São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

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I RISANDA DOS REIS SOARES SÃO VICENTE DE CABO VERDE NO PÓS-GUERRA (1945-1960) Orientador: Doutor Maciel Santos, Professor Catedrático UNIVERSIDADE DO PORTO - FACULDADES DE LETRAS Porto 2009

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Risanda Soares e Maciel Santos - São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)- A ilha de São Vicente foi socialmente a mais recente do arquipélago, devendo o seu desenvolvimento ao impulso da revolução industrial europeia no séc. XIX e a presença inglesa, nomeadamente com a implementação das companhias de carvão. No contexto do pós-guerra assiste-se ao aprofundar da crise que se vivia em São Vicente, ilha completamente dependente da actividade portuária, que somente viria a conhecer sinais de melhorias a partir dos anos cinquenta do século XX. Fez-se essa delimitação temporal do trabalho (1945-1960), porque procura-se relatar até que ponto e como os efeitos do póa-guerra fizeram-se sentir na vida socieconómica da ilha de São Vicente, e até 1960 por ser um período de viragem na história dos países africanos, com os movimentos de emancipação.

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I

RISANDA DOS REIS SOARES

SÃO VICENTE DE CABO VERDE NO

PÓS-GUERRA (1945-1960)

Orientador: Doutor Maciel Santos, Professor Catedrático

UNIVERSIDADE DO PORTO - FACULDADES DE LETRAS

Porto

2009

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II

RISANDA DOS REIS SOARES

SÃO VICENTE DE CABO VERDE

NO PÓS GUERRA (1945-1960)

Orientador: Doutor Maciel Santos, Professor Catedrático

UNIVERSIDADE DO PORTO - FACULDADES DE LETRAS

Porto

2009

Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Mestre em Estudos Africanos – área histórica no curso de mestrado em Estudos Africanos, conferido pela Universidade do Porto

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III

Agradecimentos

À Universidade do Porto – Faculdade de Letras, pela iniciativa e por acreditar na

realização de mais um Mestrado em Cabo Verde, bem como aos docentes por todo essa

aprendizagem, pela força e pelas palavras de incentivo.

Um agradecimento especial para o meu orientador Professor Doutor Maciel Santos a

todo o apoio dado na materialização desse trabalho.

Ao Msc. Isidoro Costa pela sua pronta disponibilidade, apoio e palavras de incentivo.

A todas as outras pessoas que tiveram a paciência de me ouvir e pelos sábios

conselhos/contributos que muito ajudaram para melhorar o resultado desse trabalho.

E os últimos, mas sempre os primeiros, a minha família em especial aos meus pais:

Antónia Soares e Jorge Soares por toda a dedicação, confiança, apoio, incentivo e o

esforço que sempre fizeram para que seus filhos tivessem a formação e oportunidades

que eles não foram possível ter.

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IV

“ Para começar um grande projecto é preciso valentia.

Para terminar um grande projecto é preciso perseverança.”

Autor desconhecido

Dedicatória

Dedico este trabalho aos meus pais: Jorge e Antónia

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V

Resumo

A ilha de São Vicente foi socialmente a mais recente do arquipélago, devendo o seu

desenvolvimento ao impulso da revolução industrial europeia e a presença inglesa, com

a implementação das companhias de carvão.

Com o decréscimo do movimento das embarcações e as crises agrícolas que ocorreram

nos anos quarenta a ilha ficou numa situação bastante difícil tendo-se solicitado a

metrópole vários apoios que seriam empregues na realização de obras. No entanto as

respostas tardias fizeram com que muitas pessoas saíssem a procura de sustento para as

suas famílias, dirigindo a emigração para o exterior nomeadamente para a colónia de S.

Tomé, na condição de contratados. A maior parte dos que ficaram não resistiram e

fizeram aumentar o número de mortalidade na ilha.

Nesse contexto do pós-guerra assiste-se ao aprofundar da crise em São Vicente, que

somente viria a conhecer sinais de melhorias a partir dos anos cinquenta do século XX,

altura que a produção agrícola em Cabo Verde melhora bastante de vido as chuvas e

paralelamente começam a chegar ajuda financeira a metrópole através dos Planos de

Fomento, destinados ao desenvolvimento económico da metrópole e das colónias.

Face a essa conjuntura manifesta-se a vontade de muitos entusiastas a favor da

atribuição á Cabo Verde do estatuto de colónia adjacente, como forma da metrópole

assumir com mais eficácia e prontidão os problemas da colónia. No entanto, após

muitas discussões nada foi feito até a independência da colónia.

De forma a enriquecer melhor o trabalho recorreu-se a análise de composições antigas

que retratam a vivência social da ilha, evidenciando todos os pontos importantes do

trabalho que ora se apresenta.

Palavras-chaves: Colónia, São Vicente, II Guerra Mundial

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VI

Abstract

From the historical and social point of view, São Vicente island is the last to be settled

in the Archipelago of Cape Verde. Its development in the 19th century is closely related

the Europeand Industrial Revolution and the British presence on the island, especially

due to the establishing of coaling companies.

With the decline of the port movement and frequent agricultural crises in the 1940’s, the

island fell into a deep economical depression. Several times, help and investments in the

port infrastructure were solicited from Portugal. However, insufficient and late response

of metropolis caused massive emigration of contracted laborers, especially to the colony

of São Tomé. Many out of those who stayed on São Vicente perished.

This profound economical crisis on São Vicente is only to be attenuated in the 1950’,

due to more abundant rainy seasons and financial help through Planos de Fomento

which goal is to boost economical development of the colonies.

In this more favorable context, there is a growing movement in favor of the attribution

to Cape Verde of a status of ‘adjacent colony’ as a way to make Portugal assume more

efficiently and rapidly the main problems of the colony. However, after a lot of debates,

nothing is done till the independence of the colony in 1975.

In order to enrich this thesis, I have analyzed lyrics of songs that depict the social life on

the island in order to better illustrate all the main points of the present work.

Key-words: colony, São Vicente, 2 World War

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Índice de Quadros

Quadro n.º 1 – Evolução da população de São Vicente (1807 a 1832)……...…………8

Quadro n.º 2 – Aprovação de Contas do Concelho de São Vicente 1946……...……..33

Quadro n.º 3 – Saldos das contas de exercício (1931/32-1947) ………………………34

Quadro n.º 4 – Aprovação de Contas – 1947 …………………………………………35

Quadro n.º5 – Investimentos em Cabo Verde – 1958 …………………………….......40

Quadro n.º 6 – Unidades Industriais em São Vicente (1946-1949) …………………..41

Quadro n.º 7 – Principais produtos exportados de Cabo Verde (1951-52) ……..….…42

Quadro n.º 8 – Distribuição verbas para as colónias de Cabo Verde – 1949 …………44

Quadro n.º 9 – Carga carregada segundo a nacionalidade das embarcações – 1947 a

1951 ……………………………………………………………………………………49

Quadro n.º 10 – Relações dos investimentos dos contratados nas diferentes colónias..59

Quadro n.º 11 – Emigração, Imigração e Retornados (1906 a 1973) …………….…..62

Quadro n.º 12 – Emigração Geral segundo as ilhas de precedência – 1945 a 1960 ….63

Quadro n.º 13 – Total dos nascimentos e Óbitos no concelho de São Vicente – 1945 a

1952 …………………………………………………………………………...……….65

Quadro n.º 14 – Eleições para deputados á Assembleia pelo círculo de Cabo Verde

(1949 a 1957) …………………………………………………………………….…….74

Quadro n.º 15 – Eleições para Presidente da República (1949 a 1958) ………………75

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VIII

Índice de Gráficos

Gráfico n.º 1 – Movimentos das embarcações – 1947 a 1951 …………………..…….48

Gráfico n.º 2 – Carga descarregada segundo a nacionalidade – 1947 a 1951 ………...48

Gráfico n.º 3 – Total de Nascimentos e Óbitos no Concelho de São Vicente – 1945 a

1952 ………………………………………………………………...………………….65

Índice de Figuras

Figura n.º 1 – Ilha de S. Vicente – 1945 ……………..……………………………….15

Figura n.º 2 – chegada do 1º Corpo de tropas expedicionárias portuguesas á Mindelo –

1942 ……………………………………………………………………………………24

Figura n.º 3 – Grupo do pessoal médico do Hospital Militar …………………………27

Figura n.º 4 – N/M Serpa Pinto trazendo o 1º corpo de tropas expedicionárias á

Mindelo ……………………………………………………………………..………….28

Figura n.º 5 – Interior do Mercado de Verduras – Mindelo – 1943 …………..………36

Figura n.º 6 – Consultório Hospital de Mindelo – 1943 ……………...…………...….47

Figura n.º 7 – Esquadra Britânica no porto de Mindelo - 1948 ………………..…….67

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IX

Índice Geral

I - Introdução ………………………………………………………………………..………… 1

II – A ilha de São Vicente e a chegada dos ingleses .…………..…………………..…………..4

1 – A política colonial portuguesa a partir dos anos 30. …………….………………….…16

2 – A questão do rearmamento das colónias e suas precursões na ilha de São Vicente …..23

III – A situação sócio-económica da ilha de São Vicente .....…………………………………29

1- O movimento das embarcações e das mercadorias em Cabo Verde .……………...….48

2- Movimentos Associativos de Assistência e de Classe ………………………………. 51

3 – O problema da adjacência ……………………………………………………………53

IV – As consequências da crise…………………………………………………..…………....57

1- Emigração …………………………………………………………………………….57

2 – Mortalidade…. ………………………………………………………………...…….64

3 - Repercussões da Guerra na Cultura Mindelense ……………………………….……68

a) Comportamento Eleitorais…………………………………………………...……68

b) Reflexos Culturais …………………….……………………………….…………76

V – Conclusão …………………………………………………………………………...……82

VI – Fontes Documentais …………………………………………………………………......85

VII – Anexo ……………………………………………………………………………………X

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1

I – Introdução

O presente trabalho de investigação cujo objectivo é a obtenção do grau de mestre em

Estudos Africanos tem como tema: São Vicente de Cabo Verde no Pós-guerra (1945-

1960).

Para desenvolver a pesquisa pretende-se servir do espaço geográfico e social da ilha de

São Vicente, estabelecendo as balizas cronológicas entre 1945 e 1960. A partir do ano

de 1945 porque procura-se relatar até que ponto e como os efeitos do pós-guerra

fizeram-se sentir em Cabo Verde e mais especificamente em São Vicente, e até 1960

por ser um período de viragem na história dos países africanos, com os movimentos de

emancipação.

As motivações que determinaram a escolha da ilha de São Vicente prendem-se com

razões pragmáticas e afectivas. Trata-se do espaço onde vivemos e onde dispomos de

algumas condições materiais objectivas para levar a cabo este empreendimento.

São Vicente é socialmente a ilha mais recente do arquipélago. Não se enquadrando nos

paradigmas de ocupação quinhentistas, o espaço só viria a ter população humana com

carácter de permanência entre finais do século XVIII e início do século XIX. A ilha só

foi povoada graças ao eclodir da revolução industrial, à corrida imperialista na qual o

seu porto serviu de palco para as estratégias de ocupação da África ao sul do Sara e das

índias.

Sob o impulso industrial e imperialista dos países do norte, desenvolveu-se em São

Vicente uma urbe voltada para a prestação de serviços aos navios que passavam pelo

seu Porto rumo ao Atlântico Sul. A cidade do Mindelo desenvolvia, tornou-se um dos

mais importantes pólos de desenvolvimento do país e da colónia com o seu Porto

Grande. À margem da actividade portuária, desenvolveu uma sociedade activa e

dinâmica com todas as características que se costuma designar de “sociedade de

cidades-porto”.

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2

No entanto, as inovações nas técnicas de navegação, a alteração nos combustíveis, o

desvio das rotas, são consideradas, entre outros, os factores que fizeram decair as

actividades em torno do Porto Grande e com elas a vivacidade da emergente sociedade

mindelense.

O arquipélago de Cabo Verde é caracterizado pela sua profunda vulnerabilidade face à

conjuntura mundial. As crises cíclicas, a escassez de recursos de vária ordem colocam

ao país sérios problemas de subsistência humana. Na ilha de São Vicente a situação é

agravada pela quase ausência absoluta de zonas irrigadas e com uma igualmente quase

absoluta escassez de chuva.

Neste sentido uma das medidas apoiadas pelo governo como forma de resolver a crise

foi a emigração, facilitando a saída para novos destinos nomeadamente para os países

da Europa.

O quadro traçado serve de pretexto para a análise da situação vivida pela sociedade

mindelense entre 1945 e 1960.

As repercussões da II Guerra Mundial são consideradas a priori, uma das grandes

causadoras do aprofundamento da crise vivida em São Vicente. Para além dos aspectos

estruturais e constantes, é de realçar o período das secas, designadamente a de 1946 a

1948 como outro factor que explica a estrutura da crise social em Mindelo.

A caracterização histórica - social do Mindelo nos anos imediatos ao pós-guerra obriga

a considerar várias dimensões, que determinam a articulação deste trabalho.

Assim, optou-se por seguir os pontos abaixo indicados:

� Contextualizar a ilha de São Vicente - onde se fez um levantamento histórico da

mesma, desde o povoamento até a vinda dos ingleses, nomeadamente os

condicionalismos da sua chegada, da sua vivência e do seu contributo para o

desenvolvimento de São Vicente nos diferentes sectores

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� Analisar a situação política, económica e social – onde se fez uma ligação entre

todos esses sectores, uma vez que estão intrinsecamente ligados, com a

problemática em estudo

� Analisar as consequências dessa crise

A metodologia utilizada baseou-se essencialmente no recurso as fontes escritas, tendo

sido analisadas fontes primárias cabo-verdianas e portuguesas, daquilo que dispomos na

Câmara Municipal de São Vicente, do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde e dos

arquivos de algumas instituições públicas.

Recorreu-se ainda as fontes orais, tendo sido entrevistados duas pessoas que relataram a

sua vida e a vivência social em São Vicente e os seus contributos foram enquadrados no

trabalho.

No entanto reconhece-se que muitas coisas ficaram por aprofundar devido a

indisponibilidade de deslocar ao Arquivo Histórico Ultramarino e ao Arquivo do

Tombo. Lamentamos que o Arquivo Histórico de Cabo Verde tenha poucas

informações para pesquisas científicas e ainda o facto de não dispor de muitos

documentos.

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II – A ilha de São Vicente e a chegada dos ingleses

Apesar de haver diversos debates e posições antagónicas em relação à descoberta das

ilhas de Cabo Verde, havendo historiadores que se posicionam na tese de que

anteriormente à chegada dos portugueses teriam aportado nessas ilhas, frotas de outras

nacionalidades, aceita-se a tese de que as ilhas de Cabo Verde foram descobertas em

Dezembro de 1460 (inicialmente cinco: Sal, Maio, Boavista, Santiago e Fogo) como

atesta a carta régia de 1460, redigida por D.Afonso V, indicando como autores desse

feito, António da Nola e Diogo Gomes (Albuquerque & Santos; 2001, vol.I:23 a 39).

Pouco tempo depois os colonos portugueses e escravos da costa ocidental africana

chegaram a Santiago e ao Fogo, dando assim início ao povoamento das ilhas de

Sotavento.

A Ilha de São Vicente somente viria a ser descoberta a 22 de Janeiro de 1462, tendo

sido doada ao Duque de Viseu, a título de dependência da Ilha de Santo Antão. Contudo

três séculos após o seu descobrimento a ilha ainda se encontrava desabitada.

A fraca presença e controlo do governo português na região norte do arquipélago de

Cabo Verde, ficou claramente demonstrada pelas incursões frequentes de muitos

estrangeiros. Nota-se o caso da presença constante de baleeiros americanos nos mares

de Barlavento, entre os meses de Novembro e Dezembro, altura em que cardumes de

baleia passavam por esta região, fugindo aos mares gélidos do rigoroso Inverno do

Atlântico setentrional (Silva, 2005:24-27).

“Alguns anos mais tarde o açoriano António Aniceto Ferreira, capitão-mor da ilha da

Boavista, regista o caso de uma embarcação americana, proveniente de Nantuket, que

tendo capturado cerca de 90 toneladas de baleia, derreteu parte delas dentro do

próprio Porto Grande de S. Vicente.” (Silva, 2005:27)

Umas vezes eventual outras de duração mais prolongada, holandeses e franceses

marcaram presença na ilha de São Vicente, antes da sua ocupação efectiva. Segundo

Correia e Silva (2005), os holandeses tiveram uma presença mais longa, cerca de quatro

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meses, datada de 1629, altura em que a frota holandesa se dirigia para a conquista da

cidade de Olinda no Brasil.

Nessa altura São Vicente era um campo de pastagem com uma aldeia denominada de

Nossa Senhora da Luz, constituída por pastores e alguns pescadores das ilhas vizinhas

de Santo Antão e São Nicolau.

Assume-se pelos poucos dados existentes que a primeira proposta de povoamento tenha

partido de uma iniciativa privada em 1734, quando um senhor de nome João Távora

propôs ao governo português um contrato de concessão onde ficaria assegurado a

ocupação e a fortificação do porto da ilha, por um período de 10 anos, podendo em

contrapartida desfrutar-se de todos os rendimentos que a ilha produzisse.

No entanto o governo português, na pessoa do Governador Bento Gomes Coelho, não se

mostrou interessado na altura tendo o Távora voltado o seu interesse e se instalar no

Brasil. (Almeida, 2009:8)

Seria a partir de 1781, que a coroa portuguesa teria iniciado as tentativas de povoamento

da ilha e como forma de atrair ocupantes efectivos para a mesma, limitando desta forma

a presença dos moradores da ilha de São Nicolau, Santo Antão e dos estrangeiros, que

aportavam a ilha sem autorização do governo português. “Uma concretização do

Decreto [elaborado em 1781] foi o Ofício do Ministro Martinho de Mello, que a 19 de

Dezembro de 1788 ordenou ao Governador [de Cabo Verde] a adopção de todas as

providências para que se levasse a efeito o povoamento de S. Vicente” (Fundo […],

1984:5)

Apesar de essa tentativa ter fracassado, a partir dessa data torna-se imperativo para a

coroa portuguesa o povoamento da ilha, tendo-se seguido várias tentativas.

No ano de 1794 começam a ser enviados da metrópole condenados que deveriam

cumprir as suas penas na ilha de São Vicente: “[…] o iate Bom Sucesso vindo de Lisboa

transportava presos, géneros e ferramentas destinadas à ilha de São Vicente. Tendo-se

naufragado à entrada da cidade, os presos aproveitavam para fugir, embarcando em

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navios estrangeiros, informou o Governador. Em Junho do mesmo ano chega outro iate

com presos que seriam transportados para «(…) as ilhas de barlavento que se reputam

de melhor clima (…) para dali passarem a povoar a ilha de S.Vicente, quando para

esse efeito se dirigirem as ordens necessárias (…)»” (Lopes, 2005:74)

Por ordem da carta régia de Julho de 1795 chegavam a ilha 20 casais e 50 escravos

vindos da ilha do Fogo e sob o comando de João Carlos da Fonseca Rosado, na altura

capitão-mór da referida ilha e pretendendo alargar as suas possessões interessa-se pelo

povoamento da ilha de São Vicente. Dois anos mais tarde chegariam mais colonos a ilha

do porto grande.

Rosado vai repartir as terras pelos colonos, e demarcas os terrenos da Câmara e ainda

determinar o perímetro da povoação. (Almeida, 2009:9)

No ano de 1797 o governador Marcelino António Bastos recebe ordens para proceder ao

povoamento da ilha pondo em prática o anteriormente estipulado na carta régia de 1795.

No final desse mesmo ano apresenta um relatório dando conta do estado das

sementeiras e as despesas efectuadas no transporte, compra de mantimentos e outros,

para além da chegada de presos vindo da metrópole. (Lopes, 2005:75)

Por sugestão do governador Marcelino António Bastos a povoação passa a ter o nome

de D. Rodrigo, em homenagem a D. Rodrigo de Sousa Coutinho antigo Ministro da

Marinha.

Muito embora se reconhecesse as boas condições que o Porto Grande oferecia, todas as

tentativas de povoamento conhecera o seu fracasso devido as condições naturais

adversas que a ilha apresentava (calamidades naturais), que provocavam a morte e

fomes da pouca população que aí se estabelecia.

O empreendimento de João Carlos do Rosado fracassou em 1814, devido a grandes

dificuldades causadas pelos períodos de seca e consequentemente a população não tinha

como sobreviver. Seguiu-se ainda o Inácio de Melo que após ter exposto ao Governador

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Geral a situação da ilha solicita autorização para administrar a ilha e apoio urgente as

poucas pessoas ainda estavam na ilha. (Lopes, 2005:76)

Em 1819 segue-se mais uma tentativa de povoamento, desta vez sob a iniciativa do

então Governador António Pusich, levou para a ilha 56 famílias pretendendo reforçar a

ideia de que São Vicente poderia ter as condições para ser a capital do país, numa altura

onde o governo da capital do país sediada na Praia viajava frequentemente para São

Vicente, fugindo as más condições climáticas sazonais da capital do país.

Pusich altera o nome da povoação e passa a ser designado de Povoação D. Leopoldina

em homenagem a imperatriz Maria Leopoldina da Áustria, esposa de D. Pedro IV.

No entanto 3 anos depois Pusich vê falhado a sua tentativa de povoamento não obstante

as várias “injecções” de fundos como forma de manter a povoação na ilha. (in Cabo

Verde - Boletim de Propaganda e Informação, Ano V, nº 62, 1 de Novembro de 1954)

Como forma de incentivar o povoamento estabelece-se uma nova legislação em 1834,

concedendo benefícios nomeadamente a concessão gratuita de terrenos por aforamento

e isentos de dízimos durante 10 anos, mas em contrapartida o concessionário deveria

construir alguns edifícios administrativos essenciais a dinamização e efectivação do

povoamento da ilha e também erigir uma igreja, para além de outras regalias. (Lopes,

2005:78)

Até o ano quarenta do século XIX a população da ilha de São Vicente não chegava ao

meio milhar, conforme nos elucida o quadro n.º 1, demonstrativo dos fracassos dos

empreendimentos para a construção da mais nova cidade do arquipélago. De 1807 a

1827 a população cresceu no total de 5 pessoas, para nos 5 anos seguintes crescer para

mais 95 pessoas. Esta análise deve ser considerada tendo em conta as permanências e

saídas quando as condições de sobrevivência na ilha mostravam-se intransponíveis.

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Quadro n.º1 – Evolução da População em São Vicente de 1807 a 18321 ANO Nº População

1807 200

1827 205

1832 300

Apesar do decreto ministerial de 1838 estabelecer que o governo da metrópole deveria

mudar para a ilha de São Vicente, tal nunca efectivamente aconteceu devido as

resistências dos habitantes da Santiago em aceitar tal decreto2. (Almeida, 2009:12)

Vinte anos depois, por decreto régio, reforça-se as medidas de povoamento, altura onde

o povoamento ainda não tinha conhecido os objectivos desejados, inclusive o

estabelecimento de residências de acolhimento dos comerciantes e o fraco número de

pessoas com residência efectiva, cenário que iria mudar no final do século XX.

No processo de colonização e desenvolvimento da ilha de São Vicente estiveram

presentes duas grandes influências externas: a Britânica e a Portuguesa.

No entanto, esta última seria durante muito tempo inexpressivo. As autoridades

portuguesas mostraram-se incapazes de proteger esta ilha da presença de piratas e

corsários e optaram por deixar a ilha nas mãos dos investimentos e presença inglesa,

como a seguir se descreve.

