Rio de Janeiro, 29 de julho de 2016. · Exemplo desta situação tem-se no caso de automóvel que,...

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1 / 6 Rio de Janeiro, 29 de julho de 2016. Á Sua Excelência o Senhor Dr. Felipe Sarmento Presidente da Coordenação Nacional do Exame de Ordem Unificado Secretário Geral do Conselho Federal da OAB Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil SAUS Qd. 05 Lt. 01 Bl. “M” Brasília-DF CEP: 70070-939 Assunto: Esclarecimentos sobre Petição Pública dos examinandos da disciplina de Direito Civil do XIX Exame de Ordem, ocorrido no dia 29.05.2016. Prezado Senhor, Na oportunidade em que temos a honra de cumprimentá-lo, acusamos o recebimento da Petição Pública em referência, motivo pelo qual Vossa Excelência solicita o envio de esclarecimentos, tudo relativo ao XIX Exame de Ordem Unificado. Primeiramente, no que diz respeito às respostas técnicas aos questionamentos judiciais, gostaríamos de reforçar o nosso compromisso de colaborar com esse Conselho na elucidação de todas as demandas judiciais que se apresentarem. No caso, como se verá, não houve inadequação da resposta. Como se pode ver, tem-se pleito de alteração do gabarito ou invalidação da 1ª (primeira) questão da prova prático-profissional de Direito Civil, que corresponde à peça processual a ser feita. As alegações postas dirigem-se ao enquadramento jurídico dado pela Banca Examinadora responsabilidade pelo fato do produto e por vício do produto e as consequências daí advindas responsabilidade, prazo e solidariedade , haja vista existir controvérsia jurídica sobre o tema. Esta a irresignação, que bem analisada, não procede, mesmo que se tenha a pré-falada controvérsia jurídica no âmbito do enquadramento do direito. Isto porque, para o caso, mesmo que exista tal controvérsia, apenas a linha de raciocínio desenvolvida no gabarito é possível. Tal se dá na medida em que o examinando é procurado para defender os interesses do cliente em grau de recurso. Ou seja, deverá defender a ocorrência de solidariedade, a acarretar a legitimidade passiva do produtor do bem, bem como do fornecedor do bem (tido por vendedor); a não ocorrência tanto da prescrição quanto de eventual decadência; e a necessidade de a reparação ser ampla. Logo, não se poderia admitir a cisão de teses, de tal sorte que, em sede de recurso, ou se admitiria uma parte da pretensão ou outra parte. Aqui, o examinando tinha que desenvolver a tese orientação jurídica que garantisse o êxito total da pretensão. Se há fundamento para o acolhimento integral da pretensão, não pode o examinando deixar de demonstrar tal conhecimento, postulando uma reforma apenas parcial da sentença.

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Rio de Janeiro, 29 de julho de 2016. Á Sua Excelência o Senhor Dr. Felipe Sarmento Presidente da Coordenação Nacional do Exame de Ordem Unificado Secretário Geral do Conselho Federal da OAB Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil SAUS Qd. 05 Lt. 01 Bl. “M” Brasília-DF CEP: 70070-939 Assunto: Esclarecimentos sobre Petição Pública dos examinandos da disciplina de Direito Civil do XIX Exame de Ordem, ocorrido no dia 29.05.2016. Prezado Senhor, Na oportunidade em que temos a honra de cumprimentá-lo, acusamos o recebimento da Petição Pública em referência, motivo pelo qual Vossa Excelência solicita o envio de esclarecimentos, tudo relativo ao XIX Exame de Ordem Unificado. Primeiramente, no que diz respeito às respostas técnicas aos questionamentos judiciais, gostaríamos de reforçar o nosso compromisso de colaborar com esse Conselho na elucidação de todas as demandas judiciais que se apresentarem. No caso, como se verá, não houve inadequação da resposta. Como se pode ver, tem-se pleito de alteração do gabarito ou invalidação da 1ª (primeira) questão da prova prático-profissional de Direito Civil, que corresponde à peça processual a ser feita. As alegações postas dirigem-se ao enquadramento jurídico dado pela Banca Examinadora – responsabilidade pelo fato do produto e por vício do produto – e as consequências daí advindas – responsabilidade, prazo e solidariedade –, haja vista existir controvérsia jurídica sobre o tema. Esta a irresignação, que bem analisada, não procede, mesmo que se tenha a pré-falada controvérsia jurídica no âmbito do enquadramento do direito. Isto porque, para o caso, mesmo que exista tal controvérsia, apenas a linha de raciocínio desenvolvida no gabarito é possível. Tal se dá na medida em que o examinando é procurado para defender os interesses do cliente em grau de recurso. Ou seja, deverá defender a ocorrência de solidariedade, a acarretar a legitimidade passiva do produtor do bem, bem como do fornecedor do bem (tido por vendedor); a não ocorrência tanto da prescrição quanto de eventual decadência; e a necessidade de a reparação ser ampla. Logo, não se poderia admitir a cisão de teses, de tal sorte que, em sede de recurso, ou se admitiria uma parte da pretensão ou outra parte. Aqui, o examinando tinha que desenvolver a tese – orientação jurídica – que garantisse o êxito total da pretensão. Se há fundamento para o acolhimento integral da pretensão, não pode o examinando deixar de demonstrar tal conhecimento, postulando uma reforma apenas parcial da sentença.

