Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César — …...O direito constitucional, nitidamente, é...

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    ISBN978-85-02-14386-9

    Tratadodedireitoconstitucional,v.1/coordenadoresIvesGandradaSilvaMartins,GilmarFerreiraMendes,CarlosValderdoNascimento.–2.ed.–SãoPaulo:Saraiva,2012.1.Direitoconstitucional-Brasil2.DireitoconstitucionalI.Martins,IvesGandradaSilva.II.Mendes,GilmarFerreira.III.Nascimento,CarlosValderdo.11-12908CDU-342

    Índiceparacatálogosistemático:1.Direitoconstitucional342

    DiretoreditorialLuizRobertoCuriaDiretordeproduçãoeditorialLígiaAlves

    EditorJônatasJunqueiradeMelloAssistenteeditorialSirleneMirandadeSalesProdutoraeditorialClarissaBoraschiMaria

    Preparaçãodeoriginais AnaCristinaGarcia/MariaIzabelBarreirosBitencourtBressan/RaquelBenchimoldeOliveiraRosenthalArteediagramaçãoCristinaAparecidaAgudodeFreitas/LídiaPereiradeMorais

    Revisãodeprovas RitadeCássiaQueirozGorgati/ReginaMachadoServiçoseditoriais ElaineCristinadaSilva/KelliPriscilaPinto

    CapaAeroComunicaçãoProduçãográficaMarliRampim

    ProduçãoeletrônicaRoComunicação

    Datadefechamentodaedição:19-1-2012

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  • NenhumapartedestapublicaçãopoderáserreproduzidaporqualquermeioouformasemapréviaautorizaçãodaEditoraSaraiva.AviolaçãodosdireitosautoraisécrimeestabelecidonaLein.9.610/98epunidopeloartigo184doCódigoPenal.

  • Índice

    AConstituiçãoBrasileirade1988:umaIntroduçãoLuísRobertoBarroso

    TeoriasobreasTeoriasdaConstituiçãoIvesGandradaSilvaMartins

    OEstadoConstitucionalSolidarista:EstratégiasparasuaEfetivaçãoValdirFerreiradeOliveiraJunior

    OsFundamentosdaConstituiçãonoEstadodeDireitoTarsoGenro

    AplicabilidadedasNormasConstitucionaisJoséAfonsodaSilva

    HermenêuticaConstitucionalInocêncioMártiresCoelho

    DireitosFundamentaisIvesGandraMartinsFilho

    OSistemaBrasileirodeControledeConstitucionalidadeGilmarFerreiraMendes

    DaJurisdiçãoConstitucionaloudoControledeConstitucionalidadeCarlosMáriodaSilvaVelloso

    PrincípiosConstitucionaisAndréRamosTavares

    DireitosIndividuaiseColetivosIvoDantas

    DireitosSociaisWalberdeMouraAgra

    RegimesPolíticosCezarSaldanhaSouzaJunior

    FilosofiaeConstituição

  • LuizBarzotto

    DaOrganizaçãodoEstadoJoséAugustoDelgado

    FederaçãoeRepúblicaDircêoTorrecillasRamos

    AdministraçãoMauroRobertoGomesdeMattos

    DireitosPolíticos.OPartidoPolítico,CanaldeComunicaçãoentreGovernanteseGovernadosCláudioLemboeMonicaHermanCaggiano

    PoderLegislativoAlexandredeMoraes

    PoderExecutivoEdvaldoBrito

    OPoderJudiciárionaConstituiçãode1988JoséRenatoNalini

    FunçõesEssenciaisàJustiçaDiogodeFigueiredoMoreiraNeto

    DefesadoEstadoAlvaroLazzarini

  • Apresentação

    DecidimoscoordenaropresenteTratado comoobjetivodecuidardosprincipaistemasdedireitoconstitucional,àluzdainterpretaçãodenotáveisjuristasbrasileiroseportugueses, convidando para escrever sobre cada um dos temas consideradosessenciaisnumaobradestaenvergaduraaqueleespecialistaquetemdedicadomaiorreflexãoacadêmicaeparticularatuaçãonarespectivaárea.Desta forma, conseguimos congregar juristas de renome nacional e internacional,

    que,livremente,expuseramsuastesesesuainteligênciasobreatemáticaquelhesfoiconfiada.Nãoobstanteadiversidadedasopiniõesapresentadas,a sistematizaçãodeseus títulos conferiu uniformidade à obra, que consegue, pela qualidade de seusautores, obter a unidade na diversidade. Com isso, acreditamos estar contribuindoparaamaisamplacompreensãododireitoconstitucional,hojeemfrancarevisão,nosseusconceitoseprincípiostradicionais.Mais não temos a dizer, pois oTratado fala por si só, oumelhor, pelos ilustres

    convidadosquesededicaramaestudarcadaumdos temas,possibilitandoao leitorumavisão abrangentedodireito constitucional e formular suaprópria concepção arespeito.Aliás,umadasfinalidadesdapresenteobraé,exatamente,despertarointeresseeo

    estudosobreosmaisrelevantestemasdedireitoconstitucional.O direito constitucional, nitidamente, é parte fundamental do direito, porque para

    ele convergem as vertentes de todas as ciências sociais. Sua própria evoluçãoconfunde-secomaevoluçãodohomemnasociedade.Desta forma, quantomais estudiosos apresentarem o resultado de seus trabalhos,

    tanto mais oportunidades haverá para o desenvolvimento e aperfeiçoamento dosinstitutos,oqueservirá,inclusive,paraaprópriaharmonizaçãodasrelaçõesentreospovos, tendoemcontaqueacomunidade internacional está,nitidamente, emplenamodificação.Oxaláestesejaumpassoconcretoparaoalcancedessedesiderato.

    IvesGandradaSilvaMartinsGilmarFerreiraMendes

    CarlosValderdoNascimento

  • AConstituiçãoBrasileirade1988:umaIntrodução

    LuísRobertoBarroso1

    SUMÁRIO

    1. Introdução–DavindadafamíliarealàConstituiçãode1988.2.ParteI–Doregimemilitaràdemocraciaconstitucional.2.1. Olongo caminho. 2.1.1. 1964-1985: ascensão e o caso do regime militar. 2.1.2. Convocação, instalação e natureza da AssembleiaNacionalConstituinte.2.1.3.OstrabalhosdeelaboraçãodaConstituição.2.1.4.Otextoaprovado.2.2.Aconsolidaçãodemocráticabrasileira.2.2.1. O sucesso institucional da Constituição de 1988. 2.2.2. Os governos Fernando Collor e Itamar Franco. 2.2.3. OgovernoFernandoHenriqueCardoso.2.2.4.OgovernoLuísInácioLuladaSilva.2.3.Umbalançopreliminar.2.3.1.Algunsavanços.2.3.2.Algumascircunstâncias.2.3.3.Algunsreveses.3.ParteII–Odesempenhodasinstituições.3.1.PoderExecutivo.3.2.PoderLegislativo.3.3.PoderJudiciário.4.ParteIII–Astransformaçõesdateoriaconstitucional.4.1.Adoutrinabrasileiradaefetividade.4.2. Neoconstitucionalismo ou o novo direito constitucional. 4.3. A constitucionalização do Direito. 5. Conclusão – A vitória doconstitucionalismodemocrático.5.1.Oqueaindarestafazer.5.2.Oquesedevecelebrar.

    1.Introdução–DavindadafamíliarealàConstituiçãode1988

    Começamostarde.Somenteem1808–trezentosanosapósodescobrimento–,comachegadadafamíliareal,teveinícioverdadeiramenteoBrasil.Atéentão,osportoseramfechadosaocomérciocomqualquerpaís,salvoPortugal.Afabricaçãodeprodutoseraproibidanacolônia,assimcomoaabertura de estradas. Inexistia qualquer instituição de ensino médio ou superior: a educaçãoresumia-seaonívelbásico,ministradapor religiosos.Maisde98%dapopulaçãoeraanalfabeta.Nãohaviadinheiroeas trocaseramfeitasporescambo.Oregimeescravocratasubjugavaumemcadatrêsbrasileiroseaindadurariamaisoitentaanos,comoumachagamoraleumabomba-relógiosocial. Pior que tudo: éramos colônia de umametrópole que atravessava vertiginosa decadência,onde a ciência e a medicina eram tolhidas por injunções religiosas e a economia permaneceuextrativistaemercantilistaquandojáiaavançadaarevoluçãoindustrial.PortugalfoioúltimopaísdaEuropaaabolirainquisição,otráficodeescravoseoabsolutismo.UmImpérioconservadoreautoritário,avessoàsideiaslibertáriasquevicejavamnaAméricaenaEuropa2e3.Começamos mal. Em 12 de novembro de 1823, D. Pedro I dissolveu a Assembleia Geral

    Constituinte e Legislativa que havia sido convocada para elaborar a primeira Constituição doBrasil4. Já na abertura dos trabalhos constituintes, o Imperador procurara estabelecer suasupremacia,nacélebre“Fala”de3demaiode18235.Nelamanifestousuaexpectativadequeseelaborasse uma Constituição que fosse digna dele e merecesse sua imperial aceitação. Nãomereceu6. O Projeto relatado por Antônio Carlos de Andrada, de corte moderadamente liberal,limitava os poderes do monarca, restringindo seu direito de veto, vedando-lhe a dissolução daCâmara e subordinando as Forças Armadas ao Parlamento. A constituinte foi dissolvida peloImperadoremmomentoderefluxodomovimentoliberalnaEuropaederestauraçãodamonarquiaabsolutaemPortugal.Emboranodecretoseprevisseaconvocaçãodeumanovaconstituinte,issonãoaconteceu.AprimeiraConstituiçãobrasileira–aCartaImperialde1824–viriaaserelaboradapeloConselhodeEstado7,tendosidooutorgadaem25demarçode18248.

  • Percorremosum longocaminho.Maisdeduzentos anos separamavindada família realparaoBrasileosdiasdehoje.Nesseintervalo,acolôniaexóticaesemiabandonadatornou-seumadasdezmaiores economias do mundo. O Império de viés autoritário, fundado em uma Carta outorgada,converteu-se em um Estado constitucional democrático e estável, com alternância de poder eabsorçãoinstitucionaldascrisespolíticas.Doregimeescravocrata,restou-nosadiversidaderaciale cultural, capaz de enfrentar – não sem percalços, é certo – o preconceito e a discriminaçãopersistentes.Não temsidoumahistóriadepoucos acidentes.Da Independência atéhoje, tivemosoitoCartasconstitucionais:1824,1891,1934,1937,1946,1967,1969e1988,emummelancólicoestigma de instabilidade e de falta de continuidade das instituições. A Constituição de 1988representa o ponto culminante dessa trajetória, catalisando o esforço de inúmeras gerações debrasileiros contra o autoritarismo, a exclusão social e o patrimonialismo9, estigmas da formaçãonacional10.Nemtudosãoflores,mashámuitasrazõesparacelebrá-la.

