Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a...

17
http://www.psiquilibrios.pt/cat-EdPsiq-ActasXIII.html Roazzi, A., Dias, M. G. B. B., Minervino, C. M. M., Roazzi, M., & Pons, F. (2008). Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension). In: Ana Paula Noronha, Carla Machado, Leandro Almeida, Miguel Gonçalves, Sara Martins & Vera Ramalho (Eds.). Actas da XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Forma e Contextos (pp. 1781-1795). Braga: Psiquilibrios edições.

Transcript of Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a...

Page 1: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

http://www.psiquilibrios.pt/cat-EdPsiq-ActasXIII.html

Roazzi, A., Dias, M. G. B. B., Minervino, C. M. M., Roazzi, M., & Pons, F. (2008). Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension). In: Ana Paula Noronha, Carla Machado, Leandro Almeida, Miguel Gonçalves, Sara Martins & Vera Ramalho (Eds.). Actas da XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Forma e Contextos (pp. 1781-1795). Braga: Psiquilibrios edições.

Page 2: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

Compreensão das Emoções em Crianças: Estudo Transcultural sobre a Validação

do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension)

Antonio Roazzi, Maria B.B. Dias, Carla Moita Minervino, Maira Roazzi & Francisco Pons

(Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Estadual da Paraíba,

Pittsburgh University & University of Oslo, Noruega)

Nos últimos anos o construto da competência emocional, compreendido como o conjunto

de capacidades que possibilitam não somente reconhecer, compreender e responder de forma

coerente às emoções dos outros, como também de regular e fazer uso das expressões das

próprias emoções, tem se tornado objeto de discussão na área do desenvolvimento e inúmeros

estudos empíricos têm sido realizados investigando suas diferentes facetas. De fato, o interesse

para esta competência emocional decorre das implicações que tal construto desempenha, tanto

em outras competências da criança como na teoria da mente, nas habilidades verbais e nas

cognitivas em geral, como também nos diferentes âmbitos aplicativos: familiar, escolar e o mais

abrangente social. De forma geral esta competência se desenvolve entre os 3 e 11 anos e se

manifesta nas capacidades de reconhecer expressões faciais, de compreender a natureza, as

causas e a possibilidade de controle das emoções.

Em 2004 Pons, Harris e Rosnay propuseram um paradigma de pesquisa que tem

possibilitado investigar de forma mais precisa a compreensão das emoções em crianças

considerando simultaneamente nove componentes que, em função do nível de desenvolvimento,

podem ser agrupadas em três fases: uma fase externa (3-6 anos), uma fase mental (5-9 anos) e

uma fase reflexiva (8-12 anos). O instrumento proposto por estes autores é o Test of Emotion

Comprehension (TEC; Pons & Harris, 2000; Pons, Harris & de Rosnay, 2004) a partir de uma

validação em uma amostra de 100 crianças inglesas de três, cinco, nove e onze anos,

equitativamente distribuídos por sexo em cada faixa etária. A partir da aplicação do

instrumento, que investiga as nove habilidades, tem sido detectada por Pons e Harris uma

evolução de uma competência meta-emocional que pode ser distinta em três áreas de

desenvolvimento: 1) Categorização das emoções em relação a sua natureza; 2) Compreensão

das causas das emoções; 3) Controle das emoções.

Visto que no Brasil não existem instrumentos para avaliar a compreensão das emoções de

acordo com os aspectos acima descritos, foi realizada uma pesquisa visando operacionalizar o

processo de tradução, adaptação e validação deste teste – o TEC – que considera a compreensão

das emoções em nove componentes, que dizem respeito à compreensão da natureza, das causas

e do controle das emoções. Para a atribuição das pontuações em cada componente tem se

seguido os critérios e indicações propostas por Pons, Harris e de Rosnay (2004).

Page 3: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).
Page 4: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1782

Assim o principal objetivo é apresentar os primeiros resultados de um estudo de validação

de um instrumento capaz de avaliar, através da mesma metodologia do instrumento original, o

conjunto das componentes que avaliam a compreensão das emoções possibilitando desta forma

de verificar empiricamente a precisão do perfil evolutivo de crianças dos 4 aos 12 anos

brasileiras. Este perfil das crianças brasileiras, tanto de escola pública como de escola particular,

será comparado com o perfil da amostra original inglesa como também os resultados coletados

tanto em uma amostra italiana como uma amostra quéchua.

Método

Participantes

Participaram deste estudo 396 crianças - 175 (44,2%) meninos e 221 (55,8%) meninas -

provenientes de três estados: Pernambuco (51,26%), Paraíba (41,4%) e Rio Grande do Norte

(7,3%). Todas as crianças freqüentam a escola sendo provenientes de escolas do sistema público

estadual e privado de ensino: 167 (42,2%) de escola pública e 229 (57,8%) de escola particular.

O nível de escolaridade oscilou entre pré-escola e primeira fase do ensino fundamental.

A faixa etária variou de 4 a 12 anos (média em meses = 96,8 anos; DP = 32,0). As crianças

foram subdivididas por faixa etária em oito grupos: 4 anos 53 crianças (13.4%); 5 anos 31

crianças (7,8%); 6 anos 54 crianças (13,6%); 7 anos 24 crianças (6,1%); 8 anos 59 (14,9%); 9

anos 36 crianças (9,1%); 10 anos 37 crianças (9,3%); 11 anos 53 crianças (13,4%); 12 anos 49

crianças (12,4%).

