RSTJ 240 Consumidor(tomo2) · Manoel de Queiroz Pereira Calças Marcelo Junqueira Calixto Marco...

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PUBLICAÇÃO OFICIAL Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

VOLUME 240, TOMO 2ANO 27

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2015

Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIAGabinete do Ministro Diretor da Revista

DiretorMinistro Herman BenjaminChefe de GabineteAndrea Dias de Castro CostaServidoresEloame AugustiGerson Prado da SilvaMaria Anglica Neves SantAnaTcnica em SecretariadoMaria Luza Pimentel MeloMensageiroCristiano Augusto Rodrigues Santos

Superior Tribunal de Justiawww.stj.jus.br, [email protected] do Ministro Diretor da RevistaSetor de Administrao Federal Sul, Quadra 6, Lote 1, Bloco C, 2 Andar, Sala C-240, Braslia-DF, 70095-900Telefone (61) 3319-8055/3319-8003, Fax (61) 3319-8992

Revista do Superior Tribunal de Justia. N. 1 (set. 1989). -- Braslia : STJ, 1989 - .

Periodicidade varia: Mensal, do n. 1 (set. 1989) ao n. 202 (jun. 2006), Trimestral a partir do n. 203 (jul/ago/set. 2006).

Volume temtico na sequncia dos fascculos: n. 240 organizado por Antonio Herman Benjamin, Bruno Miragem e Claudia Lima Marques.

Repositrio Ofi cial da Jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia. Nome do editor varia: Superior Tribunal de Justia/Editora Braslia Jurdica, set. 1989 a dez. 1998; Superior Tribunal de Justia/Editora Consulex Ltda, jan. 1999 a dez. 2003; Superior Tribunal de Justia/ Editora Braslia Jurdica, jan. 2004 a jun. 2006; Superior Tribunal de Justia, jul/ago/set 2006-.

Disponvel tambm em verso eletrnica a partir de 2009: https://ww2.stj.jus.br/web/revista/eletronica/publicacao/?aplicacao=revista.eletronica.

ISSN 0103-4286

1. Direito, Brasil. 2. Jurisprudncia, peridico, Brasil. I. Brasil. Superior Tribunal de Justia (STJ). II. Ttulo.

CDU 340.142(81)(05)

MINISTRO HERMAN BENJAMIN Diretor

Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

Organizadores do Volume Temtico

RSTJ 240, Tomo 2 - Direito do Consumidor

Juristas Colaboradores

Antonio Herman BenjaminBruno Miragem

Claudia Lima Marques

Ada Pellegrini Grinover Adalberto Pasqualotto

Ademir Antonio Pereira Jr.Adriana Fagundes BurgerAlberto do Amaral Jnior

Amanda Flvio de Oliveira Amlia Soares da Rocha

Andr de Carvalho Ramos Antonia Espndola Longoni Klee

Antnio Carlos Efi ngAurlio Virglio Veiga RiosAurisvaldo Melo Sampaio

Bruno Miragem Calixto Salomo Filho

Cesar SantolimCntia Rosa Pereira de Lima

Clarissa Costa de LimaClaudia Lima Marques

Cristiano Heineck SchmittDaniela Trejos Vargas

Fernando Rodrigues Martins Guilherme MisugiGustavo Tepedino

Hctor Valverde Santana Heloisa Carpena

Joo Batista de Almeida Jos Carlos Maldonado de CarvalhoJos Rubens Morato LeiteKazuo Watanabe Larissa Maria de Moraes LealLeonardo de Medeiros Garcia Leonardo Roscoe Bessa Lucas Lixinski Lucia Ancona Lopez de Magalhes Dias Luciane Klein VieiraManoel de Queiroz Pereira Calas Marcelo Junqueira CalixtoMarco Antonio Zanellato Marcos Catalan Maria Paula BertranMaria Stella GregoriMarina Demaria VenncioNadia de AraujoOrlando Celso da Silva NetoPaulo Lbo Raimundo Gomes de Barros Rizzatto Nunes Roberto Augusto Castellanos Pfeiff erRonaldo Porto Macedo Jnior Rosana Amara Girardi Fachin

Rosana Grinberg Rosngela Lunardelli Cavallazzi

Sergio Cavalieri FilhoTeresa Ancona Lopez

Voltaire de Lima Moraes Werson Rgo

Resoluo n. 19/1995-STJ, art. 3.

RISTJ, arts. 21, III e VI; 22, 1, e 23.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIAPlenrio

Ministro Francisco Cndido de Melo Falco Neto (Presidente)Ministra Laurita Hilrio Vaz (Vice-Presidente)Ministro Felix FischerMinistra Ftima Nancy Andrighi (Corregedora Nacional de Justia)Ministro Joo Otvio de Noronha (Diretor-Geral da ENFAM)Ministro Humberto Eustquio Soares MartinsMinistra Maria Th ereza Rocha de Assis MouraMinistro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin (Diretor da Revista)Ministro Napoleo Nunes Maia Filho Ministro Jorge MussiMinistro Geraldo Og Nicas Marques Fernandes (Corregedor-Geral da Justia Federal)Ministro Luis Felipe SalomoMinistro Mauro Luiz Campbell MarquesMinistro Benedito GonalvesMinistro Raul Arajo FilhoMinistro Paulo de Tarso Vieira SanseverinoMinistra Maria Isabel Diniz Gallotti RodriguesMinistro Antonio Carlos Ferreira (Ouvidor)Ministro Ricardo Villas Bas CuevaMinistro Sebastio Alves dos Reis JniorMinistro Marco Aurlio Gastaldi BuzziMinistro Marco Aurlio Bellizze OliveiraMinistra Assusete Dumont Reis MagalhesMinistro Srgio Luz KukinaMinistro Paulo Dias de Moura RibeiroMinistra Regina Helena CostaMinistro Rogerio Schietti Machado CruzMinistro Nefi CordeiroMinistro Luiz Alberto Gurgel de FariaMinistro Reynaldo Soares da FonsecaMinistro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas

CORTE ESPECIAL (Sesses s 1 e 3 quartas-feiras do ms)

Ministro Francisco Falco (Presidente)Ministra Laurita Vaz (Vice-Presidente)Ministro Felix FischerMinistra Nancy AndrighiMinistro Joo Otvio de NoronhaMinistro Humberto MartinsMinistra Maria Th ereza de Assis MouraMinistro Herman BenjaminMinistro Napoleo Nunes Maia FilhoMinistro Jorge MussiMinistro Og FernandesMinistro Luis Felipe SalomoMinistro Mauro Campbell MarquesMinistro Benedito GonalvesMinistro Raul Arajo

PRIMEIRA SEO (Sesses s 2 e 4 quartas-feiras do ms)

Ministro Herman Benjamin (Presidente)

PRIMEIRA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

Ministro Srgio Kukina (Presidente)Ministro Napoleo Nunes Maia FilhoMinistro Benedito Gonalves Ministra Regina Helena CostaMinistro Olindo Herculano de Menezes *

* Desembargador convocado (TRF1)

SEGUNDA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

Ministra Assusete Magalhes (Presidente)Ministro Humberto MartinsMinistro Herman BenjaminMinistro Mauro Campbell MarquesMinistra Diva Prestes Marcondes Malerbi **

SEGUNDA SEO (Sesses s 2 e 4 quartas-feiras do ms)

Ministro Raul Arajo (Presidente)

TERCEIRA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

Ministro Villas Bas Cueva (Presidente)Ministro Joo Otvio de NoronhaMinistro Paulo de Tarso SanseverinoMinistro Marco Aurlio BellizzeMinistro Moura Ribeiro

QUARTA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

Ministra Isabel Gallotti (Presidente)Ministro Luis Felipe SalomoMinistro Raul ArajoMinistro Antonio Carlos Ferreira Ministro Marco Buzzi

** Desembargadora convocada (TRF3)

TERCEIRA SEO (Sesses s 2 e 4 quartas-feiras do ms) Ministro Sebastio Reis Jnior (Presidente)

QUINTA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

Ministro Felix Fischer (Presidente)Ministro Jorge MussiMinistro Gurgel de Faria Ministro Reynaldo Soares da FonsecaMinistro Ribeiro Dantas

SEXTA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

Ministro Rogerio Schietti Cruz (Presidente)Ministra Maria Th ereza de Assis Moura Ministro Sebastio Reis JniorMinistro Nefi CordeiroMinistro Ericson Maranho ***

*** Desembargador convocado (TJ-SP)

COMISSES PERMANENTES

COMISSO DE COORDENAO

Ministro Marco Buzzi (Presidente)Ministra Regina Helena Costa Ministro Gurgel de Faria Ministro Nefi Cordeiro (Suplente)

COMISSO DE DOCUMENTAO

Ministro Jorge Mussi (Presidente)Ministro Raul ArajoMinistro Villas Bas CuevaMinistro Moura Ribeiro (Suplente)

COMISSO DE REGIMENTO INTERNO

Ministro Luis Felipe Salomo (Presidente)Ministro Benedito GonalvesMinistro Marco Aurlio BellizzeMinistro Jorge Mussi (Suplente)

COMISSO DE JURISPRUDNCIA

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Presidente)Ministro Mauro Campbell MarquesMinistra Isabel GallottiMinistro Antonio Carlos FerreiraMinistro Sebastio Reis JniorMinistro Srgio Kukina

MEMBROS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Corregedora-Geral)Ministro Herman Benjamin (Efetivo)Ministro Napoleo Nunes Maia Filho (1 Substituto)Ministro Jorge Mussi (2 Substituto)

CONSELHO DA JUSTIA FEDERAL (Sesso 1 sexta-feira do ms)

Ministro Francisco Falco (Presidente)Ministra Laurita Vaz (Vice-Presidente)Ministro Og Fernandes (Corregedor-Geral da Justia Federal)

Membros EfetivosMinistro Mauro Campbell MarquesMinistro Benedito GonalvesDesembargador Federal Cndido Artur M. Ribeiro Filho (TRF 1 Regio)Desembargador Federal Poul Erik Dyrlund (TRF 2 Regio)Desembargador Federal Fbio Prieto de Souza (TRF 3 Regio)Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado (TRF 4 Regio)Desembargador Federal Rogrio de Meneses Fialho Moreira (TRF 5 Regio)

Membros SuplentesMinistro Raul ArajoMinistro Paulo de Tarso SanseverinoMinistra Isabel GallottiDesembargadora Federal Neuza Maria A. da Silva (TRF 1 Regio)Desembargador Federal Reis Friede (TRF 2 Regio)Desembargadora Federal Ceclia Maria Piedra Marcondes (TRF 3 Regio)Desembargador Federal Carlos Eduardo Th ompson Flores Lenz (TRF 4 Regio)Desembargador Federal Francisco Roberto Machado (TRF 5 Regio)

