Rosa e Silva 2014 SBenBio

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AS IMAGENS DE FUNGOS EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS: REVISITANDO A MEMÓRIA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR 1 Marcelo D’Aquino Rosa (PPGECT – UFSC) Henrique César da Silva (MEN – UFSC) RESUMO Este trabalho realiza uma análise epistemológica e discursiva do conteúdo de fungos em alguns livros didáticos de Ciências. Neste artigo investigamos se estas imagens oferecem possibilidades de deslizes, dentro do que é conhecido como memória discursiva, na interpretação dos professores e estudantes que realizam a leitura destes materiais. As figuras dos livros didáticos escolhidos para o artigo são selecionadas e posteriormente analisadas com a ajuda da bibliografia específica para esta área de conhecimento do conteúdo dentro da Biologia e com os autores e textos da área da análise do discurso. A leitura destas imagens nos permite verificar que existem possibilidades de desvios (ou deslizes) na interpretação e leitura destas ilustrações. Palavras-chave: Fungos, Livro didático de Ciências, Ensino de Ciências, Ensino de Biologia, Memória discursiva. INTRODUÇÃO O livro didático (LD) de Ciências é, ainda nos dias atuais, o recurso mais presente nas unidades escolares brasileiras para o ensino e aprendizagem dos conteúdos científicos. Para além de sua importância nas escolas em nossa sociedade, o LD se tornou um produto da nossa cultura e um direito adquirido do estudante da rede pública em nosso país. Os conteúdos curriculares no LD de Ciências encontram-se organizados de acordo com o que regem os Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCN (BRASIL, 1998), documentos que balizam a formulação destes instrumentos. A matriz curricular da disciplina de Ciências para os 1 Artigo construído como trabalho final da disciplina “Circulação e Textualização de Conhecimentos Científicos”, ofertada no Programa de pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT – UFSC) no semestre letivo de 2013/1. 5313

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  • AS IMAGENS DE FUNGOS EM LIVROS DIDTICOS DE CINCIAS:

    REVISITANDO A MEMRIA NA EDUCAO ESCOLAR1

    Marcelo DAquino Rosa (PPGECT UFSC)

    Henrique Csar da Silva (MEN UFSC)

    RESUMO

    Este trabalho realiza uma anlise epistemolgica e discursiva do contedo de fungos em alguns

    livros didticos de Cincias. Neste artigo investigamos se estas imagens oferecem possibilidades

    de deslizes, dentro do que conhecido como memria discursiva, na interpretao dos professores

    e estudantes que realizam a leitura destes materiais. As figuras dos livros didticos escolhidos para

    o artigo so selecionadas e posteriormente analisadas com a ajuda da bibliografia especfica para

    esta rea de conhecimento do contedo dentro da Biologia e com os autores e textos da rea da

    anlise do discurso. A leitura destas imagens nos permite verificar que existem possibilidades de

    desvios (ou deslizes) na interpretao e leitura destas ilustraes.

    Palavras-chave: Fungos, Livro didtico de Cincias, Ensino de Cincias, Ensino de Biologia,

    Memria discursiva.

    INTRODUO

    O livro didtico (LD) de Cincias , ainda nos dias atuais, o recurso mais presente nas

    unidades escolares brasileiras para o ensino e aprendizagem dos contedos cientficos. Para alm

    de sua importncia nas escolas em nossa sociedade, o LD se tornou um produto da nossa cultura e

    um direito adquirido do estudante da rede pblica em nosso pas.

    Os contedos curriculares no LD de Cincias encontram-se organizados de acordo com o

    que regem os Parmetros Curriculares Nacionais, os PCN (BRASIL, 1998), documentos que

    balizam a formulao destes instrumentos. A matriz curricular da disciplina de Cincias para os

    1 Artigo construdo como trabalho final da disciplina Circulao e Textualizao de Conhecimentos Cientficos, ofertada no Programa de ps-graduao em Educao Cientfica e Tecnolgica (PPGECT UFSC) no semestre letivo de 2013/1. 5313

  • anos finais (6 - 9 ano) do Ensino Fundamental (EF) determina que a temtica vida e os

    diferentes grupos de seres vivos sejam estudados ao longo deste ciclo da vida escolar.

