SARTRE, J. P. A imaginação

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Leia também na Coleção L&PM Pocket:

Esboço para uma teoria das emoções - Jean-Paul SartreSartre - Annie Cohen-Solal

 Jean-Paul Sartre

A imaginaçãoTradução de Paulo Neves

www.lpm.com.br

L&PM POCKET

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I n t r o d u ç ã o

Olho esta folha em branco, colocada sobre minhamesa; percebo sua forma, sua cor, sua posição. Essas dife-lentes qualidades têm características comuns: em primeiroInj-.u , elas se oferecem ao meu olhar como existências que

 posso apenas co ns ta ta r e cu jo ser nã o de pe nd e de m od otilgum do meu capricho. Elas são  pa ra mim, não são eu. M.is elas tampouco são outrem, isto é, não dependem denenhuma espontaneidade, nem da minha, nem da de umao iiira consciência. Estão presentes e inertes ao mesmo tempo. líssa inércia do conteúdo sensível, tão freqüentementedescrita, é a existência em si. De nada serve discutir se essalolha se reduz a um conjunto de representações ou se elai' e deve ser  algo mais. O certo é que o branco que consta-lo não é minha espontaneidade que pode produzi-lo. Essalorma inerte, que está aquém de todas as espontaneidadesconscientes, que deve ser observada, aprendida aos poucos,é o que chamamos uma coisa. De modo nenhum minhaconsciência poderia ser uma coisa, porq ue seu m odo de ser cm si é precisamente um ser para si. Existir, para ela, é ter 

consciência de sua existência. Ela aparece como uma puraespontaneidade diante do mundo das coisas que é purainércia. Podemos, portanto, afirmar desde a origem doislipos de existência: de fato, é na medida em que são inertes(]ue as coisas escapam à dominação da consciência; é suainércia que as salvaguarda e que conserva sua autonomia.

Mas eis que agora viro a cabeça. Não vejo mais a folha de papel. Agora vejo o papel cinza da parede. A folhanão está mais presente, não está mais lá. Sei, no entanto,

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que ela não se aniquilou: sua inércia a preserva disso. Eladeixou simplesmente de ser  para mim . Ei-la de novo, porém. Não virei a cabeça, meu o lhar continua voltado para o

 pa pe l da pa rede ; na da se me xe u na peça. C on tu do , a folhame aparece de novo com sua forma, sua cor e sua posição;e sei muito bem, no mo me nto em que ela me aparece, que

é precisamente a folha que eu via há pouco. É realm ente elaem pessoa? Sim e não. Por certo afirmo claramente que é a mesma folha com as mesmas qualidades. Mas não ignoroque essa folha perman eceu lá no seu lugar, sei que não usufruo de sua presença; se eu quiser vê-la realmente , precisovirar-me para a escrivaninha, preciso trazer de volta meuolhar ao mata-borrão onde a folha está colocada. A folha

que me aparece neste mom ento tem um a identidade de essência com a folha que eu via há pouco. E, po r essência, nãoentendo apenas a estrutura, mas também a individualida

de mesma. Só que essa identidade de essência não é acom pa nha da de um a id en tid ad e de ex istê ncia. É ex atam en te amesma folha, a folha que está agora sobre minha escriva

ninha, mas ela existe de outro m odo. Não a vejo, ela não se impõe como um limite à minha espontaneidade; não é tam

 po uc o um da do iner te qu e exis te em si. Em uma palavra, elanão existe de fato, ela existe em imagem.

Se me examinar sem preconceitos, verei que opero

espontaneam ente a discriminação entre a existência comocoisa e a existência como imagem. Eu não saberia contar 

as aparições que se denominam imagens. Mas, sejam ounão evocações voluntárias, estas se oferecem, no momentomesmo em que aparecem, co mo algo diferente da presença.

 Nunc a me en ga no quan to a is so. Su rp re en de ríam os mui toalguém que não tivesse estudado a psicologia se, depois deter explicado o que o psicólogo denom ina imagem, lhe pe rguntássemos: acontece-lhe às vezes de confundir a imagemde seu irmão com a presença real dele? O reconh ecimentoda imagem como tal é um dado imediato do senso íntimo.

Uma coisa, porém, é apreender imediatamente umaimagem como imagem, outra é formar pensamentos sobre

i) natureza das imagens em geral. O único meio de consti-luir uma teoria verdadeira da existência em imagem seria

limitar-se rigorosamente a nada afirmar sobre esta que nãonvcsse diretamente sua fonte numa experiência reflexiva. É

ijiic, na verdade, a existência em imagem é um mo do d e ser tlc apreensão muito difícil. Para isso, é preciso contençãotle espírito; é preciso, sobretudo, livrar-se de nosso hábitoquase invencível de constituir todos os modos de existên-( i ,i   segundo o tipo da existência física. Aqui, mais do quecni outra parte, essa confusão dos modos de ser é tentadora, pois afinal a folha em imagem e a folha em realidade•„10 uma única e mesma folha em dois planos diferentes deexistência. Por conseguinte, tão logo o espírito se desvia

<l.i pura contemplação da imagem enquanto tal, tão logo

■,<■ pensa sobre a image m sem f orm ar imagen s, prod uz-seum deslizamento e se passa, da afirmação da identidade deessência entre a imagem e o objeto, à de uma identidade<le existência, fá que a imagem é o objeto, conclui-se que aimagem existe como o objeto. E, dessa maneira, constitui-se o que cha marem os a metafísica ingênua da imagem. Essametafísica consiste em fazer da image m um a cópia da coisa,

existindo ela própria como uma coisa. Eis aí, portanto, a folha de papel “em im agem ” provida das mesmas qualidades

<|ue a folha “em pessoa”. Ela é inerte, não existe mais ape-

nas para a consciência: existe em si, aparece e desaparece aseu critério e não ao critério da consciência; não cessa deexistir ao deixar de ser percebida, mas co ntinua tendo, foraila consciência, um a existência de coisa. Essa metafísica, oumelhor, essa ontologia ingênua é a de todo o mundo. Por isso, observamos o curioso paradoxo: o mesmo homem,sem cultura psicológica, que nos afirmava há po uco p oder imediatamente reconh ecer suas imagens como imagens, vaiacrescentar agora que vê suas imagens, que as ouve, etc. E

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Os GRANDES SISTEMAS METAFÍSICOS

I

A principal preocupação de Descartes, diante de um a

tradição escolástica em que as espécies eram concebidascomo entidades semimateriais, semi-espirituais, é separar com exatidão mecanismo e pensamento, o corporal sendointeiramente reduzido ao mecânico. A imagem é um a coisa

i orporal, é o prod uto da ação dos corpos exteriores sobrei i o s s o   pr ópr io co rp o p or int er m éd io do s sen tid os e do s n er

vos. Como matéria e consciência se excluem um a à ou tra,,i imagem, na med ida em que é descrita materialmente emnlguma parte do cérebro, não poderia ser animada de consciência. Ela é um objeto, do mesmo modo que os objetosexteriores. É exatamente o limite da exterioridade.

A imaginação ou o conhecimento da imagem vemdo entendimento; é o entendimento, aplicado à impressão

material produzida no cérebro, que nos dá u m a consciênciada imagem. Esta, aliás, não é posta diante da consciênciacomo um novo objeto a conhecer, apesar de seu caráter 

de realidade corporal: de fato, isso remeteria ao infinito a po ssibi lidad e de um a relação en tre a c on sc iên cia e se us ob jeto s. Ela po ss ui a es tra nh a pro prie da de de po de r m ot ivar 

as ações da alma; os movimentos do cérebro, causados pelos objetos exteriores, embo ra não conten ham semelhançacom elas, despertam na alma idéias; as idéias não vêm dosmovim entos, são inatas no hom em , mas é por ocasião dos

movimentos que elas aparecem na consciência. Os movimentos são como signos que provocam na alma alguns

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sentimentos; porém , Descartes não aprofund a essa idéia dosigno, ao qual parece dar o sentido de uma ligação arbitrária, e sobretudo não explica como há consciência dessesigno; ele parece admitir uma ação transitiva entre o corpoe a alma que o leva ou a introdu zir na alma um a certa materialidade, ou na imagem material uma certa espirituali

dade. Não se compreende nem como o entendimento seaplica a essa realidade corporal muito particular que é aimagem, nem, inversamente, como no pensamento podehaver intervenção da imaginação e do corpo, u ma vez que,segundo Descartes, mesmo os corpos são apreendidos peloentendimento puro.

A teoria cartesiana não perm ite distinguir as sensaçõesdas lembranças ou das ficções, pois em todo s os casos há osmesmos m ovim entos cerebrais, quer os espíritos animais se

 jam acionados por um a exc itação vinda do m un do exter ior ,

do corpo ou mesmo da alma. Somente o juízo e o entendimen to permitem, com base na coerência intelectual das imagens, decidir quais delas correspon dem a objetos existentes.

Descartes limita-se, pois, a descrever o que se passa nocorpo q uando a alma pensa, a mostrar que ligações corporaisde contigüidade existem entre essas realidades corporais qu esão as imagens e o mecanismo de sua produção. Mas não setrata para ele de distinguir os pensamentos baseados nessesmecanismos, que pertencem, assim como os outros corpos,ao mu ndo das coisas duvidosas.

Spinoza afirma ainda m ais claramente que Descartesque o problema da imagem verdadeira não se resolve nonível da imagem, mas apenas pelo en tendime nto. A teoriada imagem é, como em Descartes, separada da teoria do conhecim ento e liga-se à descrição do corpo : a imagem é um aafecção do corpo hum ano; o acaso, a contigüidade, o hábito são as fontes de ligação das imagens, e a lembrança é aressurreição material de um a afecção do corpo, provocada

 por causas mecân ica s; os tra ns ce nd en ta is e as idé ias gerais

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<Hic con stituem a experiência vaga são o prod uto de um a(«infusão de imagens, de natureza igualmente material. Aimaginação, ou o conhecimento por imagens, é profundamente diferente do entendimento; ela pode forjar idéias falsas e só apresenta a verdade sob um a forma truncada.

Contudo, embora se oponha à idéia clara, a imagem

lem em comum com ela o fato de também ser uma idéia;e uma idéia confusa, que se apresenta como um aspectodegradado do pensamento, mas na qual se exprimem asmesmas ligações que no entendimento. Imaginação e en-lendimento não são absolutamente distintos, pois uma passag em é possível de u m a ao outr o pe lo de senv ol vimen todas essências envolvidas nas imagens. Eles estão, como o(onhecimento do primeiro gênero e o do terceiro gênero,<(imo a servidão e a liberdade human as, ao m esmo tem poseparados entre si e continuam ente ligados.

