Rurion Melo_Repensando a Esfera Pública (2015)

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REPENSANDO A ESFERA PÚBLICA: ESBOÇO DE UMA TEORIA CRÍTICA DA DEMOCRACIA* Rúrion Melo Não há dúvidas quanto à importância do conceito de esfe- ra pública para a teoria social e política da contemporanei- dade 1 . E é digno de nota o impacto da formulação que Jürgen Habermas atribuiu a tal conceito desde a década de 1960, especialmente se olharmos para sua recepção nas teo- rias contemporâneas da democracia e, em particular, para o desenvolvimento da tradição de pensamento conhecida como “teoria crítica”. Desde cedo, Habermas deu centrali- dade ao conceito de esfera pública 2 e ao longo dos anos não * A primeira versão do presente artigo foi apresentada no Seminário de Pós-Gradua- ção do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo em abril de 2014. Agradeço a todos os participantes pelas críticas e sugestões, em especial a Adrián Lavalle e Cícero Araújo. Uma versão levemente modificada do artigo também foi discutida no Núcleo Direito e Democracia do Cebrap. Pelos valiosos conselhos e pela leitura atenta, sou grato especialmente a Jonas Medeiros, Denilson Werle, Marta Machado, Gustavo Leyva-Martinez, José Rodrigo Rodrigues e Felipe Gonçalves Silva. 1 Ver o impressionante balanço bibliográfico acerca do conceito de esfera pública em Strum (1994, pp. 161-202). Uma coletânea recente com os textos mais representativos do debate (de Kant às discussões atuais) se encontra em Grisprud et al. (2010). 2 Na verdade, Habermas (1961) já havia empregado o conceito com alguma cen- tralidade em sua pesquisa empírica sobre o movimento estudantil de Frankfurt. É preciso lembrar que, na década de 1950, Habermas participou da pesquisa empí- rica coordenada por Adorno e Pollock (2011) a respeito da “opinião pública” dos Lua Nova, São Paulo, 94: 11-39, 2015

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O artigo procura repensar o conceito de esfera pública em dois níveis de reconstrução. Em primeiro lugar, compreendemos a esfera pública não em termos puramente normativos, mas como ponto de partida socialmente constituído para a reconstrução de categorias críticas. Em segundo lugar, mantendo a preocupação metodológica com a gênese prática do conceito, mostramos de que maneira o conceito de esfera pública pode ser reconstruído como um processo de circulação do poder, que nos permite diagnosticar criticamente as relações atuais entre política e direito, mais especificamente a democratização do sistema político colocada em marcha pelos conflitos sociais.

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  • REPENSANDO A ESFERA PBLICA: ESBOO

    DE UMA TEORIA CRTICA DA DEMOCRACIA*

    Rrion Melo

    No h dvidas quanto importncia do conceito de esfe-ra pblica para a teoria social e poltica da contemporaneidade1. E digno de nota o impacto da formulao que Jrgen Habermas atribuiu a tal conceito desde a dcada de 1960, especialmente se olharmos para sua recepo nas teorias contemporneas da democracia e, em particular, para o desenvolvimento da tradio de pensamento conhecida como teoria crtica. Desde cedo, Habermas deu centralidade ao conceito de esfera pblica2 e ao longo dos anos no

    * A primeira verso do presente artigo foi apresentada no Seminrio de PsGraduao do Departamento de Cincia Poltica da Universidade de So Paulo em abril de 2014. Agradeo a todos os participantes pelas crticas e sugestes, em especial a Adrin Lavalle e Ccero Arajo. Uma verso levemente modificada do artigo tambm foi discutida no Ncleo Direito e Democracia do Cebrap. Pelos valiosos conselhos e pela leitura atenta, sou grato especialmente a Jonas Medeiros, Denilson Werle, Marta Machado, Gustavo LeyvaMartinez, Jos Rodrigo Rodrigues e Felipe Gonalves Silva. 1 Ver o impressionante balano bibliogrfico acerca do conceito de esfera pblica em Strum (1994, pp. 161202). Uma coletnea recente com os textos mais representativos do debate (de Kant s discusses atuais) se encontra em Grisprud et al. (2010). 2 Na verdade, Habermas (1961) j havia empregado o conceito com alguma centralidade em sua pesquisa emprica sobre o movimento estudantil de Frankfurt. preciso lembrar que, na dcada de 1950, Habermas participou da pesquisa emprica coordenada por Adorno e Pollock (2011) a respeito da opinio pblica dos

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    Gisele HigaTexto digitadoDOI: http://dx.doi.org/10.1590/0102-64452015009400002

  • empregou o conceito da mesma maneira, ainda que sempre reforasse seu potencial crtico e explicativo3.

    No possvel reproduzir com detalhe todo o desdobramento terico das recepes mencionadas, que atualmente ampliaram o escopo do debate para o mbito transnacional4. Em geral, no que diz respeito s crticas levantadas a Habermas, algumas ressaltam pressupostos histricos insuficientes, outras a dificuldade de concretizar demais o conceito (em que, diante de uma esfera pblica burguesa, se contrape uma que inclua os proletrios, as mulheres, os negros etc.), e outras ressaltam os riscos de um conceito por demais abstrato5. O fato que podemos compreender melhor as mais diversas tentativas de cobrir os dficits histricos, empricos ou normativos do conceito de esfera pblica, as quais tm sido levadas a cabo na teoria social e poltica contempornea, quando estamos cientes do desenvolvimento e das dificuldades que a prpria teoria habermasiana apresentou ao longo das ltimas dcadas.

    No entanto, minha preocupao terica, concernente reconstruo da esfera pblica como um conceito crtico, no se restringe formulao de Habermas. Tal reconstruo

    cidados alemes no perodo do psguerra em Frankfurt. Nesse mesmo perodo, Habermas elabora um dos seus mais importantes livros, publicado originalmente em 1962, ancorado em investigaes histricas, sociolgicas e polticas a respeito do conceito de esfera pblica, Mudana estrutural da esfera pblica (2014). Para as reaes ao livro que marcaram o debate sobre o conceito no final do sculo XX, ver Calhoun (1992). 3 O conceito de esfera pblica permanece presente em toda obra. As referncias mais importantes se encontram em Habermas (1981, 1994, 2013, 2014). Para uma discusso normativa sobre o uso pblico da razo, ver Habermas (1997); a relao entre razo pblica e religio foi abordada principalmente em Habermas (2005). Uma abordagem mais funcionalista da esfera pblica, por sua vez, se encontra em Habermas (2008).4 Esta ampliao explicitamente tratada em Fraser (2010). Ver ainda Niesen e Herborth (2007), Bohman (2007) e Peters et al. (2009). 5 O livro de Kluge e Negt (1993) certamente foi pioneiro a esse respeito. Em Meehan (1995), encontramos uma crtica baseada na discusso acerca das desigualdades de gnero, e, em Doreski (1999), a partir da questo racial. Para uma discusso em torno do multiculturalismo na esfera pblica, ver Benhabib (2002, cap. 4 e 5).

