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Roda de Conversa: Mineração Documento Síntese Versão 1 (01.mai.2014) Local do Evento: Arete Centro de Estudos Helênicos (São Paulo) Data: 15 de abril de 2014 Horário: 10h00 13h00 Expositores: - Daniela Gomes Pinto : Geóloga pela Universidade de São Paulo (USP), jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London School of Economics. Atuou por 4 anos no Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (GVces) nos projetos Juruti Sustentável, Indicadores de Juruti e no Plano de Desenvolvimento Local para Jirau. Nos últimos dois anos coordenou o Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), sendo responsável pela produção do novo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) brasileiro. Atualmente, é coordenadora do Programa Desenvolvimento Local do GVces e do projeto de Monitoramento das Condicionantes da Hidrelétrica de Belo Monte. - Prof. Luiz Mello Médico pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com mestrado e doutorado em Biologia Molecular também pela Unifesp e Pós-Doutorado em Neurofisiologia na University of California (UCLA). Membro da Academia Brasileira de Ciências. Teve diversas posições de assessoria ou direção em agência de fomento (FAPESP e CNPq), organizações acadêmicas (Unifesp) e entidades científicas (FeSBE e SBPC). Desde 2009 trabalha na Vale, onde é Diretor de Tecnologia e Inovação e responsável pela implantação do Instituto Tecnológico Vale. - Luiz Fernando Visconti Graduado em Direito e Pós-graduado em Direito Empresarial pela PUC-SP, com especialização na área de direito minerário em diversas universidades internacionais. Atualmente, é sócio responsável pela área Mineração de TozziniFreire Advogados. Tem também profunda expertise nas áreas de contencioso administrativo (regulatório DNPM), contencioso judicial e arbitragem, atuando em disputas judiciais de grande repercussão envolvendo companhias nacionais e internacionais. Dentre algumas das organizações que faz parte, estão: Rocky Mountain Mineral Law Foundation, Mining Committee Law Firm Management Committee e Litigation Committee da International Bar Association, Comitê Jurídico da Associação Brasileiras das Empresas de Pesquisa Mineral, Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Mineração e outras. - Marcelo Lomelino Advogado formado pela PUC-SP, com diversos cursos em Relações do Trabalho, Relações Sindicais, Gestão de Pessoas, Comunicação, Psicologia, entre outros. Atualmente, faz estudos sobre Diálogo, Mediação e Construção de Consenso no Instituto Palas Athena e é sócio da Consultoria Nhanderú. Foi responsável por Relações Trabalhistas e Sindicais na Ultratec Engenharia e Petróleo, Sercorp (Grupo Ultra), Votorantim, Elma Chips e na ALCOA, onde adicionalmente gerenciava todas as iniciativas de Engajamento e Diversidade. Na ALCOA foi também Diretor de Assuntos Institucionais, responsável pela gestão das Áreas de Responsabilidade Social, Relações Governamentais, Comunicação Externa e Interna para a América Latina e Caribe. É Professor convidado dos cursos de “Sustentabilidade e

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Roda de Conversa: Mineração

Documento Síntese – Versão 1 (01.mai.2014)

Local do Evento: Arete – Centro de Estudos Helênicos (São Paulo)

Data: 15 de abril de 2014

Horário: 10h00 – 13h00

Expositores:

- Daniela Gomes Pinto: Geóloga pela Universidade de São Paulo (USP), jornalista pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente

pela London School of Economics. Atuou por 4 anos no Centro de Estudos em Sustentabilidade

da Fundação Getúlio Vargas (GVces) nos projetos Juruti Sustentável, Indicadores de Juruti e no

Plano de Desenvolvimento Local para Jirau. Nos últimos dois anos coordenou o Relatório de

Desenvolvimento Humano Nacional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), sendo responsável pela produção do novo Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal (IDHM) brasileiro. Atualmente, é coordenadora do Programa Desenvolvimento Local

do GVces e do projeto de Monitoramento das Condicionantes da Hidrelétrica de Belo Monte.

- Prof. Luiz Mello – Médico pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com mestrado e

doutorado em Biologia Molecular também pela Unifesp e Pós-Doutorado em Neurofisiologia

na University of California (UCLA). Membro da Academia Brasileira de Ciências. Teve diversas

posições de assessoria ou direção em agência de fomento (FAPESP e CNPq), organizações

acadêmicas (Unifesp) e entidades científicas (FeSBE e SBPC). Desde 2009 trabalha na Vale,

onde é Diretor de Tecnologia e Inovação e responsável pela implantação do Instituto

Tecnológico Vale.

- Luiz Fernando Visconti – Graduado em Direito e Pós-graduado em Direito Empresarial pela

PUC-SP, com especialização na área de direito minerário em diversas universidades

internacionais. Atualmente, é sócio responsável pela área Mineração de TozziniFreire

Advogados. Tem também profunda expertise nas áreas de contencioso administrativo

(regulatório DNPM), contencioso judicial e arbitragem, atuando em disputas judiciais de

grande repercussão envolvendo companhias nacionais e internacionais. Dentre algumas das

organizações que faz parte, estão: Rocky Mountain Mineral Law Foundation, Mining

Committee Law Firm Management Committee e Litigation Committee da International Bar

Association, Comitê Jurídico da Associação Brasileiras das Empresas de Pesquisa Mineral,

Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Mineração e outras.

- Marcelo Lomelino – Advogado formado pela PUC-SP, com diversos cursos em Relações do

Trabalho, Relações Sindicais, Gestão de Pessoas, Comunicação, Psicologia, entre outros.