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Aliás, cabe ver, como mostra a Banca de Direito Civil, que a tese hoje predominantemente no STJ, e defendida por doutrinadores de renome, é a preconizada no gabarito, e única para a defesa da pretensão do cliente que procura o examinando. Portanto, não houve erro ou equívoco no gabarito. Em virtude disso, a Banca de Direito Civil, no que concerne à resposta aos questionamentos, manifestou-se de acordo com o exposto em anexo a esta carta. Sendo o que tínhamos para o momento, colocamo-nos à disposição de Vossa Excelência para eventuais esclarecimentos que se façam necessários e firmamo-nos,

Respeitosamente,

FGV PROJETOS

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PARECER DA BANCA DE DIREITO CIVIL

“Requerem os examinandos a desconsideração dos itens 1 e 2 da Fundamentação

Jurídico/Legal, bem como do item 3 do Formular Corretamente os Pedidos do padrão

de resposta da Peça Prático-Profissional, e em consequência a atribuição da

respectiva pontuação a todos os examinandos.

Tais itens referem-se à solidariedade e à inclusão do comerciante no polo passivo da

ação proposta pelo autor consumidor Antonio Augusto em face do fabricante Max TV

S.A. e a loja comerciante Lojas Eletrodomésticos Ltda., requerendo:

a) A substituição do televisor por outro do mesmo modelo ou superior, em perfeito

estado;

b) Indenização de aproximadamente R$ 35.000,00 correspondentes ao valor dos

aparelhos danificados;

c) Indenização por danos morais, em virtude da situação não ter sido solucionada

em tempo razoável, razão pela qual a família ficou, durante algum tempo, sem

usar a TV.

Alegam, em suma, que “pela doutrina majoritária, entende-se que o presente caso

trata-se de fato de produto, entendido como o defeito que extrapola a esfera da coisa

ou do serviço prestado e atinge a incolumidade física ou psíquica da pessoa e gera um

dano (material ou moral) passível de reparação”, sendo que “vício do produto causa

inadequação (televisão que não liga) e o fato do produto gera insegurança (televisão

que explode)”.

Tratando-se de fato do produto, então i) “o gabarito estaria incorreto em relação à

solidariedade dos fornecedores”, considerando a dicção do art. 18 do CDC, e “a

exclusão da loja do polo passivo seria devida, já que por se tratar de fato, aplica-se o

art. 12 do CDC”, sendo “a responsabilidade integral do fabricante”; ii) “inaplicável

também o art. 26, § 2º, I, do CDC, pois o fato do produto se sujeita a regra

prescricional quinquenal, não decadencial”, sujeitando-se ao art. 27 do CDC.

Afirmam ainda que “supondo que se trata de vício de produto, o gabarito também

apresentará problemas”, isso porque passa a estar correto em relação à aplicação do

art. 18 do CDC, porém, a situação sujeita-se ao prazo decadencial do art. 26, II, CDC,

que “se contaria somente a partir da negativa da loja, que nunca aconteceu”.

Concluem que o entendimento da banca “trata-se de impossibilidade jurídica, uma vez

que não seria possível num mesmo evento danoso, tanto vício quanto defeito do

produto”.

Pois bem.

O Superior Tribunal de Justiça já deixou claro em inúmeros julgados que em um

mesmo evento pode restar caracterizado tanto vício do produto, quanto fato do

produto. Veja-se:

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“Direito do Consumidor. Ação de indenização por danos materiais e morais

decorrentes de vícios no serviço. Prescrição. Cinco anos. Incidência do art. 27 do

CDC. 1. Escoado o prazo decadencial de 90 (noventa) dias previsto no art. 26, II,

do CDC, não poderá o consumidor exigir do fornecedor do serviço as

providências previstas no art. 20 do mesmo Diploma - reexecução do serviço,

restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço -, porém, a

pretensão de indenização dos danos por ele experimentados pode ser ajuizada

durante o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, porquanto rege a hipótese o art.

27 do CDC. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 683.809/RS, Rel.

Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20/04/2010, DJe 03/05/2010)

“(...) ajuizaram ação de indenização contra Scooter Veículos Ltda., objetivando a

substituição ou o conserto do veículo adquirido da ré, bem como a reparação pelos

danos materiais e morais. (...) No mais, o julgador monocrático decidiu

acertadamente que "a decadência acima reconhecida somente atinge parte da

pretensão dos autores, ou seja, aquela estritamente vinculada ao vício

apresentado no bem (condenação em promover os consertos, em entregar novo

termo de garantia, de abater o valor do veículo - fls. 09), nada influindo na

reparação pelos danos materiais e morais pretendida na petição inicial" (fl. 22). A

pretensão referente à reparação pelos danos materiais e morais prescreve em

cinco anos, nos termos do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor. Nego,

por isso, provimento ao agravo.” (Agravo de Instrumento nº 763.423 – RJ, Relator

Ministro Ari Pargendler, 30/06/2006)

“Tal qual o julgado colacionado na monocrática de fls. 222/223, o Tribunal de origem

(fls. 126-131 e 161-165) reconhece a possibilidade do processamento da pretensão

indenizatória por danos ajuizada pela agravada MARA GISELE DOS SANTOS DE

SOUZA, não havendo que se falar em decadência, como quer defender a recorrente.

No caso, a decadência reconhecida somente atinge parte da pretensão autoral,

nada influindo na reparação pelos danos materiais e morais pretendidos - art. 27

do CDC. (...) Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao presente agravo regimental.

(...) A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos

do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami

Uyeda (Presidente), Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr.

Ministro Relator. ” (AgRg no Ag 1013943/RJ, Rel. Ministro Vasco Della Giustina

(Desembargador convocado do TJRS), Terceira Turma, julgado em 21/09/2010, DJe

30/09/2010)

A título de exemplo, veja-se o REsp 1.488.239, de relatoria do Min. Ricardo Villas

Bôas Cueva, julgado em 1° de março de 2016 por unanimidade pela Terceira

Turma. De início, destaca o relator a diferenciação entre vício do produto, de que trata

o art. 27, e vício de fácil constatação, disciplinado pelo art. 26, II, CDC, colacionando

acórdão de relatoria da Min. Nancy Andrighi muito semelhante ao trazido à baila pelos

peticionários.

