SacerdoteS 23

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Ajuda inesperada

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Capítulo 23 – Ajuda inesperada

Afastado do continente, o reino de Emeldis prosseguia em seus dias produtivos e pacíficos. A paz cintilava no reino protegido e seus habi-tantes estavam ignorantes quanto ao grande mau que se aproximava. Alguns dos elendurs, apenas os mais sábios, sabiam que o mau alas-trava-se rapidamente por toda Gardwen, contaminando cada canto do continente, mas ainda assim acham que estão protegidos pelos an-tigos feitiços de proteção invocados pelos protetores ancestrais. Não sabiam eles que o mau já havia chegado à Emeldis também. Na Grande Cidade de Esmeralya, numa das construções aéreas sus-pensa por uma gigantesca coluna de pedra dezenas de metros acima do lago, o julgamento de Stemon finalmente chegava ao fim. Ele estava em pé, no meio do salão, onde esteve nas últimas horas. Imóvel e ain-da sem máscara, falava somente o que lhe era perguntado, mas todas as suas tentativas de se justificar por ter trazido uma forasteira para dentro do reino não deram resultado algum. Lacarno levantou-se da bancada e anuncio o veredicto: — Por esses motivos, Stemon, e alguns outros, você foi condenado pe-los cinco reis e, portanto, será exilado de Emeldis. Stemon estava sendo julgado no grande salão de festas, pois o grande número de elendurs que queriam assistir ao julgamento de um dos príncipes não caberia no velho tribunal. Mas, mesmo rodeado por tan-tos semelhantes, Stemon já não se sentia mais em casa. Emeldis já não era o seu lar há algum tempo e agora ele tinha certeza disso. Nenhum dos que assistia ao julgamento disse algo quando o veredicto foi anun-ciado, pois ninguém se importava. Stemon sempre foi considerado di-ferente; nunca teve amigos verdadeiros, mas sua ingenuidade sempre o levou a crer que qualquer um no reino era seu amigo. Ele cresceu

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achando que seria idolatrado e honrado por ser um dos príncipes, sempre achou que as palavras que diziam em sua frente eram verda-deiras, mas nunca soube o que falavam por trás dele. De fato nunca foi querido, nunca foi amado por ninguém a não ser Lacarno, o seu pai. Na verdade ele era a última pessoa de quem Stemon esperava al-gum reconhecimento, pois sempre demonstrou desprezo pelo filho. Não sabia Stemon dos verdadeiros sentimentos do pai para com ele, do imenso orgulho que sentia por Stemon ser diferente. Embora o filho não enxergasse essa diferença entre ele e todos os demais, seu pai en-xergava. Soube que Stemon era especial no momento em que nasceu. Após ouvir as palavras do pai, Stemon o encarou profundamente, co-mo se tentasse enxergar por detrás da máscara de Lacarno, mas ele permaneceu indiferente. Com os olhos brilhando, Stemon deu às costas para os cinco reis e caminhou até a saída do grande salão de festas. No fundo ele não estava tão triste, pois sabia que não sentiria falta de ninguém ali dentro, assim como sabia que ninguém sentiria a sua falta. A única coisa que lhe apertava o coração era o fato de ele nunca mais voltar a ver a bela visão do seu reino, as construções suspensas, o lago, os jardins… Era apenas disso que ele sentiria falta. Stemon foi acompanhado de perto por dois guardas, pois ele não tinha o direito de ir a lugar algum. Teria de seguir dali direto para a saída da cidade e, de lá, sair da ilha de Emeldis para sempre. Não era mais considerado um elendur, apenas um proscrito, um viajante, alguém sem pátria e sem lugar para viver. Apenas um habitante de Gardwen, algo que ninguém podia tirar dele. Para onde ele iria agora? Stemon não sabia. A idéia de viver junto aos humanos em alguma cidade pacata o alegrava, mas ele sabia que não seria aceito em nenhuma cidade. Elendurs e humanos sempre foram inimigos. Nunca entraram propriamente em guerra, mas uma raça

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odiava a outra. Stemon gostava dos humanos, e esse era um dos mo-tivos de ele ser considerado diferente, mas não podia esperar que os humanos também gostassem dele. Também não poderia ir atrás de Mi-fitrin, primeiro porque não sabia onde procurá-la, e segundo porque ela era uma protetora e jamais poderia viver junto com ela, nem pode-ria esperar alguma forma de amizade de alguém que, diferente dele, tinha muitas responsabilidades. Teria de viver sozinho. Enquanto Stemon seguia por uma das pontes de corda para fora do reino, um vento muito forte o livrou de seus pensamentos. A cidade estava no meio de uma enorme cratera no meio da montanha, cercada por altos paredões de pedra por todos os lados; aquele vento não podia ser normal e Stemon sabia que não era. Alguma coisa estava aconte-cendo. As pontes de corda balançavam de forma assustadora e Stemon teve que se segurar para não cair. Os dois guardas que o acompanha-vam também se seguraram. Logo tudo começou a tremer. Fortes estrondos foram ouvidos e o céu não estava com a sua cor habitual. Os elendurs que estavam no gran-de salão de festas saíram assustados para ver o que estava acontecen-do, mas nenhum deles foi capaz de encontrar uma resposta. Na frente deles vinha Lacarno e, mesmo com a máscara lhe cobrindo o rosto, Stemon soube o quanto ele estava assustado. Lá embaixo, no lago, grandes ondas se formavam e algumas constru-ções que flutuavam sobre a água chegaram a afundar. Tudo estava saindo do controle. O céu ficou escuro, como uma tempestade que che-ga repentinamente, mas Stemon sabia que a resposta não era tão sim-ples assim. A cidade estava um verdadeiro caos e para todo lado que se olhasse era possível ver vários elendurs correndo e gritando assus-tados.

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Mas então uma nuvem de pássaros passou voando por sobre a cidade e os mais espertos entenderam o que estava acontecendo. A proteção que os protetores ancestrais concederam ao reino impedia que qualquer ser vivo entrasse no reino, a não ser que fosse um elendur ou estivesse entrando sob a custódia de um deles. Mas os pássaros conseguiram en-trar livremente e isso confirmou os piores receios de alguns, principal-mente Lacarno. — Mifitrin lhe avisou que isso aconteceria, pai – gritou Stemon da ponte. – Espero que agora acredite no que ela disse. Stemon voltou a dar às costas ao seu pai e continuou seguindo (agora sozinho) para fora da cidade, deixando todos os outros assustados. O vento e os tremores pararam em poucos segundos, e o céu voltou ao seu habitual tom anil, mas isso não foi o suficiente para acalmar os elendurs. A magia que protegia o reino de Emeldis falhou por alguns segundos, mas logo foi restabelecida. Qualquer um poderia ter invadi-do o reino, assim como os pássaros fizeram. O fato de a proteção ter voltado ao normal não significava um motivo para comemorar, pois ela podia voltar a falhar a qualquer momento, e talvez não voltasse mais. Os dias de paz de Emeldis finalmente acabaram. Estava na ho-ra de os elendurs começarem a andar com suas famosas foices de guer-ra. Isso tudo já era reflexo do poder de Mon, o poder maligno que conti-nua contaminando toda Gardwen. Stemon saiu do reino e não olhou mais para trás. Assim como para Lavin, a valente mulher que ajudou Kanoles e Kar-nar em Roldur, o destino também havia preparado algo muito especial para Stemon. Por algum tempo ele se manterá distante de tudo e de

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todos, mas quando a hora finalmente chegar, ele irá ressurgir, assim como Lavin, mas ambos não serão mais os mesmos. Lavin morreu ao fugir de Roldur, e Stemon morreu ao ser expulso de Emeldis. Eles mudarão muito, pois foram escolhidos entre tantos para participar de algo muito importante. O destino deles estará entrelaça-do indiretamente e diretamente com o destino de Elkens e os outros. Todos eles se encontrarão em breve…