Atualmente, faz estudos sobre Diálogo, Mediação e Construção de Consenso no Instituto Palas

Athena e é sócio da Consultoria Nhanderú. Foi responsável por Relações Trabalhistas e

Sindicais na Ultratec Engenharia e Petróleo, Sercorp (Grupo Ultra), Votorantim, Elma Chips e

na ALCOA, onde adicionalmente gerenciava todas as iniciativas de Engajamento e Diversidade.

Na ALCOA foi também Diretor de Assuntos Institucionais, responsável pela gestão das Áreas de

Responsabilidade Social, Relações Governamentais, Comunicação Externa e Interna para a

América Latina e Caribe. É Professor convidado dos cursos de “Sustentabilidade e

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Responsabilidade Social” e “Gestão do Terceiro Setor”, no Programa GVPEC da FGV e do curso

de “Gestão da Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa” do Instituto de Economia da

UNICAMP, onde ministra aulas sobre Gestão de Pessoas.

- Raul Telles do Valle - advogado e Mestre em Direito Econômico pela USP, trabalha no

Instituto Socioambiental desde 2000, onde ocupa hoje o cargo de Coordenador de Política e

Direito.

Mediador:

- João Paulo Capobianco: presidente e membro do Conselho Diretor do Instituto Democracia e

Sustentabilidade (IDS).

Presentes:

Equipe do IDS: Daniela Ades, Fabio de Almeida Pinto, Felipe Staniscia e Juliana Cibim.

Convidados Presentes:

- Raquel Rosemberg.

INTRODUÇÃO

O Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS promoveu, no dia 15 de abril de 2014, a Roda

de Conversa sobre Mineração, visando subsidiar a construção de diretrizes e propostas no

âmbito do eixo “Economia para uma Sociedade Sustentável”, da Plataforma Brasil Democrático

e Sustentável. O evento, mediado por João Paulo Capobianco, presidente e conselheiro do IDS,

contou com exposições de Daniela Gomes Pinto, coordenadora do programa de

desenvolvimento local do GVces, Prof Luiz Mello, diretor do Instituto Tecnológico Vale, Luiz

Fernando Visconti, responsável pela área de mineração do TozziniFreire Advogados, Marcelo

Lomelino, sócio da Nhanderú Consultoria e ex-diretor de Assuntos Institucionais da ALCOA, e

Raul Tellos do Valle, coordenador de política e direito socioambiental do Instituto

Socioambiental (ISA). Também participaram do debate a equipe do IDS e convidados.

O tema mostra-se de vital importância, diante do longo processo em curso para definição de

um novo marco legal para a atividade, cuja participação na economia nacional é de grande

relevância, tal qual relevante é a produção brasileira em relação ao mercado mundial. Visando

estabelecer um pano de fundo para a discussão, o IDS disponibilizou um dos textos resultantes

da parceria entre o Instituto e a Revista Página22, cujo foco foi uma análise do Projeto de Lei

proposto pelo Governo, bem como os principais negligenciados na discussão deste novo

arcabouço legal para o setor. O texto, elaborado pelo jornalista Fábio de Castro, com

ilustrações de Amanda Abad, foi publicado na edição 77 da Página22, referente ao mês de

agosto de 2013.

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Urgente pra quem?

Em junho, o novo Código de Mineração foi encaminhado em regime de urgência ao Congresso

Nacional. Para representantes da sociedade civil, o novo marco legal, concebido sem diálogo

público, ignora os impactos sociais e ambientais da atividade.

POR FÁBIO DE CASTRO FOTOS AMANDA ABAD

Um dos segmentos que mais crescem no mundo, a indústria da mineração está em franca

expansão no Brasil. O governo federal prevê que até 2030 as atividades do setor vão no

mínimo triplicar, ou até quintuplicar. A atividade mineradora, porém, é regida por um marco

legal obsoleto e não dá à sociedade um retorno compatível com suas agigantadas dimensões.

Assim, o Executivo encaminhou ao Congresso, em junho de 2013, o projeto de um novo Código

de Mineração, que deverá substituir a legislação atual, instituída em 1967, modernizando as

relações entre governo e empresas. O projeto, no entanto, é severamente criticado, por não

trazer avanços em relação aos impactos socioambientais – efeitos colaterais da mineração,

que deverão se tornar cada vez mais dramáticos em um cenário de crescimento vertiginoso do

setor.

A necessidade de substituição do atual marco legal é praticamente consenso. A nova legislação

deverá aumentar a arrecadação de royalties, democratizar e desburocratizar os processos de

concessão e fortalecer o papel regulador do Estado. Apesar disso, mais de 80 organizações,

movimentos sociais e partidos assinaram o manifesto “Código da Mineração, urgência não!”,

divulgado no início de julho. Raul do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), um dos

signatários do manifesto, afirma que a principal preocupação no momento é reverter a decisão

de enviar o projeto ao Congresso em regime de urgência.

O governo alega, em documentos oficiais divulgados no site do Ministério de Minas e Energia

(MME), que o projeto vem sendo discutido com a sociedade desde 2009. Mas, de acordo com

Valle, esse debate só envolveu os ministérios e as empresas do setor mineral. “Depois de

quatro anos de conversas internas e sigilosas com as empresas, o governo quer dar à

sociedade apenas 90 dias de discussão pública. Isso não é razoável. Há questões complexas e

importantes, como os direitos das populações afetadas, que nem sequer foram mencionadas.

O regime de urgência impossibilitará um debate de qualidade”, diz. O MME e a Secretaria de

Geologia, Mineração e Transformação Mineral foram procurados insistentemente pela

reportagem da Página22, mas não se pronunciaram até o fechamento.