Instrumento

Para a operacionalização do processo de tradução e adaptação do Test of Emotion

Comprehension (TEC) além da revisão da literatura sobre sua adaptação e uso em outros

idiomas, foram seguidos os critérios internacionalmente aceitos para adaptação transcultural de

instrumentos, passando-se, portanto pela etapa de tradução e retrotradução, análise semântica e

a análise dos juízes. Foi realizada também uma sondagem com as crianças para esclarecimento

de possíveis dúvidas, na realização de pré-testes e de estudo de confiabilidade.

O TEC possui, em sua versão original, nove fatores correspondentes a componentes

emocionais. Solicita-se da criança a atribuição de um estado emocional representado por uma

expressão facial, adequada ao contexto referendado. Existe tanto uma versão para sujeitos do

sexo masculino como uma versão para sujeitos do sexo feminino, e consiste em um livro de

ilustrações em papel A4 com histórias em quadrinhos com um simples enredo na parte superior

de cada página. É aplicado individualmente, em contexto adequado: boa iluminação e controle

dos estímulos que possam desconcentrar a criança.

Page 5: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1783

Assim, inicialmente se lê uma breve história enquanto a criança observa essa figura na

parte superior da folha (cujo protagonista tem o rosto em branco, sem qualquer expressão,

portanto). Em seguida solicita-se da criança de indicar a expressão facial considerada mais

adequada ao contexto da história. Para isso na parte inferior de cada folha estão apresentadas

quatro possíveis conseqüências emocionais representadas por expressões faciais. As respostas

das crianças são não-verbais, tendo em vista que estudos transculturais estabelecem que as

expressões faciais relacionadas às situações são similares entre diversas culturas.

O TEC está dividido em blocos de histórias em ordem pré-estabelecida. O instrumento

apresenta os seguintes nove contextos: (1) o reconhecimento das emoções, baseado nas

expressões faciais; (2) compreensão das causas externas das emoções; (3) compreensão do

desejo despertado; (4) compreensão das emoções baseadas em crenças; (5) compreensão da

influência da lembrança em circunstâncias de avaliação de estados emocionais; (6) compreensão

das possibilidades de controlar as experiências emocionais; (7) compreensão da possibilidade de

esconder um estado emocional; (8) compreensão da existência de múltiplas ou até contraditórias

(ambivalentes) respostas emocionais ; (9) compreensão de expressões morais. Para a análise,

um ponto é atribuído para cada componente respondido corretamente. Cada criança poderá

obter no máximo 9 pontos e no mínimo 0. A seguir iremos apresentar uma descrição de cada um

dos componentes da compreensão das emoções e como têm sido avaliadas através de cada um

dos itens que compõem o TEC.

O primeiro componente – Reconhecimento – diz respeito ao reconhecimento das emoções,

baseado nas expressões faciais. É avaliado através de uma tarefa clássica de reconhecimento de

quatro emoções de base – felicidade, tristeza, raiva e medo - e adicionalmente a condição neutra

(bem). É uma tarefa que as crianças são capazes de superar por volta dos 2-3 anos de idade (e.g.,

Dehnam, 1986; Hughes & Dunn, 1998). Na formulação do TEC consiste em fornecer à criança

um rótulo e a solicitar que indique a expressão emocional, é considerado a mais simples das

tarefas de rotulamento verbal e geralmente é a tarefa que apresenta um bom desempenho em

uma idade precoce. No TEC existem cinco provas de reconhecimento, uma para cada uma das

expressões emocionais. É atribuído o escore de um se a criança responder corretamente em pelo

menos quatro das cinco provas.

O segundo componente avalia a compreensão das causas externas das emoções e é

denominado de Causa Externa. É avaliado também através de uma tarefa clássica sobre a

compreensão das emoções – a da compreensão das causas das emoções (elementos

situacionais). São cinco provas e cada uma apresenta uma situação capaz de promover emoções:

ser perseguido por um monstro para o medo, ganhar um lindo presente de aniversário para a

felicidade, a morte de um animal de estimação para a tristeza, entre outras. A literatura aponta

Page 6: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1784

que as crianças conseguem êxito neste tipo de situação a partir dos 3-4 anos de idade (Dehnam,

1986; Harris, Olthof & Meerum Terwogt, 1981; Hughes & Dunn, 1998; Rieffe, Meerum

Terwogt & Cowan, 2005). Como o componente anterior é formado por cinco provas e o

componente é superado (escore 1) se criança responde de forma correta a pelo menos quatro

provas. O terceiro componente explora a compreensão do desejo despertado e, portanto é

denominada de Desejo. É importante observar que a atribuição de um desejo como causa de

uma emoção é implícita também em algumas provas da componente II, como por exemplo, a

felicidade expressa por receber um presente de aniversário. Entretanto para avaliar mais

diretamente o aspecto relativo ao componente mentalista de atribuição, e não uma simples

reação emocional a um determinado objeto ou situação, torna-se necessário que a criança seja

capaz de compreender que diferentes desejos podem provocar diferentes emoções a respeito de

um mesmo evento. A capacidade da criança em compreender o papel desempenhado pelos

desejos em determinar as respostas emocionais é observado por volta dos quatro anos de idade

(e.g., Hadwin & Perner, 1991; Harris, 1989; Harris, Johnson, Hutton, Andrews & Cooke, 1989).