Nos finais do séc. XVIII a Revolução Industrial na Inglaterra conhece um novo

dinamismo que fez acelerar a sua produção industrial. O desenvolvimento técnico,

1 Demografia Cabo-verdiana: subsídios para o seu estudo, Praia, Instituto Caboverdiano do Livro, Praia, 1985 2 A 11 de Junho de 1838 publicou-se o decreto-lei que determinou que: “A cidade do Mindelo será a capital das ilhas de Cabo-Verde, e como tal residirá nella o respectivo Governador Geral e as principais autoridades desta província.” Esta decisão deveu-se ao facto de na altura, a ilha de São Vicente apresentar melhores condições de vida do que a ilha de Santiago: “Causando gravíssimo prejuízo e transtorno à Administração publica da Província de Cabo Verde o retirarem-se em certos mezes do anno as principais Authoridades da Ilha de S. Thiago, aonde presentemente se acha fixada a Sede d´aquelle Governo, para se subtrahirem às moléstias que periodicamente se desenvolvem na mesma ilha, […] e por existir felizmente n´aquelle archipelago uma outra ilha, a de S.Vicente, que gosa de melhor clima e de outras vantagens, entre as quaes merece attenção o possuir um porto dos mais espaçosos e seguros da Monarchia: Hei por bem determinar que as principaes Authoridades do Governo Geral de Cabo Verde assentem residência permanente na sobredita ilha de S.Vicente.

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aliado à necessidade de aumentar o mercado comercial para a venda dos produtos

ingleses e de trazer matérias-primas das colónias, ocasionou a revolução no sector dos

transportes, entrando o navio a vapor nos mercados do mundo.

Esse novo meio de transporte, acarretava uma frequente manutenção e abastecimento.

Desta forma era necessária a criação de postos de abastecimento em locais estratégicos

e de fácil acesso, permitindo que os barcos tivessem mais espaço para as cargas

comerciais.

É neste contexto que os Ingleses começam a demonstrar o seu interesse meramente

comercial pela ilha de São Vicente. No primeiro quartel do século XIX, com total

permissão do governo português, enviaram hidrógrafos para fazerem um estudo mais

preciso das condições do porto de São Vicente. Em 1819, chegaram a ilha os

hidrógrafos Vidal e Mugde. Quase vinte anos depois, os ingleses conseguiriam a licença

para instalarem um depósito flutuante de carvão de pedra no porto do Mindelo, tendo

tido pouca duração. Seria nos finais dos anos trinta, que os ingleses iriam concentrar os

seus esforços no desenvolvimento do porto de São Vicente, aumentando

consideravelmente o fluxo de navios à ilha (Fundo […], 1984:6).

O interesse dos ingleses ficou somente pela ilha de São Vicente, devido às boas

condições geográfica e portuária, que não encontraram em nenhuma outra ilha deste

arquipélago, passando a servir de entreposto comercial e serviço postal entre Inglaterra,

América do Sul, África e Ásia.

A efectivação dessa presença inglesa na Ilha de São Vicente, teve início em 1838, altura

em que o Cônsul, Mr. John Rendall instalou na ilha a 1ª companhia inglesa, a East

India, criando assim o primeiro depósito de carvão e a instalação efectiva dos ingleses.

Nesta mesma altura, o Marquês de Sá da Bandeira decretou que a povoação na baía do

Porto Grande adoptasse o nome de Mindelo, em memória do desembarque do exército

liberal expedicionário de D. Pedro IV nas praias perto da localidade do Mindelo em

Portugal. Dava-se assim, início a construção da futura cidade de Cabo Verde. (Fundo

[…], 1984:13 & Ramos, 2003:91)

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No entanto, em 1836 já havia interesses por parte dos Ingleses em desfrutar da situação

privilegiada da baia. O inglês John Lewis visitou a ilha com o objectivo de avaliar as

condições do porto para servir de escala aos navios da inglesa Companhia das Índias

Inglesas, proposta que foi recusada pela coroa portuguesa.

A carvoeira East India teria uma presença passageira no Mindelo. Porém, em 1850 a

companhia Royal Mail Steam Packet inicia a instalação de depósitos de carvão para

abastecimento dos barcos que passavam rumo ao Atlântico Sul. Neste sentido viu-se

necessário criar infra-estruturas que apoia-se esse comércio tendo sido construída a

alfândega da ilha.

No ano seguinte, a companhia inglesa Visger & Miller`s instala novo depósito de

carvão de pedra. Patent Fuel, Thomas & Miller, MacLoud & Martin, Companhia de

St.Vincent de Cabo Verde, a Wilson & Sons Cª LTD e a Cory Brothers são outras

empresas carvoeiras em actividade nessa época. (Silva, 2005:103)

O grande fluxo de navios no porto representava grandes oportunidades de emprego.

Esta actividade provocou um rápido aumento da população vinda de quase todas as

ilhas do arquipélago, principalmente homens. Isto numa 1ª fase, uma vez que depois se

passou a admitir as mulheres nos trabalhos portuários. “À medida que a cidade – porto

vai vingando, a imigração tende a deixar de ser masculina e individual, para se tornar

bissexual e familiar.” (Correia e Silva, 2005: 120).

Esses trabalhadores eram denominados de: estivadores, catraeiros, mergulhadores, etc.,

que trabalhavam tanto nas instalações carvoeiras, como no porto.

A ilha de São Vicente, torna-se inevitavelmente um atractivo, uma nova esperança para

as pessoas das outras ilhas, nomeadamente camponeses das ilhas de Santo Antão e São

Nicolau que viam no Porto Grande uma oportunidade de fugirem às secas cíclicas que

assolavam as ilhas rurais causando terríveis ‘crises de fome’ e de conhecerem um

mundo novo que era a cosmopolita e movimentada Mindelo (Silva, 2005:112).

No entanto a ilha encontrava-se juridicamente sob a dependência da ilha de Santo

Antão, facto que começava a trazer alguns problemas, devido a dinâmica que essa

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11

cidade do Mindelo havia conhecido nessa altura e o facto das comunicações entre as

ilhas serem deficientes, não obstante a proximidade das mesmas. Torna-se imperativo

constituir um governo local e ainda algumas instituições importantes a nova dinâmica

que o porto e a ilha tinham adquirido, nomeadamente a instituição de uma alfândega de

categoria de despacho maior, devido a afluência em número sempre crescente dos

navios que aportavam a ilha.3 (Lopes, 2005:80)

Em Março de 1852, após visita do Governador-geral de Cabo Verde a ilha, foram

tomadas algumas deliberações, nomeadamente a criação de uma Comissão Municipal,

formada por 5 (cinco) membros: o juiz ordinário, juiz de paz, e escrivães, com todas as

atribuições e obrigações de uma Câmara Municipal, mas que somente seria efectivada a

substituição da denominação de Comissão para Câmara em 1879, recebendo também o

estatuto de cidade.

A ilha de São Vicente estava formalmente desligada das dependências da ilha de Santo

Antão. (Idem:81)

A prosperidade dessa população em franco crescimento seria abalada em 1852, ano em

que a ilha de São Vicente é desgraçada pela peste amarela e estima-se uma redução de

quase metade da população dos 1400 habitantes existentes na ilha. No entanto passada o

perigo dessa doença, Mindelo volta a reanimar-se e a sua população aumenta com o

contributo da emigração das outras ilhas. (Almeida, 2009:16-17)

Em 1879, dos 3717 habitantes da Ilha, 3497 eram naturais de Cabo Verde, (inclui-se

aqui os imigrantes das outras ilhas) e dos 114 estrangeiros, 86 eram britânicos, mas até a

viragem desse século este número atingiu uma centena. Havia em São Vicente mais

estrangeiros do que naturais de Portugal. (Fundo […], 1984:33).

3 Outras medidas administrativas começaram a ser tomadas, nomeadamente “o estabelecimento de uma botica [farmácia] por conta do governo; a designação de um facultativo para fazer visitas aos navios e outros serviços; a transferência das funções de chefes das alfândegas do circuito norte, que eram desempenhadas pelo chefe da Boavista, para o de S.Vicente; a criação de uma comissão denominada do “Bem Comum e Melhoramento da Agricultura” para responder as solicitações de distribuição de terrenos e fazer desenvolver a agricultura; a nomeação de um Patrão-Mor para o policiamento do porto; a proibição de construção de casas fora dos “alinhamentos necessários”

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12

Apesar dos ingleses serem pessoas muito reservadas vivendo isolados do povo, pois não

permitiam que os nacionais se aproximassem do seu meio social (exemplo: criação dos

grandes salões de bailes privados, edificação de uma igreja própria, etc); havia sempre

nacionais (cicerones), que os acompanhavam no seu dia-a-dia, como serventes ou

ajudantes, nomeadamente nas práticas desportivas (golfe, ténis, cricket, o footing

(atletismo), a natação, e o cross) para além dos contactos diários que mantinham com os

seus empregados domésticos e os trabalhadores das carvoeiras. Os ingleses eram

considerados a elite da terra. Como se referiu anteriormente, as relações de maior

proximidade com os naturais da ilha, verificavam-se mais a nível laboral.

O povo mindelense aprendeu com os ingleses, para além das bases linguísticas

necessários para o contacto e dessas práticas desportivas acima referidas, vários ofícios,

entre os quais: carpintaria, ferraria, serralharia electromecânica, electricidade,

contabilidade, serviços administrativos, entre outros.

De referir que o ensino dessas práticas acabou por impulsionar o desenvolvimento

económico da ilha, mas foram introduzidas como benefício próprio para os ingleses,

uma vez que a população vivia em condições miseráveis, enquanto faziam lucrar os

investimentos dos ingleses, sem qualquer intervenção por parte do governo português,

que preferia ficar a margem das actividades inglesas. (Silva, 2005:116-118).

De referir ainda que, a sociedade mindelense também herdou desses estrangeiros os

hábitos e costumes sociais, gastronómicos, morais e éticos. Os jovens do Mindelo, como

não podia deixar de ser, cedo começaram a imitar os ingleses em tudo quanto faziam,

desde a aprendizagem da língua até o modo de vestir e proceder. Eram muitos os

mindelenses que dominavam razoavelmente a língua, quer no falar, quer no escrever.

[…] Formas de procedimento que se enraizaram na sociedade mindelense, em todos os

níveis, chegando-se até ao exagero de alguns falarem o português deturpado, tal como

os ingleses faziam. (Matos, 16)

No ano de 1879 a ilha encontrava-se dotada de vários edifícios, tendo alguns sido

construídos por altura da criação da Comissão Municipal em 1852. Desses edifícios

destaca-se a Igreja (Nossa Senhora da Luz), a alfândega, um quartel (Fortim d´el Rei),

um palacete do governo, os Paços do Concelho (edifício Administrativo onde se situa a

Page 22: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

13

actual Câmara Municipal, a cadeia civil, um mercado municipal, um armazém de

vendas a grosso da companhia Millers, que fornecia a população mindelense e as outras

ilhas, lojas de revenda, padarias, tabernas, talhos, casas fornecedores de refeições, três

hotéis, tendo também iniciado a construção outras infra-estruturas, obras de saneamento

e de embelezamento da cidade.

A nível da educação construíram escolas primárias para os dois sexos em separado. Foi

inaugurado a 10 de Junho de 1880 a escola Camões, destinada a formação feminina e a

constituição da primeira biblioteca pública, em homenagem ao tricentenário da morte

do escritor Camões e com abertura ao público quatro meses depois com mais de mil

volumes, adquiridos por donativos dos mindelenses. (Almeida, 2009:19)

Seria também neste mesmo ano lançado as bases para a construção do primeiro hospital

da ilha, para dois anos mais tarde ser a primeira ilha do arquipélago a dispor de água

canalizada, resolvendo um dos principais problemas que afectava a ilha.

Graças ao progresso económico que possibilitou o desenvolvimento da ilha, a vila do

Mindelo foi-lhe atribuído o estatuto de cidade nesse mesmo ano, cem anos depois do

início das diversas tentativas de povoamento.

Seguiu-se então a construção de mais edifícios públicos e com o crescimento

populacional começaram a alargar progressivamente as zonas habitacionais. No entanto

devidas as várias actividades do porto, uma área muito grande do centro da cidade foi

entregues as companhias carvoeiras para as construções de vários edifícios

administrativos ingleses, residenciais, salões de convívio, etc.

Nos finais da década de 80 do século XIX, verificou-se um crescimento considerável da

população, de 3717 pessoas em 1979 para os 6561 em 1889, mesmo considerando a

grande fome que assolou as ilhas de Cabo Verde nos anos de 1883 a 1885.

Este progressivo crescimento populacional, devido em parte pela grande entrada de

pessoas das outras ilhas, começou a preocupar a Administração da ilha, quando em

1890 verificou-se o primeiro decréscimo da navegação ao porto da ilha, tendo sido

chamada a atenção da metrópole sobre a situação vigente: No ano seguinte, em 1890,

Page 23: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

14

começou no Porto Grande o primeiro grande decréscimo da navegação. Isso criou

imediatamente problemas. No mês de Maio começou «a sentir-se excesso de

trabalhadores, em consequência de muita gente que tem affluido de outras ilhas», e

calculava-se que logo que terminassem os trabalhos de canalização das águas do

«Norte», não seriam «sufficientes as obras particulares para ocupar os individuos que

procuram trabalho braçal?» (Fundo […], 1984:58)

Quatro anos mais tarde o porto volta a conhecer um relativo aumento da navegação,

continuando os anos seguintes com oscilações dos números de navios que aportavam a

ilha.

Paralelamente a essas crises a população continuava a crescer, expandindo-se cada vez

mais para o interior da ilha. A cidade do Mindelo entrava no século com um plano

urbanístico bem definido, tendo a Administração delimitando-se o limite físico do

centro da cidade das outras zonas mais periféricas e contava com uma população a

rondar os 7.000 habitantes.

De referir a implementação no ano de 1901 da Câmara Judicial com sede na cidade do

Mindelo e que abarcava os concelhos de São Vicente, São Nicolau, Sal e Boavista: Esta

decisão foi motivada pela urgente necessidade «de se facilitar uma profícua, prompta e

benefica administração de justiça», considerando que a ilha de S.Vicente, com uma

população de cerca de 7000 pessoas, era «a mais concorrida por europeus e

frequentada pela navegação inter-oceanica» e contribuída «com mais que metade da

receita pública da província, sendo a sua capital, a cidade de Mindello, a mais

importante do arquipélago, tanto em população, como em comércio. (Fundo […],

1984:62).

Apesar de haver uma tendência geral do senso comum de verem este período da

chegada dos ingleses, 1830 até princípios do século 20 como um período de grande

prosperidade na cidade do Mindelo, não corresponde a realidade uma vez que a

população vivia em condições precárias em habitações com pouca ventilação, com

salários muito baixos e sem o mínimo de condições de higiene. Apesar de os trabalhos

do caís oferecer meios de trabalhos a população, trazia por outro lado problemas de

Page 24: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

15

saúde aliados aos trabalhos do carregamento do carvão sem protecção que provocava

graves problemas respiratórias.

Como qualquer outra cidade-porto a prostituição torna-se um meio de subsistência da

classe pobre e em São Vicente ganha tamanha proporção que as autoridades são

forçadas a tomarem medidas severas de controlo, devido a propagação de doenças

venéreas que assolavam a população, sendo que passaram a limitar as zonas onde se

pudessem fazer tal actividade e impor a fiscalização sanitária periódica de forma

obrigatória.

Esta situação agravou-se ainda mais principalmente com a entrada e permanência do

numeroso contingente de tropas expedicionárias na ilha, por um período de quase 6

anos, uma vez que não havia controlo por parte das unidades sanitárias, acabando por

serem também veículos transmissores de doenças sexualmente transmissíveis.

Seria esse o cenário socioeconómico, que retrata a difícil vida mindelense, a permanecer

até aos anos quarenta do século XX em estudo, como veremos mais adiante, não

obstante todas as tentativas da Câmara em ajudar a população e as várias notas enviados

ao governo solicitando ajuda a ilha de São Vicente, tendo sido realizadas as primeiras

manifestações na ilha declaradamente contra o governo português.

Trata-se de um período marcado claramente pela decadência do porto e por

arrastamento o profundo mergulhar na crise da população.

Figura n.º 1 - Ilha de São Vicente - 1945

Autor: Foto Melo

Page 25: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

16

1 - A Política Colonial Portuguesa a partir dos anos 30

A tentativa de mudança desse cenário acima referido, caracterizado pelo completo

domínio da presença estrangeira, acontece com a mudança do regime político português

em 1926, a implantação do Estado Novo. Seria no entanto em 1930, que Oliveira

Salazar procura mudar este cenário atribuindo um novo estatuto as colónias com a

publicação do Acto Colonial – o Decreto n.º 18570, de 08 de Julho. Foi o primeiro

documento constitucional a ser publicado e comportava quatro capítulos: o I refere-se as

garantias gerais, o II refere-se ao “indígena”, o III sobre o regime político e o IV refere-

se as garantias económicas e financeiras. O Acto Colonial traduzia-se na tentativa de

centralização do poder concentrada no Ministro das colónias, em detrimento da acção

da Assembleia Nacional e das estruturas administrativas das colónias.4

No que se refere a estrutura ideológica imperial durante o Estado Novo, podemos

distinguir três fases: a primeira inicia-se no ano de 1926 a 1945 corresponde ao período

na qual a Europa assume o papel de civilizar as regiões colonizadas, numa clara posição

de superioridade civilizacional; a segunda decorre do ano de 1945 até o ano de 1960

altura onde a ONU reconhece o direito de autonomia aos povos colonizados e também

ano que se inicia as reivindicações á autodeterminação das colónias africanas

portuguesas e a terceira inicia-se em 1960 e prolonga-se até ao fim do Estado Novo,

altura marcada por rebeliões armadas nas então colónias de Angola, Moçambique e

Guiné.5

No que se refere a primeira fase e de forma resumida essa revisão reforça a função

integradora do projecto colonial, insistindo na missão imperial como a expressão de um

ideal colectivo baseado num imperativo histórico e político. Nessa fase as colónias

deveriam servir como local de instalação e acolhimento do excedente populacional da

metrópole, para o escoamento de matérias-primas e ainda para como mercado para os

produtos europeus. Destaca-se nesse período alguns opositores dessa revisão

constitucional, entre os quais o general Norton de Matos, que se mostrou contra o

4 In, A Reformulação do conceito do Império – Diciopédia 2009 [DVD-ROM], Porto Editora, 2008 5 Idem

Page 26: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

17

trabalho forçado nas colónias e a favor da igualdade social que permitisse aos nativos

das colónias desempenhar cargos de relevância na administração das mesmas.6

Em relação a segunda fase, esta fundamentava-se na ideologia de que as colónias

deveriam estar dotadas de estruturas industriais e ainda deveriam ser criadas

mecanismos legais que estabelecessem as relações comerciais entre as colónias e outras

nações estrangeiras. Por causa da pressão internacional os territórios ultramarinos

portugueses passam a ser designados de “províncias ultramarinas” que mais não eram

segundo as palavras de Oliveira Salazar: “o prolongamento natural e indispensável do

Ocidente”. No entanto manteve-se o “Estatuto do Indígena”.7

A terceira fase que compreende o período entre 1961 até 1974, tem-se uma reforma a

nível jurídico que revogaria o Estatuto do Indígena e procederia a outras reformas

profundas. Caracteriza-se ainda por um período de grande desenvolvimento económico

nas colónias de Angola e Moçambique. Verifica-se uma maior autonomia em relação as

colónias: liberalização da entrada de naturais da metrópole. Cria-se em 1961 o Espaço

Económico Português (EEP), procurando-se reforçar a unidade da nação, na qual se

preveria a implementação de um “mercado único”, na qual se estipulava a eliminação

das barreiras alfandegárias entre a metrópole e as colónias e ainda a criação de uma

moeda única. No entanto tais medidas não chegaram a efectivar-se, principalmente

porque entrou-se no período conturbada das guerras coloniais.8

Segundo Matoso este Decreto incorporado na Constituição em 1933, resumia os

princípios dos diplomas anteriores e apresenta novas directrizes nas quais deviam

sujeitar-se as colónias, apresentando um quadro jurídico-institucional geral orientada

pela nova política que se queria implementar nos territórios coloniais portugueses. De

entre essas novidades destaca-se o reforço da legitimação da soberania portuguesa sobre

as colónias (“função histórica e essencial de possuir, civilizar e colonizar domínios

ultramarinos”) e ainda restrições a presença e concessões comerciais estrangeiros e

privados nas colónias. No domínio político destaca-se a introdução do cargo de

Governador-Geral em substituição dos Altos-Comissários, com reduzidos poderes de

6 Idem 7 Idem 8 Idem

Page 27: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

18

jurídicos e administrativos e ainda o fim da autonomia financeira de que disponham as

colónias, devendo estas estar, para além de outras restrições, proibidas de contrair

empréstimos com estrangeiros. (Matoso, 1998: 253 e 254).

A constituição elaborada para o Estado Novo e referindo-se ao artigo 146º legalizava o

trabalho forçado nas colónias, muito embora limitando-o aos trabalhos nos serviços

públicos: “O Estado não pode forçar os indígenas a trabalhar senão nos serviços

públicos de interesse geral para a colectividade, em ocupações em que os benefícios

lhes digam respeito, na execução de decisões judiciais de carácter geral, ou para a

execução de obrigações fiscais.”

A questão colonial ganha nesse período uma importância excepcional nunca vista

tendo-se inclusivamente surgido algumas conferências e exposições com o tema central

a questão colonial: em 1 de Junho realiza-se a Conferência Imperial Colonial; em 1934

realiza-se a I Exposição Colonial e reúne-se o I Congresso de Intercâmbio Comercial

com as Colónia na cidade do Porto, para além de outras conferências que decorreram

nas próprias colónias. (Idem:254)

A nível económico essa revisão constitucional estipulou como grandes linhas de acções

que deveriam dar o impulso necessário a economia colonial de entre elas: as barreiras

alfandegárias que regulavam a entrada de produtos estrangeiros concorrentes aos

produtos portugueses e concessão de benefícios na percentagem mínima de 50% dos

direitos as mercadorias produzidas na metrópole.

A 8 de Junho de 1936 realiza-se a I Conferência Económica do Império Colonial, entre

os quais foi discutida a questão do excesso da população em Portugal, que poderia ser

aliviada com o envio de pessoas para as colónias, para além de se instituir que a função

das colónias deveria ser a de produção de matérias-primas, destinadas a metrópole que

depois deveriam ser transformados em manufactoras que em troca, seguiriam para

consumo nas colónias. (Almeida, 1979:229)

Page 28: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

19

Realce para esse mesmo ano, a 29 de Outubro, a criação do Campo de Concentração de

Cabo Verde9, no Tarrafal - ilha de Santiago, que serviria de prisão para os condenados e

presos políticos, que conheceria o primeiro encerramento provisório em1946, ano em

que se estipula que tenham morrido mais de trinta democratas. No entanto seria reaberto

em 1949 por altura das primeiras eleições “livres” em Portugal no Estado Novo, para

acolher presos políticos, maioritariamente comunistas ou simpatizantes.