    2.ParteI–Doregimemilitaràdemocraciaconstitucional

    2.1.Olongocaminho

    2.1.1.1964-1985:ascensãoeocasodoregimemilitar11

    Omovimentomilitardeflagradoem31demarçode1964,quederrubouopresidenteJoãoGoulart,tinhaocompromissodeclaradodemanteraseleiçõespresidenciaisdoanoseguinte.Nãoocumpriu.Após seguidas cassações de direitos políticos, inclusive os de Juscelino Kubitschek, candidatofavorito no pleito que não houve, atos institucionais dissolveram os partidos políticos12 eprorrogaramomandatodoMarechalCastelloBranco,primeiroPresidentedoregimemilitar13.Em1967, sob a imposição de prazos fatais e grande pressão doPoderExecutivo, foi aprovada umanovaConstituição,votadaporumCongressoprivadodesuasprincipais lideranças,cujosdireitospolíticoshaviamsidocompulsoriamenteretirados14.AConstituiçãode1967nãoresistiuàascensãoda linha-dura nas ForçasArmadas e ao curso ditatorial inexorável, cuja força se impôs sobre aresistência democrática esboçada em diferentes capitais. No Brasil, 1968 foi o ano do embateideológicoentreaditaduraeasforçasquedefendiamavoltaàlegalidade15.Venceuaditadura,comdata certa: em 13 de dezembro de 1968 foi baixado o Ato Institucional n. 5, que dava poderespraticamenteabsolutosaoPresidentedaRepública16.OMarechalArturdaCostaeSilva,queassumiraapresidênciadaRepúblicaem15demarçode

    1967,afastou-sepormotivodedoençaem31deagostode1969,morrendomesesdepois.Emgolpedentro do golpe, o poder foi arrebatado por uma Junta Militar, que impediu a posse do Vice-PresidentePedroAleixoeoutorgouaConstituiçãode196917.Apósacirradadisputainternaentreosmilitares, o General Emílio GarrastazuMédici foi indicado Presidente da República, cargo queexerceu de 30 de outubro de 1969 até 15 de março de 1974. Seu período de governo ficouconhecido pela designação sugestiva de anos de chumbo. A censura à imprensa e às artes, aproscrição da atividade política e a violenta perseguição aos opositores do regime criaram oambiente de desesperança no qual vicejou a reação armada à ditadura,manifestada na guerrilhaurbana e rural18. A tortura generalizada de presos políticos imprimiu na história brasileira umamanchamoral indeléveleperene19.Aaberturapolítica, “lenta,gradual e segura”, teve seu início

  • sobapresidênciadoGeneralErnestoGeisel,quetomouposseem15demarçode197420.Apesar de ter se valido mais de uma vez de instrumentos ditatoriais21, Geisel impôs sua

    autoridade e derrotou resistências diversas à liberalizaçãodo regime, quevinhamdos porões darepressãoedosbolsõesdeanticomunismoradicalnasForçasArmadas22.ApossedoGeneralJoãoBaptistaFigueiredo,em15demarçode197923,deu-sejáapósarevogaçãodosatosinstitucionais,querepresentavamalegalidadeparalelaesupraconstitucionaldoregimemilitar24.Figueiredodeucontinuidade ao processo de descompressão política, promovendo a anistia25 e a liberdadepartidária26.Centenasdebrasileirosvoltaramaopaíseinúmerospartidospolíticosforamcriadosou saíram da clandestinidade. As forças ditatoriais ainda se manifestariam em espasmos deviolência27,sequestrandopersonalidadescivisereligiosas28,enviandocartas-bombaainstituiçõesrepresentativasdalutapelaredemocratização–comoàOrdemdosAdvogadosdoBrasil(OAB)29eà Associação Brasileira de Imprensa (ABI) – ou cometendo atentados, como o estarrecedorepisódiodabombanoRiocentro,em198130.Apesar da incapacidade ou inapetência do governo para punir os envolvidos em atos de

    terrorismodeEstado,averdadeéquetaisgrupossetornavamcadavezmaisisoladoseoapoioasuasaçõesdefinhava.Aderrotadomovimentopelaconvocaçãoimediatadeeleiçõespresidenciais–asDiretas já–,em1984,após ter levadocentenasdemilharesdepessoasàs ruasdediversascapitais,foiaúltimavitóriadogovernoeopenúltimocapítulodoregimemilitar.Em15dejaneirode1985,oColégioEleitoralelegeu,paraapresidênciadaRepública,achapacontráriaàsituação,encabeçadaporTancredoNeves,quetinhacomoviceJoséSarney31.OregimemilitarchegavaaofimetinhainícioaNovaRepública,comavoltaàprimaziadopodercivil.Opositormoderadodaditadura e nome de consenso para conduzir a transição pacífica para um regime democrático,TancredoNevesadoeceuàsvésperasdaposseenãochegouaassumirocargo,morrendoem21deabrilde1985.JoséSarney,queforaumdospróceresdoregimequeseencerrava–masqueajudouasepultá-loaoaderiràoposição–tornou-seoprimeiroPresidentecivildesde1964.

    2.1.2.Convocação,instalaçãoenaturezadaAssembleiaNacionalConstituinte

    CumprindocompromissodecampanhaassumidoporTancredoNeves,oPresidente JoséSarneyencaminhouaoCongressoNacionalpropostadeconvocaçãodeumaconstituinte.AprovadacomoEmenda Constitucional n. 26, de 27.11.1985, nela se previu que “os membros da Câmara dosDeputados e do Senado Federal” reunir-se-iam em Assembleia Nacional Constituinte, livre esoberana32.InstaladapeloPresidentedoSupremoTribunalFederal,MinistroJoséCarlosMoreiraAlves, em 1º de fevereiro de 1987, a Assembleia Constituinte elegeu em seguida, como seuPresidente,oDeputadoUlyssesGuimarães,queforaoprincipallíderparlamentardeoposiçãoaosgovernosmilitares. Da constituinte participaram os parlamentares escolhidos no pleito de 15 denovembrode1986,bemcomoossenadoreseleitosquatroanosantes,queaindaseencontravamnocursodeseusmandatos.Aotodo,foram559membros–487deputadosfederaise72senadores–,reunidosunicameralmente.ComoseconstatadoteordaEC26/85,nãoprevaleceuatese,queteveamploapoionasociedade

    civil,daconstituinteexclusiva,quesedissolveriaapósaconclusãodosseustrabalhos33.Optou-se,aocontrário,poratribuirpoderesconstituintesaosmembrosdasduascasasdoCongressoNacional,aí incluídosossenadoresquenãohaviamsidoeleitosparaessefimespecífico.Circunstânciasdaconjunturapolíticaimpediramqueseadotasseafórmulaideal,consistentenaseparaçãoclaraentre

  • poderconstituinteepoderlegislativo,istoé,entrepolíticaconstitucionalepolíticaordinária34.EmvezdeumaAssembleiaConstituinte,umCongressoConstituinte35.Asconsequênciasdessaopçãomanifestaram-se muito nitidamente no trabalho elaborado, que trouxe para o texto constitucionalinúmerasmatériasqueteriammelhorsedenalegislaçãocomum.EmrazãodeaAssembleiaConstituintetersidoconvocadaporemendaconstitucional,houvequem

    sustentassenãotersidoaConstituiçãode1988obradopoderconstituinteoriginário,mas,sim,deum poder reformador, derivado, que não expressava a soberania popular36. Não se está aqui deacordocomessepontodevista.Opoderconstituinteéumfatopolítico,consistindonacapacidadedeelaborarefazervalerumaConstituição.Situa-seelenaconfluênciaentreoDireitoeaPolítica,esua legitimidade repousa na soberania popular. Nas sociedades democráticas, costuma virassociadoaummomentocívicoespecial,caracterizadopelamobilizaçãoampladopovoemtornode novos valores e de uma nova ideia de Direito. É fora de dúvida que todos esses elementosestavam presentes nas diferentes manifestações do conjunto da sociedade brasileira, que sedensificaramnos anos de 1984 e 1985, exigindo o fimdo regimemilitar, eleições diretas e umanova ordem constitucional. O mecanismo formal da emenda foi um ato de reconhecimento e deacatamentodavontadepopularsoberana.Valedizer:dopoderconstituinteoriginário37.

    2.1.3.OstrabalhosdeelaboraçãodaConstituição

    Após a eleição e antes da posse que não viria a ocorrer, Tancredo Neves havia anunciado opropósitodedesignarumacomissãoformadaporpersonalidadesdediversasáreasdeatuaçãoparaelaborarumanteprojetodeConstituiçãoaserencaminhadoàAssembleiaConstituinte.AdespeitodamortedoPresidenteeleito,JoséSarneyinstalouacomissão38,integradaporcinquentamembros,sobapresidênciadojuristaAfonsoArinosdeMelloFranco39.A“ComissãoArinos”produziuumtextocommuitosaspectospositivos,quepoderiaterservidocomoumbompontodepartidaparaostrabalhos constituintes40. Não foi, todavia, o que aconteceu. O anteprojeto enfrentou resistênciasdiversas.OPresidenteSarneynão tinha,nascircunstâncias, forçapolíticaparaenviá-locomoumprojetodoGoverno41,alémdenãohaverapreciadoaopçãoparlamentaristanelecontida.UlyssesGuimarães, por sua vez, liderança de destaque naNova República, não desejava um texto-baseproduzidoforadaAssembleiaConstituinte,alémdealimentaraideia–quenãoseconcretizou–deelaborar um projeto preliminar sob sua coordenação42. Sem apoios políticos relevantes, oAnteprojetodaComissãoArinosfoiencaminhadoaosconstituintescomomerosubsídio,tendosidopraticamenteignorado.Aausênciadeumtextoqueservissedebaseparaasdiscussõesdificultoudemodosignificativoa

    racionalizaçãodos trabalhos, que se desenvolveramem três grandes etapas: (i) a dasComissõesTemáticas; (ii) a daComissãodeSistematização; e (iii) a doPlenário43.O processo constituinteteve início com a formação de oito Comissões Temáticas44, cada uma delas dividida em trêsSubcomissões,emumtotalde2445.CoubeàsSubcomissõesaapresentaçãoderelatórios,queforamconsolidadospelasComissõesTemáticas,surgindodaíoprimeiroprojetodeConstituição,quefoiencaminhado à Comissão de Sistematização. Na elaboração do Projeto da Comissão deSistematização46, prevaleceu a ala mais progressista do PMDB, liderada pelo Deputado MárioCovas, que produziu um texto “à esquerda do Plenário”47: nacionalista, com forte presença doEstadonaEconomia e amplaproteção aos trabalhadores.EmPlenárioverificou-seumavigorosareação das forças liberal-conservadoras, reunidas no “Centro Democrático” (apelidado de

  • Centrão), que impuserammudanças substantivas no texto afinal aprovado48. Em 5 de outubro de1988,apósdezoitomesesdetrabalho,culminandoumprocessoconstituinteexaustivoedesgastante,muitas vezes subjugado pela política ordinária49, foi aprovada, em clima demoderada euforia, aConstituiçãodaRepúblicaFederativadoBrasil.

    2.1.4.Otextoaprovado

    Aclamada como “Constituição cidadã”50 e precedida de um incisivo Preâmbulo51, a Cartaconstitucionalfoipromulgadacom245artigos,distribuídosemnovetítulos,esetentadisposiçõestransitórias. O Título I foi dedicado aos Princípios Fundamentais, com a enunciação dosfundamentos, objetivos e princípios que deveriam reger aRepública em suas relações internas einternacionais.OTítuloIItransportouparaaparteinicialdaConstituiçãoOsDireitoseGarantiasFundamentais, mudança simbólica, típica das Constituições promulgadas após o segundo pós-guerra,queprocuravaremarcarasuaprimaziananovaordem52.OTítuloIIIcuidadaOrganizaçãodoEstado,reestruturandoaFederaçãobrasileira,definindocompetênciasdaUnião,dosEstadosedosMunicípios,bemcomofixandooscontornosgeraisdaAdministraçãoPública.OTítuloIV,DaOrganização dos Poderes, disciplinou o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, bem como asdenominadasfunçõesessenciaisàjustiça,queincluemoMinistérioPúblicoeaadvocacia(pública,privada e defensoria pública). O Título V cuidou da Defesa do Estado e das InstituiçõesDemocráticas, provendo sobre o estado de defesa, o estado de sítio, as Forças Armadas e asegurança pública. O Título VI teve por tema Tributação e Orçamento, ordenando o sistematributário nacional e as finanças públicas. O Título VII foi cometido à Ordem Econômica eFinanceira, regulandoopapeldoEstadonaEconomia,aspolíticasurbanaeagrícolaeosistemafinanceironacional.OTítuloVIIIabrigoudiferentestemasassociadosàOrdemSocial,quevãodasaúde à proteçãodos índios, passandopor educação, ciência e família, dentre outros.Por fim, oTítuloIXcontemplouasDisposiçõesConstitucionaisGerais.