SUMRIO

RSTJ N. 240 - TOMO 1

APRESENTAO ..................................................................................................................................................21

JURISPRUDNCIA E COMENTRIOS

1. Relao Jurdica de Consumo .................................................................................23

AgRg no AREsp 41.062-GO (Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira)....25Comentrio de Clarissa Costa de Lima ...................................................29AgRg no AREsp 71.538-SP (Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira) ......36Comentrio de Maria Stella Gregori .......................................................42AgRg no AREsp 342.496-SP (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) ....48Comentrio de Adalberto Pasqualotto ......................................................51AgRg no AREsp 439.263-SP (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) .....59Comentrio de Heloisa Carpena .............................................................63AgRg no AREsp 471.670-SP (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) ....71Comentrio de Larissa Maria de Moraes Leal ........................................74AgRg no AREsp 626.223-RN (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) 79Comentrio de Marcelo Junqueira Calixto ..............................................86REsp 567.192-SP (Rel. Min. Raul Arajo) ...........................................93Comentrio de Cesar Santolim .............................................................102REsp 963.852-PR (Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira) ....................107Comentrio de Nadia de Araujo e Daniela Trejos Vargas .......................135REsp 1.162.649-SP (Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira) ..................143Comentrio de Teresa Ancona Lopez ...................................................188REsp 1.352.419-SP (Rel. Min. Villas Bas Cueva) ...........................194Comentrio de Leonardo de Medeiros Garcia .......................................203

2. Oferta e Prticas Comerciais ................................................................................211

2.1. Princpio da Vinculao da Oferta ..........................................................213

REsp 1.365.609-SP (Rel. Min. Luis Felipe Salomo) ........................213Comentrio de Raimundo Gomes de Barros .........................................232

2.2. Publicidade Abusiva ...............................................................................236

REsp 1.329.556-SP (Rel. Min. Villas Bas Cueva) ...........................236Comentrio de Lucia Ancona Lopez de Magalhes Dias .......................248

2.3. Banco de Dados e Cadastro de Consumidores .......................................256

REsp 1.419.697-RS (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) ...........256Comentrio de Bruno Miragem ..........................................................289

3. Contratos ..............................................................................................................299

3.1. Contrato Bancrio ..................................................................................301

REsp 656.932-SP (Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira) .....................301Comentrio de Roberto Augusto Castellanos Pfeiff er ..............................323

3.2. Contratos de Seguro de Sade ................................................................330REsp 735.750-SP (Rel. Min. Raul Arajo) ........................................330Comentrio de Aurisvaldo Melo Sampaio ............................................342REsp 1.280.211-SP (Rel. Min. Marco Buzzi) ...................................349Comentrio de Rizzatto Nunes ...........................................................368REsp 1.378.707-RJ (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) .............377Comentrio de Marcos Catalan ..........................................................398

3.3. Contrato Imobilirio ..............................................................................405

REsp 1.300.418-SC (Rel. Min. Luis Felipe Salomo) .......................405Comentrio de Werson Rgo ...............................................................416

3.4. Contrato de Seguro de Veculo ...............................................................427

REsp 1.447.262-SC (Rel. Min. Villas Bas Cueva) ...........................427Comentrio de Orlando Celso da Silva Neto, Jos Rubens MoratoLeite e Marina Demaria Venncio .........................................................441

3.5. Contrato de Telefonia (servios pblicos) ...............................................447

REsp 1.301.989-RS (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) ............447Comentrio de Maria Paula Bertran e Ronaldo Porto Macedo Jnior ....463

RSTJ N. 240 - TOMO 2

JURISPRUDNCIA E COMENTRIOS

4. Responsabilidade Civil do Consumidor ................................................................469

4.1. Responsabilidade pelo Fato do Produto ou Servio ................................471

REsp 1.094.769-SP (Rel. Min. Marco Buzzi) ...................................471Comentrio de Rosngela Lunardelli Cavallazzi ................................501REsp 1.107.024-DF (Rel. Min. Isabel Gallotti) ................................512Comentrio de Antonia Espndola Longoni Klee...................................518REsp 1.168.775-RS (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) ............535Comentrio de Rosana Amara Girardi Fachin ......................................545REsp 1.232.773-SP (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) .................553Comentrio de Joo Batista de Almeida ...............................................566REsp 1.268.743-RJ (Rel. Min. Luis Felipe Salomo) ........................572Comentrio de Rosana Grinberg .........................................................599REsp 1.280.372-SP (Rel. Min. Villas Bas Cueva) ...........................603Comentrio de Adriana Fagundes Burger e Amlia Soares da Rocha ......613REsp 1.281.742-SP (Rel. Min. Marco Buzzi) ...................................619Comentrio de Gustavo Tepedino .........................................................641REsp 1.288.008-MG (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) ..........647Comentrio de Claudia Lima Marques ...............................................663REsp 1.306.167-RS (Rel. Min. Luis Felipe Salomo) .......................672Comentrio de Sergio Cavalieri Filho ..................................................988REsp 1.331.628-DF (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) ............693Comentrio de Paulo Lbo ..................................................................704REsp 1.349.385-PR (Rel. Min. Villas Bas Cueva) ...........................709Comentrio de Lucas Lixinski ............................................................720

4.2. Responsabilidade pelo Vcio do Produto ou Servio ..............................724

AgRg no REsp 1.006.765-ES (Rel. Min. Villas Bas Cueva) ...........724Comentrio de Cristiano Heineck Schmitt ............................................736REsp 1.016.519-PR (Rel. Min. Raul Arajo) ....................................749Comentrio de Jos Carlos Maldonado de Carvalho ..............................767REsp 1.172.331-RJ (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) ..................772Comentrio de Leonardo Roscoe Bessa .................................................778

4.3. Solidariedade ..........................................................................................785AgRg no REsp 1.116.569-ES (Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira) ..785Comentrio de Antnio Carlos Efi ng e Guilherme Misugi .....................791REsp 547.794-PR (Rel. Min. Isabel Gallotti) ....................................798Comentrio de Manoel de Queiroz Pereira Calas ................................803REsp 827.833-MG (Rel. Min. Raul Arajo) .....................................809Comentrio de Fernando Rodrigues Martins .......................................817REsp 997.993-MG (Rel. Min. Luis Felipe Salomo) ........................826Comentrio de Cntia Rosa Pereira de Lima .......................................839REsp 1.098.236-RJ (Rel. Min. Marco Buzzi) ....................................849Comentrio de Hctor Valverde Santana .............................................864REsp 1.127.403-SP (Rel. Min. Marco Buzzi) ...................................873Comentrio de Alberto do Amaral Jnior e Luciane Klein Vieira ...........900REsp 1.309.981-SP (Rel. Min. Luis Felipe Salomo) ........................905Comentrio de Calixto Salomo Filho e Ademir Antonio Pereira Jr. .......921

4.4. Dano Moral ............................................................................................930

AgRg no REsp 1.107. 801-RS (Rel. Min. Isabel Gallotti) .................930Comentrio de Andr de Carvalho Ramos ...........................................936

5. Processo Civil do Consumidor ..............................................................................945

5.1. Competncia ...........................................................................................947

CC 128.079-MT (Rel. Min. Raul Arajo) .........................................947Comentrio de Amanda Flvio de Oliveira .........................................952

5.2. Inverso do nus da Prova .....................................................................957

EREsp 422.778-SP (Rel. Min. Isabel Gallotti) ..................................957Comentrio de Voltaire de Lima Moraes ..............................................981REsp 802.832-MG (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino) .............988Comentrio de Kazuo Watanabe .......................................................1010

5.3. Legitimao para Agir ..........................................................................1015

AgRg no AgRg nos EDcl no REsp 1.225.925-SP (Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira) ................................................................................1015Comentrio de Aurlio Virglio Veiga Rios ..........................................1034

5.4. Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogneos ........................1044

REsp 1.187.632-DF (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) ..............1044Comentrio de Marco Antonio Zanellato ..........................................1122REsp 1.293.606-MG (Rel. Min. Luis Felipe Salomo) ...................1136Comentrio de Ada Pellegrini Grinover ............................................1154

NDICE ANALTICO .........................................................................................................................................1157

NDICE SISTEMTICO ....................................................................................................................................1175

SIGLAS E ABREVIATURAS ...........................................................................................................................1179

REPOSITRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELOSUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA ..........................................................................................................1185

APRESENTAO

A Revista do Superior Tribunal de Justia, dando continuidade aos volumes temticos, novidade implantada na minha curta gesto como Diretor, apresenta agora coletnea de jurisprudncia comentada de Direito do Consumidor.

Como j referido na apresentao dos volumes dedicados ao Direito Ambiental, tal inovao temtica busca atender demanda crescente de especializao, de sistematizao e de aprofundada anlise doutrinria dos julgados do STJ em ramos do Direito que, embora jovens, tm presena marcante na prtica judicial cotidiana da litigiosidade brasileira.

Ademais, com esse lanamento o STJ tambm celebra os 25 anos do Cdigo de Defesa do Consumidor, lei extraordinria que, no custa repetir, revolucionou nosso Direito, de modo a simultaneamente atualizar a civilstica ultrapassada e instituir slido marco de cidadania sanitria e econmica, aspecto esse sempre realado pela incansvel Professora Ada Pellegrini Grinover, presidente da Comisso de Juristas encarregada de elaborar a nova lei e mestre de todos ns.

Pode-se afi rmar que no haveria CDC vivo sem o STJ, pois foram seus acrdos que, nessas poucas dcadas, sobretudo nos primeiros anos de vigncia, deram-lhe consistncia e respeitabilidade. Questes de segurana, efi ccia e qualidade de produtos e servios, controle de clusulas contratuais e prticas abusivas so apenas alguns exemplos dos benefcios trazidos pelo CDC, afi rmados, e at expandidos, reiteradamente na jurisprudncia do STJ.

O Volume 240 da Coleo RSTJ agrega decises selecionadas pelos prprios Ministros atualmente em exerccio na Segunda Seo da Corte, cada uma delas comentada por exmio especialista (48 leading cases analisados por 56 juristas). So julgados e comentrios de manifesta contemporaneidade e interesse, que, isoladamente ou em conjunto, transmitem o verdadeiro estgio atual de evoluo e amadurecimento da matria.

