Ricardo Semler

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REVISTA EPOCA , 22 03 2004 RICARDO SEMLER Soneca no trabalho ANA MAGDALENA ORTA E! no"o be#t$#eller, Se!ler e%&l'ca &or ()e *or!'r e! #er"'+o &o*e ne -c'o ANA MAGDALENA ORTA No 'n.c'o *a */ca*a *e 0 e#&ec'al'#ta# e! a*!'n'#tra+1o &re"'a! &ro!'##or &ara o o"e! R'car*o Se!ler Ao# 25 ano#, ele a##)!'ra co!&re##ore# *o &a' e '!&lantara )! !o*elo *e e#t1o ba#ea*o na *e )nc'on6r'o# &a##ara! a a7er o# &r-&r'o# hor6r'o#, *'#c)t'r co! ne -c'o e t'rar #oneca# na# re*e# 'n#tala*a# na #e*e *a e!&re#a, e n1o "'ro) )!a ba )n+a, ne! o' 8 al9nc'a, co!o al )n# te!'a! !'lh=e#, te! 3 !'l e!&re a*o# e "e! re '#tran*o ta%a# *e cre#c'!en ano, 'ncl)#'"e e! 2003, ()an*o a econo!'a &aro) S- ne#te !9#, #e *oc)!ent6r'o# *e TV na 'n le#a ??C, na a!er'cana CNN e na rance# *a e!&re#a tran# or!o) Se!ler e! )! )r) e!&re#ar'al e a)tor *e b #)ce##o, The Seven-Day Weekend , o' lan+a*o e! 2003 na E)ro&a e *e"er6 che #e )n*o #e!e#tre ao ?ra#'l Ven*e) &erto *a# 500 !'l c-&'a# #- na on*e e#t6 !oran*o &ara *ar a)la# na :n'"er#'*a*e ar"ar*, Se!ler RICARDO SEMLER Trajetória Na#c'*o e! 5 , ca#a*o, )! 'lho, a##)!') a Se!co e! 5 0 @o' ele'to, e! 5 0, o!e! *e Ne -c'o# *a A!/r'ca Lat'na &ela re"'#ta América Economia @o' "'ce$&re#'*ente *a @'e#& o e / con#)ltor, *6 a)la# e! ar"ar* e ()a#e n)nca &rec'#a to!ar *ec'#=e# na e!&re#a Livros publicados Virando a Própria Mesa 5 , tra*)7'*o e! 24 l.n )a#F, Embrulhando Peie 5 2F, The Seven-Day Weekend 2003F ÉPOCA - The Seven-Day Weekend defende o tempo livre e é um sucesso na Eu além de estar sendo lanado nos Estados !nidos" O mundo est# trab &icardo 'emler - Ma'# ()e a ()ant'*a*e, / a ()al'*a*e *e "'*a e *e trab &'oran*o Nenh)!a or an'7a+1o o) 'n*'".*)o #abe! a'n*a l'*ar co! to*o# ao alcance *o cl'()e *e )! !o)#e To*o# a&ren*e!o# a !an*ar no *o!'n o 8 no'te, !a# n'n )/! a'n*a a&ren*e) a 'r ao c'ne!a na # Cla)*'o E*'n er

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ricardo semler

Transcript of Ricardo Semler

RICARDO SEMLER

REVISTA EPOCA , 22 03 2004

RICARDO SEMLER INCLUDEPICTURE "http://revistaepoca.globo.com/EditoraGlobo/img/transp.gif" \* MERGEFORMATINET

Soneca no trabalhoANA MAGDALENA HORTA

INCLUDEPICTURE "http://revistaepoca.globo.com/EditoraGlobo/img/transp.gif" \* MERGEFORMATINET Em novo best-seller, Semler explica por que dormir em servio pode ser bom para o negcio

ANA MAGDALENA HORTA

INCLUDEPICTURE "http://revistaepoca.globo.com/EditoraGlobo/img/transp.gif" \* MERGEFORMATINET No incio da dcada de 80 especialistas em administrao previam um futuro pouco promissor para o jovem Ricardo Semler. Aos 21 anos, ele assumira a empresa de compressores do pai e implantara um modelo de gesto baseado na democracia total. Os funcionrios passaram a fazer os prprios horrios, discutir com os chefes a estratgia do negcio e tirar sonecas nas redes instaladas na sede da empresa, em So Paulo. Mas a Semco no virou uma baguna, nem foi falncia, como alguns temiam. Hoje fatura US$ 160 milhes, tem 3 mil empregados e vem registrando taxas de crescimento mdias de 30% ao ano, inclusive em 2003, quando a economia parou. S neste ms, ser assunto de documentrios de TV na inglesa BBC, na americana CNN e na francesa TF1. O desempenho da empresa transformou Semler em um guru empresarial e autor de best-sellers. Seu ltimo sucesso, The Seven-Day Weekend, foi lanado em 2003 na Europa e dever chegar no segundo semestre ao Brasil. Vendeu perto das 100 mil cpias s na Inglaterra. De Boston, onde est morando para dar aulas na Universidade Harvard, Semler falou a POCA.