As provas utilizadas para mensurar este componente avaliam a capacidade das crianças de

entender que duas pessoas podem provar emoções diferentes a respeito da mesma situação em

função das mesmas possuírem desejos diferentes, isto é, compreender que uma pessoa será feliz

se obtém o que deseja, enquanto será triste se o seu desejo não se realiza. De forma similar às

provas utilizadas por Harris et al. (1989) e Yuill (1984), a situação apresentada diz respeito as

diferentes respostas a um alimento ou bebida escondida dentro de uma caixa - coca-cola na

primeira prova e salada na segunda - por parte de crianças que gostam ou não gostam do

alimento/bebida (e.g., “Sara odeia alface e Helena gosta muito de alface”). Considera-se como

superada este componente se a criança responder corretamente à segunda prova, que diz respeito

às respostas à salada - alimento de caráter mais neutro em comparação com a coca-cola, sendo

capaz de diferenciar as respostas emocionais das duas crianças em função delas gostarem ou

não de salada.

O quarto componente diz respeito à compreensão das emoções baseada em crenças e por

isso é denominada de Crença. Assim para avaliar a compreensão do papel das crenças em

determinar as emoções é utilizada uma prova que requer a compreensão das falsas crenças. A

história apresentada à criança concerne uma versão reelaborada da história de Chapeuzinho

Vermelho (Harris, de Rosnay & Pons, 2005). A prova é introduzida da seguinte forma: “Este é o

coelho de Sara. Ele esta comendo uma cenoura. Ele gosta muito de cenoura. Você pode olhar

por trás dos arbustos? É um lobo. O lobo está escondido atrás dos arbustos por que ele quer

comer o coelho. Você pode colocar o arbusto de volta para que coelho não veja que o lobo está

escondido atrás dos arbustos?”. Assim um lindo coelhinho está saboreando uma cenoura, sem

Page 7: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1785

saber que a espreita encontra-se um faminto lobo que não gosta de cenoura, mas de comer

coelhos. A crença é avaliada através de uma pergunta-controle específica: “O coelho sabe que o

lobo está escondido atrás dos arbustos?”, e se a criança não souber a resposta correta a esta

informação é fornecida explicitamente: “Bem, na verdade o coelho não sabe que o lobo está

escondido atrás dos arbustos. (‘ajuda’)”. Em seguida pergunta-se: “Como o coelho esta se

sentindo? Ele está: feliz, bem, com raiva ou com medo?”. A criança tem que dizer que o

coelhinho se sente “feliz” (porque está se deliciando comendo uma cenoura que ele gosta) e não

sabe do lobo mal intencionado escondido atrás do arbusto. A compreensão da falsa crença nas

crianças emerge por volta dos quatro anos de idade, entretanto a compreensão que as crenças,

independentemente de serem verdadeiras ou falsas, possam provocar emoções emergiria em

uma fase mais tardia, por volta dos seis anos de idade (Bradmetz & Schneider, 1999; Fonagy,

Redfern & Charman, 1997; Hadwin & Perner, 1991; Harris et al. 1989). O esperado, portanto, é

que mesmo que crianças respondam de forma correta à pergunta relativa à crença, mesmo assim

podem não ser capazes que avaliar corretamente a emoção, tendo como base a própria crença.

O quinto componente avalia a compreensão da influência da lembrança em circunstâncias

de avaliação de estados emocionais e é denominada de Lembrança, visto que estabelece esta

relação entre memória e emoção. Para avaliar esta componente o teste faz uso de uma história

que está relacionada com o desenho do componente Crença anteriormente descrito. Nossa

personagem “Sara está muito triste porque o lobo comeu seu coelho”. No dia seguinte ela olha

para seu álbum de fotos e vê a foto de sua melhor amiga (que, em princípio, deveria produzir

uma emoção de felicidade) e em seguida olha para a foto de seu amado coelhinho (devendo

neste caso produzir uma emoção de tristeza). Esta história é muito similar a uma história

investigada na literatura por Lagattuta e colaboradores (Lagattuta & Wellman, 2001; Lagattuta,

Wellman & Flavell, 1997) visando avaliar a capacidade das crianças em considerar o decorrer

do tempo e dos sinais capazes de ocasionar a lembrança. A seqüência de apresentação das várias

fases da prova é elaborada de forma a evitar que a criança simplesmente repita a emoção da

personagem observada no primeiro desenho. A prova é considerada superada se a criança é

capaz de afirmar que a emoção sentida pela personagem ao ver a foto do seu coelho de

estimação deglutido no dia anterior pelo lobo é de tristeza. A faixa etária prevista para o

surgimento da competência de julgamento desta prova é 5-6 anos idade.

O sexto componente que aborda a compreensão das possibilidades de controlar as

experiências emocionais é denominado de Regulação. Como os dois componentes anteriores

fazem uso da história do coelho na qual a personagem Sara agora está muito triste por ter

perdido o coelhinho e solicita-se que explicite quais estratégias pode usar para ficar menos

triste: “Sara está olhando para a foto de seu coelho. Sara está muito triste porque seu coelho foi

Page 8: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1786

comido pelo lobo. Qual a melhor maneira para Sara parar de se sentir triste? (1) Sara pode

cobrir os olhos para parar de se sentir triste! (2) Sara pode sair para parar de se sentir triste!

