Rituais de "pacificação": uma análise das reuniões organizadas pelos comandos das UPPs
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FrankAndrew
Davies
Rev. bras. segur. pblica | So Paulo v. 8, n. 1, 24-46 Fev/Mar 2014
Frank Andrew DaviesBacharel em Cincias Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre pelo Programa de Ps-Graduao em Sociologia
e Antropologia da mesma instituio (PPGSA/UFRJ). Atualmente professor, faz doutorado pelo Programa de Ps-Graduao em CinciasSociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ) e pesquisador do CIDADES - Ncleo de Pesquisa Urbana (UERJ).
Rituais de pacificao:uma anlise das reunies
organizadas pelos comandosdas UPPs
ResumoEste artigo apresenta reflexes acerca dos processos de regulamentao das reunies comunitrias organizadas e dirigidas
pelos comandos militares das Unidades de Polcia Pacificadora (UPP) do Estado do Rio de Janeiro. Foram analisados smbolos,
valores e temas suscitados nesses eventos, para o qual convergem diferentes representantes das esferas pblica, privada ede base local a fim de constituir no cenrio cotidiano dessas favelas verdadeiros rituais de pacificao. Conforme a pesquisa
aponta, existem regularidades e formalidades que buscam conduzir a produo de novos valores morais e tambm renovar
velhos mecanismos de controle sobre as dinmicas polticas desses espaos. Nesse escopo, a pacificao tem revelado mais
permanncias do que rupturas no processo de promoo de cidadania aos moradores de favelas.
Palavras-ChaveSegurana pblica; pacificao; UPP; participao; cidadania; favela; favelados.
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Este artigo apresenta reflexes acerca dosprocessos de regulamentao das reuni-es comunitrias organizadas e dirigidas pelos
comandos militares das Unidades de Polcia Pa-
cificadora (UPP) no Estado do Rio de Janeiro.
A pesquisa tem como base de anlise a observa-
o direta de 14 encontros promovidos por qua-
tro unidades em seus territrios no perodo dejaneiro a julho de 2013. As reunies ocorreram
em Batan, So Joo, So Carlos e Manguinhos,
sendo as observaes complementadas por da-
dos obtidos de conversas com representante da
Coordenadoria de Polcia Pacificadora (CPP)1
e com dilogos com os comandantes e demais
participantes desses encontros.
Ao jogar luz sobre as reunies com repre-sentantes do poder pblico, setor privado e
associaes comunitrias, o objetivo dessa in-
vestigao refletir sobre os smbolos e valores
que so partilhados nesses eventos, que temas
so mobilizados, encaminhados e soluciona-
dos e que sentidos so atribudos ao projeto
das UPP. Em sentido mais aberto, pretende-se
considerar o impacto dos encontros para a vida
poltica local dessas favelas.
Para tanto, a primeira seo deste tex-
to pontua a nova poltica de segurana sobre
algumas favelas da cidade; em seguida, anali-
sam-se brevemente os padres de contato dos
rgos pblicos com os moradores de favelas.
Adiante, alguns dados sobre as reunies so
apresentados e faz-se uma breve anlise que
identifica esses encontros como rituais de pa-
cificao2 com uma certa eficcia moral. Ao
fim, sugerem-se certos efeitos dessas reunies
para as dinmicas polticas locais.
As UPP e suas expectativas
As UPP tm sido sinalizadas como uma dasnovidades mais significativas no campo da segu-
rana pblica brasileira. Desde 2008, um grupo
selecionado de favelas cariocas tem sido ocupada
pela polcia militar de modo permanente e osten-
sivo. Essa prtica considerada policiamento de
proximidade, em teoriadistinta da maneira usu-
al de atuao da polcia nessas reas, tradicional-
mente dada a estratgias de incurso que, por
efeito negativo, geram ndices altos de letalidade.
Ao contrrio da lgica da guerra, as UPP
so apresentadas no espao pblico como fer-
ramentas promotoras de paz para as favelas, e
tambm para o conjunto da cidade (LEITE,
2012). E de fato, um dos efeitos j acenados
do projeto que mesmo no se relacionando
necessariamente s reas com maior taxa de
criminalidade, seu avano repercute positiva-mente sobre os ndices de violncia letal tanto
nas reas de abrangncia das Unidades quanto
em seu entorno (LAV, 2012).
Alm da concepo de paz como direito
segurana e, por consequncia, vida as
UPP operam, na lei e nos discursos dos agentes
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pblicos, com expectativas de integrao social
e territorial das favelas e a ampliao de direi-
tos de cidadania aos seus moradores.
O Decreto-lei 42.787, de 6 de janeiro de
2011, que regulamenta o funcionamento das
UPP, afirma que um dos objetivos do progra-
ma devolver populao local a paz e a tran-
quilidade pblicas necessrias ao exerccio da ci-
dadania plena,quegarantao desenvolvimento
tanto social quanto econmico (grifo nosso)
(RIO DE JANEIRO, 2011). Na lei, a Polcia
Militar necessria e garantidora da cidadania e
do desenvolvimento local, mas no sua promo-toraper se. Em entrevista concedida ao jornal O
Globoem 2011, o Secretrio Estadual de Segu-
rana, Jos Mariano Beltrame, declarou:
Se no houver investimentos macios na digni-
dade dos cidados, na gerao de perspectivas
para aquelas pessoas, no digo que o progra-
ma v dar errado, mas no a polcia que vai
garantir o sucesso de tudo isso. A UPP criou
um ambiente para a sociedade comear a pagar advida que todos temos com essas reas at ento
excludas(O GLOBO, 2011,grifo nosso).
Essas e outras falas de representantes do poder
pblico mobilizam no imaginrio coletivo um
forte repertrio de expectativas sobre as prximas
melhorias a serem tomadas a partir da entrada
da polcia. Em continuao, afirma o Secretrio:
A UPP mexe com o que h de mais valiosonas pessoas, que a esperana. E a gente pre-
cisa ter senso de responsabilidade. Essas pes-
soas, com a chegada da polcia, podem come-
ar a pensar que agora o Estado est presente
ali. E esse Estado tem que se apresentar de
forma mais palpvel, de um jeito forte (BEL-
TRAME QUER PRESSA..., 2011).
Se hoje as leis esto se tornando o padro
de valor predominante e mais bem ajustado
aos mundos sociais (HASTRUP, 2003), vale
pensar os efeitos da poltica de pacificao
para os moradores dessas localidades, em es-
pecial representao de suas subjetividades,
sensos de pertencimento e suas formas de rei-
vindicao poltica.
A despeito da fragilidade institucional da
poltica das UPP sustentada apenas por de-
creto-lei sua progresso na cidade tem sido
notvel nos ltimos cinco anos, atingindo
atualmente um contingente de 1,5 milho demoradores3. Apesar da sua progresso, estudos
tm chamado ateno para a excepcionalida-
de de algumas prticas legais atreladas s UPP,
como parcerias com empresas privadas, forte
gesto da sociabilidade local e adoo de novas
prticas policiais criminosas, como o aumento
do desaparecimento de pessoas4.
A UPP se revela uma prtica legal de seguran-a de excepcionalidade, visto que, em mdia, a
proporo policial-morador nas reas de UPP
oito vezes maior do que a mdia estadual (LAV,
2012). Alm disso, a gesto dos investimentos e
servios pblicos aliados ao projeto tambm per-
corre discricionariedades frgeis e de tipo espe-
cfico: a prefeitura do Rio de Janeiro desenvolve
desde 2011 o programa UPP Social, ao passo que
o governo estadual, desde o mesmo ano, coor-dena o programa Territrios da Paz. Ambas as
aes coordenam iniciativas das secretarias para
as localidades, mas sem de fato ter surtido muito
resultado (FLEURY, 2012; LEITE, 2012).
