Sampaio, A.A.S. Skinner Sobre ciência e comportamento humano

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    Skinner: Sobre Cincia eComportamento Humano1

    Skinner: On science and human behavior

    Artigo

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    Angelo AugustoSilva Sampaio

    UniversidadeFederal da Bahia

    PSICOLOGIA CINCIA E PROFISSO, 2005, 25 (3), 370-383

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    PSICOLOGIA CINCIA EPROFISSO, 2005, 25 (3), 370-383

    Resumo: Atualmente, no se pode pensar no estudo do comportamentohumano sem considerar a abordagem cientfica a este objeto: o campo daPsicologia cientfica. Esse campo disputado por diversos enfoques tericos

    que divergem quanto ao modo como definem cincia e comportamentohumano. A abordagem de B. F. Skinner foi bastante proeminente no sculoXX, mas ainda continua a ser mal-entendida. Partindo do desenvolvimentohistrico de sua obra, o presente texto visa a iluminar alguns aspectosrelacionados s noes de cincia e comportamento humano desse autore ressaltar as transformaes por que passaram. Analisam-se trs tpicosda obra de Skinner: seu perodo inicial (de 1930 a cerca de 1938), a obraCincia e Comportamento Humano de 1953, e as influncias da Biologia.So enfatizados aspectos relevantes da sua teorizao sobre o tema: buscapor relaes funcionais, nfase nos dados empricos, operacionismo,externalismo, multideterminao do comportamento, experimentalismo,

    previso e controle, tica.Palavras-chave: Skinner, B. F., comportamentalismo, cincia,comportamento.

    Abstract: No one can think about the study of human behavior nowadayswithout considering the scientific approach to this object: the field of scientificPsychology. This subject is disputed by many theories that diverge on theway they define science and human behavior. B. F. Skinners approach wasvery prominent in the 20th century, but still remains misunderstood. Startingfrom the historical development of his work, the present paper aims toshed some light in aspects related to this authors notions of science andhuman behavior and highlight transformations that undertook them. Threetopics of Skinners work are analyzed: its initial period (from 1930 to about1938), the book Science and Human Behavior, published in1953, andthe influences from Biology. Relevant aspects of his theorization about thetheme are stressed: the search for functional relations, focus on empiricaldata, operationism, externalism, behavior multidetermination,experimentalism, prediction and control, ethics.Key words: Skinner, B. F., behaviorism, science, behavior.

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    Em dezembro de 1879, na Universidade deLeipzig, Alemanha, Wilhelm Wundt fundouo primeiro laboratrio de Psicologia do mundo.Esse fato saudado por alguns como omomento de confirmao da independnciada Psicologia em relao Filosofia seriamesmo a fundao da Psicologia moderna(Schultz; Schultz, 2000). Parece-nos,entretanto, mais apropriado (ou mais preciso)

    trat-lo como um marco mais simblico doque propriamente histrico do avano dacincia sobre um novo campo de estudos:aquele da ao humana. Especificamente, elereflete um processo de aplicao de tcnicasque vinham sendo desenvolvidas pela Fisiologiada poca a questes que, por sculos,ocuparam filsofos: a natureza da conscinciae de seus processos, a percepo, a sensao,

    Angelo Augusto Silva Sampaio

    1-O autor agradeceimensamente a Milena S.Lisboa, por sua pacincia e seu amor, e a Rodrigo P.Guimares, por seuincentivo e seuscomentrios.

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    Skinner: Sobre Cincia e Comportamento Humano

    as emoes os processos psicolgicos, enfim. A fundao do primeiro laboratrio dePsicologia, assim, assinala o incio de uma amplaredefinio do modo de se estudar aqueles

    fenmenos e do prprio significado dePsicologia. Antes explorados apenas pelaespeculao e partindo essencialmente devivncias cotidianas, aqueles fenmenos seconvertem, agora, em objetos de estudocientfico abordados pelo mtodoexperimental. Estaria fundada a Psicologiacientfica.

    Desde fins do sculo XIX, desse modo, praticamente impossvel tratar-se do

    conhecimento sobre as aes humanas semconsiderar a proposta de abordagem cientficaa esse objeto. Mesmo que se busque critic-la, a referncia abordagem cientfica onipresente. A prpria delimitao/regulamentao da atuao profissional dopsiclogo, muitas vezes, se vale da refernciaa critrios cientficos vide, por exemplo,as inmeras referncias a eles no Cdigo detica Profissional e em resolues do ConselhoFederal de Psicologia.

    As noes de comportamento humano e decincia, enfim, tornaram-se praticamenteindissociveis, e justamente a partir dessemomento que diversos projetos de conhecercientificamente o comportamento humanocomeam a competir e que o que se entendepor cincia e/ou como aplic-la devidamentea esse campo passa a ser alvo de disputasdentro da nascente Psicologia cientfica.

    Um momento fundamental nessa disputa peloprojeto dominante de Psicologia cientfica aproposio, por Burrhus Frederic Skinner, do seuComportamentalismo Radical. Chegando a serconsiderado o psiclogo mais eminente dosculo XX (Haggbloom et al., 2002), Skinnermarcou profundamente toda a Psicologiaamericana (e, em conseqncia, a Psicologiamundial) do sculo passado e continua aindahoje a ser amplamente estudado, discutido e a

    ter suas proposies ampliadas e revisadas (porex. Glenn, 1988; Malagodi, 1986 e Malott, 1988).Afora sua importncia para a construo daPsicologia como a conhecemos hoje, um

    conhecimento mais aprofundado do discurso deSkinner tambm fundamental para evitar (oubuscar remediar) um conjunto de mal-entendidosque cercam seu pensamento. para osfundamentos filosficos do comportamentalismoradical, assim, que este trabalho se voltar.