    2.2.Aconsolidaçãodemocráticabrasileira2.2.1.OsucessoinstitucionaldaConstituiçãode1988

    AConstituiçãode1988éosímbolomaiordeumahistóriadesucesso:atransiçãodeumEstadoautoritário, intolerante e muitas vezes violento para um Estado democrático de direito. Sob suavigência,vêm-serealizandoeleiçõespresidenciais,porvotodireto,secretoeuniversal,comdebatepúblicoamplo,participaçãopopularealternânciadepartidospolíticosnopoder.Maisquetudo,aConstituição assegurou ao país a estabilidade institucional que tanto lhe faltou ao longo darepública.Eostemposnãotêmsidobanais.Diversosepisódiosdeflagraramcrisesque,emoutrostempos,dificilmenteteriamdeixadodelevaràrupturainstitucional.Omaisgravedelesterásidoadestituição, por impeachment, do primeiro presidente eleito após a ditadura militar. Mas houveoutros, que trouxeram dramáticos abalos ao Poder Legislativo, como o escândalo envolvendo aelaboraçãodoOrçamento, aviolaçãode sigilodopainel eletrônicodevotaçãoeoepisódioqueficou conhecido como “mensalão”. Mesmo nessas conjunturas, jamais se cogitou de qualquersolução que não fosse o respeito à legalidade constitucional.Não há como deixar de celebrar oamadurecimentoinstitucionalbrasileiro.Até então, a trágica tradição do país sempre fora a de golpes, contragolpes e quarteladas, em

    sucessivas violações da ordem constitucional. Não é difícil ilustrar o argumento. D. Pedro I

  • dissolveuaprimeiraconstituinte.Logoao iníciodogoverno republicano,FlorianoPeixoto,vice-presidente da República, deixou de convocar eleições após a renúncia de Deodoro da Fonseca,como exigia a Constituição, permanecendo indevidamente na presidência. Ao fim da RepúblicaVelha, vieram a Revolução de 30, a Insurreição Constitucionalista de São Paulo, em 1932, aIntentonaComunista,de1935eogolpedoEstadoNovo,em1937.Em1945,aofinaldeseuperíododitatorial, Getúlio Vargas foi deposto pelas Forças Armadas. Reeleito em 1950, suicidou-se em1954,abortandoogolpequeseencontravaemcurso.EleitoJuscelinoKubitschek,foinecessárioocontragolpe preventivo doMarechal Lott, em 1955, para assegurar-lhe a posse. Juscelino aindaenfrentariaduas rebeliõesmilitares: Jacareacanga (1956)eAragarças (1959).Coma renúnciadeJânioQuadros,em1961,osMinistrosmilitares, inicialmente,vetaramapossedovice-presidenteJoãoGoulart,levandoàameaçadeguerracivil,diantedaresistênciadoRioGrandedoSul53.Em1964veioogolpemilitar.Em1968,oAtoInstitucionaln.5.Em1969,oimpedimentoàpossedovice-presidentecivil,PedroAleixo,eaoutorgadeumanovaConstituiçãopelosministrosmilitares.Aenunciaçãoémeramenteexemplificativa,massuficientementeesclarecedora.AConstituiçãode1988foioritodepassagemparaamaturidadeinstitucionalbrasileira.Sobsua

    vigência, superamos todos os ciclos do atraso: eleições periódicas, Presidentes cumprindo seusmandatos ou sendo substituídos na forma constitucionalmente prevista, Congresso Nacional emfuncionamentoseminterrupções,JudiciárioatuanteeForçasArmadasforadapolítica.Sóquemnãosoubeasombranãoreconhecealuz.

    2.2.2.OsgovernosFernandoColloreItamarFranco54

    OgovernoSarneyaindadurariapoucomaisdeumanoapósapromulgaçãodaConstituição,quereduziu o mandato presidencial de seis para cinco anos55. O primeiro governo civil desde omovimentomilitarde1964chegouaofimpodendocreditar-sedoiníciobem-sucedidodatransiçãodemocrática, embora oPresidente tenha conservado, desde a primeira hora e ao longodos anos,uma visão crítica severa da Carta constitucional56. Na Economia, vivia-se um quadro grave dehiperinflação, que derrotou seguidos planos econômicos e mudanças de moeda57. As primeiraseleiçõespresidenciaisdiretasnopaísdesdeasagraçãodeJânioQuadros,em1960,realizaram-seem 15 de novembro de 1989. Vinte e cinco candidatos se apresentaram58, sendo que FernandoCollor deMello, dominúsculo PRN (Partido da ReconstruçãoNacional), e Luís Inácio Lula daSilva, do PT (Partido dos Trabalhadores), passaram ao segundo turno. Collor venceu obtendo42,75%doeleitorado,correspondentesa35.089.998votos.Comumdiscursofundadonocombateàinflação,namoralidadeadministrativaenaaberturadaeconomia,suacampanhacontoucomoapoiodosgrandesgruposempresariaisedesetoresliberaiseconservadores.Collor tomou posse em 15 de março de 1990 e, no dia seguinte, editou medida provisória

    veiculando um ambicioso plano econômico59, que incluiu a controvertida retenção de ativosdepositados em instituições financeiras60. O período inicial do governo foi marcado pelospropósitosdeaberturadaeconomia,pelaextinçãoeprivatizaçãodeempresasestataiseporumainéditaeexageradaexposiçãoàmídia.Apartirdejunhode1991,comrecrudescimentonoprimeirosemestrede1992,umadisputa localentreo irmãodopresidente,PedroCollor,eo tesoureirodacampanhaeleitoral,PauloCesarFarias,gerouumaenxurradadedenúncias,expôsumuniversodemanipulaçãoprivadadopoderedebenefíciosindevidosaoPresidente.Em1ºdejunhode1992foiinstaladaumaComissãoParlamentardeInquéritopara investigarosfatos,naqual foramcolhidosdepoimentosaltamenteincriminadores.Em22deagosto,foiaprovadoorelatóriofinaldaCPI,que

  • concluiu que o presidente recebera 6,5milhões de dólares do “Esquema PC” e recomendou seuimpeachment.Em meio a ampla mobilização, que reunia diferentes setores da sociedade civil, incluídos os

    estudantesquevoltaramàsruas,foiapresentadoàCâmaradosDeputadosopedidodeimpeachmentdeCollor, firmadoporBarbosaLimaSobrinho,presidentedaAssociaçãoBrasileirade Imprensa(ABI),eporMarceloLavenère,presidentedaOrdemdosAdvogadosdoBrasil(OAB)61.Em29desetembro,por421votoscontra38,foiadmitidaaacusaçãoeopresidentefoiafastado.Em29dedezembro de 1992, no início da sessão do Senado Federal que iria julgar o seu afastamentodefinitivo, Collor enviou, por meio de advogado, a carta renúncia. Ainda assim, o Senadoprosseguiunojulgamentoedecretouaperdadeseusdireitospolíticosporoitoanos62.OPresidenteaindaviriaaquestionar,peranteoSupremoTribunalFederal,acontinuaçãodasessãodoSenadoapós a renúncia,mas sem sucesso63.Mais à frente, todavia, o STF, pormaioria de votos, julgouimprocedenteaçãopenalinstauradacontraCollor64.ItamarFranco,queassumirainterinamenteapresidênciaapósadecisãodaCâmaradosDeputados

    queimportounoafastamentodotitular,foiefetivadonocargocomarenúnciadeCollor,noapagardasluzesde1992.Poucosmesesdepois,em21deabrilde1993,realizou-seoplebiscitosobreaforma e o sistema de governo, previsto no art. 2º do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias.Por66%contra10,2%,venceuaRepúblicasobreaMonarquia;epor55,4%contra24,6%, o país reincidiu na fórmula presidencialista, ficando vencida a proposta parlamentarista.Itamarrecebeuogovernoemmeioagravecriseeconômica, tendoainflaçãoatingido1.100%em1992 e chegando a 2.484% no ano seguinte65. Após diversas trocas deMinistros da Fazenda, opresidente convidou para o cargo o entãoMinistro das Relações Exteriores, FernandoHenriqueCardoso. Em fevereiro de 1994 foi lançado o Plano Real, primeiro plano de estabilizaçãoeconômica, dentre os muitos deflagrados desde 1986, que produziu resultados de longo prazo,permitindoquea inflação fosse finalmentecontrolada.EmbaladopelosucessodoReal,FernandoHenriqueCardoso, lançadopeloPSDB(PartidodaSocialDemocraciaBrasileira), saiuvitoriosonaseleiçõespresidenciaisde3deoutubrode1994,derrotandoocandidatodoPT,LuísInácioLulada Silva. ComCardoso, finalmente chegou ao poder a geração que fora perseguida pelo regimemilitar.

    2.2.3.OgovernoFernandoHenriqueCardoso66

    Fernando Henrique Cardoso foi eleito em primeiro turno – com maioria absoluta de votos,portanto–naseleiçõesde3deoutubrode1994, tendo tomadoposseem1ºde janeiro de 1995.Durante seu primeiro governo foi aprovada a controvertida Emenda Constitucional n. 16, de4.06.1997, que, em contraste com a tradição republicana brasileira, admitiu a reeleição doPresidente67. Foi reeleito em 4 de outubro de 1998, novamente em primeiro turno de votação,derrotandoaindaumavezocandidatodoPT,LuísInácioLuladaSilva.Permaneceunopoderaté31de dezembro de 200268. Seus dois mandatos foram marcados pelo esforço bem-sucedido deconsolidação da estabilidade econômica – ao custo de juros elevadíssimos e de períodos derecessão –, de combate ao deficit público e por reformas econômicas e administrativas quemodificaram substancialmente o papel do Estado no domínio econômico. Fernando HenriquegovernousoboposiçãocerradadoPTedaesquerdaemgeral,quecondenavamadesestatização,aabertura aos investidores internacionais e a adoção de políticas públicas preconizadas no“ConsensodeWashington”69.

  • De fato, sucessivas emendas constitucionais suprimiram restrições ao capital estrangeiro70,flexibilizarammonopóliosestatais71e,coadjuvadasporamplalegislaçãoinfraconstitucional,deramensejoaumabrangenteprogramadedesestatização72.Nesseprocesso,foramprivatizadasinúmerasempresascontroladaspelogovernofederal,tantoasqueexploravamatividadeseconômicas–e.g.,siderurgia e mineração – como as prestadoras de serviços públicos, em áreas como telefonia eenergiaelétrica.Outrosserviçospúblicosrelevantes,comoaconstrução,recuperaçãoemanutençãode rodovias, foram dados em concessão à iniciativa privada, combase em legislação específicaaprovada73.AdiminuiçãodaatuaçãodiretadoEstadonodomínioeconômicofoiacompanhadapelosurgimentoeamultiplicaçãodeagênciasreguladoras74.Mereceregistro,também,apromulgaçãodaLeideResponsabilidadeFiscal75,bemcomoosaneamentoevendadosbancospúblicosestaduais,comrenegociaçãodadívidadosEstadoseseuenquadramentonoprogramadeajustefiscal.O governo Fernando Henrique ainda conseguiu aprovar, no Congresso Nacional, uma

    indispensávelReformadaPrevidência76 eumaReformaAdministrativa77 de alto custo político epoucosresultadospráticos.Aolongodosegundomandato,ogovernoconviveucomcrisespolíticasnoLegislativo78,criseseconômicas79ecomproblemasgravesnoabastecimentodeenergiaelétrica,quelevaramànecessidadederacionamentonoanode2001.Apesardapopularidadeedaavaliaçãohistórica positiva,FernandoHenriqueCardosonão conseguiu fazer seu sucessor.O candidatodoPSDB, José Serra, importante quadro do governo que se encerrava – no qual foi Ministro doPlanejamentoedaSaúde–,foiderrotadopelocandidatodoPT,LuísInácioLuladaSilva.Emsuaquartatentativa,osindicalistaqueajudouareorganizarpoliticamenteostrabalhadores,nofinaldoregimemilitar, eque lideroua formaçãodeumpartidodeesquerdadegrandemilitância, chegoufinalmenteaopoder.