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  • implica repensar o conceito em dois nveis. No primeiro deles, tratase de identificar os aspectos que, na recepo terica do conceito habermasiano, foram normativamente sobrevalorizados em mau sentido. Diferentemente de Mudana estrutural da esfera pblica (Habermas, 2014 [1962]), em que a anlise terica estava circunscrita ao fenmeno propriamente histrico de formao e decadncia da esfera pblica burguesa, a formulao habermasiana da dcada de 1990 seria muito abstrata, com contornos histricos e empricos pouco definidos. Embora eu acredite que o sentido dessa abstrao tenha sido, entre outras coisas, evitar o estreitamento emprico do livro de 1962, pois se pressupunha que, quanto mais abstrato fosse o conceito, mais elementos empricos ele poderia abarcar, sua consequncia no debate pshabermasiano que me interessa particularmente. Em Faktizitt und Geltung (Facticidade e validade) (de 1994), sobretudo, haveria uma confuso entre a reconstruo dos procedimentos comunicativos elaborados pela teoria do discurso (alis, nico recurso terico capaz, nos termos habermasianos, de constituir um referencial normativo) e o papel social da esfera pblica. No por acaso, as crticas que se seguiram ao livro procuraram enfatizar e rever ora o que seriam os princpios e modelos normativos pressupostos naquela exposio especfica do conceito, ora insistir que tal conceito seria insuficiente para ancorar socialmente o ponto de visto crtico da teoria.

    Porm, fica a pergunta: por que o prprio Habermas nunca empregou o conceito de esfera pblica como uma categoria estritamente normativa? Porque o empregou, com maior ou menor xito, por assim dizer, como uma categoria crtica. Mais especificamente, Habermas nunca considerou que o conceito de esfera pblica fosse puramente normativo porque o discerniu antes de tudo na qualidade de fenmeno social elementar (1994, p. 436), ligado ao espao social e composto por uma estrutura comunicativa

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  • (experincias prticas, organizaes sociais, estruturas simblicas, reproduo da cultura poltica). Esse discernimento pode ser aproveitado (e levado adiante certamente para alm dos prprios escritos de Habermas) se a esfera pblica for compreendida como ponto de partida para a reconstruo de categorias crticonormativas, no como ponto de chegada. Ou seja, ela mesma no modelo, princpio ou conceito normativo por excelncia, j que somente engendra do interior de um espao social aberto e dinmico (geralmente em disputa) o referencial normativo reconstrudo pela teoria.

    Alm disso, h um segundo nvel de reconstruo em que tais pressupostos metodolgicos de fundo so testados, tendo em vista o propsito mais geral de identificar os potenciais emancipatrios inscritos na realidade social. Em funo deste propsito, partilho de uma hiptese ampla no que diz respeito aos pressupostos normativos atribudos geralmente ao conceito e que concernem crtica do poder e aos critrios de legitimao , de acordo com a qual determinados processos polticos e sociais que adentram a esfera pblica e trazem consigo transformaes nas instituies, atores e prticas correspondentes nos permitem entrever uma tendncia de democratizao. Se olharmos para a relao entre poltica e direito, essa democratizao adquire um sentido bem especfico. A mobilizao poltica dos cidados no se encaixa simplesmente no esquema de uma luta contra o sistema poltico (ou mesmo econmico). Impulsionados por razes morais, ticas ou meramente estratgicas (sem entrar aqui no mrito a respeito de suas causas e motivaes individuais, que precisam ser empiricamente verificadas a cada vez), os cidados so capazes de aumentar seu poder de influncia, colocando em marcha uma tendncia de transformao da relao entre Estado e sociedade juntamente com a ampliao de espaos potencialmente democrticos de participao poltica. Esses conflitos colocam

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  • um desafio para a democracia atual e fundam o horizonte a partir do qual os obstculos existentes so diagnosticados e os conceitos crticos engendrados. O conceito de esfera pblica ajudanos a elucidlos teoricamente6.

    Os movimentos sociais e a sociedade civil organizada tm tornado o sistema representativo mais reflexivo, influenciando, por exemplo, processos legislativos e decises do Judicirio. Eles simultaneamente modificam os sen-tidos da emancipao e apresentam uma atitude crtica diante do presente: no se luta contra a democracia e o direito, ou simplesmente ao lado deles, mas por mais direitos, mais pluralizao da representao e pela radicalizao da democracia (cf. Melo, 2013). Essa perspectiva crtica est amplamente presente nas pautas polticojurdicas atuais, com a ideia do pluralismo jurdico, das transformaes da cidadania e da representao poltica, da reforma do Judicirio e mais acesso justia, das aes coletivas e das tematizaes pblicas ligadas s reivindicaes em torno de desigualdades e diferenas7.

    Minha hiptese a de que esses dois nveis de anlise juntos permitiriam assim uma composio equilibrada

    6 Evidentemente o conceito de sociedade civil ainda central. As referncias tericas mais importantes continuam sendo Arato e Cohen (1992) e Keane (1988). No que diz respeito, porm, ao problema do carter ainda fortemente normativo dos princpios de unificao da sociedade civil, penso ser melhor seguir, por razes tanto genticas quanto analticas, o esquema proposto e a preocupao contra uma despolitizao do conceito tal qual apresentado em Lavalle, Castello e Houtzager (2011). Para um balano sobre os desdobramentos do papel da sociedade civil a partir dos anos 1990, ver ainda Lavalle (2003). 7 Para uma viso esquemtica dessa perspectiva de institucionalizao como indcio de demandas pela democratizao das instituies formais, ver Costa, Melo e Silva (2009). No caso da relao entre racismo e esfera pblica, ver, especialmente, as pesquisaspiloto em Costa et al. (2011) e Machado, Rodriguez e Pschel (2011). Para a pesquisa em torno de gnero (baseada nos processos da Lei Maria da Penha), ver Machado et al. (2013). Para as questes de acesso justia, aes coletivas e reforma do Judicirio, ver tambm o conjunto de artigos sobre direito, sociedade e Estado, publicados em Rodriguez e Silva (2013). Estudos recentes, em que so abordadas amplas experincias de participao dos movimentos sociais na esfera pblica no Brasil, se encontram em Lopes e Heredia (2014).