5° Cavaleiro da Magia – Magai Arma Branca – Corrente das 107 pontas

Vinte e dois anos atrás, o lago Lushizar continuava tão belo quanto deveria ser sempre, embora isso já não fosse verdade nos dias atuais. Mas neste dia, tantos anos atrás, estava um dia perfeito. Tunmá bri-lhava exatamente no centro do céu, lançando seu calor sobre o lago. Dois homens corriam sobre a superfície da água, apenas por diverti-mento, dois homens que usavam a magia de forma perfeita, podendo assim correr sobre o lago sem afundarem em suas profundezas. Deslizando sobre as águas de Lushizar estavam dois protetores da Magia, dois protetores tão idênticos que um parecia ser o reflexo do outro. Cabelos negros caiam a altura dos ombros, rostos quadrados e narizes curvos. Os olhos azuis carregavam a ingenuidade de uma cri-ança, embora já fossem homens feitos. Eram protetores, mas o mais incomum: eram irmãos. Magai e Aren, irmãos gêmeos e ambos proteto-res. Um vínculo de sangue como este é extremamente raro entre os protetores e, mesmo quando isso ocorre, dificilmente os protetores sa-bem que há alguma relação de sangue entre eles. Mas Aren e Magai

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foram recrutados ao mesmo tempo; como sempre acontece, suas me-mórias foram completamente apagadas, de modo que um se tornou to-da a família do outro. Um vínculo raro como este fez com que os dois se gostassem muito e a amizade dos dois sempre foi admirada dentro dos Domínios da Magia. Os gêmeos eram divertidos e alegres, e conta-giavam a todos com um modo de vida positivo, sempre vendo o lado bom das coisas. Algumas décadas atrás a Magia os escolheu como seus protetores, logo que completaram dez anos de idade, e um General foi designado para ir buscá-los e treiná-los. O tutor de Aren e Magai foi Zander, que ainda levaria muitos anos para se tornar o Guardião. Zander sempre os tratou de modo igual, mas os dois sempre souberam que Magai era o preferido de Zander, mas Aren nunca se ressentiu por isso. Como poderia ter ciúmes do irmão que era tão importante para ele? Sob a tu-tela de Zander, os gêmeos passaram de Aprendizes para Guerreiros, e mais tarde se tornaram Generais, exatamente na mesma época. A evo-lução de um acompanhava o outro, de modo que um nunca era melhor; sempre foram iguais, sempre foram igualmente fortes e habilidosos. Mas quando Zander tornou-se Guardião, foi Magai quem ele chamou primeiro para fazer o teste de Cavaleiro, e não Aren. Esta foi a pri-meira vez que Aren se sentiu menor, a primeira vez que sentiu ódio de Zander, mas jamais fez nada quanto a isso, afinal de contas, todos sabiam que Magai era o preferido do Guardião. Magai passou no tes-te e tornou-se Cavaleiro, mas Aren continuou sendo apenas o General. A partir de então sempre ficou à sombra do irmão. Mas isso jamais atrapalhou a relação dos dois. Aren amava o irmão e isso jamais mudaria. E hoje se divertiam como nunca correndo sobre a superfície do lago Lushizar. Enquanto corriam em direção a uma das margens, um atacava o outro para atrapalhá-lo, podendo assim chegar

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à frente. Era só mais uma competição, nada mais. E riam enquanto a competição prosseguia. De repente, sem dar qualquer aviso de que a competição chegou ao fim, Magai parou de correr e olhou para a ilha no centro do lago, onde ficava o portal para os Domínios da Magia. Aren seguiu o seu exem-plo e também parou de correr, dizendo: — Ninguém está nos vigiando. Pode me contar irmão. Magai sorriu. Tinha apenas uma hora que havia saído da última reu-nião entre os Cavaleiros da Magia e Zander e, como de costume, ti-nham de se afastar para que pudesse contar ao irmão tudo o que foi discutido. Esta era a única exigência que Aren lhe fez quando se tor-nou um Cavaleiro: queria ficar a par de todos os assuntos, mesmo os mais secretos e proibidos. Magai teve de dar sua palavra de que que-braria qualquer segredo que fosse confiado a ele, e sempre foi assim. Nunca decepcionou o irmão. Olhando uma última vez para a ilha pa-ra ter certeza de que nenhum protetor havia saído atrás deles, Magai começou seu relatório: — Encontraram mais uma das fortalezas ocultas de Mon! Aren ficou surpreso. — Sabem o que há nela? — Lembra-se do que Zander nos contou uma vez? Sobre a Tríade de Mon? Aren concordou com a cabeça e disse: — Todas as vezes que Mon surgiu, ele era sempre acompanhado por três de seus generais mais fortes. Ele sempre usou sua tríade para es-palhar o terror por Gardwen. O que tem isso? Magai encarou os olhos azuis do irmão e respondeu: — Acreditamos que Mon tenha preservado pelo menos o corpo do principal general de sua última tríade.

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— Vocês acham que o corpo de Roland está nesta fortaleza? — Sim. O colecionador de colares foi de grande ajuda para Zander da última vez que ele nos atacou. É de se esperar que ele tenha preserva-do o corpo de Roland selado. Roland, o colecionador de colares, é tido como o principal e mais terrí-vel general que já auxiliou Mon. Seus poderes tornaram-se lendas e, inclusive hoje, Roland ainda é citado com um tom de medo entre os protetores. A idéia de que ele pudesse ressurgir para auxiliar seu mes-tre era de arrepiar. — Vamos destruir a fortaleza? – Aren resolveu perguntar. — Não, isso poderia despertar Roland. Se isso acontecer teremos mui-tos problemas. Precisamos de um especialista em selos. Precisamos que alguém entre na fortaleza, retire o selo de Mon e coloque um novo se-lo, de modo que Mon não possa convocá-lo mais uma vez. Aren sentiu sua barriga doer enquanto ouvia a explicação do irmão. Na arte de criar selos, Zander era o mais habilidoso dentro dos Domí-nios da Magia. Sendo seus pupilos, Aren e Magai também foram mui-to bem treinados nesta arte que é tão pouco difundida. Mas era óbvio que o Guardião não iria em pessoa até uma fortaleza de Mon, então só sobrava os dois para executarem o serviço. Aren compreendeu: — Então você vai? Ele temia pelo irmão. As fortalezas de Mon eram muito perigosas, completamente carregadas de armadilhas e magia das trevas. Na his-tória dos protetores são poucos os que conseguiram invadir essas for-talezas e saírem com vida e praticamente todas as missões que envol-viam as fortalezas falharam. As pernas de Aren tremiam só de pensar na hipótese de perder seu irmão…

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— Na verdade não – respondeu Magai após uma nova pausa para verificar se ninguém os vigiava. ‒ Zander não me autorizou. Ele esco-lheu você! Aren levou um choque tão grande com a notícia que chegou a se des-concentrar do feitiço que o mantinha em pé sobre a superfície da água. Ele afundou repentinamente, mas Magai o segurou pelas mãos e o trouxe de volta à superfície, ganhando tempo para reiniciar o feitiço. — Não tenha medo, meu irmão – disse Magai tranqüilizando-o, uti-lizando aquele tão conhecido tom de voz acolhedor. – Eu vou, mesmo contrariando Zander. Não é justo ele ter me escolhido como Cavaleiro, pois nós dois sabemos que, se você fizesse o teste antes de mim, nossos papéis estariam invertidos agora. Não vou mais abaixar a cabeça e deixar que Zander tome todas as decisões. Se ele escolheu você para ir, então eu digo que eu mesmo vou. — Não pode desobedecer as ordens dele – Aren argumentou. – Se ele me escolheu para isso, eu mesmo irei Magai. Se você desobedecê-lo, os outros Cavaleiros irão atrás de você e irão puni-lo… — Não se eles acharem que eu ainda estou aqui! — Que quer dizer? – perguntou Aren lembrando-se das velhas trapa-ças que costumavam fazer. — Eu vou me passar por você – respondeu Magai com um sorriso. ‒ E você ficará aqui, como se fosse eu. Ninguém irá perceber a diferen-ça, nunca perceberam antes…