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Em seguida, conclui que no caso julgado o vício “é de fácil constatação” e que,

“mesmo já tendo identificado o vício, não ficou comprovado que os autores teriam

tomado qualquer providência junto à empresa contratada para retificá-lo” e

acertadamente conclui que “aplica-se ao caso em apreço o prazo decadencial

estabelecido no art. 26, II, do CDC”, citando diversos precedentes da Corte nesse

sentido.

Após, assevera que “quanto ao pedido de condenação da ré em danos morais, não há

reparo a fazer no aresto de origem”, pois “a pretensão indenizatória pelos danos

morais experimentados pelo consumidor obedece ao prazo prescricional quinquenal

do art. 27 do mesmo Código”.

Corrobora o entendimento da jurisprudência acima identificada, a doutrina do Ministro

Paulo de Tarso Sanseverino que ensina que "apesar de esses dois elementos (defeito

e vicio) apresentarem regimes jurídicos distintos no próprio CDC, não há dicotomia

absoluta. O mesmo fato pode enquadra-se simultaneamente nos dois regimes. Ao

mesmo tempo que se apresenta viciado, o produto ou serviço pôde-se mostrar

defeituoso. Exemplo desta situação tem-se no caso de automóvel que, por apresentar

deficiência no sistema de freios, envolve-se em um acidente, causando lesões a seus

ocupantes. Nesta hipótese, é possível a utilização simultânea das pretensões

concedidas pelos dois regimes jurídicos, inclusive no mesmo processo" (Sanseverino,

Paulo de Tarso. Responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor. São

Paulo: Saraiva, 2 edição, 2007, p. 166).

Em suma: o mesmo vício pode suscitar pretensões autorais distintas. Assim, no caso

tratado na Peça Prático-Profissional, o pedido (a) do consumidor Antonio Augusto, de

substituição do televisor por vício de produto, sujeitou-se ao prazo decadencial do art.

26, II, do CDC, e os pedidos (b) e (c), de indenização pelo fato do produto, ao prazo

prescricional do art. 27 do CDC.

A responsabilidade solidária do comerciante, a Loja de Eletrodomésticos Ltda., quanto

ao pedido (a), de substituição, está prevista no art. 18 do CDC: “Art. 18. Os

fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem

solidariamente...” c/c art. 3° do CDC: “Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou

jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes

despersonalizados, que desenvolvem atividade de (...) comercialização de produtos ou

prestação de serviços”. Neste sentido, sustenta Paulo Luiz Neto Lôbo a prevalência

da solidariedade passiva de todos aqueles que tenham participado da cadeia

produtiva, concluindo que "é da natureza da responsabilidade solidária que a ação

proposta pelo consumidor contra um dos fornecedores (p. ex., o comerciante) não o

inibe de acionar outro (p.ex., o fabricante) (Neto Lôbo, Paulo Luiz. Responsabilidade

por vícios nas relações de consumo. Revista Direito do Consumidor, nº ¨, abril/junho

de 1993. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 40). De maneira semelhante, o

posicionamento de Cláudia Lima Marques para quem: "O CDC adota (...) uma

imputação, ou, atribuição objetiva, pois todos são responsáveis solidários,

responsáveis (...) por seu descumprimento do dever de qualidade, ao ajudar na

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introdução do bem viciado no mercado. A legitimação passiva se amplia com a

responsabilidade solidária e com um dever de qualidade que ultrapassa os limites do

vínculo contratual consumidor-fornecedor direto". Conclui a autora que "no sistema do

CDC, a escolha de qual dos fornecedores solidários será sujeito passivo da

reclamação do consumidor cabe a este último. Normalmente, o consumidor preferirá

reclamar do comerciante mais próximo a ele, mais conhecido, parceiro contratual

identificado, mas o fabricante, muitas vezes o único que possui o conhecimento

técnico pra suprir a falha no produto, será eventualmente demandado a sanar o vício".

(Marques, Claudia Lima. Código de Defesa do Consumidor comentado. 4 edição,

2013, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 566). Ainda, segundo Antonio Herman

Benjamim, "a responsabilidade solidária é, sem dúvida, decorrência do direito básico

de "efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais", previsto no art. 6º,

VI, do CDC. De fato, muitas vezes a "efetiva reparação" só é possível em virtude da

existência de pluralidade de responsáveis". (Benjamim, Antonio V. Herman et al.

Manual de Direito do Consumidor, 4ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 191)

O requerimento de inclusão do comerciante no polo passivo referia-se,

conforme explicitado no gabarito da banca, ao pedido (a) somente, e deveria ter

sido deduzido na apelação, já que a sentença de primeiro grau interpretou

erroneamente os pedidos autorais ao excluir a loja do polo passivo com fundamento

nos arts. 12 e 13, olvidando que a responsabilidade solidária subsiste, por força do art.

18, em relação ao pedido autoral de substituição.”

CAITLIN MULHOLLAND BANCA DE DIREITO CIVIL

João Pessoa, 26 de julho de 2016

PARECER CONSULTIVO: considerações sobre o abaixo assinado direcionado aos

coordenadores da Banca elaboradora do XIX EOU solicitando a desconsideração de itens

constantes do gabarito e consequente atribuição da pontuação pertinente a todos os

examinandos.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Trata de consulta resultande de manifestações públicas relacionadas à peça

do exame prático-profissional da área de Direito Civil objeto do XIX EOU. Embora toda

manifestação seja interessante, nem toda ele é acertada. No caso em espécie, notoriamente

se equivocam os peticionantes em diversos aspectos. Senão vejamos:

1. DA PROTEÇÃO INTEGRAL DO CONSUMIDOR

Embora a legislação tenha dois sistemas de responsabilidade derivados da

inadequação de introdução de produtos e serviços no mercado, quer pelo vício, quer pelo

fato, ambos estão intimamente ligados, permitindo, isto sim, a sua conjugação. A esfera

consumerista não é distinta das demais, o que leva necessariamente a conclusão de que

um ilícito penal também o seja na esfera cível, na tributária, na administrativa, etc.