    De incio, Pode-se dizer que as basesfundamentais que norteiam a obra de Skinneresto vinculadas a sua pretenso de fazer daPsicologia uma cincia e, para compreender

    essas bases filosficas, precisamos identificar osmodelos de cincia que ele adota. (Micheletto,2001, p. 31). assim que, para nos aproximarmosda abordagem comportamentalista radical definida pelo prprio Skinner (1974/1995a),inclusive, como a de uma filosofia da cincia buscaremos empreender uma anlise da suaconcepo de cincia, pilar essencial para afundamentao de qualquer modo dito cientficode encarar o homem e o seu comportamento.Indissocivel desse objetivo, aparece como

    essencial tambm a discusso da sua concepode comportamento humano. Dessa forma,buscaremos assinalar algumas influncias etransformaes por que passaram taisconcepes (e outras relacionadas: causalidade,explicao, etc.) no desenvolvimento da obrade Skinner.

    Para tanto, trataremos de trs tpicos principais:o perodo inicial de publicao em Psicologia deSkinner (compreendendo, aproximadamente, os

    anos de 1930-38) e as influncias da Fsica; aobraCincia e Comportamento Humano (Skinner,1953/1970), e, por fim, as influncias da Biologiasobre seu pensamento.

    As transformaes dopensamento de Skinner

    Desde suas primeiras publicaes, em 1930,at Can Psychology be a science of mind?

    2

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    2 A Psicologia pode seruma cincia da mente?.

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    (Skinner, 1990), artigo completado na vsperade sua morte, Skinner desenvolveu umaverdadeira viso de mundo (Michael, 1980),que aborda as mais diversas questes (tica,

    educao, organizao social, cultura etc.) deum ponto de vista muito particular. Essa extensaobra, como qualquer outra de seu porte, perpassada por aspectos unificadores, mastambm por transformaes.

    Por um lado, pode-se afirmar que toda a suaobra marcada por alguns pontos gerais queparecem permanecer inalterados:

    o estabelecimento do objeto de estudo o

    comportamento; a suposio do comportamentocomo determinado; a pretenso de fazer umaanlise cientfica do comportamento a partir danoo de cincia proposta pela cincia natural;o estudo realizado a partir do dado emprico; oafastamento de toda metafsica do sabercientfico; a proposta de previso e controle(Micheletto, 2001, p. 30).

    Essas marcas, por outro lado, alm de muitogenricas, tiveram seu sentido alterado ao longo

    da obra de Skinner. Como esperamosdemonstrar no decorrer deste texto, ao menosdois grandes momentos podem ser distinguidosnesse processo. Por um lado, um perodo inicialenglobando aproximadamente os anos de1930-38, em que o autor, como ele prprioadmitiria depois (Skinner, 1989/1995b, p. 176),ainda estava comprometido em demasia como reflexo em termos da sua noo decomportamento (apesar de as suasinvestigaes o terem conduzido formulao

    do conceito de operante ainda em 1937) e ondea influncia de uma concepo de cinciaadotada pela Fsica era proeminente. Por outrolado, em um perodo posterior, em que seufoco de interesse recai mais sobre ocomportamento operante, suas concepes vogradualmente amadurecendo e sua noo decincia passa a ser mais marcadamenteinfluenciada pelas noes da Biologia. Esses doismomentos, entretanto, se imbricam no

    oestabelecimentodo objeto deestudo ocomportamento; asuposio docomportamentocomodeterminado; a

    pretenso de fazeruma anlisecientfica docomportamento a

    partir da noo decincia proposta

    pela cincianatural; o estudo

    realizado a partirdo dado emprico;o afastamento detoda metafsica dosaber cientfico; a

    proposta depreviso econtrole

    Micheletto

    desenvolvimento da obra skinneriana: pode-seperceber a presena de certas concepes doperodo inicial nos escritos posteriores de Skinnere interpretar algumas mudanas de concepo

    como um desenvolvimento do prpriopensamento do autor.

    Essas alteraes, em alguns dos fundamentosfilosficos da sua viso de mundo, podem serresponsveis, porm, por parte das interpretaeserrneas do comportamentalismo radical. parauma breve anlise dessas transformaes nopensamento de Skinner que agora nos voltamos.

    1930-1938: o perodo inicial e

    as influncias da fsicaA adeso de Skinner ao comportamentalismoe seu conseqente ingresso na ps-graduaoem Psicologia de Harvard (em 1928) podemser atribudos, em grande parte, a sua leiturado livro Behaviorism, de John B. Watson(Skinner, 1989/1995b). De fato, podemosadmitir, com o prprio Skinner, que, desde oincio, a sua concepo de Psicologia, de estudodo comportamento, era muito semelhante

    quela proposta por Watson em seu famosoartigo de 1913: Segundo o ponto de vistacomportamentalista, a Psicologia um ramopuramente objetivo e experimental da cincianatural. Seu objetivo terico a predio e ocontrole do comportamento (citada porSkinner, 1989/1995b, p. 165). Foram asaspiraes de uma cincia do comportamentovoltada para a previso e o controle que omotivaram a ingressar na Psicologia. Assim,desde o princpio, Skinner pretendia levar a cabo

    uma anlise cientfica do comportamento apartir de uma noo de cincia fortementeinspirada nas cincias naturais (Micheletto,2001). Cabe assinalar, entretanto, quais seriam,mais especificamente, as principais influnciasque convergiram para moldar a forma comoele empreenderia essa aspirao.

