SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS : resistências · PDF fileHomeopatia no SUS e...

6

Click here to load reader

Transcript of SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS : resistências · PDF fileHomeopatia no SUS e...

Page 1: SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS : resistências · PDF fileHomeopatia no SUS e na formação médica ... não é eficaz em casos agudos. Preconceitos estes, em parte, decorrentes

livros

Homeopatia no SUSe na formação médica

A pesquisa de Sandra Salles, umtrabalho de doutorado no Departamentode Medicina Preventiva da Faculdadede Medicina da Universidade de SãoPaulo, traz significativo avanço nodesenvolvimento de um temarelativamente pouco valorizado nasaúde pública brasileira, no SistemaÚnico de Saúde (SUS) e nas escolas demedicina do país. Trata-se da relação dedocentes de escolas médicas eprofissionais médicos não-homeopatasdo SUS e seus gestores com ahomeopatia.

É desnecessário comentar arelevância dessa temática nummomento de grande movimento deinvestigação e revalorização mundial daschamadas medicinas e terapiasalternativas e complementares,desencadeado com mais vigor a partirda década de 1990, quando estudos empaíses ricos revelaram procura evalorização acentuada, pelaspopulações, dessas práticas (Eisenberget al., 1993). Lembremos que, pelomenos desde o fim da década de 1970,a Organização Mundial de Saúde(OMS) recomenda a pesquisa e ofertadas mesmas nos sistemas públicos de

SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS: resistênciase aproximações. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2008.

Charles Dalcanale Tesser1

1 Departamento Saúde dePública, Centro deCiências da Saúde,

Universidade Federal deSanta Catarina. Rua

Laureano, 970,Campeche, Florianópolis,

SC, Brasil. [email protected]

v.13, n.31, p.469-74, out./dez. 2009 469COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

saúde. No seu último texto oficial, aOMS (2002) justifica essarecomendação pela adequação culturale acesso fácil das populações a essetipo de cuidado nos países pobres epela procura crescente e consistentedessas terapias e práticas pelaspopulações dos países ricos.

Inserindo-se num momento deestímulo para a oferta dessas práticas noSUS, por meio da Política Nacional dePráticas Integrativas e Complementares(PNPIC-SUS) (Brasil, 2006), a pesquisadescrita nesse livro traz novos dados econtribui com análises e reflexões sobreo complexo processo de convivência dabiomedicina com a medicinahomeopática. O foco da pesquisa foi ainterface homeopatia-alopatia na suaexistência real e social, do ponto devista dos profissionais não-homeopatasque convivem com a homeopatia noSUS, em locais em que ela estápresente.

O livro é estruturado num formatoacadêmico enxuto, introduzindo, noinício, o contexto da pesquisa, seuobjetivo, referenciais teóricos, métodose procedimentos, apresentados comobjetividade e concisão. Em seguida,apresenta mais detidamente osresultados da pesquisa e análises dosmesmos, separadamente para cada tipo

Page 2: SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS : resistências · PDF fileHomeopatia no SUS e na formação médica ... não é eficaz em casos agudos. Preconceitos estes, em parte, decorrentes

4 7 0 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.13, n.31, p.469-74, out./dez. 2009

LIVROS

de informante (docentes, gestores emédicos, respectivamente). A autorareconhece um movimento recente deaproximação entre a homeopatia e abiomedicina, em paralelo a suashistóricas oposições. Seu objetivo sedirigiu à relação dos entrevistados coma homeopatia em termos: dacaracterização dos movimentos deaproximação e oposição ou resistênciaentre essas duas medicinas; daintrodução e presença da homeopatianessas instituições, e das regras derelações entre homeopatas e não-homeopatas.

Para responder essas questões, apesquisadora lançou mão, por um lado,de referências teórico-conceituaispertinentes, como: o conceito de“campo científico”, de Pierre Bourdieu,a produção de Madel Luz sobre a históriada homeopatia no Brasil e a categoria“racionalidade médica” desenvolvida poresta autora, além de outros estudossobre a constituição do mercado detrabalho médico e modelos de prática ouassistência, de pesquisadores comoRicardo Bruno Mendes Gonçalves, LiliaSchraiber (sua orientadora) e CecíliaDonângelo. Com isso, a autora assumeuma perspectiva crítica, sociológica ehistórica condizente com acomplexidade do tema e, assim, afasta-se da ingenuidade positivista ainda típicado campo biomédico, que pensaria oproblema investigado, talvez, como umaquestão apenas de comprovação deeficácia da homeopatia pela comunidademédico-científica.