Embora essas medidas políticas se destinassem a todas as colónias portuguesas, e no

caso específico da ilha de São Vicente, tais decisões não foram efectivadas tendo em

conta a própria situação de crise que se vivia em Portugal. Isto é, o facto de a partir dos

anos 20, Portugal se ter tornado mais dependente financeiramente da Grã-Bretanha,

devido a avultada dívida externa que mantinha com este país e com a garantia de este

país estrangeiro suportar os custos de infra-estruturas que de certa forma atenuava os

problemas de desemprego e ainda servia como fonte de receitas para a colónia. “ Mas a

Inglaterra era ainda, já o sabemos, o primeiro fornecedor da economia portuguesa (em

combustíveis, máquinas e manufacturas…), o seu principal cliente (vinho do Porto,

cortiça, resinosos…) e o transportador do grosso das mercadorias importadas ou

exportadas pelo País; era também o principal investidor estrangeiro em Portugal

(controlava os transportes urbanos, os telefones, as comunicações, importantes

explorações minerais …) e fora o seu principal credor externo.” (Idem: 265)

No ano de 1937 surgem rumores de negociações entre Portugal e Alemanha, alertando

para uma possível concessão das colónias portuguesas para a Alemanha nomeadamente

a colónia de Angola, que prontamente foram desmentidos por Salazar: “Alheios a todos

os conluios, não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não partilhamos as nossas

9 A Colónia Penal do Tarrafal foi criado através do Decreto-lei n.º 26:539, em 1936, no âmbito da reorganização dos serviços prisionais, enquadrada na vertente prisões especiais. Destinado a presos políticos e sociais no Ultramar que tivessem cometidos crimes políticos e os presos de delito comum quando não respeitavam as normas de disciplinas e mostravam-se como maus exemplos para os outros presos da metrópole e ainda os que tivessem cometidos crimes de rebelião: a ofensa contra o prestígio da República ou contra o prestígio do Presidente da República ou do Governo, a propaganda ou outro meio de provocação à disciplina social, o não cumprimento dos deveres da função pública ou das ordens da autoridade, o encerramento de fábricas ou cessação de qualquer industria sem causa legítima, a ofensa contra a bandeira, o Hino nacional ou qualquer emblema do Estado [etc]. No entanto desde 1931 que eram enviados para Cabo Verde, ilha de São Nicolau, presos políticos para o Colónia Penal que ali existia. (Tavares, 2007:63-65)

Page 29: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

20

colónias, com reserva ou sem ela de qualquer parcela de soberania nominal, para

satisfação dos nossos brios patrióticos. (…)” (Idem:232)

No entanto a questão colonial fora posta em evidência nos membros de comunicação

social internacional e nos organismos internacionais, quando Hitler reivindica à

Alemanha o direito de possuir colónias.

No ano de 1940 é inaugurado com grande destaque em Lisboa a I Exposição Colonial

do Mundo Português, demonstrando a realidade cultural africana, como forma

exibicionista do governo de Salazar, gastando mais de 100.000 contos nessa exposição.

Nesse mesmo ano morria em Cabo Verde vítimas da fome 20.000 pessoas numa

população estimada em 180.000 habitantes. (Idem: 241)

Destinado a encobrir o colonialismo, em 1941 o governo português aprova o decreto

31207, referente ao Estatuto Missionário, onde estipula como lema: cristianizar e

educar, nacionalizar e educar: “Passam a estar nas mãos da Igreja a fundação e

direcção de escolas primárias, secundárias, profissionais, seminários, escolas de

catecismo, assim como enfermarias e hospitais.” (Idem:244)

Nesse mesmo ano em Cabo Verde registam-se 9000 mortes causadas pela fome devido

a falta de chuvas e de assistência da metrópole: “Na ilha do Fogo há povoações

desaparecidas, e parecem de fome cerca de 40 pessoas por dia. Na cidade da Praia,

ilha de S.Tiago, funda-se uma associação de beneficência (SAGA), dirigida pelo

Governo, que sobretudo se dedica a fazer escoar trabalhadores esfomeados e “livres”

para a ilha de S.Tomé. No seu transporte por barco morrem dezenas. Só na travessia

do Cubango morrem 18[...].” (Idem:245)

De acordo com a carta das Nações Unidas, artigo 73, aprovado a 24 de Outubro de

1945, na qual Portugal viria a ser membro a 14 de Novembro de 1955, dizia que os

estados membros responsáveis por outros territórios deveriam prestar informações sobre

os mesmos, no que diz respeito ao aspecto político, socioeconómico e educacional dos

seus povos.

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21

No entanto a revisão constitucional de 1945 da Carta Orgânica dispôs no artigo 246,

ponto único que “no Estado da Índia e nas colónias de Macau e Cabo Verde as

respectivas populações não estão sujeitas nem a classificação de indígenas, nem ao

regime do indigenato na sua acepção legal”, portanto reafirmou-se o estatuto do

indigenato, que estava em vigor desde 1926, para os territórios da Guiné, São Tomé e

Príncipe, Angola, Moçambique e Timor.

Sugere-se que ao invés de passar ao estatuto de colónias adjacentes, deviam formar

primeiro um regime de transitório onde o arquipélago pudesse gozar de um estatuto

mais descentralizado do que o de ilhas adjacentes. Surge nesta altura uma outra questão

aliada a própria denominação: províncias ultramarinas. A substituição do termo colónias

por províncias ultramarinas na constituição, implicaria uma mudança da mesma de

forma a evitar que todo o que fosse escrito anteriormente sobre as colónias perdesse a

sua autoridade jurídica e também implicaria uma mudança também nas estruturas

administrativas: Ministério das Colónias, Conselho do Império Colonial, Ordem do

Império Colonial, Escola Superior Colonial e Agência-Geral das Colónias, são

exemplos e que deveriam também ser alvo de modificações nos seus regulamentos

internos.

Tratava-se de uma decisão que deveria ser introduzida lentamente, através de leis

ordinárias, que iriam substituindo lentamente a nomenclatura das colónias, até que

fossem resolvidos os problemas administrativos que a adopção do termo províncias

ultramarinas implicaria.

Estes trâmites legais iam contra as expectativas daqueles que acreditavam que esta seria

uma forma que rapidamente poderia resolver a situação de crise que se vivia em Cabo

Verde, porque era um processo bastante moroso para a resolução rápida que os

apoiantes do estatuto da adjacência pretendiam.

No ano de 1946 é aprovada a proposta de lei n.º 2066 da Lei Orgânica do Ultramar

Português, prevendo-se que a partir daquele ano era necessário rever a legislação sobre

na qual se regia a administração das colónias, numa tentativa de driblar os movimentos

anticolonialistas. (Almeida, 1978:266)

Page 31: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

22

Em relação a Cabo Verde, na sessão da Assembleia do dia 19 de Janeiro de 1951, fica

aprovado no ponto único artigo 1º da Constituição o seguinte: A administração do

arquipélago de Cabo Verde poderá ser integrada, parcial ou totalmente, no sistema da

administração metropolitana. (Actas das Sessões da Câmara Corporativa, diário nº 70)

Na mesma sessão, leva-se a cabo uma revisão e reformulação do texto dos artigos do

Acto Colonial, devidas as pressões externas contra o colonialismo. Procurou-se

constituir uma legislação que abrangesse todas as colónias, tendo em conta as

diversidades, as realidades geográficas e o meio social de cada colónia, mas

principalmente devido ao desenvolvimento das mesmas.

De entre outras reformulações, continua-se a definir uma descentralização

administrativa e também a autonomia financeira, mas trata-se de uma autonomia

relativa, uma vez que decisões de foro político e administrativo, nomeadamente

autorização de contratos ou empréstimos que exigem cauções ou outras garantias;

arrendamento ou venda de propriedades, entre outros. As funções legislativas e

executivas são sempre exercidas sob a fiscalização dos órgãos de soberania, Assembleia

Municipal, Ministro do Ultramar ou pelo governador.

O governo português afirmaria que Portugal não administrava territórios que poderiam

ser incluídos na categoria de indicada pelo artigo 73º da Carta das Nações Unidas.

Somente na 15ª Assembleia Geral da ONU em 1960, é apresentada o relatório

comprovativo da situação das colónias portuguesas, onde se admitiu (menos Portugal)

que os estados sob dominação portuguesa não eram autónomos.

Page 32: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

23

2 - A questão do rearmamento das colónias

Sabe-se que Portugal manifestou imediatamente após o inicio da guerra a sua política de

neutralidade, apesar de alguns actos do chefe do Governo, Salazar, ter demonstrado um

apoio não declarado a Alemanha e a Itália.10 No entanto era necessário defender a

soberania portuguesa, não somente no continente como também nas ilhas e nas

colónias.

Essa mudança de atitude por parte do Governo português estava também relacionada

com o desenvolvimento económico das colónia, nomeadamente de Angola e de

Moçambique, impulsionada com a entrada de colonos portugueses que tinham

dinamizado as culturas do café, do milho e do algodão, na qual resulta na criação de

recursos para novos investimentos. A esse desenvolvimento económico impôs ao

Governo português uma presença mais atenta às mesmas afastando qualquer tentativa

que pudesse por em causa a soberania portuguesa nas colónias.11 Nesse sentido

envidam-se todos os esforços no reapetrechamento militar, substituindo várias armas

que se encontravam obsoletas e comprando armamento em diferentes países da Europa.

Era necessário ainda proteger as regiões de Açores e Cabo Verde, por serem zonas de

interesses estratégicos no atlântico. Assim sendo desde 1940 que tinham sido enviados

para ilhas e as colónias tropas expedicionárias armados.

Para reforçar essa medida foi aprovado a 30 de Março de 1942, no Diário do Governo o

decreto-lei n.º 31:943, na qual no artigo primeiro se estipula: “O Ministro das colónias

fica autorizado a requisitar aos Ministérios da Guerra e da Marinha os oficiais que

julgue conveniente mandar às colónias a fim de procederem aos estudos e trabalhos

necessários à defesa das mesmas.” Ficariam salvaguardadas o mesmo vencimento que 10 “Timor sofreu, por duas vezes, invasão, primeiro pelos Australianos (1941), depois pelos Japoneses (1942) que o ocuparam por três anos, destruindo e matando milhares de portugueses e indígenas a seu bel-prazer sem que sequer fossem quebradas as relações diplomáticas entre Portugal e Japão. Em Macau, igualmente os Japoneses controlam de facto a administração. Salazar foi também forçado a ceder aos Aliados (Grã-Bretânia e Estados Unidos) bases militares nos Açores, em 1943. […] parace claro que as simpatias de Salazar estavam muito mais com a Alemanha e a Itália (em cujos regimes ele tanto se inspirara), do que com as demo-liberais Inglaterra e Estados Unidos, aliadas ao seu inimigo de sempre, a União Soviética.” (Marques, 1986:381-382) 11 In, Colonialismo do Estado Novo – Diciopédia 2009 [DVD-ROM], Porto Editora, 2008

Page 33: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

24

usufruíram na metrópole e ainda teria direito a ajudas de custo diários que seriam

estabelecidas através de um despacho do Ministério das Colónias, conforme o artigo 2º

desse mesmo decreto-lei.

Em Outubro de 1943 foi mobilizado 100.000 homens no continente e também para as

ilhas e colónias.

Figura n.º2 - Chegada do 1º Corpo de Tropas Expedicionárias Portuguesas a Mindelo - 1942

Autor: Desconhecido

A 21 de Dezembro de 1943 é dado a conhecer a todos os concelhos de Cabo Verde um

edital solicitando a incorporação de recrutas naturais da colónia, para reforço das tropas

expedicionárias que se encontravam em São Vicente, nascidos nos anos de 1919 a 1923,

devendo os mesmos apresentar ao chamamento de inspecção para a tropa de reforço.

Segundo a Portaria dos Recursos Serviços de Recrutamento da Colónia, artº 164, as

pessoas que conseguissem encontrar desertores, recebiam como prémio o valor de

20$00 por cabeça. Os mancebos (recrutas) recebiam o valor de 3$50 de abono diário

para alimentação, destinado ao tempo que estiveram concentrado a espera do embarque

para São Vicente, quando estes residiam em zonas rurais distantes dos centros de cidade

ou noutras ilhas.12

12 In, Reletórios e Correspondéncias enviadas e recebidas pelo Chefe da Repartiçao Central dos Serviços de Administraçao Civil, Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, caixa nº 222

Page 34: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

25

Entre os anos de 1940 a 1945 foram mobilizados cerca de 180.000 homens da

metrópole para as colónias e ilhas.13

A entrada dos militares portugueses em São Vicente trouxe alguns transtornos a

população, uma vez que foram delimitadas áreas reservadas somente a movimentação

dos militares, sentindo a população lesada, por se tratar de zonas onde habitualmente

frequentavam, muito embora a Câmara, tivessem tentado sensibilizar as pessoas para a

necessidade de haver uma zona militar restrita, aos quais não estavam habituados. Sobre

esse assunto nos informa o relatório do então vice-cônsul Britânico da ilha, a 03 de

Dezembro de 1943, que diz o seguinte: “A circulação das pessoas foi restringida pelos

militares limitando a área em que as pessoas podiam fazer as suas vidas. Em

consequência, a fome, o sobrepovoamento dessas áreas e condições de insalubridade

aumentou, assim como qualquer possibilidade de fazer negócio. A tensão entre os

militares e a população também aumentou, dando origens a motins.” (Gatlin,

1990:185)

Wahnon (2006) diz-nos o seguinte: Só em São Vicente desembarcaram mais de 3.000

soldados que, mostrando um total desprezo pelos direitos dos habitantes da ilha viriam

a ocupar ainda e sem mais cantigas tudo o que de melhor havia no Mindelo em matéria

de organizações recreativas e desportivas, entre os quais o Clube de Tenis do Mindelo

que foi transformado em uma enorme garagem, o clube social Gremio Recreativo

Mindelo onde ficou a funcionar o Quartel General, o Clube dos Ingleses [...], o Liceu

onde foi instalada uma enorme oficina para o conserto das botas de tropa [...], a

Câmara Municipal14, esta transformada em hospital militar, além de parte de nosso

hospital, [...], e muitos outros prédios e propriedades [...] Quanto a tropa propriamente

dita eram tantos os abusos, que os atritos com a população passaram a ser frequentes,

chegando a haver mesmo focos de rebelião em várias zonas da ilha. (pg. 20-21)

13 Actas das Sessões Parlamentares, 15 Dezembro, 1945, pag. 129-130 14 A 26 de Setembro de 1945, a Câmara Municipal recebe um ofício do Comando Militar de Cabo Verde, nº1466, disponibilizando uma verba no valor de 72.447$00,para custear as despesas de reparação do edifício dos Paços do Concelho que esteve ocupado pelas Forças Expedicionárias, in Actas das Sessões da Câmara Municipal de São Vicente de 27 de Setembro de 1945.

Page 35: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

26

Questionado sobre a presença militar portuguesa na ilha, o Sr. Gregório Dias

desdramatizou os acontecimentos acima referidos dizendo que, do que ele teve

conhecimento tratou-se de pequenos incidentes que prontamente foram resolvidos,

resultados de algum desentendimentos, relacionado com festas que os militares não

poderiam entrar pelo facto de não serem convidados. Relatou um episódio que

aconteceu na zona periférica da cidade, em Salamansa, onde realizava uma festa e os

militares portugueses impedidos de entrar utilizaram a violência para conseguirem o seu

intento, ao qual todos os rapazes da festa ripostaram. Os que não entraram nesse

conflito, partiram a correr e a festa terminou com esse incidente.15

Sobre o mesmo assunto o Sr. Arnaldo Lima também tem a mesma opinião. Disse que

tratava-se de pequenas quezilas que na maior parte das vezes ocorria nas festa e o

principal motivo eram as moças de Mindelo que despertavam o interesse dos militares e

resultava em confronto quando os namorados ou os irmãos estavam próximos e

desaprovavam as investidas dos militares.16

Com o término da guerra as tropas expedicionárias seguem imediatamente para

Portugal. A 27 de Setembro de 1945 o Comando Militar de Cabo Verde envia um ofício

(nº 1466 de 26 de Setembro de 1945), disponibilizando uma verba no valor de

72.447$00 a fim de custear as despesas de reparação do edifício dos paços do Concelho,

que serviu de abrigo as tropas expedicionárias.

A população mostrou-se saudosa com a saída dos militares, reconhecendo

principalmente a ajuda médica e medicamentosa que lhes tinham prestado durante a sua

presença na ilha.

15 Entrevista realizada no dia 14 de Setembro de 2009, na residência do mesmo, zona da Ribeira Bote 16 Entrevista realizada no dia 19 de Setembro de 2009, no restaurante do mesmo, na rua de Matijim (Centro Histórico da Cidade do Mindelo)

Page 36: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

27

Foto n.º3 - Grupo de pessoal Médico do Hospital Militar

Autor: Desconhecido

No entanto o relatório administrativo do Concelho de São Vicente, referente ao ano de

1947, diz-nos que o Comando Militar fez a entrega de materiais para reparação dos

edifícios do Paços do Concelho, na zona do Lazareto, e dos Falcões17 e outros locais

onde estiveram, no valor de 150.986$73. Não foram feitas reparações na zona de

Lazareto, por se considerarem desnecessárias, uma vez que ainda não havia interesse

habitacional, apesar de mais tarde ter-se tornado no posto militar da ilha. Fizeram

reparações nos Falcões e os restantes materiais foram, em parte entregues a SAGA

(órgão competente, encarregue da venda e regulação dos preços dos produtos) para

venda, tendo o dinheiro sido aplicado na construção de obras, segundo o relatório,

devidamente autorizadas pelo Governo.

17 A fundação dos Falcões de São Vicente, mais conhecida pelos Sokol, foi uma organização originária da Checoslováquia, voltada para actividades desportivas, cultura física e ensinamentos de boa conduta ética e social, contribuindo para a prática do desporto na ilha, que incluíam marchas ao estilo paramilitares, paradas, ginásticas rítmicas entre outros exercícios. Pensa-se que a criação da Mocidade Portuguesa foi inspirada nos Sokol, uma vez que a sua criação teve lugar logo após a visita a Cabo Verde do então Presidente da República Portuguesa, General Carmona, na qual os Sokol haviam participado no programa de recepção do Presidente. A criação da Mocidade Portuguesa em Cabo Verde marcou o fim dos Sokol, uma vez que os dirigentes foram substituídos por sargentos metropolitanos e o espaço da organização fora também substituído pela Mocidade Portuguesa. (Wahnon, 2006:14-15)

Page 37: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

28

Em Novembro do mesmo ano o Comando militar começa a embarcar os seus materiais

para a metrópole. A Câmara Municipal solicitou ao comando a oferta de uma

camioneta-tanque, que seria de grande ajuda aos serviços municipais.

O hospital militar montada para assistência aos militares que também auxiliavam a

população com cuidados médicos e fornecimento de medicamentos aos mais

desfavorecidos, fora também desmantelado.

Figura n.º4 - N/M Serpa Pinto trazendo o 1º Corpo de Tropas Expedicionárias a Mindelo

Autor: Desconhecido

Page 38: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

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III – A Situação socioeconómica da ilha de São Vicente

A partir dos anos 40 do século XX a situação sócio-económica que se viviam em Cabo

Verde torna-se muito grave. O bloqueio económico que Portugal estava sujeita pelos

aliados devido a sua política do não-alinhamento ou neutralidade, trouxe graves

consequências as suas colónias. No caso de Cabo Verde, muito dependente da ajuda da

metrópole, essa situação agrava-se com as secas prolongadas que causaram, durante este

período em estudo, a grande fome de 1947-48. (Carreira, 1977).

Como forma de resolver esta situação devastadora, provocada pelas grandes secas

prolongadas, pela fraca circulação marítima entre e para fora das ilhas, pela decadência

do Porto Grande, pela falta de investimentos em obras municipais, que garantiam o

emprego de muitas pessoas (são algumas causas para o aprofundar da vivência difícil

em que se encontravam as ilhas de Cabo Verde) o governo português intensifica a

política da emigração, como forma de diminuir o número de desempregados a seu cargo

e ainda pensando na ajuda que os imigrantes poderiam dar as suas famílias que ficaram.

Num país onde a principal actividade económica era a agricultura, depare-se com uma

situação bastante difícil, uma vez que trata-se de um país onde as secas são cíclicas e

quando há pluviosidade ou são demasiado fracas ou são muito fortes, acabando por

arrastar consigo o pouco que se tem das terras cultiveis para o mar. Aliada a este

cenário, tem-se os fortes ventos que acabam também por provocar a erosão das poucas

terras cultivadas, que se mantém até hoje graças a perseverança do homem cabo-

verdiano.

Com a situação agrícola deficiente a pecuária também é deficitária, devido a

inexistência de campos de pastagem. O número de animais mortos destinados ao

consumo da população é elevado, havendo em toda a ilha, do total de 1870 animais no

ano de 1946, um decréscimo para 1100 animais, no ano de 1947.

Em São Vicente no período pós- guerra, os efeitos da crise são mais devastadores. Fraco

em recurso, completamente dependente da actividade portuária e das outras actividades

que gravitavam a volta do porto e da qual dependiam a sociedade mindelense e da

importação de géneros alimentícios das outras ilhas, devida a existência de poucas

Page 39: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

30

extensões de cultivo na ilha. Esta situação vai agravar-se com a progressiva decadência

do Porto Grande, com os desvios das rotas comerciais para os portos de Las Palmas e

Dakar.

Entre os anos de 1944 a 1945 todos os fornecimentos de bens a São Vicente estavam

nas mãos dos portugueses, suplantando os ingleses. Devido a posição neutral de

Portugal na guerra, o negócio do carvão passou também a ser dirigidos pelos

portugueses até ao término da guerra. (Gatlin, 1990:185)

De referir ainda, que o Porto Grande produzia o maior volume de receitas da colónia,

com as actividades de reexportação do carvão e óleos combustíveis. (Fundo […],

1984:93).

A 22 de Fevereiro de 1946, o deputado Adriano Moreira, representando Cabo Verde

chama a atenção da Assembleia Municipal para a situação difícil da colónia de Cabo

Verde. Reclama uma maior participação e atenção a colónia de Cabo Verde e diz ainda

que esta não tem merecido a mesma atenção que as colónias mais ricas tinham

merecido. Aproveita essa mesma sessão para abordar a questão dos vencimentos,

dizendo que estes não eram uniformes para as colónias e pede ainda a revisão e

actualização do diploma legislativo colonial nº 38, que regula os vencimentos,

encontrando-se em vigor desde o ano de 1923, com um regime de vencimentos

complicado e dividido em quatro categorias (vencimento de categoria, vencimento de

exercício, subsídio eventual e subvenção colonial) e afirma o seguinte: “Não importa,

pois, ao Estado saber se o funcionário é europeu, africano ou asiático, preto ou branco,

como não lhe interessa averiguar se ele é alto ao baixo, gordo ou magro, sóbrio ou

imoderado.”

Apelando a unidade que sempre caracterizou o império, disse ainda que esta deveria ser

real e não meramente discursiva. E sendo o Império muito vasto com grande

diversidade de povos, torna-se imperativo promover uma política de igualdade social

entre os mesmos, não beneficiando somente os indivíduos de origem europeia: “O

exclusivismo racista leva os povos à ruína e à morte”

Page 40: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

31

O deputado Adriano Moreira, justifica a sua intervenção como uma realidade que se

mostra urgente adaptar-se uma vez que as outras potências coloniais começaram a

mudar as suas formas de tratamento para com os nativos das colónias.