Elkens ficou surpreso em conseguir atravessar o portal de Kam enga-nando Magai com um feitiço tão simples como o reflexos da alma. O portal o levou para um novo lugar completamente diferente. Achou que se algum dia acordasse ali de repente, jamais iria imaginar que es-

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tava nos Domínios da Magia. Sequer imaginaria que estava num lu-gar protegido ou habitado por protetores. Para conseguir atravessar o portal, ele teve de se jogar sobre Magai e os dois caíram do outro lado do portal. Mas na verdade não foi isso o que aconteceu. Elkens caiu de barriga no chão, mas Magai havia de-saparecido. Levantou-se assustado, olhando para todos os lados, mas definitivamente ele não estava ali. Foi então que Elkens passou a re-parar no lugar onde estava. Estava sobre um caminho de pedra, não muito largo, mas não pôde ver nada além disso. Uma névoa muito densa o impedia de enxergar qualquer coisa que estivesse a mais de um metro dele. Mas ele não pre-cisava se preocupar com o que havia a sua volta, pois sabia que preci-sava apenas seguir pelo caminho de pedra para poder chegar ao portal que o levaria ao sexto Cavaleiro da Magia. Sabendo que Magai podia estar por perto, Elkens começou a correr. Correu o mais rápido que pôde pelo sinuoso caminho de pedra, que fa-zia curvas e mais curvas, deixando-o tonto. Poucos segundos depois algo surgiu diante dele, e ele se alegrou. Estava de frente para o gran-de arco de pedra sobre o altar e, inacreditavelmente, o portal já estava aberto. Elkens maravilhou-se com o que via. O portal estava aberto, o que significava que ele não precisaria derrotar Magai para seguir adi-ante. Sem pensar duas vezes correu como um lobo em perseguição à vi-tima, mas tudo estava seguindo bem demais para ser verdade… Há um passo de atravessar o portal, algo se enrolou na perna de El-kens, segurando-o. Era algo frio como pedra; como uma serpente de pedra. Era um corrente. Uma corrente branca e Elkens soube a quem ela per-tencia assim que a sentiu enrolar-se em sua perna. Aquela era a arma branca de Magai. Era obvio que o Cavaleiro estava ali, onde mais es-

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taria? Magai devia ter se ocultado na névoa apenas para se divertir à custa de Elkens, para observá-lo seguir até o portal e ver sua alegria ao constatar que o portal estava aberto, mas o mais divertido era ver sua expressão, um misto de desapontamento e medo ao sentir a corren-te enrolar-se em sua perna. A corrente puxou Elkens com uma força incrível, jogando-o no ar. Quando a corrente o soltou, Elkens caiu sobre o sinuoso caminho de pedra, muito longe de onde estava um segundo antes. — Pensou que passaria por mim assim tão fácil? Elkens levantou-se assustado do chão e o viu. Lá estava Magai, entre ele e o portal. Os dentes pontiagudos e os cabelos compridos, tão ne-gros quanto uma noite sem estrelas. Um sorriso malicioso crispava seu rosto e a corrente branca que atacou Elkens dançava graciosamente a volta de Magai, lembrando incrivelmente uma serpente de pedra. — Não quero ter que lutar contra você, Magai! – disse Elkens de forma calma. O sorriso malicioso aumentou. — Mas que pena – disse o homem fingindo realmente se lamentar. – Achei que você estivesse a fim de brigar quando invadiu o meu templo. Desculpe se lhe interpretei errado, mas agora você não tem outra esco-lha. Já estou excitado por esta batalha… Ao dizer isso, a ponta da corrente levantou-se do chão e ficou apon-tada para Elkens, como uma serpente pronta para dar o bote. Magai fez um simples gesto com as mãos e a corrente atacou. Ia em direção ao coração do Sacerdote; ele se esquivou do ataque, porém não rápido o bastante. A corrente lhe atingiu de raspão o braço, rasgando-lhe as vestes e a carne. O sangue quente escorreu pelo seu braço e manchou o chão de um lugar onde jamais deveria cair uma única gota de sangue; Não era um lugar para batalhas, da mesma forma como os dois não

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eram inimigos. Elkens não precisava ouvir o que, na Catedral Alva, Kam estava prestes a dizer para Meithel, que os Cavaleiros estavam sendo controlados por Kaiser. Não precisava ouvir isso para saber que os Cavaleiros que estava enfrentando não eram seus inimigos. No fundo ele sabia que nenhum dos Cavaleiros que enfrentou quis real-mente enfrentá-lo, sentiu isso na alma de cada um deles. A corrente branca então regrediu para perto do seu dono e recomeçou a estranha dança em torno de Magai. — Não se preocupe – disse ele sorrindo – que desta vez eu acerto o seu coração. Tenha certeza de que assim que a corrente atravessar o seu coração, você já estará morto. Talvez nem sinta dor… Elkens observou a corrente se preparar para um novo bote, mas agora ele também estava preparado. Tocando seu colar, ele sussurrou: — Kotetsu! A luz rubra envolveu seu braço direito, o braço que utilizaria para en-frentar Magai. Então aconteceu! A corrente disparou contra Elkens, mirando novamente em seu cora-ção. Mas desta vez o Sacerdote não desviou, pelo contrário: ficou pa-rado no mesmo lugar, mas o braço direito entrou na frente do corpo para protegê-lo. A corrente atingiu o seu braço, protegido pelo kotet-su, e enrolou-se nele como uma serpente furiosa. A corrente tentou sol-tar-se, para se preparar para um novo ataque, mas Elkens a segurou. A corrente imobilizava o braço e o braço imobilizava a corrente. Um não soltaria o outro. Elkens não poderia atacar Magai, mas Magai também não poderia atacá-lo. Sua arma branca foi inutilizada. — Precisa pensar em um novo jeito de me atacar – disse Elkens sor-rindo com esforço, pois estava encontrando dificuldades para conti-

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nuar segurando a corrente, que se contorcia de raiva. – Sua preciosa arma branca não poderá mais me fazer mal. Elkens passou por quatro Cavaleiros da Magia e agora entendia por-que foi possível derrotá-los. Eles não usavam seus colares. Os Cavalei-ros evitavam ao máximo usar o colar para atacá-los, e Elkens enten-dia agora, por medo de serem punidos. Um protetor não deve usar ma-gia para o mau, mas ao fazer isso o colar pode perceber suas intenções e puni-los. Se um dos Cavaleiros usasse seu colar e fosse punido, isso desencadearia uma série de acontecimentos com grandes conseqüên-cias, pois com toda certeza os demais colares também perceberiam o que estava sendo feito e talvez todos os Cavaleiros fossem punidos. Isso estragaria qualquer que fosse o plano original de Mon, por isso eles não usavam seus colares. Elkens achou que seu braço seria esmagado pela corrente a qualquer momento, e isso só não acontecia graças ao kotetsu que lhe protegia e lhe dava forças. Elkens e Magai se encararam por um tempo, enfrentando-se somente com os olhos, mas então Magai sorriu. Seu riso aumentou e transfor-mou-se numa gargalhada. — Acha mesmo que conseguiu me deixar impossibilitado de atacar? – perguntou ele com certa euforia na voz. Elkens não entendeu como, mas percebeu que a batalha estava prestes a recomeçar. De alguma maneira, ele não sabia como, Magai iria ata-cá-lo. Então ele entendeu, e sentiu seu coração gelar com o susto que levou. Magicamente a corrente, ainda presa no braço de Elkens, dividiu-se em duas. Magai não tinha apenas uma corrente para atacar agora, ti-nha duas, e a corrente livre logo atacou, prendendo-se no braço livre. Mais uma vez a corrente voltou a se dividir e a terceira delas se pren-

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deu numa das pernas de Elkens, então uma quarta e uma quinta corrente apareceram, prendendo-se na outra perna e no pescoço de El-kens. Estava completamente imobilizado e Magai se divertia muito. Elkens sentiu as correntes levantá-lo e seus pés deixaram o chão. En-quanto as cinco correntes tentavam esmagar todo o seu corpo, ele era levado para um lugar que não podia nem queria ver. Estava mais pre-ocupado em se salvar, mas percebeu que qualquer esforço para se livrar das correntes era inútil. Elas o apertavam com força, como se tentas-sem quebrar cada osso do seu corpo. Enquanto era levado pelas correntes para sabe-se lá onde, a névoa tomou conta da visão de Elkens e ele não enxergou mais nada. Tentou gritar, mas a corrente no pescoço estava muito apertada. Ainda estava consciente, mas indiscutivelmente havia perdido a batalha.