    Assim, em algum momento dentro dos anos letivos do EF, o contedo do reino dos fungos

    trabalhado dentro da disciplina de Cincias e neste momento que o professor e os alunos

    enfrentam um grande desafio: a distino deste grupo de seres vivos do reino das plantas. Os

    problemas comeam a surgir quando olhamos para o ensino de Cincias aos estudantes menores,

    ainda no primeiro ciclo do EF, correspondente aos anos iniciais da vida escolar (1 - 5 ano): os

    professores destes anos letivos, geralmente formados nas licenciaturas em Pedagogia, muitas vezes

    possuem dificuldades em distinguir os fungos das plantas, problema que pode acabar se

    transferindo aos pequenos estudantes.

    Historicamente, a distino entre os reinos Fungi e Plantae j era bastante difcil pelo

    aspecto da observao macroscpica dos seres vivos, ou seja, apenas o que era visvel a olho nu,

    sem a ajuda de microscpios ou grandes lentes de aumento, era levado em conta na hora de

    classificar e organizar as formas de vida. Posteriormente, com o advento da microscopia na

    Cincia, as diferenciaes entre fungos e plantas comearam a ser observadas nas descries mais

    bsicas dos seres vivos:

    [...] Fungos s so parecidos com vegetais na questo da ausncia de grandes

    movimentos corporais (Alexopoulos et al, 1996). Excetuando-se esse fator, h um

    abismo gigantesco entre esses dois reinos, que se no forem adequadamente

    considerados, dificultam o ensino e a compreenso da Micologia, para professores

    e alunos, durante todo o perodo da educao bsica. Fungos so seres sem

    clorofila pigmento fotossintetizante presente em plantas cuja forma de nutrio

    conhecida como heterotrofia, ou seja, h a necessidade da presena de outro ser

    vivo, seja ele animal ou vegetal, servindo como fonte de alimento ao fungo. Outra

    diferena bsica entre fungos e plantas, que os primeiros no apresentam parede

    celular composta por celulose e lignina, mas sim por quitina (Alexopoulos et al,

    1996). (ROSA; MOHR, 2010, p. 96)

    As diferenas entre os grupos dos fungos, plantas e animais continuam a existir e se

    aprofundarem quando analisamos outros aspectos biolgicos destes seres vivos. Um quadro

    comparativo, com as descries destes trs grandes grupos, encontra-se na tabela 1.

    5314

  • Tabela 1 - Quadro comparativo entre os fungos, os animais e as plantas (adaptado de

    JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2000).

    Fungos Animais Plantas

    Pigmentos

    fotossintetizantes Ausentes Ausentes

    Presentes

    (Clorofila)

    Parede celular

    Presente,

    formada por

    quitina

    Ausente, mas

    possuem

    quitina

    Presente,

    feita de

    celulose e

    lignina

    Substncia de

    reserva energtica Glicognio Glicognio Amido

    Forma de nutrio Hetertrofos Hetertrofos Auttrofos

    O LD de Cincias, justamente por abordar este assunto como um dos contedos curriculares,

    e como maior dos suportes para os processos de ensino e aprendizagem em nossas escolas

    (CARNEIRO; SANTOS; ML, 2005), merece um olhar especial da pesquisa das reas da

    Educao e Ensino para os problemas desta natureza em sua formulao. Segundo Nuez e

    colaboradores (2001), materiais didticos de qualidade duvidosa ainda circulam pelas unidades

    escolares do Brasil e o professor de Cincias, eventualmente, precisa saber trabalhar tambm com

    estes materiais, extraindo o melhor deles.

    Quando olhamos para a aprendizagem dos conceitos cientficos baseada na leitura de

    imagens em LDs de Cincias, nos deparamos com a necessidade da interpretao destas figuras

    pelos estudantes. E o ato de interpretar, na perspectiva da Anlise do Discurso francesa, ocorre

    quando o sujeito confere sentido a alguma imagem, baseado em sua memria discursiva, ou

    interdiscurso (ORLANDI, 2009).