    2.2.4.OgovernoLuísInácioLuladaSilva

    Lula inicia seu governo em 1º de janeiro de 2003, sob o forte simbolismo do trabalhador deorigem humilde alçado ao topo, que não se abateu nas derrotas. Ligado aos setores políticos deesquerdaeaosmovimentossociais,onovoPresidente,aindanacampanhaeleitoral,jáderapassosem direção ao centro, ampliando seu apoio entre as classes médias urbanas e na comunidadeinternacional80. Surpreendendo adversários e desagradando aliados, o governo perseguiu aestabilidade econômica eo controleda inflação, dandoautonomianaprática aoBancoCentral echancelandoumapolíticamonetáriaortodoxa,apesardascríticasdecrescenterelaxamentofiscal.OgovernoconseguiuaprovarnoCongressoNacional,comaltíssimocustopolíticoeesgarçamentodasuabasedeapoio81,umanovae igualmente indispensávelReformadaPrevidência,diminuindoodesequilíbrioentreasaposentadoriasdosetorpúblicoedosetorprivado82.Foiaprovada,também,depois demais de dez anos de tramitação, aReformado Judiciário, coma criaçãodoConselhoNacional de Justiça e de institutos de racionalização da prestação jurisdicional, como a súmulavinculanteearepercussãogeral83.No plano social, depois do fracasso operacional do ProgramaFome Zero, de distribuição de

    alimentos, o governo retomou e ampliou, com resultados expressivos, programas sociaisimportantes, como o Bolsa Família, consistente na transferência condicionada de renda parafamíliasmiseráveisoumuitopobres.Naáreaeconômica,colheusucessossignificativosemtermosde diminuição da pobreza, aumento do salário mínimo, extinção prática da dívida externa econfiança dos investidores estrangeiros84. Nada obstante, o governo Lula sofreu – como seu

  • antecessor–oposiçãoimplacável,quelevouàinstauraçãodesucessivascomissõesparlamentaresdeinquéritoeacrisesgraves,queprivaramopresidentededoisdosseusprincipaisMinistros:JoséDirceu,daCasaCivil, eAntônioPallocci,daFazenda.Soboolhar severodamídiaemgeral,ogovernopassoumuitosmesessobvendavaisconstantes,quetiveramseuápiceemmeadosde2005,por conta do episódio conhecido como “mensalão”, decorrente de denúncias de que haveria umesquemade compra de votos noCongressoNacional para favorecer a aprovação de projetos doExecutivo85.OPresidente,todavia,salvoporcurtoperíodo,conseguiudescolar-sedaperdadeprestígiodoPT

    juntoàopiniãopúblicaenãoenfrentouabalosignificativonasuapopularidade.Em29deoutubrode2006,foireeleitoparaocargo,derrotandoocandidatolançadopeloPSDB,GeraldoAlckmin.O segundo governo começou com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento

    (PAC),emjaneirode2007,ecomoagravamentodacriseeconômicamundial,tendocomocausasdecisivasacrisedomercadodehipotecasamericanoeasaltasrecordesdopreçodopetróleo.Atémeadosde2008,arepercussãodacrisesobreoBrasileralimitada.Aindaem2008,propostasdemodificaçãodaConstituiçãoparapermitirqueLula secandidatasseaum terceiromandato foramlançadas ao debate público, tendo sido repelidas pelo próprio Presidente e pelos formadores deopinião.Emumademocraciaemconstrução,comoabrasileira,o ritualdaalternância regularnopoder continua a ser um símbolo imprescindível. Lula concluiu seu mandato com significativoprestígio internacional e índices de popularidade recordes, que permitiram eleger sua sucessora,DilmaRousseff,vitoriosanadisputacontraJoséSerra,doPSDB.Primeiramulheraocuparocargo,a Presidenta tem um passado demilitância no combate à ditadura, quando chegou a ser presa etorturada.SuavidapolíticatevemaiordestaquenogovernodeLula,quandoassumiuoMinistériodasMinaseEnergiae,posteriormente, aCasaCivil.Tal como todosos seusantecessores soboregime constitucional de 1988, o governo Dilma Rousseff iniciou-se sob as vicissitudes de umpresidencialismodecoalizãoqueenvolveexcessivoscompromissospolíticosedificultaaunidadeprogramáticadaAdministração.

    2.3.Umbalançopreliminar86

    2.3.1.Algunsavanços

    Eminúmerasáreas,aConstituiçãode1988consolidououajudouapromoveravançosdignosdenota.No plano dosdireitos fundamentais, a despeito da subsistência de deficiências graves emmúltiplasáreas,épossívelcontabilizarrealizações.Acentralidadedadignidadedapessoahumanase impôs emsetoresdiversos.Paraquenão se caia emummundode fantasia, faça-seo registroindispensáveldequeumaideialevaumtemporazoávelentreomomentoemqueconquistacoraçõesementesatésetornarumarealidadeconcreta.Aindaassim,noâmbitodosdireitosindividuais,asliberdadespúblicas,comoasdeexpressão,reunião,associaçãoedireitoscomoodevidoprocessolegaleapresunçãodeinocênciaincorporaram-secomnaturalidadeàpaisagempolíticaejurídicado país. É certo que não ainda para todos87. Os direitos sociais têm enfrentado trajetória maisacidentada, sendo a sua efetivação um dos tormentos da doutrina88 e da jurisprudência89. Nadaobstante,houveavançosnotocanteàuniversalizaçãodoacessoàeducação,apesardesubsistiremproblemasgravesemrelaçãoàqualidadedoensino.Osdireitoscoletivosedifusos,porsuavez,como a proteção do consumidor e do meio ambiente, disciplinados por legislação específica,

  • incorporaram-seàpráticajurisprudencialeaodebatepúblico90.A Federação, mecanismo de repartição do poder político entre a União, os Estados e os

    Municípios, foi amplamente reorganizada, superando a fase do regime de 1967-69, de forteconcentraçãodeatribuiçõesereceitasnoGovernoFederal.EmboraaUniãotenhaconservadoaindaaparcelamaissubstantivadascompetências legislativas,ampliaram-seascompetênciaspolítico-administrativasdeEstadoseMunicípios, inclusivecomaprevisãodeumdomínio relativamenteamplo de atuação comum dos entes estatais. A partilha das receitas tributárias, de outra parte,emboraumpoucomaisequânimedoquenoregimeanterior,aindafavorecedemodosignificativoaUnião,principalbeneficiáriadaelevadíssimacarga tributáriavigentenoBrasil.Departe isto,aolongodosanos,aUniãoampliousuaarrecadaçãomediantecontribuiçõessociais,tributoemrelaçãoao qual Estados e Municípios não têm participação, contribuindo ainda mais para a hegemoniafederal. A verdade inegável é que os Estados brasileiros, em sua grande maioria, apesar darecuperaçãodesuaautonomiapolítica,nãoconseguiramencontraroequilíbriofinanceirodesejável.AjurisprudênciadoSupremoTribunalFederal,porsuavez,tambémseguiu,comoregrageral,umalógicacentralizadora91.O reequacionamentodo federalismonoBrasil é um temaà esperadeumautor.A nova Constituição, ademais, reduziu o desequilíbrio entre os Poderes da República, que no

    períodomilitarhaviamsofridooabalodahipertrofiadoPoderExecutivo,inclusivecomaretiradadegarantiaseatribuiçõesdoLegislativoedoJudiciário.Anovaordemrestauroue,emverdade,fortaleceuaautonomiaea independênciado Judiciário, assimcomoampliouascompetênciasdoLegislativo.Nada obstante, aCarta de 1988manteve a capacidade legislativa doExecutivo, nãomaisatravésdoestigmatizadodecreto-lei,maspormeiodasmedidasprovisórias.AConstituição,juntamentecomsuasemendas,contribuiu,também,paraamelhordefiniçãodopapeldoEstadonaEconomia, estabelecendo como princípio fundamental e setorial a livre iniciativa, ao lado davalorização do trabalho. A atuação direta do Estado, assim na prestação dos serviços públicos(diretamenteoupordelegação),comonaexploraçãodeatividadeseconômicas,recebeutratamentosistemáticoadequado.

    2.3.2.Algumascircunstâncias

    Oprocessoconstituinte tevecomoprotagonistaumasociedadecivilqueamargaramaisdeduasdécadasdeautoritarismo.Naeuforia–saudáveleuforia–derecuperaçãodasliberdadespúblicas,aconstituinte foi um notável exercício de participação popular. Nesse sentido, é inegável o seucaráterdemocrático.Mas,paradoxalmente,essaaberturaparatodosossetoresorganizadosegruposdeinteressefezcomqueotextofinalexpressasseumavastamisturadereivindicaçõeslegítimasdetrabalhadoresecategoriaseconômicas,cumuladoscominteressescartoriais,reservasdemercadoeambições pessoais.A participação ampla, os interessesmúltiplos e a já referida ausência de umanteprojetogeraramumprodutofinalheterogêneo,comqualidadetécnicaeníveldeprevalênciadointeressepúblicooscilantesentreextremos.Umtextoque,maisdoqueanalítico,eracasuístico92,prolixoecorporativo93.Essedefeito o tempo aindanão curou:muitas das emendas, inclusive aoADCT,espicharamaindamaisacartaconstitucionalaolongodosanos94.Outracircunstânciaquemereceserassinaladaéadocontextohistóricoemquesedesenrolaramos

    trabalhos constituintes. Após muitos anos de repressão política, o pensamento de esquerdafinalmente podia se manifestar livremente, tendo se formado inúmeros partidos políticos deinspiraçãocomunista,socialista,trabalhistaesocial-democrata.Maisorganizadoseaguerridos,os

  • parlamentares dessas agremiações predominaram amplamente nos trabalhos das comissões, até areação,deúltimahora,jánarrada,dasforçasdecentroededireita.Aindaasim,otextoaprovadoreservava para o Estado o papel de protagonista em áreas diversas, com restrições à iniciativaprivadae,sobretudo,aocapitalestrangeiro,aí incluídosos investimentosderisco.Poisbem:umano após a promulgação da Constituição, caiu omuro de Berlim e começaram a desmoronar osregimes que praticavam o socialismo real. Simultanea mente, a globalização, com a interconexãoentreosmercadosea livrecirculaçãodecapitais, impôs-secomoumarealidade inelutável.Pelomundo afora, ruíam os pressupostos estatizantes e nacionalistas que inspiraram parte dasdisposiçõesdaConstituiçãobrasileira.

    2.3.3.Algunsreveses

    A Constituição brasileira, como assinalado, consubstanciou-se em um texto excessivamentedetalhista e que, além disso, cuida de muitas matérias que teriam melhor sede na legislaçãoinfraconstitucional.Detaiscircunstânciasdecorremconsequênciaspráticasrelevantes.Aprimeiradelaséqueaconstitucionalizaçãoexcessivadificultaoexercíciodopoderpolíticopelasmaiorias,restringindooespaçodeatuaçãodalegislaçãoordinária.Emrazãodisso,diferentesgovernos,paraimplementar seus programas, precisaram reunir apoio de maiorias qualificadas de três quintos,necessárias para emendar a Constituição, não sendo suficientes as maiorias simples próprias àaprovaçãodalegislaçãocomum.Oresultadopráticoéque,noBrasil,apolíticaordinária–i.e.,aimplementação da vontade das maiorias formadas a cada época – se faz por meio de emendasconstitucionais,comtodooincrementodedificuldadesqueissorepresenta.Chega-se, assim, sem surpresa, à segunda consequência da constitucionalização excessiva e

    minuciosa:onúmeroespantosodeemendas,quepoucodepoisdovigésimoaniversáriodaCartajáse aproximavam de 70. Houve modificações constitucionais para todos os gostos e propósitos:limitação da remuneração de parlamentares, restrições à criação de Municípios, realização dereformas econômicas, administrativas, previdenciárias, do Judiciário, prorrogação de tributosprovisórios,desvinculaçãodereceitas,atenuaçãodaimunidadeparlamentarformal,contençãodasmedidasprovisórias,reduçãodomandatopresidencial,admissãodareeleiçãoedaípordiante.Háriscodeseperderofôlego,acontaeapaciência.Tudoissosemqualquerperspectivadeinversãodetendência.Naturalmente,essadisfunçãocomprometeavocaçãodepermanênciadaConstituiçãoe o seu papel de simbolizar a prevalência dos valores duradouros sobre as contingências dapolítica.

    3.ParteII–Odesempenhodasinstituições

    Empreende-se,aseguir,umaanálisedeaspectosrelevantesassociadosaofuncionamentodostrêsPoderes da República sob a vigência da Constituição. São examinadas, ainda que brevemente,algumas das mudanças constitucionais que repercutiram sobre a atuação de cada um deles, bemcomoodesempenhodoExecutivo,LegislativoeJudiciáriona realizaçãoconcretadeseuspapéisconstitucionais.Nãoserádifícildetectarasubsistênciadopresidencialismohegemônicodatradiçãobrasileira,semembargodarecuperaçãodeespaçopolíticopeloLegislativo,quevive,noentanto,gravecrisedelegitimidade.Talvezotraçomaisnítidodapaisagempolíticadosúltimosanossejaaascensão institucional do Poder Judiciário, que teve participação decisiva em diversos

  • acontecimentospolíticosdahistóriarecente,dasreformasconstitucionaisaosprocessoscriminaiscontraagentespúblicosdoprimeiroescalão.