Após derrotar Kam, Meithel passou rapidamente por cima do seu cor-po inconsciente e atravessou o portal sem hesitar. Só havia uma coisa em sua mente: ajudar Elkens. Assim que atravessou o portal, viu-se em um lugar conhecido e desco-nhecido ao mesmo tempo. Ali era o templo do quinto Cavaleiro da Magia, o Covil, como era conhecido. Ali, a única coisa que se enxerga-va em meio à névoa densa era o caminho que serpeava até o portal pa-ra o próximo templo. Meithel andava cauteloso. Como seu campo de visão era limitado, po-deria ser atacado quando menos esperasse. O silêncio era absoluto, mas sabia que estava sendo observado; sentia isso. Sabia que Magai estava oculto na névoa, apenas esperando o momento certo para ata-car, o momento em que Meithel baixasse a guarda, mas isso não acon-teceria. Continuou andando em frente, sem sequer conjurar qualquer feitiço de proteção. Sabia que nem mesmo o escudo da Magia seria ca-

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paz de protegê-lo contra a arma branca de Magai, a poderosa cor-rente de 107 pontas. Em alguns minutos de tensão, caminhando cautelosamente e com os ouvidos apurados, finalmente chegou ao fim do sinuoso caminho de pedra, então se surpreendeu. Diante dele estava o altar e, sobre o altar encontrava-se o portal, e estava aberto! Elkens conseguiu, pensou Meithel contente, e foi nesse momento que, sem querer, baixou a guarda. Elkens venceu Magai e abriu o portal… Mas não era verdade e percebeu isso no momento em que um corrente saiu da névoa e se enrolou em seu braço como uma serpente. Tentou se livrar por algum tempo, mas desistiu quando um terrível pensamento passou por sua cabeça. Se Magai pôde ficar todo esse tempo escondido na névoa, esperando para atacá-lo, significava que Elkens já não es-tava mais em combate, que havia sido derrotado! — MAGAI – gritou Meithel enfurecido. – APAREÇA! Sua ordem foi obedecida instantaneamente. Um vento encheu o Covil e toda a névoa se dispersou. Pela primeira vez em toda a sua vida Meithel viu a verdadeira aparência do templo de Magai, e se assus-tou. Era o oposto do jardim de Briluem. A volta do caminho de pedra, onde antes apenas a névoa era visível, agora ele podia ver várias árvores. Árvores que já pareciam ter morri-do há uma eternidade. Estavam completamente secas e alguma espécie de praga trepadeira crescia por seus galhos. O chão sob elas parecia podre, sem vida, impregnado por algum veneno que impedia que a vida proliferasse por ali. E então ele viu Magai e o seu sorriso perverso. Segurava a ponta da corrente, mas ela já havia se multiplicado, assim como ele sabia que aconteceria. Uma das pontas vinha diretamente para o seu braço, mas cinco outras pontas iam para outro lugar e foi para lá que a atenção

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de Meithel se voltou. As correntes estavam presas em uma das árvo-res mortas, e Elkens estava preso entre elas, como um inseto preso na teia de uma aranha. Os olhos do Sacerdote da Alma estavam abertos e esse foi o único sinal de que ele ainda estava vivo, apesar de os olhos estarem desfocados, olhando para o vazio. Já não havia brilho neles. Magai prestigiou a fúria crescer no rosto de Meithel enquanto ele analisava o estado em que seu amigo se encontrava. — Você quer lutar, Meithel? – perguntou Magai com sua detestável ironia. Seus cabelos negros caíam pelas costas e, combinado com o sor-riso, os olhos maliciosos e os dentes pontiagudos, Magai era uma visão perturbadora. – Quer acabar como o seu querido amigo? Meithel permaneceu imóvel, apenas desviou os olhos de Elkens e os direcionou para o Cavaleiro, então disse: — Sei que você não quer fazer isso, Magai. Agora sei que está sendo controlado por Kaiser. Normalmente eu iria lhe pediu para lutar con-tra isso, para tentar se livrar desse feitiço que Kaiser lançou em você e nos outros. Mas não vou perder o meu tempo, pois sei que isso é inútil; sei que você não conseguirá se livrar desse feitiço de controle. Sei disso porque meu amigo Kam também não conseguiu, e por isso tive de der-rotá-lo. Agora vou responder a sua pergunta, Magai: sim, eu quero lu-tar. Vou derrotar você assim como derrotei Kam. Fiz uma promes-sa… Magai exibiu um sorriso sinistro, mas, agora que sabia a verdade, Meithel conseguiu perceber uma sombra de dor e sofrimento por detrás daquele sorriso. Sabia que o verdadeiro Magai ainda estava ali, tor-cendo para que realmente Meithel fosse capaz de derrotá-lo.

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Kalimuns, Cronos e Sáturan continuavam no Palácio do Guardião, mas agora não estão mais sozinhos. Vários Magos, Mestres e Gene-rais dos dois Elementos estavam ali também, todos relatando coisas que haviam descoberto. Todos estavam sentados em torno do broto de Antúnia, olhando para os três Mensageiros que se encontravam em pé entre eles, cada um portador de uma nova notícia. O primeiro deles era um Mensageiro do Tempo, cujo nome era Keubs. Após receber a ordem de dizer o que tinha para ser dito, ele começou: — As defesas mágicas do reino de Emeldis… – fez uma breve pausa. – As defesas estão falhando. Fiquei de olho nas defesas, como o se-nhor Cronos me pediu, e presenciei o momento em que elas falharam. Foi por alguns breves segundos, mas foi o suficiente para abalar todo o reino. Um pesado silêncio seguiu-se à primeira notícia. Keubs havia vigiado o reino de Emeldis nos últimos dias, a pedido de Cronos. Ele teve pro-blemas em vigiar o reino, pois teve que vigiá-lo de longe, e ainda assim precisava usar feitiços de ilusão para não ser visto pelos vigias do rei-no protegido. Toda cautela era necessária no que dizia respeito aos elendurs, pois eles também não gostam dos protetores, assim como não gostam dos humanos. Se os elendurs descobrissem que estavam sendo vigiados por um protetor, mesmo com a melhor das intenções, surgiri-am problemas desagradáveis e desnecessários, coisa que não podia acontecer em momento tão crítico. A segunda notícia foi dada por uma Mensageira, também do Tempo: — Não há nenhum vestígio de magia no lago Lushizar – relatou Ivana. – Vários demônios tomaram conta do lago e a água transfor-mou-se em veneno. Não encontrei nenhum cumpassin em todo o lago; acredito que estejam todos mortos.

