticas, religiosas ou culturais, porque o amor é universal; já sabem os que receberam formação espírita – repetimos – que a verdadeira paz não se constrói por meio de fórmulas e atos solenes, mas na consciência do próprio ser humano, apoiada no poder da inteligência e na força do sentimento. Tudo isto, em suma, são reflexos das lições de Allan Kardec.429

Refletir, à luz da Doutrina Espírita, a importância da Divulgação e

Evangelização Infanto-juvenil para a construção de um mundo melhor.

1. Transição planetária

Para que os homens sejam felizes na Terra, é preciso que somente a povoem Espíritos bons,

encarnados e desencarnados, que só se dediquem ao bem. [...]

[...]

A época atual é de transição; os elementos das duas gerações se confundem. Colocados no ponto

intermediário, assistimos à partida de uma e à chegada da outra, já se assinalando cada uma, no

mundo, pelas características que lhe são peculiares.430

Vivemos atualmente uma época de transformações conhecida como Transição Planetária. As

características mais sensíveis desse período intermediário entre o mundo de provas e expiações — ainda

predominante — e o mundo de regeneração — onde o bem prevalecerá — podem ser definidas pelo

acelerado desenvolvimento tecnológico e científico e pela crise ético-moral, responsável, em grande medida,

pelas perturbações sociais.

Vive-se, na Terra, o momento de grande transição de mundo de provas e expiações, para o mundo

de regeneração. As alterações que se observam são de natureza moral, convidando o ser humano à

429

AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. Compilação de Celso Martins. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Capítulo 15. 430

KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. XVIII, its. 27 e 28.

Objetivo

Ideias principais

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mudança de comportamento para melhor, alterando os hábitos viciosos, a fim de que se instalem

os paradigmas da justiça, do dever, da ordem e do amor.431

Os desafios presentes no período de transição chegarão também à organização familiar e à educação

da infância e da adolescência. Diante desta perspectiva desafiadora, os pais e os educadores deverão unir

esforços em torno de um objetivo comum. Dedicar especial atenção, sobretudo no período infantil, é

construir pontes para uma travessia segura para o mundo de regeneração.

2. Primeiras lições de moral da infância, por Allan Kardec Este relato de Allan Kardec na Revista Espírita de fevereiro de 1864 merece ser apresentado na

íntegra pois revela a preocupação do codificador com os primeiros instantes em que as más inclinações se

manifestam nas crianças e como os pais precisam estar atentos a estes primeiros sinais. Apesar deste relato

estar condicionado aos costumes culturais da França da segunda metade do século XIX, não deixa de

apresentar valiosas considerações para a realidade atual:

De todas as chagas morais da sociedade, o egoísmo parece a mais difícil de extirpar. Com efeito,

ela o é tanto mais quanto mais alimentada pelos mesmos hábitos da educação. Tem-se a impressão

que, desde o berço, a gente se esforça para excitar certas paixões que, mais tarde, se tornam uma

segunda natureza, e nos admiramos dos vícios da sociedade, quando as crianças os sugam com o

leite. Eis um exemplo que, como cada um pode julgar, pertence mais à regra do que à exceção.

Numa família de nosso conhecimento há uma menina de 4a 5anos, de rara inteligência, mas que

tem os pequenos defeitos das crianças mimadas, ou seja, é um pouco caprichosa, chorona, teimosa,

e nem sempre agradece quando lhe dão alguma coisa, o que os pais levam a peito corrigir, porque,

fora desses pequenos defeitos, segundo eles, ela tem um coração de ouro, expressão consagrada.

Vejamos como eles agem para lhe tirar essas pequenas manchas e conservar o ouro em sua pureza.

Certo dia, trouxeram um doce à criança e, como de costume, lhe disseram: “Tu o comerás, se fores

ajuizada.” Primeira lição de gulodice. Quantas vezes, à mesa, não acontece dizerem a uma criança

que não comerá tal guloseima se chorar. Dizem: “Faze isto ou faze aquilo e terás creme”, ou

qualquer outra coisa que lhe apeteça; e a criança é constrangida, não pela razão, mas tendo em

vista a satisfação de um desejo sensual que incentivam.É ainda muito pior quando lhe dizem, o que

não é menos frequente, que darão a sua parte a uma outra. Aqui já não é só a gulodice que está em

jogo, é a inveja. A criança fará o que lhe pedem, não só para ter, mas para que a outra não tenha.

Querem lhe dar uma lição de generosidade? Então dizem: “Dá esta fruta ou este brinquedo a

alguém.” Se ela recusa, não deixam de acrescentar, para nela estimular um bom sentimento: “Eu te

darei outro.” Assim, acriança só se decide a ser generosa quando está certa de nada perder.

Um dia testemunhamos um fato bem característico neste gênero. Era uma criança de cerca de

2anos e meio, a quem tinham feito semelhante ameaça, acrescentando: “Nós o daremos ao

irmãozinho e tu não comerás.” E, para tornar a lição mais sensível, puseram a porção no prato

deste; mas o irmãozinho, levando a coisa a sério, comeu a porção. À vista disto, o outro ficou

vermelho e não era preciso ser pai ou mãe para ver o lampejo de cólera e de ódio que brotou de

seus olhos. A semente estava lançada; poderia produzir bom grão?

Voltemos à menina, da qual falamos. Como não levou em consideração a ameaça, sabendo por

experiência que raramente a executavam, desta vez os pais foram mais firmes, pois

compreenderam a necessidade de dominar esse pequeno caráter, e não esperar que a idade lhe

tivesse feito adquirir um mau hábito. Diziam que é preciso formar as crianças desde cedo, máxima

muita sábia e, para a pôr em prática, eis o que fizeram: “Eu te prometo — disse a mãe — que se

não obedeceres, amanhã cedo darei o teu bolo à primeira criança pobre que passar”. Dito e feito.

Desta vez não cederam e lhe deram uma boa lição. Assim, no dia seguinte de manhã, tendo sido

avistada uma pequena mendiga na rua, fizeram-na entrar, obrigaram a filha a tomá-la pela mão e

ela mesma lhe dar o seu bolo. Acerca disto elogiaram a sua docilidade. Moralidade: a filha disse:

Se eu soubesse disto teria tido pressa em comer o bolo ontem.” E todos aplaudiram esta resposta

espirituosa. Com efeito, a criança tinha recebido uma forte lição, mas lição de puro egoísmo, da

qual não deixará de aproveitar outra vez, pois agora sabe o que custa a generosidade forçada. Resta

saber que frutos dará mais tarde esta semente, quando, com mais idade, a criança fizer aplicação

dessa moral em coisas mais sérias que um bolo. Sabem-se todos os pensamentos que este único

fato pode ter feito germinar nessa cabecinha? Depois disto, como querem que uma criança não seja

egoísta quando, em vez de nela despertar o prazer de dar e de lhe representar a felicidade de quem

431

FRANCO, Divaldo. Transição Planetária. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 5. ed. Salvador: LEAL, 2015.

