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QUANDO NOVOS PERSONAGENS

ENTRARAM EM CENA

Experiencias, Falas e Lutas

dos Trabalhadores da Grande Sao Paulo

(1970-80)

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e ,   U 7 / I

Copyright by

Eder Sader

Capa

Isabel Carballo

Revisiio

Arnaldo Rocha Arruda

Barbara E. Benevides

Marcia Coutourke Menin

Oscar Menin

Dados de Catalogacao na Publicacao (CIP) Internacional

(Camara Brasileira do Livros, SP, Brasil)

Sader, Eder.

S129q Quando novos personagens entraram em casa: experiencias, falas e lutas

dos trabalhadores da Grande Sao Paulo, 1970-80

I

Eder S. Sader. - Riode

Janeiro: Paz e Terra, 1988.

Bibliografia.

1 Trabalho e classes trabalhadoras - Brasil - Atividade politica 2. Tra-

balho e classes trabadoras - Brasil - Sao Paulo, Regiao Metropolitana 1

Titulo. II. Titulo: Experiencias, falas e lutas dos trabalhadores da Grande

Sao Paulo.

CDD-322.2098161

-305.56098161

-322.20981

88-1477

indices para catalogo sistematico:

1 Brasil: Movimentos operarios: Ciencia politica 322.20981

2. Grande Sao Paulo: Movimentos trabalhistas: Ciencia politica 322.2098161

3. Grande Sao Paulo: Operarios: Movimentos trabalhistas:

Ciencia politica 322.2098161

4. Grande Sao Paulo: Trabalhadores: Classe operaria: Sociologia 305.5609816-1

1~ edicao: 1988

Direitos adquiridos por

EDITORA PAZ E TERRA S/A

Rua do Triunfo, 177

Santa Ifigenia, Sao Paulo, SP

Tel. (011 223-6522

Rua Sao Jose, 11 ~ andar

Rio de Janeiro, RJ

Tel. (021 2214066

1995

Impresso no Brasil  Printed in Brazil

I ~ 1111111111111111111111111111111111·

00198810021245

Quando novos personagens entra

331 (816.1 S125q 2.ed.

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9

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22

 

i

  u m d r io

Prefacio

Marilena Chaui

APRESENT AC;AO

Cap itulo I - ID£IAS E QUESTOES

o imp acto do novo

Duas imagens

De estruturas a experiencias

Do carater de classe as configuracoes sociais

A identificacao dos sujeitos

Os discursos que constituem sujeitos

Cap itulo I I -

SOBRE AS EXPERItNCIAS DA

CONDIC;AO PROLETARIA EM

sAO PAULO

Na voragem do progresso

Aordenat;ao pelo trabalho

A trajetoria dos migrantes na cidade

Projetos familiares:

0

sonho da cas a propria

o espaco publico e os pedacos da cidade

Anexos

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••

Cap itulo

III - MATRIZES DISCURSIVAS

o cristianismo das comunidades de base

o

marxismo de uma esquerda dispersa

A emergencia do novo sindicalismo

Ternas dos movimentos

141

146

167

178

194

P r e f d c io

Numa coletanea de conferencias, publicada com

0

titulo de

Democracia Antig a e M oderna ,

0

historiador helenista Moses

Finley observa urn Ienorneno paradoxal que percorre a ciencia

politica contemporanea, isto e, a tese segundo -a qualo sucesso

das democracias modernas tern como causa a apatia politica

dos cidadaos, que delegam a tecnicos e a politicos profissionais

as decisoes concernentes a existencia social no seu todo. Feno-

meno paradoxal pelo menos por dois motivos. Em; primeiro

lugar, porque polit6logos defensores da apatia costumam ser

criticos severos de Platao, por eles considerado anti-democrata

(e, segundo alguns, ate mesmo  totalitario ), sem perceberem

que a tese politica platonica fundamental e exatamente a neces-

sidade de excluir os cidadaos da vida politic a para que esta,

dirigida pelo sabio competente, siga a trilha da racionalidade e

da justica. Em segundo lugar, porque os defensores da apatia

e das elites  dirigentes costumam afirmar que 0 maior perigo

para a democracia e a intervencao politica da : massa dos des-

contentes  que redunda em  movimentos populares extremistas .

Ora, lembra Finley, todo historiador sabe que os extremismos

que golpearam mais dura mente a democracia nunca vieram dos

movimentos populares e sim de oligarquias poderosas, conven-

Cap itulo I V - MOVIMENTOS SOCIAlS

Clubes de maes da periferia sul

A Oposicao Metahirgica de Sao Paulo

o Movirnento de saude da perif eria leste

o Sindicato dos Metahirgicos de S.

Bernardo

t 97

199

225

 261

277

9

Algumas Consideracoes Finais

311

Posfacio

Marco Aurelio Garcia

317

Bibliograf ia

Consultada

321

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cidas de que nao obteriam seus fins por meios democraticos.

Finley desconhecia 0 Brasil. Nos 0 conhecemos, pelo menos 0

bastante para toma-lo como ilustracao empirica da tese geral de

Finley.

Navegando contra a corrente das posicoes predominantes

na ciencia politica, Eder Sader nos ofer'ece a saga dos movi- .

mentos sociais populares da regiao de Sao Paulo que puseram

novos personagens na cena historica brasileira, entre 1970 e

1980, criando condicoes para 0 exercicio da democracia. Trata-

se da primeira visao de- [{onjunto dos movimentos do periodo

1970-80, que' ja recebeu varies e importantes estudos parciais,

dedicados a movimentos sociais populares especificos. Nao e

esta, porern, a maior contribuicao do autor e sim aquilo que

constitui 0 fio condutor de seu trabalho, ou seja, a determinacao

desses movimentos como criacao de urn novo sujeito social e

historico.

Por que sujeito novo?

Antes de mais nada, porque criado pelos proprios movi-

mentos sociais populares do periodo: sua pratica os pee como

sujeitos sem que teorias previas os houvessem constituido ou

- designado. Em segundo lugar, porque se trata de urn sujeito

coletivo e. descentralizado, portanto, despojado das duas marcas

que caracterizaram 0 advento da concepcao burguesa da subje-

tividade: a individualidade solipsista ou monadica como centro

de onde partem acoes livres e responsaveis e

0

sujeito como

consciencia individual soberana de onde irradiam ideias e repre-

sentacoes, postas como objetos dorninaveis pelo intelecto. 0

novo sujeito e social; sac os movimentos sociais populares em

-cujo interior individuos, ate entao dispersos e privatizados, pas-

sam a definir-se, a reconhecer-se mutuamente, a decidir e agir

em conjunto e a redefinir-se a cada efeito resultante das decisoes

e atividades realizadas. Em terceiro lugar, porque e umsujeito

que, embora coletivo, nao se apresenta como portador da uni-

versalidade definida a partir de uma organizacao determinada

que operaria como centro, vetor e telos das acoes socio politicas

e para a qual nao haveria propriamente sujeitos, mas objetos

ou engrenagens da maquina organizadora. Referido a Igreja, ao

sindicato e as esquerdas, 0 novo sujeito neles nao encontra 0

10

velhocentro, pois

ja

nao sac centros organizadores no sentido

classico e sim instituicoes em crise  que experimentam  a

crise sob a forma de urn descolamento com' seus publicos res-

pectivos , precisando encontrar vias para reatar relacoes com

eles.

Eder Sader examina os procedimentos dessas instituicoes

em crise. Crise da Igreja, que conduz a reformulacao de seu

discurso e de sua pratica, gracas a matriz discursiva da teolo-

gia da libertacao . Crise das esquerdas que, sob 0 impacto das

derrotas das decadas anteriores e dos impasses internacionais,

ainda nao reformularam a  rnatriz discursiva marxista , embora

tragam  em seu benef icio urn corp a teorico consistentemente

elaborado a respeito dos temas da exploracao e da luta sob (e

contra)

0

capitalismo . Crise do sindicalismo que, entretanto,

gracas a  matrizdiscursiva do novo sindicalismo , supera a

ausencia das tradicoes populares (com que conta a matriz reli-

giosa) e da sisternaticidade teorica (com que conta a matriz

marxista), vindo a ocupar urn Iugar institucional cuja eficacia

sera decisiva para repensar e praticar os conflitosna esf era

trabalhista e, com isto, alargar a percepcao dos antagonismos

que regem a sociedade de classes. Em suma, os antigos centros

organizadores, em crise, sac desfeitos e ref eitos sob a acao si-

multanea de novos discursos e praticas que informam os movi-

mentos sociais populares, seus sujeitos.

Porem, sujeito novo ainda noutro sentido, pois as traces

anteriores revelam ser uma deterrninacao decisiva desse sujeito

historico a defesa da autonomia dos movimentos, tend en do a

romper com a tradicao socio politica da tutela e da cooptacao

e, por isso mesmo, fazendo a politica criar novos lugares para

exercitar-se. Lugares onde a politica institucional ainda nao

lancou tentaculos e que interessam a Eder Sader neste livro:

aqueles onde se efetua a experiencia do cotidiano popular.

 Quando uso a nocao de sujeito coletivo , escreve Sader,

a. expressao indica uma coletividade onde se elabora uma

identidade e se organizam praticas atraves das quais seus mern-

bros pretendem defender interesses e expressar suas vontades,

constituindo-se nessas lutas , de sorte que a novidade e tripli-

ce: urn novo sujeito (coletivo), lugares polit icos novos (a expe-

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nencia do cotidiano) numa pratica nova (a criacao de direitos,

a partir da consciencia de interesses e vontades proprias).

Justamente porque busca pensar essa novidade, Eder Sader

inovara, Seu trabalho nao se volta para a analise das estruturas

(economicas, sociais, politicas), mas para as

experiencias

popu-

lares. Nao se trata de simples mudanca do ponto de vista, mas

de critica as perspectivas estruturais anteriores, que caracteri-

zararn as analises das esquerdas e das ciencias sociais onde, par

def inicao e por essencia, ~. giJ10 e encarado como urn espa-

co-ternpo ionde  nada acontece . Eder nos mostra

0

que e

0

quanto ai acontece quando '~mentasoes __ue a te~iaJ:~~

ocorrer de modo quase silencioso. .. passam a ser valorizadas

. <enquanlo-~in3 is(le- resis1encia,--vinculadas a outras ilU U L con-

(,A j l~ -I   junto--que----Ihes- da- a digriidade de urn 'acontecilT ellJQ_l1§_t6-

ill / ~;;  _rrco'.=' ~  Nao-e -oc 6Hdiano nero suaaparencia reiterativa que

iC _ fazem a novidade, mas _.~sentido novo que lhes emprestam

, , .J

seus agentes ao experimenta;--s~-~~ -;goes· como lutas -e resisten-

 ·~ias. No

t z - e r d - e -

urn' operario:  sac -pequenas lut~~,-~as que

i\a--

consciencia do cara representa uma puta coisa, porque e

uma vitoria,

0

cara sente que foi uma conquista dele, sabe? .

Pequenas lutas que, no dizer de urn outro, sao  lutas por

migalhas  e, ao mesmo tempo,  uma luta interessante . Que j

sao as migalhas das pequenas vitorias das pequenas lutas? Sac I

a experiencia que os excluidos adquirem de sua presenca no  

campo social e politico, de interesses e vontades, de direitos e \

praticas que van formando uma historia, pois seu conjunto lhes  

da a dignidade de urn acontecimento historicc . .

Quais as consequencias da mudanca do foco da analise

praticada pelo autor? Desde logo, nao partir de definicoes pre-

vias da politica, mas deixar que elas advenham pelas formu-

lacoes dos propriossujeitos dos movimentos. Dessas formula-

coes, alguns traces merecem ser retidos, pois deles se ocupa

longamente 0 autor. Em primeiro lugar, a desconfianca dos

sujeitos com relacao as instituicoes politicas e com os sistemas

politicos de

trnediacoes.

Desconfianca nova porque, em lugar

de suscitar apatia, suscita acoes e a valorizacao das diferencas

entre os movimentos e de sua autonomia. Em segundo lugar, e

12

como consequencia, a cnacao de novos espacos politicos, uma

vez que a experiencia dos movimentos os conduz a novas re1a-

coes com

0

espaco publico - assim, os clubes de. maes passam

a perceber seu espaco como imbricado com

0

publico atraves

de relacoes experimentadas como ampliacao da fraternidade; as

comissoes de satide, a valorizar a intervencao pontual e deter-

minada na esf era do Estado; as oposicoes sindicais, a empe-

nhar-se na elaboracao do espaco fabril como campo de solid a-

riedade e de aprendizado da luta mais ampla, a luta de classes.

Pass ando a fazer politica doutra maneira e noutros lugares, os

sujeitos dos movimentos passam por uma experiencia decisiva

que nos permite captar sua priitic.LC.omQ.. yerdadeira a9.1dl§ y_iQ

e produ(;a conhseimentos- Na linguagem da Igreja, fala-se

em conscientizacao , na das esquerdas, em reflexao critica ;

na do sindicalismo, em socializacao do saber . Todavia, seja

qual for a designacao e seja qual for 0 pressuposto teorico de

quem a formula, 0 importante e que esta simplesmente a indicar

que os movimentos sociais operam como fontes populares de

informacao, aprendizado e conhecimento politicos que tend em

a ser ampliados e redefinidos pela pr6pria pratica e sua dinamica.

Disso, duas f alas f emininas, recolhidas por Eder, sac exem-

plares. A primeira delas interpreta a dificuldade para passar

das discussoes em pequenos grupos, onde as pessoas estao mu-

tuamente familiarizadas, a discussoes publicas mais amplas:

 Porque a etapa da gente conversar com a gente mesmo, que

a gente conhecia, era Iacil. Agora, a etapa de voce ir pra rua e

conversar com quem voce nunca tinha visto e dizer: 'olha,

voce quer discutir isso?', foi um saIto, assim, violento pras

pessoas . A ampliacao do espaco da sociabilidade e da ayao

e

experimentada como salto violento , pois inaugura uma pra-

tica desprovida de seguranca e previsibilidade, uma relacao com

o desconhecido e com desconhecidos, entretanto, percebidos

como integrantes futures dos movimentos. A segunda fala inter-

preta a diferenca entre 0 ja-saber e 0 ainda-nao-saber:  a gente ia

falar de alguma coisa, a pessoa nao sabia 0 que nos estavarnos

falando, e1es falavam outra lingua . Fala extraordinaria, pois

nao s6 marca a descoberta da dif erenca entre os iguais, mas

ainda revel a um duplo processo em curso, 0 do aprendizado

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ja realizado e 0 da transrnissao de uma linguegem comum aos

que f alavam uma outra lingua . Essas f alas e as numerosas

outras trazidas pelo autor culminam na afirrnacao do principal

.esforco dos varies movimentos: a gente procurava f icar tudo

bem juntinho . Solidariedade nascente.

Ainda como resultado da inovacao de Eder Sader, surgem

as claras dificuldades e ilus6es, ambigiiidades e contradicoes

dos movimentos sociais populares do periodo, em Sac Paulo.

Dentre elas, reteremos duas. Por um lado, a tendencia dos

movimentos a rotina ou a paralisia sob 0 peso das dif iculdades

materiais para mante-los vivos apes uma derrota ou depois de

conseguida uma vitoria, dificuldades, no entanto, que apontam

para um outro Ienomeno importante, qual seja, a preservacao

de liderancas populares na figura dos que lutam para manter

a criatividade dos movimentos e dos que conservam sua memo-

ria. Forma-se uma tradicao de lutas populares. Por outro lado,

a diferenca qualitativa profunda entre movimentos coordenados

pela Igreja e aqueles nos quais sua presenca

e

pequena ou nula.

Nestes ultimos, como no caso das comissoes de saude da zona

leste da cidade de Sac Paulo, que rumaram para a f ormacao de

conselhos populares de saude e para

0

inicio da pratica da

auto-gestae. a politizacao

e

mais clara, 0 confronto com 0

Estado mais nitido, a defesa da autonomia mais acentuada do

que naqueles em que a presenca da Igreja

e

mais forte. Dife-

renca que nos leva a indagar se

0

f ato de Igreja, esquerdas e

sindicatos serem instituicoes em crise , no periodo, conduz

ao mesmo resultado nos tres casos ou se, no que tange a pri-

meira, a saida da crise nao seria retorno a velhas praticas

centralizadoras. Pergunta necessaria, no Brasil, onde a Igreja

tem-se mantido presente no campo politico enquanto unica

Instituicno organizada de uma tal maneira que a faz ser unica

na capacjdade para contrapor-se ao outro centro organizado,

isto

e

0 Estado. Pergunta pertinente, uma vez que a tendencia

dos movimentos populares analisados era a da autonomia (em

muitos deles chegando-se a auto-gestae) que pode ser bloqueada,

se uma instancia centralizadora poderosa deles se apropriar.

Quest6es apenas a£1oradas por Eder Sader a luz de um outro

problema de igual gravidade, isto e   a relacao entre os movi-

14

mentos SOCialS populares e a representacao politico-partidaria,

mas sem nisso demorar-se porquanto a periodizacao escolhida

pelo autor coloca urn terrnino a analise antes que a reformu-

lacao partidaria viesse a oearrer, nos anos seguintes.

A analise das dif iculdades enfrentadas pelos movimentos

populares do periodo e concluida de modo aparentemente me-

'lancolico - Sader fala em derrota e ilusao -, mas so aparen-

temente. De fato, tendo escolhido um caminho metodologico

novo, seria impossivel ao autor concluir voltando as velhas

teses da ciencia politica sobre limites e ineficacia dos movi-

mentos sociais e sua necessaria absorcao pelos partidos poli-

ticos, iinicos a lhes dar generalidade politica sob a conducao

de elites  dirigentes.

Com efeito, Eder Sader se af asta criticamente de duas

tentac6es: a da historiografia dos mites fundadores , que Iaria

dos movimentos socia is populares da decada 70-80 a origem

tinica das lutas democraticas no Brasil e que, por conseguinte,

veria nos eventos posteriores a destruicao ou 0 esquecimento

da origem que, entao, se transforrnaria em mito, um acontecer

posto fora do tempo e este, atraves de seus agentes, surgiria

como traicao: e a da periodizacao historiograf ica of icial, onde a

democracia se converte em processo de redemocratizacao  cujos

marcos, vindos do alto, seriam a distensao (Geisel), a  aber-

'tura  (Figueiredo) e a  transicao (Tancredo-Sarney). Captan-

do a historia, f azendo-se noutro lugar e numa outra tempora-

lidade, analisando a dif erenca espacial e temporal a distancia

dessas duas historiograf ias lineares, Sader nos prepara para a

compreensao da dupla face dos movimentos sociais :populares

como

0

momento em que novos personagens entraram em

cena . Numa delas, vemos

0

inicio de uma sociabilidade fun-

dada na solidariedade de classe e pela qual as chamadas clas-

ses populares passaram a fazer parte da cena historica, nao como

atores desempenhando papeis pre-f ixados, mas como sujeitos

criando a propria cena atraves de sua propria acao e, com isso,

cr constituiram urn espaco publico alem do sistema da represen-

tacao politica permitida, ou seja,

0

espaco da participacao

civica e trabalhista. Na outra face, vemos os limites impostos

ao projeto politico que ali se desenhava e que, este sim, foi

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derrotado pel a polit ica instituida. Ora, essa derrota, escreve

Eder, nao transf orma os acontecimentos passados em meras

ilus6es: sac promessas que nao veneer am nem se cumpriram.

Seriam meras ilus6es se e somente se quisessemos julgar a

historia com as lentes do sujeito antigo -

0

sujeito sob erano do

conhecimento objetivo -, mas foi justamente esse sujeito que

o novo sujeito politico destronou ao entrar em cena, nao podendo

ser julgado por ele.

Promessas naose julgam. Precis am ser interpretadas .. Que

sentido tiverarn, para seus sujeitos e para os outros, os movi-

mentos sociais populares da decada de 1970-80? Desse sentido

encarrega-se a interpretacao de Eder Sader, testemunho da con-

Iianca num por-vir que nao se deixa medir pelo passado, ernbo-

ra se deixe ler por ele, quando a interpretacao permanece alerta

para a diferenca temporal, irredutivel a mera diferenca empf-

rica dos tempos.

M arilena Chaui

16

A p r e s e n t a c a o

Este texto

e

produto de uma pesquisa e de uma reflexao

sobre novas configuracoes sociais assumidas pelos trabalhadores

da Grande Sac Paulo no curso da decada de 70. Isso que

estou chamando de novas configuracoes dos trabalhadores  nao

consiste num Ienorneno extensivo ao conjunto dessa classe, mas,

antes, a uma parcela, que constituiu movimentos sociais, com

novos padr6es de acao coletiva, que nos permitem falar da

ernergencia de novos sujeitos politicos. Considerando que essa

ernergencia abre urn novo periodo na historia das classes traba-

lhadoras em nosso pals, eu me propus a investigar circunstancias

e caracteristicas dessa nova configuracao.

Enfrentei varies problemas nessa investigacao, e, certamen-

te,

0

maior deles residiu nas dificuldades e vacilacoes referentes

a

propria formulacao do objeto. Se eu tivesse, de inicio, clara-

mente def inidos meu objeto e minha questao, tambern poderia

definir com mais rigor as hipoteses e os metodos da pesquisa .

Mas na verdade nao foi assim. Percebendo no inicio que os

novos movimentos revalorizavam 0 cotidiano das classes popula-

res, eu me pus a -estudar tanto os elementos que compuseram

o modo de vida dessa populacao quanta a dinarnica dos movi-

mentos sociais, sem saber muito bem como efetuaria 0 recorte

17

lESP   UER J

B IBL I O T EC A

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necessario para a minha pesquisa. 0 campo era muito vasto,

e eu me vi dividido entre as exigencias do rigor cientifico im-

plicando uma delimitacao maior e mais precis a do objeto da

pesquisa, e os impulsos de urn interesse politico que levavam a

uma interrogacao mais abrangente. Como, alem disso, nao sabia

em que aspectos da realidade a pesquisa poderia revelar melhor

o signif icado das novidades observadas, por urn born' tempo a

pesquisa e a ref lexao se f izeram sobre aspectos os mais variados

e sem conexao evidente.

A verdade e que

0

modo como procurei entender

0

signi-

ficado do que acontecia, atraves dos movimentos sociais em

Sao Paulo, exigiu urn longo percurso intelectual, que percorri

sem saber, no inicio, exatamente do que se tratava. Fui levado

por minhas interrogacoes, que, no inicio, nem tinham seus con-

tornos bem definidos, mal podendo configurar urn objeto de

pesquisa tal como apareceu no meio da jornada.

Ate que, quase simultaneamente, se desenharam com mais

cla~e~a 0 objeto, a questao e os caminhos da pesquisa. 0 objeto

def iniu-se em torno das novas caracteristicas dos movimentos

socia is ocorridos na decada de 70. As quest6es centrais come-

earn com a interrogacao sobre as formas pelas quais movimentos

sociais abriram novos espacos politicos, reelaborando temas

da experiencia cotidiana. Como isso se deu? Quais as implica-

c;:6es, decorrsncias, problemas que dai advieram?

No capitulo I procurei esc1arecer a natureza das interroga-

c;:6es que me animaram na pesquisa e 0 significado dos conceitos

que lancei mao para ef etua-la. Procurei reconstituir os modos

pelos quais os aspectos principais do tern a emergiram teorica-

mente. Atraves das discuss6es que acompanharam a emergencia

do tema, tentei apresentar minhas escolhas te6ricas.

No capitulo II trato das experiencias da condicao proletaria

em Sac Paulo no periodo considerado. Tomei depoimentos indi-

viduais como manifestacoes de signif icados presentes nas expe-

riencias vividas e como indicadores das experiencias coletivas.

Procurei entao referencias mais gerais sobre as condicoes de

existencia dessas populacoes para tel' uma ideia da dimensao

das diversas modalidades registradas. Pesquisei aspectos que

iluminarn os modos pelos quais os trabalhadores experimentaram

18 '

suas condicoes de vida: a vida na metr6pole, a ressocializacao

dos migrantes, a luta pela casa, os espacos piiblicos. Procurei com

isso entender padr6es de comportamento presentes no cotidiano

popular de onde os movimentos sociais extrairam suas energias.

No capitulo III estudo as matrizes discursivas que procura-

ram interpretar aquelas experiencias, atr ibuindo-Ihes- novos sig-

nif icados e fazendo de condicoes da vida cotidiana tern as de

novas posturas politicas. Identif iquei tres matrizes basicas, des i-

guais em consistencia interna e incidenciaeocial: a das comu-

nidades de base, a de uma esquerda em crise e a do: chama do

 novo slndicalismo . Procurei reconstituir 0 modo como se for-

maram e se transformaram no interior dos pr6prios movimentos

sociais que as incorporaram.

No capitulo IV procuro acompanhar a hist6ria de quatro

movimentos socia is na Grande Sao Paulo, que se deram em torno

de quatro tipos diversos de organizacao: a do sindicato dos

metalcrgicos de Sao Bernardo, a da oposicao metahirgica de

Sac Paulo, ados c1ubes de maes da periferia sul de Sao Paulo

e a das cornissoes de saude da perif eria leste. Procurei, nessa

reconstituicao da din arnica desses movimentos, examinar as

modalidades particulares de reelaboracao das experiencias dos

trabalhadores e a configuracao de novos padr6es de acao coletiva.

Na pesquisa, eu recorri a tecnicas e fontes as mais variadas.

Ao tratar das experiencias das condicoes de vida dos tra-

balhadores em Sac Paulo, lancei mao de depoimentos pessoais,

dados estatisticos, reportagens jornalisticas e relat6rios de pes-

quisa, alem das exposicoes e lnterpretacoes de outros pesquisa-

dores. Para captar os signif icados presentes nas iexperiencias,

com os temas e interpretacoes atribuidos, usei: depoimentos

constantes em 21 entrevistas que realizei; depoimentos colhidos

pelo Grupo de Educacao Popular da URPLAN (Instituto de

Planejamento Regional e Urbano) da PUC; depoimentos colhi-

dos pelo Centro de Estudos Migrat6rios; reportagens sobre a

vida urbana na Grande Sac Paulo, publicadas em diversos jornais

e revistas; narrativas e interpretacoes de outros autores, citados

na bibliograf ia arrolada ao f inal. Para inf ormacoes sobre a dis-

tribuicao dos trabalhadores na formacao do espaco metropolitano,

distribuicao e condicoes dos migrantes, distribuicao da popula-

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0

<;ao por rend a e setores de atividade, condicoes de trabalho e

moradia, recorri a quadros estatisticos do IBGE (lnstituto Bra-

sileiro de Geograf ia e Estatistica), Emplasa (Empresa Metro-

politana de Planejamento da Grande Sao Paulo - S.A.), SEADE

(Fundacao Sistema Estadual de Analise de Dados) e DIEESE

(Departamento Intersindical de Estatistica e Estudos Socio-Eco-

nornicos), elaborando eu mesmo, algumas vezes, novas tabelas

a partir dos dados obtidos.

As entrevistas que realizei foram ainda utilizadas seja para

a reconstituicao das matrizes discursivas, seja para a reconstitui-

<;ao dos movimentos sociais estudados. Alern disso, para a matriz

discursiva das comunidades de base, pesquisei as publicacoes do

SEDOC (Service de Documentacao) e uma enorme variedade de

materiais que se pode encontrar no Centro Pastoral Vergueiro.

Para os discursos da esquerda nesse .perfodo, contei basicamente

com a documentacao existente no Arquivo Edgard Leuenroth.

Deste e do CPV recolhi tambem 0 principal da documentacao

sobre

0

novo sindicalismo.

Foram-me finalmente de particular valia: entrevistas reali-

zadas com mulheres dos c1ubes de maes pela URPLAN e dispo-

niveis na Rede Mulher; a documentacao sobre 0 Movimento do

Custo de Vida disponivel no CPV; a pesquisa de Hamilton Faria

sobre a oposicao metahirgica de Sac Paulo e as entrevistas feitas

com membros da oposicao pel a equipe da URPLAN; jornais e

publicacoes do proprio arquivo da OSM e tambem encontrados

no CPV; reportagens dos jornais Em Tempo e Movimento, sobre

os metalurgicos de Sao Bernardo, a pesquisa de Lais Abramo e a

colecao de jornais do sindicato.

Ao observarmos as praticas desses movimentos, nos nos da-

mos conta de que eles efetuaram uma especie de alargamento do

espaco da politica. Rechacando a politica tradicionalmente insti-

tuida e politizando quest6es do cotidiano dos lugares de trabalho

e de moradia, eles inventaram novas formas de polit ica. Mas

a historia dos movimentos sociais nao e apenas a sua hist6ria

2

interna. Os trabalhadores sao 0 resultado nao somente de suas

pr6prias acoes, mas tambem da sua interacao com outros agentes .

A politica reinventada dos movimentos teve de se enfrentar

com a velha politica ainda dominante no sistema estatal. Como

os movimentos sociais dos trabalhadores incidem sobre 0 sistema

de poder estabelecido? Como se determinam reciprocamente os

diversos agentes politicos no cenario publico transformado? Essas

quest6es se colocaram de forma f lagrante ja na decada de 80.

Mas creio que a cornpreensao das potencialidades dos movimen-

tos sociais exige que nos voltemos para as modalidades de seus

processos de constituicao, na decada anterior. Procurei contribuir

para isso.

Foram muitos os amigos que me ajudaram neste longo tra-

balho, fazendo sugestoes importantes, facilitando 0 acesso a

documentos valiosos, me estimulando e apoiando quando neces-

sario, Seria quase impossivel relaciona-los todos aqui, embora

estejam inscritos num outro plano, invisfvel aos olhos .

Mas quero mencionar algumas pessoas e experiencias mais

diretamente implicadas neste trabalho. Sao implicadas por suas

contribuicoes, embora evidentemente nao sejam responsaveis

pelo uso que f iz delas.

Em primeiro lugar esta Azis Simao, orientador e amigo.

Foi ele que me iniciou no estudo do movimento operario

b el

muitos anos. Foi ele que acompanhou esta pesquisa com cri-

ticas e sugestoes. Foi ele que me deu

0

exemplo de uma paixao

militante pela causa dos trabalhadores unida ao rigor crf tico na

analise objetiva dos acontecimentos.

Elsa Lobo f oi a primeira pes so a que me pas em contato

com movimentos populares da periferia de Sao Paulo, depois que

eu voltei ao Brasil, em 1979, e com ela comecei a ref letir sobre

seu significado.

No percurso intelectual que me levou a forrnulacao das

questoes que estao aqui colocadas, as observacoes de Maria Celia

21

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Paoli foram decisivas, apontando novos caminhos num momento

de revis5es te6ricas.

Devo agradecer a Hamilton Faria, que me permitiu 0 acesso

ao precioso material de sua pesquisa, mesmo antes que estivesse

acabada. 0 mesmo devo dizer de Lais Abramo. E das equipes

doGEP-URPLAN, em particular a Leila Blass e Silvio Caccia

Bava, e da Rede Mulher, em particular a Moema Viezzer.

Eunice Durham contribuiu com sugest5es extremamente

importantes no momenta do exame de qualificacao.

o

amadurecimento das ideias que me ajudaram a pensar

o tema se fez em algumas experiencias co1etivas que me foram

particularmente importantes.

Em primeiro lugar nas discussoes travadas no coletivo da

revista

Desvios,

entre 1982 e 1985, onde

0

tema dos movimentos

sociais foi freqiientemente associado as questoes da autonomia,

da institucionalizac;:ao, das possibilidades de uma nova pratica

politica e dos caminhos da transicao brasileira.

Na Comissao de Movimentos Populares do Partido dos

Trabalhadores, entre 1983 e 1985, participei de elaboracoes sobre

experiencias concretas, suas historias e seus desafios politicos.

o

curso ministrado por Lucio Kowarick, sobre Classes'

sociais, Estado e urbanizacao , em 1983, constituiu um rico

momento de discussao sobre 0 tema.

A pesquisa com Maria Celia Paoli e Vera da Silva Telles,

sobre a representac;:ao dos trabalhadores nas ciencias sociais ,

em 1984, foi para mim a oportunidade de uma reflexao coletiva

sobre as intrincadas relacoes entre realidade e representacao.

Com elas mesmas e mais Flavio Aguiar e Artur Ribeiro Neto, e a

partir de um roteiro formulado por Marilena Chaui, realizamos

um seminario sobre

0

tema da subjetividade e

0

sujeito, com

notorios reflexos sobre este estudo.

Meus cursos sobre autonomia e submissao na formacao do

proletariado forneceram-me ocasiao de sistematizar ideias e de

recolher inumeras sugestoes postas pelos estudantes.

As observacoes criticas de Marco Aurelio Garcia, Irene

Cardoso, Regina Sader, Vera Silva Telles, Maria Celia Paoli,

Paulo Sergio Mucoucah e Maria Helena Augusto, alem de Azis

Simao, me foram particularmente importantes. Gracas a elas

22

pude corrigir algumas das imperfeicoes do trabalho e sinto apenas

nao as ter aqui assimilado todas. A feitura do mapa s6 foi possi-

vel gracas a orientacao e ao trabalho de Maria Elena Simielli.

Quero ainda registrar a ajuda de Monica Fernandes, Ana

Amelia Silva, Marlene Goldenstein, Marilla Koutzii, Marcia

Ferraz, Jose Antonio Carlos, Marilisa Garretta, Odete Seabra,

Enali de Biagi, Jose Cesar Gnacarini em diferentes momentos do

,trabalho. E no zelo posto no trabalho de datilograf ia por Maria

do Carmo Gomes.

Este trabalho, com poucas modificacoes, foi a tese de douto-

ramento que, sob a orientacao de Azis Simao, apresentei ao

Departamento de Sociologia da USP. Dos membros da banca,

presidida por Aparecida Ioly Gouveia e integrada por Marilena

Chaui, Francisco Weffort, Flavio Peirrucci e Orlando Miranda

tive a satisfacao de recolher preciosas observacoes, crit icas, su-

gestoes, que ja iniciaram um dialogo que, af inal, constitui 0

proprio sentido do labor academico.

Para a redacao da tese, alem do apoio recebido em casa e no

antigo Departamento de Ciencias Socia is - com respectivas

dispensas de atividades domesticas e prof issionais -, contei

ainda, em parte do tempo, com a ajuda f inanceira de uma bolsa

do CNPq.

Finalmente, aqueles que se dispuseram a narrar-me suas

experiencias, tornando possivel estapesquisa: Conceicao, Moura,

Fernando, Ricardo, Pedro, Paulo, Zico, Vera, Silvio, Carlos,

Helie, Roberto, Silvio, Cloves, Virginia, Irma, Eduardo, Fabiano,

Francisca, Vera Lucia, Resende. Espero ter sido digno de toda

a atencao que cada um me dedicou.

Desejo dedicar este trabalho a memoria de amigos que

morreram quando eu

0

redigia. Jurantir Garconi, Jorge Baptista,

Luis Roberto Salinas Fortes e Gilberto Mathias puseram suas

inteligencias a service de uma luta contra as injusticas e a

opressao nos piores anos da ditadura em nosso pais. E tambem

a de Santo Dias, militante da oposicao sindical rnetahirgica

de Sao Paulo, morto pela policia militar durante a greve de sua

categoria em novembro de 1979.

23

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o impacto do novo

Apresentando uma comunicacao ao IV Encontro Regional

de Hist6ria de Sac Paulo, realizado em 1978,

0

historiador

Kazumi Munakata afirmava que 0  acontecimento politico mais

importante do primeiro semestre deste ana nao foi a indicacao

do general Figueiredo para a Presidencia da Republica e a

conseqiiente crise do meio militar, nem

0

surgimento da candi-

datura dissidente do senador Magalhaes Pinto, nem tampouco

a articulacao da Frente Nacional de Redemocratizacao. Foi, na

realidade, a irrupcao do movimento grevista, que, iniciado em

meio

it

regiao do ABC (SP), rapidamente se alastrou pelos grandes

centros industriais e urbanos do Estado, envolvendo centenas de

milhares de trabalhadores e estendendo-se ate os dias de hoje .