Como se sabe, o Direito do Consumidor, ramo inexistente no cenrio nacional at a promulgao do CDC, representa hoje uma das disciplinas jurdicas que, entre ns, mais se desenvolvem. Tal fenmeno explica-se por vrias razes. Inicialmente, pelo surgimento de entidades acadmicas, como o Instituto Brasileiro de Poltica e Direito do Consumidor Brasilcon, que serviu de ponto de encontro para os profi ssionais da rea, espao dedicado ao dilogo internacional e comparado, capacitao dos operadores do direito, divulgao da nova lei e produo terico-dogmtica. Segundo, a partir da, pela formao, em grande nmero, de especialistas, mestres e doutores, pela publicao de doutrina de altssimo quilate, espelhada em manuais e tratados, bem assim em consagrados peridicos, como a Revista de Direito do Consumidor, uma das poucas existentes no mundo.

Entretanto, na linha do que j afirmei em outro momento, aqui mesmo na Revista, doutrina e docncia pouco signifi cam sem prtica judicial robusta e constante. Essa talvez a grande diferena entre o nosso Direito do Consumidor e o de tantos outros pases, onde a matria no passa de aspirao terica, com pouca ou nenhuma repercusso no dia a dia dos tribunais e das pessoas.

A reside a eloquncia e a riqueza da jurisprudncia do STJ, nessa coletnea, como j indicado, retratada pela obra dos Ministros que compem sua Segunda Seo, embora a Primeira e a Terceira Sees tambm possuam magnfi cos precedentes de Direito do Consumidor, no mbito de sua competncia especfi ca (Direito Pblico e Direito Penal, respectivamente). Quem compulsar qualquer dos tomos se deparar com julgados dotados de articulao terica original e sofi sticada, o que pe o STJ na linha de frente da jurisprudncia consumerista mais progressista, tcnica e numerosa na perspectiva internacional.

Muito alm de mera constatao numrica, contudo, tal resultado refl ete a grande sensibilidade social e o amplo saber jurdico dos Ministros responsveis pelos julgados. Por conta dessa elaborao jurisprudencial massiva e de alto padro, podem eles e seus antecessores ser justamente considerados os mais infl uentes obreiros do Direito do Consumidor brasileiro.

Por isso mesmo, afora sua fi nalidade informativa e de divulgao, a coletnea, nem poderia ser diferente, denota merecida homenagem que a Revista presta aos atuais Ministros da Segunda Seo do STJ, reconhecimento do seu compromisso coletivo com o admirvel projeto poltico-jurdico, mas igualmente tico, de Nao, estampado na Constituio de 1988. Sem esquecer que eles no trilham caminhos incertos ou virgens, j que se benefi ciam do fi rme e corajoso empenho de esplndidos desbravadores, hoje aposentados, como os Ministros Aldir Guimares Passarinho Junior, Antnio de Pdua Ribeiro, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Humberto Gomes de Barros, Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite, Raphael de Barros Monteiro Filho, Ruy Rosado de Aguiar Jnior, Slvio de Figueiredo Teixeira, Sidnei Agostinho Benetti, para citar alguns dos Ministros-Juristas que escreveram a histria do Direito do Consumidor no STJ.

Os julgados colacionados espelham a prpria maturidade, preparo e excelncia dos juzes de primeiro grau, assim como dos Desembargadores dos Tribunais de apelao. Muito do mrito dos acrdos que ora se publicam deve-se a esses artfi ces devotados do Direito do Consumidor, os quais, com sucesso, souberam tirar a disciplina dos livros de leis e doutrina, ou mesmo do mundo das hipteses (law in the books), e dar-lhe visibilidade e efetividade, no mundo dos fatos (law in action). Inovaes que se multiplicam, inclusive na organizao judiciria, exemplo do Tribunal de Justia do Rio de Janeiro ao criar vrias Cmaras Especializadas na matria.

Finalmente, agradeo enormemente aos Professores Cludia Lima Marques, a mais renomada e admirada civilista brasileira, e Bruno Miragem, co-organizadores da obra, e aos demais juristas colaboradores, que, com seu trabalho, contribuem, de modo valioso, com a consolidao do Direito do Consumidor em nosso Pas. Destaco, na mesma linha, o labor incansvel e esmerado zelo da pequenssima equipe do Gabinete da Revista, to bem chefi ado pela Dr Andrea Costa.

Ministro Diretor da Revista Antonio Herman Benjamin

4. Responsabilidade Civil do Consumidor

4.1. Responsabilidade pelo Fato doProduto ou Servio

RECURSO ESPECIAL N. 1.094.769-SP (2008/0223841-8)

Relator: Ministro Marco BuzziRecorrente: Academia Paulista Anchieta S/C LtdaAdvogado: Adriana Incia Vieira e outro(s)Recorrido: Renata GuirroAdvogado: Clio Caus Jnior e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Ao anulatria de clusula contratual c.c. indenizao por danos morais e materiais. No formao de novas turmas de curso superior (extino de curso universitrio). Transferncia de aluna para outra instituio de ensino. Responsabilidade civil da universidade reconhecida pelas instncias ordinrias, ao entenderem configurados e comprovados os danos alegados, no obstante o afastamento da arguida abusividade da clusula contratual que faculta universidade a extino do curso por ausncia de viabilidade econmico-fi nanceira. Autonomia universitria (art. 207 da CF/1988). Possibilidade de extino de curso superior, nos termos do artigo 53, inciso I, da Lei n. 9.394/1996. Recurso especial provido, a fi m de julgar improcedente o pedido condenatrio.

Insurgncia da instituio educacional.1. Violao ao art. 535 do CPC no confi gurada. Acrdo local

que enfrentou de modo fundamentado todos os aspectos fundamentais ao julgamento da demanda.

2. Nos termos do Cdigo de Defesa do Consumidor, o contrato de prestao de servios educacionais traduz relao de consumo.

3. A instituio educacional privada de ensino superior goza de autonomia universitria, nos termos do art. 207 da Constituio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

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Federal, motivo pelo qual possvel, ante a inviabilidade de determinado curso, proceder sua extino, conforme preceito constante do art. 53, I, da Lei n. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional.

4. O art. 6, III, do CDC que institui o dever de informao e consagra o princpio da transparncia, alcanou o negcio jurdico entabulado entre as partes, porquanto a aluna/consumidora foi adequadamente informada acerca da possibilidade de extino do curso em razo de ausncia de quorum mnimo, tanto em razo de clusula contratual existente no pacto, quanto no manual do discente.

5. No caso, no se verifi ca o alegado defeito na prestao de servios, haja vista que a extino de cursos procedimento legalmente previsto e admitido, no sendo dado atribuir-se a responsabilizao universidade por evento sobre o qual no h qualquer participao ou infl uncia da desta (ausncia de alunos e no obteno, pela aluna, de aprovao), mormente quando cumpre todos os deveres nsitos boa-f objetiva.

Na relao jurdica estabelecida com seu corpo discente, consoante atestado pelas instncias ordinrias, a instituio de ensino forneceu adequada informao e, no momento em que verifi cada a impossibilidade de manuteno do curso superior, ofereceu alternativas aluna, providenciando e viabilizando, conforme solicitado por esta, a transferncia para outra faculdade.

6. Recurso especial provido para julgar improcedente os pedidos da inicial.

ACRDO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que so partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justia, prosseguindo no julgamento, aps o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomo, negando provimento ao recurso especial, divergindo do Relator, e os votos dos Ministros Raul Arajo e Maria Isabel Gallotti, acompanhando o Relator, e o voto do Ministro Antonio Carlos Ferreira, no sentido da divergncia, por maioria, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Relator.

Responsabilidade Civil do Consumidor

RSTJ, a. 27, (240): 469-944, outubro/dezembro 2015 473

Vencidos os Ministros Luis Felipe Salomo e e Antonio Carlos Ferreira. Votaram vencidos os Srs. Ministros Luis Felipe Salomo (voto-vista) e Antonio Carlos Ferreira.

Os Srs. Ministros Raul Arajo (Presidente) e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Braslia (DF), 18 de maro de 2014 (data do julgamento).Ministro Raul Arajo, PresidenteMinistro Marco Buzzi, Relator

RELATRIO

O Sr. Ministro Marco Buzzi: Cuida-se de recurso especial interposto por Academia Paulista Anchieta Sociedade Civil Ltda, com fulcro no artigo 105, inciso III, alneas a e c, da Constituio Federal, contra acrdo proferido pelo Tribunal de Justia do Estado de So Paulo.

Na origem, Renata Guirro ajuizou ao anulatria de clusula contratual, cumulada com perdas e danos e lucros cessantes em face da Academia Paulista Anchieta Sociedade Civil Ltda., visando obteno de ressarcimento pelos danos materiais e morais sofridos em razo da extino/fechamento do curso de graduao em engenharia qumica, com base na clusula 4, 1 do contrato educacional formulado entre as partes.

Segundo a exordial, no ano de 1997 a autora prestou exame vestibular, tendo ingressado no curso de engenharia de alimentos da Universidade Bandeirante de So Paulo - UNIBAN, que tem como mantenedora a Academia Paulista Anchieta.

Aps dois anos de estudos, o curso foi fechado pela instituio educacional, tendo a estudante optado por transferir-se para o curso de engenharia qumica, que continuaria a ser oferecido pela r.

Com a concluso do terceiro e quarto ano de estudos em engenharia qumica, a autora, em razo de no ter alcanado notas sufi cientes em cinco matrias, necessitou proceder repetio do quarto ano. Ao tentar efetuar a matrcula, tomou cincia da cessao do oferecimento do curso de engenharia qumica.

Depreende-se, ainda, que a universidade, como forma de superar o problema, ofereceu a opo de transferncia com aproveitamento de matrias

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para a Faculdade Oswaldo Cruz ou Universidade Santa Ceclia, ambas situadas em localidades distantes do domiclio da acadmica.

Pleiteou a autora, alm da declarao da nulidade da clusula contratual, a condenao da instituio educacional ao pagamento de: (i) indenizao por danos morais, a ser apurado em liquidao de sentena; e (ii) indenizao pelos danos patrimoniais decorrentes da mudana da instituio de ensino superior (diferena de custo de transporte, diferena do valor de mensalidades, o acrscimo de um ano ao curso e demais despesas a serem apuradas em liquidao).