Neste sentido, observe-se que o sistema de proteção integral do consumidor,

baseado no artigo 7° do CDC deverá ser observado antes de mais nada. Se bem é possível

enquadrar o caso proposto em fato do produto, a repartição da responsabilidade e o

primeiro pedido formulado permite sim que alternativamente o consumidor opte por

chamar como réu o comerciante para a reposição do produto perdido em virtude do evento

danoso.

Interessante é observar as inumeráveis decisões do STJ que taxativamente

vedam a denunciação à lide que tenham por objetivo eludir responsabilidade e derivá-la

a terceiro.

É mais, em sede de Resp já decidio o STJ e tratou da aplicabilidade do artigo

7º em casos de acidente de consumo. Senão vejamos:

[...]

Nas obrigações de indenizar decorrentes de acidentes de

consumo, todos os responsáveis são solidariamente responsáveis

pelos danos sofridos pelo consumidor, podendo ser demandados

individual ou coletivamente, conforme a opção da vítima, nos

termos do art. 7 o , § único, e do artigo 25, § 1 o , do CDC, verbis:

Art. 7 o , § único, do CDC: “Tendo mais de um autor a ofensa,

todos responderão solidariamente pelos danos previstos nas

normas de consumo.”.

Art. 25, § 1 o , do CDC: “Havendo mais de um responsável pela

causação do dano, todos responderão solidariamente pela

reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.”

Note-se que a primeira regra guarda referência não apenas ao

capítulo referente à responsabilidade por acidentes de consumo e

por vícios, mas a todo o microssistema normativo de defesa do

consumidor instituído pela Lei n. 8078/90, enquanto a segunda

regra é restrita à responsabilidade por vícios e por acidentes de

consumo. [...] (RECURSO ESPECIAL Nº 1.165.279 - SP

(2009/0216843-0)).

Observe-se que é reiterado o entendimento da corte no sentido de que “O

consumidor lesado tem, como afirmado pelo acórdão recorrido, o direito de livremente

escolher contra quem exerce sua pretensão. Ao final, a demanda poderá ser julgada

improcedente, com todos os consectários dessa solução,[...]” (AgRg no RECURSO

ESPECIAL Nº 1.316.868 - DF (2012/0063360-2), pg. 03).

Veja-se também:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

DIREITO DO CONSUMIDOR. INGESTÃO DE PRODUTO IMPRÓPRIO PARA O

CONSUMO. FATO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO COMERCIANTE. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.

JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO. SÚMULA Nº 54/STJ. (AgRg no

AREsp 265586 / SP

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

2012/0255548-0)

Importante, também, é a aplicabilidade do informativo de nº 0195 do STJ, já

de dezembro de 2003 que afirma que pode ser imputada ao comerciante a

responsabilidade pelo fato do produto.

Informativo nº 0195

Período: 8 a 12 de dezembro de 2003.

Terceira Turma

EXPLOSÃO. LOJA. FOGOS DE ARTIFÍCIO.

LEGITIMIDADE. PROCURADORIA. ASSISTÊNCIA

JUDICIÁRIA.

A Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo

tem legitimidade para propor ação civil pública em busca da

indenização por danos materiais e morais decorrentes da explosão

de estabelecimento dedicado à venda de fogos de artifícios e

pólvora (art. 5º, XXXII, da CF/1988 e art. 82 do CDC). A explosão

resultou, além de vultosos prejuízos materiais, na lesão corporal e

na morte de diversas pessoas que, em razão de sofrerem os efeitos

danosos dos defeitos do produto ou serviço, são equiparadas aos

consumidores (art. 17 do CDC), mesmo não tendo participado

diretamente da relação de consumo. Note-se que a possível

responsabilidade civil decorre de fato do produto na modalidade

de vício de qualidade por insegurança (art. 12 do CDC), que pode

ser imputada ao comerciante, ora recorrente. REsp 181.580-SP,

Rel. Min. Castro Filho, julgado em 9/12/2003.

No tocante a literatura sobre o tema, fundamental é a lição de Rizzatto Nunes:

[...] São considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que

tornem os serviços (ou os produtos) impróprios ou inadequados ao consumo

que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às

indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou

mensagem publicitária. (...) O defeito, por sua vez, pressupõe vício. Há vício

sem defeito, mas não há defeito sem vício. O vício é uma característica

inerente, intrínseca do produto ou serviço em si. O defeito é o vício acrescido

de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que

causa um dano maior do que simplesmente o mau funcionamento, o não

funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago - já que o produto

ou o serviço não cumpriram com o fim ao qual se destinavam. O defeito causa,

além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico

material ou moral do consumidor. Logo, o defeito tem ligação com o vício, mas, em termos de dano causado ao consumidor, ele é mais devastador. Temos,

então, que o vício pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo o

próprio consumidor ou outros bens seus. O defeito vai além do produto ou

serviço para atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico material e/ou

moral. Por isso somente se fala propriamente em acidente de consumo em caso

de defeito. É no defeito que o consumidor é atingido1. (Grifos nossos)

Por este motivo, entendemos que deve permanecer o primeiro item da

fundamentação jurídica no quadro de distribuição de pontos.

1 Curso de Direito do Consumidor . 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 344-345.

2. DA DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO

Em primeiro lugar é necessário diferenciar decadência de prescrição. A

primeira se refere ao direito em si, que deve ser exercido em determinado lapso temporal:

o prazo. Por sua vez, a prescrição se refere ao exercício do direito de ação para buscar a

reparação por um direito violado.

