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“Hora da Criança”: Vanguarda da Interdisciplinaridade das Linguagens Artísticas em Salvador/Bahia/Brasil Clotildes CAZÉ Mestre em Dança CEARC/CMS 1 Brasil [email protected] Resumo Este estudo recai sobre o trabalho desenvolvido na “Hora da Criança”, um programa de rádio criado pelo artista-educador Adroaldo Ribeiro Costa na primeira metade do Século XX e que se transformou em um projeto de sensibilização artístico-cultural de crianças e adolescentes. No projeto, as linguagens artísticas eram trabalhadas de forma interdisciplinar desde a década de 40, período em que a ideia de interdisciplinaridade ainda não se fazia presente nas discussões educacionais no Brasil. Uma relação interdisciplinar que proporcionava o saber-fazer ético, estético e político a partir da percepção dos sentidos e da ação; da apreciação e da fruição da arte e da cultura como parte constitutiva da existência humana em um espaço lúdico de aprendizagem. Um projeto artístico-pedagógico comprometido com a transformação social, cultural e econômica de crianças e adolescentes oriundos de diferentes bairros da cidade de Salvador/BA. Após 60 anos, a “Hora da Criança” permanece como um referencial pelas suas contribuições para uma aprendizagem criativa, crítica-reflexiva e significativa que tem reverberado no desenvolvimento social que busca ser transformador da vida de participantes de muitas gerações. Autores como Angel Pino, Edgar Morin, Herbert Read, João F. Duarte Jr., Paulo Freire contribuem para o aporte teórico do artigo. Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Arte, Educação, Teatro Infantil, Hora da Criança. Abstract This study rests on its work in the Hour of Child", a radio program created by the artist- educator Adroaldo Ribeiro Costa in the first half of the twentieth century and that became a project of artistic and cultural awareness of children and teenagers. In the project, the artistic languages were worked in an interdisciplinary way since the 40s, period in which the idea of interdisciplinarity was not yet present in educational discussions in Brazil. An interdisciplinary relationship that provided the ethical, aesthetic and political know-how from the sense perception and action; appreciation and enjoyment of art and culture as a constitutive part of human existence in a leisure learning. An artistic and pedagogical project committed to social cultural and economic change of the children and teenagers from different neighborhoods of the city of Salvador, Bahia. After 60 years, the Hour of Child" stands as a reference for their contributions to creative, critical, reflective and meaningful learning that has reverberated in the social development and desired to be transforming lives of many generations of participants. Authors such as Angel Pino, Edgar Morin, Herbert Read, John F. Duarte Jr., Paulo Freire contributes to the theoretical article. Keywords: Interdisciplinarity, Art, Education, Children's Theater, "Hour of Child". 1 CEARC: Colégio Estadual Adroaldo Ribeiro Costa /CMS: Colégio Militar de Salvador/Bahia.

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Abstract Keywords: Interdisciplinarity, Art, Education, Children's Theater, "Hour of Child". Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Arte, Educação, Teatro Infantil, Hora da Criança. 1 CEARC: Colégio Estadual Adroaldo Ribeiro Costa /CMS: Colégio Militar de Salvador/Bahia.

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“Hora da Criança”: Vanguarda da Interdisciplinaridade das Linguagens Artísticas em Salvador/Bahia/Brasil

Clotildes CAZÉ Mestre em Dança

CEARC/CMS1 Brasil

[email protected]

Resumo Este estudo recai sobre o trabalho desenvolvido na “Hora da Criança”, um programa de rádio criado pelo artista-educador Adroaldo Ribeiro Costa na primeira metade do Século XX e que se transformou em um projeto de sensibilização artístico-cultural de crianças e adolescentes. No projeto, as linguagens artísticas eram trabalhadas de forma interdisciplinar desde a década de 40, período em que a ideia de interdisciplinaridade ainda não se fazia presente nas discussões educacionais no Brasil. Uma relação interdisciplinar que proporcionava o saber-fazer ético, estético e político a partir da percepção dos sentidos e da ação; da apreciação e da fruição da arte e da cultura como parte constitutiva da existência humana em um espaço lúdico de aprendizagem. Um projeto artístico-pedagógico comprometido com a transformação social, cultural e econômica de crianças e adolescentes oriundos de diferentes bairros da cidade de Salvador/BA. Após 60 anos, a “Hora da Criança” permanece como um referencial pelas suas contribuições para uma aprendizagem criativa, crítica-reflexiva e significativa que tem reverberado no desenvolvimento social que busca ser transformador da vida de participantes de muitas gerações. Autores como Angel Pino, Edgar Morin, Herbert Read, João F. Duarte Jr., Paulo Freire contribuem para o aporte teórico do artigo. Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Arte, Educação, Teatro Infantil, Hora da Criança.

Abstract This study rests on its work in the “Hour of Child", a radio program created by the artist-educator Adroaldo Ribeiro Costa in the first half of the twentieth century and that became a project of artistic and cultural awareness of children and teenagers. In the project, the artistic languages were worked in an interdisciplinary way since the 40s, period in which the idea of interdisciplinarity was not yet present in educational discussions in Brazil. An interdisciplinary relationship that provided the ethical, aesthetic and political know-how from the sense perception and action; appreciation and enjoyment of art and culture as a constitutive part of human existence in a leisure learning. An artistic and pedagogical project committed to social cultural and economic change of the children and teenagers from different neighborhoods of the city of Salvador, Bahia. After 60 years, the “Hour of Child" stands as a reference for their contributions to creative, critical, reflective and meaningful learning that has reverberated in the social development and desired to be transforming lives of many generations of participants. Authors such as Angel Pino, Edgar Morin, Herbert Read, John F. Duarte Jr., Paulo Freire contributes to the theoretical article. Keywords: Interdisciplinarity, Art, Education, Children's Theater, "Hour of Child". 1 CEARC: Colégio Estadual Adroaldo Ribeiro Costa /CMS: Colégio Militar de Salvador/Bahia.