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A segunda notícia deixou todos tão preocupados quanto a primeira. O lago Lushizar sempre foi repleto de magia, pois lá era localizado o portal principal para os Domínios da Magia. Mas o portal deixou de existir, por isso a magia também abandonou o lago. O portal principal agora fica nas Montanhas Gêmeas, e o lago Lushizar jamais voltará a ser o mesmo. — A magia que protegia o lago Lushizar morreu para sempre – disse Sáturan se levantando. – E o mesmo acontecerá com a magia que pro-tege o reino de Emeldis em pouco tempo. Estamos sofrendo as in-fluências do crescente poder de Mon. Mais uma pausa foi feita, sem nenhum comentário, então Ivana pros-seguiu: — Está ficando cada vez mais arriscado usar os portais. Os vigias de Mon estão em todos eles, preparados para atacar qualquer um que se aproxime. Não aconselho que os senhores enviem Mensageiros inexpe-rientes para vigiar nenhum local, e também aconselho que evitem sair dos Domínios. Qualquer um corre o risco de ser atacado ao usar os portais. Sáturan concordou: — Você tem toda a razão, Mensageira Ivana. Os vigias de Mon re-almente são muito perigosos, por isso peço que tomem o maior cuidado possível. A partir de agora não quero que ninguém utilize portal al-gum desacompanhado e também quero que cada um de vocês Mensa-geiros seja acompanhado por um Guerreiro enquanto continuam a vi-giar toda Gardwen. “Há nove Mensageiros que não fazem contato algum há algumas ho-ras e me preocupo com eles. Pretendo organizar equipes de busca e quero que cada um de vocês lidere uma das equipes. Enviei esses Men-

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sageiros para os reinos de Covarmen, Roldur e Mondel, então quero que partam o quanto antes”. — Sim senhor! – concordaram os três Mensageiros decididos. Mas ainda havia a notícia do terceiro Mensageiro, a notícia que talvez fosse a mais importante. A uma ordem de Sáturan, Enko, Mensageira da Alma, iniciou o seu relato: — Estive observando a floresta Almaren de longe. Há muita magia se manifestando lá, mas não consegui identificar qual era o tipo de ma-gia. — Pode ser alguma forma de magia de Mon? – perguntou Cronos as-sustado olhando para Sáturan, a pessoa mais sábia da Convocação Elementar. — Não – respondeu o Guardião da Alma confiante. – A magia que está se manifestando lá é dos espíritos de Almaren. — O que são os espíritos? — São uma nova força aliada – respondeu o Guardião novamente. – Uma força que talvez faça a diferença nessa nova batalha contra Mon, uma força inexistente na última guerra contra ele. Quando esti-verem prontos eles se revelarão e lutarão em nome de Gardwen. Todos voltaram a ficar em silêncio. As respostas de Sáturan eram muito vagas e misteriosas, mas o Guardião deixou claro que o assunto estava encerrado, o que significava que não era relevante para a reu-nião. — Precisamos estar preparados – disse Cronos quebrando o silêncio. – Temos dois de nós dentro dos Domínios da Magia e agora Mifitrin foi para lá também. Não sei que respostas trarão se conseguirem voltar, mas é a partir dessas respostas que iremos planejar nossa defensiva e ofensiva contra Mon. Enquanto Mifitrin, Elkens e Meithel não vol-tam, precisamos continuar vigiando, lutando, buscando respostas e

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fortificando nossas defesas. Assim que os três, ou um dos três voltar, haverá uma mudança nos planos. O Palácio do Guardião ficou em total silêncio e logo Sáturan dispen-sou os Mensageiros para que fossem atrás daqueles que ainda não ha-viam feito contato algum, mas mandou uma equipe de Guerreiros com cada um deles. Nenhuma parte de Gardwen era segura agora, e todo o cuidado era pouco. Elkens estava semi-consciente. Estava amarrado entre as árvores mortas do Covil pelas correntes brancas de Magai. Estava completa-mente imobilizado, não podia sequer virar a cabeça e olhar para o la-do. Mas mesmo que isso fosse possível, não veria nada. Embora esti-vesse com os olhos abertos, eles não enxergavam coisa alguma. Seus olhos estavam vidrados, sem brilho, olhando para o vazio. Tinha uma leve consciência de que Meithel estava ali, mas quase não se importava com isso. Nem se lembrava onde era ali. Lentamente as correntes iam cerrando e apertavam ainda mais o seu corpo. As pontas das correntes, afiadas como navalha, rasgavam sua carne, como ser-pentes sedentas por sangue. Quanto mais sangue as correntes arran-cavam, menos consciente Elkens ficava. Ele não via mais nada, nem ouvia, nem sentia. Seus sentidos desapa-reciam lentamente… Fogo. Só havia fogo a sua volta. Elkens estava cercado por um círculo de fogo rubro, o Fogo da Alma, e essa foi a primeira coisa que viu após nascer. Ele ainda tinha asas, mas logo as perdeu e caiu no chão. Isso foi o que aconteceu quando Kalimuns reencarnou a sua alma em um novo cor-

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po. Antes disso ele não se recordava de nada, pois sua nova vida co-meçou naquele momento. O fogo logo se apagou e Elkens ficou de pé. Ainda estava confuso, não teve reação alguma, nem sabia o que estava acontecendo, afinal de contas acabara de nascer. Estava nu e seu corpo não era nem de criança nem de adulto. Era a idade normal do corpo quando uma alma é reencarnada, pois a infância é uma dádiva, um privilégio concedido apenas a quem tem um pai e uma mãe, e nasce do amor de ambos. Nai-Elkens não era assim. Não tinha pai nem mãe, pois sua alma foi forçada a reencarnar em um Ritual de Reencarnação, reencarnada an-tes do tempo, rompendo o ciclo natural de reencarnação de uma alma. Foi por isso que já nasceu com um corpo de quinze anos, idade em que a infância já não existe, tampouco a maturidade da vida adulta. Diante dele estavam Nai-Kalimuns, o Mestre que reencarnou sua al-ma e também quem seria seu tutor, e Nai-Jasuel, o Mago que acendeu o Fogo da Alma necessário para o ritual. Os dois sorriam para ele, mas ele ainda não conseguia compreender o que estava acontecendo, quem eles eram, quem ele era ou onde estava. Nai-Kalimuns o abraçou cari-nhosamente e ele se sentiu reconfortado, seguro. Aquilo aconteceu três ciclos de tempo atrás. Embora Elkens aparen-tasse ter aproximadamente a idade de Mifitrin e Meithel, na verdade era mais jovem que Laserin. Outras lembranças da sua vida passaram por sua mente, fazendo-o reviver várias delas, e por muito tempo Elkens ficou perdido em seu passado… Meithel e Magai estavam parados frente a frente. Sacerdote e Cava-leiro se enfrentando apenas com os olhos, enquanto uma corrente branca ligava o braço de um ao braço do outro.

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— Você está com uma das faces do Cristal ai, não está Meithel? – Magai perguntou. – Por que não usa o cristal para me derrotar? Meithel não soube como Magai sabia daquilo, pois o cristal estava guardado em sua bolsa de couro. Gauton lhe entregou o cristal no jar-dim de Briluem como prova de lealdade, mas Meithel usou o cristal para derrotar Shanara e por isso ele se transformou em pedra. Não ti-nha mais poder algum, por isso não poderia usá-lo contra o Cavaleiro. Magai abriu o mesmo sorriso malicioso que Meithel tanto odiava, dei-xando a mostra seus dentes pontiagudos, então disse: — Não quero e nem preciso te matar, Meithel. Você me entrega esse cristal e também o que ficou com a garota, e eu o deixo ir embora. Meithel não gostou da oferta. Não iria desistir. — Kaiser jamais terá todos os cristais – disse ele enfrentando o Cava-leiro. – Então pode ter certeza que não lhe darei cristal algum! Magai continuou sorrindo. — Que pena ‒ enquanto ele falava, sua corrente voltou a se multipli-car magicamente, gerando uma nova corrente. Ao todo eram sete ago-ra: cinco que prendiam Elkens nas árvores, uma que prendia Meithel pelo braço e mais uma, que estava livre para atacar. – Serei obrigado a matá-lo. Como se lesse os pensamentos do seu dono, a ponta afiada da corrente ergueu-se no ar e disparou contra Meithel. O Sacerdote tentou se des-viar, mas a corrente que prendia em seu braço o impedia de fugir. Não havia o que fazer. A corrente atravessaria a sua cabeça no segundo seguinte… Mas não atravessou! Sequer chegou perto de feri-lo. A corrente imobilizou-se no ar, centí-metros antes de atingi-lo. Ficou parada ali, como se avaliasse o seu

