S U M Á R I O Ficha Técnica - Ordem dos Médicos · 2017-11-06 · se o pleonasmo, em que o muito...

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Nota da redacção: Os artigos de opinião e outros artigos assinados são da inteira responsabilidade dos autores, não representando qualquer tomada de posição por parte da Revista da Ordem dos Médicos. CNE confirma não existirem irregularidades nas viagens a Madrid Tribunal espanhol dá razão à AMA 09 IV Congresso da CMLP e IV Congresso da ASMELP em Maputo Admissão por consenso – Ginecologia Oncológica 17 Confederação Lusófona de Urologia (CLU) 17 Exame de Medicina Intensiva 22 Plataforma de Gestão Integrada da Doença Renal Crónica 24 Pedido de perito médico 25 Profissional de Saúde para efeitos do Estatuto do Medicamento 28 MGF exercida por não especialistas De quem são os artigos publicados na Revista? por Rosalvo Almeida 31 Fotografia por H. Carmona da Mota 32 In Memoriam: Jaime Celestino da Costa por Fernando Paredes 34 Psicossomática estrutural por Jaime Milheiro 38 A Saúde Urbana e a Saúde Pública por Lúcio Meneses de Almeida 42 Carta ao Presidente da República por Manuel Pinto Coelho 44 Reflexões sobre filhos «legítimos» e «naturais» e fertilização in vitro por Maria Teresa Neto 46 A Psiquiatria é uma Ciência? por Cândido Ferreira 50 O novo Código Deontoló- gico e a sonda nasogástrica, em doentes em final de vida por Tiago Tribolet de Abreu 52 Ética e ensaios clínicos à luz da Declaração de Helsínquia por António José de Barros Veloso 58 A diáspora dos Hospitais Civis de Lisboa por António José de Barros Veloso 62 Desfaçatez por Carlos Costa Almeida 64 Congresso Nacional de Medicina da OM, ou do Serviço Nacional de Saúde? por Passos Gonçalves 66 Apresentação do livro Contributos para a História do Hosp. Geral de Santo António por Ernesto Carvalho CONT CONT CONT CONT CONTOS A Medicina em Portugal em 1958 INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO 07 ACTU CTU CTU CTU CTUALID ALID ALID ALID ALIDADE ADE ADE ADE ADE 08 EDIT EDIT EDIT EDIT EDITORIAL ORIAL ORIAL ORIAL ORIAL 04 S U M Á R I O Ano 26 – N.º 109 – Março/Abril 2010 PROPRIEDADE: Centro Editor Livreiro da Ordem dos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda. SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 151 1749-084 Lisboa Tel.: 218 427 100 Redacção, Produção e Serviços de Publicidade: Av. Almirante Gago Coutinho, 151 1749-084 Lisboa E-mail: [email protected] Tel.: 218 437 750 – Fax: 218 437 751 Director: Pedro Nunes Directores-Adjuntos: José Moreira da Silva José Manuel Silva Isabel Caixeiro Directora Executiva: Paula Fortunato E-mail: [email protected] Redactores Principais: José Ávila Costa, João de Deus e Paula Fortunato Secretariado: Miguel Reis Dep. Comercial: Helena Pereira Dep. Financeiro: Maria João Pacheco Dep. Gráfico: CELOM Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, S. A. Av.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide Depósito Legal: 7421/85 Preço Avulso: 1,60 Euros Periodicidade: Mensal Tiragem: 40.500 exemplares (11 números anuais) Isento de registo no ICS nos termos do nº 1, alínea a do artigo 12 do Decreto Regulamentar nº 8/99 Ficha Técnica Ficha Técnica OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO 30 Médicos Ordem dos REVISTA INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO 16 CUL CUL CUL CUL CULTURA TURA TURA TURA TURA 69 HISTÓRIAS DA HISTÓRIA HISTÓRIAS DA HISTÓRIA HISTÓRIAS DA HISTÓRIA HISTÓRIAS DA HISTÓRIA HISTÓRIAS DA HISTÓRIA 71

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Nota da redacção: Os artigos de opinião e outros artigos assinados são da inteira responsabilidade dosautores, não representando qualquer tomada de posição por parte da Revista da Ordem dos Médicos.

CNE confirma nãoexistirem irregularidadesnas viagens a Madrid

Tribunal espanhol dá razãoà AMA

09 IV Congresso da CMLP eIV Congresso da ASMELPem Maputo

Admissão por consenso– Ginecologia Oncológica

17 Confederação Lusófonade Urologia (CLU)

17 Exame de MedicinaIntensiva

22 Plataforma de GestãoIntegrada da Doença RenalCrónica

24 Pedido de perito médico

25 Profissional de Saúdepara efeitos do Estatutodo Medicamento

28 MGF exercida por nãoespecialistas

De quem são os artigospublicados na Revista?por Rosalvo Almeida

31 Fotografiapor H. Carmona da Mota

32 In Memoriam: JaimeCelestino da Costapor Fernando Paredes

34 Psicossomática estruturalpor Jaime Milheiro

38 A Saúde Urbana e a SaúdePública por Lúcio Menesesde Almeida

42 Carta ao Presidenteda Repúblicapor Manuel Pinto Coelho

44 Reflexões sobre filhos«legítimos» e «naturais»e fertilização in vitropor Maria Teresa Neto

46 A Psiquiatria é uma Ciência?por Cândido Ferreira

50 O novo Código Deontoló-gico e a sonda nasogástrica,em doentes em final devidapor Tiago Tribolet de Abreu

52 Ética e ensaios clínicos àluz da Declaração deHelsínquia por António Joséde Barros Veloso

58 A diáspora dos HospitaisCivis de Lisboa por AntónioJosé de Barros Veloso

62 Desfaçatezpor Carlos Costa Almeida

64 Congresso Nacional deMedicina da OM, ou doServiço Nacional deSaúde?por Passos Gonçalves

66 Apresentação do livroContributos para aHistória do Hosp. Geral deSanto Antóniopor Ernesto Carvalho

CONTCONTCONTCONTCONTOSOSOSOSOS

A Medicina em Portugalem 1958

INFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃO07

AAAAACTUCTUCTUCTUCTUALIDALIDALIDALIDALIDADEADEADEADEADE08

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S U M Á R I O

Ano 26 – N.º 109 – Março/Abril 2010

PROPRIEDADE:

Centro Editor Livreiro da Ordemdos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda.

SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 1511749-084 Lisboa • Tel.: 218 427 100

Redacção, Produçãoe Serviços de Publicidade:

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E-mail: [email protected].: 218 437 750 – Fax: 218 437 751

Director:Pedro Nunes

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José Manuel SilvaIsabel Caixeiro

Directora Executiva:Paula Fortunato

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Redactores Principais:José Ávila Costa,

João de Deus e Paula Fortunato

Secretariado:Miguel Reis

Dep. Comercial:Helena Pereira

Dep. Financeiro:Maria João Pacheco

Dep. Gráfico:CELOM

Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, S. A.Av.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide

Depósito Legal: 7421/85Preço Avulso: 1,60 Euros

Periodicidade: MensalTiragem: 40.500 exemplares

(11 números anuais)Isento de registo no ICS nos termos do nº 1, alíneaa do artigo 12 do Decreto Regulamentar nº 8/99

Ficha TécnicaFicha Técnica

OPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃO30

MédicosOrdem dos

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CULCULCULCULCULTURATURATURATURATURA69

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Lembro-me de entre o estupefacto e ocínico ter registado num insuspeito li-vro de anatomia, traduzido do russoem tempos da União Soviética, que oantagonismo de acção entre o sistemasimpático e parassimpático mais nãotraduzia que a expressão na naturezada tese e antítese, comprovando assima justeza do materialismo dialéctico.Mesmo pondo de parte este Jdanovis-mo serôdio nos anos setenta, de háséculos que a humanidade embasbacacom manifestações de equilíbrio entrecontrários dispondo-se, não quantasvezes de forma canhestra, a interferirna busca da reposição do equilíbriosupostamente perdido.Lembrar os inúmeros desgraçados san-grados até ao choque hipovolémico porclínicos ansiosos de restabelecer per-didas harmonias essenciais é um exer-cício da contenção de pretensões en-fatuadas que nos põe no lugar dosnossos limites.Assim sou pouco dado a descobrirregras das séries, temer tempestadesapós tempos bonançosos ou preca-ver-me da queda a cada degrau deuma subida.Mas tal como as bruxas dos espanhóis,que por vezes «las hay», há alturas, pas-se o pleonasmo, em que o muito bome o muito mau se contrapõem incontor-náveis na sua realidade e apelantes àconstrução de uma qualquer tese uni-versalista.Este foi um dos meses que tais.Ao ponderar no ocorrido para alinha-var este editorial não pude deixar dereparar como seria obrigado a tratarde dois temas que são paradigmáticosdo que de melhor e de pior guardareicomo recordação dos seis anos quepresidi à Ordem dos Médicos.O melhor é seguramente o que conse-guimos (e uso o plural no sentido reale não majestático, pois nada que seconsegue ou não se consegue é frutounicamente da acção individual) emtermos de consolidar uma comunida-de de médicos identificados pela pá-tria de uma língua comum.

Yin e YangO pior foi sem dúvida a campanha mi-serável de difamação que alguém en-tendeu mover-me. O facto incontor-nável de os autores materiais e seusmandantes só poderem ser médicos,seguramente alguns que comigo parti-lharam responsabilidades, projectos etrabalhos, não torna o caso menorizá-vel com a tolerância com que hoje seobservam os métodos usados na políti-ca ou nas inevitáveis campanhas eleito-rais. Para mim que dediquei a partemais significativa do meu tempo e ener-gia à representação dos médicos e àluta pelos seus interesses e bom nomeo saber que entre eles há biltres de talteor só me provoca o desencanto dotempo perdido.De facto este mês foi por fim conheci-do o resultado do inquérito que eupróprio exigira na sequência do apa-recimento na comunicação social dedocumentos contabilísticos da Ordemdos Médicos, fotocopiados por algumpretenso vingador e enviados sob atradicional cobardia do anonimato paraa Secção Regional do Centro.O facto de o acesso à contabilidadeda Ordem ser restrito a quatro ou cin-co pessoas não obstou, como era pre-visível, que o inquérito fosse inconclu-sivo quanto à autoria material da ex-tracção e divulgação das fotocópias(nestas ocasiões em Portugal todossabem mas a brandura dos costumesaconselha a assobiar para o lado). Aaprofundada investigação e eventuaisdespesas com viagens pessoais alegada-mente debitadas à Ordem (entenden-do-se como viagens pessoais as querealizei a Madrid enquanto represen-tante num cargo não executivo noConselho de Administração de umaMutualidade que segurou a responsa-bilidade civil dos médicos portugue-ses), dizia, tal investigação deu o resul-tado que sabia dar, isto é, não haviaviagens ilicitamente debitadas à Ordempois, na verdade, já que recebia ajudasde custo, pagava-as do meu bolso.Por um lado é-me grato que após tudovisto e virado do avesso todos sejam

obrigados a concluir que tudo estavadentro da legalidade (um erro descul-pável de uma funcionária respeitante auma única viagem entre dezenas e quelogo que detectado paguei não permi-te outra conclusão do que a óbvia).No entanto se este processo teve aconclusão inevitável não deixa, nemdeixará jamais, de permitir algumasconclusões e motivar algumas questões:A primeira conclusão, para mim a maispenosa, é que séculos de ética ensina-da nas Escolas Médicas, códigos deconduta e de relação entre médicos eo mais elementar bom senso não sãosuficientes para impedir indivíduos debaixa extracção moral de se licencia-rem em Medicina.A segunda é que os ensinamentos nasescolinhas de certos partidos perduramna vida adulta, pelo que foi com totalindiferença que observei a ridícula eespectável declaração de um rotineirocandidato a pedir a minha demissão ea propor um abaixo-assinado que,como sempre, não viu a luz do dia dadoque, por junto, deve ter conseguidoquatro ou cinco assinaturas.As perguntas óbvias, por outro lado,são:- Como é possível que gente dentroda Ordem procure pôr em causa a ima-gem pública do Bastonário, o seu ca-rácter, a sua credibilidade, em suma acredibilidade e o carácter de todos osmédicos, já que em sectores da Socie-

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dade os simboliza, só para prossecu-ção dos seus fins pessoais (sejam elesvinganças soezas ou calculismo eleito-ral do mais baixo nível)?- Como é possível que os meios decomunicação tratem com relevo umanão notícia (mal estariam os médicosse o Bastonário fosse corrompível poruma viagem a Madrid em classe eco-nómica) dando uma imagem públicade escândalo como se estivessem a fa-lar dos milhões do financiamento degrandes superfícies ou compra de ar-mamento?- Como é possível que dirigentes deorganizações que tudo teriam a lucrarpara a prossecução dos seus fins pu-blicitados de defesa dos interesses dosmédicos em articular-se em unidadecom a Ordem, tenham, pelo contrário,sido participantes e comentadores ac-tivos pedindo demissões e fazendo hi-pócritas votos piedosos de encerra-mento de mandatos com dignidade,numa clara tentativa de retirar podere prestígio à Ordem para fins que aseu tempo se tornarão evidentes?- Enfim por que caminhos esconsos an-da a busca da verdade quando a co-municação social é deliberadamenteutilizada antes de qualquer pedido deesclarecimento ou tentativa mínima deapuramento da realidade?Agora que tudo se clarificou, e com osúltimos desenvolvimentos se tornoumais claro quem desempenhou quepapel em tal tragicomédia, só me restauma decisão incómoda a tomar:- Ou avanço com a competente queixa-crime por difamação que estou seguronão ter qualquer dificuldade em de-monstrar, com isso arrastando na pra-ça pública um conflito entre médicos,ou mantenho no âmbito interno unica-mente votando a absoluto desprezo aquem sei dele ser credor. Esta últimahipótese só é frágil por que tal tipo degente não se incomoda com o que osoutros possam sentir em relação a si.

Tratado o pior falemos então do me-lhor.

Realizou-se em Maputo nos dias 25,26 e 27 de Março o IV Congresso da

Comunidade Médica de Língua Portu-guesa. Entretanto o Centro de Forma-ção pós-graduada sediado em CaboVerde sofreu um impulso significativocontando desde já com verbas para asua instalação e funcionamento nospróximos anos.Numa como que pré-inauguração umgrupo de médicos portugueses, Antó-nio Marques, Paulo Maia, Ricardo Ma-tos e Fernando Próspero, estiveram emCabo Verde formando quarenta médi-cos, vinte na Cidade da Praia e vinteno Mindelo, em técnicas de reanima-ção e suporte de vida.O Congresso em Moçambique queigualmente reuniu a Associação de Saú-de Mental de Língua Portuguesa foi umespaço muito interessante de debate.Numa Comunidade que o conheci-mento mútuo já tornou em quase umacomunidade de amigos debateram-seos aspectos relevantes da profissão, asrealidades tão díspares dos diversospaíses, o que cada um pode fazer pelooutro subordinando ao objectivo co-mum de todos contribuírem para o en-riquecimento mútuo.O que esta Comunidade de médicostem de original e relevante, por con-traste tão diferente dos areópagos eu-ropeus, em que estamos habituados acircular, é retirar a sua pujança da di-versidade. O que tem de único é umpequeno país europeu, envelhecido,economicamente deprimido mas pri-vilegiado no sentido tecnológico, alta-mente diferenciado nas suas presta-ções em saúde (Portugal), relacionar-se com um gigante de futuro como é oBrasil com as suas Universidades cons-tantes entre os melhores do Mundo eo contraste das suas zonas deprimi-das, e ambos procurarem contribuirpara essas nações africanas, pequenase grandes, pobres ou dotadas de recur-sos, com tanto por fazer, com tama-nho deserto de quadros mas simulta-neamente com tanto a ensinar da ca-pacidade de vencer adversidades eadaptar-se aos condicionalismos.O interessante em tal comunidade éque o contraste e a diferença não afas-tam mas pelo contrário estimulam aaproximação.

Num absoluto alheamento de um pas-sado em que coisas boas e outras me-nos boas aconteceram, pessoas dife-rentes unidas pela língua, por um pas-sado comum e neste caso pela medici-na, dialogaram com uma facilidadeinexcedível.Participar nestes encontros é, por ou-tro lado, para alguém que como eu nãoparticipou na guerra colonial nem nun-ca teve qualquer relação com a Áfricadessa época, a oportunidade de per-ceber a razão de ser de existir estepequeno país europeu aparentementeinviável.Para quem – os mais novos – já nas-ceu a viver numa realidade de UniãoEuropeia, frequentar tais congressos éuma forma de perceber que Portugalpoderá escapar ao destino triste deautonomia ibérica condenada a ser ofim da linha, ou apenas servir, pela be-nignidade do clima, para albergue dereformados da Europa do norte.Percorrer as ruas de Maputo, como asde Luanda, da Praia ou de S. Paulo éperceber muito do que somos e doscaminhos que temos inexoravelmentede trilhar se quisermos continuar a serqualquer coisa de significativo.Percorrer como percorri, por motivospessoais, centenas de quilómetros porestradas com ou sem asfalto no nortede Moçambique, falar em portuguêscom pessoas que nem imaginam o queseja Portugal, deparar-se com símbo-los quer de um passado quer de umpresente comum é muito esclarecedor.Entrar num café em Nacala para to-mar a bica e comer um bolo de arrozenquanto o televisor está sintonizadona RTP é para mim tão significativocomo ver erecta a estátua de Vasco daGama em frente à sede do Governona velha capital que foi a ilha de Mo-çambique, ou, pela sua actualidade ain-da mais significativo, ver a águia doBenfica pintada na parede de um tasconuma vilória onde se chega depois depercorrer duzentos quilómetros de pi-cada e passar alguns rios a vau. Seriasimilar se fosse um leão ou um dragão.Este partilhar de aspectos comunsquaisquer que tenham sido os equívo-cos do passado é a base de uma nova

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relação que tem que ser construídaentre todos neste mundo onde se falaportuguês.Porque este mundo é diferente dosoutros, do anglo-saxónico, do francó-fono, germânico, indiano ou chinês.É um mundo com sentimentos, passa-do e presente próprios. Talvez nemmelhor nem pior mas definitivamentediferente.É um mundo em que as histórias do

passado se contam sem dramas nemremorsos como nesse fantástico tes-temunho que o nosso colega HélderMartins escreveu e a que deu o títulode «Porquê Sakrani – memórias deum médico numa guerrilha esqueci-da». Lê-lo, ver desfilar do outro ladofactos e acontecimentos que vimosocorrer do lado de cá, é uma oportu-nidade de perceber que para lá dosmomentos e dos equívocos da Histó-

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ria e dos seus protagonistas há sem-pre um sentir humano de respeito portodos e todas as culturas e um sercapaz, mesmo que por ausência dealternativas, de todos respeitar e comtodos estabelecer as bases necessári-as à conviviabilidade.Agora que passaram os tempos dosImpérios e ninguém mais acredita emideologias redutoras, está na altura decompreender o ser português nesta di-mensão do convívio entre todos os queconseguem exprimir os sentimentosque só a língua portuguesa permite.Língua que já não é só nossa mas demuitos povos, de culturas diferentesque pela partilha da sua forma de ex-pressão se fomentam e se moldam.Construir uma Comunidade assimpressupõe no futuro contribuir para aformação de uns e de outros, traba-lhar lá e fomentar que os de lá traba-lhem cá.Com todas as suas insuficiências, como seu genético amadorismo, volunta-rismo e determinação, a ComunidadeMédica de Língua Portuguesa poderáser meramente uma pequena amostrado que, nas variadas áreas, as socieda-des portuguesa, brasileira, angolana,moçambicana etc. não poderão deixarde apostar.Veremos…

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Conselho Nacional Executivo

ComunicadoO Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos, na sua reunião de dia 13 de Abril de 2010, analisou orelatório final das comissões de inquérito nomeadas para esclarecimento das viagens do Dr. Pedro Nunes, Presiden-te da Ordem dos Médicos, a Madrid, no âmbito da sua função na comissão directiva da AMA, e do aparecimentopúblico de documentos internos da Ordem dos Médicos.

O Conselho Nacional Executivo aprovou as seguintes conclusões:

1) Constata que o Presidente da Ordem não utilizou as verbas da Ordem dos Médicos para se fazer representarnas reuniões da direcção da AMA. Foi detectado apenas um erro administrativo.

2) Lamenta e repudia a campanha pública a propósito das viagens feitas no âmbito da AMA e os equívocos que segeraram e que atingiram o bom nome do Bastonário e da própria Ordem dos Médicos.

Porto, 13 de Abril de 2010

CNE confirma não existirem irre-gularidades nas viagens a MadridTerminou o trabalho da Comissão que analisou as viagens realizadas pelo Dr.

Pedro Nunes a Madrid, tendo concluído, tal como o próprio sempre afirmou,

não haver qualquer irregularidade no seu pagamento, mas apenas, entre de-

zenas de viagens que o Bastonário fez e que integralmente pagou, houve

uma que, por um desculpável erro de um funcionário, foi debitada à Ordem e

não ao próprio, ao contrário das instruções previamente definidas.

Por seu turno, o Conselho Nacional Executivo (CNE), numa fase de reunião em que o Bastonário esteve ausente, discutiuo relatório desta Comissão e decidiu emitir o comunicado que se publica abaixo.

Todos os membros do CNE fizeram questão de subscrever o comunicado à excepção de um dos elementos que quisdeixar lavrado em acta que nunca tinha tido dúvidas sobre a idoneidade moral do Bastonário, pelo que não necessitava dorelatório da Comissão para defender esta posição.

I N F O R M A Ç Ã O

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De acordo com a nota, a AMA informaque recebeu, no passado dia 28 de Abril,a notificação da sentença do Contencioso-Administrativo del Tribunal Superior deJusticia de Madrid, que anula a medidade controlo especial imposta desde 12de Junho de 2009 e que considera osfactos que serviram de argumento à de-cisão da DGSFP como «erroneamenteinterpretados pela Administração», citan-do a notificação recebida.A notificação, segundo a nota de impren-sa, refere ainda que «a sentença con-templa a possibilidade de que a AMAreclame o ressarcimento pelos prejuízosprovocados pela actuação administrati-va anulada, de acordo com o corres-pondente procedimento de responsabi-lidade patrimonial da Administração».A nota da AMA enviada à imprensaespanhola, e posteriormente a todosos funcionários, cita a reacção do pre-sidente da mutualista ao tempo da im-

Tribunal espanhol dá razão à AMAA Agrupación Mutual Aseguradora (AMA) divulgou em nota de imprensa

que a Justiça espanhola anulou as medidas de controlo especial que tinhamsido impostas a esta seguradora mutualista pela Dirección General de Segu-ros e Fondos de Pensiones (DGSFP), na sequência de um diferendo sobre

actos de gestão que se verifica agora não ter fundamento. Entre as dúvidascolocava-se a de irregularidades no pagamento das presenças nas reuniõesdos membros do Conselho Geral, de que faziam parte o actual Bastonário da

Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, e também o ex-presidente do Conselho

Regional do Norte, Miguel Leão.posição do controlo especial impostopela DGSFP. Diego Murillo, que temagora de novo condições para reassu-mir as suas funções, considerou que«sempre acreditou na Justiça».Na sequência da decisão do Tribunal, tam-bém a DGSFP oficiou a Agrupación Mu-tual Aseguradora sobre o levantamentodas medidas de controlo especial, assimcomo a suspensão do expediente admi-nistrativo adoptado, o que pressupõe oencerramento do processo de fiscaliza-ção prévia a que a mutualidade tinha sidosubmetida, segundo refere a nota da AMA.Ainda segundo esta comunicação àimprensa e aos trabalhadores, a «emsíntese, a sentença sublinha que em ne-nhum momento foi posta em perigo asolvência da mútua, nem se correu orisco de falhar o cumprimento pontu-al das suas obrigações». A nota revelaainda que a sentença reconhece que«não foram postos em perigo os inte-

resses dos segurados da AMA».De acordo com a AMA, a sentença subli-nha que os factos que levaram a DGSFPa tomar as medidas de controlo especi-al, resultam: «uns bastante irrelevantes esem incidência no volume de negócios»;«outros erroneamente interpretadospela Adiministração» e os restantes «opi-nativos e susceptíveis de interpretações».Esta sentença, como refere a AMA nasua nota, «resolve a totalidade das ques-tões que serviram de fundamento à Di-rección General de Seguros, para pro-por e obter a suspensão do presiden-te e dos secretários da AMA». A mutua-lidade informa ainda que «por coerên-cia jurídico-administrativa e para evi-tar prejuízos maiores, a própria Admi-nistração deverá adoptar as medidasnecessárias para repor de imediato, nosseus cargos, Diego Murillo, ManuelCampos e Manuel Sánchez, responsá-veis executivos da Mútua».

A C T U A L I D A D E

54º Congresso da União Mundial de Médicos EscritoresThe Polish Union of Writers-Physicians , in co-operation with the Regional Chamber of Physicians in Plock, cordially inviteyou to attend the 54th Congress of the World Union of the Writers-Physicians which will be held in Plock (Poland) from 22September (Wednesday) to 26 September (Sunday) 2010. The topic of the Congress: ETHICS and MORALITYLanguages: French, English and German. No simultaneous translation will be provided. The manuscripts should be sent, inthe language of original and translated into French and English, via electronic way not later than till 30 June, 2010 on thee-mail address: [email protected] with obligatory annotation: UMEM. The manuscripts cannot exceed 1000 marks,and the duration of contributions during the Congress cannot exceed 10 minutes.

Mais informação em: www.debowagora.pl • O programa completo pode ser consultado em www.sopeam.blogspot.com

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A C T U A L I D A D E

Relatório Final do IV Congressoda CMLP e VI Congresso daASMELP

Realizou-se nos dias 25, 26 e 27 deMarço de 2010, no Centro Internacio-nal de Conferências Joaquim Chissano,em Maputo, o IV Congresso da CMLP(Comunidade Médica de Língua Portu-guesa) e VI Congresso da ASMELP (As-sociação de Saúde Mental de Lín-gua Portuguesa).O presente congresso é histórico najovem vida da CMLP, criada a 29 deJaneiro de 2006, uma vez que pela pri-meira vez se conseguiu reunir médi-cos representantes de todos os países

IV Congresso da CMLP e VI Congresso da ASMELP em Maputo

Congresso históricoO IV Congresso da Comunidade Médica de Língua Portuguesa, que se reali-

zou, em Maputo, em simultâneo com o VI Congresso da Associação de Saúde

Mental de Língua Portuguesa, é considerado histórico no relatório que a pre-

sidente, Rosel Salomão, fez da iniciativa. Entre uma significativa presença

portuguesa, que incluiu o Bastonário da Ordem dos Médicos, estiveram des-

ta vez representantes de todos os países de língua portuguesa e alguns dos

mais altos dirigentes das organizações médicas envolvidas na CMLP.de língua portuguesa de África, Amé-rica e Europa.Estes dias permitiram uma reflexão so-bre os objectivos a que nos propuse-mos ao assumir o compromisso de dis-cutir, na busca de soluções aos pro-blemas de saúde correntes dos paísesda CPLP, iniciando a reflexão na forma-ção médica pré e pós-graduada, a ren-tabilização do Centro de Formação deEspecialidade de Cabo Verde, a pós-graduação, mobilidade dos médicos en-tre os países falantes de português, sen-do as limitações financeiras um dos en-traves para a concretização em plenodeste objectivo, constituindo uma prio-ridade a existência de um fundo para

permitir a realização das actividadesque os membros da CMLP se propõemrealizar no mesmo.A integração da I Reunião de Educa-ção Médica da CMLP e do VI Con-gresso da ASMELP no IV Congressoda Comunidade Médica de Língua Por-tuguesa seja a formalização da inclu-são da EDUCAÇÃO MÉDICA, comogarante de qualidade da formação dosmédicos na Comunidade Médica deLíngua Portuguesa e da diversidadetemática entre os nossos países, cons-tituiu um grande avanço e a platafor-ma que irá permitir uma melhor aná-lise e acompanhamento, prestando-seo devido apoio à formação médica prée pós-graduada, que se concluiu sera base de toda a assistência, devendocada país definir as especialidadesprioritárias, criar programas de for-mação de acordo com a necessidadereal do país, com objectivos, conteú-dos e metodologias claros, ser crite-rioso na escolha dos serviços que efec-tuam formação pós-graduada, deven-do-se também explorar as instituiçõesprivadas que possuem condições paratal, monitorizar permanentemente to-dos os serviços que efectuam forma-ção e, por último, mas não menos im-portante, a permanente ligação entreas instituições interessadas (Ministé-rios da Saúde, Universidades, Ordens,Associações). As Ordens e Associa-ções Médicas devem participar na ela-boração dos Curricula de formaçãoMédica.

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10 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

A C T U A L I D A D E

A Associação e a Ordem dos Médicosde Moçambique manifestam o seu re-gozijo pela ampla participação nas di-ferentes sessões e pela forma como asmesmas decorreram. A CMLP irá pros-seguir os seus esforços de identifica-ção e implementação das soluções aosproblemas de saúde que afectam osnossos países de forma a, em última ins-tância, melhorar a assistência médica.Continuamos a sentir que os proble-mas e, consequentemente, os desafiosprevalecem: desde as infra-estruturas,recursos financeiros, passando pela fal-ta de quadros especializados, medica-mentos e de acessórios essenciais detrabalho, contribuindo tudo para agra-var as exigências a que todos os pro-fissionais de saúde são chamados a res-ponder.A discussão sobre as actividades clíni-cas nas diversas áreas médicas, procu-rando sempre consensos, sem descurara melhoria das condições de trabalho,formação e remuneração, também cons-tituiu um ponto alto deste encontro.A participação activa dos clínicos naspalestras, debates, mesas-redondas econferências que tiveram lugar, permi-tiu a partilha de conhecimentos e ex-periências com os nossos colegas esentir a renovação da motivação e em-penho em continuarmos a fazer mais,

como agentes activos para o melhora-mento da saúde preventiva e curativanos nossos países.

A necessidade de se aprovar documen-tos essenciais à prática médica comoo Estatuto do Médico em Moçambique,incluindo a regulamentação do actomédico constitui um desafio para o cor-rente ano.A utilização de protocolos terapêuticoscomuns irá beneficiar os países-mem-bros, pois as condutas serão idênticaspara as mesmas patologias.A utilização de redes de comunicaçãojá existentes (ex: e-portuguese) comofóruns de discussão e de conclusão deprojectos já iniciados (glossário de ter-mos médicos) foi acolhida por todos edeverá ser posta em prática imediata-mente.Caberá a todos desempenhar o seu pa-pel colectiva ou individualmente nosentido de chamar a atenção dos ór-gãos decisores para os problemas mé-dicos associados às alterações climáti-cas, diminuição do estigma em relaçãoà doença mental e melhoria das condi-ções de assistência a este grupo espe-cífico de doentes.Os desafios que se impõem e que aCMLP pretende atingir só aumentama responsabilidade desta instituição!