Introdução

Os Meninos da Bahia nesta Hora da Criança A mensagem da esperança vem trazer com alegria. Que na terra em flor, haverá amor Que no céu de anil, haverá esplendor Que enquanto nós cantarmos,

Haverá Brasil! (Adroaldo Ribeiro Costa e Agenor Gomes – Hino da “Hora da Criança”).

artigo trata da ação artística-educacional que vem sendo desenvolvida na “Hora da Criança” desde a década de 40 e suas contribuições para a aprendizagem criativa, crítica-reflexiva e significativa que tem reverberado no desenvolvimento social e

cultural dos participantes de muitas gerações, permanecendo em pleno Século XXI. Jorge Vieira (2006, p.107) explica como é possível esta permanência ao apontar que: “Toda cultura, [...], precisa criar mecanismos de permanência que estejam além do ciclo normal que dura uma vida humana. Já fazemos algo pelo código genético, biológico. Mas, para o código cultural, o que temos a fazer é passar diante a herança. Nós tentamos permanecer desta maneira.” Minha paixão pela “Hora da Criança” começou ainda pequena, quando aos domingos ouvia o programa pelo rádio. Lembro-me de como gostava de ouvir as histórias, repetir os trocadilhos e os trava-línguas, responder as adivinhações, cantarolar as músicas, brincar de fazer de conta. Neste momento especial e particular, transportava-me para um mundo de fantasias no qual era possível imaginar-me parte das brincadeiras e histórias encenadas no programa. Durante a adolescência, tive a oportunidade de conhecer o professor Adroaldo e também a “Hora da Criança” e, depois de adulta, já graduada em Educação Física, após concurso público para professor do estado da Bahia, fui designada para o Colégio Estadual Adroaldo Ribeiro Costa. Coisa do destino, acaso? Talvez. Hoje, esta paixão transformou-se no desejo de pesquisar a vida deste artista-educador e a “Hora da Criança” que, antes mesmo das ideias de interdisciplinaridade se fazerem presentes no país, ele já atuava desta forma durante as aulas, os ensaios e as apresentações das crianças e adolescentes que participavam do programa. A “Hora da Criança”, no início, era um programa de rádio apresentado pelo professor Adroaldo Ribeiro Costa em parceria com o maestro Agenor Gomes, veiculado nas manhãs de domingo pela Rádio Sociedade da Bahia2. Teve seus primeiros programas nos idos de 1943 e permaneceu no ar até o início da década de 70, época em que passou a ser transmitido pela Rádio Cultura da Bahia3. Todos os domingos, um elenco infanto-juvenil apresentava diferentes atividades envolvendo as linguagens artísticas da Dança e da Música, tendo por 2 Rádio de Frequência AM 740 kHz. Tem por slogan "A Rádio da Bahia". Atualmente pertence à Central Record

de Comunicação. Disponível em: <http://www.radiosociedadeam.com.br>. [12 de abril de 2011]. 3 Rádio de frequência AM 1140 kHz. Tem por slogan "É a Nossa Rádio" Atualmente, arrendada pelaIgreja

Internacional da Graça de Deus. Disponível em: <http://www.cultura1440.com.br>. [12 de abril de 2011].

O

eixo integrador o Teatro4.

Concebido e dirigido por Adroaldo Ribeiro Costa, o programa Hora da Criança foi um espaço muito importante para crianças e adolescentes baianos e para a arte na Bahia, de um modo geral. Realizado entre as décadas de 1940 a 1960, teve o grande mérito de inaugurar no Brasil o teatro infantil, por meio de espetáculos, dos quais participavam mais de cem crianças oriundas de diversos lugares, escolas ou classes sociais. (Araújo, 2005, p.75).

Desta forma, já na década de 40, Adroaldo Ribeiro Costa percebia a necessidade da interação das linguagens artísticas na busca de uma relação dialógica entre Arte e Educação em um processo de co-responsabilidade na formação de crianças e adolescentes, sujeitos em construção. Mesmo sem intenção e sem saber, ele já trabalhava interdisciplinarmente na “Hora da Criança”. Apesar do conceito de interdisciplinaridade ainda não existir, Adroaldo já tinha esta compreensão ao propor um trabalho com as diferentes linguagens artísticas na “Hora da Criança” desde a sua criação. Nesta perspectiva, é possível perceber a “Hora da Criança” como um movimento de vanguarda da interdisciplinaridade das linguagens artísticas em Salvador, Bahia, Brasil. O vanguardismo da “Hora da Criança” é apontado em carta enviada a Adroaldo, na qual Monteiro Lobato demonstra admiração e interesse pelo trabalho desenvolvido na “Hora da Criança” e expõe: “*...+ Aqui em São Paulo temos agora a Olenewa, diretora de um curso coreográfico que tem produzido grandes coisas, que está interessada; e no Rio, temos o grupo de Veltchek. Estão abrindo os olhos graças a você, o pioneiro *...+.” (Lobato apud Costa, 1982, p. 19).