Apesar da omissão em relação a aspectos sociais e ambientais, Valle afirma que a necessidade

de modernização da legislação é um consenso. Segundo ele, não se trata de combater o

projeto em si, mas de derrubar o regime de urgência para proporcionar um debate que atenda

aos anseios da sociedade. “O projeto tem muitos pontos positivos – trata de prazos, licitações,

alíquotas de royalties, direitos e deveres das empresas e do governo –, mas silencia sobre

milhares de comunidades que sofrem impactos severos da atividade mineradora”, afirma.

O reajuste dos royalties da mineração é uma das principais mudanças previstas no novo

código. O governo quer estabelecer teto de 4% nas alíquotas que incidam no faturamento

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bruto das empresas. Atualmente, incidem no faturamento líquido e variam de 0,2% a 3%,

dependendo do tipo de minério.

Para efeito de comparação, o petróleo – que, como os demais minérios, pertence ao Estado

brasileiro – tem alíquotas que chegam a 10% do faturamento bruto. Com isso, em 2010, foram

arrecadados R$ 20,8 bilhões em royalties e compensação financeira do petróleo. Enquanto

isso, a mineração, que tem faturamento líquido maior, recolheu só R$ 1,08 bilhão. Além disso,

enquanto o petróleo é extraído em maior parte para consumo interno, 75% do minério de

ferro é exportado – isto é, o principal produto da mineração brasileira é beneficiado com a

isenção de ICMS, o que reduz sua contribuição para a sociedade.

Outra diferença essencial é que a exploração do petróleo é feita a partir de concessões

estabelecidas em leilões públicos internacionais. “Na mineração, não temos um sistema

republicano. Qualquer pessoa ou empresa pode fazer a requisição de pesquisa e lavra. O novo

código introduz assegura de concessão de exploração mediante licitação pública”, afirmou

Valle. Uma vez realizada a licitação, a empresa vencedora recebe um título único para

concessão de pesquisa e lavra. Atualmente não há prazo estabelecido para a licença, mas no

novo código o concessionário terá um prazo de 40 anos, renovável por mais 20, podendo ser

prorrogados sucessivamente. O ganhador da licença também será obrigado a realizar

investimentos mínimos na área concedida.

Além do reajuste dos royalties e da introdução das licitações públicas, o projeto também prevê

uma modificação institucional: o Departamento Nacional de Produção Mineral será convertido

em uma agência reguladora e será criado o Conselho Nacional de Política Mineral, nos moldes

do setor energético.

OS IMPACTADOS

Os avanços propostos são importantes, mas são insuficientes, de acordo com Valle. “Temos

um problema gravíssimo no sistema legal, que é a subavaliação dos impactados pela

mineração. Essas populações são tratadas como cidadãos de segunda classe e os impactos

avaliados somente do ponto de vista técnico”, disse. Segundo ele, seria preciso estabelecer

critérios para identificar essas comunidades e lhes dar alguma forma de compensação

financeira.

Problemas complexos relacionados à contaminação das águas superficiais, que penalizam as

comunidades ribeirinhas, também foram deixados de fora do novo código. “Estamos

defendendo que a nova lei, como acontece em outros países, preveja um zoneamento

ecológico mineral. Precisamos de princípios gerais que estabeleçam onde a atividade pode ser

exercida, preservando mananciais, quilombos, áreas prioritárias de conservação e assim por

diante”, defende.

Também contrário ao regime de urgência na votação do projeto, o ex-deputado federal José

Fernando Aparecido de Oliveira (PV-MG) acredita que o texto do novo código foi concebido

para agradar as empresas mineradoras. O projeto estabelece a obrigação do minerador de

recuperar a área minerada, mas não determina punições nem exige garantias. Também não

deixa claro a obrigação de mitigar os impactos socioambientais e indenizar as comunidades

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afetadas. Os proprietários dos imóveis diretamente impactados pela mineração receberão 20%

do valor arrecadado com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais

(CFEM), mas o benefício não alcança os posseiros e a população atingida de forma indireta. “É

gravíssimo que o projeto não toque em questões socioambientais”, diz.

Segundo ele, um exemplo da magnitude do problema é a construção do mineroduto com mais

de 500 quilômetros – o maior do mundo – ligando Minas Gerais ao Rio de Janeiro. “O projeto,

definido como ‘de utilidade pública’ pelo governo mineiro, foi vendido para a Anglo American,

com uso gratuito da água, e está sendo questionado pelo Ministério Público por uma série de

aspectos relacionados ao licenciamento”, diz Oliveira. O novo código, segundo ele, não

contribui para evitar esse tipo de problema. “O projeto enviado ao Congresso não tem uma só

linha sobre política de recursos hídricos para uso de água no transporte e beneficiamento de

minérios”, diz. Procurada pela reportagem, a Anglo American preferiu não se pronunciar.