    O modelo de cincia que inicialmente vaiinfluenciar Skinner aquele associado s

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    transformaes por que a Fsica passava no finaldo sculo XIX e incio do sculo XX e s crticasque, nessa poca, se levantavam contra omodelo mecanicista fundado na Fsica

    newtoniana (Micheletto, 2001). O modelomecanicista explicava os eventos do mundoem termos da ao causal de foras diversas,no tempo e no espao, sobre a matria. Cadacoisa se moveria devido interao mecnicacom outras coisas, todas sujeitas a um conjuntode foras. Nesse modelo, alm disso,considerava-se que a realidade possusseexistncia independente do sujeito que aexperiencia e o princpio de explicao dessarealidade deveria ser sempre baseado em um

    mecanismo. Foram essas noes que acabarampor levar elaborao de conceitosespeculativos, interpretativos ou at metafsicosna busca por tais explicaes sempre baseadasem mecanismos.

    Esse modelo comea a ser criticado, j no finaldo sculo XIX, por dois importantes autores,citados logo nas primeiras obras de Skinner: osfsicos Ernst Mach e Percy Bridgman.

    Ernst Mach (1838-1916)Para Ernst Mach, o avano da Fsica dependiado afastamento de concepes metafsicaspressupostas na elaborao de muitos dosconceitos dessa disciplina (Micheletto, 2001).O caminho para tanto seria a construo deum conhecimento firmemente baseado emobservaes empricas. Segundo ele, asuposio da existncia de um mundo real,externo ao sujeito, no poderia ser sustentada,j que s teramos acesso s nossassensaes seria a partir da anlise apenas dessassensaes, assim, que construiramos nossoconhecimento do mundo. Essas noescolocam a questo da existncia real das coisas(to fundamental para o modelo mecanicista)simplesmente como algo sem significado jque no passvel de ser resolvida em definitivo.Mach torna sem significado tudo o que noproduza resultado que possa referir-se sensibilidade (Micheletto, 2001, p. 32). Para

    esse autor, em conseqncia, a noo deexplicao (tradicionalmente associada decausalidade mecnica) acaba por igualar-se de descrio de relaes ordenadas entre

    sensaes, entre fatos observados. Abandona-se a noo de causa e efeito, de causalidademecnica. Tudo o que seramos capazes dedizer sobre qualquer aspecto do mundo quefreqentemente tivemos certas sensaes queforam freqentemente seguidas por outras.

    As concepes de Ernst Mach tm sidoanalisadas (de ngulos por vezes um poucodistintos) por diversos comportamentalistascontemporneos. Baum (1999, cap. 2), por

    exemplo, ao tratar Mach como umpragmatista,ressalta que a amizade desse autor com William James seria a responsvel pela influncia dopragmatismo sobre o comportamentalismoradical. Segundo Baum (1999, cap. 2), a noode cincia de Skinner (no s no perodo inicialde sua obra) e do comportamentalismo radicalcomo um todo seria a mesma de Mach e James:a busca por descries econmicas, eficientese as mais abrangentes possveis da experinciahumana com o mundo natural. Os conceitoscientficos nos permitiriam passar adiante, deuma maneira econmica, nossas experinciascom determinados aspectos da natureza. Osconceitos cientficos seriam o modo encontradopelos cientistas para falar de maneira breve, e,em conseqncia, de maneira mais eficiente,de um grande conjunto de experincias. nessesentido que a distino entre descoberta einveno seria sem sentido. O quenormalmente chamado de descoberta deum novo fenmeno seria mais uma formacriativa e resumida que algum inventou para

    falar sobre nossas experincias do que algumaforma de representar um aspecto novo darealidade.

    Mach, por outro lado, pode ser interpretadocomo um positivista influenciado pelopensamento darwinista se ressaltarmos como,para ele, a cincia seria um discurso privilegiadosobre a realidade (Tourinho, 2003). Apesar dacontinuidade entre o conhecimento comum e

    Para Ernst Mach, oavano da Fsica

    dependia doafastamento de

    concepesmetafsicas

    pressupostas naelaborao de

    muitos dosconceitos dessadisciplina

    Micheletto

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    o da cincia que Mach destaca esta ltimaainda incorporaria de maneira mais eficienteum princpio de economia, organizando, demodo mais produtivo, a experincia. Sua noo

    de verdade, entretanto, o distanciaria um poucoda tradio positivista. Para Mach, a verdadeera uma questo de promoo da adaptaode um indivduo ou da espcie ao ambientecircundante (Smith, 1989, p. 272, apudTourinho, 2003, p. 33), o que descarta qualquerconcepo de universalidade das afirmaescientficas.

    Percy Bridgman (1882-1961)

    Bridgman tambm parte de uma crtica snoes mecanicistas de realidade e decausalidade para desenvolver seus conceitossobre a prtica cientfica. Esse autor, na obraque ser citada por Skinner em seus trabalhos(Bridgman, 1928), critica o modo comoNewton definia conceitos como os de tempo,massa e comprimento a partir de propriedadesno-naturais, no verificveis empiricamente(Tourinho, 1987). Para Bridgman,os conceitosdeveriam resumir-se descrio dos tipos de

    procedimento (operaes) que foram utilizadospara o estudo do fenmeno a que se referem(Micheleto, 2001). O conceito decomprimento, por exemplo, no deveria serentendido como uma propriedade intrnsecadas coisas, mas como sinnimo do conjuntode aes realizadas para chegar-se ao nmeroque chamamos de comprimento das coisas.Essas noes, associadas ao movimentooperacionista, tiveram uma grande influnciasobre os psiclogos de Harvard por volta dos

    anos trinta, a includo Skinner que, j em1930, na sua tese de doutorado, tentava aplic-las anlise do conceito de reflexo.