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adversário. Vários segundos de tensão se passaram, mas a corrente permanecia imóvel, recusando-se a atacá-lo. — ATAQUE-O! – gritou Magai irritado, sem entender o que sua arma branca estava fazendo. Ele fazia movimentos com o braço, in-centivando-a a atacar, mas ela permanecia imóvel no ar. – MATE-O AGORA! Mas a corrente não atacou. Permaneceu parada a centímetros da ca-beça de Meithel. Ela estava se recusando a atacar, contrariando as ordens de seu dono. — O QUE ESTÁ FAZENDO? POR QUE NÃO ATACA? Meithel sorriu. Acabara de compreender o que estava acontecendo. — Por que pergunta isso, Magai? Você sabe muito bem por que sua corrente não me ataca. Parece que o feitiço que Kaiser lançou em vo-cês não é tão poderoso assim. À medida que os Cavaleiros são mais fortes, o feitiço de controle de Kaiser deixa falhas. “Káfka e Algoz seguiram todas as vontades de Kaiser, mas acredito que eles não tenham utilizado todas as suas forças para derrotarem Elkens. Shanara reconstruiu o colar de Elkens que havia sido destruí-do por Algoz, permitindo assim que ele continuasse lutando. Kam conseguiu me contar o que realmente estava acontecendo, que Kaiser os estava controlando e agora o feitiço também está falhando com vo-cê. Embora siga todas as suas ordens, a corrente não me ataca. Isso significa que no fundo você não quer que ela me ataque…”. — CALE A BOCA! – gritou Magai enfurecendo-se. A corrente que apontava para o crânio de Meithel voltou a multiplicar-se; mais uma corrente surgiu, duas, três… vinte correntes apontavam para o crânio de Meithel, mas nenhuma delas se aproximava do Sacerdote. Um minuto se passou, mas nenhuma corrente atacou. Magai tremia e suava, e seu rosto demonstrava o enorme esforço que fazia para ata-

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car, mas as correntes insistiam em não obedecê-lo. Parecia que uma batalha estava sendo travada em sua mente. Uma batalha entre a pe-quena parte consciente e a parte controlada por Kaiser. A batalha na cabeça de Magai prosseguiu e logo começou a dar resul-tados. Uma das correntes dobrou-se no ar e agora apontava não para Meithel, mas para Magai, seu próprio dono. Um segundo depois ou-tras correntes fizeram o mesmo movimento, voltando-se contra seu dono, até que todas as correntes conjuradas se voltaram contra Ma-gai. Todas as correntes em batalha, as que prendiam Elkens, a que prendia Meithel e todas as que apontavam para ele, todas elas apon-tavam para Magai agora. Era como se o Cavaleiro estivesse tentando atacar a si próprio. Mas assim como a pequena parte da mente de Magai que representava o verdadeiro Cavaleiro não permitiu que Meithel fosse ferido, a parte controlada por Kaiser também não permitia que as correntes atacas-sem a si próprio. Todas as correntes apontavam para ele, formando um casulo de correntes a sua volta, mas nenhuma delas chegava a se aproximar o suficiente para feri-lo. A batalha em sua mente prosse-guia… Mais segundos de tensão se passaram, então algo aconteceu. A bata-lha na mente do Cavaleiro estava dando resultados: — CORRA MEITHEL! – era o verdadeiro Magai que estava gri-tando, o Magai que ainda era fiel à Magia. – EU JÁ DEIXEI O PORTAL ABERTO. PEGUE O SEU AMIGO E CORRA, NÃO SEI QUANTO TEMPO VOU AGUENTAR… E foi isso o que Meithel fez. Correu por entre as árvores mortas e o chão podre e chegou até Elkens. Agora que estava livre das correntes, caído no chão, a consciência de Elkens começou a voltar lentamente. Ele olhou para Meithel e sorriu, mas o Sacerdote da Magia não retri-

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buiu. Estava preocupado demais para isso. Precisava pegar Elkens e sair o quanto antes dali, pois a qualquer momento Magai poderia vol-tar a atacá-los. Elkens ainda estava meio zonzo e sem qualquer equilíbrio, então Meithel o ajudou a se levantar, passando o braço do amigo pelo seu ombro. Juntos os dois seguiram o mais rápido possível em direção ao portal que os levaria para o próximo templo. Cambaleantes, passaram por Magai, ainda envolto por suas próprias correntes, então seguiram pelo caminho de pedra até chegarem ao altar. Subindo os degraus, chegaram ao arco de pedra; o portal. Mas Meithel não havia sido rápido o suficiente e percebeu isso no momento em que uma corrente enrolou-se em sua perna. Ele olhou pa-ra trás e encarou o sorriso malicioso de Magai. Nenhuma corrente apontava mais para ele, e sim para Elkens e Meithel. Magai havia voltado ao controle de Kaiser. Uma segunda corrente foi disparada, visando prender Elkens, mas Meithel não permitiu que isso acontecesse. Ele se atirou na frente do Sacerdote da Alma e a corrente que era para prendê-lo, acabou perfu-rando o flanco de Meithel, que sangrou imediatamente. — Meithel, não… – mas Meithel não soube o que Elkens iria dizer, pois antes disso o empurrou de costas no portal. Elkens desapareceu no mesmo instante, deixando Meithel e Magai sozinhos. Mais uma vez os dois ficaram apenas se encarando, um avaliando o outro. Meithel teve sua chance de fugir, mas não teve tempo o sufici-ente. Ao menos Elkens estava a salvo. Magai encarava Meithel com uma visível vontade de matá-lo, um desejo por sangue, mas Meithel não se intimidou. — Não tenho medo de você, Magai – disse ele. – Eu disse que vou te derrotar…

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— Não, não vai – disse uma voz que surpreendeu Meithel. Jamais esperou ouvir aquela voz tão cedo, muito menos ali dentro dos Domí-nios da Magia. – Eu é que vou derrotá-lo! Era Karnar quem estava falando, o valente domador de demônios.

Meithel e Magai olharam surpresos na direção do portal que trazia da Catedral Alva. A primeira coisa que viram foi um grande demônio alado, um valadur, mas montados nele havia três homens. O primeiro era Kanoles, o segundo era Yusguard e o terceiro era Karnar. Haviam acabado de atravessar o portal e Magai não escondeu seu in-tenso desagrado ao vê-los ali. Mais intrusos profanando seu templo. O príncipe de Covarmen, o caçador de recompensas e o domador de demônios pularam de cima do demônio alado e ficaram lado a lado, encarando Magai. Kanoles e Yusguard levantaram suas espadas, mas Karnar apenas disse: — Eu vou enfrentá-lo sozinho. Vocês dois vão com Meithel para en-frentar o próximo Cavaleiro. Elkens e Meithel já enfrentaram muitos inimigos e vão precisar da ajuda de vocês. Magai riu. — Acha mesmo que vou permitir que mais alguém atravesse este por-tal? – perguntou ele. – Vocês nunca sairão do Covil, pois aqui será o túmulo dos quatro. Karnar agia como se não tivesse ouvido Magai; estava novamente agindo como se tomasse o chá da tarde, Kanoles logo percebeu. Pare-cia demasiado tranqüilo, e mexia em suas vestes despreocupadamente, procurando por algo. Logo ele encontrou: um pedaço de pergaminho