“A política mineral tem sido tratada em terceiro plano pelo governo federal e o governo

mineiro se omite completamente em relação ao código”, declarou Oliveira. Segundo ele, o

estado de Minas Gerais detém mais da metade da produção mineral brasileira e 70% da

exploração do minério de ferro , que é o carro-chefe do setor no Brasil. “Os lucros das

empresas hoje são gigantescos, mas não se pensa em uma cadeia produtiva de agregação de

valor.Tudo isso beneficia muito pouco o País. Hoje, no Norte de Minas Gerais, por exemplo,

podemos dizer que o subsolo pertence a empresas da China.” A reportagem procurou

repetidamente ouvir o setor empresarial, representado pelo Instituto Brasileiro de Mineração

(Ibram), mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Com o lançamento do Plano Nacional de Mineração 2030, em fevereiro de 2011, os pedidos de

concessão de lavra pararam de ser atendidos, a _m de que em alguns meses fossem incluídos

já nas regras do novo código. “Com esse represamento de pedidos, a pressão das empresas é

grande e esse é o álibi para que o governo apresente o projeto em regime de urgência. Não

seria preciso urgência – bastaria incluir uma cláusula determinando retroatividade do novo

código para inscrições feitas até certo momento”, explica Oliveira. Com o regime de urgência,

segundo ele, o debate público ficará impossibilitado.

EXPANSÃO AMAZÔNICA

Se Minas Gerais concentra hoje as atividades de mineração no Brasil, a Amazônia é o principal

foco de expansão dos negócios no setor. Os investimentos de R$ 350 bilhões previstos pelo

Plano de Mineração até 2030 são destinados prioritariamente à Região Amazônica. Ali,

tornam-se ainda mais dramáticas as pressões ambientais e sociais que preocupam os críticos

do novo código.

De acordo com o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, responsável pelo Jornal Pessoal, de

Belém, o marco legal atualmente em vigor foi concebido em um contexto de estímulo para a

ocupação da Amazônia. O código foi instituído em 1967, dois anos após a descoberta da jazida

de Carajás e uma década depois das primeiras atividades de lavra de minério na Amazônia – o

manganês no Amapá. A partir daí, o Pará, que se limitava à garimpagem do ouro, tornou-se o

segundo maior produtor mineral do Brasil.

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“O código em vigor tem uma filosofia desenvolvimentista, sem nenhum condicionante

ambiental e sem preocupação com a regulamentação da atividade. Ele fez do requerimento de

lavras um processo espúrio, no qual ganhava o primeiro a chegar. A irracionalidade

preponderava”, declara Lúcio Flávio. Segundo ele, desse ponto de vista, a introdução das

licitações é um grande avanço do novo código, assim como a declaração de caducidade da

lavra – que deverá impedir transações políticas e comerciais que visam perpetuar as

concessões e criar monopólios.

“Mas, do ponto de vista social e ambiental, o novo código traz grandes problemas”, disse Lúcio

Flávio. Na Amazônia, uma lacuna específica do novo código ganha contornos mais graves: a

questão da mineração em Terras Indígenas. “Até hoje não se tem uma definição clara sobre a

legalidade de minerar nessas áreas. Também não se definiu qual o poder decisório dos índios.

A posição dominante é que o índio tem direito a royalties e indenização, mas não tem poder

decisório, muito menos operacional.” Um dos problemas mais preocupantes do novo código,

no entanto, é a questão da extinção de jazidas. “As mineradoras passam todo o tempo da vida

útil da jazida formando um fundo de exaustão, para recuperar o local após o uso. Mas as

exigências são tão fluidas e frágeis que, na prática, não há recomposição da paisagem”, diz.

O exemplo mais gritante desse problema, segundo Lúcio Flávio, é o caso da Serra do Navio, no

Amapá – a mais rica jazida de manganês do planeta. “A empresa (Icomi, já extinta) teve a

concessão por 50 anos, mas antes disso houve exaustão e não houve a recomposição da

paisagem. Não _caram apenas todos os buracos, mas também grandes quantidades de lixo

industrial e resíduos de arsênio, substância letal produzida por uma experiência pioneira de

pelotização de manganês”, afirma. Os resíduos, em região próxima a Macapá, afetaram 2 mil

pessoas. “O índice de câncer nessa população é um caso de calamidade pública”, ressalta Lúcio

Flávio.

Em geral, quando uma jazida se esgota, as populações locais ficam inteiramente abandonadas.

“Isso se explica pelo fato de que hoje o minério de ferro, ao lado da soja, é o maior produto de

exportação do Brasil. Nunca um mineral teve tanto peso na economia brasileira, com exceção

do ouro no século XVIII”, diz.

Aumentar os royalties sem discutir participação nos lucros, de acordo com Lúcio Flávio,

relativiza os benefícios da atividade mineradora para o País. A proposta do Executivo é que as

alíquotas hoje incidentes sobre o faturamento líquido passem a ser calculadas sobre o

faturamento bruto das empresas. Mas, para ele, ainda assim, a participação nos lucros _cará

limitada, já que boa parte dos minérios tem seu valor calculado pelo custo de extração na boca

da mina, sem valor agregado. “Os royalties serão calculados a partir do faturamento bruto da

produção. Mas seria preciso também garantir uma participação a ser calculada sobre o lucro

líquido”, propõe.

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PARTE I – Exposições Luiz Fernando Visconti

Luiz Fernando Visconti inicia sua exposição apresentando alguns números do setor minerário

no Brasil. No país, entre 1,0% a 1,5% dos potenciais minerários se converteram em projeto,

enquanto que, em âmbito global, esse número é próximo a 0,1%. A mineração representa hoje

4% a 5% do PIB e é responsável por um valor entre 20% a 25% de nossas exportações.

Entretanto, o cenário de crescimento da produção nacional que prevaleceu até 2011, se

reverteu em queda nos anos de 2012, 2013 e nas estimativas para 2014.