Ao concluirmos este Congresso, deve-mos prestar um tributo aos colegas queaceitando os sacrifícios associados àslimitações das nossas unidades sanitá-rias desempenham as suas actividadesdando o melhor de si.Neste momento de despedida, não po-deremos de deixar de, mais uma vez,agradecer a activa participação das Or-dens dos Médicos de Angola, CaboVerde, Portugal e das Associações Mé-dica Brasileira, Brasileira de Psiquiatriae Conselho Federal de Medicina do Bra-sil e da Guiné-Bissau e às comissões detrabalho; e pedir desculpas por qual-quer transtorno causado desde a che-gada e, eventualmente, até à partida.

Da Assembleia Geral da ASMELP fo-ram dadas as seguintes orientações:• Necessidade de um maior apoio aostécnicos que se encontram a trabalharnas províncias/distritos;• Criação até Junho de 2010 do sítiona Internet;• Actualização dos membros daASMELP em todos os países;• Apoio da Associação Brasileira dePsiquiatria (ABP) através do Progra-ma de Educação Continuada (PEC),com formações online que deverão seragendadas com antecedência de modoa que todos possam participar;• Apoio da Sociedade Brasileira de Psi-canálise do Rio de Janeiro (SBPRJ) eda Associação Brasileira de Psiquiatriado rio de Janeiro (APERJ) na formaçãomédica pré e pós graduada e forma-ção contínua;• Continuação do apoio à formaçãopós-graduada pela Sociedade Portu-guesa de Psiquiatria;• Necessidade de criação de um fun-do para que existam bolsas de estudopara formação, grande constrangimen-to apesar de existirem vagas para for-mação.

Para além das decisões e pareceres to-mados ao longo das sessões, do encon-tro dos bastonários e presidentes dasOrdens e Associações Médicas da CPLPficou decidido:• Criação das Comissões Científica eOrganizadora do Centro de Formação

IV Congresso da CMLP e VI Congresso da ASMELP em Maputo

Rosel Salomão

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11Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

A C T U A L I D A D EIV Congresso da CMLP e VI Congresso da ASMELP em Maputo

Médica Especializada de Cabo Verde,sendo necessário primeiro quecada pais membro indique osseus representantes;• Realização do próximo congresso emLuanda, Angola, em Janeiro de 2011;• Eleito o Prof. Dr. José Luiz Amaral,Presidente da Associação Médica Bra-sileira, para o cargo de Presidente daCMLP, em substituição do Prof. Dr. Car-los Alberto Pinto de Sousa, cujo man-dato de um ano terminou;• Necessidade da Guiné-Bissau e SãoTomé e Príncipe se inscreverem naWorld Medical Association (WMA);• Moçambique deverá concluir o seu

processo de adesão à WMA em breve.• Necessidade de contactar as Associa-ções de Médicos de Língua Portugue-sa existentes nos diversos países (Vene-zuela, Macau, Canadá, etc..) para queparticipem como observadores daCMLP;• Convite a todos os médicos mem-bros da CMLP a participar, de 23 a 25de Setembro, na Cidade da Praia, noCongresso de Médicos de Cabo Verde,sob o tema «Urgência e Emergência»;• Criação de projectos comuns nas di-versas áreas médicas, de modo a quese possam mobilizar recursos financei-ros e se possa interagir com celeridade;

• Dar a conhecer a todos os interessa-dos o endereço físico da CMLP: Or-dem dos Médicos de Portugal, local doSecretariado;

• Sítio: a Associação Médica Brasileiravai trabalhar na concepção do websitee submeter a proposta dentro de 30dias a todos os membros da CMLP.

Rosel SalomãoPresidente da Direcção da Associa-

ção Médica de MoçambiquePresidente da Direcção da Associa-

ção de Saúde Mental de LínguaPortuguesa

O Congresso que decorreu em Mapu-to foi um sucesso referido no relatóriode balanço, mas também segundo vá-

«Uma oportunidade ímpar»O Bastonário da Ordem dos Médicos

de Angola, que terá a seu cargo a or-

ganização do V Congresso da Comu-

nidade Médica de Língua Portuguesa,

considera que o IV Congresso, em

Maputo, foi «uma oportunidade ímpar

de partilha» enquanto o Presidente da

Associação Médica Brasileira assinala

a importância de ter tido pela primei-

ra vez representações da Guiné-Bissau

e de S. Tomé e Príncipe. Em prepara-

ção está um glossário de termos mé-

dicos de todo o âmbito lusófono. São

os ecos de um congresso que teve re-

sultados muito positivos.

rios participantes estrangeiros e naci-onais que a ROM ouviu. Desde logo,de acordo com o Bastonário da Or-

dem dos Médicos angolana, Pinto deSousa, a quem caberá a responsabili-dade da organização do próximo con-

Carlos Pinto de Sousa

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12 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

A C T U A L I D A D E

gresso da Comunidade Médica de Lín-gua Portuguesa.

Para o mais alto dirigente da Ordemde Angola, o Congresso «foi uma ex-periência muito boa, uma oportunida-de ímpar de partilha de experiências etroca de ideias», em que se discutiram«as principais preocupações da áreada saúde nos diferentes países e algunsdos aspectos comuns, respeitando sem-pre as diversidades».

Pinto de Sousa salientou como umdos pontos mais importantes «a iden-tificação de acções a executar em vá-rios países», particularmente da áreada formação contínua, onde se deveavançar com cursos de curta dura-ção, nas áreas da emergência médi-ca, da pediatria ou da saúde mater-na, que são áreas de especial preo-cupação que afectam os países de lín-gua portuguesa.

Neste domínio, oBastonário da Or-dem dos Médicosde Angola subli-nhou que a faseseguinte será «pas-sar aos planos deformação, o que setornou possívelcom a criação doCentro de Forma-ção sediado emCabo Verde.

Pinto de Sousaserá o anfitrião dopróximo congres-so da Comunida-de Médica de Lín-gua Portuguesa(CMLP), que de-correrá no próxi-mo ano, em Luan-da. Segundo ele, osprimeiros traba-lhos preparatóriosjá estão em mar-cha. «Já começá-mos a trabalhar noprograma», disse.

Para Pinto de Sousa, «estes encontros»,para além de serem importantes paraa comunidade médica, «são tambémimportantes para os cidadãos». Por ou-tro lado, visam objectivos importantescomo «reforçar os laços» entre os pa-íses e garantir a circulação de «infor-mação actualizada e comum, no curtoe no médio prazo».

Grandes perspectivas

O Presidente da Associação MédicaBrasileira (AMB) disse à ROM que «es-perava muito» do congresso de Ma-puto, mas os trabalhos «acabaram porsuperar as expectativas». Segundo JoséLuiz Amaral, «os assuntos que se dis-cutiram e os temas que foram levanta-dos abrem grandes perspectivas» noquadro da CMLP.

O médico brasileiro destacou a apre-sentação de projectos como o de uma

IV Congresso da CMLP e VI Congresso da ASMELP em Maputo

revista de educação médica para o es-paço de todos os países de língua por-tuguesa, em edição electrónica, e con-siderou que esta ideia poderá vir a «ta-par uma lacuna que todos sentem».

Um outro projecto da área editorial éo de Manuel Freitas e Costa (ver cai-xa), um médico que é o autor do Dicio-nário de Termos Médicos, da PortoEditora, e que se propõe agora avan-çar com a elaboração de um glossáriode termos médicos de todos os paísesde língua portuguesa. Para o presidenteda AMB, trata-se de «um projecto mui-to bom, que ajudaria muito os médi-cos no seu trabalho e facilitaria a mo-bilidade dos profissionais e também daspessoas».

José Luiz Amaral destaca ainda os avan-ços dos trabalhos que conduzirãomuito brevemente à criação do site daComunidade Médica de Língua Portu-guesa, cujo projecto foi apresentadono Congresso.

O dirigente sublinha particularmente«a presença dos representantes dosmédicos da Guiné-Bissau e de S. Tomée Príncipe» como um dos aspectosmais simbólicos deste congresso. Nes-tes países segue-se um processo decriação das ordens respectivas, o que,segundo o Presidente da AMB, deixa-rá a CMLP «à beira do ideal», faltandoapenas a participação de Timor, que,ao ser alcançada, permitirá reunir«todo o mundo lusófono». Contudo,para já, «deu-se um grande, grandepasso», segundo o médico brasileiro.

De resto, José Luiz Amaral, recordouque foi também preparada durante ocongresso a proposta definitiva de ade-são da Ordem dos Médicos de Moçam-bique à Associação Médica Mundial(AMM), cuja aprovação «é praticamen-te certa» na reunião que decorrerá emOutubro, em Vancouver.

Em síntese, o Presidente da AMB con-siderou que o congresso de Maputoabriu «novas perspectivas para umatrajectória comum interessante».

José Luiz Amaral

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13Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

A C T U A L I D A D E

Glossário de termos médicos de todos os países lusófonosManuel Freitas e Costa é o autor do Dicionário de Termos Médicos da Porto Editora, mas agora propõe-se elaborarum glossário que seja comum a todos os países de língua portuguesa, que «usam terminologias completamentediferentes, para ver se nos entendemos».

Segundo este pneumologista e professor universitário, que apresentou o seu projecto no IV Congresso da Comuni-dade Médica de Língua Portuguesa, «a ideia foi muito bem aceite e ficámos de avançar». De acordo com o médico,«os angolanos, os brasileiros e os cabo-verdianos estão muito entusiasmados e ficaram agora de apresentar osnomes que trabalharão no projecto».

Freitas e Costa deu à ROM o exemplo do termo papeira, que, no Brasil, por exemplo, se designa como caxumba.«Nem nós nem eles sabemos o que quer dizer cada um dos termos, nos países em que não são utilizados». Outroexemplo é o da algália, termo português que não é conhecido no Brasil, onde se designa cateter vesical.Para este pneumologista, «os portugueses não podem impor a sua forma de falar». Agora, Freitas e Costa esperaapenas que lhe cheguem os nomes que com ele irão trabalhar, para que seja dado andamento ao bom acolhimentoque todas as representações deram ao projecto.

IV Congresso da CMLP e IV Congresso da ASMELP em Maputo

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16 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

CRITÉRIOS CURRICULARES PARA ADMISSÃO POR CONSENSONA SUBESPECIALIDAE

Um subespecialista em Ginecologia Oncológica é um ginecologista-obstetra que teve formação específica adicional, tendoreconhecidamente capacidades especiais e relevantes na área e que a ela dedica ou dedicou pelo menos metade, epreferencialmente mais, do seu tempo de actividade profissional.Deve ser capaz de participar na organização dos serviços clínicos, investigação, ensino pós-graduado e consultadoria eapoio específico a outros ginecologistas/obstetras assim como a outras especialidades médicas.A – Critérios de admissão por consenso:

1º – Inscrição no Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos.2º – Dedicação de mais de 50% do tempo diário à actividade na Subespecialidade.3º – Número de anos de exercício de funções na área da subespecialidade (mínimo 5 anos), em unidade com autono-mia funcional e de referenciação de doentes para estudo e tratamento específico. Esta actividade não deve ter sidoexercida há mais de 5 anos à data do pedido de admissão.Devem ser referenciadas as características da unidade,incluindo o movimento assistencial por patologias oncológicas (ginecológica e da mama) de 2000 a 2009.4º – Curriculum cirúrgico e outros factores de valorização pessoal na área do cancro ginecológico e da mama.5º – Ser ou ter sido responsável por uma unidade com autonomia funcional e de referenciação de doentes para estudoe tratamento específico na área da ginecologia oncológica.6º – Ter frequentado cursos de formação reconhecidos oficialmente e específicos da área da ginecologia oncológica.7º – Ter participado como formador em cursos de ginecologia oncológica reconhecidos oficialmente.8º – Ser autor ou co-autor de artigos científicos ou livros científicos na área da ginecologia oncológica.9ª – Pertencer ou ter pertencido aos órgãos directivos de sociedades científicas no âmbito da ginecologia oncológica.10ª – Ter proferido palestras sobre temas de ginecologia oncológica em reuniões científicas nacionais e/ou internacionais.

B – Valorização dos critérios de admissão:Critério 1 – ObrigatórioCritério 2 – ObrigatórioCritério 3 – ObrigatórioCritério 4 – 6 pontosCritério 5 – 4 pontosCritério 6 – 3 pontosCritério 7 – 3 pontosCritério 8 – 2 pontosCritério 9 – 1 pontoCritério 10 – 1 ponto

Mínimo para admissibilidade ao título de subespecialista 10 pontos.C – Documentação para admissibilidade à subespecialidade

a) 7 exemplares do curriculum comprovativos dos critérios de 1 a 10 com letra tamanho 12, espaçamento igual a 1,5,e o máximo de 20 páginas.b) Anexar documentos autenticados comprovativos dos critérios 1 a 6.

Admissão por consenso na Subespecialidadede Ginecologia Oncológica

Foi decidido em Conselho Nacional Executivo homologar os critérios de ad-

missão na Subespecialidade de Ginecologia Oncológica. Os interessados na

admissão por consenso nesta subespecialidade deverão apresentar a sua can-

didatura, junto da sua Secção Regional até Setembro de 2010.

I N F O R M A Ç Ã O

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17Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

CONFEDERAÇÃO LUSÓFONA DE UROLOGIA (CLU)Em 9 de Novembro de 2009, em Goiânia, Brasil, no decorrer do XXXII Congresso Brasileiro de Urologia, foifundada a (Pró) Confederação Lusófona de Urologia. A sua fundação foi anunciada em sessão plenária noCongresso, pelo presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) José Carlos de Almeida, e pelo presidentenomeado da Confederação Lusófona de Urologia (CLU) Manuel Mendes Silva, e foi assinado um documento com adeclaração de intenções e objectivos, assinado por representantes, presentes, do Brasil, de Portugal e de Angola,com a subscrição de Moçambique e Cabo Verde, que não puderam estar presentes. Foi constituída uma Directoriatendo como presidente Manuel Mendes Silva (Portugal), vice-presidente Mário Ronalsa Brandão (filho) (Brasil),tesoureiro Sidney Glina (Brasil), secretário Pedro Tiago Nunes (Portugal), vogais Sidónio Monteiro (Cabo Verde),Manuel Videira (Angola), Igor Vaz (Moçambique). Paulo Palma (Brasil) foi designado presidente da Assembleia Gerale de Representantes. A sede ficou em Portugal, na Ad-Médic, telef. +351218429710, E-mail: [email protected]

A Confederação pretende aproximar, em termos técnico-científicos e sócio-profissionais, toda a comunidade urológicade língua portuguesa, e desenvolver a cooperação, nesta área, dos países e regiões lusófonas, fomentando acçõesinstitucionais que visem a promoção, o desenvolvimento, o progresso, a investigação, o ensino, e a divulgação daUrologia e dos que a praticam, num espírito de diálogo, colaboração e inter-relacionamento. Pretende tambémincentivar, divulgar e representar a urologia lusófona em âmbito internacional, dialogando e cooperando comoutras associações urológicas não lusófonas, nacionais e internacionais, e com outras instituições lusófonas, médi-cas ou não, que tenham como objectivo uma aproximação dos países de língua portuguesa.

Cerca de 300 milhões de pessoas, distribuídas por todo o mundo, falam português, e há cerca de 4.500 urologistas(dos quais mais de 4.000 brasileiros e 350 portugueses) nesse grande espaço pluricontinental que é a CPLP(Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que integra Portugal, Brasil, PALOP (Países Africanos de LínguaOficial Portuguesa, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe), Timor e comunidades portuguesasna Ásia, Goa e Macau.

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Exame de Medicina IntensivaOs candidatos que preencham os requisitos previstos no Documento Orientador de Formação em Medicina Inten-siva (ver Site da Ordem dos Médicos em www.ordemdosmedicos.pt ou ROM N.º 77 de Março de 2007 e ROM N.º97 de Janeiro de 2009), podem solicitar, até ao dia 30 de Junho de 2010, a sua admissão a exame medianterequerimento dirigido ao Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos.O exame realizar-se-á de 24 a 26 de Novembro de 2010, em locais e hora a definir após verificação da admissibilidadedos candidatos.

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18 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

Passamos a publicar a lista de declarações aplicáveis a médicos da União

Europeia que pretendam exercer temporária e ocasionalmente a profissão

em Portugal.

Compulsadas as normas relevantes, a Ordem dos Médicos determina que os médicos que pretendam exercer temporáriae ocasionalmente a profissão em Portugal devem apresentar:

• Declaração indicando o tempo, o lugar e as circunstâncias da prestação de serviços;• Título de formação;• Certificado de inscrição num congénere europeu;• Certificado de idoneidade profissional;• Certificado do registo criminal;• Prova da nacionalidade.

Salienta-se ainda que, embora estes médicos não fiquem inscritos na Ordem dos Médicos, ficam sujeitos à suajurisdição relativamente aos actos praticados em Portugal.

Define-se prestação temporária e/ou ocasional aquela que seja inferior a 4 semanas.O modelo de declaração a facultar ao interessado é o anexo agora publicado.A declaração do prestador de serviços é renovada para prestações posteriores sendo requerida a renovação dos

documentos sobre a sua idoneidade profissional e social.

(MINUTA DE DECLARAÇÃO)[NOME], médico, nacional de [PAIS], legalmente estabelecido em [PAIS] vem, nos termos e para os efeitos dosartigos 7.° da Directiva 2005/36/CE, de 7 de Setembro, e 5.° da Lei n.º 9/2009, de 4 de Março, declarar quepretende prestar serviços Médicos em (LOCAL), com a duração previsível de [TEMPO], com início em (INSERIRDATA).Junto anexa os seguintes documentos:Prova da nacionalidade;Certificado de estabelecimento e idoneidade profissional no país de origem ou proveniência;Título de formação;Certificado do registo criminal.Mais esclarece que [ESPACO ADICIONAL PARA OUTRAS INFORMAÇÕES QUE O PRESTADOR ENTENDAADEQUADAS]

[LOCAL], [DATA]O Declarante

Alteração de comparticipação de medicamentos

Tendo tomado conhecimento através da comunicação social da intenção do Ministério da Saúde de alterar a políticade comparticipação de medicamentos e com base na informação obtida nesses meios, a Ordem dos Médicos enviouum parecer à Tutela com o seguinte conteúdo:

- Desde que exista informação exaustiva, actualizada e de fácil consulta sobre o preço dos medicamentos os médicosnão deixarão de prescrever os mais baratos se estes garantirem a terapêutica mais adequada ao paciente;

- A medida que se pretende implementar tem objectivos meritórios de redução dos gastos públicos mas a sua aplica-ção poderá confrontar-se com a falta de disponibilidade dos medicamentos mais baratos nas farmácias, o que conduza um risco sério de que os doentes sejam obrigados a suportar custos superiores.

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22 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

Posição do Colégio de Nefrologia sobre a Plataforma de Gestão Integrada da Doen-ça Renal Crónica transmitida à Ministra da Saúde, ao Presidente da Comissão Nacionalde Protecção de Dados e ao Provedor de Justiça, através da carta que aqui se trans-creve :

Excelência,

A colheita de dados pessoais a serem integrados na Plataforma de Gestão Integrada da Doença Renal Crónica (PGIDRC)foi, a pedido da Direcção Geral da Saúde, objecto de apreciação pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)e por esta autorizada para utilização em 14 de Janeiro 2008 (autorização n.º 91/2008).Nesse pedido de autorização são enunciadas como objectivos da aplicação informática da PGIDRC as seguintes funciona-lidades:

1. Registo individual do cidadão com DRC;2. Avaliação sistemática da qualidade de prestação de cuidados dialíticos;3. Monitorização da capacidade instalada/utilizada das unidades de diálise sua produção e gestão de risco;4. Possibilidade de auto gestão da evolução da doença;5. Possibilidade de rastreio da população de risco;6. Monitorização do nível de referenciação;7. IdentifIcação das co-morbilidades associadas e frequência/motivo de internamentos hospitalares;8. Monitorização do nível de satisfação do cidadão com DRC.

Não está em questão a legitimidade que o Ministério da Saúde tem para criar mecanismos de informação normalizados quelhe permitam, não só analisar a qualidade dos serviços que contratualiza como, também, recolher os elementos necessáriosa uma correcta gestão estratégica dos recursos envolvidos no tratamento da DRC.Pelo contrário, consideramos que esses mecanismos se revestem da maior relevância e são um dever do Estado.Aliás, todos os oito objectivos, enunciados na generalidade, são consensuais.A questão que merece um principal reparo por parte do Conselho Directivo do Colégio de Especialidade de Nefrologia daOrdem dos Médicos, quer quanto à estrutura da PGIDRC quer quanto ao parecer da CNPD, prende-se com a aplicação,no pormenor, do ponto 2.Com efeito, inscrita na recolha de dados solicitada pela PGIDRC e autorizada pela CNPD, no âmbito dos «dados pessoais»consta o item «registos médicos».Na designação «registos médicos» cabe uma enorme variedade de possíveis elementos. Entre estes, está o registo médicoescrito, textual, do processo clínico.No registo médico do processo clínico estão os elementos colhidos no íntimo e sujeitos ao sigilo profissional que a relaçãopessoal médico/doente impõe. Esses elementos são fruto da análise e da interpretação personalizada dos factos presentes,colocados num registo individualizado para memória futura do médico sobre a história e a evolução clínicas do doenteque, confiantemente, sob a sua responsabilidade se colocou.A potencial devassa a que estes registos médicos estão sujeitos por se encontrarem, através de um registo Nacional dedados, acessíveis à observação de outrem – mesmo que, também este, esteja obrigado a sigilo profissional e que efectue aobservação de boa fé – é de todo inadmissível à luz dos valores inestimáveis da deontologia, da mútua confiança e dorespeito associados à relação médico/doente.

ORDEM DOS MÉDICOSCOLÉGIO DA ESPECIALIDADE DE NEFROLOGIA

Plataforma de Gestão Integrada da Doença Renal Crónica

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23Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

O registo médico, onde estão descritos os achados das diversas consultas e todos os comentários considerados pertinen-tes, consiste no somatório dos múltiplos aspectos considerados relevantes inscritos pelo médico de forma livre, nãopadronizada ou padronizável e, portanto, completamente fora do âmbito e da natureza do que se pretende monitorizarcom a PGIDRC.Aliás, quer o articulado do Despacho n.º 4325/2008 do Secretário de Estado da Saúde, de 18 de Janeiro, quer o CódigoDeontológico da Ordem dos Médicos quer, ainda, a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, tentam acautelar a sensívelcompatibilização da disponibilização de dados referentes aos doentes com o respeito pelas regras deontológicas, com apreservação do segredo profissional e com a protecção de dados pessoais.Sendo assim, é nosso entendimento que deve ser excluído o processo clínico da panóplia dos elementos acessíveis àPGIDRC, pois que, do seu conhecimento, nada é acrescentado para a prossecução dos objectivos de controlo, demonitorização e de padronização da qualidade do tratamento da DRC. Por outro lado, tal exigência, enfermando de umaatitude de intromissão na intimidade do processo clínico, é deontologicamente condenável, é geradora de desconfiança eé, em última instãncia e no nosso entender, ilegítima.

Com os mais respeitosos cumprimentos,

Pel’O Conselho Directivo do Colégio de Especialidade de Nefrologia da Ordem dos MédicosO Presidente

João Ribeiro Santos

Exposição elaborada pelo Dr. José Diogo Barata, e aprovada em reunião do Conselho Directivo de 11/Dez/2009

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24 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

DEPARTAMENTO JURÍDICO

PEDIDO DE PERITO MÉDICO – VARAS CÍVEIS DE LISBOAFoi presente ao Departamento Jurídico para apreciação e parecer um conjunto de questões formuladas pelo Presidente deum Colégio de Especialidade.

Em síntese pretendem o referido Presidente e o Sr. Bastonário ser esclarecidos sobre o seguinte:

- É competência da Ordem dos Médicos nomear/designar peritos médicos, a solicitação do Tribunal, para qualquer daspartes processuais, designadamente para o Autor de uma acção em que seja R. um médico?

- Em caso da resposta à anterior questão ser afirmativa, quem paga as despesas e honorários do perito indicado pelaOrdem dos Médicos?

Sobre o assunto em apreço somos a dizer o seguinte:

No âmbito do dever de cooperação para a descoberta da verdade1 previsto no artigo 519.º do Código de Processo Civil(CPC), a OM tem o dever de prestar a sua colaboração no que lhe for requisitado, praticando os actos que lhe foremdeterminados, desde que a sua intervenção seja possível.

A Ordem não nomeia médicos para constituírem colectivos de peritos2, quem o faz é o Tribunal.

O que lhe é solicitado prende-se, tão só, com a indicação de médicos especialistas idóneos para darem o seuparecer objectivo perante uma situação concreta em que estão envolvidos um doente e um ou mais médicos.Tem, aliás, sido defendido pela OM que ela própria é a entidade com especial idoneidade para facultar esse apoio técnicoaos Tribunais.

Tendo em conta a natureza da OM e os seus fins estatutários, ou seja, o facto de se tratar da entidade reguladora doexercício da medicina em Portugal e do especial conhecimento que tem dos especialistas que possam desempenhardeterminadas tarefas, é de concluir que cabe àquela indicar os peritos que sejam solicitados pelos Tribunais independen-temente da parte que possam «representar».

Não obstante a letra da alínea b) do n.º1 e do n.º 2 do artigo 569º do CPC3 não ser absolutamente clara quanto a estamatéria julgamos que, na impossibilidade da parte conseguir indicar um perito, esta não está inibida de requerer aoTribunal que este providencie a sua designação por uma entidade independente como é o caso da OM.

I N F O R M A Ç Ã O

1. Artigo 519.º do C.P.C. (Dever de cooperação para a descoberta da verdade)1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendoao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que foremdeterminados.2. Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se orecusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da provadecorrente do preceituado no nº 2 do art. 344º do Código Civil.3. A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:

a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no nº 4.

4. Deduzida escusa com fundamento na alíena c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interessesem causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.

2. Não abordaremos no âmbito deste parecer as perícias médico-legais já que essas são realizadas pelos serviços médico legais ou pelos peritosmédicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta (artº 568, nº 3 do CPC). Trata-se, aqui, de perícia médicarequerida por uma ou por ambas as partes compreendida na produção de prova de um determinado processo civil.

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25Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

Por último sempre se dirá que o perito sendo obrigado a desempenhar a sua função com isenção e diligência não tem comofunção «dar parecer ao acusador» mas, antes sim, responder de forma objectiva aos factos que lhe sejam formulados pelas partes.Dito isto cabe responder à questão correlacionada com o pagamento das despesas e honorários do dito perito.

Quanto ao pagamento dos serviços de perícia prestados, estipula o artigo 17.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Proces-suais que «a remuneração de peritos, tradutores, intérpretes e consultores técnicos, em qualquer processo é efectuada nos termosdo disposto na tabela IV, que faz parte integrante do presente Regulamento».

A referida tabela designa como remuneração por serviço/deslocações dos peritos de 1 a 10 Unidades de Conta (UC),sendo o valor de cada UC, presentemente, de 102,00€.

Estabelece ainda aquele artigo, no seu n.º 6, que «nas perícias médicas, os médicos e respectivos auxiliares são remunerados porcada exame nos termos fixados em diploma próprio» (vide Portaria 685/2008, de 18 de Agosto, que estabelece as remunera-ções dos peritos médicos).

Portanto, é o Tribunal que fixa o valor a pagar ao perito, sendo o Instituto de Gestão Financeira da Justiça que liquida taismontantes, que depois entrarão nas custas a pagar pelas partes.

O Consultor Jurídico

Paulo Sancho

2009-12-07

I N F O R M A Ç Ã O

3. Artigo 569.º (Perícia colegial):1. A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:

a) Quando o juiz oficiosamente o determine, por entender que a perícia reveste especial complexidade ou exige conhecimento de matériasdistintas;

b) Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos nos artigos 577º e 578º, nº 1, requerer a realização de perícia colegial.2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, se as partes acordarem logo na nomeação dos peritos, é aplicável o disposto na segundaparte do nº 2 do artigo anterior; não havendo acordo, cada parte escolhe um dos peritos e o juiz nomeia o terceiro.3. As partes que pretendam usar a faculdade prevista na alínea b) do nº l devem indicar logo os respectivos peritos, salvo se, alegando dificuldadejustificada, pedirem a prorrogação do prazo para a indicação.

DEPARTAMENTO JURÍDICO

Profissional de Saúde para efeitos do Estatuto do MedicamentoFoi solicitado a este Departamento Jurídico que se pronunciasse quanto à

possibilidade de um interno ser considerado um profissional de saúde para

efeitos de aplicação do artigo 150.º do Estatuto do Medicamento.

Vejamos:

O artigo 150.º do Estatuto do Medicamento tem a seguinte redacção:

«1 – Considera-se publicidade de medicamentos, para efeitos do presente decreto-lei, qualquer forma de informação, de prospecçãoou de incentivo que tenha por objecto ou por efeito a promoção da sua prescrição, dispensa, venda, aquisição ou consumo emqualquer das seguintes circunstâncias:

a) Junto do público em geral;b) Junto de distribuidores por grosso e dos profissionais de saúde;

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26 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

c) Através da visita de delegados de informação médica às pessoas referidas na alínea anterior;d) Através do fornecimento de amostras ou de bonificações comerciais a qualquer das pessoas abrangidas pelo disposto na alínea b);e) Através da concessão, oferta ou promessa de benefícios pecuniários ou em espécie, excepto quando o seu valor intrínseco sejainsignificante;f) Pela via do patrocínio de reuniões de promoção a que assistam pessoas abrangidas pelo disposto na alínea b);g) Pela via do patrocínio a congressos ou reuniões de carácter científico em que participem pessoas referidas na alínea b),nomeadamente pelo pagamento, directo ou indirecto, dos custos de acolhimento;h) Através da referência ao nome comercial de um medicamento.

2 – A publicidade de medicamentos pode ser realizada directamente pelo titular de autorização ou registo de um medicamento ou,em nome deste, por terceiro, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.3 – A publicidade de medicamentos:

a) Deve conter elementos que estejam de acordo com as informações constantes do resumo das características do medicamen-to, tal como foi autorizado;b) Deve promover o uso racional dos medicamentos, fazendo-o de forma objectiva e sem exagerar as suas propriedades;c) Não pode ser enganosa».

O mesmo diploma define como «profissional de saúde», «a pessoa legalmente habilitada a prescrever, dispensar ou administrarmedicamentos, designadamente, médicos, médicos dentistas, médicos veterinários, odontologistas ou farmacêutico».

Importa, pois, averiguar se os médicos internos podem ser considerados como «pessoa legalmente habilitada a prescrever,dispensar ou administrar medicamentos».

Nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Formação Médica (DL n.º 203/2004, de 18 de Agosto, com aredacção introduzida pelo DL n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro) «o exercício autónomo da medicina é reconhecido a partir dedois anos de formação de internato médico com aproveitamento, nos termos estabelecidos pela Ordem dos Médicos».

Sendo claro que após os dois anos de internato os internos podem praticar, autonomamente, actos médicos, designadamenteprescrever medicamentos, a questão controvertida está em saber se os médicos não autónomos podem ou devem serconsiderados «profissionais de saúde» para os efeitos consignados no dito artigo 150.º do Estatuto do Medicamento.

A legislação vigente sobre receituário e comparticipação de medicamentos, bem como as normas reguladoras do internatomédico, não contém qualquer disposição legal que impeça quer a requisição de vinhetas quer a prescrição por médicosnão autónomos.

Acresce que o Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos pronunciou-se defendendo que «a ausência deautonomia não deverá condicionar a entrega de vinhetas aos médicos ou a possibilidade de estes prescreveremexames complementares de diagnóstico. Devem ser dadas vinhetas aos médicos que estejam em formação (leia-seinternato médico, incluindo 1.º e 2.º anos), colocados em serviços com idoneidade formativa e integrados em equipade trabalho com supervisão do seu orientador responsável de formação. Reafirmamos que não é possível aosmédicos em formação e sem autonomia exercer medicina sem a presença de tutor».

Assim, entendemos que, nos termos do artigo 150.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto do Medicamento, os internos são conside-rados profissionais de saúde, com capacidade para prescrever, embora os dos 1º e 2º anos só o possam fazer sobsupervisão dos orientadores de formação.

A Consultora Jurídica

Raquel de Castro Martins

2009-12-11

I N F O R M A Ç Ã O

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28 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

I N F O R M A Ç Ã O

ORDEM DOS MÉDICOSSECÇÃO REGIONAL DO NORTE

COLÉGIO DA ESPECIALIDADE DE MEDICINA GERAL E FAMILIAR

MGF exercida por não especialistasO Colégio de Especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) tem seguido com preocupação a situação de faltade recursos humanos nos Centros de Saúde.Considera particularmente grave a estratégia actual de alguns responsáveis do Ministério da Saúde apresentaremcomo Médicos de Família médicos que não estão para isso devidamente qualificados.A especialidade de MGF tem regras e normas para a obtenção do título de Especialista. Tem um programa deformação de 4 anos aprovado em 2008, com objectivos gerais e específicos, de acordo com a definição Europeia deMGF. Tem um processo de formação pós-graduada prestigiado e reconhecido internacionalmente.

Assim sendo, a Direcção do Colégio chama a atenção para os seguintes aspectos:

-Médicos indiferenciados não podem desempenhar as funções de Médicos de Família (MF) e serem denominadoscomo tal, uma vez que não obtiveram o respectivo título apenas atribuível, após requisição dos candidatos, pelaOrdem dos Médicos.

- Questões sociais e contratuais, a que enquanto médicos a exercer medicina em Portugal estão sujeitos, devem serda preocupação da sociedade civil e da própria Ordem dos Médicos.

-O facto de o contrato de trabalho efectuado com Médicos cubanos ou de outras nacionalidades ser a prazopoderá ser uma solução transitória para a resolução momentânea de uma crise de recursos humanos, desde que afunção por eles exercida não colida com as funções de MF. Esta situação não deverá comprometer o emprego dosjovens Médicos de Família formados em Portugal e de todos os outros que, por normativas europeias, tenhamigualdade de acesso às funções de Médico de Família.

Face ao não cumprimento dos pontos acima citados, a Ordem dos Médicos através do Colégio de MGF, arroga-seo direito de verificar em que moldes é feito este exercício de funções e tomar todas as medidas necessárias paraassegurar a dignidade do exercício profissional da Especialidade de MGF em prol da qualidade dos cuidadosprestados à nossa população.

Envie-nos os seus artigosPara que a revista da Ordem dos Médicos possa ser sempre o espelho da opinião dos profissionais de todoo país, agradecemos a colaboração de todos os médicos que desejem partilhar as suas opiniões, experiênciasou ideias com os colegas, através do envio de artigos para publicação na Revista da Ordem dos Médicos. Osartigos devem ser acompanhados de uma fotografia do autor (tipo passe) e poderão ser enviados para oscontactos que se encontram na ficha técnica (morada da redação e/ou respectivo e-mail).

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29Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

I N F O R M A Ç Ã O

«O arguido Miguel Jorge Santos de Oliveira Ferreira Leão, médico à datados factos a exercer o cargo de Presidente daMesa da Assembleia da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, declara que: relativamente ao aviso publicadoem jornais diários de âmbito Regional e Nacional, designadamente o Jornal “O Público”, dando conta de uma AssembleiaRegional Ordinária da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos então a realizar no dia 10-01-2007, pelas 20H30,com a seguinte ordem de trabalhos: “1 – Informações sobre a actividade médica sobre o Hospital Pedro Hispano; 2 –Apreciação e deliberação sobre a actividade a exercer pelo Conselho Regional face à conduta do médico Nuno Luís daSilva Morujão ao impedir a realização de uma reunião a ser promovida pelo Conselho Regional do Norte da Ordem dosMédicos no Hospital Pedro Hispano” e, ainda, relativamente à convocatória da Conferência de Imprensa realizada no dia04-01-2007, quinta-feira, pelas 11.30 horas, com o assunto: “Convocatória da Assembleia Regional do Norte da Ordemdos Médicos com vista à apreciação do comportamento do Drº Nuno Luís da Silva Morujão impedindo a realização deuma reunião promovida pelo Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos” na qual anunciou que “ia propor acondenação pública do Drº Nuno Morujão junto dos órgãos de comunicação social e dos médicos portugueses por terimpedido o acesso da Ordem dos Médicos Norte ao Hospital Pedro Hispano”, declara dar assim satisfação pública ao DrºNuno Morujão porquanto não foi sua intenção ofender a sua honra e dignidade pessoal e profissional, pretendendoapenas emitir um juízo politico e não ético, reconhecendo que nos factos em discussão – a não autorização da realizaçãode uma reunião ao Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos – a deliberação em causa foi tomada peloConselho de Administração da Unidade Local de Saúde de Matosinhos e não pelo Drº Nuno Morujão.»

Publicidade de extracto de acta de julgamentoPassamos a publicar o extracto da acta de audiência de julgamento em que

era arguido o médico Miguel Jorge Santos de Oliveira Ferreira Leão e em

que era assistente o médico Nuno Luís da Silva Morujão.

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30 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

Na Revista do Ordem datada de ja-neiro, o meu nome apareceu errada-mente como autor de um escrito e, pa-ra agravar, o texto tinha o mesmo títu-lo de um artigo meu, intitulado «Dequem são os dados do processoclínico?», publicado na edição de de-zembro, e vinha acompanhado da mi-nha fotografia.O seu verdadeiro autor estará natu-ralmente incomodado mas não tantocomo eu. Na verdade, ter recebido men-sagens de leitores interrogando-me

De quem são os artigospublicados na Revista?É correto dizer-se que só não erra quem nadafaz. Por isso, quando alguém erra e nos causaembaraços, muitas vezes só nos resta lamentá-lo e tentar uma «redução de danos».

sobre o que eu queria dizer ou cum-primentando-me pelo que não disse, éalgo… impressionante!Não tenho vontade de responder à sé-rie de perguntas que o autor (involun-tariamente anonimizado) apresenta.Mais me agradaria conhecer as suaspróprias respostas!Mas, na mesma edição, foi também pu-blicado um artigo escrito pelo meu ami-go Fernando Gomes, que reage ao meutexto de dezembro, pelo que gostaria detecer alguns breves comentários.Ao contrário do que possa entender-sedo que escrevi, eu também concordoem que haja uma parte do processo clí-nico eletrónico que exerça a função debloco de notas do médico e se destine àsua memória. A esse espaço só deveráter acesso o seu autor e, portanto, o seuconteúdo não deverá, não poderá, serconsiderado como parte dos dados clí-nicos da pessoa titular do processo.Consequentemente, não sendo acessí-veis a outros intervenientes do tratamen-to ou do mero seguimento da pessoa,não sendo dados de saúde, essas anota-ções não são para aqui chamadas.O que diz a lei, e note-se que a Lei n.º46/2007, sendo a transposição de uma

diretiva europeia, tem mais força doque outras e do que o Regulamentointerno Código Deontológico da Or-dem dos Médicos. E a lei é clara: «Acomunicação de dados de saúde é feitapor intermédio de médico se o requeren-te o solicitar.» Não diz que a comunica-ção de dados de saúde, quando o re-quente a solicitar, é feita por interme-diação de médico.Ao argumento legal, que me pareceirrebatível, acrescentei o argumentoético: se não posso conhecer toda ainformação, não tenho autonomia!Acresce que receio, perante o que es-creveu, que Fernando Gomes possa in-duzir em equívoco alguns leitores aoligar o dever de documentação aos ris-cos da medicina defensiva. É precisodizer bem alto a todos os médicos queé precisamente o contrário: só nos po-demos defender se tudo estiver regis-tado.Finalmente, gostaria de deixar claro(por tal é comentado com uma ponti-nha de crítica) que a referência, juntoao meu nome, às funções que atual-mente desempenho, em situação detotal independência, em dois órgãosconsultivos, apenas se destina a me-lhor me identificar e em nada, obvia-mente, os compromete. A referênciaao facto de me encontrar retirado doexercício profissional tem o mesmoobjetivo. Estas menções destinam-se acompensar a minha apagada vida asso-ciativa – coisa que não acontece como dirigente que se deu ao trabalho decomentar o meu artigo. Certo é quetão importante pode ser a opinião deum retirado como a de um ativo, so-bretudo, como é o caso, quando am-bos se respeitam há tantos anos.

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Fotografiapor H. Carmona da Mota

De quem são os dados do processo clínico?

Rosalvo Almeida (Revista da OM, Outubro/Novembro 2009)

De quem é a fotografia de Che que Korda tirou?A quem pertence essa foto?De quem é a fotografia «Gare Saint-Lazare, Paris 1932» que H. Cartier-Bressontirou?

Do fotografado ou do fotógrafo?Do objecto ou do intérprete?O que significa «tirar» uma foto?

De quem é o quadro Mona Lisa?De quem são os estudos para a Mona Lisa?De quem é/era o «negativo» de uma fotografia comercial(retocada)?

De quem são os dados do processo clínico?Do doente? Do médico? Dos médicos? Do processo do?Os dados serão «do» doente; sê-lo-ão as interpretações que,sobre eles, o médico tiver feito?O que significa propriedade, neste contexto?Que consequências terão as decisões que tomarmos?Um processo clínico sem interpretações - limpo, sem riscos,defensivo?Pior a emenda que o soneto?Em vez de se tentar corrigir o defeito de uma parte, substitui-sea maçã bichoca por uma abóbora GM?

O arguido poderia fazer valer o seu direito processual penal anão se auto-incriminar.

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/28-12-2009/condutores-po-dem-recusar-testes-de-alcool-no-sanguecondenacao-ilegal-18488198.htm «Gare Saint-Lazare, Paris 1932», Henri Cartier-Bresson

O P I N I Ã O

A ROM errou

Na edição de Janeiro de 2010, por lapso, indicámos Rosalvo Almeida como sendo o autor do artigo quea baixo reproduzimos. Na verdade este artigo é da autoria de Henrique Carmona da Mota. O errosurgiu na sequência de ser um texto que teve como ‘ponto de partida’ um artigo publicado na edição deOutubro/Novembro de 2009 (esse sim, da autoria de Rosalvo Almeida). Apresentamos as nossas maissinceras desculpas ao dois visados e lamentamos qualquer incómodo causado.

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32 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

No dia 2 de Fevereiro do ano que ago-ra decorre, deixou o nosso convívio oProfessor Doutor Jaime Augusto Cro-ner Celestino da Costa, Catedrático deCirurgia Jubilado da Faculdade deMedicina de Lisboa. Desapareceu as-sim um dos últimos médicos humanis-tas que brilharam no século XX. Eramhomens a quem se reconhecia a exce-lência na sua área científica, neste casoa cirurgia, mas tambem dedicavam asua atenção a outras formas de cultu-ra, aquilo que contribui para deleitedo espírito. Conhecia a música e eraum prazer ouvi-lo discorrer sobre pe-ças musicais ou sobre interpretaçõesde artistas que ficaram célebres. Atéquase ao fim da vida manteve umamemória pronta e fiel, que trazia comdetalhe ao presente acontecimentos dehá muito. Era um executante de pia-no, e bom, e o piano de cauda da suasala não era apenas um objecto deco-rativo. Mas tambem a pintura, as pra-tas, o mobiliário, a literatura o entusi-asmavam e a sua casa era um exem-plo vivo desse interesse.

Nasceu em 1915, licenciou-se em 1938com a média geral de 18 valores e umprémio atribuido ao melhor aluno declínica cirúrgica, doutorou-se em 1945,e em 1948, com 33 anos, era Cirur-

IN MEMORIAMJAIME CELESTINO DA COSTA

gião dos Hospitais Civis de Lisboa. Valea pena parar um pouco para recordaro que significava então este título. Eramas provas mais exigentes que se podi-am fazer, concurso de provas teóricase práticas, públicas e eliminatóriascomo dizia o edital, que começava in-variavelmente com cerca de uma de-zena de candidatos para os dois outrês lugares postos a concurso. Estenúmero reduzia-se progressivamentedurante as quatro provas exigidas, atéao apuramento final. Fazer o concursoduas ou três vezes era a regra, e comnomes prestigiados da cirurgia assimsucedeu, a excepção era entrar no pri-meiro concurso e Celestino da Costaentrou no primeiro concurso. Na FML,após o doutoramento, concorreu aoslugares postos a concurso pela hierar-quia académica, primeiro ProfessorExtraordinário de Cirurgia em 1951 efinalmente a Cátedra em 1961, queocupou durante 24 anos.

O Professor era daqueles homens na-turalmente dotados para ocupar osprimeiros lugares qalquer que fosse aprofissão escolhida, mas para além dis-so juntava ao mérito qualidades pes-soais que o tornavam uma personlida-de fascinante, de inteligência viva, espí-rito arguto, conversador cativante, iro-nia fácil por vezes cáustica, curiosamen-te pessimista quando da avaliação daspessoas ou dos acontecimentos, masum optimista nato quanto a si, um «joiede vivre» contagiante e que se mante-ve inalterado até quase ao final.

O meu conhecimento e admiração peloProfessor Celestino da Costa vem des-de 1950, qando foi meu professor dePropedêutica Cirúrgica. Depois do exa-me convidou-me para frequentar o seuBanco do H. de S. José, o que fiz commuita satisfação e sentido de respon-sabilidade. Quando fiz a minha carreirafoi sempre o meu Mestre na Cirurgia.

A sua personalidade e a posiçao dechefia, primeiro nos HCL e depois noH. de Sta. Maria, foram polo de atrac-ção para jovens desejosos de fazer car-reira se juntarem em torno dele,benificiando dos seus ensinamentos.Foi assim que uma Escola se criou eveio a dar muitos frutos para a cirur-gia ou para especialidades afins. Po-dem contar-se mais de um dezena decolaboradores que ocuparam depoislugares de topo nas Universidades ouna rede hospitalar, tanto nos HospitaisCentrais como nos Hospitais Distritaisdo Continente e das Ilhas Adjacentes.E todos eles são unânimes em recone-cer a influência, directa ou indirecta,do Professor na sua sua educação esentem como privilégio terem usufrui-do do seu convívio.

Como Cirurgião era um cirurgião há-bil e seguro, solidamente firmado noconhecimento científico da anatomiae da fisiopatologia. Acentuava muitocomo era mais importante o saber bemfundamentado que leva ao diagnósti-co preciso e à terapêutica correcta, doque o tal «geito de maos» fomentadordo malabarismo cirúrgico. Tinha umespírito inovador, sensível às novas ten-dências e problemas da cirurgia, e foium pioneiro da cirurgia cardio-torácica.

Para melhor conhecer a pessoa hátambem que referir a natureza da suaprodução literária e das suas inter-venções nas reuniões científicas. Sãoquase duzentas ao longo dos setentaanos da sua vida activa. Tão longoperíodo explica a diversidade dos seusinteresses, pois traduzia o espírito vivoe inquisitivo que acompanhava a evo-lução da cirurgia. Dizem respeito aaspectos cirúrgicos da endocrinologia,cirurgia experimental em relação coma circulação, a angiografia em váriassituações, problemas da hipertensão

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portal e do hiperesplenismo, casos decirurgia abdominal descritos por se-rem pouco comuns ou por merecerdoutrina o seu tratamento, cirurgia deurgência e a cirurgia cardio-torácicade que foi pioneiro entre nós. Aindaa Educação Médica e a organizaçãodo ensino da cirurgia, a História daMedicina e a filosofia da cirurgia, fo-ram áreas em que muito escreveu emuitas conferências fez. Tinha grandeinteresse na educação dos jovens equeria que o ensino pudesse condu-zir à competência, qualidade que tan-to acentuava dever ser objecivo emtoda a prática médica, e por ele com-bateu toda a vida. O «Relatório dasCarreiras Médicas», de que foi um dosredactores e signatário, no tempo emque o pensamento não era livre e osdesvios podiam trazer contratempos,fazia propostas arrojadas e inovado-ras, e foi um dos seus trabalhos mais

conhecidos e que influenciou muitasgerações de médicos.

Finalmente a recordação do que foi apersonalidade do Professor Celestinode Costa e na importância que teve nomundo do seu tempo, ficaria incomple-ta se não mencionasse o seu «hobby»desportivo, os cavalos, a arte equestra.Desde jovem praticava equitação e eurecordo um dos meus tios, entendidona matéria e que o tinha visto no pica-deiro, dizer-me como o jovem Jaime ti-nha habilidade para montar. Tornou-seum excelente cavaleiro e mais tardedeixou-se atrair pelo ensino dos cava-los, torná-los dóceis e sensíveis ao co-mando, capazes de executar, imediata-mente e sem hesitação, a ordem do seucavaleiro. Há nesta actividade uma apos-ta em si mesmo, porque se escolhe umcavalo ainda potro, valorizando sinaisincipientes indício de qualidade, para o

O P I N I Ã O

educar e treinar até se tornar no talcavalo de qualidade. Pode dizer-se queé uma manifestação de «olho clínico»em relação ao animal.

O Mérito de Jaime Celestino da Costateve reconhecimento público e oficial.Atestam-no os prémios, os louvores,as condecorações (a Legião de Honrafrancesa e as portuguesas de GrandeOficial da Ordem de Instrução públi-ca e a Grã-Cruz da Ordem Militar deSantiago da Espada) e as medalhas, ade Honra da Faculdade de Medicina ea do Ministério da Saúde.

Enfim, foi um Grande Senhor da Medi-cina, um Mestre e um Pedagogo, umexemplo de Humanismo e de Homemque viveu de acordo com os seusprincipios.

Requiescat in pace.

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34 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Março/Abril 2010

Psicossomática estrutural1

O P I N I Ã O

Em minha opinião:

1. O ser humano é uma «Oficina Psi-cossomática» de laboração perma-nente, cujo único desígnio é o prolon-gamento da vida e a manutenção dobem-estar. Todo o seu funcionamentopara esse fim se orienta, tentando ac-tivamente construir Saúde.Todas as emoções, afectos e sentimen-tos, tal como todas as biologias e fisio-logias participam nesse processo, quese inicia na infância e se organiza comoestrutura pessoal.

2. Nesse desígnio, a oficina trabalha umsofrimento característico da espécie: o«Sofrimento Básico». E tenta regu-lar todos os sofrimentos físicos ou men-tais que no caminho se lhe deparam,no sentido de os reparar e de evitarque se transformem em Doença.

3. Dessas finíssimas operações haverámarcadores, que serão os:«Marcadores Psicossomáticos»por enquanto «planetas» anunciadosmas desconhecidos.Não vislumbramos ainda tais marca-dores porque as ciências investigam osmarcadores físicos e/ou os marcadoresmentais, separando uns dos outros naatitude dualista tradicional.Precisamos de novos paradigmas cien-tíficos e de novos processos de inves-tigação para os atingir.

• Filogeneticamente criados, ontogene-ticamente enriquecidos, esses marca-dores revelarão dados fundamentaissobre a simultaneidade do corpo e damente em todas as actividades do serhumano.Sinalizarão facetas essenciais da cons-trução da identidade de cada um, iden-tidade que será sempre uma:«Identidade Psicossomática».

Os conceitos de:«Psicossomática Estrutural» e de«Facto Psicossomático»que procuro teorizar, dispensam essedualismo que historicamente nos con-diciona e procuram um mais compre-ensivo horizonte da funcionalidade quenos caracteriza.

• Investigar a «Corporização» que,segundo creio, acontece no corpo realaquando dos processos de identifica-ção, será um aliciante projecto.O percurso dos sofrimentos e das res-pectivas emoções assentará, necessa-riamente, nos trajectos e nas marcaspor essa corporização deixadas.

• Sabemos muito pouco sobre isto.Apenas tacteamos.

I

Alongando um pouco, acentuaria queapesar dos enormes avanços do conhe-cimento médico e do «conhecimentode si», a oficina humana contem inte-rioridades que desconhecemos. Silen-ciosas, amigas, inimigas, só com «arte»as conseguiremos abrir.As ciências que nos instruíram e deque somos agentes têm-nos esclareci-do muitíssimas questões, mas o para-digma que as sustenta também nos temintensamente limitado. Tal limitaçãotransparece na dificuldade que temosem imaginar um funcionamento unitá-rio do ser humano. Dentro de nós, co-mo dentro de toda a ciência médica ede toda a ciência psicológica, existeuma estranha resistência a concep-

tualizar nesse sentido: não consegui-mos ausentar os dualismos que nosformaram nem dispomos de instru-mentos ou de palavras que nos auxili-em a deles abstrair.Termos ou conceitos como: interacção,reciprocidade, influência, equivalência,homologia, simultaneidade, interrela-ção, conjugação, representação etc.,concebidos para relacionar o que sepassa entre o corpo e a mente, ou paratentar unificar o corpo e a representa-ção mental desse mesmo corpo, nãofazem mais do que manter, em estadolatente, essas históricas leituras. Emtodos o dualismo persiste, de formamais ou menos encoberta, apesar doseu propósito ser justamente o de odissolver. Fica-se com a impressão deestarmos «irremediavelmente» condi-cionados, numa espécie de fatalismo.Para além dos aspectos científicos, pen-so que resistimos e excluímos muitosdados que a cultura não considera ousub-repticiamente apaga, por razões deordem filosófica ou religiosa. Sem dar-mos por isso, intrometemos esses as-pectos na perspectiva. A invenção du-ma «alma» separável do corpo, eternae em busca de purificação, tem pesa-do de tal forma que até uma críticadesapaixonada das pistas que temosprosseguido enevoada se mostra. Re-colhidos na clássica separação corpo/alma, corpo/espírito, corpo/mente,acrescidos pela recente fragmentaçãodo corpo em órgãos ou em peças iso-láveis enquanto vivas (como se issofosse possível… mas a Medicina quefez), contentamo-nos com respostasparcelares.Outra dificuldade ocupa espaço sen-sível nesta aventura: o conhecimentocentrou-se na Doença, não na Saúde,como seria lógico supor. Apenas se es-tuda a primeira, considerando que Saú-de será a fisiologia normal e a Doençaa perturbação dessa mesma fisiologia,facto que está muito longe de ser ver-dade, pelo menos a verdade total. To-das as concepções de que dispomosnesse ângulo se construíram. A Saúde,

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na sua qualidade de função activa, nemsequer é mencionado nos tratados mé-dicos e nos horizontes de investigaçãoque conhecemos, mesmo que um nú-mero cada vez maior de executantesadmita a ilogicidade de tal procedimento.Investigar a Doença sem conhecer aSaúde ou, pior ainda, sem conhecer aparticularidade do seu processo napessoa em causa, será sempre incom-pleto. Mais incompleto ainda se nãofor considerado o que «o próprio» sabea seu respeito, ou seja, o sentimentoque o doente tem sobre a sua Saúde,sobre os transtornos que lhe provoca-ram a sua Doença e sobre o que parasi mesmo esta representa. Trata-se dumsaber intuitivo, partido da fonte «psi-cossomática estrutural», que os médi-cos mais atentos perscrutam no dia-a-dia, e que será sempre muito mais de-terminante para os bons ou para mausdesfechos clínicos do que o pragma-tismo académico quer fazer crer.

II

Neste sentido, Saúde não será uma si-tuação de bem-estar nas três clássicasvertentes: física, mental e social... pelaOMS definidas. Será algo mais. Conte-rá o que o próprio a esse respeito sentee avalia, numa consideração que lhe éaportada pela sua «oficina» e que serávisualizável nos marcadores que aindanão atingimos.Esta minha proposição esclarece, des-de logo, alguns paradoxos. Por exem-plo, esclarece o facto do próprio sesentir «bem de saúde» apesar de limi-tado numa ou mais das vertentes clás-sicas da definição, ou sentir-se «mal desaúde» apesar de todas elas aparente-mente permanecerem estabilizadas.Mas, como funcionaremos, para alémdesta simples enunciação?Não sendo de presumir aleatórios nofuncionamento do ser humano, porqueserão diferentes as consequências dosofrimento e das emoções no corpode cada um?Quem orienta tudo isso, como, por-quê?Porque será, por exemplo, que raivasacumuladas se acompanham de per-

turbações de pele nalguns indivíduos,de perturbações cardíacas noutros e,noutros ainda, de manifestações de-pressivas?Porque será que, em situações de per-da há pessoas que sofrem de cefaleias,outras de perturbações digestivas e,muitas outras, não sofrem de coisa ne-nhuma?Porque acordará todo «partido» e as-sim permanecerá alguns dias, sem se-quer na cama se ter mexido, um indi-víduo que a sonhar fez um esforço físi-co que lhe ultrapassou os limites?Porque ejaculará com orgasmo um in-divíduo quando sonha, sabendo-se queo seu corpo em nada contribuiu?Porque será que na tão requestada fi-bromialgia, o corpo se cansa e muscu-larmente dói a partir de correrias quesó na mente se fazem ou se fizeram?Tudo isto são «factos psicossomáticos»banais, indicadores dum modelo ondeo funcionamento humano se revê, masque, medicamente considerados , enor-mes interrogações levantam.

III

Numa espécie de desabafo pessoal,diria que a Medicina e a Psiquiatria meensinaram o que era a Doença, mas seficaram por aí. E que a Psicanálise meensinou o que era a Saúde, mas tam-bém por aí se ficou.Nem a Medicina, nem a Psiquiatria, nema Psicanálise, me ensinaram a funcio-nalidade global que encontro na prá-tica clínica e na vida em geral. Não ofizeram, obviamente, porque não sabeme porque, no momento presente, nemsequer dispõem de metodologia capazde o vir a saber, apesar de toda a ciên-cia em que gostosamente mergulhamos.Provavelmente, o futuro consistirá nainvestigação duma ideia tão simplescomo esta: o processo de identifica-ção, absolutamente essencial no cres-cimento e na caracterização do serhumano, não consistirá apenas numainteriorização psicológica, como habi-tualmente se diz: acarretará também,no caminho, uma marca íntima de cor-porização (encarnação). Se essa cor-porização (conceito muito diferente

dos conceitos psicológicos de «incorpo-ração», «interiorização», ou «introjec-ção», que se reportam ao corpo ima-ginário) não se cumprir fluentemente,os sofrimentos não se elaboram e ad-quirem circunstância para se organi-zarem sob um formato de doença, queserá sempre, consequentemente, umadoença psicossomática.

IV

Resumindo o que nos últimos anostenho escrito sobre a «PsicossomáticaEstrutural», parece-me poder afirmarque:

• Separar o corpo do espírito é umabsurdo epistemológico: tão absurdocomo separar o oxigénio do hidrogé-nio na água. Será impossível fazê-lo.

• Depois das brilhantes achegas queas Ciências Biomédicas e a Psicanálisenos forneceram, as suas possibilidadesencontram-se esgotadas quanto à es-sência da Psicossomática mais fundaque interrogamos.Todos os caminhos dessas Ciências sãodualistas, exclusivos e paralelos, jamaisultrapassando essa condição. Por den-tro, todas mantêm a dicotomia corpo/espírito. Contactam-se, cumprimentam-se, trocam até palavras semelhantes,mas nunca poderão fundir-se porqueas suas especificidades disso as impe-dem. Não há encontro possível, a man-terem-se os conceitos que as animame as metodologias que as suportam.O actual mapeamento do cérebro, pro-vindo das celebradas neurociências,padece da mesmíssima limitação.

• A Psicanálise e as Psicologias afinsdesenvolveram os conceitos de «inca-pacidade de elaboração», «lacunas dementalização», «pensamento operató-rio», «carências de simbolização»,«equivalentes psicóticos», «depressõesfalhadas», «sonhos reprimidos», «im-passes de funcionalidade», «recalca-mentos caracteriais», «alexitimias», etc.,apresentando-os como chaves da do-ença. Acentuaram as dificuldades psi-cológicas que ao repercutir-se sobre o

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corpo «adoecente» propiciarãosomatizações e doenças, mas sempreo fizeram numa espécie de omnipotên-cia da mente onde o resto pouco seconsidera.São leituras incompletas, uma vez queexcluem a participação activa do cor-po em todo o funcionamento psicos-somático. Apenas se referem à repre-sentação mental desse mesmo corpo,ou seja, ao corpo imaginário. O corpo«real» será apenas vítima quando ado-ece, o que não pode ser verdade.

• As concepções Biológicas sobre a Psi-cossomática são igualmente parcelares,de modo mais flagrante ainda. Nuncaconsideram a identidade do indivíduo,nem as suas características. Nem se-quer dispõem de consistência teóricapara o fazer.Quando se debruçam sobre a Psicosso-mática apenas falam da dualidade cor-po/espírito e da eventual influência du-ma parte na outra, tentando cruzá-lasmas isolando-as completamente. Nun-ca as integram, nem sequer lhes imagi-nam uma estrutura comum.São concepções que desconhecem estaverificação comezinha: os compostosquímicos, apesar da sua enorme utili-dade, são sempre cegos, surdos e mu-dos para a problemática do indivíduo,mais ainda para a «identidade psicos-somática» com que cada um se define.

• Em minha opinião, a doença orgâni-ca será um foco (ou um sistema) «cor-porizado» daquilo que venho desig-nando por «lacunas somáticas» ou «la-cunas de corporização», termos queutilizo por analogia com as referidas«lacunas de mentalização».Ambas essas lacunas terão a mesmagénese, despertada eorganizada pelamesma dificuldade funcional. E ambasfuncionarão na doença que for«escolhida», física ou mental, uma vezque todas as doenças estruturalmenteas conterão.