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de aparência muito velha. Havia um símbolo irreconhecível pintado a tinta escura no pergaminho. Agindo lentamente, com a maior calma do mundo, Karnar colocou o pergaminho no chão, diante dele, então pegou seu bastão de ouro que trazia preso às costas. Meithel não via Karnar usar aquele bastão desde a batalha contra os kenrauers na cidade de Buor. Aquilo já pa-recia pertencer a uma outra vida… — Vão – disse Karnar novamente aos seus companheiros. – Peguem o Meithel e atravessem o portal ao encontro de Elkens. Não há tempo a perder. Kanoles e Yusguard obedeceram. Correram ao encontro de Meithel, mas ao passarem por Magai, duas correntes levantaram-se no ar e bloquearam o caminho deles, ameaçando atacá-los com suas pontas afiadas. — Você ainda não entendeu, Magai? – perguntou Karnar. – Eu é que sou o seu adversário. Somente eu. Kanoles, Yusguard e Meithel vão atravessar esse portal e você não fará nada para impedi-los. Magai riu ainda mais alto. — Quer dizer que você vai me impedir? – perguntou ele irônico. – Justo você, um mero humano? Nem protetor você é, o que pode fazer contra um Cavaleiro? Eu posso matar a todos em um segundo… — Está vendo este pergaminho? – perguntou Magai interrompendo o Cavaleiro e ignorando a sua ameaça. – Este pergaminho contém a in-sígnia de pampera e foi pintado com o seu próprio sangue. Pampera não é um demônio tão ameaçador, mas possui uma habilidade muito útil. Essa magia está no pergaminho e com ela eu posso imobilizá-lo completamente. Karnar segurou o bastão dourado com as duas mãos. Seus olhos feli-nos ficaram completamente brancos, como Kanoles já vira acontecer

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várias vezes quando o amigo estava prestes a usar magia ou a en-frentar algum demônio. Segurando o bastão, Karnar girou-o duas ve-zes no sentido horário, e uma vez no sentido contrário, então cravou uma das pontas do bastão no pergaminho que ainda estava no chão. — PAMPERA! – gritou Karnar invocando sua magia e o pergami-nho explodiu com o estranho urro de um demônio que não estava pre-sente. No instante seguinte Magai ficou completamente imobilizado, assim como uma estátua. Suas correntes que se moviam à sua volta como serpentes também estavam imobilizadas. Yusguard olhou com o canto de olho para Kanoles; ainda não estava acostumado com os po-deres intrigantes de Karnar, mas o caçador de recompensas apenas sorriu. Os dois voltaram a correr, desviando de Magai e suas correntes imóveis. Quando chegaram ao portal, Meithel ainda estava preso pela corrente, apesar de ela também estar imóvel. Yusguard pegou sua espada e gol-peou a corrente, mas ela não sofreu um único arranhão. — Vão sem mim – disse Meithel. – É necessário muito poder para quebrar uma arma branca, é completamente impossível. Vão sem mim e ajudem o Elkens. Eu vou ficar e ajudar o Karnar e depois nos en-contramos… — Não – disse Kanoles – Não vou deixá-lo aqui. Não se preocupe com o Karnar; passei tempo demais com ele e aprendi a não contrariá-lo. Se ele quer que a gente vá em frente, devemos fazer isso… O bom-humor de Kanoles, pensou Meithel feliz enquanto olhava para o amigo. Senti falta disso. Kanoles pegou Sangrini, sua espada negra, então golpeou a corrente com ela, assim como Yusguard. Mas ao contrário do senhor de dra-gões, Kanoles conseguiu trincar a corrente, então prosseguiu com seus golpes.

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O próprio Kanoles ignorava o verdadeiro poder de sua espada. Sabia o quanto ela era poderosa, mas desconhecia a magia que havia nela. Algum tempo antes de encontrar Elkens pela primeira vez, Kanoles e seu bando entraram em uma sangrenta batalha contra uma manada de demônios com hábitos noturnos. Aqueles mesmos demônios que ele voltou a enfrentar na floresta antes do lago Lushizar, mas desta vez ao lado de Elkens e os outros. Mas na primeira ocasião, Kanoles ma-tou um desses demônios com a sua espada e a lâmina sujou-se com o seu sangue. Esse sangue negro nunca deixará a espada de Kanoles e é ele que confere um incrível poder a ela. E esse poder se confirmou agora, pois apenas quatro ataques de sua espada foram suficientes para destruir uma das correntes de Magai e liberar Meithel. Juntos eles atravessaram o portal e foram ao encontro de Elkens e o sexto Cavaleiro da Magia… No Palácio do Guardião do Tempo vários protetores do Tempo e da Alma estavam se reunindo. Muitos haviam cumprido o que lhes fora pedido e estavam aguardando novas instruções, mas a grande maioria ainda não havia retornado. A todo o momento um protetor chegava com uma nova notícia. A Mago da Alma Nai-Jasuel acabara de entrar no palácio e seguiu agitado até o Guardião da Alma, o mais sábio e poderoso membro pre-sente na Convocação Elementar: — Senhor Sáturan – começou ele após fazer uma rápida reverência. – Um rugido foi ouvido no sul dos Domínios da Alma. Tudo indica que Oberzan, a besta celestial da Alma, despertou… — Há quanto tempo foi isso? – perguntou Sáturan surpreso.

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— Há pouco tempo – respondeu Jasuel muito agitado. – Não sabe-mos há quanto tempo a besta despertou, mas o fato é que Oberzan fi-nalmente está acordada… Sáturan sorria, demonstrando sua enorme satisfação. As três bestas eram grandes aliadas na guerra contra Mon. — Com toda certeza as três bestas celestiais despertaram novamente e só estão aguardando a hora certa para nos ajudar nesta guerra. Todos os protetores ali dentro estavam eufóricos, felizes com a mais nova notícia. Nenhum deles havia visto qualquer uma das bestas acordada, pois elas estavam adormecidas desde a última guerra contra Mon, quando ele acabou sendo exilado de Gardwen. Desde então elas estavam em sono profundo. Finalmente as três bestas celestiais estavam à espreita. Elkens, Meithel e Laserin já haviam conhecido a primeira delas: Rashuno, a besta celestial da Magia. Rashuno despertou confusa, pois a Magia está um verdadeiro caos, mas Laserin conseguiu fazer com que Ras-huno enxergasse a verdade e agora ela só está aguardando o momento certo para agir. Oberzan, a besta celestial da Alma, já foi ouvida e Gallantus, a besta celestial do Tempo, também havia despertado, mas, assim como Ober-zan, estava esperando o momento certo para se revelar.

Assim que Meithel, Yusguard e Kanoles atravessaram o portal, o fei-tiço de pampera que mantinha Magai imobilizado foi rompido. Agora o Cavaleiro e o domador estavam prontos para a luta.

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— Antes que eu te mate – começou Magai – quero saber como en-trou nos Domínios da Magia. Só um protetor poderia tê-lo trazido para dentro… — Foi Gauton – afirmou Karnar com simplicidade. – Gauton estava nos esperando quando chegamos e nos trouxe para dentro. O rosto de Magai se contorceu de raiva. — Vários Guerreiros e Generais da Magia estão atrás dele para matá-lo. Estou surpreso em saber que ele continua vivo, mas lhe asse-guro que não será por muito tempo. — Vocês não conseguirão pegar o Gauton – Karnar informou, ainda com a calma usual de um chá da tarde – pois ele não está nos Domí-nios da Magia. — E para onde fugiu aquele covarde traidor? Karnar mantinha-se surpreendentemente calmo, o que irritava Magai. — Gauton não fugiu – disse o domador calmamente. – Gauton pre-tende se redimir por ter nos traído, mesmo que fosse a força, e agora foi atrás de ajuda. Magai riu. — Acredita que Gauton seja capaz de trazer alguém forte o bastante para nos derrotar? — Ele foi atrás de Mifitrin – Karnar respondeu, sorrindo levemente. – Então acredito que sim. Acredito que Mifitrin seja forte o bastante para nos ajudar a derrotá-los… O rosto de Magai estava quase irreconhecível pela raiva que ele ex-pressava agora. — Gauton nos traiu e merece morrer. Enquanto ele não volta aos Domínios da Magia, mataremos todos os seus amigos e, quando ele chegar, também será morto com essa tal de Mifitrin, seja ela quem for. Desta vez foi Karnar quem sorriu, agora sorrindo abertamente.

