S E N T E N Ç A · RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS, MOACYR ALVARO...

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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181 1 S E N T E N Ç A 4ª VARA CRIMINAL FEDERAL PROCESSO Nº 0005827-49.2003.403.6181 CLASSIFICAÇÃO: SENTENÇA PENAL TIPO D A - R E L A T Ó R I O: Vistos. CARLOS ROBERTO CARNEVALI, FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS, MOACYR ALVARO SAMPAIO, REINALDO DE PAIVA GRILLO, HÉLIO BENETTI PEDREIRA, GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO, EVERALDO BATISTA SILVA e

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Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

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S E N T E N Ç A

4ª VARA CRIMINAL FEDERAL

PROCESSO Nº 0005827-49.2003.403.6181

CLASSIFICAÇÃO: SENTENÇA PENAL TIPO D

A - R E L A T Ó R I O:

Vistos.

CARLOS ROBERTO CARNEVALI,

FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES

LEMOS, MOACYR ALVARO SAMPAIO, REINALDO DE PAIVA

GRILLO, HÉLIO BENETTI PEDREIRA, GUSTAVO HENRIQUE

CASTELLARI PROCÓPIO, EVERALDO BATISTA SILVA e

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LEANDRO MARQUES DA SILVA, qualificados nos autos, foram

denunciados pelo Ministério Público Federal (fls. 02/105), como

incursos nas sanções do art. 334, § 1º, “c”, por dezesseis vezes, c.c. arts.

69 e 29 todos do Código Penal.

CARLOS ROBERTO CARNEVALI,

FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES

LEMOS, MOACYR ALVARO SAMPAIO, REINALDO DE PAIVA

GRILLO, HÉLIO BENETTI PEDREIRA e GUSTAVO HENRIQUE

CASTELLARI PROCÓPIO foram denunciados, ainda, pela prática de

22 crimes do art. 304 c.c. art. 299, ambos do Código Penal, em concurso

material.

A inicial foi aditada para que CARLOS ROBERTO

CARNEVALI, FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO

PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA,

MARCÍLIO PALHARES LEMOS, MOACYR ALVARO SAMPAIO,

REINALDO DE PAIVA GRILLO, HÉLIO BENETTI PEDREIRA,

GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO, EVERALDO

BATISTA SILVA e LEANDRO MARQUES DA SILVA fossem

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acusados também pelo crime previsto no art. 288 do Código Penal,

juntamente com FÁBIO VICENTE DE CARVALHO (fls. 106/115).

No aditamento constou que também fariam parte da

quadrilha PAULO ROBERTO MOREIRA, CID GUARDIA FILHO

(KIKO), ERNANI BERTINO MACIEL, MARCOS ZENATTI e JOSÉ

CARLOS MENDES PIRES, os quais seriam denunciados em ação

penal autônoma.

Segundo a inicial, os acusados fariam parte de uma

organização criminosa que importava produtos da empresa CISCO

valendo-se de mecanismos e empresas interpostas, que tinham por

finalidade ocultar a real importadora das mercadorias, a empresa

MUDE.

A denúncia foi lastreada pelo Procedimento

Criminal Diverso nº 2005.61.81.009285-1, no qual foram realizadas

interceptações telefônicas e buscas e apreensões, além de outras

diligências, além de inquérito policial registrado sob o nº 2-1632/03.

Foram decretadas prisões temporárias dos acusados

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FERNANDO MACHADO GRECCO, HELIO BENETTI PEDREIRA,

MOACYR ALVES SAMPAIO, JOSE ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, REINALDO DE PAIVA

GRILLO, MARCILIO PALHARES LEMOS, GUSTAVO HENRIQUE

CASTELLARI PROCOPIO, EVERALDO BATISTA SILVA e

LEANDRO MARQUES DA SILVA (fls. 4012/4038 do PCD). Na

mesma oportunidade houve o deferimento de diversas buscas e

apreensões, bem como a determinação do arresto de bens de

FERNANDO MACHADO GRECCO, HELIO BENETTI PEDREIRA,

MOACYR ALVES SAMPAIO, JOSE ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, REINALDO DE PAIVA

GRILLO, MARCILIO PALHARES LEMOS e GUSTAVO

HENRIQUE CASTELLARI PROCOPIO.

Posteriormente houve a decretação da prisão

temporária de CARLOS ROBERTO CARNEVALI (fls. 4295/4300 do

PCD).

As prisões temporárias dos acusados JOSÉ

ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, CARLOS ROBERTO

CARNEVALI, HELIO BENETTI PEDREIRA e MOACYR ALVARO

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SAMPAIO foram prorrogadas por mais cinco dias (fls. 5228/5238 do

PCD).

Em 25.10.2007 foi decretada a prisão preventiva

dos acusados CARLOS ROBERTO CARNEVALI, MOACYR

ALVARO SAMPAIO, FERNANDO MACHADO GRECCO, HÉLIO

BENETTI PEDREIRA, MARCELO NAOKI IKEDA e JOSÉ

ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES (fls. 6520/6529 do PCD).

A denúncia foi recebida em 21.11.2007 (fls.

970/971) e o aditamento em 23.11.2007 (fl. 1064).

Os acusados foram citados e interrogados (fls.

1517/1522 - CARLOS ROBERTO CARNEVALI; fls. 1523/1528 -

MOACYR ALVARO SAMPAIO; fls. 1529/1536 - JOSÉ ROBERTO

PERNOMIAN RODRIGUES; fls. 1537/1541 - HÉLIO BENETTI

PEDREIRA; fls. 1542/1547 - FERNANDO MACHADO GRECCO; fls.

1580/1587 - MARCELO NAOKI IKEDA; 1589/1594 - GUSTAVO

HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO; fls. 1596/1601 - MARCÍLIO

PALHARES LEMOS; fls. 1603/1607 - REINALDO DE PAIVA

GRILLO; fls. 1609/1612 - EVERALDO BATISTA SILVA; fls.

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1628/1631 - LEANDRO MARQUES DA SILVA; fls. 1633/1636 -

FÁBIO VICENTE DE CARVALHO).

As prisões preventivas foram revogadas pela

decisão de fls. 1640/1653 em 07.12.2007.

As defesas prévias foram apresentadas às fls.

1685/1686 (HÉLIO BENETTI PEDREIRA), 1687/1691 (CARLOS

ROBERTO CARNEVALI), 1692/1694 (FERNANDO MACHADO

GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES,

MARCELO NAOKI IKEDA e MOACYR ALVARO SAMPAIO),

1695/1697 (EVERALDO BATISTA SILVA e REINALDO DE PAIVA

GRILLO), 1698/1699 (MARCÍLIO PALHARES LEMOS e GUSTAVO

HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO), 1700/1701 (FÁBIO

CARVALHO) e 1702/1703 (LEANDRO MARQUES DA SILVA).

Foram ouvidas seis testemunhas de acusação (fls.

2091/2099, 2100/2103, 2134/2137, 2138/2141, 2142/2145 e

2372/2373).

Os acusados foram novamente interrogados às fls.

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2309/2322), a fim de que fosse oportunizado aos advogados dos réus

formularem perguntas durante os interrogatórios aos acusados

representados por outros procuradores.

No decorrer da instrução foram ouvidas quarenta e

oito testemunhas de defesa (2495/2497, 2498/2500, 2501/2503,

2514/2516, 2517/2519, 2532/2533, 2534/2536, 2551/2552, 2553/2554,

2555/2556, 2557/2558, 2559/2560, 2561/2562, 2670/2671, 2672/2673,

2684/2686, 2687/2688, 2689/2691, 2728/2729, 2732/2733, 2734/2735,

2736/2737, 2738, 2739/2740, 2879, 2896/2897, 2898/2900, 2901/2902,

2903/2905, 2986, 2987/2988, 2990, 2997/2998, 2999/3000, 3001/3003,

3004/3005, 3006/3007, 3008/3009, 3039, 3063/3064, 3108/3109, 3175,

3176, 3202, 3263, 3280/3281, 3301/3302 e 3743/3747).

O Ministério Público Federal requereu, na fase de

diligências decorrentes da instrução processual, a juntada de relatório

complementar da Receita Federal (fl. 3318), o que foi deferido pela

decisão de fl. 3319. O relatório em questão foi apensado aos autos.

A defesa de HÉLIO BENETTI PEDREIRA realizou

uma série de requerimentos (fls. 3383/3388).

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Às fls. 3392/3398 a defesa de FÁBIO VICENTE

DE CARVALHO, FERNANDO MACHADO GRECCO, GUSTAVO

HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO, JOSÉ ROBERTO

PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA,

MARCÍLIO PALHARES LEMOS e MOACYR ALVARO SAMPAIO

promoveu a juntada de documentos, autuados em apenso, além de

efetivar requerimentos.

A defesa de CARLOS ROBERTO CARNEVALI

também requereu diligências e promoveu a juntada de documentos, os

quais foram autuados em apartado (fls. 3407/3415).

A defesa de REINALDO DE PAIVA GRILLO,

EVERALDO BATISTA SILVA e LEANDRO MARQUES DA SILVA

não se manifestou, a despeito de efetivamente intimada.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls.

3419/3424 sobre as diligências requeridas pelas defesas.

Às fls. 3478/3480 foi proferida decisão indeferindo

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diversos pedidos e deferindo o pleito de juntada aos autos do auto de

infração lavrado pela Receita Federal em desfavor da empresa CISCO

DO BRASIL, tendo sido a resposta juntada às fls. 3753 e 3770.

Foi promovida a juntada da carta rogatória expedida

para a oitiva de testemunha de defesa arrolada pelo acusado CARLOS

ROBERTO CARNEVALI (3568/3547).

O Ministério Público Federal, em alegações finais

(fls. 3812/3932), requereu a condenação dos réus nos termos da

denúncia. Reitera que o grupo promovia importações por meio de

interposição fraudulenta, destacando forma pela qual as operações eram

efetuadas, bem como a atuação de cada um dos réus.

Entende a acusação que houve uso de documentos

ideologicamente falsos, consubstanciados em notas fiscais para simular

operações de compra e venda na realidade inexistentes, e que tais delitos

seriam autônomos em relação ao crime assimilado a descaminho, pois

teriam ocorrido em momentos distintos. A utilização das notas deu-se

posteriormente a entrada dos bens em território nacional.

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Além dos crimes do art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal e do uso de documentos falsos, pugna pela condenação também

pelo delito de quadrilha, pois os acusados, divididos em grupos, “agiam

de maneira integrada em complementar”, fraudando, há vários anos, as

operações de comércio exterior.

A defesa de CARLOS ROBERTO CARNEVALI

alega em memoriais (fls. 4100/4273), preliminarmente, que a

investigação baseou-se em provas ilícitas em função de quebra indevida

de sigilo, inicialmente por GENILSON LOURENÇO DE LIMA e

posteriormente pelo Ministério Público Federal. Entende ainda que

medidas constritivas só podem ter lugar em inquérito policial ou ação

penal e nunca em procedimentos distintos. Entende que as

interceptações não poderiam ter tido a duração que tiveram.

No mérito, alega negativa de autoria, pois

CARNEVALI nunca fez parte da MUDE, como afirma a acusação.

Menciona que não houve descaminho, mas, se tanto, sonegação, pois os

débitos, se existentes, seriam posteriores a entrada das mercadorias.

Portanto seria o caso de aplicar a súmula vinculante nº 24 do Supremo

Tribunal Federal. Ainda que se trate de descaminho, seria o caso de

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aguardar o término do processo administrativo para se reputar existente

o crime, pois também o descaminho tem natureza de crime tributário.

Quanto ao uso de documentos falsos, alega a

incidência do princípio da consunção. Em relação a quadrilha a

denúncia seria inepta, por não descrever o crime de forma aceitável.

A manifestação derradeira da defesa de HÉLIO

BENETTI PEDREIRA está encartada às fls. 4276/4434, que também

alega, preliminarmente, a ilicitude das provas por quebra de sigilo

indevida. Entende que a interceptação não poderia ser prorrogada por

tantas vezes e que as decisões prolatadas não seriam suficientemente

motivadas. Sustenta inépcia da denúncia, eis que a peça acusatória não

teria descrito satisfatoriamente, no que tange ao acusado, a forma como

ocorreram os atos de execução contidos no núcleo do tipo penal, ou

ainda a maneira como teria concorrido para a prática delituosa. Afirma

ainda que lhe teria sido imputada responsabilidade objetiva, afigurando-

se inadmissível que lhe seja imposta pena exclusivamente pelo fato de

constar do contrato social da empresa envolvida em irregularidades

fiscais.

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Alega cerceamento de defesa pelo indeferimento de

pleitos formulados na fase prevista pelo art. 402 do Código de Processo

Penal e que não houve transcrição integral dos diálogos interceptados.

No mérito alega que HÉLIO não administrava a

MUDE, que haveria atipicidade quanto ao delito de descaminho, pois a

incidência do IPI eventualmente sonegado é posterior a entrada das

mercadorias, o que demandaria, portanto, a constituição definitiva do

débito, com o término do processo administrativo fiscal. Quanto a

falsidade entende haver consunção em relação ao descaminho e que

todos os crimes se deram em continuidade delitiva.

Os memoriais da defesa de REINALDO DE PAIVA

GRILLO, EVERALDO BATISTA SILVA e LEANDRO MARQUES

DA SILVA foram juntados às fls. 4439/4466, pugnando pela nulidade

das provas em função da ilicitude em sua obtenção. Acredita que a

inicial é inepta, por não descrever satisfatoriamente as condutas dos

acusados.

No mérito pugna pela absolvição por ausência de

dolo em relação ao crime do art. 334 do Código Penal. O uso de

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documentos falsos deve ser considerado como crime meio. Alega

alternativamente que prática delitiva, se é que houve, teria ocorrido nos

termos do art. 71 do Código Penal.

A defesa de FÁBIO VICENTE DE CARVALHO,

FERNANDO MACHADO GRECCO, GUSTAVO HENRIQUE

CASTELLARI PROCÓPIO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES

LEMOS e MOACYR ALVARO SAMPAIO apresentou seus memoriais

finais às fls. 4467/4772, alegando em preliminar que as provas que

propiciaram o início das investigações foram obtidas por meios ilícitos,

inicialmente por GENILSON LOURENÇO DE LIMA e depois por

quebras de sigilo feitas ilegalmente pelo Ministério Público Federal.

Entende também que as interceptações se alongaram por prazo superior

ao legalmente previsto e que as decisões de prorrogação não foram

motivadas. As interceptações telemáticas, no sentir da defesa, seriam

inconstitucionais, pois tais dados seriam invioláveis. Entende que não

houve justificativa para as interceptações, pois não se comprovou a

inexistência de outros meios de investigação possíveis. Alega que foram

prorrogadas escutas sobre alvos que não tiveram, no período, qualquer

comunicação relevante para as investigações. Pugna pela nulidade do

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feito, face à ausência de lançamento definitivo, que seria necessário no

caso. Levanta preliminar de cerceamento de defesa pelo indeferimento

de diligências requeridas na fase processual prevista pelo art. 402 do

Código de Processo Penal. Por fim entende que a inicial seria inepta.

No mérito pugna pelo reconhecimento da

regularidade das operações, pois este seria o modelo de negócio

adotado, o qual mostrava-se muito eficiente. Acredita não haver provas

do descaminho e que os elementos produzidos durante a investigação

não foram confirmados em juízo. Não haveria, ainda, provas de autoria

e sobre quem teria sido responsável por eventual descaminho. Pugna

pelo reconhecimento de erro de tipo, afastando o dolo, pois os

envolvidos acreditavam desenvolver operações acobertadas pela

legalidade. Segundo a defesa, não haveria falsidade alguma, pois todas

as operações de compra e venda seriam reais. No que se refere ao crime

de uso de documentos falso entende ter havido consunção. Afirma que

se houve o crime do art. 334, § 1º, “c” do Código Penal, como alega o

Ministério Público Federal, o uso de documentos falsos integraria a

atividade típica de tal delito que refere-se a comercialização. Alega que

não há descrição da associação para fins de tipificação do crime de

quadrilha e que a acusação baseia-se no depoimento da testemunha de

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acusação PAULO, que não depôs sobre fatos, mas sim sobre suas

impressões preconcebidas. Destaca, alternativamente, que não houve

concurso material, mas sim continuidade delitiva.

Menciona, por fim, o efeito destrutivo que a

operação policial teve sobre a empresa MUDE destaca o perfil pessoal e

profissional de cada um dos acusados.

Dada vista ao Ministério Público Federal para

manifestação quanto às preliminares arguidas nas alegações finais

oferecidas pelas defesas, foi apresentada a promoção de fls. 4799/4823.

Este o breve relatório.

Passo, adiante, a fundamentar e decidir.

B – FUNDAMENTAÇÃO

De início, registro que o feito encontra-se

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formalmente em ordem, com as partes legítimas e bem representadas,

inexistindo vícios ou nulidades a serem sanados.

Passo a análise das preliminares aduzidas pelas

defesas dos acusados.

I. DAS PRELIMINARES

As preliminares aventadas pelas defesas não

merecem acolhida, ou, ao menos não com os efeitos e extensão

pretendidos. Vejamos:

a) Da ilicitude das provas fornecidas por GENILSON LOURENÇO

DE LIMA

As defesas de todos os acusados alegam que os

documentos fornecidos por GENILSON LOURENÇO DE LIMA, os

quais teriam embasado o início da investigação foram obtidos de forma

ilícita, gerando, assim, contaminação de toda a prova decorrente,

devendo ser reconhecida sua imprestabilidade, nos termos do que dispõe

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o art. 157 do Código de Processo Penal, em consonância com o que

prescreve o art. 5º, LVI da Constituição Federal.

GENILSON prestava serviços a ERNANI

BERTINO MACIEL, fazendo a manutenção dos equipamentos de

informática no escritório deste. Na referida função teve acesso a

documentos consistentes em comprovantes de movimentação bancária e

correspondência eletrônica de ERNANI.

Com base em tais informações, GENILSON

detectou ilegalidades praticadas por ERNANI e produziu um “dossiê”, o

qual encaminhou para o Ministério Público Federal em São José do Rio

Preto.

GENILSON foi ouvido em declarações (fls. 10/17

dos autos 0009285-06.2005.403.6181) que foram encaminhadas ao

Ministério Público Federal em São Paulo, tendo sido iniciada

investigação pelo Parquet.

Pois bem, parte dos documentos fornecidos por

GENILSON ao Ministério Público Federal constituem efetivamente

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provas ilícitas, pois foram obtidas com violação do sigilo bancário e de

correspondência de ERNANI BERTINO MACIEL.

Conforme alegado pelas defesas, a Constituição

Federal resguarda o sigilo de dados e correspondência, sendo certo que

GENILSON, na qualidade de prestador de serviços a ERNANI não

poderia se apropriar validamente de documentos deste e muito menos

divulgá-los, sendo certo que tais documentos não podem ser utilizados

como prova ou mesmo como base para se deferir qualquer medida

judicial contra quem quer que seja.

Ocorre que não há qualquer impedimento de que

quem tenha conhecimento de fatos ilícitos os revele às autoridades,

permitindo, assim, o início de investigações, a busca de maiores

elementos, ainda que sigilosos, e a propositura de eventual ação penal

sobre os fatos. Aliás, além de não serem vedados, tais comportamentos

vêm sendo fomentados hodiernamente pelo Estado, podendo ser citado

como exemplo o “disque-denúncia”.