Para compreender o sentido de vanguarda aqui aplicado á “Hora da Criança”, necessário se faz recorrer ao pensamento de Antoine Compagnon (1996) e Lúcia Helena (1993). Compagnon (1996, p. 39) aponta que a palavra vanguarda tornou-se metaforizada e explica: “Utilizarei a metaforização do termo vanguarda, ocorrida no decorrer do século XIX. Esse termo é de origem militar; no sentido próprio, designa a parte de um exército situado à frente do corpo principal, à frente do grosso das tropas”. Já Lúcia Helena nos traz a vanguarda em relação à arte e explica que o termo:

[...] vem do francês avant-garde e significa o movimento artístico que “marcha na frente”, anunciando a criação de um novo tipo de arte. Esta denominação tem também uma significação militar (a tropa que marcha na dianteira para atacar primeiro), que bem demonstra o caráter combativo das ‘vanguardas’, dispostas a lutar agressivamente em prol

da abertura de novos caminhos artísticos. (Helena, 1993, p. 08). Segundo Lauana Araújo (2005) e também o blog de Gutemberg5: “No dia 22 de dezembro de 1947, Adroaldo inaugurava o Teatro Infantil Brasileiro, com a encenação da opereta 4 A “Hora da Criança” montou diversos espetáculos teatrais, dentre eles "Narizinho” (1947/1948/1951/1956)

baseada na obra de Monteiro Lobato; “Infância” (1950); “Enquanto nós cantarmos” (1953); “Monetinho” (1955/2004); “Timide” (1956), dentre outras. 5 Disponível em: <http://blogdogutemberg.blogspot.com/2006/06/adroaldo-ribeiro-costa.html>. [10 de

outubro de 2009].

Narizinho, no Teatro Guarani, espetáculo assistido pelo próprio Monteiro Lobato.” Araújo (2005) lembra que ao assistir a peça, Monteiro ficou encantado com o projeto do professor Adroaldo, e chegou a propor uma parceria com Veltchek, um coreógrafo que desenvolvia atividades de dança com crianças no Rio de Janeiro. Todavia, o nome de Adroaldo não figura em nível nacional como um provável precursor do Teatro Infantil no Brasil. Talvez, porque durante a década de 40, como lembra Araújo (2005), a Bahia tinha caído no esquecimento e permaneceu alheia aos acontecimentos que aqueciam o mundo. Entretanto, como aponta Araújo, neste período, Adroaldo e à Hora da Criança já eram presenças atuantes no cenário soteropolitano.

O mundo civilizado esteve em guerra durante metade da década, mas Salvador sempre ficou muito distante deste mundo e, se não fossem os soldados americanos acampados nas praias da orla, os black-outs eventuais, o racionamento de víveres e o noticiário da imprensa escrita e falada, poder-se-ia pensar que a cidade não fazia parte do planeta que se desmaterializava. (Franco apud Araújo, 2005, p. 68).

Em 1953, a “Hora da Criança” foi transformada em sociedade civil. Todo o trabalho foi desenvolvido em parceria com o Maestro Agenor Gomes, também contou com o auxílio do professor Álvaro Zózimo e outros colaboradores. Durante as aulas, as crianças tinham acesso e aprendiam a gostar das práticas artísticas; era uma iniciação que independia de condição financeira e atendia crianças e adolescentes de diferentes classes sociais oriundas de diversos bairros da cidade de Salvador, Bahia. De acordo com Ivani Fazenda (1994), a interdisciplinaridade surgiu na França e na Itália em meados da década de 60, um período marcado por movimentos estudantis que desejavam um ensino voltado para as questões de ordem social, política e econômica que permeavam a época. Todavia, somente no final da década de 60, as ideias da interdisciplinaridade chegaram ao Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases nº 5.692/71 sofreu influências do pensamento interdisciplinar; em nossa atual LDB nº 9.394/96 e também nos Parâmetros Curriculares Nacionais/1998, é possível encontrar referências às possibilidades do trabalho interdisciplinar. A interdisciplinaridade percebida como a integração de dois ou mais componentes concorrentes e complementares na construção do conhecimento, pois de acordo com os PCN do Ensino Médio:

[...] A interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários. (Brasil, 2002, p. 88-89).

Estudiosos como Hilton Japiassu (1976), José Carlos Libâneo (1998) e Antônio Joaquim Severino (1995) apontam a interdisciplinaridade como uma questão de ordem filosófica, científica e educativa. Promover a interdisciplinaridade constitui-se em um desafio que implica em mudança de paradigmas na formação do profissional e no entendimento de educação que permeia a sociedade contemporânea. Significa perceber as relações de poder