A imagem, em Spinoza, possui um duplo aspecto:ela é profundamente distinta da idéia, é o pensamentodo homem enquanto modo finito, e no entanto é idéia eIt agmento do mu ndo infinito qu e é o conju nto das idéias.Separada do pensamento, como em Descartes, ela tendetambém, com o em Leibniz, a confun dir-se com ele, já queo mun do de ligações mecânicas descrito p or Spinoza comoo mun do da imaginação não está, mesm o assim, separado

do mundo inteligível.Todo o esforço de Leibniz relativamente à imagem

e estabelecer uma c ontinuidade entre estes dois mod os deconhecimento: imagem, pe nsamen to; a imagem, nele, é pe

netrada de intelectualidade.Também ele descreve inicialmente como um puro

mecanismo o mundo da imaginação, onde nada permitedistinguir imagens propriamente ditas e sensações, umas eoutras exprimindo estados do corpo. O associacionismo de

Leibniz, aliás, não é mais fisiológico; é na alma que, de ummodo inconsciente, as imagens se conservam e são ligadas

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entre si. Somente as verdades estabelecidas pela razão têm

entre si ligações necessárias, somente elas são claras e distintas. Portanto, há distinção ainda aqui entre o mun do dasimagens, ou idéias confusas, e o mundo da razão.

Sua relação é concebida de maneira normal: em primeiro lugar, segundo Leibniz, o entendimento nunca é

 puro , po is o co rp o está se m pr e pr es en te à alm a; mas, po r outro lado, a imagem só tem um papel acidental e subordinado, o papel de um simples auxiliar do pensam ento, de

um signo. Leibniz busca aprofundar essa noção de signo:segundo ele, o signo é uma expressão, ou seja, na imagem

há conservação do m esmo sistema de relações que no objeto do qual ela é a imagem, a transformação de um no o utro

 pod e ex pr im ir- se por um a regra vá lida ta n to pa ra a t ot al idade quan to para cada parte.

Assim, a única diferença entre imagem e idéia é que,

num caso, a expressão do objeto é confusa e, no outro, clara; a confusão deve-se ao fato de todo movimento envolver nele a infinidade dos mo vimentos do universo e ao fato deo cérebro receber uma infinidade de modificações às quais

só pode corresponder um pensamento confuso, envolvendo a infinidade das idéias claras que corresponderiam acada detalhe. As idéias claras, portanto, estão contidas nasidéias confúsas; são inconscientes, são percebidas sem serem discernidas; somente é discernida sua som a total, quenos parece simples pela ignorância em q ue estamos de seus

componentes.Portanto, entre imagem e idéia há uma diferença quese reduz quase a um a pu ra diferença matemática: a imagem

tem a opacidade do infinito; a idéia, a clareza da quan tidad efinita e analisável. Ambas são expressivas.

Entretanto, se a imagem se reduz a elementos incon scientes em si mesmos racionais, a uma infinidade de relações expressivas, participando assim da dignidade do pen

samento, seu aspecto subjetivo não se explica mais. De que

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maneira a soma de percepções inconscientes, do amarelo edo azul, por exemplo, produz a apercepção consciente doverde? De que maneira, dim inuindo o grau de consciência

ilas idéias elementares, sua consistência no espírito podedar lugar a essas bruscas combinações? Leibniz não se in

quieta com isso. Ele busca reenco ntrar na imagem um sen-

lido que a vincule ao pensam ento e faz desaparecer a imagem como tal. Inclusive abusa de uma analogia matemáticaquando toma por estabelecido que confusão é o mesmoque infinidade, opacidade ou ainda irracionalidade; de fato,

o irracional do m atemático nu nca é senão um certo racional que ainda não se sabe assimilar; porém, colocando-nosno terreno lógico, nunca poderemos, ao término de umaconstrução, estar diante de uma opacidade absolutamente,ilógica contra a qual nenh um pensam ento tem mais valor.A qualidade não é a quantidade, mesmo infinita, e Leibniz

li ao chega a re stituir à sensação o cará ter sensível, qualitativo, do qual inicialmente a despojou.

Aliás, a noção de expressão, que permite atribuir aosdados sensíveis uma significação intelectual, é obscura. Éuma relação de orde m, diz Leibniz, um a correspondência.Mas não pode existir representação natu ral de um “reino”

 po r um outr o “re in o”; se mpr e é pr ec iso um a co ns tru çã oarbitrária do espírito para que a seguir o espírito possa admitir que se encontra diante de relações equivalentes.

Assim, ao tentar fun dar o valor representativo da im a

gem, Leibniz não consegue nem descrever claramente suarelação com o objeto, nem explicar a originalidade de suaexistência enqua nto dado imediato da consciência.

Enquanto Leibniz, para resolver a oposição cartesiana

imagem/pensamento, tende a eliminar a imagem como tal, oempirismo de H um e se esforça, ao contrário, po r reduzir todo

o pensamento a um sistema de imagens. Ele toma do carte-sianismo sua descrição do mundo mecânico da imaginaçãoe, isolando esse mun do do terreno fisiológico no qu al mergu

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 bl em as qu e se co loca m so m en te par a o pen sa m en to pu ro , po rq ue seu s te rm os nã o pod er ia m de m odo alg um ser im aginados. Outros tolerarão o uso de imagens, com a co ndição de que esse uso seja rigorosamente regulamentado. Detodo modo, essas imagens não têm outra função senão a de

 pre pa ra r o espí rito pa ra faz er a co nv ers ão . Elas são em pre

gadas como esquemas, signos, símbolos, mas nun ca entramcomo elementos reais no ato pro priam ente dito de ideação.Entregues a si mesmas, elas se sucedem conforme um tipode ligação puramente mecânica. A psicologia será relegada ao terreno das sensações e das imagens. A afirmação daexistência de um pensam ento puro sub trai o entendim entome smo às descrições psicológicas: este só pode ser o o bjetode um estudo e pistemológico e lógico de significações.

Mas a existência independente dessas significaçõesnos parecerá, talvez, um contra-senso. De fato, ou devemostomá-las como um a priori que existe no pensamento ou

como entidades platônicas. Nos dois casos, elas se furtam àciência indutiva. Se quisermos afirmar os direitos de umaciência positiva da natureza humana, que se eleve dos fatos às leis como a física ou a biologia, se quisermos tratar os fatos psíquicos como coisas, teremos de renun ciar a essemundo de essências que se oferecem à contemplação intuitiva e na qual a generalidade é dada de início. Teremosde afirmar este axioma de m étodo: não se pode atingir nenhuma lei sem passar primeiro pelos fatos. Mas, por umaaplicação legítima desse axioma à teoria do conhecimento,

será preciso que reconheçamos as leis do p ensamento comooriginadas, elas também, dos fatos, isto é, das seqüências ps íqu ica s. Assim , a lóg ica to rn a- se u m a pa rte da psico log ia,a imagem cartesiana torna-se o fato individual a partir doqual se pode induzir, e o princípio epistemológico “partir dos fatos para induzir as leis” será o princípio metafísico:

nihil est in intellectu quod non fuerit prius in sensu'. Assim,

1. “Nada existe no intelecto que p rimeiro nã o tenh a passado pelos sentidos.” Afir

mação de John Locke no Ensaio sobre o entendimento huma no (1690). (N.T.)

a imagem de Descartes aparece ao mesmo tempo como oobjeto individual de onde o cientista deve partir e como oelemento primeiro que, por combinação, produzirá o pen

samento, ou seja, o con junto das significações lógicas. Seria preciso falar aq ui do pa n- ps icol og ismo de H um e. Os fatos ps íqu ico s s ão coi sas indi vi du ad as qu e se l iga m po r relações

externas: deve haver uma gênese do pensam ento. Assim, assuperestruturas cartesianas desmoronam, restando apenasas imagens-coisas. Mas com as superestruturas desm oronalambém o po der sintético do eu e a próp ria noção de repre

sentação. O associacionismo é, antes de tudo, um a do utrina ontológica que afirma a identidade radical do m odo deser dos fatos psíquicos e do m odo de ser das coisas. Existem

apenas coisas, em últim a análise: essas coisas entram em re lação umas com as outras e constituem uma certa coleçãoque é chamada consciência. E a imagem não é senão a coisa

enquanto esta mantém com outras coisas um certo tipo derelações. Vemos aqui o germe do neo-realismo americano. Mas todas essas afirmações metodológicas, ontológicase psicológicas decorrem analiticamente do abandono dasessências cartesianas. A imagem não se transformou em

nada, não sofreu nenhuma modificação enquanto o céuinteligível desmoronava, pela simples razão de que ela já

era, em Descartes, um a coisa. É o advento do psicologismo,o qual, sob diversas formas, não é senão u ma antropologia positiv a, isto é, u m a ciê nc ia q ue qu er tr a ta r o hom em co mo

um ser do m und o, negligenciando o fato essencial de que ohomem é também u m ser que se representa o mundo e a simesmo no m undo . E essa antropologia positiva já está em

germe na teoria cartesiana da imagem. Ela nada acrescenta ao cartesianismo, apenas suprime. Descartes afirmavaao mesmo tem po a imagem e o pensam ento sem imagem;

Hume conserva somente a imagem sem o pensamento.Mas talvez queira se conservar tudo no seio de uma

continuidade espiritual, afirmar a homog eneidade do fato e

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da lei, m ostrar qu e a experiência pura já é razão. Nesse caso,se fará observar qu e se do fato se pod e passar à lei, é que ofato já era como uma expressão da lei, um signo da lei: oumelhor, o fato é a própria lei. Nada mais resta da distinção cartesiana entre a essência necessária e o fato empírico.Porém, n o em pírico, pretende-se reenco ntrar o necessário.Sem dúvida, o fato aparece como contingente; sem dúvida nenh um a a inteligência hum ana po derá justificar a cor dessa folha ou de sua forma. Mas isso é somente porqueessa inteligência é limitada por natureza. Nunca se induz

a não ser onde, de direito, se poderia ded uzir. As “verdadescontingentes” de Leibniz são de direito verdades necessárias. Para Leibniz, portanto, a imagem continua sendo um

 fa to semelhante aos outros fatos, a cadeira em imagem nãoé outra coisa senão a cadeira em realidade. Contudo, assimcomo a cadeira em realidade é um conhecimento confu

so de uma verdade de direito redutível a uma proposiçãoidêntica, assim tamb ém a imagem é apenas um p ensam ento confuso. Em suma, a solução de Leibniz é claramenteum panlogismo, só que esse panlogismo tem apenas umaexistência de direito que se sobrepõe a um empirismo defato. Psicologicamente, seremos ob rigados, po r trás de todaimagem, a reencontrar o pensam ento que ela implica de di

reito: mas o pensamento jamais se revelará a uma intuiçãode fato, jamais teremos a experiência concreta do pensamento puro como encontramos no sistema cartesiano. O

 pe ns am en to nã o a pa rece a si m es mo, ele se o bt ém pe la a nálise reflexiva. Eis por que Leibniz pode responder a Lockeo famoso nisi ipse intellectus1. No fund o, a imagem dos em- pir ist as reap are ce aq ui tal e qu al co mo fato psi co lóg ico , eé somente por sua natureza metafísica que Leibniz está emdesacordo com Locke.