(3) Sara pode pensar sobre outra coisa para parar de se sentir triste! (4) Não existe nada que

Sara pode fazer para parar de se sentir triste!”. Assim nesta prova as alternativas de escolha

não são como para os componentes anteriores, simples expressões faciais da emoção. As opções

de escolha dizem respeito a diferentes maneiras de enfrentar a situação que provoca uma

emoção negativa: engano ou ilusão através da ação de se cobrir os olhos, comportamental

através do ato de sair para esquecer, mental que consiste em pensar em algo diferente e, enfim,

admitir que não se pode parar de ficar triste. A prova se fundamenta nos procedimentos de

entrevistas usualmente utilizadas nas investigações que abordam as situações de enfrentamento

(coping) de experiência emocionais (Harris, 1989; Harris & Lipian, 1989) oferecendo às

crianças uma escolha entre modalidades de respostas pré-definidas. De acordo com os dados da

literatura nesta área em termos de tipo de respostas e seqüência das mesmas, é de se esperar que

as estratégias comportamentais sejam utilizadas com maior freqüência por crianças entre 6-7

anos de idade, enquanto estratégias de tipo mental que focalizam mais os aspectos psicológicos

como negação, distração, entre outros, surjam com as crianças mais velhas por volta dos oito

anos de idade. A resposta considerada correta nesta prova é a de tipo mental.

O sétimo componente denominado de Ocultar diz respeito à compreensão da possibilidade

de esconder um estado emocional e se fundamenta em uma tarefa investigada por Harris,

Donnely, Guz e Pitts-Watson (1986) sobre a distinção entre aparência e realidade. O

entrevistador conta para a criança que uma primeira personagem da história zomba de uma

segunda personagem pelo fato dela ter muitas bolas de gude e a segunda personagem não ter

nenhuma. A segunda personagem, apesar de estar sendo zombada, fica sorrindo, visto que não

quer que a primeira personagem perceba como ela está se sentindo por dentro: “Esta é Sara e

esta é Clara. Clara está mangando de Sara porque Clara tem muitas bolas de gude e Sara não

tem nenhuma. Sara está sorrindo porque não quer mostrar a Clara como está se sentindo por

dentro. Como é que Sara está se sentindo por dentro? Ela está se sentindo feliz, bem, com raiva

ou com medo?”. É entre 4-6 anos que é esperado que a criança comece a compreender a

discrepância entre a expressão emocional externa e a emoção real sentida internamente (e.g.,

Harris et al. 1986; Jones, Abbey & Cumberland, 1998; Joshi & MacLean, 1994).

O oitavo componente denominado de Misto diz respeito à compreensão que uma pessoa

pode apresentar múltiplas ou até contraditórias (ambivalentes) respostas emocionais em relação

a uma determinada situação (e.g., Arsenio & Lover, 1999; Brown & Dunn, 1996; Harris 1983).

A história utilizada para avaliar este componente diz respeito a uma situação que envolve

sentimentos ambivalentes da personagem que recebeu de presente uma bicicleta que, entretanto

Page 9: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1787

não é ainda capaz de usar sozinha: “Clara esta olhando para a bicicleta nova que acaba de

ganhar de aniversário. Mas ao mesmo tempo, Clara acha que pode cair e se machucar, pois

nunca andou de bicicleta antes”. É uma tarefa classicamente utilizada em estudos nesta área.

As quatro alternativas de respostas consistem em duas emoções isoladas (feliz e triste) e duas

mistas (“triste e com medo” e “feliz e com medo”). De acordo com a literatura (Harris, 1989;

Harter & Whitesell, 1989) é esperado que as crianças de menor idade atribuam à personagem

uma única emoção, sendo tanto de tristeza como de medo; sucessivamente, é mais provável que

sejam atribuídas duas emoções do mesmo tipo ou valor (triste e com medo) e somente em

seguida as crianças maiores seriam capazes de duas emoções de tipo diferentes (feliz e com

medo).

O último componente diz respeito à compreensão do papel da moral, e por isso este nono

componente é denominado de Moralidade. Esta prova utiliza uma história derivada da literatura

na área (e.g., Nunner-Winkler & Sodian, 1988) na qual a personagem não revela para a mãe o

fato de ter comido, escondido e sem permissão, um biscoito na casa de um amigo. Na

administração a avaliação negativa da conduta da personagem é observada através de uma

pergunta específica de controle e, caso a criança não a considere errada, ela é explicitamente

corrigida, de maneira que não existam quaisquer dúvidas sobre a motivação da resposta. De

acordo com os dados da literatura na área é a partir dos oito anos de idade que as crianças

iniciam a compreensão que os sentimentos negativos decorrem de uma ação moralmente

repreensível, como por exemplo: mentir, roubar, esconder um ato errado, e que sentimentos

positivos derivam de uma ação moralmente louvável, como fazer um sacrifício, resistir a uma

tentação, confessar um ato repreensível. É esperado, no entanto, que as crianças em idade pré-

escolar julguem as emoções somente na base de julgamentos dos próprios objetivos, mesmo

sendo moralmente repreensíveis (e.g., Harris, 1989; Nunner-Winkler & Sodian, 1988).

Resultados

Estes são os resultados da primeira fase de um estudo multicêntrico (Pernambuco, Rio

Grande do Norte e Paraíba), transversal, de validação e adaptação da versão em português do

TEC (explorando a validade de critério e construto).

O TEC foi aceito de forma satisfatória pelas crianças. Após os primeiros ensaios de

aplicação não houve evidência para a necessidade de reformulação da versão em português. O

tempo de aplicação oscilou entre 10 e 20 minutos, variando de acordo com a idade.