Com interesse em desvendar aspectos dos
contatos entre rgos pblicos e moradores de
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favelas na contemporaneidade, esta investigao
privilegia a observao das reunies organiza-
das pelos comandos das UPP. Antes de apontar
alguns dados e reflexes da pesquisa, situam-se
elementos que contam a histria desse processo.
O Estado para os favelados
As favelas compem a paisagem carioca des-
de o fim do sculo XIX, mas s so reconheci-
das legalmente em 1937, quando o Cdigo de
Obras do Distrito Federal as define5e as senten-
cia extino do tecido urbano. Ainda que te-
nham vencido, resistido e se multiplicado sobre
a cidade, o statusde ilegalidade fez legtimo ummodo especfico de atuao poltica sobre esses
espaos. Seguindo as regras do jogo democr-
tico, instituies governamentais estimularam
o associativismo local6 atrelado formao de
redes assistencialistas e clientelistas e, nutrindo
mediaes polticas verticalizadas, fez desenvol-
ver e consagrar a poltica-da-bica-dgua, que
tambm converteu lideranas das favelas em
cabos eleitorais, alastrados por agentes partid-rios (MACHADO DA SILVA 1967).
As dcadas de 1960 e 1970 revelam conti-
nuidades nesse mecanismo de controle ao pas-
so que acumula perdas maiores aos favelados.
O agravo do quadro de remoes dificulta o
dilogo com representantes do poder pblico
e, como efeito perverso, produz ainda mais
favelas. Em consequncia, se reformula nodiscurso e na prtica do Estado o que seria o
problema da favela: para alm de espaos de
carncia, acentuada a sua tipificao como
zona perigosa. A gramtica da violncia mar-
ca at hoje as representaes e as realidades
das favelas enquanto espaos da cidade cario-
ca. Essa sujeio negativa tambm recai sobre
os moradores, e no fortuitamente, muitas de
suas associaes so suspeitas de vnculos com
as redes de narcotrfico (MACHADO DA
SILVA; SILVA; ROCHA, 2008).
Apesar desse processo, desde a dcada de
1980 rgos pblicos e organizaes de base
tm se aproximado a fim de cumprir precei-
tos constitucionais de promoo da cidadania
(DINIZ, 1982). Contudo, estudos apontam
que esses contatos ainda seguem um formato
clientelista, no qual lderes locais so coopta-
dos administrao pblica. A embaralhada
aproximao entre polticos, agncias gover-namentais e associaes comunitrias no se
restringe ao campo eleitoral, todavia ocorrem
interferncias tambm sobre as formas de ges-
to das associaes e sobre suas atribuies,
de modo que recorrentemente ficam respon-
sabilizadas por atividades do servio pblico.
Um exemplo claro a organizao dos traba-
lhadores para as obras, os conhecidos mutires
(MACHADO DA SILVA, 2002; PANDOL-FI; GRYNSZPAN, 2002; BURGOS, 2006).
, portanto, no bojo da metfora da guer-
ra que se legitima a premncia da polcia pa-
cificadora, ainda que pouco se entenda o sig-
nificado prtico desse termo (LEITE, 2012).
No cenrio atual, parece pertinente considerar
como tm se dado as relaes entre agncias
pblicas e os moradores dessas favelas.
Como acenado em perspectiva histrica, a
omisso inicial do poder pblico sobre as fave-
las foi seguida por investidas por controle e dis-
ciplina de seus moradores. Tal retrospecto tem
assentado a concepo sociolgica das favelas
como margens do Estado (DAS; POOLE,
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2008), espaos sociais e territoriais a que se atri-
bui um aspecto selvagem e insolidrio para as
quais as aes do poder pblico se fazem, para-
doxalmente, sempre necessrias e incompletas.
As margens so entendidas como zonas
de desordem, contraditrias ao senso da ordem
a que se associa a representao do Estado. Isso
no quer dizer que as margens devem ser per-
cebidas como resqucios de um passado a civi-
lizar, ao contrrio: as margens se cristalizam
como condio estruturante reproduo co-
tidiana do fenmeno estatal:
O Estado concebido como umprojeto sem-
pre incompleto que deve ser constantemente
enunciado e imaginado, invocando o selva-
gem, o vazio e o caso que no s faz por fora
dos limites de sua jurisdio, mas que, alm
disso, uma ameaa desde dentro (DAS; PO-
OLE, 2008, p. 22, traduo e grifo nossos).
A invocao ao selvagem e ao vazio legitima
formas particulares de atuao do Estado sobreas margens, mais do que em espaos territoriais,
pois nas margens se justificam redefinies nos
modos de governar e legislar. Nesse sentido, na
presente pesquisa entende-se que as reunies or-
ganizadas pelos comandos das UPP constituem
prticas excepcionais do Estado para as favelas pa-
cificadas, o que reverbera a interpretao dessas
localidades como margens. Nessas reas, o poder
pblico despende tecnologias governamentais detipo variado e pouco afeitas s institucionalidades
formalizadas, aplicadas ao resto da cidade.
As reunies como rituais de pacificao
As reunies comunitrias organizadas
pelos comandos militares possuem frequncia
mensal e costumam agrupar representantes de
diferentes rgos pblicos, do setor privado e
de organizaes comunitrias, alm de outros
moradores e o comando da polcia.
Foram analisados 14 encontros organizados
regularmente por quatro UPP no perodo de ja-
neiro a julho de 2013. As reunies observadas
ocorreram em Batan (5 encontros), So Joo
(4), So Carlos (3) e Manguinhos (2). A seleo
seguiu as possibilitadas de acesso pelo pesquisa-
dor a partir de redes de vnculo nessas favelas.
A escolha tambm pretendeu levar em conta a
heterogeneidade espacial, social e histrica den-
tro do conjunto maior de reunies organizadaspelas UPP7. Na Tabela 1 possvel identificar as
localidades com UPP e, entre elas, as que orga-
nizam as reunies comunitrias. Essas infor-
maes foram identificadas em conversa com a
CPP e com a rede de informantes.
Esses encontros estruturam um formato es-
pacial que dualiza espectadores e protagonistas,
dispondo cadeiras para a audincia, em grandeparte composta por moradores. Invariavelmen-
te, os comandantes da Polcia Militar que or-
ganizam o evento e mediam as participaes
iniciam a reunio com uma fala prolongada, po-
sicionando-se de p no centro do espao. Nessa
fala costuma ser mencionada a presena das
instituies pblicas, privadas e comunitrias,
e aps o discurso, iniciam-se as apresentaes e
inscries dos demais presentes. Nesse segundoprocesso, costumam se identificar e posicionar
representantes das associaes de moradores, do
poder pblico e do setor privado. Moradores
de outras filiaes associativas ou mesmo sem
vnculos s se apresentam quando pedem para
falar. Seus nomes, como o de todos os outros,
so registrados nas atas dos encontros.
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Quadro 1 - Unidades de Polcia Pacificadora - at Julho de 2013
Data de instalao LocalidadeH reunio realizada
pela UPP?
1 19/12/08 Santa Marta2 16/02/09 Cidade de Deus
3 18/02/09 Jardim Batan Sim
4 10/06/09 Babilnia/Chapu Mangueira Sim
5 23/12/09 Pavo-Pavozinho e Cantagalo
6 14/01/10 Tabajaras e Cabritos
7 26/04/10 Providncia
8 07/06/10 Borel
9 01/07/10 Formiga
10 28/07/10 Andara Sim
11 17/09/10 Salgueiro
12 30/09/10 Turano Sim
13 30/10/10 Macacos
14 31/01/11 So Joo, Matriz e Quieto Sim
15 25/02/11 Coroa, Fallet e Fogueteiro Sim
16 25/02/11 Escondidinho e Prazeres Sim
17 17/05/11 So Carlos Sim
18 03/11/11 Mangueira e Tuiuti
19 11/01/12 Vidigal e Chcara do Cu Sim
20 Meses 04 a 05/2012 Complexo do Alemo
21 Meses 06 a 08/2012 Complexo da Penha
22 20/09/12 Rocinha Sim
23 16/01/13 Manguinhos Sim
24 16/01/13 Jacarezinho Sim
25 12/04/13 Complexo do Caju
26 12/04/13 Barreira do Vasco
27 04/06/13 Cerro Cor e Guararapes
Fonte: elaborao prpria.