I. P, o acréscim o irôn ico de Leibn iz à frase de Locke: “Nada existe n o in-  

Iclcc lo que primeiro não ten ha passado pelos sentidos, a não ser a própria 

i n l f l i ^ t i c ia” . (N.T.)

00

Um reino do pensamento radicalmente distinto do

icino da imagem; um mundo de puras imagens; um mundo de fatos-imagens por trás do qual é preciso reencontrar 

liin pensamento que aparece apenas indiretamente, com o>i única razão possível da organização e da finalidade qu e se

 pod e co ns ta ta r no un iverso das im ag en s (u m po uc o co moI)eus, no argumento físico-teológico, deixa-se concluir a

 partir da or de m do m un do) : eis aí as t rês so luç ões qu e nos prop õe m as trê s g rand es co rren tes d a fil oso fia c lássic a. N es sas três soluções, a imagem conserva uma estrutura idên-

Iica. Ela continua sendo uma coisa. Somente suas relaçõe:com o pensamen to se modificam, conform e o pon to de visla adotado sobre as relações do homem com o mundo, d(

universal com o singular, da existência como objeto com ;existência como representação, da alma com o corpo. Sel>uindo o desenvolvimento contínuo da teoria da imagen

ii través do séc ulo XIX, con stata rem os talvez q ue essas trêsoluções são as únicas possíveis desde que aceito o postulado de que a imagem é apenas uma coisa e de que todas elasão igualmente possíveis e igualmente defeituosas.

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O PROBLEMA DA IMAGEM E O ESFORÇO DOSPSICÓLOGOS PARA ENCONTRAR UM MÉTODO POSITIVO

O problem a da imagem poderia ter recebido doromantismo uma verdadeira renovação. Com efeito, o romantismo, tanto em filosofia como em política e em lite

ratura, manifesta-se por um retorno ao espírito de síntese, |à idéia de faculdade, às noções de ordem e de hierarquia, a

um espiritualismo acom panhad o de um a fisiologia vitalis-

ta. E realmente, durante algum tempo, a maneira como seconsidera a imagem parece muito diferente dos três pontosde vista clássicos que enumeramos:

“Muito s bon s espíritos”, escreve Binet1, “recusavam - Ise a admitir que o pensamento tem necessidade de signosmateriais para se exercer. Parecia-lhes que isso seria fazer J

uma concessão ao materialismo. Em 1865, na época em queteve lugar no seio da sociedade médico-psicológica uma ‘grande discussão sobre as alucinações, o filósofo Garnier 

e alienistas eminentes tais como Baillarger, Sandras e ou

tros sustentavam que um abismo intransponível separa aconcepção de um objeto ausente ou imaginário - ou seja, aimagem - e a sensação real produ zida po r um objeto pre

sente; que esses dois fenômenos diferem não apenas emgrau, mas em natureza...”

Colocava-se em dúvida, portanto, o postulado comum às teses de Descartes, de Hume e de Leibniz, a iden-

II

1. Psychologie du raisonnement, Paris, 1896. (N.A.)

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Iklade de natureza entre imagem e sensação.1Infelizmenteli atava-se, com o se vê, mais de um a atm osfera geral qu e cuma doutrina formada. A atmosfera rapidamente mudoi|,i em 1865, os pensadores citados por Binet podiam s

i onsiderados como conservadores: “A idéia de ciência”, e

1 reve Giard, “está intimamente ligada às de determinism

r de mecanicismo.”E isso certamente é um erro, mas foi a ciência determnista e mecanicista que conquistou a geração de 1850. Or quem diz mecanicismo diz espírito de análise: o mecanicin lo busca deco mp or um sistema em seus elementos e aceiimplicitamente o postulado de que estes permanecem rigilusamente idênticos, quer estejam no estado isolado ou ei ombinaçâo. Segue-se naturalmente este outro postulado:relações que os elementos de um sistema mantêm entre>i,io exteriores a eles; é esse post ulad o que se form ula o rd in

ii.imente sob o nom e de princíp io de inércia. Assim, paraintelectuais da época que consideramos, tomar uma atituccientífica diante de um objeto qua lquer - seja ele um corjlisico, um organism o ou u m fato de consciência - é estab

lecer, antes de toda investigação, que esse objeto é uma cor Iiinação de invariantes inertes que ma ntêm entre si relaçõexternas. Por u m curioso desvio, quan do a ciência dos cie:listas, a ciência “que se faz”, não é, por essência, nem análinem síntese pura, mas adapta seus métodos à naturezaseus objetos, um a interp retação sim plista de seus progressreconduziu os filósofos à posição crítica do século XVIIIuma hostilidade de princípio contra o espírito de síntese.

Desde então, todo esforço para constituir uma p;cologia científica deveria necessariamente concentrar-

n uma tentativa de redu zir a com plexidade psíquica a u

mecanismo.

I . Pode-se ler com interesse a tentativa do belga Ahrens pa ra cr iar uma nc

leor ia da imagem em seu Cours de Psychologie, minis trado em Par is em 18

líilitado por Brockhaus e Avenarius. (N.A.)

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“As palavras  faculdade, capacidade , poder , que desem pe nh ar am tão gr an de pa pe l em ps ico log ia, nã o passa m,

como se verá, de nomes cô modos por meio dos quais colocamos juntos num compartimento distinto todos os fatosde uma espécie distinta; (...) eles não designam uma essência misteriosa e profunda que permanece e se esconde sob o

fluxo dos fatos. (...) Assim, a psicologia torna-se um a ciência de fatos, pois são fatos os nossos conhecimentos; pode-se falar com precisão e detalhes de uma sensação, de umaidéia, de um a lembrança, de uma previsão, assim com o deuma vibração, de um movimento físico (...) pequenos fatos

 be m-escol hido s, im por tant es , signif ica tivos, am plam en te circunstanciados e minuciosamente registrados, eis aí,hoje, a matéria de toda ciência (...) nossa grande questão ésaber quais são esses elementos, como nascem, em que formas e sob que con dições se comb inam e quais são os efeitosconstantes das combinações assim formadas. Tal é o mé

todo que procuramos seguir neste livro. Na primeira parte, destacamos os elementos do conhecimento; de redução

em redução, chegamos aos mais simples e daí às mudançasfisiológicas que são a condição de seu nascimento. Na segunda parte, descrevemos primeiro o m ecanismo e o efeitogeral de sua montagem, depois, aplicando a lei encontrada,

exam inamo s os elementos, a formação, a certeza e o alcancede nossos principais tipos de conhecim ento.”

É assim que Taine considera a constituição de uma ps icolog ia cien tíf ica no pr efác io de seu liv ro  Da In te li

gência, publicado em 1871.1Pode-se observar o abandono decidido dos princípios de investigação psicológicaestabelecidos por Maine de Biran. O ideal aqui é poder considerar o fato psíquico como “um movimento físico”.E, em vista disso, vemos coexistir no mesm o texto o p rincípio purame nte metodológico e incontestável do recurso à

1.  De rin te lli ge nce , 11 , prefácio, p. 1 e 2. (N.A.)

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experiência1(“pequenos fatos bem escolhidos, etc.”) e umaleoria metafísica, estabelecida apriori, da natu reza e dos finsda experiência. Taine não se limita a prescrever uma largautilização da experiência: ele determina, a partir de princí pios i nc on tro lado s, o que deve sere ssa experiência, descreveseus resultados antes de se reportar a ela, e essa descriçãoimplica naturalmente uma série de asserções dissimuladassobre a natureza do mundo e da existência em geral. Desde.1 leitura das primeiras páginas, suspeitamos que a psicologia de Taine, devido a essa contaminação original, serádedutiva e que os inúm eros fatos - aliás, quase todos falsos

que nos serão apresentados apenas vão ocultar o encadeamento p uram ente lógico das idéias.

A leitura do livro não fez mais que confirmar, infelizmente, essas previsões. Pode-se afirmar que em partenenhuma se encontrará uma descrição concreta, uma anotação ditada pela observação dos fatos: tudo é construído.

Taine emprega primeiro a análise regressiva e, por meiodesse método, dá ingenuamente um salto, sem suspeitar,do plano p sicológico ao plano fisiológico, que nã o é senão oterreno do mecanicismo puro. Depois passa à síntese. Mas por “ sín tese” deve-se e nt en de r a qu i u m a sim ple s r ec om po sição. Somos levados dos grupos relativamente simples aosgrupos mais complexos, e o truque se completa: o fisiológico é introduzido na consciência:

“Não há nada de real no eu salvo a fila de seus acontecimentos. Esses acontecimentos, diversos em aspecto, sãoos mesmos em natureza e resumem -se todos à sensação; a pr óp ria sensação , co ns ider ad a de fo ra e pelo meio indi re toque chamamos a percepção exterior, reduz-se a um grupode movime ntos moleculares.”2

E a imagem, elemento essencial da vida psíquica, tam bém ap ar ec erá ne ssa reco ns tru çã o: ne la vir á a oc upa r um

lugar de antemão determinado.

1. Ainda que a experiência seja aqui co ncebida de um a form a mu ito estreita. (N.A.)

2. lãem, ibid., p. 9. (N.A.)

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“Tudo o que, no espírito, ultrapassa ‘a sensação bruta’ resume-se a imagens, isto é, a repetições espontâneas dasensação.”

Assim, a natureza mesma da imagem é deduzida a  prior i. Em nenhum momento nos reportamos aos dados daexperiência íntima. Desde a origem, sabemos que a imagem

é apenas uma sensação que renasce, ou seja, um “grupo demovimentos moleculares”. Isso significa estabelecer a imagem como invariante inerte e, ao mesmo tem po, suprimir aimaginação. O espírito é um “polipeiro de imagens”, tal é aconstatação ú ltima da psicologia analítica. Mas Taine não viuque esse era também seu postulado inicial. Os dois grossosvolumes de  Da Inteligência não fazem mais que desenvolver fastidiosamente esta simples frase que citávam os mais acima:

“Nossa grande q uestão é saber quais são esses eleme ntos, como nascem, em que formas e sob que condições secombinam...”