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recebe, impõe-lhe um sacrifício como punição? Não é inspirar aversão ao ato de dar e àqueles que

têm necessidade? Um outro hábito, igualmente frequente, é o de castigar a criança mandando-a

comer na cozinha com os empregados domésticos.A punição está menos na exclusão da mesa do

que na humilhação de ir para a mesa dos criados. Assim se acha inoculado, desde a mais tenra idade, o vírus da sensualidade, do egoísmo, do orgulho, do desprezo aos inferiores, das paixões,

numa palavra, que são, e com razão, consideradas como as chagas da Humanidade. É preciso ser

dotado de uma natureza excepcionalmente boa para resistir a tais influências, produzidas na idade

mais impressionável e onde não podem encontrar o contrapeso da vontade, nem da experiência.

Assim, por pouco que aí se ache o germe das más paixões, o que é o caso mais comum,

considerando-se a natureza da maioria dos Espíritos que encarnam na Terra, não pode senão

desenvolver-se sob tais influências, ao passo que seria preciso espreitar-lhe os menores traços para

os abafar.

Sem dúvida a falta é dos pais; mas, é bom dizer, muitas vezes estes pecam mais por ignorância do

que por má vontade. Em muitos há, incontestavelmente, uma censurável despreocupação, mas em

outros a intenção é boa, é o remédio que nada vale, ou que é mal aplicado. Sendo os primeiros

médicos da alma de seus filhos, deveriam ser instruídos, não só de seus deveres, mas dos meios de

os cumprir. Não basta ao médico saber que deve procurar curar: é preciso saber como proceder.

Ora, para os pais, onde os meios de instruir-se nesta parte tão importante de sua tarefa? Hoje se dá

muita instrução à mulher, submetem-na a exames rigorosos, mas jamais exigiram de uma mãe que

ela soubesse como agir para formar o moral de seu filho. Ensinam-lhe receitas caseiras, mas não a

iniciam nos mil e um segredos de governar os jovens corações. Assim, os pais são abandonados,

sem guia, à sua iniciativa, razão por que tantas vezes enveredam por falsa rota; também recolhem,

nas imperfeições dos filhos já crescidos, o fruto amargo de sua inexperiência ou de uma ternura

mal-entendida, e a sociedade inteira lhes recebe o contragolpe.

Considerando-se que o egoísmo e o orgulho são a fonte da maioria das misérias humanas,

enquanto reinarem na Terra não se pode esperar nem a paz, nem a caridade, nem a fraternidade. É

preciso, pois, atacá-los no estado de embrião, sem esperar que fiquem vivazes.

Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem nenhuma dúvida; e não vacilamos em dizer que é o

único bastante poderoso para o fazer cessar, a saber: por um novo ponto de vista sob o qual faz

encarar a missão e a responsabilidade dos pais; fazendo conhecer a fonte das qualidades inatas,

boas ou más; mostrando a ação que se pode exercer sobre os Espíritos encarnados e

desencarnados; dando a fé inabalável que sanciona os deveres; enfim, moralizando os próprios

pais. Ele já prova sua eficácia pela maneira mais racional pela qual são educadas as crianças nas

famílias verdadeiramente espíritas.Os novos horizontes que abre o Espiritismo fazem ver as coisas

de modo bem diverso; sendo o seu objetivo o progresso moral da Humanidade, forçosamente

deverá projetar luz sobre a grave questão da educação moral, fonte primeira da moralização das

massas. Um dia compreenderão que este ramo da educação tem seus princípios, suas regras, como

a educação intelectual, numa palavra, que é uma verdadeira ciência; talvez um dia, também,

haverão de impor a toda mãe de família a obrigação de possuir esses conhecimentos, como

impõem ao advogado a de conhecer o Direito.432

3. Educação Espírita

A educação espírita — que se baseia no “amor” e na “instrução”, que iluminam a consciência e

libertam o ser das injunções perniciosas —, tem como instrumento o exemplo do educador que

deve pautar a conduta pelo que ensina, superando-se em atos, de modo que as sementes de que se

vale, de superior qualidade, manifestem-se em forma de paz e realização nele próprio.433

A educação espírita valoriza todas as conquistas no campo intelectual, mas é no conhecimento moral

a sua prioridade. Em todas as épocas da Humanidade, é possível encontrar indivíduos com conhecimento

intelectual vastíssimo praticarem atos bárbaros, donde se deduz que sem a melhoria moral do Espírito, a

educação não terá atingido a sua finalidade redentora.

Antes de ser o codificador da Doutrina Espírita, utilizando o pseudônimo Allan Kardec, o educador

Hippolyte Léon Denizard Rivail no seu livro intitulado: Plano proposto para a melhoria da educação

pública já compreendia a necessidade da educação intelecto-moral:

432

KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 7, n. 2, fev. 1864, Primeiras lições de moral da infância. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. 433

DUSI, Miriam Masotti (Coord.). Sublime sementeira: evangelização espírita infantojuvenil. 1. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2015. Pt. 2, cap. 4 — Mensagens de Benedita Fernandes, Educação espírita, p. 113.

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Todos falam da importância da educação, mas esta palavra é, para a maioria, de um significado

excessivamente impreciso [...].

A educação é a arte de formar homens, isto é, a arte de neles fazer surgir os germes das virtudes e

reprimir os do vício; de desenvolver sua inteligência e dar-lhes instrução adequada às necessidades

[...]. Em uma palavra, o objetivo da educação consiste no desenvolvimento simultâneo das

faculdades morais, físicas e intelectuais. [...]434

Em relação à questão moral, considerada como pilar da educação espírita, Emmanuel complementa

essa assertiva ao aludir o aperfeiçoamento do campo íntimo como valor essencial:

Mas a educação, com o cultivo da inteligência e com o aperfeiçoamento do campo íntimo, em

exaltação de conhecimento e bondade, saber e virtude, não será conseguida tão só à força de

instrução, que se imponha de fora para dentro, mas sim com a consciente adesão da vontade que, em

se consagrando ao bem por si própria, sem constrangimento de qualquer natureza, pode libertar e

polir o coração, nele plasmando a face cristalina da alma, capaz de refletir a vida gloriosa e

transformar, consequentemente, o cérebro em preciosa usina de energia superior, projetando reflexos

de beleza e sublimação.435

4. Evangelização infanto-juvenil: escola da alma!

Levantam-se educandários em toda a Terra.

Estabelecimentos para a instrução primária, universidades para o ensino superior. Ao lado, porém,

das instituições que visam à especialização profissional e científica, na atualidade, encontramos no

templo espírita a escola da alma, ensinando a viver.436

A criança e o jovem evangelizados edificam os verdadeiros caminhos para a regeneração da Terra.

Ou como afirmou Bezerra de Menezes: “Criança que se evangeliza é adulto que se levanta no rumo da

felicidade porvindoura”.437

Sendo a Doutrina Espírita uma expressão de um projeto educacional com o propósito de regenerar a

Humanidade, a tarefa da Evangelização Espírita Infantojuvenil assume um papel de alta relevância dentre as

atividades desenvolvidas pelas Instituições Espíritas.