Validando essa informação relativo aos baixos vencimentos temos o Relatório

Administrativo do Concelho de São Vicente enviado a Administração Central da

Colónia em 1949 que diz-nos que o trabalhador do estado recebe o vencimentos no

valor de 8$00 diários e no privado o valor de 6$00 diários para os homens, sendo que

para as mulheres o valor é de 4$50 diários, valores insuficientes para a manutenção de

uma família, quando uma refeição modesta e elementar custa em média 5$70.

Esta situação dos baixos vencimentos aplicados na ilha de São Vicente continua a ser

abordada nos relatórios seguintes. O relatório de 1958, diz o seguinte: As despesas com

o pessoal administrativo é de 37,2%, bem baixo dos 50% que a lei impõe como máximo,

a verdade é que os salários dos serventuários estão num baixo nível, os mais baixos a

8$00 diários, sem alimentação e sem alojamento [...], as mulheres também empregadas

nos serviços municipais com as mesmas funções de outros trabalhadores assalariados

com resultados produtivos tanto ou melhor que aqueles recebem metade desse valor,

4$00 diários, para todas as despesas diárias quando se sabe que o milho, alimentação

basilar se vende a 1$40 litros. 18

De referir ainda a paralisação de muitas obras iniciadas pela Câmara, nomeadamente o

calcetamento de algumas ruas principais da cidade, que aguardavam o envio de mais

remessas para a sua continuidade, mas que devido a essa paralisação muitos operários

estavam desempregados. Esta situação levou a Câmara a solicitar ajuda ao Governo

Ultramarino, conforme se pode ler o seguinte: “A crise dos trabalhadores resultante da

fraca movimentação do Porto e da paralisação de obras do estado e de particulares,

agravados com o considerável aumento do custo de vida, […], solicita-se a Provedoria

18 In, Relatórios da Inspeção à Càmara Municipal de São Vicente, 1954, realizado por A. Mendes Serra, Intendente Administrativo, que reporta o periodo de Agosto de 1948 a 1954 – Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, RPSAC, caixa nº 126

Page 41: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

32

Geral da Assistência Pública a concessão de um subsídio no valor de 50.000$00, para

a realização de obras de utilidade pública e empregar os operários.”.19

Perante a resposta do Governo que não havia possibilidades de transferência de nenhum

valor, uma vez que todo o orçamento estava sendo utilizado para os propósitos

anteriormente indicados, a Câmara volta a propor ao Governo que os autoriza-se a

fazerem movimentações de alguns montantes que se encontravam no Banco Emissor,

proveniente dos saldos não orçamentados dos anos anteriores. E ainda em caso de

recusa, e dispondo o Município do Fundo de Reserva, pedia-se autorização superior

para movimentar os montantes que também se encontravam depositados neste mesmo

banco. (Actas das Sessões […], 22 de Maio de 194720

No entanto essas medidas não tiveram aval favorável porque todas as movimentações

bancárias teriam de ter aprovação superior, ou seja, os pedidos de empréstimos aos

Bancos somente poderiam ser feitos por solicitação do governo das colónias ou com

intervenção do governo da Metrópole, não estando nas atribuições dos Bancos a

concessão de créditos à Corpos Administrativos das Colónias. (Actas das Sessões […],

de 01 de Abril de 1947)

A 05 de Junho de 1947 a Câmara Municipal envia um comunicado ao Governo da

Colónia relatando a situação decadente da classe trabalhadora: “Todos os dias, há

meses, ocorrem aos poucos postos de trabalhos, grande nº de trabalhadores a procura

de emprego estando a sua situação a degradar cada vez mais. A Câmara tenta fazer

todos os sacrifícios em manter as suas obras em andamento, até que se iniciam as

obras dos trabalhos agrícolas desse ano e assim possam suavizar a situação. A verba

destinada as obras esta próxima de esgotar mostrando-se incortornavél o despedimento

dos trabalhadores. É necessário recorrer ao Fundo de Reserva de forma a manter os

19 In, Actas das Sessões da Câmara Municipal de São Vicente, de 14 de Novembro de 1946 20 Solicita-se mais uma vez ao governo o reforço da verba destinada as obras de calcetamento de ruas, uma vez que estas se mostram insuficiente e afirma-se a importância de continuação das mesmas não somente para a utilidade pública como auxílio a grande número de operários que estavam a trabalhar nas referidas obras. Não havendo possibilidades de transferência de verbas, estando todos a serem utilizados para os propósitos indicados, solicitou-se ao governo a utilização do saldo não orçamentado do ano de 1946 no valor de 111.901$79, que se encontrava depositado no Banco Emissor.

Page 42: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

33

trabalhos até que as condições melhorem.” Propõem a tutela a aprovação de um crédito

no valor de 80.000$00 a sair do Fundo de Reserva.

A 18 de Setembro de 1947 a Câmara solicita mais uma vez ao Governo, a autorização

para utilizar do Fundo de Reserva do ano de 1946, como forma de reforçar o pagamento

dos trabalhadores que se encontravam com grandes dificuldades económicas.

O quadro n.º 2 mostra-nos o balancete para aprovação das contas referentes ao ano de

1946, na qual se expressa em termos contabilísticos as despesas e as receitas do

concelho de São Vicente, sendo que as despesas correspondem a remuneração dos

factores produtivos, ou seja, obrigações a pagar e as receitas correspondem a

remuneração das rendas efectuadas e/ou dos serviços prestados, ou seja, direitos a

receber, que representam no conjunto entradas e saídas de valores monetários para o

referido concelho.

Procedendo-se a análise do quadro n.º2 verifica-se que as receitas foram superiores as

despesas, sendo que os valores nele traduzido demonstram que o resultado (receitas-

despesas) resulta no valor de 214.427$72 para o ano de 1945 e o total seria o valor de

271.908$74. Seria com base nesse valor que a Câmara fazia a solicitação de utilizar

parte deste valor que se encontrava no fundo de reserva.

Quadro n.º 2 - Aprovação Contas 1946 Saldo 1945 250.481$74 Receitas 1946 1.047.147$74 Despesas 1946 1.025.720$02 Saldo para 1947 311.901$79

Segundo o Engenheiro Rui de Sá Carneiro21 no seu discurso proferido na 2ª Conferência

da União Nacional, realizada no Porto, em Janeiro de 194922 a situação económica das

colónias era bastante próspera, depois de se terem aplicado medidas para a organização

dos orçamentos coloniais, sendo que a partir dos anos 1931-32 e até o ano de 1947

começaram a demonstrar a sua eficácia com saldos bastante expressivos totalizando

cerca de 3 milhões de contos, ficando assim distribuídos esse valor conforme o quadro

21 Subsecretário de Estado das Colónias 22 In, Boletim Geral das Colónias, Ano XXV – N.º284, Fevereiro de 1949

Page 43: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

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n.º1, na qual se incidem os défice apresentados por algumas colónias nos períodos de

crise:

Quadro n.º 3 - Saldos das contas de exercício das colónias (1931/32 – 1947) Colónia Saldos das Contas

(valor em contos) Saldo definitivo

(valor em contos) Cabo Verde 55.000 6.000 Guiné 150.000 14.000 S.Tomé 80.000 17.000 Angola 750.000 200.000 Moçambique 1.500.000 312.000 Índia 11.000.000 (rupias) 20.000 (rupias) Macau 32.000.000 (pacatas) 90.000 (pacatas) Timor 5.000.000 (pacatas) 7.000 (pacatas)

Nessa mesma conferência Carneiro elucida para o facto de que essas receitas foram

utilizadas em proveito do interesse público, nomeadamente no reforço dos serviços da

saúde, da educação e às missões, que disponham sempre de valores mais elevados de

ano para ano. No entanto como se pode verificar no quadro acima, os saldos definitivos

continuavam a ser bastante expressivos. Carneiro afirma no seu discurso que: “Evitou-

se a ruína, e a Metrópole e as Colónias apresentam-se hoje com finanças sãs.”23

No entanto essas verbas não poderiam resolver a situação difícil das colónias e também

de Portugal, assolada por muitas revoltas da classe trabalhadora, que tinham

organizados uma serie de greves por reivindicações económicas, manifestações,

concentrações, marchas de fome e várias outras formas de luta, uma vez que não havia

um uso coerente e eficaz do governo na utilização desses saldos: “De Dezembro de

1946 a Junho deste ano, as reservas de ouro e outras disponibilidades do Banco de

Portugal no país e no estrangeiro diminuem em mais de um milhão e meio de contos (a

riqueza nacional é esbanjada em compras inúteis: em 1946 compraram-se 163.000

contos de fios e tecidos que a indústria nacional poderia produzir; só com a compra de

automóveis ligeiros, na sua maioria de luxo, gastam-se, nos primeiros seis meses de

1947, 155.752 contos; a importação de trigo, milho e batata, em 1946, orça pelos

500.000 contos; a de bacalhau, pelos 171.400 contos; a de lã, primeiros 6 meses de

23 In, Boletim Geral das Colónias, Ano XXV – N.º284, Fevereiro de 1949

Page 44: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

35

1947, pelos 129.908 contos, etc). Entretanto, com a compra de todo o material

ferroviário despendem-se apenas, em 1946, cerca de 27.000 contos…” (Almeida, 1979:

269)

Ainda no ano de 1947 essas despesas aumentam consideravelmente para além dos

produtos acima referidos destacam-se as despesas que o Governo tinha com as forças de

repressão, pelo Ministério da Guerra e da Marinha: “A despesa prevista com as forças

repressivas é de 158.213 contos (mais 35.538 contos que no ano anterior). Para a

PIDE (fora as despesas com “bufos” e vários departamentos do Estado) são destinados

11.051 contos (isto é, cerca de metade de todos os gastos com a saúde pública). Num

total de despesas do Estado de 5.694.484 contos, 1.319.911 contos são consumidos

pelos Ministérios da Guerra e da Marinha.” (Idem: 269-270)

Nas Actas das Sessões da Câmara do dia 08 de Janeiro de 1948 é enviado mais um

comunicado ao Governo, mostrando a situação difícil dos trabalhadores da ilha de S.

Vicente e solicita-se ainda a utilização do saldo de gerência do ano de 1947 no valor de

60.000$00.

Da análise do quadro n.º 4 verifica-se que: as contas aprovadas referente ao saldo de

1946 foram superiores aos previstos, ou seja as receitas foram maiores, ou ainda

podemos pensar que as despesas também foram maiores, mantendo-se o saldo positivo.

Em relação ao ano de 1947 podemos dizer que houve um aumento tanto a nível das

receitas como também com as despesas, uma vez que a Câmara tinha aprovado valores

inferiores no ano anterior. Nesse sentido teve-se que aumentar os valores (receitas e

despesas) tendo em conta o aumento da população activa.

Quadro n.º 4 - Aprovação Contas 1947 Saldo 1946 311.901$79 Receitas 1947 1.117.170$96 Despesas 1947 1.050.220$92 Saldo para 1948 378.841$83

A 07 de Outubro de 1949, a Câmara volta a insistir e envia mais uma nota ao Governo

solicitando o reforço da verba destinado ao pagamento dos trabalhadores, face a falta de

Page 45: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

36

trabalhos para os empregar, a diminuição dos movimentos do Porto Grande, os reflexos

da crise agrícola, insistiu mais uma vez para ser aprovada a autorização para o

levantamento do Fundo de Reserva do ano de 1947, do valor de 28.464$58, que

segundo orçamento enviado em anexo destinava-se aos trabalhos de alargamento e

renovação da rede eléctrica da ilha.

No ano de 1949 é oferecido a Cabo Verde o valor de 11.000$00, pelas colónias de

Angola, Moçambique, Guiné e São Tomé, por iniciativa do então Ministro das Colónias

o Capitão Teófilo Duarte, que tinha conseguido mobilizar as outras colónias para a

precária situação a que se encontrava a colónia de Cabo Verde.24

Figura n.º5 - Interior do Mercado de Verduras (Plurin d'Virdura) - Mindelo - 1949

Autor: Desconhecido.25

Após várias comunicações da situação dos trabalhadores desempregados em São

Vicente, chega a 05 de Agosto de 1950, a aprovação no Boletim Oficial n.º 31, da

retirada do valor de 50.000$00 do fundo de reserva do ano de 1948, destinada a

construção de novas obras na cidade.

Esta situação acima referida demonstra que as solicitações de ajuda ao governo da

colónia tinham resposta muito tardias, quando se sabe que as verbas solicitadas, 24 In, Actas das Sessões da Câmara Municipal de São Vicente, de 14 de Novembro de 1949 25Senhora de classe alta comprava o milho e dá-o as senhoras para o pilar em troca de alguns tostões.

Page 46: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

37

poderiam ser movimentadas porque faziam parte dos fundos de reservas e dos saldos

positivos dos anos anteriores, depositados no Banco Ultramarino, que não se

encontravam contemplados nos orçamentos dos anos seguintes e que numa situação

difícil em que se apresentava a sociedade da lha era aceitável a retirada desses valores.

Entre os anos 1947-1949 o país depara-se com a maior crise agrícola. A falta de chuvas

nas regiões de cultivo, nomeadamente em Santo Antão26, que desde 1945 não tinha

chovido e o facto de ser a ilha que mais mantimentos enviava a São Vicente, trás

consequências gravíssimas aos mindelenses, que também não podem recorrer as

reservas das outras ilhas uma vez que a situação é de crise geral. (Brito-Semedo, 2006:

305-306)

“ (…) Anos maus, agricolamente falando, prolongando-se com altos e baixos, mais

baixos do que altos, de 1940 a 1953 sangraram a economia da província desfalcando-a

de mais de 200 mil contos, empregues só na aquisição de géneros alimentícios

indispensáveis, (…)” (Almeida, 2007:110)

Seria a partir de 1954 que se poria em práticas medidas efectivas para a resolução dessa

situação. O governo propõe uma série de actividades como forma de empregar o maior

número de trabalhadores que tinham sido despedidos das actividades portuárias devido

a fraca movimentação dos navios.

Estes investimentos realizados a partir da década de 50 do século do século XX,

também designado como “os anos dourados” para Portugal, tiveram como principal

objectivo fazer crescer os seus investimentos aproveitando-se da mão-de-obra barata

das colónias.

26 A ilha de Santo Antão cuja actividade agrícola era a principal actividade económica tinha entrado em franco declínio no período pós- guerra. A situação é tal forma grave que chega-se a importar produtos fora do país, nomeadamente de Angola, que nas épocas normais de colheitas mais se produz nesta ilha (milho e feijão) como forma de socorrer as populações das zonas mais dependentes da produção agrícola, permitindo que esses géneros fossem adquiridos a baixo preço. “Fica temporariamente suspensa a cobrança do imposto 3% ad-valorem, destinado aos corpos administrativos dos concelhos da Ribeira Grande e do Paúl, sobre o milho e o feijão entrados nos respectivos concelhos para reabastecimento da Ilha de Santo Antão. Cumpra-se”, in Diploma Legislativo nº 909 – Boletim Oficial nº 25 de 22 de Junho de 1946

Page 47: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

38

Assim autoriza-se e dá-se início a 1ª fase dessas actividades, designadas por o I Plano

de Fomento, aprovado pela Lei n.º 2058, de 29 de Dezembro de 1952, resultado do

enquadramento de Portugal no Plano Marshall e da sua adesão à OECE, onde foram

elaborados planos de desenvolvimento anuais e de médio e longo prazo, cujas metas

foram a de melhorar o nível de vida, aliviar as pressões demográficas, melhorando a

produtividade do trabalho e reduzindo o emprego. Assim os principais objectivos eram:

fomentar a agricultura, aumentar a produção da energia eléctrica, conclusão das

indústrias de base existentes, instalação da siderurgia, desenvolvimento de meios de

comunicação e de transportes e ainda incentivos ao desenvolvimento da marinha

mercante, da refinação do petróleo e da produção de adubos. No entanto não são

disponibilizados verbas à saúde pública, ao ensino e a investigação científica.

Em relação a Cabo Verde o Plano previa o aproveitamento de recursos e povoamento,

comunicações e transporte, abrangendo o primeiro a irrigação, a produção de energia

eléctrica, e o segundo os caminhos-de-ferro e os portos.

Dos 4.354.834 contos, couberam a Cabo Verde a quantia de: 51.111 contos, aplicados

no aproveitamento de recursos e no investimento nos transportes couberam a Cabo

Verde a quantia de 45.678 contos, o que totalizaram o montante de 96.789 contos.

Ainda no I Plano de Fomento Ultramarino foram realizados alguns reajustes também a

nível financeiro, uma vez que se constatou que as verbas anteriormente destinadas eram

insuficientes. De entre as alterações propostas as principais para Cabo Verde a questão

dos transportes: “Em Cabo Verde as obras portuárias exigem, para se poderem realizar

em condições satisfatórias, seja elevada para 80.000 contos a verba de 45.000 que lhes

estava consignada. Sendo dispensável, por o serviço estar assegurado por empresa

particular, a verba de 10.000 contos destinada a transportes marítimos, o custo global

do Plano é elevado para 137.000 contos, devendo o novo encargo de 25.000 ser

coberto, como demais nesta província, por subsídio reembolsável da metrópole.” (in,

Actas da Câmara Corporativa, n.º 45, Abril de 1955)

O relatório do I Plano de Fomento foi alargado para uma dotação de 137.000 contos. No

entanto ficaram por gastar 44.000, cerca de 32%. Em sessão plenária do dia 30 de

Outubro de 1958, na Assembleia Nacional, o então deputado Dr. Duarte Silva disse que

Page 48: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

39

era «na realidade muito, sobretudo se considerarmos que Cabo Verde é uma província

onde tudo está por fazer. E mais ainda é de lamentar o facto quando verificamos que as

verbas não gastas dizem respeito a estradas e portos, precisamente as obras que (…)

mais necessárias são ao arquipélago».

As acções decorrentes do I Plano ficaram muito aquém dos resultados previstos, uma

vez que a maior parte dos investimentos foram canalizados para as infra-estruturas, que

imediatamente não se mostraram rentáveis, sendo que o desenvolvimento almejado

seria conseguido após a elaboração e efectivação do II Plano.

Numa 2ª fase, o II Plano de Fomento Ultramarino, aprovado pela Lei n.º 2094 de 24 de

Novembro de 1958, teria como objectivo essencial dar seguimento aos trabalhos

iniciados no I Plano, nomeadamente dar mais incentivos no sector industrial

estabelecendo-se um programa mais coerente, onde se estabeleceu algumas medidas

institucionais: criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial e do Banco de

Fomento Nacional e foram tomadas medidas que propiciassem o investimento privado

nas industrias e nas actividades financeiras. Para todo esse investimento prevê-se uma

verba no de 3.387.000 contos em Portugal e 9 milhões de contos nas colónias.

No que se refere a Cabo Verde, no II Plano continuam os investimentos nas obras de

regadio, nos trabalhos de rearborização e nas medidas de fomento pecuário, continuação

das pesquisas de águas subterrâneas para abastecimento da população e para fins

agrícolas, conclusão das obras do Porto Grande de São Vicente e do Porto Novo de

Santo Antão e começo dos outros nas outras ilhas, conclusão da construção da estrada

do Porto Novo à zona norte da ilha de Santo Antão, bem como o início de outras

estradas e seguimento dos trabalhos iniciados de estabelecimento de uma rede de

aeródromos nas principais ilhas; mas dar-se-ia especial atenção aos investimentos de

melhoramentos de carácter social, da saúde e da instrução, do conhecimento científico

do território e do apetrechamento dos serviços públicos. (Actas […], 26 Novembro de

1959, pg. 801)

Na elaboração dos programas dos designados Planos de Fomentos eram tidos em conta

algumas fontes de recursos, igualmente aplicados na metrópole: orçamento da

província, fundos autónomos, instituições de providência, empresas seguradoras,

Page 49: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

40

instituições de crédito, entidades particulares, autofinanciamento, empréstimos e

subsídios.

Sendo assim, dos 9 milhões de contos a que estavam destinados o II Plano de Fomento

para todas as colónias portuguesas, 5 milhões deveriam ser obtidos por empréstimos da

metrópole e 4 milhões deveriam provir dos recursos das próprias províncias.

Em relação a colónia de Cabo Verde o exposto acima não foi aplicado devida a precária

situação económica da mesma: Cabo Verde – Nem tem capacidade de crédito nem esta

em condições de mobilizar qualquer importância para despesas concernentes ao Plano

de Fomento. O seu financiamento (210 000 contos) fica, pois, integralmente a cargo da

metrópole. (In, Actas [...], 25 de Setembro de 1958, pg.239)

No entanto quase seis meses depois, as obras ainda não tinham iniciado e nem fazia-se

ideia de quando é que poderiam começar, aguardando-se primeiro, inspecções técnicas,

aos quais as condições climáticas ainda não tinham permitido realizar (ventos fortes,

agitação do mar) e ainda as avaliação técnicas que não se encontravam concluídas.

A 12 de Abril de 1958 é apresentada para apreciação na Câmara Corporativa um

documento registando a situação precária da colónia de Cabo Verde, solicitando um

reajustamento dos investimentos na mesma, conforme nos indica o resumo no quadro

em baixo:

Quadro nº5 – Investimentos em Cabo Verde - 1958 INVESTIMENTOS MILHARES DE

CONTOS Revisão da cartografia geral 3,5 Aproveitamento dos recursos (Agricultura, Silvicultura e Pecuária)

79

Industria (Pesca) 5,5 Comunicações e Transportes (execução do plano rodoviário; portos e aeroportos)

113

Instrução e Saúde 9 Total 210

Este II Plano previa uma actuação de conjunto abarcando os aproveitamentos

hidroagrícolas, a protecção do solo e defesa contra a erosão, o fomento florestal e o

Page 50: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

41

fomento agrário, tendo-se previsto o investimento de 3000 contos na cultura do café,

esperando que a produção desse produto iria melhorar consideravelmente a volume das

exportações da nossa colónia.

Outra actividade que seria apoiada no valor de 5500 contos, neste segundo plano seria a

pesca, reconhecida que era a grande diversidade de quantidade de peixes nas águas das

ilhas de Cabo Verde, fomentado-se a indústria pesqueira.

No que se refere as indústrias da ilha os relatórios Administrativos consultados fornece-

nos o seguinte quando, quanto a produção na ilha, de 1946 a 1949. De referir a falta de

dados referentes ao ano de 1948. No entanto pode-se verificar que das poucas

produções da ilha a tendência foi de descida da produção ou de oscilações com ligeiros

aumentos, nomeadamente nas poucas indústrias alimentícias, o que mais uma vez

demonstra-nos a situação difícil da ilha no período pós-guerra.

Quadro nº 6 – Unidades Industriais em São Vicente (1946-1949) Indústrias Unidade Produção

1946 1947 1948 1949 Bolachas quilos 174.170 239.100 - 162.594 Cal barricas 1.730 550 - 1.500 Calçado pares 1.083 670 - 584 Refrigerantes litros 26.420,4 28.231,7 - 21.831,3 Óleos não comestíveis quilos 24.820 10.101 - 10.388 Sabões quilos 21.820 41.809 - 34.247 Pães quilos 654.255,35 560.729,15 - 472.543,75 Massas quilos 20.700 4465 - 12.515 Tabacos quilos 19.083 17.401,5 - 148.955 Energia Eléctrica kw 79.834 74.109 - 97.270 Gelo quilos 10.500 48.450 - 5.500ª

Nota:ª - a fábrica não funcionou no 2º e 3º trimestre

A situação económica das ilhas de Cabo Verde começa a melhorar progressivamente a

partir do início dos anos cinquenta, altura em que as ilhas começam a ser agraciadas

pelas chuvas, que trazem muitos benefícios a economia interna, para além de melhorar

significativamente a vida da população. O quadro nº 7 mostra-nos essa melhoria

económica, em relação a produção interna e a exportação, referente aos anos de 1951 a

1952. No entanto os dados estatísticos fornecidos não nos permitem saber qual o

Page 51: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

42

contributo da ilha de São Vicente, no fornecimentos de produtos para exportação, uma

vez que os mesmos dizem respeito a exportação geral de Cabo Verde nesse período.