    A memria discursiva, no conceito da autora, remete a aquilo que o sujeito traz consigo de

    concepes prvias em relao a uma temtica. Estas concepes esto disponveis na cultura naquele momento histrico-social e iro permitir ao sujeito fazer sentido e reativar sua memria ao ler e interpretar algum discurso, como um texto escrito ou imagtico. Esta memria

    5315

  • faz com que cada sujeito interaja com os enunciados e os interpretem de diferentes maneiras, pois

    este espao de memria discursiva sempre heterogneo (ORLANDI, 2009).

    Se conferir sentido interpretar as imagens atravs de sua leitura e esta interpretao parte

    do que j existe na memria discursiva (ORLANDI, 2009), existe tambm a possibilidade de

    deslizes ou deslocamentos dentro destas interpretaes. Este fato ocorre porque um leitor que

    interpreta uma imagem no neutro, ou seja, este sujeito realiza a interpretao da imagem

    baseado numa memria discursiva. Para Orlandi (2009), a possibilidade da interpretao outra

    existe porque sempre existe o incompleto, aquilo que o sujeito no retoma em sua memria

    discursiva, ou interpreta de outra maneira, pois j estava filiado a outra rede que j existia:

    Pela natureza incompleta do sujeito, dos sentidos, da linguagem (do simblico),

    ainda que todo sentido se filie a uma rede de constituio, ele pode ser um

    deslocamento nessa rede. Entretanto, h tambm injunes estabilizao,

    bloqueando o movimento significante. Nesse caso, o sentido no flui e o sujeito

    no se desloca. Ao invs de se fazer um lugar para fazer sentido, ele pego pelos

    lugares (dizeres) j estabelecidos, num imaginrio em que sua memria no

    reverbera. Estaciona. S repete. (p. 54).

    O objetivo deste artigo foi analisar como so abordadas as imagens do contedo de fungos

    em alguns LDs de Cincias, verificando se estas imagens possibilitam o surgimento de deslizes

    dentro da memria discursiva (ORLANDI, 2009). A anlise epistemolgica (do contedo)

    importante dentro desta perspectiva da memria discursiva, pois nos permite discorrer sobre as

    possibilidades de deslizes em leituras de imagens em LDs de Cincias e conferncia de sentidos

    ou seja, a interpretao a estas figuras pelos estudantes de Cincias. Uma vez realizada esta

    anlise, podemos inferir o quanto as leituras sobre os fungos nestas imagens podem ser dbias e

    apresentar potenciais interpretaes errneas e distorcidas em relao ao epistemologicamente

    correto do contedo cientfico abordado.

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    A distribuio de LDs de Cincias nas escolas da rede pblica no Brasil fica a cargo do

    governo federal, atravs de uma ao denominada Programa Nacional do Livro Didtico, o PNLD

    (BRASIL, 1985). Para este estudo foi folheado o Guia de Livros Didticos (GLD) de 2011, um

    material que referncia para apresentao e escolha das colees didticas pelas unidades

    escolares e professores. 5316

  • O GLD analisado referente aos anos finais do EF e foram escolhidas trs colees

    participantes da lista para anlise das imagens: APEC (2006), Barros e Paulino (2006) e Canto

    (2012). Os dois primeiros LDs analisados so referentes a edies anteriores s ltimas disponveis

    no mercado, enquanto a terceira obra foi verificada atravs do ltimo exemplar publicado desta

    coleo.

    As anlises das colees didticas foram realizadas atravs de localizao dos volumes

    contendo o contedo especfico de fungos. Na primeira coleo estes contedos so trazidos no

    livro referente ao 6 ano do EF, enquanto nas duas ltimas os fungos so abordados nos volumes

    referentes ao 7 ano. Aps a procura dos captulos sobre o reino Fungi nos LDs investigados, as

    imagens encontradas sobre o contedo foram analisadas e foi escolhida uma figura para cada

    coleo trabalhada neste artigo.

