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SAMIZDAT 8 SELEÇÃO BRASILEIRA a concisão da obra de Marcelo Spalding www.samizdat-pt.blogspot.com setembro 2008 ficina

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ConteúdoPor que Samizdat?, Henry Alfred BugalhoENTREVISTALaura BacellarMICROCONTOSJosé Espírito SantoMarcia SzajnbokVolmar Camargo JuniorRECOMENDAÇÕES DE LEITURA40 Novelas de Luigi Pirandello, Marcia SzajnbokAUTOR EM LÍNGUA PORTUGUESAA Alma Paulistana de Paulo BomfimCONTOSEncarna Val, Carlos Alberto BarrosO Imenso e o Infinito, Volmar Camargo JuniorA Ordem do Mundo, Henry Alfred BugalhoO Alvo Simbiótico, José Espírito SantoSaudades da Minha Terra, Joaquim BispoHistórias, Maria de Fátima SantosMelodrama, Guilherme RodriguesNoite Estrelada, Guilherme RodriguesA Natureza do Escorpião ou Narrativa Literário-futebolística em Quinhentas Palavras, Zulmar LopesAUTOR CONVIDADOSeleção Brasileira, Marcelo SpaldingTEORIA LITERÁRIAPequena Poética do Miniconto, Marcelo SpaldingEnchendo Lingüística na SAMIZDAT - Writing for Dummies, Volmar Camargo JuniorPOESIAMiopia, Carlos Alberto BarrosSonetos, Guilherme RodriguesLaboratório Póetico - Poetrix, Volmar Camargo JuniorPoesia Concreta, Volmar Camargo JuniorPoetrix, José Espírito SantoBrincando de faz de Conta, Giselle SatoFolha, Marcia SzajnbokTo be and not to be, Marcia Szajnbokhttp://samizdat-pt.blogspot.com/2008/09/samizdat-8.html

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SAMIZDAT

8

SELEÇÃOBRASILEIRA

a concisão da obra de Marcelo Spalding

www.samizdat-pt.blogspot.com

setembro2008

ficina

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Edição, Capa e Diagramação:

Henry Alfred Bugalho

Autores

Alian Moroz

Carlos Alberto Barros

Giselle Natsu Sato

Guilherme Rodrigues

Henry Alfred Bugalho

Joaquim Bispo

José Espírito Santo

Marcia Szajnbok

Maria de Fátima Santos

Volmar Camargo Junior

Zulmar Lopes

Autores Convidados

Marcelo Spalding

Textos de:

Paulo Bomfim

Imagem da capa:http://www.flickr.com/photos/totemik/2376276117/sizes/l/

www.samizdat-pt.blogspot.com

SAMIZDAT 8setembro de 2008

Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.

Todas as imagens publicadas são de domínio público ou royalty free.

As idéias expressas e a revisão das obras são de inteira res-ponsabilidades de seus autores ou tradutores.

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SumárioPor que Samizdat? 6

Henry Alfred Bugalho

eNtreViStaLaura Bacellar 8

miCroCoNtoSJosé Espírito Santo 14Marcia Szajnbok 18Volmar Camargo Junior 18

reComeNdaÇÕeS de Leitura40 novelas de Luigi Pirandello 20

Marcia Szajnbok

autoreS em LÍNGua PortuGueSaA Alma Paulistana de Paulo Bomfim 22

CoNtoSencarna Val 26

Carlos Alberto Barros

O Imenso e o Infinito 28Volmar Camargo Junior

a ordem do mundo 32Henry Alfred Bugalho

o alvo Simbiótico 34José Espírito Santo

Saudades da minha terra 36Joaquim Bispo

Histórias 38Maria de Fátima Santos

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melodrama 40

Guilherme Rodrigues

Noite estrelada 41Guilherme Rodrigues

a Natureza do escorpião ou Narrativa Literário-futebolística em quinhentas Palavras 42

Zulmar Lopes

Giralua 44Alian Moroz

autor CoNVidadoSeleção Brasileira 46

Marcelo Spalding

teoria LiterÁriaPequena Poética do miniconto 50

Volmar Camargo Juniorenchendo Lingüística na Samizdat: Writing for dummies 54

Volmar Camargo Junior

PoeSiamiopis 58Carlos Alberto Barros

Sonetos 59Guilherme Rodrigues

Laboratório Póetico - Poetrix 60Volmar Camargo Junior

Poesia Concreta 61Volmar Camargo Junior

Poetrix 62José Espírito Santo

Brincando de faz de Conta 63Giselle Natsu Sato

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Folha 64Marcia Szajnbok

to be and not to be 65Marcia Szajnbok

SoBre oS autoreS da Samizdat 89

Agora o leitor da SAMIZDAT também pode colaborar com a elaboração da revista. Envie-nos suas sugestões, críticas e comentários.

Você também pode propor ou enviar textos para as seguintes seções da revista: Rese-nha Literária, Teoria Literária, Autores em Língua Portuguesa, Tradução e Autor Convi-dado.

Escreva-nos para:[email protected]

SEÇÃO DO LEITOR

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66 SAMIZDAT agosto de 2008

inclusão e exclusão

Nas relações humanas, sempre há uma dinâmica de inclusão e exclusão.

O grupo dominante, pela própria natureza restritiva do poder, costuma excluir ou ignorar tudo aquilo que não pertença a seu projeto, ou que esteja contra seus prin-cípios.

Em regimes autoritários, esta exclusão é muito eviden-te, sob forma de perseguição, censura, exílio. Qualquer um que se interponha no cami-nho dos dirigentes é afastado e ostracizado.

As razões disto são muito simples de se compreender: o diferente, o dissidente é perigoso, pois apresenta alternativas, às vezes, muito melhores do que o estabe-lecido. Por isto, é necessário suprirmir, esconder, banir.

A União Soviética não foi muito diferente de de-mais regimes autocráticos. Origina-se como uma forma de governo humanitária, igualitária, mas logo

se converte em uma ditadu-ra como qualquer outra. É a microfísica do poder.

Em reação, aqueles que se acreditavam como livres-pensadores, que não que-riam, ou não conseguiram, fazer parte da máquina administrativa - que esti-pulava como deveria ser a cultura, a informação, a voz do povo -, encontraram na autopublicação clandestina um meio de expressão.

Datilografando, mimeo-grafando, ou simplesmente manuscrevendo, tais autores russos disseminavam suas idéias. E ao leitor era incum-bida a tarefa de continuar esta cadeia, reproduzindo tais obras e também as passando adiante. Este processo foi designado "samizdat", que nada mais significa do que "autopublicado", em oposição às publicações oficiais do regime soviético.

Por que Samizdat?

“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico, distribuo e posso ser preso por causa disto”

Vladimir Bukovsky

Henry Alfred [email protected]

Foto: exenplo dum samizdat. Corte-sia do Gulag Museum em Perm-36.

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7www.samizdat-pt.blogspot.com

e por que Samizdat?

A indústria cultural - e o mercado literário faz parte dela - também realiza um processo de exclusão, base-ado no que se julga não ter valor mercadológico. Inex-plicavelmente, estabeleceu-se que contos, poemas, autores desconhecidos não podem ser comercializados, que não vale a pena investir neles, pois os gastos seriam maio-res do que o lucro.

A indústria deseja o pro-duto pronto e com consumi-dores. Não basta qualidade, não basta competência; se houver quem compre, mes-mo o lixo possui prioridades na hora de ser absorvido pelo mercado.

E a autopublicação, como em qualquer regime exclu-dente, torna-se a via para produtores culturais atingi-rem o público.

Este é um processo soli-tário e gradativo. O autor precisa conquistar leitor a leitor. Não há grandes apa-ratos midiáticos - como TV,

revistas, jornais - onde ele possa divulgar seu trabalho. O único aspecto que conta é o prazer que a obra causa no leitor.

Enquanto que este é um trabalho difícil, por outro lado, concede ao criador uma liberdade e uma autonomia total: ele é dono de sua pala-vra, é o responsável pelo que diz, o culpado por seus erros, é quem recebe os louros por seus acertos.

E, com a internet, os au-tores possuem acesso direto e imediato a seus leitores. A repercussão do que escreve (quando há) surge em ques-tão de minutos.

Ao serem obrigados a bur-larem a indústria cultural, os autores conquistaram algo que jamais conseguiriam de outro modo, o contato qua-se pessoal com os leitores, o diálogo capaz de tornar a obra melhor, a rede de conta-tos que, se não é tão influen-te quanto a da grande mídia, faz do leitor um colaborador, um co-autor da obra que lê. Não há sucesso, não há gran-

des tiragens que substitua o prazer de ouvir o respal-do de leitores sinceros, que não estão atrás de grandes autores populares, que não perseguem ansiosos os 10 mais vendidos.

Os autores que compõem este projeto não fazem parte de nenhum movimento literário organizado, não são modernistas, pós- modernistas, vanguardistas ou qualquer outra definição que vise rotular e definir a orientação dum grupo. São apenas escritores interessados em trocar experiências e sofisticarem suas escritas. A qualidade deles não é uma orientação de estilo, mas sim a heterogeneidade.

Enfim, “Samizdat” porque a internet é um meio de auto-publicação, mas “Samizdat” porque também é um modo de contornar um processo de exclusão e de atingir o objetivo fundamental da escrita: ser lido por alguém.

SAMIZDAT é uma revista eletrônica mensal, escrita, editada e publicada pelos integrantes da Oficina de Escritores e Teoria Literária. Diariamente são incluídos novos textos de autores consagrados e de jovens escritores amadores, entusiastas e profis-sionais. Contos, crônicas, poemas, resenhas literárias e muito mais.

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entrevista

Laura BaCeLLarLaura Bacellar trabalha em

editoras desde 1983. Começou na Editora Paz e Terra como estagiária e já ocupou todas as funções editoriais – de produto-ra na Hemus a editora chefe na Brasiliense. Fundou e dirigiu o primeiro selo editorial inteiramen-te dedicado às minorias sexuais, Edições GLS. Já foi editora em casas pequenas, como a Mercuryo, e enormes, como a Scipione. Sua especialidade é não-ficção, mas edita também paradidáticos, literatura adulta, literatura infantil e interesse geral. Escreveu três livros como ghostwriter e um com seu próprio nome, Escreva seu livro – guia prático de edição e publicação, pela Editora Mer-curyo. Adaptou cinco clássicos do inglês, Robinson Crusoé, Drácula, Sherlock Holmes, Frankenstein e Rei Artur, para a editora Scipione e escreveu uma outra obra infan-til, Mini Larousse da educação no trânsito, para a Larousse do Brasil em 2005. É co-autora, com o índio cariri Tkainã, do juvenil Mãe d’água pela Scipione. Dá cursos regularmente para autores e editores em instituições como a Universidade do Livro, ligada à Unesp. Mantém o site www.escre-vaseulivro.com.br, que é bastante utilizado por editores para instruir autores que os procuram. Atual-mente trabalha como free-lancer para várias grandes editoras e é responsável pela Editora Mala-gueta, a primeira editora dirigida a lésbicas do Brasil.

SAMIZDAT: Laura, como você percebe a relação das editoras com a lite-ratura que tem surgido na internet? Os editores têm prestado atenção no que ocorre no mundo virtual ou ainda preferem os métodos tradicionais para selecionarem autores inéditos?

Laura Bacellar: Claro que só posso falar sobre os edito-res que conheço, certo? Mas entre esses profissionais

meus colegas, a internet é vista como algo sem muitos critérios de qualidade, sem seleção prévia. Assim, ficar lendo textos na rede che-ga a ser pior do que ler os originais que chegam sem ser solicitados às editoras, porque pelo menos para enviar um texto para análi-se o autor tem um trabalho mínimo, enquanto que para colocar alguma coisa na in-ternet parece muitas vezes não haver nenhum esforço ou custo.

8 SAMIZDAT julho de 2008

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Pessoalmente, as poucas vezes em que naveguei em sites de textos de ficção, fiquei um tanto escandali-zada com a falta de respeito pela língua portuguesa e pelas convenções mais bási-cas sobre como contar uma história. Há uma quantida-de imensa de textos ruins online, ainda que mistura-da a muita coisa boa, o que desa-nima quem queira fazer uma seleção.

Por outro lado, há os blogs de pessoas inteligen-tes, há sites bem escritos, há revistas interessantes que permitem aos editores loca-lizar especialistas articula-dos em determinadas áreas, há discussões em fóruns e toda uma gama de ativida-des intelectuais que podem servir de vitrine para escri-tores.

Assim, para responder à sua pergunta, eu diria que editores ainda preferem escolher autores de ficção que existam fora da rede, mas usam a internet para verificar a abrangência de opiniões daquela pessoa, o que existe sobre ela, se ela tem contos ou artigos já pu-blicados em algum lugar, se já fez parceria com alguém e todo tipo de informação que é útil ter sobre um autor.

Diante de um país como o Brasil, onde a leitura está longe de ser algo que realmente faça parte da cultura cotidiana, como fica o interesse das edi-toras em lançar novos escritores?