RICARDO SEMLER

Claudio Edinger

Trajetria Nascido em 1959, casado, um filho, assumiu a Semco em 1980. Foi eleito, em 1990, Homem de Negcios da Amrica Latina pela revista Amrica Economia. Foi vice-presidente da Fiesp. Hoje consultor, d aulas em Harvard e quase nunca precisa tomar decises na empresa

Livros publicados Virando a Prpria Mesa (1988, traduzido em 24 lnguas), Embrulhando Peixe (1992), The Seven-Day Weekend (2003)

POCA - The Seven-Day Weekend defende o tempo livre e um sucesso na Europa, alm de estar sendo lanado nos Estados Unidos. O mundo est trabalhando demais? Ricardo Semler - Mais que a quantidade, a qualidade de vida e de trabalho que est piorando. Nenhuma organizao ou indivduo sabem ainda lidar com o fato de que estamos todos ao alcance do clique de um mouse. Todos aprendemos a mandar e-mail de nossas casas no domingo noite, mas ningum ainda aprendeu a ir ao cinema na segunda-feira tarde. O resultado um desequilbrio insustentvel e uma receita para empresas frgeis e funcionrios insatisfeitos.

POCA - Por que o cio bom? Semler - Porque dos poucos veculos do repensar. do cio que vem a fora de parar de fazer algo imbecil, mas enraizado. Tambm estamos no auto-engano ao achar que o fim de semana cio. Nossos fins de semana repetem a semana: temos hora para tudo. Isso no recarrega as baterias e refora o 'bode' de segunda-feira. Por isso, uma das perguntas que fazemos na Semco : por que as pessoas ficam animadas em ir trabalhar na segunda-feira? uma pergunta vital de RH, mas nenhuma empresa tem coragem de faz-la.

POCA - Quantas boas idias j vieram graas s redes instaladas na Semco? Semler - grande a quantidade de idias novas, sejam advindas de nossas redes, sejam do fato de as pessoas poderem ficar um dia a mais no stio. Temos dificuldades em ouvir todas.

POCA - Pode dar exemplos? Semler - Idias de novas empresas do grupo, como a de manuteno volante ou gesto de inventrios, vieram de gente que valoriza o tempo na rede ou longe do escritrio. Grande expert em criatividade, o matemtico Johannes Kepler dizia: 'A soluo vem, como sempre, pelas portas dos fundos do crebro, hesitando e com vergonha'. As solues importantes no vm do tempo de bunda-na-cadeira. hora de parar de pedir isso s exaustas multides do batente.

'' burrice achar que dormir no emprego sinal de vagabundagem. s ler relatrios sobre a falta demogrfica de sono para perceber que empresa mope a que probe, e no a que incentiva o sono diurno''

POCA - Voc defende a responsabilidade dos empregados. Eles decidem quanto trabalham e at como sero remunerados. Como na prtica a aplicao dessas idias? Semler - Cerca de um tero do esforo das organizaes vem de conceitos anacrnicos - e baseados na hierarquia militar -, que eu chamo de sndrome de internato: a que horas as pessoas devem chegar, como devem se vestir, por que ganham menos que outras, quantas vezes podem ir ao banheiro sem pegar mal, de quem precisam puxar o saco para sobreviver, em que sites da internet podem ou no surfar durante o expediente. Pelo amor de Deus, esse tempo acabou. Bem-vindo seja o milnio da inteligncia e da sabedoria, e no da escravido digital. Servidor no s a mquina que o liga internet, tambm a mentalidade em relao ao patro. Vamos ficar caando escravido no Par enquanto inauguramos o escravo digital? No vejo ningum batalhando pelo direito das pessoas de passar e-mail pessoal durante o expediente sem correr o risco de ser bisbilhotadas pela empresa.

POCA - Essa liberdade no gera conflitos? No atrasa cronogramas? No favorece fraudes? Semler - Os conflitos so resultado de questes de natureza humana, e certamente os temos, mas em grau menor, porque as questes de internato foram relegadas a segundo plano. Quem atinge sua cota mensal de vendas no precisa fazer de conta que d duro. Quem chega primeiro e sai por ltimo, mas no atinge sua cota, no consegue sobreviver na empresa. Quanto a atrasos e qualidade nas entregas, temos ganho prmio atrs de prmio de nossas parceiras americanas como a mais confivel unidade de negcios deles no globo. Quanto s fraudes, no temos controles que as impeam. Na verdade, quem acha que tem algum est se enganando. Vide Parmalat, Enron, Barings ou INSS. Nossas fraudes, rarssimas, so identificadas por pessoas que as bloqueiam a tempo, em vez de dar de ombros.

POCA - Quais as vantagens da democracia na gesto? Quem d a ltima palavra na empresa? Semler - A democracia um valor e uma ferramenta, mas no o objetivo da empresa. Nem o lucro . O objetivo criar um veculo sustentvel e gratificante de exercer o que Freud considerava uma das duas nicas coisas de que o ser humano necessita: trabalho e amor. Amor mais difcil. Na Semco, o que queremos que a liberdade seja o motor dessa gratificao. Gente que controla o prprio destino e no tratada como adolescente ou ignorante muito mais capaz de fazer uma empresa dar certo. Temos 25 anos como prova disso, tendo pulado de cem para quase 3 mil funcionrios com esse mtodo. Quanto palavra final, ela sempre dos gestores que as pessoas escolheram. Ningum vira chefe na Semco sem ser entrevistado por seus futuros subordinados. Eu, h pouco tempo, comemorei dez anos sem tomar uma deciso sequer. Meu interesse pelo processo, pela arquitetura da organizao.