Quadro nº7 – Principais produtos exportados de Cabo Verde (1951-1952) Produtos 1951 1952

Quantidades em quilos

Valores em

escudos

Quantidades em quilos

Valores em

escudos Aguardente 180 2.200 280 3.030 Café 52.347 1.162,207 87.411 2.092,179 Frutas verdes 33.745 77.713 31.202 74.038 Milho 6.969 8.005 22.120 35.289 Peixe em conserva 246.378 3.580,369 579.520 8.097,092 Peixe em salmoura 56.795 397.565 48.471 474.811 Peixe seco 33.756 135.024 36.801 107.504 Peles e couros 24.716 272.321 41.658 452.028 Mostarda 34.805 166.575 1.406 6.378 Sal comum 23.583.820 2.270.192 24.296.646 2.342.280 Sementes de purgueira 1.566.146 2.338.891 2.705.432 4.756.304 Sementes de rícino 22.453 708.724 145.033 651.797 Tabaco 1.145 14.078 1.525 21.315

A administração do Concelho reclama no relatório de 1949, uma redistribuirão mais

justa dos apoios e verbas destinadas as ilhas do arquipélago, para a persecução de obras

e também para assistência da população. Segundo o quadro em baixo extraído do

referido relatório, comparativamente com as outras ilhas com menor número

populacional, nomeadamente a Brava, a Boavista e o Fogo, estas recebem mais apoio

do estado do que a ilha de São Vicente, que recebe mensalmente grande número de

pessoas de diversas ilhas e que não possui meios de subsistência para além dos

movimentos do porto, uma vez que como já se referiu anteriormente a ilha não possuía

grandes estruturas agrícolas.

De referir que a produção do aguardente tinha sido expressamente proibida pelo

Governo, através do Diploma Legislativo n.º 724 de Dezembro de 1941. No entanto

desde o ano de 1912, tinham sido publicados vários Diplomas, destinados a

regulamentação da produção e comercialização desse produto, nomeadamente através

do pagamento de taxas alfandegárias internas e externas, que sucessivamente eram

Page 52: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

43

aumentadas e ainda as restrições sobre o número de alambiques que poderiam funcionar

em Cabo Verde.

Sobre esta questão Carreira (1982) diz-nos o seguinte: [...] era em parte a política de

entravar as produções locais de forma a facilitar a conquista dos mercados pelos

produtos similares de origem metropolitana – neste caso os aguardentes e os

conhaques [...]

No entanto os produtos exportados eram de pouca qualidade e no caso do vinho, metade

da produção destinava-se as colónias: “Segundo o relatório do Decreto 24976, mais de

50% da produção vinícola portuguesa é absorvida pelas colónias. Para o membro da

Assembleia Nacional Henrique Cabrita, o vinho para lá enviado seria adulterado por

produtos químicos. O seu colega Pacheco de Amorim condena também o chamado

“vinho para preto”, que se exporta para África.” (Almeida, 1979: 226)

Essa ideia é confirmada por Matoso que disse que o Governo Português na sua política

de desenvolvimento da sua indústria interna privilegia os produtos da metrópole em

detrimento dos mesmos produzidos na colónia. “Noutros casos relativamente

importantes os exportadores coloniais não conseguiram bonificar os seus produtos. O

tabaco, o álcool e a aguardente pagam direitos como se fossem artigos estrangeiros.

No primeiro caso para proteger a indústria tabaqueira metropolitana (novamente a

CUF, desta vez contra os interesses coloniais…), e nos outros para impedir a

concorrência à viticultura.” (Matoso, 1998:257)

Como consequências dessas restrições os produtores da aguardente em Cabo Verde,

começam a produzi-lo e a comercializa-lo de forma clandestina, inter-ilhas e com a

navegação de longo curso que aportava na ilha de São Vicente.

Tendo em conta esses aspectos acima referido estima-se que a produção da aguardente

tenha sido superior ao que as estatísticas oficiais nos apresentam.

Page 53: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

44

Relativamente a produção industrial, a partir de 1945, através do Decreto nº 34562, de

01 de Maio, que se mostrou importante criar uma legislação que regulamenta-se a

produção no Ultramar, principalmente às produções que se encontram nas mãos dos

estrangeiros, aos quais o governo português não tinha até então nenhum controlo: “[...]

as companhias estrangeiras não se acham registadas nem nas colónias e nem no

continente e o exercício da sua industria se faz sem qualquer fiscalização ou

autorização. [...] Desta situação privilegiada resulta que o Estado é desfalcado, por

falta de pagamento de contribuição e impostos, e isto tanto na metrópole como nas

colónias; que a balança económica é desfalcada, pela drenagem do ouro para fora do

Império; que as garantias do cumprimento das obrigações por parte das companhias

estrangeiras, quando discutidas contenciosamente, são precárias.” (in, Actas da

Câmara Corporativa, n.º 103, Fevereiro de 1954).

Em relação a indústrias estrangeiras fixadas em Cabo Verde, até a data de 1954, essa

legislação nunca foi posta em prática. O documento acima referido diz-nos que: “Em

Cabo Verde, Guiné, Moçambique e Macau nenhuma providência legislativa foi

publicada, não obstante em algumas dessas províncias se terem iniciado estudos para

esse efeito, pelo que tem de considerar-se que, nesta matéria, teriam apenas aplicados

os preceitos do Comercial relativos a sociedades anónimas e de seguros.”

Quadro nº 8 – Distribuição de verbas para a Colónia de Cabo Verde (1949) ILHAS/CONCELHOS MONTANTES DISTRIBUÍDOS

(valores anuais) Obras Assistência

Boavista 448.500$00 133.000$00 Brava 1.016.000$00 262.000$00 Fogo 1.230.000$00 39.000$00 S. Nicolau 1.501.000$00 117.000$00 Santa Catarina 1.787.000$00 932.000$00 Tarrafal 2.174.6000$00 1.043.000$00 Praia 4.663.500$00 3.515.000$00 Paúl 2.099.500$00 887.000$00 Ribeira Grande 1.976.000$00 813.000$00 Maio 327.500$00 75.000$00 São Vicente 516.582$00 24.000$00

Page 54: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

45

Decorrente dessa grave crise económica, presencia-se também o agravar da situação

social, que já se mostrava bastante débil com a decadência do Porto Grande, em finais

do século XIX.

O fim da guerra representou uma mudança de ordem mundial, na qual se exteriorizou

nas manifestações de exultação que ocorrem em todo o Mundo, esperando pelo triunfo

das democracias liberais e desaparecimento das ditaduras. Em Cabo Verde a notícia do

fim da guerra foi também aclamada com muita esperança, nomeadamente na ideia que

as mudanças internacionais significaram para as colónias uma maior abertura com vista

a modernização das mesmas e no caso específico da ilha de São Vicente, representou o

acender das esperanças nos tempos áureos do Porto Grande.

Na entrevista feita ao Sr. Gregório Dias ele afirma que nesse dia as pessoas saíram a rua

após terem ouvido um senhor que tocava um tambor anunciando o fim da guerra por

onde passava: “Guerra já terminou… guerra já terminou!”27

O Sr. Arnaldo Lima afirma que estava na escola e a professora comunicou que: “a

grande guerra tinha enfim terminado”. No entanto passado esse momento diz que não

via nas pessoas aquela euforia apesar de nesse dia o assunto ter sido o mesmo: a guerra

tinha terminado e os Aliados tinham vencido.28

Tendo em conta que se encontra perante uma cidade-porto, com todas as características

que se pode observar numa cidade deste género, nomeadamente o facto de quase todos

os serviços gravitarem a volta das actividades do porto, depara-se com uma crise social

que se alastra a quase toda a população. A classe da elite corresponde ao que melhor

consegue contornar essa situação, principalmente os comerciantes. O restante da

população vive em condições sub humanas, com problemas de alimentação e

higiénicos-sanitários. Essa situação faz aumentar consideravelmente o número de

indigentes que vagueavam pelas ruas do Mindelo.

Segundo o relatório Administrativo de 1949 a população havia aumentado

consideravelmente com a entrada de pessoas das outras ilhas do Barlavento, que 27 Entrevista realizada no dia 14 de Setembro de 2009, na residência do mesmo, zona da Ribeira Bote 28 Entrevista realizada no dia 19 de Setembro de 2009, no restaurante do mesmo, na rua de Matijim (Zona Histórica do Mindelo)

Page 55: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

46

passando por graves necessidades nas ilhas de origem, nomeadamente nas ilhas de

Santo Antão e São Nicolau, ilhas essencialmente agrícolas, que viam em São Vicente

uma possibilidade de melhorar a sua situação, ou pelo menos uma porta de saída para

outras paragens.

Apesar de haver grandes movimentações de contratados para outras colónias,

continuava a haver na ilha grande número de pessoas desempregados e debilitadas

fisicamente, que não lhes permitia ter essa possibilidade de saída como contratados.

“ (…) a morte do carvão como combustível necessário à propulsão dos navios de longo

curso que demandavam o Porto Grande, lançou na miséria o grosso da população do

Mindelo e criou ali um legião de indigentes (…)” (Almeida, 2007:110)

“ (…) Há em S.Vicente 17.000 pessoas que constituem peso morto, 85% da população

arrastando uma vida de privações e de miséria.” (Almeida, 2007:124)

Os relatórios da Administração do Concelho de São Vicente referentes aos anos de 1946

e 194929 chamam a atenção para o número crescente de delinquentes juvenis que

vagueavam pelas ruas da cidade cometendo furtos, devendo para a resolução deste caso

criar uma colónia penal agrícola ou um internato/escola de artes e ofícios, destinado a

regeneração de menores e dirigidos pelos Salezianos.

Esses mesmos relatórios mostra-nos a situação precária de saúde e higiene que

afectaram a ilha no pós Segunda Guerra Mundial. Doenças como a sífilis, a lepra, a

tuberculose e outras doenças venéreas, preocupavam a administração, pelo facto de não

haver formas eficazes de tratamentos e em número suficiente para toda a população.

De referir que o hospital da ilha não estava convenientemente preparado para receber

doentes afectados por essas doenças, uma vez que não possuía alas de isolamento e nem

medicamentos adequados, sendo que os doentes eram enviados para as suas casas e

ficavam a sua sorte, provocando o alastramento das doenças contagiosas: “Em Cabo

Verde no ano de 1950 contam-se somente três hospitais com 380 camas… Não

29 In, Relatórios da Administração do Concelho de São Vicente, referente aos anos de 1946 a 1949, Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, RPSAC, caixa nº 125 e 126

Page 56: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

47

contando com as cinco enfermarias designadas por hospitais regionais.” (Almeida,

1979: 288)

Esta situação agravou-se ainda mais com o crescente aumento da prostituição na ilha,

principalmente com a permanência do numeroso contingente de tropas expedicionárias

na ilha, por um período de quase 6 anos, uma vez que não havia controlo por parte das

unidades sanitárias, acabando por serem também veículos transmissores de doenças

sexualmente transmissíveis.

Aliada a estas doenças consideradas mais graves devido ao número de mortes que

faziam anualmente, tem-se ainda doenças gastro-interites agudas, que provocavam a

debilidade de grande número da população pobre que vivia em péssimas condições

habitacionais.

No entanto a administração do concelho da ilha agradeceu a oferta de materiais e

medicamentos pelo Hospital Militar, aquando da saída das tropas expedicionárias da

ilha. Essa ajuda foi muito aplaudida pela Administração do concelho que possuía uma

unidade hospitalar civil com poucos recursos e desta forma fornecia tratamento

insuficiente e inadequado, havendo somente o serviço de cirurgia, uma maternidade, um

dispensário para consultas externas, enfermeiros de medicina geral e inexistência de

locais de isolamento para os doentes com doenças infecto-contagiosas e nem meios de

desinfecção ou esterilização dos materiais hospitalares. Nessas condições era difícil

melhorar a situação da população através dos cuidados médicos.

Figura n.º 6 - Consultório do Hospital de Mindelo - 1943

Autor: Desconhecido

Page 57: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

48

1 – Movimentos das embarcações e das mercadorias em Cabo Verde

Neste ponto torna-se necessário analisar as entradas e saídas das embarcações em Cabo

Verde. No entanto as informações encontradas reportam-se a partir do ano de 1947 até

1951, uma vez que não foi possível encontrar dados estatísticos anteriores a essa data.

Gráfico nº 1 – Movimento das Embarcações 1947 a 1951

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

1947 1948 1949 1950 1951

P ortugues es

E s trangeiros

O Gráfico n.º 1, regista que houve mais entrada de embarcações estrangeiras do que

Portuguesas, sendo que a maior parte eram navios de longo curso que aportavam no

Porto Grande. A situação começou a inverter a partir de 1950, altura em que as

embarcações portuguesas começam a chegar em Cabo Verde em maior número, sendo

também a partir desta data que se regista um aumento considerável dos movimentos

marítimos no geral depois da grande guerra. (vide quadro em anexo n.º1)

Gráfico nº 2 – Carga Descarregada segundo a nacionalidade das embarcações – 1947 a 1951

0

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

Port

uguesa

Am

ericana

Belg

a

Esp

anhola

Fra

ncesa

Gre

ga

Hola

ndesa

Ingle

s a

Noru

egues a

outra

s

1947

1948

1949

1950

1951

Page 58: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

49

Quanto ao volume cargas e descargas realizadas em Cabo Verde durante o período

compreendido entre 1947 a 1951, pode-se constatar através do gráfico n.º 2, na qual os

números referem-se a quantidades em toneladas, que os navios de nacionalidade inglesa

descarregavam maiores quantidades de mercadorias, seguido pelas embarcações

americanas e norueguesas, respectivamente. Esta tendência iria manter-se para as

embarcações inglesas que até o ano de 1951 continuaram a ser os que mais mercadorias

descarregaram em Cabo Verde, seguidos pelos noruegueses.

De referir a grande quantidade descarregada por navios não identificados de outras

nacionalidades nas estatísticas. (vide quadro em anexo n.º2)

Quadro n.º 9- Carga carregada segundo a nacionalidade das embarcações - 1947 a 1951

Nacionalidades

Ano Portuguesa Americana Belga Espanhola Francesa Grega Holandesa Inglesa Norueguesa Suiça outras

1947 3.881 12 11 534 56 16 3.398 3.456

1948

1949 5.801 70 36 12 1 17.854

1950 5.286 2.227 9.334 4.878 16.793

1951 8.580 5.984 2.927 2.360 237 2.212 4.779 927

Obs.: Quantidades em toneladas

Em relação ao carregamento de mercadorias em Cabo Verde, verifica-se através do

quadro n.º 9, que os navios portugueses eram os que mais carregavam nessa época.

No entanto nota-se que a partir do ano de 1950 aumenta consideravelmente o número de

carregamentos efectuados em Cabo Verde, começando a aparecer embarcações de

outras nacionalidades, o que se deduz que a situação económica começava a demonstrar

algumas melhorias, após a grande seca de 1947-48.

Realça-se ainda a falta de informações em relação ao ano de 1948 e de os Boletins de

Estatística não mencionarem quais eram as mercadorias que entravam e quais as que

Page 59: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

50

saíam de Cabo Verde, o que não nos permite saber se eram produtos nacionais que eram

exportados.

Fazendo uma análise nossa dos quadros acima, verificamos que o quadro nº 5 verifica-

se que as descargas dos navios portugueses eram muito menores do que os estrangeiros,

apesar de a partir do ano 1950, terem aumentado o número de navios portugueses.

Pensa-se que esse aumento dos navios devia-se ao grande número de emigrantes que

saíam para a Europa, porque de outro modo não se justifica a presença de grande

número de barcos, se o número de carga e descarga de materiais eram muito pouco

comparativamente aos dados dos movimentos estrangeiros.

Trata-se de uma época onde a entrada de mão-de-obra na Europa era necessária para a

sua reconstrução e que segundo os dados estatísticos, a partir dos anos 50 regista-se uma

grande saída de emigrantes.

Page 60: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

51

2 – Movimentos Associativos de Assistência e de Classe

A 7 de Junho de 1956, aproveitando-se da apresentação de uma nova legislação

corporativa metropolitana, é apresentada uma adaptação das mesmas as províncias

ultramarinas, justificando-se a importância de o ultramar dispor de uma dispositivo

legal que regulamenta-se a existência de algumas organismos corporativos e de

coordenação económica existentes na altura.

Em Cabo Verde são indicadas 3 sindicatos: Sindicato Nacional dos Empregados do

Comércio e Ofícios Correlativos (Portaria Ministerial n.º11240, de 17 de Janeiro de 1946);

Sindicato dos Inscritos Marítimos (Portaria n.º 8455 de 25 de Outubro de 1947) e Sindicato

dos Operários das Empresas Fornecedoras de Combustíveis e Água à Navegação

(Portaria n.º 14174, de 10 de Março de 1951)

Dos relatórios do Governo analisados constatou-se a indicação de alguns movimentos

associativos na ilha de São Vicente. Mas devido a própria situação que se vivia na altura

em estudo, havia anos que essas associações não apresentavam nenhuma actividade

voltando ao activo nos anos seguintes.

Dessas associações existente a que sempre manteve-se “de pé” com muitas dificuldades

foi a Associação de Caridade, fundada em Fevereiro de 1947, com apoios religiosos (na

administração e assistência) e de comerciantes (apoio financeiro) albergava crianças

órfãos e ainda apoiava crianças carenciadas, famílias pobres e recém nascidos.

Havia ainda a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento, que também

ajudou a população mindelense, tanto na recolha de alimentos e roupas para distribuição

aos mais necessitados, como também, aproveitando-se do facto do seu corpo gerente ter

elementos ligados ao grande comércio e a administração da ilha, para chamar a atenção

do governo central das colónias para a situação difícil de todos os cabo-verdianos. No

entanto, o relatório do ano de 1949, diz-nos que naquele ano os sócios tinham

manifestado pouco interesse pela associação.

Sobre a Associação Comercial dos Lojistas de Barlavento, a Associação Operária Cabo-

verdiana e ainda o Sindicato Nacional dos Inscritos Marítimos de Cabo Verde,

Page 61: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

52

desconhece-se se estes tiveram um papel social activo como a primeira, embora o

relatório do Concelho de São Vicente dos anos de 1946 a 1949, informa-nos que não

tiveram nenhuma actividade apesar de os seus estatutos estarem aprovados.30

De referir a criação a 17 de Janeiro de 1946 do Sindicato Nacional dos Empregados do

Comércio e Ofícios Correlativos da Colónia de Cabo Verde com sede na Praia. Este

organismo de carácter corporativo, com personalidade jurídica, representava todos os

profissionais que dentro da colónia trabalhavam no ramo do comércio, escritórios

comerciais e botequins, deveria garantir os interesses dos seus associados e velar por

melhores condições de trabalho, higiene e segurança. Poderiam ser admitidos como

sócios, indivíduos de ambos os sexos, portugueses ou estrangeiros, maiores de 18 anos e

pagar a devida cota mensal. Este sindicato afirmava o seu respeito pelos princípios e

finalidades da colectividade nacional e renunciava expressamente toda e qualquer

actividade contrária aos interesses da Nação Portuguesa, repudiando a luta de classes.31

Dos relatórios analisados da Administração do Concelho de São Vicente não foi

encontrado nenhuma referência a esse sindicato, nem a menção se havia uma delegação

na ilha, uma vez que se trata de ilha com forte vocação comercial.

De referir ainda a não referência, nesses mesmos relatórios, de actividades sociais

levados a cabo pela Igreja Católica.

Das entrevistas realizadas aos Sr.s Gregório Dias e Arnaldo Lima, eles desconheceram a

existência de tais associações, dizendo que se os mesmos existiam não sabiam quais as

suas actividades e muito menos onde ficavam sediados.

30 In, Relatórios da Administração do Concelho de São Vicente, referente aos anos de 1946 e 1947, Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, RPSAC, caixa nº 125 e 126 31 In, Diário do Governo, I Série, nº III, ano 1946

Page 62: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

53

3 - O Problema da Adjacência

Nesse contexto de crise geral dos anos 40 do século XX entram em “cena” vários

adeptos da atribuição à Cabo Verde do estatuto de território adjacente, ficando em pé de

igualdade com os arquipélagos da Madeira e dos Açores e chamando a responsabilidade

portuguesa na resolução da crise.

Um dos grandes nomes que defendeu essa causa no órgão competente, foi o Dr.

Adriano Duarte Silva, então deputado de Cabo Verde na Assembleia Nacional

Portuguesa. No seu discurso em sessão plenária de 30 de Outubro de 1958, para além de

reivindicar o comprimento do orçamento por parte do governo português, para se

proceder o acabamento de obras cruciais para o desenvolvimento sustentado de Cabo

Verde, nomeadamente os transportes, enfatizando a situação do Porto Grande da ilha de

São Vicente, que no seu entender deveria estar melhor apetrechado como porto de

reabastecimento que era e pela importância que desempenhava como sendo o principal

porto de reabastecimento da metrópole, chegando a fornecer quantidades superiores de

combustíveis líquidos em relação ao porto de Lisboa, tendo em atenção que o porto de

São Vicente era meramente um porto de escala.

Acrescenta ainda que a intervenção do estado português não se deveria limitar-se

somente ao seu apetrechamento, mas também a actualização dos preços de combustíveis

que continuavam a ser bastantes baixos em comparação com outros portos de

reabastecimento. Facto que no entanto, não impedem que esses portos continuam a

receber mais barcos porque o tempo de abastecimento é menor: “A razão por que

muitos barcos preferem Dacar a S.Vicente é que, enquanto naquele porto o combustível

lhes pode ser fornecido à razão de 1000 toneladas por hora, em S.Vicente não

conseguem obter mais do que 300. E o tempo como se sabe é dinheiro.”

Ele finaliza o discurso com o pedido para a adjacência de Cabo Verde a Portugal e de

todos os benesses daí advenientes. (in Actas das Sessões da Câmara Corporativa, 22

Fevereiro 1946, Diário das Sessões nº 35)

Em seguida, houve várias declarações públicas a favor da adjacência, mas com uma

outra finalidade, que era a preservação das colónias, tendo em conta a ameaça da

descolonização.

Page 63: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

54

De entre esses apoiantes desse novo estatuto a Cabo Verde, estava o então Ministro dos

Negócios Estrangeiros, que a 8 de Novembro de 1958, publica no jornal Diário Popular,

integrado no Boletim Económico, o texto sobre o nome de ``Cabo Verde: ilhas

adjacentes`,̀ na qual ele expressa o seu apoio ao deputado Dr. Adriano Silva dizendo

que: ` t̀al integração constitui imperativo nacional.`` Relata com alguma triste a

situação da colónia cabo-verdiana enaltecendo a capacidade desta colónia em contornar

as suas adversidades com espírito de sacrifício e denuncia as pesadas imposições fiscais

da metrópole alegando que as mesmas são injustas para um povo que muito pouco tinha

para dar: “Os portugueses de Cabo Verde são evoluídos e capazes. Esgotam as

possibilidades de aprendizagem de que dispõem, mesmo alguns a quem o pão falta. E

muitos e muitos se afirmam e acreditam entre o melhor escol lusitano (…) O próprio

dinheiro é sobrecarregado e diminuído por força do regime vigente: cem escudos que

para ali vão, da metrópole, deixam dez no banco. Pagam-se cem escudos e recebem-se

noventa (…) Pescarias, conservas, rum, pozolanas que, aproveitadas em soluções

técnico-económicas adequadas, poderiam ser riqueza progressiva, nem pobreza são.”