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Os comandantes proferem discursos pro-
longados, comumente dotados de orientaes
morais s condutas dos moradores. No Batan,
em 26 de abril, o encontro se iniciou com um
discurso do Capito, que destacou o valor da
participao dos locais para a resoluo dos
problemas. A reunio comunitria ento
apresentada como o momento mais propcio
para o exerccio desse papel resolutivo, j que
ali se apresentam (cara a cara) os agentes do
poder pblico municipal e estadual. Os mora-
dores devem exercer a funo de cobrar dos
representantes nesse espao privilegiado pro-
movido pela UPP.
Em outra medida, operaes policiais rea-
lizadas pelas UPP coibindo o trfico de dro-
gas e a circulao de veculos irregulares, por
exemplo, so episdios que os comandantes
relatam a fim de reforar o compromisso de
denncia por parte da populao local; para
tanto, os moradores devem confiar na polcia
e trabalhar em parceria com ela. Os tipos dedemandas e o contedo dos discursos so mais
bem definidos na prxima seo.
Vale acentuar que nem todos os comandos
das UPP promovem reunies comunitrias.
Das 27 favelas arroladas no projeto8, apenas 12
contam, atualmente9, com a iniciativa desses es-
paos. Apesar disso, a CPP afirma ter emitido em
junho de 2013 uma resoluo orientando todosos comandos das unidades policiais a participa-
rem ou organizarem encontros comunitrios,
com regularidade, no mnimo, trimestral10.
A Coordenadoria afirma que o estmulo
aproximao com a comunidade uma ne-
cessidade percebida h pouco tempo, e que,
por ora, no tem se preocupado em regular a
forma como cada uma das UPPs efetiva ou
efetivar essa aproximao. Fica a critrio dos
comandos militares, portanto, aderirem a en-
contros j existentes ou promoverem novos e,
nesses casos, definirem suas caractersticas e
formatos.
O posicionamento da CPP em relao
s reunies assevera a constatao de que as
UPP so uma poltica de segurana sem cri-
trios muito definidos aos procedimentos
da polcia. No plano emprico, sobressai a
autonomia dos comandos militares, em quecritrios diferentes so aplicados por coman-
dantes diferentes para as mesmas situaes
(LAV, 2012). Assim, as reunies surgem e se
desenvolvem conforme interesses e possibili-
dade de dilogo dos comandos militares com
moradores, associaes e demais parceiros do
setor pblico e privado.
Alm disso, percebem-se algumas varia-es entre os formatos das reunies observa-
das, como a oferta ou no de mesas de
caf e lanche, e a escolha dos locais de en-
contro. As UPP do So Carlos e do Batan
preferem realizar encontros na prpria sede
policial de fato, o Batan reveza entre encon-
tros na sua sede e em uma quadra na locali-
dade Fumac; j o comando policial do So
Joo prefere encontros itinerantes, enquantoem Manguinhos utilizado o anfiteatro de
uma biblioteca recm-inaugurada. Algumas
reunies possuem caractersticas especficas,
como as do Batan, onde se reserva o hbito
de compor uma mesa de representantes11.
Essa variedade relativa de formatos de encon-
tro reflete sua baixa institucionalizao, mas
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Quadro 2 - Localidade, Local, Data e Horrio das reunies etnografadas
Localidade Local DataDia de
semanaHorrio
1 Batan Fumac Quadra da Amizade 25/01/13 Sexta-feira 18hs
2 Batan UPP Batan 22/02/13 Sexta-feira 9h00
3 Batan Fumac Quadra da Amizade 22/03/13 Sexta-feira 9h00
4Complexo So Joo -Queto (ou Sampaio)
Entrada do Queto/Sampaio
18/04/13 Quinta-feira 10h00
5 Batan UPP Batan 26/04/13 Sexta-feira 10h00
6 Complexo So Carlos UPP So Carlos 30/04/13 Tera-feira 9h00
7Complexo So Joo Morro So Joo
Praa no acesso aoSo Joo
09/05/13 Quinta-feira 10h00
8 Complexo So Carlos UPP So Carlos 28/05/13 Tera-feira 9h00
9Complexo Manguinhos DESUP
Teatro da Biblioteca-Parque
12/06/13 Quarta-feira 9h00
10Complexo So Joo Matriz
Entrada da Matriz 13/06/13 Quinta-feira 10h00
11 Batan UPP Batan 27/06/13 Sexta-feira 9h00
12 Complexo So Carlos UPP So Carlos 10/07/13 Tera-feira 9h00
13Complexo So Joo Queto
Entrada do Queto/Sampaio
11/07/13 Quinta-feira 10h00
14Complexo Manguinhos DESUP
Teatro da Biblioteca-Parque
18/07/13 Quinta-feira 10h00
Fonte: elaborao prpria.
tambm o controle poltico da polcia sobre
esses espaos de participao, uma vez que,
sem exceo, so os policiais que promovem edefinem esses encontros.
As reunies organizadas pelas quatro UPP
acontecem mensalmente, em dias teis, no
turno da manh. Todas, com regularidade,
agregam representantes das associaes de
moradores, comandantes das UPP e gestores
de programas e servios pblicos, de mbito
municipal e estadual, com relativa gerncia
sobre a regio.
As reunies atendem ao interesse explcito
de encaminhar demandas locais aos represen-
tantes do poder pblico, em especial quando
envolvem questes de lixo, conservao dos
espaos pblicos, servios de fornecimento de
luz, gua e problemas no trfego. Em segun-
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do plano, os encontros se revelam espaos deoportunidades ofertadas por agentes privados
como representantes do Sistema S e de orga-
nizaes nogovernamentais (ONG)12. O tema
da segurana e do trabalho da polcia pouco
enfatizado, e ser abordado mais adiante.
A compreenso dessas reunies como ritu-
aisremonta tradio antropolgica, como um
conceito para anlise dos eventos sociais. Porevento entendem-se acontecimentos sociais
tangveis de tipo then and there, que produ-
zem revelaes e perplexidades de acordo com
a relao que possuem com outros elementos
da dinmica social. Seguindo essa perspectiva:
Os rituais so tipos especiais de eventos,
mais formalizados e estereotipados e, portanto,
Quadro 3 - Caratersticas das localidades e reuniescomunitrias etnografadas
Fonte: elaborao prpria.
Batan So Joo So Carlos Manguinhos
Regio da cidade Oeste Norte Centro Norte
Incio das reunies1osemestrede 2011
Agosto de2012
Janeiro de 2013 Abril de 2013
Modelo deencontro
Itinerante ItineranteFixo(mas quer ser itinerante)
Fixo
Frequncia mdiade pblico
40 80pessoas
20 40pessoas
10 30 pessoas40 70pessoas
Dispe mesa decaf / lanche? No Sim Sim No
Regularidade(todos pelamanh)
6as-feiras 4as-feiras 3a-feiras 5as-feiras
mais suscetveis anlise porque j recortadosem termos nativos. Em outras palavras, tanto
eventos ordinrios, quanto eventos crticos
e rituais partilham de uma natureza similar,
mas os ltimos so mais estveis, h uma or-
dem que os estrutura, um sentido de aconte-
cimento cujo propsito coletivo, e uma per-
cepo de que eles so diferentes. (PEIRANO
2003, p. 8, grifo nosso).