    3.1.PoderExecutivoExaminam-se,aseguir,algunsaspectosrelacionadosàestruturaeàatuaçãodoPoderExecutivoao

    longo da vigência da Constituição de 1988. São destacados pontos como a manutenção dopresidencialismo,areduçãodomandatopresidencial,aprevisãodapossibilidadedereeleiçãodoschefesdoExecutivo,acriaçãodoMinistériodaDefesaeduascompetênciasquetêmdadomargemaabusos:asrelativasàediçãodemedidasprovisóriaseàpossibilidadedecontingenciamentodeverbasorçamentárias.Revelandoumaaspiraçãodossetoresmaisprogressistas,tantooanteprojetodaComissãoArinos

    comooanteprojetoapresentadopelaComissãodeSistematizaçãopropunhamaimplantaçãodeumsistemadegovernoparlamentarista.Aproposta foiderrotadaemPlenário,comamobilizaçãodoPresidenteSarneyedeoutrasforçaspolíticas,queaspiravamconquistarapresidêncianaseleiçõesde1989.Comofórmuladecompromisso,aprovou-seoart.2ºdoADCT,quepreviaarealizaçãodeumplebiscitoparadefinirosistemadegoverno.Aconsultapopulardiretaveioaserantecipada95,tendovencido,poramplamaioria (v.supra), amanutençãodopresidencialismo.Registre-seumairônicacuriosidadehistórica:PT,PDTePMDB,cujoscandidatospotenciaisimaginavamterboaschances nas eleições do ano seguinte (1994) – respectivamente, Lula, Leonel Brizola e OrestesQuércia – apoiaram a causa presidencialista. O PSDB, de Mário Covas e Fernando HenriqueCardoso, que à época não tinha um candidato forte à presidência, defenderam sem sucesso oparlamentarismo,nalinhadoprogramapartidário.Portrapaçadasorte,FernandoHenriquetornou-se, por dois mandatos sucessivos, o principal beneficiário do modelo que combatia: opresidencialismoimperialàbrasileira.No primeiro semestre de 1994, o ambicioso projeto de se proceder a uma ampla revisão

    constitucional,talcomoprevistonoart.3ºdoADCT,viu-sereduzidoàaprovaçãodeapenasseisemendasconstitucionaisderevisão(ECR),emtemasdemenorcontrovérsiapolítica.Umadelas,aECRn. 5, de 9.06.1994, reduziu omandato presidencial, previsto no art. 82 daConstituição, decinco para quatro anos. Vivia-se o último ano do governo Itamar. Na sequência histórica, já nogovernoFernandoHenriqueeemmeioadebateacirrado,foiaprovadaaECn.16,de5.06.1997,quepassouapermitirareeleição,paraumúnicoperíodosubsequente,dopresidente,governadorese prefeitos.Merece registro destacado, no tocante à estrutura do Poder Executivo, a criação doMinistério daDefesa, pela EC n. 23, de 3.09.1999,marco simbólico relevante da submissão dopodermilitaraopodercivil.Duas competências frequentemente malversadas pelo Executivo devem ser assinaladas em um

    balançodaexperiênciadosúltimosvinteanos.Aprimeiradelaséoempregoabusivodasmedidasprovisórias (MPs). Concebidas como um mecanismo excepcional de exercício de competêncianormativaprimáriapeloPresidentedaRepública,reservadaaoscasosde“relevânciaeurgência”(CF,art.62),tornaram-seuminstrumentorotineirodeoExecutivolegislar,inclusivesobrequestõesde menor relevância e de nenhuma urgência, minimizando o papel do Congresso Nacional ecomprometendo, em muitos casos, a transparência e o debate público que devem preceder ainovaçãodaordemjurídica.EmrazãodatolerânciadopróprioLegislativoedoJudiciário96,forameditadasereeditadas,entre1988e2002,cercadeseismilmedidasprovisórias97.

  • Adisfunção sóveio a ser coibida, aindaquenão integralmente, coma ediçãodaECn. 32, de12.09.2001, que previu a vigência da medida provisória pelo prazo máximo de 60 dias,prorrogáveisumaúnicavez,porigualperíodo,comtrancamentodapautaatéquehajadeliberaçãoporpartedecadaumadasCasasdoCongressoNacional.EmboraaEC32/2001tenhareduzidoaquantidadedeMPseditadaselimitadosuavigência,nãosepodedizerqueodesequilíbrioentreosPoderes Executivo e Legislativo, namatéria, tenha sido superado em definitivo. Ao contrário, otrancamento da pauta tornou-se uma “exceção corriqueira”, limitando ainda mais o controle doCongressoNacionalsobresuaprópriaagenda.ArestriçãofrequentelevouaCâmaradosDeputadosa adotar uma interpretação ousada da Constituição Federal, tentando limitar o alcance dostrancamentos.AquestãochegouaoSTF,ondeaguardadecisãodefinitiva98.AsegundacompetênciautilizadaabusivamentepeloExecutivodizrespeitoaocontingenciamento

    daexecuçãoorçamentária.Aliás, aelaboraçãodoorçamentoe,posteriormente, aarrecadaçãodereceitas e a realização de despesas constituem um grande espaço democrático negligenciado noBrasil99. A competência do Executivo émáxima, já nomomento de elaboração da proposta, atéporqueéelequedetémosdadoseasinformaçõesquepermitemordenarasestimativasdereceitasede despesas. Enviado o projeto de lei orçamentária para o Congresso, o poder de emenda dosparlamentareséextremamentereduzidoeantesdámargemaoparoquialismoeaofisiologismodoqueadiscussõesabertaserepublicanas.Piorquetudo,umavezaprovadooorçamento–tidocomomeramenteautorizativo,enãoimpositivo–,oPresidentedaRepública,demaneiradiscricionáriaesemdeverdemotivação,podecontingenciarasverbas,deixandodeliberá-lasesemquetaldecisãoestejasujeitaaqualquertipodecontroleporpartedoparlamento.Àexceçãodosrepassesfeitospormandamentoconstitucional–comoosdoLegislativo,doJudiciário,doMinistérioPúblico,dentreoutros–,asdemaisdestinaçõessãoimplementadasseequandooPresidentedesejar,adespeitodaaprovaçãoevigênciadaleiorçamentária100.

    3.2.PoderLegislativoNoquetocaaoPoderLegislativo,cabeassinalararecuperaçãodesuasprerrogativasdentrodo

    novoquadrodemocrático,emborapermaneçavisívelodecréscimodesuaimportâncianoprocessolegislativo.Écerto,contudo,que,comocontrapartida,expandiram-sesuascompetênciasdenaturezafiscalizatóriaeinvestigativa.Merecemregistro,também,algumasdisfunçõesestruturaisefuncionaisdo sistema político brasileiro, que têm comprometido a representatividade e a legitimidade daclassepolítica.Aolongodoregimemilitar,oPoderLegislativofoioquesofreuasconsequênciasmaisgravesdo

    autoritarismo. Com efeito, inúmeros de seus membros, de 1964 a 1977, tiveram os mandatos edireitos políticos cassados. Nesse período, em diversos momentos, o Congresso Nacional foifechado,passandoogeneral-presidenteaconcentrartodosospodereslegislativos,inclusiveosdereformaconstitucional.Paralelamenteaisso,sobasConstituiçõesde1967e1969,exacerbaram-seas competências materialmente legislativas do Presidente da República, por meio da edição dedecretos-leis.E,alémdetudo,amaiorpartedosprojetosdeleirelevantesvotadospeloCongressoera de iniciativa do Poder Executivo. Com a reconstitucionalização do país, em 1988,desapareceramosriscosdecassaçãoederecessoparlamentar.Averdade,noentanto,équeopapeldoCongressoNacional,noprocessodeprodução legislativa,continuoubastante reduzido,àvistadoespaçoocupadopelasmedidasprovisórias(v.supra)epelosprojetosresultantesdemensagens

  • doExecutivo101.Diante da crescente hegemonia do Poder Executivo no desempenho da função legislativa –

    fenômenoquenãoétípicoapenasdaexperiênciabrasileira,masglobal–,aênfasedaatuaçãodoLegislativotemsedeslocadoparaafiscalizaçãodosatosdegovernoedaAdministraçãoPública,deumamaneirageral.SobaConstituiçãode1988,umdosprincipais instrumentosdessalinhadeatuação têm sido as comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Muitas delas tiveram grandevisibilidadepública,comoaqueapurouasdenúnciasdecorrupçãonogovernoCollor(1992–CPIde PC Farias), a que investigou o conjunto de parlamentares que controlava a elaboração doOrçamento(1993–CPIdos“AnõesdoOrçamento”),aCPIdoJudiciário(1999)e,noanode2005,asCPIs dosBingos, dosCorreios e doMensalão.As comissões parlamentares de inquérito, nostermos do art. 58, § 3º da Constituição, têm poderes de investigação próprios das autoridadesjudiciárias,devendosuasconclusõesserencaminhadasaoMinistérioPúblico,paraquepromovaaresponsabilidade civil ou criminal dos implicados, se for o caso.Os limites dospoderesde taiscomissõesfoisendopaulatinamentedefinidopela jurisprudênciadoSupremoTribunalFederal(v.infra)102.Um problema estrutural importante do sistema eleitoral brasileiro, com repercussão sobre a

    composição do Legislativo, é a desproporcionalidade da representação política na Câmara dosDeputados.Oart.45,§1ºdaConstituiçãoprevêumnúmeromínimodeoitodeputadoseummáximodesetentadeputadosporEstado.DetalprevisãoresultaqueEstadosmuitopopulosostenhamumasub-representação,equeEstadosmenospopulosossejamsuper-representados.Issofazcomqueopesodosvotos,porexemplo,decidadãosdeSãoPauloedecidadãosdeRoraimanãosejamosmesmos, não vigorando a máxima de um homem, um voto103. Esses limites poderiam serjustificados,emtese,porrazõesdeequilíbriofederativo104,oquenãoocorrenocasobrasileiro,emrazão da composição paritária do Senado Federal. Sob o prisma da própria ideia deproporcionalidade,oproblemaestáemquetalregradealocaçãodecadeirastambémserefletenadistribuiçãopartidárianaCâmaradeDeputados,distorcendoajustaparticipaçãodecadaum.Taldescompassonãoédesimportante105.Durante a vigência da Constituição de 1988, algumas modificações do texto constitucional

    repercutiram sobre o funcionamento do Poder Legislativo dos diferentes níveis da Federação esobre o regime jurídico dos parlamentares.A EC n. 1, de 6.04.1992, estabeleceu limites para aremuneraçãodedeputadosestaduaisedevereadores.AECn.25,de15.02.2000,fixoulimitesdedespesas com o Poder Legislativo municipal. No plano federal, a EC n. 50, de 15.02.2006,aumentouemalgumassemanasosperíodosdereuniãodoCongressoNacional106.AECRn.6,de9.06.1994, previu que a renúncia do parlamentar, após a instauração de processo que envolva aperdademandato,não impedeadeliberação finaldaCasaLegislativa107.Em temade imunidadeparlamentarprocessual,aECn.35,de21.12.2001,introduziumodificaçãosubstantiva,deixandodeexigir prévia licença da Câmara ou do Senado para a instauração de processo criminal contraparlamentar.Nonovoregime,oSupremoTribunalFederalpodereceberdiretamenteadenúncia.Acasa legislativa pertinente, todavia, poderá, pelo voto da maioria, até a decisão final, sustar oandamento da ação durante o exercício do mandato, ficando suspensa a fluência do prazoprescricional.Apesardisso,aatividadepolíticasegueemsituaçãodepreocupantedesprestígio108.Umagrave

    crisenosistemarepresentativocomprometealegitimidadedemocráticadasinstituiçõeslegislativas.Nesse cenário, não é possível negar a falta de sintonia entre a sociedade civil e os órgãos de

  • representaçãopopular,emdecorrênciadeummodelopolíticoquedeixoudeserviradequadamenteaopaís.Poressa razão, tornou-se imprescindívela realizaçãodeumaReformaPolítica, jádehámuito adiada, capaz de fomentar a legitimidade democrática, a governabilidade e as virtudesrepublicanas.Adiantesevoltaráaoponto.