L.B.: Olhe, é impossível generalizar a atitude das editoras, porque elas são muitas. Há desde editoras que caçam ape-nas um pos-sível sucesso

comercial até aquelas que são projetos de vida, dedi-cadas a publicar talentos raros. E no meio também tem de tudo, passando pelas que publicam os amigos, as que são cooperativas de au-tores para se auto-publicar, as que arriscam algo dife-rente de vez em quando, as que só publicam clássicos, as que só olham para os estrangeiros premiados fora do país, etc, etc.

Publicar é um negócio de risco, e um escritor desco-nhecido de ficção é o maior risco que existe. Dali pode brotar um sucesso sensa-cional ou uma reputação prestigiosa, mas também pode não acontecer abso-lutamente nada. Há autores que não vendem nem dez exemplares por ano!

Os editores usam tudo o que sabem – experiência, prêmios, tendências no ex-terior, gosto pessoal, conver-sas com o público, atenção da mídia – para apostar nos autores que lhes pareçam mais interessantes.

E o quanto investem em possíveis novos talentos depende das editoras em que trabalham, da margem que têm para puro risco, do perfil de aventura ou tradi-ção cultivado pela casa.

Nos EUA e Europa, os agentes literários repre-sentam um papel impor-tante no mercado, servin-do de ponte entre autores e editoras. Este modelo poderia ser reproduzido eficazmente no Brasil? Quais seriam as vantagens desta intermediação para um autor inédito?

L.B.: Sim, esse modelo ajuda-ria bastante nosso mercado. O problema principal das editoras é justamente triar o que tem certa qualidade e depois trabalhar com o autor de forma a chegar num texto publicável, já que a grande maioria dos autores não sabe como produzir um texto acabado. Os agentes fazem isso lá fora, mas a um custo. E eles existem num mercado que têm muito mais intermedi-ários do que aqui. Qualquer universidade merreca lá tem cursos e mais cursos de escrita criativa, de fan-tasia, de roteiro, de criação

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Publicar é um negócio de risco, e um escritor desconhecido de ficção é o maior risco que existe.

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de personagens. O escritor americano e canadense e europeu tem muito mais oportunidades de apren-der e refinar sua escrita de maneira calma, num am-biente profissional, do que o brasileiro.

Aqui os cursos são pou-cos e conheço apenas uma agente que trabalha com autores iniciantes.

Assim, nossos escritores iniciantes são realmente iniciantes, não entendem nada do processo editorial, em geral não conseguem separar uma crítica ao texto de uma crítica pessoal, não têm noção de público e adequação de estilo, são super inseguros, de modo geral super ansiosos e difí-ceis de lidar.

Se houvesse uma batelada de agentes explicando para essas pessoas o que é o quê, sem dúvida cumpririam a missão de funcionar como interface entre eles e os editores. Facilitaria bem o trâmite e é provável que aos poucos venha a aconte-cer, já que os editores têm cada vez menos tempo para essa educação do autor, mas o mercado está super ativo.

O que você pensa das edi-toras que trabalham sob demanda? Qual a impor-tância delas no mercado literário?

L.B.: Acho que elas cum-prem a função de atender ao autor que quer ser pu-blicado por razões pessoais, que não envolvem neces-sariamente uma interação com um público que não o conheça previamente. Mas para lançar autores no mer-cado, pelo que tenho visto esses prestadores de serviço não funcio-nam.

Estão criando um ambien-te perigoso, aliás, de contar lin-das histórias, prometer várias coisas bem vagas e extrair quantias respeitáveis dos autores.

Eu não vou me estender aqui sobre isso porque é um assunto enorme, mas vou dar uma dica: se a editora pede que o autor “contribua”, “arque com os custos de produção”, “invis-ta na divulgação” ou qual-quer outra frase bonita que subentenda colocar a mão no bolso e pagar alguma coisa, não se trata de uma editora, mas de um pres-tador de serviço. Se é um prestador de serviço, então o autor deve com todo o cuidado avaliar a relação custo-benefício. Quais são os serviços que serão pres-tados exatamente? Qual a garantia? Que exemplos

de serviços já prestados a outros autores a empresa pode dar?

E, como com todo serviço, é bom olhar em volta e com-parar preços.

A chamada “literatura espírita” é um seg-mento que tem parte considerável do mercado literário. A maioria das obras é publicada por editoras especializa-das e têm

o lucro revertido para o movimento ou entidades relacionadas - as chama-das obras básicas, por exemplo, são editadas pela própria Federação Espírita. Outros autores, bem menos proselitistas, seguem a mesma linha, estando, em geral, entre os mais vendidos.

Um escritor que iniciou a carreira vendendo obras quase como “manuais de prática mágica” é Paulo Coelho. Seus livros sem-pre foram grandes su-cessos e, até hoje, ainda vendem muito.

Qual sua opinião sobre esse fenômeno? Como você o explicaria?

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...nossos escritores iniciantes são realmente iniciantes, não entendem nada do processo editorial, em geral não conseguem separar uma crítica ao texto de uma crítica pessoal...

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L.B.: Ora, as pessoas gostam de ler obras que expliquem os mistérios do mundo. Se o autor é convincente e passa credibilidade, encon-tra leitores.

Qual é “o segredo” da Rhonda Byrne?

O Jornal O Povo, em sua versão online de 31/07/07, publicou a no-tícia “O Segredo é novo fenômeno editorial”, onde se encontra o seguinte trecho:

Versão impressa do do-cumentário homônimo filmado em 2006, a pu-blicação criou uma es-pécie de “segredomania’’ nacional, dando origem a outros lançamentos na mesma linha. Recheada de frases e histórias que demonstram que o pen-samento é o responsável por tudo o que ocorre de bom ou ruim na vida das pessoas, a publicação mostra como a força do pensamento pode modifi-car a vida de todos.

Essa estratégia de pegar a mesma onda dos títulos que estão fazendo muito sucesso não é novidade. Com sua experiência, acha que funciona?

L.B.: Em parte, sim. Tem muita gente que ouve falar de alguma coisa mas não sabe bem o que é. Assim,

ao entrar numa livraria, compra o primeiro título que lembra aquilo que está sendo tão comentado, sem se dar conta que sequer é a obra original. O Quem mexeu no meu queijo gerou uma série de cópias semelhantes e várias delas tiveram vendas bem razoá-veis. Mas claro que isso só pode ser praticado por uma grande editora, que tenha um bom relacionamento com as redes de livraria. Uma cópia por uma editora pequena sem expressivida-de de distribuição não sai do depósito.

Mas O segredo está mais para Paulo Coelho do que para cópia...

No site “Escreva seu livro”, você reproduz algumas dicas de Jean Bryant sobre o que o aspirante a escri-tor não deve fazer. Entre elas, estão “faça muita pesquisa antes”, “espe-re até estar inspirado” e “deixe para depois” - ou seja, algumas das descul-pas comumente utilizadas para postergar a escrita. Você acha que esse é um mal do escritor ini-ciante, o fato de encarar a escrita como uma arte que depende apenas da inspiração, esquecendo-se do fato de que é preciso também transpiração, ou seja, trabalho metódico e disciplinado?

L.B.: Há vários tipos de personalidade, o que leva a

vários tipos de problemas com a escrita. Os muito au-tocríticos tendem a querer se certificar demais de que está tudo certo e aí empa-cam no mesmo texto para sempre. Os muito autocon-fiantes acham que qualquer coisa que produzam está ótima e nem precisa de re-leitura. Os muito sonhado-res ficam imaginando tudo que receberão de prestígio e dinheiro antes mesmo de tocar um dedo numa tecla. Os preguiçosos só falam sobre suas histórias. E por aí vai. A autora que cito deu muitos daqueles cursos de escrita tão numerosos lá nos EUA e portanto tem ex-periência com uma série de bloqueios comuns de escri-ta, mas não são os únicos.

Eu não diria que ser metó-dico e disciplinado é o úni-co caminho para a escrita, mas que sem dúvida a pes-soa precisa dar uma olhada para seus próprios hábitos e localizar o bloqueio caso deseje escrever e não esteja conseguindo.

Há quem diga que, para se tornar um escritor profis-sional, é preciso suportar, pelo menos, 15 anos de rejeição. Tomando isso como verdade, como esse tempo poderia ser dimi-nuído?

L.B.: Virginia Woolf dizia que ninguém devia ser publicado antes dos trinta anos de idade, hehehe.

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1212 SAMIZDAT agosto de 200812 SAMIZDAT julho de 2008

Eu não acho que ninguém deva se preparar para a rejeição, mas acho muito útil abrir os olhos. Se você der uma olhada nos comen-tários postados no meu site, vai encontrar uma reclama-ção repetida por vários: eu sou dura, furo o balão dos sonhos, jogo baldes de água fria.

Eu sempre abro as mãos e olho para cima em perple-xidade quando leio algum desses comentários. Então a pessoa prefere sonhos sem base na realidade? Prefere embarcar em lindas his-tórias de prestadores de serviço que lhe arrancarão o preço de um carro novo? Prefere achar que vai ga-nhar o prêmio Nobel de Literatura do ano que vem?

O quanto antes o escritor novato se livrar desses delí-rios, tanto melhor para sua carreira. O quanto antes se livrar da noção de que a literatura é produzida num vácuo, que não depende em nada do mundo ao redor, tanto melhor.

A escrita, como qualquer carreira, depende de uma conjunção de vários fatores, incluindo talento, dedicação e sorte. Todos podem ser cultivados (quem sabe lendo O segredo você muda sua sorte, hehehe), mas não há dúvida de que a dedicação rende bons frutos. E não quero dizer a dedicação de

escrever feito um maníaco, apesar de este ter sido o ca-minho de escritores ótimos como Jack London, mas sim a dedicação de entender o que está acontecendo em volta.

Porque as pessoas gostam de tal obra? O que esse escritor está dizendo que atrai os leitores? Por que as edito-ras publicam esse tipo de autor? O que essa autora diz que tanto seduz seu público?

Já vi várias ocasiões em que o autor finalmente teve um momento aha! e adap-tou a sua obra, sendo publi-cado em seguida.

Ou seja, entender o lado de trabalho, o lado de constru-ção das obras, o lado não romântico da escrita. Não há nada de errado com a inspiração, mas sem os pés na realidade a carreira a meu ver não decola.

Qual sua opinião sobre concursos literários? Acredita na eficácia e valor deles no incentivo à produção literária?

L.B.: Sim quando são sérios. Eles incentivam as pessoas a escrever e entregar num

determinado prazo, dentro de condições específicas e oferecem a possibilidade de um prêmio – muitas vezes nada simbólico – como incentivo. Mais ainda, dão a certeza de que a obra será lida por pareceristas aten-tos.

Nenhuma escolha é isenta de vieses, claro, mas sei de vá-rios casos em que os prêmios de fato abriram caminho para que es-critores até então inédi-tos fossem publicados

e recebidos com simpatia pelo mercado.

Claro que nada disso vale quando o prêmio é um jogo dentro de uma panelinha...

Ainda no site “Escreva seu livro”, há várias dicas de como um escritor pode facilitar a publicação de seu livro e como a utilização realista e fun-damentada das políticas editoriais contribui para o possível sucesso dele. Diante disso, o que você pode nos falar de sua obra “Escreva seu Livro – guia prática de edição e publicação”? Ela foi plane-jada segundo as próprias dicas dadas? Esta aborda-gem funcionou?

A escrita, como qualquer carreira, depende de uma conjunção de vários fatores, incluindo talento, dedicação e sorte.

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Coordenador da entrevista:Carlos Alberto Barros

Perguntas feitas por:Alian MorozCarlos Alberto BarrosHenry Alfred BugalhoMarcia SzajnbokVolmar Camargo JuniorZulmar Lopes

L.B.: Sim, eu escrevi o livro com base nas necessidades que sentia nos autores, com base em minha experiência de vários anos como edito-ra. Note que deixei de lado reminiscências, causos e outros assuntos que pode-riam ser divertidos para mim mas não iriam auxi-liar em nada meu público potencial, além de poderem tornar a obra grande e cara.

De certa forma errei ao publicá-lo em uma editora genérica como a Mercuryo e não em uma especializa-da em comunicação. Meu raciocínio foi o de que toda editora, afinal, trata com autores, este é um assun-to básico para qualquer casa editorial, mas não fui esperta. Meu assunto era comunicação e eu deveria ter tido a paciência de en-contrar uma editora focada. Qualquer hora corrijo isso publicando outra obra sobre editoras...

A equipe editorial da SA-MIZDAT agradece muito sua participação e deseja todo sucesso em seu tra-balho!

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1414 SAMIZDAT agosto de 2008

Contos mínimos: Série Cupido

microcontos

http://www.flickr.com/photos/56832361@N00/2769166229/sizes/l/

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má pontariaJosé Espírito Santo

E então ele acertou em Narciso. Duas vezes.

miopia José Espírito Santo

Aconteciam as coisas mais extraordi-nárias desde que tinha ficado míope...