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  • entre categorias tericas e diagnstico de tempo, uma preocupao com o carter reconstrutivo dos referenciais crticonormativos tanto quanto dos contextos sociais e polticos em disputa8. Essa reconstruo obriga a teoria, portanto, a manter um constante vnculo com a prxis poltica dos cidados, a atentar para a produo imanentemente poltica de critrios de legitimidade e, desse modo, a relacionar seus diagnsticos (e, por conseguinte, sua prpria perspectiva crtica) s pesquisas sociais empiricamente orientadas. Em suma, a reconstruo lana o terico no espao social e poltico em questo, exigindo uma renovao dos diagnsticos e tambm das prprias categorias normativas produzidas. Para uma teoria crtica da democracia, uma descrio adequada dos processos acima mencionados deve servir para retirar de dentro deles potenciais e tendncias a serem explorados em termos prticos, que podem ou no ser aproveitados, evitando que princpios normativos externos preencham a priori as lacunas do diagnstico. Do mesmo modo que nos fora a reconhecer os limites da teoria que, diante da vida poltica, tambm precisa deixar nas mos dos prprios concernidos a conduo consciente e autnoma de seus problemas. Essa indeterminao do poltico, por assim dizer, faz parte da gnese de critrios crticos na medida em que muitas das questes enfrentadas exigem no uma tarefa terica, mas, sobretudo, prtica.

    Apresento aqui alguns indcios de como o conceito de esfera pblica pode ser pensado tendo em vista os dois nveis de reconstruo mencionados. Por razes esquemticas, na primeira parte me restrinjo a levantar algumas dificuldades metodolgicas que o conceito de esfera pblica seria capaz de sanar quando o consideramos contexto de surgimento adequado de categorias crticonormativas.

    8 Para a compreenso da teoria crtica como teoria reconstrutiva da sociedade, ver Nobre e Repa (2012). Sobre as implicaes da reconstruo para uma teoria da democracia, ver ainda Melo e Silva (2012).

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  • Na segunda parte, por fim, aponto o que entendo ser o potencial explicativo do conceito. No se trata de utilizlo de modo a antecipar resultados de processos em curso a serem investigados. Ele serve antes para identificar entraves e formas de patologias sociais, cujas consequncias prticas podem indicar processos de tematizao, participao e institucionalizao de demandas sociais. Desse modo, voltamonos para a esfera pblica menos para replicar um determinado ethos democrtico normativamente carregado, e sim para diagnosticar experincias prticas de desigualdade, explorao, excluso e desrespeito que ganham uma configurao poltica e colocam em circulao o poder. Pretendo testar minha hiptese olhando para a relao entre poltica e direito, mais especificamente para as pesquisas que investigam processos de institucionalizao, cujo sentido aponta para a democratizao de instituies formais do sistema poltico. Das patologias e conflitos diagnosticados at os processos colocados em movimento, o conceito de esfera pblica apresenta um potencial explicativo repleto de consequncias. Contudo, tambm esse segundo nvel levanta mais questes e hipteses de investigao futura do que apresenta resultados concretos abrangentes.

    Reconstruo da esfera pblica como conceito crtico sintomtico que o debate em torno do conceito habermasiano de esfera pblica, concentrado, conforme mencionado, nos dficits sociolgicos de sua abordagem normativa, tenha reforado dois aspectos tericos aparentemente concorrentes: a reconstruo da esfera pblica como categoria normativa ou emprica. Uma ampla literatura tem reforado o teor normativo vinculado aos princpios morais que tal esfera pressupe (publicidade, justia, reciprocidade, igualdade, equidade), aos valores solidrios, ticos e comunitrios que a impregnam, ao cooperativa e reflexiva na construo da vontade pblica e da autorrealizao indi

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  • vidual, s prticas deliberativas e participativas que a constituem. Independentemente de saber se tais caractersticas contam com um recorte universalista ou comunitarista, liberal ou republicano, possvel afirmar que todas essas abordagens procuram ressaltar o vis potencialmente democrtico do conceito de esfera pblica9. De outro lado, porm, explicaes com apelos mais sociolgicos e empricos apresentaram interpretaes que foram disputadas por correntes realistas e funcionalistas, em que o espao pblico configurado pela dominao social e poltica (elitista, classista, conservadora, anrquica), pela razo instrumental de um Estado altamente burocratizado e de uma indstria cultural reificante, esfera de uma formao no esclarecida da opinio e, portanto, pouco democrtica10.

    De fato, essa caricatura, em que estamos diante de duas faces opostas da esfera pblica (uma potencialmente democrtica e outra no), foi recusada por muitos dos autores anteriormente considerados. Muito mais interessante perceber as contradies ou tenses apontadas nos pressupostos dos conceitos que a categoria capaz de englobar. Quando falamos de esfera pblica, tratase de questionar antes sua abrangncia e potencial inclusivo, saber quem pode realmente participar da formao porosa da opinio pblica, ou seja, disputar com uma sensibilidade ao contexto os teores normativos assumidos pelas teorias. E isso

    9 Alm de Habermas, incluemse ainda Rawls (2007), ONeil (1990), Bohman (1996), Fraser (1992) e Benhabib (1992a). Abordagens mais hegelianas se encontram em Taylor (2000) e Honneth (2000a, 2011). Alm de Arendt (2009), uma referncia central o livro de Dewey (1954). Consideraes mais reflexivas e sociolgicas do teor normativo do conceito podem ser vistas em Arato e Cohen (1992) e Peters (2007a). Para uma reconstruo da discusso do pano de fundo normativo, ver Forst (2010) e Melo (2011).10 Os trabalhos de Lippmann (1993, 2012) e Mills (2000) foram decisivos para esse tipo de abordagem. Outra referncia importante para entender essa concepo de esfera pblica continua sendo aquela derivada do conceito de indstria cultural elaborado por Adorno e Horkheimer (1985). Sem tirar concluses to pessimistas, ver tambm Thompson (1990, 1995).

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  • sempre nos lana gnese das categorias tericas reconstrudas a partir de processos polticos efetivos.