Neste sentido, o prazo decadencial do artigo 26 do CDC se refere ao exercício

do direito de reclamar ante os fornecedores, independentemente do “local” em que se

encontre na cadeia de consumo. Coisa distinta é o prazo prescricional do artigo

subsequente que, por sua vez, se refere ao lapso temporal que tem o consuidor em

perseguir seu direito em juízo.

Ora, este raciocínio é lógico. Se passado o lapso temporal para reclamar de

determinado problema com produtos ou execuções de serviços ficando inerte o

consumidor, isto demonstra falta de interesse em tentar reparação (qualquer que seja). Por

este mesmo raciocínio é que foi introduzido o parágrafo único, que impõe um obstáculo

à chegada do termo final do prazo decadencial.

Na questão concreta, o acidente de consumo somente ocorreu trinta dias após

a aquisição do produto, havendo sido obstado o prazo decadencial cinco dias após seu

termo inicial.

Este aspecto não afeta diretamente o prazo prescricional. Ou seja, não pode

ser confundido o prazo para reclamar perante o fornecedor e o prazo para perseguir

ressarcimento na justiça, mormente em caso de inércia do fornecedor, como de fato é a

conclusão a qual se pode chegar da leitura do enunciado da peça na área de direito civil

proposta pela FGV.

Portanto, tanto o afastamento da decadência quanto a demonstração do

exercício legítimo e tempestivo do direito de ação são essenciais na construção da petição

recursal.

Neste sentido os julgados: RECURSO ESPECIAL Nº 1.176.323 - SP

(2010/0008140-5); o STJ - REsp 967623-RJ; e o STJ - REsp 100710-SP, REsp 411535-

SP dentre outros.

Neste caso, tampouco merecendo reparo a régua do quadro de atribuição de

pontos.

3. FORMULAÇÃO DOS PEDIDOS

Consequência direta da fundamentação recursal são os pedidos elaborados a

partir destes. Neste sentido não merecendo reparo este quesito no quadro de distribuição

de pontos.

É nosso parecer.

Monica Lucia Cavalcanti de Albuquerque Duarte Mariz-Nóbrega

OAB-PB 10.278

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

1

Exame de Ordem. Peça prático-profissional em que se exige

elaboração de recurso de apelação. Enunciado e gabarito

comentado que admitem pretensões distintas de um mesmo

evento (explosão de um aparelho de televisão), sob regimes

de responsabilidade variados, pelo fato do produto (art. 12

do Código de Defesa do Consumidor) e pelo vício do produto

(art. 18 do Código de Defesa do Consumidor). Possibilidade

e adequação do enunciado proposto e do gabarito

comentado.

1. Honra-nos o Doutor Felipe Sarmento Cordeiro, Diretor Secretário-Geral do

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Presidente da Coordenação

Nacional do Exame de Ordem, com consulta acerca de contestação objeto de abaixo-

assinado e recursos de participantes do XIX Exame de Ordem, relativa ao enunciado e

gabarito da peça prático-profissional na área de Direito Civil.

2. A questão objeto de contestação era assim ementada:

“Antônio Augusto, ao se mudar para seu novo apartamento, recém-

comprado, adquiriu, em 20/10/2015, diversos eletrodomésticos de

última geração, dentre os quais uma TV de LED com sessenta

polegadas, acesso à Internet e outras facilidades, pelo preço de R$

5.000,00 (cinco mil reais). Depois de funcionar perfeitamente por

trinta dias, a TV apresentou superaquecimento que levou à explosão

da fonte de energia do equipamento, provocando danos irreparáveis a

todos os aparelhos eletrônicos que estavam conectados ao televisor.

Não obstante a reclamação que lhes foi apresentada em 25/11/2015,

tanto o fabricante (MaxTV S.A.) quanto o comerciante de quem o

produto fora adquirido (Lojas de Eletrodomésticos Ltda.)

permaneceram inertes, deixando de oferecer qualquer solução. Diante

disso, em 10/03/2016, Antônio Augusto propôs ação perante Vara

Cível em face tanto da fábrica do aparelho quanto da loja em que o

adquiriu, requerendo: (i) a substituição do televisor por outro do

mesmo modelo ou superior, em perfeito estado; (ii) indenização de

aproximadamente trinta e cinco mil reais, correspondente ao valor dos

demais aparelhos danificados; e (iii) indenização por danos morais,

em virtude de a situação não ter sido solucionada em tempo razoável,

motivo pelo qual a família ficou, durante algum tempo, sem usar a

TV. O juiz, porém, acolheu preliminar de ilegitimidade passiva

arguída, em contestação, pela loja que havia alienado a televisão ao

autor, excluindo-a do polo passivo, com fundamento nos artigos 12 e

13 do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, reconheceu a

decadência do direito do autor, alegada em contestação pela fabricante

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

2

do produto, com fundamento no Art. 26, inciso II, do CDC,

considerando que decorreram mais de noventa dias entre a data do

surgimento do defeito e a do ajuizamento da ação. A sentença não

transitou em julgado. Na qualidade de advogado(a) do autor da ação,

indique o meio processual adequado à tutela do seu direito,

elaborando a peça processual cabível no caso, excluindo-se a hipótese

de embargos de declaração, indicando os seus requisitos e

fundamentos nos termos da legislação vigente. (Valor: 5,00)”

3. O gabarito comentado à questão, de sua vez, se dá nestes termos:

“A decisão em questão tem natureza jurídica de sentença, na forma do

Art. 162, § 1º, do Art. 267, inciso VI, do Art. 269, inciso IV, e do Art.