No momenta em que escrevo, 9 anos depois, quando

0

general

Figueiredo

ja

exerceu seu mandato e voltou para casa, quando

a transicao politica do regime militar para urn civil ja parece

1 K. Munakata, • .0 iugar do movimento operario in

Anais do I V En-

centro Regional de Historia de Siio Paulo,

ANPUH-UNESP, Araraquara,

.1980: p. 61

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ter cumprido suas etapas decisivas com 0 governo da Alianca

Democratica , quando nada roais resta da  Frente Nacional de

Redemocratizacfio , e quando a movimentacao operaria nao

apenas forcou alteracoes de fato nas esferas da politica salarial,

da liberdade sindical, do direito de greve, como fundamental-

mente provocou 0 nascimento de novos atores no cenario politico,

a af irmacao feita por Kazumi, atrevida em seu tempo, corre ate

o risco de parecer banal. Mas e preciso que nos situemos naquele

m~mento para poder avaliar a dimensao da ousadia. Basta alias

acompanhar seu empenho ao polemizar sobre 0 lugar atribuidc

ao movimento operatic nas representacoes dominantes. Na forma

mais visivel, nos meios de comunicacao de massa, as greves

eram noticiadas nas secoes de economia e referidas separada-

mente aos diferentes setores da producao em que ocorriam.

E

muito provavel que na hist6ria polit ica do pais 0 periodo

entre 1978 e 1985 (portanto entre as greves do ABC e a vit6ria

de Tancredo Neves no Colegio Eleitoral) f ique marcado como

momento decisivo na transicao para uma nova forma de sistema

.politico. Mas, por sua vez, este novo sistema politico esta condi-

.<:ionado por significativas alteracoes no conjunto da sociedade

civil. Entre as rupturas, que marcam todas as transicoes, uma

das mais impressionant~s nesta que estaroos tratando

e

certamente

a que cruza a historia do movimento operario, ou das classes

populares , ou dos setores dominados  (e esta pr6pria hesitacao

na nomenclatura, presente nas interpretaceee sobre esses fatos,

ja indica uma novidade na forma como e1es apareceram que se

acornodava mal as denominacoes ja f eitas). Atores sociais e

interpretes, no pr6prio calor da hora, se aperceberam de que

havia algo de novo emergindo na hist6ria social do pais, cujo

significado, no entanto, era dificil de ser imediatamente captado.

A novidade eclodida em 1978 foi primeiramente enunciada

sob a f orma de imagens, narrativas e analises referindo-se a

grupos populares os mais diversos que irrompiam na cena publica

reivindicando seus direitos, a comecar pe10 priroeiro, pelo direito

de reivindicar direitos.

0

impacto dos movimentos sociais em

1978 levou a uma revalorizacao de praticas sociais presentes no

cotidiano popular, ofuscad as pel as modalidades dominantes de

26

sua representacao.f Foram assim redescobertos movimentos 50- ~

ciais desde sua gestacao no curso da decada de 70. Eles Ioram /

vistos, entao, pelas suas linguagens, pelos lugares de onde se )

manifestavam, pelos valores que professavam, como indicadores

da emergencia de novas identidades coletivas. Tratava-se de uma

novidade no real e nas categorias de representacao do real.

Absorver 0 impacto dessa novidade teria mesmo de demandar

'tempo. Minha pesquisa e minha ref lexao sobre esses aconteci-

mentos fazem parte de urn movimento intelectual que vem pro-

curando compreender seu significado.

Para comecar a identificar minha questao, me permito reto-

mar urn desses momentos em que os novos atores comecavam a

ocupar os espacos publicos.

Era a manha ensolarada do dia

10

de maio de 1980, e as

pessoas que haviam chegado ao centro de Sac Bernardo para a

comemoracao da data se depararam com a cidade ocupada por

8 mil policiais armados, com ordens de impedir qualquer concen-

tracao. Ja desde as primeiras horas daquele dia as vias de acesso

estavam bloqueadas por comandos policiais que vistoriavam oni-

bus, caminh6es e autom6veis que se dirigiam a cidade metalur-

gica. Pela manha, enquanto urn helic6pterosobrevoava os locais

previstos para as manifestacoes, carros de assalto e brucutus

exibiam a disposicao repressiva das forcas da ordem. E 'que

aquele Dia do Trabalhador ocorria quando uma greve dos

metalurgicos da regiao alcancava jil urn roes de duracao e levara

o chef e do Service Nacional de Inf ormacoes a prometer que

 dobraria  a republica de Sao Bernardo .

0

que poderia ter

permanecido urn dissidio salarial tornara-se urn enfrentamento

politico que polarizava a sociedade. Movidos pela solidariedade

a greve formaram-se comites de apoio em fabric as e bairros

da Grande Sac Paulo. Pastorais da Igreja, parlamentares da

oposicao, Ordem dos Advogados, sindicatos, artistas, estudantes,

jornalistas, professores assumiram a greve do ABC como expres-

sauda luta dernocratica em curso. A resposta viera pronta: os

2. Ver M. C. Paoli, E. Sader e V. Telles, Pensando a classe operaria:

'as trabalhadores sujeitos ao Imaginario academico  in Revista Brasileira

de H is toria,

n,  6, 1984.

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sindicatos promotores da greve f oram postos sob intervencao e

12 de seus dirigentes, presos; membros da Comissao de Iustica

e Paz e pessoas da

oposicao

haviam sido seqiiestrados por agentes

dos services de seguranca.

Alguns minutos depois das 9 horas, 0 bispo D. Claudio

Humes iniciava a missa para 3 mil pessoas que lotavam a igreja

da Matriz, num clima de tensao, sem saber 0 que se passaria em

seguida quando da programada passeata proibida .. Nas ruas ao

redor, pequenos grupos f icavam dando voltas, trocando sinais,

escondendo as bandeirolas trazidas. De repente, correu

0

rumor

de que a policia militar iniciara a dispersao de manif estantes

que estavam em f rente

a

igreja. Alguns reagiram a pedradas.

Dois operarios foram levados feridos para dentro da Matriz.

Entre os parlamentares presentes,

0

senador Teotonio Vilella

procurava convencer 0 coronel Braga, chefe da operacao militar,

a liberar a praca, enquanto este insistia em s6 permitir 0 acesso

a urn megaf one se f osse para avisar 0 cancelamento da mani-

Iestacao. Ate que - eram 10h30 -

0

coronel recebeu ordens

de Brasilia para evitar enf rentamentos de alcance imprevisfvel

e permitir a concentracao. A noticia correu rapidamente, e os

pequenos grupos f oram se juntando, e s6 entao seus participantes

se deram conta de que constituiam uma multidao impressionante,

calculada em 120 mil pessoas, a maior ate entao desde a implan-

tacao do regime militar ,3 .

o

maravilhoso espanto com a dimensao visivel daqueles

pequenos grupos, agora reunidos, consolidou uma imagem evo-

cad a cada vez que os que 0 viveram falam sobre os movimentos

sociais da decada passada. Nas narrativas das pastorais da Igreja

aparecem uma pluralidade de pequenos grupos cornunitarios que

se unem numa carninhada . Nao e por acaso que a cancao de

Vandre, alias entoada naquela manha de maio logo na saida

da praca da Matriz e ate chegarem ao Estadio de Vila Euclides,

foi incorporada como peca obrigat6ria nos ritos dos tempos de

3. Cf.

Vej a

de 7/5/1980;

IstoE

de 7/5/1980;

Movimento

de 5 a 115/1980;

Em Tempo

de 1 a 14/5/1980 e observacao (naturalmente participante . )

do au tor.

28

resistencia. Nessa representacao a luta social aparece sob a

f orma de pequenos movimentos que, num dado momento, con-

vergem fazendo emergir urn sujeito coletivo com visibilidade

publica. 0 que acontecera na manha do

10

de maio de 1980

parecia condensar a hist6ria de to do 0 movimento social que

naquele dia mostrava a cara ao sol.

A imagem viva da emergencia de urn sujeito coletivo, como

urn ate de afirmacao de setores sociais ate entao excluidos do

cenario of icial, foi logo elaborada por testemunhas, que chama-

ram a atencao para novos personagens que alteravam os roteiros

preestabelecidos. A partir de abordagens e interesses diversos, 0

que as diferentes interpretacoes mostravam era 0 f a to de 0 con-

f lito fabril ter extravasadoo contexto sindical e, exprimindo uma

: 1 .

4. A cancao, no caso, tinha por titulo Pra nao dizer que nao falei de

f lores , mas f icou .conhecida como  Ca~inhando . De autor ia de Geraldo

Vandre, f oi por ele apresentada no Festival da Cancao do Rio de Janeiro

em 1967 e imediatamente tornou-se um dos hinos da contestacao daqueles

anos. Seu ref rao diz:

 Vem, vamos embora, que esperar nao

e

saber,

Quem sabe faz a hora, nao espera acontecer ,

E

e

acompanhado das seguintes estrof es:

 Pelos campos a f ome em grandes plantacoes,

Pelas ruas marchando indecisos cordoes,

Ainda f azem da flor seu mais forte ref rao,

E acreditam nas flores vencendo

0

canhao.

Ha sold ados armados, amados ou nao,

Ouase todos perdidos, de armas na mao,

Nos quar teis Ihes ensinam uma antiga Iicao,

De morrer pela patria e viver sem razao.

Nas escolas, nas ruas, campos, construcoes,

Somos todos soldados, armados ou nao,

Caminhando e cantando e seguin do a cancao,

Somos todos iguais, braces dados ou nao,

Os amores na mente, as flores no chao,

A certeza na f rente, a hist6ria na mao,

Caminhando e cantando e seguin do a cancao,

Aprendendo e ensinando uma nova Iicao .

A rmisica f oi proibida pelo regime militar e, desde

0

comeco dos

anos 70, adotada pelos grupos comunitarios como expressao de res is-

tencia.

29

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disposicao coletiva de auto-afirrnacao, aberto urn novo espaco

para a expressao politica dos trabalhadores.f

Duas imagens

Quanto a mim, iniciei meu estudo interrogando-me sobre 0

significado e

0

alcance das mudancas observadas no comporta-

mento das classes populares na vida politica do pais e particular-

mente em Sao Paulo.

Patti do que me pareciam como algumas evidencias: as

votacoes recolhidas pelo MDB nas eleicoes a partir de 1974, a

extensao e as caracteristicas de movimentos populares nos bairros

de perif eria da Grande Sao Paulo, a f ormacao do chamado

 Movimento do Custo de Vida ,

0

crescimento de correntes

sindicais contestadoras da estrutura ministerial tutelar, 0 apare-

cimento das comunidades de base, as greves a partir de 1978, a

formacao do Partido dos Trabalhadores seriam manifestacoes

de urn comportamento coletivo de contestacao da ordem social

vigente. 

Esses acontecimentos todos produziam urn flagrante contras-

te com uma imagem bem estabelecida sobre os trabalhadores.

Para ilustra-la, tomo simplesmente algumas referencias recolhidas

5. Veja-se K. Munakata, op . cit.; J. A. Moises, Qual e a estrategia do

novo sindicalismo? in A lternativ as p op ulares d a d em ocracia, Vozes,

1982; J . Humphrey,  Operarios da industria automobilistica no Brasil:

novas rendencias no movimento trabalhista

in E stud os C ebrap ,

23,

1979; R. Antunes (coord.),  Por urn novo sindicalismo  in

Cadernos

d e

Debate, n. 7, Brasiliense, 1980; P. Sandroni e E. Sader, Lutas operarias e

tatica da burguesia: 1978/80 in

Cadernos PUC, n

7, Cortez, 1981

A .

Maroni, A estrategia da r ecusa, Brasiliense, 1982; M. A. Garcia, Sao

Bernardo: a (auto) construcao de urn movimento operario

in De sv io s,

n. 1 1982.

6. Para os significados das eleicoes, ver: B. Lamounier e F. H. Cardoso

(coords.), Os par tido s e as

eleicoes

no Brasil, Paz e Terra, 1978; e B.

Lamounier (org.), Voto d e d es coniia nca, Vozes, 1980. as demais aspectos

serao tratados neste texto.

30

sem maior esf orco. A comecar com palavras deixadas pelo

superintendente geral da

F iat

no Brasil no corneco dos anos 70:

•A disciplina, a dedicacao ao trabalho, 0 entusiasmo dos trabalha-

dores brasileiros contrastam profundamente com as agitayoes e

. convulsoes que afligern atualmente todos os paises desenvolvidos da

area capitalista ...  7

Esse quadro idilico teria se dado devido it integracao dos

operarios it ordem social. Em troca da sua dedicacao ao trabalho,

os operarios estariam desfrutando as benesses do bem-estar. E

como aparece numa reportagem publicada em varies mimeros

do

[ornal do Brasil

em 1976 e citada por

J .

F. Rainho:

  ... mais preocupado como conforto em sua casa pr6pria, substi-

tuindo pelo televisor as pecas de carater libertario e propagandista

que ele pr6prio (sic) organizava no corneco do seculo, 0 operario

brasileiro de hoje incorporou-se

11

sociedade de consumo e ja

niio

pensa como os pioneiros italianos, em geral anarquistas que traba-

Ihavam nas Iabricas ate 1930 e se orgulhavam de seu papel na

hist6ria

.8

A ligeireza das generalizacoes nem merece comentarios. 0

que interessa

e

que essa representacao de passividade e confor-

mismo se assenta numa tradicao bem estabelecida no pensa-

mento politico brasileiro, com a montagem hist6rica de urn

paradigma que def ine os parametres atraves dos quais. foram

representados os trabalhadores.? Desde Oliveira Vianna, a hete-

rogeneidade interna, a dispersao e urn comportamento atomizado

por parte dos trabalhadores, expressando uma incapacidade de

universalizacao de seus objetivos, seriam determinados pelas

proprias caracteristicas da formacao hist6rica da sociedade bras i-

7. Citado nas Resolucoes do 1 Congresso dos Metahirgicos de

Sfio

Bernardo do Campo , 1974.

8. J. Neumanne Pinto e M. Ines Caravaggi,  0 perfil do operario bras i-

leiro de hoje in

[ ornal

do Brasil, janeiro 1976, cit. por J. F. Rainho in

Ospeoes do

G rand e A BC ,

Vozes, 1980, p. 13,0 sic

e

meu. .

9. Cf. Paoli, Sader e Telles, op . cit. e tambem M. Celia Paoli e E. Sader,

 Sobre 'classes popularesno pensamento sociologico brasileiro in R.

Cardoso (org.), A aven tu ra ant ropol 6g ic a, Paz e Terra, 1986.

3

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leira, do seu Estado e sua industrializacao. Os resultados de

experiencias historicas foram vistos como atributos determinados

pela propria estrutura social. E ai se cristaliza uma imagem da

classe incapaz de

acao

autonoma.

As derrotas sof ridas pelo movimento operano em 1964 e

1968 tiveram urn primeiro efeito de reforcar a imagem de impo-

tencia. Por algum tempo

0

trabalho de F. Weffort sobre as greves

de Osasco e Contagem - onde dizia que  0movimento operario

nao pode ser visto apenas como dependente da historia da socie-

dade mas tambem como sujeito de sua propria historia' ? -

permaneceu tao sufocado quanta os agentes daqueles movimentos.

Af inal, a consolidacao do regime militar no inicio da decada se

fazia sobre -a pulverizacao e 0 silencio dos movimentos sociais.

Nas interpretacoes e narrativas desse momenta quase nada en-

contramos a respeito das praticas dos trabalhadores. E numa

sociedade impulsionada pelos ritmos da acumulacao de capitais,

os discursos dominantes pass am a ser os dos economistas, nos

quais os trabalhadores so aparecem como fatores da producao.

Como ultimo exemplo sobre

0

sumico dos operarios nos discursos

desse momento, lembro urn alentado volume intitulado A indus-

tria automobilistica e a 2.a Revoluciio Industrial no Brasil, escrito

pelo empresario Ramiz Gattas, que consegue falar de tudo que

envolveu essa gesta - as origens do ramo, 0 papel dos diferentes

governos, as vicissitudes da politica cambial, debates publicos

com circulos antiindustriais , a fundacao da ANFAVEA, dis-

.cussoes na FIESP, divergencias com os agricultores, sem precisar

gas tar nenhuma das suas 500 paginas para ref erir-se aos tra-

balhadores.

E no entanto mudancas decisivas ocorreram no curso da

decada, mas atraves de progressivos deslocamentos de senti do tao

sutis que demandaram tempo para mostrarem-se em sua intei-

reza. Pequenos atos, que ate entao seriam considerados insigni-

. f icantes ou reiteracao de uma impotencia, comecam a receber

novas conotacoes. Manifestacoes incapazes de incidir eficazmente

10. F. Wef for t, Part icipacao e conf lito industrial: Contagem e Osasco

- 1968

in Cadernos Cebrap,

n.  5, 1972, p.

10.

32

sobre a institucionalidade estatal - antes interpretadas como

sinal de imaturidade politica ---...:comecam a ser valorizadas como

expressao de resistencia, de autonomia e criatividade. Creio que

estas mudancas constituem urn efeito retardado e mais profundo

das derrotas dos anos 60. Elas express am uma crise dos referen-

ciais politicos e analiticos que balizavam as representacoes sociais

sobre 0 Estado e a sociedade em nosso

pais.

E no quadro dessa

crise que intelectuais (academicos ou militantes) deixam de ver

o Estado como lugar e instrumento privilegiados das rnudancas

sociais e cornecam a enfatizar uma polarizacao - as vezes ate

maniqueista - entre sociedade civil e Estado. Recorro mais uma

vez a Weffort:

 A decepcao, mais ou mais generalizada, com

0

Estado abre cami-

nho, depois de 1964 e, sobretudo, depois de 1968,

a

descober ta da

sociedade civil. Mas nem por isso tera sido, em primeiro lugar, uma

descoberta intelectual. Na verdade, a descoberta de que havia algo

mais para' a polit ica alern do Estado corneca com os fatos mais

simples da vida dos perseguidos. Nos momentos mais dif iceis, eles

tinham de se valer dos que se encontravam

a

sua volta. Nao havia

partidos aos mais se pudesse recorrer, nem tribuna is nos quais

se pudesse conf iar. Na hora dif icil,

0

primeiro recurso era

a

familia,

depois aos amigos, em alguns casos tarnbern aos companheiros de

trabalho. Se havia alguma chance de def esa havia que procurar um

advogado corajoso, em geral um jovem recern-Iorrnado que havia

f eito poif tica na Faculdade. De que estamos f alando aqui senao da

sociedade civil, embora ainda no estado molecular das relacces

interpessoais? A unica instituicao que restava com f orca bastante

para acolher os perseguidos era a Igreja

Catclicat.u

E e da experiencia tensa do terror de Estado que Weffort

deriva a elaboracao da sociedade civil e a alteracao do proprio

modo de abordar as quest6es politicas:

 N os queriamos ter uma sociedade civil, precisavarnos dela para

nos defender do Estado monst ruoso

a

.nossa frente. 1sso significa

que, se nao existisse, precisariamos inventa-la. Se fosse pequena,

precisar iamos engrandece-la ( . ) E evidente que, quando Ialo aqui

de 'invencac ou de 'engrandecimento, nao tome estas palavras no

11 F. Wef fort ,

Par que democraciar ,

Brasiliense, 1984, p. 93.

33

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sentido de propaganda artif iciosa. Torno-as como sinais de valores

presentes na a~ao politica, e que the conf eriam sentido exatamente

porque a a<;:ao pretendia torna-los uma realidade

t.t-

.Estavamos nesses momentos de crise nos quais se alteram

as propriasqueetoes e os f ingulos desde os quais a sociedade

se interroga. Nisso consiste a invencao de que fala Weffort,

assinalando

0

campo das experiencias vividas .de onde brotam

as especulacoes teoricas, Foi da experiencia do fechamento do

Estado que ele deixou de ser visto como

0

parametro no qual

se media a relevancia de cada manifestacao social.P Comecam

a surgir interrogacoes sabre as potencialidades de movimentos

sociais que s6 poderiam se desenvolver fora da institucionalidade

estatal, Como disse Wef fort, esse nao e urn movimento pura-

mente intelectual, As ideias aqui correspondem - is to e, tanto

manifestam quanto produzem - a emergencia de novos padroes

de praticas coletivas. Essa nova valorizacao da sociedade civil

expressava uma alteracao de posicoes e significados na sociedade,

que se mostravam tanto nas categorias de pens amen to quanto

nas orientacoes das acoes sociais.

Se formos examinar as ideias formuladas sobre as praticas

e as condicoes de existencia dos trabalhadores, perceberemos uma

signif icativa diferenca entre as representacoes elaboradas no

inicio da decada de 70 e as feitas ao findar da decada, Na

primeira metade dos anos 70 as classes trabalhadoras foram vistas

completamente subjugadas pela logica do capital e pela domina-

<;:ao de urn Estado onipotente. Divididas pela concorrencia no

mercado de trabalho e pelas estrategias ernpresariais. atomi-

zadas na qualidade de migrantes rurais que perdem suas ref e-

12. Idem, ibidem, p.

95.

13. Veja-se a tese de mestrado de Vera Silva Telles, A experiencia do

auioritarismo e prdticas instituintes,

USP, 1984.

'14. Veja-se E. Bacha, Os mitos de uma decada , Paz e Terra, 1976; M.

Conceicao Tavares,

Da substituiciio de importaciies ao cap ital ismo [ inan-

ceiro,

Zahar , 1974; P. Singer, 0 'Milagre Brasileiro: causas e conse-

quencias 

in Cadernos Cebrap,

1972; F. Oliveira, A economia brasileira:

crftica Ii razao dualista

in Estudos Cebrap,

n. 2, 1972.

34

rencias culturais.na metropole, despolitizadas pela a<;:ao de urn

Estado queesvazia oureprime os mecanismos de representacao.

alienadase massificadas pelos meios de comunicacao. ? Ate mes-

mo suas estrategias de sobrevivencia apareciam funcionais a

reproducao capitalista: a autoconstrU<;:ao, rnecanismo 'pelo qual

a populacao mais pobre resolveu seu problema habitacional,

barateava os custos da reproducao da Iorca de trabalho, perrni-

tindo urn rebaixamento dos salaries reais; 18 0 aprendizado pro-

fissional, atraves do qual Iamilias de trabalhadores projetaram

uma ascensao social ou simplesmente protegeram-se num merca-

do de trabalho altamente competitivo, ao tornar-se urn processo

macico, terminou diminuindo os salaries reais dos operarios

qualificados. ? Essas observacoes, f eitas no campo das ciencias

sociais - sobre as praticas sociais dos trabalhadores, determi-

nadas ou subsumidas pela logica do capital e de seu Estado -,

correspondem aos registros deixados em depoimentos de operarios

e de militantes.

Ao f inal da decada varies textos passaram a se ref erir

a

irrupcao de movimentos operarios e populares que emergiam

com a marca da autonomia e da contestacao a ordem estabele-

cida. Era 0  novo sindicalisrno , que se pretendeu independente

do Estado e dos partidos.?? eram os novosmovimentos de

bairro , que se constituiram num processo deoauto-organizacao,

reivindicando direitos e nao trocando favores como os do pas-

sado; era

0

surgimento de uma nova sociabilidade em asso-

15. Veja-se M. Berlinck, Marginalidade social e relaciies de classe em

Siio Paulo,

Vozes, 1977; L. M. Rodrigues,

Trabalhadores, sind icatos e

industrializaciio,

Brasiliense, 1974; C. Menezes,

A mudanca,

Imago, 1976.

16. Veja-se F. H. Cardoso, 0 modelo politico brasileiro, Difel, 1977.

17. Veja-se S. Chucid, Televisiio e consciencia de classe, Vozes, 1977, e

M

Sodre,

0

monopolio da tala, Vozes, 1981

18. Veja-se F. Oliveira, op. cit,

19. Veja-se O. Romanelli,

Historia da educaciio no Brasil 1930/1973,

Vozes, 1978; V. Paiva, Estado, sociedade e educacao no Brasil in

Encontros com a Civilizaciio Brasileira, n,

22, 1980.

20. Veja-se a nota 5.

2 Veja-se V. Telles, Movirnentos populares nos anos 70: f ormas de

organizacao . e expressao , relat6rio Ii Fapesp, 1981 S. C. Bava, Movi-

mentos reivindicativos urbanos na Grande Sao Paulo: urn estudo de

35

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,

.1

 ; 

.'

  .

1

ciacoes comunitarias onde a solidariedade e a auto-ajuda se con-

trapunham aos valores da sociedade inclusiva.P eram os  novos

movimentos sociais , que politizavam espacos antes silenciados

na esfera privada.P De onde ninguem esperava, pareciam emergir

novos sujeitos coletivos, que criavam seu proprio espaco e

requeriam novas categorias para sua inteligibilidade.P'

Isso tudo exige maior discussao. Mas para os objetivos deste

capitulo - on de estou procurando expor as circunstancias e as

caracteristicas da configuracao do meu tema de estudo - essa

descricao ja basta para entender por que, em meio a pesquisa,

eu me dei conta de que a forrnulacao primeira - de que eu

estava diante de uma passagem de padr6es de legitimacao da

ordem para outros, de contestacao - era incapaz de dar conta

do Ienomeno. Eu nao estava simplesmente diante de urn mo-

mento de ruptura nos padr6es de legitimacao da ordem. Inclusive

porque nem essa contestacao era tao generalizada, nem a legiti-

macae

0

havia sido. Eu estava, sim, diante da emergencia de uma

nova conf iguracao das classes populares no cenario publico. Ou

seja, nao apenas em comparacao com os padr6es do inicio da

decada, mas tambem - e sobretudo - com os de periodos

historicos anteriores,

0

fim dos anos 70 assistia

a

emergencia

de uma nova configuracao de classe. Pelos lug ares onde se

constituiam como sujeitos coletivos; pela sua linguagem, seus

temas e valores; pelas caracteristicas das acoes SOCialS em que

se moviam, anunciava-se

0

aparecimento de urn novo tipo de

caso , relat6rio

a

Fapesp, 1980; P. Singer e V. C. Brant,

Siio Paulo:

° povo em movimento,

Vozes, 1980; T. Evers, Movirnenros de bairro

em Sao Paulo:

0

caso do 'Movimento do Custo de Vida

in Alternativas

populares d a d emocracia,

Vozes, 1982.

22. Veja-se Singer e Brant,

op. cit.;

C. Boff,  A inf luencia polit ica das

comunidades eclesiais de base in Religiiio e Sociedade, n. 4, 1979; C.

Perani, CEBs: alguns questionamentos in Cadernos do CEAS, n.  56,

1978; f rei Bet to, 0

que siio comunidades eclesiais de base,

Brasiliense, .

1981

23. Veja-se M. Celia Paoli, Mulheres: oIugar, a imagem,

0

movimento

in Perspectivas antropologicas da mulher,

4, 1985.

24. Veja-se M. Celia Paoli,  Os trabalhadores urbanos nas falas dos

outros  

in Comunicaciio,

n. 7, do Museu Nacional UFRl. 1982.

36

expressao dos trabalhadores, que poderia ser contrastado com

0

libertario, das primeiras decadas do seculo, ou com

0

populista,

apes 1945,25 A pes qui sa teria de dar conta da natureza dessa

nova configuracao.

De es tr utu ra s a exp e riencia s

Quando elaborei na sua primeira forma 0 projeto desta

pesquisa, eu manifestava uma insatisfacao com 0 que me apare-

cia como modos dominantes de caracterizacao dos processos de

reproducao social. Para uma vertente, a reproducao social parecia

assegurada pela coercao do Estado militar. Para outra, pelos

automatismos econornicos da acumulacao capitalista. Para outra

ainda, pel a alienacao ideologica produzida nas classes domina-

das. Em todos esses casos, as acoes das classes socia is aparecem

como simples atualizacoes de estruturas dadas. E dai, simples-

mente passivas ante os mecanismos de reiteracao da ordem, as

alteracoes desta tambem teriam de ser explicadas por alteracoes

daqueles mecanismos estruturais. Nesse registro, a propria ideia

da constituicao de sujeitos coletivos desempenhando algum papel

criador nos process os historicos nao fazia muito sentido.

Na caracterizacao de uma crise da sociologia classica, f eita

por Alain Touraine num livro com 0 sugestivo titulo de Le

retour d e l acteur, reconhecemos uma problernatica similar.

Segundo Touraine, a sociologia se constituiu como urn modelo

de analise da vida social no qual 0 sistema social aparece levado

por urn movimento que vai da tradicao a modernidade, da Ie

a razao, da reproducao a producao, da comunidade a sociedade.

Tal modele teria entrado em crise em decorrencia de aconteci-

mentos historicos que destruiram a crenca nessa evolucao que

25. Para uma expcsicao do tipo libertario, veja-se A. Sirnao,

Sindicato

e Estado, Dominus, 1976; B. Fausto, Trabalho urbano e con/ lito social,

Difel, 1976; F. Foot Hardman,

Nem pdtria, nem p atriio,

Brasiliense,

1983. Para

0

tipo populista, veja-se L. M. Rodrigues,

Sindicalismo

e

con-

[ l i to industrial no Brasil , Difel, 1966; F. Weffort, Sindicato e politica 

tese de livr e-docencia, USP, 1975.

37

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harmonizaria ordem e progresso. Sem pretender expor toda a

Iinha de raciocinio do autor, aponto a importancia que ele coloca

na relacao entre ator - ou sujeito - e sistema:

 0 aspecto mais importante da sociologia classica esta em que,

criando grandes conjuntos historicos portadores de sentido neles

mesmos, ela reduzia a analise da as;ao social

I

pesquisa da posicao

do ator no sistema. A sociologia da as;ao recusa essa explicacao

do ator pelo sistema. Ela ve, pelo contrario, em toda situacao, 0

resu ltado de relacoes ent re os atores, def inidos por suas orientacoes

cu lturais como por seus conf litos sociais .26

Pois quando observamosos traces dos movimentos SOClalS

ocorridos em Sao Paulo nos anos 70, nos nos damos conta de que

eles dif icilmente podem ser explicados pela exposicao das con-

dicoes dadas , decorrentes do sistema social: os padr6es da

acurnulacao capitalista,

0

desenvolvimento urbano (ou sua crise),

a f orma do Estado. Das condicoes do chamado milagrebrasi-

leiro , com suas f atias de superexploracao para tantos e vanta-

gens para outros, nao se consegue deduzir nem as mudancas no

comportamento sindical, nem as motivacoes presentes nas comu-

nidades de base, nem a emergencia de donas de cas a das peri-

f erias em mobilizacoes de bairro do modo como

0

fizeram,nem,

alias, qualquer uma das tendencies presentes ria acao das classes

sociais.

Na verdade e sempre possivel relacionar os processos sociais

concretos a caracteristicas estruturais , so que esse procedimento

nao adiciona uma virgula a cornpreensao do Ienomeno. Apenas

da a aparencia de seguranca teorica, ao situar urn caso particular

num esquema interpretativo consagrado. Tomemos por exemplo

os clubes .de maes, que se generalizam pela Grande Sao Paulo

no correr dos anos 70. Eles podem ser vistos e explicados como

expressao das contradicoes geradas pelo capitalismo nas condi-

C;;6es brasileiras , como resposta popular as carencias sociais

ditadas pelos padr6es de desenvolvimento vigentes, pela ausen-

cia de canais institucionais de manifestacao. Sao, assim, reduzi-

dos ao campo geral das lutas de urn setor da classe operaria

26. A. Touraine,

Le retour de l acteur,

Fayard, Paris, p. 35.

38

para a defesa das condicoes de reproducao da forca de trabalho .

o iinico problema consiste em que desaparecem, nesse processo,

as caracterf sticas singulares que mais chamam a atencao se nos

debrucamos para examinar

0

fenorneno em sua originalidade.

No caso, os padr6es cornunitarios, uma particular f ormulacao

das nocoes de justica e direito, a aversao pelo que e considerado'

politica, por exemplo, aparecem como simples traces conjun-

turais de urn processo generico sempre

0

mesmo.

A impossibilidade de apreensao da natureza dos novos

movimentos sociais atraves de uma analise centrada nas chamadas

determinacoes estruturais f icou evidente apes 0 estudo pioneiro

de Maria Herminia T. Almeida sobre 0 novo sindicalismo.i Ela

detectou que havia algo novo acontecendo no sindicalismo, par-

ticularrnente no Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias

Metahirgicas de. Sao Bernardo. Voltou-se para a analise da estru-

tura produtiva das indiistrias e para a analise da organizacao

sindical moldada pela CLT. Verif icou que as transf orrnacoes

ocorridas na base produtiva nao f oram acompanhadas por uma

adequacao na legislacao sindical e provocavam uma crise no

sindicalismo. Nas indiistrias modernas, de onde surgem novas

tematicas, surge tambem urn novo sindicalismo. Mas entao, apes

ref erir-se brevemente aos pontos programaticos dessa nova

corrente sindical, extrai uma conclusao sobre sua orientacao

ideologies:

 Em resumo, pareceria que a

ideologia

dessa nova corrente sindical

seria algo proximo ao 'sindicalismo de negocios ( . ) norte-ameri-

cano: combativo, 'apolitico , solidamente implantado na empresa,

tecnicamente preparado para enf rentar e resolver os problemas

gerais e especif icos de seus representados .28

A forca de tal orientacao viria do fato de estar at urn

projeto organizatorio e polf tico-sindical mais af inado com os inte-

resses do setor 'mcderno dos assalariados f abris .

 29

27. M. Herminia Almeida, 0 sindicato no Brasil: novos problemas,

vel has estruturas

in Debate e Critica, n, 

6, 1975.

28. Op .

cit.

p.

73.

29. Op.

cit.

p. 71

39

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4

A trajetoria do sindicalismo metalurgico de Sao Bernardo

refutaria esse prognostico de Maria Herminia Almeida. mos-

trando-se muito dif erente do pragmatismo apolitico do sindica-

lismo de negocios norte-americano. Mas

0

que nos interessa

agora

e

buscar os pontos na sua elaboracao que a levaram de

uma tao cuidadosa analise das relacces entre estrutura industrial

e legislacao sindical para uma tao def iciente caracterizacao das

orientacoes dos agentes sociais af implicados .

E creio que 0 problema central esta no modo como ela usa

a nocao de interesses . Quando ela diz que 0 projeto daquela

corrente sindicalista correspondia aos interesses do setor mo-

demo dos assalariados fabris, poupando-se de qualquer analise

especif ica sobre os valores assumidos por tais agentes, era como

se aqueles interesses decorressem naturalmente das caracteristicas

das industrias onde estavam empregados. Mas, entao, seriam

inexplicaveis as diversidades de orientacoes entre correntes sindi-

cais assentadas em setores industriais com estrutura produtiva

similar.

Tambem nos primeiros estudos sobre os movimentos sociais

urbanos predominavam as explicacoes das caracteristicas de

combatividade e autonomia com que emergiam pelos novos

padroes da acumulacao capitalist a no pais. Obrigado a intervir

diretamente na producao,

0

Estado perderia toda sua ambigiii-

dade e deixaria cair suas mascaras. Urn Estado incapaz de asse-

gurar as condicoes necessarias para a propria reproducao da

Iorca de trabalho aparecia como alvo - logo entendido como

inimigo - dos movimentos sociais com que os trabalhadores

buscariam defender esses interesses negados.

30. Mas caberia dizer que mesmo antes disso

J.

Humphrey elaborava

uma caracterizacao do sindicalismo de Sao Bernardo que pareceria con-

firmada por seu desdobramento. Ver

J .

Humphrey,

op. cit.

31 Veja-se, por exempio, F. Oliveira,

Elegia para uma reiliigiiio,

Paz

e Terra, 1977, a p. 103:  A 'debacle do populismo nao e outra coisa

senao a dissolucao da arnbigilidade do Estado, determinada pelo movi-

mento de centralizacao do capital. 0 Estado e agora produtor de mais-

valia e segue-se a isto que

0

seu carater repressor e opressor nao pode mais

ser mascarado . Uma aplicacao dessa tese mais particularmente para a

4

Tal tipo de interpretacao ja se defrontou com as dificuldades

expostas .pelo proprio curso do processo politico no pais. Com

a constituicao do regime civil da Nova Republica , 0 Estado

continua desempenhando urn papel decisivo na propria acumu-

lacao capitalista, mas dificilmente se poderia dizer que ele esta

despido de toda ambigiiidade e de toda mascara. Mas, afinal,

quem fala em ambigiiidades e mascaras esta obrigado a falar

nos processos d e atribuiciio de signif icado e no mundo simbolico

que definem fatos sociais nesses termos. Mais uma vez, ao fazer

as caracteristicas politicas derivarem diretamente de fatores eco-

nomicos, 0 analista opera uma naturalizacao destes, perdendo

a dimensao daquilo que os antropologos chamaram de  enorme

plasticidade do organismo hurnano : ou seja, a grande gama de

respostas possiveis diante de uma mesma solicitacao dada.P Ou

poderiamos, para ficar entre os sociologos, nos remeter aos estu-

dos de Max Weber sobre os tipos de dominacao legitima, onde

precisamente a legitimidade da dominacao (ou suas ambigiiida-

des, ou suas mascaras ... ) nao

e

dada por si mesma, mas pelo

senti do que faz para os agentes socia is implicados.P Ou, final-

mente, no campo do marxismo, poderiamos nos remeter aos estu-

dos de Gramsci sobre os mecanismos da hegemonia, pel a qual

uma classe dominante obtem 0 consentimento dos dominados.v'

o fato e que, pretendendo explicar movimentos sociais por

determinacoes estruturais, os analistas chegam a impasses in-

sohiveis.

analise dos movimentos sociais urbanos encontra-se em 1  Alvaro Moises,

 Contradicoes urbanas, Estado e movimentos sociais

in Revista de

Cultura e Politica, n.  1 1979. Esse tipo de explicacao predominou nos

estudos pioneiros sobre movirnentos sociais urbanos no Brasil.