Paradoxo José Espírito Santo

Inexplicável para ele, o amor era em maior quantidade que as setas...

alvo José Espírito Santo

Naquele dia, iria treinar com “D.Juan”, o seu alvo preferido...

Par José Espírito Santo

E quando o professor pediu para definirem número par, o aluno respondeu: A quantidade de setas...

http://www.flickr.com/photos/56832361@N00/2769166229/sizes/l/

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1616 SAMIZDAT agosto de 2008

Contos mínimos: Série idiotas

ConfusãoJosé Espírito Santo

- Olha, o gajo está a rir.- Corre, idiota. Não vês que isso que vem atrás de nós é um T-Rex...

microcontos

interpretaçãoJosé Espírito Santo

O urso chegou e comeu o esquimó. Ficou sobrando a mulher. Seria gay?

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difícil José Espírito Santo

.princípio o para fim do textos os Es-crevia. ler de difícil autor um Era

eclipseJosé Espírito Santo

Quando soube, congratulou-se. Iria fi-nalmente poder ver o Sol sem o auxilio de óculos escuros.

trocaJosé Espírito Santo

Faziam sempre amor no guarda-fato. Um dia, o ma-rido dela chegou mais cedo. Aníbal correu a escon-der-se na cama.

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1818 SAMIZDAT agosto de 2008

Coisas de mulherMarcia Szajnbok

iEntão ele me perguntou: “Vai doer?”.

ii

Depois de ter presenciado aquela cena, Ronald tomou sua decisão.

microcontos

Dor, emoção, expectativa. Luz. Frio. A voz do médico:- Vamos lá, agora uma força comprida, só mais uma!Respirou. Empurrou. Um choro encheu a sala e esvaziou a barriga.Compreendeu, naquele instante, porque nem a deus é possível fazer não aconte-cer o que já aconteceu. Estava comprovada a irreversibilidade do tempo.

VII.

Mensário de Histórias Curtíssimas Sem Pé Nem Cabeça

Volmar Camargo Junior

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19www.samizdat-pt.blogspot.com

iii— Eu juro que só fiz isso para o seu bem.

iVO cachorrinho voltou e quis de volta o que era seu.

VAguarde um momento que ela já vai atendê-los.

Vi— Tá, e daí?

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2020 SAMIZDAT agosto de 2008

recomendações de Leitura

40 novelasde Luigi Pirandello

Marcia Szajnbok

40 Novelas de Luigi Pirandello

Tradução: Maurício Santa-na Dias

Editora: Companhia das Letras

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21www.samizdat-pt.blogspot.com

Em 2006, por conta dos 150 anos do nascimento de Sigmund Freud, várias insti-tuições promoveram eventos para comemorar a data. Uma delas, a Oficina de Psicanálise Lacaniana, realizou um ciclo de debates que giravam em torno do tema “Psicanálise e Literatura”, do qual tive o pri-vilégio de participar. O convite muito me alegrou, já que te-nho interesse nos dois campos. A alegria, entretanto, cedeu logo a uma forte apreensão. Deveria falar sobre possíveis relações entre Freud e Piran-dello, e o meu companheiro debatedor seria um professor da FFCLH-USP, especialista no autor. Socorro! pensei comi-go. Meu conhecimento sobre Pirandello se resumia, então, à leitura de um ou dois contos e à vaga memória de uma mon-tagem de “Seis Personagens a Procura de um Autor” da dé-cada de 70, por algum grupo amador... Tres meses depois, lá estava eu, na Casa das Rosas, em São Paulo, com um pouco mais de leituras e um texto preparado. Me perguntava que tipo de observações iria ouvir do tal professor, que supunha ser um senhor idoso, carran-cudo e muito formal, que se dirigiria a mim e à platéia com um sotaque pedante e empolado.

Foi preciso um evento psicanalítico para que eu comprovasse, mais uma vez, a genial sacada de Freud: entre a realidade objetiva e a reali-dade psíquica, abre-se muitas vezes um abismo! O professor Maurício Santana Dias era um jovem, trajando calças jeans e mangas de camisa, muito sim-pático e informal que nos deu, a mim e ao público, uma aula magistral e apaixonada sobre a obra de Pirandello. Des-se modo, aquele convite me

serviu de acesso à obra de um autor que conhecia pouco, mas que, desde então, não parei de ler e reler.

Foi por esse caminho que cheguei às “40 Novelas de Luigi Pirandello” que a Com-panhia das Letras lançou há alguns meses, com textos traduzidos e organizados jus-tamente por Maurício Santana Dias. Neste volume, encontra-se uma antologia de narrativas curtas, muitas delas publicadas esparsamente em jornais e revistas italianos, e organiza-das por Pirandello a partir de 1920 sob o título de “Novelas para um Ano”. Elas consti-tuem a matriz de tramas que reaparecem em romances e peças teatrais posteriores. Esta edição está organizada de tal modo, que é possível seguir os contos sucessivamente, segun-do a ordem cronológica em

que estão dispostos ou, no que constitui um aspecto muito interessante do livro, percorrer a gênese de um determinado texto teatral a partir de um núcleo de textos, ou de uma só narrativa.

Este volume nos oferece uma deliciosa síntese da obra de Pirandello. Para quem já é fã do autor, a oportunidade de ler uma tradução primorosa. Para os que o conhecem pou-co, um convite para mergulhar neste desfile de personagens e situações que nos confron-tam, a cada página, com sua acurada apreensão da vida e da natureza humana traduzida em farsa trágica.

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2222 SAMIZDAT agosto de 2008

autor em Língua Portuguesa

a aLma PauLiStaNade PauLo BomFim

Paulo Bomfim nasceu em São Paulo no dia 30 de se-tembro de 1926.Iniciou suas atividades jornalísticas em 1945, no Correio Paulistano, indo a seguir para o Diário de São Paulo. Foi diretor de Relações Públicas da "Fun-dação Cásper Líbero". Na TV, produziu "Universidade na TV" no Canal 2, "Crônica da Cidade" e "Mappin Movieto-ne" no canal 4. Apresentou no Rádio Gazeta, "Hora do Livro" e "Gazeta é Notícia".

Seu livro de estréia foi "Antônio Triste", publica-do em 1947 com prefácio de Guilherme de Almeida e ilustrações de Tarsila do Amaral, premiado em 1948 pela Academia Brasileira de Letras com o "Prêmio Olavo Bilac".

Outras obras: "Transfigu-ração" (1951), "Relógio de Sol" (1952), "Armorial" (1954), "Sonetos"(1959), "Colecio-nador de Minutos", "Ramo de Rumos" (1961), "Sonetos da Vida e da Morte" (1963). "Tempo Reverso" (1964), "Canções" (1966), "Calendá-rio" (1963), "Praia de Sonetos" (1981),"Sonetos do Caminho" (1983), "Súdito da Noite" (1992). Suas obras foram traduzidas para o alemão, o francês, o inglês, o italiano e o castelhano. Conquistou o "Troféu Juca Pato" em 1981. É hoje o decano da Academia Paulista de Letras.

http://www.flickr.com/photos/stankuns/2649720288/sizes/o/

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antônio triste

Esguio como um poste da Avenida

Cheio de fios e de pensamentos,

Antônio era triste como as árvores

Despidas pelo inverno,

Alegre, às vezes, como a passarada

Nos fins da madrugada.

Sozinho, como os bancos de uma praça

Em noites de neblina,

Antônio, protegido de retalhos

Com seu cigarro aceso,

Lembrava-me um balão que, multicor,

Se vê no firmamento:

Não se sabe donde veio

Não se sabe aonde vai.

Não era velho

Nem era moço,

Não tinha idade

Antônio Triste.

Quando as luzes cansadas se apagavam

E as trevas devoravam a cidade,

Antônio Triste chorava e cantava:

À luz de um cigarro, bailava e rodava

Pelas ruas desertas e molhadas.

Mas, certa noite um varredor de rua,

Viu muito lixo no chão:

Tanto trapo amontoado,

Quase um balão de São João!

Um resto de cigarro num canto da boca,

A mecha se apagara.

Antônio, o triste balão de retalhos,

Findara!

http://www.flickr.com/photos/stankuns/2649720288/sizes/o/

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2424 SAMIZDAT agosto de 2008

Soneto i

Venho de longe, trago o pensamento

Banhado em velhos sais e maresias;

Arrasto velas rotas pelo vento

E mastros carregados de agonia.

Provenho desses mares esquecidos

Nos roteiros de há muito abandonados

E trago na retina diluídos

Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha

Todo um mar de sargaços e de vozes,

E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...

Venho de longe a contornar a esmo,

O cabo das tormentas de mim mesmo.

http://www.flickr.com/photos/revilla/1347710195/sizes/o/

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25www.samizdat-pt.blogspot.com

a Água

Despe, na solidão da tarde,

Tua roupagem manchada de quotidiano,

E deixa que a chuva molhe teus cabelos

E vista teu corpo de escamas de prata.

Pousa, em teus ombros, o manto dos lagos

E colhe no cântaro de tuas mãos

A música dos dias que adormeceram

No fundo de teu ser.

Mármores líquidos moldarão teu corpo.

Nuvem,

Penetrarás a carne da manhã.

http://www.flickr.com/photos/revilla/1347710195/sizes/o/ http://www.flickr.com/photos/jekkyl/1463545253/sizes/o/

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2626 SAMIZDAT agosto de 2008

Contos

Carlos Alberto [email protected]

eNCarNa VaL

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27www.samizdat-pt.blogspot.com

Val era uma moça reca-tada, tímida, só no seu can-tinho. Todos a conheciam e abominavam: “Essa daí é doida. Não sai de casa pra nada, parece até um bicho!”

De certa maneira, era qua-se isso. Val estava sempre na sua toca gélida a se esconder da luz do Sol e dos fero-zes predadores loucos para devorá-la com suas línguas e dentes afiados.

Acontece que em certa época do ano, como em um período de hibernação às avessas, Val saía para alimen-tar seu corpo.

Os que estavam à volta não acreditavam. Mas era ela, a Val. Não a presa, mas a predadora. Com suas garras e beiços pintados, suas plu-mas de pavão intimidador a bailarem em torno de si e o corpo nu mostrando a força de seus instintos primitivos.

Em seu novo visual Darwi-niano, mostrando-se um dos animais mais evoluídos que jamais existiu, aguardava o som entorpecente dos tam-bores de batalha para saciar seus desejos secretos, aqueles trancados por muito tempo que, quando libertos, saem feito o mais santo e prazero-so dos martírios.

E os tambores ressoaram.

Um alguém qualquer num canto qualquer avistou Val parada e rosnou com volú-pia:

“Encarna, Val”.

Ela encarnou.

Passados alguns dias, lá es-tava novamente: desplumada, sem tintas, recatada, tímida... só no seu cantinho.

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2828 SAMIZDAT agosto de 2008

Contos

Volmar Camargo [email protected]

o imeNSo e o iNFiNito

http://www.flickr.com/photos/slimdandy/571849509/sizes/o/

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“Sete de abril de 19.....

É impressionante, Gilda. Como eu gostaria que você pudesse ver isso tudo. O telegrafista disse-me que a operação do instrumento que ele usa é muito simples. Mesmo assim, preferi apenas ditar a ele a mensagem para transmitir a você. Como não tenho muito tempo, e outras pessoas também desejam comunicar-se com o conti-nente, despeço-me dizendo que estou muito bem. Seu. Sérgio.”

— Meu Deus, Gilda.

— Sim. – Gilda enxugou as lágrimas – Encontrei isso hoje na minha caixa de correio.

— Isso não pode ser sério. Ou poderia?

— Não sei, Gessi! Não Sei! Não acredito nessas coisas... Mas é uma carta, e é muito parecida com o jeito que o Sérgio escrevia. Esse “despe-ço-me dizendo que” é muito a cara dele.

— E como você sabe que isso não é falso? Sei lá, pode ser alguém brincando, algu-ma ex-namorada dele.

— Não faço a menor idéia. Olha... deixa isso aí. Quer um café?

— Aceito.

“Dez de abril de 19....

Minha doce Gilda. Não pude me comunicar nos últimos dias porque aporta-mos em uma ilha. Você não vai acreditar ao saber quem

embarcou. Lembra-se do Peter, aquele moço canaden-se que ficou alguns meses na casa da Doutora Nélia? Ele mesmo. Eu o vi, até o cum-primentei, mas creio que ele não me reconheceu. Aliás, é uma coisa que tenho nota-do nas pessoas neste navio. Logo que sobem a bordo, parecem perdidos, apáticos, e isso dura por vários dias. De todo modo, estou aprovei-tando bastante. O mar está calmo e tenho-me ocupado em desvendar as alas des-se gigante dos mares. Para minha satisfação, encontrei algo que você iria adorar se estivesse aqui: uma bibliote-ca. Assim que possível, volto a escrever-lhe.”

Gilda entregou o papel à irmã. Os caracteres eram im-pressos como em um mime-ógrafo à graxa, e não havia remetente no envelope.