    Pretendo compreender de que maneira ocorre na esfera pblica a juno desses dois aspectos, os quais no deveriam ser separadamente considerados (cf. Peters, 2007b, 2007c; Habermas, 2008). A descrio das disputas e questes que adentram a esfera pblica deve permitir a cada vez a reconstruo de categorias crticas que lhes so imanentes. Dessa forma, com a reconstruo da esfera pblica possvel explicitar a gnese das categorias crticas (sempre atreladas a diagnsticos de tempo em disputa, vale lembrar, na prpria esfera pblica), abrangendo o vnculo entre movimentos sociais, esferas pblicas formais e informais e cultura pblica de fundo. Tratase de recusar assim o dualismo estanque normativoemprico muitas vezes pressuposto por aqueles que procuram ressaltar as diferenas entre potenciais de libertao e bloqueio na esfera pblica. Prticas informais de formao da opinio, distines espaciais, modos de autoorganizao, configurao institucional, processos de autodeterminao, reproduo cultural e sistema miditico elementos que no devem nem ser normativamente neutralizados de antemo, nem sobrevalorizados em termos normativos.

    No entanto, embora pensado de modo a evitar a mera oposio entre seus aspectos normativos e empricos, o conceito de esfera pblica ainda deveria ser capaz de responder a seis objees centrais j levantadas contra sua formulao em termos habermasianos.

    Dficit sociolgico e superao do dualismo. Tratase de repensar os fundamentos normativos da crtica a partir da dinmica social efetiva, superando tanto a distino entre sistema e mundo da vida, juntamente com a concepo de racionalidade pressuposta, quanto a ideia de uma intersubjetividade comunicativa orientada para o entendimento lingustico (cf. Honneth, 1985, 2000b; Celikates, 2009). Isso

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  • teria impossibilitado Habermas de pensar os prprios sistemas e a sua lgica instrumental como resultado de conflitos sociais permanentes. Como consequncia, no modelo de teoria crtica formulado por Habermas, a dinmica de transformao e as patologias sociais passam a ser descritas de forma muito abstrata, mecnica e funcional, como processos de racionalizao que decorrem de um embate entre imperativos sistmicos colonizadores e as estruturas intersubjetivas comunicativas do mundo da vida. Segundo a interpretao oferecida por Honneth, o paradigma da comunicao teria de ser desenvolvido no nos termos de uma teoria da linguagem, mas a partir das relaes de reconhecimento formadoras da identidade, isto , da constituio intersubjetiva da identidade pessoal e coletiva. Ora, antes a partir dos sentimentos de injustia e desrespeito decorrentes dessas pretenses de identidade individual e coletiva que a dinmica da reproduo social, dos conflitos e da transformao da sociedade poderiam ser mais bem explicados, sem abdicar dos fundamentos normativos da crtica. Com isso, mudaria o ancoramento da teoria crtica na realidade social11.

    Poder e patologia. O diagnstico crtico de nossa poca teria de ser deslocado. Novamente segundo Honneth, em vez de focalizar a tenso entre sistema e mundo da vida, a perspectiva crtica deveria se concentrar nas causas responsveis pela sistemtica violao das condies de reconhecimento. O critrio para identificar as patologias sociais no residiria mais nas condies racionais da busca por um entendimento livre de dominao, mas, sim, seria fornecido pelos pressupostos intersubjetivos da formao bemsucedida da identidade humana, na luta por reconhecimento e suas

    11 Isso remeteria a uma nova maneira de entender a relao entre interao social e a gramtica moral dos conflitos sociais (cf. Honneth, 2003). Para uma interpretao crtica acerca da centralidade do paradigma da luta no quadro da teoria do reconhecimento, ver Melo (2014).

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  • configuraes sociais e institucionais (isto , no mbito do social). Em suma, seria necessrio assim olhar para relaes de poder no interior das interaes culturais e sociais enquanto tais, entendendo as tenses e patologias impregnadas nas prprias formas de vida12.

    Outro generalizado e outro concreto (justia e bem). Crtica universalizao de procedimentos intersubjetivos em que os participantes dos discursos so concebidos meramente como pessoas morais com capacidades racionais iguais, sem levar em considerao as pessoas em sua singularidade, suas disposies individuais, carncias, desejos e concepes de bem. Desse modo, critrios normativos de crtica social, com amplas consequncias polticas, deveriam ser sensveis ao ponto de vista do outro concreto, considerar o indivduo com uma histria e identidade concretas, com uma constituio afetiva e emocional (cf. Benhabib, 1992b).

    Autonomia privada e pblica (incluso x excluso na esfera pblica). Teorias universalistas, que negligenciam interaes morais e sociais com o outro concreto, tendem a cristalizar barreiras entre esfera privada e pblica. A neutralidade diante de concepes de bem e justificaes axiolgicas limitam a agenda e o escopo da razo pblica, cuja consequncia poltica foi a excluso da esfera pblica de grupos tais quais mulheres e negros. A redefinio da relao entre justo e vida boa no processo democrtico tem reflexo nos contornos entre pblico e privado, permitindo a incluso da perspectiva daqueles excludos da deliberao pblica (limitados ao mbito do privado, como no caso das mulheres) (cf. Young, 1990; Benhabib, 1992a; Fraser, 1992).

    Eticidade democrtica. Expectativas normativas (reconstrudas pela teoria) so parte, na verdade, de um conjunto de valores centrais que orientam as prticas privadas e

    12 A juno entre a tradio da teoria crtica e Foucault j foi apontada em Honneth (1985). Crticas semelhantes se encontram em Fraser (1989, 2013) e tambm em Jaeggi (2013).

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  • pblicas dos sujeitos. Experincias patolgicas (desrespeito, humilhao, excluso, discriminao, explorao) so avaliadas de acordo com princpios ticos e morais profundamente arraigados na cultura poltica democrtica da modernidade. Mas quando se entende que tais valores modernos giram em torno da liberdade, igualdade, dignidade, respeito e justia, percebese que no conservam costumes, hbitos e valores cristalizados e naturalizados. So fundamentalmente reflexivos. Isso caracteriza a pressuposio de uma eticidade democrtica (chamada tambm de eticidade psconvencional), em que aspectos universalistas se mantm sensveis aos contextos sociais e culturais modernos (cf. Benhabib, 1992c; Honneth, 2011)13.

    Deliberao, conflito e disputa. A ideia reguladora, segundo a qual discursos racionais se orientam pelo entendimento, levarnosia equivocadamente a conceber a deliberao pblica como um processo consensual. Por conseguinte, a esfera pblica tambm seria pensada de forma equivocada como uma dimenso do consenso. Interaes sociais e prticas polticas so compostas, antes, por conflitos de valores e interesses (muitas vezes inconciliveis). O critrio normativo de uma justificao consensual (fruto do procedimentalismo) no poderia passar por cima da caracterstica conflituosa de processos deliberativos tambm presentes nas democracias. As deliberaes so processos em aberto, que no almejam um resultado comum (consenso cognitivo fundado em razes), mas concernem ao andamento de negociaes prticas (cf. McCarthy, 1991; Walzer, 2007; Bohman, 1996).