Destacados e diferenciados das situaes
do cotidiano, os rituais so episdios que am-
pliam, focalizam, destacam e justificam o que
usual ao grupo social. Entretanto, categori-
zar as reunies como rituais merece uma dose
de cuidado: trata-se de uma definio apenas
relativa e de carter metodolgico. O que se
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pretende aproximar a anlise dos ditosefeitos
dos nativos, contemplando a temporalidade
do evento, a criatividade do vivido, da perda
e do ganho inevitveis do instante histrico
(PEIRANO 2003, p. 10).
Se as aes sociais so tambm aes de po-
der, a etnografia permite trazer tona a efic-
cia das falas e de seus efeitos como atos perfor-
mativos, ou seja, como enunciaes que por si
s se tornam realizaes13. Se as falas tambm
so atos, considerar os discursos em contextos
necessrio para a compreenso antropolgica
do fenmeno social aqui, as relaes entre osrgos pblicos, privados e os moradores nas
favelas pacificadas do Rio de Janeiro.
Em outra mo, cientistas sociais tm tra-
dicionalmente contribudo nos estudos jur-
dicos para a compreenso dos processos in-
formais de pequena escala, destinados a iden-
tificar como se materializa no plano vivido o
estado do Estado (MOORE, 2001, p. 108).Assim, acredita-se que as reunies encenam
no plano ritualstico a possvel eficcia ou o
manado projeto de pacificao, aquilo que
o Secretrio Beltrame chamou de comeo
do pagamento da dvida de todos com essas
favelas. Agregando diferentes agentes, os en-
contros reproduzem o pressuposto do contro-
le policial para a atuao dos rgos pblicos
e privados nas favelas. O retorno do Estadoa esses espao da cidade um recurso argu-
mentativo que justifica o no pagamento da
dvida em tempos anteriores, em vista do do-
mnio das faces criminosas14sobre essas lo-
calidades. Nesse espectro discursivo, as UPP
esto identificadas como uma chance indita
de romper a histria.
Considerando o iderio de integrao social
aventado pelas UPP, as reunies comunitrias
podem ser sinalizadas como rituais que repre-
sentam, na vida local, os smbolos e caractersti-
cas da pacificao. Um dos smbolos que esto
presentes e que vo alm das falas o protago-
nismo dos comandantes locais das UPP. Esses
personagens assumem a centralidade poltica do
espao pblico dos encontros, coordenando fa-
las, definindo a sequncia dos fatos e sugerindo
os temas que sero abordados. Eles tambm de-
sempenham papis disciplinadores, intervindo
sobre conflitos e indicando modos de ser e fazer,
em especial para os moradores.
Os convites aos representantes das Secre-
tarias e demais agncias pblicas so feitos
pelas prprias UPP. O setor de comunicao
social (os P5 ou relaes pblicas, RP
da tropa) entra em contato com esse grupo,
identificado por vontades manifestadas em
outras reunies. Em casos considerados de
maior relevncia, os comandantes afirmamfazer o convite pessoalmente.
Os policiais tambm convocam as associa-
es locais e redigem as atas dos encontros. De
acordo com relatos, as atas seriam outro instru-
mento de vocalizao dos moradores, visto que
registram textualmente todas as reclamaes fei-
tas posteriormente, que so encaminhadas pela
polcia aos referidos rgos de competncia.
Alm da liderana dos comandantes no es-
pao das reunies, outra participao tambm
consolidada dos representantes dos servios
pblicos. Nas diferentes reas frequente a
presena de agentes locais de sade (Clnica
da Famlia), assistncia social (Centros de Re-
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ferncia da Assistncia Social Cras), limpeza
e conservao (Secretaria Municipal de Con-
servao) e programas de interlocuo com
as pastas municipais (UPP Social) e estaduais
(Territrios da Paz). Outros representantes
tambm participam dos encontros observados,
mas de maneira pontual.
Alm disso, mediadores polticos de repre-
sentatividade local comparecem s reunies,
como assessores de vereadores, deputados esta-
duais, funcionrios das subprefeituras e regies
administrativas, e tambm da superviso regio-
nal da secretaria do governo estadual. A plura-lidade de agentes pblicos evidencia o quadro
de fragmentao e complexificao do Estado
na forma como se apresenta aos moradores no
momento de reivindicao por servios pbli-
cos. Esse quadro fragmentado dificulta a apro-
ximao e a resoluo das demandas, como
ser visto mais adiante.
A participao desses agentes estatais reificaa ideia de reparao que se constata na fala j
referenciada do Secretrio Beltrame. A adeso
voluntria desses representantes aos encontros
associada discursivamente pelos comandan-
tes promoo de cidadania, a que tambm
se reporta o decreto-lei das UPP. Trata-se de
um tipo de ritual que busca dar forma e senti-
do ao reconhecimento dignidade dos mora-
dores e sua condio de cidados. As reuniesento so rituais permeados e justificados por
uma ideia de eficcia moral, sustentada espe-
cialmente pelas prticas da esfera pblica.
Para tanto, vale lembrar que a obriga-
o do Estado no apenas hermenutica,
mas tambm performativa (BORNEMAN,
1997, p. 105, traduo nossa) e que, portan-
to, suas prticas se sustentam pela funo de
agente regulador de toda a comunidade. Os
dispositivos legais se desenvolvem nessa di-
nmica, assim como se formam os sistemas
legais. Distinta do princpio da racionalida-
de, a ideia de justia obrigao formalmen-
te atribuda esfera pblica , por exemplo,
no est orientada a clculos objetivos, mas
aos valores morais e de legitimidade, que por
seu turno no tm base em eficincia, mas em
variados padres culturais (BORNEMAN,
1997, p. 101, traduo nossa).
As reunies so eventos de tipo especfi-
co que cristalizam aperformancedo Estado e
dos setores privados e locais no contexto da
pacificao dessas favelas. Conforme sa-
lientado at aqui, esse ato performativo ca-
racteriza-se pelo protagonismo policial e pela
participao voluntria de agentes pblicos.
Vale retomar a forma de participao das ins-
tituies privadas e do terceiro setor. Agentesde ONG e do Sistema S, por exemplo, so
coadjuvantes desses encontros, ocupando no
jogo ritualstico no o momento principal,
mas o espao de recados. Apesar disso, eles
apresentam um objetivo especfico: so pro-
motores da inscrio desses espaos urbanos
na economia produtiva formal, tanto no que
se refere ao registro das empresas quanto
qualificao profissional dos favelados e nasua insero no mundo do trabalho. Nesses
rituais, as organizaes no governamentais e
instituies do terceiro setor se inscrevem
no como agentes polticos per se, mas par-
ceiros do comandante e das melhorias para a
localidade. Ser abordado mais adiante como
se encena essa parceria.
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Alm da autoridade policial e das institui-
es privadas, as reunies se revelam rituais
vinculados tambm atuao das associaes
de moradores. Ainda que deslegitimadas desde
a dcada de 1990, as organizaes de base se
mantm como instncias importantes de me-
diao das favelas, em especial na relao com
o poder pblico15.
Tambm esto presentes moradores desvin-
culados das associaes, membros ou no de
outras formas de organizao local, como co-
misses ou fruns, o que varia conforme a re-
gio em vista de seu histrico associativo. Emgeral, os moradores que frequentam as reunies
so homens e mulheres, adultos e idosos. H
uma relativa circularidade na participao, em
grande parte motivada pela oportunidade de
encaminhar demandas circunstanciais aos r-
gos pblicos. As reunies observadas tiveram
pblico entre 10 e 70 pessoas, com mdia de
participao de 30 pessoas, sendo o Batan a lo-
calidade com maior qurum.