Foi o que aconteceu no caso em tela. Os

documentos sigilosos obtidos de forma ilícita não se prestaram a

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qualquer finalidade investigativa. Apenas o conteúdo do

depoimento de GENILSON foi utilizado para desencadear uma

investigação inicialmente no âmbito do Ministério Público Federal

que coletou dados e elementos (de forma lícita como será examinado

a seguir) para subsidiar pedido de interceptação telefônica deferido

pelo Judiciário, bem como a continuidade das investigações pela

Polícia Federal com o auxílio da Receita Federal, que culminaram

na presente ação penal.

Conforme se observa na primeira representação

ministerial para interceptação telefônica (fls. 02/09 dos autos nº

0009285-06.2005.403.6181) os documentos obtidos de forma ilícita

sequer foram citados no pedido, a não ser para mencionar sua

inutilidade (fl. 03, in fine).

A representação, na verdade, se refere ao conteúdo

do depoimento colhido e aos demais elementos de prova colacionados

pelo Ministério Público Federal.

Nessa medida a ilicitude dos documentos sigilosos

de ERNANI BERTINO MACIEL apresentados ao Ministério Público

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Federal por GENILSON LOURENÇO DE LIMA, que nesse momento é

reconhecida, não macula as demais provas obtidas no curso da

investigação e muito menos a ação penal subseqüente, pois, em nenhum

momento foram aproveitadas para fundamentar ou embasar qualquer

diligência ou investigação posterior.

b) Da investigação inicial feita pelo Ministério Público Federal

Há insurgência das defesas contra a investigação

procedida pelo Ministério Público Federal, a qual serviu para embasar

pedido de interceptação telefônica e continuidade das apurações pela

Polícia Federal contando com a colaboração da Receita Federal.

Tal insurgência refere-se à impossibilidade de

quebra de sigilo fiscal pelo Ministério Público Federal.

Efetivamente o Ministério Público Federal

procedeu a uma série de diligência com objetivo de angariar dados para

dar seguimento à investigação que acabou por culminar na presente ação

penal. Dentre tais diligências foram requisitados da Receita Federal o

envio de informações fiscais.

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Alegam as defesas que tais informações são

acobertadas por sigilo, o qual só pode ser quebrado por decisão judicial

devidamente fundamentada. Colacionam decisões dos Tribunais

Superiores além de abalizada doutrina para reputar ilícita tal forma de

obtenção de dados, o que geraria a contaminação de todas as provas

decorrentes com a necessária absolvição de todos os acusados.

Já se mencionou à exaustão que não há direitos

absolutos, mesmo os consagrados pela Constituição Federal, até aí

nenhuma novidade, a questão que se coloca é: cabe apenas ao Judiciário

a análise da proporcionalidade para a mitigação, no caso concreto, de

um direito fundamental para a observância de outro, ou outros órgãos

podem fazê-lo em determinadas circunstâncias?

Tanto os Tribunais quanto a doutrina têm dados

respostas distintas a tal pergunta, ora dizendo que cabe apenas ao

Judiciário tal definição (na linha do aduzido pela defesa), ora ampliando

o leque de legitimados, autorizando, por exemplo, o Ministério Público

ou mesmo a Receita (no caso de dados bancários, frente ao que dispõe a

Lei Complementar 105/2001) a realizarem tal operação de

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mitigação/fortalecimento com base na proporcionalidade ou

razoabilidade.

Argumentos há para ambos os lados conforme bem

trabalhado pelas defesas em seus memoriais e pelo Ministério Público

Federal em manifestação de fls. 4799/4823, sendo certo que, ao menos

para o momento, a posição adotada por este Juízo será determinante

para o julgamento desta ação penal.

Observo, neste prisma, que não houve qualquer

irregularidade ou nulidade a ser apreciada. O Ministério Público

Federal laborou de forma ponderada buscando informações que

revelassem ou não a veracidade dos fatos de que teve conhecimento,

não havendo notícia de uso indevido dos dados ou de vazamento das

informações.

Importante observar que as informações

sigilosas no caso em tela já estavam na posse de órgão público, qual

seja, a Receita Federal, sendo absolutamente lícito o

compartilhamento de tais informações com o Ministério Público

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Federal para uso em investigação criminal regular no exercício de

suas atribuições constitucionais.

Ao decidir sobre tal tema, não se pode olvidar que

o Estado não pode mais ser visto como o “violador de garantias” do qual

os cidadãos precisam ser protegidos. Tal concepção oriunda do século

XIX (que, contudo, teve grande razão de ser também no século seguinte,

principalmente em nosso país) deve ser superada sob pena de impedir

que o Estado desempenhe seu novo papel de protetor dos cidadãos que

pautam sua atuação pela licitude de suas condutas e da sociedade como

um todo.

A prevalecer a visão do Estado violador de direitos

só se beneficiarão os reais violadores das normas jurídicas,

principalmente penais, que ficarão sempre protegidos de qualquer

iniciativa dos poderes constituídos sob o manto de garantias

constitucionais que não se prestam a essa finalidade.

O belo e comovente poema “No caminho com

Maiakovski”, de Eduardo Alves da Costa (bastante caracterizador da

época em que foi escrito, os anos de chumbo que assolaram nosso país),

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24

não pode mais servir para simbolizar e justificar a luta do cidadão para

não ter seus direitos desrespeitados pelo Estado. Os tempos são outros e

as ameaças também.

Não se quer com isso defender a inexistência de

sigilo ou a violação sistemática da vida privada de cada indivíduo para a

proteção da sociedade, mas também não se pode admitir que dados

fiscais que já estavam em poder do Estado, fornecidos pelos próprios

contribuintes, não possam ser utilizados por outro órgão estatal que

possui atribuição de promover ações penais.

Devemos pensar em o que queremos proteger e

porque. Que tipo de dano alguém pode ter pela utilização de dados

fiscais pelo Ministério Público Federal em regular investigação como a

presente, sem que haja mau uso ou vazamento?

A questão do sigilo, portanto, deve ser examinada

frente à ótica apresentada, não havendo outra decisão a ser tomada

senão o afastamento da preliminar, entendendo válida a atuação

ministerial, que se pautou pela correção e a devida utilização dos dados

obtidos junto a Receita para fundamentar investigação que foi

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

25

aprofundada mediante autorização judicial dando ensejo a esta ação

penal.

Nesse sentido recente decisão do Superior Tribunal

de Justiça:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 31.362 -

GO (2010/0011022-4) RELATOR : MINISTRO HERMAN

BENJAMIN

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

GOIÁS

RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE

GOIÁS

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO. QUEBRA

DE SIGILO BANCÁRIO. NATUREZA DA DECISÃO DENEGATÓRIA. MEIO

DE IMPUGNAÇÃO CABÍVEL.

1. Caso concreto em que o Parquet solicita administrativamente a quebra de sigilo

bancário no âmbito de procedimento investigatório ministerial. Após negativa do

juízo de 1º grau, o Ministério Público impetrou Mandado de Segurança, do qual o

Tribunal de origem não conheceu, sob o fundamento de que o meio de impugnação

cabível é o Agravo de Instrumento.

2. Nem toda decisão proferida por magistrado possui natureza jurisdicional, a

exemplo da decisão que decreta intervenção em casa prisional ou afastamento de

titular de serventia para fins de instrução disciplinar.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

26

3. O Conselho Nacional de Justiça regulamentou os procedimentos administrativos de

quebra de sigilo das comunicações (Resoluções 59/2008 e 84/2009).

4. Necessário adotar a técnica hermenêutica do distinguishing para concluir pela

inaplicabilidade da Súmula 267 do STF ("Não cabe mandado de segurança contra ato

judicial passível de recurso ou correição"), pois todos os seus precedentes de

inspiração referem-se à inviabilidade do writ contra ato jurisdicional típico e passível

de modificação mediante recurso ordinário, o que não se amolda à espécie.

5. A exemplo do entendimento consagrado no STJ, no sentido de que nas

Execuções Fiscais a Fazenda Pública pode requerer a quebra do sigilo fiscal e

bancário sem intermediação judicial, tal possibilidade deve ser estendida ao

Ministério Público, que possui atribuição constitucional de requisitar

informações para fins de procedimento administrativo de investigação, além do

fato de que ambas as instituições visam ao bem comum e ao interesse público.

Precedentes do STJ e do STF.

6. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança provido, tão-somente para

determinar que o Tribunal a quo enfrente o mérito do mandamus .

c) Da necessidade de inquérito policial

Foi formulada alegação de nulidade pela quebra de

sigilo ter sido feita no bojo de procedimento criminal e não de inquérito

policial.

A investigação foi inicialmente promovida pelo

Ministério Público Federal, de sorte que não há falar, por motivos

óbvios, em inquérito policial. De qualquer forma havia inquérito policial

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

27

instaurado, o que justificou, inclusive, a remessa dos autos da 8ª Vara

Criminal para esta 4ª Vara.

Contudo não há qualquer mácula no processo pelo

fato de as diligências de interceptação telefônica terem tido lugar em

procedimento criminal diverso e não em inquérito policial.

Mais uma vez devemos verificar se houve algum

tipo de violação ou prejuízo pelo fato de a investigação não ter ocorrido

no bojo de inquérito policial.

As diligências praticadas pelo Ministério Público

Federal foram efetuadas de forma legal conforme apreciado acima, já as

interceptações telefônicas foram deferidas judicialmente respeitando as

normas aplicáveis à espécie, tema que será abordado na seqüência.

O próprio Código de Processo Penal dispensa o

inquérito policial autorizando o oferecimento de denúncias com

base em peças de informação. Ademais, o inquérito é dirigido

exatamente ao Ministério Público para embasar eventual ação

penal.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

28

O chamado poder investigatório do Ministério

Público é tema de discussões e será objeto de apreciação pelo Supremo

Tribunal Federal de forma vinculante, mas no meu modo de ver, se o

Ministério Público é titular da ação penal e pode requisitar a instauração

de inquérito policial, que é o mais, pode também investigar fatos, que é

o menos.

Tal conclusão não retira da Autoridade Policial a

prerrogativa de presidir inquéritos policiais e nem da própria polícia a

atividade constitucionalmente atribuída de investigar, mas não se pode

entender que haja monopólio da polícia em empreender investigações

que são, afinal, dirigidas ao próprio Ministério Público.

No sentido do exposto, várias decisões do Pretório

Excelso com a que segue:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO

DE SEGURANÇA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DE SIGILO BANCÁRIO E

FISCAL DE INVESTIGADO. PROCEDIMENTO JUDICIAL. PODERES

INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPROVIMENTO DA

PARTE CONHECIDA. (...)

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

29

Remanesce a questão afeta à possibilidade de o Ministério Público promover

procedimento administrativo de cunho investigatório e o possível malferimento da

norma contida no art. 144, § 1º, I e IV, da Constituição Federal. (...) A denúncia pode

ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a

necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal.

Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie

diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de

determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves

como o presente que envolvem altas somas em dinheiro movimentadas em contas

bancárias. (...) (RE 535478, Relatora Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma,

julgado em 28/10/2008, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008

EMENT VOL-02342-11 PP-02204)

Não é necessário, portanto, inquérito policial

para embasar ação penal, sendo legítima a adoção de medidas,

ainda que constritivas em procedimento criminal. Além disso, não

há óbice a que sejam procedidas investigações pelo Ministério

Público. No presente caso, entretanto, ressalto novamente que houve

instauração de inquérito e a investigação, apesar de ter sido iniciada

pelo Parquet, toda sua seqüência foi feita pela Polícia Federal.

d) Da ilicitude das interceptações telefônicas

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

30

Também foi levantada pelas defesas a ilicitude das

interceptações telefônicas realizadas pelo prazo ter excedido ao que a lei

determina e pela falta de fundamentação das decisões de prorrogação.

Há menção também, de que houve prorrogação das escutas ainda que

não tenham havido diálogos relevantes no período anterior e que não

houve comprovação de que a investigação poderia dar-se de outra

forma. Ainda no tocante as interceptações, mencionam as defesas que

não houve transcrição integral dos diálogos.

Importa mencionar que tal alegação já foi analisada

pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região em sede do habeas corpus

nº 2010.03.00.011402-1/SP, com a seguinte ementa:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA

AÇÃO PENAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS.

PRORROGAÇÕES. DECISÕES FUNDAMENTADAS. INEXISTÊNCIA DE

PERIGO DE IMINENTE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO DO

PACIENTE. ORDEM DENEGADA.

1. O trancamento de ação penal, por meio de habeas corpus, é medida excepcional,

que só se justifica quando manifesta a ilegalidade da instauração da ação penal.

2. O Superior Tribunal de Justiça admite a interceptação telemática, desde que

determinada por meio de decisão judicial fundamentada.

3. Cuidando-se de fatos supostamente ocorridos no âmbito interno de sociedades

comerciais, praticados às ocultas, ganham relevo e importância as interceptações

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

31

telefônicas e telemáticas, sem as quais se torna muito difícil, quiçá impossível, a

perfeita apuração dos fatos delituosos.

4. O Supremo Tribunal Federal admite a prorrogação do prazo das interceptações

telefônicas autorizadas judicialmente, desde que justificada sua necessidade por meio

de decisões fundamentadas.

5. No caso presente, as ordens judiciais de interceptação foram exaradas com base em

elementos de informação colhidos previamente, reveladores de indícios da prática de

crime; e as prorrogações foram autorizadas por decisões judiciais cujos fundamentos

são bastantes ao exercício do direito de defesa.

6. Sob pena de violar o princípio do juiz natural e de ferir regra de competência

originária, não é dado ao tribunal, em sede de habeas corpus, realizar exame

aprofundado dos elementos de fato, próprio ao juízo de condenação ou de absolvição,

a ter lugar na sentença e, eventualmente, em recurso de apelação.

7. Ordem denegada.

De qualquer sorte, temos que não houve qualquer

irregularidade nas interceptações telefônicas que precederam a ação

penal, seja no tocante ao prazo, seja quanto à motivação das decisões:

d.1) Do prazo das interceptações telefônicas

No que se refere ao tempo de duração, a despeito

de o artigo 5° da Lei n° 9.296/96 ter previsto que a interceptação de

comunicação telefônica tem prazo de 15 (quinze) dias, renovável pelo

mesmo período, os Tribunais Superiores vêm decidindo pela viabilidade

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

32

de diversas prorrogações se as peculiaridades do caso concreto fizerem

com que a medida seja necessária, desde que haja decisão fundamentada

a respeito, o que ocorreu no caso em tela.

Nesse sentido transcrevo trecho de decisão do

Supremo Tribunal Federal em habeas corpus 104349, tendo como

paciente HELIO BENETTI PEDREIRA, impetrado contra decisão do

Superior Tribunal de Justiça e relatado pelo Ministro AYRES BRITTO,

referente a este processo:

 11. Por outra volta, a análise preliminar dos autos sinaliza que o

magistrado processante autorizou a medida originária de interceptação

telefônica (ainda no ano de 2005) sob o fundamento de que “a prova

solicitada pelo órgão ministerial, dada a magnitude da organização

criminosa (falo em tese), não pode ser realizada por outros meios,

como bem expôs a representante ministerial” (fls. 421/422 do apenso

2). Logo, se a “prova solicitada pelo órgão ministerial [...] não pode

ser realizada por outros meios”, incide, em linha de princípio, a

reiterada jurisprudência deste STF. Jurisprudência que admite a

prorrogação de eventual medida de interceptação telefônica, mas desde

que embasada na concreta tessitura do acervo probatório da causa.

Refiro-me aos seguintes precedentes:

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

33

“[...]

4. PROVA. Criminal. Interceptação telefônica. Necessidade demonstrada

nas sucessivas decisões. Fundamentação bastante. Situação fática excepcional,

insuscetível de apuração plena por outros meios. Subsidiariedade caracterizada.

Preliminares rejeitadas. Aplicação dos arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º,

4º, § 2º, e 5º, da Lei nº 9.296/96. Voto vencido. É lícita a interceptação

telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária,

como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. 5. PROVA. Criminal.

Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas.

Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação

diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput, da Lei nº

9.296/96. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a

prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda

que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija

investigação diferenciada e contínua. 6. PROVA. Criminal. Interceptação

telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas pelo Ministro

Relator, também durante o recesso forense. Admissibilidade. Competência

subsistente do Relator. Preliminar repelida. Voto vencido. O Ministro Relator de

inquérito policial, objeto de supervisão do Supremo Tribunal Federal, tem

competência para determinar, durante as férias e recesso forenses, realização de

diligências e provas que dependam de decisão judicial, inclusive interceptação

de conversação telefônica

[...]”

(Inquérito 2.424, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa)

“Recurso Ordinário em Habeas Corpus. 1. Crimes previstos nos arts. 12,

caput, c/c o 18, II, da Lei nº 6.368/1976. 2. Alegações: a) ilegalidade no

deferimento da autorização da interceptação por 30 dias consecutivos; e b)

nulidade das provas, contaminadas pela escuta deferida por 30 dias

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

34

consecutivos. 3. No caso concreto, a interceptação telefônica foi autorizada pela

autoridade judiciária, com observância das exigências de fundamentação

previstas no artigo 5º da Lei nº 9.296/1996. Ocorre, porém, que o prazo

determinado pela autoridade judicial foi superior ao estabelecido nesse

dispositivo, a saber: 15 (quinze) dias. 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas

podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo juízo

competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações.

Precedentes: HC nº 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ de

04.03.2005; e HC nº 84.301/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma,

unanimidade, DJ de 24.03.2006. 5. Ainda que fosse reconhecida a ilicitude das

provas, os elementos colhidos nas primeiras interceptações telefônicas

realizadas foram válidos e, em conjunto com os demais dados colhidos dos

autos, foram suficientes para lastrear a persecução penal. Na origem, apontaram-

se outros elementos que não somente a interceptação telefônica havida no

período indicado que respaldaram a denúncia, a saber: a materialidade delitiva

foi associada ao fato da apreensão da substância entorpecente; e a apreensão das

substâncias e a prisão em flagrante dos acusados foram devidamente

acompanhadas por testemunhas. 6. Recurso desprovido.”

(RHC 88.371, da relatoria do ministro Gilmar Mendes).

d.2) Da motivação das decisões

Todas as decisões que determinaram prorrogação

ou novas interceptações telefônicas no correr das investigações foram

devidamente fundamentadas, sempre levando em conta elementos

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

35

colhidos no período precedente que traziam indícios do cometimento de

ilícitos de forma contínua, justificando, assim, o prosseguimento da

medida. Tais elementos eram sempre referidos de forma explícita nas

decisões, justificando, assim, o prosseguimento das medidas.

A defesa dos acusados FÁBIO VICENTE DE

CARVALHO, FERNANDO MACHADO GRECCO, GUSTAVO

HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO, JOSÉ ROBERTO

PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA,

MARCÍLIO PALHARES LEMOS e MOACYR ALVARO SAMPAIO

teve o trabalho de transcrever, em memoriais, trechos idênticos de

diversas decisões que deferiram prorrogações de interceptações

telefônicas, mas basta verificar o inteiro teor de tais decisões para

concluir que, a despeito de possuírem trechos idênticos (por uma

questão de racionalização do trabalho do juiz que se depara

diuturnamente com diversos pedidos de interceptação telefônica)

baseiam-se em fatos totalmente distintos, fatos esses mencionados

explicitamente em cada uma das decisões, o que demonstra a

presença de motivação específica para cada decisão.

d.3) Da imprescindibilidade das interceptações para a investigação

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

36

Os fatos mencionados em cada uma das decisões

que deferiu as prorrogações das interceptações justificam, ainda, a

imprescindibilidade das medidas para a investigação. Basta folhar os

autos em que ocorreram as interceptações para concluir que as práticas

lá investigadas não seriam descobertas de outra forma.