    Habermas reagiu de maneira mais ou menos explcita a uma srie dessas crticas14. Penso que possamos refletir

    13 Uma referncia para este tipo de abordagem est muito vinculada a Rawls (2011). Para uma anlise do ethos democrtico no debate entre liberais e comunitaristas, ver tambm Forst (2010, cap. 3). 14 digna de nota a mudana operada entre a elaborao de sua tica do discurso

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  • melhor a respeito dos problemas levantados por tais crticas se nos voltamos novamente para o conceito de esfera pblica, retirando dele muito do que foi ofuscado e negligenciado. Em todo caso, tais crticas podem nos orientar a articular certas contribuies que j esto presentes em Habermas com as preocupaes concernentes ao ancoramento social da crtica. Porm, se, de um lado, h um visvel movimento da teoria crtica em compreender a gnese das categorias crticas com base na reconstruo de experincias prtericas e inscrever suas pretenses normativas fundamentalmente nas interaes sociais (no domnio amplo e paradigmtico para a teoria crtica pshabermasiana do que Honneth entende por social), de outro lado, a dimenso conflituosa intrnseca a tais relaes, bem como a elucidao dos contextos de surgimento baseados em diagnsticos de tempo parecem ter diminudo seu papel central na fundamentao dos conceitos crticos utilizados. Portanto, o conceito de esfera pblica colocado em discusso atualmente, voltado reconstruo da gnese prticopoltica de fundamentao de tais conceitos, pode ser compreendido a ttulo de politizao do social.

    Do ponto de vista reconstrutivo, portanto, a politizao do social, tornado possvel pelo conceito de esfera pblica, capaz assim de descortinar experincias prticas que esto na base das aes polticas. O discernimento de Habermas desde Mudana estrutural da esfera pblica (presente paradigmati

    (com pretenses fortemente universalistas) na dcada de 1980 e sua teoria dos discursos formulada cerca de dez anos depois, 1994, em Faktizitt und Geltung (Facticidade e validade), tornando possvel: incorporar elementos ticos, pragmticos e morais no interior do procedimento de aceitabilidade racional e justificao normativa reconstrudo nos discursos; fundamentar critrios de legitimao abertos a uma deliberao poltica abrangente (falsamente interpretada, alis, como processo baseado no consenso); e voltarse s pautas do reconhecimento (principalmente no caso das crticas comunitaristas e feministas). Certamente sua exposio da esfera pblica se alterou tambm em decorrncia de algumas dessas mudanas de fundamentao. Para uma problematizao dessas mudanas, ver Melo (2011).

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  • camente em Thompson (1993, 2002), Kluge e Negt (1993); e Calhoun (1982, 2012) o de que prticas vinculadas cultura, identidade e comunidade foram importantes para a formao poltica das sociedades ocidentais. preciso assim se debruar na articulao de tais experincias prticas (que subjazem cultura poltica de fundo) e os modos de atuao dos movimentos sociais e da sociedade civil, prticas deliberativas, mobilizaes pblicas, estratgias de influncia e presso sobre o Estado.

    Portanto, com base principalmente na anlise crtica do conceito de esfera pblica em Habermas, e compreendendo as diferentes formulaes expostas ao longo de sua obra, ser possvel identificar as crticas ao dficit tanto normativo quanto social a tal conceito e sistematizar os seguintes aspectos que ancoram o desenvolvimento de sua reconstruo. O conceito de esfera pblica:(a) pode evitar a neutralizao sistmica (efeito colateral

    do dualismo habermasiano), pois assume que os efeitos patolgicos criados pela interveno do Estado e da economia tem uma gnese poltica e social. Nesse caso, pressupese que o paradigma sistmico (geralmente empregado para se pensar dimenses no normativas, caractersticas do poder e prticas heternomas) no tem origem funcional, nem pode ser medido apenas com o conceito de forma de vida (a ideia, por exemplo, do capitalismo como forma de vida, dimenso de interao tica e moral, espao de autorrealizao e liberdade). Tratase antes de pensar que seus efeitos patolgicos podem ser reconstrudos a partir dos processos polticos que esto na sua base (em termos tanto genticos quanto analticos);

    (b) pode elucidar de que maneira categorias crticas possuem uma gnese polticosocial isto , que conceitos crticos tais como reconhecimento e autonomia descrevem e caracterizam, se for o caso, o sentido real

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  • das lutas e conflitos na esfera pblica, os quais podem ser ento reconstrudos e assim interpretados normativamente. Essa gnese est necessariamente ligada formao de uma cultura poltica que a esfera pblica pode elucidar em toda sua complexidade. Modelos normativos muito abstratos liberal, republicano, conservador , embora teoricamente importantes para dar sentido e organizar a experincia, tendem a perder os detalhes dos processos;

    (c) vincula formas de poder e fenmenos patolgicos s relaes sociais e culturais abertas e engessadas no entrelaamento das esferas privada e pblica. De um lado, interaes concretas que formam a vida cotidiana (gostos culturais, estrutura familiar, sexualidade, escola, religio etc.) determinam padres de formao da opinio e relaes de poder. De outro, so elucidados a os contextos concretos de interao, formas solidrias de socializao baseadas em tradies culturais comuns, isto , redes de relaes sociais comprometidas reflexivamente a determinadas formas de vida;

    (d) no deve ser considerado uma dimenso do consenso. Pelo contrrio. na esfera pblica que dimenses de conflito tornadas historicamente relevantes foram geradas e se desdobraram em processos amplos de luta, conquistas e derrotas (cidadania, direitos, representao, participao). Nela se evidenciaram a conscincia poltica da sociedade civil burguesa, a explorao dos trabalhadores, a excluso das mulheres, a discriminao dos negros. Nela se formaram politicamente ideais de liberdade, igualdade e incluso (que orientaram, nunca sem disputas, processos revolucionrios histricos), mas tambm uma esfera pblica nacional de cunho naturalista, com consequncias altamente excludentes e racistas (como no caso da experincia nacionalsocialista). Tratase de um campo de disputa com papis polticos