— Você devia levar isso para a polícia. Alguém se passando por seu marido está mandando “mensagens telegrafadas”. Se o Sérgio ti-vesse morrido, vá lá, que cen-tros espíritas há aos montes por aí recebendo chamadas do além. Mas ele está em coma! Você não acredita nisso tudo, acredita?

— Quer saber? Não sei em que acreditar. Mas isso do Peter me deixou intrigada.

— Consultório médico, boa tarde.

— Alô. Boa tarde. É do consultório da Doutora Nélia?

— Sim. Deseja marcar

o imeNSo e o iNFiNito

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3030 SAMIZDAT agosto de 2008

uma consulta?

— Na verdade, não. Aqui é a Gilda Menezes, fui vizinha da doutora. Eu poderia falar com ela? É um assunto de família...

— Um momento, por favor.

[ ...ouve-se Pour Elise... ]

— Alô, Gilda?

— Oi, Doutura.

— Minha secretária disse que era um assunto de famí-lia. Aconteceu alguma coisa com o Seu Clóvis?

— Não, doutora, O papai está ótimo. Obrigada por perguntar. O caso é outro. A senhora se lembra daquele rapaz canadense que se hos-pedou em sua casa?

— Sim, o coitado. Foi tão triste... como soube?

— Como soube de quê?

— Peter sofreu um aciden-te de carro. Permaneceu em coma por meses, mas acabou falecendo. Eu lembro até a data. Foi no dia dez de abril.

“Dezoito de abril de 19....

Estive uns dias sem comu-nicar-me porque o telegra-fista do navio se ausentou. Não sei como, mas acredito que a tripulação deva ter seu próprio equipamento, já que é um instrumento impor-tante em alto-mar. Mesmo assim, com a paciente ajuda de Peter, imagine só, aprendi a escrever em código Morse. Esta mensagem fui eu mes-mo que redigi. E sabe que é bem fácil? Ontem enfrenta-mos nossa primeira situação realmente tensa a bordo. O Capitão, um homem inaces-

sível cuja única imagem que tenho é uma silhueta negra que alguém disse “aquele é o capitão do navio”, esse Capitão anunciou estarmos retornando ao continente. O tempo piorou considera-velmente depois disso. Sinto muito sua falta. Espero que esteja bem.”

— Estou começando a ficar com medo dessas cartas, Gilda.

— E eu, então. Sabe essa cena do capitão?

— Sim. O que tem?

— Há muitos anos, a pri-meira vez que saímos juntos, Sérgio me levou ao cinema, para vermos “Era uma vez na América”. Eu vi pela janeli-nha da sala de projeção a silhueta de um homem, e perguntei quem era. O Sérgio disse exatamente isso: “aquele é o capitão do navio”. Isso é assustador. Mas sabe... não é isso o que me assusta mais.

— Não? O que pode ser mais aterrorizante que isso?

— O quadro de saúde dele. O médico disse que o Sérgio está piorando. O organismo não reage mais ao tratamento, e as chances de óbito... Deus do céu... não gosto nem de pensar nisso. Ele estava se recuperando tão bem.

Gilda voltava do traba-lho de ônibus. Em um sinal vermelho, cinco meninos atravessaram na faixa de pedestres. O menorzinho, que andava mais à frente, fez uma graça como um passo de dança. Abateu-se sobre Gilda um daqueles

dejá vu, do pior tipo deles: os que dão certeza absoluta de “já vivido”, mas nenhuma lembrança de “tempo” nem “lugar”. Quando se aproxima-va de casa, um homenzinho exótico aguardava defronte ao seu portão. Vestia-se com uma formalidade um tanto cômica, de terno cor-de-cane-la e sapatos pretos.

— Tenho uma mensagem para a senhora. – disse o homemzinho entregando-lhe um envelope.

— Então é você que tem deixado essas cartas na mi-nha casa! O que pensa que está fazendo? Eu vou denun-ciá-lo!

— Por favor, senhora. Não me interprete mal. Esse é o meu trabalho.

— Trabalho? É o seu traba-lho importunar a família de pessoas doentes?

— Não, de forma alguma. Eu sou apenas um telegrafis-ta.

Tendo dito isso, o homem virou de costas e desceu a rua sem olhar para trás. Gilda abriu o envelope ali mesmo.

“Vinte de junho de 19.....

Finalmente estamos retor-nando à terra firme. É curio-so quando se está há algum tempo em alto mar, sobre um oceano tão estável e que inesperadamente está-se num turbilhão e uma tempestade de tão grandes proporções que mesmo eu, que sempre apreciei tanto o mar, quis muito voltar ao continente.

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Sei que essa será apenas uma breve parada de emergên-cia. Por isso mesmo, gostaria muito de revê-la. Venha até o cais do porto, para que possamos nos despedir como devem ser as despedidas. Sempre seu. Sérgio.”

Gilda nem entrou em casa. Correu até a avenida e tomou um táxi.

— Hospital São Vicente. Rápido.

O trânsito, que era caótico àquele horário, ficou ainda pior. Uma passeata inter-rompeu as ruas do centro por três horas. Um mar de gente vestida de branco, com bandeiras e cartazes brancos, pedia “Paz”. A turba vinha na direção contrária à de Gilda, que desceu do táxi para per-correr o restante do trajeto a pé. Quanto mais tentava avançar, mais os caminhantes a empurravam de volta.

Muitos quarteirões à frente, um fumante despre-ocupado lançou o toco de cigarro ainda aceso na dire-ção de um edifício antigo. A chama percorreu no ar o espaço da rua, do muro, do pátio, da pequeníssima janela do porão da fábrica aban-donada de pães e biscoitos, onde uma nuvem de farinha e poeira levantou-se pela vibração de tantos milhares de pessoas em marcha. E poucos são os que sabem que uma nuvem de farinha, em tal ambiente como aquele porão, pode tornar-se uma bomba se uma chama, tal como aquela do cigarro, cair no meio dela. E foi o que aconteceu. O prédio todo ex-

plodiu, voando pelos ares. O mar de gente que caminhava tornou-se num instante em um mar furioso de gente que corria. E os prédios vizinhos à velha padaria explodiram junto, assim como muitos carros na rua, e até a motoci-cleta que entrega botijões de gás. E Gilda não pôde com as ondas de gente que se sobre-punham umas às outras.

Então ela tropeçou.

As ondas vieram sobre ela. E a arrastaram, e tornaram a submergi-la. E todo o peso do mar de gente caiu sobre Gilda. E todo o mundo, e o porto aonde ela queria che-gar, que era apenas o hospital a trezentos metros de onde estava, tudo foi ficando dis-tante, e mais distante, e mais, até sumir de vez.

Gilda.

Gilda.

Gilda abriu os olhos. Diante dela, o rosto tranqüilo de seu esposo, emoldurado por um céu tão limpo e tão azul como os que só viu no cinema. Sérgio sorriu.

— Ouve, meu amor. É o mar. O navio partiu, mas nós a resgatamos a tempo.

E era mesmo o mar. O mar imenso refletindo o céu infinito, esses que só pare-cem azuis e que na verdade não são. Finalmente, e juntos, Gilda e Sérgio estavam fazen-do o tão adiado cruzeiro sem destino certo, mas que só muito raramente retorna ao porto de origem.

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3232 SAMIZDAT agosto de 2008

A Ordem do MundoHenry Alfred Bugalho

[email protected]

Contos

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“O mundo não tem or-dem”, o monge que movi-mentava os sessenta e quatro discos de bronze refletiu.

O ritual era simples: no início dos tempos, quando o mundo havia sido criado, todos os discos foram co-locados na primeira de três hastes, os maiores na base, os menores no topo, uma torre cônica; sempre existiu um monge com a tarefa única de movimentar os discos, o objetivo era transportar todos eles para a terceira haste, porém nunca, mas nunca mesmo, um disco menor po-deria ficar abaixo dum disco maior.

Por mais simples que isto pudesse parecer, jamais alguém havia conseguido perfazer a tarefa. Segundo as profecias, no dia em que todos os sessenta e quatro discos fossem alocados na terceira haste, o mundo aca-baria.

Estes mesmos monges estudaram as relações en-tre vogais breves e longas nos versos e estabeleceram uma seqüência métrica para composição, conhecida como mātrāmeru.

Tanto o ritual quanto a métrica almejavam a perfei-ção, o supremo ideal, para os monges.

Certa manhã, Vidyacha-ran, após sonhos inquietos, chegou àquela conclusão: “o mundo não tem ordem”.

Não raro ele tinha pesade-los com os discos brônzeos e com o ato automático de movê-los rumo à completu-de. Nestes sonhos, Vidyacha-ran vislumbrava o fim dos tempos, mas também tudo que ocorreria antes disto.

Num destes sonhos, ele havia sido um sábio grego obcecado com o conceito de máxima generalidade, “o ser enquanto ser”; noutro, um matemático italiano, autor duma obra intitulada Liber Abaci, ou “Livro de Cálculo”, na qual ele apresentava ao mundo ocidental a impor-tância de se adotar o sistema numérico arábico, incluindo o algarismo zero, e também a seqüência numérica inspi-rada nas descobertas métri-cas dos monges. Em outra noite, Vidyacharan era um pintor de afrescos, devastado pelo fracasso e pela busca da máxima perfeição e da mais precisa harmonia. Em outra ainda, um matemático francês que resgatava algu-mas descobertas do “Livro de Cálculo” e que implementava suas próprias conclusões e uma nova seqüência, através da qual obtinha, manualmen-te, o maior número primo conhecido.

Nas noites mais recen-tes, o monge havia sido um enxadrista cubano, à procura pelo adversário ideal para a realização da partida perfeita; numa bodega, conhece um marinheiro genovês que o desafia; após apenas poucos movimentos de abertura, o enxadrista se levanta, esten-de a mão e propõe empate. Aquele poderia ser o jogo perfeito, porém, um único deslize, uma única distração por parte dos jogadores o arruinaria. Para o enxadrista, melhor era viver a possibili-dade do jogo perfeito, do que a ruína desta possibilidade.

Ele também havia sido um músico húngaro e, o mais inusitado, um autor portu-guês, que compunha livros

como se fossem fórmulas matemáticas, e escrevia frases como se fossem linhas me-lódicas duma sinfonia, mas atormentando pelos enredos irrealizáveis que ele mesmo se propunha.

E, na noite anterior, Vi-dyacharan havia sido um físico americano que tentava compreender o caos e buscar ordem no aleatório. Foi então que a revelação — “o mundo não tem ordem” — o assolou.

Ele se sentou diante dos discos de bronze e, com mãos trêmulas, movimentou um deles. Toda sua formação o havia preparado para aque-la tarefa, mas as visões no-turnas minavam sua crença. “Seriam vislumbres de vidas futuras?”, ele se indagava.

Aterrorizado com quais sonhos as noites vindouras trariam, Vidyacharan dei-xou a esteira na qual tentava adormecer, adentrou o templo e acariciou os discos. Depois atou-os a seu corpo e mer-gulhou no rio sagrado, para sonhar o último sonho no colo de Brahma.

“O mundo não tem or-dem”, pensou o monge, fundeando nas águas turvas do rio. Fechou os olhos. E constatou, para seu desespero, que estava errado, havia sim algum tipo de ordem, não compreensível, não mensu-rável, imprevisível, mas que unia todas as pontas disper-sas, todas as perguntas sem respostas, todos os atos sem sentidos, todos os futuros não realizados, e presente nos astros, nos Vedas, nas paixões humanas e, até mesmo, nos discos brônzeos que afoga-vam Vidyacharan.

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3434 SAMIZDAT agosto de 2008

Contos

José Espírito [email protected]

o alvo Simbiótico

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O meu nome é Zork e sou batedor-explorador, guarda avançado de primeira ca-tegoria, especializado em observação de espécies com potencial. Minha função é de extrema utilidade para a nos-sa raça pois há muito tempo que desistimos de suportar sozinhos a nossa própria subsistência e confortos e caprichos.

Aprendemos que é bem mais simples e eficaz identi-ficar outros com o potencial simbiótico adequado e trans-formá-los (gradualmente) em nossos servos. De início, a vítima, tecnologicamente menos evoluída, não compre-ende o jogo latente que está a decorrer. Depois... bem, depois é tarde demais. Como mosca espantada e aturdida, enredada na teia, quando percebe o que se passa, já nada pode fazer. Na verda-de não existe aqui qualquer simbiose ou relação simbió-tica. Apenas parasitismo. Isso mesmo, digo-o sem qualquer pudor. Somos parasitas!

Naquela tarde preparava-me para desempenhar o trabalho - as tarefas para as quais me treinaram. Ia ser fácil. O ponto de observa-ção no piso de cima ficava mesmo junto ao enorme balaústre e era muito bom. A visão era soberba, perfeita, abrangia praticamente cento e oitenta graus. Além disso era um recanto acolhedor e agradável de modo que cer-tamente permitiria iniciar o relatório com todo o confor-to e descontracção.

