Rossi, Clovis - O Que é Jornalismo - Col. Primeiros Passos

download Rossi, Clovis - O Que é Jornalismo - Col. Primeiros Passos

If you can't read please download the document

Transcript of Rossi, Clovis - O Que é Jornalismo - Col. Primeiros Passos

Clvis Rossi O QUE JORNALISMO (Coleo primeiros passos), Editora Brasiliense, 1980.

Copyright @ by Clvis Rossi, 1980 Nenhuma parte desta publicao pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrnicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecnicos ou outros quaisquer sem autorizao prvia da editora. ISBN 85-11-01015-7 Primeira edio, 1980 1O edio, 1994 r reimpresso, 1995 Reviso: Jos E. Andrade e Ana Maria Barbosa Ilustraes: Enlio Oanani Capa: Otvio Roth e Felipe Ooetors EDITORA BRASILlENSE S.A. Av. Marqus de So Vicente. 1771 01139-903 - So Paulo - SP Fone (011) 861-3366 - Fax 861-3024 Filiada ABOR

NDICE - Introduo - A Batalha por Dentro - Meio de Informao e Controle - O Estilo - Por Central Qu, a Questo

- Mais Filtros - A Batalha por - As Fontes - Quem So as Fontes -As Fontes - A Batalha da Propriedade -ComitsouSovietes?

-Um Exemplo: LeMonde A Preparao da Batalha - A Especializao - A Honestidade -ABatalhanoMundo

IntroduoJornalismo, independentemente de qualquer definio acadmica, uma fascinante batalha pela conquista das mentes e coraes de seus alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes. Uma batalha geralmente sutil e que usa uma arma de aparncia extremamente inofensiva: a palavra, acrescida, no caso da televiso, de imagens. Mas uma batalha nem por isso menos importante do ponto de vista poltica e social, o que justifica e explica as imensas verbas canalizadas por governos, partidos, empresrios e entidades diversas para o que se convencionou chamar veculos de comunicao de massa. O mais claro exemplo da eficincia dessa arma aparentemente inofensiva a compilao feita pele brazilianist Alfred Stepan para seu livro Os Militaret na Poltica: Stepan estabeleceu um placar para classificar a opinio da imprensa com respeito legitimidade do presidente da Repblica, nas vsperas de cinco movimentos militares da recente Histria do Brasil (1 945, 1954, 1955, 1961 e 1964). A cotao do presidente variava de mais 2 a menos 2. Resultado: nos movimentos militares vitoriosos (1945, 1954 e 1964), a legitimidade do presidente era negativa, de acordo com a opinio da imprensa selecionada pelo brazilianist, variando a mdia de menos 0,8 em 1964 a menos 1,2 em 1954. Em contrapartida, nos movimentos militares frustrados (1955 e 1961), a legitimidade do presidente merecia, da imprensa, cotao positiva (mais 0,3 em 1955 e mais 0,2 em 1961). No se pode concluir, desses dados, que os movimentos militares s ocorrem quando a imprensa duvida da legitimidade do presidente em exerccio. Mas inegvel que ela desempenha, claramente, um papel-chave na batalha para ganhar as mentes e coraes dos segmentos sociais que, no Brasil ao menos, formam o que se chama de opinio pblica. Ou seja, a classe mdia (mdia alta ou mdia mdia) - principal responsvel pelo consumo de jornais e revistas em um pas em que se l desesperadamente pouco. O trabalho de Stepan mostra, com clareza, como foi conduzida a batalha que levou amplos setores da classe mdia a apoiar a deposio de Joo Goulart, presidente constitucional, em 1964. Dos nove jornais por ele selecionados, pela sua influncia e tiragem, nada menos do que sete achavam que "militar deve desempenhar papel principal na soluo da crise e no deve obedecer ao presidente se ele est agindo ilegalmente. O militar no deve ajudar a pr no poder um presidente eleito ou vicepresidente que constitui ameaa segurana e ordem do pas". Os sete jornais citados eram Correio da Manh, Jornal do Brasil, O Globo, Dirio de Notcias, O Jornal,

O Estado de S. Paulo e Tribuna de Imprensa. Restavam dois jornais em posio, digamos, legalista: Dirio Carioca e ltima Hora. Essa batalha pelas mentes e coraes, entretanto, temperada por um mito - o mito da objetividade - que a maior parte da imprensa brasileira importou dos padres norte-americanos. Em tese - salvo, bvio, nos jornais de cunho ideolgico ou partidrio - a imprensa, de acordo com o mito da objetividade, deveria colocar-se numa posio neutra e publicar tudo o que ocorresse, deixando ao leitor a tarefa de tirar suas prprias concluses. Se fosse possvel praticar a objetividade e a neutralidade, a batalha pelas mentes e coraes dos leitores ficaria circunscrita pgina de editoriais, ou seja, pgina que veicula a opinio dos proprietrios de uma determinada publicao. Elmer Davies, falecido editor norte-americano, tinha, inclusive, uma sugesto que definitiva em termos de culto objetividade. Ele propunha que os jornais publicassem, na primeira pgina, o seguinte aviso: "Para a verdade sobre o que voc l abaixo, veja a pgina editorial" No Brasil, os editoriais foram, de fato, durante algum tempo, o principal campo dessa batalha. Mas a evidncia de que a objetividade impossvel acabou por transferi-Ia a todas as pginas dos jornais. Afinal, entre o fato e a verso que dele publica qualquer veculo de comunicao de massa h a mediao de um jornalista (no raro, de vrios jornalistas), que carrega consigo toda uma formao cultural, todo um background pessoal, eventualmente opinies muito firmes a respeito do prprio fato que est testemunhando, o que leva a ver o fato de maneira distinta de outro companheiro com formao, background e opinies diversas. E realmente invivel exigir dos jornalistas que deixem em casa todos esses condicionamentos e se comportem, diante da notcia, como profissionais asspticos, ou como a objetiva de uma mquina fotogrfica, registrando o que acontece sem imprimir, ao fazer o seu relato, as emoes e as impresses puramente pessoais que o fato neles provocou. A objetividade possvel, por exemplo, na narrao de um acidente de trnsito e, assim mesmo, se nele no estiver envolvido o reprter, pessoalmente, ou algum amigo ou parente. Esse tipo de acontecimento - ou seja, aquele que afeta apenas um pequeno grupo de pessoas, sem maior incidncia poltica e/ou social - ainda permite o exerccio da objetividade. Nos demais, ela apenas um mito. Mesmo em assuntos de reduzida influncia poltica, como o caso de uma partida de futebol, a objetividade quase inatingvel. Afinal, no h como ignorar que 99% dos jornalistas esportivos torcem por uma determinada equipe - e seria ingenuidade acreditar que, ao vestirem a armadura de jornalistas, eles se desfaam de suas paixes pessoais e consigam comentar uma partida de sua equipe apenas com os dedos que batem nas teclas da mquina de escrever e no com o corao, feliz ou amargurado, do torcedor vencedor ou vencido. H, inclusive, um caso exemplar, nessa rea, que me convenceu em definitivo de que a objetividade um mito: um dos melhores reprteres brasileiros, casualmente trabalhando na Editoria de Esportes de um grande matutino, foi fazer a cobertura de um jogo entre o So Paulo Futebol Clube e a Associao Portuguesa de Desportes. Fantico torcedor do So Paulo, o reprter escreveu, na volta redao, sessenta primorosas Iinhas contando como fora o jogo. Apenas esqueceu-se de mencionar, em meia linha que fosse, a Portuguesa (por sinal, a vencedora da partida). S tivera olhos para os defeitos e qualidades de seu prprio time. De qualquer forma, a objetividade continua sendo um dos principais parmetros na linha editorial dos principais veculos de comunicao do Brasil. E, nessa busca impossvel, introduziu-se a lei de ouvir os dois lados, partindo-se do pressuposto de que, freqentemente, h dois lados opostos numa mesma histria. Ento, se o lder do governo no Senado, por exemplo, critica o lder da oposio, a "lei

dos dois lados" determina que este tambm deva ser ouvido. O jornal publicar, lado a lado, as opinies de um ( outro e o leitor formar a sua prpria opinio. Em tese, a justia dessa "lei" inquestionvel. Na prtica pode ocorrer - e freqentem ente ocorre - que um dos dois lados (ou ambos) minta. E o jornal, inevitavelmente, reproduzir em suas pginas uma mentira fazendo o leitor raciocinar a partir de dados falsos. ( melhor exemplo de como a "lei dos dois lados" distorce um dos fundamentos do jornalismo (a busca in cessante da verdade) foi dado na greve dos metalrgicos do ABC paulista, em abril de 1980. Havia trs fontes disponveis, para que os jornais avaliassem real extenso da paralisao: os nmeros forneciam pelos empresrios, pela Delegacia Regional do Trabalho (ou Ministrio do Trabalho) e pelos sindicatos em greve. Muito bem: cada um deles divulgava nmeros diferentes (no raro, bastante diferentes), o que tornava cristalino que duas das fontes, pelo menos, estavam mentindo. No entanto, os principais jornais reproduziam os trs nmeros, em nome da "neutralidade", embora soubessem que dois, ao menos, no eram corretos. E lanavase no leitor a dvida sobre qual seria o certo, na medida em que .a grande massa de leitores no podia ter a menor condio de se certificar da verdade. O Manual de Redao do jornal Folha de S. Paulo foi o primeiro livro-texto oficial a reconhecer as dificuldades para a prtica da objetividade. "No existe objetividade em jornalismo. Ao redigir um texto edit-lo o jornalista toma uma srie de decises que so em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posies pessoais, hbitos e emoes", diz o verbete "Objetividade", p. 34 do Manual (edio de 1987). O Manual fornece tambm a sugesto sobre a nica maneira de tentar enfrentar honestamente a questo: "Isso (a inexistncia da objetividade) no o exime, porm, da obrigao de procurar ser o mais objetivo possvel. Para retratar os fatos com fidelidade, reproduzindo a forma em que ocorreram, bem trs como suas circunstncias e repercusses, o jornalista deve procurar v-Ios com distanciamento e frieza, o que no significa apatia nem desinteresse", continua o verbete. Essa orientao torna-se mais valiosa em um quadro poltico de normalidade institucional. E difcil para qualquer jornalista digno desse nome ser abso lutamente distante quando est diante de uma situao de arbtrio institucional, diante de uma ditadura por exemplo. Mas, quando o sistema democrtico funciona, o jornalista no precisa vestir a armadura de paladino das liberdades democrticas e, por isso mesmo, tem a obrigao de tomar distncia em rela o a tudo e a todos os que se envolvem no noticirio. A menos, lgico, que ele trabalhe em um veculo de comunicao partidrio e/ou cIassista. Nesse caso, sua funo a de conquistar o pblico para as posies do rgo que edita o jornal. Supe-se, lgico, que haja uma identificao poltica entre o jornalista e seu empregador nesse tipo de situao. No parece lgico nem funcional que um militante do PT edite um jornal do PFL, por exemplo. Teoricamente, a introduo da televiso no campo do jornalismo poderia conferir objetividade o carter de possibilidade real e no o de mito. Afinal, a cmera de TV registra, friamente, o que se passa, assim como os microfones captam os sons tais como so emitidos. Cmeras e microfones no tm emoes, nem formao cultural, nem background, nem opinies - logo, poderiam reproduzir objetivamente o que est acontecendo. Ocorre, entretanto, que, no caso do telejornalismo, a mediao entre o fato e a verso dele que levada ao ar multiplicou-se. O trabalho do reprter e do cinegrafista passa por uma quantidade de filtros que depuram sons e imagens dos aspectos considerados inconvenientes pelos diretores da estao - isso tambm acontece nos jornais e revistas, mas, na TV, reveste-se de cuidados excepcionais, ante o notrio impacto que tem uma imagem, comparada palavra escrita.