Esta inflexão é resultado, em grande parte, da suspensão nas concessões de autorizações de

pesquisas e portarias de lavras pelo Ministério de Minas e Energia e pelo Departamento

Nacional de Produção Mineral (DNPM) a partir de novembro de 2011, sob impacto da

intensificação das discussões sobre o novo marco regulatório. Como não há prerrogativa legal

para tal “moratória” há um número crescente de ações judiciais solicitando tais direitos,

aumentando a insegurança jurídica já existente. Adicionalmente, como a produção é medida

em termos financeiros e a pauta da exportação é de grande relevância para o setor, a

desvalorização de algumas commodities minerais no mercado internacional também impactou

na piora do resultado do país nesta área.

Em relação ao novo marco civil, são intensas as discussões, desde quando Dilma Roussef

ocupada o cargo de Ministra de Minas e Energia. Entretanto, essas discussões ocorriam em

âmbito interno. Só em 2013, o Governo Federal passou a chamar alguns representantes do

setor para discutir, quando projeto já estava pronto e prestes a ser votado no Congresso.

Originalmente, o novo código teria 3 pilares centrais: (i) extinção da MPM e criação da agência

reguladora; (ii) alteração na Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais

(CFEM); e (iii) o código de mineração propriamente dito, em substituição do atual, baseado em

um decreto-lei de 1967. Tudo isso com um prazo muito reduzido para ser discutido com

representantes do setor e da sociedade civil.

O Projeto de Lei nºxxxx, apresentado pelo governo, tem como diretrizes o incentivo à

produção nacional, o estímulo à concorrência, o desenvolvimento da indústria mineral, a

participação do setor privado e o fomento à pesquisa, inovação e agregação de valor. Porém,

na opinião do expositor, o corpo do projeto não tem nenhuma relação com tais diretrizes.

Em relação à CFEM, a alteração proposta consiste na alteração do teto, de 3% para 4%,

deixando, que incidiria sobre o faturamento bruto e não mais sobre o faturamento líquido.

A exposição da professora inicia-se com a consideração de que a infraestrutura deve ser vista a

partir do forte potencial transformador que possui, estando, portanto, intrinsecamente ligada

ao desenvolvimento de qualquer localidade. A infraestrutura logística, por exemplo,

materializada para construção de rodovias, portos e aeroportos, entre outros, tem forte papel

de reestruturação do espaço.

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No Brasil, diante de suas dimensões continentais e das desigualdades estruturais entre as

regiões, esse papel de ordenação territorial ganha ainda mais destaque. Atualmente, cerca de

metade do território nacional tem deficiência marcante de infraestrutura. Por outro lado, cada

vez que é dado um passo para suprir essa demanda em regiões não densamente ocupadas, são

provocados impactos violentos. A região amazônica reflete claramente este dilema.

A situação torna-se ainda mais crítica em função da falta de planejamento, ou de sua má

qualidade. Prevalecem planos de curto ou curtíssimo prazo, em detrimento de um projeto de

Estado que supere o prazo de mandatos governamentais. Por conta desse planejamento

limitado, não se pensa o desenvolvimento das regiões segundo suas potencialidades e

necessidades específicas, intensificando fluxos entre regiões e aumentando a pegada de

carbono da atividade econômica.

O escasso planejamento de médio e longo prazos, quando ocorre, se dá em forma de

programação orçamentária, e não de planos de desenvolvimento integrados. A própria falta

de planejamento, entretanto, acaba por impactar frequentemente o custo e prazo dos

projetos. Medidas de controle de impacto ambiental, por exemplo, são tomadas segundo

necessidades do decorrer do desenvolvimento do projeto. O país não tem capacidade de

estabelecer uma meta, acompanhada de um planejamento de médio e longo prazos, que,

evidentemente, sofra ajustes anuais, mas sem perder de vista seu destino.

Um importante instrumento que poderia contribuir com esse processo, a Avaliação Ambiental

Estratégica, cuja concepção supõe seu uso para políticas públicas, vem sendo aplicada ao nível

de projetos. Hoje, as grandes obras da Amazônia são consideradas de forma individual, e não

em conjunto, num contexto de planejamento de desenvolvimento regional.

Bruno Werneck

O advogado Bruno Werneck inicia sua exposição ressaltando que, realmente, o resultado do

país nos rankings globais de infraestrutura é sofrível, porém alinhado ao desempenho do país

em muitas outras áreas, como saúde, educação e segurança. Segundo ele, este processo indica

um problema estrutural, que passa pelo fato de que o Estado atrai cada vez menos pessoas

competentes, dispostas e bem intencionadas, seja pela corrupção, seja pela atuação que

qualifica como “terrorista” de instituições do Estado, como o Ministério Público e os Tribunais

de Contas, colocando pessoas bem intencionadas no mesmo patamar que infratores.

No que tange à execução dos planos, não é viável que exista uma centralização tão grande no

Governo Federal, sobretudo quando este governo está inchado e tem grande rotatividade em

decorrência de interesses políticos. Um exemplo desta ineficiência era o plano de ampliação

do sistema ferroviário no Brasil, umas das bandeiras iniciais do Governo Dilma, mas para o

qual jamais houve estudos econômicos, de impacto ambiental, etc. E os processos de licitação

querem empurrar esse ônus ao setor privado empreendedor, a partir de processos que

oferecem processos precários ou sequer os oferecem, e que, portanto, resultam em aumento

de valor ou prazo previstos.

Por vezes, essa falta de planejamento e estudos adequados leva a uma discussão sem fim

durante a obra, inclusive questionando se o empreendimento deveria estar em curso ou não,

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com mais desperdício de recursos públicos. Os processos judiciais com prazos elevados

também impactam negativamente neste cenário. A própria centralização excessiva do

planejamento inviabiliza que iniciativas do setor privado sejam implantadas em prazos

razoáveis, seguindo a demanda do mercado e com maior eficiência.