Por outro lado, Sandra Salles realizouuma ampla pesquisa de campo,partindo do panorama atual dahomeopatia no SUS e nas escolasmédicas brasileiras. Escolheu locais eexperiências com maior consistênciahistórica e assistencial de presença dahomeopatia nos anos recentes eselecionou intencionalmente um elencode médicos, gestores e professoresuniversitários não-homeopatas, comcontato com a homeopatia, paraparticiparem da pesquisa, totalizando

um grupo de 49 entrevistados. Os 12médicos e 17 gestores desse grupoatuavam em algum dos seis municípioscom maior produção de consultashomeopáticas (Rio de Janeiro, São Paulo,Vitória, Brasília, Dourados e Juiz de Fora,em ordem decrescente de produção) noperíodo 2003-2005 – em que apenas 109municípios brasileiros referiram consultasem homeopatia realizadas pelo SUS, amaior parte deles no sudeste (totalizando74,4% das consultas). Ainda segundo osdados do SUS levantados na pesquisa, osestados com maior número de municípioscom consultas desse tipo foram São Paulo(38), Rio de Janeiro (29) e Minas Gerais(11), sendo que sete estados do norte-nordeste não acusaram nenhuma consultahomeopática no SUS nesse tempo. Das115 escolas de medicina do Brasil (em2005), 23 não puderam ser contactadas,e a pesquisadora conseguiu obter retornode 46 delas e, dentre estas, identificar 19escolas com alguma atividade ligada àhomeopatia, das quais 11 forneceramvinte docentes que foram entrevistados.

A pesquisa mostrou vários aspectosda situação atual da interface investigada.Revelou que a tímida presença, naacademia e no SUS, de oferta, ensino epesquisa de homeopatia devem-se, naquase totalidade dos casos, a iniciativasde profissionais homeopatas. Issodenota a imensa fragilidade institucionale o protagonismo quase pessoal aindanecessário para que essa medicina sefaça presente nas academias e nosserviços.

Os depoimentos tambémreafirmaram a intensidade e apermanência tanto de desconhecimentoquanto de preconceitos, resistências edesconfianças dos entrevistados emrelação à homeopatia e suaspotencialidades, seja ela vista apenasenquanto especialidade médica quedeveria especificar para que serve(denotando, de certo modo, maiordesconhecimento da mesma), sejaenquanto medicina distinta (comoracionalidade médica estruturada2) quetem pontos fortes e pontos fracos.

2 Segundo Luz (2000),uma “racionalidademédica” constitui-se deum conjunto de práticas esaberes existentessocialmente, organizadose estruturados, quecomportam umamorfologia do homem(anatomia, nabiomedicina), umadinâmica vital (fisiologia),um sistema de diagnose,um sistema terapêutico euma doutrina médica(explicações sobre oadoecimento e a cura),embasados em umacosmologia (implícita ouexplícita). A presença detodas estas dimensões emuma medicina ou sistemamédico caracteriza umaracionalidade médica, oque permite distinguirsistemas médicoscomplexos, como abiomedicina, ahomeopatia ou a medicinaayurvédica, de terapias oumétodos diagnósticos,como os florais de Bach, airidologia, o reiki, entreoutros.

Page 3: SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS : resistências · PDF fileHomeopatia no SUS e na formação médica ... não é eficaz em casos agudos. Preconceitos estes, em parte, decorrentes

livros

v.13, n.31, p.469-74, out./dez. 2009 471COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

A pesquisa detectou nosentrevistados a já tradicional resistênciaideológica, paradigmática e cultural àhomeopatia: o problema da açãoterapêutica das grandes diluiçõeshomeopáticas, que a ciência ainda nãoconsegue explicar. Também mostrou apresença dos preconceitos popularesmais comuns presentes fortementenesses profissionais, gestores edocentes: de que o tratamento édemorado, de que a homeopatia servepara certos tipos de problemascaracterizados como crônicos e/oupouco graves clinicamente, e de quenão é eficaz em casos agudos.Preconceitos estes, em parte,decorrentes da pouca socialização dessamedicina e dos problemas deorganização e inserção da práticahomeopática no SUS. Quando ela sefaz presente, em regra, pouco viabilizao acesso para os pacientes agudos(mesmo já em tratamento) ao cuidadohomeopático, bem como quase nuncaestá disponível em unidades deurgência ou atendimento hospitalar.