A grande demonstrao dessa fora foi a Guerra do Vietn: as imagens dirias de sangue e dor que entravam nos lares norte-americanos contriburam poderosamente para formar uma corrente de opinio pblica contrria continuao da guerra, o que pesou no seu desfecho, embora a guerra tenha, em ltima instncia, sido decidida, de fato, no prprio terreno em que se travava, ou seja, no Sudeste Asitico. Mais recentemente, a imagem de um soldado da Guarda Nacional do deposto ditador nicaragense Anastcio Somoza, matando, a sangue frio, um reprter da TV norteamericana, contribuiu para consolidar, mesmo nos Estados Unidos, o pas inspirador da criao da Guarda e sustentculo dos Somoza por largo perodo, a real imagem do somozismo: uma ditadura brutal. Nesse caso, a TV cumpriu rigorosamente a regra da objetividade: mostrar o que acontece, friamente, sem comentrios, sem emoes, a no ser aquela que transpira do prprio acontecimento. Mas a TV tambm pode ser utilizada, por meio da edio de imagens, para distorcer um fato real. O exemplo mais notrio o da edio feita pela Rede Globo de Televiso do segundo debate entre os candidatos Presidncia, Fernando Collor de Mello e Luiz Incio Lula da Silva, em dezembro de 1989. A opinio quase consensual dos analistas a de que Collor de fato foi melhor do que Lula no debate, mas a edio dada pela Globo fez Collor parecer incomparavelmente melhor do que Lula. Uma boa parte dos petistas acha que foi esse tipo de distoro, levado ao ar na antevspera da cotao, que ajudou Collor a derrotar Lula. Esse caso exemplar. Demonstra que a TV no precisa inventar nada. Ela pode, apenas com a seleo de imagens reais, criar uma realidade mais forte do que a que de fato aconteceu.

No livro h uma fotografia de um soldado do Vietn morto, mostrando toda a crueldade a qual esles foram expostos. A legenda diz: SOLDADO NORTEVIETNAMITA MORTO:PELOS JORNAIS A VIOLNCIA DA GUERRA CHEGA AOS LARES.

A Batalha Por DentroEntre a ocorrncia de um fato e a sua veiculao, seja por jornais ou revistas, seja pela televiso, percorre-se um caminho relativamente rpido, se medido em horas, mas bastante tortuoso e complexo. A comear do fato de que a imprensa no vive apenas dos episdios ocorridos num determinado dia, mas tambm da discusso, do debate e da anlise de acontecimentos ou situaes intemporais - ou seja, que esto acontecendo, e no simplesmente. que aconteceram. E, em jornais, revistas ou televiso, h um fio condutor que delimita o que ser publicado ou levado ao ar: a pauta. De mero instrumento de orientao para os reprteres e de informao para as chefias, a pauta acabou se transformando, com o tempo, em uma espcie de Bblia, ocasionando distores e limitaes ao trabalho jornalstico. Primeira distoro: a pauta, por ser elaborada principalmente em funo do que os prprios jornais publicam, gera um crculo vicioso, pelo qual os jornais se auto-

alimentam. Em conseqncia, a pauta reflete apenas parcialmente o que est acontecendo ou quais os assuntos que preocupam, efetivamente, o pblico em geral; ela acaba refletindo muito mais o que os jornais esto publicando e a televiso est mostrando. verdade que a pauta tambm composta de informaes enviadas s redaes pelos reprteres incumbidos da cobertura de setores especficos (Palcio do Governo, Prefeituras, Parlamentos, Polcia, etc) e pelos press-releases enviados por distintas organizaes s redaes. Mas tambm a ela acaba sendo necessariamente parcial: os setores cobertos regularmente pela imprensa so, quase exclusivamente, organismos oficiais, organismos do aparelho de Estado - e no organismos da comunidade em si. E os press-releases so, na sua esmagadora maioria, enviados pelas organizaes que dispem de suficientes recursos para armar esquemas de comunicao (o mais das vezes, empresas de grande porte) H, portanto, um cone de sombra sobre toda uma rea de atividade, diretamente ligada ao interesse da comunidade, que raramente ganha espao na pauta e, por extenso, no prprio jornal, revista ou TV. Segunda limitao da pauta: ela, no geral, reflete a idealizao das pessoas que permanecem nas redaes e no daquelas que esto em contato direto com os fatos ou as pessoas geradoras das notcias. Idealmente, a pauta deveria ser composta de fora para dentro das redaes. Ou seja, a ttulo de exemplo: o reprter incumbido, digamos, da cobertura da Cmara Municipal deveria ditar pautas em duas direes. A primeira, relacionada diretamente com o que ocorre naquela Casa Legislativa, pois de se supor que ningum est mais autorizado que ele para determinar o que importante e o que no nas discusses da Casa. A segunda ligada aos assuntos exteriores Cmara (esgoto na Vila X, falta de escolas no Bairro Y), que acabam batendo na Cmara, por meio das queixas ou sugestes dos eleitores do bairro ao vereador por eles eleito. No o que ocorre, na prtica. Pior: com acrescente desvalorizao da atividade legislativa nos ltimos anos, a cobertura jornalstica dos diversos Parlamentos acabou se reduzindo, e a funo de reprter setorista da Cmara Municipal de So Paulo, para citar um exemplo concreto, se transformou numa espcie de castigo. Para l tm sido enviados ou profissionais em divergncia com seus jornais, mas que no podem ser demitidos, por motivos legais, ou estagirios inexperientes, invertendo-se um processo que considerava a cobertura das Casas Legislativas um posto relevante, a ser ocupado por profissionais experimentados e altamente qualificados. E, por extenso, o espao ocupado pelo noticirio dessas Casas reduziu-se drasticamente, exceo feita ao Congresso Nacional. Terceira limitao: a pauta elaborada hoje, nos grandes jornais, por um pequeno grupo de profissionais, o que acabou criando uma categoria especfica, I ao lado de reprteres, redatores e editores: o pauteiro. E ela discutida tambm em crculo fechado, em uma reunio dos editores das diferentes sees dos jornais ou revistas, sem a participao, a no ser eventual, de reprteres e redatores. Ou seja, quem acolhe a notcia e quem a elabora no tem participao nas discusses sobre o que o jornal ou revista vai publicar, como vai publicar, sob que enfoque, tamanho etc. Essa deficincia se deve, em boa parte, ao natural crescimento do quadro profissional dos grandes jornais ou revistas. Hoje, as redaes de jornais como Folha

de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Globo, de Veja, da TV Globo para citar os principais jornais dirios do Pas, a revista de maior circulao e a rede de TV que detm virtual monoplio de audincia - so compostas por no menos de cem profissionais, a computados apenas aqueles que trabalham nas sedes, sem incluir sucursais e correspondentes. Seria, obviamente, impossvel discutir a pauta diria ou semanal com to grande nmero de pessoas. Mas reunies setoriais, entre os elementos que trabalham numa mesma editoria, poderiam suprir a lacuna e abrir o veculo para alguns assuntos que podem escapar - e geralmente escapam - ao pequeno crculo de pauteiros e editores.

Meio de Informao e ControleA pauta funciona em duas direes: orienta reprteres para o que devem fazer no seu dia-a-dia e informa as chefias, os diretores e/ou proprietrios das diversas publicaes sobre quase tudo aquilo que est sendo trabalhado pela redao. Nos grandes jornais j citados, a pauta hoje um calham ao de quinze, vinte ou mais laudas, geralmente minuciosa em cada item, e que circula generosamente nos gabinetes da Diretoria. Pelo menos nesses jornais, totalmente falsa a afirmao feita, certa vez, pelo ministro-chefe das Comunicaes Sociais da Presidncia da Repblica, Said Fahrat, segundo a qual os donos dos jornais no sabem o que est sendo publicado nos seus veculos. Mesmo os assuntos que surgem no correr do dia e que, por isso mesmo, no so includos na pauta, elaborada no perodo da manh e distribuda no incio da tarde s chefias e s direes - so imediatamente comunicados aos comandos, invariavelmente com tempo para que as direes da Redao ou da prpria empresa dem sua orientao sobre o tratamento, enfoque e at espao que esse assunto novo vai merecer. Uma quarta limitao da pauta no intrnseca a ela e pode ser perfeitamente contornada: ela, de certo modo, condiciona o reprter a obedecer aos quesitos previstos ou pedidos pelos pauteiros. Mas o reprter pode at desconhecer inteiramente a pauta e abordar o assunto da maneira que lhe parecer mais correta. Esse caminho implica um risco: o "mais correto" para o reprter pode no ser o "mais correto" para o Editor ou para a chefia de Redao - e, na estrutura extremamente vertical que vigora nas redaes, acaba geralmente prevalecendo a opinio dos chefes, em detrimento da viso daquele que realmente acompanha o assunto no local onde ocorre. justamente essa verticalizao a grande responsvel pela disseminao de um razovel grau de apatia e amorfismo nas redaes dos grandes veculos de comunicao de massa, atualmente, no Brasil. Os reprteres e redatores - que formam o maior contingente de jornalistas, em qualquer redao se sentem muito pouco responsveis pelo produto que esto ajudando a confeccionar. E cria-se, ento, um certo automatismo caracterstico de linha de montagem industrial, que colide com a viso (ou desejo) de um trabalho intelectual, como o jornalismo deveria ser. Idealmente, na verdade, a pauta um instrumento at dispensvel, pelo menos na forma como hoje adotada pelas grandes publicaes: extensa, minuciosa, quase uma receita completa de como cada reprter deve fazer a sua reportagem. O que no acontece, por exemplo, nos grandes jornais norteamericanos, nos quais a pauta uma mera indicao do assunto cuja cobertura atribuda a cada reprter. Se ocorresse

nos Estados Unidos um escndalo como o das irregularidades na Viao Area So Paulo (VASP), a pauta do jornal norte-americano indicaria: reprter X, caso VASP. Nos jornais brasileiros, ao contrrio, h toda uma srie de indicaes do que o reprter deve fazer, quais as pessoas que deve ouvir, at que perguntas deve fazer - o que pressupe desconfiana congnita na capacidade do reprter para apurar devidamente qualquer assunto. Se essa desconfiana tem ou no razo de ser, o que se discutir no captulo sobre a preparao e a formao dos jornalistas.