Aliás, em investigações de crimes como o apurado

nos autos não há, no mais das vezes, outras possibilidades de

investigação que leve ao resultado almejado. Técnicas tradicionais de

investigação não são adequadas a serem utilizadas de forma exclusiva

na apuração de crimes empresariais, sendo certo que o próprio

andamento das investigações demonstra não haver outra forma de se

proceder que não a interceptação telefônica e telemática, que pôde

lastrear busca e apreensão realizada posteriormente.

Quanto à alegação de ter havido prorrogação de

interceptações sobre terminais que não apresentaram, durante

determinado período de 15 dias, nenhum diálogo relevante, trata-se,

novamente, de apreciação parcial da questão pela defesa dos réus

FÁBIO VICENTE DE CARVALHO, FERNANDO MACHADO

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

37

GRECCO, GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO, JOSÉ

ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO NAOKI

IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS e MOACYR ALVARO

SAMPAIO.

Deve ser observado o quadro geral da investigação.

Ainda que determinado investigado não tenha realizado qualquer

comunicação relevante durante 15 dias, é perfeitamente possível a

continuidade da interceptação sobre seu telefone se outros fatos

aparentemente ilícitos ligados a tal investigado tenham ocorrido naquele

período.

Ora, se houve a conclusão de que determinada

pessoa faz parte do quadro de administradores de uma empresa que

venha operando de forma ilícita, se as referidas atividades ilícitas

perduram por meses e vêm sendo reiteradas, ainda que tal indivíduo não

tenha participado, em determinado período de 15 dias, de nenhuma

tratativa aparentemente irregular, nada obsta que continue sendo

interceptado, aliás, é a atitude mais recomendada para que a

investigação chegue a bom termo.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

38

d.4) Da necessidade de transcrição integral das interceptações

Por fim, no que concerne a necessidade de

transcrição integral das interceptações telefônicas realizadas em

investigação criminal com autorização judicial, o Supremo Tribunal

Federal já firmou posição pela desnecessidade, asseverando que:

"é desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas

telefônicas realizadas nos autos do inquérito, bastando que sejam degravados os

excertos necessários ao embasamento da denúncia, não configurando ofensa ao

princípio do devido processo legal - art. 5º, LV, da Constituição Federal".

(STF, HC/RJ nº 91207, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 21/09/2007, Tribunal Pleno,

Rel. p/ Acórdão Min. Carmen Lucia).

Ademais, a Lei o § 2º, do artigo 6º, da Lei 9.296/96

prescreve que:

"Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da

interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o

resumo das operações realizadas."

Ora, a cada deferimento de interceptação

telefônica, a Autoridade Policial buscava juntar detalhado relatório das

investigações, com informações sobre as operações e comunicações

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

39

efetivadas, cumprindo, pois, o dispositivo legal em comento. Além

disso, foi elaborado relatório descrevendo a conduta de cada um dos

denunciados, bem como se referindo aos áudios referentes a cada uma

das conclusões encetadas.

Além disso, as mídias com as gravações integrais

foram disponibilizadas às defesas que a elas se referiram nos memoriais

finais, de sorte a não restar qualquer prejuízo.

Nessa medida, não houve qualquer violação a

dispositivo legal ou princípio constitucional, sendo de rigor o

afastamento da preliminar levantada.

e) Da interceptação telemática

A preliminar que pretende a nulidade das

interceptações telemáticas por inconstitucionalidade não merece

guarida.

Conforme já mencionado linhas acima, não há

direito absoluto, ainda que garantido constitucionalmente. Sempre há a

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

40

possibilidade de, no caso concreto, um direito ser mitigado para efetiva

observância de outro.

Importante ressaltar que, dentre os valores

protegidos pela Constituição Federal não se pode dizer que um é mais

importante do que outro. Abstratamente, todos têm igual importância e

valor. Contudo, frente a uma situação concreta um direito pode ser

enfraquecido perante outro que, naquela situação específica, revele

maior importância. Para que seja possível verificar se e quando um

direito deve ceder passo a outro deve ser observado o princípio da

proporcionalidade (denominação utilizada pela doutrina alemã -

Verhältnissmässigkeitsprinzip) ou razoabilidade (termo de origem

anglo-saxã).

É nesse prisma que deve ser entendida a

interceptação telemática.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

41

A interpretação de que o inciso XII do art. 5º da

Constituição Federal1, quando menciona “salvo, no último caso” queira

se referir apenas à interceptação telefônica, não é a melhor.

A quebra do sigilo bancário e fiscal está mais do

que disseminada em nosso sistema e não só para processos criminais,

mas também execuções, feitos tributários e mesmo ações de família.

Trata-se de sigilo de dados, que segundo a doutrina apresentada pela

defesa à fl. 4504, seria inviolável, o que não se cogita.

Da mesma forma a interceptação telemática, seja

ela considerada correspondência, seja dados, seja telefônica (em função

do meio de transporte dos sinais), é possível, conforme reiteradas

decisões dos Tribunais Superiores:

HABEAS CORPUS Nº 101.165 - PR (2008/0045469-8)

RELATORA : MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA

CONVOCADA DO TJ/MG) 1 XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das

comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a

lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

42

EMENTA

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – OPERAÇÃO DILÚVIO DA

POLÍCIA FEDERAL - DESCAMINHO – FALSIDADE IDEOLÓGICA –

LAVAGEM DE DINHEIRO – INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA DE DADOS –

INDÍCIOS DE AUTORIA – IMPOSSIBILIDADE DE PROVAR POR OUTROS

MEIOS – ELEMENTOS DE PROVA OBTIDOS POR MEIO LÍCITO – AUSÊNCIA

DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – ORDEM DENEGADA.

1. A interceptação telemática anterior a que se questiona, realizada com autorização

judicial em relação a co-réu, constitui elemento idôneo a caracterizar os indícios de

autoria necessários à quebra do sigilo telemático de outra pessoa suspeita, no curso da

investigação policial.

2. Inexiste ilegalidade na interceptação telemática realizada quando ela é, aliada a

presença de indícios de autoria, devido a peculiaridade do modus operandi do delito,

o único meio de prova a esclarecer os fatos.

3. É idônea a fundamentação da decisão que esclarece a existência de indícios de

autoria a possibilitar a quebra do sigilo telemático, ainda que a fundamentação seja

sucinta.

4. Ordem denegada.

No que concerne à alegação da defesa de FÁBIO

VICENTE DE CARVALHO, FERNANDO MACHADO GRECCO,

GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO, JOSÉ

ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO NAOKI

IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS e MOACYR ALVARO

SAMPAIO sobre falta de critério a respeito de uma determinada

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

43

interceptação inicialmente requerida, tendo havido posterior desistência,

temos tratar-se de sofisma.

O que ocorreu no episódio mencionado foi a

desistência de uma diligência pela ponderação de que, apesar de

importante, poderia ter conseqüências prejudiciais à operação caso

houvesse algum tipo de vazamento, o que se temia à época.

Ora, não se pode raciocinar de forma tão

maniqueísta: “ou a diligência é essencial ou é despicienda”. A

essencialidade diz respeito ao meio (interceptação telefônica/telemática)

e não a cada uma das diligências.

A interceptação requerida era aparentemente

importante, por isso foi deferida, contudo o temor de vazamento,

naquele momento, sobrepujou-se a necessidade da diligência. Houve

uma opção dos investigadores em seguir por outro caminho, o que não

quer dizer que o pedido era inicialmente inútil.

f) Da inépcia da inicial

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

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As defesas alegaram que a peça vestibular não

individualizou as condutas dos acusados sendo, portanto, inepta.

Sem razão, contudo.

Em crimes de autoria coletiva, como no presente

caso, a jurisprudência, assim têm entendido:

"(...)

Em tema de crimes de natureza coletiva, em que não se mostre de logo possível a

individualização dos comportamentos - tal como no presente caso - , tem a

jurisprudência admitido, em atenuação aos rigores do art. 41 do CPP, que haja uma

descrição geral, calcada em fatos, da participação dos agentes no evento delituoso,

remetendo-se para a instrução criminal a decantação de cada ação criminosa." (STJ,

HC 22.411/PA, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 06/03/03)

PENAL. ART. 334, § 1º, ALÍNEA 'C' C/C ART. 29, TODOS DO CP. PRINCÍPIO

DO JUIZ NATURAL. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA.

MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO.

1. Demonstrada a competência do Juízo para o julgamento do feito, resta afastada a

alegação de incompetência do Juízo não havendo, portanto, ofensa ao princípio do

Juiz Natural.

2. Os crimes de autoria coletiva admitem a individualização das condutas no decorrer

da instrução criminal, razão pela qual não há falar em inépcia da inicial.

3. Demonstrado nos autos que o acusado utilizou em proveito próprio, no exercício de

atividade comercial, mercadorias de procedência estrangeira que sabia ser produto de

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

45

introdução clandestina em território nacional, resta caracterizado o delito tipificado

no art. 334, § 1º, alínea "c" do Código Penal.

4. O dolo no delito de descaminho é a vontade livre e consciente direcionada para a

realização da conduta, não exigindo o tipo penal nenhum comportamento específico

do sujeito para burlar o fisco.

ACR 200470000096412

ACR - APELAÇÃO CRIMINAL

Relator(a) TADAAQUI HIROSE

Sigla do órgão TRF4

Órgão julgador SÉTIMA TURMA

Fonte D.E. 21/03/2007

Não é demais lembrar que, no momento do

oferecimento da denúncia, vige o princípio do in dubio pro societate.

É claro que, decorrida a instrução processual, se os

elementos colhidos aos autos não forem suficientes para estabelecer com

segurança necessária a participação de cada corréu, cabe decretar a

absolvição, prevalecendo nesse momento o princípio constitucional in

dubio pro reo.

Assim, a denúncia descreveu os fatos com

elementos suficientes para instauração da ação penal, não trazendo

prejuízo para a defesa dos réus.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

46

g) Do cerceamento de defesa

Os argumentos levantados pelas defesas de HÉLIO

BENETTI PEDREIRA e de FÁBIO VICENTE DE CARVALHO,

FERNANDO MACHADO GRECCO, GUSTAVO HENRIQUE

CASTELLARI PROCÓPIO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES

LEMOS e MOACYR ALVARO SAMPAIO no que se refere ao

cerceamento de defesa por indeferimento de pedidos de diligências

formulados na fase prevista pelo art. 402 do Código de Processo Penal

foram examinados pela decisão de fls. 3478/3480, à qual me reporto

para afastar tal preliminar:

Trata-se de requerimentos apresentados na fase de diligências pela defesa dos

acusados Hélio Benetti (fls. 3383/3388), Fernando Machado, Marcílio Palhares,

Marcelo Naoki, Gustavo Henrique e Fábio Vicente (fls. 3392/3398) e Carlos Roberto

Carnevali (fls. 3407/3415).

O órgão ministerial manifestou-se às fls. 3419/3424.

Requer a defesa do réu Hélio a expedição de ofícios a empresas de telefonia, à

ANATEL e ao Departamento de Polícia Federal, a fim de obter informações sobre as

interceptações telefônicas realizadas no decorrer da fase de investigação.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

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Preliminarmente, observo que todos os dados, tais como, decisões, relatórios de

inteligência, mídias, ofícios expedidos e recebidos, relacionados às interceptações

realizadas, constam dos autos do procedimento criminal em apenso, aos quais a

defesa tem acesso para análise e cópias, podendo, assim, dirimir eventuais dúvidas

sobre as diligências realizadas.

Quanto aos pedidos relacionados à legalidade e objetividade na obtenção das provas,

não há nos autos qualquer indício de manipulação e adulteração por parte da

autoridade policial e seus agentes das provas obtidas ou mesmo a inadequação dos

aparelhos técnicos utilizados para a interceptação que possa justificar o requerimento

elaborado pela defesa

Ressalte-se, ainda, que nem mesmo foi aventada pelo réu em seu interrogatório (fls.

1537/1541 e 2313) eventual alteração nos diálogos mencionados durante o seu

depoimento.

Desse modo, fica indeferido o pedido da defesa, inclusive no que se refere à

transcrição da integralidade dos diálogos, nos termos da cota ministerial de fls.

3419/3424, na qual consta, inclusive, jurisprudências do Superior Tribunal Federal

sobre referido assunto.

Fica indeferida, por fim, a realização de perícia nas mercadorias apreendidas, uma

vez que as mesmas não são objeto de questionamento na presente ação e, sim, a

eventual importação ilegal das mesmas, por meio de interposição fraudulenta o que

poderá ser analisado com os documentos apreendidos e encaminhados pela Receita

Federal.

Com relação ao pedido elaborado pela defesa dos réus Fernando Machado Grecco e

outros, é certo que os eventuais documentos provenientes dos requerimentos nos itens

1 e 2, referentes às empresas Tecnosul Distribuidora de Produtos Eletrônicos e

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

48

Informática Ltda, Nacional Distribuidora de Eletrônicos Ltda, Brastec Tecnologia e

Informática Ltda, Prime Tecnologia Indústria e Comércio Ltda e ABC Industrial da

Bahia Ltda, poderão atestar apenas que as referidas empresas eram ativas, o que não

se discute, uma vez que as mesmas faziam importação, como se atesta em

informações já contidas nos autos, mas os documentos solicitados não esclarecerão se

tais empresas eram autônomas, o que será resolvido no mérito da ação, pois tal fato

diz respeito diretamente a existência de interposição fraudulenta.

Os documentos requeridos no item 3, referentes à expedição de ofício à empresa de

auditoria e consultoria KPMG, poderão ser juntados pela própria defesa, caso entenda

cabível e relevante ao deslinde do feito.

Quanto ao item 4, as informações trazidas pela defesa são muitos vagas, não havendo

elementos concretos que desqualifiquem a testemunha Gabriel Simões de Godoy, a

qual, inclusive, foi inquirida dentro das formalidades legais, sem contradita.

Ademais, as partes do processo em trâmite nos Estados Unidos, citado às fls. 3394,

não são as mesmas da presente ação penal, não guardando qualquer relação aparente

com estes autos, de modo que eventual pedido de cooperação internacional não seria

instruído com argumentos substanciais que possibilitassem àquele Juízo o

deferimento de remessa de cópia daquele feito.

No que tange ao pedido de perícia contábil, ressalto preliminarmente que a existência

de adiantamento não é elemento essencial da denúncia, a qual, inclusive, se atém ao

fato da circulação de valores entre as empresas ser muito rápida, chegando a ocorrer

no mesmo dia.

É certo ainda que, como já dito acima, tal fato foi apontado na denúncia, não tendo

surgido como elemento novo durante a instrução criminal. E, apenas para ressaltar, a

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

49

presente fase processual destina-se ao requerimento de diligências cuja necessidade

tenha se originado de circunstâncias aferidas na instrução.

É preciso considerar, também, que a conclusão de eventual existência de interposição

fraudulenta se formará a partir de diversos elementos, como, por exemplo, a

interceptação telefônica e telemática.

Assim, indefiro o pedido de perícia contábil requerido pela defesa e sublinho ainda,

como último argumento, o fato de que os documentos nos quais foram solicitada a

referida diligência podem não ser confiáveis, uma vez que são de empresas referidas

na denúncia como participantes de cadeia ilícita e podem ter sido elaborados

justamente para mascarar a relação entre as empresas.

Fica indeferido também a realização de exame nos documentos produzidos pela força

tarefa, pois não há que se falar em perícia nas autuações fiscais, tendo em vista que as

afirmações dos agentes responsáveis pela elaboração das mesmas possuem a

presunção de legitimidade.

No mais, não houve por parte da defesa impugnação específica, de modo que o

pedido de perícia em todo o conjunto de provas possui apenas caráter protelatório.

Quanto ao item 8, observo que os apensamentos realizados estão certificados às fls.

603, 977, 3356, 3357, 3403 e 3416, sendo que apenas o apensamento determinado às

fls. 1143, por um lapso, não foi certificado. No entanto, incabível a alegação da

defesa de desconhecimento de tais documentos, uma vez que, além do ofício juntado

aos autos às fls. 1124/1140, no qual estão relacionados os expedientes encaminhados,

há a própria decisão de apensamento. É preciso frisar ainda que os próprios

defensores que solicitaram a consolidação dos apensos extraíram cópias de tais

documentos, conforme se verifica às fls. 1511/1513.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

50

Desse modo, indefiro o item 8, uma vez que não há documentos instruindo o feito que

não tenham sido mencionados nos autos principais. Ademais a defesa sempre teve

acesso para exame e cópias de tais documentos, inclusive, do procedimento criminal

diverso que deu origem à presente ação penal.

Por fim, em relação ao requerimento elaborado pela defesa do réu Carlos Carnevali,

defiro a expedição de ofício à Receita Federal do Brasil, a fim de que seja

encaminhado a este Juízo cópia de eventual Auto de Infração lavrado contra a

empresa Cisco do Brasil, bem como da defesa apresentada pela mesma, desde que

decorrentes de fatos apurados durante as investigações da Operação Persona.

De toda sorte, a questão relativa à necessidade de

transcrição das interceptações telefônicas já foi devidamente analisada,

sendo certo que a defesa de HÉLIO BENETTI PEDREIRA, quando

entendeu necessário, promoveu a transcrição de diálogos conforme se

observa à fl. 4340.

II. MÉRITO

No mérito a ação penal deve ser julgada

parcialmente procedente para:

i) Condenar FERNANDO MACHADO

GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES,

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

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MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS,

MOACYR ALVARO SAMPAIO e REINALDO DE PAIVA GRILLO,

pela prática de 16 delitos capitulados no art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal, em continuidade delitiva, além do delito capitulado no art. 288,

caput do Estatuto repressivo.

ii) Absolver FERNANDO MACHADO GRECCO,

JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO NAOKI

IKEDA, MARCÍLIO PALHARES LEMOS, MOACYR ALVARO

SAMPAIO e REINALDO DE PAIVA GRILLO da imputação referente

aos 22 crimes de uso de documentos ideologicamente falsos.

iii) Absolver CARLOS ROBERTO CARNEVALI,

HÉLIO BENETTI PEDREIRA, GUSTAVO HENRIQUE

CASTELLARI PROCÓPIO, FÁBIO VICENTE DE CARVALHO,

EVERALDO BATISTA SILVA e LEANDRO MARQUES DA SILVA,

das acusações contidas na denúncia.

a) Considerações introdutórias

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

52

Antes de iniciar propriamente a análise do mérito

da causa, importa tecer algumas considerações a título de introdução

para facilitar a compreensão da decisão.

O primeiro ponto a ser ressaltado é que os fatos que

serão apreciados e decididos na presente sentença dizem respeito única e

exclusivamente à interposição fraudulenta em operações de importação

que resultou no cometimento de crimes capitulados no art. 334, § 1º,

“c”, além de uso de documentos ideologicamente falsos (art. 304 c.c.

art. 299, quanto a pena, ambos do Código Penal) e quadrilha (art. 288 do

Código Penal)

Outros fatos mencionados na representação

policial, denúncia e autuações da Receita Federal (como

subfaturamento, corrupção de fiscais, entre outros) são objeto de

investigações que prosseguem e, eventualmente, podem vir a

consubstanciar ações penais no futuro.

É certo que a chamada interposição fraudulenta

pode ter reflexos em tributos internos como é o caso do IPI, tendo sido

lavrados autos de infração contra a empresa MUDE e diversos

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

53

devedores solidários, entre pessoas jurídicas e físicas. Em função do

princípio da correlação, a presente sentença não tem o escopo de

examinar tais fatos, porque não fazem parte da denúncia.