Uma vez estabelecido esse princípio, não havia necessidade senão de explicar como as imagens se combinam

 pa ra da r or igem aos co nceit os , ao ju ízo e ao rac iocín io. Asexplicações são naturalmente tomadas do associacionis-mo. No entanto, Hume, mais hábil, havia ao menos tentado constituir um fantasma de experiência. Ele não quisdeduzir. Assim, suas leis de associação se estabelecem, aomenos aparentemente, no terreno da psicologia pura: sãoligações entre os fenômenos tais como aparecem ao espírito.A confusão inicial de Taine entre a experiência e a análiseleva-o a con stituir um associacionismo h íbrido que ora seexprime em linguagem fisiológica, ora em linguagem psicológica, ora nas duas línguas ao mesmo tempo ; seu emp irismo puramente teórico é acompanhado de um realismometafísico. Donde esta contradição paradoxal: Taine, paraconstituir um a psicologia a partir do m odelo da física, ado

ta a concepção associacionista que, como mostrou Kant,resulta em uma negação radical de toda ciência legisladora.

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Mas, ao mesm o tem po em qu e destrói sem suspeitar a idéia

mesma de necessidade e a de ciência no terreno psicológi-i o, ele mantém no terreno da fisiologia e da física um sis-inna de leis necessárias. E, como afirma que o fisiológicor o psíquico são apenas as duas faces de uma mesma realidade, segue-se que a ligação das imagens como fatos de

i onsciência - a única que nos aparece - é contingente, ao| n i s s o   que é necessária a ligação dos m ovime ntos m olecu-l.ues que os constituem como realidades físicas. Portanto,

u que por muito tempo se tom ou po r um empirismo não éMMiâo uma meta física re alista fru strad a.

Mas as idéias de Taine, que seduziam por seu aspecto científico, recebiam confirmações de todos os lados. A pesqu isa de G al to n1 tra zia- lhes no va s pr ov as de fato . Aomesmo tempo, de 1869 a 1885, Bastian, Broca, Küssmaul,Ixtier, Wernicke e Charcot fundam a teoria clássica da afa-m.i , que tende a estabelecer nada men os que a existência dei nitros de imagens diferenciados: Déjerine ainda a sustentarm 1914. Ou tros psicólogos - como Binet em seu primeiro pe río do 2- te nta m co nqu is ta r no vo s do m ín io s par a o asso -

i liicionismo. A metáfora física que faz da imag em “a sobrevivência de um abalo à excitação que lhe deu origem” e a

i ompara às oscilações pendulares produzida s du rante m uito tempo depois que o pên dulo foi afastado, por u ma for-i,,i estranha, de sua po sição de eq uilíbrio - essa metáfora emuitas outras do mesmo tipo conhecem uma rara fortuna.I>epois de S. Mill, Taine e Galton fixaram definitivamente a natureza da imagem: é uma sensação renascente, umInigmento sólido destacado do mundo exterior. Qualquer 

que seja a atitude que os psicólogos tomarão a seguir, elessempre aceitarão implicitamente a idéia de que a imagem éuma revivescência. E mesmo os que pretenderão estabele-

1 ( inlton, S tatis t ics of mental Imagery ( M in d, 1880),  Inq ui rie s int o hu ma n  

 fiu ui lies (1885). (N.A.)

' Ilinet, Psychologie du raisonnement., 1896. (N.A.)

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cer a existência de sínteses psíquicas ainda assim m anterão,a título de sobrevivência ou de elemento s de sustentação, osátom os qu e lhes legou a psicologia de análise.

De fato, é a partir do associacionismo e contra ele que Ium a nova geração de filósofos vai definir sua posição por Ivolta de 1880. N ão se rejeitam as idéias de Taine ou de Mill

 pa ra vo lta r à ex pe riê nc ia in te rn a. C on tu do, sob a in flu ên - |cia de diversos fatores, busca-se ultrapassá-las e conservá-1las, ao mesm o temp o, num a síntese mais ampla. Entre as f 

razões principais dessa mudança, convém citar o sucesso 1crescente do kantismo, do qual Lachelier se faz o defensor .1

na Fran ça.1Desse ponto de vista, a questão q ue os filósofos Ise colocam p oderia ser assim form ulada: com o conciliar noterreno d a psicologia as exigências de um a crítica do conh e- 1cimento com os dados da experiência? Mas o significativoé que se con sideram as descrições de Taine com o os dados Ida experiência pura. Trata-se apenas de interpretá-los. Queexistam imagens-átomos, ningu ém duvida: é um  fa to. Qu e

mesmo a experiência não revela diretamente senão essas 1imagens, muitos filósofos concordariam sem dificuldade.Só que, ao lado da questão de fato, há a questão de direito.Em direito deve haver outra coisa: um p ensam ento que or

ganiza e ultrapassa a im agem a cada in stante. T rata-se, pois,de reencon trar o direito p or trás do fato.

Razões de um a ordem bem diferente militam, ade- |

mais, em favor desse ponto de vista: as idéias políticas esociais mudaram. Desconfia-se agora do individualismo

crítico por causa de suas conseqüências morais. Em políticaele conduz à anarquia, leva ao materialismo e ao ateísmo,

 po is se pro du z, ne ssa época, um a f or te reação co ns erva do ra

na França. As idéias de ordem e de hiera rquia social readqu i- |riram toda a sua força. São acusados, na A ssembléia de Ver-

1. Cf. Lachelier, Psychologie et Métaphysique. (N.A.)

•„tlhes, os “pensadores do radicalismo... (que) não crêem em

I >eus e nos escritos (nos quais) há definições sobre o ho me mt|uc rebaixam nossa espécie”.1

A Assembléia denu ncia em bloco as “detestáveis do u-

I t inas” radicais. A burguesia conserv adora, assustada pela( iomuna, volta-se para a Religião, como na prim eira par le do reinado de Luís Felipe. Daí, para os intelectuais do

 po der , a ne ce ss idad e de co m ba ter a te nd ên ci a an al íti ca do■.eculo XVIII em todos os do mín ios. É preciso colocar, aci-ii ui do ind ivíd uo , realida des sinté ticas, a família, a naç ão,

,i sociedade. Acima da imagem individual, é preciso resta

 belecer a ex ist ência do s co nc eit os , do pe ns am en to . Da í olema proposto a u m concurso, em 30 de abril de 1882, pela

Academia das Ciências mo rais e políticas:“Expor e discutir as doutrin as filosóficas que reduzem

.lo simples fato da associação as faculdades do espírito humano e o pró prio eu. - Restabelecer as leis, os princíp ios e

,is existências que as doutrinas em questão tendem a desna-lurar ou a suprim ir.”

Assim a ciência oficial dá a partida. No entanto, tam

 bém des se ponto de vis ta, nã o se t ra ta de ne ga r a ex istênciade imagens sensíveis e de leis de associação. Ferri, que foi

l.mreado no con curso, escreve:“Estamos tão persuadidos da im portância da associa

-lo na produção dos conhecimentos que a questão para

nós não é constatá-la, mas medi-la.”Ele chega mesmo a adm itir que os dados da introspec

ção só nos fornecem imagens-átomos. A experiência está alavor dos associacionistas. É preciso colocar-se em um ter 

reno crítico para ultrapassá-los:“O pensamento puro não é uma i lusão porque se

.ipreende ele próprio na consciência reflexiva dos procedimentos intelectuais e dos conceitos, mas sim po r u m esforçc 

i/í’ meditação e de abstração. Na realidade, o cérebro nunca

I. Kapport Batbie, 26 de novembro de 1872.

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cessa de traba lhar pa ra ele, de fornec er-lhe os fantasm as visíveis, sonoros e tangíveis, os materiais sobre os quais eleimprime sua forma...”

Esse texto é significativo: nenhum outro poderiamostrar melhor as incertezas do conhecimento introspectivo. Um autor, cujo objetivo é refutar o associacionismo,está tão imbuído das teorias que quer combater que lhesconcede o benefício da experiência e percebe nele mesmoapenas imagens particulares. A atividade do pensam ento sólhe aparece após um esforço de abstração; ele afirma isso, decerto modo, contra a experiência. Trinta anos mais tarde,

como veremos, cada um descobrirá ou acreditará desco br ir, à von tade , es tad os nã o- im ag ét icos no m en or process ointelectual.

Sem dúvida, essa timidez provém em parte do enorme sucesso dos livros de Taine. Mas há outra coisa. A reação contra o associacionismo é conduzida antes de tudo

 pe lo catolic ism o co nserva do r. Pa ra este, a teor ia da im agem tem um aspecto religioso que não é negligenciável. Ohom em é um misto, como diz Aristóteles, um pensamentointimamente unido a um corpo. Não há pensamento quenão esteja manchado pelo corporal. A idéia cartesiana deum pensamento puro, ou seja, de uma atividade da almaque se exerceria sem o concurso do corpo, é uma heresiaorgulhosa. É por causa dela que M aritain poderá aproximar Descartes dos protestantes. Volta-se a Aristóteles, portanto,que escreveu que não se poderia exercer atividade intelec

tual sem o amp aro da ima ginação1; volta-se a Leibniz que,embora protestante, sempre esteve bem mais próximo do

 pe ns am en to católico do qu e um Desca rtes. Eis por qu e nã ose rejeita o associacionismo: é preciso apenas integrá-lo. Oassociacionismo é o corpo, é a fraqueza do ho mem . O pensa men to é sua dignidade. Mas nunc a há dignidade sem fraque-

1. Cf. Aristóteles,  De an im a, III, 8, 432 a, 8: “ôxav te Gewpíj, àváy%ri r/ua  

<t>avTáo|j,axi 6ecopEÍv.”(N.A.)

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/a, nunca há pensamento sem imagem. É nesse sentido cIVillaube escreverá em 1910 em seu livro sobre as imagen

“As imagens são necessárias à formação dos conceit

n.io há um único conceito que seja inato. A abstração ti pre cis am ente por ob jet ivo , em su a funç ão or iginal e gedora do inteligível, elevar-nos acima da imagem e permil

nos pensar seu objeto sob um a form a necessária e univer: Nosso espí rit o nã o po de co nc eb er diretam en te ou tr o inligível senão o inteligível abstrato, e o inteligível abstrato pode ser pr od uz id o da im agem e co m a im ag em pe la ati

da de intelectual. Tod a m atéria suscetível de ser e xplon pela inteli gência é de or igem sensor ial e im ag ina tiv a.. .”