32. Mais particularmente a pesquisa etnol6gica se sobrepos as ideias

acerca de demand as e necessidades enquanto dados naturais que rece-

beriam respostas culturais. Desde, peio menos, Marcel Mauss,

0

conjunto

das instituicoes sociais configura urria totalidade que ja pertence ao

dominie da cultura.

33. M. Weber,

Economia y sociedad,

FCE, Mexico, 1944. Veja-se, nessa

linha, a articulacao operada por M. Lucia Montes em  0 poder e a

cuitura: novos temas, velhas reflexoes ,

mimeo, 1981

34. Ver A. Gramsci, Literatura e vid a nacional, Civilizacao Brasileira,

1968. I

41

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Urn deles apareceu para aqueles que, querendo falar da

 autonomia dos movimentos sociais, apontavam-na como decor-

rente de determinacoes da estrutura politics e economics. Tais

movimentos seriam autonomos porque, buscando as condicoes

necessarias para a reproducao da Iorca de trabalho, encontravam

urn Estado que se antepunha inflexivelmente a tais interesses.

Ainda que tal explicacao pudesse dar conta da realidade empirica

observada

(0

quee duvidoso), a nocao mesilla de autonomia ai

veiculada fica bastante mutilada. Seria uma autonomia diante do

Estado (mas entao melhor teria sido dizer antagonismo ), mas

nenhuma autonomia haveria no sentido de urn papel criativo

na hist6ria.

Outro esta nessa ideia de condicoes necessarias

a

repro-

ducao da Iorca de trabalho e que necessariamente nao seriam

satisfeitas devido aos padr6es da acumulacao capitalista. Segundo

Marx, em cuja obra se inspiram os formula dores dessa explica-

<;:ao para as contradicoes urbanas, as condicoes necessarias

a

reproducao da Iorca de trabalho sac definidas historicamente,

correspondendo a urn nivel instituido socialmente (pelas lutas de

classe, pel a cultura). Assim, como sac necessidades sociais se

sao necessariamente nao satisfeitas? Onde estao instituidas en-

quanto necessidades? 0 paradoxo ja foi apontado por Edison

Nunes em sugestiva comunicacao a respeito dos estudos ,sobre

movimentos reivindicativos

urbanos.

Uma conclusao extraida da observacao desses impasses

e

que nao se po de deduzir orientacoes e comportamentos de

 condicoes objetivas dadas . Tais deducoes pressup6em uma

nocao de necessidades objetivas que moveriam os atores sem

as mediacoes simb6licas que as instituem enquanto necessidades

sociais. Quem pretender cap tar a dinamica de movimentos sociais

explicando-os pelas condicoes objetivas que os envolvem e pou-

pando-se de uma analise especifica de seus imaginaries pr6prios

ira perder aquilo que os singulariza. Ira perder, por exemplo,

35. Veja-se 0 ite m Compra e venda da Iorca de trabalho in K. Marx

El capital, vol. I, cap IV, FCE, Mexico, 1946, p. 124.

36. E. Nunes,  Carencias urbanas e reivindicacoes populares

n,

mimeo,

CEDEC, 1985. .

42

aquilo que diferenciou a lideranca metahirgica de Sao Bernardo

da direcao sindical dos metahirgicos de Sao Paulo, ou uma comu-

nidade de base de uma sociedade de amigos de bairro. 0 que,

em definitivo,

e

deixar escapar 0 principal.

Fui levado, por isso, ao estudo dos precessos de atribuicao

de significados, pelos quais uma ausencia e definidacomo caren-

cia e como necessidade, e pelos quais certas acoes sociais sac

definidas como correspondendo aos interesses de uma co1etivida-

de. Refiz, assim, 0 percurso das ciencias sociais erne dei conta de

que sua crise se expressa na perda de poder explicativo dos mo-

delos globais que a sustentaram, mas nao implica a irrelevancia

das contribuicoes de seus autores para 0 conhecimento da vida

social, mesmo no que ela apresenta de mais atual.?

Para a questao que neste momenta esta colocada - da

mediacao entre estruturas dad as e acoes sociais desenvolvidas -,

exponho os pontos que me servem de referencia no estudo feito.

Com relacao a elaboracao cultural das necessidades, e certo

que os diferentes movimentos sociais aqui tratados, encontrando-

se numa mesma sociedade, partilham de uma mesma def inicao

daquilo que e necessario - dos alimentos que saciam a fome,

dotipo de vestimenta que os abriga e os exp6e, do signif icado

da casa, dos meios de transporte, do lazer etc. E certo que,

constituindo-se no campo generico das chamadas classes traba-

lhadoras, tais movimentos se inscrevem num conjunto de praticas

que podem ser identif icadas como lutas pela obtencao de bens

e services que satisfacam suas necessidades de reproducao, Isso

e compartido pelos clubes de maes do Grajau, pelos movimentos

dos favelados de Itaquera, pelos membros do sindicato dos meta-

, lurgicos de Osasco. Ainda assim, 0 modo como 0 fazem (que

tipo de acoes para alcancar seus objetivos), tanto quanta a

importancia relativa atribuida aos diferentes bens, materiais e

simb6licos, que reivindicam, depende de uma constelacao de

significados que orientam suas acoes,

Depende, em primeiro lugar, do signif icado daquilo que

def ine urn determinado grupo enquanto grupo, quer dizer, sua

37. A. Touraine, op . cit.

43

.

• •

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. identidade. Nao se trata de alguma suposta identidade essencial,

inerente ao grupo e preexistente as suas praticas, mas sim da

identidade derivada da posicao que assume. Tal identidade se

encontra corporif icada em instituicoes determinadas, onde se

elabora uma hist6ria comum que the da substancia, e onde se

regulam as praticas coletivas que a atualizam. Quem sac os

sujeitos em questao? Sao membros de um sindicato? Militantes

de urn partido? Participantes de uma comunidade de base?

Depende, em seguida, do modo como se articulam objetivos

 praticos a valores que dao sentido a existencia do grupo em

questao. Podem lutar por benfeitorias para um bairro sem querer

imiscuir-se nos conflitos politicos por respeito a ordem vigente.

Podem lutar por tais melhorias atraves de uma mobilizacao

politica que imaginam contribuir para a transformacao da socie-

dade. Podem lutar pela defesa de melhores condicoes de trabalho

como afirmacao de uma dignidade coletiva. E

dai

por diante .

Depende finalmente - e talvez sobretudo - das expe-

riencias vividas e que f icaramplasmadas em certas representacoes

que ai emergiram e se tornaram formasde 0 grupo se identificar,

reconhecer seus objetivos, seu inimigos, 0 mundo que 0 envolve .

Estava assim em condicoes de repensar as relacoes entre

as condicoes de existencia postas para os trabalhadores e as

caracteristicas dos movimentos sociais. E recorro ao modo como

E. P. Thompson concebe a constituicao hist6rica das classes

sociais:

 As classes acontecem

a

medida que os homens e mulheres

vivem

suas relacoes de producao e experimentam suas situacoes determi-

nantes, dentro do 'conjunto de relacoes sociais com uma cultura e

expectativas herdadas, e ao modelar essas experiencias em formas

culturais ,38

Ernbora as pessoas se encontrem, de saida, numa sociedade

estruturada ja de determinada maneira, a constituicao historica

das classes depende da exp eriencia das condicces dadas,

0

que

38, E. P. Thompson,  ;,Lucha de clases sin clases? 

in Tradicion, revuelta

y

conciencia de clase,

Anagrama, p. 38.

44

implica tratar tais condicoes no quadro das significacoes cultu-

rais que as impregnam. E e na elaboracao dessas experiencias

que se

identiiicam interesses ,

constituindo-se entao coletividades

politicas, sujeitos coletivos, movimentos sociais. (E certamente,

na medida em que tais movimentos constituem urn agente ativo

na formacao social,mesmo aquela  estrutura ja dada  e tambem

produzida pelas interacoes e lutas de classe.)

E aqui f inalmente retorno a questao da passagem de uma

forma a .outra de configuracao social dos trabalhadores. Como

pensar a mudanca ocorrida? Se as mudancas nao podem ser

pensadas como se fossem resultado da a<;ao imperiosa de uma

realidade independente das vonta des dos atores sociais, elas

teriam entao sua fonte nest as vontades? Com efeito, uma reva-

lorizacao dos sujeitos sociais, pensados como senhores de suas

acoes , constituiu urn movimento intelectual de oposicao ao

 objetivismo preexistente.t? Mas seguir essa trajet6ria seria

manter uma falsa dicotomia entre sujeitos e estruturas. Ora, os

sujeitos estao implicados nas estruturas objetivas da realidade.

Se considerarmos que a chamada  realidade objetiva nao e

exterior aos homens, mas esta impregnada dos significados das

acces sociais que a constituirarn enquanto realidade social, temos

tambern de considerar os homens nao como soberanos indeter-

minados, mas como produtos sociais .

Quando Castoriadis, cuja I nstituicao imagindr ia d a socie-

d ad e

constituiu urn guia basico neste percurso intelectual, falou

de autonomia e de indeterminacao, nao pretendia ignorar 0 peso

do mundo objetivado .. Pelo contrario, disse mesmo que a socie-

dade se encontra pres a

 entre as coercoes do real e do racional, sempre inserida em uma

continuidade hist6rica e por conseqiiencia co-determinada pelo que

ja se encontrava af, trabalhando sempre com urn simbolismo ja dado

e cuja manipulacao nao

e

livre .  

39. Ver R. Cardoso,  Movimentos socia is urbanos: balance entice

in

Sorj e Almeida (orgs.),

Sociedade e politica no Brasil p6s~64,

Brasiliense,

1983. Tambern: Paoli, Teles, Sader,

op, cit.

e L. A, Machado. da Silva e

A, C, Ribeiro, Paradigma e movimento social: por onde and am nossas

ideias? , Anpocs, 1984.

45

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Mas 0 que sustentou

e

que, ainda assim, 0  fazer hist6rico 

estabelece e se da outra coisa que nao

0

que simplesmente e,

e que ha nele

signij icaciies

que nfio sf io nem ref lexo do percebido,

nem simples prolongamento e sublimacao das tendencies da anima-

lidade, nem elaboracao estritamente racional dos dados .40

-, 0 indeterminado nao cobre, portanto, todo 0 fazer hist6rico, .

mas constitui uma dimensao deste, atraves da qual uma capaci-

dade criadora da imaginacao produz novos significados. Essa

capacidade, que Castoriadis chama de imaginario radical , se

efetiva na hist6ria sob a forma de urn imaginado  (ou imagi-

nario ef etivo ). Sac os sistemas de slgnif icacoes que estao na

base dos simbolismos de cada sociedade, das suas' instituicces e

dos fins aos quaisela subordina sua funcionalidade.

. Com essas ref erencias procurei pensar as alteracoes nas

praticas coletivas de trabalhadores, como reelaboracao do ima-

ginario constituido, atraves de novas experiencias, onde se pro-

duzem alteracoes de falas e deslocamentos de significados. Por

at surgem praticas instituintes.

D o card ter d e classe as coniig uracoes socia is

As referencias empiricas dos estudos sobreos movimentos

sociais sac as mais diversas: uma categoria sindical de trabalha-

dores, uma comunidade de base ou

0

conjunto das comunidades,

favelados de uma determinada favela ou de uma vila, moradores

de urn loteamento clandestino que se organizam, mulheres de

clubes de maes, 0  rnovimento popular  pens ado como urn con-

junto de movimentos etc. Logo se colocou a questao de se

elucidar a relacao entre tais agrupamentos, empiricamente dados,

e a conceituacao das classes sociais. Se os estudos concretos

desvendaram formas originais de praticas coletivas, freqiiente-

mente encobertas por uma simplificada explicacao atraves das

40. C

Castoriadis, A instituiciio imagindria da sociedade, Paz e Terra,

1982, pp. 176-7.

46

 classes sociais , por outro lado os conceitos que permitiriam

fundamentar tais estudos ficaram por ser feitos.

Colocada a questao, ela foi freqiientemente respondida com

urn esforco esteril para insetir as novas realidades nos velhos

esquemas. Assim, por exemplo, M. Gloria Gohn, preocupada

com a imprecisao nos estudos existentes, atribuiu a confusao

a

 nao especificacao da natureza dos movimentos socia is urbanos e,

por outro (lado), no nao reconhecimento de que to do movimento

social tern sempre urn carater de classe, que esta inscrito em sua

pr6pria 16gica

 .41

E considerando que por ai deteria a chave da compreensao

desses movimentos, ela conclui:

 Conf orrne a classe social temos uma forma de manifestacao das

cont radicoes sociais e elas se expressam atraves de dif erentes f orm as

de lutas que irjio caracter izar movimentos sociais distintos   .42

Segundo tal concepcao, movimentos sociais sac derivados

de diferentes classes sociais previamente configuradas. Seriam

como manifestacoes de uma essencia.

Eu nao considero que se deva abandonar a conceituacao

marxista da existencia objetivamente dada das classes sociais,

. sob a condicao de que nos entendamos bem a respeito do signi-

f icado dessa objetividade. Se pensarmos a realidade objetiva

como

0

resultado das

a90essociais que se obietivaram -

que

e  portanto, concomitantemente exterior aos atores sociais e f ruto

reiterado de suas praticas institucionalizadas' -, poderemos

pensar a existencia objetiva da divisao de classes na sociedade

capitalista como uma  realidade virtual , uma condicao vivida

e continuamente reelaborada. Classe social  desse modo desig-

na uma condicao que e comum a urn conjunto de individuos.

Mas ela e alterada pelo modo mesmo como e vivida. Francisco

41

M.

Gloria Gohn, A

[ orca

da

perij eria,

Vozes, 1985, p. 46.

42. Idem, ibidem,

p. 49.

43. Ver P. Berger e T. Luckmann, A construciio social  da realidade,

Vozes, 1978.

47

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de Oliveira, estudando a constituicao das classes e identidades

de classe em Salvador atraves da relacao entre as esferas da

producao e da reprcducao, observa que para tal pesquisa

 faz-se necessario ater-se em primeiro

lugar

a objetividade da

divisao social do trabalho ( . ) Mas a reprcducao nao

e

simples-

mente

0

eterno retorno da producao, que no caso transf ormaria os

resultados em reposicao dos pressupostos. A reproducao

e 0

movi-

mento no qual e pelo qual a objetividade se representa .44

A reproducao implica representacoes simbolicas pelas quais

os agentes se reconhecem, identif icam os demais e a si mesmos .

Esse processo incide necessariamente sobre as condicoes dadas

na esfera da producao,

A constituicao dos movimentos sociais implica uma forma

particular de elaboracao dessas condicoes (elaboracao mental

enquanto f orma de percebe-la, mas tambem elaboracao pratica

enquanto transformacao dessa existencia). Nesse sentido, movi-

mentos socia is operam cortes e combinacoes de classe, conf igu-

racoes e cruzamentos que nao estavam dados previamente.

Tomemos a celebre passagem do Dezoito Brumario, em

que Marx discute. a realidade de classe dos camponeses parce-

larios da Franca para explicar sua f orma passiva de represen-

tacao atraves de Luis Bonaparte:

 Na medida em que milhoes de familias camponesas vivern em

condicoes econornicas que as separam umas das outras, e op6em

0

seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras

classes da sociedade, estes milhoes constituem uma cIasse. Mas na

medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma

ligacao local e em que a similitude de seus interesses nao cria entre

eles comunidade alguma, liga9ao nacional alguma, nem organizacao

politica, nessa exata medida nao constituern uma cIasse. Sao, con-

seqiientemente, incapazes de f azer valer seu interesse de cIasse em

seu pr6prio nome ( . ) Nao podem representar-se, tern que ser

representados

.45

44. F. Oliveir a, 0 elo perdido, Brasiliense, 1987, p. 12.

45. K. Marx, co Os pensadores, Abril, p. 403.

48

Estao ai presentes duas nocoes de classe: numa primeira,

 objetivamente dada , a classe e definida pelas condicoes de

existencia; na segunda ela depende da elaboracao subjetiva ,

da organizacao dos sujeitos implicados. Nao se trata de escolher

entre as duas nocoes, mas de articula-las enquanto dois mo-

mentos indissoltiveis. A distincao entre os dois momentos tende

a passar desapercebida ou a nao ser problematizada quando a

representacao subjetiva aparece mais proxima a producao obje-

tiva, como nos casos em que urn movimento operario aparece

como representacao da classe operaria. No caso dos novos

movimentos sociais eles se dao no solo da condicao proletaria,

mas esta e elaborada de urn modo tal que os contornos classistas

se diluem. 

B verdade que na tradicao marxista aquela dualidade se

articulou de urn modo bem particular: a realidade objetiva

criando uma classe em si e a tomada de consciencia dessa

realidade criando a classe para Si .47 Tal concepcao foi nitida-

mente expressada por dois marxistas franceses no curso dos

debates politicos do pos-f id, ao assumirem a defesa das posicoes

leninistas:

 Lenin distingue cuidadosamente

0

sujeito te6rico-hist6rico da revo-

lucao

(0

proletariado como cia sse, que deriva do modo de producao)

e seu sujeito politico-pratico (a vanguarda que deriva da f ormacao

social) que representa nao ja

0

proletariado 'em si', dominado

econornica, politic a e ideologicamente, mas

0

proletar iado 'para si',

consciente do lugar que ocupa rio processo de producao .  48

Mas nao e obrigatorio que a distincao entre esses dois

niveis assuma essa f orma. T. Negri, por exemplo, articula uma

 composicao tecnica da classe operaria , que corresponderia a

46. Veja-se as sugestoes de F. Oliveira, 0

elo perd ido, op . cit.

pp. 116-7.

47. Esta f ormulacao ja aparece em K. Marx, Miseria da [ilosoiia. Veja-se

a p. 209 da Ed. Costes .

48.

D. Bensaid e A. Nair, A proposito del problema de organizacion:

Lenin

y

Rosa Luxembourg

in Teoria marxista del p artido polit ico II ,

Pas ado

y

Presente, 1969, p. 14.

49

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composicao organica do capital, com uma composicao politica ,

que corresponderia a sua cultura e tradicao de

Iuta.

A discussao sobre as condicoes postas pela divisao capita-

. lista de trabalho social em nosso pais tern certamente sua

.importancia para a compreensao dos movimentos sociais. Mas

na verdade as maiores interrogacoes comecam a partir

dai, 0

que desaf iou a inteligencia dos que se interessaram pelo feno-

meno foi a emergencia de uma nova configuracao dos trabalha-

dores, uma outra identidade social, nova forma de representacao

coletiva. ·Por isso, se nossa pesquisa procurou cap t ar os ele-

mentos que conformaram a condicao proletaria em Sac Paulo,

ela se deteve particularmente no estudo dos movimentos sociais

que reelaboraram essa experiencia,

A id entiiica ciio d os s uj eitos

Tanto tenho usado a nocao de sujeito para nomear os movi-

mentos sociais que ja nao posso me f urtar a uma discussao

sobre

0

significado de talconceito. Poucas nocoes sap tao ambi-

guas, carregadas de sutilezas e mal-entendidos como essa, Se

num enunciado ela pressupoe a soberania do ator,

num

outro

pressupoesua sujeicao. Em suma, da f ilosof ia

a

lingiiistica,

pass ando pela psicanalise, pisamos num terreno minado, palco

das mais aces as polemicas. Nao se trata aqui, evidentemente, de

trilhar toda a hist6ria polemic a do conceito,

0

que nos levaria

pelo menos ate Descartes.P Mas estou obrigado a elucidar as';

significacoes implicadas nos termos usados nesta exposicao.

Urn primeiro motivo para

0

use dessa nocao consiste no

fato de que os agentes dos movimentos sociais aqui tratados

49. T. Negri, Del obrero-masa al obrero-social, Anagrama, Barcelona,

1980. Na mesma linha, ver S. Bologna, A composiy80de c1asse e a

teoria do partido na origem do movimento dos conselhos de trabalhado-

res

in P rocesso d e trabalho e estrateg ias d e classe,

Zahar, 1982.

50. Pude compreender melhor algo sobre 0 tern a sobretudo gracas ao

estudo das anotacoes de urn curso de Marilena Chaui sobre A morte

da consciencia na filosofia conternporanea .

50

.expressam uma insistente preocupacao na elaboracao das iden-

tldades coletivas, como forma do exercicio de suas autonomias.

Neste memento, portanto, 0 termo aparece mais como objeto

de analise do que como -instrumento conceitual. Assim, na fa-

rnosa assernbleia do Movimento do Custo de Vida, realizada a

2.0 de junho de 1976, dom Mauro Morelli, bispo da regiao sul,

proclamava que nos devemos ser sujeitos da nossa pr6pria

hist6ria .51

E foi provavelmente a partir das f alas que emergem dos

movimentos que muitos autores assumiram 0 termo e procura-

ram elabora-lo teoricamente. Tomemos uma rapid a amostragem:

J.

A. Moises, tratando das lutas dos metahirgicos de Sac

Bernardo:

  , . talvez seja 0 caso de admitir a existencia de uma estrategia

subjacente a esses movimentos que apontam, precisamente, na

direcao da constituicao de urn novo sujeito coletivo. f a luta pela

cidadania que da conteudo ao movimento sindical que, para se

af irmar, acaba entr ando na polltica .52

J. C. Petrini, ao descrever 0 desenvolvimento de uma comu-

nidade de base:

 Teve inicio assim 0 lento processo de agregacao popular ( . ) que

constituiu aquelas pessoas como urn

sujeito popular,

com uma

identidade propria, progressivamente conquistada, com a conscien-

cia de ter uma historia semelhante, problemas e esperancas comuns,

os mesmos valores, e tambem urn destino comurn

.53

L. Boff, caracterizando 0 processo de constituicao das comu-

nidades eclesiais de base, diz que:

  . a massa, mediante as associacoes, se transform a num povo

que comec a a recuperar a sua memoria hist6rica perdida, elabora

uma consciencia de sua situacao de marginalizacao, constr6i urn

projeto de seu futuro e inaugura praticas de mobilizacao para

mudar a realidade circundante. .

51 Cf.

Cadernos

do

CEAS,

n. 45, 1976.

52. J. A. Moises,  Qual

e

a estrategia .  , op . cit. p. 36, gr ifos meus.

53.

J.

C. Petrini,

CEBs: um novo suj eito popular,

Paz e Terra, 1984,

p. 89.

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E na pagina seguinte, nome an do

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mesmo processo:

  . se eonstr6i sob a participaciio de todos, com a presenca forte

do povo organizado,

novo sujeito historico

emergente na sociedade

e na Igreja .54

S. Caccia Bava, referindo-se a uma pluralidade de praticas

dos trabalhadores que constituiram diversos movimentos sociais:

 A articulacao destes ;;vos espacos publicos, a troea de experien-

eias e a criacao de novos valores entre os trabalhadores atraves

destes processos de rnobilizacao eolocam eomopossibilidade hist6riea

a expressao independente e autonorna dos trabalhadores e sua eons-

tituicao ienquano

sujeito politico 

.55

Heloisa Martins refere-se ao programa de trabalho do

CEDI (Centro Ecumenico de Documentacao e Inforrnacao):

. volta do para a reconstrucao das lutas operarias na regiao do

ABC, com 0 objetivo de eolaborar na construcao de um

novo

suieito politico hist6rico .

 56

E Tilman Evers, discutindo

0

significado nos novos movi-

mentos sociais:

 . 0

que pode ser de relevancia pratica para os movimentos

sociais atuais sac os primeiros e timidos passos no sentido de

tornarem-se

sujeitos de sua

prop r ia histori a

.57

Encontramos variacoes no uso do conceito: em alguns casos

ele esta referido

a

capacidade de expressao no plano da politica

e em outros nao. Variacoes na sua relacao com os fatos empi-

ricos que nomeia: desde agrupamentos bem delimitados ate

0

54. L. Boff , E a lgreia se f ez povo, Vozes, 1986, pp. 58-9. 0 primeiro

grifo e dele, 0 segundo e meu.

55. S. Caccia Bava,

Pr aticas

cotidianas e movimentos sociais, dissertacao

de mestrado, USP, 1983, p. 9, grifos meus.

56. H. Martins, Igrej a e movimento

op erd rio

no

ABC -

1954-1975, tese

de doutoramento, USP, 1987, p. 15, grif os meus.

57. T. Evers,  Identidade: a face oculta dos movimentos sociais in

N ovos Estudos, Cebrap, abril 1984, p. 18, grifos meus.

52

 povo enquanto categoria historica. Mas urn trace comum e

o fato de a nocao de  sujeito vir associada a urn

proj eto,

a partir

de uma realidade cujos contornos nao estao plenamente dados

e em cujo devir 0 proprio analista projeta suas perspectivas e

faz suas apostas. E outro trace comum, vinculado a este, e a

conotacao.com a ideia de autonomia, como elaboracao da propria

identidade e de projetos coletivos de mudanca social a partir das

proprias experiencias .

A rigor a constituicao de urn coletivo qualquer enquanto

sujeito nao implica sua autonomia. Temos varies exemplos

de sujeitos coletivos constituidos atraves de identidades que

lhes f oram atribuidas. Podemos pensar desse modo a identidade

dos trabalhadores formada pelo getulismo. Aquele vasto movi-

mento social constituiu-se certamente num ator social com inci-

dencia no cenario politico, e, no entanto, os padr6es atraves dos

quais ele se representava expressaram sua isubordinacao a urn

projeto que the era exterior.

58

Mas, se nao ha correlacao necessaria entre autonomia e

sujeito, 0 fa to e que' a autonomia presente nos movimentos

corroeu algumas das caracteristicas que constituem a nocao de

sujeito. De urn lade a pluralidade dos movimentos, sem a neces-

saria constituicao de urn  centro estruturante , conspira contra

a ideia de urn sujeito historico capaz de ordenar a diversidade

e atribuir racionalidade aos dados. De outro, a extrema mutabi-

lidade dos movimentos, no sentido de que seus componentes

e'stao constantemente se transferindo de uma forma a outra de

manifestacao, conspira contra a sedimentacao de identidades

coletivas.

A nocao de sujeito ja havia sido alvo de uma artilharia

pes ada no interior da f ilosof ia, pelas suas conotacoes raciona-

listas. F. Guattari, que prefere

0

termo agenciamento coletivo

'de enunciacao   - porque refere mais diretamente a expressao

subjetiva aos processos singulares de constituicao coletiva _,

num texto escrito com T. Negri, relaciona as novas form as de

58. Ver Oliveira, Velloso e Gomes,

Estado Novo: ideologia e poder,

Zahar, 1982.

53

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producao de subjetividade com as mudancas ocorridas nos modos

de producao. Simplif icando muito: a medida que as modali-

dades da producao capitalistica invadem todos os· poros da

sociedade, provocam tambem uma inedita polit izacao no social

e, com isso, urn descentramento do politico.f

E. Laclau tambem estuda os novos movimentos sociais a

partir de uma critica a nocao classica de sujeito. Considera que

as transformacoes do capitalismo no seculo XX debilitarani

0

vinculo entre as -experiencias dos trabalhadores no local da

producao e as vividas em outras esferas, que se multiplicaram

e ganharam mais importancia. Em decorrencia, 0 agente social

nao possui mais unidade e homogeneidade, sendo dependerite

de varias posicoes de sujeito , atraves das quais ele e consti-

tuido em diversas instancias. Procurando capitar apeculiaridade

dos novos movimentos sociais, diz que sua caracteristica central

 e

que urn conjunto de posicoes de sujeito (a nivel de local de

residencia, aparatos ,institucionais, varias formas de subordinacao

cu ltural, racial e sexual) tornaram-se pontos de conflito e mobili-

za<,:ao politica. A prolif eracao destas novas f orm as de luta resulta

de uma 'crescente au tonomizayao das esf eras sociais nas sociedades

contemporfineas. autonomizacao essa sobre a qual somente se pode

obter .uma nocao te6rica de todas as suas implicacoes, se part imos

da no~ao de sujeito como urn agente descentralizado, des totali-

zado .6o

o uso da nocao exige, pois, certos cuidados. Se a mantenho

e porque as ambigliidades que ela carrega impregnam tambem

nocoes sucedaneas, indicando talvez a existencia de problemas

mais fundos no pensamento constituido. As nocoes de

ator

e de

ag ente,

que ate aqui utilizei indiferenciadamente, sac portadoras

de uma tradicao sociol6gica que justamente definia

0

primado

do sistema social.: 0 ator social, como aquele que representa

urn papel, designava

0

portador de papeis def inidos no nivel

59. Ver F. Guattari e S. Rolnik,

M icropolitica - cartograf ias

do

desej o,

Vozes, 1986. E F. Guattari e T. Negri,

Les nouveaux esp aces d e

liberte,

D. Bedou, Paris, 1985.

60. E. Laclau,  Os novos movimentos sociais e a pluralidade do social

in Revista Brasileira d e Ciencias Sociais,

n.  2, 1986, p. 43.

54

da estrutura social. 0 que acontece e que, a partir do momento

em que surgiram movimentos de contestacao as concepcces sis-

temicas, varies termos for am reconotados. Touraine retomou a

. nocao de ator, ja pensado como urn elemento dot ado de auto-

nomia. Nada impediria 0 mesmo com a nocao de agente. 0

fato e que no Brasil, a partir dos discursos presentes nas comu-

nidades de base, f oi a nocao de sujeito que

emergiu

com esse

novo sentido. Preferi por isso trabalha-la, usando-a no sentido

que a elabora Castoriadis, quando ela pode denotar tanto a

autonomia como a heteronomia.

Quando uso a nocao de sujeito coletivo e no sentido de

uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organi-

zam praticas atraves dasquais seus membros pretendem defen-

der seus interesses e expressar suas vontades, constituindo-se

nessas lutas.

Se a existencia de sujeitos nao tern como correlacao ne-

cessaria

0

exercicio da autonomia, esta

e

impensavel sem aqueles.

J

a nao se trata da ideia de algum sujeito hist6rico privile-

giado - por exemplo, 0 proletariado de uma tradicao marxista

do modo como Ioi f inalmente sacralizado na H istoria e cons- <

ciencia de classe,

de Luckacs - que esteja no centro dos aeon-

tecimentos antes de qualquer acontecimento, gracas ao seu lugar

na estrutura; urn sujeito de cuja posicao se pudesse captar 0

sentido de toda sociedade e de toda hist6ria. Mas trata-se, sim,

de urna pluralidade de sujeitos, cujas identidades sao resultado .

·de suas interacoes em process os de reconhecimentos reciprocos,

e cujas composicoes sac mutaveis e intercambiaveis. As posicoes

dos diferentes sujeitos sac desiguais e hierarquizaveis: porem essa

ordenacao nao

e

anterior aos acontecimentos, mas resultado deles.

E, sobretudo, a racionalidade da situacao nao se encontra na

consciencia de urn ator privilegiado, mas e tambem resultado do

encontro das varias estrategias.

Ao f inalizar estas ref lex6es que servem de referencia para

a relacao entre sujeito e autonomia, permito-me mais uma (e

longa) citacao, Nessa questao nao posso deixar de recorrer a

Castoriadis, que op6e autonomia a alienacao a partir da  de-

marche  da psicanalise. A f rase de Freud que ele toma como

premissa e  Onde era 0 Id, sera 0 Ego . Nao se trata de que

55

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.

••

••

o Consciente possa absorver e esgotar 0 Inconsciente, mas de

que ele se tome a instancia de decisao . Se, com Lacan,  0

inconsciente e 0 discurso do Outre , a autonomia e 0 processo

pelo qual meu discurso toma

0

lugar desse discurso estranho

que esta em mim e me domina. 0 discurso Meu nao pode ser

a eliminacao do discurso do Outro , que brota constantemente

nas pulsoes inconscientes de cada urn. Assim (mas simplificando

e empobrecendo a exposicao de Castoriadis) a maxima de Freud

nao e tornada como ideia reguladora com referencia a urn estado

impossivel, concluido, mas a uma situacao ativa de uma pessoa

que nao cessa de retomar suas fantasias sem deixar-se dominar

por elas. 0 que e pois,

0

sujeito enquanto lugar da autonomia?

 Nao

e 0

sujeito-atividade pura, sem entrave nem inercia, esse

Iogo-f atuo dos f il6sof os subjetivistas, esta nama independente de

. qualquer suporte, liame e alimento. Esta atividade do sujeito que

'trabalha sobre si mesmo encontra como seu objeto a multidao

de conteudos

(0

discurso do Outro) com a qual ela nunca terminou

de se haver; e sem esse objeto ela simplesmente nao

e.

0 su jeito

e

tarnbern atividade, mas a atividade

e

at ividade sobre alguma

coisa, do contrario ela nao

e

nada. Ela

e

po is co-determinada por

aquilo que ela se da como objeto.

 61

Ha, pois, uma inerencia reciproca de sujeito e objeto na

pr6pria constituicao do sujeito. Nessa concepcao, sujeito auto-

noma nao

e

aquele (pura criacao voluntarista) que seria livre

de todas as determinacoes externas, mas aquele que

e

capaz de

reelabora-las em funcao daquilo que define como sua vontade.

Se a nocao de sujeito esta associ ada a possibilidade de autonomia,

e pela dimensao do imaginario como capacidade de dar-se algo

alem daquilo que esta dado.

Os

d is cur sos q ue cons tituem s uj eitos

Diz Hannah Arendt que

 0 ate humane primordial deve conter a resposta a pergunta que

se f az a todo recern-chegado: 'quem es?

 .62

61 C. Castoriadis,

op. cit.

p. 127.

62. H. Arendt, A condiciio humana, Forense, 1981 p. 191

56

o

discurso que revela a acao revela tambem

0

seu sujeito.

Assim, do discurso dependeria a atribuicao de sentido as coisas,

a partir do primeiro significado, que permite 0 dialogo humano,

que

e

0 de estabelecimento das identidades.

A identidade se revela no discurso? Mais do que isso, se

nos voltarmos para a Psicanalise, ela se constitui nessa operacao.

Dela aprendemos que as pulsoes do inconsciente s6 podem ser

reconhecidas ao serem nomeadas e, portanto, inscritas na lin-

guagem. Mas, assim como a palavra que nomeia

0

desejo nao

e

0

pr6prio desejo, a identidade expressada no discurso do

sujeito nao e igual ao inconsciente mudo que 0 impeliu para a

fala.

Como insistem os linguistas, a linguagem nao

e

urn mero

instrumento neutro que serve para comunicar alguma coisa que

ja existisse independentemente dela. A linguagem faz parte das

instituicoes culturais com que nos encontramos ao sermos socia-

lizados. B na verdade a primeira delas e que da

0

molde pri-

mordial atraves do qual daremos forma a qualquer de nossos

impulsos. Ela e condicao tanto no sentido de que nos condi-

ciona , nos inscreve num sistema ja dado, quanta no senti do de

que constitui urn meio para alcancarmos outras realidades, ainda

nao dadas.

Num texto belissimo sobre a fenomenologia da linguagem,

Merleau-Ponty fala de uma significacao desta que

 executa a mediacao entre minha intencao ainda muda e as pala-

vras, de tal sorte que minhas palavras surpreendem a mim mesmo

e me ensinam meu pensarnento  

.63

Desse modo, ao exprimir algo

0

sujeito nao apenas comu-

nica algo aos outros mas tambem para si mesmo.

 Se a palavra quer encarnar uma intencao significativa, que

e

apenas urn certo vazio, nao

e

somente para recriar em outrem a

mesma f alta, a mesma privacao, mas ainda para saber de que ha

falta e privacao. Como chega a isto? A intencao significativa se

da urn corpo e conhece-se a si mesma buscando urn equivalente no

63. M. Merleau-Ponty, col. Os pensadores, Abril, p. 133.

57

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sistema das significacf ies disponiveis, que representam a lingua que

falo e

0

conjunto dos escritos e da cultura de que sou herdeiro.