Uma das questões bem apontadas eanalisadas pela autora é decorrênciadesses preconceitos e da precáriaincorporação da homeopatia pelo SUS,que se retroalimentam: a consideraçãoda mesma como uma medicina simplese barata, para problemas banais,clinicamente sem gravidade, emborarelevantes para os pacientes(psicossomáticos, alergias etc.) e degrande prevalência na população. Elaseria, pois, uma medicina para o trivial.

É fato que a biomedicina é poucosensível e eficaz para uma miríade dequeixas, vivências, sensações esintomas envolvidos nos adoecimentos,que não são úteis para oestabelecimento de diagnósticosbiomédicos, por vezes a maior parte dorelato dos doentes. Comumente omédico alopata desqualifica, ignora ousimplesmente aborta tais relatos que,quando ouvidos, não recebem mais

que sintomáticos químicos, alguns significativamenteiatrogênicos. Daí os alopatas considerarem muitas queixas esintomas como adoecimentos “simples”, já que nãoreconhecem neles doenças ou patologias descritas na suanosografia. Também pode ser aceito que a medicinahomeopática, no geral, tem boa sensibilidade e eficácia(empiricamente falando) para grande parte desses sintomas,vivências e queixas, integrando-os numa terapêutica voltadaao sujeito em desequilíbrio e facilitando um processo deautoconhecimento (como, de resto, outras medicinas epráticas complementares), produzindo, com isso, umaabordagem mais rica da experiência do adoecimento e docuidado (Andrade, 2006). Mas isso não significa que ahomeopatia esgote suas potencialidades nesse tipo desituação, apenas realça algumas de suas virtudes.

Por outro lado, essa visão faz pensar que o local porexcelência da medicina homeopática deve ser a atençãoprimária à saúde, denotando subliminarmente uma visãoainda persistente da atenção primária como serviço para osadoecimentos “simples” e “banais”. Em que pesem asdificuldades reais, históricas e políticas da organização doSUS e da atenção primária brasileira (da Estratégia Saúde daFamília), parece desnecessário comentar que a clínicageneralista da atenção básica envolve grandescomplexidades, tanto clínicas quanto psicológicas, culturais esociais. Daí que a atenção primária deveria ser chamada“atenção fundamental”, para fazer justiça ao significado dooriginal primary care e devido à sua importância naorganização do SUS. Confirmando os achados da pesquisa ea tendência atual de pequena presença da homeopatia noSUS, a atenção fundamental ou primária deve ser o local porexcelência desta medicina, como da própria alopatia, já quedeve concentrar a maior parte do cuidado médico.

Todavia, não há por que não abrir as emergências ehospitais para a homeopatia, quase nada conhecida nessesambientes no Brasil, para expô-la e testá-la (e às suasvirtudes e limites). A pesquisa revela certas reticências dosentrevistados quanto a esta proposta, por eles considerarema homeopatia “insegura” ou “menos segura” (o queprovavelmente associa-se aos preconceitos edesconhecimentos, por eles mesmos assumidos, e àreferência à biomedicina, conhecida e aceita como maissegura).

O livro também revela que um passo importante está emcurso no ambiente dos profissionais investigados, a sercomemorado, não fosse pela lentidão em que ocorre: aexistência de um processo de questionamento dadesumanização da medicina, do excesso de tecnicismo ecientificismo em prejuízo dos aspectos relacionais e artísticosda prática médica, dos problemas de iatrogenia clínica3 e

Page 4: SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS : resistências · PDF fileHomeopatia no SUS e na formação médica ... não é eficaz em casos agudos. Preconceitos estes, em parte, decorrentes

4 7 2 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.13, n.31, p.469-74, out./dez. 2009

LIVROS

simbólica, e de medicalização excessivaem vigor na biomedicinacontemporânea, dos limitesparadigmáticos da especializaçãomédica, que perde de vista o indivíduocomo um todo e centra a terapêuticaem patologias específicas desvinculadasdesse todo. Em outras palavras, osproblemas da integralidade ou da faltadela na alopatia (Tesser, Luz, 2008),mesmo supondo fácil acesso, quandonecessário, aos especialistas e àstecnologias diagnósticas e terapêuticas.

A pesquisa também mostrou aexistência do progressivoreconhecimento de que o saber/práticaalopático (adequado e suficiente noambiente hospitalar e nos casos demaior gravidade clínica, aos olhos dosentrevistados) é insuficiente einadequado no ambiente da medicinaambulatorial, sobretudo da atençãoprimária. Isso se relaciona à já antiga eproblemática necessidade de reformado ensino médico, centrado até agorano ambiente hospitalar. Os processosde reformas curriculares nas escolas demedicina foram apontados comoelementos facilitadores da introduçãode conteúdos relacionados àhomeopatia e a outras práticasterapêuticas nas academias.