Eis aí, portanto, subitamente reaparecida, a doutr:

Icibniziana da relação da imagem com o pensamento,verdade, ela não tem aqui toda a profundidade que lhedada por Leibniz, mas os autores invocam expressam«

le seu testemunh o e é realmente ela que confere seu m; pa rti cu lar à filo sof ia des se fim de século. É realmen teI.eibniz que procede a idéia de um pensam ento presenteIoda parte e, no entanto, inacessível à experiência inter concepção que já havíamos enco ntrado em Ferri e que Bt liard vai precisar a inda mais:

“Já que o objeto pode ser mu dado , eu sei que a imagnão se iguala a meu conceito. Além disso, o que o concecontém é, segundo a expressão de Hamilton, um caráde universalidade potencial. O pensam ento, obrigado avestir-se de uma forma sensível, aparece por um momeicomo sendo tal objeto, tal exemplo particular; ele reponessa forma, de certo modo, mas não se encerra nemabsorve nela; ele ultrapassa as imagens que o exprimemcapaz de encarnar-se mais tarde em outras imagens mais

menos diferentes.”1Chega-se, portanto, a um a curiosa concepção do p

samento. Este não tem existência real, concreta, acessí

I. Brochard,  De l’erre ur, p. 151. Eu sublinho. (N.A.)

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à consciência imediata, já que o dado da introspecção éa imagem. Não tem universalidade em ato, pois, se fosseassim, seria possível apreendê-lo diretamente. Mas é umauniversalidade potencia l que se conclui do fato de a palavra

 pode r ser ac om pa nha da d e im agens muito di feren tes . A tra vés dessas imagens particulares, estende-se uma espécie de

regra que dirige sua escolha. Mas não há “consciência daregra”, no sentido em que a entenderá mais tarde a escolade Würzburg. A regra - que é o conceito - nunc a se dá senão n um a imagem particular e como simples possibilidadede sub stituir esta por uma outra imagem equivalente. Dessemodo, o aspecto da consciência permanece aquele que Tai-ne havia descrito: imagens, palavras. Porém , em vez da ligação de pu ro há bito que esse autor estabelecia entre umas eas outras, Brochard e muitos de seus contemporâneos colocam u ma ligação funcional: o pensam ento. Se, graças a essa

substituição, eles podem reintroduzir todo o racionalismo,mesmo assim esse pensamento estranho continua a flutuar,obscuro a si mesmo, entre a existência de direito e a existência de fato. Ou melho r: ele existe como função, mas nãocomo consciência. Revela-se apenas por seus efeitos: não ésequer a passagem de uma imagem presente a uma outraimagem que o define, é a simples  possibi lidade de efetuar essa passagem. E se essa possibilidade n ão está atualmente pr esen te à c on sc iên cia é p or qu e se tr at a de um a pura po ssibilidade lógica: quando muito se manifestaria à reflexãosob a forma de u ma insuficiência da imagem como tal.

Essa é a tímida tentativa que faz o racionalismo re-nascente para combater o associacionismo. Ele se crê encerrado entre os pretensos dados da introspecção (“jamaishaverá na consciência senão imagens e palavras”) e as pretensas descobertas da fisiologia (as localizações cerebrais).Ele abandona a Taine, portanto, o terreno dos fatos e refu-gia-se no plano da crítica. Assim Leibniz respondia outroraa Locke:  N ih il est in intellectu qu d non p riu s fuer it in sensu

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nisi ipse intellectus. Assim Kant respondia a Hume: “Podeser que no terreno da experiência não se possa descobrir 

outra ligação entre a causa e o efeito senão a consecuçãoempírica. Mas, para que uma experiência seja possível, é

 preciso qu e pr incípi os sin té tic os apriori a consti tuam.”Essa resposta, admissível quando se trata da constitui

ção da experiência, não o é mais quando é preciso explicar,no interior dessa experiência, o pensamento. O pen same nto de que se trata não é constituinte: é a atividade concretado homem, fenômeno constituído em meio a outros fenômenos. Uma coisa é constituir minha percepção presente(uma sala, livros, etc.) por sínteses categoriais que tornem  

 possível a consciência, outra coisa é formar pensamentosconscientes sobre essa percepção estando ela constituída  (por exemplo, pensar: os livros estão sobre a mesa, istoe uma porta, etc.). No segundo caso, a consciência existediante do mundo: portanto, se eu formo um pensamentosobre o mun do, é preciso que ele apareça a mim como fenômeno p síquico real. Não basta aqu i haver “virtualidade”,nem “possibilidade”: a consciência é ato, e tud o o que existe

na consciência existe em ato.

Seja como for, não parece haver dúvida de que essanova atmosfera e essas reivindicações dos direitos da síntese diante da associação mecânica contribuíram fortemente para a formação de Ribot, o fundador da psicologia desíntese. Com certeza, não é o kantismo que inspira Ribot;

muito menos ele é orientado por preocupações religiosas.Seu único cuidado é revisar a noção tainiana de “psicologiat ientífica”. Para ele, a ciência é certamente análise, mas él.imbém síntese; não basta reduzir tudo aos elementos: há

 Nlnteses n a nat ur ez a qu e de ve m ser es tuda da s co mo tais . A pr im eir a vis ta, po rt an to , o ponto de pa rt id a d e R ibot pareceser uma reflexão sobre a insuficiência do método dos psi-i ologos ingleses e de Taine. Mas a idéia mesma de síntese

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 ps íquica , não a t om a ele em pre stad a d a co rr en te de pensa

mento que na época consagra um renascimento do intelectualismo? É bastante curioso com parar ao texto de Brochardque acabam os de citar o que Ribot escrevia em 1914:1

“O pensamento é uma função que, ao longo da evolução, acrescentou-se às formas primárias e secundárias do

conhecimento: sensações, memória, associação. Em conseqüência de quais condições ele pôde nascer? Sobre esse

 pon to , p od e- se ap en as ar ris ca r h ipóteses . S eja c om o for , elefez sua aparição, fixou-se, desenvolveu-se. Porém, como

uma função só pode entrar em atividade sob a influência

de excitações que lhe são apropriadas, a existência de um pe ns am en to pu ro trab al ha nd o sem na da qu e o pr ov oq ue éapriori inverossímil. Reduzido a si mesmo, é uma atividade

que dissocia, associa, percebe relações, coordena. Pode-semesmo supor que essa atividade é, por sua natureza, inconsciente e só adquire a forma consciente pelos dados queelabora... Para concluir, a hipótese de um pensam ento purosem imagens e sem palavras é muito pouco provável e, emtodo caso, não está provada.”

Acreditaríamos estar lendo o texto m esmo de Brochard,mas traduzido em um a linguagem biológica e pragmatista.Ribot, como Brochard, mantém a existência de sensaçõese de imagens ligadas entre si por leis de associação. São as

“formas primárias e secundárias do co nhecim ento”. Comoele, faz disso os dados imediatos da introspecção. Quanto

ao pensamen to, tamb ém ele o considera como inacessível à

consciência intuitiva. C ontudo , para Brochard, se o pensamento não se revela à intuição, é porque ele é “potencial”;é uma equivalência funcional de imagens mu ito diferentes.Já Ribot exprime-se em termos decididamente coisistas. O

 pen sa m en to é um a at iv idad e rea l, mas inco ns cien te. “Ele

1. Ribot,  La vie inc ons cie nte et les m ou ve me nt s, p. 113 e ss. Nessas páginas, Ri

bot tenta refutar as conclusões dos psicólogos de Würzburg sobre a existência  de um pensamento sem imagem. (N.A.)

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só adquire a forma consciente pelos dados experimentaisque elabora.” E, satisfeito com essa noção obscura e con-1raditória de pensamento inconsciente, esse psicólogo  po - 

úlivista conclui a priori que a existência de um pensamento puro acessível à consciência é inverossímil. Percebe-sequão profunda é a influência de Taine: profunda a ponto

ile conduzir um psicólogo experimental a neg ar resultadosexperimentais em no me de d eduções puras.1Para toda essageração, o associacionismo co ntinua rá sendo o d ado de fato

e o pensa me nto será apenas um a hipótese necessária para ex

 plicar u m a “orga nização”, um a sis tem atiz açã o m ui to difícilde explicar pela pura associação. E o positivismo de Ribot,em vez de proc urar descrever a imagem com o tal, vai se exer

cer em sentido oposto, inventando a noção biológica de um pe ns am en to inco ns cie nte “s ur gi do ” ao lo ng o da evolução .

Vemos o que significa essa idéia de “síntese”, pela

qual Ribot diferencia-se de Taine. É uma idéia fisiológica:o homem é um organismo vivo no seio do m undo e o pensamento é um órgão que certas necessidades desenvolve

ram; assim como não há digestão sem alimentos, não há pe ns am en to sem imag ens, ist o é, sem m ater ia is vi nd os do

exterior. No entanto, assim como os progressos da fisiologia fizeram co nsiderar a digestão como u m todo funcional,assim também a psicologia nova deve, a partir dos materiais brutos ou elaborados que são os únicos conscientes,reconstituir a unidade sintética do órgão que os elabora. E,

assim como a fisiologia sintética não exclui o determinis

mo , assim também a psicologia nova, considerand o a atividade psíquica de síntese como um a função biológica, será

decididamente determinista. Reencontramos aqui, portan

to, o tema leibniziano da inseparabilidade do pensamentoe da imagem, mas decaído, rebaixado ao nível do coisismo

materialista: o homem é uma coisa viva, a imagem é uma

coisa, uma coisa também é o pensamento.

1. De fato, Ribot contestará o valor das experiências de Würzburg. (N.A.)

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 Nad a faz perce be r m elho r ess e re ba ix am en to do qu e o

livro de Ribot sobre  A imag inação criadora. Nesse livro, eletenta analisar o m ecanismo d a criação de imagens novas.

Mas, naturalmente, o problema é colocado nos mesmos

termos que Taine teria empregado: ele se pergunta de quemaneira, a partir das imagens fornecidas pela lembrança,

 po de m co ns tit ui r- se co nju nt os no vo s o u “ ficç ões”. E co m eça, certamente, por afirmar os direitos da síntese:

“Toda criação imaginativa exige um princípio de u nidade.” Mas esse princípio, que ele chama, sem muita preocupação de coerência, “centro de atração e ponto de apoio”

e que concebe como uma idéia-emoção fixa”, serve apenas,em última análise, de regulador para processos simplesme nte mecânicos.

Portanto, haverá primeiro dissociação: a imagem doobjeto exterior submete-se a um trabalho de desmembra

men to. As causas da dissociação são “internas e externas”. As

 pr im ei ras ou “subje tivas” são: 1) a seleção te nd o em vis ta aação; 2) causas afetivas “que governam a atenção”; 3) razõesintelectuais, “designando po r esse nom e a lei de inércia men

tal ou lei do menor esforço”.1As causas externas são as “variações da experiência” que ap resenta tal objeto, ora provido,

ora privado de u ma certa qualidade: “O que foi associado oraa uma coisa, ora a um a outra, ten de a se dissociar das duas”.

Essa dissociação libera um certo núm ero de elementosimagéticos que agora po derão associar-se para formar con

 ju nto s novo s. Abo rd am os a segu nd a pa rte do prob lema:

“Quais são as formas de associação que dão lugar acombinações novas e sob que influência elas se formam?”2Percebe-se que Ribot a formula em termos de associação.