Inicialmente confrontamos o tipo de respostas da nossa amostra com os dados disponíveis a

amostra original inglesa, de uma amostra italiana (Molina & Di Chiacchio, 2008) e de uma

amostra de crianças indígenas quéchuas peruanas (Tenenbaum, Visscher, Pons & Harris, 2004),

Page 10: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1788

a média de idades na amostra brasileira é similar às demais amostras. Em um primeiro nível de

análise observamos a resposta correta de acordo com o padrão considerado no original em

inglês, destaca-se que na amostra italiana houve necessidade de considerar novos tipos de

resposta como corretas.

Na Tabela 1 cada um dos nove componentes foi analisado conforme a porcentagem de

acertos observa-se que a porcentagem média de acertos de cada amostra em todos os

componentes que compreendem o TEC, revela o melhor desempenho da amostra brasileira de

escolas particulares, com exceção do componente IV. Ao descrever os resultados em cada

componente identifica-se que a amostra brasileira de escolas particulares teve melhor

desempenho no componente I (reconhecimento), porém a amostra proveniente de escolas

públicas teve o pior desempenho, destaca-se que apenas 36% das crianças com 9 anos e 50%

das crianças com 11 anos reconheceram as emoções expressas nas figuras apresentadas, o que

significa que estas crianças não conseguiram reconhecer pelo menos quatro das cinco

expressões faciais solicitadas (felicidade, tristeza, raiva, medo, bem/neutra), quando é esperado

bom desempenho a partir dos 2-3 anos de idade.

A porcentagem de acertos no componente II (causa externa) – 79%, 77%, 77% e 83%;

amostra inglesa, italiana, brasileira escola pública e brasileira escola particular, respectivamente;

foi semelhante entre as amostras. Já no componente III (desejo) a semelhança ocorreu entre a

amostra inglesa, italiana e brasileira escola pública (66%, 67% e 71%, respectivamente), porém

ocorreu maior porcentagem de acertos na escola privada brasileira (83%), destaque para o

subgrupo de crianças de 5 anos quando comparado com as demais amostras, fato que deve ser

melhor pesquisado, pois este grupo teve melhor resultado inclusive quando comparado com os

demais subgrupos da amostra em referência.

No componente IV (crença) observam-se resultados similares aos encontrados na amostra

italiana antes dos resultados serem recodificados, ainda neste componente nota-se baixa

porcentagem de acertos das crianças de escolas públicas brasileiras entre os 9 e 12 anos,

comparada com as demais amostras. Nos componentes V (lembrança), VI (regulação), VII

(ocultar) e VIII (misto) ocorreram poucas diferenças entre as amostras, destaque para o

componente VI e VII onde 91% das crianças com 9 anos e 90% das crianças com 5 anos

(Brasil/escola particular, respectivamente) responderam o esperado contra menos de 60% (VI) e

50% (VII) em todas as demais amostras e no componente VIII, apenas 16% das crianças com 9

anos (Brasil/escola pública) responderam o esperado contra mais de 45% em todas as demais

amostras.

Page 11: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1789

N I II III IV V VI VII VIII IX Pons et al. 2004

3 5 7 9 11

20 20 20 20 20

55 30 20 20 56 0 5 5 10 75 65 55 40 80 20 50 15 20 90 100 75 85 80 35 65 20 30

100 100 80 95 100 60 80 65 50 100 100 100 100 100 80 95 90 90

Média 84 79 66 68 81 39 59 39 40 Albanese et al. (2008)

3 4 5 6 7 8 9 10 11

110 113 109 107 107 106 104 104 107

46 6 15 17 (34) 21 15 30 14 29 67 32 27 27 (35) 43 18 40 16 42 94 76 59 48 (55) 51 24 50 16 39 97 96 72 42 (59) 57 36 68 20 56 99 96 88 47 (66) 68 43 74 29 64

100 99 87 58 (86) 84 57 75 50 69 100 100 90 61 (90) 95 62 85 72 79 88 97 91 71 (94) 91 63 89 81 82 99 99 83 64 (97) 97 64 96 83 84

Média 89 77 67 48 (68) 67 42 67 42 60 Quéchua

4-7 anos 8-11 anos

18 21

56 28 6 33 22 22 33 28 6 43 57 43 57 24 10 48 38 38

Média 49 44 26 46 23 15 41 33 23 Brasil-Escola Pública

4 5 6 7 8 9 10 11 12

9 10 12 13 17 25 16 28 37

67 56 33 44 50 22 56 11 67 70 50 40 56 56 44 30 10 40 75 92 75 42 50 25 42 17 50 85 85 69 46 75 46 38 62 69 71 82 76 53 53 41 65 24 65 36 76 72 32 60 48 64 16 60 75 75 88 38 88 50 75 38 69 50 89 75 54 82 50 46 29 71 41 73 76 51 84 46 68 38 73

Média 57 77 71 46 71 44 57 29 65 Brasil-Escola Particular

4 5 6 7 8 9 10 11 12

44 21 42 11 42 11 21 25 12

93 20 82 07 84 20 27 77 82 95 95 86 71 86 19 90 10 71

100 100 98 62 90 86 95 83 71 100 91 55 64 82 55 64 55 64 100 100 95 83 98 90 95 90 88 100 100 64 55 91 91 73 45 91 100 100 95 38 100 90 95 95 38 96 100 92 40 96 56 92 68 60 92 92 83 58 100 67 91 92 75

Média 97 83 88 51 92 63 78 73 73

Tabela 1. % de respostas corretas por cada componente de acordo com a idade para a amostra inglesa (N=100), italiana (N=927), quéchua (N=39), e brasileira (escola particular N=229 e escola pública N=167).