• A dor física e a dor moral (dor men-tal), por exemplo, são visivelmentetransmutáveis, sobretudo na criança.Facto que aponta para uma teoria uni-

tária da dor e para a existência dumagaveta indiferenciada de «sofrimentobásico», indiciando a variedade de ca-minhos susceptíveis de acontecer.Tal verificação leva-me a «profetizar»,com alguma ironia, que o cancro e amelancolia virão a ser considerados,no futuro, a mesma doença.Possuirão o mesmo núcleo de base,encaminhado num ou noutro sentidopela estrutura psicossomática do por-tador.

• O «corpo real» participa em todo esteequilíbrio ou desequilíbrio, nunca sen-do por acaso, nem por mero desgaste,que um determinado órgão adoece.Participa através da sua Fisiologia e dasua Bioquímica, mas também atravésdum «saber» inserido na gestão e naregulação do seu próprio funciona-mento. Saber que não será um «saber»mental, que com este não se pode con-fundir. Que não poderá igualmenteconfundir-se com as determinações ge-néticas nem com os mecanismos sisté-micos de regulação automática (fisio-lógicos, endócrinos, imunológicos, etc.),obviamente presentes e activos masdoutro patamar.

• «O corpo sabe»... atrevo-me a dizer,porque nos seus processos de identifi-cação o indivíduo «corporizou» a iden-tidade do outro e passou a disporduma «memória do corpo» e dum «in-consciente corporal». Disso conservaum registo psicofísico, instalado comomatriz. Aprendeu a reagir e a encami-nhar a sua reacção de forma pessoali-zada, nem se podendo abster.Esse saber corresponde ao arranjo con-seguido sobre o sofrimento e contémas respectivas respostas. Sem ele, o cor-po não faria sintomas nem se queixa-va: não tentaria neutralizar o mal-es-tar que a «linguagem» dos seus sinto-mas anuncia.

• No exercício desse saber, o corpohumano condensa três biografias: a bio-grafia de si mesmo, a biografia da espé-cie e a biografia das espécies em geral.Desenrola uma antiquíssima história devida, acrescentada pela que o próprio

viveu. Contempla os conhecimentosoriginários dos seres vivos, particula-rizados na humana condição.A nossa espécie conhece melhor aSaúde/Doença do que as demais por-que dispõe dum aparelho mental eemocional que lhe perfuma os proces-sos, no bom e no mau sentido. E por-que foiacrescentada na sensibilidade ena reactividade através das relaçõesque na infância estabeleceu.

• Bom exemplo de tudo isso será opercurso da sexualidade.Iniciada no corpo da criança, transfor-ma-se numa representação mental narelação com os pais, mas volta em adul-to a executar-se no corpo sem nuncaabandonar a sua condição psicosso-mática. No desejo, no afecto, no cum-primento, sempre constitui uma unici-dade funcional do portador.Estudar as suas vicissitudes, será umaboa pista. Tal como serão boas pistastodas as investigações sobre as forçasinstintivas e sobre asalegrias e sofri-mentos que no corpo inscreve a suasatisfação/insatisfação. Estudar o efei-to das palavras no corpo será outrobom caminho. De tudo isto apenasconhecemos indícios, por norma des-valorizados.

• Nesse estudo terão de participar,obviamente, todas as ciências que o s«factospsicossomáticos» se cruzam, emmetodologias concordantes.Serão as potencialidades do processode identificação/corporização que irãoconceder, ou não, aos outros factores(aos genéticos, por exemplo), a suapossibilidade de concretização.

• Tudo isto são hipóteses: são portasde entrada para a «Psicossomática Es-trutural» que tento conceptualizar.Há muito a fazer neste universo globa-lizante… numa perspectiva fascinante.

Há muito para investigar.

1. Versão final dum texto elaborado e mo-dificado ao longo de vários anos

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INTRODUÇÃOCerca do ano 4 000 a.C. foram cria-das as primeiras cidades na Mesopo-tâmia. Seis mil anos depois 50% da po-pulação global reside em áreas urba-nas e a Organização Mundial da Saú-de elege, em 2010, a saúde urbanacomo tema do Dia Mundial da Saúde.A explosão demográfica verificada noséculo XX (1,7 mil milhões de habitan-tes em 1900 e 6,5 mil milhões de habi-tantes em 2000) foi acompanhada pelaurbanização. Estima-se que em 2050cerca de 70% da população mundialresidirá em áreas urbanas.Não obstante o seu carácter global, oprocesso de urbanização – correspon-dente à migração de populações paraas cidades – não é uniforme. Assim, ataxa de crescimento é maior em regiõesmenos desenvolvidas (designadamente,do continente africano e asiático) e nascidades de média dimensão relativa-mente às chamadas «megacidades».De acordo com Vlahov e colaborado-res (2007), o fenómeno global de «tran-sição urbana» (urban change) implica,além do aumento da proporção mun-dial de residentes em áreas urbanas eem zonas degradadas e bairros de lata(slums), a «disseminação» geográfica das

A Saúde Urbana e a Saúde Pública*

*Baseado na comunicação intitulada «Urbanização e saúde: o desafio do milénio», apresentada no FÓRUM REGIONAL DO CENTRODAS ORDENS PROFISSIONAIS (Coimbra, 20 de Fevereiro de 2010) em representação da Ordem dos Médicos

cidades, com impacte ambiental e nasaúde das populações.O maior crescimento urbano observa-do em países de menores rendimen-tos está associado, no caso de «potên-cias» emergentes como a China, a Ín-dia e o Brasil, ao boom económico e,no caso de países economicamente es-tagnados, a migrações (geralmente tem-porárias) decorrentes de conflitos ar-mados ou de secas.Apesar do rendimento económico sero principal determinante de saúde(«wealth is health»), é muitas vezes acom-panhado de iniquidades sociais e emsaúde. Estima-se que morram anual-mente na Índia – país em plena «ex-plosão» económica – cerca de 2 mi-lhões de crianças com menos de 5anos de idade em resultado de doen-ças relacionadas com a pobreza.

AS CIDADES E A SAÚDEPÚBLICAA História das Cidades está intima-mente ligada à História da Saúde Públi-ca. As deficientes condições ambientais(insalubridade) que prevaleceram nascidades até finais do século XIX, a ele-vada taxa de contactos (contiguidade)e a susceptibilidade de muitos dos seushabitantes – agravada, em termos dedesfecho clínico, pela malnutrição –tornavam o ambiente urbano um ver-dadeiro «íman» para as doenças infec-ciosas, resultando em epidemias fre-quentes por estas doenças.A Saúde Pública pode ser definida co-mo o comprometimento social e polí-tico visando assegurar as condiçõesnecessárias à saúde e bem-estar daspopulações. Nessa medida, foi desdesempre preocupação das sociedadesorganizadas salvaguardar a saúde daspopulações mediante o «saneamento»do ambiente.Durante os séculos XIII e XIV, váriosmunicípios portugueses emitem «dis-

posições sanitárias» em defesa da saú-de pública: o município de Évora deli-bera, entre outras, «que não se formas-sem esterqueiras no corpo da povoação»,«que ninguém deitasse nas ruas ou pra-ças públicas testeiradas de lixo ou água»e «que não se lançassem coisas sujas nospoços e chafarizes de abastecimento públi-co que deviam ser limpos uma vez pormês».Tucídides, contemporâneo de Hipócra-tes, relatou no século V a.C. aquela queterá sido a primeira epidemia de gripede que há memória: a Peste de Atenas.Esta doença – provavelmente uma gri-pe pandémica – foi, alegadamente, res-ponsável por uma mortalidade de 25%da população, comprometendo defini-tivamente as pretensões hegemónicasdaquela cidade-estado.A Grande Peste de Londres, cujos pri-meiros casos ocorreram em bairrospobres e sobrepovoados, causou a mor-te de 15% da população daquela capi-tal durante o Verão de 1665.Em 1793, uma devastadora epidemiade febre amarela em Filadélfia motivoua criação de um Board of Health (con-selho de saúde pública), tendo sido res-ponsável pela mudança da capital na-cional daquela cidade para Washington.Em muitas cidades da Europa e Amé-rica do Norte do século XIX grassavam«doenças sociais» como o alcoolismoe a tuberculose – esta última, com pi-cos epidémicos decorrentes da migra-ção de susceptíveis (jovens adultos,mas também adolescentes e crianças)que acorriam às cidades à procura deemprego sendo, desta forma, expostosao agente causal, à sub-nutrição e acondições miseráveis de vida.A propagação da tuberculose em meiourbano é facilitada não só pela conti-guidade entre indivíduos e, muitas ve-zes, pelas condições ambientais favore-cedoras da sobrevida do bacilo, mastambém pela menor resistência indivi-

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dual decorrente do stress da vida ur-bana (ambiente físico e psicossocial).Além dos surtos de fonte propagada(doenças de transmissão interpessoal),as cidades estão associadas a surtosde doenças infecciosas de fonte co-mum. Um exemplo histórico, pelo seupioneirismo em «epidemiologia de cam-po», foi o surto de cólera de Londres(Broad Street), investigado e controla-do por John Snow em 1854 (i.e., 30anos antes do isolamento do vibriãocolérico).Nos séculos XVIII e XIX a industriali-zação agrava substancialmente as con-dições de vida urbana. Em 1842 Chad-wick elabora um relatório sobre as con-dições de vida das populações traba-lhadoras e alerta o poder político parao papel da pobreza enquanto determi-nante (negativo) de saúde e bem-estarsocial e económico.Os avanços na área da engenharia sa-nitária na segunda metade do séculoXIX (a «era» da Bacteriologia e daemergência da Saúde Pública enquan-to corpo organizado do conhecimen-to) contribuíram para o controlo dasepidemias e para os ganhos em saúdeobservados durante o século XX, aodistanciar residentes e fontes de abas-tecimento de água dos efluentes do-mésticos (saneamento básico).Entre 1900 e 2000 a esperança de vi-da à nascença aumentou, na generali-dade dos países mais desenvolvidos,cerca de 30 anos; destes ganhos emlongevidade (quantidade de vida), ape-nas 5 anos são atribuíveis aos serviçosde saúde, sendo os restantes 25 anosresultado do somatório de «pequenasvitórias» relacionadas com as condi-ções gerais de vida (alojamento, sane-amento, água potável e alimentação).Já em 1925, C.E.A. Winslow, um íconeda Saúde Pública, constatou um au-mento de quase 50% (dos 36 aos 53anos) na esperança de vida dos resi-dentes da cidade de Nova Iorque en-tre 1880 e 1920.

AMBIENTE URBANO E SAÚDEO ambiente físico é um dos principaisdeterminantes de saúde, influindo deforma significativa na saúde humana.

Dentre os principais riscos ambientaisdestacam-se os relacionados com aágua de consumo humano e o sanea-mento básico, a poluição urbana doar, a poluição interior associada a com-bustíveis sólidos (madeira, carvão, etc.),a exposição ao chumbo e as altera-ções climáticas.A poluição urbana do ar resulta, funda-mentalmente, de três factores: combus-tíveis fósseis (transportes), produção deenergia e outras actividades humanas.A poluição resultante da combustãofóssil (particulada e não-particulada)está associada a efeitos agudos e cró-nicos na saúde humana.A um nível global, o número de ex-postos à poluição do ar é muito eleva-do e substancialmente superior ao nú-mero de fumadores. Estima-se que 6%de todas as mortes na Europa e cercade 2% das admissões hospitalares se-jam atribuíveis à poluição do ar – fac-to da maior transcendência em SaúdePública.O episódio de smog de Londres (1952)demonstrou, de forma dramática, aassociação entre a poluição do ar ex-terior e o excesso de mortalidade e deadmissões hospitalares. Mesmo concen-trações moderadas ou baixas de po-luentes do ar exterior (compatíveiscom os níveis de poluição da actualida-de de cidades europeias e da Américado Norte) se traduzem, de acordo coma evidência científica recente, em gra-ves consequências para a saúde.As populações das megacidades de paí-ses em rápida expansão económica es-tão expostas a níveis de poluição am-biental iguais ou mesmo superiores àsdos países mais desenvolvidos duran-te a primeira metade do século XX –ou seja, anteriores à implementação demedidas (regulamentares e outras) pro-motoras da qualidade do ar exterior.

URBANIZAÇÃO E SAÚDEPÚBLICA: a Saúde UrbanaA associação entre o ambiente urba-no (físico e social) e a saúde foi, desdeo advento das primeiras cidades, pordemais evidente. A relevância da Saú-de Urbana – disciplina emergente emSaúde Pública, definida pelo estudo da

saúde das populações urbanas (Galeae Vlahov, 2005) – resulta do fenómenoglobal de urbanização, traduzido poruma prevalência crescente de residen-tes em áreas urbanas.À semelhança da Saúde Pública, a Saú-de Urbana tem um carácter multidis-ciplinar, integrando o conhecimento epráticas de áreas (aparentemente) tãodistintas como o planeamento urba-no, a sociologia ou a epidemiologia. Aausência de uma linguagem comumobriga a estratégias colaborativas, tãogratas à Saúde Pública.Do ponto de vista de saúde global, opadrão de saúde prevalente evoluiu (ti-picamente) da seguinte forma: doençasde 1ª geração (de etiologia infecciosa –associadas a estados carenciais e a ris-cos materno-infantis); doenças de 2ªgeração ou da transição epidemiológica(doenças crónicas – associadas ao en-velhecimento e a estilos de vida); doen-ças de 3ª geração ou da transição ur-bana (doenças psicossociais – associa-das à urbanização, violência societal eaos comportamentos aditivos).Nos países em desenvolvimento verifi-ca-se aquilo que se designa de «duplofardo»: a par das doenças crónicas co-mo causa prevalente morbimortalida-de, persistem as doenças infecciosascomo causa relevante de doença emortalidade. Noutros países, como aÁfrica do Sul, assiste-se ao fenómenoepidemiológico do «quádruplo fardo»(Yack et al., 2006), co-existindo comoprincipais problemas de saúde as do-enças crónicas, as doenças infecciosas,a infecção VIH/sida e as lesões (trau-máticas e por armas de fogo).Se a melhoria das condições «médias»de vida está associada ao controlo dasdoenças infecciosas (designadamente,de evolução aguda), também é um fac-to que se encontra associada, nas fa-ses iniciais do desenvolvimento, a umamaior exposição a factores de riscocomo o tabagismo ou a alimentaçãonutricionalmente desequilibrada. A pre-valência de expostos a factores de ris-co de doenças crónicas é maior nospaíses em desenvolvimento e nos es-tratos socioeconómicos menos favore-cidos dos países mais desenvolvidos.

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A urbanização pode ser factor de riscoou de protecção relativamente às doen-ças crónicas. A alimentação nas áreasurbanas tende a ser mais rica em gor-duras, proteínas e alimentos processa-dos, sendo geralmente mais difícil o aces-so a alimentos como a fruta e os legu-mes frescos; por outro lado, os empre-gos nas cidades são tipicamente «seden-tários», facto muitas vezes associado apouca actividade pedestre em resulta-do de um mau planeamento urbano.No entanto, o fenómeno demográficoe social da urbanização pode ser pro-motor de saúde ao permitir o acessodas populações a bens e serviços dequalidade (caso de serviços e cuida-dos médicos) e a uma maior informa-ção em saúde.

CONCLUSÕES

«Over 3 billion people live in cities. In2007, the world’s population living in

cities surpassed 50% for the first timein history, and this proportion is growing.[…]. We are at a clear turning point in

which we are moving towards anincreasingly urbanized world and with it,the need to embrace the consequences

this can have for health – both thebenefits and the challenges. Rather thanlook back fifty years from now at what

could have been done, we can takeaction now to ensure that growing cities

are healthy cities.»

WHO, 2010

A Saúde Urbana é uma disciplina emer-gente que pode ser definida como oestudo da saúde das populações urba-nas e dos seus determinantes e a suaaplicação no controlo dos problemasde saúde identificados. A sua relevân-cia decorre do fenómeno global de«transição urbana».Não obstante o seu carácter global, ocrescimento populacional e urbanonão é uniforme, sendo mais acentua-do nas economias emergentes dos pa-íses em desenvolvimento e nas cida-des de média dimensão.O ambiente urbano está associado ariscos ambientais, designadamente a

poluição do ar exterior, e a riscos psi-cossociais, relacionados com o stresse estilos de vida. Se por um lado o am-biente urbano pode ser factor de ris-co de doenças crónicas, por outro ladoa acessibilidade aos serviços de saúdeé maior nas cidades, à semelhança dasoportunidades de emprego e de expo-sição a informação capacitadora emsaúde.Tendo em consideração que o enve-lhecimento da população é, por si só,um factor de risco de doença crónicae que, dentre os determinantes destegrupo heterogéneo de doenças se in-clui o sedentarismo, a criação de am-bientes promotores de saúde e de um«envelhecer activo» (caso dos espaçosverdes e de lazer) e a remoção de bar-reiras físicas à mobilidade dos cidadãosconstituem intervenções prioritárias emmeio urbano.Outra das áreas da maior relevância éa dos transportes – pelo impacte ne-gativo da poluição do ar na saúde in-dividual e comunitária. O desenvolvi-mento de sistemas efectivos de trans-portes colectivos e a promoção do usode meios de transporte não-poluentesdo ar são algumas das iniciativas comrelevância em saúde urbana.A Organização Mundial da Saúde ele-geu como tema do seu Dia Mundialpara 2010 a saúde urbana («Urbanhealth matters»). Esta agência global desaúde pública reconhece a importân-cia do ambiente urbano como determi-nante de saúde e preconiza as seguin-tes acções: planeamento urbano pro-motor de saúde (criação de espaçosde lazer e de actividade física); melhoriadas condições de vida urbana (acessibi-lidade a bens e serviços, habitação dequalidade e infra-estruturas); participa-ção dos cidadãos na tomada de deci-são (urban governance); criação de ci-dades inclusivas e amigas dos idosos(age-friendly).Atendendo a que a maioria da popu-lação se concentra nas cidades, as inter-venções em meio urbano apresentamum elevado impacte potencial em saú-de pública, devendo o ambiente urba-no ser encarado de forma inequívoca– pelos decisores políticos e pelos ser-

viços de saúde pública – como umsetting promotor de saúde.A participação, informada e conse-quente (porque precoce), dos cidadãosno processo de tomada de decisão re-lacionado com as intervenções no am-biente urbano, afigura-se da maior re-levância tendo em vista garantir aque-le que é o pressuposto fundamentaldas «cidades saudáveis»: o seu carác-ter inclusivo.

Fontes- Chamberlain G. Two million slum children dieevery year as India booms. Disponível em http://www.guardian.co.uk/world/2009/oct/04/india-slums-children-death-rate (acedido em2010/02/17).- Gonçalves Ferreira FA. História da saúde edos serviços de saúde em Portugal. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.- Historic-UK.com. The great plague 1665.Disponível em http://www.historic-uk.com/HistoryUK/England-History/GreatPlague.htm(acedido em 2010/02/17).- Künzli N. Pollution and cardiovascular disease[Updates 3/29/2005: Harrison’s online]. Dis-ponível em http://www.accessmedicine.com/(acedido em 2010/01/22).- Markle WH, Fisher ME, Smego Jr, RA (ed. lit.).Understanding global health. New York:McGraw-Hill Medical, 2007.- Meron MH, Black RE, Mills AJ (ed. lit.).International public health: diseases, programs,systems and policies. Boston: Jones and BartlettPublishers, 2006.- Porter R (ed. lit.). Cambridge illustratedhistory of medicine. Cambridge: UniversityPress, 1996.- Riediker M, Yeatts K. Epidemiology of ambientair pollution and cardiovascular disease[Updates 2/15/2006: Harrison’s online]. Dis-ponível em http://www.accessmedicine.com/(acedido em 2010/01/22).- Turnock BJ. Public health: what it is and howit works (4th edition). Boston: Jones and BartlettPublishers, 2009.- Vlahov D, Galea S. Urban health: a new disci-pline [Commentary]. The Lancet 2003, 362:1091-1092.- Vlahov D, Freudenberg N, Proietti F et al.Urban as determinant of health. Journal ofUrban Health: Bulletin of the New YorkAcademy of Medicine 2007, 84 (1): i16-i25- World Health Organization. The world healthreport 2002: reducing risks, promoting healthylife. Geneva: World Health Organization, 2002.- World Health Organization. World healthday 2010: toolkit for event organizers. WorldHealth Organization, 2010. Disponível emhttp://www.who.int/world-health-day/2010/WHDtoolkit2010_en_full.pdf (acedido em2010/01/22).

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Senhor Presidente,

Ao contrário doque é afirmado emartigos recentes,difundidos comfrenesim, pela im-prensa estrangeirae nacional, que in-siste em classificarde «retumbantesucesso» a políticade combate à to-xicodependênciaapós a descrimina-

lização do consumo, da posse e da aquisição para o consumodas drogas em Portugal, eu não só denuncio como acuso:

– O número de novos casos de HIV/Sida e Hepatite Cconstatados em Portugal entre toxicodependentes é oitovezes superior à média verificada nos demais estadosmembros da União Europeia.O relatório relativo a 2006 coloca Portugal no topo dalista dos países europeus com mais elevado número deconsumidores de drogas injectáveis infectados com HIV(703 casos).

Fonte: Observatório Europeu das Drogase Toxicodependência – Novembro de 2007.

– Os óbitos com resultados positivos nos exames toxi-cológicos de drogas efectuados em 2007 no InstitutoNacional de Medicina Legal de Lisboa, representam ovalor mais elevado desde 2001, consolidando assim atendência de crescimento verificada desde 2005.

Fonte: Relatório de Actividades do IDT de 2008.

– Entre 2001 e 2007 o consumo de droga aumentou4,2%, tendo a percentagem de pessoas que alguma vezna vida consumiram drogas, passado de 7,8% para 12%:

• Cannabis de 12,4% para 17%;• Cocaína de 1,3% para 2,8%;• Heroína de 0,7% para 1,1%:• Ecstasy de 0,7% para 1,3%.Fonte: Relatório de Actividades do IDT de 2008.

– Portugal é o segundo país europeu atrás do Luxem-burgo, com maior taxa de consumidores problemáticose de drogas por via injectável.

Fonte: Relatório Anual sobre a Situação do Paísem Matéria de Drogas em 2006.

Carta ao Presidente da República– Enquanto as taxas de uso de anfetaminas e cocaínadobraram em Portugal, as apreensões desta última dro-ga aumentaram sete vezes entre 2001 e 2006, a sextamais elevada do Mundo.

Fonte: WDR – World Drug Report, 2009.

– Desde a implementação da descriminalização em Por-tugal, o número de homicídios relacionados com a dro-ga aumentou 40%. «Foi o único país europeu a eviden-ciar um aumento significativo de homicídios entre 2001e 2006.»

Fonte: WDR – World Drug Report, 2009.

– Quanto às Comissões de Dissuasão da Toxicodepen-dência (CDT), uma por capital de distrito, durante oano de 2007, cinco (Castelo Branco, Braga, Bragança,Guarda e Vila Real) «não têm qualquer elemento naárea técnica e as restantes encontram-se com um núme-ro insuficiente de profissionais». De 783 indivíduos in-diciados como toxicodependentes, 99 técnicos encami-nharam 166 para tratamento... Os restantes (127+368)já estavam referenciados e eram seguidos nos CAT oque quer dizer que, na prática, referencia-se e encami-nha-se para tratamento os indivíduos que já lá estão...Relativamente aos 2.816 indiciados considerados nãotoxicodependentes, verificou-se que 1.846 estavam as-sociados a «situações de consumo que a equipa técnica,após avaliação, considerou não necessitar de qualquertipo de intervenção por não constituírem situações derisco.»

Fonte: Relatório de Actividades 2008 do IDT, pág. 55.

Senhor Presidente,

Este é, depois da descriminalização da droga, em Julho de2001, o retrato factual da política de combate à toxicodepen-dência em Portugal.«Sucesso retumbante»? Infelizmente para os toxicodepen-dentes e suas sofridas famílias, não é por muito se repetir amentira que eles sairão alguma vez beneficiados!

O objectivo principal da política de «redução de danos»prioritária em Portugal, em contraponto com a redução daprocura (prevenção e tratamento), é reduzir os riscos sani-tários e sociais que o consumo de drogas necessariamenteimplica. Só que a redução de riscos e danos quando setorna um modo de gestão do conjunto de problemas le-vantados pela toxicodependência, leva à banalização desta,o que por sua vez vai incitar pouco ou nada os toxicode-pendentes a mudar.

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Num contexto que organiza (e implicitamente promo-ve) a continuação da toxicodependência é muito difícilalguém mudar! Com a actual política que dá primaziaaos «tratamentos» de substituição, o tratamento psico-terapêutico e social é abandonado em proveito de umaaproximação sanitária minimalista que confunde pres-crição com tratamento, mas custa ao Estado bastantemenos.No nosso país, os governos continuam a apostar em solu-ções paliativas que, dando ao toxicodependente aquilo queele quer – a droga, em vez daquilo que ele precisa – um

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tratamento sem drogas, pouco a pouco têm instaurado umaautêntica cultura de desistência disfarçada de solidarieda-de. É uma realidade tanto mais lamentável quanto não so-luciona o problema de fundo – a margem de manobra doscidadãos livres e saudáveis – e custa milhões ao erário pú-blico. Hoje, os projectos de acompanhamento dos toxico-dependentes serão tanto mais apoiados pelo Estado se nãoforem dispendiosos e derem a ilusão políticamente recom-pensatória de eficácia imediata.Nem todos os grandes problemas da sociedade contempo-rânea têm soluções rápidas, simples e... erradas!

Aquisição Directa de MedicamentosAs clínicas e consultórios dentários estão autorizados à aquisição directa de medicamentos, de acordo com aDeliberação nº 016/CD/2010, de 28 de Janeiro de 2010, do Infarmed.

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Quando era menina, as mulheres queviviam com um homem sem terem ca-sado, eram «ajuntadas» (amancebadas),tinham baixa condição social e cultu-ral e eram vistas à margem da socie-dade. A religião católica não lhes per-doava. Claro que a hipocrisia abunda-va. Os homens casados tinham aman-tes e, apesar disso ser «desconhecido»,era aceite tanto pela sociedade comopela «esposa». Os filhos, eram os docasamento. Os outros – em 1909 fo-ram 11%, em 1949 12% – os outros,pensava eu, se eram filhos de homemcasado com mulher solteira e a pater-nidade era reconhecida pelo homem,eram naturais; se eram filhos da mu-lher, solteira ou não, com homem casa-do, eram ilegítimos e habitualmente nãotinham pai. Era este o meu conceitode filhos naturais e filhos ilegítimos.Afinal, parece que não é assim. Filhosnaturais são/eram, naturalmente, filhosde um casal não casado. Casal é umpar de indivíduos em que um é do se-xo masculino e o outro é do sexo fe-minino, pelo que não se pode dizer«um casal de homossexuais». E pare-

Reflexões sobre filhos «legítimos»e «naturais» e fertilização in vitro

Com todo o respeito pelas opções de cada ummas com direito à liberdade de expressão

ce que filhos ilegítimos, eram, (porquejá não são – ilegítimos, claro) os filhosnascidos fora do casamento, de pai oumãe casados, também chamados bas-tardos ou adulterinos. Havia ainda osfilhos espúrios – que ainda não perce-bi se são o mesmo que bastardos ouse são bastardos especiais – mas nãoqueremos ir por aí, assim como nãoqueremos ir pelo caminho dos filhosperfilhados e dos filhos legitimados. Ha-via também a viúva jovem que estan-do gorda de gravidez, dizia que tinhaalbumina. E os risos das comadres da-vam a entender que algo não jogavacerto. Não sei como se chamavam es-ses filhos mas deviam ter nome tam-bém.Contudo, os tempos mudaram. Os jo-vens já não casam. «Ajuntam-se» comose dizia antigamente e fazem disso asua vida. Têm filhos, educam-nos «comose fossem casados» com grande espan-to dos avós dos pais. Em 2008, 29%dos nados vivos nasceram de pais nãocasados que coabitavam, contra 7%,nascidos de pais não casados, não coa-bitantes. Isto perfaz um total de 36%,mais de um terço dos nados vivos emPortugal, que nascem de pais não casa-dos.Os casais de hoje não têm amantes (?),quando se apaixonam por outra pes-soa, separam-se da anterior. Talvez sejamais coerente. E parece uma evoluçãonatural, também.Quanto aos casais que não tinham fi-lhos, ou ficavam sem filhos ou adopta-vam.A evolução que houve a seguir é quenão estaria programada no nosso en-tendimento. Ainda temos que andar àprocura do pai/mãe ou o que quer queseja, sem intenção de ofender.

A situação é a seguinte: um casal nãoconsegue engravidar. Não quer adop-tar, quer ter filhos seus. Se a infertilidadeé do marido, a mulher submete-se afertilização in vitro com óvulos seus eesperma de outro homem. Metade dofilho é da mãe, outra metade de paiincógnito mas, não só não é natural,como também não é ilegítimo. Se a in-fertilidade é da mulher, o esperma domarido fecunda um óvulo de dadora ea mulher empresta o útero para o fetose desenvolver. Metade da criança édo marido, outra metade de mãe incóg-nita, a mulher emprestou a casa. Vaichamar filho à criança que se desen-volveu no seu útero. Contudo, a mãeque emprestou o útero, para que nelese desenvolvesse o produto da fecun-dação de um óvulo da filha com esper-ma do genro, chamou ao «filho», neto.E ainda há-de chegar o tempo* em queum par de homossexuais (um par éum conjunto de dois) querem ter fi-lhos e hão-de fertilizar um óvulo dedadora com esperma de homem, alu-gar um útero e ter um filho! É o quese poderá chamar «un ménage à trois»neste caso, à cinq.É um pouco confuso. Ainda temos quefazer a cabeça para encaixar estes con-ceitos.Já não vale a pena andar à procura dedoenças familiares de transmissão ge-nética. Isso é coisa do passado. É maisimportante perguntar como foi a fe-cundação e se houve testemunhas! Al-gumas mulheres dirão que sim, quehouve testemunhas, médicos até, masque não sabem quem é o pai.

* Afinal o tempo já está aí e até já épassado. Veja-se a história de AnnieLeibovitz.