As associações podem ser orientadas, dirigidas de fora, masseria preciso um milagre para suspender suas leis, assimcomo p ara suspender a lei da gravidade. Em sum a, do m es

1. Cf.  L ’ima gin ati on créatri ce, p. 17 e ss. (N.A.)

2. Idem, ibid., p. 20. (N.A.)

mo modo que alguns economistas propuseram substituir o liberalismo econômico, que os empiristas ingleses prega

vam, por uma economia dirigida, pode-se dizer que Ribot

substitui o associacionismo livre de Taine e de Mill por um

tr sociacionismo dirigido.Há três fatores de associação criadora: um fator “inte

irei uai”, um fator “afetivo”, um fator “inco nsciente ”.O fator intelectual é a “faculdade de pensar por analo-“Entendemos por analogia uma forma imperfeita de

 Nrm elhança. O se m elha nte é u m gê ne ro do qu al o an álo go

t   .1 espécie.”Sobre o fator afetivo ou “emocional”, Ribot pouco se

explica em  A imaginação criadora. Mas ele volta ao assunto

em A lógica dos sentimentos:há prime iramente aquilo que os psic ana listas v ão ch am ar de “co nd en sa çã o” : “Os estados deconsciência se combinam porque há entre eles um sentido

itlet ivo com um ”.1Convém assinalar tamb ém a transferência:“Quando um estado intelectual foi acompanhado de

um sentimento intenso, um estado semelhante ou análogo

lende a suscitar o mesm o sentime nto (...) q uando estadosintelectuais coexistiram, o sentimento ligado ao estado ini-

<i.il, se é intenso , tend e a se transfe rir aos ou tros .”Portanto, po derá haver condensação, depois t ransfe

rencia, depois outra vez condensaç ão e, nesse ritmo biná-i io, elementos imagéticos que não tinha m primitivam ente

nenhuma relação serão aproximados e fundidos em um

i onjun to novo. Q uan to ao fator inconsciente, ele não éde uma natureza distinta dos fatores precedentes: é intelectual ou afetivo, só que não é diretamente acessível à

i onsciência. Na v erda de , era i nd isp en sáve l q ue R ibot rec or res se ao

inconsciente, pois nenhum dos fatores que ele considera•iparece à consciência. Nunca temos consciência de disso-i iação, nunca temos consciência de combinações novas: as

I ia logique des sentiments, p. 22. (N.A.)

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imagens surgem de repente e se dão imediatamente peloque elas são. É preciso, pois, supor que todo o trabalho se

 pro duz fora da co ns ciê nc ia. N em as ass oc iaç ões nem osfatores sintéticos aparecem para nós: todo esse mecanis

mo criador é uma pura hipótese. Ribot, como Taine, nãose preocupa, portanto, em descrever os fatos. Ele começa

 pe la exp lica ção . A ps ico log ia de sín tese, em seu com eço , pe rm an ec e teór ica co m o a ps ico logia d e aná lise . Lim ita- sesimplesmente a complicar as deduções abstratas, acrescentando um fator nas combinações; busca constituir a psicologia a partir do modelo da biologia, como a outra tentavaconstruí-la a partir do modelo da física. Quanto à imagem,ela perman eceu para R ibot exatamente o que era para Taine. Ela continuará po r m uito tempo inalterada.

É no fim do século, porém, que se produz o que seconvencionou chamar uma revolução filosófica. Em seusdois livros, Ensaio sobre os dados imediatos d a consciência e

 Maté ria e memória, publicados sucessivamente em 1889 e

1896, Bergson coloca-se como adversário decidido do asso- iciacionism o: a conc epçã o clássica da afasia e das localizaçõescerebrais não resiste à crítica; a imagem-lembrança é outra

coisa e algo mais que uma simples revivescência cerebral;o cérebro não poderia ter por função armazenar as ima

gens; a percepção é um contato direto com a coisa; enfim, |a noção de síntese psíquica, introduzida por Ribot, será radicalmente transformada: a síntese não é um simples fator de regulação; tod a a consciência é síntese, é o mod o m esmoda existência psíquica; não há mais fragmentos sólidos nofluxo da consciência, não há mais justaposição de estados;a vida interior apresenta-se como uma multiplicidade de

interpenetração, ela dura. Todas essas afirmações célebres

 pa rece m ch am ad as a re no va r a ps ico log ia da im ag em . Defato, muitos acreditaram nisso, e existe toda uma literatura

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«obre o problema bergsoniano da imagem. Citemos apenas o artigo de Quercy, “Sobre uma teoria bergsoniana daimagem”1, e o de Chevalier e Bouyer, “D a imag em à aluci-n.ição”.2N o entanto, um exame atento das concepções deItergson mostra-nos que ele aceita, apesar do uso de umaterminologia nova, o problema d a imagem em seu aspectoi l.issico e que a solução oferecida po r ele não traz ab soluta

mente nada de novo.Bergson está longe de considerar esse problem a como

 puro psi có log o: em sua teor ia da im ag em reco nh ec em ostoda a sua metafísica e devemos criticar inicialmente esse po nto de pa rt id a meta fís ico se qu iser m os co m pr ee nde r o p.ipel qu e ele at rib ui à imag em na vida do espí rito.

Como os empiristas que ele combate, como Hume,tomo os neo-realistas, Bergson faz do universo um mundotle imagens. Toda realidade tem um “parentesco”, um a “analogia”, uma certa relação com a consciência; e é por isso que

todas as coisas que nos cercam são chamadas imagens. Porém, enquanto H um e reserva o nom e de imagem à coisa namedida em que é percebida, Bergson o estende a toda espécietle realidade: não é apenas o objeto do conhecimento atualque é imagem, é todo objeto possível de um a representação.

“Uma imagem pode ser sem ser percebida-, pode estar 

 prese nte sem es tar re pr es en ta da .”3A representação nada acrescenta à imagem; não lhe co

munica nenh um caráter novo, nenh um algo mais: ela já existe de fato, virtual e neutralizada, antes de ser representação

consciente; já está na imagem. Para que exista em ato, é preciso que possa ser isolada das imagens que reagem sobre ela,é preciso que, “em vez de perman ecer encaixada no am bien

te como um a coisa, destaque-se dele como u m quadro ”.4

I. An na les mé dic o-p syc hol ogi que s, 1925. (N.A.)

 I. Jou rnal de psyc holo gie, 15 de abril de 1926. Ver também uma tentativa de

interpretação bergsoniana das alucinações, in Lhermitte, Le S om me il. (N.A.)

í.  Ma tiè re et M émoire > p. 22. (N.A.)

■I, M. eíM ., p. 24. (N.A .)

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mente como se leva um quadro despregado da parede (a

memória “acumula as imagens ao longo do tempo à medida que elas se produzem”), Bergson não esquece que elaé também a imagem-coisa, encaixada nas outras imagens eexistindo sem ser percebida, de modo que, jogando com oduplo sentido da palavra “imagem”, ele dá à imagem -lem-

 br an ça to da a p le ni tu de do objeto; mais ain da , é o pr óp rioobjeto concebido segundo um novo tipo de existência.

A formação da lembrança, portanto, é contemporân eaã da percepção; é ao tornar-se representação, no m ome nto

mesmo em que é percebida, que a imagem-coisa transforma-se em lembrança:

“A formação da lembrança nunca é posterior à da pe rcep ção, é c on tem po râ ne a. À m ed ida qu e a p erc ep çã o secria, sua lemb rança p erfila-se a seu lado.”1

A lembrança assim constituída “é imediatamente per

feita; o tempo nada poderá acrescentar à sua imagem semdesnaturá-la; ele conservará para a m em ória seu lugar e suadata.”2

A concepção da imagem que Bergson propõe aqui

está longe de ser tão diferente quanto ele afirma da concepção empirista: tanto para ele como para Hume, a imagemé um elemento de pensamen to exatamente aderente à per

cepção, apresentando a mesm a descontinuidade e a mesmaindividualidade que esta. Em H ume, ela aparece como umenfraquecimento da percepção, um eco que a acompanhano tempo; Bergson faz dela um a som bra que duplica a percepção: em amb os os casos, ela é um exato decalque da co isa, opaca e impenetrável como a coisa, rígida, imobilizada,coisa ela mesm a.

“As imagens, de fato, nun ca serão m ais que coisas...”E por isso veremos que o papel da imagem na vida do

espírito aproxima-se muito, em Bergson, do que ela desem

1. “Le souvenir du présent”, in VÉn ergie spirituelle. (N.A.)

2. M. et M„ p. 80. (N.A.)

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 pe nh a aos olho s do s em pi ris tas . É qu e aq ui ta m bé m a im agem foi primeiram ente definida como “im primind o-se” noespírito, como um conteúdo do qual a memória é apenaso receptáculo, e não como um mo men to vivo da atividadeespiritual.

Bergson insiste, no entanto , em observa r que estabele

ceu, ao contrário dos empiristas, um a diferença de natureza- não de grau apenas - entre percepção e lembrança. Masessa distinção, aliás mais metafísica do qu e psicológica, colocará novos prob lemas. Já vimos o qu e ela é: a percepção éa imagem relacionada à ação possível do corpo, mas aindacontinua encaixada entre as outras imagens; a lembrança éa imagem isolada, destacada das outras como um quadro.Toda a realidade possui ao mesmo tempo estas duas características: ela dispõe o corpo à ação e ela se deposita noespírito como lembrança inativa.

“O presente desdobra-se a todo instante, em seu pró

 pr io jo rr o , em do is ja to s sim étr ico s, um do s qu ai s rec ai no passad o en qu an to o ou tro se la nç a no fu tu ro .”1

Portanto, h á entre a lembrança, inativa, idéia pura, ea percepção, atividade ideo-mo tora, um a diferença pro funda. Contud o, além de essa distinção não nos p erm itir discriminar na vida concreta a lembrança atualizada (a ima

gem dessa mesa que reaparece) da percepção, é impossívelcomp reender o que significa esse desdobram ento perpétuodo presente, assim como era impossível, há pouco, saber 

como um isolamento provisório da coisa faz dela brusca

mente uma representação: a metáfora do duplo jorro marca um mesm o sofisma fundamen tal.

Com efeito, o que é o presente? “Meu presente é, por essência, sensório-motor.” É “um corte” que a percepção

 pr at ic a n um a massa qu e est á es co an do . Esse co rte é pr ec isamente “o m und o material”. É ainda “uma coisa absolutamen te determinada e que contrasta com o m eu passado”.