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  • decisivos, mas que, em termos tanto histricos quanto espaciais, foram desempenhados de maneiras diferentes. um espao social conflituoso em que relaes de poder que perpassam a experincia prtica e a vida cotidiana trazem consequncias para a esfera pblica, podendo gerar tematizaes pblicas amplas e organizadas, manifestaes de revoltas difusas e, se for o caso, impor transformaes institucionais importantes. Se uma reflexo sobre tal conceito pretende manter o propsito crtico de sua gnese, sua reconstruo precisa vincular o horizonte normativo necessariamente com as prticas e experincias, conflitos e lutas que subjazem aos contextos diversos de nossa cultura poltica democrtica;

    (e) por fim, a esfera pblica expe de forma dinmica processos abrangentes que constituem os diagnsticos de tempo. Entram em cena novos fenmenos e questes que a esfera pblica capaz de abranger pluralizao da sociedade civil, ambientalismo, movimentos negros, feminismo, movimentos homossexuais, conflitos urbanos etc. possvel assim conceber na esfera pblica um forte impulso autonomista dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada com a finalidade de democratizar as instituies formais, colocando no centro do diagnstico do presente, portanto, as relaes entre poltica e direito. Este aspecto j nos lana em direo ao segundo nvel de reconstruo.

    Esfera pblica e circulao do poderO segundo nvel de reconstruo que no pode ser levado a cabo apenas do ponto de vista dos modelos normativos em disputa pelas diferentes teorias polticas e sociais deve nos permitir esboar os contornos de uma possvel concepo de esfera pblica que tenha potencial explicativo, mas que ainda seja passvel de produzir referenciais normativos (considerando que o propsito crtico da teoria no se limi

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  • ta descrio, embora no possa prescindir desta). Tal concepo pressupe uma srie de processos histricos (por vezes ambivalentes), que no poderei abordar no presente artigo, os quais implicam (a) a constituio de um espao sintomtico de conflito e de encarnao da liberdade poltica; (b) a configurao histrica do Estado de direito (em seu domnio nacional e transnacional); e (c) estruturas sociais e simblicas tais quais as formas de autoorganizao poltica associativas e civis, bem como uma ampla rede de comunicao possibilitada pelas mdias de massa15.

    Limitome aqui a destacar uma concepo de esfera pblica (nunca isenta de verificao emprica) em que a perspectiva crticonormativa adotada encontra sua gnese no interior de um processo de circulao do poder. Esse processo, cujo perfil ser determinado no presente artigo pela relao entre poltica e direito, aponta para formas de auto--organizao social com uma dinmica peculiar, permitindo teoria crtica diagnosticar os riscos do engessamento democrtico: de um lado, sem desprezar os procedimentos formais de organizao institucional do poder poltico (regra da maioria, eleies peridicas, diviso de poderes), diagnostica que no mais possvel encapsular a vida democrtica nas instituies do sistema poltico; de outro, ao valorizar prticas autnomas de autoorganizao, sublinha os potenciais e entraves polticos presentes na dinmica de esferas pblicas. O aprofundamento da democracia depende assim do diagnstico acerca da vitalidade da esfera pblica poltica16.

    15 Habermas (2014) continua sendo referncia importante para a compreenso dos processos histricos mencionados. Atualmente, Honneth (2011) procurou reunir explicitamente essas trs dimenses ao expor o seu prprio conceito de esfera pblica democrtica.16 Embora este segundo nvel de reconstruo esteja mais voltado na presente exposio para a capacidade de influncia da sociedade sobre as instituies polticas, preciso deixar claro que a esfera pblica no esgota seu potencial democrtico do ponto de vista da institucionalizao. Antes, a esfera pblica, por definio, no se reduz ao mbito institucional, constituindose principalmente como dimen-so social de auto-organizao.

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  • H uma normatividade latente quando compreendemos a esfera pblica como um espao social de circulao do poder. Essa ideia, que Habermas incorpora na dcada de 1990 a partir dos estudos de Bernhard Peters, passvel de ser operada em pesquisas sociais abertas. Por sua vez, ela no depende de critrios normativos substantivos anteriores (valores ticos ou morais, liberais ou republicanos etc.), ainda que permita gerar conceitos normativos geneticamente fundamentados (por exemplo, podemos testar ao final se conceitos como autonomia ou reconhecimento servem para interpretar criticamente os fenmenos em questo). Ela denota antes um processo de influenciao recproca entre as prticas dos cidados e o modo de operar do sistema poltico. E pressupe (de maneira empiricamente apoiada) que temas controversos (decorrentes de experincias prticas social, cultural e politicamente produzidas) podem colocar em movimento uma ampla circulao do poder17. Em outros termos, a esfera pblica pode descrever as mediaes entre fenmenos prticos do espao social e as decises e modos de atuar das autoridades estatais, isto , a dinmica de processos democrticos18.

    17 Experincias prticas patolgicas desencadeadas em dimenses mltiplas (com ou sem interseces): desigualdades econmicas, sociais e regionais; discriminao de gnero, raa, sexo, origem, lngua; violncia urbana; excluso poltica; violao de direitos humanos e fundamentais (civis, polticos, sociais) etc. A lista certamente pode ser incrementada. Temos acesso a tais fenmenos de maneira cotidiana pela mdia de massa. Mas tambm precisamos estabelecer temas e aes presentes olhando, de um lado, a pauta dos movimentos sociais e da sociedade civil, suas novas formas de atuao na esfera pblica informal e tambm nos mbitos que estruturam o entorno do sistema poltico (evidenciadas em aes jurdicas de diversas ordens); e, de outro, avaliando as instncias formais (por exemplo, os processos legislativos, as decises no Judicirio). Sem dvida, estamos diante de interesses muito mais amplos que no podem ser politicamente desconsiderados. Na literatura internacional recente, ver a rica e complexa relao de grupos da sociedade civil organizada com representantes do sistema poltico e membros dos setores econmicos, apresentada na pesquisa de casos norteamericanos em Lang (2014).18 Para o tema da mediao, partimos do modo como Arato e Cohen (1991) compreendem o papel da esfera pblica na articulao entre Estado e sociedade civil.