O estiloFigura que mostra um reprter escrevendo na mquina de escrever e uma outra pessoa corrigindo Se a pauta coloca uma limitao e uma deformao iniciais no ponto de partida do trabalho jornalstico, as chamadas normas de estilo impem uma segunda limitao, agora no ponto de chegada, ou seja, a hora de escrever um texto para jornal ou revista. Na televiso tambm h normas, mais de forma do que de estilo, que igualmente condicionam o trabalho do profissional A norma bsica, central, diz que toda reportagem deve responder a seis perguntas fundamentais (traduzidas dos manuais norte-americanos): quem, quando, onde, como, por que, o qu. Na prtica, o que constantemente ocorre que alguns dos seis itens bsicos a serem respondidos numa reportagem tm peso diferente conforme a notcia. Um exemplo concreto:"O presidente do Banco Central, Ibrahim Eris, anunciou ontem, em entrevista coletiva na embaixada brasileira em Washington, que o governo brasileiro fechou um acordo com o Fundo Monetrio Internacional. O acordo permite ao Brasil restabelecer relaes com a comunidade financeira internacional. Em conseqncia do acordo, o FMI emprestar ao Brasil cerca de US$ 2,4 bilhes". Essa notcia contm todos os elementos pedidos pelas regras bsicas da informao, a saber: 1. Quem? O presidente do Banco Central, Ibrahim Eris. 2. Onde? Em Washington, na embaixada brasileira. 3. Como? Em entrevista coletiva. 4. Quando? Ontem. 5. O qu? Um acordo com o Fundo Monetrio Internacional. 6. Por qu? Para restabelecer relaes com a co internacional e receber US$ 2,4 bilhes. No entanto, dois desses elementos so secundrios: o onde e o como. A notcia teria a mesma importncia se o anncio tivesse sido feito na sede do FMI em Washington ou no prdio do Banco Central, em Braslia. Da mesma forma, nada se alteraria se o anncio ocorresse no em entrevista coletiva, mas em discurso pela munidade financeira

televiso ou at mesmo em nota oficial imprensa. At a, tudo bem. Uma reportagem que responda, com clareza e riqueza de detalhes, a todas essas perguntas, de fato dar ao leitor uma dose extra de informaes. Ocorre que, com o passar do tempo, passou-se a exigir (no explcita, mas indiretamente) que todos esses seis elementos figurassem na abertura da reportagem - tecnicamente chamada Lead. Com isso, desvirtuou-se at semanticamente a palavra Lead. Em ingls, ela significa .conduzir" - ou seja, o incio de qualquer trabalho jornalstico deveria ser suficientemente atraente para conduzir o leitor ao restante do material. Da forma como o Lead encarado hoje, ele se transformou muito mais em um resumo de toda a matria, como se todos os leitores estivessem interessados apenas no incio de cada notcia e no no seu conjunto. Essa norma no escrita, vigente nos jornais dirios (em revistas, at pelo seu carter no-dirio, as normas so outras), parte do pressuposto de que o leitor, hoje, no tem tempo de ler toda uma notcia de cinqenta, sessenta ou mais linhas e, assim, se contenta apenas com as dez ou quinze linhas iniciais, que, por isso mesmo, devem conter um resumo de toda a reportagem. evidente que o tempo para a leitura de jornaisdiminuiu bastante, em funo do atropelo da vida nas grandes cidades. Mas supor que todos os leitores tm idntica falta de tempo para todos os assuntos uma generalizao perigosa e discutvel. bem possvel que um economista, por exemplo, no tenha tempo para ler o noticirio sobre o Campeonato Paulista de Futebol, mas talvez tenha tempo (e interesse) para ler toda uma notcia sobre o acordo Brasil-FMI. O esquematismo exagerado conduziu a tal padronizao que reprteres e redatores deixaram de ter como caracterstica central o domnio do idioma, de seu prprio estilo pessoal e da melhor maneira de captar o interesse do leitor (conduzindoo a ler todo o texto), para se transformarem em especialistas em uma tcnica: a de redigir informaes que respondam as seis perguntas fundamentais, de preferncia sintetizando-as no lead ou abertura da matria. verdade que, com isso, evita-se a "literalice em que incidem muitos jornalistas. Mas igualmente verdade que boa parte dos textos tornou-se sim mente aborrecida, cansativa, montona. Para facilitar a padronizao, generalizou emprego chamado copidesque, outra importao de modelos estrangeiros (fundamentalmente americanos). Copidesque o nome sofisticado se d ao redator, e convm ressalvar que sua introduo em grande escala na imprensa brasileira se deve apenas necessidade de padronizao tambm ao crescente volume de informaes produzidas fora da sede do jornal e que necessitam ser ajustadas aos padres, tamanhos e exigncias da sede. Hoje, os grandes jornais tm sucursais, correspondentes ou apenas informantes ocasionais nos mais distantes pontos do pas, e as notcias por eles enviadas sede tm, naturalmente, que passar pelas mos de algum que ajuste o texto, o tamanho, etc aos padres do jornal. Esse algum o copidesque. O copidesque funciona como o primeiro filtro pelo qual passa a produo do reprter o que j ocasiona uma primeira distoro entre a narrao do que aconteceu, na viso do reprter, e o que publicado. natural que o reprter que presencie determinado acontecimento se impressione mais com alguns detalhes e

menos com outros. Ou, que reproduza mais extensamente as declaraes de uma determinada pessoa e menos as de outra, ambas igualmente envolvidas no episdio. Se for um reprter digno desse nome, passar para o papel tambm as emoes do fato, ou, pelo menos, as emoes que ele sentiu. Ao ser trabalhado pelo copidesque, o texto do reprter poder ser expurgado no s da emoo (afinal, o copidesque trabalha permanentemente na Redao e no pode ter sentido emoo alguma com um fato que ele no presenciou) como de alguns dos detalhes aos quais o reprter deu nfase. Assim, a forma final em que a notcia vai aparecer no jornal , muitas vezes, mais a de quem no viu o acontecimento do que a de quem o presenciou. No se trata, bvio, de questionar a existncia do copidesque. Sua presena tornou-se imprescindvel ante o crescimento do volume de informaes procedentes dos mais diversos pontos do planeta a uma redao de jornal. E cada jornal publica no tudoI aquilo que ocorre no mundo, mas apenas aquilo que cabe no espao destinado informao (nos grandes jornais, esse espao varia de 40 a 60% do total de pginas de cada edio; o espao restante preenchido pela publicidade. E, a no ser em circunstncias excepcionais, ou seja, quando h um acontecimento extraordinrio a ser noticiado, a publicidade e no a redao que comanda o total de pginas com que ser publicado o jornal: um grande volume de anncios traz consigo um relativo aumento no nmero de pginas, mas um grande volume de notcias no tem a mesma conseqncia, a no ser, repito, no caso de um assunto de extraordinria importncia). O que, sim, se pode e deve questionar so as funes que o copidesque acabou por assumir numa redao. Em primeiro lugar, o de filtro quase inevitvel de tudo aquilo que produzido pela Reportagem, at mesmo, na maioria das vezes, pelos reprteres que trabalham na prpria sede da publicao. Ora, ou o reprter sabe escrever corretamente, de acordo com as normas estabelecidas pela empresa na qual trabalha, ou deveria ser substitudo por outro que preenchesse esse requisito. Admitir a existncia de reprteres que necessitem de um "revisor de luxo" de seus textos absurdo - mas acontece em quase todos os grandes jornais brasileiros. Em segundo lugar, boa parte dos redatores dos grandes jornais acabou por se transformar em burocratas da informao, entre outros motivos porque a empresa Ihes paga salrios relativamente reduzidos e eles s trabalham meio perodo (a legislao brasileira fixa um limite de cinco horas dirias para o trabalho do jornalista, mas tolera mais duas horas extras. Na prtica, entretanto, quase todos os reprteres estouram essas sete horas, at porque seria impensvel que, digamos, no meio de uma entrevista coletiva importante, ele se levantasse e abandonasse o servio porque j cumprira as sete horas regulamentares. No caso do copidesque, todavia, mais fcil o cumprimento do horrio e, justamente por isso, h uma crescente tendncia para a burocratizao da funo: inmeros copidesques tm outro emprego e chegam aos jornais onde trabalham no fim da tarde ou comeo da noite, horrio em que comea o perodo de "fechamento da edio, ou seja, de preparao final dos textos, ttulos, legendas etc., perodo em que sua atuao mais necessria). Tambm como conseqncia dessa burocratizao e dos salrios relativamente baixos, gera-se um crculo vicioso: os baixos salrios atraem profissionais, no geral, apenas razoveis e que no tm qualificao superior dos reprteres, embora acabem tendo poder de manipulao sobre os textos destes. Igualmente questionvel a padronizao, segundo normas que so mais empricas do que cientficas - se que pode haver cientificismo em se tratando de jornalismo. Afinal, h exemplos de publicaes bem-sucedidas tanto na faixa das que seguem rgidas padronizaes como daquelas que preferem deixar ampla margem criatividade e ao estilo pessoal de seus jornalistas. O maior sucesso editorial brasileiro,

em matria de revista semanal, foi atribudo durante anos extinta revista O Cruzeiro, que, nos anos 50, chegou a atingir a marca de oitocentos mil exemplares de tiragem. S nos anos 80 que a revista Veja alcanou tal patamar. E bvio que a populao, ns anos 80, era muito superior dos anos 50, significando, na prtica, que o recorde de O Cruzeiro continua de p. E O Cruzeiro no seguia parmetros rgidos, apoiando-se, fundamentalmente, na boa qualidade de seu corpo de reprteres e fotgrafos. A revista Veja serve como exemplo do extremo oposto, E tambm uma publicao muitssimo bem-sucedida, mas, ao contrrio de O Cruzeiro, segue uma padronizao to rigorosa que procura dar a impresso de que escrita pela mesma pessoa da primeira ltima linha, no que segue o modelo norte-americano de Time e Newsweek. H, portanto, modelos a serem citados, tanto para defender a padronizao absoluta como para conden-la absolutamente. Mas o xito alcanado pelo vespertino Jornal da Tarde, na poca de seu lanamento, em 1966, parece fazer a balana pender para o lado da no-padronizao. O Jornal da Tarde alcanou picos de tiragem e mantm, at hoje, uma boa vendagem exatamente porque rompeu completamente com as normas de estilo vigentes (sem mencionar o rompimento tambm com as regras de apresentao grfica que caracterizavam os jornais da poca). O Jornal da Tarde deu nfase ao chamado lado humano, procurando, em cada reportagem, enfocar mais os homens e mulheres responsveis por I um determinado acontecimento do que o fato propriamente dito. Nessa busca pelo humano - e tambm pelo original - cometeu at pecados graves de informao: certa vez, dedicou largo espao a uma corrida de automveis, falando do pblico, dos personagens, do espetculo, sem informar, entretanto, quem vencera a corrida. Esse exemplo demonstra que a no-padronizao no deve ser sinnimo de busca obsessiva da originalidade. A funo de um jornal ou de qualquer publicao no apresentar textos de grande originalidade, mas simplesmente apresentar bons textos, com muita informao e rigorosa exatido. A forma que toma esse texto estabelecidas certas premissas bsicas - que deveria ser deixada a critrio de seus reprteres e redatores. Afinal, uma das melhores publicaes de todo o mundo - o vespertino francs Le Monde - d a seus reprteres tal margem de liberdade ao escrever que eles podem comear a narrativa de, por exemplo, um golpe de Estado na Amrica Central pela descrio do nascer do sol no Caribe, sem que isso choque seus leitores. Nos jornais brasileiros, s um nome absolutamente consagrado correria o risco de fazer o mesmo. Nas revistas, entretanto, esse esquema at certo ponto habitual, o que explicvel: o fato em si (o golpe de Estado) j foi noticiado pelos jornais, pelo rdio e pela televiso. A revista sobra ou o aprofundamento da informao, com detalhes inditos e exclusivos (o que a cada dia mais difcil de obter, ante a massificao da informao), ou a anlise dos antecedentes e conseqncias do fato - um caminho que os jornais tambm percorrem, ao menos parcialmente, e que esbarra num obstculo fundamental a ser examinado mais adiante: entre a anlise e o comentrio puro e simples, as fronteiras so algo indefinidas, o que leva a maioria das publicaes a evitar a anlise, substituindo-a pelo editorial, mesmo porque comum a opinio do reprter ou redator no coincidir com a da publicao. No editorial, no h esse risco: ele a verdade daquela publicao e ponto final. Contra a padronizao absoluta, pesa ainda o fato, j mencionado antes, de que alguns jornalistas podem infringir as normas bsicas, sem riscos. Tome-se o exemplo do jornalista Paulo Francis, ex-correspondente da Folha de S. Paulo em Nova lorque. Profissional de larga experincia, inclusive em funes de chefia, com renome em todo o pas, o que raros jornalistas brasileiros conseguem, Francis utiliza um estilo personalssimo. Mistura informaes, comentrios, ironias (s vezes pesadas) e recordaes pessoais - tudo em franco contraste com as notcias publicadas ao lado de seus textos, com base nos despachos das agncias internacionais e preparadas de acordo com as normas corriqueiras do jornalismo.