    Aps esta anlise inicial, as possibilidades de interpretao dos conhecimentos apresentados

    nas imagens foram levantadas e fez-se uma comparao entre estas leituras das imagens e a

    bibliografia especfica desta rea das Cincias. Os livros especficos do contedo de fungos

    (ALEXOPOULOS; MINS; BLACKWELL, 1996; JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2000; ALBERTS,

    2006) apresentam o contedo sobre fungos e seres vivos tal como os sentidos se encontram estabilizados hoje no campo discursivo da cincia, campo a partir do qual se deseja que o aluno construa suas significaes, servindo de apoio para discusso epistemolgica das imagens selecionadas. A discusso especfica sobre o uso de imagens no ensino de Cincias feita com

    base em textos e autores das reas da Educao e do Ensino.

    RESULTADOS E ANLISE

    Como vimos at aqui, a interpretao dos discursos passvel de desvios ou deslizes pelas

    diferentes formaes discursivas do sujeito, presentes em sua histria (ORLANDI, 2009). Se para

    a autora o sujeito se relaciona com os discursos de acordo com sua memria discursiva,

    analisaremos a partir deste ponto as possibilidades de leitura das figuras escolhidas em cada

    coleo, evidenciando os potenciais erros a que estas imagens podem nos induzir e discutindo de

    que forma estes deslizes podem surgir para os estudantes a partir do seu interdiscurso.

    A imagem visualizada na coleo APEC (2006) (figura 1), a primeira das obras discutida,

    representa a primeira pgina do captulo sobre seres que no so animais e nem plantas. Este j

    um ponto problemtico, pois pode levar o aluno de Cincias a induzir que as demais formas de

    vida diferentes de plantas animais so todas pertencentes ao mesmo grupo, o que no verdadeiro: 5317

  • excetuando-se os reinos Animalia e Plantae, existem ainda os fungos, os protistas, as bactrias e os

    vrus (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2000).

    Existe ainda outro problema na imagem analisada: mostrado crescendo sobre o solo um

    cogumelo com as cores vermelha e branca. A figura transmite a iluso de que este fungo est

    presente e aparece no solo, crescendo de maneira anloga a uma planta, quando na verdade este ser

    est se nutrindo dos restos de vegetao mortos provenientes das folhas e galhos secos no cho.

    Para ter esta clareza na interpretao da imagem, o estudante precisa assimilar a ideia de que os

    fungos so seres heterotrficos, o que pode no ocorrer na etapa do EF na educao.

    Figura 1 - Pgina inicial do captulo sobre Fungos na coleo didtica analisada (Fonte: APEC, 2006).

    J a segunda coleo analisada apresenta em sua imagem (figura 2) um esquema ilustrado em

    cores-fantasia (fora do padro original) de um cogumelo e seus esporos sendo espalhados pelo

    ambiente. Esta ilustrao apresenta dois grandes erros conceituais: o primeiro problema est no

    tamanho exagerado do esporo, quando comparado com o cogumelo. Na verdade o esporo muito

    menor que o cogumelo quando ambos so comparados diretamente. Para ser visualizado, o esporo

    de um fungo necessita de um microscpio ptico com lentes de aumento proporcionais a mil vezes

    o tamanho original dos objetos (ALBERTS, 2006).

    O segundo problema na figura 2 relativo forma como as hifas (filamentos) do cogumelo

    so representadas no solo. A forma da ilustrao pode provocar no estudante uma interpretao

    errnea destes filamentos e a memria discursiva despertado no estudante pode remet-lo a uma

    interpretao de razes em plantas, estrutura presente apenas nos vegetais. Assim como os esporos,

    5318

  • as hifas tambm so estruturas microscpicas e visualizadas apenas em um microscpio ptico

    (ALEXOPOULOS; MINS; BLACKWELL, 1996).

    Figura 2 - Ilustrao sobre Fungos na coleo didtica analisada (Fonte: BARROS; PAULINO, 2006).

    A imagem analisada na ltima coleo escolhida neste trabalho apresenta menos potenciais

    para distoro em sua visualizao pelos estudantes de Cincias das escolas. O esquema

    representado pela figura 3 nos mostra duas ilustraes tambm em cores-fantasia, sendo a primeira

    de cogumelos na natureza e a segunda de um corte transversal, representado as hifas e filamentos

    que formam todo o corpo do cogumelo.