Ó espíritas! Compreendei agora o grande papel da humanidade. Compreendei que, quando gerais

um corpo, a alma que nele encarna vem do espaço para progredir; tomai conhecimento dos vossos

deveres, e usai todo o vosso amor na tarefa de aproximar essa alma de Deus; essa é a missão que

vos foi confiada, e pela qual recebereis a recompensa se ela for cumprida fielmente.438

Educar e amparar a infância e a adolescência é contribuir para a formação de novos hábitos.

Evangelizadores, dirigentes, pais e familiares devem estar atentos e atuantes a esta nobre tarefa de aproximar

a mensagem de Jesus a estes espíritos que necessitam de todo o apoio para não voltarem a cometer os

mesmos erros do passado, colaborando, no agora, para que consigam encarar com mais equilíbrio e

perseverança os desafios existenciais de um planeta de provas e expiações.

[...] Que se faça pelo moral tanto quanto se faz pela inteligência e ver-se-á que, se há naturezas

refratárias, há, muito mais do que se imagina, daquelas outras que apenas pedem bom cultivo para

dar bons frutos.439

434

RIVAIL, Hippolyte Léon D. Plano proposto para a melhoria da educação pública. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2005, p. 11 e 12. 435

XAVIER, Francisco C. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 5 — Educação, p. 24 e 25. 436

XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Estude e Viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 14. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2015. Na escola da alma, p. 9. 437

Trecho da página psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, na reunião de 18 de janeiro de 1978, no Centro Espírita “Caminho de Redenção”, em Salvador, e publicada em Reformador de junho de 1978, p. 190. 438

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010, Cap. XIV, it. 9, p. 255. 439

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de Kardec à q. 917, p. 414.

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Na Instituição Espírita, a atividade de Evangelização pode abranger as aulas de evangelização

espírita, momento especial de convivência, aprendizado, reflexão, compartilhamento de experiências e

construção de vínculos de amizade e de fraternidade entre as crianças e os jovens frequentadores. A ação

evangelizadora envolve, ainda, pais e familiares, convidando-os a partici-parem de grupos ou reuniões

voltadas ao estudo de temas relacionados à vida em família, fundamentados à luz da Doutrina Espírita.

Sensibilidade, coerência, empatia, responsabilidade, conhecimento, alegria e zelo são algumas das

características dos evangelizadores que buscam a construção de espaços interativos de aprendizado e de

confraternização junto aos evangelizados. Para tanto, o evangelizador deve valer-se da adequada e contínua

preparação pedagógica e doutrinária.

Também aplaudimos a instituição disciplinada das juventudes e mocidades espíritas, pois

sinceramente entendemos que ela é um bem e muito auxiliará os moços a se firmarem para os

gloriosos destinos espirituais, que muitos certamente alcançarão em breve etapa. Todavia, é bom

raciocinar que essa instituição existiu desde os primeiros dias do Cristianismo e do Espiritismo,

senão com a feição hoje apreciada em nossa Doutrina, pelo menos muito significativamente

estabelecida pela própria legislação celeste.440

No livro O Consolador na questão 113, é dirigida a seguinte pergunta a Emmanuel:

Os pais espíritas devem ministrar a educação doutrinária a seus filhos ou podem deixar de fazê-lo

invocando as razões de que, em matéria de religião, apreciam mais a plena liberdade dos filhos?441

A criança de hoje já viveu múltiplas experiências reencarnatórias e ao vivenciar uma nova

oportunidade, necessita reaprender às mesmas lições para que desta vez possa caminhar na direção do bem.

Emmanuel, a este respeito, responde na questão citada:

— O período infantil, em sua primeira fase, é o mais importante para todas as bases educativas, e

os pais espiritistas cristãos não podem esquecer seus deveres de orientação aos filhos, nas grandes

revelações da vida. Em nenhuma hipótese, essa primeira etapa das lutas terrestres deve ser

encarada com indiferença.

O pretexto de que a criança deve desenvolver-se com a máxima noção de liberdade pode dar

ensejo a graves perigos. [...]. A própria reencarnação não constitui, em si mesma, restrição

considerável à independência absoluta da alma necessitada de expiação e corretivo?

[...]

Deve nutrir-se o coração infantil com a crença, com a bondade, com a esperança e com a fé em

Deus. Agir contrariamente a essas normas é abrir para o faltoso de ontem a mesma porta larga para

os excessos de toda sorte, que conduzem ao aniquilamento e ao crime.442

5. Mensagem do Espírito Guillon Ribeiro443 acerca da evangelização infantojuvenil444

É por meio da evangelização que o Espiritismo desenvolve seu mais valioso programa de

assistência educativa ao homem.

A escola de letras continua a informar e instruir a fim de que a Ciência se fortaleça no seio das

coletividades. Entretanto, é a educação religiosa que vem estimulando a moral ilibada de modo a

libertar a criatura humana despertada e vigilante junto aos imperativos da vida.

Aliando sabedoria e amor alcançaremos equilíbrio em nossa faina educativa.

440

PEREIRA, Yvonne A. À Luz do Consolador. 4. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. Aos jovens espíritas. 441

XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. 442

______. ______. p. 78 e 79. 443

Guillon Ribeiro: Luís Olímpio Guillon Ribeiro (1875–1943), durante vinte e seis anos consecutivos foi diretor da Federação Espírita Brasileira. Guillon Ribeiro também foi importante tradutor de obras estrangeiras, sobretudo as da língua francesa, inglesa e italiana. Fonte: Grandes Espíritas do Brasil, de Zêus Wantuil. 444

Página recebida em 1963, durante o 1º Curso de Preparação de Evangelizadores (CIPE), realizado pela Federação Espírita do Estado do Espírito Santo, pelo médium Júlio Cezar Grandi Ribeiro, publicada na Separata de Reformador, out. 1985. In: DUSI, Miriam M. (Coord.). Sublime sementeira: evangelização espírita infantojuvenil. 1. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2015. Pt. 2, cap. 15 — Mensagens de Guillon Ribeiro, p. 197.

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Eduque-se o homem e teremos uma Terra verdadeiramente transformada e feliz!

Contemplamos, assim, com otimismo e júbilo, o Movimento Espírita espraiando-se, cada

vez mais, nos desideratos da evangelização, procurando, com grande empenho, alcançar o coração humano em meio ao torvelinho da desenfreada corrida do século... Tão significativa

semeadura na direção do porvir!

Mestres e educadores, preceptores e pais colaboram, ao lado uns dos outros, em meio às

esperanças do Cristo, dinamizando esforços em favor de crianças e jovens, na mais nobre intenção

de aproximá-los do Mestre e Senhor Jesus.