Nem por isso Francis deixa de ser um dos jornalistas mais lidos do pas, conforme atestam pesquisas feitas pela prpria Folha. Detalhe: os textos mais comentados de Paulo Francis so exatamente os que saem nos cadernos de cultura/entretenimento. Em geral, tais textos ocupam toda uma pgina, o que no deixa de ser um desmentido tese de que o leitor no tem tempo para ler textos grandes.

Por qu a questo centralCom ou sem padronizao, muito provvel que um jornalista que consiga responder, com exatido e o maior nmero possvel de detalhes relevantes, s seis questes fundamentais de cada acontecimento (o que, quem, onde, como, quando, por que) produzir um trabalho jornalstico no mnimo aceitvel. Mas, no universo informativo atual, uma dessas seis perguntas deveria merecer prioridade sobre as outras: por qu. O porqu de um determinado fato envolve uma investigao profunda sobre seus antecedentes e conseqncias e uma razovel soma de conhecimentos sobre o tema que est sendo tratado. E imperioso que a imprensa se debruce sobre os porqus, na medida em que rdio e televiso tm limitaes congnitas para invadir esse terreno. O universo do rdio e da televiso feito de sons ou sons e imagens, justamente a grande vantagem desses veculos sobre o jornal e a revista. O rdio ganha em rapidez, o nico capaz de informar no mesmo instante em que o fato est acontecendo. A televiso, menos flexvel porque' a sua caracterstica central (a imagem) necessita de um equipamento que demanda certo tempo para chegar ao local do fato, ganha, por sua vez, exatamente por ser a nica a mostrar imagens em movimento. Ressalve-se que o verbo ganha no est sendo empregado no sentido de competio; a rigor, no h uma competio direta entre rdio e televiso ou entre rdio, TV e o jornalismo impresso. Todos e cada um tm seus meios e recursos prprios de expresso, interpenetrando-se e complementando-se. Houve, de fato, momentos em que se temeu que o advento e a massificao do rdio, primeiro, e da televiso, posteriormente, acabassem com o jornalismo impresso. Rapidamente todos perceberam que isso no s no aconteceria como poderia suceder at o inverso, ou seja, rdio e televiso funcionando como uma espcie de propaganda pare o jornal do dia seguinte. No Brasil - ou, particularmente, em So Paulo - o exemplo mais gritante dessa complementao( foi dado no incndio do Edifcio Joelma, no centro de So Paulo, no ano de 1974: o incndio comeou cedo e tomou propores dramticas (no final, mais de cem mortos). As emissoras de TV instalaram seus equipamentos nas imediaes do prdio em chama: e transmitiram horas e horas, ao vivo, a tragdia captando detalhes, cores e sons, que nem o mais hbil dos escritores conseguiria atingir para transmitir aos leitores dos jornais do dia seguinte. No entanto apesar dessa concorrncia aparentemente invencvel, todos os jornais venderam a totalidade de sua: tiragens, com pginas e mais pginas sobre o incndio. E um deles pelo menos o Dirio da Noite ganhar foi forado a aumentar a sua tiragem, ante a fantstica vendagem. A constatao dessa complementaridade no significa ignorar que cada tipo de veculo tem - ou deveria ter - seu eixo especfico. E se rdio e televiso j os tm, naturalmente (a rapidez, no caso do que se primeiro, e a imagem, para a TV), a imprensa, pelo menos no Brasil, ainda tateia na busca.de sua especificidade. E nesse

ponto que insisto em colocar a nfase, para a imprensa, no porqu. O fato seco, o "aconteceu", vai ao ar, pela televiso, na noite anterior - e quando um fato realmente importante vai ao ar mais de uma vez na mesma noite. O radio consegue, muitas vezes, anunciar o "aconteceu antes mesmo do anoitecer. Essa constatao no desobriga o jornal de reproduzir o fato seco, o mero "aconteceu., mas, se ele se limitar a isso, estar sendo simplesmente um veculo amanhecido e sem graa, na medida em que o seu "aconteceu no pode ser acompanhado de sons e imagens, embora possa ser mais rico em detalhes. Mas razovel supor que o universo restrito dos leitores de jornais busque um aprofundamento e queira entender melhor o "aconteceu. E tamanha a complexidade e diversidade de assuntos que afetam diretamente a rotina dos cidados ou Ihes interessam pela curiosidade e/ou necessidade de conhecimento que ele precisa ser ajudado a entend-Ios. Ele merece explicaes dos jornais. Seria impensvel que um leitor qualquer, por mais ilustrado, culto e bem informado que fosse, pudesse acompanhar e entender informaes secas sobre medicina e poltica, energia nuclear e Afeganisto, educao e meio ambiente No. Ele necessita de um aprofundamento, um questionamento que o jornal (ou revista) deveria estar em condies de fornecer. Evidentemente, no fcil. A dificuldade inicial que tambm os jornalistas no podem ter uma carga to universalizada de conhecimentos que lhe permita escrever, com a mesma facilidade, sobre medicina e poltica, energia nuclear e Afeganisto, educao e meio ambiente. H, verdade, um crescente nmero de jornalistas especializados em diferente temas - especializao forada pelas circunstncias antes apontadas. Mas a gama de assuntos to ampla que as empresas jornalsticas, mesmo maiores, no tm condies econmicas de manter em seus quadros especialistas para todos os tpicos que aparecem nos jornais (ou revistas), exceto, bvio, as revistas especializadas em um ou pouco temas. Essa dificuldade estrutural pode ser amenizada - mas no completamente sanada - por meio de providncias relativamente simples, mas, infelizmente, pouco generalizadas: uma delas o jornalista no especializado em um determinado tema que Ihe compete tratar recorrer aos arquivos de sua publicao e armar-se do maior nmero possvel de informaes j publicadas, referentes ao tema. evidente que isso demanda tempo - e tempo o artigo de que menos dispe o profissional (h excees, lgico, que apenas confirmam a regra). Outro caminho, este da alada direta das empresas jornalsticas; a manuteno de um quadro, mesmo informal, de consultores, formado por especialistas em cada rea, que poderiam ministrar ao reprter uma pequena aula sobre um tema determinado, antes que ele iniciasse o seu trabalho de levantamento de dados ou no momento de redigir as informaes j coletadas. A Folha de S. Paulo iniciou um processo de seminrios internos que busca dar mais base a seus profissionais. Convida especialistas para falarem sobre temas de sua especialidade, para reprteres e redatores da editoria que cuida desse assunto. O trgico que o interesse por esses seminrios raramente tem sido grande. O que, ao menos em tese, demonstra que nem todas as culpas pelas lacunas no trabalho dos jornalistas podem ser atribudas s empresas. A segunda dificuldade na busca do porqu de natureza poltica. Cada fato pode ter muitas explicaes, conforme a tica poltica de cada um que o examine - e a tica poltica do reprter e/ou redator no coincide necessariamente com a de seu editor ou de seu chefe de Redao - ou, finalmente, de seu diretor, dono da palavra final quanto ao que vai ser publicado ou levado ao ar, no atual esquema do jornalismo brasileiro. Tomemos um exemplo concreto: a crise internacional desencadeada pela invaso do Kuait pelo Iraque, no dia 2 de agosto de 1990. Antes de entrar no assunto, um pouco de memria: o Iraque tem uma antiga reivindicao a respeito do territrio do Kuait, que julga ser parte de seu prprio territrio. Tem tambm interesse nos campos petrolferos do Kuait. Alm disso, contraiu uma dvida imensa com os emires kuaitianos, que ajudaram o Iraque na

guerra contra o Ir (1980/1988). Houve um tormentoso processo de negociao, encerrado horas antes da invaso. Em seguida invaso, os Estados Unidos lideraram um processo que imps sanes econmicas e diplomticas ao Iraque e decidiram enviar um grande contingente militar ao Oriente Mdio. O governo norte-americano dizia que a fora militar destinava-se a evitar que o Iraque invadisse tambm a Arbia Saudita e poderia ser usada, como ltimo recurso para obrigar o Iraque a desocupar o Kuait. S essa memria j fornece uma srie de interrogaes e interpretaes potencialmente divergentes. Exemplos: 1 . A invaso do Kuait foi um ato de violncia ou apenas o exerccio da soberania iraquiana sobre um pedao de territrio que julga ser seu? 2. Os Estados Unidos deslocaram foras para Arbia Saudita para proteg-Ia de uma possvel invaso ou para tomar posse de um territrio riqussimo em petrleo? 3. Justifica-se o emprego de sanes econmicas e diplomticas contra um pas que ocupa outro, se Israel, na mesma regio, ocupou territrios que eram da Jordnia, da S ria e do Egito e no sofreu punio alguma? 4. Justifica-se uma potncia externa intervir em um assunto que alguns lderes rabes julgam ser de exclusivo domnio dos prprios rabes? A lista de perguntas poderia ser estendida quase ao infinito. E muito possvel que as respostas pudessem ser vrias para cada pergunta. Afinal, na maioria dos acontecimentos - principalmente os de natureza poltica, social ou econmica - o porqu pode depender da viso poltica, ideolgica, histrica ou at religiosa de cada um. Por isso mesmo fica imensamente difcil responder aos porqus de cada fato. Essa dificuldade, por mais intransponvel que possa parecer, no isenta o jornalista de buscar os porqus, ainda que no possa public-Ias todos. Mas fundamental que ele os conhea, at porque quase impossvel preparar uma boa reportagem sem que o jornalista saiba o porqu das coisas ou ao menos julgue sablo. sempre possvel mencionar numa reportagem as diferentes possibilidades, atribuindo-as, conforme for o caso, s fontes de informao que compartilham cada uma delas. Mas no basta colecionar respostas, abrir aspas e atribu-las a uma determinada pessoa. preciso fundamentar, ao mximo, cada uma das respostas dadas. bvio que se algum disser ao jornalista que o Iraque invadiu o Kuait porque Maom em pessoa apareceu diante do presidente do Iraque e lhe ordenou que invadisse o pas vizinho, essa resposta no merece considerao. A menos que o informante possa provar, sem a menor sombra de dvida, que tal apario realmente ocorreu. Pode parecer ironia mas esse um bom exemplo para demonstrar que o jornalista no pode, nunca, desprezar nenhuma v so, por mais extica ou maluca que parea. No ter preconceitos um bom caminho para acertar ou, a menos, para errar menos.