    Os primeiros trabalhos deSkinner

    Na sua tese de doutorado, defendida em 19303,

    e em alguns trabalhos posteriores (ao menosat 1937), Skinner busca realizar uma anlise

    cientfica do comportamento a partir doconceito de reflexo um objeto de estudo quelhe permitia observar e controlar as variveisambientais que o determinavam e elaborar

    previses (Micheletto, 2001). Na sua tese,Skinner empreende uma reviso histrica doconceito (como j haviam feito Mach eBridgman com os conceitos da Fsica) e acabapor defini-lo (operacionalmente, comoadvogado por Bridgman) como uma correlaoobservada entre um estmulo e uma resposta.

    O modo como, em sua tese e nesse perodoinicial, Skinner busca estabelecer sua cinciado comportamento o aproxima bastante dastransformaes que vinham ocorrendo na Fsica

    da poca. Como Micheletto (2001) ressalta:

    [No conceito de reflexo de Skinner] Essadelimitao da correlao a eventos observadosnos extremos da srie estmulo e resposta afastaa anlise do comportamento do interesse pelamediao de estruturas localizadas no sistemanervoso. A crtica de Mach e Bridgman aossupostos mecanicistas de um meio necessrio propagao ou conduo de efeitos causaispode ser relacionada no considerao de

    estruturas mediadoras na anlise docomportamento (p. 33).

    Skinner tambm se aproxima das propostascrticas ao mecanicismo na Fsica no que tangea: 1) sua definio operacional do conceito dereflexo; 2) uma noo de explicao que a iguala de descrio, e 3) o abandono da noo decausalidade mecnica e a nfase sobre oestabelecimento de relaes funcionais entreeventos observados. Como o prprio Skinner

    afirmou, referindo-se ao incio de sua carreira:meu compromisso era com o empiricismo deErnst Mach (Skinner, 1989/1995c, p.149).

    A noo de cincia que parece guiar osprimeiros trabalhos de Skinner, assim, devemuito a Mach e a Bridgman. A nfase sobre oemprico e sobre as experincias concretasvivenciadas pelo cientista, a afirmao daindissociabilidade entre as operaes

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    3 The concept of the reflex inthe description of behavior(O conceito do reflexo nadescrio do comportamento)

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    empregadas na investigao e o conhecimentoobtido e a sustentao da cincia como discursomais eficiente: todas essas noes presentesno pensamento skinneriano devem muito

    influncia dos dois fsicos.

    Nesse perodo inicial, tambm devem serressaltados ao menos dois aspectos dopensamento skinneriano que viriam a serbastante modificados (Micheletto, 2001). Emprimeiro lugar, Skinner ainda supe que, naanlise do comportamento, deve-se buscarestabelecer uma relao do comportamentocom algum evento anterior que provocariaaquela determinada resposta. Isso parece estar

    associado, ainda, a um demasiadocomprometimento com o conceito de reflexo(reconhecido, mais tarde, pelo prprio Skinner[Skinner, 1989/1995b]). Em segundo lugar, opensamento de Skinner aparece, nessa poca,ainda fortemente associado a um supostoatomizador. As aes humanas, a includasas mais complexas, seriam todas constitudaspor partes menores (os reflexos); estas deveriamser detectadas e compreendidas, e deveriamser elaboradas leis que descrevessem a

    combinao dessas partes. Essa viso moleculardo comportamento, alm de acarretar umasimplificao, acaba por postergar o estudo deprocessos mais complexos do comportamentoou por minimizar sua importncia.

    fundamental notar, ainda, que muitasconcepes ou foram abandonadas ou sofreramalteraesj durante o decorrer desse perodo.Em 1935, por exemplo, Skinner abandona ahiptese de que o questionamento da relao

    entre o conhecimento e o real seria semsentido (o que o afasta de Mach e Bridgman)(Micheletto, 2001). Skinner passa a entendero processo do conhecer como fruto da relaoentre uma realidade independente e umsujeito ativo que opera sobre ela a partir dosseus procedimentos de investigao (com seusrespectivos limites e possibilidades). Em 1937,alm disso, com a elaborao do conceito deoperante, ele descarta a necessidade de, para

    qualquer ao, identificar-se um eventoantecedente que a provoque. Como o prprioSkinner coloca:

    A ao de um estmulo em eliciar uma respostaera um bom exemplo de controle, e vrioscomportamentalistas permaneceramcomprometidos com alguma verso doesquema estmulo-resposta por muitos anos;mas, de acordo com meus experimentos, o queacontecia depois que um organismo secomportava desempenhava um papel muitomais importante do que o que acontecia antes(Skinner, 1989/1995b, p. 176, grifo do autor).

    Por fim, vale ressaltar que, apesar da influnciada Biologia sobre suas concepes de cincia ecomportamento s aparecer maismarcadamente no perodo final de sua obra,desde essa poca Skinner se refere importncia dessa disciplina na sua formaointelectual. O fato de seu doutoramento tersido associado, alm do departamento dePsicologia, tambm ao de Fisiologia aponta isso.A influncia das idias do biofisiologista JacquesLoeb, alm do mais, vastamente reconhecida

    (Hackenberg, 1995), inclusive pelo prprioSkinner (1989/1995b), que, ao tratar das fontesdo seu livro The Behavior of Organisms: anExperimental Analysis

    4, comenta: Eu queria

    estudar o comportamento de um organismoabsolutamente sem qualquer referncia vidamental, e isso era Watson; eu tambm desejavaevitar referncias ao sistema nervoso, e isso era Jacques Loeb, e, logo em seguida: emHarvard eu fui para os laboratrios biolgicosde W. J. Crozier o principal discpulo de Loeb

    para quem Loeb dizia que tinha ojeriza aosistema nervoso (p. 164).