De modo sinttico, possvel afirmar que
as reunies encenam performances com ao
menos quatro aspectos comuns: (1) so orga-
nizadas autonomamente por cada UPP, com
especial nfase centralidade da figura do co-
mandante; (2) objetivam aproximar agentes
pblicos, privados e comunitrios; (3) envol-
vem necessariamente a participao das asso-ciaes de moradores; (4) esto fundamenta-
das discursivamente em valores progressistas,
visando melhorias vida comum e regulao
da ordem local.
Antes de se consolidarem como rituais, ou-
tras reunies j haviam sido feitas no contex-
to das UPP16, alm de ter sido relatada a ocor-
rncia de encontros locais com os comandos
em vrias reas desde o incio das UPP, mas
apenas como medidas extraordinrias, fora
da rotina. As reunies promovidas por um
comando de UPP tornaram-se regulares no
Batan no primeiro semestre de 2011, a partir
do interesse de um comandante poca. Em
conversa com este policial, a experincia dos
conselhos comunitrios de segurana17no seu
Batalho de origem foi importante referncia
para dar valor continuidade dos encontros.
Segundo relatado, j haviam ocorrido reu-
nies no Batan antes de 2011, mas sem essapreocupao de torn-la regular18.
As reunies comunitrias dos comandos
militares tm ganhado adeses com o tempo,
espraiando-se para outras reas. Atualmente, a
iniciativa est replicada em 12 favelas e esti-
mulada pela CPP, como mencionado.
Os quatro casos analisados revelam alteri-dades, mas tambm consonncias que possibi-
litam a interpretao de que as reunies so um
ritual nico, dotado de uma formalidade tpica.
A seguir analisam-se aspectos da sua possvel efi-
ccia, e se esses eventos conseguem fechar as
contas abertas pela dvida com as favelas.
Demandas e eficcias: urbanizao, se-
gurana e controle negociadoNa pauta reivindicativa dos moradores pre-
valecem questes de conservao, urbanizao
e manuteno da ordem pblica das favelas.
Temas como educao, por exemplo, no so
abordados. Os moradores e as associaes
acessam as reunies a fim de relatar problemas
como escadarias mal conservadas, vazamentos
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de esgoto, coletas de lixo em reas de entulho,
casas em reas de risco, abusos na cobrana de
conta de luz e perturbao do sossego.
Nesse sentido, as reunies revelam, no con-
texto das UPP, a percepo da urbanizao
como uma bandeira legtima dos moradores
de favelas. E essa uma demanda antiga aqui
continuada. O investimento em melhorias
urbanas nas favelas, poltica em curso desde
a dcada de 1980, teria operado como uma
estratgia do poder pblico de conteno do
risco social diante do fenmeno crescente da
territorializao da violncia (CAVALCANTI,2009). A pacificao no rompe ou afeta o
valor consensual dessa modalidade de reivin-
dicao, ao contrrio: talvez nos encontros essa
pauta se fortalea a partir da mediao policial.
Seja como for, as reunies se vertem em ca-
nais para reivindicaes essencialmente pontu-
ais, pouco afeitas a uma problemtica poltica
mais abrangente, que transborde, por exem-plo, os limites da prpria localidade.
Nesse escopo, pouco espao conferido a
outras demandas alm da urbanizao, salvo
reivindicaes sobre segurana, com especial
ateno s demandas por ordem pblica. Assim,
moradores ocasionalmente aproveitam o ensejo
para reclamar da falta de policiamento em cer-
tos locais e horrios, solicitam atitudes dianteda perturbao do sossego (som alto fora do
horrio permitido, por exemplo), denunciam a
circulao de veculos irregulares, etc.
Contudo, apenas no Batan parece haver, por
parte dos moradores, um posicionamento mais
assertivo na regulao e no monitoramento da
atividade policialper se, aquilo que se revela um
dos objetivos do policiamento comunitrio19.
Nessa regio o comandante acentua esse aspecto
do encontro, explicitando nas falas a disposio
escuta de denncias e o resguardo identidade
do denunciante. Muitas vezes o comandante di-
vulgou seu contato telefnico pessoal, da Uni-
dade e do Disque-UPP20.
Ainda que no ocorra em todas as reas com
UPP, as reunies comunitrias expressam no
plano simblico uma disposio formal escuta
por parte das foras de segurana. Entretanto,
o controle sobre o policiamento se revela umassunto desconfortvel nesta e em outras reu-
nies. O espao pblico dos encontros no se
apresenta como momento oportuno aos mora-
dores, ao passo que suscitam o conflito algo
que parece ser evitado a todo momento.
Como j apontado, o objetivo de encami-
nhar demandas acompanhado de certas efic-
cias morais, direcionadas dos agentes externospara os locais. Nas observaes de campo, a
atuao frequente dos comandantes se desta-
cou, mas tambm de outros agentes pblicos e
privados no sentido de orientar os moradores
sobre o que deve se pedir ao Estado, e como
tais pedidos devem ser feitos. Na reunio da
UPP So Carlos em 28 de maio, um represen-
tante da associao de moradores criticou o
servio da Secretaria de Conservao que, alipresente, responde estar em fase de reorgani-
zao. A fim de facilitar o encaminhamento,
pede que enviem e-mail ou telefonem, a seguir
passando contatos. Porm, o gestor conclui de
forma enftica: os [moradores] nervosos vo
ser tratados como caso de polcia. Nesse mo-
mento, o comandante intervm para mediar o
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caso e afirma entender a cobrana e tambm
os limites da Secretaria. Segundo ele, no come-
o da sua atuao na UPP considerava haver
abandono do poder pblico da regio, e que
hoje isso est mudando. A mensagem final re-
fora a ideia de que o morador deve ter educa-
o ao cobrar demandas.
Outro exemplo de disciplinamento por
parte da polcia e de seus parceiros aconteceu
na mesma reunio em So Carlos. Um mo-
rador observou que o representante da Light
no estava presente e o comandante justificou,
considerando ser mais difcil convocar empre-sas privadas, em especial para o caso de pri-
meira abordagem da UPP o que parecia ser.
Segundo ele, em geral as agncias tm receio
do contato direto com os moradores porque
eles agem com olhos de lince. O comandante
afirmou j ter sido vtima desse modo de sus-
peio por parte dos moradores. Entretanto, a
autoridade considerou importante que ambas
as partes se compreendessem para a resoluodas demandas, sem perder de vista o valor da
continuidade do dilogo. Um argumento pa-
recido foi empregado pelo comandante da
UPP Manguinhos na reunio de 12 de junho.
Tendo em vista investidas agressivas de alguns
moradores, o comandante contemporizou,
afirmando: ningum vem aqui obrigado.
Se o dilogo policial caminha para um or-denamento moral da ao poltica dos mora-
dores, nas relaes com outros agentes pblicos
os xitos no parecem maiores. Estes enfren-
tam dificuldades para responder s demandas.
Raramente um mesmo representante participa
de reunies consecutivas, por exemplo. Quan-
do isso acontece, no necessariamente h com-
prometimento em trazer respostas s ltimas
reivindicaes o que nos encontros chamam
de devolutiva do problema. Esse o quadro
usual de todas as reunies observadas. Nesse
sentido, as reclamaes quase nunca se rever-
tem em solues prticas, ou seja, esses rituais
promovem uma participao bastante limitada
da populao em relao ao que podem alcan-
ar e obter de resposta efetiva por parte dos
representantes do Estado.
Pensando os processos de regulamentao
das prticas legais sobre as favelas cariocas,
possvel aproximar a dinmica desses rituaiss caractersticas de um padro de mediao
consolidado entre o Estado e as organizaes
comunitrias definido como controle negociado
(MACHADO DA SILVA, 1967, 2002). Nesse
espectro, a perspectiva histrica revela que o
problema da favela, em sua dimenso habita-
cional e urbana, tem sido conduzido por pol-
ticas pblicas que buscam no a tentativa de
soluo definitiva, mas simples formas de con-trole, reduo e regulao de conflitos (MA-
CHADO DA SILVA, 2002, p. 225). Dessa
forma, os dilogos com os rgos estatais tem
feito oscilar os movimentos dos moradores de
favelas entre a autoconcepo de categoria so-
cial com interesse prprio e a percepo de si
mesmos como clientela carente de melhorias.