Mais FiltrosO copidesque no o nico e talvez sequer se. o mais importante filtro entre o

fato, tal como o viu reprter, e a verso que finalmente aparece publicada no jornal ou revista ou difundida pela TV ou rdio H outros filtros sucessivos: inicialmente, o edite que o chefe de seo (Editoria) para o qual trabalha o reprter. Os grandes jornais adotam, atualmente uma diviso por editorias que oferece algumas variaes de jornal para jornal, mas basicamente compreende as seguintes chefias: Poltica (que pode ou no ser desdobrada em Poltica e Administrao, sob uma chefia, e Nacional, sob outra, esta abrangendo os demais assuntos ocorridos fora da cidade onde se imprime o jornal e que no cabem nas demais editorias); Internacional, Local, Interior, Educao, Economia, Esportes, Cultura / Lazer/ Artes/ Entretenimento. Completa o quadro outra chefia, no diretamente e ligada ao processo de edio ou seja, forma final, editorial e .grfica, que toma o jornal -, mas ao processo de produo, isto , a todo o ciclo de captao p de notcias: a chefia de Reportagem, que comanda "- um grupo de reprteres que produzem matrias, alternadamente, para as diferentes editorias. Em alguns jornais, o chefe de Reportagem acumula tambm a funo de pauteiro, j mencionada anteriormente, e de chefe das Sucursais e Correspondentes -ou seja, de todo o grupo de jornalistas que trabalha fora da sede central da empresa. Nesse caso, acaba sendo, mais adequadamente, chefe de Produo e no apenas chefe de Reportagem. H publicaes, entretanto, que separam uma e outra funo. Os filtros pelos quais passa o material produzido tanto pelos reprteres que trabalham na sede como , pelos que atuam em outras cidades so os seguintes: o editor decide se o enfoque por ele seguido ou no.correto. No caso do reprter da prpria sede, a orientao pode ser dada antes que ele escreva, mas, para os que trabalham como correspondentes, ou em sucursais, se o editor decidir mudar o enfoque, a matria ter de ser refeita pelo copidesque. Segundo filtro: o tamanho. Cabe tambm ao editor decidir se uma determinada reportagem merece 60 ou apenas 20 linhas. E uma deciso que obedece a critrios no apenas polticos ou jornalsticos mas tambm ao espao de que aquela Editoria dispe para publicar todo o material que recebe determinado dia. Terceiro filtro: o tamanho do ttulo. evidente que uma notcia publicada com um ttulo forte chamar mais a ateno do que outra com ttulo pequeno.E, tambm nesse caso, o filtro pode ser poltico jornalstico ou puramente grfico - ou, s vezes, todos, eles ao mesmo tempo. Quarto filtro: colocao na pgina. tam bvio que uma reportagem colocada no alto de pgina atrai mais a ateno que outra, escondida num canto de pgina. Os critrios so os mesmos. Finalmente, compete ainda ao editor indicar (quando no o faz ele prprio) qual o ttulo que considera ideal para a reportagem. E como o ttulo necessariamente a primeira coisa que o leitor vai ler sua importncia fundamental. Uma excelente reportagem, at com denncias bombsticas, pode neutralizada por um ttulo andino. No tudo: acima dos editores, h a cpula da Redao, que influi decisivamente em todo o processo, desde a pauta at a edio final. O homem-chave na cpula, o secretrio de Redao, espcie de alma e corao de um jornal, que, mais recentemente, ganhou uma designao mais sofisticada: Editor Chefe. Alm da superviso geral de todo o noticirio, o secretrio decide a "cara" do jornal, ou seja, a primeira pgina. E outra deciso fundamental: diariamente, cada jornal publica seguramente vinte ou mais notcias dignas de um registro tambm na primeira pgina, mas esta, principalmente pelo maior apuro grfico exigido do "rosto" do jornal, comporta um nmero menor de informaes. Em tese, o critrio jornalstico - subjetivo e fluido, como j se viu ao longo destas

pginas - que determina as decises a serem tomadas por editores e pelos chefes de Redao. E, na maior parte dos ao julgava o governo Collor, ento s vsperas de completar seis meses de gesto. casos, esse o critrio central a influir nas decises Mas, quando o assunto de grande relevncia, entra em ao um segundo critrio, que se sobrepe ao primeiro: o julgamento poltico, em funo das posies que cada jornal adota. Esse segundo critrio permeia todas as decises anteriormente enuncia das, ou seja, influi poderosa ou decisivamente no tamanho da reportagem, no tamanho do ttulo, na colocao na pgina, na chamada (ou ausncia dela) na primeira pgina -, e, algumas vezes, at na no publicao de uma determinada notcia que contrarie os interesses fundamentais ou a viso poltico-ideolgica da empresa editora do jornal ou revista. A campanha eleitoral para a Presidncia da Repblica, em 1989, permitiu incontveis exerccios de sobreposio do critrio poltico ao jornalstico. Come a maior parte da mdia estava apoiando Fernando Collor de Mello ou, no mnimo, hostilizando seus perseguidores mais imediatos (Lula e Leonel Brizola) quase todos os ttulos eram "puxados" de forma favorecer Collor. Houve at momentos em que a queda de Collor nas pesquisas era ocultada, no ttulo, que preferiu destacar a queda (ou avano) de algum outro candidato. Mesmo depois da posse de Collor, essa tendncia continuou. O exemplo mais tpico foi dado pela Rede Globo de Televiso, na edio que noticiou pesquisa feita pelo Ibope a respeito de como a populao julgava o governo Collor, ento s vsperas de completar seis meses de gesto. A emissora informou que 79% dos pesquisados aprovavam o desempenho do governo, 19% no aprovavam e 2% no responderam. Ora, a pesquisa, na verdade, dizia que 8% achavam timo o governo Collor, 27% consideravam-no bom, 44% apenas regular, 8% ruim e 11 % pssimo. O que a Globo fez foi somar timo, bom e at regular como aprovao, obtendo 79%. Ora, a cotao regular no significa aprovao, como tambm no significa reprovao. Uma emissora que fosse de oposio sistemtica ao governo estaria, por esse mtodo, no direito de dizer que 63% dos pesquisados desaprovavam o governo. Bastaria somar os 44% de regular, os 8% de ruim e 11% de pssimo.

A Batalha Por ForaEmbora a batalha da informao tenha lances vitais vividos dentro de uma Redao, como j se viu ela tambm ocorre fora dela. A coleta de informaes precisas, acuradas e, dentro do possvel, aprofundadas, - ou, ao menos, deveria ser - o foco central do jornalismo. No caso brasileiro, em funo dos longos anos de arbtrio, de uma larga poca de censura prvia a algumas das mais importantes publicaes brasileiras, e da autocensura, seqela quase inevitvel da censura direta, est ocorrendo uma distoro grave do trabalho jornalstico: prefere-se a declarao informao. E fcil entender por que: a declarao compromete quem a faz, no quem a veicula, ao passo que a informao, no geral, de responsabilidade de jornalista. No que haja qualquer restrio maior coleta de declaraes. Ao contrrio: elas so necessrias e podem ajudar a compor um quadro informativo que facilite o entendimento pelo leitor daquilo que est ocorrendo. O que no deveria ocorrer o desvio de nfase noticiosa da informao para a declarao.

Um exemplo bastante ilustrativo de como a declarao, pura e simples, pode distorcer violentamente o noticirio: durante o golpe de novembro de 1979, na Bolvia, o enviado especial do jornal carioca O Globo empenhou-se decididamente em conseguir uma entrevista, de preferncia exclusiva, com o coronel Alberto Natusch Busch, autor de um golpe que enfrentava sria resistncia da sociedade civil e at de alguns setores institucionalistas das Foras Armadas. A pacincia e o empenho do reprter acabaram recompensados: certa manh, ele conseguiu cercar o coronel, entrada do Palcio de Governo, e extraiu dele declaraes exclusivas. O Globo dedicou manchete ao tema, com um ttulo que dizia, a partir das declaraes do coronel, que seu movimento estava consolidado no poder e respaldado pelas Foras Armadas. No mesmo dia em que o jornal carioca circulava com esse ttulo, Natusch Busch deixava o poder, entregando-o presidenta do Congresso, sob presso da sociedade e pela falta de unidade interna nas Foras Armadas. Concluso bvia, extensiva maior parte do material jornalstico: uma declarao, mesmo exclusiva e mesmo partindo de uma fonte altamente c da, como era o caso, no corresponde, na mente, verdade, at porque a pessoa q obviamente, no vai dizer coisas que possam prejudic-Ia, poltica, social, econmica ou moralmente. Por isso mesmo, o jornalista, ao partir para a coleta de informaes, deve estar municiado do maior nmero possvel de dados sobre o assunto de que vai tratar. No caso do exemplo citado, uma correta avaliao da situao ento reinante na Bolvia indicaria que o reprter deveria complementar as declaraes do coronel Natusch Busch com as informaes, abundantemente disponveis, que indicavam justamente o contrrio do que o militar estava declarando. Em outros casos, uma carga o mais ampla possvel de antecedentes, estatsticas, avaliaes, etc., de uma determinada situao, permite ao jornalista questionar seriamente o seu entrevistado evitando, assim, transformar-se num mero gravador de luxo, que transcreve mecanicamente tudo aquilo que o entrevistado afirma.

As fontesEvidentemente, abastecer-se de informaes sobre os antecedentes de um assunto no basta. Para compor uma reportagem, o jornalista vale-se, fundamentalmente, de fontes de informao, conhecedoras do tema, mas tambm nele interessadas (direta ou indiretamente, poltica ou economicamente, em busca de prestgio, vingana ou qualquer outro motivo). Extrair dessas fontes informaes que as prejudiquem , evidentemente, muito difcil, se no impossvel. Cabe, ento, ao reprter, pesar cada informao passada pelas fontes, confront-Ia com outras, oriundas, de outros informantes, avali-Ia em funo de seus prprio conhecimentos ou informaes anteriores sobre o tema - e, assim, compor o seu prprio quadro. Cultivar as fontes de informao , portanto, exerccio indispensvel ao jornalista. Mas h maneiras e maneiras de faz-Io - e a mais difcil a nica correta: pela rigorosa honestidade no trabalho jornalstico. Pode-se corromper uma fonte, seja pelo meio mais grosseiro, da compra pura e simples, seja estimulando a sua vaidade de aparecer nos jornais, revistas etc. Pode-se fazer o jogo dela, "plantando" no jornal uma notcia de interesse dessa fonte, ainda que no seja verdadeira no todo ou em parte. Esses - e h muitos outros - so os caminhos mais fceis. Mas o caminho

correto fazer-se respeitar pela irrestrita dignidade no comportamento pessoal e profissional. H inmeros exemplos de jornalistas que, pela sua honestidade, so respeitados pelas fontes de informao, mesmo quando veiculam notcias que no as agradam. A necessidade de cultivar fontes, somada j referida impossvel neutralidade do jornalista diante dos fatos que ocorrem, abre caminho para um outro tipo de risco nesse relacionamento, um risco sutil que, s vezes, se apresenta imperceptivelmente: distoro pela amizade. Ocorre, muitas vezes, que um jornalista, de tanto manter contatos com uma determinada fonte e por se identificar, poltica ou pessoalmente, com ela, acaba confundindo as coisas e transforma a fonte em amigo. Claro est que o jornalista no est proibido de ter amigos, ainda que este: sejam, simultaneamente, fontes de informao. O problema no perder, diante deles, o senso crtico - outra caracterstica central do jornalismo. s vezes, necessrio, por ser honesto e correto, criticar o amigo ou publicar uma informao que o desagrade. E, se o amigo for digno desse nome, nada ocorrer. Mas a proporo de vezes em que ocorre o rompimento da amizade, reconhea-se, ainda maior.