459, todos do Código de Processo Civil. Com efeito, extinguiu-se o

processo, sem resolução do mérito, quanto ao comerciante, acolhendo-

se a sua ilegitimidade passiva, e com resolução do mérito, no tocante

ao fabricante, em cujo favor se reconheceu a decadência. Em virtude

disso, o meio processual adequado à impugnação do provimento

judicial, a fim de evitar que faça coisa julgada, é o recurso de

apelação, de acordo com o Art. 513 do CPC. Deve-se, para buscar a

tutela integral ao interesse do autor, impugnar cada um dos capítulos

da sentença, isto é, tanto a ilegitimidade do comerciante quanto a

decadência que aproveitou ao fabricante. Quanto ao primeiro ponto,

deve-se sustentar a solidariedade entre o varejista, que efetuou a venda

do produto, e o fabricante em admitir a propositura da ação em face de

ambos, na qualidade de litisconsortes passivos, conforme a

conveniência do autor. A responsabilidade do comerciante, ao menos

quanto ao primeiro pedido deduzido da petição inicial referente à

substituição do produto, encontra fundamento no Art. 18 do CDC.

Quanto ao segundo aspecto, deve-se pretender o afastamento da

decadência. No que concerne ao primeiro pedido, referente à

substituição do produto, a pretensão recursal deve basear-se na

existência de reclamação oportuna do consumidor, a obstar a

decadência, na forma do Art. 26, § 2º, inciso I, do CDC. Além disso,

já no tocante aos demais pedidos, trata-se de responsabilidade civil

por fato do produto, não por vício, haja vista os danos sofridos pelo

autor da ação, a atrair a incidência dos artigos 12 e 27 do CDC, de

modo que a pretensão autoral não se submete à decadência, mas ao

prazo prescricional de cinco anos, estipulado no último dos

dispositivos ora mencionados. Nessa linha, deve-se requerer a reforma

da sentença para que o pedido seja desde logo apreciado, na hipótese

de a causa encontrar-se madura para o julgamento, segundo o Art.

515, § 3º, do CPC, ou, alternativamente, a sua reforma,mediante o

reconhecimento da legitimidade passiva do comerciante, e o

afastamento da decadência, determinando-se o retorno dos autos ao

juízo de primeira instância, para prosseguimento do feito.”

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

3

4. Trata-se de questão que envolve a demonstração de conhecimentos, para além da

legislação processual, de normas de direito do consumidor, em especial, as previstas no

Código de Defesa do Consumidor (CDC).

5. O objeto da resposta será, nestes termos, a elaboração de recurso de apelação,

sustentando o interesse de Antônio Augusto, personagem do enunciado. O ponto da

controvérsia, contudo, diz respeito à qualificação do evento descrito, em relação ao

produto adquirido “explosão da fonte de energia do equipamento, provocando danos

irreparáveis a todos os aparelhos eletrônicos que estavam conectados ao televisor”.

6. Como bem se sabe, o regime de responsabilidade do fornecedor, segundo o CDC

distingue-se entre o regime da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, e da

responsabilidade pelo vício do produto e do serviço. O primeiro, relativo à violação do

dever de segurança pessoal e patrimonial do consumidor, com disciplina nos arts. 12 a

14 do CDC. O segundo, relativo à violação do dever de adequação dos produtos ou

serviços, quando há a frustração dos fins (utilidade) que deles legitimamente se espera.

7. A questão em exame faz referência a ação proposta pelo autor, nos seguintes

termos:

“Antônio Augusto propôs ação perante Vara Cível em face tanto da

fábrica do aparelho quanto da loja em que o adquiriu, requerendo: (i) a

substituição do televisor por outro do mesmo modelo ou superior, em

perfeito estado; (ii) indenização de aproximadamente trinta e cinco

mil reais, correspondente ao valor dos demais aparelhos danificados; e

(iii) indenização por danos morais, em virtude de a situação não ter

sido solucionada em tempo razoável, motivo pelo qual a família ficou,

durante algum tempo, sem usar a TV.”

8. Sobre a decisão do juiz em relação a mesma ação, refere:

“O juiz, porém, acolheu preliminar de ilegitimidade passiva arguída,

em contestação, pela loja que havia alienado a televisão ao autor,

excluindo-a do polo passivo, com fundamento nos artigos 12 e 13 do

Código de Defesa do Consumidor. Além disso, reconheceu a

decadência do direito do autor, alegada em contestação pela fabricante

do produto, com fundamento no Art. 26, inciso II, do CDC,

considerando que decorreram mais de noventa dias entre a data do

surgimento do defeito e a do ajuizamento da ação.”

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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9. Estes os aspectos que deveriam resultar no recurso de apelação a ser elaborado

pelo candidato.

10. A controvérsia objeto de reclamação no abaixo-assinado submetido à OAB, se

deu em vista, sobretudo, à indicação do gabarito comentado da prova, que sobre a

questão de direito substancial assim se pronunciou:

“Deve-se, para buscar a tutela integral ao interesse do autor, impugnar

cada um dos capítulos da sentença, isto é, tanto a ilegitimidade do

comerciante quanto a decadência que aproveitou ao fabricante.

Quanto ao primeiro ponto, deve-se sustentar a solidariedade entre o

varejista, que efetuou a venda do produto, e o fabricante em admitir a

propositura da ação em face de ambos, na qualidade de litisconsortes

passivos, conforme a conveniência do autor. A responsabilidade do

comerciante, ao menos quanto ao primeiro pedido deduzido da petição

inicial referente à substituição do produto, encontra fundamento no

Art. 18 do CDC. Quanto ao segundo aspecto, deve-se pretender o

afastamento da decadência. No que concerne ao primeiro pedido,

referente à substituição do produto, a pretensão recursal deve basear-

se na existência de reclamação oportuna do consumidor, a obstar a

decadência, na forma do Art. 26, § 2º, inciso I, do CDC. Além disso,

já no tocante aos demais pedidos, trata-se de responsabilidade civil

por fato do produto, não por vício, haja vista os danos sofridos pelo

autor da ação, a atrair a incidência dos artigos 12 e 27 do CDC, de

modo que a pretensão autoral não se submete à decadência, mas ao

prazo prescricional de cinco anos, estipulado no último dos

dispositivos ora mencionados.”