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A cavalgar a onda de emoções queentão assolou o país, a receita que nosvenderam possuía, contudo, os ingre-dientes do êxito: que «felicidade» a da-quela menina que, ao encontrar umafamília perfeita, fora tratada com «todoo amor e carinho»; que «horror» serobrigada a viver com um «canalha»,que só agora se lembrava que tinhauma filha; e que «insensibilidade» a dos«senhores juízes», que não viam o quesaltava à vista de qualquer mortal.Guião simples e eficaz, naquela «fita deíndios e cobóis», o herói a glorificar erao «pai afectivo, preso por amor». Já opapel de vilão, em que havia que ma-lhar, pertencia por inteiro ao «pai bio-lógico», um «espermatozóide» que pre-tendia viver à custa da criança.Correspondesse esta versão à realida-de factual e esta peça não teria qual-quer cabimento. Porém – basta consul-tar o processo – para se perceber quea prova provada foi vilmente espezi-nhada pela comunicação social, e pe-los tais comentaristas, durante anos.Ressaltou desse «debate» – sem direi-

A Psiquiatria é uma Ciência?Em 2007, quando Esmeralda despertou as atenções da imprensa, logo os mais

mediáticos psicólogos e pedopsiquiatras foram chamados a comentar o es-

tranho caso da menina da Sertã, que tinha dois pais. Escorreitos no verbo,

depressa pisavam os palcos da fama, desdobrados em «profundíssimas análi-

ses técnicas» sobre um caso clínico de que nada sabiam.to a contraditório – uma falsa unani-midade. Ora, como se sabe, da unani-midade à impunidade – e à irresponsa-bilidade – vão pequenos passos…Indisfarçável, a maioria dos especialis-tas, que aceitou participar naquela far-sa, fê-lo por interesse pessoal, confor-me foi denunciado por Ricardo Barro-so, que classificou a sua actuação comoo «cúmulo da completa descredibili-zação da prática psicológica, em Por-tugal». E aquele psicólogo e docenteuniversitário foi ainda mais longe, es-crevendo ser «inadmissível que profis-sionais da psicologia tenham o desplan-te de assumir a postura de comenta-dores televisivos, sem aparentementeterem lido o Acórdão do Tribunal daRelação» e «sem terem o comporta-mento ético exigível de explicitar aostelespectadores a existência de even-tuais conflitos de interesses», na medi-da em que tinham emitido pareceres.Ricardo Barroso foi dos raros psicólo-gos que ergueu a voz na condenaçãodos seus. Outro tanto se passou naclasse médica, onde só o Prof. NunoLobo Antunes ousou contrariar a re-tórica reinante. Infelizmente, chamadosa intervir pelo tribunal, também os psi-quiatras não fizeram mais que os «co-mentaristas de serviço», tendo exibi-do uma «ciência» que em nada abonaa classe médica. A participação da nos-sa pedopsiquiatria revelou insuspeitadas fragilidades – técnicas, éticas e atéde legalidade – que interessa conhe-cer e repensar. Valerá a pena este exer-cício, se esta discussão servir para pre-venir futuros atropelos, cometidos con-tra milhares de crianças portuguesas,tão inocentes como Esmeralda.

As questões técnicasA prática médica exige uma observa-ção atenta e – não raro – alguma ex-perimentação. Porém, por incrível quepareça, os mesmos pedopsiquiatrasque se gabavam de «conhecer o casocomo mais ninguém», nunca admitiramobservar pai e fi lha juntos, eminteracção. Tendo «decidido» queBaltazar era um factor de risco para asaúde mental de Esmeralda, trataramde o erradicar das redondezas, comose fosse um vírus. Em vez de juntarempai e filha – e verem o que sucedia –,optaram pela humilhação pessoal dumjovem cidadão, incapaz de «despertaro amor» da filha. Rejeitando os relató-rios das psicólogas da Reinserção So-cial, a sua ortodoxia levou-os a decla-rar que pai e filha eram incompatíveise que não podiam conviver um com ooutro, sob pena de graves repercus-sões psicológicas, na menor. Nessa con-vicção, até um alegre filme de família,que lhes foi presente, recusaram visio-nar. Dotados duma bola de cristal, quelhes permitia ler o futuro, os técnicosnunca se cansaram de dissertar sobreos horrores que se sucederiam, caso otribunal insistisse na entrega de «AnaFilipa» ao «pai biológico».Ferida de pecado original, a «ciência»atreveu-se a debitar convicções e teo-rias que a prática se encarregou dereduzir a fumo. Entregue na Sertã, parapassar o Natal de 2008, Esmeralda con-trariou todas as previsões «técnicas»e logo se encaixou na família natural,como uma peça dum puzzle. Os rela-tórios e testemunhos posteriores fo-ram unânimes em declarar que a cri-ança exigiu ser tratada pelo seu nome

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verdadeiro e que recusou o regressoao «lar» de Torres Novas, consideradocomo altamente ansiogénico. Totalmen-te arredia ao método científico abertopor Galileu e Francis Bacon – e de-senvolvido nos últimos duzentos anos– a nossa Pedopsiquiatria falhou cla-morosamente, tendo exibido práticasque em nada dignificaram uma medi-cina do Séc. XXI, que se orgulha deser um ramo da ciência.Qualquer leigo também sabe que, emmedicina, só se podem emitir opiniõesdepois de criteriosas histórias clínicas,observações e exames auxiliares. Apsiquiatria não foge a esta «boa práti-ca» e – desde Hipócrates a Carl Rogers– a primeira preocupação de qualquermédico, que aborde doenças mentais,é distinguir o falso do verdadeiro. Ora,no Caso Esmeralda, todos os pedopsisincumpriram esta regra de ouro, uni-versalmente aceite desde há milénios.Tendo adoptado as «verdades» veicu-ladas pelo casal Gomes, nenhum osconfrontou com as suas múltiplas in-congruências e crimes.Ciência e não alquimia, a psiquiatriarege-se hoje por exames psicológicosprecisos que – aplicados por qualquerequipa, em qualquer parte do mundo– darão resultados «laboratoriais» com-paráveis. Porém – com uma displicên-cia que se arrastou publicamente, du-rante quase dois anos – os técnicosenvolvidos fiaram-se apenas no «gol-pe de vista» e dispensaram todos osprocedimentos básicos, a que deviamter submetido os diversos intervenien-tes. Até o primeiro relatório sobre Es-meralda, elaborado segundo bases cien-tíficas, data de 2009 e foi redigido numgabinete privado, por solicitação do paida criança.Como podiam os juízes fazer fé em «pe-ritos» que – com base em afirmações,nunca demonstradas – davam créditoàs teses dos condenados, contrárias àsprovas acumuladas? Quem podia igno-rar, por exemplo, que o casal semprerecusara a entrega de Esmeralda e quefora condenado por andar constante-mente a fugir com a menor, que nem aEscola frequentara? Contra toda a evi-dência, os pedopsis ousaram atestar

que os «pais naturais» – designaçãoatribuída aos Gomes – tudo faziam paracolaborar com a Justiça e entregar Es-meralda a Baltazar Nunes. Apesar dosesforços do casal, era «Ana Filipa» querecusava avistar-se com o «pai bioló-gico», antes mesmo de o conhecer. Nasua cegueira, os médicos nem leramos sinais emitidos pelos juízes, que re-provavam a conduta do casal – consi-derada «preocupante» – e recomen-davam «colaboração» na entrega dacriança. Nunca eles admitiram que osmúltiplos e floridos «comportamentosdesajustados» que comprovavam emEsmeralda, se deviam à sua «instru-mentalização» pelo casal alienador. Lei-tura que, afinal, era certificada pelaspsicólogas encarregadas de monitorizaros encontros entre pai e filha, que viamdesaparecer essas reacções anómalas,no Infantário de Torres Novas, logo queo casal abandonava a cena.Lavrando em «certezas» que semprese recusaram a discutir, nunca os mé-dicos envolvidos admitiram rever di-agnósticos ou alterar terapêuticas. Enem em diagnóstico diferencial admi-tiram um Síndrome de Alienação Pa-rental (SAP), entidade clínica que vá-rios profissionais avalizavam. Reconhe-cem eles esta afecção que, hoje, emEspanha – alvo de congressos e publi-cações – é considerada a segunda cau-sa de distúrbios mentais graves, naadolescência? Como podemos comba-ter este flagelo da sociedade actual –que alimenta milhares de processos ju-diciais, em longas disputas «assassinas»,que vitimizam pobres crianças inocen-tes – se a «nata» da nossa psiquiatriaainda parece não aceitar tal entidade?Os pareceres médicos – tal como osjurídicos – devem ser fundamentados.Porém, em centenas de páginas de re-latórios técnicos sobre o Caso Esme-ralda, não se regista qualquer biblio-grafia aplicável ou uma qualquer sérieou estatística, que suporte o mar deopiniões subjectivas. «Esqueceram» ostécnicos duas verdades elementares,que ninguém desconhece: que a adop-ção, em si mesma, é um trauma; queuma percentagem incrível de crianças,quando artificialmente afastadas da fa-

mília natural, regressa logo que podeàs suas raízes, como aconteceu comas vítimas da ditadura argentina.

As questões éticasSer médico exige humildade e diálogo.Numa área tão sensível como a psi-quiatria, os profissionais têm de saberescutar os seus pacientes e dar res-postas aos seus problemas. Espanto-samente, nenhum perito respondeu,sequer, às longas missivas que BaltazarNunes – ao ver esgotados os meiosnormais – lhes dirigiu. O moço acaba-ria mesmo por ser «expulso» das «con-sultas», na sequência dessas pertinen-tes cartas.Apesar do impacto deste caso, tambémnunca a medicina se dispôs a promo-ver uma abordagem séria destes inci-dentes, que interessaram milhões deportugueses. Nenhuma opinião subs-tantiva – técnica ou ética – foi produzi-da e nenhum debate foi organizado.Ainda hoje a discussão se centra naimprensa cor-de-rosa, na televisão, no«Destak» e em jornais sensacionalistas,em prejuízo do confronto científico deideias, organizado pela classe médica.Na peugada dos interesses dum casalque traficou uma criança e a manteveconsigo à margem da lei, as nossaspsicologias – e outros «protectores demenores» – ainda hoje defendem queuma criança – subtraída, sequestrada,raptada ou mesmo abusada sexual-mente!... – «pertence» a quem lhe dáamor. Senhores dum estranho apare-lho mágico – capaz de medir afectos ede prever com exactidão o futuro –foi ver os nossos «engenheiros da men-te» a dissecarem almas e a prognosti-carem paraísos e infernos. E foi a la-vrar neste engano que nos ofereceramalguns dos textos mais tendenciosos eabsurdos, jamais produzidos pela me-dicina portuguesa.Em abono desta conclusão, outros des-vios de ordem deontológica deverãoser apontados. A linguagem de que al-guns se socorreram – mais que criti-cável – atingiu as raias da obscenida-de. O Colégio da Pedopsiquiatria daOrdem dos Médicos, em parecer, nãohesitou em comparar Baltazar Nunes

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a um «tóxico». E o seu Presidente, emesmero pessoal, chegou mesmo a refe-rir o pai como «comida estragada», to-talmente imprópria para o consumoda criança.Se é certo que um escabroso comuni-cado à imprensa – em que se conde-nava o tribunal pela entrega de Esme-ralda e onde se auguravam catástrofesfuturas – mereceu profunda censurapor parte da própria Ordem dos Mé-dicos e da Associação Sindical dosJuízes Portugueses, nunca consequên-cias práticas foram retiradas dessescomportamentos…Na onda que então se gerou, viu-se detudo. Até divagações sobre umcasoclínico inexistente – ao caso, o paida criança – foram alimentadas porumilustre psiquiatra, num jornal deescândalos.

E as questões legaisA prática da medicina orienta-se peloescrupuloso cumprimento da lei. Aoaceitarem funções públicas, os médi-cos juram solenemente – e por suahonra – cumprir com lealdade as fun-ções que lhes são atribuídas. Ora, le-aldade implica respeito pelas hierar-quias e uma obediência clara aos ór-gãos de soberania, legitimamente cons-tituídos. «Obediência clara» não signi-fica – obviamente – «obediência cega».Desde que invocadas razõesdeontológicas válidas, qualquer médi-co sabe que pode recorrer ao estatu-to de «objector» e recusar missões queviolem os ditames da sua consciência.Porém, não foi este o caminho que anossa pedopsiquiatria entendeu trilhar.No Caso Esmeralda – livres de pres-sões e sem nada oporem – os médicosaceitaram as condições do tribunal.Para, a seguir, optarem pelo boicotedas decisões judiciais, tomando parti-

do por uma das partes litigantes, emprejuízo da outra. Uma classe que quei-ra afirmar o seu papel estruturante nasociedade portuguesa, não pode tole-rar tais comportamentos. Os médicosnão estão acima da lei. Num verdadei-ro Estado de Direito, tal obstrução –que foi repetida e continuada – nãodeixaria de cair sob a alçada da Jus-tiça. Uma importante discussão de queo Conselho Deontológico da Ordemdos Médicos – sempre tão cioso dassuas prerrogativas – devia efectuar.Finalmente, é impensável que médicosfaçam gala em violar princípios elemen-tares consignados na Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos e naConstituição da República Portugue-sa. Numa sociedade moderna, os paisgozam do direito inalienável de edu-car a sua prole que, por sua vez, gozado direito a ser criada pelos seus pro-genitores. No Séc. XX, só grandes pa-tifes – como Estaline ou Hitler – puse-ram em causa tais valores que mar-cam a nossa civilização. Confiscar es-ses direitos naturais de Baltazar e deEsmeralda Nunes – e premiar compor-tamentos criminosos – seria sempreuma aberração legal e moral, com queos médicos não podem pactuar.Questão de bom senso, ao escanca-rarem-se as portas a tais arbítrios, nãose estaria a pôr em causa a adopçãolegal, abrindo o caminho às adopçõesde rua e gerando o caos em milharesde famílias? Por essa via, quantas cri-anças não seriam afastadas dos seuslares, entendesse o «Estado» que ospais não cumpriam este ou aquelecânone. Depois da família Nunes – porser pobre e provinciana – que outrasse seguiriam? Os ciganos? Os comu-nistas? Os ateus? Os homossexuais?...São esses os valores que devemos de-fender?

Reflexão final…Os tribunais portugueses raramenterecorrem a testes psicológicos e aperitagens psiquiátricas, quando a con-duta dos cidadãos levanta dúvidas so-bre a sua integridade moral e mental.De costas voltadas, juristas e psiquia-tras ainda não conseguiram acertar opasso, tal como aconteceu ao longodeste processo. Reconhece-se a dificul-dade – e os receios – dos juízes. Te-mem eles que o Estado de Direito setorne refém do «Estado Psiquiátrico».E têm razões de sobra para assim pen-sar. Basta ver o que aconteceu, há dias,quando um tribunal «foi obrigado» aabsolver uma jovem estudante de en-fermagem, que assassinou o namora-do depois de o ter burlado, tendo-oabandonado em sofrimento atroz, apóslhe atirar com ácido sulfúrico ao ros-to. Por incrível que pareça – com baseem peritagens médicas – o tribunalmandou a criminosa em paz, conside-rada que foi inimputável. Que testesforam executados? Quem os analisou?Quem adivinha o fim de mais este te-nebroso processo?!...Enredada no Caso Esmeralda, a Psi-quiatria portuguesa perdeu uma ex-celente oportunidade para se prestigiare assim abrir caminho a uma nova Ju-risprudência, mais humana e mais jus-ta, como todos os médicos desejam.Perdida esta ocasião soberana, há quevoltar ao princípio. Mas, para que nospossamos desenvolver enquantosociedade organizada, necessário setorna lançar um grande debate, comvista a rever as nossas práticas. É que– à semelhança das outras especiali-dades médicas – também a Psiquia-tria deverá cumprir as regras que hojesão recomendadas em todo o mundoda ciência.As crianças de Portugal agradecem…

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IntroduçãoA questão do uso de sondas nasogás-tricas para alimentação e hidrataçãode doentes em fase terminal ou em es-tado vegetativo persistente é contro-versa e complexa. Apesar desta com-plexidade e controvérsia, o novo Códi-go Deontológico da Ordem dos Médi-cos considera de forma inequívoca queessa intervenção não pertence ao gru-po dos «meios extraordinários de ma-nutenção da vida» que deve ser inter-rompido nos doentes «irrecuperáveisde prognóstico seguramente fatal epróximo».

O caso de doentes em EstadoVegetativo Persistente (EVP)

Embora os doentes em EVP não sejam«doentes em final de vida», o seu exem-plo espelha com frequência a polémi-ca associada à alimentação/hidrataçãopor sonda.

1. Eluana EnglaroEluana Englaro foi uma mulher italia-na que, na sequência de um acidentede viação, em 1992, ficou em EVP. Em1994, o seu pai (e seu guardião legal),solicitou que fosse removida a sondanasogástrica por onde era alimentadae hidratada. Por entre grande contro-vérsia entre a opinião pública e religi-

O novo Código Deontológicoe a sonda nasogástrica, em

doentes em final de vida«Artigo 59º: (…)

3. O uso de meios extraordinários de manutenção de vida deve ser interrompido noscasos irrecuperáveis de prognóstico seguramente fatal e próximo, quando da

continuação de tais terapêuticas não resulte benefício para o doente.(…)

5. Não se consideram meios extraordinários de manutenção da vida, mesmo queadministrados por via artificial, a hidratação e a alimentação; nem a administração por

meios simples de pequenos débitos de oxigénio suplementar.»Código Deontológico da Ordem dos Médicos, Regulamento 14/2009, D.R. 13/1/2009, 2ª Série.

osa, italiana e internacional, este seupedido foi inicialmente recusado pe-los tribunais, em 1999 e 2005. Em Ju-lho de 2008, após novo julgamento,foi declarado pelo tribunal que o paide Eluana tinha autorização para sus-pender a sua alimentação e hidratação.Nesse mesmo mês, o Parlamento Itali-ano levantou a questão de um conflitojurisdicional mas este pedido foi rejei-tado. Em Novembro de 2008, o Supre-mo Tribunal italiano concedeu ao paide Eluana o direito de suspender a ali-mentação da sua filha. A 6 de Feverei-ro de 2009, o Primeiro Ministro SilvioBerlusconi emitiu um decreto que for-çaria a continuação da alimentação deEluana. O Presidente da República re-cusou-se a assinar esse decreto. Eluanafaleceu a 9 de Fevereiro de 2009, numhospital privado, após a suspensão dasua alimentação e hidratação por son-da nasogástrica, após 17 anos em EVP.

2. Terri SchiavoTerri Schiavo, norte-americana com umdistúrbio alimentar que lhe causou umagrave hipocaliémia, teve, aparentemen-te por esse motivo, uma paragem car-dio-respiratória a 25 de Fevereiro de1990, da qual resultou um estado deencefalopatia hipóxica-isquémica gra-ve e EVP. O caso de Terri complicou-

se pela discordância entre o seu mari-do (e guardião legal) e os seus pais. Oseu marido solicitou que fosse retira-da a sonda nasogástrica e suspensa aalimentação e hidratação de Terri, e osseus pais não concordaram com tal de-cisão. Seguiu-se uma batalha judicialem que se discutiu o diagnóstico deEVP e, posteriormente, de qual seria apresumptiva vontade de Terri, se pu-desse acordar por momentos e dizerse queria continuar assim ou não. Asonda nasogástrica foi retirada em2003, por ordem judicial. Imediatamen-te a seguir, a legislatura estadual criouuma lei específica, a «Lei Terri», que sesobrepôs à decisão judicial, e uma novasonda foi colocada e Terri voltou a seralimentada e hidratada. A «Lei de Terri»foi considerada inconstitucional, e asonda foi retirada novamente a 18 deMarço de 2005. O Congresso fez pas-sar uma «medida de emergência», quefoi assinada pelo Presidente Bush. Noentanto, esta medida do Congresso foirecusada pelo tribunal, bem como oseu recurso. Terri faleceu a 31 de Mar-ço de 2005, 13 dias após a remoçãoda sonda nasogástrica, após 15 anosem EVP.

Estes dois casos exemplificam situaçõesem que é legalmente considerado que

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a alimentação e hidratação por sondapode e deve ser suspensa em doentesconsiderados em situação irreversível,quando se suponha que este doentesnão quereriam continuar a ser manti-dos vivos dessa forma. Estes dois ca-sos espelham também a controvérsiana sociedade civil e meios religiososque rodeia esta questão, por vezesmesmo com intervenção activa de au-toridades governamentais.

O caso de doentes com demênciaOs doentes com demência avançada(definida como não reconhecendo fa-miliares, com escassa comunicação, to-talmente dependentes, não deambu-lando, incontinentes) têm uma sobre-vida média de 1 ano e meio, sendo que25% morre em 6 meses. Alguns even-tos identificam doentes com um prog-nóstico ainda pior, nomeadamente osproblemas com a alimentação: os do-entes em que há dificuldades na suaalimentação têm uma mortalidade em6 meses de 39%.Para além do mau prognóstico que osdoentes com demência e com dificul-dades na sua alimentação por via oraltêm, sabe-se também que não parecehaver vantagem na alimentação des-tes doentes por sonda nasogástrica.Não se consegue demonstrar que a ali-mentação por sonda aumente a sobre-vida de forma significativa. A alimen-tação por sonda não evita a pneumo-nia de aspiração. Também não melho-ra o estado nutricional dos doentes.Por outro lado, a alimentação por son-da pode ter desvantagens para o doen-

te. Com frequência, os doentes demen-tes retiram repetidamente as suas son-das nasogástricas, levando a que se-jam imobilizados para prevenir essefacto. Essa imobilização leva a maioragitação do doente, promovendo a suaposterior sedação.Ou seja:- os doentes com demência que ne-cessitam de sonda nasogástrica para asua alimentação e hidratação têm umasobrevida curta;- o uso de sonda nasogástrica não pa-rece ter qualquer benefício neste do-entes;- o uso de sonda nasogástrica pareceter desvantagens nestes doentes.

Morrer em inanição e desidrata-ção causa sofrimento, em

doentes terminais?Os doentes em EVP, com demênciaavançada, ou com outras doenças emfase terminal, têm quase sempre umaausência de percepção de fome e sede.Assim sendo, é questionável que sin-tam sofrimento com a suspensão dasua alimentação e hidratação por son-da nasogástrica.Vários estudos analisaram esta ques-tão, de forma mais notável um traba-lho, publicado no New England Journalof Medicine de 2003, em que foi avalia-da a «qualidade de morte» de doentesque recusavam comer ou beber comoforma de acelerar a morte. Não só oestudo objectivou que os doentes mor-riam sem sofrimento aparente como,mais espantosamente, pareciam mor-rer melhor do que aqueles que opta-

vam pelo «suicídio assistido medica-mente», legal naquele estado do Ore-gon, nos Estados Unidos da América.Ou seja, há evidência científica sólida deque a morte pela suspensão da alimen-tação e hidratação por sonda naso-gástrica em doentes terminais não cau-sa sofrimento, que é uma «boa morte».

Conclusão A questão da alimentação e hidrataçãoentérica artificial em doentes com si-tuações «irrecuperáveis de prognósti-co seguramente fatal e próximo» é, nomínimo, controversa e não consensual.A forma como o novo Código Deonto-lógico considera que a alimentação ehidratação artificiais não fazem partedas medidas que se podem suspendernestes doentes, podendo facilmentelevar à interpretação de que é incor-recto suspender ou não iniciar a ali-mentação e hidratação por sonda naso-gástrica nestes casos, é uma forma pe-rigosa e leviana de abordar esta ques-tão. Deveria ser promovida uma am-pla discussão desta questão ética noseio da comunidade médica nacional,se possível permitindo o tomar de po-sição de representantes de doentes, dasvárias religiões presentes em Portugal,de consultores jurídicos, e posterior-mente ser tomada uma posição oficialpela Ordem sobre esta questão, cadavez mais premente e frequente.

Tiago Tribolet de AbreuAssistente Hospitalar de MedicinaInterna Hospital do Espírito Santo-

Évora E.P.E.

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Pedido de colaboração de médicos especialistasA Associação de Bombeiros Voluntários de Calheta, sediada na ilha de São Jorge, Açores, solicitou a divulgação deum pedido de colaboração de médicos especialistas em Pediatria, Cardiologia, Reumatologia e Otorrinolaringologia(e de médicos de outras especialidades que estejam interessados em colaborar com a referida instituição). A ilha deSão Jorge é dotada de poucos recursos ao nível dos cuidados de saúde, razão pela qual a Associação de BombeirosVoluntários de Calheta dinamizou uma clínica que tem vindo a minorar esta situação. No entanto, a associaçãogostaria de proporcionar acesso a outras especialidades (nomeadamente as referidas anteriormente), sem que fossenecessária a deslocação dos doentes a outras ilhas ou mesmo até ao continente, uma vez que tal situação acarretadespesas para muitos incomportáveis. Os especialistas que pretendam colaborar poderão acordar as condições daprestação do referido serviço directamente com a Associação através dos seguintes contactos:295460110 ou 295460111 ou através do email: [email protected]

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Na verdade, os poucos sobreviventesda minha geração ainda activos, tive-ram o privilégio de testemunhar umséculo – o século XX – cujas contradi-ções, grandezas e misérias não têm equi-paração em nenhum outro anterior.Em 1900, aconteceram duas coisasextraordinárias. Nesse ano, Max Plankfundou a Física Quântica e três biólo-gos descobriram, cada um por seu lado,os trabalhos de Mendel que há 35anos estavam esquecidos em dois arti-gos duma revista científica1.

Ética e ensaios clínicos à luzda Declaração de Helsínquia

Quando, em 1948, entrei para a Faculdade de Medicina a palavra «ética»

raras vezes era pronunciada e não tinha o peso que hoje tem. Falava-se em

«deontologia médica» que não era muito mais do que um conjunto de re-

gras a que se devia submeter o comportamento entre os médicos e entre os

médicos e os doentes e que, pelo menos teoricamente, se destinava mais a

proteger os doentes do que os médicos. Nessa altura, as grandes mudanças

que iriam marcar a segunda metade do século XX estavam já a iniciar-se

mas ainda não se reflectiam na nossa prática diária e nem sequer tínhamos

consciência da importância que viriam a ter.Nessa altura, os avanços tecnológicosiniciados no século XIX e o progressi-vo avanço do laicismo e do cientismopositivista, prometiam um futuro riso-nho para a Humanidade (leia-se paraas sociedades ocidentais, claramenteeurocêntricas) o que levava a acredi-tar na concretização de utopias, querse tratasse do triunfo do pan-germa-nismo e da raça ariana, quer da con-cretização do comunismo e da socie-dade sem classes.Os resultados são hoje conhecidos:dois conflitos mundiais com milhõesde mortos, o delírio anti-semita, o Gu-lag, a barbárie. Mas, simultaneamente,o extraordinário progresso científico,que conduziu o Homem às fronteirasdo inimaginável: a física das partículas,a genética e todas as realizações tecno-lógicas delas decorrentes.Acabado o pesadelo da segunda Guer-ra Mundial, a esperança começaria arenascer. Assistiu-se então ao triunfode um conjunto de ideias generosasque colocariam a pessoa humana, en-quanto tal, no centro de todas as pre-ocupações e cuja manifestação funda-

dora foi a Declaração dos Direitos doHomem em 1948.É neste contexto que vale a pena ana-lisar o se que passou com o desenvol-vimento da indústria química ligada aosmedicamentos e com a introdução denovas substâncias no tratamento dasdoenças. Assim podemos compreen-der melhor o que actualmente está aacontecer na área dos ensaios clínicose da ética médica.Até meados do século XIX, os conheci-mentos na área do medicamento eramempíricos e obedeciam à lógica do posthoc ergo propter hoc: «depois disto, logopor causa disto». Faltava-lhes credibi-lidade e rigor e possuíam uma margemde erro que ultrapassava muito o queera razoável: só lá para o final do séculoXIX surgiriam, pela primeira vez, méto-dos partilhados e reconhecidos pelacomunidade científica que passaram aobedecer a regras mais exigentes.Na investigação de novas substânciasquímicas com provável actividade tera-pêutica, a primeira tentação terá sidofazer experiências em pequenos gru-pos humanos menos protegidos e só

1. Foi também nesse ano que nasceu, em Nova Orleães, Louis Amstrong e, com ele, a música de jazz.

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depois colocar os medicamentos ao dis-por da colectividade. Talvez por adivi-nhar os riscos que tal prática poderiatrazer, já em 1865 Claude Bernard afir-mava com rara lucidez: «O princípioda moralidade médica e cirúrgica con-siste em nunca realizar experiências noser humano que possam prejudicá-lo,mesmo que o resultado seja altamentevantajoso para a ciência, isto é, para asaúde dos outros».Em 1901 a Prússia promulgou umainstrução que proibia as acções médi-cas que não tivessem objectivos diag-nósticos, terapêuticos ou de imuniza-ção e em 1933, a Alemanha, durante aRepública de Weimar, produzia uma lei,destinada a controlar rigorosamente asexperiências em humanos, na qual apa-recia, pela primeira vez, a obrigatorie-dade de consentimento informado.Com a subida ao poder dos nazis estalei manteve-se em vigor mas, simples-mente, não se aplicava àqueles a quemo regime não atribuía um estatuto deseres humanos, ou seja, a judeus, ciga-nos, polacos ou russos.Com o fim do conflito de 1939-45, os«vencedores» levaram a julgamento,no Tribunal de Nuremberga, os crimi-nosos de guerra. Entre eles contavam-se vinte médicos que teriam realizadoexperiências em seres humanos, semobedecerem às regras mínimas de res-peito pela dignidade e integridade físi-ca das pessoas envolvidas. Foi este Tri-bunal que, em 1947, produziu um do-cumento notável, o Código de Nurem-berga, que, sob a forma de recomenda-ção, estabeleceu um conjunto de prin-cípios éticos que deviam orientar asexperiências em seres humanos e queiria constituir, em grande parte, a basedos textos éticos posteriores.O Código de Nuremberga dava gran-de importância ao consentimento in-formado esclarecido e livre, por partedas pessoas submetidas a experiênci-as. Mas, para além disso, estabelecia quequalquer experimentação em humanosdevia: produzir resultados vantajosospara a sociedade; basear-se em dadosda experimentação em animais ou emoutros estudos anteriores; evitar sofri-mento e danos desnecessários; não ser

realizado se houvesse razões para acre-ditar que podia ocorrer morte ou inva-lidez; aceitar um risco limitado à impor-tância do problema a resolver; acom-panhar-se dos cuidados especiais queprotegessem os participantes; ser con-duzido por pessoas cientificamente qua-lificadas; dar ao participante a liberda-de de se retirar da experiência; lem-brar que o investigador deve estar pre-parado para suspender a experiênciase tiver razões para acreditar que elapoderá conduzir a danos irreparáveis.Apesar do seu conteúdo, o Código deNuremberga teve um impacte limita-do e, até aos anos 60, poucas vezesapareceu citado em revistas médicas.Inicialmente foi considerado mais comouma condenação do nazismo e duma«medicina do mal» que estava em con-tradição com a boa medicina pratica-da nos países de tradição democráti-ca. O mal estaria, portanto, na políticae não na ciência, no nazismo e não dademocracia. A ciência médica autênti-ca – pensava-se – era uma entidadepura que obedecia aos princípios éti-cos do Juramento de Hipócrates aosquais os médicos estavam naturalmen-te vinculados.Mas a realidade era, afinal, bem dife-rente, como se iria verificar no casodos estudos clínicos realizado em ne-gros sifilíticos de Tuskegee no Alabama,e nas experiências feitas na prisão deHolmesburg. Tomou-se então consci-ência de que afinal o problema nãoera só dos nazis mas também de mui-tos outros médicos e investigadores quenão respeitavam as boas práticas clí-nicas.Além disso, ao não ser feita, como atéaí, uma distinção clara entre o «médi-co clínico» e o «médico investigador»,estava-se a dar cobertura tácita a to-das as experiências, ao admitir, erra-damente, que elas deveriam obedecertambém a objectivos curativos e a re-gras éticas a que os médicos estariam,por natureza, vinculados.A aprovação e a regulamentação denovas drogas dependiam, na altura, dosrelatórios de «comissões de peritos» eobedeciam, essencialmente, a um cál-culo de resultados favoráveis à colec-

tividade, em prejuízo da avaliação dosriscos individuais. Valorizavam, portan-to, mais a eficácia do que a segurança.Em 1961, surgiu o caso da talidomida,durante o qual, nos EUA, mais de20000 mulheres entre as quais 3750em fase reprodutiva, foram incluídasem testes de eficácia, sem terem co-nhecimento de que estavam a partici-par numa experiência. Esta tragédiateve duas consequências importantes:a obrigatoriedade da inclusão de fê-meas grávidas na experimentação ani-mal e a exigência de serem realizadosensaios clínicos antes da aprovação eintrodução de medicamentos no mer-cado, em vez dos simples «relatóriosde peritos» como até aí.Foi neste contexto que, em 1964, aAssociação Médica Mundial (WMA)aprovou a Declaração de Helsínquia.Resultado de um prolongado debate,este documento incorporou grandeparte dos preceitos do Código de Nu-remberga mas, ao contrário deste, quetinha sido um julgamento sobre o pas-sado, a Declaração tornou-se num guiaético obrigatório apontado para o fu-turo. Sem possuir poderes legais ounormativos, passou a ser uma referên-cia incontornável, pelo consenso obti-do à volta do seu conteúdo e pela qua-lidade ética e intelectual dos debatesque a precederam.Na sua primeira versão, a Declaraçãode Helsínquia era, essencialmente, umproduto dos países industrializados doNorte com uma participação discretados países em desenvolvimento: para-fraseando Lula da Silva, era um docu-mento de «olhos azuis». Na sua géneseestava a vontade dos médicos afirma-rem a capacidade de se auto-regula-rem através de um documento que ti-vesse a aprovação da classe a nívelmundial, e não ser, como o Código deNuremberga, um texto elaborado porum grupo de juízes.Em relação a este, a Declaração deHelsínquia introduziu duas novidadesimportantes: a noção de incapacidadelegal para dar o consentimento infor-mado – a qual deveria, a partir daí, serultrapassada pelo responsável legal doparticipante –, e a clara separação en-

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tre actividade assistencial e actividadede investigador.Mas o estado de inocência, em relaçãoà auto-regulação dos médicos, não iriadurar muito tempo. Em 1966 HenryBeecher publicou no New England J Medum artigo com o título Ethics and ClinicalResearch no qual relatava 22 casos deensaios clínicos em doentes tradicio-nalmente considerados como «sub-humanos» (deficientes mentais, idosos,recém-nascidos, presidiários, etc.) ouem que o consentimento informadonão passava de uma mera prescriçãode rotina científica2. Um ano depois,Pappworth publicava um livro intitu-lado Human Guinea Pigs no qual dava aconhecer um vasto conjunto de ensai-os clínicos realizados no Reino Unido,em que não tinham sido respeitadasas mais elementares regras éticas3.Tudo isto iria levar a novos debatesno seio da comunidade médica inter-nacional. Na reunião de Tóquio em1975 teria então lugar a primeira revi-são da Declaração de Helsínquia que,ao criar «comissões independentes»encarregadas de avaliar os protocolosdas pesquisas em humanos, vinha re-conhecer de forma clara que, afinal, aauto-regulação dos médicos era umailusão que não dispensava a validaçãoexterna.Para além disso, esta revisão reafirma-va que os interesses do indivíduo de-vem estar acima dos interesses da ci-ência ou da sociedade, ao mesmo tem-po que, à boleia da cultura dominantena época, eliminava todos os sinais delinguagem «sexista» e substituía a pa-lavra «homem» (man) por «pessoa»(person).Foi também por esta altura que o Con-gresso dos EUA criou uma Comissãoencarregada de apresentar «os princí-pios básios que devem reger a investi-gação em sujeitos humanos». Na se-quência disso surgiu, em 1978, o céle-bre Relatório Belmont que contribuiude forma decisiva para a teorização deuma ética biomédica.