Para a intencao significativa, voto mudo, trata-se de realizar urn

certo arr anjo dos inst rumentos ja signif icantes ou das signif icacoes

ja falantes (instrumentos morfologicos, sintaticos, lexicos, generos

literarios, tipos de narrativa, modos de apresentacao do aconteci-

mento, etc.) suscitando no ouvinte

0

pressentimento de uma signif i-

cacao outra e nova, e, inversamente, promovendo naquele que

f ala ou escreve a ancoragem da signif icacao inedita nas signif icacoes

ja

disponfveis.  64

, Recorrendo a linguagem, enquanto estrutura dada, para

poder expressar-se. 0 sujeito se inscreve na tradicao de toda sua

cultura. Mas, nesse mesmo ato de expressar-se, operando urn

novo arranjo das signif icacoes instituidas, e1e suscita novos

significados.

Se pensarmos num sujeito coletivo, n6s nos encontramos,

em sua genese, com urn conjunto de necessidades, anseios, me-

dos, motivacoes. suscitado pela trama das relacoes sociais nas

quais ele se constitui. Assim, se tomarmos urn grupo de tra-

balhadores residentes numa determinada vila da periferia, pode-

remos identificar suas carencias, tanto de bens materiais necessa-

rios a sua reproducao quanta de acoes e simbolos atraves dos

quais eles se reconhecem naquilo que, em cada caso, e conside-

rado sua dignidade. Mas essas demandas de reproducao material

e de reconhecimento simb6lico encontram-se, antes dos discur-

sos, apenas em estado de existencia

virtual.

Existem sem forma

nem atualidade. E e claro que, quando nos referimos a essa exis-

tencia virtual antes dos discursos, trata-se apenas de uma situa-

c;:ao l6gica, ja que tais demandas jamais existem nesse estado

mudo; em cada situacao concreta se encontram materializadas

de urn modo particular.

E

atraves dos discursos que tais deman-

das sao nomeadas e objetivadas de formas especificas. E atraves

dos discursos que a carencia virtual de bens materiais se atualiza

numa carencia de casa pr6pria ou de urn barraco, de sapatos

ou de vestidos, de Ieijao com arroz ou carne-de-sol, de escola

para os filhos ou televisao.

E

atraves dos discursos que a de-

64. Idem, ibidem, pp. 134-5.

58

manda do reconhecimento da pr6pria dignidade pode ser satis-

f eita por meio do trabalho arduo ou da preservacao do fim de

semana para pescar, da liberdade individual ou da integridade

da familia, do culto religioso ou da liberdade politica.

Quando nos referimos a urn discurso estamos pensando

no usa orden ado da linguagem, numa fala ou num texto em que

urn sujeito se dirige a urn publico (ou, no limite, a uma segunda

pessoa). Os diversos discursos que lemos ou escutamos numa

sociedade num dado periodo - f alas do Lula, serm6es de dom

Paulo, discursos presidenciais - podem ser remetidos a matrizes

discursivas que comp6em, nessa sociedade e nesse tempo, urn

modo - e suas variacoes - de nomear seus problemas, obje-

tivos, valores. Embora se expressem, atraves dos discursos, os

antagonismos e mecanismos de poder que constituem as lutas

sociais, nao iremos encontrar sistemas compartimentados que

separem de modo absoluto modelos discursivos de uns e outros.

E Foucault quem discute as relacoes intrincadas entre discurso

e poder:

 E

precisamente no discurso que se articulam

0

poder e

0

saber.

E

por essa razao mesma,

e

necessario conceber

0

discurso como

uma serie de segmentos descontinuos, cuja Iuncao tatica' nao e

uniforrne nem estavel. Mais precisamente: nao se deve imaginar urn

mundo do discurso dividido entre

0

discurso acolhido e

0

discurso

excluido ou entre

0

discurso dominante e

0

discurso dominado;

mas como uma multiplicidade de elementos discursivos que podem

atuar em estrategias diversas.

£

essa distribuicao que

e

preciso

restituir, com

0

que ela comporta de coisas ditas e coisas escondidas,

de enunciacoes requeridas e das proibidas; com

0

que ela supoe de

variantes e de efeitos dif erentes segundo quem f ala, sua posicao

de poder,

0

contexto institucional em que se acha colocado; com

0

que ela comporta tarnbern de deslocamentos e de re-utilizacoes de

formulas ident icas para objet ivos opostos

.65

Aquilo que e dito e

0

que e escondido, aquilo que e lou-

vado e 0 que e censurado, comp6em 0 imaginario de uma

sociedade, atraves do qual seus membros experimentam suas

condicoes de existencia. Nao quer dizer que todos os discursos

65. M. Foucault, La volante de savoir, Gallimard, Par is, 1976, p. 133.

59

.

 

'.

•••

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.

 ~

• •

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·1

-

-

:

 

e

••

- ,

1

sejam iguais e nem mesmo que derivem de uma mesma matriz

discursiva. Mas, tendo de

interpelar

urn dado publico, todo dis-

curso e obrigado a lancar mao de urn sistema de referencias

compartido pelo que fala e por seus ouvintes. Constitui-se urn

novo sujeito politico quando emerge uma matriz discursiva

capaz de reordenar os enunciados, nomear aspiracoes difusas ou

articula-las de outro modo, logrando que individuos se reco-

nhecam nesses novos significados. E assim que, formados no

campo comum do imaginario de uma sociedade, emergem ma-

trizes discursivas que expressam as divisoes e os antagonismos

dessa sociedade.

Num sugestivo texto no qual expoe algumas premissas para

uma pesquisa sobre as origens do peronismo, Oscar Landi lanca

rnao

da nocao de sistemas de interpelacoes , que estruturam

as divers as Iormacoes discursivas, dando-lhes determinadas ca-

racteristicas politicas. Trata-se de urn sistema porque

0

funda-

mental

e 0

modo de cornbinacao entre as varias interpelacoes,

que design am para os agentes sociais seus lugares em cada uma

das esf eras da sociedade. E a partir dessas referencias que ele

pensa a ernergencia de uma nova hegernonia, que implica

. a realizacao exitosa de urn sistema de interpelacoes pelo qual os

individuos ou grupos sociais se reconhecarn a si mesmos como

partes de urn 'nos' que os inclui.

Este processo nao consiste na conquista da adesao de diferentes se-

to res socia is e ideologias paradigrnaticas de classe, mas em desarti-

cular as Iorrnacoes discursivas adversarias, desprender suas interpe-

lacces e articula-las

a

matriz doutrinaria pr6pria, ainda que seja

de maneira ternporar ia e conflitiva  .66

Assim, em nosso caso, na emergencia dos novos atores

sociais, das novas configuracoes e identidades dos trabalhadores

no cenario publico, no que parece 0 inicio de urn outro periodo

na hist6ria social de nos so pais, nos deparamos com 0 nasci-

mento de formas discursivas que tematizam de urn modo novo

os elementos que compoern as condicoes de existencia desses

setores sociais.

66. O. Landi,  Lenguajes, identidades colectivas

Y ,

actores politicos .

mimeo,

1979. pp. 10-1

6

a p i t u l o

.~

S a b r e a s

e x p e r iin c ia s

d a c on d i r i l o

p t o l e t d na

e m S i l o P a u l o

Virginia chegou em Sac Paulo em 1953, as vesperas do

surto industrial dos tempos de

J

uscelino e da formacao das

novas perif erias. Tinha 7 anos ao chegar, acompanhando os

pais, a av6 e 9 irrnaos, quando eles achararn que a roca nao

dava mais.  A gente veio com a cara e a coragem. 0 pai veio

primeiro e alugou urn quarto de 4 por 4 na Vila Guilhermina

(bairro da Vila Matilde, na zona leste) onde se alojaram os 13.

A~ c~egar, f oi a maior dif iculdade pra arrumar emprego,

pnmeiro porque a gente nao tinha prof issao . Isto e as habi-

lidades que tinham no trabalho da lavoura de nada lhes serviam

na cidade. Foram todos buscar trabalho em diferentes fabricas.

o pai foi ser  ajudante geral , E os irmaos, ja com 12, 13 ou

15 anos, ja partiam pra Iabrica, trabalhar pra ajudar. Entao

dai foi que a gente comecou a se integrar mais assim na cidade.

Entao eles arrumaram urn servicinho, ganhavam aquela mixaria,

que eram de menor, e meu pai tambem trabalhando, minha

mae trabalhando, trabalhava todo mundo . 0 trabalho os dis-

persa e, no dizer dela, os integra na cidade. 0 trabalho dispersa

os membros da familia em diferentes empregos, mas nao anula

o lugar da familia como micleo de referencia basico:

0

trabalho

de cad a urn e vis to como forma de ajudar a f amilia, em que

todos se ap6iam .

61

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Ela mesma comecou a trabalhar com 12 anos em cas a

de familia e tarnbern costurando v p r a fora . Essa habilidade

dornestica foi 0 ponto de partida para sua integracao no

l

trabalho

industrial. HE depois que eu peguei a idade,

mas

ou menos

com 14 anos, que

0

juiz so autorizava com 14 anos, af entao

eu passei a trabalhar em Iabrica. Comecou como aprendiz de

cerzideira e trabalhou em Iabrica textil ate casar.

Estranhou muito 0 trabalho fabril,  porque eu nao tinha

aquela liberdade de poder sair, pra ir tomar cafe, pra ir no

banheiro a hora que quer. Era tudo regula do em Iabrica , Fa-

lando disso quase 30 anos depois, ainda se lembra: Tinha umas

chapinhas, a gente so podia ir no banheiro com aquelas chapi-

nhas. Entao a nossa sala tinha umas 300 companheiras ( ... )

dessas 300 so 10 ... nao, menos, acho que erarn umas 5 chap i-

nhas. Entao voce ve, quando uma tava com a chapinha no banhei-

10, a outra podia estar morrendo de necessidade, nao podia ir

enquanto ela nao chegasse ( ... ) Dai eu era muito revoltada .

o desajuste entre os habitos formados no trabalho rural e os

encontrados no industrial produz essa indignacao contra a

regulamentacao que ignorava as necessidades de cada uma. 0

sentimento de revolta encontra forma de expressao quando ela

recebe urn pouco de orientacao de outras pessoas, de f alar

pra mim que eu nao podia deixar passar is so barato . Ela se

da conta de onde apoiar-se: Conversando assim, com uma com-

panheira, com outra, elas Ialam assim, olha ai que a gente

tem direito de ganhar 0 dia quando falta por doenca. Tem lei

que favorece 0 trabalhador, que tem de ganhar tanto, 0 minimo,

menos do que isso nao podeganhar . Ela se da conta da exis-

tencia de direitos e vai a [ustica contra a empresa. Assim, se

0

desajuste inicial tinha por base a cultura rural, ja sua rebeldia

se manifesta atraves de referencias atuais da vida urbana.

Conta tambem que, por insistencia do pai e da avo, de

 tradicaoxla familia, assim, ser catolico, cumpridor dos seus

deveres , foi participar numa comunidade de jovens da igreja

e partiu pra essa luta assim no bairro . A incorporacao a comu-

nidade da igreja, estimulada pelo catolicismo tradicional da

familia, ganha um outre' sentido gracas as experiencias coletivas

no bairro.

62

Assim foram se integrando na cidade. Alias, 0 quarto da

Vila Guilhermina ja havia sido abandon ado, pois

0

pai com-

prara um terreno um pouquinho mais distante, na Cidade Pa-

triarca, onde a familia foi construindo, aos domingos, a casinha

onde ela morou durante 30 anos.

J a dessas indicacoes assim resumidas temos referencias de

temas basicos da sua experiencia de vida: a migracao enquanto

projeto familiar; a redefinicao da familia na integracao urbana;

o impacto da disciplina fabril e a reacao operaria: a construcao

da casa propria atraves do trabalho domestico;

0

encontro com

as comunidades de base. Mas, antes dever como a historia de

Virginia se cruza com outras na constituicao de. movimentos

populares em Sao Paulo, observemos como elas comp6em, na

multidao de trajetorias as mais dlspares, umapresenca primeira

dos trabalhadores na constituicao do espaco metropolitano.

Na voragem do pr ogresso

o que significou, para os individuos das classes populares,

viver em Sac Paulo nesses 20 anos entre 1960 e 1980? Ou,

em outras palavras,

0

que foi, nesse periodo da vida cia metro-

pole, a experiencia da condicao proletaria?

A bem dizer nao tivemos uma experiencia da condicao

proletaria: um mesmo padrao que fosse compartido comumente

por uma coletividade homogenea. Diferencas devidas, de um

lado, aos diversos lugares ocupados na divisao do trabalho

social e, de outro, aos divers os padr6es culturais existentes

produziram experiencias diversas. POl' isso teremos de cap tar ,

ao lado dos processos sociais mais gerais que envolveram a

regiao metropolitana, as diversidades ocorridas.

Para que possamos nos introduzir nesse universe, vejamos

primeiramente dois registros localizados dessas experiencias,

o primeiro e de Francisca, que veio da roca na Paraiba,

em 1975, para morar numa f avela no Grajaii e se empregar

numa fabrica. Perguntada sobre

0

que mais a impressionara

1 Depoimento dado ao autor.

63

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ao chegar em Sao Paulo, respondeu que  e a correria, 0 pequeno

espayo de descanso da gente ...  

Em seguida adiciona que par outro lado,

e

aquele tal de

'emprego da dinheiro'  . Critica da situacao e do sistema (rnili-

tante ativa de comunidade de base), ela diz que 0 dinheiro nao

da para nada, mas nao deixa de reconhecer que ele permite 0

aces so a recurs os que nao teria na roca.?

o

segundo e uma reportagem publicada no jornal 0 Estado

de

S.

Paulo

em

1980,

com a narrativa das profundas mudancas

ocorridas no bairro do

J

abaquara. Desde os anos 50 0

J

abaquara

nao e mais periferia, e la se encontram parcelas significativas de

trabalhadores mais qualificados, de pequenos comerciantes, em-

pregados de escritorio, bancos e comercio. Ainda assim, em

1980, 58 % dos seus moradores recebiam menos de 3 salaries

mmimos, e ele era identif icado como um bairro pobre. Vejamos

agora a reportagem citada. Ela Ialava de um progresso que

desfigurava

0

bairro. Pavimentacao de ruas, extensao das redes

de agua e esgotos, canalizacao de corregos, abertura de estacoes

de metro, um anel rodoviario e uma nova rodovia, um grande

viaduto eram expressoes desse progresso que viera desf azer um

modo de vida caracterizado pel a tranqiiilidade de ruas onde as

criancas brincavam, por uma convivencia comunitaria, pracas

arborizadas, uma rede de services variada e proxima aos mo-

radores.

. Nao precisou muito tempo para que

0

crescimento da regiao e

0

progresso, levado pelas melhorias publicas, alterassem toda a estru-

tura anterior. Em 16 anos sua populacao passou de 50 mil para

300 mil, que ha 12 anos enfrentam obras consecutivas. Primeiro

2. Depoimento dado ao autor.

3. A SEPLAN (Secretaria de Economia e Planejamento do Governo do

Estado) dividiu os distritos da Capital em 8 areas homogeneas a partir

de uma analise das seguintes variaveis: renda familiar, saneamento

basico, densidade dernografica, crescimento populacional, usa residencial

do solo urbano e mortalidade proporcional. Classificadas por ordem se-

gundo as condicoes de vida, as da area I eram as que apresentavam os

padr6es mais elevados.

0

Jabaquara estava na area VII. Cf. SEPLAN,

Subdivisdo do mun icipio de S iio Paulo em areas homogeneas  1977 

64

-f oi a Rodovia dos Imigrantes, desapropriando centenas de im6veis,

eliminando 11 campos de f utebol de varzea e praticamente toda a

Vila Imprensa. Em 1968, a construcao da Linha Norte-Sui do

Metro

e

oficialmente inaugurada. Concluida, ela t rouxe conforto,

mas tambem muito transtorno .  4

Atraves do olhar nostalgico desta narrativa ficamos sabendo

que 0 barulho das maquinas de terraplanagem, britadeiras e

caminhoes com pedra e terra estavam desfazendo 0 sossego

do velho bairro. As ruas, tomadas por intenso trafego de onibus

e automoveis, ja nao comportavam as conversas despreocupadas

de vizinhos e as brincadeiras das criancas. As relacoes de vizi-

nhanca, que faziam com que as calcadas fossem extensoes das

casas, que f icavam com suas portas abertas, eram coisas do

passado. Tambem 0 unico cinema do bairro fora f echado e em

seu lugar agora passava uma avenida. E no entanto a verdade

e que tais transtornos haviam sido em grande parte ligados a

melhorias reivindieadas pelos proprios moradores. Assim, um

deles, conselheiro da Sociedade Amigos de Bairro de uma das

vilas do [abaquara, apos lembrar a vida comunitaria anterior-

mente existente, quando a gente colocava cadeiras na f rente

das casas e todos se conheciam , diz que com as obras todas,

que dotaram a localidade de toda a infra-estrutura necessaria

(0 que foi resultado das lutas da propria SAB), aquele modo

de vida desaparecera. E ele filosofava ao encarar tais mudancas

como resultado do progresso .

Teria side interessante saber como os diferentes setores

desse bairro viveram tais mudancas. Infelizmente nao temos

tais informacoes, mas a propria reportagem deixa indicacoes

sobre diferencas entre os que - nostalgias a parte - se bene-

ficiaram com as melhorias (sem falar dos recem-chegados, que

certamente nem teriam tais nostalgias) e aqueles que foram sacri-

.Jieados por tal progresso. Ou seja, nao so os que tiveram de

se mudar porque as obras publicas derrubaram suas casas, mas

4. Celia Romano, U Jabaquara, hoje urn bairro desf igurado in

0

Estado

de S. Paulo 10/2/80. Anote-se que os dados que ela apresenta sobre a

elevacao da populacao nao correspondem as estat ist icas existentes, ainda

que nao ref utern sua caracterizacao geral.

65

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tambern os que, com a valorizacao dos terrenos, foram empurra-

dos para novas periferias, de custos mais baratos.

,  os depoimentos ademais se caracterizam por amalgamar na

nocao de progresso 0 ccnjunto das mudancas feitas, tanto as

queridas como as indesejadas, aparecendo estas, em geral, como

o preco pago pela obtencao das primeiras.

Temos aqui algo dessa experiencia da vida metropolitana

que poderiamos chamar de voragem do progresso . 0 termo

 voragem me veio a partir de observacoes f eitas por Jorge

Wilheim a proposito de um padrao de vida urbana em Sao

Paulo, numa entrevista em que descreve uma caracteristica des-

,personalizante desta metropole, onde seus moradores nao reco-

nhecem seus lugares.

 Todos sabemos que .Sao Pa1l10

e

uma cidade que cresceu, em

primeiro lugar , por correntes migratorias, principalmente na decada

de 50. As pessoas que ainda vem para ell estao deixando lugares

onde a vida

e

pior do que aqui. Onde existe menos oportunidade

do que aqui. Quando aqui chegam, a diversif icacao de .mercado,

de emprego, deoportunidades faz com que todos os migrantes se

lancem com grande veemencia na conquista . dessa terra nova e

dessas oportunidades novas.

Isso faz com que cad a cidadao se comporte de uma forma indivi-

dualista e voraz. 5 '

o .termo voraz me pareceu apropriado para assinalar urn

trace marcante da experiencia de vida na metropole paulista.

So que, pelo -,.menos para os casos que estamos examinando, a

voragem aparece primeiro como um atributo de processos exte-

riores e independentes .das vontades dos individuos. B

0

pro-

gresso que e vivido como um processo objetivo, com vida

propria, que traz melhorias para os que sabem (ou podem)

aproveitar-se dele; mas tarnbem traz perdas e sacrif icios para os

que nao conseguem pega-lo pelo lade certo .

0

progresso,

como algo inerente

a

metropole, e percebido como urn cresci-

. mento vertiginoso, que provoca transformacces ininterruptas,

5. Entrevista com

J.

Wilheim, Cada um por si e Sao Paulo para todos

in Folhetim

de 27/180.

66

J

como uma correria que deixa pouco espaco para 0 descanso

das gentes ...

Essa tal voragem foi, em primeiro lugar, a experiencia de

viver numa metropole num crescimento vertiginoso que, para

realizar-se, teve de destruir e ref azer constantemente seu am-

 

biente construido.

Foi na decada de 50 que Sac Paulo se tornou a cidade

que mais cresce no mundo , alcancando a taxa de crescimento

anual geometrico de 5,6%. 0 ritmo foi decrescente nas decadas

seguintes, mas nao deixou de ser bem elevado. A populacao de

1960 - que ja era resultado de urn crescimento notavel nos

passados 10 anos - aumentou mais de duas vezes e meia ate

1980.

EVOLU<;AO DA POPULA<;AO RESIDENTE

Em mil habitantes

Taxa cresco geornetrico

1960

1970

1980

1970·60

1980-70

SP municipio

3.709

5.905

8.493

4,79%

3,67%

I •

SP regiao metropolitana

4.791

8.140

12.588

5,44%

4,46%

,

Fonte: Emplasa, Sumd rio de dados basicos da Grand e Siio Paulo, 1982.

. Anote-se, nos numeros, 0 aumento relativo da regiao metro-

politana. Quer dizer que 0 crescimento populacional se estende

sobretudo por outros municipios da Grande Sac .Paulo. Nao

se cleve entender por ai que

0

municipio da capital

ja

tivesse

esgotaclo sua capacidade de' expansao demografica. Na verdade,

se tomarmos os incrementos populacionais em termos absolutos,

veremos que a maioria se localizou na capital, sobretudo em suas

periferias. (Ver Anexo 1)

Procuremos, alem dos numeros, olhar os processos socia is

que eles registraram. Observaremos entao as trajetorias percor-

ridas pela populacao metropolitana, procurando localizar-se na

cidade em mutacao.

Dos estudos f eitos acerca dos padroes habitacionais das

populacces de baixa rend a em Sac Paulo, Nabil Bonduki nos

da uma primeira abordagem:

67

'.

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 A trajet6ria habitacional de milhares de migra~tes . que. chegam

entre 1940 e 1970 em Sao Paulo apresenta uma signif icativa seme-

lhanca: na chegada

0

abr igo em casas. de parentes/conter rane,os ou,

para os que nao tern nenhum conhecido,

0

aluguel de urn comodo

no cortico ou no f undo de lote na perif eria; depois, para todos,

0

aluguel se generaliza como a solucao mais simples; no entanto,

o destino mais comum, depois de passar algum tempo pagando

aluguel, era a compra de urn lote desprovido de qualquer melh?-

ramento e a ccnstrucao de alguma edif icacao que pudesse servir

de abrigo.6

Procurando fugir dos alugueis,

OS

trabalhadores VaG bus-

cando (ou produzindo) novas perif erias, mais distantes, menos

equipadas e, por isso, mais acessiv~is ~os, se~s recurs?s .. ~as e1es

nao podem se f ixar em lugares

cua

distancia torne mVlav.el sua

locornocao ate as regioes onde se localizem seus ~,ventU S e~-

pregos. Se N. Bonduki data da decada de ~O 0 .p~~rao pen-

ferico de habitacao popular

e

porque ele £01 possibilitado pela

expansao das linhas de onibus que entao se deu. Mas e no curso

dos anos 50 que 0 processo se intensifica, com o. desloc~mento

progressivo de industrias dos antigos bairros fabns p~uhsta~os.

Em meados dos anos 50 inicia-se um novo surto mdustr~al,

baseado em unidades produtivas mais modernas, tendo po~ eixo

a industria automobilistica. Nesse momento, segundo P. Singer,

esgotavam-se as economias externas _ que a localizacao central

of ere cia para as indiistrias. A elevacao do preco do so~~ e as

dif iculdades crescentes com os transportes numa zona ja con-

gestionada empurravam as in~ustrias ?~ra ~ perif eria. Na ver-

dade, boa parte das Industries tra~lClOna1S permaneceu nas

antigas zonas f abris (Bras, Mooca, Ipiranga). M~s sobretu.do ~s

novas for am se estendendo pelo vale do rio Pinheiros em ~lfe<;ao

a oeste e, em seguida, para

0

sul, e ao longo das rodovias An-

chieta Dutra e Anhanguera. As Iamilias operarias f oram se-

guindo a rota das Industrias. aproveitando as vias de acesso e a

6.

Nabil Bonduki,

 0

surgimento de propostas alte~,nati~as de producao

habitacional sob controle de associacoes populares , mimeo, ANPOCS,

1984, p. 6.

b

CEN

7. Cf. P. Singer,

Desenvolvimento econbmico e evoluf iio ur ana~ ,

1977.

68

montagem dos equipamentos urbanos que se fazia em funcao

delas. Assim tambem se localizavam proximos as suas f ontes de

emprego (tal proximidade aparecia como urn dos motivos da

f ixacao nessas areas, se bem que a alta rotatividade no emprego

f reqiientemente os obrigava aos maiores e mais complicados

deslocamentos). E junto com os operarios e os aspirantes ao

trabalho industrial f oram os que subsistiam com atividades vol-

tad as para a propria vizinhanca: os que abriram bares, empo-

rios, quitandas, acougues: as cabeleireiras, os sapateiros, enca-

nadores, eletr icistas, mecanicos, borracheiros, Assim, os micleos

industriais f oram se estabelecendo ao Ion go das vias de acesso

e, a medida que se afastavam do centro, foram criando suas

proprias periferias e as cidades-dormitorios da Grande Sao Paulo .

As decadas de

60

e de

70

f or am de intensa e continua

remodelacao urbana: quarteir6es derrubados, avenidas rasgadas,

erguidos viadutos, bairros refeitos. A expansao metropolitan a ,

criando grandes distancias, so se tornava possivel se estas fossem

vencidas por urn sistema de locomocao mais agil, E se tal expan-

sac se tornou possivel com 0 aumento dos veiculos motorizados

na cidade, esse aumento, por sua vez, exigiu uma enorme amplia-

<;ao das vias de transito que permitissem seu f luxo. 0 enfrenta-

mento das grandes distancias e de longos periodos nos trajetos

diaries entre a cas a e 0 trabalho incorporou-se a experiencia da

vida urbana para os trabalhadores. E estas maiores exigencies

de vias de transporte constituem um fator a mais no sentido de

uma rapida transf ormacao da paisagem urbana.

Nesse contexto, a vida da maioria das Iamilias trabalha-

doras f oi marcada por constantes rnudancas. Isso nao quer

dizer que e1es nao procurassem se f ixar e, mais que isso, f ixar

na paisagem urbana as marcas de sua presenca, (Ver Anexos

2 e 3.)

Ao observarmos os mapas e tabelas da distribuicao da

(popula<;ao pelo espaco metropolitano, encontramos um registro

{do modo como seus diferentes setores viveram 0  progresso da

tidade que mais cresce no mundo . Na rapida expansao das

p'brif erias da Grande Sao Paulo encontramos sobretudo aqueles

rhaisrecentemente chegados a metr6pole, os de rendimentos

mais baixos, os mais jovens. Da luta pelo sucesso na cidade

69

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grande, uma das f ormas atraves das quais seus resultados se

fazem mostrar mais flagrantemente

e

no lugar de moradia, assi-

nalando os que progrediram e os que perderam na voragem do

progresso.

A ordenaciio pelo trabalho

Em fins de 1972 circulou clandestinamente urn texto mi-

meografado assinado por P. Torres intitulado Uma experiencia

junto ao proletariado . P. Torres foi 0  nome de guerra usado

pot urn jovem metalurgico que trabalhara em industrias do ABC.

Oepois de uma breve passagem pelo PCB, tornara-se militante

da A<;:aoPopular, e

e

na qualidade de membro dessa orgariizacao

que procura transmitir quais eram as condicoes concretas da

luta nas Iabricas naquele momenta (mais particularmente entre

1968

e

1970).

Ao lermos hoje esse texto quase nos sentimos

transportados aquela situacao.

Antes de falar da Iabrica, ele f ala do desemprego, como

uma situacao cujo signif icado so pode ser entendido por quem

pas sou por ela. Signif ica a Ialta de recursos para a, propria

subsistencia, mas ainda e algo mais do que isso:

..0

desempregado fica total mente desvinculado de seu meio. Se

sente desmoralizado diante da f amilia (eie,

0

homem da casa, sern

condicoes de fazer nada), diante dos vizinhos (nao trabalha, meio

vagabundo) e diante enfim da sociedade (urn paria, inutil), Nas

conversas se pode sent ir isto, e alguns pref erem f icar gastando os

iiltimos cruzeiros em bares do que voltar para a casa e sofrer a

pressao

da

f

amllia .

Sente-se ai como a desmoralizacao sofrida esta ligada a uma

ferida produzida no amago de uma identidade construida do

 trabalhador honesto e responsavel , que assegura

0

sustento

da f amilia e tern seu lugar na sociedade. 0 trabalhador desem-

pregado sente-se em culpa pelo desemprego. Alerndisso, naqueles

tempos, estar desempregado era tambern urn risco,como ele

adiciona em nota:

70

 Nos dias de hoje estar desempregado signif ica correr per igo, pois

se somos presos a policia nos

registra:

como marginais, vagabundos.

fl A carteira registrada e sinal de boa conduta para a policia  ,

Das Iernbrancas do seu primeiro tempo de desemprego

Iicara-lhe 0 sentimento de solidariedade entre os que cornpar-

tiam a mesma condicao.

. Existe uma unidade que vai desde sair juntos para buscar ern-

prego, como de repartir

0

dinheiro que se tern ou entao urn 'bico

para trabalhar.

Esta unidade fica urn pouco apagada na hora da contratacao,

Na hora do 'pegar carteira' nao se ve outra coisa a nao ser

0

chefe da secao pessoal e 0 interesse de que nossa carteira seja

escolhida. E a solidariedade do desempregado ao novo contratado

e urn 'boa sorte, e cer ta tristeza por ser protelado na venda de

sua Iorca de t rabalho.

,A solidariedade por partilhar

0

mesmo drama e minada

pela concorrencia no mercado de trabalho. E a concorrencia

aumenta .com a integracao no emprego. Mas ele exp6e antes 0

processo de selecao para 0 ingresso nas gran des fabricas.

. Nos dias de hoje as indus trias estao exigindo uma serie de papeis

que vao desde a Carteira Profissional ate

0

curriculo profissional

e familiar ( . ) E junto aos papeis esta

0 [ator idade.

Os compa-

, nheiros que ja contam com mais ide 30 anos de idade e nao sao

especializados dif icilmente encontram trabalho. As empresas apenas

buscam mao-de-obra jovem e barata que oscila entre os 19 e os 25

anos. ( . )

Para serrnos admitidos numa fabrica temos que passar por algumas

provas e algumas delas bastante diffceis. A primeira prova e 0

preenchimento de uma J icha

pedindo

 0

emprego

a

empresa. Nesta

ficha, alem dos dados pessoais, existem varias perguntas que de-

finem

0

ingresso ou a dispensa das demais provas. Perguntas como:

- e s6cio do sindicato?

. J _ participa de alguma associacao polit ica ou religiosa?

{. - aceita

0

Fundo de Garantia por Tempo de Service?

81

r' _

aceita

fazer

horas extras?

, - aceita ser mudado de service?

- aceita trabalhar de noit~ caso necessario?

71

 

I •

 .

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o segundo teste (a prova de aptidoes, incluindo 0 psico-

teste) era 0 que, segundo seu relato, deixava os candidatos mais

apavorados , pelo seu rigor e pelo despreparo dos trabalhadores.

o terceiro era 0 exame medico.

. Oepois de terem passado em todos os exarnes, a empresa reiine

os novos empregados para explicar-lhes:

- 'por que voces f oram os escolhidos

_ 0

que significa trabalhar nesta industria - uma industria im-

portante,

f . uma terrivel propaganda ideol6gica que, as vezes, deixa creido

a alguns operarios. Isto se da principalmente nas grandes corpora-

coes como General Motors, Grupo Philips, etc. E esta propaganda

corneca pela divisao da classe. A empresa procura f azer uma sepa-

racao entre os que estao entrando para

0

ernprego, com aqueles

que continuam desempregados. Usando expressoes tais como 'voces

sao mais inteligentes, 'rnais capacitados, 'dignos de se incorpora-

rem a familia GM', etc. Os 'outros nao foram capacitados e 'isto

deve signif icar muito para voces .

Em seguida passa-se urn f ilme explicando

0

que

e

a ernpresa.

Mostra-se

0

signif icado e a importancia da fabrica no plano mundial.

E tal filme procura inculcar na cabeca do

operatic

que ele esta

'participandode tudo aquilo - 'sua' empresa esta em quase

todos os paises, etc.

S6 depois desta 'preparacao

e

que ent ramos para trabalhar, para

desenvolver taref as que qualquer urn poderia Iazer, como trans-

portar material de uma secao para outra, encaixotar pecas, varrer a

secao, trabalhar em polimento, ajudar na mecanica, etc. Services

que qualquer ser humano pode desenvolver. 

Do rigor extremo na selecao a banalidade das taref as atri-

buidas aos novos recrutados, esta 'ai relatado urn mecanismo da

segmentacao do mercado de trabalho tal como seria depois

teorizada pelos economistas, embora apenas do ponto de vista

dos f atores econornicos. Do ponto de vista do

operatic

em busca

de emprego,

0

processo aparece em primeiro lugar como mani-

Iestacao impactante do poder da empresa. A selecao aparece,

de inicio, como modo de a empresa ditar suas regras, aprovando

os candidatos que aceitam sua lei. Ela e, em seguida, urn exame

de aptidoes mentais e fisicas acima do necessario para 0 cum-

primento inicial das tarefas, porque a empresa esta constituindo

72

suas reservas , prevendo uma eventual carreira interna do

recem-admitido,

E a adrnissao e tambern urn ensaio de recrutamento ideolo-

gico, em que

0

iniciado aprende

0

orgulho de pertencer aquela

familia. E se a promocao ideol6gica produz ef eitos

e

porque

efetivamente existem diferencas entre 0 emprego nessas fabricas

modernas e 0 que se tern nas menores.

Ele mesmo, quando comec a a narrar sua experiencia na

fabrica, observa:

 ~omecei a notar que a exploracao 'da classe operaria da regiao

nao era tanta, se f osse relacionada com outros setores de traba-

lha~ores, c~~o os que trabalhavam nas minas, com os quais eu

havia ~on~lvldo. Esta primeira impressao deixou de existir depois

das _prtmelras sernanas, pois fomos tragados pel a tecnica de pro-

ducao e pelo maldito horario noturno e diurno alternado ,8

Ha mais urn aspecto da vida f abril assinalado por P. Torres

que vale a pena ser agora anotado:

0

ostensivo sistema de re-

pressao contra qualquer f orma de organizacao e resistencia

operaria nas empresas. Da sua experiencia em 4 Iabricas, ele

d.escreve os mecanismos de colaboracao entre os sistemas repres-

SlVOS

montados pelas pr6prias empresas no seu interior e a

repressao externa, policial-rnilitar. Os sistemas internos, em sua

descricao, teceriam uma rede que comecava com chef es encarre-

gados e supervisores, cuja funcao principal era

 manter

a

ordern , evitando discussoes sobre sindicato ou politica e man-

tendo vigilancia sobre operarios vistos como do sindicato ou

 ~eio comunistas , Essa' rede prosseguia 'com operarios que

agiam como dedos-duros, vinculados as chef ias, secoes de

pessoal ou diretamente com a polfcia; e com aqueles que ele

chamava de  rneros puxa-sacos , que, para assegurar 0 emprego

e. agradar os chefes, irrforrnavam-nos sobre tudo 0 que se pas-

sava em suas secoes. Quanto a a<;iio do sistema externo no

8. P. Torres, Uma experiencia junto ao proletariado , pp. 5-6. A

palavra cr eido por convencido

e

urn espanholismo explicavel talvez

peJo fato .de eJe. ter escrito ja exilado no Chile. Esse texto, com alguns

cortes, fOI publicado na revista

Brasil S ocialista,

n.  3, 1975.

73

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interior da Iabrica, P. Torres narra que em uma das fabricas

o DOPS instalou-se numa sala da propria empresa para ef etuar

interrogatories que permitissem descobrir os autores de boletins

e panf letos que la circulavam. Em outra ele conta que agentes

do II Exercito foram chamados para bus car urn ativista sindical,

que f oi preso e torturado. Numa terceira, militantes presentes

numa assembleia sindical f oram delatados por urn dedo-duro

e todos dispensados da Iabrica.