e também a possibilidade de concorrência solidária e complementar das disciplinas na construção da totalidade da existência humana. Para Japiassú (1976), a interdisciplinaridade representa o terceiro nível de interação entre disciplinas. Para ele, esta se caracteriza por um grupo de disciplinas conexas e definidas e que se relacionam com um eixo comum em um nível hierárquico imediatamente superior, trazendo uma ideia de finalidade. Neste sentido, é possível perceber que a interdisciplinaridade exige cooperação e diálogo entre as áreas de conhecimento trabalhadas, a partir de uma ação coordenada. Desde o início, Adroaldo já buscava uma metodologia pautada na Arte. Neste contexto, a inter-relação entre os aspectos de inclusão, ludicidade, corporalidade consciente e emancipação do indivíduo como ser pensante que tem a possibilidade de se apropriar das diferentes linguagens artísticas desde o período da infância e adolescência tem contribuído para a formação do ser sensível, ético, estético e político. De acordo com Josélia Santos6, Adroaldo objetivava desenvolver um trabalho no qual a atividade lúdica fosse meio para a educação, partindo do princípio de que a criança é essencialmente prazer e o brinquedo se constitui em sua principal forma de expressar-se no mundo. Ela explica que as crianças e adolescentes eram o foco das inquietações e dos estudos do professor Adroaldo, inquietações nas quais as práticas corporais, artísticas e culturais estavam presentes, entrelaçadas e acessíveis a todos que participavam dos ensaios e apresentações. Uma relação interdisciplinar que proporcionava o saber-fazer ético, estético e político a partir da percepção dos sentidos e da ação; da apreciação e da fruição da arte e da cultura como parte constitutiva da existência humana. Para Josélia, Adroaldo já compreendia que estabelecer relações entre as diferentes linguagens artísticas era necessário para compreender as tramas construídas na rede das inter-relações entre Arte e Educação enquanto complexidade do fenômeno humano. Relações que possibilitam entender como nós, seres humanos, nos constituímos nas trocas de informações entre corpo e ambiente. Ela lembra que Adroaldo primava por uma aprendizagem que privilegiasse o saber-fazer corporal de forma lúdica, a conscientização do movimento, a educação dos sentidos. Como diria Rubem Alves (2005), a educação do olhar, não no sentido da visão, mas como uma forma de perceber a si e ao outro nas múltiplas nuances do fazer coletivo. Buscava construir uma metodologia que associasse estes saberes e fazeres humanos a partir do toque, do olhar, do saber-fazer sensível cotidiano, do respeito à diversidade, do prazer de estar com o outro e aprender. Para ele, era necessário pensar o ser humano em sua totalidade. Este fato demonstra que na visão de Adroaldo em relação à educação não cabia um ser fragmentado e sim a presença do ser humano em todas as suas nuances, influenciando comportamentos, ações, valores e atitudes perante a vida e ao enfrentamento de tensões, isto significa:

[...] pensar o corpo ampliado de sua significação reducionista, estritamente biológica e segmentada, instrumento executor das ordens mentais, para o corpo complexo que trabalha, construindo a sociedade em que vive. Este corpo é então afetivo, psicológico, histórico,

6 Josélia Santos, atual presidente de honra da “Hora da Criança” conviveu com Adroaldo Ribeiro Costa. É

possível afirmar que ela é a memória viva da trajetória de Adroaldo e da história da “Hora da Criança”.

social, cultural e político. O corpo é, neste contexto, uma produção cultural resultante das conexões que o ser humano estabelece com o meio, considerando-se para isso o grau de flexibilidade ou rigidez no processo adaptativo, o repertório de informações que cada ser carrega, tendo como parâmetro a compreensão do corpo uno, sem a segmentação positivista corpo-mente. (Araújo, 2005, p.59).

Provavelmente, Adroaldo percebia que o saber construído com base no paradigma positivista que fragmentava o conhecimento, comprometia a compreensão do todo e impedia a compreensão da interferência das nossas ações no cotidiano. Ter este entendimento possibilitava entender que apesar de manter as especificidades de cada linguagem artística era necessário um olhar interdisciplinar, uma ligação entre diferentes saberes e fazeres artísticos para uma apreensão do todo e sua importância no desenvolvimento integral do ser humano. Neste sentido, Morin (2006, p.93) explica que obedecendo ao princípio sistêmico ou organizacional, esta compreensão “*...+ completará o conhecimento da integração das partes em um todo, pelo reconhecimento da integração do todo no interior das partes.” Adroaldo compreendia que a construção do conhecimento não poderia estar desvinculada dos elementos da vida pessoal, social e cultural do indivíduo. Para ele, o aprendizado ganhava significado a partir das pontes construídas entre o cotidiano dos participantes e o que se aprendia nas aulas. A partir da leitura de Fazenda (1994) é possível perceber Adroaldo como um profissional que trazia em si as atitudes do que hoje é chamado de “professor com atitude interdisciplinar”. Para ela, atitude interdisciplinar é:

[...] uma atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de espera ante os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo – atitude de humildade diante da limitação do próprio saber, atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes, atitude de desafio – desafio perante o novo, desafio em redimensionar o velho – atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos e com as pessoas neles envolvidas, atitude, pois, de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, atitude de responsabilidade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, de vida. (Fazenda, 1994, p. 82).

A professora Lúcia Maltez7 lembra que o “professor Adroaldo”, como ela ainda se refere a ele com admiração e carinho, tornava as aulas atrativas, um espaço lúdico de aprendizagem que motivava as crianças a gostar de participar das aulas e também encenar as peças. Ela conta que quando criança foi aluna da “Hora da Criança”, levada por sua tia Odete Franco, na época, professora de Dança e coreógrafa. Anos depois, ainda adolescente, foi convidada pelo Professor Adroaldo para assumir as aulas de dança, agora como professora, em substituição à professora Isaura Gazineu8. Araújo (2005) ratifica a posição de Lúcia com as palavras da mesma ao afirmar que:

[...] Tendo experienciado na infância uma educação artística de qualidade e, vivido também o

7 Lúcia Maltez foi minha professora de Ginástica Rítmica no Colégio Estadual Góes Calmon , através dela

conheci Adroaldo e a “Hora da Criança” quando a sede ainda era no Santo Antônio Além do Carmo. 8 Isaura Gazineu foi professora de Dança e coreógrafa da “Hora da Criança” em substituição à professora Odete

Franco, quando da partida desta para o Rio de Janeiro.

papel de educadora na Hora da Criança sob o comando de Adroaldo, Maltez comentou que este tem “um grande valor para a criança da Bahia porque ele criou tudo o que elas precisavam no setor cultural: dança, teatro, música, poesia, literatura. Ele foi um grande batalhador. Ele não tinha local, não tinha verba. (Araújo, 2005, p.83).