Quem so as fontesToda pessoa, em tese, pode ser uma fonte de informao: o contnuo de uma repartio pblica ou o ministro de Estado, chefe da mesma repartio; o secretriogeral de um partido poltico ou um simples militante de base da mesma agremiao; o presidente de um clube de futebol ou o roupeiro - e assim por diante. A diferena essencial entre uns e outros que, no geral, o ministro, o secretrio-geral e o presidente do clube so fontes mais autorizadas do que o contnuo, o militante e o roupeiro. Resta saber se so, tambm, mais confiveis -o que s o prprio reprter, com a sua experincia pessoal ou por informaes de companheiros conhecedores do assunto, pode decidir. E, para decidir, fundamental checar as informaes, conferir sempre, exaustivamente, no desprezar uma nica fonte (por menos informaes que ela, aparentemente, tenha). Aqui tambm, esse o caminho mais difcil: afinal, nos ltimos anos, governos e empresas privadas montaram sofisticados e complexos aparelhos de comunicao social, destinados a fornecer imprensa as informaes de seu interesse - e que podem no ser de interesse pblico - e para escamotear, quando no ocultar simplesmente, aquelas que no o so - e que podem ser, justamente, as de interesse social. Hoje, toda repartio pblica que se preze, toda empresa de mdio ou grande porte tem o seu "relaes pblicas" ou "assessor de imprensa", para o qual so encaminhados, como primeiro passo, os reprteres que procuram informaes nesses locais. Ali, os reprteres podem se abastecer com press releases - comunicados de imprensa -, muitas vezes requintados, coloridos, cheios de grficos, brilhantes. Contm tudo o que a empresa ou repartio gostaria que se dissesse dela. E muito pouco, o nada, daquilo que o reprter realmente gostaria de saber, pelo menos no caso brasileiro. H excees evidentemente: no caso de assuntos festivos (inauguraes, lanamentos, homenagens, discursos), de fato os press-releases acabam fornecendo substancioso material, mesmo para os reprteres mais exigentes.

Mas, nos assuntos crticos (e, repito, a crtica elemento central no jornalismo), escondem, muito mais do que revelam, se que revelam algo. Um exemplo concreto: durante a greve dos operrios metalrgicos.do ABC paulista, em abril/maio de 1980, a Volkswagen do Brasil distribuiu aos jornais pelo telex, um comunicado informando que retomara naquela data, a produo de veculos, fornecendo inclusive, os nmeros de carros de cada marca produzidos. Os jornais engoliram, na sua esmagadora maioria, a informao, que contrastava com os dados fornecidos pelos grevistas, segundo os quais as linhas de montagem de todas as indstrias automobilsticas situadas na regio continuavam paralisadas, em funo do grande contingente de operrios que aderira greve. Entre a informao de um grupo de operrios que sequer dispunha de seu sindicato (ento j sob interveno federal) e de seus lderes mal conhecidos (presos no Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social) e a informao de uma empresa poderosa, com um grande aparato de comunicao social, optou-se por esta, sem nenhum questionamento. S no dia seguinte que os reprteres que cobriam a greve, in loco, decidiram checar diretamente a informao. Apesar da oposio dos assessores de imprensa da Volkswagen, conseguiram entrar na fbrica. E viram e fotografaram as mquinas paradas, um ou outro operrio dormindo em plena linha de montagem, por falta do que fazer, ante a ausncia macia nesse setor que, como o nome diz ,uma linha contnua que s funciona quando cada subsetor est trabalhando normalmente.

As fontes oficiaisO caso da Volkswagen demonstra, claramente a necessidade imperiosa de checar tudo e checar sempre, se o jornalista quiser de fato veicular informaes corretas. Questionar continuamente uma caracterstica central do trabalho de campo do reprter. E tambm essa caracterstica foi vtima dos longos anos de arbtrio: perante a autoridade, todo poderosa nos anos de ditadura, o reprter foi perdendo a postura crtica, a capacidade de formular as perguntas inconvenientes ou desagradveis, mas necessrias. Nesses anos todos, passaram para o papel impunemente toneladas de bobagens ditas pelos poderosos de turno, engoliram-se milhares de press releases que deturpavam vergonhosamente a realidade. E o arbtrio, todos sabem, deixa seqelas mesmo quando, posteriormente, atenuado. Fica um resduo, no caso particular da imprensa, de autocensura, de conteno desnecessria diante do poderoso. Os reprteres, com as excees de praxe, continuam se comportando como se sobre eles ainda pesasse a possibilidade de punio pelo Ato Institucional n. 5, o mais violento instrumento de arbtrio no Brasil dos ltimos vinte anos. Quanto mais alta a autoridade, tanto maior a conteno dos reprteres diante dela. Veja-se, por exemplo, o caso das reunies dirias entre os porta-vozes da Presidncia da Repblica e os reprteres credenciados no Palcio do Planalto (reunies chamadas briefings, no jargo da imprensa, outra importao dos Estados Unidos): em uma delas, Alexandre Garcia, subsecretrio de Imprensa da Presidncia, defendeu a necessidade de aprovao, pelo Congresso, de um novo Estatuto dos Estrangeiros (projeto que era alvo de duras crticas de toda a imprensa e de todos os setores representativos da Sociedade Civil), alegando que um "pas oriental" no especificado pressionava o Brasil para aceitar dez milhes de imigrantes.

A espantosa notcia, contendo cifra to disparatada, foi veiculada em todos os jornais ainda que muitos, em editorias ou artigos assinados por seus colaboradores, manifestassem aberto descrdito em relao veracidade da informao. Faltou, na hora em que a informao era passada adiante, observar ao porta-voz que era desnecessrio um novo Estatuto, na medida em que o j vigente estabelecia que somente algumas profisses, das quais havia extrema carncia interna, tinham livre acesso ao Brasil. Usando, portanto, o velho Estatuto, se poderia enfrentar as fantsticas .presses" - argumento muito mais poderoso pa derrubar as explicaes do porta-voz oficial do ql duvidar, simplesmente, de sua informao, embora os nmeros citados fossem, realmente, to impressionantes que s podiam levar ao descrdito. Os exemplos citados evidenciam algumas d, principais armadilhas usadas na batalha da informao. Nesse cipoal de desinformao, prepotncias tergiversaes, parece mais fcil errar do que acertar, ainda mais que o jornalista, para enfrent-Io, necessita do apoio da empresa para a qual trabalha e que no raro, no tem desejo ou condies de opor-se aos grandes interesses econmicos ou aos poderosos do momento. Quando isso ocorre, sacrifica-se elo mais fraco - o jornalista - e com ele a verdade. Quando acontece o contrrio, ganham menos a empresa e o jornalista e mais o pblico, afinal o destinatrio da informao. FOTOGRAFIA - MOSTRA A LINHA DE MONTAGEM PARADA NA GREVE DE 1980

A Batalha Da PropriedadeExiste ou no liberdade de imprensa no Brasil? A resposta a essa pergunta foi muito fcil, durante os ltimos anos, nos quais prevaleceu a censura pr\ a um bom nmero de publicaes e avisos telefnicos a emissoras de rdio e televiso, proibindo a difuso de determinadas notcias. Nessas condies a resposta bvia s poderia ser no. E, nesse ponto estavam de acordo jornalistas e proprietrios de meios de comunicao social. No entanto, a censura prvia foi sendo, aos poucos, levantada, a partir c 1975, e, em 1978, deixou de ser aplicada aos tres ltimos jornais que a sofriam: os semanrios Movimento e O So Paulo (este, pertencente Igreja) o dirio Tribuna de Imprensa, do Rio de Janeiro. O mesma forma, comearam a diminuir, at cessar de vez, os avisos telefnicos s emissoras de rdio proibindo notcias. No seria, portanto, exagero afirmar que, a de 1979, o governo ps fim censura imprensa. Ficou de p, de qualquer forma, uma Lei de Imprensa anacrnica, que, entre outras coisas, impede a prova da verdade contra o Presidente da Repblica, apesar dessa limitao, o quadro brasileiro oferece razovel margem de liberdade para a imprensa, no que toca ao governamental A grande discusso dos anos 80 e que deve invadir tambm os anos 90 o fato de que parece haver mais liberdade de empresa do que liberdade de imprensa. Ou seja, os donos dos meios de comunicao so livres para veicular o que Ihes parece mais conveniente, mas os jornalistas que trabalham nesses veculos tm uma liberdade incomparavelmente menor. Essa uma discusso complexa. De um lado h o fato evidente de que seria difcil aceitar o que se poderia chamar de contrabando ideolgico. Traduzindo do: seria difcil aceitar que um jornalista de esquerda enfiasse em um jornal conservador

idias e/ou informaes de seu interesse, contrariando a linha editorial bsica do veculo. Mas tambm difcil aceitar que os jornalistas no tenham a possibilidade de influir ao menos na correo de distores que o veculo em que trabalham est cometendo, muitas vezes deliberadamente, em funo dos interesses polticos e/ou comerciais de seus proprietrios. verdade que a diviso esquerda/direita soa meio anacrnica hoje em dia, aps a falncia do chamado socialismo real, praticado pela Unio Sovitica e imposto aos pases do Leste Europeu durante os quarenta anos que se seguiram Segunda Guerra Mundial. Mas tambm verdade que o leque ideolgico aberto na grande imprensa no do tamanho do leque ideolgico da sociedade brasileira como um todo. Agrava o problema o fato de que a imprensa alternativa, de razovel sucesso nos anos de ditadura militar, murchou com a abertura poltica.

Comits ou sovietes?Nas campanhas profissionais dos ltimos anos, alguns sindicatos de jornalistas tm pleiteado dos empregadores essa participao, na forma de comits de redao, eleitos em cada uma delas e com incumbncias especficas. E os empresrios tm, sistematicamente, rejeitado tal petio, sob a alegao, no explcita, de que os comits seriam, na prtica, sovietes" de jornalistas, que se apossariam, aos poucos, do jornal, revista ou "TV em que se instalassem, mudando as posies editoriais que seus donos defendem. At certo ponto, a alegao tem um fundamento: sempre h o risco de que, em redaes nas quais h grande nmero de elementos de uma mesma corrente partidria ou ideolgica, esse grupo monopolize os comits de redao e passe a impor seus pontos de vista, frustrando os objetivos democratizantes da proposta original. Mas esse risco, creio eu, mnimo: na maioria das redaes, h uma ampla gama de tendncias polticas (ou partidrias) representadas, ao lado de uma grande apatia ou amorfismo poltico. Talvez no seja exagero afirmar que maioria dos jornalistas no tem uma clara opo poltico-ideolgica. E, por isso mesmo, h o receio do empresariado de que os demais jornalistas, politicamente definidos e com disposio para a ao, ao contrrio dos amorfos, acabem por prevalecer. O problema existe, foroso reconhec-Io. Mas o caminho para super-Io no simplesmente negar-se a discutir a possibilidade de comits de redao - ou qualquer outra frmula que permita a participao dos jornalistas na orientao editorial de qualquer veculo de comunicao - e, sim, combater a apatia e estimular a participao de todos. O segredo de qualquer comunidade realmente democrtica justamente participao de todos (ou, ao menos, da grande maioria) nas decises que a todos afetam. No h por que no aplicar esse conceito tambm pequena comunidade que uma redao de jornal, revista ou TV ainda mais que esse pequeno ncleo trabalha com um artigo que afeta, direta ou indiretamente, a vida de ncleos bem maiores: a informao.