As caracterf sticas dos sistemas repressivos vigentes nos

anos 70 no interior das empresas ja Ioram expostas por Celso

Frederico, Amneris Maroni, Hamilton Faria, Lais Abramo, entre

outros. 0 que vemos e 0 despotismo inerente a organizacao

capitalista do processo de trabalho exacerbado pelo desconhe-

cimento de qualquer interlocutor coletivo e pelo controle siste-

matico no sentido de ten tar eliminar toda discussao e eventual

contestacao, Contando com a plena colaboracao da repressao

estatal, os sistemas de controle da mao-de-obra manejados pelos

empresarios visavam pulverizar os trabalhadores, agucando os

mecanismos.de concorrencia entre e1es, de abandono de qualquer

ve1eidade de resistencia sindical e de integracao as politicas

patronais.

Transcrevo 0 depoimento de urn militante da oposicao sin-

dical, que trans mite 0 clima que eles viveram:

. V oce vivia assustado e senti a 0 medo dentro da f abrica. ~ logico,

os patroes aproveitavam esse medo ai.  

0

clima dentro da fabrica

era tambem de terror porque voce nao tinha liberdade pra nada,

nem pra juntar cinco, seis pessoase pedir urn aumento. Isso ai

passou a ser considerado urn neg6cio assim contra a lei. Absurdo,

ne? Mas existia. Quando a gente fez uma greve la da hora extra,

a primeira coisa que

0

gerente falou foi isso: 'Vou mandar

0

DOPS vir

aqui',

Chamou urn grupo, urn de cada secao e falou

que queria resolver aquele problema naquele dia mesmo senao ele

ia chamar

0

DOPS para f azer uma investigacao, saber quem tava

pregando aqueles papel no banheiro, quem tava encabecando

0

movimento

.9

9. Cit.

por Hamilton Faria,

A exp eriencia op era ria nos anos de resis-

tencia.

disser tacao de mestrado,

ruc,

1986.

74

Adentrar 0 espaco da f abrica era ingressar num lugar de

ordem e disciplina def inidos de cima ,

por

autoridades

desco-

nhecidas, mas cujos olhos e braces se f aziam sempre presentes.

Aqueles que quisessem usuf ruir das vantagens prometidas por

uma carreira prof issional na industria deveriam se submeter as

suas regras.

E essas vantagens eram muito visfveis no caso das indus-

trias modernas, em geral multinacionais, de avancadas tecnolo-

gias e alta produtividade. As dif erencas salariais eram tantas

que, em 1977, enquanto

0

salario medic de urn empregado na

industria madeireira correspondia a 165 salario minimo, de

urn outro na textil correspondia a 2,28, numa de material de

transporte a 5,02 e numa Iarmaceutica a 5,72.1° Embora a dif e-

renciacao das indus trias segundo a modernizacao tecnologica nao

coincida com. sua distribuicao por ramos industriais, e signifi-

cativo que aquelas de maior dinamismo tecnologico predominem

exatamente nos ramos que apresentam padrces salariais mais

elevados.

Essas fabricas modernas constituiram

0

principal lugar de

experiencias coletivas dos trabalhadores relacionadas as condi-

coes de trabalho. Ta suas dimens6es favoreceram a concentracao

dos operarios e, apesar de todos os sistemas de controle, a

dif usao de processos de resistencia inf ormal a partir dos inevi-

taveis contatos pessoais, troca de informacoes, solidif icacces

de conf iancas coletivas. Apesar de serem capital intensivas ,

essas indus trias aumentaram signif icativamente sua parte na

mao-de-obra empregada. Os ramos mecanico, material eletrico e

transporte, que empregavam 6,7% da mao-de-obra industrial do

municipio de Sao Paulo, em 1949, passaram a empregar 29,4%

em 1974.

Mas as Iabricas modernas nao se caracterizam apenas pela

sua dimensao e sim pelos ef eitos que suas complexidades tecno-

logicas provocam em seus sistemas de administracao, dos quais

se exige urn controle minucioso sobre 0 processo de trabalho.

A determinacao mais estrita das taref as a serem executadas por

J

O. Cf. A. Calabi e C. Luque, . Observacoes sobre

0

padrjio de emprego

e rernuneracao nos estabelecimentos brasileiros ,

FIrE, sr,

1981

75

e

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cada setor (e as vezes por cad a individuo) e

0

controle de sua

execucao sao ao mesmo tempo tornados viaveis pela incorpo-

racao de tecnologias computadorizadas na administracao, e tor-

nados necessaries para se evitar perdas provenientes de des em-

penhos irregulares ou desproporcionais nos dif erentes setores

da producao. Nesse sentido a gestae da mao-de-obra constitui

ai urn aspecto decisivo no funcionamento da empresa.

John Humphrey comparou a politica de emprego e salaries

. das industrias automobilf sticas com outros grupos industriais

dos setores ditos modernos e constatou diferencas significativas.

Para 0 conjunto do setor de materiais de transporte aparecem

grandes diferencas salariais entre as pequenas empresas (em

geral de autopecas) e as grandes (em geral as montadoras),

on de se registram os maiores padr6es de remuneracao. No setor

de tnateriais eletricos os niveis salariais sao mais baixos e mais

pr6ximos da media da industria, sendo de se notar ai a presenca

de industrias de montagem de aparelhos eletronicos leves de

consume e pequenos aparelhos dornesticos em cuja Iabricacao e

grande a utilizacao do trabalho feminino. Finalmente, nas em-

presas mecanicas os niveis salariais eram mais elevados, mesmo

se tratando de Iabricas menores. Especif icamente nas indus trias

,automobilisticas, Humphrey considerou que os salaries mais altos

podiam ser vistos como  instrurnentos de controle e incentivos,

para que os trabalhadores aceitem tanto

0

controle por parte

da administracao como 0 ritmo intenso de trabalho. 0 fato de

que salaries relativamente altos sao pagos a Iuncoes que nao

exigem muito treinamento resulta do trabalho realizado na

industria automobiltstica. 0 trabalho nessa industria e relativa-

mente duro, e os trabalhadores aceitam que tern de trabalhar

mais duro pelo salario acima da media que recebem . As em-

presas entao impuseram disciplinas rigid as apoiadas no medo

que seus trabalhadores tinham de perder seus empregos e, com

isso, sofrerem forte queda de salarios.  Luis Inacio da Silva,

II . I. Humphrey, A Iabrica modern a   in Revista de Cultura e Politico,

5/6. 1981 p.

SO.

Ver tambern do mesmo autor

Controle eapitalista e

[uta operaria na industria automobilistiea brasileira, Vozes, 1982. Eu

ja

havia term in ado a redacao quando tive acesso ao excelente livro de

Ruy Carvalho,

Teenologia e trabalho industrial,

L

&

PM, 1987.

76

quando ainda era presidente do sindicato, em entrevista.dada na

epoca, refere-se ao fato:

 70% da nossa mao-de-obra

e

semiqualificada, operadores .de ma-

quina, trabalhadores que aprendem a fazer uma peca dentro de

15 dias, s6 apertando botoes. Mas depois de certo tempo na empresa

podem atingir urn salario razoavel se comparado com

0

salario

minimo. S6 que quando e mandado embora da Volkswagen

ga-

nhando Cr$ 20,00 por hora, vai entrar na Mercedes ganhando

Cr$ 10,00. A Mercedes tambern manda em bora todos os que ganham

Cr$ 20,00 pra entrar na Volkswagen ganhando Cr$ 10,00 .1

2

Estas indicacoes ja sugerem algumas peculiaridades na orga-

nizacao do trabalho vigente nas grandes empresas. Na verdade,

a existencia de mao-de-obra abundante e a possibilidade de

treinamento rapido para a execucao das taref as levaram-nas em

geral a substituir os sistemas classicos de organizacao capitalista

do trabalho por outros esquemas. Pesquisa desenvolvida em

1978 por Af onso Carlos Fleury lancou alguma luz sobre as

polit ic as empresariais nesse campo.

. Os resultados da pesquisa levararn-nos a uma conclusao surpreen-

dente, qual seja:

a) que todas as empresas consideradas utilizavam urn mesmo es-

quema para a organizacao do trabalho, independentemente da

tecnologia de producao e do grau de dinamismo ambiental;

b) que esse esquema nao era identico a qualquer dos metodos

propostos pelas dif erentes linhas te6ricas.

 13

o esquema utilizado, uma especie de variante do taylo-

rismo, f oi por ele batizado de rotinizacao do trabalho . Assim

como 0 esquema da  racionalizacao , 0 da rotinizacao nao

12. Entrevista dada a 0 Pasquirn e transcrita em Lula - entre vistas e

discursos,

ABCD, 1980, p. 13.

13. A. C. Fleury, Rotinizacao do trabalho: 0 caso das indiistrias meca-

nicas

in

A. C. Fleury e N. Vargas (orgs.),

Organizaciio do trabalho,

Atlas, 1983, p. 90. A amostra f oi realizada em 12 empresas de 6 ramos

industriais diferentes. 0 aprofundamento da analise focalizou 32 em-

presas do setor de maquinas-Ierramentas.

77

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perrnite a formacao de grupos de trabalho e separa as esf eras

do planejarnento e da execucao. Mas, diferentemente da raciona-

Iizacao, a rotinizacao nao estabelece a maneira otima de produzir,

nao .procede

a

selecao e ao desenvolvimento cientif ico do tra-

balhador, nao usa recompensas monetarias como fator motiva-

cional para aumentar a produtividade. Fleury conseguiu identi-

f icar 3 diretrizes basicas no modelo utilizado: a) a criacao de

uma estrutura organizacional de apoio

a

producao (departa-

mento de projetos, de engenharia industrial, de tempos e metodos

etc.) proporcional a incerteza das taref as e necessaria tendo

em vista a utilizacao de mao-de-obra ciesprovida de conhecimen-

tos sobre 0 processo de producao: b) 0 estabelecimento de

 tarefas simples individualizadas que permitam a substituicao

temporaria ou permanente de qualquer operario: c) a criacao

de urn sistema hierarquico para a supervisao das tarefas, elimi-

nando a necessidade de contato entre os operarios para a coorde-

nacao do f luxo produtivo

.14

Assim, as  Iabricas modernas

que se criaram em nosso solo privilegiaram muito mais os

objetivos de contencao e disciplinamento social dos trabalhado-

res, beneficiando-se de maiores taxas de exploracao e recorrendo

~ continua rotatividade da mao-de-obra, do que os de raciona-

lizacao dos processos de producao com conseqiiente aumen to da

produtividade. Seu padrao salarial mais elevado - sempre tendo

por ref erencia os padroes vigentes no setor tradicional - nao ..

se vinculou tanto a incentivos para aumento da produtividade

do operario e sua formacao na empresa como a urn mecanismo

para f azer com que ele temesse perder seu emprego e aceitasse

as normas impostas.

h muito provavel que. a importancia do tema da dignidade

profissional entre os operarios das grandes indiistrias nesse pe-

dodo esteja ligada a revolta contra essa versao nacional do

taylorismo.

De qualquer f orma, no inicio da decada de 70, com a

grande expansao industrial, havia falta de operarios qualificados

e conseqUentemente 0 interesse das firmas em segurar aqueles

 4   Idem. ibidem 

pp. 92-3.

78

que asseguravam sua producao. Nessa situacao, quando insatis-

feitos eOdad a a quase inviabilidade da resistencia sindical, era

comum que operarios qualif icados tomassem a iniciativa de

 pedir a conta e irem buscar emprego em outra empresa.

Baseados na existencia de fortes disparidades nos padr6es

salariais, os economistas passaram a tratar 0 mercado de tra-

balho como urn sistema segmentado. Haveria urn mercado pri-

marie , constituido pelas gran des empresas, que determinariam

seus padroes de rernuneracao segundo criterios internos, com

uma forte diversificacao tendente a favorecer as ocupacoes mais

qualificadas; e urn mercado secundario , constituido pelas em-

presas tradicionais, onde 0 salario minimo funciona como padrao

de referencia, Paulo Renato Souza chega a construir urn modelo

com 3 segmentos: 0 constituido pelas empresas modernas (com

suas fortes disparidades internas),

0

constituido pelas empresas

tradicionais e finalmente

0

chama do setor informal. Grosso

modo, os trabalhadores qualif icados das grandes empresas si-

tuam-se no topo da escala, benef iciando-se de uma politica que

busca integra-los a uma carreira intern a na empresa; os traba-

Ihadores nao qualif icados das grandes empresas misturam-se

com os das empresas tradtcionais, nosentido de que podem

passar regularmente de urn setor para outro e seus niveis sala-

riais nao sap tao diferentes; finalmente uma grande quantidade

s6 encontra ocupacao em microempresas ou como autonomos,

muitas vezes sem registro, nos postos inf eriores do setor ser-

v i Y O S .

15

J a vimos a disparidade salarial segundo ramos industriais.

Mas vale anotar que essa disparidade se acentuou na passagem

entre a decada de 60 e a de 70, constituindo-se portanto numa

experiencia viva dos trabalhadores no periodo que estamos

estudando. Enquanto

0

salario minimo real cairia em mais de

25% entre 1959 e 1973, 0 salario medic real de urn operario

da industria madeireira permanecia praticamente estagnado, e

0

de material de transporte se elevava em 70%. (Ver Anexo 4.)

Mais particu1armente apes a implantacao da politica salarial

dos governos militares verif icamos uma queda dos salaries mi-

15. Cf . P. Renato Souza,

Emprego  salaries

e

pobreza 

Hucitec, 1980.

.

e

79

I

• •

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e

nimose maior dispersao nos salaries medics dos diferentes ramos

industriais.

Se tomarmos, por outro angulo, nao os ramos industriais

mas grupos de operarios segundo suas qualificacoes, teremos urn

outro registro da diversidade da evolucao salarial. Entre 1966

e 1972

0

salario medic real de urn servente numa industria

metahirgica caira em 14

%,

0 de urn operador de carro industrial

caira em 0,7%, mas 0 de urn mecanico se elevara em 3,7%,

o de urn eletricista em 4,6% e

0

de urn analista de laborat6rio

em 7,4%. Todos os dados nos mostram nao apenas a grande

disparidade salarial segundo a qualificacao, mas ainda 0 aumen-

to das diferencas ocorrido no periodo.

Deixemos agora as fabricas e observemos outros lugares

onde se produziram outros tipos de experiencias significativas

das condicoes de trabalho em Sao Paulo nas decadas de 60 e 70 .

Em 1980 cerca de 260 mil trabalhadores estavam em-

pregados no setor da construcao civil .na Grande. S~~ Paulo.

Costuma-se estabelecer uma relacao triangular solidaria entre

migrayao-favela-trabalho na construcao civil. Essa imagem .exige

series reparos. Em primeiro lugar porque a presenca de

migran-

tes nas favelas nao e significativamente diferente da observada

no conjunto da cidade. Em conseqiiencia, as relacoes positivas

entre migracao recente e trabalho na construcao civil e entre

esta variavel e a habitacao em favelas parecem ter motivos dife-

rentes. ? De urn lado as caracteristicas do trabalho na construcao

civil produzem a incorporacao de uma quantidade expressiva de

trabalhadores sem necessidade de especializacao, mal rernu-

nerados, com vinculo empregaticio precario e sujeitos a alta

rotatividade. Ora, sac pessoas nessas condicoes de precariedade

de emprego que mais necessitam apelar para a habitacao nas

favelas. Por outro lado, tambern as caracteristicas do processo

16. Cf . E. Bacha, Os rnitos de uma decada, Paz e Terra, 1976, p. 120.

17. Veja-se as pesquisas de Arlete Rodrigues, Processo migratorio e

situaciio de trabalho da p op ulacao [avelada de Siio Paulo, dissertacao

de mestrado, USP, 1981 Myrna Viana, S. Miguel Paulista: 0 chiio dos

desterrados - urn estudo de migraciio e urbanizaciio, dissertacao ?e

mestrado, USP, -1982.

80

de trabalho nesse setor permitem a utilizacao das habilidades

desenvolvidas em varias atividades artesanais presentes em areas

rurais de onde vieram migrantes. Ou seja, ele abre mais oportu-

nidades para que uma parce1a de migrantes possa ascender na

prof issao , passando a ajudante e a of icial . Outro motivo

freqiientemente observado para a atracao que 0 setor da cons-

trucao civil exerce sobre a rnao-de-obra recem-chegada a me-

tropole

e 0

f ato de  oferecer-lhe urn abrigo.

0

trabalhador

improvisa sua cama e

0

fogareiro nas obras, aproveitando-se de

suas instalacoes, economizando 0 transporte (e possibilitando

assim uma remuneracao mais baixa). Ele esta, dessa forma,

disponivel para 0 trabalho extra a qualquer momenta e serve

ainda como vigia ou zelador.

o

processo de trabalho nesse setor foi caracterizado por

Sergio Ferro segundo 0 modele da  divisao manufatureira do

trabalho , conforme analisado por Marx.  Com efeito, a unidade

do processo nao e assegurada pelo ritmo da maquinaria, mas

pela coordenacao de urn mestre-de-obras. As maquinas sac pou-

cas e as ferramentas, rudimentares, adaptadas a cada operacao,

sac manejadas pelos diferentes profissionais, cujas habilidades

especificas caracterizam cada etapa da producao (os carpinteiros,

os eletricistas, os pedreiros, os armadores, os encanadores). Em

cada etapa uma equipe diversa de oficiais desempenha suas

funcoes apoiada no esforco f isico de urn grande contingente de

serventes (que constituem a grande maioria dos empregados).

Como as dif erentes f ases da producao consistem em etapas

sucessivas no tempo e dada a abundancia da mao-de-obra nao

especializada existente, esses setores sao costumeiramente dis-

pensados ao f indarem suas funcoes nessa obra, somente sendo

recontratados em outra obra e tendo de assegurar sua subsis-

tencia nos intervalos. Por isso tambem sac fluid as as fronteiras

entre

0

trabalho nao especializado na construcao e as ocupacoes

do chamado setor inf ormal. Os dados sobre rotatividade no

emprego mostram que essa situacao atinge particularmente os

 peoes da construcao. (Ver Anexo 5.)

.

. ,18. S. Ferro, •A forma de arquitetura e 0 desenho da mercadoria

in

I

Cadernos de Literatura e Ensaio,

n. 2, 1976.

81

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Em 1980 cerca de 11 % da populacao economicamente

ativa da Grande Sao Paulo tinha uma renda media mensal

abaixo do salario minimo legal. Esse numero da uma dimensao

aproximada das parcelas que nao obtinham do trabalho nem 0

minimo necessario para a subsistencia. Trata-se de uma mer a

aproximacao, seja porque uma parte deles pode apenas comple-

mental' a rend a familiar (e na verdade sac as Iamilias as uni-

dades de subsistencia, mais do que os individuos), seja porque,

em sentido contrario, mesmo

0

salario minirno nao assegura

a subsistencia. Aquilo que os economistas identif icam como

um  setor inf ormal - urn contingente da mao-de-obra que

nao e absorvido pelas empresas organizadas e que conseqiiente-

mente nao desf ruta sequer das condicoes de emprego e salario

estabelecidas pelo setor capitalista - de algurn modo recobre

o que os sociologos de uma decada atras identif icavam como

 setor marginal . Nao vem ao caso agora uma discussao sobre

a impropriedade dos termos, pois 0 que nos interessa aqui e a

identificacao empirica desses grupos e a apreensao dos signifi-

cad os de seus modos de vida.

Os dados levantados pela Emplasa em sua pesquisa sobre

Origem e Destino dos Passageiros na Grande Sao Paulo em

1977 nos permitem uma caracterizacao geral de tais grupos.

Do total de trabalhadores autonomos e assalariados, 25% de-

sempenhavam atividades classif icadas como de baixa especiali-

zacao . Algo mais que a meta de destes (e 13,5% do total)

eram assalariados, uma parte deles prestando services nao es-

pecializados como continuos, of fice-boys, faxineiros, serventes,

outra parte sendo operarios sem especializacao. E algo menos

que a meta de (sendo 115 % do total) foi classif icada como

 autonoma . Mas, destes, 56% eram empregadas domesticas e

31 % desempenhavam as atividades tipicas do setor informal :

ambulantes, carregadores, engraxates, prostitutas. Nota-se que

a categoria baixa especializacao  reune urn conjunto de ocupa-

coes habitualmente classif icadas como nao especializadas .?

19.

Mas nem todos os  nao especializados  foram incluidos nessa

categoria. Entre os semi-especializados estavam inclufdos, por exemplo,

porteiros, zeladores etc. Cf. Pesquisa de origem e destino e1aborada

82

Chama a atencao 0 numero das empregadas domesticas.

Presentes em quase todas as casas de f amilia de classe media

e alta, elas no entanto nao constituem coletivo algum, isoladas,

cada uma submetida a urn domicilio dif erente. Emprego adequa-

do para as mulheres migrantes, porque requer as habilidades

(na cozinha, limpeza, arrumacao domestics) e os padrces cul-

turais que def inem a submissao da mulher no lar.

Quanto aos assalariados sem especializacao, eles constituem

essa massa continuamente submetida ao desemprego, muitas

vezes trabalhando sem carteira assinada e recebendo menos de

urn salario minimo. A inseguranca e a instabilidade fazem parte

do seu cotidiano, de onde brotam continuamente tanto a revolt a

como a subserviencia,

Quanto aos autonomos do setor informal't.  sem estarem

diretamente submetidos a urn patrao e dependendo a cada dia

do exito de suas estrategias para assegurar a sobrevivencia,

vivern mais fortemente na situacao de inseguranca e desamparo.

Uma alteracao das mais significativas, ocorridas nas con-

dicoes de trabalho no periodo considerado, foi a que afetou urn

conjunto de atividades nao manuais . Uma diversidade de

 profissoes que requerem escolarizacao formal, mas, mais do

que isso, a participacao num universo cultural nitidamente

dernarcado da dos trabalhadores bracais foi atingida por mu-

dancas nas condicoes de trabalho que estimularam aproximacoes

culturais significativas entre trabalhadores manuais e intelectuais.

De urn lado tivemos urn assalariamento crescente de antigas

profissoes liberais, sobretudo engenheiros e medicos. Os consuI-

t6rios privados enquanto lugar de trabalho autonomo van

minguando, e

0

lugar pOl' excelencia dos novos contingentes de

pel a Emplasa (Empresa Metropolitana de Planejamento) em

J

977. E

veja-se, sobretudo, 0 estudo de Ana Amelia Silva,

E sp aco e [ orca d e

trabalho na Grand e Si io P aulo,

Emplasa, 1979.

20. P. Renato Souza considera que a mesma ocupacao pode ser incluida

no setor informal ou nao dependendo de sua clientela. Assim, a loca-

lizacao do bairro em que se estabelece um service seria indicador rele-

vante para tal caracterizacao, P. R. Souza,

op. cit.

83

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medicos sac grandes hospitais, clinicas ou postos de saude

geridos como empresas ou services publicos e onde eles sac

assalariados do setor privado ou funcionarios publicos .

De outro lade tivemos um processo de deterioracao econo-

mica de profissoes que ia eram predominantemente assalariadas,

mas submetidas a uma valorizacao cultural e f inanceira que as

distinguia dos trabalhadores bracais. Estao ai as prof essoras e

professores.  Seu prestigio e reconhecimento social estavam

vinculados a uma aura de desinteresse pelos ganhos materiais,

assegurada pela manutencao de condicoes minimas para a repro-

ducao de seu capital simb6lico . Mas ia em

1980

a Associacao

dos Prof ess ores do Estado de Sao Paulo, reclamando contra a

queda salarial da categoria, comparava suas remuneracoes com

o preco de um litro de gasolina (0 salario de um professor

nivel

1

comprava

1250

litros de gasolina em

1970

e apenas

217,

to anos depois) .22 .

Mas e especificamente 0 setor bancario, onde ocorre um

processo de inf orrnatizacao da organizacao do trabalho, que

provoca uma efetiva proletarizacao dos seus empregados. As

novas tecnologias implicam, de uma parte, um novo tipo de

tuncionarios com outras qualificacoes+' e, de outra, a possibi-

lidade de desvalorizacao e rotatividade para 0 grande contingente

de nao qualificados.

Um indicador dessas mudancas de comportamento que

aproximaram trabalhadores nao manuais dos manuais pode ser

dado pela crescente adesao daqueles a forma de associacao

sindical. No setor de profissionais liberals 0 numero de ernpre-

gados sindicalizados aumentou em

363%

entre

1960

e

1978

21 Existem indicacoes no sentido de que para muitas professoras pri-

marias

0

salario nao tinha a importancia de hoje. No contexto da

submissao da mulher, seus salaries eram considerados suplementares aos

do chefe da familia. .

22, Cf. [ or nal da Apeoesp, 1980

23. Veja-se R, Grun, A produciio de uma empresa moderna: os bancd-

rios e a automaciio,

dissertacao de mestrado, PUC, 1985; e F. L. Zarn-

berlan e M. S. Salerno, Racionalizacao e autornatizacao: a organizacao

do trabalho nos bancos

in

A, C. Fleury e N, Vargas,

op, cit,

84

em comunicacoes e publicidade , em

399%;

em

 educacao

e

cultura , em

489 %

.24

Ha f inalmente uma outra caracteristica marcante para

compreensao dos significados presentes na experiencia do tra-

balho nesse periodo: a crescente participacao da mulher nas

atividades remuneradas. A percentagem de mulheres na popu-

lacao economicamente ativa da Grande Sao Paulo passou de

25,4% em 1950 para 282% em 1970 e 32,8% em 1980 .

Houve aumento da participacao feminina em praticamente

todos os setores e ocupacoes, inclusive emramos industriais

ate entao mais resistentes ao trabalho da mulher a partir de

criterios como 0 da menor resistencia Iisica, das protecoes asse-

guradas pela CLT, da menor disponibilidade para horas extras

etc. De um lado 0 crescimento de tecnologias de producao que

requerem do trabalhador mais atencao e meticulosidade do

que esforco Iisico (por exemplo, na industria eletronica) e, de

outro, os ganhos obtidos com os salaries mais baixos pagos as

mulheres parecem ter estimulado a expansao do emprego Iemi-

nino na industria. -

De qualquer modo,

0

trabalho feminino remunerado conti-

nuou predominando nos setores que ia eram mais abertos para

ele. Em 1976, eram 25% as mulheres no total dos ocupados na

industria; no comercio eram 27,5%; na prestacao de services

ia eram 488%. Tornando-se a ia referida Pesquisa de Origem

e Destino realizada pela Emplasa em

1977,

verif icamos que a

ocupacao que, individualmente, predominava entre as mulheres

 trabalhando fora era de empregadas domesticas

(18 %

do

total das mulheres na PEA na Grande Sao Paulo). Um conjunto

de ocupacoes agrupadas como assalariados semi-especializados

do setor terciario (entre as quais ressaltam dati16grafas, banca-

rias, balconistas) soma

27%,

constituindo 0 grosso do con tin-

gente feminino empregado. Professoras, enfermeiras, secretarias,

alem das operarias nao qualif icadas, parecem reunir a maioria

das categorias do trabalho feminino.

24, Cf. M. Herminia Almeida, 0 sindicalismo brasileiro entre a con-

servacao e a mudanca  

in

B, Sorj e M. H. Almeida (orgs.),

Sociedade e

politica no Brasil p6s-64, p. 195.

85

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Se bem que tenha aumentado a participacao feminina nas

ocupacoes tecnicas e cientificas, continuou predominando 0

padrao do trabalho f eminino como nao qualificado, precario e

mal rernunerado.P Enquanto 4,5 % dos homens no municipio

de Sac Paulo recebiam menos de 1 salario minimo, eram 16%

das mulheres nessa situacao no ana de 1980; sendo que 71 %

das mulheres recebiam ate 3 salaries para 47% dos homens.

A partir dos 25 anos corneca a declinar a participacao da mulher

na  populacao economicamente ativa , assinalando a relacao

negativa entre trabalho remunerado de urn lade e casamento e

maternidade de outro. A incorporacao do trabalho feminino

pareceu corresponder a uma busca, pelos empregadores, de

trabalhadores com os atributos vinculados a mulher a partir

do seu lugar subordinado na instituicao familiar: a submissao

e a paciencia, 0 cuidado e a docilidade (presentes inclusive na

irnagern maternaldas prof essoras e enf ermeirasj F

Mas se 0 mundo do trabalho f oi injetado de elementos do

mundo dornestico atraves das mulheres, tambern, no sentido

contrario, as relacoes entre os sexos e 0 lugar natural  da

mulher foram alterados atraves dessa crescente ernancipacao

economics f eminina. E isso signif ica que aqueles atributos tidos

por naturais da mulher f oram bastante af etados.

Assim, resumindo, a experiencia no trabalho - importante

nao so porque condiciona fortemente

0

conjunto das condicoes

de vida na medida em que determina os rendimentos, mas ainda

porque constitui em geral a principal insercao do individuo na

rede social, sendo por isso

0

principal lugar de definicao de

suas identidades - foi a experiencia de uma exploracao extre-

mamente diferenciada. Dif erencas notaveis quanta a remune-

racao, condicoes de trabalho e padroes contratuais foram ex a-

cerbadas na decada. Sufocadas as possibilidades de pressoes

politico-sociais, as condicoes de trabalho foram em geral defi-

25. Veja-se Leticia Costa,

A participaciio da mulher no mercado de

trabalho, FEA, USP, 1982; Cristina Bruschini, Mulher e trabalho, Nobel,

1985; Sandra Brisola,  Sexualizacao das ocupacoes

 in C adernos de

Pesquisa, 1979.

26.

cr.

C. Bruschini,

op. cit,

86

nidas em f uncao das condicoes de mercado. Num mercado de

trabalho altamente competitivo,

0

padrao de comportamento

estimulado e predominante foi 0 da corrida individualista as

posicoes superiores. A busca por  qualificacao , entendida como

habilitacao para as ocupacoes mais procuradas pelas empresas,

esta estampada no enorme crescimento das escolas tecnicas e

profissionais, dos curs os noturnos e mesrno em geral da escolari-

zacao das classes trabalhadoras.

0

padrao individualista de

 veneer na vida  esta estampado no orgulho profissional dos

Ierramenteiros, torneiros, fresadores, dos qualificados em gel' al,

que experimentaram sua importancia no processo de trabalho,

que tiveram significativas melhorias materiais ate a meta de da

decada, que tiveram f orca para barganhar com chef ias das em-

presas mais poderosas. Mas ele foi certamente superdimensiona-

do nas caracterizacoes feitas na decada de 70, porque corres-

pondia aos etos dominantes. 0 orgulho prof issional expressa

sobretudo a experiencia da importancia de seu trabalho para

o processo de producao. POl' is so mesmo f reqiientemente essa

atitude nao implicou uma submissao as normas patronais para

ascender na empresa. Frente a empresas que procuraram quase

sempre impor as normas rigidas e os salarios mais baixos, esses

operarios qualif icados apreenderam a Iorca da pressao coletiva

e mobilizaram as solidariedades Iorjadas a partir das relacoes

pessoais. A experiencia do trabalho foi assim a experiencia de

rigidas disciplinas e de ordenacoes despoticas contra as quais

os trabalhadores se moveram.

As caracteristicas dos processos de trabalho implicaram

uma signif icativa aproximacao entre uma camada de opera-

rios qualificados e um coni unto de assalariados de ocupacoes

nao manuais. E nao se tratou de alguma camada de opera-

rios qualificados pertencentes a profissoes formadas de longa

data e que ia houvesse gerado alguma cultura propria, diferen-

ciada da massa trabalhadora. Esses operarios qualificados assu-

miram seus postos atraves de carreiras relativamente rapidas,

ja que nao se requeria sof isticadas Iormacoes previas. Suas

posicoes privilegiadas em relacao aos demais dependeram mais

cte ~s~u exito na demonstracao de habilidades frente a um

crescimento industrial muito rapido, que exigiu mao-de-obra

87

 

.

 

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qualificada entao escassa no mercado. Por outro lado, assistimos

a uma difusao de padr6es de comportamento de trabalhadores

assalariados de parte de camadas expressivas de membros prove-

nientes das tradicionais  classes medias , com relativa escolari-

zacao e traces de uma cultura em que havia repulsa pelo

trabalho assalariado,

As diferencas no mercado de trabalho se expressaram, por

 Sua vez, numa diferenca entre aqueles que se reconheceram no

trabalho, que se valorizaram atraves dele, e os que viveram de

um emprego para outro, E

0

orgulho dos prof issionais e a

instabilidade dos peoes. Se os primeiros provaram a ordem em-

presarial, contra a qual procuraram mobilizar sua forca especi-

fica no pr6prio local de trabalho, numa relacao constante, os

outros transitaram permanentemente das linhas de montagem

para pequenas of ieinas de conserto, onde 0 dona e um mecanico

.que trabalha com seus empregados, do emprego de off ice-boy

para

0

de ajudante geral, de zelador para sucateiro, de empre-

gada dornestica para balconista. Aqui a dependencia assume mil

f ormas e muitas delas sac disfarcadas. A subserviencia, a re-

beldia,

0

ressentimento eo desamparo, a valorizacao da liberdade

e a insubordinacao estao ai presentes atraves das combinacoes

mais esdruxulas. Na elaboracao dessas experiencias iam se for-

mando identidades coletivas.

A traj e t6ria d os mig rantes na cid ad e

Parcela consideravel dos trabalhadores viveu

0

inicio da

experiencia da condicao proletaria em Sac Paulo na situacao

de migrante. Quer dizer que as experiencias de procurar tra-

balho, obter documentos, arrumar moradia foram realizadas

no curso de urn processo de ressocializacao, onde estao presentes

representacoes que expressam uma alteracao de padr6es culturais.

Em 1970, do total da populacao economicamente ativa

apenas 31 % nao haviam passado pela situacao da migracao:

34% eram migrantes chegados em Sac Paulo M menos de 10

anos: e 35%, migrantes chegados a mais tempo. Em 1980, as

pessoas que haviam migrado M menos de 10 anos e viviam na

88

Grande Sao Paulo somavam 3.384.000 pessoas, das quais

1871000 vinham de Estados do Sudeste e 993.000 de Estados

do Nordeste.

Qual 0 signif icado disso? De que modo esse fenome~o

incide sobre a constituicao das classes trabalhadoras?

No correr dos anos 50 e 60 formou-se uma primeira imagem

a respeito desse processo, que assinalava-o como manifestacao

da modernizacao da sociedade, em transito do tradicional rural

para

0

urbano-industrial. Enquanto personificacao desse pro-

cesso, os migrantes estariam experimentando uma forma de

progresso atraves da mobilidade social oferecida pela industria-

lizacao e pela urbanizacao.

A essa visao otimista contrapos-se uma outra, critica, que

se constituiu com a chamada teoria da marginalidade, ao f inal

dos anos 60, mas que sobreviveu a ela. Nesta imagem vemos

assinalados os mecanismos de exclusao, desenraizamento, margi-

nalizacao, que atingem os migrantes pobres nas metropoles.

Numa pesquisa feita por J. C. Petrini numa comunidade de base

na perif eria de Sao Paulo, vemos a ref erencia as condicoes da

metr6pole, que desvalorizam os conhecimentos rurais, produ-

zindo nos migrantes um sentimento de rejeicao. Enfrentando

uma cultura estranha,

0

migrante se sente perdido, isolado, sem

amparo, tendo, no entanto, de adequar-se a esse sistema .

 0 processo que, do ponto de vista da sociedade, e de integracao

consiste para 0 migrante na desagregacao dos lacos de solidarie-

dade a pessoas e grupos sociais, na perda da fidelidade a valores

e ideais que resultam numa sistematica desapropriacao de sua

identidade.

 28

Descrevendo 0 drama do migrante, os apresentadores de

um livro de relatos dos nordestinos em Sao Paulo dizem que ele

 nao encontra outro lugar que se tome 0 seu lugar, nem outra

gente que se tome sua gente. Sai de sua terra de origem e niio

27. Dados oficiais a partir dos censos do IBGE.

28. J. C. Petrini, CEBs: urn novo sujeito popular, op. cit. p.

30.

89

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7/21/2019 SADER Emir Quanto novos personagens entram em cena parte 1.pdf

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se estabelece no lugar de destine. Vive em uma situacao, mas tern

o coracao em outra. Isto

e

0 que chamamos de desenraizamento .29

Tal caracterizacao, que capta com precisao a perda de'

raizes, tem 0 defeito de f ixar esse momenta como se fosse um

atributo essencial do migrante. Mas quando retomamos com

cuidado os relatos dos migrantes podemos talvez conc1uir que

essa imagem, embora se ref ira a um Ienomeno real, padece de

certa parcialidade. Ela registra com pertinencia os traumas do

impacto da chegada a urn mundo diverso, onde se defrontam com

padroes de conduta aos quais nao estavam habituados. Falando

sobre a nova realidade, estranha e desaf iadora, os migrantes

reagem primeiro, muitas vezes, com a nostalgia daquilo que

perderam: da trama de relacoes pessoais e comunitarias onde

se reconheciam e ' eram reconhecidos. 0 quase isolamento no

qual se veem 1na chegada a urn ambiente desconhecido; a igno-

rancia das regras urbanas e 0 medo de serem enganados; a

exigencia de papeis de identidade cuja obtencao e complexa e

cujo significado parece incompreensivel; a luta por empregos

em que os criterios de admissao nao valorizam as habilidades

que tern; e, sobretudo,

0

ritmo de vida da cidade capitalista

- desde 0 controle do tempo na fabrica ate os horarios rigidos

para a conducao, a comida e

0

demais - sao temas .recorrentes

nos depoimentos dos migrantes.