Em relação aos modelos de desenvolvimento de projetos de infraestrutura no Brasil, Bruno

Werneck acredita que as Parcerias Público-Privadas (PPPs) são a melhor alternativa. Quando a

participação do setor privado se dá através dos mecanismos de licitação previstos na Lei

Federal nº 8.666/93, que adota o menor preço como único elemento de decisão, são comuns

aditamentos que elevam o custo e aumentam o prazo, incorridos pelo setor público. No caso

de concessões e PPPs isso não ocorre, pois o executor compartilha o risco no longo prazo,

comprometido com a duração e qualidade da obra.

O Estado não deve garantir o retorno da iniciativa privada, mas oferecer oportunidades de

risco e retorno plausíveis. Uma tarifa menor, necessariamente vem acompanhada de menores

riscos ao setor privado, e vice-versa. Atualmente, sobram recursos para serem investidos em

infraestrutura, mas o BNDES acaba sendo importante diante da forte intervenção

governamental e insegurança jurídica existentes. Ademais, não se permite que receitas sejam

atreladas ao câmbio, de forma que não se abrem possibilidades de financiamento estrangeiro.

Assim, diante dos entraves do setor, o BNDES acaba sendo um agente financiador a juros

negativos, usando-se de dinheiro público.

A falta de investimentos estratégicos em setores como o de energia, com ponderação do fator

ambiental, bem como um processo de regulação setorial menos burocratizado, leva a

situações como a escassez, aumento do vertiginoso do custo para o consumidor e não

proposição de alternativas para os contestados projetos do Governo Federal.

Por fim, o expositor considera que o país deve ser mais intolerante com usos ineficientes de

recursos públicos e atos ilícitos. A incoerência do poder público materializa-se por um

intervencionismo elevado nas decisões de projetos, ao mesmo tempo em que cargos técnicos

são ocupados por pessoas com interesses diversos e perfil iminentemente político.

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PARTE II – Debate

O mediador, João Paulo Capobianco, ressalta ponto destacado por ambos debatedores, a

respeito da incapacidade do Estado de planejar e estabelecer prioridades na relação

investimento/infraestrutura, minimizando os inevitáveis impactos negativos e maximizando os

benefícios. Não se trata de discutir se é melhor o Estado mínimo ou o Estado intervencionista,

mas, segundo fala de Marina Silva, discutir o Estado necessário, mobilizador das diversas

competências dispersas competências disponíveis em uma sociedade em torno de um

planejamento.

Um grande exemplo de tentativa de planejamento e mobilização é o projeto de expansão da

BR-163, no trecho Cuiabá-Santarém. Setores privados diziam-se muito interessados em fazer a

obra, sem necessidade de recursos públicos, com o argumento de que melhoraria a logística

para áreas produtivas agrícolas na região. Quando o Governo, através de uma ampla

articulação interministerial e com os poderes públicos estaduais e municipais envolvidos,

conduziu um amplo programa de consolidação de áreas protegidas e proteção da agricultura

familiar na região, o que levou o projeto a uma duração muito superior ao esperado e a um

custo mais alto, porém que era necessário para garantir a mitigação de potenciais impactos

socioambientais negativos que se observa em tantos projetos rodoviários na Amazônia. A

partir disso, o setor privado desistiu de desenvolver o projeto, demonstrando que havia um

forte interesse velado de ocupação da região por grandes produtores, dada a aptidão da

região e as características de concentração de pequenos produtores.

Neli de Mello-Thiery destaca, no projeto da BR-163, seu potencial de reorganização espacial e,

portanto, a necessidade do referido plano de ação para regularização fundiária, terras

indígenas e Unidades de Convervação. Esperava-se que sua melhoria resolvesse um problema,

sobretudo, para os produtores de soja do Mato Grosso, que escoavam a produção através do

Porto de Santos e passariam a escoá-la pelo Porto de Santarém, esse era o primeiro aspecto do

projeto. Havia, entretanto, este segundo aspecto, representado pela valorização econômica

das terras na região. No processo inicial, somente a expectativa de que o projeto se

concretizasse, já elevou o preço das terras à beira da rodovia. Pequenos produtores passaram

a pedir que o IBAMA os multasse, para comprovar a posse da terra e poder negociá-la com

grandes produtores.

O Estado deve ter capacidade de traçar a estratégia e de acompanhar, controlar e monitorar o

projeto. A execução deve ser destinada a quem sabe fazê-la, que é o setor privado. Não se

podem alçar projetos ao nível de políticas públicas. Entretanto o Estado brasileiro não se

mostra capacitato a esse planejamento. Quando tal projeto saiu do Ministério do Meio

Ambiente e passou ao Ministério do Planejamento, praticamente foi parado. Portanto, essas

instâncias devem estar aptas a realizar esse papel, de forma que o estado se concentre em

pensar o desenvolvimento do país, enquanto que o setor privado participa da execução.

João Paulo Capobianco, no papel de mediador, pede a Bruno Werneck que trate também da

questão da função do BNDES e dos limites que deveriam haver à sua atuação, tendo em conta

o uso de recursos públicos por este agente em empreendimentos de pouca atratividade

econômico-financeira.