Um exemplo: Le MondeA discusso dessa questo tanto mais necessria quando se considera que h exemplos, fora do Brasil, de bem-sucedidos mecanismos de participao dos empregados na gesto de empresas jornalsticas. O mais clssico de todos o do jornal francs Le Monde, um dos mais respeitados em todo o mundo. No Le Monde, a Sociedade dos Redatores detm 40% do capital da empresa, ficando mais 9% para a

Sociedade dos Quadros e para a Sociedade dos Empregados. Os patres ficam com 40% e os gerentes com os 11% restantes. A participao financeira representa uma arma de defesa dos redatores que, tendo uma minoria com poder de veto, podem influir na poltica redacional do jornal, decidir sobre os grandes investimentos, designar gerentes e diretores. A prpria imprensa brasileira acompanhou, em 1980, a eleio do diretor do jornal, feita pelos prprios redatores - ao que, alis, esteve na origem da Sociedade dos Redatores: ela foi criada para se opor inteno dos proprietrios de demitir o jornalista Hubert Beuve-Meury, ento diretor, no ano de 1951. No caso do Le Monde, as decises da vida cotidiana do jornal continuam sendo de competncia exclusiva da direo, mas as diferentes Sociedades internas instituram conselhos que influem na poltica global. A Sociedade dos Redatores, por exemplo, instituiu os "Conselhos de Redao", que, periodicamente, renem diretores e jornalistas para debater contrataes, demisses, reajustes salariais, controle da publicidade, grandes orientaes polticas da redao e assim por diante. um caminho, talvez imperfeito, mas sempre mais democrtico que o adotado nas publicaes brasileiras, nas quais a direo da empresa toma todas as decises, raramente consultando os jornalistas. um caminho que no levou o jornal runa financeira, nem ao descrdito por parte da opinio pblica. Ao contrrio: Le Monde hoje um jornal respeitado em todo o mundo e uma empresa que est recuperando seu vigor financeiro, depois de uma s ria crise econmica. interessante notar que a crise do Le Monde atribuda, em boa parte, ao fato de que o jornal perdeu a posio crtica diante do governo, a partir do instante em que.o socialista Franois, Mitterrand elegeu-se presidente da Repblica, em 1981. Como Le Monde defendia posies prxima da social-democracia, entrou em uma crise de credibilidade, que se refletiu nas vendas e, por fim, na sade financeira. Esse exemplo tem seu contra ponto no Brasil: O jornal Folha de S. Paulo elegeu a independncia absoluta em relao a partidos e governos em gera como sua bandeira. A partir da, o jornal iniciou um processo de crescimento que o levou ao primeiro lugar em tiragem, nos anos 80 e incio dos 90, bem como a um grau de prestgio incomparavelmente superior ao que desfrutava at meados da dcada anterior. Ou seja, independncia no bom apenas pare o leitor. Pode ser bom tambm para a empresa que a pratica com rigor. Retornando aos exemplos externos, bom lembrar que Le Monde no o nico disponvel. Na Itlia, normas que defendem a profisso acabaram incorporadas legislao trabalhista. E o caso, por exemplo, dos poderes do diretor do jornal, regulados pela artigo 6 do Contrato Nacional de Trabalho Jornalstico. Por esse artigo, os poderes do diretor, bem coma o programa poltico-editorial acertados entre ele e os proprietrios, devem ser comunicados Redao. Outro artigo do Contrato (n. 34) confere ao Comit de Redao a tutela dos direitos morais e materiais do jornalista, enquanto algumas publicaes - como o caso do Corriere della Sera, principal jornal italiano - vo mais alm: suas normas internas garantem que "nenhum artigo assinado (mesmo com as iniciais do autor) poder ser substancialmente modificado sem o consenso do autor". E, como a grande maioria dos artigos publicados pelo Corriere so assinados, a conseqncia inevitvel que o autor responde pelo que est publicando, com uma margem de liberdade incomparavelmente superior dos jornalistas brasileiros.

A Preparao da BatalhaSe o jornalismo uma grande batalha para a conquista de mentes e coraes, foroso reconhecer que a maior parte dos jornalistas entra nessa guerra com um preparo no mnimo insuficiente. E a a culpa de toda uma estrutura educacional defeituosa, cujos problemas foram sensivelmente agravados pela introduo do vestibular de mltipla escolha, o "teste de cruzinhas", condenado por todos os educadores mais responsveis deste pas. Como igualmente condenadas tm sido as escolas de jornalismo, um dos ramos do ensino de mais explosiva proliferao nos ltimos anos. Na verdade, a responsabilidade das escolas de jornalismo na precria formao de profissionais apenas relativa. O jornalista deve (ou deveria) chegar escola superior com um nvel de preparo e informa o que os cursos primrio e secundrio dificilmente oferecem, por motivos que no cabe discutir aqui. Pode parecer inacreditvel, mas h muitos alunos das faculdades de jornalismo que no conseguem escrever corretamente uma nica frase, por mais curta que seja. E, obviamente, no ser a escola de jornalismo que ir corrigir esse defeito estrutural. Alm disso, ela tambm no tem condies de oferecer, nos quatro anos de curso, toda a formao humanstica bsica que o jornalista acaba, cedo ou tarde, necessitando na profisso. Por isso, os 800 alunos de escolas de jornalismo que so despejados todos os anos no mercado de trabalho comeam a profisso em condies j desfavorveis e ainda carecem da experincia prtica que s o dia-a-dia acaba por Ihes fornecer - o que, de resto, acontece com quase todas, seno todas, as carreiras universitrias deste pas. O mdico ou o engenheiro, o dentista ou o advogado, s vo completar realmente o seu aprendizado na prtica, o que significa que os problemas dos recm-formados em jornalismo no so especficos das escolas de jornalismo, mas da maior parte do ensino acadmico do pas. O que, sim, se poderia e deveria reclamar das escolas que, pelo menos, fornecessem um embasamento terico que tornasse menos penoso o aprendizado prtico da profisso. E, mesmo a, no fcil: afinal, o jornalista necessita de duas coisas que podem acabar se revelando impossveis de conciliar nos quatro anos de ensino universitrio. De um lado, a formao. De outro, a informao. Est claro que ao jornalista no basta conhecer Histria Geral nos moldes em que ensinada nas Universidades, chegando at o comeo ou, no mximo, ao fim da Segunda Guerra Mundial. O jornalista precisa dessa formao, mas precisa tambm saber coisas bem mais contemporneas e pouco provvel que a escola tenha tempo (para no falar de condies) de fornecer-lhe ambas. Dou um exemplo concreto e pessoal dessa impossibilidade: quando estourou, em Portugal, no dia 25 de abril de 1974, a chamada "Revoluo dos Cravos", que derrubou o salazarismo, no poder havia 40 anos, fui enviado a Lisboa pelo jornal O Estado de S. Paulo, onde ento trabalhava. Cheguei redao do jornal por volta de 16 horas da tarde do dia 25 e j encontrei passagem marcada para Madri (o aeroporto de Lisboa estava fechado em conseqncia da Revoluo) para as 19 horas do mesmo dia. Tinha, portanto, trs horas para completar a documentao, fazer as malas, acertar problemas pessoais, chegar ao aeroporto e embarcar. E o que eu sabia de Portugal? Nos cursos primrio, secundrio e universitrio, o ensino da Histria portuguesa terminava invariavelmente com a Independncia do Brasil. De 1822 para c, Portugal desaparecia dos currculos, na medida em que perdia, tambm, importncia como potncia colonial. Minha bagagem cultural sobre Portugal era, portanto, no mnimo arcaica. Culpa da Universidade ou da escola

secundria? No creio. Afinal, nenhuma escola pode ensinar a histria de todos os pases at os anos mais recentes, sob pena de ter que prolongar os cursos por mais quatro ou cinco anos. Da mesma forma, o meu nvel de informao sobre Portugal era mnimo, para no dizer inexistente. Neste sculo, Portugal realmente perdera importncia no mundo e, por isso mesmo, perdera tambm status como notcia. Raramente aparecia nos jornais, a no ser em funo das guerras coloniais que travava na frica negra. possvel at que, no arquivo do jornal, eu encontrasse alguma informao atualizada que me ajudasse a entender um pouco o pas sobre o qual eu iria escrever a partir dos dias seguintes. Mas o tempo decorrente entre minha chegada a redao e minha partida para a Europa era escasso demais para que eu me lembrasse de fazer essa consulta - e isso ocorre com muita freqncia com os jornalistas, trabalhando invariavelmente contra o relgio. Resultado: embarquei para Portugal quase inteiramente virgem sobre o pas e sua realidade mais recente. A nica coisa que consegui fazer foi aproveitar as dez horas de viagem at Madri para ler Portugal e o Futuro, o livro recm-lanado do general Antonio de Spnola, que se transformaria em uma das principais figuras dos primeiros tempos da revoluo portuguesa. Com esse exemplo, no estou querendo inocentar as escolas, em geral, e as de jornalismo, em particular, pelas deficincias no ensino, que geram profissionais despreparados para o trabalho jornalstico. Quero apenas deixar claro que, a essas deficincias estruturais, agrega-se a dificuldade especfica de uma profisso que no permite acomodao ou a mais remota certeza de "saber tudo" sobre um pas, uma situao, um ramo do conhecimento humano.