Tipo de amostra / Componentes Idade (anos)

Nota: Os dados em parênteses do componente IV da amostra italiana apresentam o dado recodificado de forma a obter resultados compatíveis com os dados ingleses. Foram consideradas como corretas tantos a resposta “feliz” como a resposta “normal”.

No componente IX (moralidade) percebe-se que em todas as amostras ocorre um aumento

da porcentagem de acertos conforme aumenta a idade, exceto na amostra de crianças de escolas

particulares brasileiras. Era esperado para este componente a resposta “triste”, pois a

personagem não confessa para a mãe um ato repreensível que fizera, no entanto na amostra

brasileira (escola particular) 62% das crianças com 10 anos não deram esta resposta, contudo,

Page 12: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1790

Inglaterra N=100 (3-11 a.)

Brasil Partic. N=229 (4-11 a.)

Brasil Pública N=167 (4-11 a.)

Itália N=967 (3-11 a.)

Quéchua N=39 (4-11 a.)

1 1 5,5 1 (1) 1 3 4 1 2 (2) 3 5 3 2,5 4 (5) 6 4 9 7 7 (3) 2 2 2 2,5 4 (5) 7

7,5 8 8 8,5 (8,5) 9 6 5 5,5 4 (5) 4

7,5 6,5 9 8,5 (8,5) 5 9 6,5 4 6 (7) 8

destaca-se que na média-geral de porcentagens de acertos esta amostra obteve melhor

desempenho (Tabela 1).

Na Tabela 2 estão apresentadas as ordenações hierárquicas dos nove componentes

encontradas na amostra inglesa (Pons et al., 2004), italiana (Molina & Di Chiacchio, 2008),

quéchua (Tenenbaum et al, 2004) e brasileira (escola particular e pública). Para melhor

visualizar as diferenças na ordenação dos nove componentes, estão marcados em itálico e

negrito os valores que se distanciam mais de dois pontos do escore ordenado da amostra inglesa.

Tabela 2. Ordenação hierárquica das nove componentes encontrados na amostra inglesa (Pons et al., 2004), italiana (Molina & Di Chiacchio, 2008), quéchua (Tenenbaum et al., 2004) e brasileira (escola particular e

pública)

Componentes 1. Reconhecimento 2. Causa Externa 3. Desejo 4. Crença 5. Lembrança 6. Regulação 7. Ocultar 8. Misto 9. Moralidade

Nota 1: Os dados em parênteses da componente IV da amostra italiana apresentam o dado recodificado de forma a obter resultados compatíveis com os dados ingleses. Foram consideradas como corretas tantos a resposta “feliz” como a resposta “normal”. Nota 2: em Itálico e negrito estão indicados os valores que se distanciam mais de 2 pontos da amostra inglesa.

É possível observarmos que a amostra de crianças de escola pública se distancia mais da

amostra inglesa (em quatro componentes) do que os outros três grupos. A diferença maior é

observada no Componente I (Reconhecimento) que apresenta nas crianças de escola pública 4,5

pontos de desvio em relação aos demais grupos.

Outro componente que apresenta um andamento substancialmente diferente em relação à

amostra inglesa é o Componente IV (Crenças) que na amostra de escola particular é a última

colocada indicando desta forma mais de 5 pontos de diferença. Este é o único componente que

foi recodificado na amostra italiana. A emoção considerada como resposta correta na validação

original inglesa é “feliz”. Entretanto na amostra italiana tem sido observado que, além desta

resposta, existe também um aumento substancial de respostas “bem” a partir dos 6-8 anos de

idade. Assim, na amostra italiana 48,19 % das crianças respondem “feliz” e 19,85% respondem

“bem”. Em nossa amostra as respostas são muito similares às respostas das crianças italianas:

51,1% e 21,8% para as crianças de escola particular e 46,4% e 14,5% para as crianças de escola

pública, respectivamente. Este resultado aponta para a necessidade de recodificar estas respostas

como tem sido feito para a amostra italiana, considerando como resposta correta tanto “feliz”

como “bem” (em italiano tem sido traduzido como normal).

Page 13: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1791

Para melhor compreender as inter-correlações dos vários grupos descritos na Tabela 2, de

acordo com as ordenações dos componentes apresentados, foi computada uma Análise da

Estrutura de Similaridade (SSA - Similarity Structure Analysis)1. A Figura 1 apresenta uma

projeção SSA bidimensional relativa à análise da inter-relação entre a amostra inglesa (Pons et

al., 2004), italiana (Molina & Di Chiacchio, 2008; original e recodificada), quéchua

(Tenenbaum et al., 2004) e brasileira (escola particular e pública) tendo como base as

ordenações dos nove componentes. O coeficiente de alienação de 0,001 é satisfatório indicando

uma ótima representação espacial dos pontos.