    1953: cincia ecomportamento humano

    Seguindo o desenvolvimento da obra de Skinner,cabe questionar se, em 1953, com a publicaode Cincia e Comportamento Humano, suasconcepes de cincia e comportamento

    Por fim, valeressaltar que,

    apesar dainfluncia da

    Biologia sobre suasconcepes de

    cincia ecomportamento

    s aparecer maismarcadamente no

    perodo final desua obra, desde

    essa poca Skinner

    se refere importncia dessa

    disciplina na suaformao

    intelectual.

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    4 O Comportamento dosOrganismos: uma Anlise

    Experimental.

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    humano teriam se diferenciado das de seuperodo inicial. Outras influncias sobre o seupensamento podem ser vislumbradas? Queoutras concepes prprias podem ser a

    destacadas?

    Logo nas primeiras pginas do livro, naApresentao da edio brasileira, Skinnerenfatiza a necessidade de o conhecimento sertil e ter um significado prtico. Para ele, acincia poderia e deveria ser um corretivopara os problemas humanos (Skinner, 1953/1970, cap. I). Esse argumento uma constanteem toda a obra de Skinner. Suas principaisjustificativas para o empreendimento de uma

    cincia do comportamento humano so osresultados prticos para a sociedade da anfase na predio e no controle. Essa idianos serve para, primeiramente, ressaltarmos aimportncia da cincia para a sociedade nopensamento skinneriano.

    Cabe indagar, porm, a que cincia ele serefere. Como essa cincia se realizaria, paraSkinner? Quais seriam suas caractersticas?

    Sobre cinciaInicialmente, j no primeiro captulo da obra,Skinner afirma que a cincia seria uma tentativade descobrir ordem no mundo, de relacionarordenadamente alguns acontecimentos comoutros. A busca de ordem, porm, no seriaapenas o objetivo da cincia, seria tambm umpressuposto seu. Para se buscar relacionarordenadamente acontecimentos do mundo,tem-se que, primeiro, supor que esses

    acontecimentos j sejam, de alguma forma,ordenadamente relacionados entre si.

    Os objetivos da cincia seriam, assim, adescrio, a previso e o controle. Note-se queSkinner no menciona a explicao como umdos objetivos da cincia como muitos autoreso fazem. Podemos atribuir essa atitude noomachiana da equivalncia entre descrio eexplicao.

    No segundo captulo do livro (Uma cincia docomportamento), Skinner passa a discutir, demodo mais prolongado, as caractersticas dacincia como ele a entende. Logo no incio,

    por exemplo, o autor comenta: Como apontouGeorge Sarton, a cincia nica ao mostrarum progresso acumulativo (Skinner, 1953/1970, p.15, grifo nosso), isto , para Skinner,os resultados tangveis e imediatos da cinciapoderiam ser comparados de modo a se mostrar,por exemplo, que a eficcia da cincia moderna muito superior da cincia grega. Esse carteracumulativo, no entanto, no parece estarnecessariamente associado a nenhuma idia deaproximao inexorvel da verdade ou de

    desvelamento de um mundo separado dosujeito conhecedor prximas de uma posiopositivista clssica. De acordo com asconcepes de Mach e do pragmatismo comas quais Skinner efetivamente mais se aproxima a inveno de conceitos que tivessem porbase novas experincias apenas equivaleria adoo de aes mais adaptativas em relao aum ambiente historicamente determinado (porex. Baum, 1999; Tourinho, 1996), ou seja, sealguma noo de verdade for atribuda a

    Skinner, a definio mais razovel seria a deverdade como efetividade no agir sobre omundo. De fato, mais para o fim do captulo, oprprio Skinner, citando Mach, caracteriza acincia como a busca de um agir mais eficienteno mundo.

    Em seguida, Skinner comenta que a cinciaproduz acumulaes organizadas deinformao. O que lemos, quando estudamosfsica, qumica ou biologia, seriam bons

    exemplos de tais acumulaes. Ele ressalta,no entanto, que no podemos tomar a presenadesses resultados especficos da cincia(conceitos, leis e teorias da Fsica, da Qumicaou da Biologia) em outros campos do sabercomo indicadores fidedignos de que tambma se utilizou o mesmoprocesso cientfico deinvestigao. Essas acumulaes no so acincia mesma, mas os produtos da cincia(Skinner, 1953/1970, p. 15), isto , se a cincia

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    deve visar, sim, produo de tais acumulaesorganizadas de informao o que tambmnos remete noo de economia conceitualde Mach a importao de conceitos de outras

    disciplinas cientficas no pode ser tomadacomo garantia de cientificidade.

    Logo a seguir, o autor cita alguns outros aspectoscomuns a diversas cincias e importantes paraa prtica cientfica, mas que no poderiam sertomados como caractersticas definidoras,essenciais, da cincia: a medida exata, o clculomatemtico e uso de instrumentos (aparelhosde pesquisa ou instrumentos matemticos).

    Desses comentrios, podemos comear aconstruir uma imagem da prtica cientfica comoum empreendimento singular, acumulativo ecapaz de dar conta de todos os fenmenosnaturais a partir da mesma abordagem. Essaltima idia a de que uma mesma abordagempode dar conta da totalidade dos fenmenosnaturais porm, no deve ser entendida comouma recomendao para o uso dos mesmosmtodos e muito menos dos mesmosconceitos em todas as disciplinas. As

    caractersticas essenciais da cincia para Skinner,e que deveriam, estas sim, ser adotadas para oestudo de qualquer assunto, no sodeterminados conceitos, instrumentos oumtodos rgidos, mas, sim, atitudes. Como oprprio Skinner (1953/1970) comenta: Acincia , antes de tudo, um conjunto deatitudes (p. 15). Estas poderiam ser resumidasnas trs seguintes:

    a nfase nos fatos, nos dados, no emprico

    o que deveria levar rejeio da autoridadee dos desejos do pesquisador quando estesinterferem no contato com a natureza;

    a honestidade intelectual ressaltadatambm por Bridgman (que Skinner cita nesteponto);

    e o afastamento de concluses prematuras.Mais frente, em outros captulos, o autor

    continua a enumerar outras caractersticas dasua concepo de cincia. Skinner cita oabandono do conceito de relao de causa eefeito em favor do de relao funcional. Para

    ele, a cincia estudaria mudanas nas variveisindependentes e dependentes. Os novostermos, continua, no sugerem como umacausa produz um efeito. Nesse ponto, parecenovamente clara a influncia de Mach.