Feitas tais considerações ficam, desde já,

rechaçados argumentos adotados pela defesa, os quais, caso acolhidos,

impediriam o julgamento do feito, quais sejam, a atipicidade do delito

de descaminho e a aplicação da súmula vinculante nº 24 do Supremo

Tribunal Federal.

a.1) Da alegada atipicidade do descaminho

As defesas entendem que, no caso em tela não

houve descaminho, mas a descrição fática da denúncia refere-se a crime

de sonegação posterior a entrada e desembaraço da mercadoria em solo

nacional.

Segundo entendimento esposado pelas defesas, o

que a “ocultação do real importador” mencionada na inicial pode

acarretar é a quebra da cadeia do IPI, na medida em que o importador

equipara-se a industrial para fins de pagamento do tributo em questão,

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

54

de forma que o “real importador”, ficando camuflado, não recolheria IPI

na entrada ou saída da mercadoria de seu estabelecimento. Ocorre que

tanto a entrada como a saída da mercadoria no estabelecimento do “real

importador” são ocorrências posteriores ao caracterizador do

descaminho, podendo ser caracterizado apenas como crime contra a

ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Ainda nos termos do entendimento das defesas, não

houve redução ou supressão de qualquer tributo referente a importação,

motivo pelo qual não há falar em descaminho.

Tais conclusões seriam corretas se o crime em

questão fosse o do caput do art. 334 do Código Penal. Nesse tipo penal

(no que se refere ao descaminho, deixando de lado o contrabando, que

possui características bastante distintas), conforme a própria dicção legal

deve o agente “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou

imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de

mercadoria”. Portanto não poder-se-ia falar em descaminho (do caput)

pela supressão ou redução de tributo em momento posterior à entrada da

mercadoria.

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55

Ocorre que o tipo penal referido na denúncia não

possui a mesma redação, vejamos:

Art. 334 (...)

§ 1º - Incorre na mesma pena quem:

(...)

c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em

proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial,

mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou

importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no

território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

Como se pode observar, o tipo penal em questão,

absolutamente autônomo em relação ao caput (poderia até mesmo

constituir um artigo diferente), não faz qualquer menção a não

pagamento de tributos, mas refere-se a importação fraudulenta ou

clandestina.

Ora, o que é a interposição fraudulenta em

operação de importação senão uma importação fraudulenta?

Considera-se fraude, de forma bastante genérica,

um esquema ilícito, artifício ou ardil criado para obter ganhos pessoais.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

56

A chamada interposição fraudulenta serve para mascarar o verdadeiro

importador, trazendo a este diversas vantagens, como não ser autuado

caso uma das empresas criadas para blindá-lo deixe de pagar tributos.

Portanto, a interposição fraudulenta em operações

de importação é uma forma fraudulenta de operar, havendo

correspondência total com o conteúdo do tipo do art. 334, § 1º, “c” do

Código Penal.

A alegação de que tal parágrafo foi introduzido no

Código Penal pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965, que tratava dos crimes de

sonegação fiscal em nada altera o panorama tratado. A natureza jurídica

de um instituto não se altera em função da lei que o introduziu no

ordenamento.

É certo que uma das formas de entender

determinados dispositivos é interpretar sistematicamente a lei ou código

onde está inserto, mas no caso em tela não se pode conferir natureza

tributária a um artigo apenas em função da lei que o veiculou.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

57

Ainda que a fraude tributária na importação seja

uma das modalidades enquadráveis no referido dispositivo ela não é a

única. A ocultação do real importador possui reflexos tributários e é

uma modalidade de fraude passível de ser enquadrada no referido

dispositivo.

Ressalte-se que a interposição fraudulenta refere-se

especificamente a operações de importação, portanto a fraude aparece

exatamente nessas operações, na medida em que a empresa que figura

legalmente como importadora não o é na realidade, portanto, há a total

adequação das condutas descritas ao dispositivo legal em comento.

Os fatos descritos na denúncia enquadram-se,

portanto, nos dispositivos legais referidos na inicial (art. 334, § 1º, “c”

do Código Penal) e não no caput do art. 334 do Código Penal, de tal

sorte que as alegações envolvendo eventual atipicidade em relação ao

crime de descaminho não merecem acolhida.

a.2) Da inaplicabilidade da súmula vinculante nº 24 do Supremo

Tribunal Federal

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

58

Não há falar, no caso em tela, em se aguardar o

final do processo administrativo fiscal para início da persecução penal.

A súmula vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal2 não encontra

aplicação neste feito.

Conforme considerações feitas acima, não se está

julgando crime contra a ordem tributária, mas sim delito capitulado no

art. 334, § 1º, “c” do Código Penal.

No presente caso, não se discute supressão, redução

ou mesmo não pagamento de tributos, a fraude em questão refere-se

unicamente a ocultação do real importador de mercadorias, nessa

medida impossível aguardar constituição definitiva de crédito tributário,

pois não há qualquer crédito pendente de constituição que interessa ao

deslinde do feito.

Portanto, a despeito de haver nos autos menção a

autuações de IPI, ainda sem definição no âmbito administrativo, a

sentença pode e deve ser regularmente prolatada, pois tais autuações não

2 NÃO SE TIPIFICA CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, PREVISTO NO ART. 1º, INCISOS I A IV, DA LEI Nº 8.137/90, ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

59

dizem respeito às acusações apreciadas, podendo constituir processo

penal autônomo no futuro caso sejam confirmadas e haja atuação do

Ministério Público Federal, titular da ação penal no caso.

a.3) Da natureza jurídica do crime de descaminho

Apesar de a referida súmula vinculante nº 24 do

Supremo Tribunal Federal referir-se apenas ao crime descrito no art. 1º,

I a IV, da Lei nº 8.137/90, é certo que sua aplicação não se restringe a

tal dispositivo.

Não há dúvidas de que a súmula deve ser aplicada

também ao delito previsto pelo art. 337A do Código Penal, em tudo

semelhante ao crime do art. 1º, da Lei nº 8.137/90, senão pelo fato de se

referir a contribuições previdenciárias enquanto que o tipo penal da lei

especial abarca os demais tributos.

Em relação ao crime de descaminho, não há

qualquer unanimidade doutrinária ou jurisprudencial a respeito da

aplicabilidade da citada súmula.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

60

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência, com raras

exceções, sempre apartaram o descaminho dos demais crimes

tributários, principalmente sob a alegação de que se trata de delito

pluriofensivo, ou seja, que visa proteger diversos bens jurídicos, como a

livre concorrência, a balança comercial, a indústria nacional, sendo o

interesse arrecadatório do Fisco apenas um dos bens jurídicos

defendidos pelo tipo penal em questão.

A classificação dos delitos entre pluriofensivos e

monoofensivos não traz muita luz a presente situação, pois os demais

crimes tributários (como a maioria dos crimes de modo geral) também

visam proteger diversos bens jurídicos. Aliás, a pluriofensividade do

descaminho deve-se em grande parte à função extrafical dos impostos

de importação e exportação, ou seja, a finalidade de tais exações não é

somente arrecadatória, mas também a de fomentar ou refrear

comportamentos com o objetivo precípuo de proteger o mercado

brasileiro. Tanto isso é verdade que suas alíquotas podem ser alteradas

pelo Executivo, sem a necessidade de lei, portanto, e sem respeitar o

princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b da Constituição

Federal).

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

61

Atualmente, decisões dos tribunais superiores vêm

entendendo que determinados fatos que se adequam formalmente ao tipo

penal do descaminho são atípicos, em função da aplicação do princípio

da insignificância.

Tais julgados, para balizar a significância da lesão,

não se atêm a qualquer outro bem jurídico que não o montante global da

dívida tributária.

Soa, portanto, incongruente dizer que o descaminho

não é um crime tributário em função de sua característica de delito

pluriofensivo, mas ao verificar a tipicidade material da conduta, valorá-

la exclusivamente no que pertine a lesão causada aos cofres públicos.

Nesse sentido, já há decisões, como as citadas em

memoriais defensivos3, determinando a aplicação do entendimento

contido na súmula vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal ao

crime de descaminho.

3 Superior Tribunal de Justiça – HC 109.205/PR – REL. MIN. JANE SILVA – 6ª TURMA – J. 02.10.2008

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

62

Contudo, no presente caso, a questão levantada

sobre a natureza de crime tributário do delito de descaminho

também não leva a necessidade de aguardar o término do processo

administrativo fiscal, isso porque todas as conclusões a respeito da

natureza tributária do crime de descaminho referem-se ao caput do

art. 334 do Código Penal e não ao delito sub judice, qual seja o do

parágrafo primeiro alínea “c” do mesmo artigo.

Reitera-se que não se discute nesta ação penal a

supressão ou redução de tributos. Não é relevante se os tributos

referentes à importação ou mesmo posteriores a ela foram ou não pagos.

Portanto, sendo a questão diretamente ligadas aos tributos irrelevante,

não há necessidade de aguardar sua constituição definitiva.

Feitas tais considerações cumpre asseverar que, a

despeito da quantidade de réus e do volume dos depoimentos e

documentos que compõe o presente feito, as questões envolvidas são

bastante simples.

Deve ser decidido, em apertada síntese, no que se

refere ao delito do art. 334, § 1º, “c” do Código Penal, dois pontos: i) se

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

63

os elementos contidos nos autos são suficientes para demonstrar que as

operações desenvolvidas pela MUDE, no que se refere a importações,

são realmente um modelo legal de negócios ou se devem ser

consideradas fraudulentas (materialidade); ii) em sendo decidida a

primeira questão pela ocorrência de fraude, quem são os responsáveis

por ela (autoria).

b) Materialidade do crime previsto no art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal

Frente aos elementos constantes dos autos é

possível concluir que as operações de importação descritas na inicial

foram feitas mediante fraude, tendo a empresa MUDE COMÉRCIO E

SERVIÇOS LTDA como real importadora sendo que as demais

empresas interpostas realizavam operações simuladas, com a finalidade

de mascarar a verdadeira feição da empresa MUDE.

As operações primavam pela importação

fraudulenta de produtos fabricados pela empresa CISCO SYSTEMS

INC. que chegavam ao real importador MUDE COMERCIO E

SERVIÇOS LTDA, após operações simuladas de compra e venda entre

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

64

empresas interpostas. Saliente-se que o montante das importações

superou a cifra de US$ 370.000.000,00 (trezentos e setenta milhões de

dólares americanos) nos últimos anos de operação.

As operações iniciavam-se com a encomenda de

produtos CISCO diretamente pela MUDE (o que é inclusive confirmado

pelos acusados e pelas defesas).

Ainda nos EUA a CISCO repassava os produtos

para empresa ligada a MUDE, inicialmente a FULFILL HOLDING (até

2005, aproximadamente), sócia majoritária da MUDE até janeiro de

2004. Posteriormente, em virtude de suspeitas da Receita Federal de que

a MUDE estaria adquirindo produtos de si mesma, a FULFILL foi

substituída pela MUDE USA LLC no que diz respeito à aquisição de

produtos da CISCO INC e a 3TECH INTERNATIONAL, no que

pertine às importações.

Observa-se que o acusado MOACYR ALVARO

SAMPAIO, CEO da MUDE é sócio da MUDE USA LLC. A 3TECH

INTERNATIONAL, por sua vez é ligada a PAULO MOREIRA,

responsável pelos despachos aduaneiros do grupo, pois pertence a JOSE

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65

RICARDO GANTUS, ex-funcionário e sócio de PAULO, mas que atua

sob seu comando, mesma situação das exportadoras LATAM

TECHNOLOGY CORP e ROMFORD TRADING CORP.

A MUDE se utiliza também da Exportadora

LOGCIS EXPORT LCC, também titularizada por MOACYR ALVARO

SAMPAIO, CEO da MUDE, juntamente com Luis Scarpelli Filho. A

outra exportadora interposta é a empresa GSD TECHNOLOGIES LLC

também ligada ao grupo.

O Grupo MUDE realizava operações fraudulentas

de importação por meio das pretensas importadoras ABC, BRASTEC,

WAYTEC e PRIME e das distribuidoras TECNOSUL e NACIONAL.

Importante salientar que as importadoras não

tinham estrutura física e de pessoal suficientes a suportar o grande

montante das operações realizadas.

Tais empresas eram controladas por CID

GUARDIA FILHO (KIKO) e ERNANI BERTINO MACIEL, sendo que

os sócios das “importadoras” e “distribuidoras” eram offshores e pessoas

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

66

sem capacidade econômico-financeira para serem proprietárias de

empresas que movimentavam milhões de reais, chamados “laranjas”.

Apesar de KIKO e ERNANI aparentemente fossem

apenas consultores das empresas, assumiram em seus interrogatórios

judiciais que efetivamente as controlavam:

Interrogatório de ERNANI BERTINO MACIEL (autos 0014732-

04.2007.403.6181)

A CIDER tinha dois sócios, o interrogando e CID GUARDIA. CID era da área

operacional das importações e o interrogando, como auditor aposentado, tratava da

área dos tributos internos. A CIDER fazia a gestão das empresas importadoras. O

interrogando e CID eram “os dono do negócio de venda e compra das mercadorias”.

Os donos das empresas as administravam nas questões formais, como junto a Bancos

e outras questões menores.

Interrogatório de CID GUARDIA FILHO (KIKO) (autos 0014732-

04.2007.403.6181) É verdade que promovia o gerenciamento das empresas ABC, BRASTEC e PRIME

por meio da empresa CIDER, no período descrito na denúncia. Os sócios da ABC,

BRASTEC e PRIME, descritos no contrato social, são considerados pelo

interrogando como parceiros comerciais. (...) O interrogando, em relação às

importadoras, gerenciava a aquisição dos produtos, recolhimento dos tributos,

terceirizava o gerenciamento de frete e os recebimentos. A movimentação financeira

das importadoras ficava a cargo dos sócios. O interrogando determinava a alocação

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

67

dos recursos recebidos com a importação, por exemplo, dessa venda, 30% fica na

conta-corrente e 70% será utilizado para compra de mais mercadorias.

Pois bem, a MUDE se valia das importadoras

titularizadas por laranjas e controladas por KIKO e ERNANI para

internar no país mercadorias encomendadas pela própria MUDE na

empresa CISCO INC nos EUA.

Havia alternância das importadoras utilizadas

(ABC, BRASTEC e PRIME), mas, invariavelmente, eram controladas

pelos acusados KIKO e ERNANI. Além disso, a “venda” era feita a

distribuidoras, também participantes do esquema (TECNOSUL e

NACIONAL) com um lucro ínfimo.

A empresa importadora WAYTEC, a qual não era

controlada por KIKO e ERNANI foi utilizada pela MUDE em função da

abertura de procedimento especial de fiscalização sobre a BRASTEC e

parametrização em canal cinza pela PRIME.

As empresas importadoras de fachada (todas!)

alegam ter contratado a empresa WHAT´S UP para gerenciar as

importações. Ocorre que a WHAT’S UP nada mais era que a divisão de

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

68

importação da empresa MUDE, comandada por REINALDO GRILLO,

ex-funcionário da própria MUDE, mas que dela nunca se desvinculou

realmente.

Ademais todas as empresas valiam-se das mesmas

distribuidoras, TECNOSUL e NACIONAL, o que reforça a tese de

interposição fraudulenta.

Cabia à MUDE, ainda, o pagamento de todas as

despesas de importação. Apesar de o dinheiro circular por todas as

empresas da cadeia (MUDE – distribuidora – importadora), isso ocorria,

no mais das vezes, no mesmo dia e com o objetivo de mascarar de forma

mais adequada a situação de real importadora ostentada pela empresa

MUDE.

Ademais, todo o processo de importação era

controlado pela MUDE, por intermédio da WHAT’S UP, sendo que o

setor financeiro, de responsabilidade de MARCÍLIO PALHARES

LEMOS, era encarregado de realizar o pagamento que seguia, em

cascata e em prazo de tempo bastante curto, para as distribuidoras e

importadoras.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

69

O relatório da Receita Federal (CD de fl. 8857 dos

autos 2005.61.81.009285-1, senha INFORMATICA) que instruiu a

denúncia, analisando extratos bancários e interceptações telefônicas,

descreveu casos exemplificativos de valores transferidos da MUDE para

importadoras e distribuidoras. O referido relatório demonstra por meio

do saldo na conta bancária das importadoras que só com a chegada dos

recursos era feito o registro da operação de importação, momento em

que são pagos os tributos.

Aliás, referido relatório, o qual embasou a

representação final da Autoridade Policial, bom como a própria inicial

acusatória, elenca todas as provas das operações fraudulentas bem como

do comando exercido pela empresa MUDE sobre a cadeia de empresas

formada para blindá-la. Para tanto, colaciona conversas telefônicas

interceptadas, documentos apreendidos e interceptações telemáticas

realizadas durante a investigação, a fim de comprovar que a destinatária

final das importações era a MUDE. Portanto, e para evitar transcrições

do relatório referido remeto-me a ele para fundamentar a presente

sentença no que diz respeito aos elementos de convicção utilizados para

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

70

concluir pela existência de interposição fraudulenta nas operações

descrita na denúncia.

As defesas, na verdade, não negam que o trânsito

das mercadorias seja o descrito na denúncia, apenas alegam que se trata

de um modelo de negócio válido, lícito e que busca resultados

comerciais mais favoráveis.

Ocorre que, conforme já mencionado há

comprovação do controle por parte da MUDE via WHAT’S UP de todo

o processo de importação.

Além disso, não há explicação plausível para a

utilização de tantas pequenas empresas importadoras, sem estrutura

física com sócios sem nenhuma capacidade econômica para gerir

negócios de tal vulto.

Não se explica, ainda, como tal sistema daria mais

agilidade as operações se o controle era, afinal, todo feito pela MUDE,

havendo mais obstáculos pelo grande número de passagens da

mercadoria. Aliás a existência do referido controle descaracteriza a

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

71

alegação de que a MUDE não teria expertise suficiente em importações

e por isso não as realizaria.

Saliento, por fim, que o próprio site da Receita

Federal na Internet esclarece sobre as modalidades de importação, a fim

de levar aos contribuintes informações suficientes para que não haja

perda das mercadorias ou cometimento de ilícitos.

A explicação de importação por conta e ordem de

terceiro e importação por encomenda, bem como os cuidados

necessários para a realização de importação direta, pela clareza e

detalhamento merecem ser transcritos, lembrando que as informações

são oriundas do site http://www.receita.fazenda.gov.br:

IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIRO

A importação por conta e ordem de terceiro é um serviço prestado por uma empresa –

a importadora –, a qual promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de

importação de mercadorias adquiridas por outra empresa – a adquirente –, em razão

de contrato previamente firmado, que pode compreender ainda a prestação de outros

serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de

preços e a intermediação comercial (art. 1º da IN SRF nº 225/02 e art. 12, § 1°, I, da

IN SRF nº 247/02).

Assim, na importação por conta e ordem, embora a atuação da empresa importadora

possa abranger desde a simples execução do despacho de importação até a

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

72

intermediação da negociação no exterior, contratação do transporte, seguro, entre

outros, o importador de fato é a adquirente, a mandante da importação, aquela que

efetivamente faz vir a mercadoria de outro país, em razão da compra internacional;

embora, nesse caso, o faça por via de interposta pessoa – a importadora por conta e

ordem –, que é uma mera mandatária da adquirente.

Em última análise, é a adquirente que pactua a compra internacional e dispõe de

capacidade econômica para o pagamento, pela via cambial, da importação.

Entretanto, diferentemente do que ocorre na importação por encomenda, a operação

cambial para pagamento de uma importação por conta e ordem pode ser realizada em

nome da importadora ou da adquirente, conforme estabelece o Regulamento do

Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI – Título 1, Capítulo 12, Seção

2) do Banco Central do Brasil (Bacen).