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  • As determinaes conceituais da esfera pblica se deixam notar nos processos de formao poltica da opinio e da vontade, em que se entrecruzam os procedimentos de deliberao pblica juntamente com a dinmica da circulao do poder poltico. Nos trabalhos de Peters, encontramse articulaes tericas e descries empricas ricas para a anlise dos discursos pblicos, das funes, potenciais e nveis de racionalidade presentes nos procedimentos de deliberao pblica, da capacidade de reproduo cultural e da formao de uma cultura pblica, dos processos de aprendizado, dos aspectos dinmicos dos mecanismos de seleo de temas e contribuies, bem como dos processos de integrao social e de legitimao poltica centrados na esfera pblica (cf. Peters, 1992, 2007a). A tematizao pblica revela uma estrutura simblica ilimitada, que transita entre os aspectos normativos dos discursos racionais, deliberaes e justificaes da legitimidade at mobilizaes no discursivas, tipos e gneros de atividades sociais e culturais, e cultura de fundo (cf. Peters, 2007c, pp. 10305). J as distines empricas que o conceito abrange incluem estruturas sociais e funes da esfera pblica, tais como as categorias de participao, estruturas de produo e criao de meios de comunicao, segmentao e estratificao social, diferenciaes entre esferas pblicas nacionais e a existncia de esferas pblicas transnacionais (cf. Peters, 2007d, pp. 28396). Desse modo, a circulao complexa do poder poltico envolveria a deliberao pblica (em esferas pblicas formais e informais)19, assim como uma cultura pblica (em que se identificam e colidem valores e temas comuns, imagens familiares cultura de fundo expressas em filmes,

    19 Habermas incorpora ao modelo de circulao de poder de Peters a diferenciao proposta por Fraser (1992) entre esferas pblicas formais e informais. Contudo, segundo Scheuerman (2002), no seria possvel articular ambas as perspectivas (de Peters e de Fraser) em uma concepo coerente de esfera pblica. Procurei matizar as crticas de Scheuerman em Melo (2013, cap. 6).

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  • msica, teatro, literatura, jornais, televiso, internet etc. , o pblico de especialistas, a percepo de um horizonte histrico e espacial comum, a elaborao de convices, os laos culturais das tematizaes que se transformam em opinio pblica).

    A prpria deliberao pblica pode ser reconstruda em razo dos procedimentos democrticos e da diferenciao interna de seus discursos, ou de acordo com os deslocamentos temticos e participativos colocados em circulao no processo de formao da opinio e da vontade. Isso porque as tomadas de deciso poltica pretensamente legtimas geralmente so precedidas pelos fluxos comunicativos gerados em esferas pblicas informais, e estas, por seu turno, podem qualificar e influenciar o conjunto de justificao das corporaes parlamentares, do Judicirio etc. (cf. Costa et al., 2011). Certamente que esse modelo de circulao do poder pressupe um processo complexo e dinmico permeado no apenas pela luta social e pela esfera pblica, mas tambm pela interdependncia e constituio recproca entre poltica e direito. decisivo entender que, quando olhamos para a circulao do poder, no se trata de simplesmente alojar o conceito de esfera pblica no quadro institucional. Por lanar luz sobre os processos polticos em sentido alargado, temos de abarcar experincias da cultura poltica amplamente consideradas, ou seja, pensar a mediao junto com estruturas perifricas e processos informais de formao da opinio, criando assim um espao em que se produzem convices, articulamse temas ou problemas, e decises so tomadas. Pois embora, sob certos aspectos tericos, os sistemas de ao funcionalmente especializados possam ser analisados como se independessem da interao social, os meios de regulao continuam ancorados no componente social e cultural da sociedade.

    Peters, seguido de perto por Habermas, forneceu ainda um modelo de circulao do poder entre centro e periferia, no

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  • qual descreve a possibilidade e os limites da assimilao dos conflitos na articulao entre ao social e sistema poltico (cf. Peters, 1992; Habermas, 1994). A novidade do modelo consiste em mostrar, primeiramente, que o centro (em que se encontram a administrao, o Judicirio e as muitas corporaes parlamentares, eleies polticas, concorrncia entre partidos etc.) se ramificaria de acordo com a capacidade de ao e a densidade da complexidade organizatria, tais como a percepo e a tematizao de problemas sociais (cf. Peters, 1992, pp. 33036). E essa descrio do funcionamento e das atividades ramificadas j abrangeria, alm disso, estruturas intermedirias de organizao, ou seja, estruturas perifricas, entre as quais se incluiriam os

    [] processos de formao poltica da opinio e da vontade e as correspondentes estruturas institucionais (partidos e outras organizaes), atividades jurdicas alm daquelas do Legislativo e do Judicirio (a cincia jurdica, consultoria jurdica, firmas de direito privadas) ou os papis dos grupos de interesse em face da administrao e do parlamento (Peters, 1992, p. 337; traduo do autor).

    Tais estruturas intermedirias tm uma funo de articulao de problemas e formulaes de polticas que competem ao espectro de partidos, grupos de interesse e movimentos sociais, os quais tambm se diluem no mbito da opinio pblica ou se condensam na esfera pblica poltica atravs de meios de comunicao de massa, pesquisa de opinio, uma multiplicidade de redes de comunicao e pblicos que se cristalizam em temas e publicaes atuais, contextos de discusso determinados etc. (cf. Peters, 1992, pp. 33940).

    Os processos de comunicao e de deciso do sistema poltico so descritos por Peters segundo a imagem de um modelo de eclusas. As eclusas funcionam, na verdade, como um sistema de comportas que podem ser transpostas, permitindo

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  • a interconexo entre o ncleo institucional e os influxos da periferia procedentes da esfera pblica. As comportas representam, no modelo de eclusas, barreiras e estruturas de poder presentes na esfera pblica e nos centros de poder poltico, as quais, para serem superadas, dependem das mobilizaes e manifestaes de revolta que, em certo momento crtico, atingem um grau de tal modo intenso na esfera pblica, a ponto de modificar as relaes de fora entre a sociedade civil e o sistema poltico; e tambm da possibilidade que o prprio Estado de direito possui para regular os fluxos de poder que atravessam tal sistema. Em todo caso, afirma Peters,

    [] a legitimidade das decises depende dos processos de formao da opinio e da vontade na periferia. O centro um sistema de comportas a ser atravessado por muitos processos no mbito do sistema jurdicopoltico, mas o centro controla a direo e a dinmica desses processos apenas de forma limitada. As mudanas podem partir tanto da periferia quanto do centro, e se pode tambm deixar de sempre atribuir ao centro institucional um primado causal nesse percurso. Muitas modificaes do direito, por exemplo, produzemse essencialmente nas estruturas informais da periferia, na forma de mudanas na conscincia jurdica ou das prticas correspondentes mudanas que precisam ser ratificadas no fim pelas instituies autorizadas. A ideia de democracia repousa, em ltima instncia, no fato de que os processos de formao poltica da vontade, que no esquema aqui esboado possuem um status perifrico e intermedirio, devem ser decisivos para o desenvolvimento poltico (Peters, 1992, pp. 34041; grifo no original; traduo do autor).