11. Aponta o abaixo-assinado dos candidatos não aprovados, a ambiguidade do

gabarito, considerando a necessidade de qualificação do evento causa da pretensão do

autor – o superaquecimento e posterior explosão da TV de LED, e respectivos danos daí

decorrentes. Isso porque foram formulados pedidos, na petição inicial – integrante do

enunciado da questão –, tanto relativos efeitos do regime de responsabilidade pelo fato

do produto e do serviço (pretensão de indenização), quanto do regime de

responsabilidade pelo vício do produto e do serviço (pretensão de substituição do

produto).

12. Em relação ao fato do produto, em razão dos danos causados por defeito da TV

de LED mencionado na questão, resulta pretensão de indenização, exercida – em acordo

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

5

com os fatos relatados na questão – contra o fabricante (art. 12 do CDC). Esta

pretensão, sob o ponto de vista técnico, não poderia, de acordo com as informações do

enunciado, ser dirigida contra o varejista, nos termos do art. 13 do CDC. Não há,

portanto, solidariedade entre eles. Todavia, a pretensão de substituição do produto é

efeito do regime da responsabilidade pelo vício, no qual se reconhece a solidariedade

dos membros da cadeia de fornecimento (art. 18 do CDC). Em relação a este pedido

sim, cabível a solidariedade passiva do fabricante e do varejista.

13. A distinção entre os regimes e suas consequências são didaticamente

explicitadas na jurisprudência:

“CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO OU VÍCIO

DO PRODUTO.

DISTINÇÃO. DIREITO DE RECLAMAR. PRAZOS. VÍCIO DE

ADEQUAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. DEFEITO DE

SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. GARANTIA LEGAL E

PRAZO DE RECLAMAÇÃO. DISTINÇÃO. GARANTIA

CONTRATUAL.

APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DOS PRAZOS DE

RECLAMAÇÃO ATINENTES À GARANTIA LEGAL.

- No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na

exigência de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se

pode esperar dos produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um

lado, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que

compreende os defeitos de segurança; e de outro, a responsabilidade

por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por

inadequação.

- Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou

serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à

legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição,

ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço

comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço

apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à

expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de

adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.

- O CDC apresenta duas regras distintas para regular o direito de

reclamar, conforme se trate de vício de adequação ou defeito de

segurança. Na primeira hipótese, os prazos para reclamação são

decadenciais, nos termos do art. 26 do CDC, sendo de 30 (trinta) dias

para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa) dias para

produto ou serviço durável. A pretensão à reparação pelos danos

causados por fato do produto ou serviço vem regulada no art. 27 do

CDC, prescrevendo em 05 (cinco) anos.

- A garantia legal é obrigatória, dela não podendo se esquivar o

fornecedor. Paralelamente a ela, porém, pode o fornecedor oferecer

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

6

uma garantia contratual, alargando o prazo ou o alcance da garantia

legal.

- A lei não fixa expressamente um prazo de garantia legal. O que há é

prazo para reclamar contra o descumprimento dessa garantia, o qual,

em se tratando de vício de adequação, está previsto no art. 26 do CDC,

sendo de 90 (noventa) ou 30 (trinta) dias, conforme seja produto ou

serviço durável ou não.

- Diferentemente do que ocorre com a garantia legal contra vícios de

adequação, cujos prazos de reclamação estão contidos no art. 26 do

CDC, a lei não estabelece prazo de reclamação para a garantia

contratual. Nessas condições, uma interpretação teleológica e

sistemática do CDC permite integrar analogicamente a regra relativa à

garantia contratual, estendendo-lhe os prazos de reclamação atinentes

à garantia legal, ou seja, a partir do término da garantia contratual, o

consumidor terá 30 (bens não duráveis) ou 90 (bens duráveis) dias

para reclamar por vícios de adequação surgidos no decorrer do

período desta garantia.

Recurso especial conhecido e provido.”

(STJ, REsp 967.623/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j.

16/04/2009, DJe 29/06/2009)

14. Trata-se de saber, contudo, se é possível qualificar um mesmo evento de modo a

que possa fazer jus a eficácia (leia-se, pretensões exercíveis) em mais de um regime de

responsabilidade. A questão é de razoável complexidade jurídica, porém não está

equivocada nas suas premissas técnicas. Em princípio, não resulta da lei ou da

jurisprudência, expressa rejeição a que de um mesmo fato resultem pretensões diversas,

fundadas em ambos os regimes de responsabilidade previstos no CDC.

15. Eu mesmo escrevi a respeito, em obra de doutrina, sobre a hipótese de um

exemplo próximo ao indicado na questão:

“(...) ocorrendo danos decorrentes da existência de falhas no tocante à

qualidade, quantidade ou informação relativa ao produto oferecido, é

de se verificar sobre qual o dever violado, se simplesmente um dever

de adequação, ou o dever de segurança e integridade, pessoal e

patrimonial do consumidor. Isto porque, se da mesma falha imputável

ao consumidor decorrer violação ao dever de adequação (vício do

produto) e dever de segurança (fato do produto, em decorrência de um

defeito), o direito à indenização do consumidor por danos causados à

sua integridade pessoal e patrimonial vai ser regulada segundo o

regime da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Neste

sentido, observe-se o seguinte exemplo: se um produto

eletroeletrônico, em razão de falha em seus circuitos elétricos,

simplesmente não funciona, ter-se-á hipótese de vício por inadequação

do produto, respondendo o fornecedor nos termos do artigo 18 do

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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CDC. Se em razão desta mesma falha nos seus circuitos elétricos, um

determinado consumidor vem a ser eletrocutado quando manuseia o

produto, esta mesma falha deverá se caracterizar como defeito,

alterando-se o regime para a responsabilidade pelo fato do produto,

regulado pelo artigo 12 do CDC.