    3.3.PoderJudiciárioDesdeapromulgaçãodaConstituiçãode1988,oJudiciário ingressounapaisageminstitucional

    brasileira.Jánãopassadespercebidonemévistocomindiferençaoudistanciamento.Hámaisdeuma razão para esse fenômeno. A ascensão do Poder Judiciário se deve, em primeiro lugar, àreconstitucionalização do país: recuperadas as liberdades democráticas e as garantias damagistratura,juízesetribunaisdeixaramdeserumdepartamentotécnicoespecializadoepassaramadesempenharumpapelpolítico,dividindoespaçocomoLegislativoeoExecutivo.Umasegundarazãofoioaumentodademandaporjustiçanasociedadebrasileira.Defato,sobaConstituiçãode1988,houveumarevitalizaçãodacidadaniaeumamaiorconscientizaçãodaspessoasemrelaçãoàproteçãodeseusinteresses.Alémdisso,otextoconstitucionalcriounovosdireitosenovasações,bemcomoampliouashipótesesdelegitimaçãoextraordináriaedetutelacoletiva.Nesseambiente,juízesetribunaispassaramadesempenharumpapelsimbólicoimportantenoimagináriocoletivo109.Aosfatoresmencionadosacima–ascensãoinstitucionaldoJudiciárioeaumentodademandapor

    justiça– somam-se inúmerosoutrosquecontribuíramparaalçaraatuaçãode juízese tribunaisaumaposiçãocentralnavidapúblicacontemporânea.De fato,circunstânciascomoaamplitudedaConstituição, a combinação da jurisdição constitucional concentrada e difusa, bem como aconstitucionalização do Direito (v. infra) deram lugar a um fenômeno muito visível no Brasilcontemporâneo: a judicializaçãodas relaçõespolíticas e sociais. Judicialização, entenda-sebem,nãoseconfundecomusurpaçãodaesferapolíticaporautoridadesjudiciárias,mastraduzofatodequemuitasmatériascontrovertidas se inseremnoâmbitodealcancedaConstituiçãoepodemserconvertidas em postulações de direitos subjetivos, em pretensões coletivas ou em processosobjetivos110. Assim, o Supremo Tribunal Federal ou outros órgãos judiciais têm dado a últimapalavra em temas envolvendo separação de Poderes, direitos fundamentais, políticas públicas,constitucionalidadedeplanoseconômicos,preservaçãoambiental,demarcaçãodeterrasindígenasemesmoemquestõesdodiaadia.Nãoédifícililustraratese.Inúmerosprogramasdegovernooudecisõespolíticasimportantes,veiculados,inclusive,porvia

    deemendasàConstituição,tiveramsuadeliberaçãodefinitivaemaçõesperanteoSupremoTribunalFederal. Antes que tudo, a Corte firmou sua própria competência para o controle deconstitucionalidadedeemendasconstitucionais111.EmmatériadeReformadoJudiciário,acriaçãodoConselhoNacionaldeJustiçasófoipossívelapóschanceladoSTF,pordecisãomajoritária112.As diferentes Reformas da Previdência geraram embates judiciais, tanto em relação aos limitesmáximos dos benefícios113 como no tocante à contribuição de inativos, que foi rejeitada quandoinstituída por lei114, mas admitida quando veiculada pela EC n. 41, de 2003115. Nas discussõesenvolvendoosistemapolítico,oSTFsepronunciousobreanãoaplicaçãodasnovasregrassobrecoligações(fimdaverticalização)àseleiçõesqueserealizariamemmenosdeumano116,derrubouacláusuladebarreira117,determinouareduçãodonúmerodevereadoresnasCâmarasMunicipais118

    eimpôsregrasobrefidelidadepartidária,superandolongainérciadoLegislativonamatéria119.No

  • iníciode2011,aojulgaravalidadeeaaplicabilidadeda“LeidaFichaLima”–LeiComplementarn. 135/2010–, que tornava inelegíveispessoas condenadaspordeterminados crimespordecisãotransitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, o STF, em decisão dividida,entendeu pela não incidência do diploma legal nas eleições de 2010, mesmo ano da suaaprovação120.Em matéria de direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal entendeu que eles não se

    esgotamnoelencodoart.5ºdaConstituição,podendoserencontradosforadele,comoéocasododireitoàanterioridadedaleitributária121.Emdecisãohistórica,repudiouoracismoantissemita122.Decidiu, igualmente, ser inconstitucional dispositivo de lei que vedava a progressão de regimeprisionalparaoscondenadospelapráticadecrimeshediondos123.OTribunalreconheceu,ainda,aconstitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias124 e, mais recentemente, emjulgamentoquemobilizoudiversossegmentosdasociedade,decidiuqueoregimejurídicodauniãoestávelseaplicaàsparceriashomoafetivas125.Emmeadosde2011,aindaseencontravapendentede julgamento outra questão igualmente emblemática: ADPF acerca da legitimidade ou não dainterrupçãodagestaçãodefetosanencefálicos126.Notocanteàscomissõesparlamentaresdeinquérito,osentidodacláusulaconstitucional“poderes

    de investigação próprios das autoridades judiciais” foi progressivamente fixada pelo STF. AodefinirolimitedascompetênciasdasCPIs,oTribunaladmitiuapossibilidadedeelasordenarem,semintermediaçãojudicial,aquebradesigilobancário,fiscaletelefônico(parafinsdeobtençãode dados e de registros, não de interceptação), desde que exista causa provável (i.e., indíciossuficientes)emotivaçãoprévia.Deverão,poroutrolado,respeitarodireitoànãoincriminaçãoenãopodemexercercompetênciasdecisóriasdecunhomaterialmentejurisdicional,comodecretaçãodaindisponibilidadedebensouprisão127.OSTFestabeleceu,também,queainstalaçãodeumaCPIéprerrogativadasminoriasparlamentarese,preenchidososrequisitosconstitucionais,nãopodeserfrustradaporaçãoouomissãodasmaiorias128.A listapoderiaprosseguir, indefinidamente,para incluir temascomoavedaçãodonepotismo,a

    limitaçãoàcriaçãodeMunicípios,ocombateàguerrafiscalentreEstados,otetoremuneratóriodosservidores públicos, a revitalização do mandado de injunção, a constitucionalidade da Lei deArbitragem,emmeioamuitosoutros.Comoinevitável,essaexpansãodopapeldoPoderJudiciá rio,notadamentedoSTF,acendeodebateacercadalegitimidadedemocráticadesuaatuação.Nãoéocasodeseaprofundar,nessainstância,areflexãosobreotema,salvoparabreveregistro.Opapeldo Judiciário e, especialmente, das cortes constitucionais e supremos tribunais, deve ser o deresguardaroprocessodemocráticoepromoverosvaloresconstitucionais,superandoodeficit delegitimidade dos demais Poderes, quando seja o caso. Sem, contudo, desqualificar sua própriaatuação,oqueocorreráseatuarabusivamente,exercendopreferênciaspolíticasemlugarderealizarosprincípiosconstitucionais.Alémdisso,empaísesdetradiçãodemocráticamenosenraizadacabeao tribunal constitucional funcionar como garantidor da estabilidade institucional, arbitrandoconflitos entre Poderes ou entre estes e a sociedade civil. Estes são os seus grandes papéis:resguardar os valores fundamentais e os procedimentos democráticos, assim como assegurar aestabilidadeinstitucional.Por fim, uma referência ao que a Constituição denominou “funções essenciais à justiça”. O

    Ministério Público viu consagrada sua independência político-administrativa e financeira, tevereconhecido um conjunto amplo de funções próprias e, ao lado do Judiciário, viveu, sob aConstituição de 1988, uma fase de expressiva ascensão institucional. Ao lado do seu papel

  • proeminentenoprocessopenal,oMinistérioPúblicotemexperimentadoumasignificativaexpansãodoseupapelemmatériacíveleadministrativa,comintensaatuaçãonatuteladomeioambiente,doconsumidoredamoralidadeadministrativa.Emmeadosde2011,aindaseencontravapendentededecisão,peloSupremoTribunalFederal,apossibilidadedepromotoreseprocuradoresconduziremdiretamentea investigaçãocriminal129.AAdvocacia-GeraldaUnião,porsuavez, foicriadapelaConstituiçãode1988eimplantadaapartirde1993130,consumandoaseparaçãoentreadefesadasociedade,quecabeaoMinistérioPúblico,eadefesadaFazendaPública,quecabeaosadvogadosdaUnião. As Procuradorias-Gerais dos Estados encontram-se estruturadas em todas as unidadesfederativas,oquejánãoéocasodasDefensoriasPúblicas,queemmuitosEstadosnãoexistemouestãosujeitasacondiçõesextremamenteprecárias.Talfato,comointuitivo,comprometeoacessoàjustiçadaspessoasnecessitadas.Aadvocacia,lideradapelaOrdemdosAdvogadosdoBrasil,vencidaabatalhapelaconsolidação

    democrática, vive as complexidades inerentes à prática profissional contemporânea. Ao mesmotempo que procura assegurar ensino jurídico de qualidade e conduzir processos de seleção quepreservemaproficiênciadosprofissionaisqueingressamnomercadodetrabalho,aOrdemenfrentaas incompreensões rotineiras em relaçãoàprofissão,procurando resguardar asprerrogativasdosadvogadoseconfrontando-se,porvezes,comosarroubospolicialescosdoEstadobrasileiro131.

    4.ParteIII–Astransformaçõesdateoriaconstitucional

    Nas últimas duas décadas, a teoria constitucional, sob a influência de movimentos históricos,políticosedoutrinários–domésticoseinternacionais–,passouporumprocessodereelaboraçãoextensoeprofundo.Taisconcepçõesinovadorassãoaseguirsistematizadasemtrêsgrandesblocos:a conquista de status normativo e de efetividade pela Constituição; o surgimento de um novoconstitucionalismo,sobrebasesfilosóficaseteóricasdiversas;eaconstitucionalizaçãodoDireito,valedizer,airradiaçãodosvaloreseprincípiosconstitucionaisportodoosistemajurídico.

    4.1.AdoutrinabrasileiradaefetividadeNa antevéspera da convocação da constituinte de 1988, era possível identificar umdos fatores

    crônicosdofracassonarealizaçãodoEstadodeDireitonopaís:afaltadeseriedadeemrelaçãoàLei Fundamental, a indiferença para com a distância entre o texto e a realidade, entre o ser e odever-ser.Doisexemplosemblemáticos:aCartade1824estabeleciaquea“a leiserá igualparatodos”,dispositivoqueconviveu,semqueseassinalassemperplexidadeouconstrangimento,comos privilégios da nobreza, o voto censitário e o regime escravocrata. Outro: a Carta de 1969,outorgadapelosMinistrosdaMarinhadeGuerra,doExércitoedaAeronáuticaMilitar,asseguravaumamploelencodeliberdadespúblicasinexistenteseprometiaaostrabalhadoresumpitorescorolde direitos sociais não desfrutáveis, que incluíam “colônias de férias e clínicas de repouso”.Buscava-se na Constituição, não o caminho, mas o desvio; não a verdade, mas o disfarce. Adisfunçãomaisgravedoconstitucionalismobrasileiro,naquelefinalderegimemilitar,eraafaltadeefetividadedasnormasconstitucionais. IndiferentesaoqueprescreviaaLeiMaior,osestamentosperenemente dominantes construíam uma realidade própria de poder, refratária a uma realdemocratizaçãodasociedadeedoEstado.É bem de ver que o próprio reconhecimento de força normativa às normas constitucionais é