Dessa forma, mesmo que a importadora por conta e ordem efetue os pagamentos ao

fornecedor estrangeiro, antecipados ou não, não se caracteriza uma operação por sua

conta própria, mas, sim, entre o exportador estrangeiro e a empresa adquirente, pois

dela se originam os recursos financeiros.

Cuidados especiais A escolha entre importar mercadoria estrangeira por conta própria ou por meio de um

prestador de serviço contratado para esse fim é livre e perfeitamente legal. Entretanto,

há cuidados simples que devem ser tomados pelas empresas adquirentes de produtos

importados por terceiros para que não sejam surpreendidas pela fiscalização tributária

e sejam autuadas ou, até mesmo, tenham suas mercadorias apreendidas.

Além da observância dos requisitos, condições e obrigações tributárias acessórias

anteriormente elencados, é importante frisar que, na importação por conta e ordem de

terceiro, o fato de o importador, na qualidade de mandatário do adquirente, registrar a

declaração de importação (DI) em seu nome não caracteriza uma operação própria,

mas, sim, por ordem do adquirente, do mandante, que o contratou para tal fim.

Ainda que o importador recolha os tributos incidentes na importação ou venha a

efetuar pagamentos ao fornecedor estrangeiro, com recursos financeiros fornecidos

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

73

pelo adquirente (como adiantamento ou acerto de contas) para a operação contratada,

a empresa contratante é a real adquirente das mercadorias importadas e não a empresa

contratada, que é, nesse caso, uma mera prestadora de serviços.

Embora seja a importadora que promova o despacho de importação em seu nome e

efetue o recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação de mercadorias (II,

IPI, Cofins-Importação, PIS/Pasep-Importação e Cide-Combustíveis), é a adquirente

– a mandante da operação de importação – aquela que efetivamente faz vir a

mercadoria de outro país, em razão da compra internacional.

Conseqüentemente, embora o importador seja o contribuinte dos tributos federais

incidentes sobre as importações, o adquirente das mercadorias é responsável solidário

pelo recolhimento desses tributos, seja porque ambos têm interesse comum na

situação que constitui o fato gerador dos tributos, seja por previsão expressa de lei.

(vide arts. 124, I e II da Lei nº 5.172, de 1966 - CTN; arts. 103, I, e 105, III, do

Decreto nº 4.543, de 2002; arts. 24, I, e 27, III, do Decreto nº 4.544, de 2002; arts. 5º,

I, e 6º, I, da Lei nº 10.865, de 2004; e arts. 2º e 11 da Lei nº 10.336, de 2001).

Outro cuidado a observar se refere à legislação de “valor aduaneiro” e de “preços de

transferência”. Uma vez que o importador por conta e ordem é um mero prestador de

serviço e a empresa adquirente da mercadoria a importadora de fato, a essa pessoa

jurídica devem ser aplicadas as restrições e determinações previstas na legislação de

“valor aduaneiro” e de “preços de transferência”.

Assim, por exemplo, quando empresas brasileiras, subsidiárias ou coligadas de

empresas sediadas no exterior, contratam intermediários para promoverem

importações por sua conta e ordem para o Brasil, de produtos fornecidos por suas

matrizes ou outras subsidiárias ou coligadas estrangeiras, em termos fiscais, a

operação se dá entre empresas vinculadas, devendo-se observar, nesse caso, as regras

de “preços de transferência” de que tratam os artigos 18 a 24 da Lei nº 9.430/96 e as

regras de valoração aduaneira de mercadorias importadas entre pessoas vinculadas,

em especial, aquelas constantes dos artigos 15 a 19 da IN SRF nº 327/03.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

74

Da mesma forma, quando da apuração do imposto de renda sobre as suas operações, a

empresa adquirente deve observar as determinações dos artigos 18 a 24 da Lei nº

9.430/96, do artigo 4º da Lei nº 10.451, de 2002, e da IN SRF nº 188, de 2002, no que

se refere às importações próprias ou por sua conta e ordem realizadas de países ou

dependências com tributação favorecida ou que oponham sigilo relativo à composição

societária de pessoas jurídicas, haja ou não sua vinculação com o exportador

estrangeiro.

Adicionalmente, deve-se ressalvar que, mesmo que o importador e o adquirente não

contabilizem corretamente a operação por conta e ordem efetivamente realizada, nem

cumpram com todos os requisitos e condições estabelecidos na legislação que trata

desse assunto, ainda assim, o real adquirente das mercadorias será o responsável

solidário pelas obrigações fiscais geradas pela importação efetivada, por força da

presunção legal expressa no artigo 27 da Lei 10.637, de 2002, em virtude de que dela

são os recursos utilizados na operação.

A inobservância desses requisitos e condições pode acarretar, ainda, desde o

lançamento de ofício dos tributos e acréscimos legais eventualmente devidos até o

perdimento das mercadorias importadas.

Ressalte-se que a caracterização de indícios de irregularidades nesse tipo de operação

autoriza a aplicação de procedimentos especiais de controle, previstos na IN SRF nº

52, de 2001, na IN SRF nº 206, de 2002, assim como na IN SRF nº 228/02, podendo

as mercadorias permanecer retidas por até 180 dias, para execução do correspondente

procedimento de fiscalização, visando a apurar as eventuais irregularidades ocorridas.

A ocultação do real adquirente na importação, mediante fraude ou simulação, além de

acarretar o perdimento da mercadoria, tem sérias implicações perante a legislação de

valoração aduaneira, porque pode ocultar transações entre pessoas relacionadas – que

têm tratamento normativo distinto – e do Imposto de Renda, relativamente aos preços

de transferência. Por essa razão, o adquirente deve sempre se fazer identificar nas

declarações de importação, cujas mercadorias tenha adquirido no exterior.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

75

Dispõem ainda os artigos 59 e 60 da Lei nº 10.637/02 que se presume fraudulenta a

interposição de terceiros em operação de comércio exterior quando não comprovada a

origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos empregados, sujeitando a

mercadoria à pena de perdimento e o importador à declaração de inaptidão de sua

inscrição.

Finalmente, recomenda-se que as empresas adquirentes, em razão da sua

responsabilidade solidária pelos tributos incidentes nas importações, exijam das

importadoras contratadas os comprovantes de recolhimento de tributos não efetuados

eletronicamente por meio do Siscomex, referentes às transações que realizarem,

mantendo-os em boa guarda e ordem pelo prazo decadencial previsto na legislação

tributária.

IMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA A importação por encomenda é aquela em que uma empresa adquire mercadorias no

exterior com recursos próprios e promove o seu despacho aduaneiro de importação,

a fim de revendê-las, posteriormente, a uma empresa encomendante previamente

determinada, em razão de contrato entre a importadora e a encomendante, cujo objeto

deve compreender, pelo menos, o prazo ou as operações pactuadas (art. 2º, § 1º, I, da

IN SRF nº 634/06).

Assim, como na importação por encomenda o importador adquire a mercadoria junto

ao exportador no exterior, providencia sua nacionalização e a revende ao

encomendante, tal operação tem, para o importador contratado, os mesmos efeitos

fiscais de uma importação própria.

Em última análise, em que pese a obrigação do importador de revender as

mercadorias importadas ao encomendante predeterminado, é aquele e não este que

pactua a compra internacional e deve dispor de capacidade econômica para o

pagamento da importação, pela via cambial. Da mesma forma, o encomendante

também deve ter capacidade econômica para adquirir, no mercado interno, as

mercadorias revendidas pelo importador contratado.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

76

Ressalte-se ainda que, diferentemente da importação por conta e ordem, no caso da

importação por encomenda, a operação cambial para pagamento da importação deve

ser realizada exclusivamente em nome do importador, conforme determina o

Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI – Título 1,

Capítulo 12, Seção 2) do Banco Central do Brasil (Bacen).

Outro efeito importante desse tipo de operação é que, conforme determina o artigo 14

da Lei nº 11.281, de 2006, aplicam-se ao importador e ao encomendante as regras de

preço de transferência de que tratam os artigos 18 a 24 da Lei nº 9.430, de 1996. Em

outras palavras, se o exportador estrangeiro, nos termos dos artigos 23 e 24 dessa lei,

estiver domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida e/ou for

vinculado com o importador ou o encomendante, as regras de “preço de

transferência” para a apuração do imposto sobre a renda deverão ser observadas.

Cuidados especiais A escolha entre importar mercadoria estrangeira por conta própria ou por meio de um

intermediário contratado para esse fim é livre e perfeitamente legal. Entretanto, há

cuidados simples que devem ser tomados pelas empresas encomendantes de produtos

importados por terceiros para que não sejam surpreendidas pela fiscalização tributária

e sejam autuadas ou, até mesmo, tenham suas mercadorias apreendidas.

Além da observância dos requisitos, condições e obrigações tributárias acessórias

anteriormente elencados, é importante frisar que, na importação por encomenda, o

fato do importador, na qualidade de contratado do encomendante, registrar a

declaração de importação (DI) em seu nome e utilizar seus próprios recursos para

levar a efeito a operação faz com que se produza, para o importador contratado, os

mesmos efeitos fiscais de uma importação própria.

Entretanto, embora seja o importador que promove o despacho de importação em seu

nome, efetua o recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação de

mercadorias (II, IPI, Cofins-Importação, PIS/Pasep-Importação e Cide-Combustíveis)

e, conseqüentemente, seja ele o contribuinte dos tributos federais incidentes sobre as

importações, a empresa encomendante das mercadorias é também o responsável

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

77

solidário pelo recolhimento desses tributos, seja porque ambos têm interesse comum

na situação que constitui o fato gerador dos tributos, seja por previsão expressa de lei.

(vide arts. 124, I e II da Lei nº 5.172, de 1966 - CTN; arts. 32, parágrafo único, “d”, e

95, VI, do Decreto-Lei nº 37, de 1966).

Um outro cuidado que as empresas devem ter se refere à legislação de “preços de

transferência”. Por força da determinação expressa no artigo 14 da Lei nº 11.281/06,

sempre que houver vinculação entre o exportador estrangeiro e a empresa

importadora ou a encomendante – nos termos do artigo 23 da Lei nº 9.430, de 1996 –

ou, ainda, havendo ou não essa vinculação, quando o exportador estrangeiro for

domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida ou que oponha sigilo

relativo à composição societária de pessoas jurídicas – nos termos do artigo 4º da Lei

nº 10.451, de 2002, e da IN SRF nº 188, de 2002 – a empresa importadora e/ou a

encomendante deve(m) observar as determinações dos artigos 18 a 24 da Lei nº

9.430/96, quando da apuração do imposto de renda sobre as suas operações.

Adicionalmente, por força da presunção legal estabelecida no § 2º do artigo 11 da Lei

nº 11.281/06, se a importadora e a encomendante não cumprirem com todos os

requisitos e condições estabelecidos na legislação de importação por encomenda, para

fins fiscais, a importação realizada será considerada por conta e ordem de terceiro e

acarretará para a empresa encomendante:

- Que ela seja responsável solidária pelo imposto de importação e eventuais

penalidades relativas a esse imposto aplicáveis à operação;

- Que ela seja equiparada a estabelecimento industrial e, conseqüentemente,

contribuinte do imposto sobre produtos industrializados (IPI) incidente nas operações

que realizar com as mercadorias importadas; e

- A aplicação das mesmas normas de incidência das contribuições para o PIS/PASEP

e COFINS sobre a sua receita bruta que são aplicáveis ao importador comum.

A inobservância dos requisitos e condições previstos na legislação pode acarretar

ainda desde o lançamento de ofício dos tributos e acréscimos legais eventualmente

devidos até o perdimento das mercadorias importadas.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

78

Ressalte-se que a caracterização de indícios de irregularidades nesse tipo de operação

autoriza a aplicação de procedimentos especiais de controle, previstos na IN SRF nº

52, de 2001, na IN SRF nº 206, de 2002, assim como na IN SRF nº 228/02, podendo

as mercadorias permanecer retidas por até 180 dias, para execução do correspondente

procedimento de fiscalização, visando a apurar as eventuais irregularidades ocorridas.

A ocultação do encomendante da importação, mediante fraude ou simulação, além de

acarretar o perdimento da mercadoria, tem sérias implicações perante a legislação de

valoração aduaneira, porque pode ocultar transações entre pessoas relacionadas, que

têm tratamento normativo distinto, e do Imposto de Renda, relativamente aos preços

de transferência. Por essa razão, o encomendante deve sempre se fazer identificar nas

declarações de importação, cujas mercadorias tenham sido por ele encomendadas

para importação no exterior.

Dispõem ainda os artigos 59 e 60 da Lei nº 10.637/02 que se presume fraudulenta a

interposição de terceiros em operação de comércio exterior quando não comprovada a

origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos empregados, sujeitando a

mercadoria à pena de perdimento e o importador à declaração de inaptidão de sua

inscrição.

Resta claro, portanto, que os responsáveis pela

empresa MUDE, caso efetivamente não desejassem realizar importação

direta de mercadorias, deveriam se valer de uma das modalidades

descritas, a fim de deixar claro seu papel nas operações e não incorrer

em ilícito penal.

c) Da continuidade delitiva

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

79

A denúncia se refere ao cometimento de 16 crime

de descaminho por meio de fraude, contudo requer a condenação nos

termos do art. 69 do Código Penal, ou seja, deseja que os crimes sejam

considerados como cometidos em concurso material.

O caso é de continuidade delitiva.

A despeito da alternância de empresas

importadoras nas operações, o modus operandi utilizado foi idêntico em

todas elas. O Ministério Público Federal descreve algumas operações a

título exemplificativo e informa que as demais ocorreram da mesma

forma, o que reforça ainda mais a tese do crime continuado.

Efetivamente os administradores da empresa

MUDE se valiam de empresas interpostas para mascarar a condição de

efetivos importadores. Tal ocorreu de forma semelhante em todas as

operações referidas na inicial.

O lapso temporal entre um delito e outro, bem

como as condições de lugar em que os crimes ocorreram, também

remetem à ocorrência de crime continuado.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

80

Nessa medida, deve ser aplicada a regra, benéfica

aos réus, do art. 71 do Código Penal.

d) Autoria dos crimes previstos no art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal

Conforme já mencionado, tendo em vista o

reconhecimento da materialidade delitiva do crime previsto no art. 334,

§ 1º, “c” do Código Penal, resta identificar, de forma fundamentada, os

autores de tal delito. Vejamos:

d.1) FERNANDO MACHADO GRECCO

FERNANDO MACHADO GRECCO, juntamente

com JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES, MARCELO

NAOKI IKEDA e MOACYR ALVARO SAMPAIO eram os

administradores da empresa MUDE, com atuação diuturna na referida

empresa, bem como controle e conhecimento de sua forma de atuação.

Tal fato, ao menos em relação aos três primeiros, é incontroverso, pois

assumido em interrogatório e, em nenhum momento contestado pela

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

81

defesa:

(...) É um dos sócios da MUDE, além de diretor de marketing e

produtos. Atua na estratégia da empresa no mercado, buscando novos

clientes e mantendo os atuais. Relaciona-se com fornecedores e

fabricantes. É responsável pela tecnologia de suporte aos clientes. Sua

atuação na área operacional era limitada, contudo tinha conhecimento

do sistema de compras da MUDE.

Os demais acusados com atuação na administração

da MUDE confirmaram os fatos, conforme já dito, incontroversos:

JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536

FERNANDO é sócio da MUDE BRASIL e diretor de marketing e

produtos, responsável pelo relacionamento com os fornecedores e

montagem de portfolio.

MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587

A MUDE é basicamente controlada por cinco pessoas: os sócios

HELIO e FERNANDO, sendo que o último também é diretor de

marketing; o interrogando, diretor de vendas; JOSE ROBERTO, diretor

operacional; e MOACYR, o presidente. Os principais gerentes são

RONALDO CHIARELI, FRANCISCO GANDIN, MARCILIO

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

82

LEMOS, MARCO MACHADO e GUSTAVO PROCÓPIO. Reitera

que os únicos sócios são HELIO e FERNANDO, sendo que HELIO

está há algum tempo afastado das atividades da empresa, não

exercendo função específica.

MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528

FERNANDO GRECCO era sócio e diretor de marketing da MUDE.

(...) No dia-a-dia a MUDE era comandada por JOSE ROBERTO,

MARCELO IKEDA e FERNANDO GRECCO.

MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601

FERNANDO era diretor de marketing e produtos.

GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO fls.

1589/1594

FERNANDO é diretor de marketing e produtos da MUDE.

A testemunha de defesa DANIEL RUSSO

CHECCHINATO, ouvido às fls. 3006/3007 afirmou saber que

FERNANDO trabalhava na MUDE como diretor de marketing. Tal fato

foi confirmado pela testemunha ANTENOR PAGLIONE JUNIOR (fls.

2903/2905) diretor da PROMOM, empresa que vendia equipamentos

CISCO e também por RENATO CARNEIRO (fls. 2898/2900).

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

83

ADRIANO HADA, ouvido como testemunha,

trabalha em uma empresa fabricante de produtos de informática e a

MUDE recentemente passou a ser distribuidora desses produtos (fls.

2684/2686) afirmou que “as reuniões que fez com a MUDE tiveram

como representantes da empresa MARCELO IKEDA e FERNANDO

GRECCO".

Além disso, conforme afirmado pelo Ministério

Público Federal, FERNANDO foi sócio de diversas empresas que

teriam precedido à MUDE e em outras que com ela se relacionam, tais

fatos foram reconhecidos em seu interrogatório judicial:

Foi sócio da UNIÃO DIGITAL, com uma pequena participação de

3,5%, por ser um funcionário que os sócios majoritários gostariam de

manter. Na época trabalhava na parte técnica e um pouquinho no

marketing, mas não tinha voz de comando na empresa. O interrogando

é presidente da MUDE INVESTMENTS. Trata-se de uma empresa

controlada cem por cento pela MUDE BRASIL e localiza-se nos

Estados Unidos. O objetivo da empresa era fazer investimentos no

exterior, pensando, também numa expansão internacional da MUDE

BRASIL. Foi sócio da FULFILL DISTRIBUIDORA durante cerca de

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

84

um mês quando da abertura da empresa. Sua participação era de 1% ou

menos. O interrogando iria trabalhar na empresa, mas mudou de idéia e

acabou saindo. Abriu uma empresa de assessoria na área de

informática, na época. Não se recorda de haver participado da

FULFILL SERVIÇOS. Se o interrogando não se engana Projeto TDC

(doc. 120) diz respeito a uma empresa situada na Bahia e que promove

manufatura de produtos na área de informática. A CISCO estava

interessada em manufaturar produtos no Brasil e a MUDE fez a ponte

entre a CISCO e a TDC. Não havia relação direta entre a MUDE e a

TDC.

Comprovada, portanto a atuação de FERNANDO

MACHADO GRECCO na administração da MUDE, o que torna

induvidosa a autoria delitiva.

d.2) JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES

JOSÉ ROBERTO era diretor de operações da

MUDE e responsável direto pelas ilicitudes cometidas nas operações de

importação mediante interposição fraudulenta.

Profundo conhecedor do sistema, sendo, inclusive,

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

85

responsável pelos contatos com o grupo de KIKO e ERNANI,

responsáveis pelas empresas de fachada:

(...) De fevereiro de 2006 até a deflagração da operação foi diretor de

operações da MUDE. (...) A diretoria de operações abrange as áreas

financeira, de estoque, logística, administrativa e de tecnologia da

informação.