Na região central da projeção localiza-se a amostra de crianças da Inglaterra e em volta dela

encontram-se distribuídas de esquerda para direita as crianças brasileiras de escola particular

(µ2 = 0,81), italianas (µ2 = 0,89) e italianas recodificadas (µ2 = 0,95); o canto inferior esquerdo

da projeção encontra-se a amostra de crianças de escola pública (µ2 = 0,60) e no lado direito

oposto da projeção se localiza a amostra de crianças quéchua (µ2 = 0,78) (em parênteses as

correlações - coeficiente de monoticidade - entre a amostra inglesa e os demais grupos). O

grupo crianças de escola particular e pública correlaciona-se de maneira mais alta com o grupo

de crianças italianas (µ2 = 0,95 e 0,85, respectivamente) do que com as crianças italianas

recodificadas (0,65 e 0,64, respectivamente), indicando a necessidade de considerar a

recodificação dos escores da amostra brasileira quanto ao Componente IV. Neste sentido é

interessante apontar que a correlação entre a amostra italiana recodificada e a amostra inglesa, é

idêntica à correlação entre a amostra italiana não recodificada e a amostra brasileira de escola

particular (µ2 = 0,95). A não proximidade espacial entre a amostra brasileira de escola particular

e a de escola pública (µ2 = 78), em princípio não esperada sendo crianças do mesmo país,

precisa ser melhor compreendida em estudos futuros precisando de análises qualitativas e

pormenorizadas das respostas aos itens separadamente. É interessante apontar a baixa

associação da amostra Quéchua com os dois grupos de crianças brasileiras (µ2 = 0,02 e 0,32

para as crianças de escolas públicas e particulares, respectivamente); com a amostra italiana a

associação foi mais alta com o escore recodificado (µ2 = 0,93) do que com o escore não

recodificado (µ2 = 0,68). Estas diferenças podem ser claramente visualizadas na Figura 1.

1 O SSA é um subgrupo de um conjunto de análises não métricas de dados, denominadas análises de escalonamento multidimensional (MDS), a partir do qual se retrata a estrutura de dados em uma projeção espacial. A representação da relação estatística de correlação dos dados neste método de escalonamento multidimensional mostra uma estrutura de correlações definindo regiões de contigüidade (Young, 1987). Esta análise constrói uma representação geométrica dos dados em um espaço Euclidiano. Assim, as variáveis são representadas graficamente como pontos em um espaço denominado de menores espaços. Os pontos representando variáveis neste espaço são localizados de tal maneira que, quanto maior a correlação entre duas variáveis, mais os pontos localizam-se próximos na projeção (Guttman, 1965; Young, 1987). A projeção SSA apresentada a seguir foi derivada a partir de uma matriz de inter-correlação utilizando o Coeficiente de Monoticidade Fraco (Weak Monotonicity Coefficient, designado como µ2). O coeficiente de monoticidade é um coeficiente de associação não-paramétrico desenvolvido por Guttman (1986) e que expressa em que medida o tipo de resposta em um item aumenta numa determinada direção como resposta ao aumento à um outro item, sem assumir que este aumento seja linear. De forma similar ao coeficiente de correlação ele varia de -1 e +1.

Page 14: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1792

Brasil Escola Particular

*

Inglaterra

* Itália

* Itália Recodificada

* Quechua

Brasil Escola Pública *

Figura 1. Análise SSA da inter-relação entre a amostra inglesa (Pons et al., 2004), italiana (Molina & Di Chiacchio, 2008; original e recodificada), quéchua (Tenenbaum et al., 2004) e brasileira (escola particular e

pública) tendo como base as ordenações dos nove componentes do TEC

Discussão e Conclusão

O processo de tradução, adaptação e validação de um instrumento para ser usado em outra

cultura deve levar em consideração a diversidade contextual e rigor no cuidado metodológico. A

adaptação transcultural do Test of Emotion Comprehension (TEC) almeja conseguir

correspondência máxima entre o teste original e a tradução em diversos idiomas. O TEC até o

momento tem sido traduzido em mais de 15 idiomas, além da versão original em inglês e a

versão em português aqui apresentada: alemão, árabe (do Líbano), catalão, chinês, dinamarquês,

fongbé (do Benin), francês, grego, holandês, islandês, italiano, norueguês, quéchua (do Peru),

espanhol e turco.

Este estudo apresentou os resultados preliminares do processo de validação para o

português, comparando as similaridades e diferenças das respostas ao TEC dadas pelas crianças

britânicas, italianas, quéchuas e brasileiras de escolas públicas e particulares.

Em geral, ocorreram diversas similaridades nas respostas das crianças brasileiras e as

demais amostras, embora a amostra de crianças de escolas públicas tenha apresentado

discrepâncias marcadas em quatro dos nove componentes do TEC quando comparada com

amostras britânicas. A discrepância foi maior no componente I (Reconhecimento) e no

Page 15: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1793

componente IV (Crenças). No exemplo do componente I, as crianças de escolas públicas de 9 e

12 anos tiveram menos sucesso no reconhecimento das expressões faciais das emoções do que

as demais amostras. No componente IV as crianças de escolas particulares foram as que

apresentaram menos sucesso, porém ao comparar os resultados brasileiros com a amostra

italiana verificou-se similaridade com os resultados obtidos por esta amostra antes da

recodificação, este resultado aponta para a necessidade de recodificar o componente a

semelhança do que ocorreu na Itália. Finalmente observou-se que as crianças brasileiras de

escolas particulares obtiveram melhores resultados do que as de escolas públicas. De modo

geral há uma maior similaridade entre as respostas da amostra italiana com a brasileira, do que a

brasileira com a britânica, entretanto as crianças quéchuas tiveram o menor percentual de

identificação das emoções. Assim percebe-se a consistência da identificação das emoções nas

diversas culturas, mas ocorre variação na sincronia da identificação e a idade, conforme

Tenenbaum et al. (2004) diferenças educacionais e culturais contribuem com esta divergência.