Trata-se da adoo por parte do poder p-blico de estratgias de convencimento na rela-
o com os moradores e as associaes comu-
nitrias. Nesse contato acontece o encapsula-
mento poltico destes ltimos, simbolizado
pela cooptao de lideranas s instncias da
administrao pblica e das estruturas parti-
drias. Nas relaes entre favelados e agentes
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pblicos, o papel atribudo ao primeiro grupo
recorrentemente limitado pelos modelos de
ao tutelar do Estado e no mbito local das
decises polticas; o controle negociadolimita as
possibilidades de interlocuo com os morado-
res e, em muitos casos, a participao dos locais
restrita a discusses mais pontuais, declaradas
de natureza administrativa e tcnico-financei-
ra. O que esse cenrio poltico conflagra a
identidade da burguesia favelada como uma
fora social ativa, porm condicionada s re-
gras do jogo (PANDOLFI; GRYNSZPAN,
2002; SILVA; ROCHA, 2008; ROCHA,
2011; RIBEIRO; OLINGER, 2012).
Assim, limitadas pelas possibilidades de par-
ticipao, as organizaes locais operam na re-
lao com o Estado frequentemente por meio
da lgica da racionalidade instrumental, o que
permite aventar a hiptese de que, no contexto
atual, as associaes de moradores das reas de
UPP esto se aproximado dos comandos poli-
ciais e aderindo s reunies a fim de tentar al-canar seus objetivos mais pragmticos21.
Na reunio da UPP So Joo de 18 de abril,
o dirigente de uma associao local que parti-
cipa regularmente do encontro pediu a fala e
argumentou que no ano anterior houve elei-
es para a direo da associao de moradores
e somente uma chapa se candidatou. Ele diz
que, uma vez eleito, adotou como estratgiareunir foras e se aproximar de outras asso-
ciaes de moradores do Complexo So Joo.
Segundo ele, o objetivo maior da luta das as-
sociaes a realizao de obras. J em 28
de maio, na UPP So Carlos, o presidente de
uma das quatro associaes que frequentam a
reunio disse que, quando assumiu o cargo, a
primeira coisa que fez foi reunir todo mundo
[as outras associaes da regio] para o meu
lado. A unio entre as associaes no surgiu,
contudo, para esperar da UPP, mas que [para
que] cada um lutasse por todos. As falas dos
representantes locais foram bastante elogiosas
ao comando da UPP, que recebia na ocasio a
visita de uma equipe da CPP.
comum s quatro favelas a congregao de
diferentes associaes de moradores, acenando
um alinhamento discursivo com as UPPs. Re-
velam-se nesses espaos falas e posturas de par-
ceria entre os representantes das associaes eos comandantes. Contudo, possvel conside-
rar que um dos efeitos do protagonismo policial
nesses processos locais recai sobre a representa-
o e a capacidade de mobilizao poltica dos
moradores de favelas, efeito esse representado na
ideia de intercmbio de papis entre as UPP e
as associaes (RODRIGUES et al., 2012).
Por certo, a observao dessas reunies re-velou vozes contrrias ao movimento de ajuste
entre as associaes e os comandos militares,
o que ocorre sob o signo da parceria para
sucesso da pacificao. Em especial no Ba-
tan e em Manguinhos, esse papel subversivo
foi desempenhado por representantes de ou-
tros coletivos de base territorial, divergentes
das associaes22. As intervenes desses ato-
res jogam dvidas sobre o alinhamento entreorganizaes de base e UPP como estratgia
poltica das primeiras e, alm disso, questiona
o trabalho de mediao feito pela polcia.
Em uma reunio em Manguinhos, um in-
tegrante de um coletivo local questiona a con-
vocao desses encontros pelo comando. Para
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ele, a ordem em Manguinhos deveria ser como
em outros bairros, onde o policial est fazen-
do o seu papel. Em 12 de junho, um grupo de
moradores sem vnculos com as associaes in-
siste que as instituies comunitrias deveriam
promover reunies para dilogo com as agn-
cias pblicas, no lugar do comando policial.
De acordo com essas pessoas, as associaes j
fazem isso h mais tempo do que a UPP. Dian-
te do conflito, um dirigente de associao de
moradores procura contemporizar. Afirma que
todos esto vivendo um processo de adapta-
o, tanto a polcia como os moradores.
O comandante concorda que faz papel de
mediador nos encontros, mas no assente
militarizao das polticas pblicas, crtica
elaborada momentos antes por um morador.
Segundo o comandante, no h hierarquia ou
desequilbrio de autoridade entre a polcia e os
rgos pblicos. Aos moradores que criticam
a reunio da UPP, o policial admite ser uma
figura poltica por representar a UPP Mangui-nhos, mas pessoalmente no gosta disso. Est
interessado apenas em trazer desenvolvimen-
to para a comunidade, para o morador.
A anlise desses rituais da pacificao em
Manguinhos deflagra um quadro de crticas e
suspeio por parte de alguns moradores em re-
lao ao trabalho de mediao institucional feito
pela UPP. Como pano de fundo, denuncia umcontrole policial mais forte na regio, que destoa
de como l fora, conforme disse um morador.
Entrevistas com moradores da Cidade de
Deus revelam que por l a atuao da UPP
tem gerado a sensao ao menos inicial de
suspenso dos limites de domnio das faces
criminosas; ao mesmo tempo, a pacificao
sentida como uma forma de gesto da so-
ciabilidade local pelo aparato policial, que re-
gula a realizao de eventos e a circulao de
moradores em especial dos jovens, colocados
constantemente em situao de suspeio (RO-
CHA, 2011). Esse controle territorial se revela
tambm nas falas de alguns moradores de Man-
guinhos no mbito das reunies, e em alguns
casos pontua-se a violncia policial na rea, as-
sociando-se tais casos s reunies, consideradas
por esses moradores como espaos de controle
poltico sobre a vida associativa da favela.
interessante apontar que so moradores
distantes das associaes que fomentam esse
quadro de inflexo e denncia sobre o possvel
controle sociopoltico posto em prtica pela
UPP. Nenhuma associao de moradores ou
organizao no governamental questionou,
nas quatro favelas, a legitimidade dos coman-
dos em realizarem os encontros.
Consideraes finais
Ainda que com variaes, as reunies co-
munitrias se revelam espaos dotados de cer-
ta formalidade e regularidade que mobilizam
uma performanceque materializa os ideais da
pacificao. Alm disso, apresentam um pro-
psito claro, ou como diria a tradio antropo-
lgica, uma eficcia: aproximar moradores e
representantes do Estado e do setor privado nointuito de encaminhar problemas e necessida-
des para, a partir disso, solucion-los. Contu-
do, a anlise de quatro casos de reunies co-
munitrias de UPP constata a continuidade
de um modelo de interlocuo que ajusta para
baixo os limites da possibilidade de participa-
o dos moradores na esfera pblica.
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Estudos sobre as favelas devem tom-las
por pressuposto como localidades, o que na
acepo de Anthony Leeds (1978) quer dizer
compreend-las alm de meros espaos terri-
toriais, mas como pontos nodais de interao
providos de configurao e autonomia poltica
prpria. Nesse escopo, a compreenso histri-
ca das favelas da cidade apresenta as associa-
es de moradores como organizaes ativas
motivadas a aumentar as vantagens extradas
dos rgos supralocais e, ao mesmo tempo,
frear tenses entre tais rgos e o conjunto
dos moradores. Contudo, se no h obteno
de ganhos polticos (ou obras) a partir dasreunies, uma pergunta feita por um morador
do Batan soa pertinente para essa investigao:
para que ento servem esses encontros?