Para ela, Adroaldo percebia a criança como um ser total, uno, individual, assim ele buscava uma ação artística-educacional que respondesse aos desafios cotidianos de construção da autonomia. Uma educação de caráter interdisciplinar na qual a Arte e suas diferentes linguagens se faziam presentes como possibilidade de construção de conhecimento e transformação de valores e atitudes. Uma ação que despertava a motivação e o prazer dos participantes de co-existir como agentes do conhecimento. As atividades desenvolvidas primavam pelas questões que envolvem as interações entre corpo, arte, educação e cultura na construção de uma sociedade plural. Estas questões permanecem presentes na “A Hora da Criança”. Lúcia aponta ainda que no trabalho desenvolvido na “Hora da Criança”, cada criança e adolescente era percebido como um ser criativo e capaz de propor ideias. Havia um respeito à individualidade e também uma abertura à pesquisa e investigação de movimentos e falas, buscando a construção do conhecimento em um fazer coletivo. Todos aprendiam a colaborar, a ouvir e também a falar para compor cenas, cenários e também as ações dos bastidores. Todos aprendiam a lidar com o palco em todos os seus aspectos, não só atuando, mas também por trás dos bastidores, seja no som, na iluminação, na colocação de cenários e também no cuidado necessário nas coxias. Em uma linha interdisciplinar, mesmo sendo o Teatro o eixo integrador, as outras linguagens artísticas tinham seu espaço e vez. Inclusive, lembra Lúcia, as crianças conviviam com uma orquestra e muitos dos ensaios e apresentações eram acompanhados ao vivo, o que possibilitava a apropriação de mais este viés da música por todos os participantes. Adroaldo e sua equipe compreendiam a importância das linguagens artísticas na aprendizagem e na transformação de valores, condutas, sentidos e significados de vida das crianças e adolescentes presentes nesta instância de ensino não-formal. Neste sentido, ele buscava a elaboração de uma proposta de ensino calcado na prática artístico-corporal que possibilitasse ao indivíduo se reconhecer como autor e ator social responsável pelas suas escolhas. Desta forma, é possível afirmar que Adroaldo pretendia uma educação de caráter emancipatório das inteligências. Uma educação que nos remete ao pensamento de Paulo Freire (1996) e de Jacques Ranciére (2005). Uma educação que possibilitasse escolher e construir caminhos na vida, pautada ou não em práticas artísticas. Desta forma, o que Adroaldo propunha era a criação de um movimento que possibilitasse o estabelecimento de relações entre as linguagens artísticas e também as questões educacionais, tendo como ponto de convergência a ação que se desenvolve em um trabalho cooperativo e reflexivo. Desta forma, todos, alunos, professores, funcionários e pais se engajavam em um processo solidário de manutenção da “Hora da Criança”; além de desenvolver pesquisa, descoberta e construção coletiva de conhecimento. Neste contexto, cada um podia ser, ao mesmo tempo, "ator" e "autor" do processo, sujeitos de sua própria ação de aprender a aprender compartilhando ideias, ações e reflexões. Esta forma de pensar educação a partir da interação das linguagens artísticas em uma aula que privilegiava o lúdico e o fazer concreto, nos remete, mais uma vez a Fazenda (1994) e seu entendimento

do que seria uma sala de aula interdisciplinar:

Numa sala de aula interdisciplinar, a autoridade é conquistada, enquanto na outra é simplesmente outorgada. Numa sala de aula interdisciplinar a obrigação é alternada pela satisfação; a arrogância, pela humildade; a solidão, pela cooperação; a especialização, pela generalidade; o grupo homogêneo, pelo heterogêneo; a reprodução, pela produção do conhecimento. [...] Numa sala de aula interdisciplinar, todos se percebem e gradativamente se tornam parceiros e, nela, a interdisciplinaridade pode ser aprendida e pode ser ensinada, o que pressupõe um ato de perceber-se interdisciplinar. [...]. (Fazenda, 1994, p. 86-87).

Desta forma, é possível pensar a interdisciplinaridade das linguagens artísticas na “Hora da Criança” como uma prática sistematizada, contínua, permanente, na perspectiva do saber-fazer consciente que possibilitava às crianças e adolescentes do projeto pesquisar, apreciar e usufruir dos conhecimentos envolvendo Arte e Educação em um contexto ampliado de discussões, no entrelaçamento do corpo com sua cultura, sendo eles próprios os protagonistas na construção da sua história como cidadãos politizados através do trabalho desenvolvido. Nesta perspectiva, insisto que as práticas artísticas desenvolvidas levavam a uma práxis que possibilitava aos participantes construir sua autonomia, desenvolver a liberdade de escolhas e o desejo de aprender a partir de um saber-fazer corporal crítico-reflexivo significativo que se apropriava do contexto e modificava o ambiente coletivo de aprendizagem lúdica na busca do conhecimento e da possibilidade de transformação. Menezes (2003, p. 35) auxilia a compreensão do entendimento de Arte que permeava o trabalho de Adroaldo Ribeiro Costa para compreender a interdisciplinaridade das linguagens artísticas na “Hora da Criança” quando afirma que: “A ética, a estética e mesmo a política são aprendidas, não em abstrato, como elementos de discurso, mas como fazeres efetivos no canto, na dança, no jogo, no desenho, na refeição e nos interesses compartilhados”. No Brasil, a LDB nº 9.394/969 tornou o ensino de Arte no ensino básico obrigatório inserindo-o no núcleo curricular comum. Dois anos depois, em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais sugerem a presença de quatro linguagens artísticas10 para a disciplina Arte na escola de ensino básico. Esta proposta, considerada um avanço na educação nacional, já era vivenciada na “Hora da Criança” por todos os seus participantes desde o ano de 1943, ainda em meados do Século XX. O pensamento interdisciplinar de Adroaldo trabalhado na “Hora da Criança” há mais de sessenta anos, atualmente presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (1998), propõe que conhecer, aprender a apreciar e usufruir das diferentes expressões artísticas na escola são questões relevantes na construção de crianças e adolescentes – seres humanos em desenvolvimento – a fim de que tenham a possibilidade de tornar-se sujeitos criativos, críticos-reflexivos e participativos em busca de uma cultura que respeite a pluralidade humana. 9 Lei Darcy Ribeiro de nº 9.394, sancionada em 20 de dezembro de 1996 pelo então Presidente Fernando

Henrique Cardoso, trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 10

Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.