Sentenciado o feito, o magistrado singular julgou parcialmente procedentes os pedidos veiculados na inicial para o fi m de condenar a r a pagar autora:

a) R$ 12.000,00 (doze mil reais) a ttulo de reparao pelos danos morais sofridos;

b) R$ 158,00 (cento e cinquenta e oito reais) por ms relativos diferena de despesas de transporte;

c) R$ 120,00 (cento e vinte reais) por ms ttulo de reparao de despesas com alimentao durante os meses em que lhe foram ministradas aulas, adotando como termo a quo a data a partir da qual passou a autora a frequentar o curso na Faculdade Osvaldo Cruz;

d) as mensalidades correspondentes ao ltimo ano do curso de engenharia qumica frequentado na Faculdade Oswaldo Cruz, segundo os valores ento vigentes;

e) a diferena de valores das mensalidades que eram pagas r pela autora e as que por esta foram pagas Faculdade Oswaldo Cruz (montante de R$ 151,40 no ms de janeiro de 2004, que deve ser apurado ms a ms desde a matrcula da autora na Faculdade Osvaldo Cruz);

Ainda, deferiu a antecipao dos efeitos da tutela, determinando que a r passe a pagar, todo dia 10 de cada ms e sob pena de multa diria de R$ 500,00 (quinhentos reais), os valores mensais atinentes diferena de despesas de conduo e a ttulo de reparao das despesas com alimentao durante a frequncia da autora no curso superior, bem como os relativos s diferenas de valores das mensalidades que eram pagas r ela autora e as que por esta so pagas Faculdade Osvaldo Cruz. (fl . 173, e-STJ)

Inconformada, a r interps recurso de apelao, recebido apenas no efeito devolutivo, ao qual o Tribunal de origem negou provimento, nos termos da seguinte ementa:

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Prestao de servios educacionais. Extino do curso universitrio. Transferncia de aluna para outra universidade distante de sua residncia. Danos morais e materiais. Confi gurao. Reparao devida.

Apesar de constar no contrato de prestao de servios educacionais a necessidade de quorum para a formao de turmas, a aluna no pode ser prejudicada pela ausncia de viabilidade econmico-fi nanceira para a instituio de ensino continuar a oferecer um curso acadmico, mesmo porque o contrato de prestao de servios educacionais tipicamente de adeso, protegido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, da resultando que as clusulas que restringem direitos devem ser interpretadas estritamente e, em caso de dvida, no interesse do contratante.

Recurso improvido. (fl . 235, e-STJ)

Requereu a autora a extrao de carta de sentena para proceder execuo provisria do julgado. (fl s. 222)

Opostos embargos de declarao pela associao educadora, estes foram rejeitados pelo acrdo de fl s. 249-252.

Irresignada, a r interpe recurso especial (fls. 260-278, e-STJ), com fundamento no artigo 105, inciso III, alneas a e c, da Constituio Federal, sustentando, alm de dissdio jurisprudencial, a existncia de:

a) violao ao artigo 535, inciso II, do Cdigo de Processo Civil, pois o Tribunal local teria se omitido na anlise do ponto fundamental de sua defesa, consistente na informao precisa e oportuna quanto necessidade de um nmero mnimo de alunos para a formao de uma turma, bem como acerca de clusula resolutria alternativa existente no contrato de prestao de servios, que deixa escolha do contratante a opo pela resciso do contrato ou transferncia para curso diverso da mesma instituio ou de outra;

b) ofensa aos artigos 188, inciso I, e 393 do Cdigo Civil e 54, 2, do Cdigo de Defesa do Consumidor, porquanto: i) inexistente o dever de indenizar, haja vista que a aluna foi previamente informada (manual do vestibular) sobre a necessidade de quorum mnimo para formao de turmas; ii) no ocorreu a extino da turma da autora, pois a sua reprovao no quarto ano que impossibilitou que conclusse o curso com os demais alunos; iii) a universidade possui autonomia e o fechamento do curso decorre de exerccio regular de direito; iv) a no concluso do curso pela autora decorreu de caso fortuito sobre o qual a instituio no se responsabilizou; v) a existncia de clusula resolutria em contratos de adeso permitida, desde que as clusulas que restrinjam direitos sejam interpretadas restritivamente.

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Contrarrazes s fl s. 308-318, e-STJ.Inadmitido na origem, o apelo extremo ascendeu a esta Corte por fora da

deciso exarada pelo Min. Joo Otvio de Noronha, no Agravo de Instrumento n. 1.023.908-SP.

o relatrio.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): No mrito, o presente recurso especial merece acolhida.

1. Preliminarmente, no que concerne apontada omisso do Tribunal de origem, verifi ca-se dos autos que o acrdo recorrido no padece do vcio apontado, pois ostenta fundamentao robusta, explicitando as premissas fticas adotadas pelos julgadores e as consequncias jurdicas dali extradas. O seu teor resulta de exerccio lgico, restando mantida a pertinncia entre os fundamentos e a concluso, no havendo falar, portanto, em ausncia de fundamentao, tampouco em omisso.

Depreende-se que, no tocante necessidade de quorum mnimo para a formao de turmas e acerca de clusula resolutria alternativa existente no contrato de prestao de servios, que deixa escolha do contratante a opo pela resciso do contrato ou transferncia para curso diverso da mesma instituio ou de outra, assim se manifestou a Corte local:

Apesar de constar no contrato de prestao de servios educacionais a necessidade de quorum para a formao de turmas, a aluna no pode ser prejudicada pela ausncia de viabilidade econmico-fi nanceira para a instituio de ensino continuar a oferecer um curso acadmico, mesmo porque o contrato de prestao de servios educacionais tipicamente de adeso, protegido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, da resultando que as clusulas que restringem direitos devem ser interpretadas estritamente e, em caso de dvida, no interesse do contratante.

Ademais, o principal objetivo de um aluno quando ingressa em uma universidade o de terminar o curso para o qual foi matriculado para posteriormente exercer a profi sso, sendo que as clusulas que se revelam por demais restritivas dos direitos do aluno devem ser interpretadas segundo a funo social do contrato, levando em considerao a natureza e o contedo da contratao, bem como o interesse das partes.

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Com efeito, o Tribunal a quo se manifestou acerca de todas as questes relevantes para a soluo da controvrsia, tal como lhe fora posta e submetida, afi gurando-se dispensvel, ademais, o exame pontual de cada uma das alegaes e fundamentos expendidos pelas partes.

Nesse sentido, confi ram-se os seguintes precedentes: AgRg no Ag n. 1.402.701-RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomo, Quarta Turma, julgado em 1.9.2011, DJe 6.9.2011; REsp n. 1.264.044-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 1.9.2011, DJe 8.9.2011; AgRg nos EDcl no Ag n. 1.304.733-RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.8.2011, DJe 31.8.2011; AgRg no REsp n. 1.245.079-MG, Rel. Ministro Benedito Gonalves, Primeira Turma, julgado em 16.8.2011, DJe 19.8.2011; e AgRg no Ag n. 1.407.760-RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 9.8.2011, DJe 22.8.2011; REsp n. 264.101-RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomo, Quarta Turma, julgado em 10.3.2009, DJe 6.4.2009.

2. No mrito, cinge-se a controvrsia confi gurao da responsabilidade civil da Associao Paulista Anchieta, mantenedora da Universidade Bandeirante, pelos alegados prejuzos experimentados face a extino do curso de graduao (engenharia qumica) cursado pela autora, em razo da ausncia de nmero mnimo de alunos para a formao de turma e a sua transferncia para outra instituio de ensino superior.

Inicialmente, indispensvel ressalvar que no est em discusso qualquer responsabilidade da universidade pelo no fornecimento do curso de engenharia de alimentos, curso para o qual alega a aluna ter prestado o concurso vestibular, porquanto as matrias ministradas nos dois primeiros anos no estavam direcionadas a qualquer ramo da Engenharia em especfi co, mas a um ciclo bsico comum, e sequer constituem objeto de irresignao da parte autora, pois esta optou por transferir-se para o curso de engenharia qumica.

Logo, a controvrsia fi ca limitada apenas aos alegados prejuzos oriundos da extino da turma do quarto ano do curso de engenharia qumica.

Estabelecida essa premissa, relevante mencionar ser entendimento pacfi co no mbito do Superior Tribunal de Justia que a prestao de servios educacionais caracteriza-se como relao de consumo, motivo pelo qual incidem, na espcie, as regras protetivas ao consumidor.

Nesse sentido:

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Recurso especial. Servios educacionais. Relao de consumo. Aplicao do CDC. Fato do servio. Prescrio quinquenal.

1. Nos termos do Cdigo de Defesa do Consumidor, o contrato de prestao de servios educacionais constitui relao de consumo.

2. Nos casos de responsabilidade pelo fato do produto e do servio, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos (artigo 27 do CDC).

3. O termo inicial da prescrio comea a fl uir a partir do momento em que o direito violado, o qual coincide com o momento de nascimento da pretenso.

4. Recurso especial no provido.

(REsp n. 647.743-MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bas Cueva, Terceira Turma, julgado em 4.12.2012, DJe 11.12.2012)

Reconhecida a natureza da relao jurdica, imprescindvel verifi car o eventual defeito que possa ter contaminado o servio discutido, visto que no se mostra razovel agasalhar sob o rtulo da autonomia universitria toda e qualquer prtica que afete a relao contratual entre o aluno e a entidade privada que fornece os servios educacionais. (REsp n. 1.306.179-MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6.12.2012, DJe 9.5.2013.)

Na hiptese ora em foco, indubitvel gozar a instituio educacional privada de ensino superior de autonomia, nos termos do que preleciona o art. 207 da Constituio Federal: as universidades gozam de autonomia didtico-cientfi ca, administrativa e de gesto fi nanceira e patrimonial, e obedecero ao princpio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extenso.

A autonomia universitria constitui princpio constitucional genrico que abarca tanto universidades pblicas quanto privadas, no sendo dado ao intrprete da norma fazer distino onde a lei assim no o faz, haja vista que a insero de tal preceito na obra do constituinte originrio traz como consequncia a sua intangibilidade.

Desta forma, traduzindo-se a autonomia na capacidade de autodeterminao e de autorregulamentao dentro dos limites fi xados pelo poder que a institui, indiscutvel a possibilidade de a instituio proceder extino de determinado curso, porquanto tal faculdade consta expressamente do artigo 53, inciso I, da Lei n. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, ao assim dispor:

Art. 53. No exerccio de sua autonomia, so asseguradas s universidades, sem prejuzo de outras, as seguintes atribuies:

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I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educao superior previstos nesta Lei, obedecendo s normas gerais da Unio e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;

II - fi xar os currculos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes;

III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa cientfi ca, produo artstica e atividades de extenso;

IV - fi xar o nmero de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigncias do seu meio;

V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonncia com as normas gerais atinentes;

VI - conferir graus, diplomas e outros ttulos;

VII - fi rmar contratos, acordos e convnios;

VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, servios e aquisies em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais;

IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituio, nas leis e nos respectivos estatutos;

X - receber subvenes, doaes, heranas, legados e cooperao fi nanceira resultante de convnios com entidades pblicas e privadas.