    O modelo de circulao do poder sugerido por Peters possibilita descrever e analisar a dinmica dos debates e conflitos desencadeados em arenas formais e informais de

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  • discusso no quadro do Estado constitucional e das democracias de massa, permitindo entender como, a partir da participao em tais debates, movimentos sociais, por exemplo, podem exercer influncia sobre o processo legislativo, as aes do Executivo ou a maneira como determinada norma ou lei interpretada no mbito do Judicirio. Esse processo de influncia, fundamental para entender as lutas por emancipao, percorre a formao da opinio em espaos pblicos informais (nas quais questes controversas passam a ser tematizadas publicamente), adentram as arenas formais de deliberao (onde determinados temas so sistematizados na legislao), chegando tambm esfera de aplicao no Judicirio e na administrao. Nesse caso, a circulao de poder na esfera pblica seria constituda, portanto, a partir de uma relao de mo dupla entre centro e periferia e isso tanto entre o processo legislativo e as discusses pblicas (na medida em que o Legislativo pode reagir aos debates pblicos e os processos legislativos podem criar ondas de discusso de temas diversos no mbito da esfera pblica) ou nas relaes entre a esfera pblica e o Executivo, esfera pblica e Judicirio20.

    ***

    Repensar a esfera pblica significa, no contexto do presente artigo, trazer tona seu potencial tericoanaltico tanto quanto seu propsito crticonormativo. Procurei ressaltar inicialmente que, a despeito das dificuldades apresentadas na formulao habermasiana, ainda frutfero revistla. Para tanto, porm, no podemos reconstruir o conceito de esfera pblica como um modelo ou princpio normativo regulador abstrado do espao social efetivo. Tal conceito se

    20 A esse respeito, ver Costa, Melo e Silva (2009, p. 211 e ss.), e tambm Machado, Rodriquez e Pschel (2009).

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  • apresenta antes na qualidade de contexto de surgimento histrico e poltico de perspectivas normativas em disputa. Isso significa, portanto, que elucida de maneira peculiar uma vez que est ligado a um processo eminentemente prtico a gnese de categorias crticonormativas.

    Mas repensar a esfera pblica implica tambm fazer com que tal conceito nos ajude na produo de diagnsticos de poca. Testei sua aplicao nos casos em que a relao entre direito e poltica tm sido considerada da perspectiva de uma teoria crtica da democracia. Nesse caso, tratase de reconstruir a esfera pblica de acordo com os conflitos sociais que colocam em movimento uma dinmica de democratizao do sistema poltico. Utilizei assim a ideia de circulao do poder, empregada por Peters e Habermas, com a finalidade de enfatizar o conceito de esfera pblica a partir dos processos que a compem, considerando tanto seu centro multipolar quanto estruturas perifricas e intermedirias (partidos, grupos de interesse, movimentos sociais etc.). Mas a ateno recai sobre como a presso contida em tais processos incorporada na esfera pblica poltica (mdias de massa, opinio pblica, redes diversas de comunicao, diferentes pblicos cristalizados em torno de tpicos atuais e publicaes, discusses especficas etc.) (cf. Peters, 2007c).

    O recurso circulao do poder, se buscar evitar um normativismo abstrato, no consiste certamente em neutralizar normativamente o processo que pretende ser compreendido. Ele mostra que o engessamento de contextos democrticos da vida produziu paradoxalmente uma luta por mais autonomia, por outras formas de organizao social, pela democratizao das instituies formais do sistema poltico. Por sua vez, como enfatiza Peters, preocupase em mostrar que, para alm do quadro institucional, a vida democrtica se espraia na periferia da sociedade, realizandose em conjunto com uma cultura pblica de fundo.

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  • Em suma, no se pode aferir adequadamente o sentido normativo dos processos de democratizao caso o ponto de vista crtico no seja produzido de dentro da percepo das patologias e dos conflitos em questo. Mesmo porque, conforme mencionado antes, a prpria esfera pblica tambm se constituiu historicamente como fonte de opresso, injustia e discriminao (contra mulheres, negros e outras minorias sociais e culturais). Logo, a circulao do poder nunca decide de antemo o sucesso ou a derrota das lutas sociais j que, enquanto tal, a circulao do poder pode ou no ser democrtica. Mas ela expe a ambiguidade prtica do conceito de esfera pblica que uma teoria crtica da democracia tem de con-siderar, ainda que no se trate de resolvla em termos meramente tericos, uma vez que remete s tendncias emancipatrias ou aos obstculos emancipao a serem levadas a cabo pela prxis poltica autnoma dos prprios cidados.

    Rrion Melo professor do Departamento de Cincia Poltica da Universidade de So Paulo e pesquisador do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (Cebrap)

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    Resumos / Abstracts

    REPENSANDO A ESFERA PBLICA: ESBOO DE UMA TEORIA CRTICA DA DEMOCRACIA

    RRION MELO

    Resumo: O artigo procura repensar o conceito de esfera pblica em dois nveis de reconstruo. Em primeiro lugar, compreendemos a esfera pblica no em termos puramente normativos, mas como ponto de partida socialmente consti-tudo para a reconstruo de categorias crticas. Em segun-do lugar, mantendo a preocupao metodolgica com a gnese prtica do conceito, mostramos de que maneira o conceito de esfera pblica pode ser reconstrudo como um processo de circulao do poder, que nos permite diagnos-ticar criticamente as relaes atuais entre poltica e direito, mais especificamente a democratizao do sistema poltico colocada em marcha pelos conflitos sociais.

    Palavras-chave: Esfera Pblica; Democracia; Teoria Crtica; Circulao do Poder; Habermas.

    RETHINKING THE PUBLIC SPHERE: SKETCH OF A CRITICAL THEORY OF DEMOCRACY

    Abstract: The article seeks to rethink the concept of public sphere in two levels of reconstruction. First, we understand the public sphere not in purely normative terms, but as a socially constituted point of departure for the reconstruction of critical categories. Secondly, keeping the methodological concern with the practical genesis of the concept, we show how the concept of public sphere can be reconstructed as a process of circulation of power that allows us to critically diagnose the current relationship between politics and law, specifically the democratization of the political system putted in motion by social conflicts.

    Keywords: Public Sphere; Democracy; Critical Theory; Circulation of Power; Habermas.

    Recebido: 12/10/2014 Aprovado: 20/02/2015