Urge que assim seja, porque o tempo mais propício à absorção das novas ideias, que mais favorece

a tarefa educativa do homem, é o seu período de infância e juventude. Sem dúvida que a

maturidade exibe a valiosa soma das experiências adquiridas, embora tantas vezes amargue o

dissabor das incrustações perniciosas absorvidas ao longo do caminho…

Eis, pois, o Amor convocando servidores do Evangelho para a obra educativa da Humanidade!

Abençoados os lidadores da orientação espírita, entregando-se afanosos e de boa vontade ao

plantio da boa semente!

Mas para um desempenho mais gratificante, que procurem estudar e estudar, forjando sempre

luzes às próprias convicções.

Que se armem de coragem e decisão, paciência e otimismo, esperança e fé, de modo a se

auxiliarem reciprocamente, na salutar troca de experiências, engajando-se com entusiasmo

crescente nas leiras de Jesus.

Que jamais se descuidem do aprimoramento pedagógico, ampliando, sempre que possível, suas

aptidões didáticas para que não se estiolem sementes promissoras ante o solo, pela inadequação de

métodos e técnicas de ensino, pela insipiência de conteúdos, pela ineficácia de um planejamento

inoportuno e inadequado. Todo trabalho rende mais em mãos realmente habilitadas.

Que não estacionem nas experiências alcançadas, mas que aspirem sempre a mais, buscando

livros, renovando pesquisas, permutando ideias, ativando-se em treinamentos, mobilizando cursos,

promovendo encontros, realizando seminários, nesta dinâmica admirável quão permanente dos que

se dedicam aos abençoados impositivos de instruir e de educar.

É bom que se diga, o evangelizador consciente de si mesmo jamais se julga pronto, acabado, sem

mais o que aprender, refazer, conhecer... Ao contrário, avança com o tempo, vê sempre degraus

acima a serem galgados, na infinita escala da experiência e do conhecimento.

Entretanto, não menos importante é a conscientização dos pais espíritas diante da evangelização de

seus filhos, como prestimoso auxiliar na missão educativa da família.

Que experimentem vivenciar quando necessário a condição de evangelizadores, tanto quanto se

recomenda aos evangelizadores se posicionarem sempre naquela condição de pais bondosos e

pacientes junto à gleba de suas realizações.

Que os pais enviem seus filhos às escolas de evangelização, disciplinando-os na assiduidade tão

necessária, interessando-se pelo aprendizado evangélico da prole, indagando, dialogando,

motivando, acompanhando…

Por outro lado, não podemos desconsiderar a importância do acolhimento e do interesse, do

estímulo e do entusiasmo que devem nortear os núcleos espiritistas diante da evangelização.

Que dirigentes e diretores, colaboradores, diretos e indiretos, prestigiem sempre mais o

atendimento a crianças e jovens nos agrupamentos espíritas, seja adequando-lhes a ambiência para

tal mister, adaptando ou, ainda, improvisando meios, de tal sorte que a evangelização se efetue, se

desenvolva, cresça, ilumine…

É imperioso se reconheça na evangelização das almas tarefa da mais alta expressão na atualidade

da Doutrina Espírita. Bem acima das nobilitantes realizações da assistência social, sua ação

preventiva evitará derrocadas no erro, novos desastres morais, responsáveis por maiores provações

e sofrimentos adiante, nos panoramas de dor e lágrimas que compungem a sociedade, perseguindo

os emolumentos da assistência ou do serviço social, públicos e privados.

Evangelizemos por amor!

Auxiliemos a todos, favorecendo, sobretudo, a criança e o jovem a um melhor posicionamento

diante da vida, em face da reencarnação.

Somente assim plasmaremos desde agora os alicerces de uma nova Humanidade para o mundo

porvindouro.

É de suma importância amparar as almas por meio da evangelização, colaborando de forma

decisiva junto à economia da vida para quantos deambulam pelas estradas existenciais.

E não tenhamos dúvidas de que a criança e o jovem evangelizados agora serão, indubitavelmente,

aqueles cidadãos do mundo, conscientes e alertados, conduzidos para construir, por seus esforços

próprios, os verdadeiros caminhos da felicidade na Terra.

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6. Leopoldo Machado: O arauto do Espiritismo no Brasil

Professor Leopoldo Machado nasceu em30 de setembro de 1891, no Arraial de Cepa Forte, hoje

Jandaíra, ao norte do Estado da Bahia, quase nos limites de Sergipe. Era o mais novo de seis filhos do casal

Eulálio de Souza Barbosa e Ana Isabel Machado Barbosa.

Leopoldo Machado foi, na adolescência, muito católico, a ponto de desejar ser padre, depois de ter

sido sacristão. Foi o único membro da família que estudou o catecismo católico esponta-neamente. Os

irmãos troçavam de seus pendores religiosos só para o verem irritado e agressivo. Fez a primeira

comunhãoem8 de dezembro de 1904. Tornando-se íntimo das sacristias, veio a decep-cionar-se com os

sacramentos pagos, as confissões, as pendências e o misticismo da Igreja Católica. Ao conhecer a história da

Santa Inquisição, já bastante desiludido, abandonou o catolicismo.

Em 1930, Leopoldo Machado consagrou-se como legítimo educador, ao inaugurar, em 21 de abril

desse ano, o Colégio Leopoldo, tradicional estabelecimento de ensino, com a colaboração de Marília, de

Leopoldina Barbosa, sua irmã, e a do almirante Paim Pamplona, então presidente da Federação Espírita

Brasileira. Desenvolvendo um importante trabalho na seara espírita, fundaram a Assistência aos

Necessitados do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade; estabeleceram a visita periódica aos presos da

cadeia e aos doentes do hospital local; fundaram o Albergue Noturno Allan Kardec, e, pelo Natal de 1940,

criaram o Lar de Jesus, inaugurado, definitivamente, no Natal de 1942, abrigando 25 crianças, vindo a se

tornar uma instituição atuante na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Jornalista, professor, escritor,

poeta, pregador, polemista e dramaturgo, Leopoldo Machado defendeu a Doutrina Espírita por todos os

meios e formas. Apologista do Espiritismo de Vivos, sem fugir à pureza doutrinária. Leopoldo Machado

incentivou a criação das Mocidades Espíritas e das escolas Espíritas de Evangelização para Infância,

impulsionando, também, as semanas Espíritas, as Tardes Fraternas, os Simpósios, as Mesas Redondas e os

Congressos. Ele divide o mérito da indenização das Mocidades Espíritas com um jovem baiano: um moço de

Salvador, inteligente e dinâmico, escreve-nos expondo um plano interessante de aproximar os moços do

movimento espírita menos câmara mortuária. De aproximá-los suavemente, alegremente. Como, entretanto,

não tinha projeção no meio espírita do Brasil, voltava-se para nós, que bem poderíamos prestar este serviço à

Doutrina.