  • conquista relativamente recentenoconstitucionalismodomundo romano-germânico132.NoBrasil,ela se desenvolveu no âmbito de um movimento jurídico-acadêmico conhecido como doutrinabrasileiradaefetividade133.Talmovimentoprocurounãoapenaselaborarascategoriasdogmáticasda normatividade constitucional, como também superar algumas das crônicas disfunções daformaçãonacional,registradasacima,quesematerializavamnainsinceridadenormativa,nousodaConstituição como uma mistificação ideológica e na falta de determinação política em dar-lhecumprimento.Aessênciadadoutrinadaefetividadeé tornarasnormasconstitucionaisaplicáveisdireta e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa. Como consequência,sempre que violado um mandamento constitucional, a ordem jurídica deve prover mecanismosadequados de tutela – pormeio daação e da jurisdição –, disciplinando os remédios jurídicospróprioseaatuaçãoefetivadejuízesetribunais134.Para realizar seus propósitos, o movimento pela efetividade promoveu, com sucesso, três

    mudançasdeparadigmanateoriaenapráticadodireitoconstitucionalnopaís.Noplano jurídico,atribuiu normatividade plena à Constituição, que se tornou fonte de direitos e de obrigações,independentemente da intermediação do legislador. Do ponto de vista científico ou dogmático,reconheceu ao direito constitucional um objeto próprio e autônomo, estremando-o do discursopuramente político ou sociológico. E, por fim, sob o aspecto institucional, contribuiu para aascensãodoPoderJudiciárionoBrasil,dando-lheumpapelmaisdestacadonaconcretizaçãodosvalores e dos direitos constitucionais.Odiscurso normativo, científico e judicialista foi fruto deuma necessidade histórica. O positivismo constitucional, que deu impulso ao movimento, nãoimportavaemreduzirodireitoànorma,massimemelevá-loa esta condição,pois até entãoelehaviasidomenosdoquenorma.Aefetividadefoioritodepassagemdovelhoparaonovodireitoconstitucional,fazendocomqueaConstituiçãodeixassedeserumamiragem,comashonrasdeumafalsasupremacia,quenãosetraduziaemproveitoparaacidadania.Na prática, em todas as hipóteses em que a Constituição tenha criado direitos subjetivos –

    políticos,individuais,sociaisoudifusos–sãoeles,comoregra,diretaeimediatamenteexigíveis,do Poder Público ou do particular, por via das ações constitucionais e infraconstitucionaiscontempladasnoordenamentojurídico.OPoderJudiciário,comoconsequência,passaateratuaçãodecisiva na realização da Constituição. A doutrina da efetividade serviu-se, como se registrouacima,deumametodologiapositivista:direitoconstitucionalénorma;edeumcritérioformalparaestabeleceraexigibilidadededeterminadosdireitos:seestánaConstituiçãoéparasercumprido.Nosdiasquecorrem,tornou-senecessáriaasuaconvivênciacomnovasformulaçõesdoutrinárias,de base pós-positivista, como a teoria dos princípios, as colisões de direitos fundamentais, aponderaçãoeomínimoexistencial.

    4.2.NeoconstitucionalismoouonovodireitoconstitucionalOdireitoconstitucional,nasúltimasdécadas,notadamentenomundo romano-germânico,passou

    por um vertiginoso conjunto de transformações que modificaram o modo como ele é pensado epraticado. É possível reconstituir essa trajetória, objetivamente, levando em conta três marcosfundamentais:ohistórico,ofilosóficoeoteórico.Nelesestãocontidasasideiaseasmudançasdeparadigma que mobilizaram a doutrina e a jurisprudência nesse período, criando uma novapercepçãodaConstituiçãoedeseupapelnainterpretaçãojurídicaemgeral.Omarcohistóricodonovodireitoconstitucional,naEuropacontinental,foioconstitucionalismo

  • dopós-guerra, especialmentenaAlemanhaena Itália.NoBrasil, foi aConstituiçãode1988eoprocessoderedemocratizaçãoqueelaajudouaprotagonizar.Comoassinaladonopresenteestudo,semembargodevicissitudesdemaioroumenorgravidadenoseutextoedacompulsãocomquetemsido emendada ao longo dos anos, a Constituição promoveu uma transição democrática bem-sucedidaeassegurouaopaísestabilidadeinstitucional,mesmoemmomentosdecriseaguda.SobaConstituição de 1988, o direito constitucional passou da desimportância ao apogeu emmenos deuma geração. O surgimento de um sentimento constitucional no país é algo que merece sercelebrado135. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se manteve em relação àConstituição.E,paraosquesabem,éaindiferença,nãooódio,ocontráriodoamor.Omarco filosóficodas transformações aqui descritas é o pós-positivismo136. Em certo sentido,

    apresenta-seelecomouma terceiraviaentre as concepções positivista e jusnaturalista: não tratacomdesimportânciaasdemandasdoDireitoporclareza,certezaeobjetividade,masnãooconcebedesconectado de uma filosofia moral e de uma filosofia política. Contesta, assim, o postuladopositivistadeseparaçãoentreDireito,moralepolítica,nãoparanegaraespecificidadedoobjetode cada um desses domínios, mas para reconhecer que essas três dimensões se influenciammutuamente tambémquandodaaplicaçãodoDireito,enãoapenasquandodasuaelaboração.Noconjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção,incluem-se a reentronização dos valores na interpretação jurídica, com o reconhecimento denormatividadeaosprincípiosedesuadiferençaqualitativaemrelaçãoàsregras;areabilitaçãodarazão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e odesenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoahumana.Nesseambiente,promove-seumareaproximaçãoentreoDireitoeaÉtica137.Por fim,omarco teórico donovodireitoconstitucional envolve três conjuntosdemudançasde

    paradigma. O primeiro, já referido, foi o reconhecimento de força normativa às disposiçõesconstitucionais,quepassamateraplicabilidadediretaeimediata,transformando-seemfundamentosrotineiros das postulações de direitos e da argumentação jurídica. O segundo foi a expansão dajurisdiçãoconstitucional.Nomundo,deumamaneirageral,essefenômenosemanifestounacriaçãodetribunaisconstitucionaisnagrandemaioriadosEstadosdemocráticos.NoBrasil,emparticular,materializou-senaatribuiçãododireitodeproposituradeaçõesconstitucionaisdiretasaumlongoelencodeórgãoseentidades,oquepermitiufossemlevadasaoSupremoTribunalFederalalgumasdas grandes questões do debate político, social e moral contemporâneo. A terceira grandetransformação teórica se verificou no âmbito da hermenêutica jurídica, com o surgimento de umconjunto de ideias identificadas comonova interpretação constitucional. Nesse ambiente, foramafetadaspremissas tradicionais relativasaopapeldanorma,dos fatosedo intérprete,bemcomoforamelaboradasoureformuladascategoriascomoanormatividadedosprincípios,ascolisõesdenormasconstitucionais,aponderaçãocomotécnicadedecisãoeaargumentaçãojurídica138.

    4.3.AconstitucionalizaçãodoDireito

    “OntemosCódigos;hojeasConstituições.ArevanchedaGréciacontraRoma”139.OfenômenodaconstitucionalizaçãodoDireitotemcomopontodepartidaapassagemdaConstituiçãoparaocentrodo sistema jurídico, de onde foi deslocado o Código Civil140. No Brasil, a partir de 1988 e,especialmente,nosúltimosanos,aConstituiçãopassouadesfrutar,alémdasupremaciaformalquesempre teve, também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do

  • sistemajurídicoepelanormatividadedosprincípios.Compreendidacomoumaordemobjetivadevalores,transformou-senofiltroatravésdoqualsedevelertodooordenamentojurídico141.Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem,

    unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos doDireito.A constitucionalização identifica um efeito expansivo das normas constitucionais, que seirradiam por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentoscontempladosnosprincípioseregrasdaLeiMaiorpassamacondicionaravalidadeeosentidodetodasasnormasdodireitoinfraconstitucional.Àluzdetaispremissas,todainterpretaçãojurídicaétambém interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do Direito envolve aaplicaçãodiretaouindiretadaConstituição.Direta,quandoumapretensãosefundaremumanormaconstitucional; e indiretaquando se fundar emumanorma infraconstitucional,porduas razões: a)antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição,porque,senãofor,nãopoderáfazê-laincidir;eb)aoaplicaranorma,deveráorientarseusentidoealcanceàrealizaçãodosfinsconstitucionais.AconstitucionalizaçãodoDireitoproduz impacto relevante sobre todosos ramos jurídicos.No

    direito civil, exemplificativamente, alémdavindapara aConstituiçãodeprincípios e regrasquerepercutem sobre as relações privadas – e.g., função social da propriedade, proteção doconsumidor, igualdade entre cônjuges, igualdade entre filhos, novas formas de entidade familiarreconhecidas –, houve o impacto revolucionário do princípio da dignidade da pessoa humana.Apartirdele,temlugarumadespatrimonialização142eumarepersonalização143dodireitocivil,comênfaseemvaloresexistenciaisedoespírito,bemcomonoreconhecimentoedesenvolvimentodosdireitosdapersonalidade, tantoemsuadimensãofísicaquantopsíquica.Aaplicaçãodosdireitosfundamentaisàs relaçõesprivadas tambémpassouaserum temaobjetodecrescente interesse144.Nodireitoadministrativo,aconstitucionalizaçãoproduziumudançasdoutrináriasejurisprudenciaisimportantes, que incluíram a redefinição da ideia de supremacia do interesse público sobre ointeresseprivado,avinculaçãodoadministradorànoçãomaisampladejuridicidadeenãoapenasàlei e a possibilidade de controle demérito do ato administrativo, combase emprincípios comorazoabilidade,moralidadeeeficiência145.

    5.Conclusão–Avitóriadoconstitucionalismodemocrático

    5.1.OqueaindarestafazerA comemoração merecida dos avanços trazidos pela Constituição de 1988 não precisa do

    falseamentodaverdade.Nacontaabertadoatrasopolíticoedadívidasocial,aindaháincontáveisdébitos.Subsistenopaísumabismodedesigualdade,comrecordesmundiaisdeconcentraçãoderendaedeficitsdramáticosemmoradia,educação,saúde,saneamento.Alistaéenorme.Dopontodevistadoavançodoprocessocivilizatório,tambémestamosparatrás,comíndicesinaceitáveisdecorrupção,deficiênciasnosserviçospúblicosemgeral–dosquaisdependem,sobretudo,osmaispobres–epatamaresdeviolênciaqueseequiparamaosdepaísesemguerra146.Poroutrolado,oregimede1988nãofoicapazdeconteracrônicavoracidadefiscaldoEstadobrasileiro,umdosmais onerosos do mundo para o cidadão-contribuinte. Sem mencionar que o sistema tributárioconstitui um cipoal de tributos que se superpõem e cuja complexidade exige a manutenção de

  • estruturasadministrativas igualmentecustosas.Há, todavia,umaoutra falha institucional,que,porsuarepercussãosobretodoosistema,comprometeapossibilidadedesoluçãoadequadadetudoomais.Por todo o seu tempo de vigência, o ponto baixo do modelo constitucional brasileiro e dos

    sucessivos governos democráticos foi a falta de disposição ou de capacidade para reformular osistemapolítico.Noconjuntodedesacertosdasúltimasduasdécadas,apolíticapassouaserumfimemsimesma,ummundoàparte,desconectadoda sociedade,vistooracom indiferença,oracomdesconfiança. As repetidas crises produzidas pelas disfunções do financiamento eleitoral, pelasrelações oblíquas entre Executivo e parlamentares e pelo exercício de cargos públicos parabenefíciopróprio têmtrazido,ao longodosanos,umaondadeceticismoqueabateacidadaniaecomprometesuacapacidadede indignaçãoede reação.Averdade,contudo,équenãoháEstadodemocrático sem atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem parlamento atuante einvestidodecredibilidade.Épreciso,portanto,reconstruiroconteúdoeaimagemdospartidosedoCongresso, assim como exaltar a dignidade da política. O sistema político brasileiro, porvicissitudesdiversas,temdesempenhadoumpapelopostoaoquelhecabe:exacerbaosdefeitosenãodeixaflorescerasvirtudes.É preciso desenvolver um modelo capaz de resgatar e promover valores como legitimidade

    democrática, governabilidade e virtudes republicanas147, produzindo alterações profundas napráticapolítica148.Há inúmeraspropostasnamatéria, apesardapoucadisposiçãoparaodebate.UmadelasdefendeparaoBrasil,comosistemadegoverno,osemipresidencialismo,nosmoldesdeFrança e Portugal; como sistema eleitoral, a fórmula do voto distrital misto, que vigora, porexemplo,naAlemanha;e,comosistemapartidário,ummodelofundadonafidelidadeenacontençãodapulverizaçãodospartidospolíticos149.