A participação ativa de JOSÉ ROBERTO na

administração da empresa MUDE foi confirmada pelos demais acusados

e não foi sequer objeto de contestação por parte da defesa, sendo

incontroversa:

MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587

A MUDE é basicamente controlada por cinco pessoas: os sócios

HELIO e FERNANDO, sendo que o último também é diretor de

marketing; o interrogando, diretor de vendas; JOSE ROBERTO, diretor

operacional; e MOACYR, o presidente. Os principais gerentes são

RONALDO CHIARELI, FRANCISCO GANDIN, MARCILIO

LEMOS, MARCO MACHADO e GUSTAVO PROCÓPIO. Reitera

que os únicos sócios são HELIO e FERNANDO, sendo que HELIO

está há algum tempo afastado das atividades da empresa, não

exercendo função específica.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

86

MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528

JOSE ROBERTO era Diretor Operacional da MUDE. (...) No dia-a-dia

a MUDE era comandada por JOSE ROBERTO, MARCELO IKEDA e

FERNANDO GRECCO.

MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601

O interrogando atuava na MUDE como consultor financeiro, no cargo

de gerente financeiro, subordinado a JOSE ROBERTO, que era diretor

de operações e finanças.

FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547

JOSÉ ROBERTO era diretor de operações e finanças da MUDE. O

interrogando confiava as duas áreas integralmente a JOSE ROBERTO.

JOSE ROBERTO entrou na MUDE em 2006 para profissionalizar o

processo de finanças da empresa, a fim de prepará-la para uma abertura

de capital ou para venda.

Frente a tal conjuntura, JOSÉ ROBERTO deve ser

responsabilizado pelas operações de importação fraudulentas referidas

na inicial, pois era o principal responsável por tais transações, por estar

à frente da Diretoria de operações da empresa MUDE.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

87

d.3) MARCELO NAOKI IKEDA

Diretor comercial da MUDE, MARCELO IKEDA

também era um dos administradores daquela empresa, e conhecedor do

sistema de compras da MUDE, o qual, conforme já analisado, consiste

em interposição fraudulenta. Segue transcrito parte de seu interrogatório

judicial:

(...) O interrogando é diretor comercial da MUDE. (...) A CISCO,

atuando no mercado de usuários finais desenvolve projetos com

parceiros e propõe soluções. Nesse momento entra a MUDE que prima

pela eficiência, principalmente no prazo e relativamente nos custos.

Quando o parceiro fecha um projeto com o usuário final, faz o pedido à

MUDE e inicia-se o contrato de compra. A MUDE BRASIL faz o

pedido diretamente à CISCO nos Estados Unidos. Esclarece que no

início de 2006 foi criada a MUDE USA, uma empresa americana,

criada por uma demanda da CISCO e dos Bancos Americanos para

avaliarem a linha de crédito que a MUDE tinha no exterior. Trata-se de

uma empresa enxuta e com pouca mão-de-obra. Os sócios estão tendo

dificuldades de estruturar a empresa, pois a realidade americana é

muito diferente da brasileira. Retomando a questão da compra, após o

pedido os produtos são entregues a uma agente consolidor de carga, a

seguir para exportadores, importadores, distribuidores e finalmente

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

88

chega à MUDE. (...) A colocação do pedido é feita eletronicamente

diretamente pela MUDE BRASIL.

Os demais acusados apontam MARCELO IKEDA

como diretor comercial da MUDE e um dos responsáveis por sua

administração:

JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536

MARCELO é diretor comercial da MUDE.

FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547

MARCELO IKEDA era um dos gestores da empresa e diretor

comercial da MUDE. Cuidava do dia-a-dia da área de vendas,

relacionando-se com clientes, sendo responsável por cotações e

descontos. MARCELO era responsável por atingir os números

constantes no forecast anual da empresa.

MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528

No dia-a-dia a MUDE era comandada por JOSE ROBERTO,

MARCELO IKEDA e FERNANDO GRECCO. (...) MARCELO

IKEDA era diretor comercial da MUDE.

MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601

MARCELO IKEDA era diretor comercial.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

89

GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO fls.

1589/1594

MARCELO é diretor comercial da MUDE.

ADRIANO HADA, ouvido como testemunha,

trabalha em uma empresa fabricante de produtos de informática e a

MUDE recentemente passou a ser distribuidora desses produtos (fls.

2684/2686) afirmou que “as reuniões que fez com a MUDE tiveram

como representantes da empresa MARCELO IKEDA e FERNANDO

GRECCO".

RENATO CARNEIRO testemunha ouvida às fls.

2898/2900 e ANTENOR PAGLIONE JUNIOR, (diretor da PROMOM,

empresa que vendia equipamentos CISCO) testemunha ouvida às fls.

2903/2905 também confirmaram que MARCELO era diretor comercial

da MUDE.

Tais fatos comprovam a autoria delitiva também

em relação a MARCELO IKEDA, justificando sua condenação pelo

crime assimilado ao descaminho.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

90

d.4) MOACYR ALVARO SAMPAIO

O Acusado MOACYR ALVARO SAMPAIO era

CEO (Chief Executive Officer) da MUDE, tendo ciência e domínio das

operações fraudulentas, além de se beneficiar dos lucros advindos das

mesmas.

Apesar de afirmar em seu interrogatório que seu

cargo era “exclusivamente institucional”, admitiu conhecimento das

operações da MUDE, tanto que ministrou palestra em evento da CISCO

sobre a MUDE, tendo, inclusive, recebido prêmio em nome da MUDE

como “distribuidor de maior valor agregado no mundo”.

O co-réu MARCELO IKEDA apontou MOACYR

como um dos controladores da MUDE:

MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587

A MUDE é basicamente controlada por cinco pessoas: os sócios

HELIO e FERNANDO, sendo que o último também é diretor de

marketing; o interrogando, diretor de vendas; JOSE ROBERTO, diretor

operacional; e MOACYR, o presidente. Os principais gerentes são

RONALDO CHIARELI, FRANCISCO GANDIN, MARCILIO

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

91

LEMOS, MARCO MACHADO e GUSTAVO PROCÓPIO. Reitera

que os únicos sócios são HELIO e FERNANDO, sendo que HELIO

está há algum tempo afastado das atividades da empresa, não

exercendo função específica.

O também acusado REINALDO GRILLO apontou

MOACYR como responsável pelas diretrizes da MUDE:

REINALDO DE PAIVA GRILLO fls. 1603/1607

MOACYR é um dos diretores da MUDE, que dá as diretrizes.

A testemunha de defesa CURT FELIPE

LOWENHAUPT, declarou conhecer MOACYR como integrante da

empresa MUDE:

CURT FELIPE LOWENHAUPT fls. 2689/2691

O depoente é sócio proprietário da empresa NET SUL de Porto Alegre

e sua empresa tinha e tem relações comerciais com a MUDE.

Conhece MOACYR SAMPAIO, HELIO, MARCILIO, FERNANDO

GRECCO, que são da MUDE, de encontros em eventos da CISCO.

Não conhece os demais réus. Com MARCILIO tinha um contado maior

no trato e negociação de aprovação de créditos.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

92

Além disso, MOACYR era sócio da empresa

MUDE USA, a qual adquiria produtos CISCO nos EUA, para remeter a

MUDE Brasil, o que comprova, com maior grau de certeza o

envolvimento de MOACYR nas operações de importação fraudulenta de

mercadorias:

FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547

MOACYR era presidente da MUDE e seu papel era institucional de

relação com clientes. Além disso era sócio da MUDE USA, empresa

situado nos Estados Unidos que tinha relação com fabricantes,

principalmente a CISCO, além de instituições financeiras. MOACYR

estava auxiliando no processo de internacionalização da MUDE

BRASIL.

JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536

A MUDE USA tem como sócios LUIZ SCARPELLI e MOACYR

SAMPAIO. (...) a MUDE USA tinha como objetivo o contato próximo

com os fabricantes na área de tecnologia, localizados nos Estados

Unidos.

MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587

Os produtos são comprados da CISCO pela MUDE USA. A MUDE

USA não é responsável pela parte operacional nos Estados Unidos. A

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

93

colocação do pedido é feita eletronicamente diretamente pela MUDE

BRASIL. A MUDE USA não faz exportação. Para o transporte a

MUDE USA contrata empresas nos Estados Unidos. Não sabe precisar

quem faz as exportações.

Além da MUDE USA o acusado tinha participação

na empresa LOGCIS EXPORT LCC, empresa exportadora localizada

nos EUA que participava das operações de importação fraudulenta.

MOACYR atuava, portanto, nas duas pontas, desde

a exportação das mercadorias dos EUA, por meio da MUDE USA, até o

recebimento delas no Brasil pela MUDE Brasil.

Não prevalece, desta forma, a tese de que não

participava diretamente da administração da empresa MUDE, devendo

ser responsabilizado criminalmente por suas ações nas operações

fraudulentas.

d.5) MARCÍLIO PALHARES LEMOS

MARCÍLIO era gerente financeiro da MUDE

responsável pela tesouraria e contas a pagar e receber, além da

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

94

controladoria.

Desempenhando tal função, participava ativamente

das operações de importação fraudulenta, não sendo um mero

empregado da MUDE, a despeito de ser subordinado a JOSÉ

ROBERTO PERNOMIAN, diretor de operações e finanças.

A testemunha PATRICIA SAVIOLI FOLCHITO,,

prestadora de serviços da MUDE, ouvida às fls. 2100/2103 confirma a

participação de REINALDO nas importações:

Conhece a WHAT’S UP e seu responsável é REINALDO GRILLO.

Essa empresa cuidava de toda a administração da importação até a

chegada do produto na MUDE. Observa que essa empresa cuidava,

também, de compras da MUDE que não eram feitas por importação.

Além das funções que desempenhava na MUDE, o

acusado em questão admitiu em seu interrogatório judicial que era

procurador da empresa FULFILL HOLDING, compradora de produtos

CISCO nos EUA, que teria transferido créditos para a MUDE USA:

É procurador da FULFILL HOLDING que pertence a investidores

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

95

estrangeiros, chamados ANDRÉS SANCHES e FORTES. (..) A fulfill

holding DETINHA contrato de compra com a CISCO nos Estados

Unidos. As compras eram financiadas pela GE FINANCIAL. A

FULFILL tinha créditos com a CISCO referentes a ações de marketing

e processos de devolução, chamados RMA ou stock rotation,

REFERENTES a produtos defeituosos ou obsoletos. Como a FULFILL

estava em fase de encerramento e não tinha mais débitos com a

CISCO/GE, transferiu seus créditos para a MUDE USA. A MUDE

USA é quem hoje detém o contrato de compra com a CISCO. Esclarece

que foi feito um contrato de cessão de créditos entre a FULFILL e a

MUDE USA para que esta recebesse os créditos.

Nessa medida, MARCÍLIO tinha conhecimento e

controle das operações de importação fraudulenta desde a origem nos

EUA até a chegada dos produtos na MUDE.

MARCÍLIO recebia participação nos lucros da

empresa MUDE, conforme planilha eletrônica encontrada em sua

residência e referida nas alegações finais do Ministério Público Federal

(fl. 3920), o que faz do acusado beneficiário direto do sistema de

interposição fraudulenta em operações de importação.

O próprio MARCÍLIO admitiu fazer parte do

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

96

“grupo dos Seis”, referido em conversas telefônicas interceptadas,

dando conta de que não era um simples gerente subordinado. O réu

menciona que seria convidado a tornar-se sócio efetivo da empresa

MUDE:

O grupo dos 6 referido em uma mensagem eletrônica interceptada, diz

respeito aos seis gerentes da MUDE, o interrogando e FRANCISCO

GANDIN, MARCOS MACHADO, ODILON, RONALDO

CHIARELLI e REINALDO GRILLO. (...) Aos seis gerentes

mencionados seria feita uma proposta para que se tornassem sócios da

MUDE em janeiro de 2008, o que, em face do ocorrido, não vai

acontecer.

Considerando a comprovação da participação de

MARCÍLIO nas operações de interposição fraudulenta, deve ser

condenado pelo crime do art. 334, § 1º, “c” do Código Penal.

d.6) REINALDO DE PAIVA GRILLO

REINALDO GRILLO era responsável pela

empresa WHAT’S UP, que nada mais era do que o departamento de

importações da MUDE.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

97

O acusado é sócio das empresas FULFILL

SERVIÇOS LTDA e FULFILL DISTRIBUIDORA, também ligadas ao

sistema de interposição fraudulenta, tendo sido procurador da FULFILL

HOLDING, empresa com sede em paraíso fiscal e que foi sócia

majoritária da MUDE.

REINALDO trabalhou na empresa PHASE2

SERVIÇOS DIFERENCIADOS LTDA a qual tem MARCÍLIO como

sócio e que já foi titularizada por FERNANDO GRECCO. Além disso

trabalhou na área de importação da MUDE, antes da pretensa

desativação de tal área.

O réu é responsável por gerenciar as importações,

também desde a saída da mercadoria dos EUA até a chegada na empresa

MUDE, variando a empresa importadora utilizada, conforme orientação

de KIKO e ERNANI, conforme admitiu em seu interrogatório judicial.

O acusado, a exemplo de MARCÍLIO fazia parte

do chamado “grupo dos Seis”, referido em conversas telefônicas

interceptadas. Aliás, o acusado MARCÍLIO referiu-se a REINALDO

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

98

como um dos gerentes da MUDE:

MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601

REINALDO é coordenador da WHAT’S UP. (...) O grupo dos 6

referido em uma mensagem eletrônica interceptada, diz respeito aos

seis gerentes da MUDE, o interrogando e FRANCISCO GANDIN,

MARCOS MACHADO, ODILON, RONALDO CHIARELLI e

REINALDO GRILLO.

WALTER FLAMENGO SALLES, sócio da

BRASTEC, uma das empresas importadoras que teria “contratado” a

WHAT’S UP, ouvido às fls. 2138/2141, também identificou

REINALDO como sendo da MUDE.

Dos réus conhece somente REINALDO GRILLO, EVERALDO

BATISTA e FABIO VICENTE DE CARVALHO. Conhece esses réus

da empresa MUDE.

REINALDO, portanto, participava das operações,

beneficiava-se diretamente das mesmas, devendo ser condenado pelas

fraudes praticadas.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

99

d.7) HÉLIO BENETTI PEDREIRA

HÉLIO BENETTI PEDREIRA, era sócio da

empresa MUDE, contudo o Ministério Público Federal não se

desincumbiu do ônus de comprovar sua participação na administração

da referida empresa.

A responsabilidade penal é subjetiva, não podendo

haver condenação de quem quer que seja somente por figurar no

contrato social de empresa. Não há comprovação de que HÉLIO

participasse dos fatos ilícitos praticados na empresa MUDE, aliás, bem

ao contrário, os elementos dos autos indicam que ele não participava da

administração da referida empresa.

Em seu interrogatório judicial, HÉLIO afirmou que

nunca administrou a MUDE, mas na época dos fatos estaria mais

afastado ainda da empresa, em função de uma disputa de poder interna:

(...) Tem formação de engenheiro eletrônico e sempre trabalhou no

mercado, principalmente de produtos estrangeiros de tecnologia que

poderiam ser consumidos no Brasil. Nunca gostou da área

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

100

administrativa. Aceitou ser sócio da MUDE POR três motivos:

primeiro porque a empresa estava indo muito bem e tinha um bom

potencial de crescimento. Como exemplo do potencial do crescimento

informa que atualmente há dez milhões de aceso à banda larga e

internet e o número pode chegar facilmente a trinta milhões; segundo

porque não precisaria integralizar capital. O capital seria integralizado

pelos resultados da empresa. Havia ainda a possibilidade de ganho de

capital por meio da venda da empresa ou abertura em Bolsa; terceiro

porque exerceria função mercadológica, em relação ao futuro da

empresa e a busca de novos produtos e mercados. É sócio da MUDE

desde junho de 2006. Nunca teve interesse em administrar a empresa

tanto que outorgou procuração delegando poderes a terceiros,

principalmente na área administrativa que não é seu núcleo de

conhecimento. Houve uma disputa de poder na empresa e o

interrogando passou a ser excluído. Deixou de ser ouvido nas reuniões.

Tal fato repercutiu negativamente no interrogando que entrou em

depressão. Perdeu sete quilos e teve lapsos de memória. Sua família se

mobilizou preocupada com a sua saúde. Isso tudo ocorreu no final de

2006 e início de 2007. (...) Não tem conhecimento do processo de

aquisição dos produtos pela MUDE.

A falta de conhecimento do acusado em questão

sobre as operações da MUDE chamaram a atenção deste juízo logo no

início da instrução, servindo, inclusive, como um dos argumentos que

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

101

referendaram a revogação da prisão preventiva de HÉLIO (decisão que

revogou a prisão preventiva de HÉLIO - fls. 1648/1649):

Todos os interrogandos foram uníssonos em afirmar que o acusado

HÉLIO nunca administrou a MUDE. Apesar de ser sócio, pouco

freqüentava a empresa e outorgou procurações para que fosse

representado por terceiros na administração da mesma.

Fato que chamou a atenção durante o interrogatório, foi a afirmação de

que GUSTAVO PROCÓPIO era da área jurídica da MUDE, quando,

na verdade, tal indivíduo atua, hoje em dia, na área de operações. A

resposta foi extremamente rápida e sincera, o que demonstra que

HÉLIO não estava ciente das modificações mais recentes no

organograma da empresa, o que parece atestar seu afastamento da

mesma.

HÉLIO esclareceu, de forma razoável, algumas interceptações

telefônicas que lastreiam a denúncia, reforçando a tese de sua parca

atuação na empresa MUDE. Tal fato, por si só, já enfraquece a questão

referente à ordem econômica.

Efetivamente as afirmações de HÉLIO foram

corroboradas nos demais interrogatórios dos corréus e por testemunhas

ouvidas durante a instrução:

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

102

FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547

HELIO não tinha função no dia-a-dia da empresa. Acompanhava a

empresa de longe e comparecia a reuniões mensais.

JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536

HELIO é sócio da MUDE BRASIL e não tinha função operacional.

Supervisionava um pouco os diretores e participava eventualmente de

reuniões.

MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587

Reitera que os únicos sócios são HELIO e FERNANDO, sendo que

HELIO está há algum tempo afastado das atividades da empresa,

não exercendo função específica.

MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528

HELIO BENETI era apenas sócio da MUDE, mas não participava das

atividades da empresa.

GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO fls.

1589/1594

HELIO é sócio da MUDE, mas não participava do dia a dia da

empresa. O interrogando nunca o viu lá.

FÁBIO VICENTE DE CARVALHO fls. fls. 1633/1636

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

103

Conhece HELIO, mas ele não ficava na MUDE, nunca esteve na

MUDE.

PATRICIA SAVIOLI FOLCHITO

já viu HELIO algumas vezes na MUDE, mas, pelo que sabe, ele não

tinha nenhuma atuação específica dentro da empresa.

O Ministério Público Federal, com o fim de

imputar autoria a HÉLIO, cita alguns diálogos dos quais teria

participado, contudo tais indícios foram refutados de forma convincente

no interrogatório de HÉLIO:

Em relação à interceptação mencionada no doc. 116, esclarece que tem

o costume de comprar produtos pela internet, como lentes de óculos,

por exemplo. Como sempre tem pessoas que vêm dos Estados Unidos

ao Brasil, eventualmente pede para essas pessoas trazerem os produtos.

No calor da conversa usou o termo “nosso funcionário”, mas não tinha

a intenção de qualificá-lo como funcionário da MUDE BRASIL. A

conversa telefônica mencionada no doc. 115 diz respeito a uma

máquina de depilação a laser. Esclarece que um amigo possui uma

empresa de depilação a laser e o interrogando presta alguns favores a

esse amigo. A interceptação refere-se a uma conversa do interrogando

com CARLOS CARVALHO, gerente da empresa de seu amigo, sobre

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

104

a eventual importação de uma máquina de um fabricante chamado

CANDELAS. O interrogando estava apenas buscando auxiliar

CARLOS sobre quem poderia importar a máquina.