A prática interdisciplinar possibilita o desenvolvimento de habilidades e competências do indivíduo. Este passa a perceber os fatos à sua volta e desperta a curiosidade em aprender coisas novas, interessando-se pelos acontecimentos à sua volta. Libâneo (1998, p. 04) esclarece que uma pessoa está apta para desenvolver uma cultura geral, ou seja, tornar-se culta quando ela é capaz de:

[...] dispor de ferramentas conceituais para lidar com as coisas, tomar decisões, resolver problemas pessoais e profissionais. Culta é aquela pessoa que tem gosto em ampliar seus esquemas mentais de compreensão da realidade, que tem uma atitude de curiosidade, que desconfia do que parece normal. A pessoa pode, assim, captar as realidades econômicas, sociais e culturais do mundo atual, interpretar um mundo cada vez mais complexo e agir eficazmente nas situações de sua vida cotidiana. Uma pessoa culta está aberta a tudo o que não é ela mesma, a aceitar e analisar tudo o que ultrapassa o círculo mais fechado do cotidiano, do familiar, do local, ou seja, ir além das necessidades imediatas. (LIBÂNEO, 1998, p. 04).

Muitas das crianças e adolescentes que passaram pela “Hora da Criança” seguiram o caminho artístico ou na área da cultura. Gilberto Gil e as irmãs do Quarteto em Cy são um exemplo. Cyva, Cybele, Cynara e Cylene participaram da Hora da Criança e, depois de adultas lançaram um disco infantil com canções que aprenderam na “Hora da Criança”. Como elas mesmas lembram: “Uma boa pedida para quem quiser conhecer mais sobre essa ideia de educar pela arte e para quem acredita que aprendizagem e diversão andam juntas.”

Em 2001, o Quarteto em Cy gravou seu primeiro disco infantil intitulado "Hora da Criança", cujo repertório conta com a recriação de algumas canções do acervo musical da instituição civil Hora da Criança, como "A história do Rei Barbado", "A cigarra e a formiga", entre outras. Este CD foi lançado pela gravadora CID e contou com a participação especial de Angélica, Gilberto Gil, MPB4 e Chico Faria11. (20/11/2010).

Segundo as irmãs Cynara e Cyva do grupo Quarteto em Cy, Adroaldo foi o primeiro, no Brasil, a educar através da Arte. Elas lembram que muitos foram os personagens representados: príncipes, reis e rainhas, pajens e também formigas, papagaios, lagartixas, sapos, gaturamos, tangarás, libélulas e outros bichos. Muitos foram os contos infantis trabalhados, contos que produziam encantamento em quem atuava e também em quem assistia. Quantas pessoas choravam com a representação da estória do cachorrinho e por aí vai. Elas dizem ainda: “Nós nos reconhecemos naquela turma, que nos transportou a uma época feliz e repleta de fantasia, onde foi plantado em todos nós o amor à arte”. Além de Gil e do Quarteto em Cy, também é possível citar o artista plástico Ângelo Andrade, o professor Carlos Petrovich, o publicitário Fernando Passos da empresa Engenho Novo Publicidades, a professora Magna Moisés Andrade, vice-coordenadora do EJA12 no turno noturno do Colégio Estadual Adroaldo Ribeiro Costa e a também professora Maria da Glória Matos dos Santos13. Esta última ao relatar sua convivência com Adroaldo Ribeiro Costa no Instituto Normal da Bahia, atualmente ICEIA14, lembra que “nenhum outro professor sabia 11

Disponível em: <http://quartetoemcyeafins1.blogspot.com/2010/12/agora-e-hora-da-crianca.html>. Rio, 20/11/2010. [12 de fevereiro de 2011]. 12