    5.2.OquesedevecelebrarO constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa do séculoXX.O imaginário social

    contemporâneo vislumbra nesse arranjo institucional, que procura combinar Estado de direito(supremaciadalei,ruleofthelaw,Rechtsstaat)esoberaniapopular,amelhorformaderealizarosanseiosdamodernidade:poderlimitado,dignidadedapessoahumana,direitosfundamentais,justiçasocial,tolerânciae–quemsabe?–atéfelicidade.Paraevitarilusões,ébomrelembrar,aindaumavez,queasgrandesconquistasdahumanidadelevamumtemporelativamentelongoparapassardoplanodasideiasvitoriosasparaaplenitudedomundoreal.Ocursodoprocessocivilizatórioébemmaislentodoqueanossaansiedadeporprogressosocial.Orumocerto,porém,costumasermaisimportantedoqueavelocidade.OmodelovencedorchegouaoBrasilcomatraso,masnãotardedemais,àsvésperasdaviradado

    milênio.Osúltimosanosrepresentam,nãoavitóriadeumaConstituiçãoespecífica,concreta,masdeumaideia,deumaatitudediantedavida.Oconstitucionalismodemocrático,queseconsolidouentrenós, traduznãoapenasummododeveroEstadoeoDireito,masdedesejaromundo, embusca de um tempo de justiça, fraternidade e delicadeza. Com as dificuldades inerentes aosprocessos históricos complexos e dialéticos, temosnos libertado, paulatinamente, de umpassadoautoritário, excludente, de horizonte estreito. E vivido as contradições inevitáveis da procura doequilíbrioentreomercadoeapolítica,entreoprivadoeopúblico,entreosinteressesindividuaiseo bem coletivo. Nos duzentos anos que separaram a chegada da família real e a maioridade

  • constitucionalbrasileira,passou-seumaeternidade.

    1ProfessortitulardeDireitoConstitucionaldaUniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro–UERJ.MestreemDireitopelaYale Law School. Doutor e livre-docente pela UERJ. Professor visitante da Universidade de Brasília – UnB, daUniversidadedePoitiers,França,edaUniversidadedeWroclaw,Polônia.

    2Sobreotema,v.OliveiraLima,DomJoãoVInoBrasil,1945;PedroCalmon,HistóriadoBrasil,v.IV,1959;BorisFausto,HistóriadoBrasil,2003;PatrickWilcken,Impérioàderiva,2005;Francisco Iglesias,TrajetóriapolíticadoBrasil1500-1964,2006;LaurentinoGomes,1808,2007;JorgePedreiraeFernandoDoresCosta,D.JoãoVI:umpríncipeentredoiscontinentes,2008.

    3 A crítica severa não nega, por evidente, o passado de glórias de Portugal e o extraordinário Império marítimo queconstruiu.Não desmerece, tampouco, o grande progresso trazido aoBrasil coma vinda da família real. Nemmuitomenosinterferecomoslaçosdeafetoedeafinidadequeligamosbrasileirosaosportugueses.

    4Curiosamente,aconvocaçãodaconstituintesederaem3dejunhode1822,antesmesmodaIndependência,efaziamençãoàunião“comagrandefamíliaportuguesa”.AIndependênciaveioem7desetembro,aaclamaçãodeD.Pedrocomoimperadorem12deoutubroeacoroaçãoem1ºdedezembrode1822.

    5“Comoimperadorconstitucional,emuiprincipalmentecomodefensorperpétuodesteimpério,disseaopovonodia1ºdedezembrodoanopróximopassado, emque fui coroadoe sagrado, quecomaminhaespadadefenderiaapátria, anaçãoeaConstituição,sefossedignadoBrasiledemim.(...)[E]spero,queaConstituiçãoquefaçais,mereçaaminhaimperialaceitação...” (grifosacrescentados).V. “A faladeD.Pedro Inasessãodeaberturadaconstituinte”. In:PauloBonavidesePaesdeAndrade.HistóriaconstitucionaldoBrasil.1991.p.25.

    6MarcelloCerqueira.AConstituiçãonahistória:origemereforma.2006.p.387.7OConselhodeEstadoeracompostopordezmembros,nomeadospeloImperadorparaelaboraraConstituição.8V.WaldemarFerreira,Históriadodireitoconstitucionalbrasileiro,1954;AfonsoArinosdeMelloFranco,Cursodedireitoconstitucionalbrasileiro,v.II,1960;MarceloCaetano,Direitoconstitucional,v.1,1987;ManoelMauríciodeAlbuquerque,Pequenahistóriadaformaçãosocialbrasileira,1981;AurelinoLeal,HistóriaconstitucionaldoBrasil,1915,ediçãofac-similar;ePauloBonavidesePaesdeAndrade.HistóriaconstitucionaldoBrasil,1991.

    9V.RicardoLoboTorres,AideiadeliberdadenoEstadopatrimonialenoEstadofiscal,1991.10Paraumadensaanáliseda formaçãonacional,dasorigensportuguesasatéaeraVargas,v.RaymundoFaoro,Osdonosdopoder,2001(1.ed.1957).Emborasobperspectivasdiferentes,sãoigualmenteconsideradosmarcosparaacompreensãodoBrasil:GilbertoFreyre,Casa-grandeesenzala (1.ed.1933);SérgioBuarquedeHolanda,RaízesdoBrasil(1.ed.1936);eCaioPradoJúnior,FormaçãodoBrasilcontemporâneo(1.ed.1942).Sobreaimportânciadessastrêsúltimasobras,v.AntonioCandido,“OsignificadoderaízesdoBrasil”.In:SilvianoSantiago(coord.),IntérpretesdoBrasil, 2002.ParaumaanotaçãosobreaobradeRaymundoFaoroedeSérgioBuarquedeHolanda,queconsiderarepresentantesdecorrentesopostas,v.FernandoHenriqueCardoso,Aartedapolítica:ahistóriaquevivi,2006.p.55-6,ondetambémaverbou:“Ancoradonatradiçãoibérica,opatrimonialismotranspostoparaasterrasamericanasconfundefamíliaeordempública,interesseprivadoeEstado”.

    11Paraumricoedocumentadorelatodoperíodomilitar,indodadeposiçãodeJoãoGoulartaofinaldogovernodeErnestoGeisel,v.osquatrovolumesescritosporElioGaspari:Aditaduraenvergonhada,2002;Aditaduraescancarada,2002;Aditaduraderrotada,2003;eAditaduraencurralada,2004.Sobreoprocessoderedemocratização,v.aobracoletivadeAlfredStepan (org.),Democratizando oBrasil, 1985, com textos de autores que viriam a ter papel relevante após aredemocratização,comoFernandoHenriqueCardoso,EdmarBacha,PedroMalaneFranciscoWeffort.

    12AtoInstitucionaln.2,de27.10.1965,quetambémtornouindiretaaeleiçãopresidencial.OAtoComplementarn.4,de27.10.1965,estabeleceuasregrasparaaformaçãodenovospartidos.Apartirdaí,produziu-seumsistemabipartidárioartificial,compostodeumpartidodesustentaçãodogovernomilitar–aAliançaRenovadoraNacional(Arena),fundadoem 4.04.1966 – e outro de oposição: o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), fundado em 24.03.1966. Ambosexistiriamaté29denovembrode1979,quandosereestruturouosistemapartidárioedeu-seavoltaaopluripartidarismo(v.infra).

    13AtoInstitucionaln.3,de5.02.1966,quemarcouadatadaeleiçãopresidencialpara3deoutubrode1966.Arigor,oadiamentojáhaviasidoprevistonoAI2,tendosidoapenasfixadaanovadata.OAI3,ademais,tornouindiretaaeleiçãodegovernadoresdeEstadoedeprefeitosdecapitais,claramenteumarespostaàvitóriadaoposiçãonaseleiçõesparaosGovernosdoRiodeJaneiroeMinasGerais,realizadasem1965.

    14 O Ato Institucional n. 4, de 7.12.1966, convocou o Congresso Nacional para se reunir extraordinariamente entre12.12.1966e7.12.1967,paraofimdediscutir,votarepromulgaroprojetodeConstituiçãoapresentadopeloPresidente

  • daRepública.EmdemonstraçãodafaltadesoberaniadaAssembleiaConstituinteadhocqueinstituíra,oAI4fixavaadata em que a nova Constituição seria publicada. Para uma análise crítica do processo, v. Oscar Dias Corrêa, AConstituiçãode1967:contribuiçãocrítica,1969.

    15Sobreasequênciadefatosdesseanofatídico,v.ZuenirVentura,1968:oanoquenãoterminou,1988.Umdosúltimosatosderesistênciapolíticafoia“Passeatadoscemmil”,noRiodeJaneiro.Noplanocultural,foiolançamentododisco-manifestoTropicália,deCaetanoVelosoeGilbertoGil.1968foiumanoagitadoemtodoomundo:houveainsurreiçãoestudantil na França, os assassinatos deMartin Luther King e Robert Kennedy nos EstadosUnidos, a repressão à“PrimaveradePraga”,naTchecoslováquiaeoacirramentodo“apartheid”naÁfricadoSul,dentremuitosepisódios.V.Folha Online – Especial – 2008 – Maio de 1968, Disponível em:,acessoem6dejunhode2011.

    16OAI5permitiaaoPresidentedaRepública:decretarorecessodoCongressoNacional,AssembleiasLegislativaseCâmarasdeVereadores,assumindoeleprópriopodereslegislativosplenos;decretaraintervençãofederalnosEstadoseMunicípios,semaslimitaçõesprevistasnaConstituição;suspenderosdireitospolíticosdequalquercidadãopordezanosecassarmandatoseletivosfederais,estaduaisemunicipais.Suspendiam-se,ainda,asgarantiasconstitucionaiselegais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, podendo oPresidente daRepública,mediante decreto, demitir,remover,aposentaroupôremdisponibilidadequaisquertitularesdasgarantiasreferidas,bemcomoreformarmilitares.Ficavaigualmentesuspensaagarantiadohabeascorpus.OsatospraticadoscombasenoAI5ficavamexcluídosdaapreciaçãojudicial.

    17AConstituiçãode1969foiaprovadasoborótuloformaldeEmendaConstitucionaln.1,de17.10.1969.Semnegaraautoria,opreâmbulodaConstituiçãoseiniciacomaseguintedicção:“OsMinistrosdaMarinhadeGuerra,doExércitoedaAeronáuticaMilitar...”.Emseguida,opreâmbuloexplicaqueacompetênciaconstituinteéexercidacombasenosAtosInstitucionaisn.16e5,eemrazãodetersidodecretadoorecessodoCongressoNacional.

    18V.ElioGaspari,Aditaduraescancarada, 2002, que se inicia com a seguinte passagem: “Escancarada, a ditadurafirmou-se.Atorturafoioseuinstrumentoextremodecoerçãoeoextermínio,oúltimorecursodarepressãopolíticaqueoAtoInstitucionaln.5libertoudasamarrasdalegalidade.Aditaduraenvergonhadafoisubstituídaporumregimeaumsótempoanárquiconosquartéiseviolentonasprisões.ForamosAnosdeChumbo”.Sobrealutaarmada,v.tb.:FernandoGabeira,Oqueéissocompanheiro?,1979;FernandoPortela,GuerradeguerrilhanoBrasil:asagadoAraguaia,1979;eAlfredoSirkis,Oscarbonários,1980.

    19Sobreotemadatortura,v.Brasil:nuncamais,1985,publicadopelaArquidiocesedeSãoPaulo,comprefáciodeD.PauloEvaristoArns,ex-CardealArcebispodeSãoPauloefiguraproeminentenadefesadosdireitoshumanosduranteoregimemilitar.

    20Emconvençãonacional realizadaem23desetembrode1973,oMovimentoDemocráticoBrasileiro (MDB) lançoucomocandidatosàpresidênciaeàvice-presidênciaUlyssesGuimarãeseBarbosaLimaSobrinho.Comoaseleiçõeseramumjogocujoresultadojásesabiadeantemão,Ulyssesseapresentouaopaíscomo“anticandidato”eviajoupelopaísdenunciandoa“antieleição”.Semsurpresa,venceuachapaErnestoGeisel-AdalbertoPereiradosSantos.Apesardaderrotaprevisível,oepisódiodeuaopresidentedoMDBvisibilidadeeprestígio.S