    Os deslizes na leitura e interpretao desta imagem podem surgir se o aluno no possuir em

    sua memria, de maneira bem clara, o conceito de hifa e o que ela representa na constituio de um

    fungo. De posse desta informao, o estudante consegue interpretar de maneira correta o segundo

    esquema desenhado. Ainda nesta figura, assim como na ilustrao analisada na coleo anterior,

    faz-se muito importante a necessidade da escala, para que se possa tambm ter a dimenso do real

    tamanho dos cogumelos desenhados. Quando a escala omitida, este dado acaba sendo faltante

    para que a interpretao da imagem seja realizada de maneira totalmente correta.

    5319

  • Figura 3 - Ilustrao sobre os Fungos na coleo didtica analisada (Fonte: CANTO, 2012).

    Quando as trs colees so comparadas entre si, visualizamos que a terceira obra apresenta

    menos possibilidades de deslizes na figura analisada. Este fator pode ocorrer pela mais recente

    editorao e publicao do LD 2012, enquanto as outras duas obras so do ano de 2006. Um

    grande fator aliado neste sentido o trabalho de comisso de avaliao formada pelo Ministrio da

    Educao, que avalia as colees didticas inscritas em cada abertura de edital do PNLD e formula

    o GLD que enviado s escolas e professores de Cincias. Este trabalho de avaliao das obras

    existe desde meados da dcada de 1990 e vem ajudando na melhora destes materiais para o ensino

    de Cincias em nosso pas (NARDI, 1999).

    Sobre as imagens em LDs, Martins (1997) traz uma grande contribuio ao afirmar que este

    tipo de linguagem visual impe menos barreiras ao aluno, alm de despertar seu interesse e

    curiosidade. Ainda no ensino de Cincias, este tipo de recurso representa, s vezes, o prprio

    contedo a ser trabalhado. No trabalho de Rosa (2013), por exemplo, um dos professores de

    Cincias entrevistados para a pesquisa afirma ser essencial o uso das imagens para se trabalhar

    alguns contedos dentro do EF, como o sistema reprodutor e os corpos masculino e feminino.

    notrio que em um pas como o Brasil, onde tantos estudantes possuem dificuldades para ler e

    interpretar textos escritos, as imagens possuem um grande papel para o ensino e a aprendizagem.

    Assumindo o LD como o recurso mais utilizado no ensino de Cincias e, muitas vezes at,

    como um agente que limita a ao do professor que ensina em sala de aula (CARNEIRO; SANTOS,

    ML, 2005), temos a dimenso da problemtica que existe na leitura das imagens pelos alunos em

    aulas de Cincias e os deslizes em potencial que podem existir neste tipo de leitura. O estudante, ao

    analisar as imagens com os elementos que possui em sua memria discursiva, pode cair em erros de

    natureza epistemolgica, fato que cria distores na interpretao e aprendizagem de determinados

    contedos cientficos neste caso especfico, os seres pertencentes ao reino Fungi. 5320

  • As palavras de Gregolin (2005) nos ajudam a pensar na questo da interpretao de

    enunciados no formato de imagens, presentes em LDs de Cincias e lidos pelos estudantes de

    nossas escolas pblicas:

    Todo discurso fundamentalmente heterogneo e est exposto ao equvoco porque

    se relaciona sempre com um discurso-outro. A possibilidade de interpretar existe

    exatamente por causa dessa alteridade nas sociedades e na histria, que possibilita a

    ligao, a identificao, a transferncia. E porque h essa ligao que as filiaes

    histricas podem-se organizar em memrias, e as relaes sociais em redes de

    significantes. (PCHEUX, 1997, p.54). Como os sentidos esto permanentemente

    inseridos em redes enunciativas, a descrio de um enunciado coloca

    necessariamente em jogo (atravs de implcitos, de elipses, de negaes e

    interrogaes, de mltiplas formas de discurso relatado etc.) o discurso-outro como

    espao virtual de leitura desse enunciado ou dessa seqncia. Esse discurso-outro

    marca, na materialidade discursiva, a insistncia do outro como lei do espao social

    e da memria histrica, logo como o prprio princpio do real scio-histrico. (pp.