1. L ’Éne rgi e sp iri tue lle , “Le Souvenir du présent”. (N.A.)

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A insuficiência metafísica de uma semelhante definição do p resente e o círculo vicioso que ela implica (pois esse

 pr es en te pr ag mát ico necessi ta de um pr es en te on tológicoque o torne possível) saltam aos olhos. Mas a crítica dessadefinição não faz parte de nosso tema. Aceitemo-la comose oferece: devemos observar de imediato que um presenteque é ação pur a não poderia, por nen hum desdobramento,

 pro duzi r um pa ssad o inati vo , um pa ssa do qu e é idéia pura sem ligação com os m ovimen tos e as sensações. Quer c onsideremos a relação ação/lembrança no sujeito ou a relaçãoimagem-coisa/imagem-lembrança no objeto, reencontramo so mesmo hiato entre duas espécies de existência que Berg-son insiste em afirmar como distintas (já que ele busca se

 para r o espí rit o da mat ér ia , a m em ór ia do co rp o) e que , noentanto, quer reduzir à unidade: para justificar essas duasoperações contraditórias, ele recorreu a um sincretismo daconsciência e da matéria. Contud o, por ter constantem enteconfun dido o noem a e a noese,1ele foi levado a do tar essarealidade sincrética que d enom ina imagem ora de um valor de noema, ora de um valor noético, segundo as necessidades de sua construção. Nenh um a unificação, mas uma am

 bi gü idad e pe rp ét ua , um deslizar pe rp ét uo e sem bo a- fé deum domínio a outro.

Assim, Bergson tentou explicar o que os empiristastomavam como u m dado: a existência de imagens que nascem da percepção. Acabamos de ver que ele fracassou. Masa posição que tomou o obriga a resolver um novo proble

ma: como pode a imagem se reintroduzir no mundo sen-sório-motor do corpo e da percepção? Como o passado setorna presente?

A imagem-quadro continua realmente na memória;tal como as imagens-coisas, ela pode ser ou atualmente

1. Ver mais adiante, em nosso capítulo sobre Husserl, o sentido dessa distinção que deve se impor a todos os que consideram a relação da consciência  com o mundo. (N.A.)

consciente ou virtual, o que para ela vem a ser o estado deinconsciência. Em sua imensa m aioria, nossas lembrançassão inconscientes: com o é que elas voltam à consciência?

Sobre esse ponto, há em Bergson duas teorias inconciliáveis e que, no entan to, nu nca se distinguem nitidamente:um a tem sua raiz na psicologia, no b iologismo bergsonia-no; a outra responde às tendências metafísicas, ao espiritu

alismo bergsoniano.A primeira aparece inicialmente como bastante clara:

o que é atual é o presente; o presente é definido pela açãodo corpo. Evocar uma lembrança é tornar presente umaimagem passada, mas a imagem evocada não é uma sim ple s ressur re içã o da im ag em ar maz en ad a, sem o qu e nã ose compreenderia, a propósito de um rosto do qual tenhouma série de lembranças distintas que correspondem àmultiplicidade das percepções, de que man eira evoco umaimagem única, que pod e inclusive não coincidir exatamente com nenhuma das lembranças registradas. Para que aimagem reapareça à consciência, ela precisa inserir-se nocorpo; a imagem psicológica, consciente, é uma encarnação no corpo e em seus mecanismos m otores da lembrança pu ra , ina tiva, nã o- pe rceb ida, qu e exist ia no inco nscien te .

Viver, para o espírito, é sempre “inserir-se nas coisas por intermédio de um mecanismo”. A lembrança é submetidaa essa cond ição; no estado p uro , ela é “nítida, precisa, mas...sem vida”; assemelha-se às almas de qu e fala Platão, que d evem deixar-se cair num corpo para poderem atualizar-se:

ela é virtual, impotente. Portanto, p ara tornar-se presente,ela precisa inserir-se numa atitude corporal; chamada dofundo da mem ória, desenvolve-se em lembranças-imagens

que se inserem num esquema mo tor e torna-se, então, umarealidade ativa, uma imagem. Nesse sentido: “A imagem éum estado presente e só pode participar do passado pelalembrança da qual saiu”. E Bergson insiste no papel domo vimento, m ostrand o que toda imagem , visual, auditiva,

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etc., é sempre acom panhad a de um esboço de movimentos,da criação de esquem as moto res. Se nos limitássemos a essateoria, a imagem apareceria como u ma con strução presente, como a consciência de uma atitude definida presentemente por movimentos do corpo. Disso resultariam duasconseqüências: primeiro, na da distinguiria a imagem d a percepção, que é igualmente uma atitude presente, e a imagemseria, como a percepção, ação e não con hecimento; segun do,a imagem não seria uma lembrança, mas uma criação novaque responde às atitudes sempre novas do corpo.

Contudo, se a consciência é definida por Bergson deuma forma vitalista, como uma atualidade resultante daatitude corporal, ela representa também para ele a margemque separa a ação do ser que age, o poder de escapar ao pre

sente e ao corpo, a mem ória. Don de a segunda orientaçãode sua teoria das imagens: a lembrança não é apenas consciente como presente, mas também como passado. É assim

que, em seu artigo sobre “A lembrança do presente”, Bergson, como vimos, admite que no momento em que perce

 be mos um ob jeto pod em os te r u m a lem br an ça dele, do qu eresulta o fenômeno conhecido pelo nome de paramnésia.

 Ne sse caso, ev iden temen te , a at ua lid ad e da lembr an ça nã oé definida pelo corpo, já que a representação que nasce daatitude corporal diante de um objeto chama-se  percepção: alembrança possui aqui uma consciência sui generis que lhe per m ite es tar  presen te como lembrança, enquanto a percepção está pre sen te como percepção.

 Nesse caso, o c or po nã o ap arece com o út il à le m bra nça de uma maneira positiva: apenas lhe é pedido que não

impeça a lembran ça de aparecer; não se trata mais de inserir a lembrança no co rpo, mas de suprimir, p or assim dizer, ocorpo, como acontece no sono quand o a tensão do sistemanervoso diminui. O sonho e os fenômenos de hipermnésiamostram a riqueza de imagens que pode acompanhar esseaniquilamento fisiológico.

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Mas se a consciência, de acordo com essa segundateoria, está diretamente ligada ao espírito, o poder que ocorpo possui de desviar a consciência do espírito, de fazê-

la aderir à ação, torna-se impensável; não se compreendemais em absoluto o que im pede as imagens-lembranças deserem perpetuam ente conscientes.

Eis por que, com o indicamos, Bergson conservou aomesm o tem po as duas teorias: é o corpo q ue faz a atualidade da lembrança, que a faz passar para a consciência clara, por ém é a l em br an ça qu e faz da pe rcep ção, sim ple s es qu ema motor, uma representação consciente. Como se opera

exatamente essa junção?A percepção, a ação presente criam o esquem a mo tor,

mas o que determ ina um a lembrança a inserir-se nele é umaespécie de força que pertence a essa lembrança como algode próprio; com efeito, embora esta seja inativa, Bergsonatribui-lhe tendências, forças tão mágicas quanto os poderes de atração que Hume atribuía às imagens. As imagens, em Bergson, buscam “manifestar-se em plena luz”,sendo preciso um esforço para “inibir seu aparecimen to”;assim que há repouso, “as lembranças imóveis, sentindo que acabo de afastar o obstáculo, de erguer o alçapãoque as mantinha no subsolo da consciência, põem-se emmovimento”. É por uma verdadeira tensão que o corpo

recalca o aparecimento da totalidade das lembranças quedesejariam e, de direito, pod eriam todas existir. Essas me

táforas são, no m ínimo , infelizes. O que vem a ser, então,o papel de anteparo e de refletor que primitivamente foradado ao corpo? E o que fazemos da definição famosa: “Oinconsciente é o inativo”? Bergson parece ter esquecidoisso quando descreve longamente a “dança” à qual se en

tregam as lembranças.Aliás, de onde v em às lembranças esse apetite de um a

existência atual? O passado, segu ndo Bergson, é pelo meno stão real quanto o presente, que é apenas um limite; uma

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múltipla. Donde a comparação com os diferentes graus detensão de um gás, no qual a mesma qu antidade de moléculas po de ser co nt ida sob vo lum es diversos; do nd e a teo ria dosdiversos planos de consciência. Porém , a idéia de síntese, tãocara a Bergson, é ainda concebida por ele de maneira extremam ente materialista: é verdade que, no lugar da antiga ju s

taposição,há fusão de elementos. Mas a idéia de elementos éconservada. Bergson tento u substituir por um espiritualismo

o pensamento geométrico e espacial do cartesianismo e dosassociacionistas, mas p rodu ziu ape nas u ma ficção físico-quí-mica cujas ligações são geralmente pré-lógicas.

E que sentido, aliás, pode ter essa fusão? Fala-se de“fusão” das moléculas na teoria cinética dos gases? Se oselementos de um gás podem ocupar um volume variável,é porque se reduz o espaço que os separa, mas seria im possív el fazê-lo s in terp en et ra rem -se. Com qu e di re ito essasmoléculas psíquicas, as imagens bergsonianas, fundir-se-iam numa síntese de unificação? Dir-se-á que esse tipo desíntese é próprio da consciência? Mas não há com o afirmar esse poder sui generis do psíquico a partir do momento emque se construiu uma metafísica realista da memória. Defato, a imagem permanece então uma coisa, um elementofixo; ao agregar-se a outras imagens, ela só pode produzir um trabalho de mosaico. Quando o espírito se move num plan o de consciênc ia, seja qu al for , pr od uz em -se ap en as ligações mecânicas como as que o associacionismo descreve.Há m esmo tod a um a região da vida psíquica, a que Bergson

denomina inferior ou mecânica, na qual as ligações entreimagens são, como ele próprio reconhece, purame nte associativas: a região do so nho e do devaneio.

O que faz a espontaneidade do espírito é a possibilidade de passar de um plano a outro. A passagem se dá pui aquil o qu e Bergson ch am a de esqu em a di nâ mico. O(",qin ma r uma unidade, uma síntese contendo as regrasde ■.»•li di Miivolvim cnto e m imagen s, co nte nd o “ a indi ca

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ção do qu e é preciso fazer para recon stituir as imagens”. Ele“contém no estado de implicação recíproca o que a imagem  desenvolverá em partes exteriores uma s às outras”.' 

Podemos deixar a memória vagar ao acaso: as imagens se sucederão em um mesmo plano de consciência, elasserão homogêneas. Mas podemo s, ao contrário, “transpor

tarmo-nos a um ponto em que a multiplicidade das imagens parece condensar-se em uma representação única,simples, indivisa”. Nesse caso, a lembrança consistirá sim pl es men te em descer do esqu em a par a o plano no qu al asimagens estão dispersas.