O estudo de validação prossegue mediante a busca por parâmetros psicométricos de

validade e fidedignidade, assim como pela normatização quanto às variáveis escolaridade e

idade, valorizando os resultados preliminares ora apresentados. A preocupação para consolidar

as características psicométricas do TEC a partir desta nossa amostra inicial, conjuntamente com

outras pesquisas em andamento, se constituem em uma base importante para o seu uso futuro

em pesquisas tanto na área evolutiva como também na área clínica e educacional.

Referências

Arsenio, W. & Lover. A. (1999). Children’s conceptions of sociomoral affect: Happy victimizers, mixed

emotions, and other expectancies. New York: Cambridge University Press.

Bradmetz, J. & Schneider, R. (1999). Is Little Red Riding Hood afraid of her grandmother? Cognitive vs.

emotional response to a false belief. British Journal of Developmental Psychology, 17, 501-514.

Brown, J. R. & Dunn, J. (1996). Continuities in emotion understanding from three to six years. Child

Development, 67, 789 – 802.

Denham, S. (1986). Social cognition, prosocial behavior, and emotion in preschoolers: Contextual

validation. Child Development, 57, 194–201.

Fonagy, P., Redfern, S., & Charman, T. (1997). The relationship between belief – desire reasoning and a

projective measure of attachment security (SAT). British Journal of Developmental Psychology,

15, 51-61.

Guttman, L. (1986). Coefficients of Polytonicity and Monotoconicity. Encyclopedia of Statistical

Sciences. New York: John Wiley & Sons, Inc. 7: 80-87.

Guttman, L. (1965). A General non-metric technique for finding the smallest co-ordinate space for a

configuration. Psychometrika, 33, 469-506.

Page 16: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1794

Hadwin, J., & Perner, J. (1991). Pleased and surprised: Children’s cognitive theory of emotion. British

Journal of Developmental Psychology, 9, 215 – 234.

Harris, P. L., & Lipian, M. (1989). Understanding emotion and experiencing emotion. In C. Saarni & P.

Harris (Orgs.), Children’s understanding of emotion (pp. 241 – 258). New York: Cambridge

University Press.

Harris, P. L. (1983). Children’s understanding of the link between situation and emotion. Journal of

Experimental Child Psychology, 36, 1 – 20.

Harris, P. L., Donnelly, K., Guz, G., & Pitt-Watson, R. (1986). Children’s understanding of the distinction

between real and apparent emotion, Child Development, 57, 895 – 909.

Harris, P. L., Johnson, C., Hutton, D., Andrews, G., & Cooke, T. (1989). Young children’s theory of mind

and emotion. Cognition & Emotion, 3, 379 – 400.

Harris, P. L. (1989). Children and emotion: The development of psychological understanding. Oxford:

Blackwell.

Harris, P. L., de Rosnay, M., & Pons, F. (2005). Language and children’s understanding of mental states.

Current Directions in Psychological Science, 14(1), 69-73.

Harris, P. L., Olthof, T., & Meerum Terwogt, M. (1981). Children’s knowledge of emotion. Journal of

Child Psychology & Psychiatry, 22, 247–261.

Harter, S., & Whitesell, N. (1989). Developmental changes in children’s emotion concepts. In C. Saarni &

P. L. Harris (Orgs.), Children’s understanding of emotions (pp. 81–116). New York: Cambridge

University Press.

Hughes, C., & Dunn, J. (1998). Understanding mind and emotion: Longitudinal associations with mental-

state talk between young friends. Developmental Psychology, 34, 1026–1037.

Jones, D. C., Abbey, B. B., & Cumberland, A. (1998). The development of display rule knowledge:

Linkages with family expressiveness and social competence. Child Development, 69, 1209–1222.

Joshi, M., & MacLean, M. (1994). Indian and English children’s understanding of the distinction between

real and apparent emotion. Child Development, 65, 1372–1384.

Lagattuta, K., & Wellman, H. (2001). Thinking about the past: Early knowledge about links between prior

experience, thinking and emotion. Child Development, 72, 82–100.

Lagattuta, K., Wellman, H., & Flavell, J. (1997). Preschoolers’ understanding of the link between

thinking and feeling: Cognitive cueing and emotional change. Child Development, 68, 1081-1104.

Molina, P. & Di Chiacchio, C. (2008). La Standardizzazine Italiana. Em O. Albanese & P. Molina

(Orgs.), Lo sviluppo della comprensione delle emozioni e la sua valutazione (pp. 65-105). Milano:

Unicopli.

Nunner-Winkler, G., & Sodian, B. (1988). Children’s understanding of moral emotions. Child

Development, 59, 1323-1338.

Pons, F., & Harris, P. (2000). Test of Emotion Comprehension – TEC. Oxford: University of Oxford.

Rieffe, C., Meerum Terwogt, M. & Cowan, R. (2005). Children’s understanding of mental states as

causes of emotions. Infant & Child Development, 14, 259-272.

Page 17: Roazzi et al. 2008 - Compreensão das emoções em crianças: Estudo transcultural sobre a validação do Teste de Compreensão da Emoção TEC (Test of Emotion Comprehension).

XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos

1795

Tenenbaum, H. R., Visscher, P., Pons, F., & Harris, P. L. (2004). Emotional Understanding in Quechua

Children from an Agro-pastoralist Village. International Journal of Behavioral Development, 28,

471-478.

Young, F.W. (1987). Multidimensional scaling: History, theory and applications. Hillsdale, NJ: Erlbaum.

Yuill, N. (1984). Young children’s co-ordination of motive and outcome in judgments of satisfaction and

morality. British Journal of Developmental Psychology, 2, 73–81.