Este texto acima referido surgiu numa altura em que as independências africanas

estavam na ordem do dia por isso, pensa-se que esse apoio de um membro do governo

da metrópole tinha como finalidade a angariação de simpatias políticas. No mesmo

texto ela afirma que: “O Noroeste de África vai-se autonomizando em Estados

independentes que vão surgindo. Na efervescência dos seus nacionalismos confusos, a

expansão e o desejo de absorção têm de considerar-se, objectivamente, como um

fenómeno biológico. Anulá-lo, limitá-lo ou contê-lo, só por outro mais forte. E nisso,

como no futebol e em tudo, é primacial a antecipação da jogada. [...] A Europa ou se

fixa na África e nela mantém e completa a sua europeização ou acabará por ser o que é

geograficamente: uma península asiática. E nós, portugueses, não podemos ceder um

só dia na consolidação do que lá temos.”

Opinião favorável a adjacência, mas com alguma cautela, tem o Dr. Manuel Ribeiro de

Almeida, que foi Presidente da Câmara Municipal de São Vicente e da Associação

Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento, fundador e director do jornal Notícias

de Cabo Verde, afirmou que: a integração de Cabo Verde no regime administrativo

metropolitano é o corolário natural das condições de verdadeira assimilação dos

Page 64: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

55

naturais da província que atingiram, de há muito (...), um estado de adiantamento no

campo civil e político que justifica plenamente o conceito. Mas mostra uma certa

prudência quando afirma o seguinte: gostaríamos de ver o assunto largamente debatido

na imprensa, porque segundo ele havia muita gente que não encaravam este estatuto

com simpatia, preocupados com os encargos fiscais aos quais Cabo Verde poderia vir a

estar sujeito, que poderiam passar a ser superiores as que estavam a ser aplicados na

altura, que eram considerados bastante elevados para a fraca produção do país, nesse

sentido era necessário uma maior divulgação e esclarecimento por parte dos meios de

comunicação social. 32

Como não poderia deixar de ser, aparecem pessoas com algumas ressalvas e cepticismo

quanto ao estatuto de colónias adjacentes. Uma delas foi de uma das figuras ilustre de

São Vicente, o advogado Dr. Bento Levy. Este afirmou que o progresso de Cabo Verde

dependia somente da melhoria da sua situação financeira, independentemente de sua

administração estar ou não ligado a metrópole.

Disse ainda que não era contra a descentralização de poderes, uma vez que acredita que

um governo local teria sempre um conhecimento mais profundo dos problemas, aos

quais mais rapidamente também teria capacidade de dar respostas. Em relação aos

corpos administrativos realça que caso venha a ser atribuído este estatuto a Cabo Verde,

o problema estaria na compreensão e integração de um novo meio [Cabo Verde], por

parte de governadores habituados a metrópole, tarefa que não era fácil. (Boletim de

Propaganda e Informação, Ano IV, n.º 42: 17-18)

A 19 de Janeiro de 1951, discutiu-se na Sessão da Câmara Corporativa33 o estatuto de

colónia adjacente para Cabo Verde e quais seriam os proveitos a retirar desse estatuto.

A Câmara afirma que: como colónia o arquipélago desfruta de ampla autonomia,

possui um governador com largos poderes, junto do qual actua o Conselho do Governo,

onde tem voz os representantes locais. Demonstram-se que com este estatuto Cabo

Verde não teria nada a ganhar e o quanto dispendiosa iria ser a sua administração: a

legislação e o regime fiscal teriam de ajustar-se aos moldes metropolitanos, a sua

32 In, Cabo Verde Boletim de Propaganda e Informação, Abril de 1959 33 Diário das Sessões nº 70, pg. 296

Page 65: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

56

autonomia seria suficiente para lhe não deixar receber subsídios regulares do Estado

(...), no entanto reconhece alguns benefícios que a colónia poderia ter com esse estatuto:

a sua importância económica e estratégica como nó de comunicações marítimas e

aéreas no Atlantico e o facto de já alguns dos seus serviços (defesa, aeroportos,

meteorologia) estarem ligados a Ministérios metropolitanos.

Neste sentido recomenda-se nessa sessão a maior prudência na atribuição deste estatuto

de colónia adjacente, podendo-se começar por estabelecer um regime de transição caso

o governo da metrópole opta-se pela implementação desse estatuto.

Não obstante a polémica, os vários discursos contra e a favor do estatuto de ilhas

adjacente, Cabo Verde manteve-se com o estatuto de colónia até a implementação da

independência que viria a acontecer a 15 de Julho de 1975.

Page 66: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

57

IV - Consequências da crise

1 - Emigração

Apesar de muitos apelos, a situação bastante difícil em Cabo Verde e mais alarmante da

população mindelense, ao governo português, nenhum teve efeito prático e urgente.

Uma das medidas tomadas pelo então governo foi a abertura a emigração, em muitos

casos forçada, tendo-se como exemplo a emigração para S. Tomé, onde somente uma

minoria conseguiu regressar a ilha, mas também para a Europa: Holanda, Portugal,

França, Luxemburgo, Itália, Suíça, etc.

Com esta nova orientação dos imigrantes cabo-verdianos para outros destinos,

decresceu consideravelmente as saídas para os Estudos Unidos da América, que até este

período tinha sido o principal país receptor dos emigrantes cabo-verdianos, embora se

realce que a partir de 1919, os Estados Unidos tinham impostos algumas restrições a

entrada de emigrantes no país.

“A emigração – aliviando as ilhas de certo número de bocas a sustentar – para países

desenvolvidos, em particular para a Europa, constitui um dos principais factores da

cessação de essas hecatombes. Trabalhando duramente nos países de destino, mas

auferindo salários elevados em relação aos possíveis de obter nas ilhas, esses

emigrantes tornaram-se nas principais fontes de divisas (…)” (Carreira, 1984: 128)

De referir que essa prática da emigração dirigida a cólonia de São Tomé, não

representava uma novidade, uma vez que era conhecida desde finais do século XVIII,

mas que nesse período intensificou-se, devido também aos graves problemas de fome.

A emigração para São Tomé e Príncipe tem as suas raízes históricas no ano de 1863,

altura da criação de grandes extensões de roças de café e cacau. Devido a falta de mão-

de-obra e coincidindo com a grande estiagem que assolou Cabo Verde nos anos de 1850

Page 67: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

58

- 1866, o governo português resolve essa situação através de uma emigração orientada

para São Tomé, regulada pela Portaria Régia nº 250, de 19 de Dezembro de 1863.34

Nos anos 40 a emigração para São Tomé e Príncipe tinha como principal motivo a fome

que assolou as ilhas de Cabo Verde. Mas a partir dos anos 50 a fome deixa de ser o

principal motivo passando a explicar a sua partida como forma de melhorar as suas

condições de vida, escassez de trabalhos e porque tinha-se a ilusão de que em São Tomé

os trabalhos eram melhor remunerados.

Toda essa situação estava directamente relacionada com a crise económica que se vivia

na cidade do Mindelo. No entanto, parece-nos que essa procura de melhores condições

de vida, representava uma fuga a condição de miséria que a população mindelense

vivia. Nascimento (2008) mostra-nos que as pessoas por ele entrevistadas utilizam com

maior frequência a palavra necessidade em vez da palavra fome. No crioulo de Cabo

Verde, na variante de São Vicente, passá necessidad, significa eufemisticamente passar

fome. Por isso, o facto de se ter substituído a terminologia portuguesa pela cabo-

verdiana, não lhe retirou o significado uma vez que continuou a significar a mesma

coisa.

“A partir da II Guerra Mundial, o número de cabo-verdianos cresceu nas roças [de

São Tomé] e, devido à maior liberdade de movimentos de que eles e suas famílias

desfrutavam, puderam assim conservar parte da sua cultura e permanecer como uma

comunidade distinta no arquipélago equatorial.” (Nascimento, 2003:91)

Em Junho de 1954, numa entrevista concedida a Revista Cabo Verde, nº57, o deputado

por Cabo Verde, Dr. Adriano Duarte Silva, mostrou-se preocupado com a saída de

tantos cabo-verdianos para as roças de São Tomé, demonstrando que depois haveria

necessidade de trabalhadores em Cabo Verde por altura da realização do I Plano de

Fomento. Não reconhece que essa emigração fosse proveitosa para Cabo Verde, porque

não havia uma valorização dessa mão-de-obra, que trabalhavam em péssimas condições

e realça o problema dos salários que eram muito baixos: “Se realmente a economia de

34 Esta Portaria Régia viria a ser alterada a 18 de Maio de 1864, onde se poderia ler o seguinte: “O governador, em qualquer transporte de que possa dispor, ou nos paquetes, faça transportar para as ilhas de S.Tomé e Príncipe, até 1000 indivíduos de ambos os sexos, empregando para esse fim todos os meios possíveis de persuasão”, Carreira, 1983, 150-151.

Page 68: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

59

S.Tomé necessita dos nossos trabalhadores, deverá remunerá-los convenientemente. A

verdade é que os serviçais que voltam, regressam em geral com a saúde abalada e com

escassas economias.”35

O vencimento estipulado nos contratos de trabalho para São Tomé estava assim

definido: 100$00 mensal para os homens e 70$00 para as mulheres, com alojamento,

alimentação e algum vestuário por conta entidade patronal. (Almeida, 2007:136)

Sobre a questão dos vencimentos aplicados aos contratados cabo-verdianos para as

outras colónias portuguesas, elucida-nos o quadro n.º 8 que nos mostra a variação

salarial nas mesmas.

Quadro n.º 10 - Relação dos vencimentos dos contratados nas diferente colónias (valores mensais)

CONTRATADOS COLÓNIAS Angola Ilha do Princípeª São Tomé

Homens 100$00 80$00 90$00 Mulheres 60$00 60$00 70$00 Menores de 14 a 16 anos (sexo masculino) 40$00 40$00 40$00 Menores de 14 a 16 anos (sexo femenino) 30$00 30$00 30$00 Menores de 16 a 18 anos (sexo masculino) 60$00 40$00 40$00 Menores de 16 a 18 anos (sexo femenino) 50$00 30$00 30$00

Notas: ª – a partir do 3º ano de trabalho haveria um aumento de 20$00 para os homens e as mulheres e de 10$00 para crianças com idades compreendidas entre 16 a 18 anos, para ambos os sexos.

A situação dos trabalhadores em S. Tomé sempre suscitou preocupações ao governo da

colónia de Cabo Verde, uma vez que era a colónia para onde se dirigiu maior número de

cabo-verdianos.

A partir do ano de 1945 começam a ser elaboradas propostas de regulamento da

emigração para as colónias de São Tomé, Moçambique e Angola. Em Maio de 1948 é

produzido um projecto de Diploma Legislativo para Trabalhadores cabo-verdianos

contratados para as outras colónias.

35 In, Revista Cabo Verde, Boletim de Informação e Propaganda, 1 de Junho 1954, Ano V, nº57

Page 69: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

60

A 02 de Junho de 1952 é aprovado as alterações ao Diploma legislativo, n.º 956 de 04

de Setembro de 1947, que regulava as contratações para São Tomé. Estas alterações

surgiram da recolha e uniformização de pareceres, resultantes de inquéritos dirigidos

por todos os administradores dos concelhos de Cabo Verde, nas quais foram ouvidas

todas as pessoas que tinham regressado de São Tomé. Dessa alterações propostas nesse

novo diploma, procurava-se salvaguardar os interesses dos contratados cabo-verdianos,

nomeadamente assegurar-lhes o cumprimento do contrato, prevendo-lhes um tratamento

mais humano, depois de comprovadas que os mesmos estavam sujeitos a castigos

corporais, melhorias de vencimento comparativamente com o das outras colónias,

medidas de protecção as crianças com menos de 14 anos, melhorias na alimentação e

fornecimento de vestuários

Duarte Silva, deputado para Cabo Verde apresentou algumas alternativas caso o

Governo insistir em manter essa emigração. A primeira seria de que os serviçais cabo-

verdianos deveriam trabalhar em alternância, ou seja, viajariam para São Tomé nos

períodos de escassez das chuvas em Cabo Verde e regressariam na época das águas,

onde o trabalho da terra exigiria mais trabalhadores. A segunda alternativa era de que

deveriam eliminar os contratadores, com a justificação de que eram os únicos que

beneficiavam com grandes margens de lucros dessa emigração, passando a haver uma

corporação governamental que trataria dos contratos colectivos entre o Sindicato de

Cabo Verde e o Grémio dos agricultores de São Tomé.

Durante o período pós-guerra alguns autores estimam uma redução de 30% da

população mindelense.

Segundo Carreira, o período compreendido entre 1946 a 1973 é considerado o período

de maior êxodo para o exterior, preferencialmente para os países europeus. (Carreira,

1983: 107)

Claúdio Furtado (1993) corrobora a afirmação de Carreira e afirma que: é a partir da

década de cinquenta que assistimos a uma saída em massa de cabo-verdianos. Ele

explica que dois factores estiveram na origem dessa saída: a seca que assolou as ilhas na

década de quarenta e ainda a II Guerra Mundial que trouxe “graves problemas

económicos para as ilhas, nomeadamente uma estagnação, falta de empregos,

Page 70: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

61

impossibilidade de importação de alimentos ou de outros recursos da metrópole.

Acresce-se a isto o relativo abandono que a administração colonial votou Cabo Verde,

destituído mesmo do mínimo de recursos financeiros para o desenvolvimento de obras

de infra-estruturas primordiais para a economia da ilha. ”

Furtado (1993) afirma ainda que: “O fluxo migratório anteriormente voltado

preferencialmente as Américas e continente africano passa a direccionar-se a partir

dos anos 50, para os países da Comunidade Económica Europeia (CEE) e para

Portugal. Os países da CEE conheciam um período de grande prosperidade e expansão

económica, necessitando de mão-de-obra, mesmo não sendo esta especializada.”

No entanto, o governo português começa a submeter a partir de 1940, a emigração legal

a um rigoroso controlo, tornando-o mais burocrático, centralizador e moroso, uma vez

que aumentou a documentação exigida e o tempo de espera pela emissão dos vistos e

ainda centralizou-se os serviços de emissão de passaportes na sede do Governo que

implicavam mais despesas com a deslocação e alojamento. (Carreira, 1983:107)

O quadro em seguida, nº8, Correia demonstra-nos a situação da emigração relativo ao

período compreendido entre 1906 a 1973. Em relação ao período em estudo, pode-se

verificar que, entre os anos 1943 a 1952, o número de emigrantes forçados é

consideravelmente maior que a emigração espontânea e do total dos emigrantes, apenas

uma pequena percentagem regressaram a Cabo Verde. No período compreendido entre

1953 a 1962, houve uma inversão dos números, apresentando-se um aumento

considerável da emigração espontânea em comparação com a forçada. No cômputo

geral a emigração e a imigração aumentaram consideravelmente entre esses dois

períodos. No entanto apesar de se verificar uma entrada de grande número de imigrantes

e retornados o saldo continua a ser negativo, porque saem mais pessoas do que entram.

(Carreira, 1983:248)

Page 71: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

62

Quadro nº 11- Emigração, Imigração e Retornados (1906 a 1973)

Períodos Emigração Imigração e Retornos Saldo

Espontânea Forçada Total Imigrantes Retornos Total

1906-1918 20797 10602 31399 … 6593 6593 -24806

1919-1932 6627 8988 15615 … 3123 3123 -12492

1933-1942 5605 1542 7147 4524 2434 6958 -189

1943-1952 8121 30304 38425 7818 5794 13612 -24813

1953-1962 30522 18466 48988 24241 8240 32481 -16507

1963-1973 104767 12744 117511 73128 … 73128 -44383

Total 176439 82646 259085 109711 26184 135895 -123190

Importa neste ponto fazer um pequeno esclarecimento sobre o termo “forçada”. Ainda

do recente trabalho de Nascimento (2008), não se tratava de uma situação onde o poder

central impunha de forma coerciva a emigração, mas tratou-se principalmente de uma

situação imposta pela própria conjuntura interna, onde a emigração aparece como a

única forma de salvação das dificuldades económicas. Diz ainda que a presença policial

era somente para garantir que o contrato fosse cumprido. (Nascimento, 2008:15-17)

Pondo em análise os quadros nº 9 e 10,verificamos que o nº de emigrantes era muito

grande tendo em conta o nº precário de nascimento, pensamos que se tratava de uma

medida, por um lado, para atenuar a situação de crise que se vivia, por outro, o governo

português estimulava a saída de pessoas jovens com a preocupação de redimir os

movimentos ligados a luta de libertação, que se tinha iniciado nos anos 50.

No quadro nº 10, Carreira apresenta-nos a situação dos emigrantes tendo em conta as

suas ilhas de origens. Pode-se verificar que no ano de 1945 o número de emigrantes é

maior na ilha de São Vicente. No ano de 1948 houve um aumento progressivo dos

emigrantes de São Vicente, embora em menor números do que Santiago e Maio, mas

que a partir de 1949 a 1950 aumentou a sua cifra em relação a todas as ilhas, facto que

viria a repetir-se em 1952. De referir ainda o caso da ilha de Santo Antão que vinham

registando poucas saídas, mas que no ano de 1960 regista o seu maior número de saídas

e também em relação as outras ilhas.

Page 72: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

63

A partir de 1953, os dados estatísticos passam a ser apresentados sem a indicação das

ilhas de proveniência, passando a constar as terminologias: “Nascidos na Metrópole,

Nascidos em Cabo Verde, Nascidos nas outras Colónias e Estrangeiros”.

Quadro nº 12 – Emigração geral, segundo as ilhas de procedências - 1945 a 1960 (H+M)

Anos Santiago

e Maio

Fogo Brava Santo

Antão

S.Vicente S.Nicolau Sal Boa

Vista

Não

indicadas

Total

1945 209 … … 3 348 … … … … 560

1946 1920 113 4 3 457 111 7 … … 2615

1947 5729 5 42 1 580 1 4 … … 6362

1948 3813 7 65 8 682 5 … … … 4582

1949 557 13 76 10 573 7 … … … 1236

1950 196 17 53 282 1053 3 14 … … 1618

1951 838 25 96 13 369 11 59 … … 1411

1952 603 33 89 1292 1537 14 81 3 … 3652

1953 … … … … … … … … 1707 1707

1954 … … … … … … … … 2508 2508

1955 … … … … … … … … 5097 5097

1956 … … … … … … … … 2796 2796

1957 … … … … … … … … 1840 1840

1958 749 37 102 145 272 129 1 1 2741 4177

1959 … … … … … … … … 2839 2839

1960 474 107 4 1475 170 378 1 2 1522 4133

Uma vez que a situação de crise era geral em todas as ilhas e devido ao mito de

prosperidade do Porto Grande, continua-se a registar um elevado número de pessoas

provenientes das outras ilhas, em busca de uma vida melhor, nomeadamente de Santo

Antão e São Nicolau, uma vez que estas eram ilhas predominantemente agrícolas e não

possuíam outros meios de superação dessa crise geral, não obstante terem a prática da

pastorícia mas, que como se sabe também não tinha condições para se desenvolver tal

actividade.

Page 73: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

64

2 - A Mortalidade

Uma outra das consequências gravíssimas verificadas nesse período foi o elevado

número de óbitos e nados vivos. De referir a grande crise de 1947-48, que se analisa em

seguida.

Da consulta que se fez aos levantamentos do historiador António Carreira, depara-se

com o problema dos dados estatísticos analisados apresentarem uma grande deficiência

uma vez que o controlo da mortalidade era precário e o facto de também haver neste

período um precário resenciamento populacional. Desta forma estima-se que esse

número seja superior ao mencionado pelo autor. (“…continuamos a não dispor de

informações oficiais ou outras, detalhadas, coerentes e de algum modo insuspeitas.”)

(Carreira, 1984:109)

Este controlo era feito tendo em conta o número de famintos que se deslocavam aos

albergues de acolhimento, não sendo possível saber o número exacto ou pelo menos

aproximado, das pessoas que acabavam por falecer a caminho desses albergues que

ficavam localizados nos centros urbanos.

“A evasão aos registos é praticamente impossível de evitar por maior que tivesse sido a

fiscalização oficial. As perturbações de toda a ordem causadas pela deslocação, em

grandes grupos, de famintos impossibilitavam o controlo do obituário.” (Idem:121)

Pode-se constatar que a ilha onde se ocorreu maior número de mortandade, foi a ilha de

Santiago, seguidamente da ilha de São Vicente. O que se tem de ter em conta nessa

análise é que a ilha de Santiago detinham a maior concentração populacional do que em

São Vicente e que essas informações não podem ser analisadas sem se terem em conta

essa variável. (Idem: 117-118)

Neste sentido, pode-se deduzir, com margem para erro, que a situação é mais crítica na

ilha de São Vicente, uma vez que o número de óbitos ocorrido nesta ilha aproxima-se

do da ilha de Santiago, que como se referiu anteriormente, tinha a maior concentração

populacional.

Page 74: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

65

Pelo que se conhece das poucas informações que existem, os mais afectados por esta

situação e na qual se regista o maior número de mortandade, são os indivíduos de

parcos recursos económicos. A grande e a pequena burguesia conseguiu contornar essa

crise. Estima-se que tenham morrido “brancos”, da elite devido as pestes que

acompanharam essa crise e não devido a fome. (Carreira, 1984:119; 132)

De referir ainda que essa elevada taxa de mortandade, deveu-se ainda as doenças e

epidemias, pragas de insectos, como se pode verificar pelos dados do quadro nº 10, que

contribuíram para a devastação da pouca área verde e dos gados ainda existente. As

secas prolongadas provocam a diminuição das zonas irrigadas, das nascentes e das

águas subterrâneas. (Carreira, 1984:130)

Os anos mais críticos foram sem dúvida de 1947 a 1948, período de grande seca em Cabo Verde.

Quadro n.º 13 – Total de Nascimento e óbitos no Concelho de São Vicente (1945 a 1952)

ANOS Nº Nascimentos Nº Óbitos % Saldo Demográfico % 1945 1670 974 0,58 696 0,42 1946 872 773 0,89 99 0,11 1947 789 1034 1,31 -245 -0,31 1948 678 1250 1,84 -572 -0,84 1949 666 727 1,09 -61 -0,09 1950 743 492 0,66 251 0,34 1951 891 433 0,49 458 0,51 1952 914 562 0,61 352 0,39

Gráfico nº 3 – Total de Nascimento e óbitos no Concelho de São Vicente(1945 a 1952)

Page 75: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

66

Outro factor que acabou por contribuir para agravar a situação foi a má distribuição das

ajudas, marcadas pela diversidade na sua distribuição, que variava de concelho para

concelho, sendo que umas vezes se distribuíam dinheiro, outras géneros alimentícios

crus – na maioria das vezes o milho – e em outras ocasiões refeições quentes – cachupa.

Essa distribuição era feita sem nenhuma forma de controlo.