Observei-os e vi como tratavam os “pequenos” com amor e carinho nunca os deixando sós e desprotegi-dos em momento algum. Vi como falavam a toda a hora, constantemente, frequente-mente, com eles. E quanto falavam… que entusiasmo, aquilo quase parecia um vício! E forneciam-lhes com solicitude, sem reclamar, toda a energia necessária. E na presença da mais peque-na sujidade, logo acorriam e limpavam com extremo cuidado. Vi como são preo-cupados. A certa altura um “pequeno” caiu e o seu servo levou prontamente as mãos à cabeça proferindo expressões para as quais não possuímos ainda tradução - Ai meu Deus! E agora? – disse ele. Depois, curvou-se e tomou rapidamente o “paciente” em suas mãos inspeccionando-o com cuidado para verificar se estaria de boa saúde ou necessitaria de algum trata-mento. Noutra destas obser-vações constatei que além de preocupados também sabem ser leais e obedientes. O “pequeno” estava aos gritos com sua voz fina irritada. E o gigante só dizia - Sim senhor, querida, desculpa querida, eu sei amor. Tudo isto vi com o meu sistema de sensores. E tudo isto me bastou.

Os “pequenos” eram sem dúvida os seres mais afor-tunados de todo o universo. Mas não por muito tempo! Tudo o que necessitávamos era de um bom plano. Um plano para os substituir gra-dualmente por elementos da nossa espécie no domínio da-queles servos gigantes pres-

táveis, solícitos. Aí a minha atenção, objectivos e prio-ridades mudaram e obtive dados mais detalhados. E foi então que surgiu um contra-tempo inesperado e todas as dificuldades inerentes. Afinal não iria ser assim tão fácil. Porque os “pequenos” eram compostos por várias subes-pécies, todas elas incompatí-veis entre si.

Resignado, coligi os nomes delas e coloquei-os no meu relatório

NOKIA

SIEMENS

MOTOROLLA

SONY-ERIKSSON

SANSUNG

...

Agora, a minha próxima tarefa vai ser analisar em detalhe cada uma dessas vertentes raciais a fim de explorarmos todas as suas vulnerabilidades.

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3636 SAMIZDAT agosto de 2008

Contos

Joaquim Bispo

Saudades da minha

terra

Sou camionista de longo curso. Passo os dias pelas estradas da Europa, rodeado de carros, mas sozinho, a ver desfilar cidades para lá das estradas e serras para lá das cidades, a trabalhar demasia-das horas por dia, a dormir mal e pouco, a levantar cedo. Este ano que passou foi parti-cularmente cansativo. Parecia que o mês de Julho nunca mais acabava. Ansiava por voltar para a Minha Terra, tão bela e tão mal amada. Ah, quando chegasse, ia pôr o sono em dia e, depois, ia

passar o mês inteiro de férias a visitá-la, a conhecê-la, a amá-la.

Assim que cheguei, fechei-me em casa, cerrei as per-sianas e ferrei-me a dormir, como se já não dormisse há semanas, o que não era com-pletamente mentira. Queria recuperar o vigor, nem que para tanto gastasse dois ou três dias de férias. Durante horas incontáveis, dormi pro-fundamente, pressentindo o meu corpo a relaxar, a dis-tender-se, a ganhar as formas que a Natureza lhe quis dar.

A certa altura, senti-me leve, solto, fluido. Acordei aéreo e atmosférico. Achei-me um pouco estranho mas, longe de me inquietar, aceitei-me e foi sob essa feição que parti finalmente a conhecer a Mi-nha Terra.

Iniciei a viagem muito len-tamente, como leve aragem, percorrendo a sua superfície. Subi o Alentejo langorosa-mente, acariciando a planície, a contra-pêlo. A Minha Terra parecia agradada. Mostrava-me, de vez em quando, o branco dos seus casarios.

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Avancei silencioso e morno. Balancei-me, delicadamente, no sobe e desce das pequenas elevações e das suaves baixas. Insinuei-me nos vales dos maciços centrais, explorando cada dobra, evaporando a geada de uma várzea aqui, ondulando o pasto de uma encosta acolá. Subi as serras atapetadas pelo mato, monte a monte, envolvi os cumes em névoa. Sussurrei segredos às fragas. Do alto dos talefes, alarguei a atenção, a escolher outras explorações. Entusias-mado, desci os declives, mais

apressado que na subida, fiz ondular a cabeleira das flo-restas, deambulei por entre os troncos majestosos. Soprei sobre as gargantas, os riachos e os açudes. Desci às grutas. Brinquei com a água das fontes e das lagoas, deixei-me arrastar pelos caudais dos rios. Humedeci, liquefiz-me.

Agora eu era mar. As minhas ondas batiam nas arribas, lambiam as rochas de baixo para cima e estas ficavam a escorrer, lascivas. As vagas do meu corpo recu-avam e logo voltavam, altas e empenhadas. No Algar-ve, brincavam por entre as rochas esburacadas, a fazer cócegas à Minha Terra. E ela a provocar, a abrir ense-adas, a elevar promontórios, a estender cabos, atiçando o meu corpo líquido. As suas areias a arder, a chamar pelo meu afago refrescante. E eu fluía e refluía sobre as areias da Minha Terra, uma e outra vez, afagando-as numa dolên-cia de amantes. No Minho a arrepiá-las com as minhas carícias geladas. E a entrar atrevido no estuário de Via-na. A surpreender a Minha Terra com uma incursão inesperada na foz do Douro. E depois, grosso e seguro, a encher a Ria de Aveiro. E a retirar-me maroto e sabido. E a deixar um gosto salgado e sensual. Ao mesmo tempo, o meu corpo longo e ondeado roçava-se nos extensos areais do Sul, toque aqui, toque ali. A costa alentejana, cheia de refegos, a resistir mal. E eu a rebolar-me nos areais da Comporta e de Tróia, guloso e lúbrico. A experimentar, obsceno, o estuário do Sado, crescendo demorado em va-gares maliciosos: Maré-cheia,

maré-vazia. Iludindo. Insinu-ando Setúbal e apontando a Lisboa. Fluo e refluo. Engros-so. Em maré viva, franqueio a barra do Tejo, transponho a Ponte 25 de Abril e espraio-me em plenitude pelo Mar da Palha. E refluo, e volto com mais vivacidade. Uma e outra vez. Venço a resistên-cia da Ponte Vasco da Gama, encho esteiros e valados e alcanço Vila Franca. E, fecundador, inundo a lezíria. Avassalador, imenso, cósmico.

Durante muito tempo, o meu espírito anda disperso pelo éter. Flutuo num limbo, sem energia nem densidade. Onde estou, por onde andei? Lentamente, tomo consciên-cia de mim. Estou alagado em suores, humores, fluidos. Parece-me que a viagem de-morou um mês inteiro, mas não durou mais que umas horas. Foram o suficiente para que o meu corpo e o meu espírito se unissem pro-fundamente à Minha Terra. Dissolveram-se e voltaram a condensar-se. Inteiros. Refei-tos. Apaziguados.

Nunca pensei que as minhas saudades dela fossem tão grandes!

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3838 SAMIZDAT agosto de 2008

Contos

Maria de Fátima Santos

HiStÓriaS

Foi-se despindo, peça a peça. O fato e o camiseiro de algodão atirou-os para cima da cama. Depois espa-lhou pelo chão cada uma das meias, o soutiã e as calcinhas de renda. Ficou nua. Escu-recia. Sobrava um amarelo ténue do que fora o dia que ela passara dando formação na empresa. Fizera um calor intenso na sala sob o foco do projector de acetatos e ela

aguardando este momento. Deixou-se ficar nua por uns instantes. Os raios de sol espraiavam sombras de si pelo soalho. Sentiu-se bela ao olhar o espelho.

Com lentidão, numa expressão que, vendo, era de quem reza, retirou um pe-queno estojo de cima de uma cómoda. Pegou uma tesoura. Dessas tesouras de tratar as

unhas, pequenina. Abriu-a toda e pegou-a pelo meio. Colocou a ponta mais fina sobre a pele do braço esquer-do. Pressionou com o dedo indicador onde lhe brilhava um verniz rosado. Formou-se uma pequena reentrância no local preciso de onde retirara, há nada, duas pul-seiras de osso e um relógio caro. Pressionou um nadi-nha. Persistiu na intenção

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de perfurar apenas a pele na superfície. Um toque muito certo, e ela movimentando os lábios como se pedindo, como dizendo prece. Vaga-rosa e mole, escorreu uma gota. Um pingo de sangue. Um só pingo. Reconheceu a dor igual às outras vezes – intensa e subtil, doce. Puxou a ponta de pele como se fora adesivo. Repetiu em zonas variadas. Numas puxava a

pele devagar, noutras dava impulsos descolando-a numa vasta área.

Nua, de pé, no quarto mal iluminado pela lua que nas-cia gorda, nem escorria san-gue mais que aquela gotinha e depois mais outra em cada incisão da tesoura. O ritual ansiado.

Observou-se um instante. Pulsante de vida, a beleza remanescente do seu corpo descuidado da protecção da pele. Sorriu-se.

Hoje, decidira: ficaria inteira, aplicaria a técnica laboriosa que sua mãe lhe ensinara para despir a parte posterior do corpo. Uma arte que ela praticava apenas uma vez por ano. Hoje queria sentir-se total. Sentir, depois, o prazer de ser, ainda assim, reconhecida. Reconhecida pelas mãos, pelo cabelo, pela singularidade da sua zona púbica, pelo torneado dos pés. Reconhecidos, dela, o riso, o timbre da voz, a gar-galhada, as lágrimas. O olhar.

Desfez o cabelo muito negro e prendeu-o no alto da cabeça. Enfeitou-o com dois alfinetes de safiras. Foi compondo pelo corpo ti-ras estreitinhas de gaze que tingira de um tom de ver-de alface. Colocou nos pés chinelinhas de seda preta bordada a prateado. Cada uma das mãos calçou-a com luvas de renda muito branca. Na direita, colocou, sobre a luva, um vistoso anel. Uma gema enorme.

Volteou-se mais uma vez em frente do espelho.

Já a noite se desenrolara, já a lua galgara altura no céu, quando saiu.

Eram dezenas dançando.

..........

dizem que voltava cada um ao seu trabalho ainda re-cuperando a pele por debai-xo dos fatos.

dizem que são apenas histórias...contados…

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Tarde alegre. Linda. Ensolarada. Passarinhos a cantar. Sen-tados abraçados no banco da praça. Quero dormir aos seus braços. Alguns beijos, uns apertões. Mais beijos. Eu te amo. Também te amo, linda. É para sempre.

...

Acabou!

Fim de tarde triste, melancólico...

A visão se torna embaçada, meus olhos se enchem de água e ela, cada vez mais distante, vai embora.

A lágrima que escorre pelo meu rosto é o grito de dor, o desabafo do aperto que me sufoca. Um soluço, desprendi-mento da angústia que se encontra em meu peito.

Ela passa do meu lado tão disforme pelo encharque que meus olhos se encontram. Nem a me olhar. Um toque com a ponta dos dedos, eu estremeço e ela se vai, perdida na névoa obscura, desaparece.

Tudo escurece, os pensamentos se esvaíram, vertigem, vo-zes distantes......

Querido, acorde. Acorde.

Ahn... que... que aconteceu?

Você desmaiou.

Ah... te amo.

Também te amo.

Me abraça.

meLodrama

Guilherme Rodrigues

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Contos

Guilherme Rodrigues

Noite eStreLada

Todas as noites, abria a janela do quarto e ficava por ho-ras contemplando o céu estrelado. Tinha certeza de que lá do outro lado havia uma pessoa a observá-lo também.

Acreditava que as estrelas eram pequenos animaizinhos místicos: responsáveis pelos sonhos, diziam a verdade, con-tavam o futuro e realizavam desejos. Se sonhar com aquilo que desejou, o pedido se realizará. Escolhia a estrela mais brilhante e desejava. E a Lua, a grande mãe de todas essas criaturinhas.

Saiu voando pela cidade e uma sensação incrível lhe enchia os pulmões. O ar fresco da noite. Sorria. Viu toda a cidade iluminada, linda. E chegou a pensar que as estrelas fossem uma grande cidade... Não.. Eram mesmo animaizi-nhos místicos... Foi até a casa da garota que amava e ficou ali da janela olhando-a dormir, uma rosa adormecida.

Algumas vezes, conseguia formar figuras ligando as es-trelas. Uma rosa, um gato, um beija-flor... Certo dia, viu nas estrelas a garota que amava, e ela piscou para ele. Sorriu, todo feliz, deitou em sua cama e dormiu quentinho debaixo da coberta. Sonhou...

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4242 SAMIZDAT agosto de 2008

Contos

Zulmar Lopes

a Natureza do escorpião ou Narrativa Literário-futebolística em quinhentas Palavras

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“Zagueiro bonzinho acaba como babá do filho do atacante”. Pensava assim o beque Ro-berval até o dia em que vitimara Zeca com avassalador carrinho. O artilheiro flamen-guista e ídolo da seleção brasileira ficou qua-se um ano no estaleiro com tíbia e perônio fraturados. Em conseqüência, Zeca, perdeu a Copa do Mundo e Roberval a paz de espírito corroída pelo remorso.