Pargrafo nico. Para garantir a autonomia didtico-cientfi ca das universidades, caber aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos oramentrios disponveis, sobre:

I - criao, expanso, modifi cao e extino de cursos;

II - ampliao e diminuio de vagas;

III - elaborao da programao dos cursos;

IV - programao das pesquisas e das atividades de extenso;

V - contratao e dispensa de professores;

VI - planos de carreira docente. (grifos nossos)

Corroborando a legalidade do procedimento adotado, constitui fato incontroverso dos autos que a transferncia da autora para outra instituio ocorreu em razo de a universidade, ao amparo da inviabilidade econmico-fi nanceira, no ter logrado formar nova turma do quarto ano do curso de engenharia qumica, ante a ausncia de nmero mnimo de alunos, com base no Regimento Geral da Universidade Bandeirante de So Paulo e no pargrafo 1 da clusula 4 do contrato de prestao de servios educacionais.

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Elucidativo o trecho extrado das razes de apelao:

Infelizmente, o curso de Engenharia Qumica, no alcanou o nmero mnimo de alunos necessrios para o seu aproveitamento e desenvolvimento mediante formao de novas turmas, no restando outra alternativa apelante seno cumprir com o seu objetivo social, formando, ao fi nal do presente ano letivo, a ltima turma, at ento, do curso de Engenharia Qumica. (...)

Tambm no procede a informao lanada pela apelada, ao justifi car sua transferncia baseando-se na extino do curso; conforme listagem que acostada (sic) contestao, no ano de 2003, diversos alunos estaro concluindo o curso de Engenharia Qumica o que vale dizer que o curso no foi extinto, mas to somente, at o momento, no houver (sic) formao de uma nova turma diante da ausncia de quorum.

Obviamente, se a apelada tivesse obtido aprovao no 4 ano, estaria, ao fi nal de 2003 se formando com os demais colegas, sem qualquer difi culdade. (...)

Vale ressaltar que a turma da autora foi a ltima de engenharia qumica oferecida pela apelada, sendo de conhecimento de todos os alunos que o seu curso no era mais oferecido, no sendo nenhuma novidade para a apelada o fato de no poder cursar novamente na Instituio apelante o quarto ano (face a sua reprovao), pois sabia que no existiam mais turmas nas sries anteriores. (fl s. 187-191, e-STJ - grifos no original)

Assim, no ano de 2002, quando a autora no obteve a sua aprovao no quarto ano - diga-se, frequentado por esta juntamente com os colegas que formavam nmero de alunos sufi cientes para viabilizar economicamente a referida turma -, no ocorreu a extino abrupta do curso de engenharia qumica conforme faz transparecer os dizeres da petio inicial e o entendimento externado pelo magistrado singular (fl s. 162, e-STJ), mas apenas a no formao de novo grupo estudantil para o referido curso e srie (quarto ano) em virtude da ausncia de quorum razovel.

Frente ao quadro ora em exame, a universidade, comprovadamente, afastou o alegado defeito na prestao de servios educacionais, pois no ano seguinte (2003) logrou formar a primeira e nica turma de engenharia qumica (fl s. 110, e-STJ), que no contou com a participao da autora em razo de sua reprovao no quarto ano, para o qual no havia a possibilidade de cursar, em regime de dependncia, as matrias nas quais no obteve notas satisfatrias.

Nesse ponto, necessrio informar que, ante a eventual no formao de turma em razo de no se completar nmero mnimo de matrculas em determinado curso, ao discente cabia, alternativamente, rescindir o contrato com o

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devido ressarcimento, ingressar em curso de graduao diverso na mesma instituio educacional ou transferir-se para outro estabelecimento de ensino - opo adotada pela aluna, ora recorrida -, o que afasta a sua tese de que a universidade teria fechado o curso sem qualquer planejamento e preocupao com o destino dos alunos (fl s. 14, e-STJ).

Reitere-se, a argumentao contida na petio inicial, na qual a aluna afi rma ter optado pela transferncia para curso de engenharia qumica ministrado em outra faculdade:

(...) a R forneceu a opo de transferncia com aproveitamento de currculos para as Faculdades Osvaldo (sic) Cruz, ou Universidade Santa Ceclia.

A primeira est localizada na Barra Funda, j a segunda, em Santos, sendo ambas fora de mo se comparadas UNIBAN para a Autora, tendo em vista a distncia de sua residncia (...)

A Autora se viu obrigada a escolher a Faculdade Osvaldo (sic) Cruz para concluir seus estudos, tendo, de dispender R$ 200,00 (duzentos reais) mensais com transporte, alm da importncia de R$ 112,00 (cento e doze reais) mensais referentes diferena entre os valores das mensalidades das duas instituies. (fl s. 7-8, e-STJ - grifos nossos)

Desta forma, ante o implemento de clusula resolutria do contrato, nos termos do artigo 54, 2 do CDC, a aluna contou com a viabilizao de alternativas, tendo escolhido por transferir-se para outra faculdade com o aproveitamento das disciplinas j cursadas, ao invs de mudar de curso no mbito da mesma instituio ou de obter a devoluo dos valores desembolsados.

Denota-se, da petio inicial, que a autora, ao optar pela transferncia para a Faculdade Oswaldo Cruz, estava ciente quanto ao aproveitamento das matrias e enquadramento acadmico de acordo com a grade curricular da referida instituio educacional (fl s. 153-154, e-STJ), bem como quanto aos gastos que iria suportar.

Com efeito, invivel cogitar em defeito na prestao dos servios educativos prestados, tampouco em omisso da universidade, haja vista que, alm de ter fornecido alternativas autora, providenciou e viabilizou, conforme solicitado pela aluna, a sua transferncia para outra instituio de ensino.

Verifi cou-se, tambm, que diante da no obteno de notas mnimas em cinco matrias do referido quarto ano, necessitaria a autora repetir/estudar novamente a srie, diga-se, j cursada e fi nalizada sem aproveitamento perante a r.

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Confi ra-se, no ponto, o seguinte trecho da exordial:

Ao concluir os estudos do quarto ano de Engenharia Qumica, a Autora teve notas insufi cientes em cinco matrias, sendo obrigada a estudar novamente o quarto ano.

Ao tentar efetivar a matrcula para o quarto ano, foi surpreendida com a notcia de que a instituio no estava mais ministrando o curso de Engenharia Qumica para os alunos do quarto ano. (fl . 7)

Ressalte-se, ainda, no ter a Corte local considerado abusiva a clusula 4, 1, contida no contrato de prestao de servios educacionais, que d poderes instituio de ensino para cancelar, de forma unilateral, curso de graduao por ela administrado, tendo to somente declarado que a interpretao clusula deveria ser realizada de forma limitada, sempre no interesse da aluna/contratante, por tratar-se de contrato de adeso.

A ttulo elucidativo, segue excerto do acrdo recorrido:

Apesar de constar no contrato de prestao de servios educacionais a necessidade de quorum para a formao de turmas, a aluna no pode ser prejudicada pela ausncia de viabilidade econmico-fi nanceira para a instituio de ensino continuar a oferecer um curso acadmico, mesmo porque o contrato de prestao de servios educacionais tipicamente de adeso, protegido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, da resultando que as clusulas que restringem direitos devem ser interpretadas estritamente e, em caso de dvida, no interesse do contratante. (fl s. 237-238)

Na oportunidade, a fi m de corroborar a tese segundo a qual no houve declarao de abusividade da mencionada clusula contratual, tampouco de que no teria havido falta/falha de informao consumidora, necessrio acentuar ter o magistrado a quo afirmado existir informao adequada no manual do discente acerca da necessidade de nmero mnimo de estudantes para a formao de turmas, bem como de que no se poderia falar em caso fortuito, haja vista que tanto o manual como o contrato de prestao de servios previam o encerramento do curso por insufi cincia de alunos.

Confi ra-se, por oportuno, trecho da sentena:

(...) 4. Ora, indubitvel gozar a r de autonomia nos termos do art. 207 da Magna Carta (as universidades gozam de autonomia didtico-cientfica, administrativa e de gesto fi nanceira e patrimonial, e obedecero ao princpio de indissociabilidade, entre ensino, pesquisa e extenso). (...)

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8. Em suma, a r, com sua conduta, violou direitos da autora assegurados pela Lei Federal n. 8.078/1990 e, ainda que no se vislumbre na clusula 4, 1, do contrato de prestao de servios (fl s. 17 anverso), nulidade absoluta - da porque o pedido respectivo improcedente - seus efeitos, conforme nica interpretao cabvel a ela na forma suso explanada, so mais limitados - pena de, ento, incorrer em nulidade absoluta - do que aquela pretende. (...)

10. Ademais, descabido falar-se em caso fortuito, porquanto o prprio manual e o contrato prevem o encerramento do curso por insufi cincia de alunos do que resulta ser impossvel falar-se em imprevisibilidade do evento e quanto menos ante a obrigao de planejar a r efi ciente e adequadamente a instituio e manuteno dos cursos oferecidos ao pblico consumidor.

11. Enfi m, conclui-se que a r incorreu em condutas violadoras de direitos subjetivos da r independentemente da previso contratual de encerramento de cursos, causando-lhe danos que deve reparar. (fl s. 161-166, e-STJ - grifos nossos)

Assim, pela simples leitura dos excertos acima colacionados, verifi ca-se ter a autora sido adequadamente informada acerca da possibilidade de extino do curso em razo de ausncia de quorum mnimo e, ainda, que a clusula contratual advertindo a possibilidade de extino do curso no fora considerada abusiva.

Desta forma, o art. 6, inc. III, do CDC, o qual institui o dever de informao e consagra o princpio da transparncia, alcanou o negcio em sua essncia, porquanto a informao repassada ao consumidor integrou o prprio contedo do contrato.

Ora, trata-se de dever intrnseco ao negcio, presente no apenas na formao do contrato, mas tambm, durante toda a sua execuo. O direito informao visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relao ao produto ou servio sejam de fato atingidas (consentimento informado/vontade qualifi cada).