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Bruno Werneck pondera que, de fato, o BNDES está presente de forma intensa em muitos

setores, como óleo, gás, mineração, entre outros, também impactado pela inviabilidade de

captações estrangeiras pelo fato de a receita ser obrigatoriamente vinculada à moeda

nacional. Há algumas possibilidades de captação via mercado, como debêntures, cuja

expansão passa pela manutenção da taxa básica de juros em padrões reduzidos, além de

fundamentadas em bons projetos. Os fundos de pensão, por sua vez, não devem ser incitados

politicamente a financiar infraestrutura, pois se os projetos forem bons e apresentarem uma

relação entre risco e retorno apropriada, este o fará naturalmente.

No campo das PPPs e concessões, o país precisa passar uma postura de seriedade e

responsabilidade, para que o setor privado perca o medo de inadimplência de obrigações do

Estado. O BNDES acaba estando demasiado presente em função dos risgos regulatórios e dos

riscos cambiais. Seus recursos deveriam, opositoriamente, ser direcionados a projetos de

impacto socioambiental positivo, de fomento a pequenas e médias empresas, pequenos

produtores rurais que não conseguem acesso a crédito, etc. E os projetos de infraestrutura

com participação do setor privado devem ser estruturados para participação de grupos de

investidores independentes, evitando casos como o da BR-163.

A contribuição de melhoria, mecanismo previsto no arcabouço legal brasileiro, poderia ser

utilizada para compensar ganhos privados por investimentos iminentemente estatais. No caso

da BR-163, aqueles que possuem a terra poderiam pagar, de alguma forma, eventualmente no

ato da venda, pelo aumento de valor decorrente da duplicação da estrada.

A economia para uma sociedade sustentável passa por educação e gasto público eficiente,

direcionado. Os investimentos do BNDES na política de “campeãs nacionais” representam o

oposto. Nos Estados Unidos, por exemplo, qualquer norma aprovada pelo governo tem que

ser precedida de um estudo de uma análise custo benefício, envolvendo aspectos

socioambientais, tangíveis e intangíveis. A racionalidade do gasto público deve ser estimulada,

valorizada e cobrada incessantemente pela sociedade.

João Paulo Capobianco reforça a discussão sobre a participação da iniciativa privada. Dada a

incapacidade do poder público de planejar e, mais especificamente, as frequentes licitações de

projetos com sem uma análise consistente de viabilidade econômica, ambiental e social, o

mediador questiona como os expositores vêem a inserção do setor privado nesta fase de

preparação dos projetos, como no caso das hidroelétricas do Rio Madeira, onde foram

projetadas por empresas privadas e oferecidas ao poder público. Nestes casos, há riscos de

deformação do projeto?

Bruno Werneck considera que, em um modelo ideal, talvez o melhor fosse um menor

envolvimento do setor privado nessa fase de planejamento, porém, dada a realidade do país,

esta se mostra importante. Talvez, a participação de diferentes agentes do setor privado

possa, inclusive, garantir maior número de alternativas para suprir demandas da sociedade

brasileira. O expositor demonstra ser a favor do mecanismo de Procedimento de Manifestação

de Interesse (PMI) e das PPPs, pois demandam do setor privado maior comprometimento com

o projeto, já que, nestes casos, as empresas são parte do empreendimento por um longo

período.

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Deve-se, ao mesmo tempo, desmistificar certa negatividade com a qual se vê o setor privado,

como se seus interesses fossem contrários aos da sociedade. Isso faz com que, por exemplo, o

Brasil ainda faça licitações pelo menor preço, enquanto deveria fazer por melhor técnica e

melhor custo. Por conta de casos de corrupção e desvio de dinheiro público, acaba-se punindo

todo o setor privado e, em consequência, minando projetos de boa qualidade. Outro exemplo:

no Brasil, quando uma empresa ganha um projeto, este provavelmente só se viabilize com os

financiamentos subsidiados do BNDES. Caso uma empresa não tenha acesso a recursos do

BNDES, ela nem entra na disputa, enquanto que, em outros países, a ganhadora tem um

tempo para a estruturação financeira, na qual, caso não obtenha sucesso, o processo é

repassado para a segunda colocada na disputa inicial.

Rodada de Participação dos Convidados

Juliana Cibim questiona os expositores a respeito da complexidade do arranjo institucional

ligado à implantação de projetos de infraestrutura, dado seu caráter multisetorial.

Adicionalmente, retoma-se o ponto da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), analisando sua

importância e tendo em conta a necessidade de articulação da participação do setor privado.

Fabio de Almeida Pinto coloca a questão da instabilidade jurídica dos contratos de concessão e

seu impacto nos investimentos em infraestrutura no Brasil, como no caso das distribuidoras de

energia ou rodovias que tiveram que brigar na justiça para fazer valer seu direito adquirido. O

segundo ponto levantado diz respeito à participação da iniciativa privada na fase de estudos,

bem como a possibilidade de o BNDES ou o poder público financiarem um amplo

planejamento, como a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), a partir da qual o setor privado

desenvolveria seus projetos.

Neli de Mello-Thiery concorda que arranjo institucional constitui-se grande desafio nos dias de

hoje, como novos atores surgindo constantemente. Nos tempos do Estado centralizado, essa

articulação era menos intensa, já que este detinha autoridade para o planejamento, execução

e operação. Assim, a expositora considera que a melhor forma de se abordar essa

complexidade é tratá-la tematicamente, e não mais setorialmente. Os projetos de

infraestrutura fazem parte de um contexto de desenvolvimento muito mais amplo, e dado seu

potencial de reestruturação do espaço, é necessário dar voz a um grande número de atores,

em diferentes fases do planejamento do empreendimento. Logicamente, essa abordagem cria

uma estrutura matricial de relações que ampla e de difícil gestão, que passa pela educação e

qualificação da participação desses atores, mas é a única forma para que as discussões não se

limitem aos setores diretamente envolvidos desde o ponto de vista econômico.