    15-16).

    Em outras palavras, toda interpretao relativa leitura das imagens se insere num processo

    em que a produo de sentidos pelo aluno vai ocorrer de acordo com as concepes prvias,

    presentes na memria discursiva da rede em que o estudante estava filiado. O discurso-outro desta

    rede o que faz com que esta pessoa olhe para determinada imagem e visualize neste enunciado

    aquilo que j lhe est presente na sua memria. E as imagens sobre fungos, que representam muitas

    vezes o prprio contedo e so os enunciados analisados neste trabalho, entram neste jogo a partir

    do momento que se relacionam com este discurso-outro, seja este discurso do aluno ou at do

    prprio professor de Cincias.

    CONSIDERAES FINAIS

    Conclumos com este trabalho que imagens com possibilidades de deslizes para os

    estudantes ainda esto presentes nos LDs, pelo menos em relao aos contedos de fungos destes

    materiais. Ao vermos que LDs com qualidade nem sempre ideal circulam pelas escolas, exaltamos

    a importncia do papel do professor nos processos de ensino e aprendizagem em sala de aula.

    Quando este docente sabe fazer um bom uso de um mau LD, por exemplo, qualquer material pode

    ser utilizado para o ensino de Cincias, bastando apenas que o professor tenha conscincia da

    5321

  • qualidade deste instrumento e saiba utiliz-lo junto aos seus estudantes (CARNEIRO; SANTOS;

    ML, 2005).

    Inevitavelmente, quando analisamos a memria discursiva e a possibilidade de deslizes na

    interpretao das imagens em LDs, camos na temtica da formao de professores. Carvalho e

    Gil-Prez (2011) ressaltam que a necessidade desta formao permanente por alguns motivos,

    como uma possvel carncia na formao inicial (licenciaturas) e o fato de muitas das situaes

    vivenciadas pelo professor s adquirirem sentido na vida prtica deste docente, no na formao

    terica, adquirida nas universidades.

    Concordamos com a viso dos autores que a necessidade de formao permanente, ou seja,

    uma formao continuada. Particularmente, ainda visualizamos um segundo elemento relativo a

    formao de professores: a necessidade de se trabalhar mais o LD na formao inicial dos

    docentes, seja analisando teoricamente este instrumento didtico ou com disciplinas e mdulos

    prticos para trabalho com este material. Carneiro, Santos e Ml (2005) afirmam que o estudo do

    LD uma atividade altamente formadora para os professores, afirmao com a qual concordamos.

    Terrazzan (2007) afirma que a formao de professores muitas vezes feita sem os devidos

    cuidados nas atuais licenciaturas. Porm, um professor, quando bem formado, consegue ensinar e

    trabalhar com os materiais entre eles o LD de Cincias de maneira melhor e este fato pode

    melhorar o ensino de Cincias. Porm, ressaltamos que de nada adiantar o professor ser bem

    formado se este no souber se colocar no lugar de seus alunos e visualizar as possibilidades com

    os olhos destes estudantes das escolas.

    Para alm dos temas formao de professores e do uso do LD de Cincias, a memria

    discursiva dos estudantes nas escolas sempre influenciar nas leituras e interpretaes de

    enunciados textuais ou de imagem. A prpria compreenso do que o professor fala ou seja, seu

    discurso pode sofrer graves distores pelo estudante o sujeito , de acordo com o que este

    carrega em seu interdiscurso (ORLANDI, 2009).

    importante ressaltar que no ensino e na aprendizagem das Cincias, o aluno deve se

    colocar como sujeito ativo do conhecimento, tanto para realizar as descobertas, quanto para se

    expressar nas formas oral e/ou escrita, visando mostrar quais potenciais deslizes so cometidos por

    ele. O professor, por sua vez, ao desenvolver sua tarefa de ensinar, deve ficar atento a estes

    desvios e, sempre que possvel, retom-los junto aos seus estudantes, para que o ensino de

    Cincias possa ser realizado da forma correta.

    5322

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