EJA – Educação de Jovens e Adultos. 13

Entrevista com a professora Maria da Glória em 10 de julho de 2009. 14

ICEIA – Instituto Central de Educação Isaías Alves

transmitir a paixão de ensinar e aprender que Adroaldo passava para os alunos”. Afirma que as aulas de História Geral eram ministradas com competência, repletas de conhecimento e muito humor. Lembra ainda que a sua prática pedagógica como professora sempre esteve pautada no exemplo de Adroaldo. Baseando-se em Morin (2006), para Maria da Glória, esta prática possibilitava a construção de uma cabeça bem feita15. Adroaldo não pretendia tornar o trabalho realizado com as linguagens artísticas em fazeres pedagógicos, ele buscava sim, transformar a educação em arte, a arte de saber viver e transformar conhecimentos em vida real. Para corroborar esta ideia do professor Adroaldo é possível recorrer ao pensamento de Rubem Alves16 quando o mesmo aponta que não devemos tentar incluir a arte na educação e sim a necessidade de pensar a educação sob a perspectiva da Arte. Neste viés, é possível priorizar o sentir e o pensar como premissas básicas do desenvolvimento do ser humano de forma integral como indivíduo consciente das suas possibilidades de criação e crescimento como aponta Duarte Jr. (2007). Neste contexto, a construção do conhecimento acontecia a partir da experiência e da possibilidade do “estar junto” de forma lúdica e prazerosa vivenciando atividades artísticas no palco e fora dele. Desta forma, se faz necessário entender a “Hora da Criança”, como possibilidade de ludicidade, inclusão, construção da autonomia e processo emancipatório de inteligências a partir de uma vivência artística-educacional na qual o corpo sempre foi e continua sendo o primeiro referencial de estar no mundo, como lembra Alves (2005). Além disso, nas atividades desenvolvidas na “Hora da Criança”, crianças e adolescentes sempre tiveram contato com valores éticos, estéticos e políticos. Este contato possibilitava transformar práticas e comportamentos no cotidiano e também dava a possibilidade de levar para a vida quando adulto as experiências que teve na instituição, como aponta Josélia ao se referir a ex-integrantes da “Hora da Criança” que hoje atuam no campo das artes, da educação, da produção cultural. Estas ações repercutiam como uma rede complexa no cotidiano. Adroaldo estava sempre em busca de novos conhecimentos para ampliar as possibilidades de novas configurações metodológicas, didáticas que se refletissem no saber-fazer em busca de uma ação artística-educacional de qualidade que possibilitasse a transformação social, cultural, educacional e até mesmo política dos pequenos cidadãos soteropolitanos. Neste viés, as inter-relações entre Arte, Educação e Cultura repercutem em nossa visão de mundo e na forma de nos portarmos frente às exigências presentes no cotidiano e que Adroaldo buscava trabalhar com as crianças e adolescentes propondo uma visão social, crítica e política que se fazia presente em suas peças que, muitas vezes, de forma sutil, denunciava os problemas sócio-econômicos que afligiam as crianças da época. Problemas estes que permanecem bastante atuais. De acordo com Josélia, o trabalho desenvolvido na “Hora da Criança” sempre primou por 15

“Uma cabeça bem feita” para Morin significa dispor de uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas e, ao mesmo tempo, saber utilizar princípios seletivos e organizadores que possibilitam religar os saberes dando-lhes um sentido. Morin (2006). 16

Este pensamento de Rubem Alves está colocado na introdução do livro Fundamentos Estéticos da Educação de João Francisco Duarte Jr., 9 ed. Campinas, SP: Papirus, 2007.

uma metodologia e uma ação didático-pedagógica que promovesse uma práxis apoiada no saber-fazer da experiência concreta. Experiência que ocorre na presença consciente do corpo nas atividades propostas buscando o conhecimento a partir da construção de hipóteses corporais, posicionamentos críticos-reflexivos e tomadas de posições do próprio sujeito a partir das diferentes vivências individuais em um ambiente coletivo. Esta vivência tem proporcionado condições de avaliar e redimensionar a prática da “Hora da Criança” em torno de questões referentes ao estudo das linguagens artísticas tecendo redes complexas de ensino-aprendizagem, em específico, na práxis do teatro voltado para o público infantil, um teatro feito por crianças para pessoas de todas as idades. De acordo com Josélia, estes múltiplos olhares tem estimulado a busca de novos desafios e reiterado o desejo dos profissionais que lá atuam de buscarem aperfeiçoamento, de consolidar estudos e a produção de conhecimento na área de Arte, percebendo estas ações como artística, educacional e cultural em uma perspectiva concorrente e complementar. Próxima aos setenta anos de sua criação, a “Hora da Criança” continua buscando a renovação do trabalho artístico-educacional desenvolvido por uma equipe que procura manter vivo o ideal de Adroaldo e a proposta inicial de trabalhar interdisciplinarmente a Arte e suas diferentes linguagens tendo como eixo integrador o teatro, trazendo para o cotidiano de crianças e adolescentes momentos que entrelaçam a Arte e a Educação em um projeto lúdico, inclusivo que tem como foco principal a cultura da brincadeira e a magia do faz-de-conta e dos contos populares que encantaram várias gerações. Atualmente, a “Hora da Criança”, tem atendido primordialmente os educandos oriundos das escolas municipais do entorno da sede da instituição17. Nesse sentido, o pressuposto está em considerar a inter-relação entre estas ações como forma de materializar uma corporalidade consciente baseada em possibilidades lúdicas, inclusivas e emancipatórias como ações indissociáveis e indivisíveis do/no corpo. Aspectos que necessitam ser compreendidos para o entendimento dos processos de formação artístico-educacional como possibilidade de ampliação de ações ligadas à Arte, a Educação e a Cultura. A ampliação das discussões em torno do corpo e o seu saber-fazer artístico, cultural e educacional em uma perspectiva ética, estética e política tem sido a tônica das atividades desenvolvidas na “Hora da Criança”, oportunizando e prestigiando o lugar da cultura em movimento, entrelaçando as possibilidades das linguagens artísticas em um saber-fazer dinâmico, contínuo, crítico-reflexivo que se propõe a ser transformador e se projetar além dos muros da “Hora da Criança” fazendo-se presente no cotidiano das crianças, dos adolescentes e de seus pais. Desta forma, é possível afirmar que o trabalho desenvolvido na “Hora da Criança” considera o corpo como espaço dialógico de aprendizagem e construção de conhecimento. Isto significa perceber a Arte como uma forma de estar no mundo que vai além dos significados, diluindo fronteiras, entrelaçando conhecimentos, possuindo uma lógica organizativa que possibilita a sua presença em instâncias diversas da experiência humana. Este entendimento 17

A sede própria da instituição está situada na Av. Juracy Magalhães Jr., S/N – Parque Lucaia/Rio Vermelho. CEP: 41.940-060. Salvador/BA. Tel: (55/71) 3356-1320/Fax: (55-71) 3356-2424. Email: [email protected].