Em qualquer evento de importância para o Movimento Espírita Brasileiro, Leopoldo Machado estava

presente, atuando ativamente. Em 1939, Deolindo Amorim torna a iniciativa de realizar o I Congresso

Brasileiro de Jornalistas Espíritas, em que contou com o apoio integral de Leopoldo Machado. A partir

daí,outros congressos e eventos espíritas se realizaram entre 1939 e 1948 com a sua participação, dos quais

se destacou o I Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil (17 a 23 de julho de 1948), que teve à frente: o

próprio Leopoldo Machado, Lins de Vasconcelos, João Batista Chagas, J. C. Moreira Guimarães, Geraldo de

Aquino, Ruth Sant’Anna e outros idealistas. No mesmo ano, Leopoldo Machado participou, com destaque,

no Congresso Brasileiro de Unificação, realizado no Rio de Janeiro, e, também, no Pacto Áureo, recebendo o

coroamento de sua missão de pregador com a Caravana da Fraternidade.

O trabalho que Leopoldo Machado desenvolveu na seara espírita foi imenso e poucos se igualaram a

ele. Escreveu para muitos periódicos e órgãos espíritas, entre os quais, O Clarim e a Revista Internacional do

Espiritismo. Levou o Espiritismo ao rádio, com a Hora Espírita Radiofônica, na antiga Rádio Transmissora

PRE-3, hoje Rádio Globo, trazendo ao microfone o presidente da Federação Espírita Brasileira, na época,

Guillon Ribeiro. Mesmo fraco e abatido pela doença, costumava escrever e participar do Movimento Espírita

brasileiro.

Leopoldo passou, de etapa em etapa, por quase todas as searas do Espiritismo: a sessão mediúnica,

a tribuna de conferência, o jornal, o rádio, a organização de movimento de mocidade, o teatro, a

assistência social. Foi, talvez, o conferencista que mais cidades percorreu por este país, a serviço

da propaganda espírita. Polemista, como todos sabem, foi dos maiores e dos mais vigorosos.

Quando conheci Leopoldo Machado, a nossa amizade vem daquele tempo, estava ele, a bem dizer,

no apogeu da tribuna: era o conferencista que aparecia diariamente nas colunas espíritas dos

jornais A Pátria e Vanguarda. Eu o conheci quando ele era o homem da tribuna, de segunda a

domingo, no centro da cidade e nos subúrbios do Distrito Federal. O primeiro livro de Leopoldo

que me chegou às mãos, quando ainda não nos conhecíamos pessoalmente, foi Sensacional

Polêmica, publicado quando eu estava dando os meus primeiros passos na seara espírita.

Logo após, na noite de 22 de agosto de 1957, às 23 horas e 25 minutos, viria a desencarnar no Lar

de Jesus, cercado de amigos, de familiares e acompanhado por seu abnegado médico. Na manhã da

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sua desencarnação, como se previsse que seria seu último dia na Terra, mandou chamar o diretor

técnico do Colégio Leopoldo e pediu-lhe: Não transformem nunca o meu Colégio em balcão de

ensino. Transforme-nos antes num hospital. Nunca, nunca, em balcão de ensino.

Leopoldo Machado se despede da vida no momento em que se lança seu último livro — Caxias,

um Eminente Iguaçuano. Tive oportunidade de lê-lo, e senti emoções novas a respeito da vida do

Condestável da República.445

445

Discurso proferido pelo deputado Campos Vergal na Câmera Federal no antigo Distrito Federal do Rio de Janeiro em 1957.

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171

CAPÍTULO 23

A IMPORTÂNCIA DO CENTRO ESPÍRITA PARA O ALVORECER DE UMA NOVA ERA

Um templo espírita não é simples construção de natureza material. É um ponto do Planeta

onde a fé raciocinada estuda as leis universais, mormente no que se reporta à consciência e à justiça, à edificação do destino e à imortalidade do ser. Lar de esclarecimento e consolo, renovação e solidariedade, em cujo equilíbrio cada coração que lhe compõe a estrutura moral se assemelha à peça viva de amor na sustentação da obra em si. Não bastará frequentar-lhe as reuniões. É preciso auscultar as necessidades dessas mesmas reuniões, oferecendo-lhes solução. Respeitar a orientação da casa, mas também contribuir, de maneira espontânea, com os dirigentes, na extinção de censuras e rixas, perturbações e dificuldades, tanto quanto possível no nascedouro, a fim de que não se convertam em motivos de escândalo. Falar e ouvir construtivamente. Efetuar tarefas consideradas pequeninas, como sejam sossegar uma criança, amparar um doente, remover um perigo ou fornecer uma explicação, sem que, para isso, haja necessidade de pedidos diretos. Sobretudo, na organização espírita, o espírita é chamado a colaborar na harmonia comum, silenciando melindres e apagando ressentimentos, estimulando o bem e esquecendo omissões no terreno da exigência individual.446

Compreender o Centro Espírita como um núcleo de estudo, de

fraternidade, de oração e de trabalho, orientado pelos princípios morais do

Evangelho de Jesus à luz da compreensão espírita.

1. Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas: o primeiro Centro Espírita organizado do mundo

Que o amor do próximo esteja inscrito em nossa bandeira e seja a nossa divisa. Com isso

afrontamos a zombaria e a influência dos maus Espíritos. [...] A finalidade do Espiritismo é tornar

melhores os que o compreendem. Esforcemo-nos por dar o exemplo e mostremos que, para nós, a

Doutrina não é uma letra morta. Numa palavra, sejamos dignos dos bons Espíritos, se quisermos

que eles nos assistam. O bem é uma couraça contra a qual virão sempre se quebrar as armas da

malevolência.447

As reuniões privadas na residência de Allan Kardec, situada em Paris, na rua Martyrs, n. 8, tinham

entre oito e dez frequentadores. No discurso de encerramento do ano social de 1858–1859, Allan Kardec

relembra como tudo começou: O interesse que despertavam essas reuniões ia crescendo, embora não nos ocupássemos senão de

coisas muito sérias; pouco a pouco, um a um, foi crescendo o número dos assistentes, de tal forma

446

XAVIER, Francisco Cândido. VIEIRA, Waldo. Estude e viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 14. ed. Brasília: FEB, 2013. Cap. 36, p.157. 447

KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). 3. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap. V, p. 51.

Objetivo

Ideias principais

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que o meu modesto salão, muito pouco adequado para uma assembleia, tornou-se insuficiente. [...]

Para nos reunirmos regularmente, além de um certo número e num local diferente, era necessário

que nos conformássemos com as prescrições legais, ter um regulamento e, consequentemente, um

presidente designado. Enfim, era preciso constituir-se uma sociedade; foi o que aconteceu, com o

assentimento da autoridade constituída, cuja benevolência não nos faltou. Era também necessário

imprimir aos trabalhos uma direção metódica e uniforme, e decidistes encarregar-me de constituir

aquilo que fazia em casa, nas nossas reuniões privadas.448

Allan Kardec faz menção a benevolência da autoridade constituída devido ao processo de legalização

da entidade ter sido solicitado em um momento de tensão política na capital francesa, em função da Lei de

Segurança Geral, instituída após a tentativa de assassinato de Napoleão III, no dia 14 de janeiro de 1858. A

vigilância aumentou e as reuniões privadas geravam todo o tipo de suspeitas, afinal poderiam ter um caráter

revolucionário, dispostas a tomarem o poder.