Apesar dos acesos debates no seio daAssociação Médica Mundial, o ambi-ente à volta da ética ligada aos ensaiosclínicos com medicamentos parecia,nos anos seguintes, relativamente cal-mo e objecto de um relativo consen-so. Talvez por isso, as revisões da De-claração feitas em 1983 e 1989 poucoacrescentariam de substancial à ver-são de 1975.Note-se, contudo, que a revisão de1989 continha uma nova frase – «emqualquer estudo médico, a cada doente,incluindo aos do grupo controlo, se o hou-ver, deve ser assegurado o melhor méto-do terapêutico comprovado (best pro-ven)» – a que a revisão de 1996 acres-centaria uma outra: «isto não exclui ouso de um placebo inerte quando nãoexistam métodos terapêuticos comprova-dos». Ora seria exactamente a partirdesta altura que iria nascer uma pro-funda fractura na comunidade médicamundial à volta do uso de placebo emensaios realizados naquelas que pas-sariam a ser chamadas populações«vulneráveis».Na prática, a controvérsia só reben-tou em 1997, quando começaram aser conhecidos ensaios clínicos realiza-dos, na área da sida, em países pobrescomo o Uganda e a Tailândia. Nestesensaios era utilizado placebo ou «ne-nhum tratamento» no grupo controlo,numa altura em que já existiam méto-dos comprovados para o tratamentoda doença. Os ensaios eram de doistipos: estudo da transmissão materno-fetal do vírus HIV em que era usadoplacebo no grupo não tratado, e rela-ção entre carga viral e transmissãoheterossexual do HIV-1, cuja avaliaçãoobrigava a manter doentes sem tera-pêutica durante períodos de tempoque iam até aos 30 meses.Estes ensaios criaram uma fracturagrave na comunidade médica mundiale tornaram clara a necessidade de re-pensar a Declaração de Helsínquia noque diz respeita ao uso de placebo, nocaso de já existir, em qualquer parte

do mundo, um método terapêutico efi-caz.Foi à volta desta questão que surgi-ram os debates entre dois pontos devista aparentemente inconciliáveis. Deum lado, aqueles que defendem o prin-cípio do «duplo padrão» – um para ospaíses ricos, outro para os países po-bres. De acordo com eles, não existequalquer desvio ético em utilizar pla-cebo nos ensaios clínicos dos paísespobres, mesmo que existam já trata-mentos comprovadamente eficientes,desde que esses tratamentos não este-jam anteriormente disponíveis para aspopulações dos sujeitos recrutados.Isto porque, para além de se dar umaoportunidade terapêutica àqueles quesão sorteados para integrar o grupotestado sem aumentar os riscos dogrupo controlo, está-se ainda a ofere-cer benefícios secundários, tais comoassistência médica, equipamentos eformação de técnicos, a populaçõesmuito carenciadas.Do outro lado da barricada estão osque, além das abundantes razões decarácter filosófico, argumentam que afalta de acesso ao medicamento não éuma desigualdade natural, mas sim umaexclusão social provocada precisamen-te por políticas económicas dos paísesricos que agora pretendem patrocinarensaios em «populações vulneráveis»,graças, em grande parte, à situaçãocriada pelos preços dos medicamen-tos e pela defesa intransigente das suaspatentes. O «duplo padrão» constitui-ria mais um estímulo para as empre-sas manterem os preços altos, de for-ma a verem facilitado o recrutamentode doentes em populações sem aces-so a medicamentos, nas quais podemassim realizar ensaios clínicos mais rá-pidos e mais baratos4.Acima de tudo, dizem, não é legítimoque, profissionais de saúde, coloquemargumentos de ordem metodológica,científica ou económica acima dos seusdeveres éticos e da sua responsabili-dade, e que considerem justificado ob-

2. Beecher HK. Ethics and clinical research. New Eng J Med 1966;274:1354-13603. Pappwoth MH. Human Ginea Pigs. Experimentation in man. Pelican Book (1967)4. Garrafa V, Lorenzo C. Helsinque 2008: redução de protecção e maximização de interesses privados. Rev Ass Med Bras 2009; 55: 514-18

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ter dados estatísticos, que são impes-soais, à custa do sofrimento de umapessoa concreta, portadora de doen-ça tratável ou evitável. Chamam a isso«imperialismo moral»5, o qual se desti-naria, afinal, a impor padrões, suposta-mente superiores, a outras culturas eregiões.Foi neste contexto que, nos anos queprecederam a Declaração de Helsín-quia de 2000 em Edimburgo, os deba-tes continuaram à volta de três ques-tões fundamentais relacionadas com adefesa dos princípios que estão namatriz da Declaração, procurando im-pedir a aceitação de uma «assimetriaética» entre países pobres e países ri-cos. Essas três questões são as seguin-tes: benefício das populações comocondição prévia para a realização doensaio; garantia de acesso ao medica-mento após o fim do ensaio; e direitodos participantes nos ensaios ao «me-lhor tratamento existente» e não ao«melhor tratamento disponível».Em relação a este último ponto, eranecessário tornar bem claro se o graude exigência ética de uma pesquisa po-deria, em qualquer circunstância, es-tar condicionada pela carência das po-pulações em que se realiza, ou seja, seseria legítimo aceitar um «relativismo»que estava, aliás, implícito nas propos-tas apresentadas pela Associação Mé-dica dos EUA.É, contudo, esse ponto de vistarelativista que tem sido defendido porautores responsáveis nesta área, comoLevine, quando diz que, para os paísesem desenvolvimento, a Declaração deHelsínquia tem pouco a oferecer e queas propostas no campo da pesquisamédica têm de deixar de lado visõesidealistas do mundo, as quais deveri-am ficar reservadas apenas para os«prefácios» e para os «anexos». Paraele, as redacções finais dos documen-tos devem ser expurgadas de qualquervestígio de «idealismo»6.Apesar de tudo, a redacção final daDeclaração de Helsínquia de 2000 –

finalmente com a participação aguer-rida dos países do hemisfério Sul, en-tre os quais o Brasil e a África do Sul– acabou por aceitar algumas altera-ções, mas não modificou substancial-mente as versões anteriores, resistin-do com firmeza àqueles que defendi-am o «duplo padrão».Nomeadamente, em relação ao uso deplacebo, o texto em inglês diz o seguin-te: (Art. 29) «The benefits, risks, burdensand effectiveness of a new method shouldbe tested against those of the bestcurrent prophylactic , diagnostic andtherapeutic methods. This does not excludethe use of placebo or no treatment, instudies where no proven prophylactic ,diagnostic or therapeutic method exists».Note-se o «best current» da versãoinglesa de 2000 em vez do «best pro-ven» que tinha sido usado em 1996, oque, de certa maneira pode significaruma certa cedência em relação à posi-ção anterior.Face às críticas que entretanto surgi-ram a esta nova formulação da Decla-ração e às diversas interpretações a queo texto deu origem – a que não foramalheios os protestos de sectores liga-dos à FDA e à indústria farmacêutica –, a WMA decidiu produzir em 2002uma nota de «clarificação» em que acei-tava ser «eticamente aceitável realizarensaios com grupo placebo, mesmo quan-do existem terapêuticas de eficácia com-provada», em duas circunstâncias:

1. quando, por «razões consistentes ecientificamente sólidas do ponto de vis-ta metodológico» («compelling and scien-tifically sound methodologic reasons) o seuuso seja necessário para determinar aeficácia e segurança de uma métodoprofilático, diagnóstico ou terapêutico,ou2. quando o método investigado digarespeito a uma situação menor e nãoexista, para o grupo placebo, risco gra-ve ou lesão irreversível.

Desta forma, a decisão de realizar ou

não ensaios com placebos, passava apertencer às comissões de ética queteriam de verificar, em cada caso, seexistiam ou não razões «consistentes ecientificamente sólidas do ponto de vistametodológico».Em 2004 a WMA emitiu mais uma «cla-rificação» relativa ao outro ponto sen-sível – o acesso ao medicamento de-pois do ensaio – estabelecendo queesta questão deve constar do proto-colo e ser também avaliado por umacomissão de ética.Em 2003, na Finlândia, durante a reu-nião anual da WMA, os mesmos trêspontos voltaram à discussão, revelan-do uma clara demarcação entre os paí-ses do Norte e do Sul, à volta de trêspropostas de redacção então apresen-tadas:

1. libertação dos investigadores/patro-cinadores de oferecerem o tratamentonecessário aos voluntários, em locais emque o acesso seja precário, desde queisso seja claramente explicitado;2. direito dos participantes ao melhortratamento existente e não ao melhortratamento disponível;3. justificação da investigação médicaapenas quando haja expectativa razo-ável de obter benefícios por parte dapopulação envolvida.

Na reunião de Tóquio em 2004, osEUA decidiram retirar oficialmente oseu apoio à Declaração de Helsínquiae passaram a adoptar regras própriasbaseadas na Conferência Internacio-nal de Harmonização (ICH) e nas boaspráticas clínicas (GCP).Finalmente em 2008, na reunião deSeul, foi aprovada a mais recente ver-são da Declaração de Helsínquia. Paraalém das alterações na estrutura dodocumento que, segundo alguns, dimi-nuiu a «visibilidade» das questões maisquentes e polémicas, interessa anali-sar a redacção final dos três pontosque têm sido objecto de maior polé-mica:

5. Garrafa V, Lorenzo C. Moral imperialism and multicentric clinical trials in peripheral countries. Cad Saúde Publica 2008; 24: 2219-266. Levine R. The need to revise the Declaration of Helsinki. New Eng J Med 1999; 341:331-334

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1. (B.17) A investigação médica envolven-do populações «vulneráveis» ou em des-vantagem, só se justifica quando a inves-tigação responde às necessidades de saú-de e prioridades dessa população e seexistirem probabilidades de que essa po-pulação possa beneficiar.Esta redacção contém um aspecto es-tranho que revela bem a preocupaçãode proteger os países pobres: será quea norma só se aplica às populações«vulneráveis» e não a todas as outraspopulações?

2. (C.32) Os benefícios, riscos e eficáciade um novo tratamento deve ser compa-rado com a «melhor terapêutica correntee comprovada» (best current provenintervention), excepto quando, (...) porrazões científicas e metodológicas, o usode placebo for necessário para determi-nar a eficácia ou segurança de uma inter-venção, «e» os pacientes que recebemplacebo, ou nenhum tratamento, não es-tejam sujeitos a risco de sofrer dano sérioou irreversível.A preocupação um tanto ambígua deassociar o «corrente» (current) ao

«comprovado» (proven), levam-nos apensar nas enormes dificuldades queterão surgido na redacção final do tex-to. Mas o «e» que substituiu agora o«ou», da nota de «clarificação» publi-cada em 2002, parece, sem dúvida, umaalteração positiva.

3. (C.33) Quando da conclusão da inves-tigação, os doentes que entrarem no es-tudo devem ser informados sobre o seuresultado e compartilhar os benefícios quedele resultem, por exemplo, o acesso aintervenções identificadas como benéficasno estudo ou outro cuidado ou benefícioapropriado.Para além da importante novidade queé a obrigatoriedade de informar osdoentes, parece haver aqui um enfra-quecimento do texto de 2000 que di-zia concretamente: «Após a conclusãodo estudo, cada doente que tenha partici-pado no estudo deve ter a garantia deacesso aos melhores (best proven) mé-todos profilácticos diagnósticos e tera-pêuticos identificados pelo estudo», e queagora diz uma coisa um pouco diferen-te: «acesso a intervenções identificadas

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como benéficas no estudo ou outro cui-dado ou benefício apropriado».

Aqui está, pois, o consenso a que foipossível chegar em 2008. Embora oproblema esteja longe de se encontrarresolvido, há que reconhecer a preocu-pação de salvar um documento quetem sido, a nível mundial, uma referên-cia ética indiscutível e que se encon-tra agora em risco de sofrer sucessi-vas adulterações que podem conduzirao seu total esvaziamento.Entretanto a WMA nomeou já um gru-po de trabalho para continuar a estu-dar a questão do uso de placebo nosensaios realizados em populações vul-neráveis, ponto acerca do qual pareceque se está longe de conseguir um con-senso.Esperemos que as soluções encon-tradas dispensem que, daqui a algu-mas décadas, alguém tenha de vir lim-par o passado com tardios «pedidosde desculpa», como os de Clinton nocaso de Tuskegee ou os de João Pau-lo II em relação ao «processo Gali-leu».

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As sociedades humanas que, como anossa, se preocupam pouco em pre-servar o passado, estão sujeitas a per-der a identidade e a cometer sempreos mesmos erros. Basta ler as efemé-rides do centenário da República paraverificar que é assim. Lá encontramos,há cem anos, a crise financeira, o des-controlo da despesa pública, a falta decrédito, a iminência da bancarrota, osescândalos financeiros e, até, as escu-tas telefónicas2. Ao contrário do quealguns pensam, o passado não é um«país estrangeiro» e, se não o conhecer-mos, estamos condenados a repeti-lo.Foi tudo isto que me levou agora arecuperar velhos apontamentos e a

A diáspora dos Hospitais Civis de LisboaHá poucos meses chegou-me às mãos um livro com o título «Lisboa, Saúde e

Inovação: do Renascimento aos Nossos Dias»1. Bem apresentado, com altos

patrocínios e alguns excelentes textos, nele procurei, em vão, um capítulo

sobre os Hospitais Civis de Lisboa. Seria possível que, numa obra em que se

fala de saúde na Lisboa do século XX, se dedique apenas uma citação, en

passant, a uma instituição desta importância? Estaria eu a ver bem? De que

se tratava afinal? De ignorância, de esquecimento ou de uma tentativa de

branqueamento da História?publicar este texto sobre a «Diásporados Hospitais Civis de Lisboa».

***

Os Hospitais Civis de Lisboa nasceramoficialmente em 1913, ano em que ajovem República Portuguesa tomou adecisão de apagar definitivamente osvestígios monárquicos naquela que eraa organização assistencial mais impor-tante do país. A verdade é que, comum nome diferente, que vinha do ancienregime, este grupo hospitalar existia jádesde 1775, data em que o Marquêsde Pombal, depois de optar pelo aban-dono do Hospital de Todos-os-Santos,ordenou a transferência dos doentesque se encontravam dispersos em vá-rias instituições, para o edifício do an-tigo Colégio de Santo Antão-o-Novoque pertencera aos jesuítas. Estava as-sim fundado o Hospital Real de SãoJosé.Ao longo do século XIX, com o cres-cimento da cidade de Lisboa e a neces-sidade de mais espaço para o interna-mento de doentes, este Hospital foiagregando vários imóveis, alguns de-les confiscados pelos liberais às ordensreligiosas. Assim, foram sucessivamen-te anexados e transformados em hos-pitais, os edifícios da Leprosaria de São

Lázaro, do Convento de Nossa Senho-ra do Desterro e do Noviciado de Ar-roios. Além disso, por vontade expres-sa da Rainha D. Estefânia, foi construí-do de raiz um Hospital destinado acrianças. Este conjunto de cinco hospi-tais, passou a chamar-se Hospital Realde São José e Anexos, e iria ser, duran-te o século XIX, o palco de algumasimportantes iniciativas.No princípio do século XX, o HospitalReal de São José e Anexos beneficioudas reformas realizadas pelo Enfermei-ro-Mor Curry Cabral, que decidiuconstruir duas novas unidades: o Hos-pital de Santa Marta e o Hospital doRego. Finalmente, em 1928, foram ane-xados os edifícios onde funcionara, atéhá alguns anos, o Asilo da Mendicida-de de Lisboa, para aí instalar o Hospi-tal de Santo António dos Capuchos. Éeste conjunto que, com o nome de Hos-pitais Civis de Lisboa, irá, no séculoXX, deixar marcas profundas na me-dicina portuguesa.Em 1825, e contra a vontade da Uni-versidade de Coimbra que detinha atéentão o exclusivo do ensino médicouniversitário, nascera já, no Hospitalde São José, a Escola Régia de Cirurgiade Lisboa, que em 1836, no tempo dePassos Manuel, foi transformada naEscola Médico-Cirúrgica – o que que-

1. Constantino Saklarides, Manuel Valente Alves. (Gradiva, 2008)2. Alexandra Correia. Os Primos da Revolução. In «Visão, História», n.º 7, Fev. 2010

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ria dizer que para além de cirurgia, pas-sava a poder leccionar as disciplinasbásicas.Em 1850, surgiu a categoria de «Ci-rurgião do Banco de São José » e, em1860, foi publicado o regulamento doconcurso de acesso a este lugar, doqual constavam duas provas: uma pro-va clínica e uma prova de cadáver.Em 1890 nasceu o Internato Médicoque, destinado inicialmente aos fina-listas de medicina, sofreu, em décadasposteriores, vários desenvolvimentosaté dar origem a uma carreira exigen-te e bem estruturada.Desde o seu início, o Hospital de SãoJosé e Anexos, teve um papel impor-tante na prática e no ensino da cirur-gia. Não apenas por ter herdado umatradição que já vinha do Hospital Realde Todos-os-Santos, mas também pelaqualidade dos cirurgiões das geraçõesseguintes que, convém não esquecer,dispunham de um elevado número decadáveres para as suas práticas anató-micas, facto que estava mais facilitadonos grandes aglomerados urbanoscomo Lisboa.Por outro lado, o Banco que funcio-nava no Hospital de São José e queera o maior e mais importante serviçode urgência de todo o país, constituíaum local de aprendizagem único, gra-ças a uma vasta casuística que se ofe-recia à prática médico-cirúrgica e aoensino da clínica. Acrescente-se que oconcurso de acesso ao lugar de cirur-gião de banco tinha criado um siste-ma de selecção que garantia qualida-de técnica e capacidade de liderança.Mas, foi sobretudo o internato que veiointroduzir dinâmica e eficácia numainstituição voltada para o ensino pós-graduado. Internato que iria ser o em-brião de uma hierarquia vocacionadapara transmitir e perpetuar um estilo euma forma de estar na prática médica.A pouco e pouco, surgia uma culturaprópria que se foi transformando na-quilo que muitos chamaram «a escolados Hospitais Civis de Lisboa» e queacabou por influenciar numerosas ge-rações de médicos em todo o país.Recorde-se que, a partir de 1896, oprovimento dos lugares de interno, já

era feito através de concurso de pro-vas práticas e documentais e, a exigên-cia de aprovação em «mérito relativo»para ocupar as vagas, constituiu, desdeo início, uma condição importante deselecção que se iria manter ao longodas reformas posteriores da carreira.Entretanto, além do internato geral, foicriado o internato da especialidade(1923), o internato graduado (1952) eo internato intermédio (1953), forma-tando-se assim, uma pirâmide de com-petências, no topo da qual se situ-ava o lugar de «Assistente dos Hospi-tais» – também chamado «Facultativodos quadros dos serviços clínicos dosHospitais Civis de Lisboa» – criado em1926, e que, ao contrário dos outrosgraus que tinham duração limitada, eraum lugar vitalício.O acesso a esta categoria, além deexigir a frequência com aproveitamentodo internato da especialidade, proces-sava-se através de concurso de pro-vas públicas eliminatórias, cuja dificul-dade era muito elevada. De acordo como regulamento de 1941, o concursoconstava de «uma prova escrita sobreum assunto de terapêutica, sendo oponto tirado à sorte de entre vinte»,de uma prova clínica de dois doentescom relatório, de «uma prova oral so-bre um assunto de patologia, sendo oponto tirado à sorte de entre vinte» ede «uma prova clínica consistindo noexame de dois doentes seguido de ex-posição oral» – a chamada «prova decaras». As especialidades cirúrgicas in-cluíam ainda uma prova no cadáver.Deve notar-se que os candidatos eramavaliados com base nos conhecimen-tos teóricos e na perícia que demons-travam no decurso das provas práti-cas. Mas todos eles eram conhecidosdos membros do júri que, certamente,tinham em consideração os méritos re-velados até aí na prática hospitalar. Tal-vez por isso, não estava prevista nessaaltura uma prova de avaliação curricularque só iria surgir muito mais tarde.Nestes concursos, em que as vagasdisputadas eram sempre inferiores aonúmero dos concorrentes, a conquis-ta dos lugares constituía um ponto dehonra e uma chancela de qualidade

para todos os que aspiravam à notori-edade no meio médico. Daí que, ape-sar da autonomia da Faculdade de Me-dicina, que em 1911 funcionava já noHospital de Santa Marta, os professo-res das cadeiras clínicas continuassema candidatar-se ao lugar de Assistentedos Hospitais Civis de Lisboa. Sem essetítulo, dificilmente poderiam aspirar aotopo da hierarquia académica.A carreira dos Hospitais Civis de Lis-boa assentava, pois, num sistema hierar-quizado, num aperfeiçoamento contí-nuo e progressivo e num trabalho deequipa que garantia uma permanenteavaliação inter-pares. Elitista e medi-cocêntrica, estava voltada para a trans-missão de experiência e conhecimen-tos e procurava perpetuar a culturada instituição.Em meados do século XX, o prestígioe a influência desta carreira na medici-na portuguesa, tinham atingido o auge.O simples título de «Ex-Interno dosHospitais» era utilizado nas placas dosconsultórios médicos como atestadode competência profissional, enquan-to que os «Assistentes dos HospitaisCivis de Lisboa» disputavam entre si amaior parte da clínica privada da ci-dade.Mas, a partir dos anos 1970, a medici-na portuguesa iria ser palco de gran-des transformações. O número cres-cente de médicos saídos das faculda-des que exigiam entrada automáticanos hospitais, a criação de carreirasnacionais que com o tempo se foramdegradando, e a contestação a todasas formas de elitismo, foram, entre ou-tras, algumas novidades que contribu-íram para a desvalorização da carreirados Hospitais Civis de Lisboa.Até então, os grandes hospitais esta-vam praticamente confinados às trêsprincipais cidades portuguesas – Lis-boa, Porto e Coimbra – e neles se acan-tonavam os médicos em fase de forma-ção pós-graduada. Mas, por essa altu-ra, as exigências das populações leva-ram à decisão política de construir hos-pitais distritais que cobrissem o terri-tório nacional. Beja, Setúbal, Portalegre,Castelo Branco, Chaves, Famalicão,Barreiro, Funchal, foram alguns dos pri-

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meiros a nascer. A eles seguiram-se mui-tos outros situados quer em grandescidades quer em áreas suburbanas.Em pouco mais de 20 anos, constituiu-se assim uma vasta rede de unidadeshospitalares que necessitavam de mé-dicos, não apenas com preparação eautonomia técnica para ocupar os qua-dros das especialidades, como tambémpara serem, eles próprios, os formado-res de novas gerações de internos.Os médicos mostravam, nessa altura,pouca atracção pela província e nãopareciam muito dispostos a abando-nar espontaneamente os grandes cen-tros. Assim, os especialistas de sucessi-vas gerações iam-se acumulando nosserviços, resistindo tenazmente à ideiade concorrer às vagas entretanto aber-tas nos hospitais distritais. Mas a situ-ação tornar-se-ia insustentável e, a pou-co e pouco, começou aquilo a que, anosmais tarde, eu iria chamar «A Diásporados Hospitais Civis de Lisboa».3

Inicialmente tratou-se de um processolento e nada fácil. Mas à medida queas novas gerações de especialistas seforam apercebendo das vantagens detrabalhar em hospitais modernos e bemequipados – onde podiam conseguir umaascensão mais rápida na carreira – eda melhor qualidade de vida que lhesera proporcionada pelos pequenosagregados urbanos, a «diáspora» iriadesenvolver-se e tornar-se num dosacontecimentos que mais transformoua medicina portuguesa do século XX.Foi com a intenção de estudar estefenómeno que decidi, em 1998, enviarum inquérito aos hospitais da metadesul do país e das regiões autónomaspara tentar saber onde se encontra-vam – e há quanto tempo – aquelesque, depois de fazer a sua carreira nosHospitais Civis de Lisboa, se tinhamposteriormente transferido para outrasunidades hospitalares. Procurei aindaobter informações sobre as respecti-vas especialidades e sobre o lugar queocupavam na hierarquia. Finalmente,solicitei que cada resposta viesse acom-panhada de um pequeno depoimentosobre os Hospitais Civis de Lisboa.

Para minha surpresa, obtive respostasde 200 médicos, o que, para os nossoshábitos, se pode considerar excepcio-nal. Apesar de não me parecer legíti-mo fazer um tratamento estatístico deum conjunto de dados que está longede representar o universo total desteinquérito, a amostragem obtida foi su-ficientemente interessante para podertirar algumas conclusões e tecer bre-ves comentários.Com ponto de partida nestes dados,tudo leva a crer que a «Diáspora dosHospitais Civis de Lisboa» começou porvolta de 1972 e ficou assinalada, nesteinquérito, pela transferência de um mé-dico, por sinal um cirurgião, para umhospital distrital. Nos seis anos que seseguiram apenas foram registadas maisseis saídas para outros hospitais. Mas, onúmero de médicos que responderam eque foram transferidos nos dez anos se-guintes – entre 1979 e 1989 – aumen-tou para 108, número que representacerca de 50% do total de respostas, oque leva a crer que foi nesse períodoque se deu a maior parte da «diáspora».A partir de 1990 registou-se uma ligeiraquebra, interrompida entre 1995 e 1997por um novo aumento que coincidiucom a abertura de vários hospitais, en-tre os quais o Hospital de Amadora-Sintra. Este facto não surpreende: tra-tando-se de unidades modernas às por-tas de Lisboa, que ofereciam um regi-me de remunerações mais vantajoso,exerceram grande atracção sobre osprofissionais que se encontravam emsituação precária na carreira.Aliás, a proximidade da Capital pare-ce ter sido sempre um factor impor-tante na motivação dos médicos aolongo da «diáspora», pois, como podever-se no quadro junto, as unidadescom maior número de respostas, fo-ram os hospitais de Amadora-Sintra,Garcia de Orta, Setúbal, Santarém, IPOde Lisboa, Vila Franca de Xira, Barreiro,Santa Cruz e São Francisco Xavier.As áreas médicas mais representadasno inquérito foram a cirurgia (50) e amedicina interna (41), seguidas pelaortopedia (12) e pelas restantes espe-

cialidades. Contudo esta amostragemé bastante enganadora. Por exemplo:enquanto que a oftalmologia está re-presentada apenas por uma resposta,os resultados de uma pesquisa muitosumária feita poucos anos mais tarde,em 2005, revelaram que, só do Hospi-tal dos Capuchos, tinham já saído 58oftalmologistas os quais se encontra-

3. Diáspora Médica e Cirúrgica dos HCL. Palestra proferida no 4º Congresso dos Hospitais Civis de Lisboa a 24 de Nov. 1999.