As associaes de moradores parecem ade-
rir pela credibilidade que o ritual lhes confe-
re na representao da pacificao: so elas
as vozes legtimas dos moradores de favela.
Paralelamente, os agentes pblicos encenamum papel conhecido nesses espaos, papel esse
que reifica a dual percepo de igualdade do
regime de cidadania brasileiro. As prticas do
poder pblico so orientadas pelo senso de
igualdade de tratamento diferenciado que
converge no cotidiano constitucionalidades e
discricionariedades e faz com que as aes do
Estado sejam frequentemente percebidas pelos
cidados como atos arbitrrios (CARDOSODE OLIVEIRA, 2010, p. 462, grifo nosso).
Nesse jogo que repete papis histricos das
associaes locais e dos agentes de servios p-
blicos, a novidade parece ser a atuao dos co-
mandos policiais, que mobilizam e se interessam
pela continuidade dos espaos. Diante de crti-
cas, defendem a continuidade e perante acusa-
es de ineficincia, replicam a positividade do
dilogo. Contudo, que interesses envolvem os
comandantes das UPPs na mobilizao desses
encontros regulares e no seu protagonismo?
A anlise de 14 reunies realizadas em 2013
sob iniciativa de quatro comandos das UPP re-
verbera o que afirmaram outras investigaes
com foco nos recentes fruns da UPP Social
(RODRIGUES et al., 2012; LEITE, 2012;
FLEURY, 2012). Estaria em curso um modelo
de mediao negociada, que, como visto, invia-
biliza em sua estrutura a discusso poltica so-bre o projeto de pacificao e as demais aes
de desenvolvimento em curso. possvel ento
concordar que a participao pacificada:
Nesses espaos, permitido vocalizar angs-
tias e desejos sobre a ao governamental,
mas no h brecha real para definir priorida-
des e ao substantivas das polticas pblicas.
Em suma, essas instncias consistem em ins-
trumento apaziguador dos conflitos, procu-rando referendar as decises j vinculadas
poltica em curso. (FLEURY, 2013).
preciso lembrar que as reunies comu-
nitrias, como aqui apresentadas, so espaos
iniciados apenas em certas localidades, apa-
rentemente condicionados s possibilidades de
dilogo com os grupos locais e aos interesses
dos comandos policiais. A realizao desses en-contros no esgota outras formas de mediao
entre representantes do Estado e os moradores,
ao contrrio: condensa e interpenetra diferen-
tes institucionalidades pblicas, privadas e das
organizaes de base para a realizao de um
ritual que sedimenta valores no grupo por meio
de atos performativos.
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Vale retomar a funo do ritual, na com-
preenso de Victor Turner a partir de seu estu-
do clssico sobre a sociedade ndembu:
os smbolos dominantes no agregado de obje-
tos e atividades simblicos associados a cada
ritual no refletem ou expressam os princi-
pais aspectos da estrutura social, mas antes
os valores que todos os ndembus possuem
em comum []. A unidade primordial dos
ndembus se expressa na composio das as-
sembleias rituais. (TURNER, 1996 apud
CAVALCANTI, 2012, p. 114, grifo nosso).
A perspectiva de Turner de que os rituaisno refletem a unidade poltica, mas sim a co-
eso moral do grupo. Ao utilizar esse conceito
para compreender as reunies comunitrias, a
investigao aponta a promoo desses eventos
como uma estratgia de convencimento e ade-
so a valores que pretendem, em especial, sensi-
bilizar os moradores para um novo momento e
uma nova moralidade. A assessora de um verea-
dor, em So Joo, no dia 18 de abril, disps-se aser um canal de reclamaes e encaminhamento
de problemas, pontuando que o trabalho do ve-
reador cobrar e fiscalizar as prticas do poder
executivo municipal. Nesse aspecto, a assessora
louva a iniciativa de reunio da UPP, acentu-
ando que, apesar de promovida pela polcia, a
reunio dos moradores e que eles, nesse novo
momento, devem se acostumar s leis do as-
falto, tendo conscincia no trato com o lixoe em relao perturbao do sossego. Afirma a
assessora: ajudem a UPP que ela ajuda a vocs
e ns ajudaremos a vocs.
Assim como a fala dessa assessora, outras
registradas em diferentes reunies remetem a
uma estratgia de convencimento moral da
pacificao que, por sua vez, submete a rei-
vindicao por cidadania ao primado da pre-
servao da ordem urbana. O padro moral
propagado de forma normativa nas reunies
confere novos significados polcia e redimen-
siona o que os moradores devem considerar
como mau e errado. Considerando o contexto
do predomnio do narcotrfico, a dualidade
bandido x trabalhador contempla a cons-
truo de uma moralidade relativamente aut-
noma nas favelas, em que se conjugam valores
ticos s condutas criminais e atribuem-se va-
lores de forma mais relacional e pessoalizada
(ZALUAR, 1985). No bojo da pacificao,rituais como as reunies organizadas pelas
UPP se cristalizam em modos encenados de
comunicao para fins de adeso a novos pa-
dres morais, alinhados aos interesses de con-
trole dos agentes pblicos, em especial s for-
as policiais.
Um processo de despolitizao do debate p-
blico sobre a favela vem ocorrendo desde a dca-da de 2000 (RIBEIRO; OLINGER, 2012), e no
contexto das UPP talvez este processo esteja se
intensificando. Trata-se de uma despolitizao
que na verdade repolitiza os agentes em me-
diao, convertendo dualidades em parcerias,
desfigurando o aspecto conflitivo dos processos
polticos e renovando velhos conchavos.
A participao pacificada encontra seulcus privilegiado nas reunies comunitrias
das UPP, tendo em vista que nesses rituais o
protagonismo dos comandos militares refora
a lgica de convencimento moral nos discur-
sos, mas tambm na constituio do prprio
espao, distribuio de papis e legitimao
das pautas que vo ao debate.
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As tendncias desse processo sem dvida
variam conforme contextos e arranjos locais,
e as consideraes aqui feitas referem-se ape-
nas ao universo investigado. As reunies co-
munitrias das UPP, mesmo que iniciadas h
mais de dois anos no Batan, s esto sendo
replicadas na maior parte das outras reas h
poucos meses. Atualmente 12 favelas contam
com a organizao desses espaos, e possvel
que diferentes dinmicas polticas conflagrem
arranjos de caractersticas distintas, inclusive
das que foram relatadas no presente estudo.
No entanto, o desempenho da mediao po-
ltica a partir da autoridade policial desafia as
interpretaes sobre as relaes entre os mo-
radores de favela e o Estado, em especial no
acesso aos direitos de cidadania para a socie-
dade brasileira.
1. Instncia da Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) que coordena as aes das UPP.
2. A pacificao aqui tomada em termos nativos, visto que assim identificado por agentes pblicos, privados e comunitrios o
momento e as aes em prtica a partir da ocupao militar dessas favelas.
3. Dados da Coordenadoria de Polcia Pacificadora divulgados no website oficial . Acessado em: 1 set. 2013.
4. A relao pblico-privado comentada no relatrio da LAV (2012), que tambm constata a sensao comum, por parte dos
moradores, de controle policial. Pesquisas em curso tm abordado o interesse de empresas privadas no nicho da pacificao, e o
caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza na Rocinha tem acentuado crticas forma de policiamento realizada nas
UPP.
5. As favelas so consideradas aberraes pelo referido Cdigo.
6. Chefiado por Jos Arthur Rios, o Servio Especial de Recuperao de Favelas e Habitaes Anti-higinicas (SERFHA) contribuiu para
a fundao de 75 associaes de moradores entre 1961 e 1962. Apesar de as associaes serem eleitas pelos moradores, tinham
atribuies conferidas pelo Estado, a partir da mediao com o prprio SERFHA.