No caso, ainda que evidenciado o aborrecimento sofrido pela autora, em razo de no ter logrado xito em cinco matrias do quarto ano, no vivel cogitar a existncia de defeito na prestao de servios educacionais, pois (i) o quarto ano de engenharia qumica foi prestado adequadamente pela instituio educacional, sem, no entanto, consagrar a aluna a sua aprovao; e (ii) a extino de cursos constitui procedimento legalmente previsto e admitido, motivo pelo qual no dado atribuir universidade a responsabilizao por eventos sobre os quais no h qualquer participao ou infl uncia desta - ausncia de alunos e reprovao da aluna.

A hipossufi cincia do consumidor, na hiptese dos autos, no tem o condo de legitimar prejuzo ao fornecedor (onerosidade excessiva da r), mormente

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quando no verifi cado o defeito na prestao do servio pelo qual se obrigou, porquanto certo, enquanto presente a viabilidade econmico-pedaggica da manuteno do curso de graduao (lucro e alunos em quorum mnimo), foi ele preservado, o que corroborado, inclusive, por ter a autora cursado o quarto ano de engenharia qumica, ressalte-se, sem aprovao, e ainda, de ter a universidade mantido o curso de engenharia qumica at a formatura da primeira turma.

Ademais, ao contrrio do que afi rmam as instncias ordinrias, a aluna no foi obrigada a optar pela transferncia para a Faculdade Oswaldo Cruz, tanto em razo da ausncia de correlao lgico-gramatical entre as duas proposies, quanto pelo fato de que a escolha/opo foi realizada de forma livre e consciente, mediante pedido/solicitao da prpria discente, aps analisar as alternativas adequadamente prestadas pela universidade como forma de superar a crise relacional existente entre as partes.

Assim, como corolrio do princpio da eticidade e da boa-f objetiva, o fornecedor pautou-se como podia e devia ante o dever intrnseco de colaborao e cooperao. A universidade atendeu plenamente regra de exceo estatuda para os casos de inexecuo contratual involuntria e autorizada por lei (extino de curso), fornecendo informao adequada e caminhos alternativos para a autora, nos exatos termos preceituados pelo artigo 54, 2, do CDC.

No se olvida que o principal objetivo de um aluno ao ingressar em uma universidade o de fi nalizar o curso para o qual se matriculou e, posteriormente, ingressar no mercado de trabalho e l aplicar os conhecimentos adquiridos. Entretanto, na hiptese ora em foco, no se verifi ca a quebra do dever de lealdade, transparncia, informao, boa-f, tampouco desrespeito e descaso para com a aluna.

Deste modo, invivel, nesta hiptese, imputar instituio educacional a responsabilidade por todas e quaisquer prticas que afetem a relao contratual estabelecida entre as partes, mormente quando viabilizado pelo fornecedor alternativas para soluo do problema, ante a clusula resolutria do contrato, diga-se, decorrente de inexecuo no voluntria.

3. Do exposto, no mrito, dou provimento ao recurso especial para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial.

Custas e honorrios pela autora, estes ltimos arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais) nos termos do artigo 20, 4, do CPC, ressalvado o disposto no art. 12 da Lei n. 1.060/1950.

como voto.

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VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomo: 1. Renata Guirro ajuizou demanda contra Academia Paulista Anchieta, objetivando anulao de clusula contratual abusiva e percepo de indenizao por danos materiais e morais, diante de alegada m prestao de servios.

Sustenta a autora que, no fi nal de 1997, prestou vestibular na instituio r para o curso de engenharia de alimentos, frequentou por dois anos o ciclo bsico inerente a todos os cursos de engenharia, logrando aprovao, e, quando iniciaria o curso especfi co de engenharia de alimentos, (...) a r decidiu, por motivos de ordem econmica, no mais oferecer o curso de engenharia de alimentos, suscitando a proposio normativa inserida no 21, clusula quarta, do contrato de adeso; no lhe restando alternativa, matriculou-se no curso de engenharia qumica oferecido pela r.

Aduz que concluiu o terceiro e o quarto anos do curso de engenharia qumica, porm, quanto ao ltimo, (...) teve notas insufi cientes em cinco matrias, sendo obrigada a estudar o quarto ano, mas, ao tentar efetivar a matrcula para o quarto ano, foi surpreendida com a notcia de que a instituio no estava mais ministrando o curso de engenharia qumica para os alunos do quarto ano (fl s. 5-17).

Sobreveio sentena de parcial procedncia do pedido para condenar a r ao pagamento de: (i) R$ 12.000,00 a ttulo de reparao pelo dano moral; (ii) R$ 158,00 por ms relativos diferena de despesas de conduo e R$ 120,00 mensais a ttulo de reparao de despesas com alimentao durante os meses em que foram ministradas aulas, adotado como termo a quo a data a partir da qual passou a autora a frequentar aulas nas Faculdades Osvaldo Cruz; (iii) mensalidades correspondentes ao ltimo ano do curso de engenharia qumica frequentado nas Faculdades Osvaldo Cruz, segundo os valores ento vigentes; e (iv) diferenas de valores entre as mensalidades que eram pagas r e as das Faculdades Osvaldo Cruz (fl s. 158-173).

O Tribunal Estadual negou provimento apelao da entidade educacional, consoante acrdo assim ementado (fl s. 230-240):

Prestao de servios educacionais. Transferncia de aluna para outra universidade distante de sua residncia. Danos morais e materiais. Confi gurao. Reparao devida.

Apesar de constar no contrato de prestao de servios educacionais a necessidade de quorum para a formao de turmas, a aluna no pode ser

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prejudicada pela ausncia de viabilidade econmico-fi nanceira para a instituio de ensino continuar a oferecer um curso acadmico, mesmo porque o contrato de prestao de servios educacionais tipicamente de adeso, protegido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, da resultando que as clusulas que restringem direitos devem ser interpretadas estritamente e, em caso de dvida, no interesse do contratante.

Recurso improvido.

Nas razes do recurso especial, interposto com base nas alneas a e c do permissivo constitucional, alegou-se dissdio jurisprudencial e violao dos arts. 535 do CPC; 188, I e 393 do CC; e 54, 2, do CDC.

O Ministro relator deu provimento ao recurso especial para julgar improcedentes os pedidos da inicial, com base nos seguintes fundamentos: (i) a autonomia universitria de que goza a instituio de ensino superior confere-lhe o direito de proceder extino de curso para o qual no haja viabilidade econmica; (ii) o dever de informao previsto no art. 6, III, do CDC foi cumprido, haja vista constar do contrato de prestao de servios educacionais e do manual do discente clusula com tal informativo; (iii) no ocorrncia de defeito na prestao de servio, quer pelo fato de estar fazendo uso de uma faculdade legal quer por no ser responsvel pela aluna no ter conseguido concluir o curso com os demais colegas de turma; (iv) implemento de clusula resolutria do contrato, nos termos do art. 54, 2, do CDC, haja vista que a prpria aluna optou por transferir-se para outra instituio de ensino; (v) a clusula que previa a possibilidade de encerramento de curso superior no foi considerada abusiva pela instncia a quo.

Pedi vista dos autos para melhor anlise. o relatrio.2. Quanto alegada violao ao art. 535 do CPC, no merece prosperar

o recurso, no que acompanho o nobre relator, uma vez que o Tribunal de origem se manifestou suficientemente sobre o tema, tendo apresentado fundamentadamente as razes de sua convico em relao necessidade de existncia de quorum mnimo para a formao de turma (fl s. 237-238):

Apesar de constar no contrato de prestao de servios educacionais a necessidade de quorum para a formao de turmas, a aluna no pode ser prejudicada pela ausncia de viabilidade econmico-fi nanceira para a instituio de ensino continuar a oferecer um curso acadmico, mesmo porque o contrato de prestao de servios educacionais tipicamente de adeso, protegido pelo

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Cdigo de Defesa do Consumidor, da resultando que as clusulas que restringem direitos devem ser interpretadas estritamente e, em caso de dvida, no interesse do contratante.

Ademais, o principal objetivo de um aluno quando ingressa em uma universidade o de terminar o curso para o qual foi matriculado para posteriormente exercer a profisso, sendo que as clusulas que se revelam por demais restritiva dos direitos do aluno devem ser interpretadas segundo a funo social do contrato, levando em considerao a natureza e o contedo da contratao, bem como o interesse das partes.

Ademais, no se exige do magistrado que se reporte de modo especfi co a determinados preceitos legais, que no compem a base jurdica adotada para sua deciso nem que se detenha a analisar pontualmente todas as alegaes expendidas pela parte.

3. No mrito, especifi camente quanto possibilidade de extino de curso superior por instituio de ensino - de maneira abrupta, sem ressarcimento aos alunos -, parece mister alguma refl exo, haja vista a dinmica surpreendente que a realidade das relaes sociais ostenta, fazendo exsurgir, a cada dia, situaes fticas peculiares.

O Tribunal de origem, confi rmando integralmente a sentena, assim se manifestou quanto ao tema (fl s. 236-240):

2. Cuidam os autos de ao anulatria de clusula contratual cumulada com indenizao por danos morais e materiais, ajuizada pela aluna em face da instituio de ensino, fundamentando para tanto que no final do ano de 1997 prestou vestibular para o curso de engenharia de alimentos, passando a freqentar, nos dois primeiros anos, no campus de So Bernardo do Campo, o ciclo bsico para todos os cursos de engenharia. No terceiro ano, a universidade no ofereceu o curso de engenharia de alimentos, motivo pelo qual matriculou-se em engenharia qumica. Entretanto, ao tentar fazer matrcula para o ltimo ano, que teve que repetir por insufi cincia de notas, foi surpreendida com a notcia de que a instituio no estava mais oferecendo o curso de engenharia qumica, razo pela qual teve que se transferir para a Faculdade Osvaldo Cruz, localizada no bairro de Santa Cecilia, no Municpio de So Paulo, o que lhe acarretou danos morais, alm de maior gastos com conduo, alimentao e mensalidade, j que morava na cidade de Mau e tinha que se locomover at a capital.

Restou incontroverso nos autos que a transferncia da autora para outra universidade se deu pela extino do curso de engenharia qumica em razo da ausncia de nmero mnimo de alunos para formao da turma.

No se desconhece que as Universidades gozam de autonomia didtico-cientfi ca, administrativa e de gesto fi nanceira e patrimonial, nos termos do

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artigo 207 da Constituio Federal, cabendo a elas, no exerccio de sua autonomia, conferir graus, diplomas e outros ttulos, conforme determina o artigo 53, VI, da Lei n. 9.394/1996.