Como este não era o propósito das reuniões presididas por Allan Kardec, imediatamente buscou uma

autorização legal para não ser, cedo ou tarde, alvo de suspeitas inverossímeis. O Sr. Dufaux, prefeito de

polícia e amigo de Kardec, recebeu a petição e demonstrou às autoridades o caráter ilibado das reuniões

inicialmente definida como Círculo Parisiense de Estudos Espíritas.

No dia 1o de abril, com a autorização do Estado, a agora Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

pôde, enfim, funcionar em um salão alugado no Palais-Royal, na Galerie Valois.

[...] A Sociedade, cuja formação temos o prazer de anunciar, composta exclusivamente de pessoas

sérias, isentas de prevenções e animadas do sincero desejo de serem esclarecidas, contou, desde o

início, entre seus associados, com homens eminentes por seu saber e posição social. Ela é chamada

— disso estamos convencidos — a prestar incontestáveis serviços à comprovação da verdade. Seu

regulamento orgânico lhe assegura uma homogeneidade sem a qual não há vitalidade possível;

baseia-se na experiência dos homens e das coisas e no conhecimento das condições necessárias às

observações que são o objeto de suas pesquisas. Vindo a Paris, os estrangeiros que se interessarem

pela Doutrina Espírita encontrarão, assim, um centro ao qual poderão dirigir-se para obter

informações, e onde poderão também comunicar suas próprias observações.449

Kardec assumiu a presidência do grupo e o Espírito São Luís foi considerado o mentor espiritual.

[...] Aliás, nossa linha de conduta não poderia ser melhor traçada do que por essas admiráveis

palavras que o Espírito São Luís nos dirigiu, e que não deveríamos jamais perder de vista:

“Zombaram das mesas girantes, mas não zombarão jamais da filosofia, da sabedoria e da caridade

que brilham nas comunicações sérias. Que vejam aqui, que escutem ali, mas que entre vós haja

compreensão e amor”.450

Em O Livro dos Médiuns, Kardec teve o cuidado de publicar o estatuto da Sociedade Parisiense de

Estudos Espíritas, constituindo, dessa maneira, a pedra fundamental do Movimento Espírita. No

primeiro artigo de seu regulamento, Kardec sintetiza, em linhas gerais, a finalidade de uma

instituição: “A Sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos relativos às

manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas.

[...]”.451

O objetivo da Sociedade não consiste apenas na pesquisa dos princípios da ciência

espírita; vai mais longe: estuda também as suas consequências morais, pois é

principalmente nelas que encontra a sua verdadeira utilidade.452

448

______. ______. Cap. V, p. 32. 449

KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 1, n. 5, maio 1858, Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, p. 230 e 231.Trad. Evandro Noleto Bezerra. 5. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2014. 450

KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 2, n. 7, jul. 1859, Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas — Discurso de encerramento do ano social 1858–1859, p. 261. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2015. 451

______. O livro dos médiuns. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XXX, it. Cap. I — Objetivo e formação da Sociedade, Art. 1º. 452

______. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). 3. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap. V, p. 44.

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Com o êxito nas vendas de O Livro dos Espíritos, com o crescimento acelerado de novos assinantes

da Revista Espírita e a adesão, cada vez maior, de novos sócios contribuintes para a Sociedade Parisiense de

Estudos Espíritas, Kardec percebeu a abrangência de sua missão e os desafios que deveria enfrentar para que

a Doutrina Espírita pudesse revelar ao mundo uma nova ordem de coisas.

***

Todo o trabalho de Allan Kardec aos poucos foi produzindo frutos vistosos. Muitos adeptos da nova

Doutrina passaram a se reunir em suas próprias sociedades recém-fundadas. Havia, de fato, um processo de

expansão acelerado, independente das zombarias e perseguições.

Em resposta ao convite dos espíritas das cidades francesas de Lyon e de Bordeaux, Kardec expressa

com emoção o convite recebido, além de demonstrar o quanto é imprescindível a união de propósitos em

torno da caridade, no seu sentido puro e simples.

Sinto-me feliz, meus amigos, por ver tantos grupos unidos no mesmo sentimento, marchando de

comum acordo para o nobre objetivo a que nos propomos. Sendo tal objetivo exatamente o mesmo

para todos, não poderia haver divisões; uma mesma bandeira deve guiar-vos e nela está escrito:

Fora da caridade não há salvação. Ficai certos de que em torno dela é que a Humanidade inteira

sentirá necessidade de se congregar, quando se cansar das lutas engendradas pelo orgulho, pela

inveja e pela cupidez.453

Esta máxima, verdadeira âncora de salvação, porque será o repouso

depois da fadiga, o Espiritismo terá a glória de ser o primeiro a havê-la proclamado. Inscrevei-a

em todos os locais de reunião e em vossas residências. Que, doravante, ela seja a palavra de união

entre todos os homens sinceros, que querem o bem, sem segunda intenção pessoal. Mas fazei

melhor ainda: gravai-a em vossos corações e, desde já, fruireis a calma e a serenidade que aí

encontrarão as gerações futuras, quando ela for a base das relações sociais. Sois a vanguarda;

deveis dar exemplo, a fim de encorajar os outros a vos seguirem.454

Do plano espiritual, Sanson, antigo membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, prevê que

aquele núcleo disseminador dos princípios da Terceira Revelação chegaria futuramente a todo o mundo:

Bendita sejas, Sociedade que amo, tu que dás sempre com benevolência; tu que realizas uma tarefa

árdua sem olhar as pedras que obstruem a passagem. Muito mereceste de Deus. Não serás e não

poderás ser um centro ordinário, mas, repito, a fonte benfazeja onde o sofrimento encontrará

sempre o bálsamo reparador.455

Allan Kardec, após a publicação de O Livro dos Espíritos fez diversas viagens de propaganda

doutrinária, com a finalidade de trazer esclarecimentos oportunos aos núcleos espíritas nascentes. Foram

realizadas viagens de 1860 a 1862 e de 1864 a 1867.

Na intensa jornada do ano de 1862, durante seis semanas, Allan Kardec visitou os centros espíritas

existentes em mais de vinte cidades francesas, assistindo, no total, cerca de cinquenta reuniões.

2. Os Grupos Espíritas se espalham pela França

Em seu relatório, Allan Kardec destaca que os grupos aumentavam e que na reunião geral realizada

em Lyon participaram mais de 600 representantes desses diferentes grupos. Em seus pronunciamentos nos

meses de setembro e outubro do ano de 1862, Allan Kardec afirmou que a Doutrina estava praticamente

encerrando o período da curiosidade, quando se sobressaíam os chamados fenômenos de efeitos físicos, de

materialização de espíritos. Afirmou ainda que à medida que se disseminavam médiuns de comunicações

inteligentes um novo momento estava prestes a surgir: o das consequências morais, isto é, a aplicação desses

ensinamentos para a reforma da Humanidade, finalidade essencial da Doutrina Espírita.