Esta distinção, todavia, não elimina por si a possibilidade do

consumidor, em razão de vício do produto, realizar despesas para

sanar o mesmo, assim como observar determinados prejuízos

decorrentes da falha apresentada pelo produto em questão. Nestas

circunstâncias, ainda que o consumidor venha a fazer uso de uma

das alternativas previstas no CDC, em vista do regime de

responsabilidade por vício previsto na norma, isto não elimina a

possibilidade de que venha a reclamar, conjuntamente ou após a

satisfação do seu interesse imediato no negócio, a indenização dos

prejuízos causados em razão do vício e consequente violação do

dever de adequação do produto. A regra, em direito do

consumidor, será sempre a do artigo 6º, VI, do CDC, que assegura

o direito básico à efetiva prevenção e reparação de danos ao

consumidor.” (Bruno Miragem, Curso de direito do consumidor. 6ª

ed. São Paulo: RT, 2016, p. 667)

16. Antônio Herman Benjamin, em seus Comentários doutrinários, refere:

“Não obstante esteja a previsão de indenização por perdas e danos

mencionada apenas no inciso II do art. 18, §1º, sua aplicação,

conforme temos afirmado, cobre todas as alternativas colocadas à

disposição do consumidor. Faz jus, como direito básico, à

indenização integral pelos danos, parimoniais e morais, que sofrer

(art. 6, VII)

...

De se lembrar, todavia, que havendo dano à pessoa do consumidor,

tem este a sua disposição o regime jurídico da Seção II

(responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço), onde lhe

é lícito – desde que igualmente presente um atentado a sua

incolumidade físico-psíquica – pedir ressarcimento não só para os

danos pessoais que sofreu com o acidente de consumo, mas

também para os prejuízos causados pelo produto em si mesmo e

em outros bens e seu patrimônio.” (Antônio Herman de

Vasconcellos e Benjamin, comentário aos arts. 12 a 27, in: Juarez

Oliveira (Org.) Comentários ao Código de Proteção do Consumidor.

São Paulo: Saraiva, 1991, p. 94).

17. Refira-se, ainda, a lição de Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, em reputado

estudo monográfico ao afirmar:

“(...) os vícios e os defeitos apresentam regimes jurídicos diversos.

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Nos vícios a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é

mais restrita: substituição do produto, reexecução do serviço, rescisão

do contrato, abatimento no preço, perdas e danos. Nos defeitos a

responsabilidade é mais extensa, devedor ser reparada a totalidade dos

danos patrimoiais e extrapatrimoniais sofridos pelo consumidor.

Apesar de esses dois elementos apresentarem regimes jurídicos

distintos no próprio CDC, não há dicotomia absoluta. O mesmo fato

pode enquadrar-se simultaneamente nos dois regimes. Ao mesmo

tempo que se apresenta viciado, o produto ou serviço pode-se

mostrar defeituoso. Exemplo dessa situação tem-se no caso de

automóvel que, por apresentar deficiência no sistema de freios,

envolve-se em um acidente, causando lesões a seus ocupantes. Nessa

hipótese, é possível a utilização simultânea das pretensões

concedidas pelos dois regimes jurídicos, inclusive no mesmo

processo. Portanto, os regimes dos dois institutos jurídicos são

absolutamente diversos.” (Paulo de Tarso Vieira Sanseverino,

Responsabilidade civil do Código do consumidor e a defesa do

fornecedor. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 166).

18. Nestes termos, ainda que se possa ponderar sobre o nível de complexidade da

questão para os fins a que se destina, o gabarito comentado não apresenta

impropriedade, uma vez admitidas pretensões sob fundamentos legais distintos, a saber:

a) em relação ao pedido de substituição do produto (art. 18, §1º, I), admitida a

solidariedade legal do fabricante e do varejista, e tendo a reclamação ao

fornecedor sido feita no prazo legal (em 26 de novembro de 2015, dentro do

prazo de 90 dias a que se refere o art. 26 do CDC), alguma discussão poderia ser

sucitada em relação ao sentido do verbo “obstar” constante na lei, se hipótese de

impedimento suspensão ou interrupção do prazo o que influencia na existência

ou não da pretensão de substituição quando da propositura da ação judicial. Eu

sustento, em vista da interpretação mais favorável ao consumidor, que aqui se

entenda pela natureza interruptiva da causa (Bruno Miragem, Curso de direito do

consumidor, 6ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 678).

O art. 26, §1º, I, do CDC, contudo, refere como causa que obsta a decadência, “a

reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor

de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser

transmitida de forma inequívoca”. Não há, no enunciado da questão, menção à

resposta negativa do varejista, de modo que é correto considerar, na hipótese,

que uma vez feita a reclamação, o prazo não voltou a fluir, seja inteiro (como na

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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interrupção), seja no que lhe faltava (caso se entendesse como suspensão).

b) em relação à pretensão de indenização pelos danos causados pela explosão do

produto, a ser exercida exclusivamente contra o fabricante – e não contra o

varejista – para o que não se cogita de extinção pelo tempo, em vista de se

encontrar no prazo de seu regular exercício quando da propositura da ação (em

10/03/2016), conforme a regra do art. 27 do CDC.

Entendo, deste modo, pela adequação entre o enunciado e o gabarito comentado, em

acordo com as considerações expendidas.

Porto Alegre, 23 de julho de 2016.

BRUNO MIRAGEM Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

OAB/RS 51.573