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— Você não sabe o que está dizendo; não conhece a Mifitrin. Mas não se preocupe. Quando ela chegar, eu já vou ter te derrotado. Para a sua sorte não chegará a conhecê-la. As dezenas de correntes de Magai foram apontadas para Karnar, prontas para dar o bote. A batalha entre o quinto Cavaleiro da Magia e o domador de demônios finalmente iria começar…

Uma semana se passou desde que Magai partiu. Aren estava nos apo-sentos que pertenciam ao irmão. A corrente que pertencia a Magai es-tava enrolada a um canto do quarto, assim como seu colar, que neste momento estava pendurado ao pescoço de Aren. Para manter o disfar-ce e impedir que Zander ou qualquer outro descobrisse a farsa, Magai deixou sua corrente e também se viu obrigado a trocar de colar com Aren, deixando o colar de Cavaleiro e levando o colar de General. Mas os irmãos sabiam tanto a respeito um do outro, já haviam feito este tipo de troca tantas vezes, que Aren não sentia medo algum de ser descoberto. Já havia cruzado com praticamente todos os Cavaleiros que eram companheiros de Magai e nenhum deles chegou nem ao me-nos a suspeitar que algo estivesse errado. Jamais suspeitariam que Magai assumiu o lugar do irmão para cumprir a missão tão perigosa que foi designada a Aren. De repente, enquanto tocava carinhosamen-te o colar que pertencia ao irmão gêmeo, alguém bateu à porta do apo-sento. — Pode entrar – Aren gritou. A porta se abriu e por ela entrou Kaiser, o Cavaleiro-Líder.

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— Magai – Kaiser o chamou, completamente ignorante ao fato de, neste momento, estar falando com Aren. ‒ Zander exige a presença de todos os Cavaleiros imediatamente. Sem se levantar da cama, onde estava sentado, Aren perguntou: — Meu irmão já retornou? A expressão no rosto de Kaiser transformou-se drasticamente. O es-tômago de Aren embrulhou-se com esta visão. — Eu sinto muito – respondeu Kaiser escolhendo as palavras ‒ mas é exatamente por isso que o Guardião está nos chamando. Eu sinto muito Magai, mas tivemos a confirmação de que Aren morreu enquan-to invadia a fortaleza… Aren sentiu como se Kaiser tivesse acabado de lhe transpassar o peito com sua espada e por um momento chegou a desejar que ele realmente fizesse isso. Sentiu um vazio tão grande dentro dele, um vazio que pa-recia consumi-lo por dentro. O ar lhe faltou e sua língua parecia ter-se petrificado em sua boca. Não conseguiu dizer nada, quanto menos chorar. Desejou tanto conseguir gritar, chorar, mas o vazio dentro de-le era tão grande que ele não conseguia expressar reação alguma. Ele tentou se levantar da cama, mas acabou caindo de joelhos no chão e não conseguiu mais se levantar. Kaiser arrependeu-se tremendamente por ter se precipitado em dar a notícia. Zander já o havia advertido a não dizer nada, mas ele não achou que Magai fosse reagir daquela maneira. Sem saber exatamente o que dizer, ele atrapalhou-se com as palavras: — Eu… sinto muito. Mas eu achei que você já estivesse… já esti-vesse preparado para a morte dele… — Ele não está morto! – Aren protestou, apertando seu peito com toda a força. Seu coração doía tanto que Aren tinha vontade de ar-rancá-lo com as próprias mãos.

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Kaiser parecia pensar uma eternidade para escolher suas palavras: — Todos nós sabíamos Magai, que quem entrasse na fortaleza de Mon dificilmente sairia. Você se lembra: eu mesmo votei a favor de cancelarmos a missão, mas foi você quem insistiu em realizarmos a in-vasão da fortaleza. Foi você quem insistiu que Roland deveria ser se-lado. Você demonstrou muita fibra e todos nós nos orgulhamos por você, sua atitude foi digna de um verdadeiro protetor da Magia. E é por isso que eu achei que você já tinha se conformado com a morte de Aren, afinal de contas, foi você quem o escolheu para a missão… Agora sim Aren sentiu seu coração ser atravessado por uma espada, mais do que antes. Foi Magai que o escolheu para aquela missão tão perigosa? Seu próprio irmão? E por que faria isso? Por que iria querer trocar de lugar com o irmão mesmo sabendo que não retornaria? Aren não conseguia compreender. Acreditava que jamais conseguiria aceitar a morte de Magai. Sentia-se terrivelmente sozinho agora, sentia que parte dele estava faltando. Como poderia ficar sem seu irmão? Não conseguia assimilar essa idéia. De repente as lágrimas chegaram aos seus olhos. Ele finalmente conseguiu chorar; finalmente conseguiu gri-tar e pôr para fora tudo o que estava sentindo. Levantando-se numa fúria impensável, Aren deu um soco na parede ao seu lado e seu punho atravessou para o outro aposento, derrubando parte da parede. — EU NÃO SOU UM CAVALEIRO! Então começou a arrancar a armadura de Magai que também estava usando e a jogá-la pelo quarto. Depois arrancou o colar do irmão que estava pendurado em seu pescoço e o atirou contra Kaiser… — ESSA ARMADURA NÃO É MINHA! ESSE COLAR NÃO É MEU! Kaiser ficou sem reação alguma. Apenas assistiu o Cavaleiro pôr toda a sua dor para fora. Kaiser queria muito poder ajudá-lo, mas não ha-

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via nada que pudesse fazer. Se soubesse que Magai reagiria desta maneira há uma semana, teria tomado providências para que a missão realmente fosse cancelada. Não teria permitido que Magai mandasse o irmão para a morte. Mas o que estava feito estava feito. Magai come-teu um erro do qual iria se arrepender pelo resto da vida e nada que Kaiser dissesse iria diminuir sua dor. — EU NÃO SOU UM CAVALEIRO! – Aren continuava em seu desespero. Sem mais nada para atirar contra a parede, seu olhar se re-caiu sobre a corrente branca enrolada a um canto. Ao admirar a cor-rente alva, sentiu uma fúria enorme por Zander. É culpa dele. Ele sempre preferiu o Magai. Mas se tivesse me escolhido como Cavaleiro ao invés do meu irmão, isso nunca teria acontecido… Ele correu para a corrente, sentindo uma vontade incontrolável de pegá-la e atira-la pela janela da Torre Espiral. Ele pegou a corrente e gritou: ‒ ESTA CORRENTE NÃO… Mas não chegou a dizer que ela não era dele, pois o que viu o pegou de surpresa. Assim que tocou a corrente, ela reagiu ao seu toque e cinti-lou por um breve segundo, mexendo-se levemente na ponta. Kaiser se-quer reparou. Aren compreendeu o que isso significava imediatamente. Foi escolhido! Foi aceito pela corrente para substituir Magai assim que a tocou. Foi por isso, irmão? Foi por isso que morreu? Era isso o que você queria quando resolveu trocar de lugar comigo? Perdido em seus pensamentos sobre a verdadeira intenção de Magai, Aren foi lentamente se acalmando. Ele parou de gritar e de atirar as coisas, pois não tinha olhos para mais nada a não ser a corrente. Sem que percebesse também parou de chorar e sua respiração voltou ao normal. Kaiser aproveitou que ele havia se acalmado e resolveu cha-mar:

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— A reunião dos Cavaleiros já vai começar. Zander exige a presença de todos. Vamos Magai. Aren balançou a cabeça num aceno positivo, ainda sem conseguir tirar o olhar da corrente. — Sim, eu já vou. E desta forma Aren assumiu o lugar de Magai pelo resto de sua vida. A última farsa dos dois irmãos, aquela que jamais seria desfeita e, des-ta forma, Aren se tornou um Cavaleiro, igualando-se novamente ao irmão, como sempre foi e sempre deveria ser.

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