Carreira (1984) dá-nos conta de um relato do então inspector da administração, António

Policarpo de Sousa Santos, informando-nos dos conflitos de interesses pessoais e de

competências entre as autoridades, com graves repercussões nos trabalhos de assistência

às populações, tratando de divergências nas formas de efectuar as distribuições dos

géneros e ainda quais eram as obras públicas prioritárias.

Apesar desse relatório fazer referência ao Concelho da Praia, demonstra-nos a situação

tensa que se vivia em Cabo Verde, tendo sido enviado o citado inspector para averiguar

a situação das ilhas, após terem sidos enviados ao Governo algumas acusações que

recaiam sobre os funcionários da colónia.

Em Fevereiro de 1949 acontece um trágico acidente na ilha de Santiago que vitimou

234 mortes e 100 feridos causado pelo desabamento de um moro que suportava um

alpendre, mandado construir pelo Governo para albergar os desfavorecidos e fornecer-

lhes a refeição diária (sopa) que era a única refeição que tinham. (Almeida, 1979: 283)

Seria a partir de 1960 que o Governo viria a tomar medidas planificadas de actuação,

visando o combate mais eficiente em tempo útil das crises agrícolas em Cabo Verde,

evitando ainda os desperdícios que tinham sido cometidos anteriores. Assim, a 21 de

Março desse mesmo ano enviou-se uma comissão de trabalho para elaborar um relatório

mais completo possível, onde se definiriam as especificidades de cada ilha.

De referir ainda ao facto de existir nessa altura, na ilha o único liceu do arquipélago, o

que fez aumentar o número de intelectuais na mesma, contribuindo para a tomada de

Page 76: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

67

consciência da situação, pressionar o governo português e de procurar soluções

externas.

Figura n.º 7 - Esquadra Britânica no Porto Grande – Mindelo. 1948

Autor: Desconhecido36

36 Fotografia de Foto Melo 1948 - Home Fleet Britânica, na sua viagem de agradecimento aos Países Aliados pelo esforço e apoios prestados durante a II Grande Guerra.

Page 77: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

68

3 - Repercussões do Pós-Guerra na Cultura Mindelense

a) Comportamentos Eleitorais

Durante o período em estudo ocorreram duas importantes eleições presidências

decorrentes de vários descontentamentos e greves ocorridas a nível nacionais e de

violentas repressões e perseguições: a de 1949 e a de 1958. Em relação ao primeiro

marca um período de viragem na história de Portugal, uma vez que ocorreu num

período logo após ao fim da segunda grande guerra e representava uma viragem para os

novos tempos modernos, tendo ocorrido em Portugal várias manifestações contra o

partido fascista no poder de Oliveira Salazar.

No entanto essa viragem foi sentido pelo próprio governo que em Setembro de 1945,

dissolve a Assembleia Nacional anunciando eleições livres e a tão aclamada abertura

política. Destaque para dois grandes movimentos: a MUD (Movimento de Unidade

Democrática) e a MND (Movimento Nacional Democrático), em representação da

oposição constituídas por milhares de pessoas.

Em Outubro de 1945 o PCP (Partido Comunista Português) condena veemente as

manobras políticas do governo de Salazar e estabelece uma aliança com a MUD,

apresentando uma única lista em representação da oposição. (Matoso, 1998: 347)

No que se refere as eleições de 1949 assistiu-se ao levantar de uma oposição forte e

grande contra o Estado Novo constituída por: comunistas, moderados, velhos

democráticos e socialistas e tendo como candidato o general Norton de Matos, que

assessorado por um grupo notável de conselheiros denunciou o governo fascista, não se

coibindo de denunciar todos os males e fracassos do governo, prometendo implementar

a democracia em caso de vitória nas eleições. (Marques, 1986:389)

No entanto as suas convicções sobre as colónias não se tinham alterado, mostrando-se

completamente a favor da manutenção das mesmas. Assim escreveu em 1943 no

Memórias e Trabalhos da minha vida: Se alguém passar ao vosso lado e vos segredar

palavras de desânimo, procurando convencer-vos de que não podemos manter tão

grande império, expulsai-o do convívio da Nação.” (Almeida, 1979:254)

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69

No entanto a fraqueza dessa oposição que poderia ter mudando o rumo da História de

Portugal nessa época deveu-se as suas cisões internas relacionados com os que eram

partidários de ideologias arcaicas para a modernidade que se queria introduzir em

Portugal e ainda devido ao facto de alguns partidos realizaram acções individuais em

função dos seus interesses. (Idem: 392)

O general Carmona foi eleito sem oposição, uma vez que o candidato da oposição, o

general Norton de Matos desistiu nas vésperas do acto eleitoral, receando a derrota, uma

vez que se mostrava desacreditado na reforma dos cadernos eleitorais e na liberdade de

voto.

Essa vitória do governo da situação demonstrava que a oposição não estava ainda

preparada para combater o Estado Novo, o que resultou no fortalecimento do mesmo,

não obstante os resultados eleitorais terem sido sempre controlados de forma

fraudulenta de modo a garantir a vitória dos candidatos do Estado Novo.

Seria reaberto nesse mesmo ano para acolher presos políticos, maioritariamente

comunistas ou simpatizantes da oposição, o Campo de Concentração de Cabo Verde em

Tarrafal – ilha de Santiago.37

Em 1949 Portugal torna-se membro da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico

Norte) tendo sido realizado algumas mudanças constitucionais defendendo-se das

críticas ao colonialismo. O Acto Colonial de 1930 sofreu alterações no que se refere ao

estatuto dos indígenas e na designação das colónias passando as mesmas a serem

designadas de Províncias Ultramarinas.

37 A Colónia Penal do Tarrafal foi criado através do Decreto-lei n.º 26:539, em 1936, no âmbito da reorganização dos serviços prisionais, enquadrada na vertente prisões especiais. Destinado a presos políticos e sociais no Ultramar que tivessem cometidos crimes políticos e os presos de delito comum quando não respeitavam as normas de disciplinas e mostravam-se como maus exemplos para os outros presos da metrópole e ainda os que tivessem cometidos crimes de rebelião: a ofensa contra o prestígio da República ou contra o prestígio do Presidente da República ou do Governo, a propaganda ou outro meio de provocação à disciplina social, o não cumprimento dos deveres da função pública ou das ordens da autoridade, o encerramento de fábricas ou cessação de qualquer industria sem causa legítima, a ofensa contra a bandeira, o Hino nacional ou qualquer emblema do Estado [etc]. No entanto desde 1931 que eram enviados para Cabo Verde, ilha de São Nicolau, presos políticos para o Colónia Penal que ali existia. (Tavares, 2007:63-65). Mais tarde, a partir de 1961 seria utilizada para “acolhimento” de presos políticos africanos que teriam luta pela independência das colónias

Page 79: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

70

Com a morte de Carmona em 1951 foram realizadas novas eleições as quais serviram

para reabrir questões antigas com adeptos a defenderem a restauração da monarquia

para além de dos democráticos. Mas a ideia primeira era de que o Estado Novo deveria

“desaparecer” e instituir o regime democrático.

A oposição moderada propôs para Presidente o almirante Quintão Meireles e a esquerda

Rui Luís Gomes, ao qual o Supremo Tribunal de Justiça vetou-lhe a candidatura

acusando-o de comunista. Meireles desiste nas vésperas das eleições e sem oposição

Craveiro Lopes, candidato do governo é eleito Presidente.

Em 1955 a comunidade internacional permitiu a entrada de Portugal nas Nações Unidas

após duas recusas anteriores. A partir dessa altura houve algumas mudanças políticas e

sociais em benefícios da população portuguesa, nomeadamente melhoria nos

vencimentos, fomento de obras públicas e das indústrias. No entanto as perseguições a

oposição mantiveram-se.

Seria nesse cenário acima referido que se realizariam as eleições de 1958, demonstrando

a crise por que passava o Estado Novo. Nessa altura as atitudes do chefe do governo

português, Oliveira Salazar, encontravam forte oposição dentro do próprio governo e

por parte dos que se tinham mantido na neutralidade até aquele momento.

De entre as reivindicações dos opositores do regime, apelavam a maior abertura política

de forma a terem mais candidatos, reformas administrativas adequados aos novos

tempos, novas formas governativas internas como também nas colónias.

Para essas novas eleições Salazar escolheu o Almirante Américo Tomás em

representação do regime, uma vez que a sua primeira escolha, Craveiro Lopes tinha sido

vetado pela Comissão Central da União Nacional. A oposição centro-esquerda escolheu

o general Humberto Delgado38 e a extrema-esquerda escolheu Arlindo Vicente.

De entre esses dois últimos, Humberto Delgado granjeou as simpatias das populações

por onde passava tendo suscitado enorme entusiasmo e apoios em todo o país. Esse

38 Na altura Humberto Delgado era oficial-aviador no activo e ao mesmo tempo Director Geral da Aeronáutica Civil. Tinha demonstrado ser, até então, grande defensor da política Salazarista. (Marques, 1986: 397).

Page 80: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

71

facto permitiu uma aliança política entre os dois blocos da esquerda, a 30 de Maio de

1958 com o intuito de unirem forças contra o governo fascista português, estabelecendo

linhas de acção comuns.

Em relação às colónias a oposição nunca cogitou a possibilidade de libertação das

mesmas, muito pelo contrário afirmou que as mesmas deveriam ser mantidas, porém

com políticas mais eficazes: “Na Proclamação de Humberto Delgado, [diz] que é seu

objectivo manter e consolidar os nossos compromissos e direitos internacionais de

potência ocidental, geograficamente dispersa, mas política e moralmente unida e

indissociável” (Almeida, 1979: 349)

A oposição demonstrou que tinha força política para mudar o regime e em reacção o

governo no poder preparou em caso de derrota nas eleições uma acção militar, caso que

não intimidou o general Delgado tendo o mesmo seguido com a campanha mesmo

receando os conhecidos actos fraudulentos nos actos eleitorais, como seria de esperar de

eleições realizadas durante a vigência de um regime fascista, que acabou por se verificar

nos resultados onde Delgado ficou muito aquém das suas expectativas, tendo-lhe sido

atribuído pelo governo 25% do total dos votos.

Os actos fraudulentos não representavam novidades para a Oposição uma vez que

conheciam todas as formas ilícitas que o governo utilizava e facto comprovado tinha

sido o que aconteceu no ano anterior aquando das eleições para os deputados onde os

votos tinham sido adulterados: “Nas eleições para deputados [em 1957] apenas são

recenseados 1.300.000 portugueses, quando Portugal e colónias têm mais de 20

milhões de habitantes. A Oposição Democrática, que só se candidata em quatro

distritos, é excluída no de Lisboa, e apenas se mantém até ao fim em Braga… Em

numerosas terras, o eleitorado segue a palavra de ordem de abstenção dada pela

Oposição Democrática.” (Idem:342)

Terminado o acto eleitoral as repressões a oposição intensificaram. Humberto Delgado

e os seus partidários foram demitidos e perseguidos, sendo que o general acabou por

exilar-se na Embaixada do Brasil e depois na Argélia e os seus partidários julgados e

presos. Delgado condenou os actos fraudulentos dessas eleições cometidas pelo governo

Page 81: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

72

dizendo que tinha sido ele o vencedor das eleições de 1958 e o grande número de

pessoas que não tinham dirigidos as urnas.39

O general Delgado seria assassinado a 13 de Fevereiro de 1965 por uma brigada da

PIDE perto da localidade de Badajoz em Espanha, quando tentava entrar

clandestinamente em Portugal.

As cisões internas no governo eram muito evidentes, tendo alguns membros sido

afastados por discordarem das práticas governativas de Oliveira Salazar.

A própria Igreja Católica que tinha mantido a sua posição neutral durante todo esse

período conflituoso da política portuguesa começa a reagir contra o governo fascista

referindo que o mesmo prejudicava as acções religiosas da Igreja, participando em

manifestações contra o regime.

Depois da projecção e apoio quase incondicional dos portugueses ao general Humberto

Delgado nas eleições de 1958, o governo da ditadura alterou a legislação, vetando as

eleições directas para o Presidente da República, passando a ser eleito em concertação

da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa.

O cenário das eleições em Cabo Verde não foi diferente daquilo que se verificou em

Portugal e no caso específico de São Vicente, daquilo que se pode verificar houve

alguns factos que não se conseguiu chegar a uma explicação concreta uma vez que a

nossa análise foi feita com base somente em documentos oficiais enviados para a

Administração da Colónia. Em Cabo Verde não houve nenhum movimento da oposição

que tivesse contestado os actos eleitorais e dessa forma não ficou registado nenhum acto

fraudulento como se pode documentar em Portugal.

39 “Em São Vicente, Cabo Verde, foi concedido o direito de voto a padres e sacristães que haviam chegado da capital apenas alguns dias antes das eleições, enquanto muitos dos votantes incluídos na lista para as últimas eleições legislativas, foram excluídos desta eleição presencial.” (Humberto Delgado, in Marques, 1986:398)

Page 82: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

73

As eleições legislativas de 1949 que ocorreram em São Vicente, no edifício da Câmara

Municipal, para eleições do Deputado da Nação pelo círculo de Cabo Verde, tiveram

uma única lista encabeçada pelo Dr. Adriano Duarte Silva.40

Depois de seguirem os tramites legais de acordo com o previsto na constituição, a

Assembleia Eleitoral do concelho de São Vicente iniciou o processo de votação as

09:00 e encerrariam o acto eleitoral as 12:30, ao que se seguiu mais duas horas de

trabalho dos escrutinadores e demais trabalhos decorrentes do acto eleitoral, tendo sido

apurados 2099 votos a favor do Dr. Adriano Silva dos 2265 cidadãos recenseados no

concelho. Em seguida as listas de votos entradas na urna foram queimadas, em

cumprimento do artigo setenta e um, do Decreto-lei n.º 37.570 de 03 de Outubro de

1948.

Seguiu para conhecimento do governo os seguintes documentos comprovativos do acto

eleitoral: dois cadernos de recenseamento, três editais, um modelo da lista do candidato

e dois cadernos das actas da eleição do Deputado da Nação.

Em 1953 realizam-se novas eleições para o Deputado da Nação pelo círculo de Cabo

Verde. Seguiu-se os mesmos trâmites eleitorais acima referidos, tendo sido apurados

2228 votos a favor de Adriano Silva, dos 2433 eleitores recenseados, tendo sido

anulados 3 votos de eleitores aos quais se alegou na acta que votaram com certidões

passadas pelo círculo eleitoral da Guiné.

Da pesquisa realizada aos Certidões de Eleitor verificou-se que os 3 eleitores aos quais

foram anulados os seus votos, eram naturais de São Vicente, mas por se encontrarem

fora do país, foram recenseados no concelho da Guiné e de Bolama e no concelho de

Farim em Portugal. No entanto foram validadas os votos de outros eleitores que

apresentaram as mesmas certidões de recenseamento emitidos noutros concelhos.

40 O Dr. Adriano Silva sempre foi o candidato mais apoiado para assumir o cargo de representante da Colónia de Cabo Verde, na Assembleia Geral. Em todas as campanhas eleitorais havia um forte lobby a favor do mesmo. Nas eleições de 1949, há um forte apoio a sua campanha no único jornal então existente, o Notícias de Cabo Verde, servindo-se ainda do jornal para emitir desmentidos públicos dos que não eram apoiantes do Dr. Adriano Silva, chegando mesmo a publicar dizeres como: Os bons caboverdianos e os amigos da nossa Terra votam todos no Dr. Adriano e Quem deseja o progresso de Cabo Verde deve votar no Dr. Adriano. in, Notícias de Cabo Verde, Ano XIV, Nº 231, 10/10/1945

Page 83: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

74

Outro aspecto importante a referir esta relacionada com a duração do acto eleitoral de

1953 em comparação com o de 1949. Verificou-se o de 1953 teve inicio as 9:00 e

terminou as 17:00 as votações ao que se seguiu os trabalhos normais acima referidos na

pós-votação. Esse facto chamou-nos a atenção porque a diferença de votantes entre os

actos eleitorais de 1949 e 1953 é de 132 votos, conforme se pode verificar no quadro n.º

12 e no entanto o segundo durou mais tempo com essa pequena diferença de votantes,

ao qual se pensa que os trabalhos decorreram em tempo recorde em relação ao primeiro

acto eleitoral ou de facto verificou-se a existência de actos fraudulentos também em

Cabo Verde, nesse caso em São Vicente.

Seguiu-se as eleições para Deputado da Assembleia por Cabo Verde em 1957. Nesse

acto eleitoral, assiste-se ao mesmo “cenário” do que se verificou nas eleições anteriores,

tendo-se mais uma vez sido eleito o Dr. Adriano Silva.

Quadro n.º 14 – Eleições para deputado à Assembleia pelo círculo de Cabo Verde (1949 a

1957)

Ano Total Eleitores Total Votos Votos Nulos Votos a favor Candidato Eleito

1949 2265 2099 --- 2099 Dr. Adriano Silva

1953 2433 2231 3 2228 Dr. Adriano Silva

1957 2791 2791 --- 2791 Dr. Adriano Silva

Fonte: Actas das Sessões das Eleições (1949 a 1957)

As eleições presidenciais de 1951 decorreram em Cabo Verde também sob vigilância do

Governo, tendo sido indicados pelo mesmo as listas das pessoas que deveriam integrar

as mesas de assembleia de votos, assim como tinha ocorrido em 1949.

Em São Vicente o local de votação foi no edifício do Paços do Concelho (Câmara

Municipal) e dos 2127 recenseados exerceram o direito de voto 1674 indivíduos, tendo

todos votados a favor do General Francisco Higino Craveiro Lopes. Após a votação

queimaram na presença dos membros da mesa, os boletins de votos que deram entrada

na urna. A acta da sessão fora anexas os cadernos eleitorais, os editais afixados e o

modelo das listas deitadas na urna, conforme as normas exigidas, tendo esses

documentos seguido para a Administração da Colónia.

Page 84: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

75

Em relação a esse acto eleitoral constata-se que pela acta da sessão que 453 eleitores

não se dirigiram as urnas, facto que nos chama a atenção quando se compara os

números relativos aos eleitores que não compareceram aos outros actos eleitorais

correspondendo em média a cerca de 200 eleitores.

Quadro n.º 15 – Eleições para Presidente da República (1949 a 1958)

Ano Total Eleitores Total Votos Votos Nulos Votos a favor Candidato Eleito

1949

1951 2127 1674 --- 1674 Dr. Higino Lopes

1958

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b) Reflexos Culturais

A nível cultural o ambiente que se vivia na altura em estudo não proporcionava grandes

obras. O único jornal que ainda continuava a editar números era o Notícias de Cabo

Verde (São Vicente – 1931-1962) sob a direcção de Manuel Ribeiro de Almeida,

propriedade de grandes comerciantes Este jornal teve uma duração de 31 anos, no

entanto resistiu algumas interrupções, no entanto chegou a ser o único órgão de

imprensa em toda a Colónia. Em relação as revistas havia o Cabo Verde – Boletim de

Propaganda e Informação (Praia – 1949-1964), durou 16 anos e a Claridade – revista

de artes e letras (São Vicente – 1936 – 1960) que durou 24 anos, também com algumas

interrupções, devido a ausência de alguns colaboradores e problemas financeiros.

(Brito-Semedo, 2006:174; 175)

Eram todos periódicos não oficiais, que estavam sujeitos a fiscalização sendo que

qualquer publicação deveria primeiro ser submetida as autoridades para validação antes

da impressão e divulgação, chegando a casos de retirar-lhes formas de financiamento,

quando as matérias publicadas assumiam um carácter interventivo e crítico quanto se

tratava de assuntos sociais e políticos.

Desses foram encontrados alguns números da revista Cabo Verde – Boletim de

Propaganda e Informação e ainda uma edição do Jornal Notícias de Cabo Verde

Eram muito pouco os que nessa altura ainda despendiam o seus recursos na compra de

jornais e/ou revistas. Em relação aos outros media, havia somente a rádio e eram muito

pouco as famílias que na altura possuíam um aparelho de rádio e as notícias eram

vinculadas entre a população de boca-a-boca, nos cafés, nos mercados, onde havia

concentração de pessoas. Não se sabe se os grandes comerciantes possuíam aparelhos

de televisão.

No entanto foi através da música que muitos compositores cabo-verdianos exprimiam as

suas posições em relação a II Guerra Mundial e o Pós-guerra e acabaram por representar

o ensejo e as preocupações da vivência social nas ilhas. De entre essas composições

destacamos algumas em baixo, com a tradução para o português, baseando-se

essencialmente do conhecimento da língua crioula como nativa da ilha.

Page 86: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

77

Convém esclarecer que o que se pretende não é fazer uma análise da música, porque não

é a nossa área de domínio, mas demonstrar através das letras das composições o retrato

da vivência da população mindelense no período em estudo. Trata-se de temas que, de

forma pouco explícita ou encriptada denunciavam a situação social, tendo sido muitos

alvos de traduções para o português antes de serem tocadas nas rádios.

A composição “Hitler”, escrita pelo compositor B. Lèza em 1944, demonstra a posição

do compositor a favor dos aliados, trata-se da expressão de um sentimento comum,

porque as composições eram retratos sociais. Através dos jornais e da rádio iam tendo

informações sobre o que se passavam no mundo fora e o final da guerra eram aguardo

com alguma expectativa de mudança. Todos estavam a favor dos aliados e almejavam o

fim da guerra.

Foram feitas também composições sobre o término da guerra. A composição “ Vitória”

demonstra como a notícia do término da guerra foi acolhida com muito entusiasmo e

esperança de que melhores dias estavam por vir. No entanto, as condições de vida da

ilha mantiveram-se e a falta de emprego era preocupante.

A canção “Vitória” traduz essa expectativa da população mindelense e não só, de todos

os cabo-verdianos. Aos mindelenses a vitória dos aliados traduzia o voltar aos velhos

tempos de reanimação de Porto Grande com entrada de navios e consequentemente

mais trabalhos. Na última quadra a frase (Mesa de pobre que tem fome) parece

desenquadrada do assunto da guerra, mas pensa-se que o autor aproveitou para chamar a

“HITLER” Hitler ca ta ganhá guerra n`é nada Guerra é di nos aliado Águia negra vencida na campo di batalha Nô tâ pô fé na British Nô tâ confia na tude sê valor Der Fuhrer jâ stâ pirdide Co tude sê horror Churchill é um barra di aço Qui câ tâ derretê Na terra, na mar e no ar El tem qui vencê... Morna de B.Léza

“HITLER” Hitler não vai ganhar a guerra, não Guerra é dos nossos aliados Águia negra vencida no campo de batalha Nós temos fé no British Nós confiamos no seu valor Der Fuhrer esta perdido Com todo o seu horror Churchill é uma barra de aço Que não derrete Na terra, no mar e no ar Ele tem de vencer... Traduçao nossa

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78

atenção para a miséria em que a população vivia, uma vez que todas as canções eram

alvos de censura. Os cantados na língua crioula eram traduzidos para o português e

assim as autoridades seleccionavam os que podiam passar na rádio.

Na composição seguinte intitulada de “27 de Setembro” o autor mostra-nos o

descontentamento das pessoas que tiveram de ser recrutados para enquadrar a exército

português, depois de terem prestado o serviço militar, como se pode verificar na terceira

quadra (Eu vou voltar/Meu caminho outra vez para a tropa)

Percebe-se que o autor refere-se a pessoas com família formada, que vêm-se obrigados

a sair da ilha de Santiago para virem a ilha de São Vicente, local onde se encontravam

os militares portugueses.