Na Revista Espírita de novembro de 1862, Allan Kardec analisa esse período de rápida propagação

com mais detalhes:

453

Cupidez: desejo excessivo por bens materiais. 454

KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 5, n. 9, set. 1862, Resposta ao convite dos espíritas de Lyon e de Bordeaux, p. 367. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2004. 455

______. ano 4, n. 11, nov. 1862, Dissertações espíritas, it. Papel da Sociedade de Paris, p. 465.

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Acabamos de visitar alguns Centros Espíritas da França, lamentando que o tempo não nos tenha

permitido ir a toda parte onde nos haviam convidado, nem prolongar nossa estada em cada localidade

como o desejávamos, em razão da acolhida tão simpática e tão fraterna que por toda parte recebemos.

Durante uma viagem de mais de seis semanas e um percurso total de 693 léguas, paramos em vinte

cidades e assistimos a mais de cinquenta reuniões. O resultado nos proporcionou uma grande

satisfação moral, sob o duplo aspecto das observações colhidas e da constatação dos imensos

progressos do Espiritismo.456

3. A missão do Centro Espírita

O Centro Espírita é a célula máter457

da nova sociedade, porque nela se reúnem as almas que

trabalham pelo progresso geral, transformando-se numa escola, porque esta é uma das suas

funções precípuas.458

, 459

O Centro Espírita é a casa de Jesus na qual todos devem ser acolhidos. Todavia, isso não quer dizer

que normas não devam ser cumpridas, tanto da parte de quem a frequenta regularmente, quanto da parte de

quem chega para conhecê-la pela primeira vez.

Um templo espírita, revivendo o Cristianismo, é um lar de solidariedade humana em que os irmãos

mais fortes são apoio aos mais fracos e em que os mais felizes são trazidos ao amparo dos que

gemem sob o infortúnio. — Emmanuel.460

Se a Doutrina Espírita ensina com clareza que Jesus é o Guia e Modelo da Humanidade, os centros

espíritas cumprem a sua missão essencial somente quando é norteado por um programa de educação

espiritual fundamentado nas verdades do Evangelho do Mestre divino à luz das explicações trazidas pela

Espiritualidade superior.

Todos nós, encarnados e desencarnados, comparecemos no templo espírita no intuito de receber o

concurso dos Mensageiros do Senhor; no entanto, os Mensageiros do Senhor esperam igualmente

por nosso concurso, no amparo a outros, e a nossa cooperação com eles será sempre, acima de

tudo, trabalhar e servir, auxiliar e compreender. — Emmanuel.461

Diante dessa perspectiva, todas as atividades realizadas em uma Casa Espírita são oportunidades de

aprendizado para o progresso intelecto-moral de seus frequentadores, preparando-os para uma vivência

lúcida e consciente de sua vida atual e a do porvir.

Os serviços mais urgentes de cada centro são os da instrução doutrinária de velhos e novos

adeptos, tanto uns como outros carentes de conhecimento doutrinário. Bem executado esse serviço,

todos os demais serão feitos com facilidade.462

Das tarefas existentes no Centro Espírita, da mais operacional até a mais intelectualizada, todas são

revestidas de um caráter genuinamente educativo, exigindo, portanto, planejamento e espírito de cooperação.

[...] O que importa, em essência e em última análise, como condição primordial, é a natureza do

trabalho cristão e o caráter de renovação do trabalhador empenhado na criteriosa execução do

mesmo.

Ante as necessidades que nos acossam e os problemas que nos rondam e desafiam, variáveis em

natureza e extensão, é de todo imprescindível que estejamos deveras compenetrados da natureza

de nossas responsabilidades doutrinário-administrativas e atentos ao esmerado cumprimento dos

456

KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 4, n. 11, nov. 1862, Viagem espírita em 1862. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2004. 457

Máter: causa, origem. 458

Precípuo: principal, essencial. 459

FRANCO, Divaldo. Diálogo com dirigentes e trabalhadores espíritas. Salvador: Candeia, 1980. Cap. 12, p. 23. 460

XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Estude e viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 14. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 39 — Espíritas, meditemos, p. 170. 461

______. ______. Cap. 36 — O espírita na equipe. 462

PIRES, Herculano. O centro espírita. São Paulo: Lake, 1992. Cap. 2, p.13.

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deveres delas decorrentes, a fim de fazermos jus às bênçãos dos nossos maiores e podermos

atender àqueles que algo esperam, efetivamente, dos Centros Espíritas.463

4. Reuniões Públicas

As reuniões espíritas podem, pois, ser feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e o respeito

que comporta a natureza grave dos assuntos de que se ocupa.; pode-se mesmo, na ocasião, aí fazer

preces que, em vez de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem que, por isto, sejam

tomadas por assembleias religiosas.464

Considera-se uma reunião pública, palestras ou conferências sobre temas relacionados à Doutrina

Espírita, cuja finalidade é atender as necessidades de esclarecimento e consolação. Os frequentadores das

reuniões públicas devem estar cientes da relevância desta atividade, compreendendo a valiosa psicoterapia

que será aplicada em conjunto.

As reuniões espíritas são compromissos graves assumidos perante a consciência de cada um,

regulamentados pelo esforço, pontualidade, sacrifício e perseverança dos seus membros.465

Além do mais, as reuniões públicas devem primar pela fraternidade operante e pelo desenvolvimento

da fé raciocinada, buscando trazer luz aos problemas da vida, do ser e do destino, resplandecendo a

consciência em vista de um mundo de regeneração.

Os Espíritos que nos cercam aqui são inumeráveis, atraídos pelo objetivo que nos propusemos ao

nos reunirmos, a fim de dar aos nossos pensamentos e forças que nasce da união. Ofereçamos aos

que nos são caros uma boa lembrança e o penhor de nossa afeição, encorajamentos e consolações

aos que deles necessitem. Façamos de modo que cada um recolha a sua parte dos sentimentos de

caridade benevolente, de que estivermos animados, e que esta reunião dê os frutos que todos têm

direito de esperar.466

463

GAMA, Alberto Nogueira da. Nos centros espíritas.In: Reformador, ano 98, n. 1.817, ago. 1980, p. 25(245). 464

KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). 3. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap. XXIII, p. 209. 465

FRANCO, Divaldo. Nos bastidores da obsessão. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 9. ed. Brasília: FEB, 2003. Examinando a obsessão. 466

KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). 3. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap. XXIII, p. 213.

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Anexo

Altivo Panphiro – (1938 – 2006)

O filho de Carolina Carissimi Pamphiro e de Altivo de Mattos Pamphiro ingressou no Instituto de

Resseguros do Brasil (IRB) aos 16 anos de idade, onde começou a trabalhar como mensageiro.

Por volta dos 19 anos de idade, após prestar serviço militar, ele de novo estava na companhia dos

colegas do Instituto, onde foi efetivado, em caráter definitivo, após prestar concurso, lá permanecendo

até a aposentadoria.