Viveu assim tempos difíceis o Roberval, beque conhecido pelo estilo viril aliado a certa malvadeza para com os adversários. Fora criticado por toda a imprensa futebolís-tica, virando um bandido perante a opinião pública que antes o endeusava por sua de-monstração de raça em campo. O zagueirão só não capitulara porque Jesus entrou de sola em sua vida quando Bernardo, meio-campo e Atleta de Cristo, o presenteou com uma Bíblia mandando que ele a lesse. Em semanas Roberval largou as noitadas, carros impor-tados, marias-chuteiras e tomou ojeriza pela violência nos gramados. Virou um zagueiro clássico, daqueles de tirar a bola dos adversá-rios como se houvessem pinças em seus pés. Nas entrevistas após as partidas, parafraseava Jesus ao justificar o sumiço de suas boti-nadas: “Não faça com os outros o que não quiser que façam com você”.

Brasil, celeiro de craques, viu nesta época surgir nas Minas Gerais Dentinho, para os especialistas da crônica esportiva, o novo Pelé. Dentinho humilhava os marcadores com sua técnica apurada e talento de ma-labarista com a bola nos pés. Zagueiros renomados perdiam o sono na véspera dos jogos contra o Cruzeiro, temendo a vergonha de serem entortados pela jovem revelação mineira.

Quis o destino que Cruzeiro e Botafogo decidissem o Campeonato Brasileiro em jogo único no Maracanã. Rádios, jornais e a televisão vomitaram durante toda a semana o duelo entre o malvado arrebanhado por Jesus e o novo deus da bola tupiniquim. Roberval passou a noite em claro. Cristão antes de ser zagueiro, tinha a obrigação moral de não machucar aquele menino prodígio.

Maracanã cheio, um clima de euforia intoxicando o ar. Antes do jogo, Roberval fez questão de presentear Dentinho com uma Bíblia.

A partida transcorreu nervosa como uma digna final de campeonato. Aos 35 minutos do primeiro tempo, o Botafogo fizera o seu gol e segurava a vantagem no marcador com um desempenho sólido de Roberval que, apesar de tomar alguns dribles de Dentinho, não deixava o atacante levar perigo à meta botafoguense.

Acontece que, a natureza do escorpião revelou-se e ele picou a sua vítima.

Eram 44 minutos do segundo tempo. Em um contra-ataque, a bola foi esticada para Dentinho que ganhou na corrida de um za-gueiro e rumou em direção ao gol. Roberval partiu para a cobertura e, temendo o empate cruzeirense, atingiu barbaramente o joelho direito de Dentinho.Um palmo fora da área. O atacante saiu de maca direto para a mesa de cirurgia, Roberval foi expulso e o Botafo-go sagrou-se campeão.

Enquanto a festa alvinegra tomava a cida-de, Roberval isolou-se em um templo evan-gélico. Chorando, Bíblia remorsamente segura na mão direita, o zagueiro rogou a Deus para que perdoasse seus pecados.

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Contos

Alian Moroz

o GiraLua

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Helianthus annuus, ou Girassol, é uma planta da família das compostas, originária do Peru. Caracteriza-se por um porte avan-tajado, chegando algumas a medir até cinco metros de altura.

O Girassol recebeu esse nome porque suas flores giram, seguindo o movimento do Sol, num heliotropismo positivo. O maior pro-dutor de Girassóis é a Rússia ao qual extrai de suas sementes um salutar óleo comestível e também viscoso, usado de várias maneiras em máquinas e ferramentas. Por ser uma planta anual é necessário destruir, ceifar as flores todos os anos. Assim, no equinócio de inverno todos os girassóis são mortos tendo suas “cabeças decepadas, pois o sol não mais estará por perto”.

Os ceifadores da Sérvia cantam uma can-ção triste quando da colheita à imponente flor adoradora do sol.

“Canta....canta, tua última canção. pois o Sol está distante e não podes mais mover sua fronte para adorá-lo. De suas sementes faremos o óleo para saldar o senhor dos céus que fará sua viagem à terra dos mortos mas voltará na primavera para receber a adora-ção de seus brotos filhos... Ó Girassol... Ó Girassol...”

Quando do movimento solar em direção ao hemisfério Sul dizem, os mais antigos, que entre os campos de girassóis mortos cami-nha uma entidade chamada Giralua, a qual acompanha os movimentos do satélite em questão.

Caminha entre os campos lamentando a morte do sol e de seus irmãos. Diz a lenda que ao se encontrar um Giralua em noites claras de luar, o vivente é levado por ele. Eu venho contar esta história porque tive um amor.levado pelo Giralua.

Natasha desapareceu em uma noite enlu-arada.

Hoje o Sol voltou para a alegria dos Giras-sóis, só Natasha não veio...

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autor Convidado

Marcelo Spalding

SeLeÇÃo BraSiLeira

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Kléber, o goleiro. Defende-se como pode das investidas do Argentino. Desde que pediu a grana pra pagar o pó – pediu o pó porque não conseguia pagar uma grana –, vive a se defender. Fugindo, fingindo, roubando. Não pode abandonar morro e família, por isso acaba voltando e apanhando e pagando um pouco. Dessa vez era um ultimato. Kléber, o goleiro, tinha que pagar. El Argentino invadiu a casa, quatro homens armados ao redor dele. Não tenho um pila, hermano, pode revirar tudo pra ver. O Argentino olhou, olhou a casa sem mobília, as paredes sujas e a mulher grávida, grávida mais uma vez. Procurou um revólver que fosse, um maço de cigarros. Tu es un mierda, grita, e o outro tremendo no canto da pa-rede, barbudo, fedido. Eu disse que não tinha nada, hermano. Atirou sem dó. Kléber, reflexo rápido, ainda tentou se defender. Morreu com um buraco na mão.

2

Juarez, ou melhor, Doutor Juarez Fonseca, o lateral direito, aquele que defende pela direita e sempre pela direita. Nasceu em 1964, aprendeu a ler em sessenta e nove e muito cedo de-cidiu-se pelo quartel. Ordens, horários, compromisso. Doutor virou e causas nobres defende. Com a veemência dos justos. Defende proprietários de terras, jornais, bancos, mercados, lojas, governos, ilhas, mansões, BMWs. Agora está em dúvida o Doutor Juarez: foi mucha plata o que el Argentino ofereceu.

3

Gente como o João não devia andar armada. Homenzarrão, alto e forte como só um zagueiro central pode ser. Um dia chegou em casa e a mulher estava sobre uma poça. Poça vermelha de sangue. Nunca mais foi o mesmo, sabia que naquele morro só morria quem el Argentino deixava. Pegou a arma – eu avisei que gente assim não devia andar armada –, e subiu bufando até la casilla rosada. Os olhos turvos de raiva, a cabeça devagar de raiva, o corpo explodindo de raiva. Chutou a porta e esvaziou o cartucho, oito tiros. Matou abuela e tía.

4

Carlos é o quarto zagueiro, o que dá cobertura para o zagueiro central. Levou a sério de-mais essa história de cobertura. Apaixonou-se por João e ao mesmo tempo, por óbvio, odiou a loira dele. Conhecia bem o João, seus um e noventa de puro músculo, sua pele negra de um negro chocolate. Sabia também que o negão mataria ele se soubesse dos olhares, dos sus-piros no vestiário. Mas Carlos é zagueiro de cobertura, não desiste nunca. Yo puedo ajudarte, ofereceu el Argentino em troca duns trocados. Foi mais fácil pagar do que sujar as mãos de sangue.

5

Émerson, por orientações táticas, jogava exatamente entre a defesa esquerda e a direita, protegendo ambas dos avanços dos adversários. Homem correto, íntegro, religioso, funcio-nário modelo na fábrica, pai de um menino e uma menina. Amava sua esposa, nunca traiu, nunca desconfiou dela, nunca forçou uma transa. Seria um legítimo representante da classe

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média não morasse no morro. E não fosse ele vizinho de la casilla rosada del Argentino. E não fosse sua casa confundida com la casilla rosada del Argentino. Morreu de bala de polí-cia sem ter tempo de pagar a última prestação da televisão.

6

Jerônimo, codinome Fonseca, irmão caçula do Juarez, nascido no dia exato do AI-5. É o la-teral esquerdo e, pelo óbvio, defende sempre pela esquerda. Não pôde ser advogado nem ad-ministrador nem contador e ganhar muito dinheiro, como sonhava a mãe e insistia o irmão. Preferiu o jornalismo. E ali travou batalhas primeiro contra os professores, depois contra os chefes de redação e mais tarde contra as mulheres e os amigos e os políticos. Espremia-se à esquerda do mundo. Odiava carros, estrangeirismos, lanchonetes fastifud, internéti, roliúde, televisão, detestava todo lixo produzido pela tal indústria cultural, livros, filmes, gibis, bostas, tudo bosta. Largou também os Sem Terra e a União dos Estudantes. Procura causas novas, talvez uma guerrilha armada em pleno centro urbano. Já pensava à sério na proposta del Argentino.

7

Caio é pequeno e veloz, um legítimo segundo atacante, ou atacante de velocidade. Pon-teiro, para os saudosistas. Investe na área adversária surpreendendo os zagueiros, servindo o centroavante e às vezes ele mesmo fazendo uns golzinhos. Caio ganhou muito dinheiro com isso. E investe tudo em ações, veloz é para comprar e vender, aposta nas opções, lança mão de debêntures, tanto arrisca no curto prazo que já dobrara seu capital. Mas precisava mais, e um dia Caio perdeu. Perdeu dinheiros e razão e mulher. Perdeu opções e poder e BMW. Não ouviu o Kléber, esse dizia para não se meter com o submundo, ainda mais con el hom-bre. Mas com rapidez se infiltrou na área inimiga, e com rapidez perdeu tudo. Sua última aposta foi um suicídio sem surpresas.

8

Patrício é o segundo volante, sempre à serviço do craque do time, para quem deve en-tregar a bola depois de desarmar. Trabalha na MR Comunicações desde os catorze, quando o pai sumiu e a mãe enlouqueceu. Cresceu na empresa, funcionário modelo por dois anos seguidos, jornada de catorze horas na maioria dos dias da semana e seis horas no Sábado. Nunca ficou doente. Nunca reclamou. Dez anos de casa. Teria um sido um coitado feliz. Mas um dia descobriu no que tinha se tornado su padre e foi morar en la casilla rosada.

9

Wilson Holmer é o centroavante, atacante mais enfiado, homem de finalização, famoso por todos e desejado por todas. Quando acerta. Estava num dia ruim. Chegou na televisão vinte minutos depois, pediu café, trouxeram com adoçante, atirou no chão café, bandeja, script, paciência. Voltaram com um café fresco, e ele lá escolhendo as notícias para aquela noite. Vibrava com cada ponto na audiência como se fosse o miléssimo gol. E de dia já esta-va lendo impressos do mundo todo, envolto por um palacete bem decorado. Mas aquele era um dia ruim. O jornal abria com notícia sobre um acidente: policial mata desempregado por

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engano. O apresentador assiste de sua bancada conversando com a colega. Faltam quinze segundos. O áudio do estúdio voltaria quando faltassem cinco. Erro do operador, erro grave: voltou faltando oito. E o país todo ouviu Holmer dizer: tem mais é que matar esses vagabun-dos.

10

Marcelo Reis é um craque, grande armador, responsável por lucros estupendos tanto da agência onde trabalha quanto dos clientes que nele confiam. Formado num colégio de pa-dres e sem interesse algum em qualquer faculdade, abriu o negócio confiando em seu talen-to nato: MR Comunicações. Hoje atende proprietários de terras, jornais, bancos, mercados, lojas, governos, ilhas, mansões, BMWs. Mas nunca tinha aparecido um cliente como esse: a Polícia Civil. Precisamos melhorar nossa imagem nos morros, dizia o comandante. A popu-lação não acredita mais em nós e, quer saber, nem eu, mas disseram que você faz milagre. E fez. Marcelo Reis, craque, armador, descobriu el Argentino y su carisma, el Argentino y su gana, el Argentino e o temor que causava em toda cidade e diagnosticou pra polícia: matem esse cara numa batalha difícil, ao vivo. Se possível sacrifiquem dois ou três homens seus no tiroteio. Mas façam barulho.