Mas a parcialidade da interpretacao comeca com uma trans-

criyao acrltica da idealizacao do universo rural. Na fala dos

migrantes, a referencia a uma situacao melhor no campo serve

em geral pa~a contra star 'com as caracterlsticas adversas da expe-

riencia da nova realidade. Mas essa situacao melhor se refere

a um tempo passado. E preciso ver que 0 sentimento de rejeicao

quase invariavelmente comeca no pr6prio ponto de origem da

migracao. Por que veio para Sao Paulo? Porque la na roca

nao dava mais. Essa e a resposta repetitiva que obtemos ao

indagar das razoes dessa mudanca tao diffcil.?

29. Varies, Os

nordestinos em Siio Paulo,

Paulinas, 1982,

p.

33.

30. Cf. E. Durham, A caminho

da cidade,

Perspectiva, 1976; L. Pereira,

Trabalho e desenvolvimento no Brasil ,

Difel, 1965; M. Judith

B.

Muszyns-

ki, 0

impacto polit ico das migrociies internes,

Idesp, 1986.

90

Quando 0 trauma dodesenraizamento nao e superado e

urn sinal de que abortou

0

projeto de sua integracao a nova

realidade. Essa situacao evidentemente existe mas nao e iinica.

E, alem disso, mesmo nos casos em que os migrantes sao afetados

por mecanismos de exclusao e privacao, na rnaior parte das

vezes

0

lamento, ou a revolta, ja e f eito atraves de valores

que indicam a assimilacao de padroes do mundo urbano. 0

proprio texto referido assinala 0 f ato ao dizer que, embora 0

retorno seja 0 grande sonho, rnuitos acham vergonhoso voltar

sem ter vencido na vida , Na verda de as pr6prias queixas da

vida urbana ja sac feitas no interior de um quadro de referencias

onde predomina a busca de oportunidades para melhorar de

vida, e isto exclui

0

retorno

a

roca, a nao ser sob a forma de

urn lugar simb6lico, onde projetam

0

reconhecimento de suas

identidades. E

0

lugar onde se formaram seus habitos e valores

e onde imaginam serem reconhecidos comopessoas integrais.

Tomemos

0

depoimento de um migrante nordestino, que

veio da roca e que chamou os pais para virem tambern:

 Achava melhor para eles e para mim. Aquele lugar

e

poluido,

que a roca la tambem

e

poluida,

e

igualmente Sac Paulo ( . )

E que Sao Paulo a poluicao de que se Iala

e

sobre fumaca, sobre

agitacao, sobre tanta f abrica, tanto esgoto, tanto problema ( . )

Na roca

e

poluido tarnbem, mas tern urn pouquinho de dif erenca:

e

que a poluicao da roca e que as pessoas nao sao todas bem

tratadas ( . ) As criancas nao sao bem tratadas como as que mora

na cidade. A agua que se bebe nao e bem cuidada como a agua

da cidade ( . )

0

trabalho

e

na agricultura e a pessoa se

corta,

se fura e, segundo meu conhecimento, a poluicao da roca

e

isso

ai, Eu pensei que deveria partir para outro lugar, para ficar mais

insufocado, mais a vontade .31

Ante a caracterizacao da poluicao urbana ele chama a

atencao para as privacoes da roca, que 0 incomodavam. Ao dizer

que as pessoas nao sac bem tratadas, ele se ref ere de urn lado

31 Cit. in Os

nord estinos em S iio Paulo, op. cit.

p. 18.

91

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-I:

.:

e;

-\

.1

.1

ao maior conf orto da vida urbana e de outro a maior dureza

das condicoes do trabalho rural. Conclui essa p~rt: re1atan~?

qual era sua motivacso: Ficar mais insufocad~, mars a vontade .

Sabendo-se 0 que significa 0 ritmo compulsive da metr6pole,

poderiamos pensar que seu projeto de vida .te:i~ resultado num

fracasso. Mas nao e assim, porque, na traJetona de cad a urn,

cada passo dado vai levando-o para uma nova situacao, com

novos padroes de conduta, valores, norrnas, expectativas. No

caso deste migrante, vemos como e1e

i

incorporara valores da

sociedade urbana.

Diz que nao se dava bem na roca:

• .Uma por causa do trabalho ( . ) e outra porqu.e nao estudei,

nao aproveitei minha chance, nao tinha oportumdade. _So~ de

baixo grau sobre estudo; mas ate 0 que aprendi, na roca nao tinha

condicao de aprender. Em segundo lugar eu gosto de viver em

urn lugar bem diferente da roca, que tenha mais conforto. Eu me

esforcava em cad a desejo, me esforcava para encontrar. Por

exemplo, se abrisse matricula num colegio, eu ja me esf orcava. se

tivesse urn grupo de pessoas falando de alguma coisa que visse

que servia pra gente, eu chegava para escutar, se visse algum

trabalho de arte, eu chegava para aprender. Realmente nao aprendi

tudo mas na cidade tern tudo isso, na roca nao tern. S6 t inha

meu'

esforcc, nao

tinha uma ajuda suf iciente para aproveitar tudo

que encontrava ,32

Apesar de todos os problemas da cidade, as vantagens que

ela oferecia i

0

atraiam, por contraste com

0

que tinha na ro?~.

E para ter acesso a elas e1e busca as oportunidades de mO~lh-

dade social oferecidas pela sociedade urbana. Isso quer dizer

que os fundamentos da sociedade tradicional i es.tavam corroi-

dos I mesmo. A migracao i aparece como tentativa de melho-

rar de vida, numa denuncia da deterioracao das condicoes de

vida rural re1acionada com 0 poder de atracao da vida urbana.P

o fundamental e saber como e resolvido

0

trauma da chegada.

32. Idem, ibidem,

pp. 19-20.

33. Cf. E. Durham, op. cit.

92

Moura veio do sertao de Pernambuco porque sua familia .

comecou a ser expulsa dumas terrinhas que tinha, e veio tentar

a vida como operario metaliirgico. Diz que

 0

sonho mesmo do nordestino quando chega aqui em Sao Paulo

e de entrar numa f irm a grande. E ilusao, grande ilusao, inclusive

eu tive amigos, primos ate, la da minha cidade, que vierarn e

entraram na Volkswagen e pegaram uma linha de montagem la

e nao agiientararn trabalhar dois dias ( . ) porque e urn trabalho

assim muito corrido, tr abalho corrido demais. Entao

0

car a nao ta

assim acostumado, nao tern uma visao de producao, nao agtienta

mesmo .34

Esta de novo at

0

registro do impacto negativo das con-

dicoes urbanas recem-encontradas e ainda a referencia

a

ilusao

que os animava ao chegar. Mas nao se pode fixar como um

dado algo que pode ser (e na maior parte das vezes e) um

momento numa trajet6ria.

Ao transferirem-se para a cidade grande, os migrantes que

chegam sem posses materiais (e que constituem a enorme maio-

ria) sof rem ainda com aquilo que Lucio Kowarick chamou

 perda de propriedades cognitivas (no sentido de que 0 estoque

de conhecimento que tinham para'

0

trabalho rural nao lhes

serve mais dadas as caracteristicas divers as do trabalho urba-

no)35 e tendem a ocupar posicoes mais penosas e mal remune-

radas no mercado de trabalho. 0 resultado disso esta estampado

em todas as estatisticas que se f izeram cruzando migracao com

renda, escolaridade, condicoes de moradia e outros indicadores

de acesso a bens disponiveis na cidade.Pesquisa recente sobre

impacto politico das migracoes em Sac Paulo assinala que 50%

dos migrantes vindos das zonas rurais de outros Estados que

nao Sao Paulo habitavam as duas areas homogeneas mais pobres

do .municipio da capital (segundo a classif icacao feita pela

Ernplasa e ja referida antes), quando menos de

15

da popula-

yao total residia nessas duas areas. 

34. Depoimento dado ao autor.

'35. L. Kowarick,  As metarnorf oses do trabalho

in A espoliaciio urba-

na,

Paz e Terra, 1980.

36. M. Judith B. Muszynski,

op. cit.

93

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Mas, se bem que tal constatacao seja fundamental, e igual-

menteIndispensavel nao parar ai. 0 decisivo sera vel' como a

situacao de desajuste, de perdas culturais (que sao tarnbem

perdas de am arras) , que constituem a experiencia migrante,

recebe respostas com que cis migrantes procuram. enfrentar

0

desafio, ecomo 0 resultado dessa aventura se estampa na

imagem que passam a tel' da cidade, onde constroem os espacos

da solidariedade e os da selva, onde identif icam urn lugar para

as relacoes pessoais, 0 trabalho, a lei, os patroes, a fantasia.

Como os migrantes identificam os problemas que enfrentam

ao chegar? Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Migrate-

rios assinalou:

- falta de moradia;

2 - falta de emprego;

3 - choque cultural;

4 falta de profissao.?

M, Berlinck havia identificado:

- moradia;

2 obtencao da documentacao legal;

3 - emprego;

4 alimentacao. .

J

a se ve que houve diversidade na propria classificacao.

Mas 0 mais importante e acompanhar as. modalidades de que

lancam mao para procurar resolver. seus problemas, .Manoel

Berlinck ja havia anotado em sua pesquisa como os migrantes

se apoiavam na rede de contatos informais constituida, por

familia res e conterraneos para resolver os problemas que iden-

tif icavam em sua adaptacao a metropole. 'E voltamos ainda uma

vez ao estudo de Eunice Durham, onde mostra como a familia

permanece lugar central de reelaboracao de experiencias de

37, Migraci io pobreza e participaciio do migranie na periierla de Silo

Paulo 1975-1983, Centro de Estudos Migrat6rios, 1983,

38,

M

Berlinck,

Marginalidade social e relaciies de classes em Silo

Paulo, Vozes, 1975.

94

seus membros e de construcao de projetos de vida. Ao apoiar-se

~a familia 0 migrante recupera (e reinterpreta) toda uma cons-

htelacao de normas e valores comunitarios rio interior das relacoes

societarias. A mobilizacao de parentes, vizinhos e conterraneos

'nao constitui urn residuo de padroes tradicionais, que tenderiam

a sumir com

0

progresso da urbanizacao, mas saD relacoes atuali-

zadas na vida urbana e constitutivos dela.

Todas as pesquisas apontam nesse sentido. Os grupos de

migrantes ao chegarem procuram algum lugar onde ja estejam

estabelecidos familiares, conhecidos seus ou ao menos conter-

ranees, que os ajudam na informacao - e as

vezes

mesmo na

-recomendacao - para obtencao do emprego, da documentacao

legal, para

0

conhecimento dos itineraries, para identif icar as

oportunidades e os percalcos da vida urbana, 0 trabalho .dos

.menores e seu aprendizado se da no interior de urn projeto

familiar, A colaboracao se manif esta ainda n~ alojamento dos

h

. -

t -

d 39

que c egam ou no mutirao para a cons rucao , a casa.

I. Aqui cabe discutir 0 dualismo que coptrap.o~ o~ padroes

.da sociedade competitiva aos da sociedade patnmomal. Nesta

ultima, as pes soas buscam ser recorih~cidas: e a condicao  p~ra

issa e uma relativa estabilidade social onde se f orn;.a a tradicao,

, que lhes permite cumprir os papeis at~ibuidos, do que resultar~

o ansiado reconhecimento pela comumdade. Na ordem competi-

tiva, 0 objetivo buscado e progredir, melhorar, veneer, A con-

dicao para isso e urn quadro social de mobilidade e progresso,

que oferece oportunidades, aproveitadas diversamente conforme

cada individuo se habilite. E ai alcanca ou nao seu alvo, expresso

em' conforto, na aquisicao de bens materiais e simbolicos.

Enquanto quadro heuristico para analises concretas, esse

esquema pode ajudar na compreensao de varies aspectos da

ordem social competitiva. Ele permite uma abordagem possivel

.a reconstituicao do que seria uma personalidade basica da so-

ciedade capitalista urbano-industrial.t Mas esse esquema mais

distorce do que ilumina quando se ignora a presenca de outras

39, Veja-se Rosa Fischer,

A f avela como. soluciio de vida,

USP, s,

d.

E, Durham;

op. cit.;

M, Berlinck,

op, cit,

AD ,

Do modo como f az L. Pereira

in op. cit.

95

.

i.

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------------------------------

ef

.'

e

- I

.'

determinacoes ou, pior, quando e confundido com uma trans-

cricao real da passagem da vida rural para a urbana. Essa

ordem patrimonial ja estava corroida no campo. E 0 que emerge

na sociedade capitalista brasileira nao pode tampouco ser redu-

zido a uma simples manifestacao da ordem social competitiva .

Podemos ver como os migrantes recorrem, reelaborando,

a padr6es comunitarios para um modo de integracao a sociedade

urbana que nao e pura assimilacao, mas que contribui para

alterar essa ordem na qual se integram.

Retorno ao relato de Moura, que chegou de Pernambuco e

foi trabalhar na Mercantil Suissa, que, ele explica, era uma

especie de escolinha pra turma que chegava do Nordeste, porque

a Volkswagen naquela epoca s6 pegava alguem quando ele pas-

sava por essa f irma ( ... ) Entao se voce tivesse trabalhado urn

ano na Mercantil Suissa, ja entrava na Volkswagen como urn

prof issional . 0 seu irmao ja estava aqui e era metahirgico na

Volks e por isso the deu essa orientacao. Nove meses depois ele

entrava na Volks. Porque eu ja tinha preenchido ficha na

Volks e meu irmao, como trabalhava la e tinha um alemao,

que era vizinho nosso, e la era mais cartucho naquela epoca

mesmo .. , 0 alemao era vizinho e 0 que funcionava para obter

o emprego era cartucho. 0 cartucho no caso era 0 conhecimento

pessoal. Ai vemos como as relacoes pessoais eram instrumen-

talizadas dos dois lados. Do lado dos que buscavam emprego,

era fundamental mobilizar suas relacoes de amizade e eles 0

f aziam. Mas tambem para a empresa esse mecanismo criava

relacoes de responsabilidade e solidariedade entre seus empre-

gados.

Estamos assim a leguas da dicotomia entre 0 rural-cornuni-

tario e

0

urbano-societario. Sou levado

a

interpretacao de Ro-

berto Da Matta, que registra as duplas individuo-pessoa e

rua-casa como dois universos contradit6rios e complementares,

constitutivos do conjunto da vida social brasileira. 0 mundo

da rua e 0 da luta pela vida , e 0 da casa e 0 do reconhecimento

das pessoas. Mas as regras pretensamente impessoais do mundo

da rua sac a todo momento transgredidas pela utilizacao das

relacoes pessoais. Dai sua interpretacao do drama dos migrantes

ei

e

.

,

r

e

 

96

ser radicalmente diversa daquela manejada pela teoria da rno-

dernizacao.

0 que ocorre com a massa de pessoas que, nao tendo mediador

algum, entram no mundo diretamente, sem padrinhos, pistol5es

ou mesmo patr5es? 41

. Essa massa de indivlduos e constituida em sua maioria por

migrantes deslocados, que nao lograram constituir seus media-

~or~s, e as rela?6es onde eles entram como pessoas e nao como

individuos. Assim, 0 drama dos migrantes nao e 0 de enfrentarem

u.ma sociedade racionalizada, impessoalizada, mas, pelo contra-

no, de aparecerem como individuos num mundo altamente

 pessoalizado , onde as asperezas das relacoes burocra ticas sac

contornadas pelas relacoes pessoais.

E: nessa situacao que os migrantes procuram mobilizar suas

relacoes pessoais. Sao sobretudo os familiares, mas tambem

co~te,rr.aneos e viz~nhos - entre os quais se estabelecem relacoes

pnmar:as, pessoais - que constituem a base de apoio para

obtenc;:ao do emprego, da casa, da documentacao, das inform a-

coes necessarias para a insercao na cidade desconhecida. Trata-se

aqui de uma reelaboracao desse padrao de relacoes primarias.

~e n.a sua casa e preservada a pessoalidade das relacoes, ja no

ambito do espaco publico as relacoes pessoais sac instrumentali-

zadas em funcao das necessidades postas na vida societaria.

Os estudos que se limitam, assim, a uma comparacao entre

a situacao dos migrantes recern-chegados com a situacao dos

nao migrantes, chegando

a

conclusao de que estes estao em me-

lhores condicoes, nao f azem mais do que chegar ao 6bvio.

Pesquisa f eita por G. Martone e

J .

C. Peliano com os dados

do censo de 1970 desdobrou as categorias em nao migrantes

migrantes recentes (ha menos de 10 anos na cidade) ;

 migrantes antigos (ha mais de 10 anos na cidade), permitindo

que se conhecesse algo mais sobre as tendencias havidas no

41

Roberto Da Matta, Voce sabe com quem esta f alando?

Ur n

ensaio

sobre a distincao entre individuo e pessoa no Brasil

in Carnavais

malandros e herois,

Zahar, 1983, p. 187. '

97

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correr do tempo. Transcrevo abaixo uma das tabelas que cons-

truiram :

CONDI<;AO MIGRATORIA E RENDA

AREA METROPOLITANA DE SAo PAULO

1970 em percentagem

Individuos do sexo masculino

Rendimento

Nao

Migrantes

Migrantes

mensal em Cr$ Migrantes migrantes recentes

antigos

Sem rend. 10 17

15 0,7

1

100

3,0

5,4

4,3 2,0

101

200

23,0

20,0 36,9

16,4

201 ~

500

43,5

36,7

411 42,7

501 -1000 18,9 216 10,3 23,8

1001 e mais

10,6

14,6 5,8

14,4

Fonte: G. Martone e

J.

C. Peliano, Migraci io  estrutura ocupacional e

renda nas areas metropolitanas.

Ao compararmos migrantes e nao migrantes, verificamos

que praticamente nao ha diferenca nas proporcoes existentes: nas

duas Iaixas de rend a mais baixas, os migrantes apresentam maior

proporcao na faixa intermediaria (entre Cr$ 201 e Cr$ 500) e

os nao migrantes prevalecem nas duas faixas superiores. Mas

quando a populacao e desdobrada entre os migrantes recentes

e os antigos nos damos conta de outros aspectos. A proporcao

dos migrantes antigos nas faixas de rend a mais elevadas e maior

nao s6 que ados migrantes recentes, mas ate que ados nao

migrantes. Assim, podemos imaginar que os migrantes chegados

a Sac Paulo em 1970 tinham diante de si a imagem de outros

chegados anteriormente e que haviam conseguido  melhorar

de vida . Outras tabelas mostram que os migrantes antigos se

distribuiam entre as categorias ocupacionais com maior peso nas

posicoes superiores quando comparados com os migrantes recen-

tes (22 % nas ocupacoes bracais entre migrantes antigos homens

contra 34% entre os migrantes recentes e 19% entre os nao

migrantes; 56 % entre migrantes antigas mulheres contra 720,

1

0

entre as migrantes recentes e 44% entre as nao migrantes). E

tarnbem que entre os migrantes antigos aumentava significati-

98

vamente a proporcao dos autonomos (20,6% contra 9,7% entre

os migrantes recentes e 14,1 % entre os nao migrantesi.v

Temos ai a indicacao de uma trajet6ria percorrida. E claro

que as estatisticas nao distinguem, nas suas medias e percen-

tagens, os que ascenderam e os que decairam. Mas somos obri-

gados, diante desses registros, a pensar 0  desenraizamento de

modo mais dinamico. A partir dessa situacao decisiva, vivida

por milhoes de trabalhadores, constituem-se padroes de adapta-

«ao que sac tambem fatores de mudanca na vida social da

metr6pole. As formas culturais mobilizadas pelos migrantes para

 veneer na vida e nao serem tragados na selva do asf alto

estarao presentes tanto nas novas paisagens urbanas das perife-

rias quanta nas organizacoes populares constituidas nos anos 70.

Proj e tos [amil iares:

 

sonho d a casa p rop ria

Em Sao Paulo, como em qualquer metr6pole capitalista, 0

lugar de moradia constitui a base onde se realiza a reproducdo

da Iorca de trabalho; onde

0

trabalhador recompoe suas energias

para retomar aquela atividade que e a decisiva para a conforrna-

«ao e os rumos da sociedade: a

produciio

de bens uteis, que e

tambem producao de valores de troca, os quais estabelecem a

forma do intercambio essencial entre os individuos. Da logica do

sistema, pois, 0 lugar de moradia e base para um tempo de

recomposicao, necessario em Iuncao da producao capitalista.

Mas a logica do sistema ainda que dominante nao e a unica

atuante na sociedade. Do ponto de vista do trabalhador, seu

trabalho foi apenas um sacrif icio necessario para a obtencao

de um salario com 0 qual pudesse viver. POl' isso, 0 tempo fora

da esfera da producao e que constitui seu tempo de vidar? Ainda

que, enquanto predominem as relacoes capitalistas, as atividades

desenvolvidas fora da producao funcionem fundamentalmente

como reproducao das condicoes para a prcducao capitalista, nao

42. Cf. G. Martone e

J .

C. Peliano, op . cit.

43. K. Marx, Trabajo asalariado y capital in Obras escogidas, t. I,

Ed. Fundamentos, Madri, 1977, pp. 74-5.

99

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~

~\

 I

 

• • 11

.  

;

:1

e indiferente para 0 senti do do curso da historia, para 0 rumo

rias lutas de classe, para a conforrnacao da sociedade, 0 modo

como esse tempo livre, passado fora das unidades de producao,

e

vivido. 

Nos intervalos de urn tempo hostil que ameaca suga-Io,

com as sobras de energias e recursos que ele salva e nos espacos

que constr6i nos intersticios do sistema,

0

trabalhador efetua

suas primeiras escolhas, exerce sua inevitavel liberdade, elabora

uma estrategia de sobrevivencia ou urn projeto de vida. Como

passa seu tempo livre? Como usa seu salario? Em vez de cons-

tatar que ele se reproduz, procuremos saber como se reproduz.

Como se reproduziram os trabalhadores nesta metropole nesse

tempo 'em que se reproduziu tao espetacularmente

0

capital?

Para cornecar nos damos conta de que esse lugar de moradia,

suporte da sua reproducao para

0

capital como da sua vida

para si mesmo, constitui urn espaco coletivo, onde habita uma

unidade dornestica, quase sempre uma familia. E, de resto, e no

seio dessa unidade domestica, quase sempre uma familia, que

se efetuam as decisoes mais importantes tanto a respeito do enga-

jamento de cad a urn no mercado de trabalho quanto sobre 0

uso a ser f eito dos rendimentos ai

obtidos. 

Nao

e

possivel, mais uma vez, deixar de ref erir-se aos

estudos de Eunice Durham, que contrariaram ideias estabelecidas

acerca da perda de importancia da organizacao familiar devido

as tendencies individualizadoras e societarias da urbanizacao.

J a de suas pesquisas sobre os migrantes em Sac Paulo constatara

que suas Iarnf lias, reorganizadas no novo meio, mantinham-se

como  0 grupo basicamente responsavel pelo bem-estar e segu-

ranca economica de seus membros e  0 ponto de referencia e

o micleo de reelaboracao dos padroes de comportamento e das

44. Henri Lefebvre. A re-produciio das relaciies d e p roduciio, Escorpiao,

Porto, 1973.

45. Incluir a reproducao da vida operaria como cultura, como politica,

como sociabilidade - e nao apenas como reposicao estrita da energia

Iisica do trabalhador - signif icou trazer, entre outras coisas, a f amilia

operar ia para

0

centro da interpretacao sobre suas condicoes de repro-

ducao.  (Maria Celia Paoli. A familia operaria: notas sobre sua for-

macae histor ica no Brasil .

mimeo, 1984. 

100

representacces coletivas't.f Mas, mais ainda, 0 exame do modo

de vida dos trabalhadores na cidade deixou claro que a impor-

tancia da organizacao familiar nao constituia apenas urn trans-

plante de instituicao da vida rural trazida pelos migrantes.

Contraposta as tendencies individualizadoras dominantes na vida

urbana, a familia e a sede de uma experiencia coletiva. Contra-

posta ao anonimato das relacoes de troca e da burocratizacao

dominantes na vida urbana, a familia e sede de relacoes que

valorizam cad a pessoa. Embora submetida aos movimentos do-

minantes da reproducao capitalista, a familia e sede de outros

valores e principios de funcionamento que nao the sac redutiveis.

Nao se trata aqui de nenhuma idealizacao romantica da familia,

quando se sabe

0

quanta experiencias coletivas e relacoes perso-

nalizadas vividas em instituicoes hierarquizadas podem ser mais

opressivas que as vividas no anonimato da individualizacao. Mas

o. ~u.e nos inter~s~a ~qui e, ~~ prirneiro lugar, assinalar a espe-

cificidade da dinamica familiar sob 0 capitalismo; em segundo

lugar, assinalar que os trabalhadores se ap6iam nessa instituicao

para afirmar suas identidades.

E certo que a dinamica da cidade conspirou fortemente

contra a manutencao dos laces familiares.

Aumentou

0

mimero de membros das familias operarias

trabalhando fora de casa. Pesquisa do DIEESE realizada em

1974 comparava a familia padrao das classes trabalhadoras em

Sac Paulo no ana de 1958, que tinha predominantemente urn

membro ocupado, fora, com 0 padrao do ana de 1969, com dois

membros trabalhando

fora.

Segundo a Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicilios, do IBGE, em 39% das familias da

Grande Sao Paulo havia duas ou mais pessoas na populacao

economicamente ativa.  Dispersados em diferentes empregos,

46. E. Durham,

op. cit.

p. 211

47. DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Econornicos So-

ciais e Estatf sticos) Familia assalariada: padrao e custo de vida , '1974.

48. E~sa pesquisa se refere ao con junto da populacao. Em geral as

pesquisas centradas nas populacoes de mais baixa renda assinalam taxas

Iigeiramente majores. N. Patarra e L. Bogus encontraram, em 63% das

Iamflias, duas pessoas ou mais na PEA em pesquisa em uma vila no bairro

do

J

abaquara ( Percursos migrat6rios e ocupacao do espaco urbano:

101

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em geral distantes e muitas vezes com horarios desencontrados,

h a

uma tendencia

a

diminuicao das ocasioes de convivencia fa-

miliar, dificultadas ainda se adicionarmos os movimentos dos

mernbros da familia freqiientando escolas.

o aumento de pessoas trabalhando fora e mais as distancias

e 0 custo dos transportes devem ter contribuido para 0 aumento

de refeicoes tomadas fora de casa. Temos urna indicacao nesse

sentido atraves de inforrnacces acerca dos gastos em alimentacao.

Em 197172, 92,5% dos gastos em alimentacao eram para

refeicces domesticas, enquanto

7,5 %

eram para refeicoes fora

do dornicilio. J

a

em 198182, a proporcao dos gastos com a

alimentacao no dornicilio caia para

86,8%,

com a conseqiiente

elevacao da alimentacao fora, para 13,2 %

.49

Sao reduzidos os momentos de encontro durante a semana:

no cafe da manha, tornado as pressas; no jantar (as vezes desen-

contrando-se os que chegam do trabalho e os que saem para a

escola, sem con tar as vezes em que

0

turno da noite impede

tambern esta ocasiao) e diante da televisao antes de dorrnir. Mas

na maioria das vezes a constatacao desse pouco tempo e feita

sob a forma de uma queixa e uma carencia. Na maioria das

vezes a  vida em familia pensada como a referencia ideal, 0

lugar onde cada um encontra sua identidade e deixa a marca

visivel de seu papel na sociedade . Por isso mesmo

0

f im de

semana, ou 0 domingo, que e 0 verdadeiro tempo livre , e

quase semprepassado com a familia. A mulher esmera nos pratos

de domingo,

0

marido f ica sem fazer nada - e essa gratuidade

e 0 contrario do tempo obrigado de trabalho - ou faz pequenos

consertos dornesticos, tudo isso entremeado de bate-papos  com

vizinhos - nos hares das redondezas entre os homens, no interior

um estudo de caso

In

Anais do II Encontro Nacional da Associacao

Brasileira de Estudos Populacionais). Eva Blay assinalou a media de duas

pessoas em vilas operarias   da cidade de S. Paulo

(Eu niio tenho onde

morar  Nobel, 1985). C. Macedo constatou a media de duas em 50% dos

casos

(A repr oducdo dadesigualdade,

Hucitec, 1979). Teresa Caldeira

constatou que em 48,5% dos casos havia mais de duas pessoas traba-

Ihando fora

(A politica dos outros,

BrasiJiense, 1984).

49. Cf. pesquisa de S. K. Endo e C. E. Carmo, Pesquisa de orca-

mentes Iamiliares , Fundacao Instituto de Pesquisas Economicas (FIPE).

102

das casas entre as mulheres. Quando saem -

0

casal e os f ilhos

~ 0 mais freqiiente sao as visitas a parentes ou amigos. E a

 ligacao com

0

mundo , permanente, e dada pela televisao ligada,

que fornece os temas das conversacoes.P 0 padrao

e

rompido

em geral pelos adolescentes, que tend em a criar seus espacos na

 rua e nao na  casa : bailes, cinemas, pracas, bares. 

A importancia atribuida a familia nao pode ser medida,

no entanto, pelo tempo passado em comum, ainda que isso

contribua para solidif icar ou debilitar seus lacos. Mas a familia

se mantern, para a maioria, como

0

lugar simbolico onde

0

trabalhador projeta seus valores. Transcrevo, a guisa de ilustra-

yao, trechos de um depoimento colhido por L. F. Rainho:

.0

operario tem que dedicar ao trabalho pra ele manter

0

sustento da familia ( . ) porque satisfeito 0 patrao nunca ta. Isso

e uma experiencia pr6pria que eu tenho ( . ) Nem

0

patrao que

oce num conhece, nem

0

teu chefe que vive junto diariamente

com voce, nem

0

supervisor da secao, nunca ta. Voce nunca fez

0

neg6cio direito. Sempre ta devendo. Agora, se voce fizer alem do

normal que voce pode Iazer, voce nunca vai receber nem um

muito obrigado ( . ) Agora, a familia. acho que e importante

pro operario que se dedica

a

familia . porque ele se dedicando

a

familia ele ta dando mais apoio e

0

filho que tem mais apoio ele

ta preparando

0

filho pra amanha ( . )

POI

isso, em questao de familia, a gente se preocupa e mesmo com

os filhos . eu imagino pros meus filhos tudo que tem de melhor:

ser honesto ao extremo e que eles estude e lute com a vida pra

arnanha e eles ter muito mais que eu tive. Porque 0 que eu tive

meus pais ja me deram dernais, porque eles nao tinham condicoes

de me dar

0

que me deram. Uma coisa eles tinham de sobra pra

mirn dar e isso me deram: e a moral. Eu me considero um homem

moral, Quero que eles, os filho rneu, alern . se eu conseguir isso

'4

ja me considero realizado que eles ten ham moral e sejam util

a

sociedade

.52

50. Cf. C. Macedo,

op , cit.;

T. Caldeira,

op . cit.; J .

S. Goncalves,

M ao-

de-obra e condicoes de trabalho na industria automobilistica do Brasil,

Hucitec, 1985; L. F. Rainho, Os

p eiies do Grande ABC, op . cit.

51

T .

M. Ortiz Ramos e Silvia Borelli Os office-boys e a metr6pole:

lutas, luzes e desejos

in Desvios,

n. 4, 1985. Vel' tambern C. Macedo,

op . cii.

e T. Caldeira, op 

cit.

52. Citado em 1 F. Rainho, op  cit. p. 139.

103

 .

••

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-

- I

••

:1

, I

••

• *

Nao pretendo que a visao de mundo expressa nessa fala

seja algurna sintese ou media do que se encontre entre as  classes

populares, Existem variacoes significativas. Mas

0

interesse desse

depoimento esta sobretudo no fato de apresentar elementos

recorrentes nas f alas de trabalhadores quando falam sobre

0

tema: a oposicao trabalho-Iarnilia:

0

valor da dedicacao

a

fa-

milia; a projecao nos f ilhos; a moral. No seu caso 0 trabalho

e a familia aparecem como os dois polos de sua experiencia. Mas

o trabalho so pode ter signif icado em funcao da familia, porque

nele mesmo jamais sera reconhecido pelo que f izer. Sua finali-

dade e a familia, a quem deve se dedicar. Atraves dela ele

constitui uma historia e seu lugar nela, entre seus pais e seus

f ilhos. Nela ele ve sentido para sua dedicacao (dif erentemente

da dedicacao que teria no trabalho), voltada para a preparacao

dos filhos. 0 objetivo da dedicacao

a

familia e assim a propria

familia,

0

que a conf irma como urn valor em si mesma. E a

preparacao dos filhos tern por referencia uma etica de honestidade

e de utilidade para a sociedade . Poderia haver uma contradicao

entre os valores morais que ele herda e projeta na familia e os

valores dominantes (e no correr desse mesmo depoimento tal

contradicao e assinalada pelo entrevistado). Nao importa, ja que

o que the interessa e a sociedade enquanto referencia ideal e

nao a sociedade empiricamente observada e que se manifesta

atraves dos patroes, chefes e supervisores. Fecha-se assim 0

circulo de uma visao de mundo que comec a e termina com a

familia. Se os sociologos de inspiracao marxista que so viram

a familia na sua funcionalidade para

0

capital pouco ligaram

para os significados e movimentos produzidos no interior dela,

nosso jovem metahirgico, devotado

a

f amilia e querendo ser

util a sociedade, pouco ligou para os significados e movimentos

dessa sociedade, seus valores de uso e de troca. Sua visao, como

disse, nao e sintese nem media. Encontramos aqueles que se

sentem reconhecidos no trabalho. Encontramos os que nao dao

essa importancia para a familia. Encontramos os que preparam

os f ilhos tendo por ref er encia principios mais pragmaticos. E

outros mais. Mas penso que na fala do metahirgico transcrita

por Rainho temos a expressao de urn paradigma, urn ideal reco-

104

nhecido coletivamente como urn valor social, ainda que nao seja

necessariamente seguido por todos.

Na pratica, a importancia do coletivo familiar ja se manifes-

ta nas decis6es que afetam a insercao de cad a urn dos seus

membros na divisao do trabalho social. As divisoes entre encar-

gos domesticos e trabalho remunerado, as opcoes sobre

0

tipo

de trabalho, as escolhas entre estudo e trabalho nao sao feitas

isoladamente, mas sim fazem parte de arranjos feitos no interior

da familia. Os rendimentos obtidos por cada urn convergem para

um fundo coletivo de onde se extrai

0

necessario para os gastos

Iamiliares. 

Nessas decisoes podemos observar uma  conciliacao  entre

os valores dominantes segundo os quais a mulher deve cuidar

da casa e as necessidades de aumentar a renda familiar com

0

seu ingresso no mercado de trabalho. Houve aumento de emprego

feminino, mas, considerado complementar , ele nao foi em geral

assumido como uma carreira e sim como  expediente provi-

sorio , contribuindo para sua propria desvalorizacao.

Pesquisa do DIEESE e do CEDEC realizada a partir de

levantamento de campo em 1981 nos fornece ricas informacoes

sobre a diversidade de  arranjos familiares  efetuados para asse-

gurar

0

orcamento domestico, defender-se do pauperismo e possi-

bilitar projetos de melhorias. Nesse trabalho, sobre Modo e

condicoes de vida na Grande Sao Paulo , constatamos as rela-

coes entre os arranjos familiares e os momentos do ciclo de vida

familiar. Ai estao identificados: 0  diffcil comeco dos casais

jovens, em que 0 trabalho remunerado da mulher tende a ser

abandonado com a chegada do primeiro f ilho, prevalecendo

entao

0

padrao do chefe provedor e a mulher cuidando do lar

(25% das familias foram classificadas como casais jovens com

Iilhos): 0  esforco coletivo dos casais adultos com filhos resi-

53. A existencia at de uma coletividade nao implica evidentemente

uma participacao igual de todos nas decis5es nem impede que hajam

escolhas individuais. Mas estas tern de levar em conta as decis5es que

valem para

0

 coletivo  . Este pode se organizar segundo uma hierarquia

mais autoritaria, em que 0  chef e tom a as decis5es, ou formas mais

•democratic as .