Nascido em 24 de março de 1938, na cidade do Rio de Janeiro, os primeiros contatos de Altivo com

o Espiritismo ocorreram no próprio local de trabalho, onde, em 1954, conheceu Brunilde Mendes e Vera

Simões, hoje já desencarnada.

Ambas costumeiramente conversavam, nos horários de intervalo, sobre Doutrina, assunto que passou

a despertar o interesse do rapaz que, pouco depois, já lia as primeiras obras da Codificação. Sentindo o

entusiasmo do jovem, Brunilde o convidou para participar do Culto do Evangelho do Lar que realizava em

sua casa. Lá, pôde ver sua mediunidade aflorar, a mesma mediunidade que faria dele uma figura muito

procurada pelos sofredores, na busca de consolo através de uma palavra amiga.

O espírito para o trabalho em prol da Doutrina se revelava na mesma proporção da sua diversificada

mediunidade, que incluía faculdades como psicografia, psicofonia, vidência, audiência e cura. E como não

era de recusar tarefas, participou com as amigas Brunilde e Vera de iniciativas que resultaram na fundação

do Lar de Tereza, em Copacabana, na Zona Sul do Rio. Depois, mobilizou suas energias para a fundação do

Centro Espírita Léon Denis (CELD). por ser referência no estudo e prática dos princípios espíritas, inclusive

no campo social, atendendo centenas de pessoas carentes todos os meses.

No CELD, dedicava praticamente todas as suas horas, atuando na parte mediúnica e dando aulas

sobre "O Livro dos Espíritos" e as obras de André Luiz. Também dedicava-se com o mesmo penhor às

Edições Celd, voltadas, principalmente, a publicar traduções de Kardec, Léon Denis e das obras de autores

como Gabriel Delanne e Ernesto Bozzano, além de oferecer oportunidade à nova safra de escritores cujo

trabalho prima pela boa qualidade doutrinária.

A rotina de Altivo começou a mudar em 2004 por causa de um câncer linfático e da quimioterapia a

que teve de ser submetido. Recuperado, voltou às lides, mas um ano e meio depois apareceu a leucemia, que

quando descoberta, já estava em processo bem adiantado, levando-o à desencarnação. O corpo de Altivo

Carissimi Pamphiro foi sepultado no dia 18 de fevereiro, às 16 horas, no Cemitério de Inhaúma, onde

compareceram milhares de pessoas, numa movimentação somente vista no sepultamento de personalidades

públicas.

Conquistou também junto ao movimento espírita, do qual sempre se mostrou fiel trabalhador, como

atestou sua amiga de tantos anos Brunilde, do Lar de Tereza: "Ele foi uma referência para nós".

Yvone do Amaral Pereira (1906 – 1984)

Destaca-se entre os maiores médiuns e escritores espíritas. Suas obras caracterizam-se pela beleza da

linguagem, pela profundidade do conteúdo e pelo interesse que geram no público.

Dona de uma mediunidade prodigiosa, ela via e ouvia os espíritos, recebia mensagens escritas e

mantinha diálogos memoráveis com eles. O escritor português Camilo Castelo Branco, o compositor polonês

Frédéric Chopin e o escritor russo Léon Tolstói, eram alguns que a inspiravam nas suas obras.

Além de ter produzido obras notáveis por meio de sua mediunidade, como Memórias de um Suicida

e Ressureição e Vida, também escreveu de sua própria autoria títulos memoráveis da literatura espírita,

como Devassando o Invisível.

Ativa divulgadora do Espiritismo, procurou sempre vivenciar a mensagem que predicava, oferecendo

consolo e esclarecimento a todos os que a procuravam, sempre de forma absolutamente gratuita, como

recomendam as lições de Jesus e os postulados da Doutrina Espírita.

Atualmente , suas obras são um sucesso de vendas e ocupam posições de destaque no Brasil e no Exterior.

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Adelaide Augusta Câmara – Aura Celeste (1874 – 1944)

Ela era protestante e aos 24 anos teve as primeiras manifestações mediúnicas. Teve contato com o

Espiritismo através do jornal O Paiz. Sob a orientação, do presidente da FEB, Bezerra de Menezes. Começou

a propagar a Doutrina Espírita fazendo conferências, receitando no Centro Espírita Ismael; logo ficou

conhecida pelo país. Nessa época o espiritismo era muito comentado pelas curas, pelos fenômenos, pelos

livros.....

Dois anos depois desencarna Bezerra e ela passa a trabalhar com Ignácio Bittencourt como

propagandista da doutrina, casa-se e diminui o ritmo da divulgação.

Em 1920 volta à tribuna e aos trabalhos mediúnicos. Trabalhou com o médico espiritual Joaquim

Murtinho realizando curas e desenvolve outros tipos de faculdades. Era possuidora das mediunidades de

incorporação, audição, vidência, psicografia, curadora, intuição, bilocação; realizava curas em vários lugares

do Brasil, através do desdobramento fluídico.

Foi ainda poetisa, conferencista, contista e educadora. Foi chamada pelo jornalista Leal de Souza, a

Musa espiritualista.

Em 1924 dedicou-se às crianças órfãos e à velhice desamparada. O confrade João Carlos angariou

donativos para a fundação da Instituição, mas desencarna. Sua tarefa máxima foi realizada no Asilo João

Evangelista.

Foi uma grande educadora que ensinava educando e educava ensinando pelo exemplo.

Anália Emília Franco Bastos (1853 – 1919)

Personalidade muito além do seu tempo, educadora, literata, jornalista, patrocinadora das artes e

espírita praticante. Inovadora na pedagogia, liberal e humanista no comportamento, abolicionista e

republicana nas ideias, teve sempre conduta bondosa e fraterna, notável Anjo da Caridade. Foi pioneira no

movimento pela igualdade e emancipação da mulher.

Em 1913 decidiu criar mais uma unidade de sua obra que já contava mais de 150 escolas com asilos

e creches. Eram espalhadas pelo Estado de São Paulo e vizinhos. Escolheu o Rio de Janeiro como objetivo

por razões sentimentais. Faleceu em 1919 sem ter podido concretizar a decisão.

Coube a Francisco Antônio Bastos a missão de fundar essa instituição fluminense, o Asilo de Órfãs

Anália Franco em 1922.

Anália não teve filhos, mas foi uma grande Mãe, declarou certa vez que o valor da mulher “Não se

afere pela beleza aparente e atrativos exteriores, mas, sim, pelos grandes ideais que lhe enchem o cérebro e

pelos nobres sentimentos que lhe impulsionam o coração”. Também foi considerada A Grande Dama da

Educação Brasileira – O Anjo da Caridade.

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CONCLUSÃO

Finalmente, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer modo mereça louvor.

Paulo – Carta aos Filipenses, capítulo 4, verso 8.

Léon Denis: Patrono do Centro Espírita Léon Denis (CELD)

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