faz de Adroaldo Ribeiro Costa um vanguardista na interdisciplinaridade das linguagens artísticas e, da “Hora da Criança”, um ambiente rico para tratar de questões próprias da Arte como proposta de formação humana. A perspectiva do estudo desenvolvido é, em momento posterior, de resgatar, reunir, compilar e difundir uma parcela da vida e obra de Adroaldo Ribeiro Costa. Objetiva servir como referencial ao apontar a importância do trabalho da “Hora da Criança” para o desenvolvimento do Teatro Infantil em Salvador, Bahia e também no Brasil. Busca também a correlação entre essas práticas e o sucesso de um projeto iniciado na década de 40 e que ainda hoje, no século XXI, continua atraindo crianças e adolescentes. Além de apresentar a “Hora da Criança” como um espaço relevante para a prática da Arte de maneira interdisciplinar. A continuidade deste estudo terá como referência as atividades desenvolvidas na “Hora da Criança” com crianças e adolescentes que transitam neste espaço de construção de conhecimento a partir de atividades artísticas envolvendo as artes plásticas, a dança, a literatura e a música, tendo por eixo integrador o teatro. Também são trabalhados conhecimentos de palco, incluindo cenografia e iluminação. A relevância do estudo está em considerar que existe uma rede de relações entre Arte e Educação que entrelaça experiência humana e subjetividade no desenvolvimento de crianças e adolescentes enquanto seres humanos em construção a partir das experiências vividas e incorporadas ao cotidiano. Considerações finais Este estudo buscou delinear um breve panorama sobre a história de Adroaldo Ribeiro Costa e de sua obra. Momentos que possibilitam a compreensão da organização da “Hora da Criança” enquanto instituição não-formal de ensino e o impacto do trabalho artístico interdisciplinar desenvolvido e suas repercussões na construção de um pensamento vanguardista na década de 40 e que permanece em pleno Século XXI. A partir das leituras e dos depoimentos de pessoas que conviveram com Adroaldo, penso que para ele, se o indivíduo tivesse acesso às diferentes linguagens artísticas desde a infância em um ambiente rico de jogos lúdicos interativos e inclusivos, em mudanças dinâmicas na qual a criatividade fosse à regra primeira, este corpo seria um sistema em expansão dialogando com a complexidade dos fatos, em plena fase de descoberta de movimentos e pensamentos tecidos em uma rede de relações sociais. A educação proposta por Adroaldo acontecia nas tramas tecidas entre Arte, movimento e o desejo de aprender. Este fazer possibilitava exercitar o senso crítico-reflexivo das crianças e dos adolescentes na consolidação de um cidadão criativo e participativo frente às exigências do mundo. Uma educação voltada para a construção da autonomia, da liberdade criadora, da capacidade crítica-reflexiva que buscava o desenvolvimento do senso ético, estético e político. Provavelmente, o sucesso da “Hora da Criança” se deve principalmente a sua proposta interdisciplinar e a presença de uma equipe diversificada que desde aquela época percebia a

criança e o adolescente como elementos ativos, co-participantes na construção das práticas artísticas, educacionais, sociais e culturais. Neste sentido, analisar o desenvolvimento das práticas interdisciplinares na “Hora da Criança” pode servir de parâmetro para uma proposta de Arte-Educação que de fato valorize o conhecimento e a existência humana em seu devir. Neste contexto, é possível perceber o caráter contemporâneo do projeto desenvolvido na “Hora da Criança” e seus princípios para a construção de uma proposta de um ensino artístico-educacional que reverbera nos corpos de crianças e adolescentes de diferentes gerações que por lá passaram e levaram para a vida adulta os conhecimentos construídos, como diria Adroaldo, brincando com o corpo e suas possibilidades artísticas. Acredito que esta forma de pensar as correlações entre as diferentes linguagens artísticas presentes na “Hora da Criança” tem possibilitado buscar modos de saber-fazer amparado nos estudos sobre corpo, arte, cultura, educação em uma perspectiva interdisciplinar objetivando transformar relações em uma sociedade marcada pelas relações virtuais e que a cada dia o outro se torna mais distante enquanto referência social na construção da própria corporalidade. Neste contexto é possível afirmar que “*...+ foi assim, com muito trabalho e sem verba, que *...+ um projeto inovador e ousado de teatro para e com crianças, a “Hora da Criança”, ousou mostrar-se na década de 1940, solidária e despretensiosa, porém firme e substancial, gerando frutos, reconhecimentos e memória, por meio de sua permanência”. (Araújo, 2005, p.74). Por conhecer e cantar desde pequena o hino da “Hora da Criança” de autoria de Adroaldo e do maestro Agenor Gomes, ouso apropriar-me da letra e acrescentar algumas palavras para ampliar o pensamento de Adroaldo em relação à importância da Arte no desenvolvimento de seres humanos sensíveis na contemporaneidade. Assim, aqui fica a ampliação: Quando todas as nossas crianças e adolescentes tiverem a oportunidade de apropriar-se das linguagens artísticas, dançando, representando, poetizando desde a infância, independente de classe social e/ou condição financeira haverá como aponta Morin (2006), esperança de um mundo melhor que busca uma cultura de paz pautada no respeito e na compreensão da pluralidade humana. Referências ALVES, Rubem (2005) Educação dos sentidos e mais. Campinas: Verus. ARAÚJO, Lauana Vilaronga Cunha (2005) Graal – O segredo da Dança na Bahia: a noção de vanguarda artística aplicada à Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, In: LOBATO, Lúcia, SAJA, José Antônio (orgs.) Vanguardismo, também uma questão da Dança. Estudos Monográficos Contemporâneos em Dança/Universidade Federal da Bahia/Escola de Dança/Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Salvador/Bahia, Salvador, BA: P&A Editora. BRASIL (1988) Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 130 p. Volume 06.

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