11

Ricardo é o elo entre o ataque e o resto. Por vezes um pouco à frente do dez, mas na maioria das vezes ao seu lado e mesmo atrás. Homem versátil no campo e na vida. Na vida é policial civil por profissão, segurança de boate para ganhar dinheiro. Fatura bem numa noite indicando el Argentino. Mas um dia levou calote. Logo ele, o que fazia a ligação entre o sub-mundo do adversário das leis e a própria lei, logo ele levou calote. Tinha que mostrar quem manda. Aproveitou que naquele dia estaria fardado. Convenceu o colega e foram de viatura. Subiram o morro sem alarde. Chegando em la casilla, pediram pra falar com el Argentino. Mudou-se para a casa ao lado, avisou uma mulher. Pulou a cerca, arma destravada, pronta. A intenção era dar um tiro na perna do caloteiro filho da puta. Tocou uma, duas vezes. Émer-son, cansado do jogo, se levantou devagar para abrir. Ricardo não gosta de esperar. Grita que é a polícia, conta mais três, quatro, cinco. No dia seguinte, os jornais estampam: policial mata desempregado por engano.

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teoria Literária

PequeNa PoÉtiCa do miNiCoNto

Marcelo Spalding

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PequeNa PoÉtiCa do miNiCoNto

Você certamente já leu um miniconto e possivelmente já escreveu um. Miniconto é um tipo de conto muito pequeno, digamos que com no máximo uma página, ou um parágrafo. Alguns dizem que ele é o primo mais novo do poema em prosa, outros apontam as fábulas chinesas como origem, de certo é que desde meados do século XX o conto tem experimen-tado – com sucesso – formas extremamente breves a partir de textos de gente como Cor-tázar, Borges, Kafka, Arreola, Monterroso e Trevisan.

Nos últimos anos este tipo de ficção ganhou muito espaço na literatura de diversos paí-ses. Nos Estados Unidos, antologias sucessivas foram lançadas com textos cada vez menores culminando na chamada “microfiction”, cuja antologia inaugural reúne textos de até 300 palavras. A literatura latino-americana, respon-sável pela difusão inicial do gênero, tem não apenas apresentado antologias como também estudos acadêmicos acerca do que eles chamam de “microrelato”. É de um hispano-americano, o guatemalteco Augusto Monterroso, o micro mais famoso:

Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.

E de outro latino-americano, o mexicano Juan José Arreola, o meu preferido:

Conto de horror

A mulher que amei se transformou em fantas-ma. Eu sou o lugar das aparições.

No Brasil, há uma grande quantidade de au-tores publicando livros com ou exclusivamente de minicontos: o pioneiro Ah, é?, de Dalton Trevisan (1994), Contos Contidos, de Maria Lúcia Simões (1996), O filantropo, de Rodrigo Naves (1998), Pérolas no decote, de Pólita Gon-çalves (1998), Passaporte, de Fernando Bonassi (2001), Coração aos pulos, de Carlos Herculano

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Lopes (2001), Eles eram muitos cavalos, de Luiz Rufatto (2001), Mínimos Múltiplos Comuns, de João Gilberto Noll (2003), Os cem menores contos brasileiros do século, organizado por Marcelino Freire (2004), Ao homem que não me quis, de Ivana Arruda Leite (2005), Tentando entender Monterroso, de Luiz Arraes (2005), A milésima segunda noite, de Fausto Wolff (2005), Contos de Bolso e Contos de Bolsa, da Casa Verde (2005 e 2006), Curta-Metragem e Expresso 600, de Edson Rossatto (2006), Entre Duas Mortes, organizado por Frederico Alberti (2006), entre tantos outros. Há inclusive um livro de minicontos juvenis, do competente e criativo gaúcho Leonardo Brasiliense, Adeus conto de fadas (2006), que ao testar esta estética com outro público comprovou a flexibilidade do miniconto e a possibilidade de o tratarmos como um gênero (da mesma forma que os poe-tas tratam como gênero o haicai).

Devido ao seu formato enxuto e de rápida leitura, o miniconto se tornou um gênero cul-tivado não apenas pelos leitores como também pelos escritores das novas gerações, seduzidos pela (aparente) facilidade de se escrever um bom miniconto. Só aparente. Aqui nesta pre-tensiosa poética pretendo demonstrar como al-gumas regras são, se não fundamentais, bastan-te indicadas para que um miniconto funcione.

Concisão

A velha insônia tossiu três da manhã.

Dalton Trevisan (Ah, É?, 1994)

Ser breve e ser conciso são coisas diferen-tes. O miniconto precisa ser conciso, mais do que breve. Nesse sentido não deveríamos falar de um limite de número de letras, palavras ou páginas para o miniconto, e sim num limite conceitual. A história que ele conta precisa ca-ber exatamente naquele pequeno tamanho, não mais, não menos. Não pode-se atrofiar uma narrativa, tampouco espichá-la. Por isso nem todos os temas e enfoques podem ser trans-formados em miniconto. Na verdade, raros o

podem. Uma tosse às três da manhã pode ser a superfície de um miniconto; a insônia, não.

Narratividade

Caiu da escada e foi para o andar de cima.

Adrienne Myrtes (Os cem menores..., 2004)

Se a brevidade originada pela concisão diferencia o mini do conto tradicional, é a narratividade que primeiro diferencia o mini-conto do haicai ou do poema em prosa (que não necessariamente são narrativos, ainda que possam sê-lo). Ser narrativo significa, por óbvio, narrar algo, contar a passagem de uma perso-nagem de um estado a outro, implicitamente (como no mini do Trevisan) ou explicitamente (como neste exemplo da Adrienne). Sem essa narratividade, corre-se sempre o risco de fazer uma simples descrição de cena ao invés de um miniconto.

efeito

TV NO QUARTO

E os pais na sala, assistindo a um documentá-rio sobre os dramas da adolescência.

Leonardo Brasiliense (Adeus conto de fadas, 2006)

O grande mestre do conto moderno, Edgar Allan Poe, talvez tenha sido quem primeiro co-locou o efeito pretendido no topo dos objetivos do escritor. Ainda hoje é considerado um bom conto aquele que consegue provocar algo no leitor, seja medo, compaixão ou reflexão. Quan-do temos uma simples descrição, não chega a ocorrer no leitor este efeito, por menor que seja,

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enquanto em uma narrativa como a do Leo-nardo Brasiliense o leitor não tem como não pensar na sua adolescência ou na sua atitude com os próprios filhos.

abertura

Um vida inteira pela frente. O tiro veio por trás.

Cíntia Moscovich (Os cem menores..., 2004)

Como pode um texto tão pequeno provocar efeito em quem lê? A resposta está no próprio agente da questão: o leitor. À Cíntia coube contar a história de uma pessoa que morreu assassinada numa representação contundente da banalização da vida. Mas se a vítima é um homem, uma mulher, gorda, magra, nova, velha, se mora na cidade, no campo, noutro país, se era bandido ou mocinho, amante ou amado, casto ou tarado, nada disso está dito, cabe ao leitor preencher as lacunas a partir de seus conceitos e experiências. Muito possivelmente um leitor urbano como nós verá aí uma ironia com a insegurança que ceifa a vida de tantos jovens. Mas talvez um trabalhador suburbano veja a covardia de quem mata pelas costas, e não o futuro perdido por quem morre. Essa abertura é uma das riquezas do conto poten-cializada no miniconto.

exatidão

AVENTURA

Nasceu.

Luís Dill (Contos de Bolso, 2005)

Tudo bem que a abertura do texto para o

leitor seja aspecto fundamental do miniconto, mas é importante que o autor seja suficien-temente claro para criar o efeito desejado no leitor, e não seu oposto, sob o risco de não ser compreendido. Para tanto a escolha de cada palavra em cada posição é fundamental, quase como em um poema, pois disso depende o su-cesso ou não da narrativa. Se Cíntia Moscovich escrevesse “Teria sido um ótimo escritor, mas o tiro veio por trás” o texto perderia seu recurso estético causado pela oposição frente/trás, vida/morte, comprometendo até o efeito semântico. Mesma coisa, e mais ainda, no texto “Aven-tura”, do Dill. Não sei se existem outras duas palavras que se casem tão bem para formar uma narrativa instigante, aberta e ao mesmo tempo repleta de significados como esta. São apenas duas palavras, quinze caracteres tão bem dispostos que é difícil não sentirmos seu efeito. E percebermos ali o cerne do conto e da literatura.

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teoria Literária

eNCHeNdo LiNGüÍStiCa Na Samizdat:WritiNG For dummieS

Volmar Camargo [email protected]

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Criação literária

CRESSOT, Marcel. O estilo e as suas técnicas. Edições 70, 1980.

FILHO, Domício Proença. A linguagem literária. Ática, 1999.

COSTA, Lígia Maura da, e REMÉDIOS, Maria Luiza Ritzel. A tragédia - Estrutura e histó-ria. Ática, 1988.

CANDIDO, Antonio. Na sala de aula. Caderno de análise literária. Ática.

MESQUITA, Samira Nahid de. O enredo. Ática.

BRAIT, Beth. A personagem. Ática, 1998.

GOLDBERG, Natalie. Mente selvagem. Como se tornar um escritor. Gryphus, 1994.

ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. Martins Fontes, 1993.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Vozes, 1987.

POUND, Ezra. ABC da literatura. Cultrix.

PERISSÉ, Gabriel. Ler, pensar e escrever. Arte & Ciência, 1998.

LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. Ática, 1999.

NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. Ática, 1995.

LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. Martins Fontes, 1991.

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MOISÉS, Massaud. A criação literária. Prosa I. Cultrix, 1997.

MOISÉS, Massaud. A criação literária. Prosa II. Cultrix, 1994.

GARDNER, John. A arte da ficção - orientação para futuros escritores. Civilização Brasi-leira, 1997.

Ensaios de quatro autores. A personagem de ficção. Perspectiva, 1998.

MOISÉS, Massaud. A análise literária. Cultrix, 1996.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Perspectiva, 1992.

eNCHeNdo LiNGüÍStiCa Na Samizdat:WritiNG For dummieS

Dizem que só se aprende a escrever es-crevendo, do mesmo jeito que só se aprende qualquer coisa tendo bastante prática. Às vezes eu me pergunto se é só isso, e se existe isso que chamam talento. O Henry já falou sobre isso, como eu tambéjm já falei, como muito se falou em todos os grupos de escritores sobre “inspi-ração e suação”. É muito provável que não haja um manual.

De qualquer forma, encontrei uma lista bastante interessante para quem gosta de escre-

ver. Se você tem vergonha de dizer que não é um gênio literário, e que escreve somente sob intensa inspiração dos deuses, de sua musa, da arte que o habita... leia e não conte a ninguém.

Além destes, recomendo também, vez por outra, estudar o idioma em que escreve.

Segue a listinha

Bibliografia

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5656 SAMIZDAT agosto de 2008

RODRIGUES, Selma Calasans. O fantástico. Ática, 1988.

CORTÁZAR, Julio. Valise de cronópio. Perspectiva, 1993.

Conto

MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. Me alugo para sonhar. Casa Jorge Editorial, 1997.

GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. Ática.

MORICONI, Italo. Os cem melhores contos brasileiros do século. Objetiva, 2000.

MARIA, Luzia de. O que é conto. Brasiliense, 1992.

MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. Como contar um conto. Casa Jorge Editorial, 1997.

GIARDINELLI, Mempo. Assim se escreve um conto. Mercardo Aberto, 1994. Cultura

Romance

DOURADO, Autran. Uma poética de romance. Matéria de Carpintaria. Rocco, 2000.

VIEIRA, Yara Frateschi. Níveis de significação no Romance. Ática.

NARCEJAC, Boileau. O romance policial. Ática.

RAY, Robert J. O escritor de fim de semana. Como escrever um romance com criatividade em 52 fins de semana. Ática, 1998.

FORSTER, Edward Morgan. Aspectos do romance. Globo, 1998.

ZUCKERMAN, Albert. Como escrever um romance de sucesso. Mandarim, 1996.

Poesia

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. Cultrix, 1997.

MOISÉS, Massaud. A criação literária. Poesia. Cultrix, 1989.

Roteiro

COMPARATO, Doc. Da criação do roteiro. Rocco, 2000.

FIELD, Syd. Manual do Roteiro. Objetiva, 1982.

FIELD, Syd. Quatro roteiros. Objetiva, 1994.

FIELD, Syd. Os exercícios do roteirista. Editora Objetiva, 1996.

CHION, Michel. O roteiro de cinema. Martins Fontes.

MEADOWS, Eliane. Roteiro para TV cinema e vídeo. Quartet, 1997.

REY, Marcos. O roteirista profissional. Ática, 1997.

HOWARD, David. Teoria e prática do roteiro. Globo, 1996.

VOGLER, Christopher. A jornada do escritor. Ampersand, 1997.

Dramaturgia

PALLOTTINI, Renata. Introdução à dramaturgia. Ática, 1988.

PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia. A construção do personagem. Ática, 1989.

Diversos

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57www.samizdat-pt.blogspot.com

SANT’ANNA, Affonso Romano de. A sedução da palavra. Letraviva, 2000.

ANDRADE, Mario de, e SABINO, Fernando. Cartas a um jovem escritor. Editora Record, 1993.

SENNA, Homero. República das letras. Entrevista com 20 grandes escritores brasileiros. Civilização Brasileira, 1996.

MOREIRA, Luiza Franco. As mulheres de branco. Edusp.