A especializaoContra esses obstculos, cabem duas atitudes diametralmente opostas: o conformismo, a aceitao passiva de que as coisas so assim mesmo e nada possvel fazer, ou a luta pela permanente atualizao, a busca obsessiva pela complementao, de conhecimentos, de cultura ou de informao. E bvio que s a segunda correta. Mas ela , tambm, extremamente difcil, dificuldade acentuada pela precariedade das condies de trabalho da maioria dos jornalistas. Em primeiro lugar, a imprensa brasileira ainda no venceu a regra no escrita de que o jornalista um especialista em generalidade. Ou, em outras palavras, um sujeito que sabe pouco de muitas coisas. Essa teoria empurra o jornalista num dia para uma entrevista sobre urbanismo, no dia seguinte para uma reportagem sobre energia nuclear, no terceiro dia para uma entrevista com, digamos, o ministro de Relaes Exteriores da Arbia Saudita, um dia depois para um trabalho sobre transporte de massa - e assim por diante. Pode-se argumentar que nem todas essas reportagens demandam um aprofundamento que s um conhecedor mais habilitado de cada tema poderia obter. Mas certo que a qualidade da informao seria muito maior se cada um dos quatro assuntos citados pudesse ser tratado por um jornalista com razovel background deles. Assim como aumentam consideravelmente as chances de que um leigo total cometa alguma monumental bobagem ao escrever sobre temas que lhe so estranhos - quando no absolutamente indiferentes. E, medida que o pas se desenvolve, novos temas vo se incorporando s pginas dos jornais, exigindo do jornalista mais desdobramentos. O caso da energia nuclear talvez seja exemplar: at oito ou nove anos atrs, energia nuclear era uma questo de interesse de meia dzia de pases avanados ou dos especialistas

brasileiros no assunto. A partir da assinatura do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, em 1975, passou a ser tema obrigatrio nas pautas dos jornais - e de interesse da sociedade brasileira como um todo. No entanto, quantos jornalistas brasileiros podem, hoje, transcorridos cinco anos do acordo, escrever sobre energia nuclear com um mnimo de conhecimento? Pouqussimos. Alguns jornais recorreram a um expediente para "quebrar o galho": artigos de especialistas na matria. uma frmula condenada pelas associaes de classe dos jornalistas, porque estreita ainda mais o mercado de trabalho, mas uma frmula discutvel tambm sob outro aspecto: geralmente (h excees que apenas confirmam a regra) os especialistas escrevem para especialistas e no para o pblico em geral. Seus artigos acabam sendo hermticos, indecifrveis para quem no tenha uma razovel formao cientfica sobre o tema - e o trabalho jornalstico deveria ser exatamente o oposto, ou seja, levar informaes e anlises aos no iniciados sem, entretanto, cair num primarismo que se torne maante para os que detm algum conhecimento no ramo. No tenho nada contra um estudante de, digamos, veterinria que se dedique ao jornalismo. Tambm acho importante para o jornalismo que o campo de caa aos talentos se amplie em vez de ficar limitado aos profissionais formados pelas escolas de comunicao. Mas o problema no pode ser resolvido pela simples substituio de jornalistas por especialistas, a menos que o especialista seja capaz de escrever bem e claramente. No adianta nada trocar formandos em jornalismo por formandos em, por exemplo, economia, se estes escreverem em "economs", da mesma forma que no adianta nada defender o mercado s para jornalistas, se estes no souberem escrever. A frmula correta para a boa informao jornalstica deveria ser a especializao dos jornalistas e no apenas especialistas praticando jornalismo. Mas uma frmula complexa, como j se viu, porque envolve investimentos que as empresas esto pouco dispostas a fazer e que os salrios dos jornalistas no permitem que eles prprios o faam. Investimentos no apenas em mo-de-obra, mas em tempo livre para que essa mo-de-obra se aprofunde cada vez mais no domnio de um tema especfico. Continuando com o exemplo da energia nuclear: um jornal realmente interessado na boa informao deveria ter um jornalista conhecedor do tema em pelo menos trs capitais (So Paulo, Rio e Braslia), pelas quais circula a maior parte das informaes e discusses a respeito. um investimento grande, sem dvida. Mas, alm dele, preciso que a esses jornalistas seja concedido um certo tempo livre para ler (livros ou revistas estrangeiras) e ouvir (tcnicos ou pessoas que, eventualmente, tenham algo a ver com o tema) sem que, necessariamente, dessas leituras e conversas surja imediatamente uma reportagem para publicao. Rarssimas empresas jornalsticas se dispem a essa abertura, seja porque so regidas basicamente pelo af do produtivismo imediato de seus reprteres, seja porque desconfiam de que eles aproveitaro esse tempo livre para a ociosidade. Forma-se, assim, um crculo de ferro, muito difcil de ser vencido. Mas, aos poucos, alguma coisa tem sido conseguida: antigamente, o reprter era apenas reprter, sem complementao alguma, salvo o reprter policial, esse ser algo estranho, meio policial, meio jornalista, capaz de descobrir coisas de que a Polcia sequer suspeitava. Nos ltimos 20 ou 25 anos, comearam a se firmar as macroespecializaes: jornalistas polticos ou jornalistas econmicos - e assim por diante. Resta descer microespecializao, mas, enquanto ela no conquistada, o jornalista realmente interessado ainda tem algumas armas para combater o despreparo sobre certos temas que obrigado a enfrentar profissionalmente. A maior dessas armas, no caso das publicaes mais importantes: recorrer aos arquivos e ler o que for possvel a respeito da matria de que ir tratar. Geralmente, os arquivos dos jornais contm uma dosagem de informaes acima do razovel e permitem a um

reprter interessado situar-se com certa rapidez num assunto que lhe estranho - e evitar, assim, uma excessiva superficialidade. Pelo menos, poder evitar perguntas idiotas aos entrevistados ou, at, a publicao, por desconhecimento ou malentendido, de uma grossa besteira.

FOTOGRAFIA DE HONOR DE BALZAC OS JORNALISTAS NA VISO DE BALZAC, PELA VOZ DE UM DE SEUS PERSONAGENS: VENDEDORES DE FRASES

A honestidadeA melhor preparao para a funo jornalstica ser certamente jogada ao lixo se no for acompanhada de rigorosa honestidade no trabalho jornalstico. E a, o conceito de honestidade deve ser entendido no seu sentido mais amplo e no apenas no de no aceitar suborno de qualquer natureza para publicar (ou no publicar) informaes ou de levar vantagens materiais em troca de suas informaes (publicadas ou no). Nesse ponto, lano perguntas que constam de um trabalho do jornalista Bernardo Kucinski para o Congresso de Jornalistas realizado em So Paulo em 1979: " honesto um jornalista que no est preparado para executar determinada tarefa e sabe que no est? honesto o jornalista que no meticuloso e escrupuloso at os limites de suas. foras? E honesto o jornalista que trabalha levianamente?" Parece romantismo, utopia, at moralismo barato. Ainda mais se se contrapuser a tantas exigncias os salrios achatados dos jornalistas, achatados como o foram todos os salrios nos ltimos anos. Mas o fundo da questo, se se entende o jornalismo no como um ofcio tcnico, mas como uma funo social relevante. verdade que os salrios da maior parte dos jornalistas so relativamente baixos. E verdade que boa parte deles obrigada a trabalhar muito alm das horas previstas na legislao que regula a profisso. verdade que a maior parte das empresas no oferece as condies essenciais para o bom desempenho da atividade jornalstica. E com base nessas verdades que muitos jornalistas se eximem de suas responsabilidades, do cumprimento de seu dever, o que, na minha opinio, uma atitude vesga. O dever fundamental do jornalista. no para com seu empregador, mas para com a sociedade. E para ela e no para o patro que o jornalista escreve. Se os salrios so baixos, compete-lhe lutar, como as demais categorias profissionais, para meIhor-Ios. Se as condies de trabalho so negativas, idem, idem. O que ele no pode usar as deficincias da empresa na qual eventualmente trabalha como escudo para a sua prpria acomodao, despreparo ou acovardamento. Fazer bem e honestamente o seu trabalho uma exigncia, no para agradar os empregadores, mas para cumprir a sua misso.

A Batalha no MundoTalvez seja no noticirio internacional - ou, mais precisamente, no controle do fluxo internacional de informaes - que mais fique evidente o quanto o jornalismo uma batalha pela conquista de mentes e coraes. Como funciona esse mecanismo? A resposta mais ilustrativa pode ser encontrada numa publicao mensal brasileira,

dirigida essencialmente a homens de negcio, a revista Banas, que assinalava, em seu nmero de maro de 1980: "Como os pases industrializados controlam inclusive os meios de comunicao, e como os centros de produo agrcola ou mineral, na maioria dos casos, no dispem de estruturas culturais, empresariais e noticiosas fortalecidas, at as informaes sobre mercados, os boatos e a barragem de notcias forjadas desencorajam uma eficiente defesa de interesses dos produtores de matrias-primas, porque sua imprensa local funciona como satlite do mercado noticioso do exterior". No uma constatao vazia: os pases desenvolvidos controlam praticamente o circuito mundial de notcias, atravs de cinco agncias, editam 83 % do livros publicados no mundo, controlam as dez maiores agncias de publicidade do mundo (sete so norte-americanas e trs tm participao majoritria do capital norteamericano), produzem e exportam 77 de filmes para cinema - e assim por diante. As cinco agncias que ditam os rumos do noticirio internacional so a francesa Agence France Presse (AFP), a norte-americanas United Press International (UPI), Associated Press (AP), a inglesa Reuters, a italiana ANSA e a alem DPA, s quais se poderia acrescentar a espanhola EFE, alm de algumas menores, mas igualmente baseadas nos pases desenvolvidos. Uma pesquisa feita com jornais mineiros, o Jornal do Brasil, do Rio, e O Estado de S. Paulo mostra resultados absolutamente estarrecedores, embora de conhecimento geral no meio jornalstico: no perodo de uma semana, o noticirio internacional de O Estado foi preenchido, em 55,8 %, com material fornecido pelas grandes agncias citadas. Mais 9,4% ficou com reprodues de jornais estrangeiros (The New York Times, The Washington Star etc.). Somem-se outros 4,8 % de outras fontes externas e verifica-se que o jornal paulista preencheu apenas 30% de sua informao internacional com material de seus prprios jornalistas ou colaboradores. No caso do Jornal do Brasil, os nmeros so apenas ligeiramente melhores: 42,5 % de seu espao internacional era preenchido por fontes prprias. E, quando a pesquisa se estende imprensa regional, a situao se agrava consideravelmente: os jornais de Belo Horizonte, a terceira cidade do pas, ocuparam 93,6 % de seu espao com notcias fornecidas por apenas trs agncias internacionais: a AFP, a AP e a UPI. Esses nmeros so reveladores e devem ser entendidos no seu contexto poltico: quase todas as agncias mencionadas tm vnculos, diretos ou indiretos, com os governos de seus respectivos pases e refletem, na maioria das vezes, posies ou interesses deles - posies e interesses que raramente coincidem com os dos pases em vias de desenvolvimento. A rede das grandes agncias internacionais de notcias tentacular: elas esto presentes na grande maioria dos pases do mundo e vendem seus servios, da mesma forma, para quase todos eles. Vejamos alguns nmeros ilustrativos: a Associated Press, com sede central em Nova lorque, tem 8 500 assinantes em mais de cem pases; a Reuters, britnica, est estabelecida em 69 pases e vende seu material para 6500 clientes (dos quais 4700 so jornais); a France Presse, com suas 92 sucursais no Exterior, atinge 12 400 assinantes. O resultado dessa extenso das redes das grandes agncias o seu domnio quase absoluto do mercado: um estudo realizado em 1967 demonstrou que quase 80 % das notcias do Exterior divulgadas na Amrica Latina foram distribudas to somente por duas agncias, ambas norte-americanas, a UPI e a AP. O problema no apenas de volume: esse virtual monoplio confere s notcias divulgadas pelas agncias um tal peso, inclusive no interior de cada redao brasileira, que elas se sobrepem s notcias produzidas por fontes prprias das publicaes

brasileiras. Um exemplo bastante claro ocorreu em janeiro de 1979, durante a visita do papa Joo Paulo 11 ao Mxico. A bordo do avio que o levava de Roma a So Domingos (primeira escala da viagem), o papa concedeu entrevista a cada um dos jornalistas que acompanhavam a comitiva. Ao correspondente em Roma da revista brasileira Veja, Joo Paulo 11 comentou a Teologia da Libertao - uma avanada formulao teolgica que prega mudanas scio-poltico-econmicas em profundidade no Continente nos seguintes termos: "A Teologia da libertao uma teologia verdadeira, mas pode ser talvez uma falsa teoria. Se se comea a politizar a teologia, a aplicar sistemas ou meios de anlise que no so cristos, ento no mai