Entretanto, incontestvel que a requerida ocasionou sofrimento aluna, ao encerrar, confessadamente, o curso de engenharia qumica, depois de ter ministrado aulas por quatro anos, sendo previsvel o fato de que eventualmente algum aluno poder precisar refazer algum perodo por insufi cincia de notas.

Apesar de constar no contrato de prestao de servios educacionais a necessidade de quorum para a formao de turmas, a aluna no pode ser prejudicada pela ausncia de viabilidade econmico-fi nanceira para a instituio de ensino continuar a oferecer um curso acadmico, mesmo porque o contrato de prestao de servios educacionais tipicamente de adeso, protegido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, da resultando que as clusulas que restringem direitos devem ser interpretadas estritamente e, em caso de dvida, no interesse do contratante.

Ademais, o principal objetivo de um aluno quando ingressa em uma universidade o de terminar o curso para o qual foi matriculado para posteriormente exercer a profisso, sendo que as clusulas que se revelam por demais restritiva dos direitos do aluno devem ser interpretadas segundo a funo social do contrato, levando em considerao a natureza e o contedo da contratao, bem como o interesse das partes.

[...]

No mais, esse quadro deixa evidenciado o constrangimento e o aborrecimento sofrido pela autora que teve que se transferir para outra universidade no ltimo ano do curso, em virtude do ocorrido, confi gurando ineludivelmente o dano moral, assim conceituado por WILSON MELLO DA SILVA:

Leses sofridas pelo sujeito fsico ou pessoa natural de direito em seu patrimnio ideal, entendendo-se por patrimnio ideal, em contraposio ao patrimnio material, o conjunto de tudo aquilo que no seja suscetvel de valor econmico. (O Dano Moral e Sua Reparao, 195, n. 5,1.)

Amparado na lio dos Irmos MAZEAUD, escreve MARTINHO GARCEZ:

O que a cincia jurdica tem estabelecido, em definitivo, no campo da responsabilidade civil resultante do ato ilcito o seguinte: quando uma imprudncia ou negligncia provada contra o agente, no h necessidade de investigar alm disto; desde que, afastada essa culpa, o dano no se teria verificado, no h necessidade de mais nada para impor a condenao. (Prtica de Responsabilidade Civil, 2 ed., Editora Jurdica e Universitria Ltda., p. 45).

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Confi gurada na hiptese em estudo, a existncia do dano moral no mago da autora, como bem retratou o pavilho probatrio, resta a analise do valor do ressarcimento aplicado na r. deciso.

Sobre o tema, CARLOS ROBERTO GONALVES d a seguinte lio: em geral, mede-se a indenizao pela extenso do dano e no pelo grau da culpa. No caso do dano moral, entretanto, o grau da culpa tambm levado em considerao, juntamente com a gravidade, extenso e repercusso da ofensa, bem como a intensidade do sofrimento acarretado vtima. (cf. Responsabilidade Civil, 6 ed., So Paulo, Saraiva, 1995, n. 94.5, p. 414).

Assim, levando em considerao a gravidade e extenso do dano, bem como a culpa da requerida, mostra-se adequada a fi xao dos danos morais no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais), pois o valor arbitrado deve ser o suficiente para inibir a apelante da prtica dessa natureza, capaz de macular a honra e o sentimento alheio e, de outro lado, no importar enriquecimento sem causa da ofendida.

Por fi m, os danos materiais tambm restaram comprovados, na medida em que a aluna passou a freqentar aulas em outra universidade, distante de sua residncia, aumentando o valor de suas despesas com transporte, alimentao, alm do valor da mensalidade que passou a ser mais elevado.

3.1. No ponto, bem verdade que a Lei n. 9.394/1996 prev a possibilidade de as universidades, no exerccio da sua autonomia, extinguirem curso superior:

Art. 53. No exerccio de sua autonomia, so asseguradas s universidades, sem prejuzo de outras, as seguintes atribuies:

I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educao superior previstos nesta Lei, obedecendo s normas gerais da Unio e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;

[...]

Pargrafo nico. Para garantir a autonomia didtico-cientfica das universidades, caber aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos oramentrios disponveis, sobre:

I - criao, expanso, modifi cao e extino de cursos;

De fato, em linha de princpio, no h como compelir a unidade de ensino superior a manter o funcionamento de curso em circunstncias fticas desfavorveis, por se tratar de faculdade didtico-pedaggica regulada pelas diretrizes de ensino e pesquisa, alm de atividade econmica orientada pelas regras de mercado.

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No obstante, como todo texto legal, o ora em anlise necessita de interpretao consentnea com a realidade, no sentido de que tal prerrogativa no pode ocorrer de forma abrupta - sempre em prejuzo do corpo discente -, sob pena de confi gurar abuso do direito, passvel da devida responsabilizao civil pelos danos ocasionados queles que confiaram na sua sequncia e encerramento regular.

Isso porque a prestao de servios educacionais, mormente no mbito de curso superior, tem como fator nsito a legtima expectativa do aluno de concluso do seu curso, haja vista que - ainda que eventualmente renovado o contrato a cada ano ou semestre -, a contratao se d pelo prazo integral necessrio correspondente graduao.

Rui Stocco, citando o esclio de Irineu Strenger, conceitua:

Abuso do direito o ato realizado com apoio em preceito legal, que causa dano a interesse no especifi camente protegido pelo ordenamento positivo, manifestado pela leso a princpios ticos e sociais, objetiva ou subjetivamente, mediante adequao entre o intencional e o sentido da lei. (Tratado de responsabilidade civil. So Paulo: Ed. revista dos Tribunais, 2013, p. 1.827)

3.2. Nesse passo, utilizando o dilogo entre o Cdigo do Consumidor e o Cdigo Civil, traz-se a lume o mandamento insculpido no art. 187 do CC:

Art. 187. Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fi m econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes.

Nessa ordem de ideias, penso que o encerramento repentino das atividades de ensino durante o curso de graduao - por ausncia de nmero sufi ciente de alunos - caracteriza violao das expectativas geradas pelo prprio fornecedor, afrontando sobremaneira a esfera moral do consumidor, porquanto faz exsurgir um sentimento de impotncia diante da atitude imprevista e arbitrria causadora de intenso transtorno na vida do estudante.

No ponto, traslada-se elucidativo excerto da sentena (fl s. 162-165):

Ora, indubitvel gozar a r de autonomia nos termos do art. 207 da Magna Carta (as universidades gozam de autonomia didtico-cientfica, administrativa e de gesto fi nanceira e patrimonial, e obedecero ao princpio de indissociabilidade, entre ensino, pesquisa e extenso). Da porque, inclusive, no se discute a possibilidade de, ante a inviabilidade (pedaggica ou econmica)

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de determinado curso que esteja a ministrar, encerr-lo. Contudo, esta faculdade de encerrar cursos no pode ir ao ponto de eximir-se a universidade das conseqncias que dela possam advir aos seus alunos regularmente matriculados no curso abruptamente encerrado, porquanto h de ser exercida sem abusividade e, independentemente desta, com absoluta assuno da obrigao de reparar os danos aos alunos em funo dela.

5. De fato, se de um lado, goza a r de autonomia na forma do aludido dispositivo constitucional, prescreve a mesma Constituio Federal, em seu art. 170, V, ser a ordem econmica, fundada, dentre outros, no princpio da defesa do consumidor. Alm disso, constitui objetivo bsico da poltica nacional de relaes de consumo (conforme dispe a Lei Federal n. 8.078/1990) o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito sua dignidade, sade e segurana, a proteo de seus interesses econmicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparncia e harmonia das relaes de consumo (art. 4, caput), observado o princpio de que devem ser harmonizados (...) os interesses dos participantes das relaes de consumo e compatibilizao da proteo do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econmico e tecnolgico, de modo a viabilizar os princpios nos quais se funda a ordem econmica (art. 170, da Constituio Federal), sempre com base na boa-f e no equlibrio nas relaes entre consumidores e fornecedores (art. 40, III).

6. Como, contudo, falar-se em atendimento das necessidades dos consumidores, respeito sua dignidade, proteo de seus interesses econmicos e em transparncia e harmonia das relaes de consumo, alm de boa-f e equilbrio nas relaes entre consumidores e fornecedores quanto a uma universidade que no est capacitada a ministrar no apenas um, mas dois cursos que se viu obrigada a encerrar por insuficincia de alunos, deixando estes mngua? Ser o aluno mero joguete sujeito ao exerccio das faculdades inerentes chamada autonomia universitria?

4. Com efeito, o contrato de prestao de servios educacionais encarta relao jurdica de cunho notadamente consumerista, de modo que as suas clusulas devem ser interpretadas da maneira mais favorvel ao consumidor (art. 47 do CDC), sendo certo que, mesmo que o pacto contenha, teoricamente, clusulas claras, ele ainda deve ser interpretado de acordo com a sua funo econmica, ou seja, conforme as expectativas que aquele tipo contratual e aquele tipo de clusula desperta nos consumidores, conforme as novas imposies da boa-f (MARQUES, Claudia Lima. Comentrios ao cdigo de defesa do consumidor. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 880).

Isso porque o Cdigo de Defesa do Consumidor reconheceu a vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de o Estado atuar no mercado para minimizar essa hipossufi cincia, garantindo quele os direitos bsicos

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apontados no art. 6, mormente no que se refere ao caso presente, os incisos II e III.

Preconiza o segundo inciso do art. 6 a igualdade material entre as partes, que perpassa necessariamente pela valorizao do sinalagma como elemento estrutural do contrato, de modo que o equilbrio contratual aferido no apenas sob o prisma econmico, mas global, uma vez que:

Concentrar-se no desequilbrio apenas econmico do contrato de consumo seria uma viso limitada da noo de equidade contratual (Vertragsgerechtigkeit) imposta pelo CDC e pelo princpio da boa-f objetiva. A noo h de ser mais ampla, pois o que se quer o reequilbrio total da relao, inclusive de seu nvel de tratamento leal e digno, nica forma de manter e proteger as expectativas legtimas das partes, que so a base funcional que origina a troca econmica. (MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit., p. 247)

Em adio, o art. 6, III enfatiza o direito informao como assegurador da igualdade material e formal do consumidor com o fornecedor:

[...] pois o que caracteriza o consumidor justamente seu dfi cit informacional quanto ao produto e servio, suas caractersticas, componentes e riscos e quanto ao prprio contrato, no tempo e contedo. Neste sentido, ensina o STJ que todos os consumidores tm direito informao e que o homo medius pode ser um parmetro, mas no o nico, pois muitas vezes o consumidor do prprio produto (ex: medicamentos, alimentos) ou servio (ex: mdico, educacional, recreacional infantil, geritrico) um consumidor hipervulnervel. A informao deve ser clara e adequada para todos, inclusive para estes vulnerveis [...]. (MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit., p. 248).