7. O Batan se localiza na Zona Oeste da cidade, ao passo que Manguinhos e So Joo esto na poro Norte e So Carlos, mais
ao centro. Ainda que seja um aspecto relevante, esse texto no aborda os precedentes histricos dessas reas, focando-se nas
reunies.
8. poca da redao do presente artigo, a Secretaria Estadual de Segurana afirmou existirem 33 UPP, mas algumas unidades
contam com bases avanadas pulverizadas sobre a favela, enquanto em alguns casos uma mesma localidade conta com mais
de uma UPP. Privilegiando a anlise sobre as favelas, e no sobre as UPP, foram identificadas 27 localidades, sendo algumas
pontuadas como agregados de favelas, como no caso do Complexo da Penha e do Alemo.
9. Este artigo foi concludo em setembro de 2013, sendo essa a data de referncia.
10. Apesar dos pedidos do pesquisador, a representante da CPP no disponibilizou a resoluo emitida aos comandantes.
11. No Batan, o comando policial local convoca no incio da reunio os presidentes das associaes e os gestores e gerentes de servios
pblicos presentes para se sentarem mesa. O objetivo dessa conduta, afirma o comandante, dar visibilidade ao grupo e melhorar
o encaminhamento de demandas. Agentes privados, como membros do Sistema S e de organizaes no-governamentais, no so
convidados mesa.
12. considervel o nmero de projetos sociais de grandes empresas, como a Coca-Cola, que atuam especificamente nas reas pacificadas
e sob o argumento da qualificao profissional. O Sistema S tem aes especficas para essas reas, como o Sesi nas Comunidades e o
Senac nas UPP. O Sebrae tambm tem forte atuao com os micro e pequenos empresrios dessas regies.
13. Um exemplo dado por Peirano (2003, p.11) o Eu prometo.
14. O decreto que regulamenta as UPP define: So reas potencialmente contemplveis por UPP [...] aquelas compreendidas por
comunidades pobres, com baixa institucionalidade e alto grau de informalidade, em que a instalao oportunista de grupos criminosos
ostensivamente armados afronta o Estado Democrtico de Direito. Entre as quatro localidades a que essa pesquisa se restringe, trs
estavam sob coao de faces de narcotraficantes, ao passo que o Batan o nico caso das 27 localidades em que o domnio ocorria
por uma quadrilha de milicianos (CANO; DUARTE, 2012).
15. As associaes de moradores so atualmente pontos de mediao tambm para a implementao do Programa de Acelerao do
Crescimento (PAC) (TRINDADE, 2012; CAVALCANTI, 2013), e dos programas municipais de urbanizao Morar Carioca e Bairro Maravilha.
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16. De julho de 2011 a novembro de 2012, a equipe do programa municipal UPP Social realizou um circuito itinerante de fruns entre as vrias
reas com UPP, tendo o ltimo ocorrido na Rocinha. A realizao dos fruns marcou o comeo da fase da UPP Social sob o escopo da
Prefeitura de fato, o programa comeou de forma tmida em 2010, na estrutura burocrtica do governo estadual. Os fruns marcam, ento,
o lanamento do que seria o brao social das UPP. Apesar das iniciativas, os fruns da UPP Social se revelaram episdios limitados no
tempo, restritos ao momento de apresentao das equipes nas favelas. Em pouco mais de um ano esses fruns se esgotaram e pararam de
acontecer (FLEURY, 2012; LEITE, 2012).
17. Os conselhos comunitrios de segurana foram institudos por lei estadual em 1999 e objetivam congregar em encontros mensais
representantes da polcia civi l, da militar e membros da sociedade civil. Circunscritos s reas Integradas de Segurana Pblica (Aisp), os
cafs comunitrios ocorrem desde 2003 e tm como objetivo estimular a participao de todos no direito segurana. Costumam ser
dirigidos pelo comandante do batalho e o delegado mais antigo da Aisp, e tm uma diretoria constituda, que ocupa uma mesa durante
os encontros (SENTO-S et al., 2012). A influncia dos cafs comunitrios sobre as reunies das UPP se revela no caso pioneiro do Batan
no apenas por conta da sua regularidade mensal, mas tambm no seu formato, que at hoje preserva a formao de uma mesa com as
autoridades.
18. Outras favelas tambm contaram com reunies promovidas pela UPP nesse perodo, mas apenas como aes pontuais em resposta a
problemas localizados.
19. Este artigo no se debrua sobre o tema, mas considera relevante contrastar a experincia das UPPs com a perspectiva terica que
embasa o iderio de policiamento comunitrio ou de aproximidade. De acordo com a literatura sobre o tema, o que orientaria essa
forma de policiamento seria: (1) a preveno do crime tendo com base a comunidade, (2) a reorientao do policiamento para servios
no-emergenciais; (3) a descentralizao dos comandos por rea; (4) a participao da populao nas atividades de monitoramento e
planejamento da atividade policial (Cf. BAYLEY, 2002).
20. O Disque-UPP foi criado em agosto de 2012 para acolher, anonimamente, sugestes, crticas e denncias sobre o policiamento realizado por
essas Unidades.
21. Esses objetivos variam conforme os contextos de poder nas favelas e, em especial, os interesses dos dirigentes das associaes de
moradores, visto que prevalece a referncia ao presidente do que associao como corpo coletivo (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002).
22. No caso do Batan e de Manguinhos tratam-se de coletivos de moradores descolados das associaes, fundados por oposio s mesmas
e vinculados a redes externas da sociedade civil, em especial por contato com pesquisadores e instituies acadmicas. Se inserem na
pluralidade do novo associativismo e alheios tambm ao modelo de associao por ONGs.
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Rituais de pacificao: uma anlise das reuniesorganizadas pelos comandos das UPPs
Frank Andrew Davies
Rituales de pacificacin: un anlisis de las reuniones
organizadas por los comandos de las UPPs
Este artculo presenta reflexiones acerca de los procesos de
reglamentacin de las reuniones comunitarias organizadas
y dirigidas por los comandos militares de las Unidades de
Polica Pacificadora (UPP) del Estado de Ro de Janeiro. Se
analizan smbolos, valores y temas suscitados en estos
eventos, en el que convergen diferentes representantes de
las esferas pblica, privada y de base local con el fin de
constituir verdaderos rituales de pacificacin en el escenario
cotidiano de esas favelas. Conforme apunta la investigacin,
existen regularidades y formalidades que pretenden conducir
la produccin de nuevos valores morales y tambin renovar
viejos mecanismos de control sobre las dinmicas polticas
de esos espacios. Con ese objetivo, la pacificacin ha
revelado ms consolidaciones que rupturas en el proceso de
promocin de ciudadana para los habitantes de favelas.
Palabras clave: Seguridad pblica; pacificacin; UPP;
participacin; ciudadana; favela; habitantes de favelas.
Resumen
Pacification rituals: an analysis of the meetings
organized by the command of the UPPs
This paper presents some reflections on the process of
regulating the community meetings organized and conducted
by the military command of Pacifying Police Units (UPPs) in
the State of Rio de Janeiro. The symbols, values and themes
raised by the participants in these meetings were analyzed.
The attendees included representatives of both the public
and private sectors, in addition to local community members.
The goal of these meetings was to help instill pacification
rituals into the daily lives of the people living in these
slums. This study suggests that the effort of creating new
moral values and renewing old mechanisms to control the
political dynamics in these communities emerged in patterns
of regularity and formality. In this respect, pacification
efforts have preserved rather than disrupted structures in the
promotion of citizenry amongst slum dwellers.
Keywords: Public safety; pacification; UPP; participation;
citizenship; slum; slum dwellers.
Abstract
Data de recebimento: 24/09/2013
Data de aprovao: 23/02/2014
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