Nessa medida, não havendo provas da participação

de HÉLIO nos crimes descritos na inicial, ele deve ser absolvido, com

fulcro no art. 386, V do Código de Processo Penal.

d.8) CARLOS ROBERTO CARNEVALI

O acusado em questão foi apontado pelo Ministério

Público Federal como sócio oculto da MUDE, pois teria ligação com

HÉLIO e MOACYR há anos, nas empresas COSELE, da qual teria sido

sócio, e UNIÃO DIGITAL.

Conforme a acusação, CARNEVALI teria sido

citado em documentos apreendidos como uma das pessoas que receberia

percentual no caso de venda da empresa.

Outros documentos apreendidos dão conta de sua

participação do conselho de administração da MUDE.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

105

Há, ainda, menção de recebimentos de pagamentos

do grupo MUDE por meio de offshores.

Além disso, foram apreendidos em seu poder

documentos com informações sobre a empresa MUDE e há áudios em

que CARNEVALI discute com MOACYR questões relativas à empresa.

Ocorre que todos os elementos foram impugnados

pela defesa, tornando, no mínimo incertas as alegações da acusação.

Vejamos:

O acusado afirmou em seu interrogatório (fls.

1517/1522) que nunca dirigiu a COSELE, apesar de haver trabalhado lá

com HÉLIO, tal convívio foi interrompido por anos, só sendo retomado

em 1996, quando já era presidente da CISCO DO BRASIL há dois anos.

Afirmou que a CISCO só passou a fazer negócios

com a empresa UNIÃO DIGITAL, de propriedade de HÉLIO, em

função de uma negociação internacional em que a CISCO INC comprou

a NEW PORT, que era representada no Brasil pela empresa de HÉLIO:

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

106

O interrogando nunca foi sócio de HELIO PEDREIRA na empresa

COSELE. Trabalhavam num mesmo Grupo de empresas pertencentes a

um americano chamado TERRY MOFFAT, em lugares físicos

diferentes e recebendo percentuais de valores ínfimos apenas como

motivação. Perdeu contato com HELIO por volta de 1988, quando foi

incumbido por TERRY de despedir HELIO. Voltou a encontrá-lo

apenas em 1995 ou 1996 em feira da área eletroeletrônica. Naquela

época a UNIÃO DIGITAL vendia produtos da empresa NEW PORT.

Tal empresa foi adquirida pela CISCO nos Estados Unidos. As

empresas que operavam com a NEW PORT tiveram a possibilidade de

passar a representar a CISCO.

A informação foi corroborada por HÉLIO em seu

interrogatório (fls. 1537/1541):

Trabalhou na área de componentes eletrônicos. CARLOS

CARNEVALI também trabalhou na COSELE, mas na área de

máquinas e ferramentas. (...). Conheceu CARLOS CARNEVALI na

COSELE no início da década de 80, tornando-se seu amigo. Perdeu o

contato com ele em 1988, voltando a encontrá-lo em 1995 na Feira

TELEXPO. Na época CARLOS comandava a CISCO. O interrogando

na época possuía uma empresa, a UNIÃO DIGITAL PERIFÉRICOS,

que era distribuidora da NEWPORT. Na época o interrogando apostava

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

107

na comunicação de dados como um novo produto para o futuro. A

NEWPORT foi comprada pela CISCO. Em função disso iniciaram-se

as operações da UNIÃO DIGITAL com a CISCO.

Quanto à alegada condição de sócio oculto da

MUDE, a afirmação baseou-se em elementos que foram rechaçados pela

defesa tornando a questão incerta.

CARNEVALI afirmou que dispunha de

documentos da MUDE e buscava informações da empresa junto a

MOACYR, pois estava sendo sondado para participar da mesma, na

medida em que estava em vias de ser demitido da CISCO:

O diálogo referido no item 95 da denúncia e no doc. 80 que a

acompanha foi travado entre o interrogando e MOACYR no contexto

de uma festa que ocorreu em função da saída do interrogando da

CISCO. Da festa participaram cerca de treze empresas representantes e

parceiras da CISCO que “enamoravam” o interrogando para contratá-

lo. A contratação seria para que as empresas entrassem no mercado, por

meio de transformação em S/A (IPO). Esclarece que desde dezembro

de 2006 o interrogando teve iniciado um afastamento de suas funções

promovido pela CISCO SYSTEM. Tal fato vazou na imprensa e outras

empresas passaram a ter conhecimento dele. Aproximadamente na

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

108

mesma época, um head hunter de uma empresa no México foi

contratado para buscar um executivo que substituiria o interrogando na

CISCO. Uma das empresas que “namoravam” o interrogando era a

MUDE. O diálogo, portanto, ocorreu nesse contexto. O interrogando

afirma que estranhou o comportamento de HELIO na festa. Nunca

recebeu qualquer participação da MUDE. Seu sigilo bancário está

absolutamente aberto e os documentos referentes às suas

movimentações foram apreendidos pela Polícia Federal. Nunca deu

expediente na MUDE. Foi à MUDE apenas uma vez no último ano ou

dois, para ministrar uma palestra. A MUDE é quem procurava o

interrogando, pois havia um processo de venda da empresa para a

WESTCOM, por meio do UNIBANCO. O interrogando não havia

decidido para qual empresa iria, até porque havia outra duas empresas

que o sondavam, mas acredita que a MUDE queria fazer crer que o

interrogando iria para lá. A MUDE e as outras duas empresa, buscando

sua valorização, gostariam que o interrogando participasse de um

Conselho, com outros notáveis do mercado. Esclarece que para fazer

parte do Conselho deveria ser imparcial, o que enfraquece a acusação

de que era sócio oculto da MUDE, pois se fosse não seria convidado

para tal Conselho. Não sabe se o Conselho teria a denominação de Q4.

Em relação ao documento de fl. 5037 do Apenso 20, informa que a

sigla CC não corresponde ao interrogando. Nunca recebeu oito milhões

de reais em nenhuma negociação e reafirma que seus documentos

bancários estão em poder da Polícia Federal. Não só a MUDE, mas

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

109

várias outras empresa, enviavam calhamaços de documentos ao

interrogando na tentativa de “enamorar-se” dele. Acredita que o

documento referido seja um dos documentos enviados pela MUDE

para que o interrogando analisasse. O interrogando recebeu também

por e-mail documentos de outras empresas (como contratos sociais e

planos, inclusive planos de remuneração) que tinham o objetivo de dele

“enamorar-se”. Não conhece as testemunhas arroladas pela acusação.

Os demais acusados confirmam a versão

apresentada por CARNEVALI, que foi também corroborada por

testemunhas de defesa:

JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES fls. 1529/1536

CARLOS é da CISCO. Soube, no Presídio, que CARLOS foi desligado

da CISCO. A relação de CARLOS com a MUDE era de fornecedor.

FERNANDO MACHADO GRECCO fls. 1542/1547

CARLOS CARNEVALI era executivo da CISCO e o contato do

interrogando com ele era bastante esporádico. Mais recentemente

CARLOS mudou de função e passou a ter mais tempo livre. Nessa

oportunidade surgiu uma oportunidade de venda da empresa MUDE

para a WESTCON. O interrogando estava à frente da negociação e

estava sendo aconselhado por CARLOS. A ajuda prestada por

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

110

CARLOS era informal e em função de seu relacionamento com HELIO

PEDREIRA, sócio do interrogando.

MARCELO NAOKI IKEDA fls. 1580/1587

Conhece CARLOS da CISCO. Ficou sabendo que ele não está mais na

CISCO. Sabia que ele estava se afastando. Teve alguns contatos

esporádicos com CARLOS. Assistia palestras e apresentações. Mais

recentemente estava tentando se aproximar de CARLOS para trazê-lo

ao time da MUDE.

MOACYR ALVARO SAMPAIO fls. 1523/1528

CARLOS CARNEVALI é amigo de vinte anos do interrogando e era

executivo da CISCO para a América Latina há três ou quatro anos.

Não tinha contato com a MUDE. Após o anúncio da aposentadoria de

CARLOS, o interrogando intensificou contato com CARLOS buscando

sua assessoria em processo de venda da MUDE. CARLOS vinha

fazendo o mesmo trabalho para outras empresas. CARLOS participou

de algumas reuniões com FERNANDO GRECCO a fim de delinear a

forma de ajuda que CARLOS prestaria à MUDE. A assessoria não

chegou a se concretizar, mas CARLOS recebeu diversas informações e

documentos sobre a MUDE.

MARCÍLIO PALHARES LEMOS fls. 1596/1601

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

111

Teve raríssimos contatos com CARLOS CARNEVALI em eventos

profissionais entre MUDE e CISCO. Sabe que CARLOS era presidente

da CISCO.

ARNALDO DEHÉ NETO (fls. 3202/3202)

Participou de várias reuniões com CARLOS CARNEVALI, discutindo

a possibilidade de realizar uma parceria ou a venda da empresa para

CARLOS ou ainda a vinda de CARLOS para trabalhar na empresa.

Documentos e planilhas de todas as informações referentes à empresa

foram enviados para CARLOS CARNEVALI para análise. Tais

documentos foram enviados, salvo engano, de abril a agosto/setembro

de 2007. As negociações acabaram não evoluindo. Soube que

CARLOS CARNEVALI ia sair da CISCO por TERRY MOFAT, pelo

próprio CARLOS e também pela imprensa.

WINSTON CINTRA PEGLER (fls. 2514/2516)

No 2º semestre de 2007 soube que CARNEVALI estava planejando

terminar sua relação de emprego com a CISCO. (...) Quando teve a

notícia de que CARNEVALI sairia da CISCO o procurou para trazê-lo

para sua empresa

Ademais, na época dos fatos, CARNEVALI

trabalhava como presidente da CISCO viajando constantemente para

fora do Brasil, o que se não impedisse, pelo menos dificultaria bastante

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

112

sua atuação efetiva como sócio oculto da empresa MUDE:

Com a explosão da bolha (2002/2004) houve uma redução no quadro

de funcionários em todo o cone Sul em cerca de cinqüenta por cento. O

interrogando passou a atuar em todo o cone Sul e, posteriormente, em

2004/2005, na América Latina e Caribe. Sua função continuou sendo

de interessar empresas de telecomunicações, bancos, governo e

indústria a utilizarem da tecnologia. Exercia uma função de relações

públicas da empresa. (...) Está distante do Brasil há cerca de sete ou

oito anos, quando passou a ser responsável pelo cone Sul e América

Latina. O responsável pelo contato da CISCO com as empresas

representantes (distribuidoras de produtos e integradoras de sistemas)

sempre foi feito pelo diretor de canais, MARCOS SENA, responsável,

inclusive, pelo certificação, homologação e elaboração da parte

contratual dos representantes junto à CISCO EUA, sempre assistido

juridicamente pelo escritório TRENCH WATANABE. Passava fora do

país mais de cinqüenta por cento de sua vida, no período em que ficou

responsável pela América Latina.

Depoimentos prestados por testemunhas não

contraditadas confirmam tais alegações:

ANTENOR PAGLIONE JUNIOR fls. 2903/2905

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

113

O depoente era diretor da PROMOM, empresa que vendia

equipamentos CISCO.

CARLOS CARNEVALI era diretor geral da CISCO.

CURT FELIPE LOWENHAUPT fls. 2689/2691

O depoente é sócio proprietário da empresa NET SUL de Porto Alegre

e sua empresa tinha e tem relações comerciais com a MUDE. (...)

conhece CARLOS CARNEVALI, por ser da CISCO.

RENATO CARNEIRO fls. 2898/2900

conhece CARLOS CARNEVALI, pois ele era Presidente da CISCO no

Brasil. Encontrou CARLOS em eventos CISCO e palestras. Não sabe

se CARLOS trabalhou na MUDE.

Por fim, foram trazidas pela defesa diversas

notícias dando conta de que CARNEVALI sempre lutou para implantar

uma fábrica de componentes CISCO no país, o que ia de encontro com

os objetivos da MUDE.

Todas essas circunstâncias, somadas ao fato de a

acusação não ter provado de forma cabal o relacionamento de

CARNEVALI com a MUDE, sequer pelos documentos que menciona

dando conta de pagamentos via offshores, fazem com que tal réu deva

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

114

ser absolvido, por ausência de elementos que comprovem a autoria

delitiva.

d.9) GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO

O Ministério Público Federal imputa a GUSTAVO

PROCÓPIO as acusações de ter conhecimento do esquema de

importações fraudulentas e participar da administração jurídica do grupo

no Brasil e no exterior.

GUSTAVO é apontado, ainda, como procurador da

empresa NORDSTROM , offshore que detinha 99,84% das cotas da

MUDE.

O acusado em questão é advogado da MUDE e

presta serviços por meio de um escritório, CASTELLARI PROCÓPIO

ADVOGADOS.

Assumiu o cargo de gerente de operações pouco

antes da deflagração da operação, tendo alegado em seu interrogatório

que:

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

115

O interrogando levou as funções administrativa e de advogado, mas

sequer chegou a exercer o cargo de gerente operacional em função dos

acontecimentos.

O que se infere das provas produzidas contra

GUSTAVO é que possivelmente tinha conhecimento do esquema, mas

não participava da direção da empresa MUDE e nem das operações de

importação propriamente.

Foi advogado da empresa o que explica seu

conhecimento sobre os quadros sociais da MUDE e de constar como

procurador de algumas empresas, sem que as tenha administrado.

Conforme explicou em seu interrogatório judicial,

foi chamado para ser procurador da NORDSTROM TRADING pelos

diretores da MUDE, LUIZ SCARPELLI, FERNANDO GRECCO e

MARCELO IKEDA, mas sequer sabe quem são os sócios ou

proprietários.

Na sua função de advogado, aprendeu toda a parte burocrática de

abertura de empresas. Era muito comum que o interrogando ficasse

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

116

como procurador ou até administrador da empresa, para fins, por

exemplo, de abertura de contas em bancos, depois, saía da empresa e a

deixava para quem o contratou.

Ademais, eventual blindagem da MUDE por meio

de empresas offshores não fazem parte das acusações em julgamento.

Apenas o conhecimento sobre o esquema

fraudulento, o qual também não restou totalmente comprovado, não é

suficiente para responsabilizar criminalmente um advogado subordinado

aos efetivos dirigentes da empresa, sem que tenha tomado parte efetiva

nas operações de importação fraudulenta.

Portanto, nos termos do art. 386, V do Código de

Processo Penal GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI PROCÓPIO

deve ser absolvido das acusações, ante o princípio do favor rei.

d.10) FÁBIO VICENTE DE CARVALHO

FÁBIO era funcionário da empresa MUDE

subordinado a MARCÍLIO. Foi denunciado, pois seria “coordenador de

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

117

tesouraria”.

FÁBIO participava das operações de importação,

pois era o “contas a pagar”, entretanto diversos funcionários da MUDE

que não foram sequer investigados também participavam de alguma fase

da aquisição das mercadorias CISCO. A questão é: FÁBIO tinha ciência

da ilicitude das operações e tinha a dimensão exata do complicado

esquema montado para a aquisição dos produtos CISCO pela MUDE?

Não há provas nesse sentido.

O acusado não pode ser responsabilizado

criminalmente sendo um empregado da empresa que participava de uma

fase de um grande processo sem que haja comprovação de seu dolo, o

que não ocorreu no caso em tela. O dolo deve englobar, por certo, o fato

de o agente vislumbrar a atuação ilícita de forma ampla e não apenas

exercer função estanque dentro do esquema.

Todas as testemunhas arroladas pela defesa de

FÁBIO confirmaram sua condição de empregado, bem como afirmaram

que o acusado nunca ostentou riqueza, sendo de classe média, o que

reforça a ausência de dolo, em função de não haver aparentemente se

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

118

beneficiado pelo esquema.

Importa ressaltar que num crime praticado por

sociedade licitamente constituída, a responsabilização de um

empregado, também lícita e formalmente contratado, só é possível se

houver comprovação cabal de seu dolo, o que não ocorreu na presente

ação penal.

Portanto, FÁBIO CARVALHO deve ser absolvido

das acusações, por ausência de prova de ter praticado conduta dolosa.

d.11) EVERALDO BATISTA SILVA

EVERALDO foi apontado pela acusação como

responsável pela execução e operacionalização do esquema comandado

na WHAT’S UP por REINALDO GRILLO.

Efetivamente o acusado em questão trabalhava na

empresa WHAT’S UP e participava da operação de um dos momentos

da operação que tinha como objetivo ocultar a empresa MUDE como

real importadora dos produtos CISCO.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

119

Ocorre que EVERALDO era apenas um empregado

da WHAT’S UP não havendo qualquer prova de que participasse do

esquema de maneira consciente e sequer que tivesse ciência da situação

global.

Do que se depreende de seu interrogatório, o réu

acompanhava o fluxo dos produtos importados após sua internação e

sequer tinha contato com os administradores da empresa MUDE.

Não havendo provas de que o réu sabia que

participava de uma operação ilícita e considerando que era apenas um

empregado e não auferia qualquer benefício com a interposição

fraudulenta, deve ser absolvido por falta de provas, conforme determina

o princípio a ser observado quando da prolação de sentença, qual seja, o

in dubio pro reo.

d.12) LEANDRO MARQUES DA SILVA

A situação de LEANDRO é bastante similar à de

EVERALDO.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

120

LEANDRO também era empregado da empresa

WHAT’S UP e as imputações feitas pelo Ministério Público Federal são

bastante semelhantes às formuladas em face de EVERALDO, ou seja,

de participar da operacionalização do esquema de interposição

fraudulenta.

A exemplo de EVERALDO, LEANDRO era

responsável pelo acompanhamento de produtos antes da internação no

território nacional. Também era subordinado a REINALDO GRILLO e

tinha pouco contato com os réus que administravam a MUDE.

Também em relação a LEANDRO não há

elementos que indiquem o dolo em participar do esquema de

interposição fraudulenta ou sequer se tinha noção do quadro global.

Nessa medida, sua absolvição é de rigor.

e) Do crime de uso de documentos falsos

Nos termos da fundamentação que tratou da

materialidade do crime capitulado no art. 334, § 1º, “c” do Código

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

121

Penal, todas as pretensas operações comerciais entre empresas

importadoras, distribuidoras e a MUDE eram simuladas com a

finalidade de ocultar esta última como real importadora.

Nessa medida, todas as notas fiscais de compra e

venda que dizem respeito a tais operações são ideologicamente falsas,

pois as operações nelas representadas não ocorreram efetivamente.

Alega o Ministério Público Federal que a utilização

de tais notas fiscais entre as pretensas importadoras, as pretensas

distribuidoras e a MUDE, por terem ocorrido após a efetiva importação

das mercadorias, não são absorvidas pelo delito assimilado a

descaminho, em função dos fatos terem ocorrido em momento posterior

ao da entrada das mercadorias, revelando “desígnios autônomos”.

Já as defesas entendem aplicável o princípio da

consunção, havendo absorção da falsidade pelo crime do art. 334, § 1º,

“c” do Código Penal.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

122

Efetivamente não há falar em delitos autônomos

de uso de documentos falsos, na medida em que a utilização de tais

documentos faz parte da fraude empregada, trata-se de crime único.