Sob esse prisma, a informao educacional superior deve ser realizada de forma a especifi car pormenorizadamente a durao do curso; sua carga horria; a distribuio em mdulos; os indicadores de qualidade (v.g. corpo docente, material a ser utilizado); preos e ndices de reajuste e, primordialmente, as clusulas restritivas de direitos do consumidor, tal como a que faculta instituio de ensino o encerramento do curso por falta de quorum.

Tal espcie de informao deve ser apresentada no apenas no momento da contratao, como tambm deve ser reiterada anual ou semestralmente, uma vez que o direito informao perdura durante toda a relao de consumo.

Isso porque se deve garantir ao aluno a apreenso do real signifi cado da publicidade veiculada nos panfl etos e flderes, bem como da linguagem utilizada no contrato, nem sempre clara o sufi ciente para ser entendida por um leigo.

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Claudia Lima Marques elucida com toda a propriedade que:

Este dever de prestar informao no se restringe fase pr-contratual da publicidade, das prticas comerciais ou da oferta (arts. 30, 31, 34, 35, 40 e 52), mas inclui o dever de informar atravs do contrato (arts. 46, 48, 52 e 54) e de informar durante o transcorrer da relao (a contrario, art. 51, I, IV, XIII, c.c. art. 6, III) [...]. dever do fornecedor nos contratos relacionais de consumo manter o consumidor adequada e permanentemente informado sobre todos os aspectos da relao contratual, especialmente aqueles relacionados ao risco, qualidade do produto ou servio ou qualquer outra circunstncia relevante para a sua deciso de consumo, durante todo o perodo em que perdurar a relao contratual. (Op. Cit., p. 251)

Foroso concluir que, sendo a informao um direito bsico do consumidor, com sua matriz no princpio da boa-f objetiva, deve ser prestada de forma inequvoca, ostensiva e de fcil compreenso, porquanto:

O consumidor bem informado um ser apto a ocupar seu espao na sociedade de consumo. S que essas informaes muitas vezes no esto sua disposio. Por outro lado, por melhor que seja a sua escolaridade, no tem ele condies, por si mesmo, de apreender toda a complexidade do mercado. (BENJAMIN, Antnio Herman de Vasconcellos. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/Ada Pellegrini Grinover (et al.). Rio de Janeiro: Forense, 2011, Vol. 1, p. 289-293).

Assim, a conduta da instituio educacional de encerrar determinado curso durante a vigncia do contrato de prestao de servios de ensino, apesar de prevista em tese, e de maneira genrica na lei referida e no contrato, contrria aos princpios sociais e ticos e boa-f, e sobremaneira legislao consumerista, atingindo fortemente os interesses e anseios do estudante que depositou seus sonhos futuros e sua confi ana naquela entidade.

Nesse sentido, embora no ocorra, no caso, a nulidade preconizada pelo art. 51, I, do CDC - haja vista o art. 53 da Lei n. 9.394/1996 -, no se pode elidir a responsabilidade do fornecedor pelos danos causados aos consumidores em virtude da m prestao dos servios, caracterizada, no caso, pela interrupo do curso de forma repentina, sem respeito aos direitos e s expectativas dos alunos, mormente o essencial dever de informao, que, se observado, possibilitaria queles o tempo e as condies necessrias realizao de uma transferncia tranquila para outra universidade ou a adoo de alguma outra alternativa.

O art. 14 do CDC prev a responsabilizao do fornecedor por defeito de informao:

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Art. 14. O fornecedor de servios responde, independentemente da existncia de culpa, pela reparao dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos prestao dos servios, bem como por informaes insufi cientes ou inadequadas sobre sua fruio e riscos.

Como bem destaca Bruno Miragem:

[...] o atendimento ao dever de informar no regime do CDC traduz-se sempre pela prestao de uma informao efi ciente. Isto implica dizer que no basta para desonerar-se de responsabilidade o fornecedor, formalmente, informar o consumidor, se o modo como tal informao se estabelece no razoavelmente perceptvel ou reconhecvel por este. (Curso de direito do consumidor. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 517)

5. Nesse particular, relevante registrar que o Decreto n. 3.860/2001, regulamentando o art. 53, I, da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, trouxe, como contraponto ao direito de criao e extino de cursos pelas universidades, o dever de resguardar os direitos dos alunos:

Art. 37. No caso de desativao de cursos superiores e de descredenciamento de instituies, caber entidade mantenedora resguardar os direitos dos alunos, dos docentes e do pessoal tcnico administrativo.

Sob esse enfoque, a mera existncia de clusula contratual ou de disposio em manual do estudante que contenha meno possibilidade de extino de curso em virtude da no formao de turma, por certo, segundo penso, no produz a certeza de sua cincia pelo aluno, nem mesmo no momento em que ele tem contato com tal informao abstrata e genrica.

Por isso que, cogitando a instituio de fazer uso de sua prerrogativa legal, de modo a tornar aquela longnqua possibilidade um fato concreto e iminente, no pode crer que o aluno se lembrar daquele pequeno pargrafo que previa a faculdade de encerramento do curso por ausncia de quorum mnimo.

Dessarte, compatibilizando-se a norma contida no art. 53, I, da Lei n. 9.394/1996 com a legislao protetiva do consumidor, tem-se que a instituio de ensino deve necessariamente proceder ao cumprimento do dever de informao, alertando os alunos com antecedncia sufi ciente - e de forma reiterada - acerca da iminncia desse grave evento, alm de lhes prestar o auxlio necessrio transio para outro curso ou estabelecimento de ensino.

6. No caso, cinge-se a controvrsia defi nio acerca da responsabilizao civil da Academia Paulista Anchieta, mantenedora da Universidade Bandeirante

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de So Paulo - Uniban, pela no manuteno do quarto ano do curso de engenharia qumica por razes econmicas, sendo que a recorrida precisaria refaz-lo em virtude da sua reprovao, por no ter logrado se graduar com a nica turma formada por essa universidade.

O Tribunal entendeu pelo dever de a recorrente indenizar a aluna por danos materiais e morais, porquanto (fl . 236-238):

[...] ao tentar fazer matrcula para o ltimo ano, que teve que repetir por insuficincia de notas, foi surpreendida com a notcia de que a instituio no estava mais oferecendo o curso de engenharia qumica, razo pela qual teve que se transferir para a Faculdade Osvaldo Cruz, localizada no bairro de Santa Cecilia, no Municpio de So Paulo, o que lhe acarretou danos morais, alm de maior gastos com conduo, alimentao e mensalidade, j que morava na cidade de Mau e tinha que se locomover at a capital.

Restou incontroverso nos autos que a transferncia da autora para outra universidade se deu pela extino do curso de engenharia qumica em razo da ausncia de nmero mnimo de alunos para formao da turma.

[...]

Entretanto, incontestvel que a requerida ocasionou sofrimento aluna, ao encerrar, confessadamente, o curso de engenharia qumica, depois de ter ministrado aulas por quatro anos, sendo previsvel o fato de que eventualmente algum aluno poder precisar refazer algum perodo por insufi cincia de notas.

Apesar de constar no contrato de prestao de servios educacionais a necessidade de quorum para a formao de turmas, a aluna no pode ser prejudicada pela ausncia de viabilidade econmico-fi nanceira para a instituio de ensino continuar a oferecer um curso acadmico [...]

No obstante a fundamentao expendida no voto condutor no tenha como ponto forte o dever de informao atribudo ao fornecedor, pode-se dele dessumir que a notcia acerca do critrio do quorum mnimo foi prestada no contrato de prestao de servios de forma sobremodo inefi ciente, tanto que consignou que a aluna foi surpreendida pela notcia do encerramento por ocasio da tentativa de realizao da matrcula.

O mesmo se infere dos seguintes excertos da sentena, que aludiu tambm ao manual do aluno como fonte insufi ciente e imperfeita da referida notifi cao (fl s. 164 e 166):

[...] inadmissvel dar clusula 4, 1, do contrato de prestao de servios (fl s. 17 anverso), interpretao pela qual se veja, pura e singelamente, isenta a r de qualquer responsabilidade pelos danos causados autora em funo do encerramento abrupto dos cursos que, por contrato, se obrigou a ministrar-lhe.

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[...]

E no se diga que informava o manual de aluno a necessidade de ter-se um nmero mnimo de alunos para a formao de turmas sob pena de no ser iniciado o curso, porquanto tanto o de engenharia de alimentos como o de engenharia qumica foram iniciados e, portanto, aquela restrio inicial foi superada e o manual no informava a possibilidade de renovar-se a exigncia ano a ano, indicando qual seria o risco a que estaria efetivamente sujeito o aluno no tocante possibilidade de no conclu-los. Pertinentes e relevantes a este respeito, inclusive, so as observaes feitas pela autora a fl s. 106, penltimo e ltimo pargrafos.

Dessarte, verifi ca-se que a recorrente no se desincumbiu devidamente do dever de informao, nos moldes em que imposto pelo art. 6, III, do CDC, e que foi brilhantemente pormenorizado pelo culto Ministro Herman Benjamin, por ocasio do julgamento do REsp n. 586.316-MG:

Direito do Consumidor. Administrativo. Normas de proteo e defesa do consumidor. Ordem pblica e interesse social. Princpio da vulnerabilidade do consumidor. Princpio da transparncia. Princpio da boa-f objetiva. Princpio da confiana. Obrigao de segurana. Direito informao. Dever positivo do fornecedor de informar, adequada e claramente, sobre riscos de produtos e servios. Distino entre informao-contedo e informao-advertncia. Rotulagem. Proteo de consumidores hipervulnerveis. Campo de aplicao da Lei do Glten (Lei n. 8.543/1992 ab-rogada pela Lei n. 10.674/2003) e eventual antinomia com o art. 31 do Cdigo de Defesa do Consumidor. Mandado de segurana preventivo. Justo receio da impetrante de ofensa sua livre iniciativa e comercializao de seus produtos. Sanes administrativas por deixar de advertir sobre os riscos do glten aos doentes celacos. Inexistncia de direito lquido e certo. Denegao da segurana.

[...]

3. As normas de proteo e defesa do consumidor tm ndole de ordem pblica e interesse social. So, portanto, indisponveis e inafastveis, pois resguardam valores bsicos e fundamentais da ordem jurdica do Estado Social, da a impossibi