    O estudo cientfico docomportamento humano

    Uma compreenso mais clara da noo decincia desenvolvida por Skinner nessa obrapode ser obtida a partir das suas concepessobre o estudo (cientfico) do comportamentohumano.

    Ao tratar do tema, Skinner comea enfatizandoa extrema complexidade desse objeto de estudo.Ressalta que essa uma das objeesnormalmente levantadas contra a possibilidadede uma cincia do comportamento e descarta-a por considerar que: 1) da complexidade nose segue a autodeterminao (Skinner, 1953/1970, p. 20); 2) nada se pode afirmar sobre oslimites das investigaes desse objeto at quetenhamos tentado, e, mais importante, 3) pode-se simplificar as condies em laboratrio ouatravs de anlises estatsticas. A importnciadas tcnicas experimentais e matemticas parao estudo do comportamento (mesmo semserem consideradas essenciais), aqui novamenteressaltadas pelo autor, deve ser marcada comouma das caractersticas do seu pensamento. O

    estabelecimento de relaes quantitativas entreas variveis em estudo, obtidas aps umadequado controle das condiesexperimentais, parece ser a via privilegiada dedescrio cientfica para Skinner. No estudo dasvariveis que controlam o modo como osorganismos se comportam, assim, qualquercondio ou evento que tenha algum efeitodemonstrvel sobre o comportamento deve serconsiderada (Skinner, 1953/1970, p. 21). Essas

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    Em suma, emCincia eComportamento

    Humano, delineia-se umaconcepo maiscompleta decincia, queapresenta diversascontinuidadescom as noes do

    perodo inicial.

    condies (ou eventos) deveriam serdescobertas e analisadas, preferencialmente, deforma quantitativa.

    Tendo delimitado o tipo de anlise que a cinciadeveria empreender, o autor passa a especificarmais claramente quais seriam as variveis dasquais o comportamento funo. As variveisa serem consideradas deveriam ser aquelas aoalcance de uma anlise cientfica, aquelas que

    esto fora do organismo, em seu ambienteimediato e em sua histria ambiental. [Aquelasque] Possuem umstatus fsico para o qual astcnicas usuais da cincia so adequadas e

    permitem uma explicao do comportamentonos moldes da de outros objetos explicadospelas respectivas cincias (Skinner, 1953/1970,p. 26, grifo do autor).

    E quanto s variveis ou condies internas(tanto psicolgicas quanto fisiolgicas)? Qual oseu papel numa cincia do comportamento?Essa uma questo fundamental e recorrentena obra de Skinner. Lembremos que uma desuas convices ao comear a estudar o

    comportamento, j na dcada de 1930, eraestudar o comportamento do organismo comoum todo, sem recorrer a estruturas fisiolgicasou psicolgicas mediadoras. Vamos alongar-nosum pouco nesse ponto, tratando do modo comoo autor lida com ele em 1953.

    Seu argumento parte da afirmao de que arelao do organismo com o ambiente podeser entendida como o encadeamento causalde trs elos: uma operao externa ao

    organismo (por ex., privao de gua), umacondio interna (por ex., sede fisiolgica oupsicolgica) e uma resposta (por ex., bebergua). Assim, teoricamente, poderamos prevero terceiro elo a partir do segundo. Lidar com ascondies internas do organismo (queprecedem imediatamente ao comportamento)seria inclusive prefervel, do ponto de vista dapreviso e do controle, por ser essa uma variveltemporalmente prxima. O problema com esse

    tipo de varivel que no temos ainda comoobter dados independentes e confiveis sobreela. Da, que, em geral, infere-se o segundo eloou do primeiro ou do terceiro. Para o autor,

    esse o mtodo mais censurvel, tanto prticaquanto teoricamente.

    Mesmo que consegussemos contornar talproblema e manipular com segurana ascondies internas que precedemimediatamente o comportamento, porm,ainda teramos de lidar diretamente comaquelas enormes reas do comportamentohumano controladas atravs da manipulao doprimeiro elo (Skinner, 1953/1970, p. 28). Sua

    concluso que A objeo aos estadosinteriores no a de que eles no existem,mas a de que no so relevantes para umaanlise funcional (p.28). As informaes sobreo segundo elo dessa cadeia podem esclarecera relao entre os outros dois elos que ,esta sim, til para a previso e o controle mas no podem alterar essa relao.

    Em suma, em Cincia e ComportamentoHumano, delineia-se uma concepo mais

    completa de cincia, que apresenta diversascontinuidades com as noes do perodo inicial.A adeso a definies operacionais e a umaconcepo de explicao que a iguala dedescrio de relaes funcionais entre variveispermanece como uma herana j daqueleperodo. Skinner tambm parece manter umaconcepo da cincia como um modo deproduo de conhecimento que no serestringiria a alguns objetos de estudo, queabarcaria tanto a Fsica quanto a Biologia e aPsicologia, por exemplo. O que aparece denovo em 1953 a afirmao mais clara dacincia como meio privilegiado de intervenona realidade, de resoluo de problemas sociais.Uma cincia do comportamento seria umanecessidade para a soluo dos problemassociais e tiraria da uma de suas principaisjustificativas.