Um segundo ponto levantado pelas questões refere-se ao potencial da Avaliação Ambiental

Estratégica (AAE) como ferramenta de elaboração de políticas, planos e programas, e não

projetos, como ela vem sendo usada no Brasil. A AAE deve servir para sinalizar, no âmbito da

infraestrutura, por exemplo, diferentes cenários para o desenvolvimento regional,

tradicionalmente trabalhando com pelo menos 3 cenários. Portanto, há a decisão por um

cenário, o planejamento já tem um direcionamento, facilitando a entrada do setor privado,

agentes de financiamento, etc. A falta de planejamento a partir de mecanismos como este

leva cidades como São Paulo a se apoiar no planejamento no nível de projetos da iniciativa

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privada, cuja eficácia nas questões do desenvolvimento e na solução de problemas complexos

é limitada.

Em relação à etapa de participação da iniciativa privada, Neli de Mello-Thiery acredita que

dada a incapacidade do Estado em planejar efetivamente, os projetos privados são uma forma

de sair da inércia, mesmo que, por vezes, não sigam um planejamento mais amplo e

adequado. Porém, há escolhas que podem ser feitas para melhor qualificar e estimular a

participação do setor privado, como o redirecionamento das ações do BNDES a investimento

social produtivo. O próprio BNDES pode ser agente de planejamento, como financiador de

todos os projetos de relevância no país. Portanto, o contexto atual demanda parcerias público-

privadas e participação do setor privado, porque o setor público em si mostra-se realmente

problemático, porém podem ser impostos limites a essa atuação. Estratégias de longo prazo,

focadas na educação como contrapartida em tais projetos, devem correr em paralelo.

João Paulo Capobianco, a respeito da questão sobre a participação do setor privado na etapa

de estudos, destaca o modelo adotado em São Paulo, segundo o qual empresas fazem o

projeto e seu detalhamento, incluindo definições de custo. Após a licitação, a empresa que

ganhar a concorrência paga para aquela empresa que fez os estudos.

Bruno Werneck, em relação à questão do arranjo institucional, destaca que é necessário no

país criar uma cultura de diálogo, de confrontamento, com participação dos diferentes setores

da sociedade e impactados pelas decisões de planejamento estatal. O Governo faz pouco

trabalho realmente qualificado de planejamento baseado em números, cenários alternativos,

análises qualitativas e quantitativas, etc. A decisão final sempre haverá perdedores e

vencedores, e cabe ao Estado garantir que a decisão tomada seja coerente com o

desenvolvimento do país e os interesses da sociedade.

O expositor considera que o BNDES e outras instituições técnicas ligadas ao Governo, como

por exemplo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), poderiam e deveriam

financiar estudos que pautem o planejamento da infraestrutura no país. Entretanto, o

contexto atual da etapa de estudos também é impactado negativamente pela Lei Federal nº

8.666/93 e seu dispositivo de decisão pelo menor preço, que faz com que os projetos básicos

tenham qualidade limitada. Se o Estado não é capaz de dizer o ruma do desenvolvimento dos

projetos, é fundamental que seja dado suporte ao setor privado para realização de estudos

prévios.

A respeito do risco regulatório, Bruno Werneck considera que este existe, porém é, muitas

vezes, superdimensionado. Ainda assim, é importante construir um histórico consistente de

PPPs, que gere segurança no mercado, bem como que o Estado honre suas dívidas.

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PARTE III – Encerramento

Pontos a serem discutidos futuramente

Como garantir que o empreendedor envolvido na etapa dos estudos de viabilidade dos

projetos não seja penalizado caso o projeto não se concretize? Qual o papel do Estado

nesses casos?

Qual modelo de desenvolvimento que o país busca para as áreas mais carentes de

infraestrutura tradicional, como a Amazônia?

Consensos e conclusões que possam ser incorporados à Plataforma O Estado brasileiro precisa criar uma capacidade de planejamento de médio e longo prazo

para o desenvolvimento sustentável, com profissionais qualificados e um arranjo

institucional que permita a participação de diversos atores na construção dessa agenda.

Instrumentos como a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) devem ser adotados e

financiados pelo Estado, visando a construção de planos, políticas e programas que

contemplados em um projeto de desenvolvimento, que dite os rumos da expansão da

infraestrutura no Brasil.

O BNDES deve operar sob uma lógica de desenvolvimento em favor da sociedade, de

fomento à inovação e ao empreendedorismo, deixando de aplicar a maior parte de seus

recursos na expansão de grandes grupos econômicos.

A participação do setor privado na execução dos projetos de infraestrutura é fundamental,

a partir de um planejamento governamental. As PPPs são formas interessantes de garantir

interação dos setores público e privados, garantindo o comprometimento de longo prazo

do setor privado com os empreendimentos.

Os processos de licitação no país não podem ser balizados somente pelo critério do menor

preço, como é feito através da Lei Federal nº 8.666/93. Critérios técnicos devem ter maior

peso.

Fundos de pensão podem fomentar investimentos em infraestrutura, e o fariam sem

qualquer “empurrão” governamental caso os projetos colocados sobre a mesa tenham

uma relação risco e retorno compatível com as metas e limites destes fundos.

O modelo de desenvolvimento de infraestrutura deve respeitar as particularidades de cada

região e seguir um plano estratégico que as considere.

O Estado não deve ser agente garantidor de retorno à iniciativa privada, somente oferecer

uma relação risco e retorno condizente, competitiva com outras formas de investimento.