SIATIPSOH satsopseR

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2 atrOedaicraG 12

3 labúteS 71

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5 xLOPI 41

6 acnarFaliV 31

7 orierraB 11

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vam distribuídos por 17 serviços espa-lhados por todo o país. Assinale-se queas direcções desses serviços estavamtodas entregues a antigos oftalmolo-gistas dos serviços do Hospital dosCapuchos e do Hospital de S. José.Das respostas a este inquérito parece-me legítimo concluir que os HospitaisCivis de Lisboa marcaram profundamen-te os médicos que lá fizeram a sua fasede formação pós-graduada. Emboramuitos deles fossem obrigados a par-ticipar, contra sua vontade, numa «diás-pora» que não desejavam, apenas por-que não havia vagas; embora tenhamsaído contrariados por não serem esco-lhidos pela instituição a que se sentiamligados por laços profissionais e afectivos– mesmo assim, alguns anos depois, assuas respostas não deixavam quaisquerdúvidas: 95% das apreciações sobre osHospitais Civis de Lisboa foram positi-vas; apenas 5% foram negativas.Maior significado parecem ter ainda ospequenos depoimentos que acompa-nhavam estes inquéritos, em que, a parde um certo tom emocional, os seusautores registavam um misto de admi-ração e de reconhecimento pela insti-tuição-mãe onde tinham feito a sua for-mação até se tornarem especialistas.Mas, o desmantelamento dos HospitaisCivis de Lisboa e da sua escola há muitoque estava «escrito nas estrelas». Comuma estrutura complexa e pesada, difi-cilmente podia sobreviver a uma época

em que a flexibilidade e a adaptaçãorápida a novas realidades, se tinham tor-nado essenciais. Os modelos de gestãoe de financiamento que praticavam, ade-quados a uma assistência hospitalar queera pouco mais do que caritativa, nãoestavam em condições de responder àsnovas exigências de uma medicina cadavez mais cara e exigente. E, sobretudo,não era fácil resistir ao cerco de umavasta coligação de políticos, administra-dores hospitalares, banqueiros e, até, dealguns professores universitários, aliados,como era de esperar, aos inevitáveis «ca-valos de Tróia».Separados uns dos outros, transforma-dos em SA ou EPE, absorvidos porCentros Hospitalares criados arbitra-riamente e sem lógica, os Hospitais Ci-vis de Lisboa foram assistindo indefe-sos à destruição do seu património eda sua cultura e à nova moda das «par-cerias» público-privadas, ou seja, à ali-ança entre a política e os grandes ne-gócios. Formatados, desde a sua ori-gem, de acordo com uma matriz emque o mérito e a competência esta-vam em primeiro lugar, os HospitaisCivis de Lisboa nunca tinham deixadoentrar, para dentro das suas muralhas,nem os negócios nem a política comque, claramente, conviviam mal (Con-ta-se que um poderoso ministro de Salazarterá respondido, nestes termos, a umamigo que lhe metera uma «cunha» paracolocar um médico nos Hospitais Civis de

Lisboa: «Peça-me tudo menos isso porqueaqueles tipos têm a mania dos concur-sos»). Era pois inevitável que, peranteas mudanças que se anunciavam háalgum tempo, os Hospitais Civis e asua escola iriam sofrer um progressi-vo desmantelamento até serem risca-dos em definitivo do organigrama doMinistério da Saúde.Há alguns anos fui convidado a fazeruma palestra subordinada ao seguintetema: «Será que os Hospitais Civis deLisboa ainda existem?». A resposta quedei na altura é exactamente a mesmaque dou hoje.Além de terem influenciado a práticamédica em todo o território nacional– colocando a fasquia num nível deexigência pouco habitual entre nós –,além da contribuição decisiva para osexcelentes resultados da medicina por-tuguesa – sem dúvida uma dos pou-cos casos de sucesso da nossa históriarecente –, os Hospitais Civis de Lisboadeixaram marcas do seu ADN em ge-rações sucessivas de médicos que, nodecorrer da «diáspora» se foram es-palhando pela rede hospitalar. Atravésdeles e das gerações seguintes a queeles transmitiram o mesmo legado cul-tural, continuam assim vivos e influen-tes, muito para além da sua extinçãolegal. Por isto tudo, possuem uma his-tória que deve ser conservada e res-peitada se queremos entender minima-mente o país em que vivemos.

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A ideia duma corrupção latente insta-lou-se, parece encontrarem-se sinaisdela a cada momento, muito fumo dei-xando entrever fogo aqui e acolá. Sãocronicamente políticos, associados ounão a sucateiros, juízes e magistrados,gestores de empresas públicas e debancos, quem tem estado em evidên-cia nesta matéria, nos vários casos ex-postos ou aventados pela comunica-ção social. Pois bem, entendeu a Assem-bleia da República, e bem (depois, aliás,duma primeira tentativa nesse sentidogorada há anos, com afastamento atédo seu principal proponente), criar umpacote legislativo anti-corrupção. Me-dida de topo programada para esse pa-cote, e largamente anunciada nas pri-meiras páginas dos jornais e noticiári-os: separar a medicina pública da pri-vada. E esta, hein?! É preciso desfaça-tez!Fala-se de políticos que traficam in-fluências a troco de alegadas vantagensmateriais. De construções e autoriza-

DESFAÇATEZPolíticos, sucateiros, juízes, magistrados, banqueiros, gestores, a cada passo

aparecem nas bocas do mundo e nas páginas dos jornais como suspeitos de

algum modo de corrupção. É de tal maneira que já se começa a falar duma

sul-americanização nacional nesse campo (se é que aquela zona do mundo

tem realmente proveito nessa área, para além da fama).ções estatais e municipais de legalida-de pelo menos discutível e pouco cla-ra. Do que se passa nos tribunais e nainstrução dos processos. E no modoinacreditável como alguns advogadossofrem na própria pele a sua aplica-ção com sucesso na defesa dos inte-resses dos seus clientes, o que podelimitar severamente o exercício da ad-vocacia e o direito à defesa dos cida-dãos, face aos tribunais. Nas falênciasde bancos pagas pelo Estado, com mi-lhões a flutuar off-shore, e os peque-nos depositantes a lastimar-se da per-da das suas poupanças. De negociatase mais negociatas envolvendo deten-tores de cargos públicos. De situaçõesque não configuram propriamente cor-rupção mas que são gritantes, como ade gestores públicos a receber milhõescomo bónus por terem cumprido aqui-lo a que se tinham proposto (em vezde serem afastados se não o cumpris-sem). Ou de apelidados «gestores» no-meados pelo poder político para con-selhos de administração, pagos princi-pescamente, apenas para lá estar. Etc.,etc. É voz corrente. Tema de conversadiária. É altura de se fazer alguma coi-sa. E vai-se fazer: separar a medicinapública da privada…As alterações introduzidas na gestãoda Saúde nos últimos anos criaram tan-tos problemas, alguns deles têm ficadotão caro ao país e comprometido tan-to o futuro, que o que menos precisa-mos agora é que se venha sobrecarre-gar tudo isso com a ideia de corrup-ção. Isto é, que a Saúde está a funcio-nar mal e a esvaziar o erário público,

sem qualquer mais-valia, por uma su-posta corrupção! Haja Deus!Não só é, intencionalmente ou não,desviar a atenção dos verdadeiros pro-blemas, quer da corrupção generaliza-da quer da má gestão da Saúde, comoé profundamente injusto. Para comuma área que, com toda a desestrutu-ração que sofreu e que não se dá mos-tras de vontade, ou capacidade, de cor-rigir, e pese embora o plano inclinadoem que foi colocada e que cegamentese mantém, continua a desempenharas suas funções melhor do que a mai-oria do resto das actividades a cargodo Estado. E em que os seus gestoresnomeados, independentemente da suacompetência ou falta dela, ou dos re-sultados que obtenham, não recebemmilhões de euros de bónus! Basta-lhespermanecer nos lugares quer cum-pram os objectivos quer não.A relação entre medicina pública e pri-vada é um tema abordado recorrente-mente, até porque poderá ser sempreencarado sob diversos prismas, algunstotalmente antagónicos. A verdade éque, ao permitir conjugar as duas coi-sas, se tem conseguido ter médicos deelevadíssima diferenciação e qualida-de a trabalhar nos hospitais públicosganhando cerca de 2000 euros pormês (19 euros à hora). E é com issoque se reformam, menos os descon-tos, depois duma vida de trabalho. Efalamos dos médicos no topo da suacarreira, que outros que não tenhamobtido essas vagas, mas de idêntica qua-lidade, nem isso ganham.Os médicos sempre aceitaram receber

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uma miséria do Estado por terem apossibilidade de trabalhar mais, fora,complementando assim, com trabalho,o exíguo salário estatal. Podem ganharmuito se trabalharem muito. E falamosde técnicos altamente especializados,com exigência duma preparação con-tínua e sujeita a um escrutínio cons-tante. A maior vantagem que têm emcontinuar a trabalhar em hospitais pú-blicos é, precisamente, pelo seu desejode aperfeiçoamento, de trocarem im-pressões entre eles, de pertencerem auma equipa diferenciada, e assim po-derem obter maior satisfação profissi-onal. Quem não entenda isso, quemtenha um espírito de funcionário man-ga de alpaca, dificilmente compreendepor que razão um técnico desses secontenta com aquelas migalhas ao fimdo mês... E não perceberá também que,sendo a formação médica pós-gradua-da feita sobretudo no público e exer-cida em todos os tipos de instituiçõesde saúde, a comunhão e a translocaçãode conhecimentos e experiências en-tre as duas áreas, pública e privada, ésem dúvida benéfica para todas as clas-ses de doentes, e para a medicina emgeral.Recorrentemente também, fala-se depromiscuidade entre público e priva-

do. Mas é curioso se se falar disso ago-ra, com a gestão empresarializada de-claradamente a apostar em contratarprivados para trabalhar nos hospitaispúblicos ou desempenhar funções quea estes pertenceriam, reduzindo os seuspróprios meios. Aí, a promiscuidadepassa por ceder ao lucro de particula-res aquilo que poderia, e deveria, serfeito por instituições estatais não lu-crativas. Isto para além das chamadasparcerias público-privado: quer-se umapromiscuidade mais declarada? Dirãoque se houver regras rígidas e clarasnão há problema: concordo, mas parao exercício da medicina também, porque não? Com as vantagens atrás apon-tadas.Até porque não se demonstrou demodo nenhum que da exclusividademédica criada a troco de maior paga-mento tenha resultado algo de positi-vo. Nunca foi mostrado que quem tra-balha só no hospital, sem acesso aosdoentes fora dele, o faça de maneiramais empenhada e mais produtiva quequem trabalha dentro e fora. Tal situa-ção criou foi uma medicina a dois pa-gamentos, não a duas velocidades. Comos inconvenientes e as injustiças co-nhecidos, já meio esquecidos mas sem-pre latentes e fracturantes, sobretudo

ao aproximar-se a reforma.Ainda recorrentemente, temos dito queos erros cometidos devem ser identifi-cados e tem de haver a coragem paraos corrigir na sua origem. Procurar jus-tificações paralelas, à boleia de aciden-tes de percurso que nem tenham aténada que ver com a Saúde, é uma purafuga para a frente, acelerando a desci-da pelo plano inclinado. Se neste mo-mento se insistir na separação entrepúblico e privado, ir-se-á aumentar asangria do público, com saída de mui-tos dos mais experientes que por láainda se vão mantendo. Ou então oEstado terá de passar a pagar directa-mente em competição com o privado,já que a possibilidade de ascensão nohospital dentro duma carreira médica(poderoso factor de atracção hospita-lar) desapareceu nos hospitais EPE.Mas e se o objectivo for, precisamente,esvaziar ainda mais de médicos os hos-pitais públicos? Para fazer contratocom os privados. Essa não será comcerteza a melhor maneira de manter aqualidade mínima do SNS, nem de lhereduzir o prejuízo imenso e a aumen-tar a cada ano que passa. Nem se co-aduna com o facto de se andarem aimportar médicos por grosso para opúblico, dos países mais inesperados.

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O P I N I Ã O

Não é que eu não trabalhe para oSNS… Efectivamente, trabalho. Diriaque até trabalho bastante. Mas, de bor-la. Sem qualquer compensação. Mas,acho que não está certo, nem é justo.Se não, vejamos:1.- Quando 1, 2, 3 ou mais enfermei-ros de um certo Centro Médico ondetrabalho, me pede para prescrever cer-tos medicamentos para ele/a; para aesposa; para a mãe ou pai ou… Euestou, de borla, a trabalhar para o SNS;2.- Quando 1, 2, 3 ou mais dos meusirmãos e 1, 2, 3 ou mais cunhados/asme pedem para prescrever certos me-dicamentos… eu estou, de borla, a

Congresso Nacional de Medicina da Ordemdos Médicos, ou do Serviço Nacional de Saúde?

evitar que vão dar trabalho e ocupartempo dos colegas do SNS;3.- Quando 1, 2, 3 ou mais cunhados/as na aldeia da minha mulher me pe-dem para prescrever as suas medica-ções já que, para irem ao seu Centrode Saúde teriam de andar mais de 10km, perder meio dia de trabalho parairem deixar lá a receita para o seu MFpassar e, no dia seguinte, percorrer omesmo caminho, perder outro tantotempo para levantar a receita, eu es-tou, de borla, a evitar que vão ocuparo tempo e dar trabalho aos colegas doSNS, e que interrompam o tratamen-to, eventualmente;4.- Quando 1, 2, 3, 4, 5 ou mais amigos,me pedem para lhes prescrever certamedicação que lhes foi prescrita eu es-tou, de borla, a evitar que vão ao SNS…5.- Quando 1, 2, 3, 4 ou mais familia-res, directos ou indirectos, ou amigosou «colegas de trabalho» me telefonama dar conta de determinadas queixasde doença e eu, por conselho ou pres-crição, evito que eles vão ao Serviçode Urgência do Hospital ou ao SAP euestou, de borla, a trabalhar para o SNS.Em resumo, trabalho e bastante, parao SNS, de borla. Não é justo que aminha Ordem profissional, a Ordem

dos Médicos não demonstre um míni-mo de interesse ou preocupação pe-las condições de trabalho dos Clíni-cos Gerais deste país.Tudo isto para concluir que a princi-pal reivindicação que pessoalmentefaço, é que a OM, a minha Ordem Pro-fissional, exija do Ministério da Saúde,o direito de os Clínicos Gerais Libe-rais poderem prescrever os examessubsidiários indispensáveis para umexercício responsável e competente dasua profissão. De outro modo, não secompreende a faculdade que de hámuito têm, de prescrever medicamen-tos… Nesse caso, que esta faculdadelhes seja retirada. Seremos, assim, umaprofissão declaradamente «proscrita»pela OM e Ministério da Saúde e a tra-balhar em completa «clandestinidade».Aliás, rigorosamente, não consigo en-contrar uma razão válida para ter depagar quotas a uma entidade – a OM– que, simplesmente, ignora a minhaactividade.

P.S. – Acabo de ler no jornal «TempoMEDICINA» que um candidato a bas-tonário, no seu programa faz constara sua preocupação com a Medicina li-beral… Isto é novo! Oxalá!

Todos os anos, quando recebo o desdobrável que a Ordem dos Médicos me

envia com o Programa do Congresso Anual de Medicina, nos temas a tratar,

procuro os que interessarão à Clínica Geral… Sim. Porque um Médico, simples-

mente MÉDICO, interessa-se por Clínica Geral. E estranho sempre, que a equi-

pa que organiza o Congresso da Ordem dos Médicos, não veja interesse em

debater temas de Clínica Geral. Diria mais. Parece que o programa do Congres-

so Nacional da Ordem dos Médicos é elaborado pelo Ministério da Saúde, tra-

tando os temas de interesse para o Serviço Nacional de Saúde. Ora, julgo que

não estamos num pais de regime socialista, em que tudo é estatizado.

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Ernesto CarvalhoPresidente Colégio Especialidade

Neurocirurgia

Não é a primeira vez que tenho o privi-légio de me referir publicamente ao Dr.Luís de Carvalho, mas antes aconte-ceu sempre de forma fugaz e para in-troduzir quem por mim o fizesse, coma elevação que ele merece.Nele vejo não apenas o Neurocirur-gião, o Professor, o Gestor mas, funda-mentalmente, a forma superiormentecapaz, e essencialmente Humana, comosempre actua.Temos em comum o facto de sermosdois emigrantes saídos do Minho paraeste Porto que a ambos acolheu e per-mitiu singrar.Também o apelido, sem relação de pa-rentesco, com pena minha particular-mente sentida quando me pergunta-vam se era meu Pai, meu Irmão. Não oé, mas tem sido tudo isso e muito mais.Conheci-o em 1968. Rápidos 41 anosse esgotaram já, sendo que nos 35 anosque já levo como profissional destenosso HGSA a imensa maioria foramde uma presença permanente do Dr.Luís de Carvalho que se prolonga coma sua fotografia que me orgulho de exi-bir no meu gabinete.Não gosta que o diga mas recordo, comcerto gozo, o momento em que me re-cebeu como Interno e me disse «Inter-nos são como os limões. Espremidostêm que dar sumo senão vão para ocaixote do lixo!»Na convivência que se seguiu compre-endi que assim deveria ser para mere-cer aprender com quem tudo dava deforma natural.Com ele tenho aprendido Neurocirur-gia e não só.

Apresentação do livro Contributospara a História do Hospital Geral deSanto António, Dr. Luís de Carvalho

A ideia e feitura do livroHá cerca de um ano e meio, confiden-ciou-me o seu desejo de juntar em li-vro alguns dos textos que foi elaboran-do e meticulosamente guardando deforma ordenada, como é seu timbre.Considerava importante reunir algunsdocumentos que dissessem sobre aqui-lo que norteou o seu pensamento eacção em diversos campos da sua pro-fícua actividade, agora que, depois deter deixado a prática neurocirúrgicaclínica e a actividade de gestão perma-nente, encontra mais tempo para en-quadrar histórias e explicações de cau-sas e soluções.Muito provável herança do Dr. Corinode Andrade de quem diz que «nos ensi-nou a pensar e a manter o espírito critico».Foi encantador poder acompanhá-loenquanto reunia os diversos textos queapresentava ao Editor, que desejou fos-se o Senhor Cruz Santos, e compreen-de-se que assim fosse pela superior qua-lidade de todo o trabalho que ao longode mais de 40 anos o creditam como areferência na actividade editorial.A obra aqui está.

A História, Organização e Remo-delação do HGSAEstes são o tema essencial do livro eos restantes capítulos são individuali-zados para salientar aspectos que po-deriam surgir diluídos e aos quais oDr. Luís de Carvalho quer trazer o des-taque que merecem o ensino, as figu-ras do Hospital e algumas das suas to-madas de posição públicas onde a dou-trina era assumida.O nosso HGSA é uma instituição comhistória de cíclicas ameaças externasimportantes seja pela perda, que have-ria de se manifestar apenas transitória,

do ensino pré-graduado, seja pelas cons-tantes recusas à prossecução do planoda sua remodelação e modernização.Com efeito «O Hospital Geral de SantoAntónio percebeu que, para sobreviver,teria que rapidamente se modernizar, am-pliando e remodelando as suas instalações,adaptando a sua capacidade de respostaàs novas solicitações da sociedade e daevolução da ciência e tecnologia médicas».Houve que se sentisse derrotado e con-siderasse em 1962 «Adiada, por agora,a construção do novo pavilhão na cercado Hospital. A história do seu planeamen-to, duas vezes estudado pelas Constru-ções Hospitalares, estende-se por muitosanos e não vale a pena repetir. Será umalenda a passar aos vindouros».Porém, «o Provedor Braga da Cruz, coma casa arrumada em 1971, decide reto-mar o projecto de remodelação, mas ago-ra alicerçado num Plano estratégico glo-bal que funcionasse como Plano Directorpara os anos futuros.»Aqui começaram as longas tarefas deplaneamento e gestão do Dr. Luís deCarvalho.Participou e liderou no planeamento,explicou e pressionou governantes so-bre a justeza da pretensão, beneficiou,por vezes, da afinidade de compreen-são dos decisores, alguns idos destacasa, ou outros que se socorriam doDr. Luís de Carvalho para tarefas deplaneamento exteriores ao HGSA.Deus quer, o Homem sonha a obranasce.Em 12/02/97 saudando a visita do Se-nhor Primeiro Ministro e da SenhoraMinistra da Saúde teve o Dr. Luís deCarvalho a oportunidade de dizer «Agrande obra em curso consiste na primei-ra fase do conjunto e traduz-se pela cons-trução dum novo edifício que se, por um

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Diz-nos o Dr. Luís de Carvalho que«Quase 20 anos passados, nasceu, entre-tanto, o Instituto de Ciências BiomédicasAbel Salazar (ICBAS) e o Hospital retomaa sua vocação de base do ensino clínico nafase pré-graduada de formação médica.Retoma-a, contudo, de forma distintada anterior, pois foram os seus própri-os médicos, os profissionais formadosnas carreiras médicas, que tomaram oencargo de transmitirem a sua experi-ência e conhecimentos científicos e téc-nicos às novas gerações de estudan-tes, integrando-se no projecto inova-dor, desenvolvido sob a égide de AbelSalazar, por figuras da dimensão deCorino de Andrade e Nuno Grande,que tem sido o ICBAS.Processou-se e sobretudo desejou-se,desde este reinicio dos anos 80, umtipo de formação diferente, mais práti-ca e profissionalizante, mais aberta àsinovações pedagógicas e cientificas, queiam fazendo o seu caminho entre asescolas médicas de Portugal e da Eu-ropa.»Por mim desejo que o espírito inicialseja tido em presença e que, com se-renidade e firmeza, se atente ao funci-onamento desta Escola que corre o ris-co de desvirtuar as suas bases funda-mentais perdidas em falhas de organi-zação e vaidades espúrias.

Figuras Ilustres do HGSA e Home-nagens a Directores de ServiçoO Dr. Luís de Carvalho entendeu fa-zer Capítulos separados para as Figu-ras Ilustres e para as homenagens a

Directores de Serviço que se aposen-taram por imperativo legal. Natural-mente que abre a sua galeria com oDr. Corino de Andrade, Pioneiro noHGSA, fazedor de eminentes Especia-listas em diferentes áreas até para alémdo estritamente pertencente às ciênci-as neurológicas.Perdoar-me-á se lhe disser que foi paramim sempre muito importante sentira admiração que nutre pelo «PatrãoCorino».Compreende por certo melhor o queos discípulos do Dr. Luís de Carvalhosentem por si.O seu livro leva-nos a conhecer o nas-cimento de diversos Serviços, entreeles o nosso, e a recordar, a força da«Máquina Centrifugadora».É curioso sentir no seu livro quantofoi importante na sua juventude, assu-midamente rebelde, quando o fizeramperder 3 anos de curso para na prisãoou numa companhia disciplinar, conti-nuar a afirmar a sua liberdade de pen-samento e sedimentar os valores emque acredita.Lendo os seus textos vejo-o com o Dr.Paulo Mendo, no Natal de 63, «5 diasa subir e descer Main Street, que Gibraltarpouco mais tem, discutindo o futuro, asesperanças no futuro da medicina, dasciências neurológicas, do País, no qual as-pirávamos viver em liberdade.» Ou ain-da, no nascimento da Neurorradiologia,«Com que encanto e deslumbramento nósassistíamos às maravilhas anatómicas queforam as primeiras pneumoencefalografias,os cortes sagitais da coluna cervical e da

lado, permite instalar alguns serviços emcondições técnicas e humanas que pode-remos considerar excelentes, por outro,constituirá o pivô indispensável para eva-cuar áreas do edifício principal, permitindoassim a remodelação, complemento indis-pensável da ampliação.Quer isto dizer que esta obra só adqui-re todo o seu sentido, se se continuar,como previsto, pela obra de remodela-ção, de modo a que não coexistam, namesma instituição, doentes de 1ª ou2ª, conforme desfrutem das instalaçõesde um ou de outro dos edifícios.»Certamente não previa que pudesseser tão longo e, pior do que isso, in-certo o percurso que há-de levar aoadequado complemento das obras noedifício neoclássico que então sim re-matarão, como foi sempre seu esclare-cido plano e veemente desejo, o edifí-cio que, com toda a justiça, ostenta oseu nome.

O HGSA e o ensino médicoTendo sido sede da primeira EscolaMédico Cirúrgica no Norte, natural-mente que se entendia que a saída daFaculdade de Medicina do Porto iriafatalmente debilitar o HGSA.A tenacidade dos resistentes, aliada adezenas se Internos que entre 1959 e1965 se formaram no HGSA e vieram aconstituir os seus quadros nos anos 70 e80, permitiu reunir um capital de expe-riência onde a semente de génios comoCorino de Andrade e Nuno Grande, se-cundados por muitos outros, encontroucondições para germinar e frutificar.

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charneira occipitovertebral e à revoluçãoneurológica e clínica que tal permitiu.»Vejo-o com o Dr. Pereira Guedes que«pautava a sua conduta como responsá-vel gestionário, pelos mesmos valores queeu já lhe reconhecera como patologista,isto é, honestidade sem mácula, rigor le-vado até à teimosia, competência técnicae capacidade de ouvir os outros e de pro-curar consensos, sem abdicar dos princípi-os que, aliados a uma excepcional capaci-dade de trabalho, fizeram dele um dosmodelos de comportamento que muitosde nós se habituaram a considerar e arespeitar.»Atrevo-me a perguntar-lhe se foi eleque o influenciou num dos seus tra-ços de carácter «que é a sua modéstiae aversão a exibicionismos, tantas vezesbalofos, o que talvez tivesse contribuídopara que nem sempre os seus reais méri-tos tivessem sido oportunamente reconhe-cidos.»Lendo o seu livro ficamos a conheceroutras figuras que o marcaram e ou-tras ainda que descobriu e regista paraque se conheça quanto engrandece-ram o HGSA.Das homenagens aos Directores deServiço cada uma delas encerra regis-tos importantes alguns dos quais anossa memória recorda e chama asso-ciações, outros em que se imagina oAutor na antecâmara do bloco aguar-dando o resultado do primeiro trans-plante hepático em postura de solida-riedade e comprometimento.Também se regista que divergências deopinião ou eventuais diatribes não fo-ram motivo para deixar de reconhe-cer mérito onde ele existiu.Muitos são os nomes referidos e a mui-tos mais ficamos a dever o tributo deque o Dr. Luís de Carvalho aqui nosdá exemplo que fizeram história nestaCasa que hoje volta a sentir ameaças

externas e vê partir nomes relevantes,antes mesmo do seu limite de funçõese atraídos por propostas que conside-ram mais atraentes dos que as doHGSA. Porquê? Temos, pelo menos, quenos interrogar, de forma serena masdeterminada pois, permitam-me o jar-gão do marketing, a marca Santo Antó-nio sempre foi competitiva e tem quesaber continuar a sê-lo.

Discursos institucionaisAo apresentar este Capitulo o Dr. Luísde Carvalho assume, com a frontalidadeque o seu registo o autoriza, que «Es-tes textos oferecem ainda a vantagem depoderem ser comparados com situaçõesequivalentes ocorridas noutros ambientes.»Para mim são fundamentalmente dou-trina resultante da experiência e ne-cessária reflexão.Mais do que leitura julgo que muitosdeles merecem indiscutível discussãoactual. Senão vejamos:- A permanente preocupação e funda-mentação sobre a necessidade de con-clusão das obras no edifico neoclássico.- A afirmação de que os Serviços sãoos núcleos básicos da actividade doHospital e como deve ocorrer a suacoordenação com coerência e estra-tégia institucional organizada pela Di-recção Clínica a partir de objectivosinstitucionais definidos pelo Conselhode Administração.- A afirmação da necessidade de optare concentrar experiência para atingira excelência quando diz «O HospitalGeral de Santo António desde há muitosanos que tem adoptado uma politica quetem como principio não pretender a toti-valência, isto é, entendemos que não énecessário para ser um grande hospitalcentral e universitário dispor de todas asvalências» e acrescenta depois «Concen-tramos, assim, as nossas energias nas

valências que mantemos, que assim po-dem atingir níveis técnicos e científicos maiselevados.»- A clara afirmação de esperança quan-do refere que «O Hospital Geral de San-to António tem, todavia, um capital inesti-mável de cultura e tradição próprias, ali-cerçadas numa experiência de dois sécu-los, que nos irá sem dúvida inspirar e aju-dar a vencer as dificuldades.»Este livro é um documento essencialde registo de anos de vida desta muinobre casa escrito por um dos seusmaiores cultores, que simultaneamen-te tem sido um exemplo perene de es-forço e dedicação esclarecida.Encerra com dois parágrafos que re-sultam naturais de toda a sua actua-ção. «Pela minha parte ficarei muito felizse tiver conquistado alguns leitores, massobretudo estudiosos, que queiram dedi-car algum do seu tempo a actividades depesquisa histórica, que podem acompanharaquelas habitualmente designadas comocientificas.»«O moderno, progressivo e mais hu-mano Hospital que todos desejamos,não viverá bem sem cultivar as suasraízes. Assim o espero.»Hoje com um pouco mais de tempopara a sua Família, principalmente aEsposa as Filhas e os Netos, continuaráa assistir aos seus Discípulos que for-mam outros, como árvores e sementeslançadas por um espírito que perma-nece vivo, irrequieto, criativo e pensante.Pode o Dr. Luís de Carvalho ficar des-cansado que os seus Discípulos, nasdiferentes áreas da sua intervenção, sa-berão dar a conhecer aos vindouros oporquê de, tal como nós, também de-verão honrá-lo e quem tiver a incum-bência de dirigir o HGSA também, porcerto, o fará.Nota: À venda na biblioteca do HospitalGeral de Santo António.

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C U L T U R A

Livros

Ortotraumatologia e em avalia-ção do dano corporal

David Fernandes Luís é o autor do guiaprático «Critérios periciais em orto-

traumatologia e emavaliação do danocorporal»Com a criação da

nova competên-cia em peri-tagem médicada segurançasocial e de

avaliação do dano corporal sentiu-sea necessidade de sistematizar algunsconceitos doutrinários na matéria emquestão procurando, por um ladobalizar o conhecimento adquirido epor outro servir de guia a todos oscolegas médicos envolvidos em mis-sões de carácter pericial. Foi assimque, deitando mão ao muito materi-al das lições dos cursos superioresde medicina legal e de avaliação dodano corporal que frequentamos, ela-boramos este guia que pomos ao dis-por dos colegas para dele se benefi-ciarem.Este guia destina-se a todos os médi-cos envolvidos em perícias médico-le-gais tais como especialistas em medi-cina legal, especialistas em medicina dotrabalho, competentes em peritagemmédica da segurança social e de avali-ação em dano corporal, médicos dosserviços de verificação de incapacida-des da segurança social, médicos dajuntas médicas e das companhais deDavid Fernandes Luís

seguros e a todos aqueles que, de al-guma forma, estejam encarregados demissões médicas de carácter pericial.O guia está disponível exclusivamentena Livraria Bisturi, podendo as enco-mendas ser realizadas via net para BIS-TURI NET.