Essa integração dos militares cabo-verdianos era vista para os nacionais como uma

coisa irremediável, triste e causava muito sofrimento às famílias, talvez por pensarem

“VITÓRIA” Lulu nha Antónia general Giraud Djunta bo voz co Mari Pi Nô bem cantâ Morna de Vitória Que ta luniá Montgomery Sês câ contente co ês nôs cantiga Nem quês ca crê nô tem que cantal Se dj`el bá boca de rapariga Ês tâ rendê incondicional Por isso um biba pa Inglaterra Que comê ês carne el tchupa tutano Untrum pa Rússia que ba Berlim Na pêto forte de Maricano É si que é staca é si que é nôs fé Cabo quês bai dja tchiga um nome Pulso de aço, pêto de bronze Mensa de pobre que tenê fome. Morna de R.Peres e Kaká Barbosa

“VITÓRIA” Lulu, D. Antónia, general Giraud Junta a tua voz com a de Mari Pi Vamos cantar a Morna da Vitória Que ilumina Montgomery Se não estão contente com a nossa cantiga Se não quiserem, temos de cantá-la Se já está na boca de rapariga Vai render incondicional Por isso, um viva para a Inglaterra Que comeu a carne e o chupou o tutano Outrossim para a Rússia que foi a Berlim No peito forte do americano É assim a nossa estaca e a nossa fé De todos os sítios libertados chegou um nome Pulso de aço, peito de bronze Mesa de pobre que tem fome. Tradução nossa

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79

que se tratava uma viagem para a Europa na luta efectiva na guerra e não meramente

para defesa das ilhas em caso da guerra chegar a Cabo Verde.

A morna “Sodade de São Nicolau” foi escrita na década de 40 e representa o desespero

das pessoas que viram-se obrigados a seguir para a colónia de São Tomé, como

contratados das roças, fugindo a precária situação económica das ilhas. Apesar de ser

uma composição que retrata a saída de um natural da ilha de São Nicolau, pensa-se que

esta pessoa seria uma das muitas que saíram da ilha rumo a São Vicente em busca de

melhores condições de vida.

No entanto essa morna acabou retratar todos os que se encontravam na situação de

contratados para as roças de S. Tomé. Esta morna tornou-se num música mais cantadas

pela Cesária Évora que a tem levado a todos os cantos do mundo com os seus concertos

e a expressão sodade é imediatamente ligada ao povo das ilhas de Cabo Verde, assim

como a expressão morabeza.

“27 de Setembro” Dia 27 de Setembro ´M recebê um grande notícia Que causam nha tristéza Pamô ramede ca tem Quond sol ta bá ta cambâ Mi sentado na praia di Rubado ´M bem fazêbo ess morninha, cretcheu Pa b lembrâ sempre na mi Oh Neto qui côsa é ess Cá`s bem faze bô amigo ´M tâ torna bai Nha caminho outra vez pa tropa C`ta levom más trapassado É sodade de nha mãe má nhas irmãs Ó mãe ca bocês tchora nada Fé na Deus ´m ta torna volta Morna de Djidjungo

“27 de Setembro” Dia 27 de Setembro Recebi uma grande notícia Que me deixou muito triste Porque não tem solução Quando o Sol ia se pôr Estava sentado na praia de Rubado Eu fiz essa morninha, cretcheu (querida) Para lembrares sempre de mim Oh Neto, que coisa é essa Que vieram fazer ao teu amigo Eu vou voltar Meu caminho outra vez para a tropa O que me deixa mais triste É a saudade da minha mãe e das minhas irmãs Oh mãe, não chore Com fé em Deus ei-de voltar Tradução nossa

Page 89: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

80

A composição “Quatr´hora de madrugada” retrata o desespero da população

mindelense, principalmente dos familiares quando, as quatro horas da madrugada, os

jovens eram recrutadas para trabalhar nas roças de S.Tomé.

Demonstra ainda algum descontentamento com a polícia política (PIDE), quando se

refere ao Mota Carmo, capitão do exército das forças expedicionárias em São Vicente,

que segundo a composição os jovens eram recrutados e colocados durante a noite na

prisão da cidade designada de Vôvô e eram levados de madrugado para o embarque no

cais onde a firma Willson fazia a descarga e carga do carvão. (Rodrigues e Lobo,

1996:83)

Importa referir que das pesquisas realizadas ao longo do trabalho e aos materiais

oficiais consultados não foram encontradas nenhuma referência a prisão dos recrutados

antes de seguirem para o trabalho nas colónias.

“SODADE DE SÃO NICOLAU” Quem mostrabo êss caminho longe? Êss caminho pa Santomé Sodade, sodade, sodade Dess nha terra Sanicolau Si bô ´screvê`m ´Mta ´screvêbo Si bô ´squecê´m M´ta esquecebo Até dia qui bô volta Sodade, sodade Sodade de nha terra Sanicolau Morna Popular

“SAUDADE DE SÃO NICOLAU” Quem mostrou-te esse caminho longe? Esse caminho para São Tomé Saudade, saudade, saudade Da minha terra São Nicolau Se tu me escreveres Eu também te escrevo Se tu me esqueceres Eu também te esqueço Até um dia que tu voltares Saudade, saudade Saudade da minha terra São Nicolau

Tradução nossa

Page 90: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

81

A composição “Destino d´Home” também retratou o sofrimento daqueles que fugindo

as crises das ilhas, tiveram de optar pela emigração para outras paragens.

A saída dos cabo-verdianos era visto como uma fatalidade, ou seja tinham de seguir

viagem, para poderem ajudar as suas famílias que ficavam, mas também era a única

forma de escaparem da morte certa.

“DESTINO D´HOME” Oli´m na meio di mar Ta sigui nha distino Na caminho d´América É qu´é triste pa´m dixâ nha terra Sima é triste `m dixâ nha mãe Sodade bem morâ na nha peito... Dixâ´m bai pa´m ca morrê Bai terra longe É distino d´home Distino sem nome Qui nô tem qui cumpri Dixa´m sigui nha distino Es distino di meu Bai pa´m dixa nha mãe Sodade bem morâ na nha peito... Dixâ´m bai pa´m ca morrê Morna de B.Léza

“DESTINO D´HOME” Estou aqui no meio do mar A seguir o meu destino No caminho para a América É triste eu deixar a minha terra Como também é triste eu deixar a minha mãe Sodade veio morar no meu peito... Deixa-me ir para não morrer Ir para terra longe É destino de homem Destino sem nome Que nós temos de cumprir Deixa-me seguir o meu destino Esse meu destino Ir e deixar a minha mãe Sodade veio morar no meu peito... Deixa-me ir para não morrer Tradução nossa

“QUATR´HORA DE MADRUGADA” Quatr´hora de madrugada Gente de Sancente impé Tâ gritá, tâ tchorá, Tâ sperá largá Sis fidjo pâ Sant´mé. Grande rabolice na “Vôvô” Por causa di nhô Mota Carmo Qu´rê trá Sanconte sê povo Djudado pâ ses catchôr, Amigo de sê amo. Wilson ê cais pa carvon Pa povo ca fica descontente La ês bai imbarcòne De boxe de sês sorriso. Pa nôs ê indeferente!

Morna Popular

“QUATRO HORAS DE MADRUGADA” Quatro horas de madrugada População de São Vicente esta de pé A gritar, a chorar A espera de ver sair Seus filhos para S. Tomé. Grande agitação na “Vovô” Por causa do senhor Mota Carmo Que quer tirar São Vicente o seu povo Ajudado pelos seus capangas Amigos do seu amo. Wilson é cais para o carvão Para o povo não ficar descontente Lá foram embarcados Com sorriso falso. Para nós é indiferente!

Tradução nossa

Page 91: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

82

V – Conclusão

Descoberta a 22 de Janeiro de 1462, a ilha de São Vicente constitui uma das mais novas

ilhas de Cabo Verde no que se refere a sua ocupação efectiva. Comparativamente com a

ilha de Santiago que seria a primeira a ser povoada, esta somente viria a conhecer um

povoamento efectivo a partir do século XX.

Todo o esforço realizada pela administração das colónias de Cabo Verde, visavam dotar

a ilhas das mínimas condições de habitabilidade que permitissem por seu torno o

desenvolvimento do seu porto, devido a boa posição geoestratégica da ilha, na qual um

porto poderia ser uma grande fonte de rendimento para a colónia e para a metrópole.

Muito embora se reconhecesse as boas condições que o Porto Grande oferecia, todas as

tentativas de povoamento conhecera o seu fracasso devido as condições naturais

adversas que a ilha apresentava (calamidades naturais), que provocavam a morte e

fomes da pouca população que aí se estabelecia, não obstante a todos as cartas régias

que previam a criação de incentivos fiscais e aduaneiros nunca antes aplicados nas

outras ilhas, chagando a situação de pela carta régia de 1838 determinar que o governo

da colónia deveria sediar-se na ilha de São Vicente, justificando-se as melhores

condições que a ilha proporcionava em comparação com a ilha de Santiago, na qual nos

períodos de grande humidade e pragas de insectos deslocavam a administração para as

ilhas de clima mais acolhedoras.

O verdadeiro desenvolvimento populacional da ilha acontece com a presença e

investimento efectuados pelos ingleses que reconheceram as boas condições do porto,

providenciaram a construções de algumas infra-estruturas que permitiram a instalação

de Companhias carvoeiras. Esse investimento dos ingleses representou a abertura de

muitos postos de trabalhos, permitindo a fixação das pessoas que viram nessa época

uma saída para as épocas de crise agrícola nas ilhas.

A imigração de pessoas das outras ilhas, devido ao crescente aumento da navegação que

por sua vez desenvolveu muitas outras actividades que gravitavam a volta do porto,

fomentou o desenvolvimento daquela que seria a mais nova das cidades de Cabo Verde,

após 100 anos das primeiras tentativas de povoamento.

Page 92: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

83

O “el dorado” cabo-verdiano não passava de uma grande mentira, porque todo esse

desenvolvimento geradora de lucro não era aproveitada no desenvolvimento da cidade,

seguindo para os cofres das empresas inglesas e do governo português. A população

vivia em más condições de habitabilidade, aliada ao facto de recebem muito pouco e de

trabalharem em condições precárias que resultava na maior parte das vezes no

aparecimento de muitas doenças respiratórias. No entanto representava na altura a única

forma de rendimento certo na ilha uma vez que a mesma nunca teve uma forte vocação

agrícola.

Numa tentativa de reverter o cenário acima descrito e recuperar para si o monopólio das

actividades nas colónias, o governo português promove uma mudança constitucional

que aconteceria com a implementação do novo Regime Estado Novo, que procedeu a

aprovação de vários decreto-leis que fundamentavam a imperialismo português, numa

tentativa de rentabilizar cada vez mais as colónias, tornando-as as novas formas de

rendimento de Portugal.

Foram também aprovados novos decreto-lei numa tentativa de encobrir a precária

situação socioeconómica das colónias devido as varias pressões internacionais. Mudam-

se o estatuto das colónias passando as mesmas a designarem-se por províncias

ultramarinas, e as populações passar a ter o estatuto de assimilados ao invés de

indígenas.

A partir do ano de 1951 ganha corpo vários debates a favor e contra a adjacência de

Cabo Verde, passando a integrar a administração da metrópole, numa tentativa de

minimizar e resolver mais prontamente as crises que assolavam o arquipélago, apesar de

até a independência nada ficou resolvido. A questão da adjacência ganha actualmente

novas discursões/debates uma vez que esta a decorrer todos os demarch para que Cabo

Verde passe a ser membro da União Europeia.

Nesse mesmo ano, a câmara de São Vicente enviou várias notas ao Governo das

colónias solicitando a permissão para utilizar os saldo positivos dos fundos de reservas

de forma a auxiliar a população que passava fome devido ao franco declínio das

actividades do porto, a falta de chuvas que assolava todo a arquipélago e ainda a

paralisação de muitas obras. Esses vários apelos tiveram respostas muito tardias.

Page 93: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

84

Fugindo a essa situação muitas pessoas foram obrigadas a emigrar para colónias

nomeadamente para S. Tomé, na condição de contratados, onde a situação também não

era melhor.

No entanto, a situação financeira de Portugal não era melhor, devendo-se aos maus

investimentos, numa altura onde todos os países europeus procuravam formas de saírem

das (ruínas) da guerra, apesar de Portugal ter adoptado uma politica de neutralidade

colaborante.

Foi aprovado dois planos de fomentos que deveriam resolver a situação económica da

metrópole e das colónias, financiados pelo plano marshall e que visavam o

desenvolvimento dos recursos das colónias. No entanto, a demora entre a aprovação e a

efectivação dos trabalhos foi um dos aspectos negativos desses planos, aliada ao facto

de que os valores aprovados ficarem muito aquém daquilo que deveria ser utilizado no

fomento desses recursos.

O fim da II Guerra Mundial trouxe repercussões a todos os níveis, tendo sido analisadas

as que ocorreram a nível das eleições e nas manifestações culturais durante o período

em estudo. As eleições representavam novos ventos de mudanças que resultariam no

triunfo das democracias em detrimento das ditaduras e todas as liberdades e garantias

dai advenientes. Os reflexos culturais espelham os sentimentos do povo em relação a

essa nova ordem mundial. Optou-se por demonstrar nas composições nacionais todos os

principais pontos abordados no trabalho.

Não obstante a falta de alguns documentos que não constavam no Arquivo Histórico

Nacional, e a falta de recursos financeiros que propiciassem a ida ao Arquivo Histórico

Ultramarino e ao Arquivo do Tombo, pensamos que conseguimos apresentar um

trabalho aceitável dentro das limitações apresentadas.

Urge trazer para o Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde toda a documentação em

suporte papel e informático sobre a nossa História, permitindo que qualquer pessoa que

queira fazer investigação sobre a sua história tenha a sua disposição, todo o material que

se encontra disponível noutros arquivos, fora de Cabo Verde.

Page 94: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

85

VI – Fontes documentais

1 - Fontes Primárias:

- Cabo Verde:

� Arquivo Histórico Nacional – Praia: Relatórios e Correspondências do Governo

da Colónia, Repartição Provincial dos Serviços de Administração Civil, Caixas

nºs: 031, 033, 125, 126, 173, 174, 178, 179, 180, 221, 222, 223, 227, 438, 439,

459, 465, 466, 492, 493, 494 e 495

� Actas das Sessões da Câmara Municipal de São Vicente de 21 de Junho de 1945

a 1960

� Boletim Oficial da Província de Cabo Verde de 1945 a 1955

� Revista Cabo Verde – Boletim de Informação e Propaganda – 1949 a 1958

� Jornal Notícias de Cabo Verde – Ano XIV, 1945, nº 231 e 232

- Portugal:

� Diários do Governo de Portugal - 1945 a 1955

� Boletim Geral das Colónias: Ano XXV - n.º 284, 1949; Ano XVIII – n.º203;

Ano XXXXIV – n.º 401, 1958

� Diários das Sessões da Assembleia Nacional Portuguesa nº 31, 47, 51, 65, 70,

79, 95

� Actas da Câmara Corporativa nº 2, 12, 27, 39, 45, 47, 58, 65, 75, 98

2 - Bibliografia Geral

� ALBUQUERQUE, Luís & SANTOS, Maria Emília Madeira (1991), História

Geral de Cabo Verde – Instituto da Investigação Científica Tropical/Lisboa e

Direcção Geral do Património Cultural de Cabo Verde/Praia, Lisboa

� ALMEIDA, Germano (2009) – Viagem pela História de São Vicente [1462-

1934], Ilhéu Editora, São Vicente

� ALMEIDA, Manuel Ribeiro de (1997) – Problemas económicos de Cabo Verde

e outros escritos (1946-1959), Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro

Page 95: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

86

� ALMEIDA, Pedro Ramos de (1979) – História do Colonialismo Português em

África – Cronologia, século XX, vol. III – Editorial Estampa, Lisboa

� BRITO-SEMEDO, Manuel (2006) – A Construção da Identidade Nacional,

Análise de Imprensa entre 1877 e 1975, Instituto da Biblioteca Nacional e do

Livro, Praia

� CARREIRA, António (1977) - Cabo Verde - Classes Sociais, Estrutura

Familiar Migrações, Biblioteca Ulmeiro

� CARREIRA, António (1982) – Estudos da Economia Caboverdiana, Imprensa

Nacional/Casa da Moeda, Lisboa

� CARREIRA, António (1983) – Migrações nas Ilhas de Cabo Verde, Instituto

Caboverdeano do Livro, 2ª Edição

� CARREIRA, António (1984) – Cabo Verde – Aspectos sociais. Secas e fomes

do século XX, Biblioteca Ulmeiro, 2ª Edição

� CRUZ (B. Leza), Frank Xavier da (1950) – Razão da Amizade Cabo-verdiana

pela Inglaterra, Rio

� DESHAIES, Bruno – Metodologia de Investigação em Ciências Sociais,

Instituto Piaget

� DIAS, Juliana Braz (2004) – Mornas e Coladeiras de Cabo Verde, Brasília,

� Fundo de Desenvolvimento Nacional – Ministério da Economia e das Finanças,

1984 - Linhas Gerais da História do Desenvolvimento Urbano da Cidade do

Mindelo – Praia

� FURTADO, Claúdio Alves (1993) – A Transformação das Estruturas Agrárias

numa Sociedade em Mudança – Santiago, Cabo Verde, Ed. Instituto do Cabo-

verdiano do Livro e do Disco

� GATLIN, Darryle John (1990) – A Socio-Economic History of São Vicente de

Cabo Verde, 1830-1970, (Tese de Doutoramento), University of California, Los

Angeles

� LIMA, Mesquitela (1992) - A Poética Crioula de Sérgio Frosuni- uma leitura

antropológica. Lisboa/Praia, Instituto da Cultura e da Língua

Portuguesa/Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco.

� LOPES, Baltazar. (1997) - Chiquinho. Mindelo, Edições Calabedotche.

Page 96: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

87

� LOPES, Maria José (2005) – Surgimento de Câmaras Municipais nas ilhas do

Norte: Santo Antão, S. Nicolau e S. Vicente, Notas para o seu estudo, Colecção

Monografias, Instituto do Arquivo Histórico Nacional, Praia

� MATOS, Mário - Contos e Factos. Mindelo, Editora.

� MATOSO, José (1998) – O Estado Novo (1926-1974), Vol. 7, Editorial Estampa

� MARQUES, A.H. de Oliveira (1986) – História de Portugal – Das revoluções

liberais aos nossos dias, Vol.III, Palas Editores, Lisboa

� NASCIMENTO, Augusto (2003) – O Sul da Diáspora – Cabo-verdianos em

plantações de S.Tomé e Príncipe e Moçambique, Edição da Presidência da

República de Cabo Verde

� NASCIMENTO, Augusto (2008) – Vidas de S.Tomé segundo vozes de

Soncente, Ilhéu Editora, Cabo Verde

� SILVA, Alveno Figueiredo e (2003) – Aspectos político-sociais na música de

Cabo Verde do século XX – Instituto Camões, Praia

� SILVA, António Correia e (2005) - Nos tempos do Porto Grande do Mindelo.

Praia - Mindelo, Centro Cultural Português.

� TAVARES, José Manuel Soares (2007) – O Campo de Concentração do

Tarrafal (1936 – 1954): A Origem e o Quotidiano – Edições Colibri, Lisboa

� QUIVY, Ramond, CAMPENHOUDT, Luc Van – Manual de Investigação em

Ciências Sociais, Gradiva Publicações, Lda, 2ª Edição

� PEREIRA, Alexandre (2003) - Como escrever uma tese, Edições Sílabo, Lisboa

� RODRIGUES, Moacyr e LOBO, Isabel (1996) – A Morna na Literatura

Tradicional – Fonte para o estudo histórico-literário e a sua repercussão na

sociedade, Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco, Praia

� RAMOS, Manuel Nascimento (2003) – Mindelo D`Outrora

� WAHNON, Donald M. (2006) – A Minha vida – Akron, Ohio

VII – Fontes Orais- Gregório Dias - entrevista realizada no dia 14 de Setembro de

2009, as 18:00, na residência do mesmo, na zona da Ribeira Bote – São Vicente

- Arnaldo António Lima - entrevista realizada no dia 19 de Setembro de 2009, as 10:00

no restaurante do mesmo, na rua de Matijim – Zona histórica da cidade - São Vicente

Page 97: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

X

VII – ANEXOS

1 – Quadros e Gráficos

Quadro nº1 - Movimentações de entrada Navios em Cabo Verde - 1947 a 1951

Ano Portugueses Estrangeiros Total 1947 72 803 875

1948 92 897 989

1949 95 672 767

1950 3230 732 3962

1951 3093 690 3783

Fonte: Boletim Trimestral de Estatística dos anos de 1947 a 1951

Quadro n.º 2- Carga descarregada segundo a nacionalidade das embarcações - 1947 a

1951

Nacionalidades

Ano Portuguesa Americana Belga Espanhola Francesa Grega Holandesa Inglesa Norueguesa Outras

1947 34.707 63.115 7.186 3.717 8.123 172.094 59.482 14.839

1948

1949 26.678 30.050 895 15.212 3.617 112.829 59.828 62.745

1950 11.996 4.076 16.967 14.284 209.190 81.705 78.466

1951 13.073 30.098 256.929 68.728 105.712

Obs.: Quantidades em toneladas

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

18.000

Port

uguesa

Am

ericana

Belg

a

Esp

anhola

Fra

ncesa

Gre

ga

Hola

ndesa

Ingle

s a

Noru

eguesa

Suiç

a

outra

s

1947

1948

1949

1950

1951

Gráfico nº 1

Page 98: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

XI

Gráfico nº 2

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960

S antiago e Maio

F ogo

B rava

S anto Antão

S .V ic ente

S .Nic olau

S al

B oa V is ta

Não indic adas

2 - Fotos

1948 – Cidade do Mindelo

1948 – Cidade do Mindelo

Page 99: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

XII

Réplica da Torre de Belém – Mindelo

1938 – Pavimentação da estrada da Rua de Lisboa

1941 - Desfile da Chegada do 1º Corpo de Tropas Expedicionárias Portuguesas a Mindelo

Page 100: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

XIII

1940 - Foto Melo. Chegada dos náufragos de um navio Italiano a Mindelo Esse navio, foi torpedeado por engano por um Submarino Alemão, ao largo da Ilha de St. Antão, durante a IIª Grande Guerra. O caricato da cena é que foram considerados prisioneiros de guerra, por influência do governo Inglês, mas em Mindelo não havia onde albergar tanta gente, por isso, foram distribuídos por decreto do Governo da Colónia, pelas casas de algumas famílias da Terra, mediante o pagamento de umas senhas para as despesas com os mesmos.

Page 101: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

XIV

1948 - Partida da imagem de Nossa Senhora de Fátima

1942 – Carregadeiras do cais

1942 - Puxando uma Zorra

Page 102: São Vicente de Cabo Verde no pós guerra (1945-1960)

XV

1956 – Foto Melo. Chegada do Presidente da República Portuguesa, Craveiro Lopes a Mindelo

1956 – Muldura humana recebendo o Presidente da República Portuguesa

1956 - Foto Melo. Entrada do Presidente Português, Craveiro Lopes no pátio do Liceu Gil Eanes, para o Coktail de boas vindas, oferta das forças vivas da Cidade de Mindelo.

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XVI

Fotografia datada dos finais de 40, princípios de 50, de autoria do Comandante Eurico Serradas Duarte. Navio Oceanográfico, Baldaque da Silva.