O reconhecimento de limites eproblemas na prática, na formação e nosaber biomédicos abre espaço para ahomeopatia, ao mesmo tempo em quea biomedicina pode também serenriquecida e estimulada pela medicinahomeopática quando ambas mantêmconvívio. Essa mão dupla sinérgicaocorre devido ao fato de a homeopatiaproporcionar, em suas práticas esaberes: uma abordagem mais integrale holística, menos iatrogênica, maisacolhedora, com maior capacidade deescuta, com maior individualização daterapêutica, melhor valorização deaspectos psicológicos e sociais dosadoecimentos, e menos medicalização.

A percepção de tais “virtudes”,pelos entrevistados na pesquisa, indicaque os homeopatas, ainda que em

pequeno número no SUS, têm praticadouma homeopatia preservando suascaracterísticas conceituais, técnicas eteóricas (que induzem e demandam asvirtuosidades mencionadas), derivadasdos preceitos vitalistas e técnicosfundamentais que a caracterizam comoracionalidade médica distinta. Taiscaracterísticas da racionalidade médicahomeopática, também presentes emoutras racionalidades médicas vitalistas,fazem dela uma medicina forte emaspectos em que a biomedicina éreconhecidamente fraca, além de torná-la uma abordagem que converge comos valores e ideais do SUS, comopromoção da saúde e integralidade,indo inclusive além dos limitesconceituais biomédicos, quando ahomeopatia se volta, por exemplo, parao equilíbrio energético e dinâmico dospacientes (Tesser, Barros, 2008).

Isso tudo gera uma série depercepções, aproximações e resistênciasnos entrevistados, que ora lamentamsua própria ignorância, solicitando maiorinteração e aproximação, e ora mostramreticências e descréditos, levantandopequenos problemas práticos deconvívio (como a não compreensão dasterapêuticas por desconhecimento,dificuldades para encaminhamento,reivindicações de protocolos, restrição àatenção primária etc.).

A pesquisadora chama a atençãopara uma demanda explícita dosentrevistados: que os homeopatas esuas instituições venham com maisvigor a público, aos serviços, àacademia e ao encontro de seus paresalopatas para debater, mostrar, ensinar,pesquisar e socializar os saberes etécnicas homeopáticas, saindo de umaposição retraída e tímida, em que talveztenham se isolado como resultado dospreconceitos e oposições à homeopatiana academia e na história social damedicina no ocidente e no Brasil.

Pode-se também considerar,ressaltando esse último achado dapesquisa, que os homeopatas brasileirosacabaram restringindo-se ao ambiente

3 Vale lembrar que aiatrogenia (aí incluídos oserros médicos) chegou aser, recentemente, aterceira causa de mortenos Estados Unidos daAmérica (Starfield, 2000).

Page 5: SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS : resistências · PDF fileHomeopatia no SUS e na formação médica ... não é eficaz em casos agudos. Preconceitos estes, em parte, decorrentes

livros

v.13, n.31, p.469-74, out./dez. 2009 473COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

da medicina privada após seureconhecimento como especialidade eum certo boom de procura por eles nasdécadas de 1980 e início de 1990. Issoreforça seu isolamento e poucasocialização, já que, em pelo menosum ponto, sua cultura tende a convergircom o restante das especialidades focaisalopáticas: no aspecto ideológicorelativo ao ideário liberal de trabalharem consultório privado. Mesmodestruído pela realidade do campoprofissional e do mercado de trabalhono país, este talvez ainda seja o sonhobásico de atividade profissional doshomeopatas. Como sua formação, salvoexceção, é realizada fora das academiase serviços públicos de saúde, emassociações de homeopatas com cursosreconhecidos, por professores cujaprática é privada parcial ou totalmente,esse ideário talvez fique reforçado, demodo que os homeopatas quetrabalham no SUS continuam marginaise tendem a se fechar em seusconsultórios (também pelas diferençasteórico-práticas e culturais de suamedicina e pelas dificuldades deorganização do serviço, voltado para aprática alopática).