O Ano da gripe A, de Margarida Ejar-que, remete-nos para um microcosmosparticular que é o meio hospitalar, umaimpressão digital de um outro lugarmaior – a cidade onde vivemos, ver-são em pormenor desta aldeia globalque partilhamos, como a intitula AdelaCortina.Porque este livro pode ser o retratode uma outra qualquer cidade, ondefigurantes de carne, vivos e actuantesse cruzam, se entrosam, se envolvemem cumplicidades e se distanciam tam-bém.De facto esta enorme casa que é o Hos-pital de Santa Maria, onde habita a au-tora com uma população flutuante dedez mil habitantes, entre funcionários,fornecedores, clientes, utentes, visitan-tes, familiares e amigos é de facto umacidade em ponto pequeno.Nela se vivem amores, entusiasmos, de-sejos, invejas e infelicidades também,histórias, muitas histórias para contar,ponderar e até recordar mais tarde,

Comentário de Leonor Duarte de Almeida ao livro «O ano da gripe A», de MargaridaEjarque, apresentado na Biblioteca da Ordem do Médicos em Lisboa a 26-03-2010

tão bem captadas pela Margarida emcada uma das suas envolventes perso-nagens.A gripe A é o mote para uma históriapossível, ficcionada pela autora commestria e compaixão pelos demais. Étambém um livro didáctico, fluente, quese lê de um fôlego e que esclarece as-pectos importantes do fenómeno gri-pe A entre outros, transversal a todasociedade à escala global, e que adquireproporções gigantescas, quiçá cruéispara quem o vive em forma de drama.Mas ao educar também cumpre o pa-pel de desmitificação do imediatismoe mediatismo gratuitos, que sempre en-volvem os fenómenos que nos trans-cendem.Neste livro apreciamos a intensidadeda autora na forma como avalia os sen-timentos dos vários personagens quenão ficam estáticos nem encerrados emfiguras de estilo, mas que de mododialéctico nos levam em movimento,colocando em marcha a nossa imagi-

nação, sentindo como nossas as situa-ções que nele surgem.É de uma delicada perspicácia a formacomo descreve os amores que nascem,crescem e se transformam, os momen-

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tos de tensão e entrega ao trabalho, aimportância de um olhar, um toque nomomento certo, o desmitificar de equí-vocos, e a forma inteligente como nosprende a cada um dos protagonistascom inteligência, compaixão, solidarie-dade e até desejo de protagonizar so-luções.Porque nisso a autora é exemplar, nãonos colocando propostas nem prescre-vendo receitas comportamentais, dei-xando em aberto o mundo mágico daimprevisibilidade.A sua formação em bioética, está tam-bém patente no cuidado como descre-ve a preocupação em informar e apostura face às decisões as mais com-plexas, em momentos de tensão e tam-bém aí ela educa, esclarecendo os lei-tores.A ilha onde fica o ponto mais alto dePortugal era para Pedro de cortar arespiração pelas suas encostas íngre-mes, pelas casas de pedra negra, pelasvinhas artesanais com pedras a servirmoldura, onde o engenho do homemcontrola a natureza bruta e majestosa

na sua imponência, pela sua luz, quenão era para ser descrita mas paracomer e beber como diria o poeta.A luz e o ma! Foi a essa ilha que Pedrolevou Mariana quando esta finalmenteconquistou a benesse de engravidar.Queria com ela partilhar a capacida-de humana de moldar a natureza àvontade do homem e apreciar o sorti-légio do encontro com a ilha da suajuventude.O caminho de retorno leva Mariana auma outra ilha com mais habitantesflutuantes do que o próprio Pico – essagrande casa onde sentimentos, vida,morte, engenho e arte, se cruzam e seentrelaçam num balanço a mais dasvezes positivo.Em todo o romance sente-se a expec-tativa, esse vazio que as palavras daautora preenchem. A continuidade davida, e a inevitabilidade da morte, es-tão muito presentes, porque esse é ummarco profissional a que não podeescapar.Em cada leitura que fiz do livro pare-cia-me ler pela primeira vez um livro

novo. Serei eu que continuo a mudare vejo coisas novas que antes não ti-nha notado, pergunto-me?Sempre que tento reviver a emoçãode um detalhe anterior, obtenho im-pressões diferentes e inesperadas, nãoreencontrando as anteriores.A certa altura parece-me até que en-tre uma leitura e outra existe progres-so e é esse movimento que dá vida esubstância ao texto e que elege algunscomo escritores.É a esperança que se sente no livro deMargarida, que comove e movimenta,é Laura que sobrevive, é o pai que con-tinua o sonho de modelar a naturezaao desejo do homem que se continua,é a viagem para Timor de Beatriz, paralonge, para projectos diferentes dosmais comuns abrindo outras frontei-ras mentais e até emocionais, distintasdas corriqueiras.São as assimetrias de projectos de vidaa ditarem soluções mesmo as menosdesejadas no imediato.É o futuro a espreitar curioso e a vidaafinal a teimar em nós.

C U L T U R A

Manual de Cuidados CirúrgicosDefinitivos Em TraumaJá se encontra disponível em Portugalo Manual de Cuidados Cirúrgicos Definiti-vos em Trauma. Trata-se de um livro de-senvolvido para a IATSIC – InternationalAssociation for Surgery and Intensive Care,que segue as orientações do reconhe-cido e credenciado curso American Col-lege of Surgeons’ Advanced Trauma LifeSupport (ATLS®).O livro foi traduzido e adaptado tec-nicamente para português por umaequipa técnica dirigida por Carlos Mes-quita, médico dos Hospitais da Univer-sidade de Coimbra.O tratamento de traumatismos gravesé extremamente complexo e desafiante.A rapidez de decisão e eficácia nas ma-nobras necessárias podem salvar vidas.O Manual de Cuidados Cirúrgicos De-finitivos em Trauma procura auxiliar ocirurgião a manter elevado o nível dascompetências necessárias. Esta novaedição foi actualizada no sentido deabranger todos os desenvolvimentosrecentes na área, cobrindo todos os

aspectos dos cuidados cirúrgicos emtrauma, incluindo:– A causa das lesões – que facilita arápida compreensão do trauma;– Os processos de tomada de decisão,incluindo os riscos do tratamento ci-rúrgico do doente traumatizado;– Os recursos exigidos no hospital, tan-to físicos como intelectuais, para lidarcom problemas específicos associadosa doentes com lesões múltiplas;– As limitações em conseguir especia-listas no período de tempo necessário.O coordenador: Kenneth d. Boffardé Professor e chefe do Departamentode cirurgia do hospital de Joanesburgoda universidade de Witwatersrand, Joa-nesburgo, África do sul.Revisão técnica/Comissão Coordena-dora Nacional da IATSIC para o DSTC:Carlos Mesquita – Hospitais da Uni-versidade de CoimbraJohn Preto – Hospital de São João, PortoMário Mendes – Hospital dos Capu-chos, LisboaFernando Ferreira – Hospital PedroHispano, Matosinhos

Luís Filipe Pinheiro – Hospital de SãoTeotónio, ViseuJorge Pereira – Hospital de SãoTeotónio, ViseuAna Oliveira – Hospital de SãoTeotónio, ViseuLuís Filipe Ribeiro – Hospital InfanteDom Pedro, AveiroLuís Reis – Centro Hospitalar de CoimbraHenrique Alexandrino – Hospitais daUniversidade de Coimbra

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No convite que me foi formulado paraparticipar na sessão comemorativa docinquentenário da inauguração do ac-tual edifício do Instituto de Higiene eMedicina Tropical, foi-me solicitado queme debruçasse sobre a situação da Me-dicina em Portugal nesse ano de 1958,ano que representa um marco impor-tante na vida desta Instituição cente-nária, criada em 1902 por Carta deLei do Rei D. Carlos, sob a denomina-ção de Escola de Medicina Tropical, anoem que foi igualmente criado em Lis-boa o então chamado Hospital Colo-nial. Essas inaugurações sucederamnuma época em que os países euro-peus, sentindo a necessidade de pro-curar resolver ou pelo menos atenuaras questões sanitárias existentes nassuas colónias, fundaram as suas Esco-las de Medicina Tropical. Deve realçar-se que a história do Instituto de Higie-ne e Medicina Tropical, o quarto cria-do na Europa, foi sempre rodeada deum enorme prestígio e qualidade, querna prestação de serviços às comuni-dades das antigas colónias, onde de-senvolveu papel pioneiro no combatea várias das endemias aí prevalentes,tais como a malária, a doença do sono,a febre amarela e a lepra, entre tantasoutras, actividade feita através de múl-tiplas missões científicas, desenvolvidasa paralelo com o seu papel relevantede formação de especialistas em pato-logia tropical, além de se creditar comoum centro de investigação de renomeinternacional. Na época a que nos re-portamos, cinquenta anos atrás, entretantas outras figuras de renome inter-nacional, pontificavam nomes comoFraga de Azevedo, Francisco Cambour-nac, Cruz Ferreira e Guilherme Janz. Arealização do VI Congresso Internaci-onal de Medicina Tropical e da Malá-ria, em Lisboa, em Setembro de 1958,é bem prova do elevado prestígio ci-entífico que sempre caracterizou a Ins-

A Medicina emPortugal em 1958*

Henrique Lecour**tituição alvo desta homenagem. Gos-taria aliás, de citar ainda, os Anais doInstituto, publicação que durante maisde quarenta anos foi uma referêncianacional e internacional nesta área dapatologia tropical. Lembro-me de mui-tas vezes os ter consultado, sempre comenorme proveito, tanto mais que vi-via-se numa época em que a biblio-grafia médica nacional não abundava.Falar sobre a Medicina Portuguesa em1958 é para mim, mera figura secun-dária dessa época, não mais do queum recordar de acontecimentos e fac-tos, pois, jovem médico, acabava nesseano o Internato Geral no Hospital Geralde Santo António e iniciava a minhacarreira docente na Faculdade de Me-dicina do Porto.A Medicina Portuguesa vivia nessaépoca o marcado atraso em que o Paísse encontrava, caracterizado por bai-xos índices de desenvolvimento sócio-económico, cultural e sanitário. A po-pulação, dado o seu elevado grau depobreza, mostrava marcada debilida-de dos seus níveis de saúde. Grandeparte da população vivia em meiosrurais e apoiada numa economia desubsistência. Condições habitacionaisdeficientes, carências alimentares, nãodisponibilidade de água potável e desaneamento básico, elevada taxa de al-coolismo, ausência de programas deimunização, falta de uma adequadaprotecção à maternidade e à criança,e notória insuficiência das estruturasde saúde e de apoio médico, justifica-vam as elevadas taxas de mortalidadeglobal, de mortalidade infantil e demortalidade materna então registadas.As taxas de mortalidade e de morbili-dade de várias doenças infecciosas evi-táveis pela imunização eram igualmen-te um estigma que nos envergonhavaperante os países europeus.A título de exemplo, refiram-se algunsíndices reveladores do atraso sanitá-

rio do País: a esperança de vida eranessa época de 60,7 anos para os ho-mens e de 66,4 anos para as mulhe-res, em acentuado contraste com averificada em 2007, de 75,2 anos paraos homens e de 81,6 anos para as mu-lheres, ou seja um ganho de cerca dequinze anos, a mortalidade global eraentão de 10,7/1000, sendo presente-mente de 9,6/1000, a mortalidade in-fantil baixou de uma maneira radicalde 84 por 1000 nado-vivos, para 3,3por 1000, e a mortalidade materna re-duziu de 12,1 por 100 000 para 2,7em 2006. Naturalmente que a redu-ção do número de partos sem assis-tência de 87,2% em 1958, para menosde 1% em 2007, justifica essa acentua-da diminuição da mortalidade mater-na e neo-natal. Ainda a marcar a defi-ciente cobertura médica do País, refi-ra-se que cerca de 20% dos óbitos nãoeram certificados por médico, percen-tagem que em muitos concelhos ru-rais do interior atingia valores de maisde 70 %.Por outro lado, várias doenças preve-níveis pela imunização ou curáveis comum diagnóstico e um tratamento pre-coces, eram ainda endémicas, de queeram particular exemplo, o sarampo,a difteria, a poliomielite, a tuberculose,o tracoma e a lepra.A tuberculose era então uma doençacom elevada prevalência no País, factofundamentalmente justificado pela po-breza existente e pela falta de organi-zação na sua luta, quer no âmbito dodiagnóstico precoce e do abandono dotratamento, quer no rastreio de casossecundários nos familiares dos doen-tes. Tudo isso explica que nesse ano ototal de novos casos fosse de mais de19.000, o que correspondia à elevadataxa de 215 casos por 100.000 habi-tantes, em marcado confronto com ataxa de 22 novos casos em 2007, ape-sar de ser ainda o valor mais elevado

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registado nos países da Europa Oci-dental. Havia então 43 hospitais da es-pecialidade, vulgarmente designadospor sanatórios, que dispunham de 7636camas, e 96 dispensários anti-tuber-culosos, em centros urbanos dispersospelo País, sob a égide do Instituto deAssistência Nacional aos Tuberculosos(IANT), que nas décadas de 60 e 70 doséculo passado teve um papel prepon-derante e de grande valia na reduçãoda incidência da doença.O ano de 1958 fica ainda, marcadopela pandemia da gripe asiática, queatingiu Portugal nos finais de 1957,estendendo-se até à Primavera de1958, e por uma epidemia de poliomi-elite que afectou fundamentalmente oGrande Porto, dadas as deficientes con-dições sanitárias aí existentes. Mas sur-tos de febre tifóide e de gastro-ente-rites, de hepatite infecciosa, como eraentão designada a hepatite A, de me-ningite, de brucelose, de sarampo e deoutras doenças infecciosas, eram en-tão comuns. Nesse ano registou-se oúltimo caso de malária autóctone, queuma campanha anti-sezonática bemconduzida tinha levado à sua elimina-ção das principais bacias hidrográficasdo País, mas durante alguns anos fo-ram ainda mantidos em funcionamen-to os 11 postos anti-sezonáticos queexistiam nessas áreas. A título de curio-sidade, cite-se ainda, que em 1958 fo-ram vacinados contra a varíola 169 000indivíduos, nos 481 postos de vacina-

ção anti-variólica que então existiamespalhados pelo País, pois embora oúltimo caso da doença registado emPortugal tivesse ocorrido em 1954, avacinação era ainda obrigatória, só ten-do passado a ser facultativa em 1977,para pouco depois ter cessado com adeclaração de erradicação da varíolaem 1980. Refira-se, a finalizar este olharsobre a importância que as afecçõesde causa infecciosa tinham na épocacomo causa de morbilidade e de mor-talidade, a existência de 246 postos anti-diftéricos, onde nesse ano foram vaci-nados 36.935 indivíduos, pois na épo-ca a difteria grassava endemicamenteno País, tendo sido notificados em 1958,1830 casos e 151 óbitos por essa cau-sa, na sua grande maioria em crianças.Outro apontamento a sublinhar osdeficientes índices sanitários da situa-ção que então se vivia, era ainda, a pre-sença de bócio endémico e de elevadapercentagem de indivíduos com atra-so mental em zonas rurais do interior,por carência de iodo e de nicotinamidana sua alimentação.A organização dos serviços prestadoresde cuidados de saúde obedecia à Lei2011, datada de 2 de Abril de 1946, es-tando os serviços no âmbito da Direc-ção Geral da Assistência, sob a tutela deum Subsecretário de Estado da Assis-tência dependente do Ministério do In-terior. A lei em referência estabelecia quea rede hospitalar compreendia três es-calões de hospitais gerais: hospitais sub-regionais ou concelhios, hospitais regio-nais ou distritais, e hospitais centrais,estes nos grandes centros urbanos.A prestação dos cuidados de saúde erada competência do sector público, dosector social e do sector privado, ten-do como meios para a sua concretiza-ção os hospitais gerais e especiais (ma-ternidades, sanatórios, hospitais psiqui-átricos, hospitais pediátricos, de doen-ças infecciosas, incluindo o Hospital Co-lónia Rovisco Pais, onde eram interna-dos compulsivamente os doentes comlepra), o Instituto Português de Onco-logia (sediado apenas em Lisboa), eoutras instituições, e os serviços ambu-latórios, de que se relevavam as estru-turas pertencentes ao Estado, aos or-

ganismos corporativos e de previdência,às misericórdias, às associações de so-corros mútuos e a entidades privadas.A rede hospitalar compreendia um to-tal de 45 014 camas, das quais 19 488correspondiam a 131 hospitais do Es-tado ou a organismos afins, 15 742 a270 hospitais pertencentes a Misericór-dias e 9784 a instituições privadas, quedispunham de um total de 136 hospi-tais. Pode assim, ver-se o papel relevan-te que as Misericórdias então desem-penhavam na assistência hospitalar,particularmente no interior do País enas localidades de menor dimensão,onde o Estado não estava presente.A lei em questão considerava ainda, acriação de centros de convalescençae de readaptação, de hospícios, desti-nados a doentes crónicos ou incurá-veis, e de postos de consulta e socor-ros para doentes em ambulatório.Diversas estruturas, não só pertencen-tes ao Estado e aos organismos corpo-rativos e de previdência, mas tambémàs Misericórdias e entidades privadas,como a Banca e as Seguradoras, ti-nham a seu cargo os cuidados em am-bulatório, que eram prestados nas con-sultas dos hospitais, nos postos dosServiços Médico-Sociais da Federaçãodas Caixas de Previdência, estes na égi-de do Ministério das Corporações evulgarmente denominados por «Cai-xas», nos postos médicos das Casasdo Povo, existentes nas áreas rurais, edas Casas dos Pescadores, nas zonaspiscatórias, nos múltiplos dispensários,quer do IANT, quer ainda, do InstitutoMaternal e do Instituto de Higiene So-cial, estes últimos tendo a seu cargo aluta contra as então chamadas doen-ças venéreas. Permito-me ainda, des-tacar o papel desempenhado pelas as-sociações de socorros mútuos, algu-mas com mais de um século de exis-tência, que na sua maioria estavam li-gadas a actividades profissionais.Havia ainda, a medicina escolar, cujotrabalho estava longe do que deveriaser a sua cabal função, a área da saúdepública, estruturada nos delegados esub-delegados de saúde, os primeiroscom acção a nível distrital e os se-gundos de âmbito concelhio, carreira

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para a qual era requerida a aprovaçãode um curso realizado na Escola Naci-onal de Saúde Pública, e ainda, os en-tão designados por médicos municipais,cujo papel na assistência prestada nasáreas rurais era de enorme valia, já quealém de outras tarefas, tinham a seucargo os postos de consulta existentesem cada uma das povoações do con-celho em que exerciam as suas funções,desde que estas tivessem mais de cemfogos ou casais, e onde tinham de rea-lizar uma consulta semanal, além daobrigatoriedade de prestar assistênciagratuita aos pobres do concelho, tudoisto em troca de uma magra remunera-ção e de dificuldades de toda a ordemdada a falta de apoios, o que fazia comque muitas vezes o trabalho do médicomunicipal fosse o de um verdadeiro JoãoSemana, deslocando-se por caminhose veredas só possíveis de percorrer debicicleta ou a cavalo.Toda esta actividade estava compre-endida sob a designação da medicinaorganizada, por oposição à clínica li-vre, permitida em quase todas essasfunções, mas nas zonas do interior ru-ral, com baixo nível económico, pou-co sobrava para o exercício da clínicaremunerada. De resto, era aceite peloEstado e mesmo pelas populações, quea prestação gratuita e misericordiosados cuidados de saúde devia ser umaprática quotidiana do médico.O País enfrentava uma situação de ca-rência de médicos, já que o total dosprofissionais então inscritos na Ordemera de 6627, o que dava um rácio de1 médico por 1343 habitantes, emfranco contraste com os 38.399 médi-cos registados em 2007, o que corres-ponde ao rácio de 1 médico por 276habitantes. A feminização da classe nãotinha ainda ocorrido, pois apenas cer-ca de 10% do total eram médicas, aoinvés do que hoje se regista, em queas mulheres são já 47,2% do total dosmédicos, sendo mesmo maioritárias nasgerações mais jovens.As dificuldades do exercício da profis-são nos meios rurais, fazia com que jánessa época fosse desigual a sua distribui-ção, com a maioria dos médicos exercen-do a sua actividade nos centros urbanos.

O desenvolvimento científico-tecnoló-gico da Medicina da época explica queexistissem então apenas 20 especiali-dades, em marcado contraste com as47 especialidades hoje reconhecidas,a que se juntam ainda, as sub-especia-lidades e as competências.Os médicos recém-formados sentiamgrande desilusão quando encaravamo seu futuro profissional, já que eramlimitadas as possibilidades de uma car-reira que estimulasse o exercício dasua actividade. A formação pós-gradu-ada era escassa e mal remunerada. EmLisboa o internato dos Hospitais Civistinha perdido algo do seu tradicionalprestigio e no Porto só em 1955 tinhasido criado o Internato Geral no Hos-pital Geral de Santo António, institui-ção pertencente à Misericórdia da ci-dade. O quadro da carreira hospitalarera escasso e mal remunerado, limita-do ao director do serviço e aos 1ª e 2ºassistentes hospitalares, todo o restosendo completado pelos estagiários, atítulo gracioso, em troca do seu treinopara a especialidade. Dada a marcadacarência de médicos, criou-se então, masapenas nos Hospitais Civis, a figura dointerno graduado, mas também semsegurança de carreira, nem reforma.A abertura do então chamado HospitalEscolar de Santa Maria em 1954, levouà contratação de médicos hospitalares,pois o número de docentes das áreasclínicas era insuficiente para as necessi-dades. Surgiu assim, a figura do médicotarefeiro, igualmente sem garantias decarreira, e que devia cumprir um totalde 42 horas semanais, 24 das quais emescala no serviço de urgência, a trocode uma remuneração mensal baixa, em-bora bem superior à de um interno ge-ral ou a um interno complementar, quepor horário idêntico, recebiam bemmenos, carreira que de resto, apenasexistia nos Hospitais Civis de Lisboa eno Porto, no Hospital Geral de SantoAntónio. Aliás, os vencimentos dos di-rectores de serviço e dos assistentes hos-pitalares nos hospitais estatais e nos dasMisericórdias, era de valor similar, peloque o pagamento dos médicos tarefeirosno Hospital de Santa Maria foi como queuma pedrada no charco.

Quanto à clínica privada praticada nosgrandes centros urbanos, estava nasmãos de prestigiados professores oude grandes clínicos, não sendo fácilpara um recém-licenciado iniciar a suacarreira profissional, pelo que lhe res-tava abrir consultório na periferia dascidades ou procurar um lugar de mé-dico numa das múltiplas associaçõesde socorros mútuos, também com es-cassos salários, já que as vagas dosserviços médico-sociais eram poucase os destinatários muitas vezes esta-vam já escolhidos por critérios que nãode qualidade profissional.Os médicos que se decidiam pela vidanos meios rurais, enfrentavam igual-mente más condições de trabalho, fal-ta de recursos e baixas remunerações,o que os levava a procurarem ocupartodas as estruturas de assistência exis-tentes no seu concelho e por isso sal-tando no seu dia a dia de lugar paralugar, sem esperança de progressão ouformação profissional.As acções de actualização ou forma-ção pós-graduada eram de resto, es-cassas, fundamentalmente limitadas aalguns cursos organizados por hospi-tais dos grandes centros urbanos e pelaOrdem dos Médicos, sob o título decursos de actualização e de aperfeiço-amento, e a duração de uma semana.Há no entanto, um aspecto que julgomerecedor de ser frisado: a formaçãomédica era na época fundamentadanuma preparação clínica cuidada, emque a relação com o doente, e a suaobservação e história, eram elementosessenciais para a formulação do diag-nóstico, sendo os meios auxiliares dodiagnóstico apenas meros exames sub-sidiários, por isso assim chamados, fossequal fosse a sua importância, em muitasocasiões até essencial para o diagnósti-co e tratamento da situação. Hoje, comos avanços da biotecnologia e o apoioda informática, a relação humana e avisão holística do doente perderam muitodo seu valor, por vezes o médico olhan-do mais para o monitor, onde está a in-formação clínica, do que para o doenteque a ele recorre e lhe pede ajuda.A falta de perspectivas no País faziacom que muitos se decidissem pela

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carreira no Ultramar, para o que eranecessária a frequência e a aprovaçãode um curso anual no então designa-do Instituto de Medicina Tropical, cur-so muito prestigiado na época, de gran-de exigência e caracterizado por ummarcado cariz prático, com objectivode preparar os médicos para as difi-culdades que seguramente iriam en-contrar nas então colónias.O descontentamento motivado pelafalta de condições para o exercício daactividade profissional começava agrassar nas camadas mais novas, quenão vislumbravam perspectivas de pro-gressão na sua carreira. A situação quese vivia no País no campo da saúde erapreocupante e desanimadora, a maio-ria dos hospitais tinha escassez de pes-soal de saúde, ainda para mais mal re-munerado, o seu apetrechamento eradeficiente e a articulação com a redeem que estas instituições se inseriamera quase inexistente, o mesmo suce-dendo com as estruturas de cuidadosambulatórios, também sem capacidadede resposta e com idênticas carências.Essa crescente insatisfação levou a queem 1958 a Comissão Pró-Associaçãodos Estudantes da Faculdade de Medi-cina de Lisboa organizasse um ciclo deconferências no Hospital de Santa Ma-ria, sob o título de «Problemas da Me-dicina em Portugal», que decorreuentre Março e Abril desse ano, e emque personalidades médicas de relevodebateram com jovens médicos a situ-ação que então se vivia, naturalmentecom os constrangimentos que a con-juntura política portuguesa impunha.A importância de todo esse debatemotivou que em Junho seguinte o Con-selho Geral da Ordem dos Médicosapresentasse as conclusões ao Presi-dente Salazar, numa audiência históri-ca pelo seu ineditismo.A finalizar esta fase do processo reali-zou-se em Lisboa, em 29 de Julho, noSalão Nobre do Hospital dos Capu-chos, uma Assembleia Regional Extra-ordinária da Secção Regional do Sulda Ordem dos Médicos. Foi notávelessa reunião, que teve a participaçãode mais de sete centenas de médicos.Após inúmeras intervenções, foi eleita

uma comissão de 21 médicos encar-regada de elaborar um Relatório so-bre as Carreiras Médicas.Surgiu assim, o chamado Movimento dosNovos, gerador de inúmeras reuniõese de debates em todo o País, e de arti-gos vários, quer no Boletim da Ordem,onde de resto foi criada a «Página dosNovos», quer noutras publicações, re-velando as debilidades e insuficiênciasdas estruturas da saúde existentes epropondo soluções diferentes das ofi-ciais. O regime político vigente come-çou então a considerar essas activida-des como potencialmente subversivas,tanto mais que coincidiam com um tem-po de grande agitação política do País,em que a campanha eleitoral do Gene-ral Humberto Delgado foi o momentomais marcante. Muitos dos intervenien-tes no Movimento vieram por isso a teralguns dissabores no desempenho dassuas carreiras profissionais.Naturalmente que não pode deixar deconsiderar-se que tudo isto contribuiupara que, em 13 de Agosto desse mes-mo ano, fosse criado o Ministério daSaúde e Assistência, deixando os assun-tos da Saúde de estarem dependentesdo Ministério do Interior, através da suaSub-Secretaria de Estado da Assistência.Iniciava-se assim, um novo ciclo na his-tória da organização da Saúde em Por-tugal, sendo primeiro titular do novoministério o Dr. Martins de Carvalho.Um ano depois, em 20 de Julho de1959, uma nova Assembleia Geral daSecção Regional do Sul, foi realizada naAula Magna da Faculdade de Medicinade Lisboa, sob a presidência da figurainsigne do Professor João Cid dos San-tos, com a participação de cerca de ummilhar de médicos e que após calorosodebate, aprovou, com ligeiras alterações,o relatório elaborado pela comissãoeleita no ano anterior, Recordo comsaudade essa Assembleia, que terminoualta madrugada, já que tinham sido con-vidados alguns jovens médicos das Sec-ções Regionais do Norte e do Centroda Ordem, com objectivo de se dinami-zar um movimento de âmbito nacional.A comissão encarregada de elaborarum relatório sobre a situação médicaapenas três anos mais tarde, em Junho

de 1961, o apresentou, sob a denomi-nação de Relatório das Carreiras Mé-dicas, já que, por razões óbvias, nãoera possível designá-lo como uma pro-posta de uma nova política da saúde.Foi um documento ímpar na época,que o Governo de então não quis ounão soube aproveitar. A despeito dasdécadas passadas, é ainda hoje um tes-temunho notável que merece ser lido,pese embora as grandes mudanças so-ciais que se registaram no lapso que nossepara desse tempo, podendo mesmoconsiderar-se ter sido o embrião do fu-turo Serviço Nacional de Saúde,instituido vinte anos mais tarde. Por issomesmo felicito o nosso Bastonário e oConselho Nacional Executivo da Or-dem pela sua recente iniciativa de reedi-tar o Relatório e distribui-lo à classe.A terminar, desejaria prestar homena-gem a todos aqueles que, de um ououtro modo, participaram nessa luta,e à memória dos Professores JorgeHorta, Bastonário na época, e MillerGuerra, relator do documento, quecom grande coragem e lucidez, desdeo início apoiaram esse movimento.

Fontes Bibliográficas

História da saúde e dos serviços de saúdeem Portugal – F. A. Gonçalves Ferreira.Edição Fundação Gulbenkian. Lisboa, 1990Estatísticas de Saúde 1958 – Instituto Na-cional de Estatística, LisboaBoletim dos Serviços de Saúde Pública –Volume VI – Nº 3 – Direcção-Geral da Saú-de. Lisboa, 1958Elementos Estatísticos – Saúde, 2006.Dircção-Geral da Saúde. Lisboa, 2008Relatório sobre as Carreiras Médicas –Reedição – Ordem dos Médicos/CELOM,Lisboa, 2007As carreiras médicas em Portugal: Evoca-ção e defesa – MM Sá Marques, António CGalhordas, Orlando Leitão, Jorge Manaçase A. Luz e Silva. Sindicato dos Médicos daZona Sul/FNAM. Lisboa, 2007

* Texto referente à alocução proferida naSessão Comemorativa do Cinquentenáriodas novas instalações do Instituto de Hi-giene e Medicina Tropical, em 12 de De-zembro de 2008** Instituto de Ciências da Saúde, CentroRegional do Porto, Universidade CatólicaPortuguesa