POCA - A Escola Lumiar, aberta por voc em 2003, tambm privilegia a discusso entre pais e educadores. uma miniatura da Semco? Semler - uma experincia na educao paralela da Semco no mundo empresarial. Queremos provar que o condicionamento malfico que os adultos tm vem da escola, e que possvel um sistema educacional baseado na liberdade e curiosidade das crianas. No sistema atual, as crianas pequenas tm sua curiosidade natural achatada por burrice, repetio e monotonia. Apenas 6,3% do que ensinado no currculo retido. A Lumiar no trabalha com a figura do professor, mas com a do tutor a longo prazo. O nus de estimular as crianas transferido para os adultos, em vez de coloc-las sentadas, a nossa disposio. Temos parceria com a Harvard School of Education, que considera a experincia uma das mais avanadas.

Kleide Teixeira/POCA

''Idias de novas empresas do grupo vieram de gente que valoriza o tempo na rede ou longe do escritrio. As solues importantes no vm do tempo de bunda-na-cadeira. hora de parar de pedir isso s exaustas multides do batente''

POCA - Muitas teorias revolucionrias de gesto morrem em pouco tempo. A sua est sobrevivendo. Por qu? Semler - Parafraseando Mao Ts- tung, que disse que era cedo demais para avaliar os efeitos da Revoluo Francesa, a sustentabilidade das idias subversivas depende de uma memria do futuro. Quando comeamos a primeira comisso de fbrica por desejo da empresa, em 1979, o pessoal da Fiesp nos chamava de vermelhos. Quando comeamos a avaliao 360 graus, em 1982, achavam maluquice. Mas agora tudo isso padro. Hoje, estamos desfazendo o conceito de sede e dividindo os espaos de trabalho pela cidade, por exemplo em salas vips de aeroportos, para que as pessoas tenham um escritrio nosso perto de casa. Com isso, fica impossvel controlar algum. Estamos tambm com funcionrios eleitos pelos colegas para represent-los com assento no conselho de administrao. uma forma de reativar os pontos positivos do sindicalismo que foram abafados pela globalizao. Em muitos sentidos, ramos melhores e mais atentos s pessoas na poca dos sindicatos agressivos, e precisamos resgatar um pouco esse olhar.

POCA - Alguma vez voc voltou atrs em uma idia? Semler - Muitas vezes lanamos idias e projetos que afundam sozinhos. Afinal, o terreno tem de estar frtil. Uma idia que adoro e no tem tido boa aceitao a de criar quartos escuros com poltronas reclinveis e fones de ouvido em nossos escritrios, onde os funcionrios possam tirar sonecas e praticar o cio. burro achar que dormir no emprego s sinal de vagabundagem. s ler relatrios sobre a falta demogrfica de sono para perceber que empresa mope a que probe, e no a que incentiva o sono diurno.

POCA - No difcil lidar com opinies demais? Isso bom para os negcios? Semler - Evitar as opinies diferentes praticar a ditadura empresarial. Quando o ditador erra, o que no raro, a empresa quebra. No prefervel saber antes, e ouvir quem vai estar no front?

POCA - A Semco no mais uma empresa eminentemente industrial, como era. O futuro da economia est nos servios? Semler - O futuro est na era da sabedoria, que vir substituir a era do conhecimento, em vigor. Os empregos do conhecimento esto migrando para os pases que investiram muito em educao, a exemplo da ndia e da China. Um pouco sobrar para o Brasil. Mas os servios no so a soluo para o pas, porque so facilmente globalizveis. O Brasil depender de vocaes naturais, como minrio, agribusiness, turismo. hora de o empresrio brasileiro deixar de ser bairrista e aprender a coabitar com o mundo.

POCA - Como ser o futuro das organizaes? Semler - Elas sero maleveis, amorfas, fluidas e daro pouca segurana aos funcionrios, mas mais liberdade. O formato global deve perdurar, mas possibilitando cada vez mais s pequenas e mdias atacar os nichos das grandes. Acha-se que tudo vai parar na mo das mil globais, mas no acredito, porque elas continuaro a ser elefantes em terreno de jaguatiricas.

POCA - A figura do CEO autoritrio vai desaparecer? Semler - No creio, porque os conselhos de administrao e os acionistas ainda preferem a sensao auto-enganosa de controle realidade de que as empresas so organismos imprevisveis. Nosso modelo inclui a perda de controle sobre o futuro da empresa, e pouco atrativo para CEOs e conselhos. Eles preferem fazer de conta que planilhas Excel e Power Point indicam o futuro. A arte da administrao, no entanto, est muito mais no terreno emocional e afetivo de Freud, Carl Jung ou Michel Foucault do que no mundo de gurus como Peter Drucker.