54. Cf. M. Celia Paoli,

op. cit.

105

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dentes, quando principalmente os Iilhos comecam a ser incor-

porados no mercado de trabalho (30% das Iamilias nesse caso);

o esforco coletivo das Iamilias com chefe feminino sem con-

juge (13,6% dos casos); situacoes mais favoraveisdos casais

mais velhos (12 % dos casos) ja sem filhos menores e benefi-

ciando-se da combinacao de varies recursos.

Por outro lado, na determinacao dos gastos, se ef etiva tanto

a presenca real da familia na vida de cada urn de seus membros

quanto a expressao de urn estilo de vida. No modo de consumo

se realizam escolhas que expressam as adaptacces de cada

familia as condicoes dadas, as estrategias elaboradas (explicita ou

implicitamente) para reagir a elas, seus sonhos e aspiracoes. 0

que nos mostram os orcamentos domesticos das Iamilias de

trabalhadores em Sac Paulo no periodo que estamos estudando?

Tomemos primeiramente uma inforrnacao valiosa, elaborada

pelo DIEESE, estabelecendo a comparacao entre a estrutura do

orcamento domestico nos an os de 1958 e 1969-70. . .

Considerando que a medida dos tres estratos de 1969-70

apresentou uma queda na, proporcao dos gastos com alimentacao

(39% contra 45% em 1968), os autores da pesquisa observam

que isso constitui urn .indicador universal de melhoria no padrao

de consumo, pois implica aumento na aquisicao de outros

bens. Mas fazem a ressalva que, desagregando-se pelos tres

estratos, a reducao s6 se realizou para os grupos de renda media

e superior. Ja os autores de Siio

Paulo 1975: crescimento e

p obreza ,

transcrevendo os dados do DIEESE, observam que,

como houve queda na renda real das farnilias assalariadas no

periodo considerado, os dados expressam uma diminuicao no

consumo per capita de

alimentos. 

Mas, na verdade, as inform a-

coes que hoje dispomos sobre as tendencias salariais na decada

considerada assinalam uma diminuicao sensivel do salario mini-

mo em termos reais, ao mesmo tempo que uma forte dispersao

55. Pesquisa coordenada por L. Kowarick,  Modo e condicoes de

vida na Grande Sao Paulo , DIEESE-CEDEC, 1986.

56. C. Camargo e outros,

Siio Paulo

'1975:

crescimento e pobreza,

Loyola, 1976. Livro, de resto, notavel na exposicao das condicoes de vida

dos trabalhadores em Sao Paulo nesse perfodo.

106

,. ESTRUTURA DO OR<:;AMENTO DOMESTlCO

(%)

Tipos de despesa 1958

1969-70

Estrato

Estrato

Estrato

Geral

inferior

medio 'superior

39,0

48,1 42,5

30,4

23,5 20,1 214

27,7

8,1

6,9 8,5 8,3

3,6

3,5

3,5 3,7

12 11 12

12

17

2,0

18 13

6,5 6,7 7,0

5,8

8,8 5,8 7,0 12,5

3,5

2,2 2,8 5,0

4,1

3,6

4,3

4,1

100,0

100,0

100,0

100,0

Alimentacao 45,0

Habitacao 30,0

Vestuario 10,0

Saude 4,0

Higiene pessoal 15

Limpeza domestica 3,0

Equipamento dornestico 3;0 .

Transporte 2,0

Educacao e cultura 10

Recreacao e furno 0,5

100,0

Fonte: DIEESE, Familia assalariada: padriio e custo de vida, 1974.

o

padrao salarial sobre

0

qual se pesguisou

0

orcamento de 1958

correspondia a 2,74 salaries mfnimos da epoca. Para 1969-70 0 estrato

inferior cornpreendia Iamilias com renda ate 3,1 salaries minirnos:

0

estrato medic, Iamilias com renda de 3,1 a 6,2 salaries minimos: 0

superior correspondia a mais de 6,2. A tabela acima foi elaborada a partir

da sintese de duas tabelas do estudo citado.

no leque salarial, com significativas melhorias justamente para

os trabalhadores de rendas mais elevadas.F Assim, efetivamente

para as Iamilias do estrato superior houve urn ingresso notavel

no consumo de outros bens, alem da alimentacao. Nos do

estrato inferior veremos que houve tambern significativo aumento

na aquisicao de bens duraveis, embora parcialmente com 0

sacrificio do consumo alimenticio.

J

it

0

item habitacao nao permite uma comparacao esta-

tistica, porque a familia padrao da pesquisa de 1959 residia em

~asa alugada, enquanto a maio ria das pesquisadas em 1969-70

vivia em cas a propria. A proporcao dos gastos com habitacao

em 1969-70 crescecom 0 aumento da renda familiar; A explica-

«ao pode ser encontrada no f ato de as f amilias mais pobres terern

I

57. Cf. entre outros, P. R. Souza,

op. cit.

e E. Bacha,

op. cit.

107

IES P

 

UE R J

B IBL IO T EC A

 

.

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recorrido preferencialmente

a

 autoconstrucao na periferia,

enquanto as de me1hores rendas estavam pagando prestacoes

da compra do imovel.

Vemos que nao f oi com vestuario que passaram a gas tar

mais com 0 dinheiro sobrante. 0 item que mais aumenta e fica em

terceiro lugar nos gastos e 0 de transporte, mas ele tern significa-

dos bem diferentes para os diferentes estratos. Para os estratos

superiores (que e para quem

0

item aumenta mais), ele ja expressa

os gastos com automovel, na sua compra ou no seu use, enquanto

para os mais pobres f oi mesmo 0 aumento das tarifas de trans-

porte e do mimero de viagens necessarias para os deslocamentos

diaries.

Outro item que registrou aumento signif icativo foi

0

de

equipamentos domesticos. Em 1969-70, quando examinamos

seus subitens, verificamos que 57,7% consistiu em eletrodomes-

ticos, 33% em moveis e 9,3% em utensilios. A pesquisa de 1958

nao discriminou subitens, embora tambem seja significativo que

o item se denominava entao  moveis e utensilios domesticos .

Chama a atencao 0 fato de a proporcao de gastos em equip amen-

tos domesticos ter sido maior no estrato medic e no inferior do

que no superior. E provavel que isso esteja a indicar 0 ingresso de

camadas mais pobres na aquisicao de eletrodomesticos, enquanto

as familias de trabalhadores de rendas mais elevadas ja distri-

buiam seus gastos na aquisicao de autornovel, casa propria e

tambern em itens de educacao e cultura.

Com efeito, enquanto os itens  saude ,  higiene pessoal

e limpeza domestica  decaem ligeiramente,  educacao e cul-

tura  e recreacao e Iurno  registram aumentos.

As informacoes existentes para a decadade 70 conf irmam

e reforcam essa tendencia de urn ingresso das classes populares

- diferenciado e progressivo - na aquisicao de bens duraveis,

particularmente de equipamentos domesticos, A posse de urn

aparelho de televisao foi constatada em 78% das casas pesqui-

sadas de operarios de uma industria ceramic a da Grande Sao

Paulo em 1974, em 77% dos operarios de uma industria auto-

mobilistica em 1976-77 (sendo 43 % do total dos nao qualif i-

cados, 81 % dos semiqualificados, 93% dos qualificados), 81 %

dos moradores de uma vila da periferia em Sao Miguel. A posse

108

de uma ge1adeira foi constatada em 55 % das casas dos operarios

da ceramica, em 68% das casas dos operarios da automobilistica

(34% entre

0

snao qualificados, 70% entre os semiqualificados,

88% entre os qualif icados), em 62% das casas dos moradores

da vila de Sac Miguel. Quanto a propriedade de urn automovel,

ela f oi constatada em 7% dos operarios comuns e 15% dos

ferramenteiros de uma industria automobilistica do inicio dos

anos 60, em 10% dos operarios da industria ceramica em 1974,

em 29% dos operarios de outra automobilistica em 1976-77

(sendo 13 % entre os nao qualificados, 21

%

entre os semi-

qualificados e 66% entre os qualificados), 19% entre os mora-

dores de Sac Miguel pesquisados em 1979-80.

58

Os dados disponiveis parecem sugerir a hipotese de ter

havido aumento na aquisicao de bens duraveis em todas as f aixas

salariais, ainda que de modo diferenciado. Como as tendencias

salariais do periodo indicam grosse modo ganhos reais para

os qualif icados e perdas para os nao qualificados, podemos

inferir a possibilidade de ter havido sacrificios em certas pautas

do consumo - alimentacao, vestuario -'- para permitir a aquisi-

cao de bens mais valorizados socialmente.

o

padrao de consumo das familias operarias parece indicar

uma busca de acesso aos padroes de  classe media , difundidos

pela publicidade. Essa tendencia levou autores a falarem de

 manipulacao das aspiracoes' ? ease perguntarem se tais pro-

dutos nao permaneciam  estranhos a cultura e padroes de vida

da classe operaria ,  simbolos equivocados de uma ascensao

social nao conseguida .60 Penso que as ideias de ter havido

manipulacao de aspiracao, na aquisicao de bens que se fizeram

simbolos de uma ascensao social frustrada, devem ser levadas em

conta, mas em si mesmas elas nao nos dizem quase nada acerca

da cultura e modo de vida dos trabalhadores. Caberia certa-

58. A pesquisa em operanos da industria ceramica

e

de C. Macedo,

op. cit.;

a da industria automobilistica do inicio dos anos 60

e

de

L. M. Rodrigues em

Industrializacdo e atitudes operarias,

Brasiliense,

1970. Da industria automobilistica em 1976-77 e de J. S. Goncalves,

op. cit.

Dos moradores da vila de S. Miguel

e

de T. Caldeira,

op. cit.

59. L. F. Rainho,

op . cit.

p.

270.

. 60.

J .

S. Goncalves,

op. cit.

p.

109.

109

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mente aqui a questao posta por Marilena Chaui acerca da visao

rornantica sobre a cultura popular que se esquece de indagar

 se, sob 0 discurso 'alienado, submisso

a

crenca nas virtudes de

um poder paternalista, nao se esconderia algo que ouvidos roman-

ticos nao sao capazes de ouvir .61

Ou seja, os  manipulados tarnbem  manipulam . Atraves

da absorcao de padroes dominantes e1es expressam algo de suas

vontades e sells sonhos e e exatamente is so que e necessario

saber ouvir. Como dizer que a televisao e estranha a cultura

operaria sem com isso negar a realidade vivida e querida pelas

famflias operarias de carne e osso?

As famflias operarias procuraram assimilar (com resultados

variados) os padr6es de consumo dif undidos pe1a industria cul-

tural e que os aparentaria a  classe media . Isso significou uma

absorcd o

dos padr6es dominantes. Mas signif icou tambem uma

reivind icacao de participacao no consumo dos bens produzidos

com a industrializacao. Em segundo lugar, e creio que is so e

o mais importante, na aquisicao desses bens se expressou a

imp ortancia atribuida p elas [ amilias op erd rias

a

pr6pria casa. A

casa bem equipada, com 0 maior conforto possivel, com os

sinais visiveis dos resultados dos esforcos coletivos, com os

enfeites que manifestem 0 gosto de seus moradores, constitui 0

lugar primeiro onde os trabalhadores se reconhecem entre os

seus, no seu mundo, livre das impertinencias dos chefes, da

indiferenca dos gulches, da violencia das ruas.

E creio que e nesse registro que devemos entender a impor-

tancia indiscutfvel dos projetos de casa propria nas famflias

dos trabalhadores. Porque, seja qual for a interpretacao dada ao

fato, a constatacao de todas as pesquisas feitas sobre aspiracoes,

projetos e estrategias familiares foi que a aquisicao (ou constru-

cao) da cas a propria estava em primeiro lugar.

Para comecar, a habitacao constitui urn bem de consumo

de tipo especial. Alem de ser base de consumo individual -

abrigo e lugar material para a existencia familiar - e tambem

61 M. Chaui,

Cultura e democracia,

Moderna, 1981 p. 46.

110

base de consumo coletivo: ela condiciona, por sua Iocalizacao,

o uso dos transportes, do ambiente f isico, dos services publicos

existentes.f-

A aspiracao a casa propria (como alternativa a alugada)

esteve relacionada tom raz6es instrumentais: deixar de pagar alu-

guel e tornar os dispendios com habitacao uma reserva de valor.

Mas tambem expressou urn .valor cultural profundamente arraiga-

do .e reaf irmado: a busca de estabilidade contra as incertezas

de mudancas nao queridas, a seguranca para a coesao f amiliar,

o poder de organizar seu proprio espaco. A conquista da casa

propria e, assim,

, simbolo da ccnsolidacao e da estruturacao da familia, expressao

de seu sucesso, da sua uniao, arcabouco que guard a, protege e

garante

0

resultado do trabalho e esforco da familia na luta coti-

diana pela vida

e so ela permite

 que a familia possa, com seguranca, incorporar trabalho e recurs os

para remoldar permanentemente

0

espaco fisico, de modo a faze-Io

refletir e expressar

0

cotidiano familiar .63

Esse ideal, como ja vimos, foi se materiaIizando no padrao

habitacional dominante entre as decadas de 40 e 70: no

trabalho extraordinario e nos sacrif fcios redobrados das Iamilias

pobres 'para construirem casas proprias em loteamentos perife-

ricos desprovidos de toda infra-estrutura. POI' volta de

1980,

responsaveis pelo planejamento urbano de Sao Paulo constatavam

que cerca da metade da area da capital estava ocupada por

loteamen tos irregulares.

64

62.

L. C. Costa,

A produf aoe usa do espaco urbano na Grande Sdo

Paulo,

FAU-USP, 1977.

63. Nabil Bonduki, Construindo territ6rios de utopia, tese de doutorado,

USP, 1987. .

64.

0 termo

comumene

usado

e

 lotearnento clandestine , embora

eles ~ao sejam p~o~ri~mente c andestinos. Siio loteamentos que, por nao

res~eltarem as exigencias legais quanto

a

distribuicao do espaco, tornam-se

rnais

baratos.Mas, justamente porque nao respeitam tais

norrnas ,

seus

111

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Mas 0 que interessa particularmente agora 6 observar que

a pr6pria execucao desse projeto de  autoconstrucao implicou

urn ref orco dos lacos f amiliares,porque dependeu do esf orco

conjunto.

A escolha do local de moradia ja indica a expectativa da

ajuda dos parentes. Per que veio morar na area? A essa

pergunta f eita numa pesquisa realizada pela pref eitura em 1974

entre mora do res de Itaquera e Vila Matilde, 27% responderarn

que

0

motivo fora a existencia de parentes residindo pr6ximo;

24% por terreno barato para construir cas a pr6pria; 21 % por

cas a barata para comprar ou alugarP

A construcao implicou urn trabalho coletivo. Pesquisa de

Erminia Maricato sobre a  autoconstrucao em Sac Bernardo

do Campo encontrou em 67% dos casos a presenca de amigos

e parentes ajudando a f amilia proprietaria, que nao contou com

nenhum profissional remunerado; em 14% os proprietaries tra-

balharam s6s

(0

micleo f amiliar); em 19% contaram com algum

prof issional remunerado alem da ajuda eventual de parentes e

amigos.

A construcao implicou grandes sacrificios seja no consu-

mo da f amilia, seja no esf orco f fsico de seus membros. Levanta-

mento f eito pela Secreta ria de Economia e Planejamento do

Governo do Estado sobre a origem dos recursos para a constru-

<;ao de moradias na perif eria de Sac Paulo

constatou

que 29%

vinha de poupanca de salario , 23,6% de horas extras e bicos,

13,4% de reducao de gastos Iamiliares . ?

compradores nao conseguem regulamentar seus Iotes e obter as benfei-

tori as urbanas,

ja

que

nao sao

reconhecidos pela

adrninistracao publica.

Ver Malta Campos

in Folha de

S.

Paulo,

10/6/81 Pesquisa sobre

0

processo de formacao dos loteamentos populares na periferia encontra-se

em Bonduki e Rolnik,

Perijeria: ocupacdo do espaco e reproducdo da

[ orca

de trabalho,

FAU-USP, 1979 .

65.

Pesquisa CURA (Comunidades Urbanas para

Recuperacao Acele-

rada) para Itaquera e Vila Matilde, Prefeitura de Sao Paulo, 1974 .

. 66.

E. Maricato,

A proletarizacao do espaco sob a grande industria: 0

caso de

S.

Bernardo do Campo, dissertacao

de mestrado, USP, 1977.

67. SEPLAN,

Construciio de moradias na perij eria de Siio Paulo,

1979. -

112

Quando ja vimos os padr6es salariais vigentes podemos

concluir que a chamada poupanca de

salario

deve ter signifi-

cado quase sempre tambem uma reducao dos gastos f amiliares.

A16m disso, os depoimentos colhidos por Raquel Rolnik e Nabil

Bonduki nos f alam do que signif icou

0

sacrif icio dos f ins de

semana e de qualquer virtual tempo de descanso, tornados tempo

para ir tocando a obra , que s6 se interrompia quando f altavam

recurs os para os materiais.

. Mas esse grande ideal de uma apropriacao privada aparece

afinal como algo acessivel no curso da vida de uma familia. A

pesquisa ja mencionada sobre Modo e condicoes de vida na

Grande Sao Paulo identif icou urn percurso na hist6ria das

f ~milias. ~nquanto uma f orte maioria dos casais jovens sem

f ilhos habitava em casas de aluguel (65%), rnaioria ainda mais

significativa (78%) dos casais cujos parceiros tinham mais de

50 anos morava em casas pr6prias. Se para os jovens casais

ainda sem filhos a casa pr6pria nao tern tanta importancia, as

rnulheres podem trabalhar fora, 0 tempo de lazer 6 mais Ire-

qiientemente pass ado nos espacos piiblicos, a partir do nasci-

mento do primeiro f ilho

0

espaco domestico vai se f irmando

como centro de gravitacao, e 0 grande objetivo passa a ser 0

da sua fixacao atraves da cas a pr6pria. Para uma parcela sig-

nif icativa, a custa de muito sacrif icio e as vezes das energias

de uma vida inteira, 0 objetivo e

alcancado.

Na esfera privada

da vida familiar parece ocorrer entao a hist6ria de urn progresso.

Essa experiencia de algo vivido como urn progresso pode

ser registrada, no correr da decada de 70, pela extensao da rede

de equipamentos basicos. Em 1968, no municipio de Sao Paulo

s6 48% das casas erarn alcancadas pelo abastecimento de agua

e 59% pela rede de esgotos. Em 1981 as percentagens se ele-

vavarn para 70 e 67%, respectivamente.s? I certo que essec

dados subestimam 0 volume dos domicilios sem tais equipa-

mentos, ja que nao consideram as f avelas, quecresceram exata-

.mente nesse periodo. Ainda assim anotam uma expansao de

68. Cf. DIEESE-CEDEC,

Modo e cond icoes de vida na Grande Siio

Paulo, op . cit.

69. Cf. Emplasa,

Sumdrlo de dados da Grande Siio Paulo.

113

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benfeitorias urbanas - ocorrida .tambem na eletricidade, rede

de saiide e escolas -:- conquistadas por setores significativosda

populacao.

Mas aqui tocamos num outro ponto importante dessas expe-

riencias das condicoes de moradia: 0 esgotamento do  padrao

periferico  e a consequente expansao das favelas. 0 encareci-

mento dos lotes urbanos de urn lado, dos transportes de outro,

deve ter pressionado no sentido da Iavelizacao e mesmo da inten-

sificayao do uso dos cortices. A populacao favelada cresceu

em cercade 30% ao ana na decada, e ao seu f inal era estimada

em qJlase urn milhao de pessoas so no municipio da capital.??

Mais.de tres milh6es viviam em cortices.  E pela primeira vez

.anotava-se uma queda relativa na proporcao de casas proprias

em relacaoas alugadas: tin ham sido

25%

em

,1940, 38%

em

1950, 54% em 1970, 5.1% em

1980 .12

'Foiportanto claramente diferenciada a experiencia do pro-

gresso, e para rnuitos o que aconteceu foi justamente 0 inverse:

ha6 s9 a' deterioracao das condicoes de moradia como

0

estigma

deuma

marginalizacao,

da exclusao a moradia legal e consi-

derada digna e as benfeitorias .urbanas que caracterizaram 0

progresso metropolitano. A esses, pennanecendo na esfera .pri-

vada das historias Tamiliares, restava a .projecao dos mesmos

sonhos na f igura dos filhos. E por isso tambem a pressao por

escolas foi algo tao f orte nessas decadas .. Preparar os filhos

para talvez alcancarem

('

que nao alcancaram os pais.

70. Cf. Arlete Rodrigues, op. cit. Os dados do IBGE apontam 350 mil

Iavelados em 1980 no municipio de Sao Paulo. Ha um~ evidente subesti-

macae, devida ao fato de nao terem sido contabilizados os Iavelados

de favelas com menos de cinqiienta barracos. Em -1980 a· Prefeitura

contabiliiou novecentos nucleos onde viviam duzentas mil famflias,

. correspondendo a cerca de 10% da populacao do municipio. Vex  Prefei-

tura aposta no Pro-Morar   in

Folha de

S.

Paulo,

13/7/80.

71 Cf.

0

estudo  Cortices de Sao Paulo: Irente e verso  da Secretaria

Municipal de Planejarnento, de 1986, que estimava em. 3,4 milhoes os

rnoradores em cortices.

72. Dados da pesquisa de N. Bonducki,·

Construindo . , op. cit.

114

o esp aco p ublico e as p edac o s da cid a d e

Na experiencia cotidiana dos trabalhadores nesse periodo

= = presente uma desarticulacao de espacos publicos de expres-

sac popular e suapaciente refeitura por caminhos que prenun-

ciam a eclosao dos movimentos sociais. Assistimos tanto ao

fechamento de espacos publicos de manifestacao politica quanto

ao f echamento de espacos publicosde convivencia social, por

onde se coletivizavam experiencias sem incidencia direta nainsti-

tucionalidade politica. Vejarnos os dois processos.

I Quanto aos espacos de manifestacao politica observamos 0

processo que Vera Telles descreveu como desestruturacao/

reconstrucao do publico . Analisando a estrategia de poder

instituida

em

1964,

ela

nao

ve apenas

0

autoritarismo

como se

fosse pratica do Estado contra a sociedade, mas como uma

pratica social tornada experiencia cotidiana.O efeito dessa

estrategia era

apagar os .sinais de reconhecimento popular e esvaziar .o sen-

tido da a<;:ao coletiva como forma de participacao na vida social

( . ) 'despolitizar' a sociedade e desfigurar a politica como coisa

publica .73

Os espacos publicos se fecham para

0

debate politico e

0

reconhecimento da legitimidade de interesses diversos e agentes

diversos. Os conflitos existentes sac ofus cad os quando nao repri-

midos, e as acoes coletivas aparecem sob 0 signa da desordem

e do perigo. Na medida em que a politica assume a f orma de

uma racionalidade tecnocratica, isenta de paix6ese interesses,

acima de partidarismos e fruto da competencia dos que aexer-

cern? ,

0

publico se dissolve com

0

alheiamento dos individuos

na esf era privada.

Falar do fechamento do espaco publico enquanto lugar de

manifestacao pclitica nao implica idealizacao da .situacao

anterior a 1964. Tampouco antes de 1964 a esfera publica era

73. Vera Telles,

A experiencia do autoritarismo e prdticas Lnstituintes,

op. cit.

pp. 20-1

74.

Vel

M

Chauf,

Culiura e democracia, op. cit.

us

,.

••

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·

•••

 

,

.11

• •

.;

 

_lugar de constituicao de sujeitos auto-organizados que incidissem

ativamente sobre

0

Estado. Mas na disputa politico-eleitoral se

legitimavam agentes politicos antagfmicos; na re1ativa liberdade

de acao de sindicatos e outros grupos de interesse, se legitimavam

os conflitos e as diferencas. Embora

0

povo interviesse na poll- ,

tica principalmente sob a forma de massa indiferenciada , en-

quanta base de sustentacao dos atores politicos reais, expressa-

vam-se por at interesses populares que deveriarn ter alguma

ressonancia nas esferas de poder para que 0 sistema funcionasse.

Alem disso, os conf litos que eclodiam no cotidiano podiam ser

reconhecidos como legftimos gracas a ret6rica politica dominante

e tambem

a

simples presenca de sindicatos, organizacoes popu-

lares, imprensa livre

etc. 

Com a instauracao da ditadura militar, os interesses e

aspiracoes brotados na sociedade passaram a ser sufocados em

nome de uma racionalidade que pretendia falar pelos interesses

nacionais. A formacao da opiniao publica resultava em grande

medida dos projetos de impacto  do governo, desde a declara-

c;:~o da soberania nacional sobre a faixa de 200 milhas da costa

marit ima e a construcao da rodovia Transamazonica, que mani-

festavam a imagem de urn Brasil Grande , fruto do patriotismo

do novo regime.

o depoimento de urn militante da oposicao metalurgica de

Sao Paulo, colhido pela equipe da URPLAN, da uma ideia dos

efeitos disso sobre os trabalhadores:

 Existia urn setor que acreditava no milagre e outros que nao acre-

ditava mas num tinha form as de sair do problema e

0

sistema ele

procurava envolver

0

maximo

0

trabalhador e of ere cia uma serie

de quest5es que seria 0 PIS e outros projetos. 0 trabalhador que

em geral

e

muito patriota na sua f ormacao acreditava muito no

75. Para as transf ormacoes e contradiyoes da . esf era publica burguesa ,

veja-se J . Habermas, L espace public, Payot, Paris, 1978. Cabe dizer que

apoiei-me nessa obra para toda a reflexao a partir da nocao de . espaco

publico . Para a analise do signif icado da ?articipayao, .do pov~ .na

politica no pre-64, veja-se F. Weffort, 0

popul i smo na pol i i ica brasi lei ra 

Paz e Terra, 1978; R. Maranhao, 0 Estado e a politica 'populista' no

.Brasil (1954/1964)

in

B. Fausto (org.), 0

Brasil republicano,

3 (Sociedade

e Politica), Dife 1981

116

Brasil Grande diante da propaganda feita pelo regime. Urn pais

que nao existia desordem. Urn pais de trabalhador honesto. Urn pais

onde

0

trabalhador tinha paz e

0

trabalhador esperava por essa

paz, esperava por esse progresso. Os viaduto comec a

a

aparecer

em todo canto de Sao Paulo. As estrada de rodagem apareciam

em todo Brasil, ne? A propaganda da Transamazonica e outras

rodovia em todo pais mostrando assim que 0 Brasil estava crescen-

do, que 0 Brasil antes nao tinha estrada de rodagem. Voce nao

viajava daqui de Sao Paulo ao Estado do Rio Grande do Norte ou

Maranhao numa estrada asf altada e naquele momento voce tava

tendo todas estrada asf altada. E ele esperava que esse milagre

fosse beneficiar ele, por isso

0

trabalhador esperou. Uns tinham

medo, era epoca das prisoes, dos assassinates, dos seqiiestros e 0

trabalhador realmente nao queria sair de casa, ir pra fabrica e

num voltar mais ao seu lar. Tinha muitos que saia pro service

e num voltava. Por isso foi

0

momento eu acho

0

mais diffcil

que vivemos. Foi esse af do milagre .  76

/

-

o

ativista operario sentia

0

impacto das mensagens do

regime no meio de sua classe. E no entanto a ideia de uma

dominacao plena do espaco publico pelos discursos proferidos

a partir do Estado militar deve ser muito relativizada.

J

a os

resultados eleitorais a partir de 1974 assinalam a presenca de

outros fatores. Em 1970 0 MDB havia tido 10% de votos mais

do que a Arena no municipio de Sac Paulo; em 1974 0 MDB

teve quase 4 vezes a votacao da Arena, e em 1978 mais de 7

vezes. E esse voto teve

0

carater de urn protesto marcadamente

popular. ? Esses resultados, ja em 1974, mostram como as men-

sagens oficiais deixavam fissuras, nao cobriam todo 0 quadro da

opiniao publica. (Diante da esmagadora vit6ria do MDB tanto

maior quanta mais pobres as regi6es eleitorais da Grande Sao

Paulo, poderia haver a tentacao de afirmar-se que as mensagens

ideol6gicas do regime ja haviam entrado em colapso e nao sim-

plesmente que exibiam fissuras. Mas seria uma afirmacao equi-

vocada, posto que alguns elementos basicos do discurso ofidal-

referidos a ordem e a disciplina - que induziam a despolitizacao

permaneciam hegemonicos, Somente no momenta de escolher os

 novos mandantes , a maioria pref eria aqueles que  olhariam

76. Cit. em H. Far ia, op.

cit.

77. Veja-se B. Lamounier (org.),

VOio de desconiianca, op. cit.

117

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mais pelos pobres .) A maio ria dos trabalhadores considerava a

politica como funcao a ser exercida por elites competentes e, entre

os quese ofereciam ao voto, optava pelos que the pareciam mais

acessive is. Por outro lado, os resultados eleitorais - ja em

1974 - mais do que apenas revelar tendencias existentes mas

silenciadas tambern produziram novos efeitos sobre as classes

populares. Se 0 ato de votar e solitario, atomizado, a divulgacao

do seu resultado revela urn coletivo. Os resultados eleitorais de

1974, ao expressarem tao fortemente a existencia de uma opiniao

publica de oposicao, abriram urn campo de referencia e legiti-

macae para comportamentos de rebeldia, resistencia, contestacao,

o fechamento dos espacos publicos de manifestacao politica

seexpressou tambem necessariamente no campo da industria

cultural. Houve uma notavel expansao da industria cultural no

periodo pos-64, registrada no extraordinario crescimento da

televisao, no crescimento da venda de revistas e jornais e, sobre-

tudo, no aparecimento e exito de series de livros de popularizacao

cientffica.  Essa expansao se deu ao lado de urn mais rigido

controle sobre seus produtos. Tratou-se de apagar a presenca

de debates, contestacoes, criticas, sendo o. controle mais rigido

nos meios de maior impacto, .como a televisao e

0

radio.

Num outro nivel, a restricao dos espacos piiblicos nesses

anos se deu atraves de urn processo que Guattari chamaria

 alisarnento da paisagem  .79 E a destruicao fisicade lugares cul-

turalmente significativos como resultado do ritmo avassalador da

rernodelacao urbana: pracas e parques, campos de varzea, bote-

quins ou quarteiroes inteiros desaparecem dissolvendo espacos

de convivencia f ormados pelos encontros cotidianos na cidade.

Ou foram os deslocamentos tao Ireqiientes e as vezes bruscos,

impelidos por essa propria remodelacao ou por despejos ou

mesmo pela conquista de casa propria, que desfizeram (ao tornar

distantes) espacos de encontro e reconhecimento. Sem incidencia

78. Cf. Sergio Miceli,  Entre no ar em Bellndia (A industria cultural

hoje) 

in Cadernos I F CH UNICAM P , n.

15, 1984.

79. F. Guattari,  Espaco e poder: a criacao de territories na cidade   in

Es p aco e Debates, n,  16, 1985.

118

politica direta, sao espacos on de se f orma urn publico , pelo

intercambio de cornentarios, informacoes, historias,

·A propria concepcao urbanistica que presidiu a- remodela-

~ao metropolitana nesses ano s rexpr essou :a 'prepotencia eo,

desprezo com que a tecnocracia dirigente tratou a qualidade de

vida dos que nao tinham automovel e nao viviam nas zonas

nobres da cidade. 0  minhocao'< 'invadindo as casas, as grandes

vias de acesso, sem prever abrigos, bancos, lugares para os pedes-

tres. E os dois gigantescosconjuntos habitacionais da COHAB

na periferia da Grande Sao Paulo - modelos da politica

habitacional do governo -, em cada urn deles vivendo cerca de

100 mil habitantes, sac tambem modelos dessa concepcao 'de

 cidades-dormitorios , receptaculos de mao-de-obra. Gabriel

Bolaf f i,

que de resto consider a tais projetos como

exitos

do ponto

de vista economico, observa que

. embora por suas dimens5es os referidos conjuntos constituem

verdadeiras cidades, nao foram tratados como tais e neles nao

ha espaco para necessidades tao elementares como postos de gaso-

lina, oficinasmecanicas, botequins e ate as padarias se nao sao

escassas, sfio mal distribuidas. Ainda pior, os conjuntos foram deli-

beradamente desenhados para serern cidades-dorrnitorios   .81

.Tarnbem as grandes distancias e 0 pouco tempo disponivel,

os maio res ritmos de trabalho e

0

cansaco acrescido devem ter

contado para uma nitida diminuicao das formas de lazer publico.

A indicacao mais evidente disso esta dada pela diminuicao

absoluta do numero de cinemas na metropole. 0 fa to de a te-

levisao ter ocupado seu lugar bem expressa uma tendencia' a

privatizacao da vida urbana. .

E no entanto

ern

cada lugar novas referencias

SaG

teirno-

samente recriadas. E significativo que na obra Iiteraria de um

escritor-metalurgico que, sob a forma de contos, reconstitui

aspectos do cotidiano

operario

desses anos seu texto mais con-

80.  Minhocao foi como tornou-se conhecida a via express a elevada

que COl·tOU0 centro de Sao Paulo em direcao

a

zona oeste.

81 G. Bolaf fi ,  as mitos sobre

0

problema da habit acao in

E sp aco e

Debates, n, 

17, pp. 26-7.

119

'.

•••

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sagrado tenha por cenarios 0 balcao de uma padaria e 0 estribo

de um onibus. A padaria era 0 lugar onde tres amigos se encon-

travam depois de sair da fabrica, bebericavam, jogavam paliti-

nho, discutiam futebol, antes de tomar 0 onibus, cujo ponto era

em frente, para voltar para casa. Descrevendo as agruras, esper-

tezas e alegrias dessa gente, que apes 0 breve encontro entre

amigos se abarrota pulverizada nos onibus antes de encerrar-se

na privacidade de suas casas, 0 autor cria um personagem cuja

grandeza consiste em dar um sentido heroico justamente a esse

momenta de humilhante dissolvicao no anonimato. E

0

 Ta

vazio , que recebera esse apelido porque era 0 que ele gritava

diante dos onibus repletos, quando ninguem mais conseguia

subir.

 Todo mundo olhava pra ele e, naquele momento, todos

0

admira-

yam, todos 0 respeitavam, todos o adoravam. Quando 0 onibus

dava apenas uma maneirada, pra nao atropelar de verdade a turma

que ficava quase no meio da rua,  Ta vazio saltava, voava, se

tornava urn passaro buscando a liberdade de ser passaro. Suas

maos se f echavam como f ortes tenazes em f erro quente, seus senti-

dos s6 objetivavam algo s6lido na carroceria velha do onlbus

podre. I'a vazio buscava, com desespero, sua humanidade nos

balaiistres, nos frisos soltos, nos corp os dos outros, nas portas

f echadas, ate nas biqueiras d'agua desses monst rengos.

Era a gl6ria para I'a vazio, ja longe do ponto, ouvir palmas e

vivas. Ele era gente, ele era 0  I'a vazio, 0 melhor 'ta vazio vivo

ate aquele momento.  82

Sem a forma condensada e dramatica, propria da criacao

literaria, no dia-a-dia da cidade, do Parque Dom Pedro ao

Largo 13, em sal6es de sinuca, terreiros, feiras livres, botequins,

saloes de baile, cabeleireiras, pontos de onibus, fliperamas, foram

se reconstituindci espacos de encontros, onde se trocavam infor-

82. Roberto Franco, Ta vazio

in [ ornalivro

n.  4,  Coletanea de contos

do operario metalu rgico Roberto Franco , 1983. Ligado

a

oposicao meta-

,lurgica de S. Paulo, R. Franco escreveu tarnbem sobre varies aspectos

da luta nas fabricas nesse periodo. Seu conto Ta vazio foi reproduzido

varias vezes em publicacoes a ernativas de bairro e tambem no jornal

Movimento. Foi ainda traduzido e publicado na Inglaterra pela revista

Voices.

120

macoes sobre emprego, futebol, a novela da TV, assim como

sobre a escola dos filhos, a excursao a Santos, sobre as conquistas

amorosas, a meningite, 0 Esquadrao da Morte, 0 incendio do

Ioelma, a construcao do metro, 0 quebra-quebra dos trens.

Desse cruzamento de. falas e experiencias foi se reconstituindo

um novo espaco publico. E

0

que J . G. Magnani tao bem

apresentou ao falar dos pedacos da cidade: os lugares, em

cada vizinhanca, que constituem a mediacao entre a casa e 0

mundo.