Caso se tratasse do crime de descaminho do caput

do art. 334 do Código Penal, o uso de documentos falsos utilizados na

importação seriam absorvidos pelo crime fim. Por exemplo, caso ocorra

a importação de um bem e declare-se a internação de outro de menor

valor, reduzindo o valor a pagar a título de tributos, há unicamente o

crime de descaminho, havendo a absorção do uso de documento

ideologicamente falso.

Por outro lado, caso haja a internação de bem sem

o pagamento dos tributos devidos (caracterizando, portanto, o crime de

descaminho) e posteriormente, após o desembaraço, a falsificação de

documentos para facilitar a comercialização do bem, dizendo, por

exemplo, que este é nacional, estaremos diante de dois crimes

autônomos, descaminho e falsidade documental.

No caso em tela, contudo, não se pode olvidar que

o crime em questão não é o do caput do art. 334 do Código Penal e sim

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

123

o do parágrafo primeiro, alínea “c” do mesmo dispositivo. Nesse crime,

a fraude compõe o tipo, aliás, o próprio Ministério Público Federal

pugnou pela condenação pelo reconhecimento de “interposição

fraudulenta”.

Ora, a interposição fraudulenta não se restringe ao

momento da importação, apesar de referir-se a tal operação. A fraude,

que visa mascarar o verdadeiro importador da mercadoria vai além,

devendo abarcar, obrigatoriamente, momentos posteriores da circulação

da mercadoria, sob pena de ser absolutamente inócua, configurando

crime impossível.

Portanto, sendo a fraude operada um procedimento

visando mascarar o real importador das mercadorias (crime fim), a

utilização de notas fiscais simulando operações inexistentes (crime

meio) são componentes integrantes desta fraude, não podendo ser

considerados crimes autônomos, havendo evidente aplicação do

princípio da consunção para solucionar tal conflito aparente de normas.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

124

Nessa medida, todos o acusados devem ser

absolvidos da prática de tais crimes, nos termos do art. 386, III do

Código Penal, pois o fato não constitui infração penal autônoma.

f) Do crime previsto no art. 288 do Código Penal

Para a consecução do crime do art. 288 do Código

Penal deve haver: i) a associação de 04 ou mais pessoas; ii) estabilidade

ou permanência; e iii) objetivo de perpetrar série indeterminada de

crimes.

A despeito das alegações da defesa, todos os

elementos do referido delito estão presentes nos autos em relação aos

acusados apontados na presente sentença como autores dos delitos

capitulados no art. 334, § 1º, “c”, do Código Penal. Vejamos:

MOACYR ALVARO SAMPAIO, FERNANDO

MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES

LEMOS e REINALDO DE PAIVA GRILLO (juntamente com outros

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

125

elementos que não estão denunciados nestes autos) associaram-se para

praticar crimes de importação de mercadorias mediante fraude

consistente na denominada interposição fraudulenta.

Tal fato se comprova nos termos da fundamentação

supra, referente ao sistema ilícito montado por tais réus com o objetivo

de internalizar produtos do fabricante CISCO sem que a real

importadora (empresa MUDE) aparecesse em tal condição. Aliás, a

associação é evidente e não é negada pelos acusados, que, argumentam,

contudo que a finalidade da referida união não era cometer crimes e sim

empreender de maneira lícita.

Concluir pela existência do crime insculpido no art.

288 do Código Penal no caso em questão não quer dizer que a

associação empresarial formada tinha apenas a finalidade de praticar

crimes, mas ainda que a empreitada tenha também fins lícitos, não fica

descaracterizado o crime de quadrilha.

Não se faz, na presente ação penal, qualquer juízo

de valor sobre a gravidade do crime em questão, tal juízo já foi feito

pelo legislador, ao criminalizar a conduta e imputar pena no tipo

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

126

abstrato.

O fato é que houve no caso em tela, subsunção dos

fatos ocorridos no tipo penal do art. 288, sendo absolutamente claro que

tal adequação não se limita a organizações destinadas a roubo ou tráfico

de drogas, mas também a outros crimes.

Portanto o termo “quadrilha ou bando” a despeito

de carregar sentido pejorativo na sociedade possui um sentido jurídico

específico referente à reunião estável de mais de três pessoas para

praticar crimes.

Nessa medida, MOACYR ALVARO SAMPAIO,

FERNANDO MACHADO GRECCO, JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, MARCELO NAOKI IKEDA, MARCÍLIO PALHARES

LEMOS e REINALDO DE PAIVA GRILLO devem ser condenados

pela prática do crime do art. 288 do Código Penal.

III. DA APLICAÇÃO DAS PENAS

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

127

Isto posto, comprovados os fatos e a autoria, passo

a individualizar as penas dos acusados, conforme o disposto no artigo 68

do Código Penal.

1. FERNANDO MACHADO GRECCO

a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:

Conquanto o réu não apresente antecedentes

criminais, as circunstâncias dos crimes são graves, uma vez que a

movimentação da empresa MUDE era de grande monta, o que aumenta

a culpabilidade no fato de ocultá-la como efetiva importadora.

Tal fato reclama a fixação da pena-base em

patamar acima do mínimo legal. Também há que se destacar o grau de

sofisticação envolvido, procedendo-se a introdução em território

nacional de grande quantidade de mercadorias importadas, com a

utilização de um aparato de empresas tendentes a blindar a real

importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois) anos e 06

(seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

128

Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a

serem ponderadas.

Considerando que os 16 delitos foram cometidos

nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a

regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles

aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02

(dois) meses de reclusão.

Não existem causas de diminuição de pena.

b) art. 288 do Código Penal

As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,

em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,

motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)

ano de reclusão.

Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento

ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno

definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

129

c) das disposições relativas a ambos os delitos

Considerando que os crimes foram cometidos por

meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso

material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em

05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Em função do montante da pena fixada, bem como

considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou

substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I

e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.

O regime inicial de cumprimento de pena será o

fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função

das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.

Não estão presentes os requisitos cautelares da

prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,

parágrafo único do Código de Processo Penal).

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

130

2. JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES

a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:

Conforme já observado, as conseqüências do crime

praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande

movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do

agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.

Tal fato, conforme asseverado anteriormente,

determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.

Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a

introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias

importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a

blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.

Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a

serem ponderadas.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

131

Considerando que os 16 delitos foram cometidos

nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a

regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles

aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02

(dois) meses de reclusão.

Não existem causas de diminuição de pena.

b) art. 288 do Código Penal

As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,

em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,

motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)

ano de reclusão.

Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento

ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno

definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.

c) das disposições relativas a ambos os delitos

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

132

Considerando que os crimes foram cometidos por

meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso

material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em

05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Em função do montante da pena fixada, bem como

considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou

substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I

e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.

O regime inicial de cumprimento de pena será o

fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função

das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.

Não estão presentes os requisitos cautelares da

prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,

parágrafo único do Código de Processo Penal).

3. MARCELO NAOKI IKEDA

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

133

a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:

Conforme já observado, as conseqüências do crime

praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande

movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do

agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.

Tal fato, conforme asseverado anteriormente,

determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.

Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a

introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias

importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a

blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.

Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a

serem ponderadas.

Considerando que os 16 delitos foram cometidos

nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a

regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

134

aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02

(dois) meses de reclusão.

Não existem causas de diminuição de pena.

b) art. 288 do Código Penal

As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,

em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,

motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)

ano de reclusão.

Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento

ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno

definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.

c) das disposições relativas a ambos os delitos

Considerando que os crimes foram cometidos por

meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso

material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

135

05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Em função do montante da pena fixada, bem como

considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou

substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I

e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.

O regime inicial de cumprimento de pena será o

fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função

das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.

Não estão presentes os requisitos cautelares da

prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,

parágrafo único do Código de Processo Penal).

4. MOACYR ALVARO SAMPAIO

a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

136

Conforme já observado, as conseqüências do crime

praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande

movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do

agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.

Tal fato, conforme asseverado anteriormente,

determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.

Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a

introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias

importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a

blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.

Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a

serem ponderadas.

Considerando que os 16 delitos foram cometidos

nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a

regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles

aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02

(dois) meses de reclusão.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

137

Não existem causas de diminuição de pena.

b) art. 288 do Código Penal

As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,

em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,

motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)

ano de reclusão.

Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento

ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno

definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.

c) das disposições relativas a ambos os delitos

Considerando que os crimes foram cometidos por

meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso

material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em

05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

138

Em função do montante da pena fixada, bem como

considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou

substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I

e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.

O regime inicial de cumprimento de pena será o

fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função

das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.

Não estão presentes os requisitos cautelares da prisão preventiva,

motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387, parágrafo único do

Código de Processo Penal).

5. MARCÍLIO PALHARES LEMOS

a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:

Conforme já observado, as conseqüências do crime

praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

139

movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do

agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.

Tal fato, conforme asseverado anteriormente,

determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.

Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a

introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias

importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a

blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.

Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a

serem ponderadas.

Considerando que os 16 delitos foram cometidos

nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a

regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles

aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02

(dois) meses de reclusão.

Não existem causas de diminuição de pena.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

140

b) art. 288 do Código Penal

As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,

em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,

motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)

ano de reclusão.

Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento

ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno

definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.

c) das disposições relativas a ambos os delitos

Considerando que os crimes foram cometidos por

meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso

material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em

05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Em função do montante da pena fixada, bem como

considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

141

Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou

substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I

e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.

O regime inicial de cumprimento de pena será o

fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função

das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.

Não estão presentes os requisitos cautelares da

prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,

parágrafo único do Código de Processo Penal).

6. REINALDO DE PAIVA GRILLO

a) art. 334, § 1º, “c” do Código Penal:

Conforme já observado, as conseqüências do crime

praticado autorizam a majoração da pena. A gravidade advém da grande

movimentação da empresa MUDE, o que aumenta a culpabilidade do

agente no fato de ocultá-la como efetiva importadora.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

142

Tal fato, conforme asseverado anteriormente,

determina a fixação da pena-base em patamar acima do mínimo legal.

Destaco, novamente, o grau de sofisticação envolvido, procedendo-se a

introdução em território nacional de grande quantidade de mercadorias

importadas, com a utilização de um aparato de empresas tendentes a

blindar a real importadora. Dessa forma, fixo as penas-base em 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão para cada um dos delitos.

Inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes a

serem ponderadas.

Considerando que os 16 delitos foram cometidos

nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, aplico a

regra do art. 71 do Código Penal, considerando a pena de um deles

aumentada de 2/3, resultando na reprimenda de 04 (quatro) anos e 02

(dois) meses de reclusão.

Não existem causas de diminuição de pena.

b) art. 288 do Código Penal

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

143

As condições judiciais do art. 59 do Código Penal,

em relação ao crime de quadrilha, não são desfavoráveis ao acusado,

motivo pelo qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, em 01 (um)

ano de reclusão.

Não há agravantes, atenuantes, causas de aumento

ou de diminuição de pena a serem ponderadas, motivo pelo qual torno

definitiva a pena de 01 (um) ano de reclusão para este delito.

c) das disposições relativas a ambos os delitos

Considerando que os crimes foram cometidos por

meio de condutas distintas, deve ser aplicada a regra do concurso

material (art. 69 do Código Penal), somando-se as penas, resultando em

05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Em função do montante da pena fixada, bem como

considerando as circunstâncias do crime do art. 334, § 1º, “c” do Código

Penal, já observadas na fixação da pena, inviáveis a suspensão ou

substituição da reprimenda, nos termos do que prescrevem os arts. 44, I

e III e 77, caput e III, ambos do Código Penal.

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

144

O regime inicial de cumprimento de pena será o

fechado, conforme o art. 33, § 3º do Código Penal, também em função

das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, já mencionadas.

Não estão presentes os requisitos cautelares da

prisão preventiva, motivo pelo qual não deve ser decretada (artigo 387,

parágrafo único do Código de Processo Penal).

C – DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a

denúncia para:

a) CONDENAR o réu FERNANDO MACHADO GRECCO,

brasileiro, filho de Sebastião Martins Grecco e Dulce machado Grecco,

nascido aos 02.03.1969, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do

Ministério da fazenda sob o CPF nº. 154.002.548-96, à pena privativa de

liberdade de 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

145

cumprida em regime inicialmente fechado, por ter ele violado a norma

dos artigos 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal, por 16 em

continuidade delitiva, todo o conjunto de crimes em concurso material

com o delito do art. 288 do Código Penal. Fica ABSOLVIDO da

acusação da prática dos crimes previstos nos artigos 304 combinado

com o 299, ambos do Estatuto Repressivo, nos termos do artigo 386,

inciso III, do Código de Processo Penal;

b) CONDENAR o réu JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN

RODRIGUES, brasileiro, filho de Manoel Rodrigues e Delmira

Pernomian Rodrigues, nascido aos 04.09.1968, inscrito no Cadastro de

Pessoas Físicas do Ministério da fazenda sob o CPF nº. 058.787.588-73,

à pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de

reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, por ter ele

violado a norma dos artigos 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal, por

16 em continuidade delitiva, todo o conjunto de crimes em concurso

material com o delito do art. 288 do Código Penal. Fica ABSOLVIDO

da acusação da prática dos crimes previstos nos artigos 304 combinado

com o 299, ambos do Estatuto Repressivo, nos termos do artigo 386,

inciso III, do Código de Processo Penal;

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

146

c) CONDENAR o réu MARCELO NAOKI IKEDA, brasileiro, filho

de Tsuguiu Ikeda e Missako Takahashi Ikeda, nascido aos 30.11.1971,

inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da fazenda sob o

CPF nº. 174.047.798-71, à pena privativa de liberdade de 05 (cinco)

anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime

inicialmente fechado, por ter ele violado a norma dos artigos 334, § 1º,

alínea “c”, do Código Penal, por 16 em continuidade delitiva, todo o

conjunto de crimes em concurso material com o delito do art. 288 do

Código Penal. Fica ABSOLVIDO da acusação da prática dos crimes

previstos nos artigos 304 combinado com o 299, ambos do Estatuto

Repressivo, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo

Penal;

d) CONDENAR o réu MARCÍLIO PALHARES LEMOS, brasileiro,

filho de Arnaldo Lemos e Leila Palhares Lemos, nascido aos

21.04.1963, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da

fazenda sob o CPF nº. 455.587.956-20, à pena privativa de liberdade de

05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime

inicialmente fechado, por ter ele violado a norma dos artigos 334, § 1º,

alínea “c”, do Código Penal, por 16 em continuidade delitiva, todo o

conjunto de crimes em concurso material com o delito do art. 288 do

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

147

Código Penal. Fica ABSOLVIDO da acusação da prática dos crimes

previstos nos artigos 304 combinado com o 299, ambos do Estatuto

Repressivo, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo

Penal;

e) CONDENAR o réu MOACYR ALVARO SAMPAIO, brasileiro,

filhod e Moacyr Vieira Sampaio e Francisca Vieira Sampaio, nascido

aos 18.11.1947, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da

fazenda sob o CPF nº. 535.257.608-68, à pena privativa de liberdade de

05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime

inicialmente fechado, por ter ele violado a norma dos artigos 334, § 1º,

alínea “c”, do Código Penal, por 16 em continuidade delitiva, todo o

conjunto de crimes em concurso material com o delito do art. 288 do

Código Penal. Fica ABSOLVIDO da acusação da prática dos crimes

previstos nos artigos 304 combinado com o 299, ambos do Estatuto

Repressivo, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo

Penal;

f) CONDENAR o réu REINALDO DE PAIVA GRILLO, brasileiro,

filho de Hélio de Paiva Grillo e Maria Therezinha Bellopede Grillo,

nascido aos 19.02.1958, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

148

Ministério da fazenda sob o CPF nº. 791.743.028-68, à pena privativa de

liberdade de 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser

cumprida em regime inicialmente fechado, por ter ele violado a norma

dos artigos 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal, por 16 em

continuidade delitiva, todo o conjunto de crimes em concurso material

com o delito do art. 288 do Código Penal. Fica ABSOLVIDO da

acusação da prática dos crimes previstos nos artigos 304 combinado

com o 299, ambos do Estatuto Repressivo, nos termos do artigo 386,

inciso III, do Código de Processo Penal;

g) ABSOLVER o réu CARLOS ROBERTO CARNEVALI,

brasileiro, filho de Mário Carnevali e Rosa Fagnani Carnevali, nascido

aos 24.12.1947, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da

fazenda sob o CPF nº. 205.601.848-91, da acusação, com fulcro no art.

386, III em relação aos delitos de uso de documentos ideologicamente

falsos e da prática dos demais crimes imputados na inicial, nos termos

do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal;

h) ABSOLVER o réu HÉLIO BENETTI PEDREIRA, brasileiro,

filho de Rubens Pedreira e Anilda Benetti Pedreira, nascido aos

25.05.1954, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

149

fazenda sob o CPF nº. 003.916.868-95, da acusação, com fulcro no art.

386, III em relação aos delitos de uso de documentos ideologicamente

falsos e da prática dos demais crimes imputados na inicial, nos termos

do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal;

i) ABSOLVER o réu GUSTAVO HENRIQUE CASTELLARI

PROCÓPIO, brasileiro, filho de Arviles da Silva Procópio e Liana

Lauren Cruz Procópio, nascido aos 16.02.1975, inscrito no Cadastro de

Pessoas Físicas do Ministério da fazenda sob o CPF nº. 255.873.018-50,

da acusação, com fulcro no art. 386, III em relação aos delitos de uso de

documentos ideologicamente falsos e da prática dos demais crimes

imputados na inicial, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de

Processo Penal;

j) ABSOLVER o réu FÁBIO VICENTE DE CARVALHO,

brasileiro, filho de João de Carvalho e Maximina Gonçalves de

Carvalho, nascido aos 04.11.1959, inscrito no Cadastro de Pessoas

Físicas do Ministério da fazenda sob o CPF nº. 029.900.108-31, da

acusação, com fulcro no art. 386, III em relação aos delitos de uso de

documentos ideologicamente falsos e da prática dos demais crimes

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

150

imputados na inicial, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de

Processo Penal;

l) ABSOLVER o réu EVERALDO BATISTA SILVA, brasileiro,

filho de Everaldo dos Santos Silva e Heloína Batista Silva, nascido aos

25.03.1981, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da

fazenda sob o CPF nº. 286.114.138-73, da acusação, com fulcro no art.

386, III em relação aos delitos de uso de documentos ideologicamente

falsos e da prática dos demais crimes imputados na inicial, nos termos

do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal;

m) ABSOLVER o réu LEANDRO MARQUES DA SILVA,

brasileiro, filho de Antonio José Marques da Silva e Odete Elisa

Gonçalves da Silva, nascido aos 01.04.1978, inscrito no Cadastro de

Pessoas Físicas do Ministério da fazenda sob o CPF nº. 277.284.738-16,

da acusação, com fulcro no art. 386, III em relação aos delitos de uso de

documentos ideologicamente falsos e da prática dos demais crimes

imputados na inicial, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de

Processo Penal;

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

151

Deixo de arbitrar o valor mínimo da indenização,

nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, tendo

em vista que os crimes não possuem montante de prejuízo factível de

valoração econômica, conforme exaustivamente exposto na sentença.

A constrição dos bens dos réus condenados fica

mantida, liberando-se o arresto sobre os bens dos réus absolvidos.

Transitada esta decisão em julgado, lance-se o

nome dos réus condenados no rol dos culpados.

Custas na forma da lei, a serem arcadas pelos réus

condenados após o trânsito em julgado.

P.R.I.C. São Paulo, 17 de fevereiro de 2011.

LUIZ RENATO PACHECO CHAVES DE OLIVEIRA Juiz Federal Substituto

Autos de nº 0005827-49.2003.403.6181

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