Entretanto, deve ser ressaltado outrodado revelado pela pesquisa: o convívioentre homeopatas e alopatas temacontecido em uma relativa harmonia eparceria, num espírito decomplementaridade em prol da buscade melhores terapias para os doentes,menor iatrogenia e melhor cuidado, emfunção de limites da alopatiaprogressivamente reconhecidos ecriticados, diferentemente de temposatrás, quando eram mais comunsposturas extremas de negação mútua ede oposição de ambas as partes. Apesardos preconceitos e ignorâncias, oestabelecimento desse clima deparceria e complementaridade deve sersaudado com satisfação e otimismo,mesmo que as tensões existentes e ahegemonia da biomedicina no campo

impliquem o perigo de restrição daspotencialidades da homeopatia,encarada como medicina barata4 esimples, lenta, para problemas banais,mas com grande prevalência na atençãoprimária.

Parece que somente a socializaçãoprogressiva dessa medicina nasinstituições de ensino, no SUS e nasociedade em geral será capaz desuperar certos preconceitos: apenasdisseminando sua prática e teoria emassistência, ensino e pesquisa, ahomeopatia poderá dar o seu potencialde contribuições para o cuidado à saúdeno SUS. O medo da descaracterizaçãoda medicina homeopática diante doimediatismo sintomático da culturacontemporânea e da hegemonia daalopatia não se sustenta frente aosachados da pesquisa. E como asdificuldades são reais, culturais,ideológicas, políticas e de grandeordem, envolvendo inclusive variáveismacropolíticas ligadas à produção ereprodução do saber científico eterapêutico (em que a produçãoartesanal e barata dos medicamentoshomeopáticos é um perigo potencial deconcorrência para o chamado“complexo médico industrial”), pareceser recomendável que os homeopatas esuas instituições, os gestores do SUS eas academias amplifiquem asexperiências de oferta, estudo epesquisa dessa medicina.

Considerando a pequenez dapresença e da institucionalização dahomeopatia no SUS e nas academias eo longo caminho a percorrer para a suamaior socialização, bem como a deoutras terapias complementares, caberecomendar a leitura desse livro, naesperança de que ele possa muitocontribuir para o crescimento dessepequeno, mas consistente e promissor,movimento de aproximação tensa dahomeopatia e da alopatia, documentadoe analisado pela pesquisa de SandraSalles.

4 O lado barato dahomeopatia revela-se nouso parcimonioso doarsenal diagnósticobiomédico, sabidamentecaro (os homeopatassolicitam bem menosexames complementares,segundo os gestoresentrevistados– o que todo médicodeveria fazer), e naterapêutica, já que osmedicamentoshomeopáticos são, noconjunto, provavelmentemais baratos que osalopáticos, em função desuas características deprodução, reproduçãoe uso.

Page 6: SALLES, S. Homeopatia, universidade e SUS : resistências · PDF fileHomeopatia no SUS e na formação médica ... não é eficaz em casos agudos. Preconceitos estes, em parte, decorrentes

4 7 4 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.13, n.31, p.469-74, out./dez. 2009

LIVROS

Recebido em 04/02/2009. Aprovado em 09/03/2009.

Referências

ANDRADE, J.T. Medicina alternativa e complementar:experiência, corporeidade e transformação. Salvador:UFBA, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção àSaúde. Departamento de Atenção Básica. PolíticaNacional de Práticas Integrativas e Complementaresno SUS (PNPIC-SUS). Brasília: Ministério da Saúde,2006. (Série B. Textos Básicos de Saúde). Disponívelem: <http://dtr2004.saude.gov.br/dab/docs/publicacoes/geral/pnpic.pdf>. Acesso em: 16 mar.2009.

EISENBERG, D.M. et al. Links unconventionalmedicine in the United States: prevalence, costs, andpatterns of use. New Engl. J. Med., v.328, n.4,p.246-52, 1993.

LUZ, M.T. Medicina e racionalidades médicas: estudocomparativo da medicina ocidental contemporânea,homeopática, chinesa e ayurvédica. In: CANESQUI,A.M. (Org.). Ciências sociais e saúde para o ensinomédico. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2000. p.181-200.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - OMS.Estratégia de la OMS sobre medicina tradicional2002-2005. Genebra: OMS, 2002.

STARFIELD, B. Is US health really the best in theworld? J. Am. Med. Assoc., v.284, n.4, p.83-5, 2000.

TESSER, C.D.; BARROS, N.F. Medicalização social emedicina alternativa e complementar: pluralizaçãoterapêutica do Sistema Único de Saúde. Rev. SaudePublica, v.42, n.5, p.914-20, 2008.

TESSER C.D.; LUZ, M.T. Racionalidades médicas eintegralidade. Cienc. Saude Colet., v.13, n.1, p.195-206, 2008.