 0 termo na realidade designa aquele espaco intermediario ent re 0

privado (a cas a) e 0 publico, onde se desenvolve uma sociabilidade

basica, mais ampla que a fundada nos lacos familiares, porern

mais densa, signif icativa e estavel que as relacoes formais 'e indi-

vidualizadas impostas pela sociedade.  83

A paisagem alisada sofre urn reestriamento (0 termo ainda

e de Guattari) nesses pedacos por onde fluem novos signifi-

cados coletivos que expressam as interpretacoes formuladas sobre

as condicoes de vida na metropole. A retorica dominante -

que condenava a politica como manifestacao de interesses escusos

(a ser substituida pela gestae racional e patriotica) -

e

absor-

vida mas reinterpretada na semantica dos dominados, que sus-

peitam de todos os polit icos e voltam-se para os seus interesses .

E desse solo que brotaram os movimentos sociais a partir da

meta de da decada de 70.

83.

J.

G. Magnani,

F esta no pedaco,

Brasiliense, 1984. Veja-se, nesse senti-

do,

0

estudo da segrnentacao social do espaco urbano em H. Lefebvre

o direito a cidade, Documentos, 1969. '

121

'I

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ANEXO 1

GRANDE SAO PAULO

POPULA<;AO RESIDENTE, SEGUNDO OS MUNICtPIOS E

SUB-REGIOES: 1960 - 1970 - 1980

Municipios e

sub-regioes

1960

1

1970

2

1980

2

Taxa

geornetrica de

crescimento

anuaI

(%)

1970/ 1980/

1960 1970

Centro - .

Sao Paulo .

Osasco .

Noroeste .

Carapicuiba .

Barueri .

Cajamar .

Santana do Parnaiba .

Pirapora do Born Jesus

Oeste

Cotia

Itapevi .

[andira .

Sudoeste .

Taboao da Serra .

ltapecerica da Serra .

Embu .

Embu-Guacu .

[uquitiba .

Sudeste .

Santo Andre .

Sfio B. do Campo .

Sao Caetano do SuI

Maua .

122

3.824.102 6.207.688

3.709.274 5.924.615

114.828 283.073

48.533 112.135

17.690 54.873

16.671 37.808

6.438 10.355

5.244 5.390

2.490 3.709

26.638 70.992

14.409 30.924

10.182 27.569

2.047 12.499

37.103 101954

7.173 40.945

14.253 25.314

5.041 18.148

4.773 10.280

5.863 7.267

504.416

245.147

82.411

114.421

28.924

988.677

418.826

201662

150.130

101700

8.967.769

8.493.226

474.543

297.978

185.816

75.336

21941

10.081

4.804

152.436

62.952

53.441

36.043

287.466

97.655

60.476

95.800

21043

12.492

4,96

4,79

9,44

8,76

12,05

8,53

4,87

0,27

4,07

10,30

7,94

10,47

19,83

10,64

19,03

5,91

13,67

7,97

2,17

1652.781 6,98

553.072 5,50

425.602 9,36

163.082 2,75

205.740 13,40

10,27

12,97

7,14

7,80

6,46

2,62

7,94

7,37

6,84

1117

10,92

9,08

9,10

18,10

7,43

5,57

3,75

3,67

5,30

5,27

2,82

7,76

0,83

7,30

(cont.)

Municipios e

sub -reg ioes

1960

1

1970

2

Taxa

geornetrica de

crescimento

1980

2

anual  0 / 0

1970/ 1980/

1960 1970

Diadema .

Ribeirao Pires

Rio Grande da Serra

Leste .

Moji

das Cruzes .

Suzano .

Pea .

Itaquaquecetuba .

Ferraz de Vasconcelos

Guararema .

Sales6polis .

Biritiba-Mirim .

Nordeste .

Guarulhos .

Ar uj a .

Santa Isabel .

Norte .

Franco da Rocha ..

Mairiporf i .

Caieiras .

Francisco Morato

Grande Sao Paulo

12.308

17.250

3.955

181558

94.482

27.094

15.829

11456

10.167

9.130

9.130

5.712

118.818

101273

5.758

11787

50.177

25.376

12.842

9.405

2.554

78.914

29.048

8.397

312.060

138.751

55.460

32.373

29.114

25.134

9.557

9.557

9.033

263.543

236.811

9.571

17.161

82.681

36.303

19.584

15.563

11231

228.660 20,42 1123

56.532 5,35 6,89

20.093 7,82 9,12

519.037.

197.946

101056

52.783

73.064

55.055

10.653

10.653.

13377

579.227

532.726

17.484

29.017

132.031

50.801

27.541

25.152

28.537

4.891245 8.139.731 12.588.727

5,57

3,92

7,43

7,42

9,78

9,47

0,46

0,46

4,69

8,29

8,87

5,21

3,33

5,12

3,65

4,31

5,17

16,01

5,22

3,62

6,18

5,01

9,64

8,16

109

109

4,00

8,19

8,45

6,21

5,39

4,79

3,42

3,47

4,92

9,77

5,44

4,46

Fonte dos dados Hsicos: FIBGE; sinopse do Censo Dernografico do

Estado de Sao Paulo, 1970, 1980, e estimativa Emplasa.

I. Populacao recenseada.

.2. Populacao residen te.

123

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e

 

el

e

MUNIC1PIO

DE

SAO

PAULO

(con.)

EVOLU<;AO DA POPULA<;AO, SEGUNDO OS DISTRITOS,

SUBDISTRITOS E ZONAS:

1960   1970   1980

Taxa

e

geometric a de

Taxa

Distritos, subdistritos

crescimento

geornetrica de

e zonas 1960

1

1970

2

1980

2

anual

(%)

Distritos, subdistritos

crescimento

1970/

1980/

e zonas

1960

1

1970

2

1980

2

anual

(%)

1960 1970

e

1970/

1980/

1960 1970.

Socorro

............

28.463 165.437

452.041 19,24

10,58

Ibirapuera

.........

67.416

110.761

158.415

5,09

Centro hist6rico

'  .

374.446

323.617

321885

-145

-0,06

Parelheiros

8.097 12.378 27.310

4,34

8,25........

Bras ...............

63.971

54.391

48.588 -161

-111

Belenzinho

.........

63.153 52.238 49.273 -188 -0,58

Sudoeste

...........

637.604 901967 1101350 3,53 2,02

e

Cambuci

...........

49.900

48.600

53.590 -0,26

0,97

Vila Prudente

197.668

359.116

496.537

6,15

3,29

.....

Santa

Ifigenia ......

52.300

38.980

42.551

~2,90

0,86

Saude

157.871

234.528

289.027

4,04

2,11

. .

.

. . . . .

.

.

.

.

Mooca

42.792

35.298

36.175 -191

0,23

Ipiranga

156.766

171338

179.353 0,89

0,45

............

.

..........

e

Pari

................

34.539

30.693

27.748 -117

-100

Alto da Mooca

125.299

136.985

136.433

0,90

-0,04

....

Barra

Funda .......

32.454

29.762

30.685

-0,86

0,31

Born

Retiro ........

26.457

25.606

25.068

-0,33 -0,20 Leste 1

. ...........

531372

851589

1098.752

4,44

2,53

e

Se .................

8.880

8.049

8.207

0,98

0,17

Tatuape

. ..........

175.653

254.281 279.757

3,77 0,96

Ermelino Matarazzo

71916

152.167

241652

7,28

4,73

.

Centro Expandido

818.843

934.123 1154.465

134

2,11 Vila Matilde

81225

151162

239.739

6,41

4,72

..

. . . . . . .

Lapa .

105.995

122.512

135.515 146

100 Penha de Fran<;a

....

108.805

137.818 142.656

2,39

0,34

JI~ 

Perdizes ........... 91310

100.161

127.935

0,93

2,49

Vila

Formosa

. .....

73.608 96.302

119.704

2,72 2,25

• rjl

Jardim Paulista

.....

80.173

91927

118.450

138

2,40

Cangaiba

.

..........

40.165 59.859 75.244

4,07 2,32

;0 ..

.1

Vila Mariana

.......

76.899

80.919

108.282

0,51 2,93

Indian6polis .......

.

53.303

70.721

82.658 2,87

158

Leste

2

............

124.251

499.383

1010.528

14,92 7,30

I

Santa Cecilia .......

60.501

67.899

84.956

116 2,26

Sao Miguel Paulista 65.992 235.346 320.132

13,56

6,59

el

Consolacao 51698

62.226

72.372 187

150

Itaim

Paulista

......

125.071

-\

........

.

Liberdade

.........

.

55.873

59.790

73.383

0,68

2,05

Itaquera

........... 33.570

189.143 414.888

18,87

8,15

Aclirnacao

......... .

44.230

49.058

55.384

104

122

Guaianazes

.........

24.689 74.894

150.437

1174

7,22

Jardim America .....

42.683

47.197

55.291

101

160

Pinheiros 36.201 44.080 47.129 199 0,68 Norte 1

............

94.115 186.999 288.892 7,11 4,48

..........

Cerqueira

Cesar

32.040

42.616

65.447

3,13 4,14

Pirituba

............ 40.119 86.261

117.773 7,96

3,17

...

.

Bela

Vista

57.825

61192

79.367 0,57

2,62

Vila [aguara

........ 34.913

52.034

71641

4,07

3,29

.........

J

aragua

9.817 20.937

51075

7,87

9,33

Vila Madalena

30.112

33.825

48.296

117 3,63

............

......

Perus

9.266 27.767

48.403

1160

6,72

.............

Oeste

..............

68.652

175.800

318.421

9,86 6,12

4,89

2,56

Butantii

68.652

175.800

318.421

9,86

6,12

Norte 2

............

737.733

1193.773

1530.538

............

Tucuruvi 223.129 369.344 463.262

4,88

2,57

e

...........

SuI

302.258

861364

1670.415

1104

6,86

Santana

............

120.284 198.340

274.101 5,13

3,29

..............

.

Santo Amaro 109.110 377.168

765.743 13,21 7,35

Nossa Senhora do

0 .

62.439

141109 .

173.856

8,50

2,11

.......

Jabaquara 89.172

195.620 266.906 8,17

3,14

Vila Maria

.........

94.118 116.300

131851

2,14 126

..........

Brasilandia

41776

99.831 9,10 5,86

........

176.269

124

125

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(cont.)

Distritos, subdistritos

e zonas

Taxa

geometries de

crescimento

1980

2

anual

(%)

1970/

1980/

1960

1970

110.634

2,25

113

77.120

6,03

0,41

86.034

3,14

2,10

37.411

2,49

192

8.495.246

4,79

3,67

1960

1

1970

2

Casa

Verde

..

,

.

79.226

93.931

Vila Guilherme

...

41202

74.028

Lirnao .

51387

69.980

Vila

N.

Cachoeirinha

24.172

30.910

Municipio de S. Paulo

3.709.266

5.928.615

Fonte dos dados basicos: FIBGE; Censos Demograficos do Estado de

Sao Paulo, 1970, 1980, sinopse preliminar do Censo Dernografico de

1970, e estimativa Emplasa.

1 Populacao recenseada.

2. Populacao residente.

Os numeros indicam um real esgotamento no caso dos

distritos das zonas centra is de Sac Paulo. As tendencias de

crescimento se concentraram na periferia da capital e em deter-

minados municipios da regiao metropolitana. Se tomarmos em

termos absolutos,

0

incremento populacional ocorrido em 1960 e

1970 foi de 3,3 milh6es na regiao metropolitan a, dos quais 2,2

milh6es se deram ria municipio da capital. Ressaltam os distritos

da zona sul (Santo Amaro e Socorro destacam-se), norte 2 (Tu-

curuvi), leste 2 (destacando-se Sao Miguel e Itaquera). Dentre

os demais imunicipios, tiveram maior crescimento Santo Andre

e Guarulhos. Na decada de 70

0

incremento da regiao metro-

politana foi da ordem de 4,4 milh6es, dos quais 2,6 se deram

no municipio de Sao Paulo, com os maiores volumes se concen-

trando em Santo Amaro, Socorro, Itaquera e Sao Miguel. Fora

do municipio da capital

0

crescimento era maior em Guarulhos,

Sao Bernardo e Osasco. Os nurneros percentuais, por sua vez,

mostram que as maio res tendencies de crescimento vao progress i-

vamente se deslocando do centro de Sao Paulo ,para sua peri-

feria e dai para outras areas da regiao metropolitana.

126

ANEXO 2

Vejamos como se distribuiu a populacao na regiao metro-

politana. Para isso, tomei as tabelas elaboradas pela Emplasa,

que cruzam a distribuicao da populacao economicamente ativa,

segundo faixas de renda e setor de atividade, por municipios da

Grande .S,a~ Paulo e distritos do municipio da capital. Agrupei

as murncipios segundo suas sub-regices e as distritos segundo

suas zonas, reduzindo tambem as faixas de renda. Considerando

as caracteristicas do distrito do Ibirapuera, mais similares as dos

distritos do Centro Expandido que as dos da zona sui, resolvi

agrupa-lonaquela zona e nao nesta, como esta na tabela original.

. .~os .bairros do Centro hist6rico anotamos uma proporcao

significativa de pessoas ocupadas em comercio e services, parti-

cularmente nas faixas acima de 1 salario minirno, como tambern

dos ocupados na industria com renda media mensal acima de

5 salaries minimos, Pesquisa realizada por Ana Fernandes sobre

bairros industriais do velho centro revela tendencias ai presentes

que contrastarn com as dominantes para 0 conjunto da metr6-

pole. Em 1° lugar sao bairros com importante atividade indus-

trial, de tipo tradicional, como tecelagens, graficas, fundic6es.

Em 2.° lugar sac bairros onde prevalecem habitacoes alug'adas

(61%. c?ntra 40% para

0

conjunto da cidade). Em 3.° lugar

a maiona dos seus moradores trabalha no pr6prio bairro. (Cf.

A. Fernandes, Bairros centrais industriais de Sao Paulo: uma

primeira aproximacao in Espaco e Debates, n. 17.) Mas e

tambern nos distritos do Centro hist6rico que se concentram os

maiores mimeros de moradores em cortices, particularmente nas

zonas mais deterioradas do Bom Retiro, Pari e Belenzinho. Final-

mente caberia dizer que no nucleo central vemos uma enorme

populacao flutuante dos que ai trabalham: bancarios, balconistas,

garcons e uma grande quantidade de empregados de escrit6rio

au services de limpeza. A eles se juntam vendedores ambulantes

engraxates, zeladores, jornaleiros e, ainda, os que passam diaria-

mente pelo centro na conexao de seus transportes entre a casa

e 0 trabalho.

A zona classificada como Centro Expandido  apresenta

maior heterogeneidade social mas, de modo geral, ressaltam af as

127

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e ,'

••

f aixas de mais altas rendas. Esses bairros ainda reiinern a mais

densa concentracao de empregos. Se ai encontramos particular-

mente os novos assalariados (de classe media ) e trabalhadores

de melhores rendas (cerca de 280 'mil pessoas com rendimento

medic mensal acima de 5 salaries minimos ou 43 % do total

de sua populacao economicamente ativa), em contrapartida e

tambem ai que se espalharam nos anos 70 urn grande mimero

de Iavelas, cujos moradores, alern dos pe6es da construcao civil

que dormiam nas proprias obras e as empregadas domesticas,

estavam nas f aixas com rendimentos medics abaixo do salario

minimo. Pois anote-se que 0 conjunto da populacao ativa com

rendimento abaixo do salario minimo era dos mais expressivos

nessa zona: 44 mil pessoas, ou 10,5% da PEA dessa zona.

A zona sul da capital pode ser comparada com os munici-

pios do ABCD em termos de aglomeracao de trabalhadores na

industria. Embora predominem os de rendimento entre 1 e 3

salaries minimos (mas isso corresponde a distribuicao do con-

junto da regiao metropolitana. Os ocupados na industria com

rendimento medic mensal entre 1 e 3 salaries minimos constituem

19,4% da PEA da Grande Sac Paulo e 23% da PEA da zona

sul do municipio), sac expressivos osnumeros nas outras f aixas,

tanto os que recebiam menos de 1 salario minimo quanta os com

mais de 3. Anote-se ainda a forte presenca dos ocupados na

construcao,

Na zona leste 1 observamos outra forte concentracao de

pessoas trabalhando na industria e ocnstrucao. Mas, ao mesmo

tempo, quando tomamos as tabelas que contabilizam a distri-

buicao da populacao economicamente ativa segundo a posicao

na ocupacao, a zona leste 1 aparece como aquela de maior

percentagem de autonomos (14% do total da PEA da zona).

Mas e na zona leste 2, portanto mais para a periferia, que se

concentraram os trabalhadores de mais baixas rendas. E a zona

da capital reunindo

0

maior rnimero de moradores recebendo

menos de urn salario minimo, tanto em termos absolutos (45 mil

pessoas) quanto relativos (114% de sua PEA). Pesquisa feita em

1974 numa area-piloto entre Itaquera e Vila Matilde assinalava

que 26% dessa populacao trabalhava no centro de Sao Paulo

128

(na construcao civil, comercio, bancos e f uncionalismo), 23 %

nos bairros do Bras, Belenzinho, Mooca, Pari, V. Guilherme e

V. Maria (nas industrias), 17% da propria zona leste (na peque-

na industria, comercio, bancos e prestacao de services). (Cf .

EMURB, Area CURA, Projeto piloto de Itaquera/Vila Matil-

de , 1974, e tambem os dados do censo de 1980.)

Entre os demais municipios da regiao metropolitana, ressalta

a sub-regiao sudeste (Santo Andre, Sao Bernardo, Sac Caetano,

Maua, Diadema, Ribeirao Pires e Rio Grande da Serra), como

seria de se esperar, como a de maior concentracao de empregados

nas indus trias , em todas as f aixas salariais. Sao 175 mil pessoas

ocupadas na industria nas f aixas ate 3 salaries minimos, consti-

tuindo 30% da PEA da sub-regiao, e 178 mil nas f aixas acima

de 3 salaries minimos, constituindo 30,5%. Mas vale dizer ainda

que ha urn total de 61 mil pessoas recebendo menos de urn

salario minimo (10% da PEA da sub-regiao) do conjunto dos

setores de atividade.

De outro lade temos os municipios reunidos na sub-regiao

leste (Mogi das Cruzes, Suzano, Poa, Itaquaquecetuba, Ferraz

de Vasconcelos, Guararema, Salesopolis, Biritiba-Mirim) que

apresentam a maior taxa de populacao recebendo menos de urn

salario minimo (16,8%), destacando-se aqueles empregados no

setor services.

Mas, de urn modo geral, podemos verificar que nao sac

tao gran des as diferencas de percentagem da populacao ocupada

na industria entre as diferentes sub-regioes. Se tomarmos -os

municipios mais densamente industrializados, veremos que sua

populacao operaria nao corresponde a suas taxas de industriali-

zacao (especificamente a sua oferta de empregos industr iais).

Veja-se ainda a situacao de Osasco em comparacao com os

municipios vizinhos da sub-regiao noroeste. Nas faixas ate 3

salaries minimos esta sub-regiao apresenta maior taxa de mora-

dores empregados na industria do que Osasco.

129

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\ o M

PEA (POPULA<;AO ECONOMICAMENTE ATIVA) SEGUNDO FAlXAS DE RENDA DO RENDlMENTO M£DlO

0

MENSAL (POR SALARIOS MINIMOS) E SETOR DE A TIVIDADE POR SUB-REGIOES DA GRANDE S. PAULO

(EXCETUANDO 0 MUNICIPIO DE SAO PAULO)

(FAIXAS SALARIAIS)

AT£ 1 SM

1 A 3

SETORES DE ATIVIDADE SETORES DE ATIVIDADE

PEA Ind Constr

Com

Serv

0 Ind

Constr Com

Serv

0

CH

168465

1329

194

1257

6039 920

24191 4099

11133

18324 15337

100% 0,79

-

0,75 3,58

0,55 14,36

2,43

6,61 10,88

9,10

CE (+ Ibirapuera) 683713 2093

777

2710 34627

3998 31546 15105

22209

98293

49828

100%

0,31 0,11

0,40

5,06

0,58

4,61

2,21

3,25 14,38

6,56

Butanta (0) 140778 1342

645 1526

7393

1403

15411

8041

8113

18551

14828

100% 0,95

0,46

108

5,25

100

10,94

5,71

5,76

13,18 10,53

S c- Ibirapuera) 639810

10174 3215

7737 33768

6099 137115

38790 34884

77379 53221

100% 159

0,50

121 5,28

0,95

2143

6,06 5,45

12,09.

8,32

SE

497996 9301 983

5114 18030

3172 . 111350

12245

26014

36443 38915

100%

187

0,20 102

3,62 0,64

22,36 2,46

5,22

7,32

7,81

L1

469163 10256

1422 6416 17800

3545 94031

14256

30746 41831

47369

100% 2,19 0,30

137 3,79 0,75 20,04

3,04

6,55

8,92 10,10

L2 . 391885 12694 2361 6664 19359 3851 84338 23377 24772 37908 37021

100% 3,24 0,60 170

4,94 0,98 2152

5,96

6,32 9,67

9,45

Nt

121066 2371

447 1342 5023 1153 28369

5204

7410

10760 11215

100%

-196 0,37 111 4,15

0,95

23,43

4,30

6,12

8,89 9,26

N2 670858

11315 2259 8026 29676

6007 121513 23386

42075

65550

72{)80

100% 169

0,34

120 4,42 0,89 18,11

3,48

6,27

9,77 10,74

Obs.: IND

=

Industria, CONSTR

=

Construcao, COM

=

Cornercio, SERV

=

Services, 0

=

Outros

PEA (POPULA<;AO ECONOMICAMENTE ATIVA) SEGUNDO FAIXAS DE RENDA DO RENDIMENTO Mf.DIO

MENSAL -(POR SALARIOS MINIMOS) E SETOR DE A TIVIDADE POR SUB-REGIOES DA GRANDE S. PAULO

(EXCETUANDO 0 MUNICIPIO DE SAO PAULO)

(FAIXAS SALARIAIS)

3 A 5

5 A 10

+ DE 10

SETORES DE ATIVIDADE

SETORES DE ATIVIDADE

SETORESDE ATIVIDADE

Ind Constr Com

Serv

0

lnd

Constr

Com

Serv

0

Ind

Constr

Com

Serv

0

9088

1174 6165 6768 12319

8068

722

5254

5525

9144

5347

413

3058

3015

4819

5,39 0,70 3,66

4,02 7,31 4,79

0,43

3,12

3,28

5,43 3,17

2,24 0,21

179

2,86

18506 4131

13945 25240 46306 26821

4049

15282

23847

51391

50790

7620

18950 33359

65351

2,71 0,60 2,04 3,69

6,77

3,34

0,59

2,23

3,49

7,52 7,93

111

2,77

4,88 9,56

5154

2535 3433

4568 8489 9187

1186

2708

3268

6684

5130

817

2164 3027

5730

3,66 180

2,44

3,24 6,03 2,97

0,84

192

2,32

4,77 3,64

0,62

154

2,15

4,07

46359 12082 11027 17001 27038 29812 4149 7453 9656 16080 16355 1550 3611 6154 9114

7,24

189

172 2,66 4,22 4,66

0,65

116

151

2,51

2,56

0,24

0,56

0,96

142

46660 4677 11591

13775 27222 33924

2673

9976

11000

19658 16992

1314

6188

6217

12009

9,37 0,94 2,33

2,77

5,47

6,81

0,54

2,00

2,21

3,95

3,41

0,26

124

125

2,41

36101 5665 12886 13879 31660

23406

2459

9137

8699

18095

9219

773 4658

3729 6011

7,69 121 2,75

2,96 6,75 4,99

0,52

195

185

3,86 196

0,16

0,99

0,79

128

31735

7368

6959

8178 18222

12950

1690 3181

3402

7179

1898

253 1319

789

1332

8,10 188

177

2,09

4,65 3,30

0,43

0,81

0,87

183

0,48

0,06

0,34

0,20

0,34

10983

1726 2833 3331 6153

6946

649 1860

1721

3131

2572

224 731

624

1086

997

142 2,34 2,75 5,08

5,74

0,54

154 142

2,59

2,12

0,18

0,60

0,51

0,90

415)3

8384 17158 21775 47579

27406

4048

12910

13793

29874

13224 1605

6644

6287 12791

6,20 125

2,56 .

3,24

7,09

4,08

0,60 192

2,06

4,45

197

0,24 0,99

0,94

189

~

Obs.: IND = Industria, CONSTR = Construcao, COM = Comercio, SERV = Services, 0 = Outros

~~ 

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------------

-- . . : - • . ~:= . • • :~

(;,I

PEA (POPULA<;..1.O ECONOMICAMENTE ATlVA) SEGUNDO FAIXAS DE RENDA DO RENDIMENTO M£DIO·

tv

MENSAL (POR SALARIOS MiNIMOS) E SETOR DE A TlVIDADE POR SUB-REGIOES DA GRANDE S. PAULO

(EXCETUANDO 0 MUNIClPIO DE SAO PAULO)

(FAIXAS SALARIAIS)

AT£ 1 SM

1 A 3

SETORES DE ATlVIDADE

SET ORES DE ATIVIDADE

PEA

Ind

Constr

Corn Serv 0

Ind Constr Corn

Serv

0

Noroeste 111695

2613

718

1514

5158

1327 27904 9583 6141

10410

11701

100% 2,34

0,64 135

4,62 119 24,98 8,58

5,50

9,32 10,47

Osaseo

192225

3009

808

2842

8266 1794

43795 8387 13286 14219

20079

100% 156

0,42

148

4,30

0,93

22,78

9,36 6,91 7,40 10,44

Oeste

56364

1539

377

662 3061

1098

14802 4011 2524

5418 5814

100%

2,73 0,67

),17 5,43

195

26,26 7,12 4,48

9,61 10,31

Sudoeste

111479 2702

1046

1542

8488

1954 21428 10934 6059 16162

10658

100% 2,42 0,94 138

7,61

175 19,22 9,81

5,43

14,50 9,56

Sudeste 581942

15388

2450

7587

29832 5894

159491 23806

31093 38751 46260

100%

2,64 0,42

130

5,13 101

27,41 4,09 5,34 6,66 7,95

Leste 192943 6851

2031

3102

11986

8703 41300 11682 7971 12497 22987

100%

3,55

105

161 .

6,21

4,51 2140

6,08 4,13

6,48 1191

Nordeste

228643

7416

1459

3483

11401 3586

60920 12224

10571 15755 21850

100% 3,24

0,64

152

4,99

157 26,69 5,35 4,62 6,89 9,55

Norte 49515 1930

399

571 3349

809 10876 3294 1863 4341

7288

100% 3,90

0,80

115

6,76 163

2196 6,65 3,76 8,77 14,72

Obs.: IND = Industria, CONSTR =Construcao, COM = Cornercio, SERV = Services, 0 =Outros

PEA (POPULA<;AO ECONOMICAMENTE ATlVA) SEGUNDO FAIXAS DE RENDA DO RENDIMENTO M£DlO

MENSAL (POR SALARIOS M1NIMOS) E SETOR DE ATIVIDADE POR SUB-REGIOES DA GRANDE S. PAULO

(EXCETUANDO 0 MUNICiPIO DE SAO PAULO)

(FAIXAS SALARIAIS)

3 A 5

5 A 10

+

DE 10

SETORES DE ATlVIDADE

SET ORES DE ATIVIDADE

SETORES DE ATIVIDADE

Ind

Constr Corn

Serv

0

Ind Constr

Corn Serv

0 Ind

Constr

Corn

Serv

0

8097 2730 1736

2419

5517

3519 637

856 1045 2876

463 136 384 431 457

7,25

2,44 155

126 4,94

3,15 0,57

0,77

0,93 2,57

0,41 0,12 0,34 0,38

0,41

17454 3011 4051 3849 10253 11726 1199 2324 2058 5755 3309 310 1174 931 2500

9,08

157

2,11

2,00

5,33 6,10 0,62 121

107

2,99 172 0,16

0,61 0,48 130

3637 1032 737

944 2626

1608 281 338

466 1009 507

116 162 344 648

6,45 183

131 167

4,66 2,85 0,50

0,60 0,83

179

0,90 0,20

0,29 0,61 115

51343

3385 1420 3011 4220

2444 849

720 1162 2159

666 182 428

563

773

4,79

3,04 127

2,70 3,78 2,19 0,76 0,64 104 194 0,60 0,16 0,38 0,50

0,69

83410 7842 10738

12022 29112

65792

3206 9176 8754 18372 28664 1222

6445 5057 10807

14,33

135 184 2,06

5,00 1130

0,55

158 150 3,16 4,92 0,21 111 0,87

186

13055

2794 2480

2976

9120 6814

1012 1811 1794 5739 2464 264

1298

958 3180

6,77

145 128

154

4,73 3,53 0,52 0,94 0,93

2,97 128

0,14

0,67 0,50 165

17946 3417

3787 4601

11137

9934 1255 2691 2672

6720

3405

374

1659

1276 2771

7,85

149

166

2,01

4,87 4,34 0,55 118 117

2,94 149

0,16

0,72 0,56 121

2772

829

622

818

3010

1447 220

388 399

1325

565

50 189

156

345

5,60 167

126

165

6,08

2,92 0,44 0,78 0,80 2,67 114 0,10

0,38

0,31 0,70

• .

(;,I

Obs.: IND = Industria, CONSTR

=

Construcao, COM = Cornercio, SERV = Services, 0 =Outros

;,I

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<

0

IX)

0\

 

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CI)

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~

'

0

c;

.

B

.

.

Q

  <

'

;

;

 

J.

 

Se examinarmos agora 0 mapa da expansao da mancha

urbana da Grande Sac Paulo, poderemos completar esta imagem

da distribuicao dos trabalhadores na metr6pole com uma di-

mensae dos seus veto res de expansao no tempo.

o maior vetor de expansao e 0 que se mostra na direcao

leste. £ que, praticamente esgotadas as possibilidades de moradia

barata na Penha, Tatuape, Vila Prudente, a populacao migrante

dos anos 60 e 70 foi construindo as novas periferias do que se

tornou a zona  leste

2 ,

a partir de Ermelino Matarazzo e Vila

Matilde. Com as facilidades de locomocao criadas com a abertura

da Radial Leste nos anos 60, antigos micleos urbanos que ate

.os anos 50 se comunicavam com Sao Paulo pela Estrada de

Ferro Central do Brasil incorporaram-se a aglomeracao paulis-

tana, como Sao Miguel e Itaquera. Area mais distante dos

grandes p610s industriais, e tambem, como ia vimos, onde se

concentra a populacao mais pobre .

A nordeste vemos outra linha de expansao acompanhando

a via Dutra, por onde se implantou grande quantidade de

ind ustrias pesadas, constituindo-se Guarulhos na principal zona

de residencia operaria da regiao.

, Ao norte, ap6s 0 crescimento ocorrido na decada de

60

nos bairros de Santana, Tucuruvi, Brasilandia, a urbanizacao

parecia enfrentar urn obstaculo com a serra da Cantareira.

A oeste, acompanhando a via Ierrea, Osasco ja constituia

urn importante centro industrial contiguo a capital, forman do

mancha continua com os bairros do Butanta, [aguara e Lapa.

Observa-se como, recentemente, houve uma notavel expansao

mais para oeste com 0 adensamento de Carapicuiba Conde

se construiu urn dos dois maiores conjuntos habitacionais da

CORAS, com

100

mil moradores, estando 0 outro localizado em

Itaquera).

Na direcao sui pode-se observar urn vetor que acompanha

o rio Pinheiros e a antiga linha da ferrovia Sorocabana. Se esta

perdeu sua importancia, a abertura da Avenida Marginal nos

anos

60

ampliou as vias de acesso

a

regiao. Ao longo do Pinhei-

ros, na direcao sul, e sobretudo no eixo do Jurubatuba, em

Interlagos, estabelece-se 0 principal p6lo da grande industria

no municipio de Sao Paulo. Os trabalhadores vao ocupando as

135

134

•••

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·r

,

I

-

••

-

• 11

_I:

 

r

-I

-

-

136

regi6es menos valorizadas, nos barrancos entre as represas (en-

frentando uma legislacao de protecao aos mananciais que impe-

diria a ocupacao dessas areas) e, do lade oeste do Pinheiros,

f oram adensando a ocupacao na Capela do Socorro e ao longo

das estradas do M'Boi-Mirim e Itapecerica. A chegada dessa

populacao operaria transfigurou completamente 0 antigo bairro

de Santo Amaro, sendo a expressao mais visivel disso 0 Largo

13, espaco central de toda regiao. Ele se tornou nao apenas

ponto regional de conexao dos transportes mas ainda centro de

comercio e convivencia onde ressaltam os traces de uma cultura

nordestina transplantada.

No curso dos anos 70 as vilas erguidas em torno da estrada

de I tapecerica ja se encontram com a expansao das moradias

populares que avancavam a partir do Taboao, Embu e Itapece-

rica, impulsionada nessa decada pela rodovia Regis Bittencourt.

Ja a sudeste, onde, seguindo

0

curso do Tamanduatei, os

velhos trilhos da Santos-

J

undiai ligavam os municipios do ABC

a Sao Paulo, estabeleceu-se uma mancha continua, servida pela

Via Anchieta (ao longo da qual estabeleceram-se as maiores

empresas ligadas ao

boom

automobilistico). Ao lade da popu-

lacao local mais antiga, concentrada em Santo Andre, somaram-

se gran des levas de imigrantes que encontraram empregos na

regiao e ai passaram a morar. Ai podemos distinguir particular-

mente 0 assentamento em Diadema, que se caracteriza por ser

a principal cidade-dormit6rio da populacao mais pobre da regiao

(ao f inal dos anos 70 urn terce da populacao morava em favelas)

do de Sao Bernardo, onde, alem da concentracao industrial e

sem faltar as favelas, tender am a residir os trabalhadores quali-

ficados, de melhores rendas.

ANEXO 4

Se tomarmos a populacao segundo suas faixas de remune-

racao, verif icamos que a relacao e constante: quanta mais baixo

o salario, maior a rotatividade, sendo que aqueles que recebiam

menos de urn salario minima nao conseguiram empregar-se nem

por meio ana (5,76 meses) como media. Mas, se e elevada a taxa

de rotatividade para todos os setores (excecao feita a administra-

c;:ao publica) e mesmo nas faixas ate 7 salaries, e na construcao

onde os indices sac mais espantosos. Na media para todas as

faixas salariais trabalhava-se 5 meses por ano. Para os que

recebiam menos do que 0 minimo legal (e na construcao e on de

se tern observado grande incidencia de trabalhadores sem carteira

assinada), a media de meses trabalhados por ana nao chegava

a

4.

Nao surpreende, pois, que uma parcela consideravel de

 pe6es  da construcao flutuem entre 0 emprego nesse setor e as

mais diversas atividades do  setor informal .

137

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lNDICES DO SALARIO MEDIO REAL NA INDOSTRIA

SEGUNDO RAMOS INDUSTRIAlS ESCOLHIDOS

1952 - 1973

Salario

Ind.

Vest. e

Ind.

Ind.

Ind.

Ind.

Ind. mat.

Ouimica e

rninimo

textil

calcado

madeireira

aliment.

metaldrgica

rnecanica

transporte

Farmaceutica

1952

100

100

100

100

100

100

100

100

100

1959

107

123

116

121

143

119

113

101

161

1966

78

123

110

110

132

132

130

134

180

1973

74

159

118 124 158 156 189 171 221

Fonte: P. Renato Souza, a partir de series do Anuario Estatis tico do IBGE, in Emp rego, saldrios e pobreza, Hucitec,

1980, p. 85.

ANEXO 5

lNDICE DE ROTATIVIDADE

Em meses por ana trabalhados por ernpregrado, setor de atividade e classes de salario minimo

Faixas de salario rninimo

Ate 1

1 a 3

3a7

7 a 10

10 a 15

+de 15

Total

Industria

5,76

7,68

9,48

10,20

10,32

10,32

7,80

Ind. util. publica

6,48

9,24

10,80

1104

10,80

10,80

9,96

Ind. construcao

3,72

5,04

6,48

7,68

8,04

8,52

5,04

Agric. e criacao 'animal

5,88

7,68 8,52 9,12 9,48 9,24 7,20

Services

5,52

7,20

9,00

9,72

9,84

9,96

7,44

Entidades financeiras

5,64

7,32

9,36

10,56

1104

1104

9,48

Cornercio

6,00

7,44

8,64

9,24

9,48

9,48

7,32

1140

1116

1116

10,92