PAIXÃO, Floriceno. Entrevistas do Le Monde. Ática, 1990.

BORGES, Jorge Luis. Cinco visões pessoais. UNB, 1979.

PREGO, Omar. O fascínio das palavras. Entrevistas com Julio Cortázar. José Olympio, 1991.

JUNG, Carl G. e outros. O homem e seus símbolos. Nova Fronteira.

GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna. FGV, 1997.

BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. Record.

Sugestões de Hermelindo de Oliveira, Josué do Prado Filho e Humberto dos Santos.

Ricardo Piglia é escritor argentino, autor de, entre outros, “Respiração Artificial” (Iluminuras) e “Dinheiro Queimado (Companhia das Letras). O texto acima foi publicado originalmente em “O Laboratório do Escritor” (Iluminuras).

Tradução de Josely Vianna Baptista

(http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=literatura/docs/comofazer )

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5858 SAMIZDAT agosto de 2008

Poesia

Carlos Alberto [email protected]

mioPia

Até quando, olhos,

Fingirão estar fechados?

Até quando chorará

O coração imaculado?

Até quando, olhos,

Usarão lentes escuras?

Até quando a ignorância

Passará longe das ruas?

Até quando, olhos,

Só terão visões do alto?

Até quando a cegueira

Continuará em seus assaltos?

Até quando, olhos,

Brilharão com falsidade?

Até quando lágrimas

Cairão na insanidade?

Eis que vos deixo um recado,

Ao menos isto vai engolir:

O que os olhos fingem não ver,

O coração finge não sentir...

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Guilherme Rodrigues

SoNetoSA Face

Teus olhos profundos, negros,Tua face fatigadaMostra rugas de tristeza,Nem sorris pra não florarTeus dentes apodrecidos,Teu hálito cadavérico.

Deite-se no teu caixão,Pois você já está morta.Darei um buquê de rosas.Uma vez lacrado o túmulo,E tua agressividadeEmudecerá pra sempre!

Eu sou flor que flora à tua presença,alegre, contente, muito feliz.Sou a flor que definha à tua ausência,triste, implora por água, Flor-de-Lis.

Sou a flor, não ouço o que você diz.Ficar ao teu lado, o que sempre quis.Beija-Flor – com você quero ficar,Porque – agora – só quero te amar.

Às tardes – vinha você me beijar,Nós – abraçadinhos – em paciência...Ande p´lo jardim reencontre a flor

bela, que tem um cheiroso sabore que não liga pro que você pensa.Volte a me reencontrar, meu amor!

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Poetrix Volmar Camargo [email protected]

LaBoratÓrio PoÉtiCo

o eco dos homens

Grande é a imundície que há; e há, e como há.

Imunda é a gente má; e há, e como é má.

Gentis, já vi, há. Aqui? Não. Nem lá.

Poesia

das profundezas

Fiz, bem no fundo, no chão, um furo.

Lá, bem no fundo, onde é tudo preto.

E fui, bem no fundo, feliz por um tempo.

Previdência

Guarda essa vida, depressa.

Que outra assim, igual a essa

Só se vê depois que passa.

“Canção” de quê?

“Minha terra tem palmeiras...

onde canta o...”

Como era o nome mesmo?

O fim do mar

Há tanto tempo no mar

Que mar não haverá mais

Quando o tempo, enfim, acabar.

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PoeSia CoNCreta

Volmar Camargo Junior

muito de tudo

É tarde para decidir sobre essas coisas,Essas que ficam em nós impregnadas,As sobras do mundo nas estradas,A poeira acumulada nos sapatos.

É inútil a incerteza dos destinos —As coisas estariam explicadasHaveria menos de nadaE tudo seria limitado.

Há muito de tudo,Há, às toneladasE é tão pesado.

Por outro lado,Nessa vidaO que há

É pó.

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6262 SAMIZDAT agosto de 2008

PoetrixJosé Espírito Santo

Companhia

Acompanhas-me para todo o lado,

suave constante ausência

Poesia

Casa

Á porta, ficou por ali a Berta,

já nela fechada e de morada no olhar frio,

em só de si, o esquecimento ou vazio!

trabalho

Fez-se enfim, a tarde

Labor, mais um...

Dia comprado

desencontro

Tudo passa

Nada fica

Desencontro...

Por do Sol

Poente em Sol menor

Inconsistente a voz

Constante distância de nós

In finito

Chegado ao infinito,

perguntou:

E agora, onde vou?

Definição

Definir-te

Partir só

Viagem sem regresso

ardor

Língua de fogo

não sabe a nada.

Mais arde a pimenta

ordem

Dividam-se os ensejos

Cumpram-se enfim, desejos

De vida mente empacotados

expressão

Entre dois movimentos

e o depois de tudo

Mundo em vez de mudo

Planeta

Plano planeta

É choro de proveta

Global em pobre cimento

relatividade

Espaço de mim

Distância

Relativo tempo de ti

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BriNCaNdo de Faz de CoNta

Giselle Natsu Sato

Pique-bandeira , amarelinha , queimada...Esconde-esconde, bolinha-de-gude e bafo bafoPeteca, boneca, bicicleta e patineteQuem é quem? Vai e vem, correria na calça-daPipas, papagaios, pião, campeonato de botãoEscorrega, balanço e gangorra na pracinha.

O Parque de diversões promete fortes emo-ções,montanha-russa, trem-fantasma e roda-gigan-teBarca viking e carrinho de bate-batePicolé, algodão doce, pipoca e carrosselCachorro quente, churros, amendoim torra-do...

Oba! O circo já chegou!Trouxe palhaços, equilibristas, bailarinas e muitos mágicosBanda de música e pulgas amestradasPiratas e marujos, princesas e fadasBalões coloridos e muitas gargalhadas

Jardim Zoológico é sempre interessante,zebras, jacarés , girafas e elefantes...Macacos engraçados e todo tipo de aves

Hipopótamos submersos e ursos sonolentosCobras perigosas e tigres selvagens

Um momento, que tal visitar o museu?Tem carruagem Imperial, espadas, escudos, lanças.Esqueletos e fósseis, ossos de dinossauro e armadurasPinturas e estátuas, grande animais empalha-dos.Mil tesouros espalhados em grandes salões espelhados.

A aventura não tem fim,seja na praiano shopping ou jardim.

Qualquer lugar é perfeitono mundo do faz de contaNão é preciso muitopara ter um dia feliz

E será sempre uma doce lembrançaApenas atenção,cuidado e carinhoPartilhar...E voltar a ser criança.....

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6464 SAMIZDAT agosto de 2008

Poesia

Folha

O vento conduz a folhaOu é a folha que se abandona ao vento?

Sopro leve de vento quenteVai alta a folha, alegremente.

Sopro forte de ar geladoDespenca a folha no chão molhado.

Quando o vento acalma, sonolento,Ao ar ou à folha é que falta movimento?

Mas se o vento volta, prazenteiro,Aos rodopios vai a folha, percorre o mundo inteiro...

Sou folha...Que venha o vento!Que não me deixe sem sopro,No esquecimento.

Marcia [email protected]

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65www.samizdat-pt.blogspot.com

Marcia [email protected]

to be and not to be

SouMas não sou muitoNão sou sempreNem sou bem issoSou ao meioO que penso que seriaE o restoQue não souNão sendoMe acometeE desmascaraOu subverteO que dentro da luva haviaSem que a mão lá supusesseTer sido recheio um dia.

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6666 SAMIZDAT agosto de 2008

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SOBRE OS AUTORES DA

SAMIZDATSOBRE OS AUTORES DA

SAMIZDATSOBRE OS AUTORES DA

SAMIZDAT

SOBRE OS AUTORES DASAMIZDAT

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Alian MorozFormado em Matemática pela

UFPR,lecionou durante 20 anos. For-mado ainda pela Faculdade de Belas Artes do Paraná em Licenciatura em Desenho,trabalhou junto a Estúdios de pro-paganda e no setor editorial. Historiador e Filósofo amador, venceu em 2006 o Prèmio ‘Destaque cultural’ promovido pela secre-taria de Cultura de Curitiba com o livro ‘ Desvendando a História e os mitos Bíblicos’. Lançou em 2007 a primeira edição de ‘ O Manuscrito XXXII’,seu primeiro romance , pela Editora Corifeu. Poeta e músico nas horas vagas, têm como principais influências,Umberto Eco e Luis Fernando Veríssimo.

[email protected]

Carlos Alberto Barros

Paulistano, filho de no

rdestinos, desenhis-

ta desde sempre, artis

ta plástico formado,

escritor. Começou sua

vida profissional como

educador e, desde entã

o, já deixou seu ras-

tro por ONG’s, Escolas

e Centros Culturais,

através de trabalhos a

rtísticos e pedagógi-

cos – experiências que

têm forte influência

sobre seus escritos. A

tualmente, organiza

oficinas de ilustração

para crianças, estuda

pós-graduação em Histó

ria da Arte e escreve

para publicações na in

ternet.

[email protected]

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http://desnome.blogspo

t.com

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6868 SAMIZDAT agosto de 2008

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Guilherme RodriguesEstudante Letras na

Universidade do Sagrado Coração, em Bauru, onde sempre morou. Nutre grande paixão por Línguas, Literatura e Lingüística, áreas em que se dedica cada vez mais.

Giselle SatoGiselle se autodefine apenas como uma contadora de his-

tórias carioca. Estudou Belas Artes e foi comissária de bordo — cargo em que não fez muita arte, esperamos. Adora viajar (felizmente!) e fala alguns idiomas.

Atualmente se diverte com a literatura, participando de concursos e escrevendo para diversos sites pela net. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes, funcionando como um eficiente pa-norama da sociedade em que vivemos, principalmente daquilo que é comumente jogado para baixo do tapete pelos veículos de comunicação.

[email protected]://www.trilhasdaimensidao.prosaeverso.net/

José Espírito Santo

Informático com licenciatura e pós

graduação na Faculdade de Ciências da

Universidade de Lisboa, trabalha há largos

anos em formação e consultoria, sendo

especialista em Bases de Dados, Sistemas

de Gestão Transaccional e Middleware de

“Messaging”. A paixão pela escrita surgiu

recentemente, tendo no ano de 2007

produzido os livros “Esboços” (contos) e

“Onde termina esta praia” (poesia). Vive

com a família em Portugal em Alverca, uma pequena cidade um pouco a norte de

Lisboa. [email protected]

http://www.riodeescrita.blogspot.com/

Henry Alfred Bugalho

É formado em Filosofia pela UFPR, com

ênfase em Estética. Especialista em Literatura e

História. Autor de quatro romances e de duas

coletâneas de contos.

Mora, atualmente, em Nova York, com sua

esposa Denise e Bia, sua cachorrinha.

[email protected]

www.maosdevaca.com

Joaquim BispoEx-técnico de televisão,

xadrezista e pintor amador, licenciado recente em His-tória da Arte, experimenta agora o prazer da escrita, em Lisboa.

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Zulmar Lopes

Zulmar Lopes é carioca. Formado em jorna-

lismo pela Universidade Gama Filho, trabalha

como assessor de imprensa. Alma provinciana e

coração suburbano, encontra-se provisoriamen-

te exilado na cosmopolita Copacabana, bairro

fonte de inspiração de personagens e situações

que compõem seus contos. Escreve para fugir

do marasmo.

Marcia Szajnbok

Médica formada pela Facul-

dade de Medicina da Univer-

sidade de São Paulo, trabalha

como psiquiatra e psicanalista.

Apaixonada por literatura e lín-

guas estrangeiras, lê sempre que

pode e brinca de escrever de vez

em quando. Paulistana convicta,

vive desde sempre em São Paulo.

[email protected]

Volmar Camargo Junior é gaúcho. Formado em Letras pela Universidade de Cruz Alta, não leciona por sua própria vontade. Entrou na ECT em 2004, e desde então já morou em meia dúzia de “Pereirópolis” pelo Rio Grande. Atualmente vive com a esposa Natascha em Canela, na Serra Gaúcha. Dividem o apartamento com Marie, uma gata voluntariosa e cínica.

[email protected]://recantodasletras.uol.com.br/autores/vcj

Maria de Fátima SantosNasceu em Lagos, Algarve, mas tem Angola, onde

viveu a adolescência, como a sua mãe-terra. Licencia-da em Física tem sido professora de Física e Química. Com poemas em vários livros, em co-autoria, é às pe-quenas histórias, que lhe voam no teclado, que chama “meus contos”. O blog Repensando (www.intervalos.blogspot.com ) tem sido seu parceiro e motivador na escrita dos últimos anos. Escreve pelo gosto de deixar que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.

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7070 SAMIZDAT agosto de 2008

Também nesta edição,textos de

alian moroz

Carlos alberto Barros

Giselle Natsu Sato

Guilherme rodrigues

Henry alfred Bugalho

Joaquim Bispo

José espírito Santo

marcelo Spalding

marcia Szajnbok

maria de Fátima Santos

Paulo Bomfim

Volmar Camargo Junior

zulmar Lopes