    Aqui, Skinner tambm aborda maisespecificamente o comportamento humano, e

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    a podemos ver todo um campo de discussoque, pelo menos, no era explcito no incioda sua carreira. Um conjunto de concepesprprias utilizadas na abordagem desse objeto

    torna-se aqui de grande importncia: o conceitode comportamento operante amplamenteutilizado e chega a ser predominante no livro;as anlises que utilizam o conceito decomportamento verbal tambm soabundantes; a importncia do comportamentosocialpara as aes humanas destacada (todauma seo do livro O comportamento depessoas em grupo dedicada ao assunto),e as questes relativas descrio, evoluo eplanejamento de culturasocupam outra grande

    parte do livro. Skinner ressalta, alm do mais,a extrema complexidade desse objeto deestudo afirmao tantas vezes omitida porseus crticos e sugere, para lidar com isso, asimplificao experimental das condiesenvolvidas. Vale a pena notar que, apesar de acincia do comportamento a que Skinner serefere durante todo o livro ser a AnliseExperimental do Comportamento, suasinterpretaes e comentrios extrapolamgrandemente o escopo das investigaes

    produzidas nesse mbito.

    As influncias da biologia e ospontos fundamentais daproposta skinneriana sobre acincia e o comportamento

    Podemos perceber, ao longo dodesenvolvimento da obra de Skinner, umaampliao da suaconcepo de objeto de

    estudo (Micheletto, 2001). Um primeiro marcoimportante nesse sentido a elaborao doconceito decomportamento operante,em 1937.Com este, o sentido da ao dos organismosse amplia para englobar a operao dosorganismossobre o mundo e o efeito das suasconseqncias sobre as aes futuras.

    Um segundo momento que podemos destacar aquele em que Skinner explicita mais

    claramente as diferenas entre o seu projeto decincia e os dos outros comportamentalismos,com a publicao do artigo The operationalanalysis of psychological terms,

    5em 1945

    (Tourinho, 1987). a que fica bem marcada suaoposio a uma concepo de verdade porconsenso pblico (acatada pelocomportamentalismo metodolgico). A aceitaode um fenmeno ou de um conceito por umacincia do comportamento no mais vinculadaa sua acessibilidade a pelo menos duas pessoas;o fundamental passa a ser se o cientista podeoperar eficazmente com ele trata-se de umcritrio mais instrumental, pragmatista (Tourinho,1987). A interpretao

    6 postulada como um

    mtodo legtimo da cincia. ainda naquelemesmo artigo (de 1945) que Skinner, como umaderivao dessa sua concepo de verdade, deixaclaro que os eventos privados (conjunto deeventos e comportamentos que ocorrem sob apele do indivduo) incluem-se como objetoslegtimos de estudo de uma cincia docomportamento.

    Um terceiro momento significativo no processode ampliao do seu objeto de estudo envolve

    a incorporao do comportamento verbal e daimportncia do ambiente social para o estudodo fazer humano que pode sersimbolicamente marcado pelo lanamento dolivro O Comportamento Verbal (Skinner,1957/1978), mas que j se encontra presenteao menos desde 1953 (Skinner, 1953/1970). a que toda uma ampla gama de aspectos daao humana vai ser definitivamente abarcadapelo pensamento skinneriano: questes relativas cultura, moral, dinmica da prpria

    comunidade cientfica, etc.

    Paralelamente expanso do objeto de estudo,vamos assistir tambm a uma ampliao dasdeterminaes do comportamento alegadas porSkinner. Partindo de uma determinao maisrestrita e imediata logo no comeo de sua obra(associada sua nfase inicial no conceito dereflexo), passando por uma ampliao com ainveno

    7do conceito de operante (j presente

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    5 A anlise operacionalde termos psicolgicos.

    6 Entendida como a aplicao de princpios cientificamente compro-vados como efetivos (nainvestigao de fenmenos menos complexos) aassuntos mais complexos, sobre os quais o conhe- cimento existente no suficiente para tornar apreviso e o controle poss-veis (Tourinho, 1987).

    7 Ou descoberta, de acordocom a discusso de Mach(vide subtpico acima).

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    em 1953), a concepo da determinaoambiental do comportamento vai acabar sendodefinida (no perodo ps-1953) como resultadoda interao entre as histrias filogentica

    (seleo natural), ontogentica(condicionamentos) e cultural (evoluocultural) do indivduo.

    Tais mudanas no modo de encarar a aohumana expanso do objeto de estudopertinente a uma cincia do comportamento eampliao de suas determinaes podem serentendidas como resultado de uma influnciacrescente da Biologia sobre o pensamento de

    Skinner. Segundo Micheletto (2001):

    Esse novo significado dado ao fazer se vinculas influncias das cincias biolgicas,especificamente a teoria da evoluo porseleo natural, que trazem para ocomportamento um novo conjunto depressupostos. As referncias aos supostos dateoria da evoluo por seleo natural comeama aparecer a partir da distino entre reflexosrespondentes e operantes. A vinculao com a

    seleo natural vai ficando cada vez maisexplcita e abrangente. Se de incio Skinnerbusca na seleo natural os princpios queorientam sua concepo de objeto,gradualmente esses princpios se estendem prpria noo de causalidade (p. 38).

    Seriam ao menos quatro as caractersticas dasespcies propostas por Charles Darwin queteriam contribudo para a noo skinneriana de

    comportamento (Micheletto, 2001): 1) elas noso imutveis ao contrrio, so produtosmomentneos de um constante processo detransformao; 2) a variabilidade interna umacondio essencial para a evoluo, a seleo(sobrevivncia) de variedades mais bemadaptadas ao ambiente; 3) essa seleo ocorrea partir da utilidade, da eficincia de umavariao em relao a um dado ambiente; 4)os organismos no podem ser entendidos

    isoladamente do ambiente em que vivem, aincludas suas relaes com outros membrosda espcie e com outras espcies distintas. Soesses mesmos supostos bsicos que

    encontramos na concepo de comportamentode Skinner, que o considera um objeto: 1) emconstante transformao; 2) essencialmentevariado (cada instncia de comportamento, cadaresposta particular, nica, no igual anenhuma outra); 3) que tem suas unidadesselecionadas por sua eficincia em lidar com omundo, e 4) que no pode ser entendido semreferncia ao ambiente em que ocorre(gentico, fsico e social).

    A influncia das cincias biolgicas tambm seestende noo de causalidade adotada porSkinner aps a elaborao do conceito deoperante (Micheletto, 2001). A noo deseleo pelas conseqncias implicou, desdeo incio de seu uso por Skinner, um afastamentoainda maior de uma causalidade mecanicistado comportamento. Pelo menos doisimportantes aspectos podem ser enumeradospara confirmar tal assertiva: a seleo pelas

    conseqncias uma forma de causalidademuito menos visvel do que aquela da Fsica dosculo XIX (e muito mais complexa), e umaforma de combater as noes metafsicas quese infiltraram na mecnica clssica e queorientaram concepes mentalistas de umamente criadora (Micheletto, 2001). Valelembrar que essa forma de causalidade foiestendida por Skinner aos trs nveis dedeterminao do comportamento (filognese,

    ontognese e cultura) todos explicados emtermos selecionistas (Tourinho, 2003).

    Consideraes finais

    Em suma, podemos perceber que, desde oincio de sua obra, Skinner se alinha aconcepes crticas ao mecanicismo. Isso o levaa abandonar desde cedo a necessidade dereferir-se a mecanismos fsicos para dar conta

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    da relao entre as operaes do ambientee a ao humana (suas crticas vo dirigir-seespecialmente a referncias ao sistemanervoso, real ou hipottico). Seguindo as

    concepes de Mach e Bridgman, acausalidade mecnica criticada esubstituda pela busca de relaes funcionaisentre variveis. Tambm o modo como osconceitos so definidos proposto de formaa evitar os problemas do mecanicismo e apromover uma nfase sobre os dadosempricos. O operacionismo de Bridgman levaSkinner a elaborar conceitos tendo semprecomo base as operaes prticas envolvidasna sua mensurao.

    Alm dos princpios da anlise funcional edo operacionismo, tambm fundamentalpara o seu recorte bsico de abordagem realidade, desde o incio de sua obra, aadoo do externalismo. Para Skinner, asvariveis que deveriam ser consideradas nasrelaes funcionais envolvidas na aohumana seriam aquelas externas ao organismoem estudo, aquelas relativas a seu ambiente,variveis essas que tambm deveriam ser

    passveis de descrio pelas cincias naturais.

    O objeto de estudo para o qual esse modode investigao se volta o comportamentoou a ao humana visto de modo cadavez mais complexo ao longo da obra deSkinner. Comeando com estudos restritosaos reflexos e associados a uma causalidadelimitada aos eventos anteriores maisimediatos, Skinner passa a investigar ocomportamento operante, o comportamento

    verbal e social e mesmo prticas culturaismais amplas, baseando-se numa perspectivaselecionista e na multideterminao dohumano. Em ltima instncia, o objeto a queSkinner atribui a sua cincia docomportamento pode ser entendido comoo resultado da inter-relao de processosseletivos operando em trs nveis: filogentico(relativo espcie), ontogentico (relativoao indivduo) e cultural (relativo sociedade),

    um objeto que, dessa forma, s pode serdevidamente compreendido na suasingularidade e levando-se em consideraosuas diversas relaes e nveis de

    determinao.

    Dada a extrema complexidade docomportamento humano, uma cincia quese volte para ele deve, segundo Skinner, valer-se de algumas ferramentas que lhe faciliteo contato com esse objeto. Nesse sentido,seriam importantes para a sua investigao:

    uma busca pelo controle e simplificaodas condies envolvidas (que poderia ser

    entendida como uma preferncia pelaexperimentao);

    uma busca por descries quantitativas dasrelaes funcionais, especialmente em termosde freqncia e probabilidade;

    atitudes de honestidade intelectual e cautelano estabelecimento de concluses;

    a adoo dapreviso e do controle como

    critrios lt imos de val idao doconhecimento.

    Um ltimo (e fundamental) ponto no que serefere cincia do comportamento propostapor Skinner parece estritamente relacionado aum dos dilemas mais prementes de nossos dias:o da tica da investigao e da prtica cientfica.Skinner sempre justificou (e lutou) por umacincia do comportamento com base na crenade que ela poderia ajudar na resoluo da

    maioria dos grandes problemas com que nossacultura convive. Para ele, o sentido ltimo doempreendimento de uma anlise docomportamento no era terico, mas prtico:o objetivo final dessa cincia seria o depromover asobrevivncia da cultura (Dittrich,2004). Os analistas do comportamento, assim,deveriam voltar-se sempre para odesenvolvimento de uma cincia e de umaprofisso voltados para tal fim.

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    Recebido 27/05/05 Aprovado 29/09/05

    Referncias

    Angelo Augusto Silva Sampaio

    Graduando de psicologia pela Universidade Federal da Bahia(UFBA).Av. Euclydes da cunha, 443, apt. 801, edf. Manso wimbledon.

    Graa. Salvador ba, brasil. Cep: 40150-120. Tel: (71) 3247-7150.

    E-mail: [email protected].

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