Com preender, lembrar, inventar é sempre formar primeiramente um esquema para depois descer do esquema àimagem, preencher o esquema com imagens, o que podelevar, aliás, a modifica r o esquem a du ran te a sua realização.Assim se explicariam a unidade, a organização da atividadeespiritual, impossível de explicar se partimos, ao contrário,de elementos separados; é do esquema que vêm a flexibilidade e a novidade. E Bergson conclui:

“Ao lado do mecanismo da associação, há o do esforçomental .”

Eis o que basta para datar seu pensamento. N ão acreditaríamos estar lendo uma frase de Ribot? Como Ribot,Bergson não viu que não se pode fazer concessões ao associacionismo. Se aceitamos a concep ção da im agem fixa e dasligações mecânicas, se introduzimos na consciência umaopacidade, uma resistência que lhe é estranha, um mundode “coisas”, somos incapazes de compreender a naturezado fato consciente. Com o pod erá a consciência controlar oselementos estranhos? Ou, em termos bergsonianos, como po der á a flexib ilid ade do es qu em a ac om od ar -se à rig idezda imagem? Também aqui é preciso recorrer ao mágico.Entre o esquema e a imagem, diz Bergson em termos m uitovagos, há “atração e repulsão”. Mas percebe-se claramente

1.  L ’Énergi e sp irit uell e: “L’Effort intellectuel”. Nós sublinhamos. (N.A.)

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que ele não pode explicar a seleção que as imagens operam

entre si, sua maneira de reconhecer o esquema no q ual po

dem ser inseridas.E, sobretudo, se as imagens só podem fornecer “mo

saicos”, como pode o esquema modificá-las a ponto de elasse fundirem em uma imagem nova, de uma qualidade irredutível, em suma, como explicar a imaginação criadora?Afinal, o esquema age apenas como catalisador; ele não étão diferente do “princípio de unidade, centro de atração e ponto de ap oio ” cu ja e xis tên cia Ribot postu lav a.  An tes dele,há apenas imagens separadas; depois dele, as imagens sãoclassificadas em um a orde m nova de interdependência, m asnenh um a “força suave”, orden ando diretamente as imagense emanando delas sem intermediários, agiria de forma maismisteriosa para produzir os mesmos resultados. Ou, então, é

 preciso a dm iti r que o esquema mod ifico u a es tru tu ra in tern adas imagens. Porém, isso supõe uma teoria completamente

diferente das imagens, na qual estas apareceriam como atos e não como conteúdos e na qual, precisamente, o esquemanão mais desempenharia papel algum.

Bergson não traz nenhuma solução satisfatória ao pr obl em a da imagem . Lim ita-se a so br ep or do is pl an os devida psíquica, a reclamar os direitos do espírito de síntese

e de continuidade, mas não toca na psicologia da imagem,não a enriquece com uma visão nova; em nen hum instanteele olhou suas imagens. Apesar de seus freqüentes apelosa uma intuição concreta, tudo nele é dialética, deduções a 

 priori. É a imagem de Taine que passa por inteiro, sem con trole, como uma aquisição incontestável da ciência, paraa metafísica bergsoniana. E o mundo do pensamento, queBergson tentou sem felicidade restabelecer, é irremediavelmente separado do mundo das imagens e privado de umgiaiulc núm ero de recursos.

Acrescentemos que Bergson hesitou muito nesse pon to r que, em alg um as co nferê ncias, at ribu iu à im ag em

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uma função incompatível com a natureza que lhe confere m  Ma tér ia e Mem ória e A energia espiritual. Por exem plo , em  A intu ição filosófica ele considera a imagem como“intermediária entre a simplicidade da intuição concreta ea complexidade das abstrações que a traduzem”, mostrando a necessidade de recorrer a esse termo m ediador “que équase matéria por deixar-se ainda ver e quase espírito por 

não se deixar mais tocar”. É o conceito que aparece entãocomo fixo, como espacial e fragmentário; a imagem é maisconcisa, mais próxima da intuição: “É em conceitos que osistema se desenvolve, é numa imagem que ele se contraiquand o o rechaçamos para a intuição da qual procede”.

Assim, toda vez que fala da intuição, Bergson tende, por de scon fianç a pa ra co m o p en sa m en to discursiv o, a restituir à imagem um grande valor. Mas precisamente por sua teoria do esquema dinâmico, que consagra a impossi

 bi lid ad e d e p as sa r da i mag inaç ão re pro dut ora à im ag inação

criadora, ele retira os meios de relacionar essa função filosófica da imagem à sua natureza psicológica.Acabamos de constatar o fracasso de Bergson em sua

tentativa de dar um a solução nova ao problema da imagem.Mas convém assinalar que Bergson não é, sozinho, todo o“bergsonismo”. De fato, ele criou uma certa atmosfera,um a maneira de ver, uma tendên cia a buscar em toda partea mobilidade, o vivo, e, sob um aspecto de certo mo do metodológico, o bergsonismo representa um a grande correntedo pen samen to a nterior à guerra. A característica principaldesse estado de espírito nos parece ser um otimismo su

 per fic ial e sem bo a-fé qu e crê te r resolvid o um pr ob lem aquando diluiu seus termos em uma continuidade amorfa.Portanto, pode-se supor que os bergsonianos, retomandoo problema da imagem contra Bergson, dariam a esta umaflexibilidade e uma mobilidade que o mestre lhe recusara.

É assim que Spaier, em seus primeiros trab alho s1, queele relaciona expressamente ao pensamento de Bergson,

I. Spaier, L’Image mentale ,  Re vu e P hil os. , 1914. (N.A.)

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 pr ocu ra m ost ra r qu e as imag en s v ivem: elas na scem e m orrem, têm suas “auroras”, seus “crepúsculos”, crescem e sedesenvolvem. A imagem do associacionismo existia em ato ou simp lesmente não existia. A imagem dos bergsonianosserá uma passagem da potência ao ato, como o mo vimentoaristotélico. Ela se desenvolve, dirige-se para a atualizaçãoe a individualização completa, isto é, para uma existência

de coisa individuada. O aspecto que lhe atribuía o associacionismo não é mais que o resultado ideal de seu desenvol

vimento. Mas ela pode deter-no cam inho. Observa-se, nossujeitos, uma tendência do pensamento a economizar seuesforço. A compreensão plena de uma idéia às vezes precede a manifestação total de um a imagem. Então, a imagemdesaparece sem ter existido até o fim de suas possibilidades, sem que se pudesse saber exatamente o que ela seria aotérmino de sua atualização. A passagem de uma imagem àoutra fazia-se em dois tempos para os associacionistas: ha

via de início um puro e simples aniquilamento da primeira,depois uma criação ex nihilo da segund a, e elas se sucediamsem se tocar, como o fazem, na filosofia de Hume, doisfenômenos unidos por uma relação de causalidade. Entreduas imagens que se seguem, os psicólogos bergsonizantesrestabeleceram a causalidade transitiva. Poder-se-ia mesmo

falar das transformações contínuas de uma única imagem,lá onde a psicologia clássica teria visto uma sucessão deaparições descontínuas. Assim, a imagem eleva-se do reinomineral ao reino dos vivos. Cada uma delas desenvolve-se

segundo suas próprias leis: a intenção era substituir a cau-,.ili< lado mecânica de Hume e de Taine, que supõe a inérciadi r. cI.-mentos que ela reúne, por um determinismo bioló-

ri. o /\ imagem é uma form a viva, um a vida relativame nteautónoma na vida psíquica total. E julgou-se, por essas melai« na-., ir la torna do hom ogên ea ao pensam ento.

Ao mesmo tempo, a noção de esquema conhece um a

rara lortuna. Psicólogos e lingüistas utilizarão corrente

mente essa imagem abreviada, intermediária entre o purosensível individual e o puro pensamento. Certamente nãose deve crer que o esquema deva sua existência apenas ao

 be rgso nism o; e ho men s c om o Baldw in e R ev au lt dA llo nnessofreram muitas outras influências antes de constituíremsua psicologia do esquematismo. Mas o esquema en contrava no bergsonismo um terreno favorável a seu desenvolvi

mento, pois ele é tam bém um a potencialidade. Pen samentoem p otência, imagem em potência, ele conserva o papel de“médium ” que já possuía em Kant e que Bergson manteve. Na ve rdade, esse é o ún ico ponto sobr e o qu al seus part idários estão de acordo entre si. Permanece entendido queo esquema, como o “daimon” da filosofia platônica, tem

uma função mediadora. Ele estabelece uma continuidadeentre dois tipos de existência que são, no limite, inconci

liáveis; supera e resolve em seu seio os conflitos da imag eme do pensamento. Contudo, precisamente por causa des

se caráter misto, de síntese conciliadora, é muito grande aincerteza acerca de sua natureza. Ora ele é um princípio

de unidad e repleto de m atéria sensível; ora é uma imagemmu ito pobre, um esqueleto; ora ainda é uma imagem original, pura determinação do espaço geométrico, que pretende tradu zir relações ideais por relações espaciais.

Flexibilização da imagem, criação do esquema: trata-

se de um progresso em direção ao concreto? Não acreditamos. Pensamos, ao contrário, que essas novas teorias sãotanto mais perigosas por ap resentarem a aparência de uma

renovação da questão, quando não passam de um aperfeiçoamen to, de uma ad aptação ao gosto do dia do antigo erroassociacionista.

A imagem é viva, dizem. Mas o que querem dizer comisso? É ela simplesmente uma fase da vida da consciênciatotal, ou é apenas um a vida na consciência? Basta percorrer a abund ante literatura bergsoniana dedicada à questão paraver que a imagem permanece uma coisa na consciência. Em

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 pr im ei ro lug ar , e la não pe rd eu seu co nt eú do sensível e, po rtanto, seu caráter de sensação renascente. Ela apenas se flexibilizou. A imagem de Taine renascia sempre semelhante asi mesma: era um a cópia. A imagem viva, ao reaparecer, tira

seu sentido do mo men to da vida psíquica no qual aparece.O conteúdo sensível está sempre aí, mas a forma que eleassume se desfaz e se refaz constantemente. Assim, acredi

tou-se fazer bastante ao libertar a imagem de seu passado; e,de fato, permitiu-se com preender m elhor a função criadorada imaginação, pois toda imagem, espon tânea, imprevisívelé, afinal, uma criação. Mas terá ficado mais compreensívela relação da forma com a matéria nessa realidade psíquicaque chamamos de imagem? Como se explica essa perpé

tua renovação da imagem, como se explica sua perpétuaadaptação à situação presente, se seu conteúdo sensível pe rm an ec e o mesmo? É q ue tu do é ati vidade na co ns ciên cia, dirão. Mu ito bem, mas o que q uer dizer um co nteúdo

sensível ativo? Será um sensível que tem a propriedade detransformar-se espontaneamente? Nesse caso, não é mais

um sensível. De acordo, dirão, n ão é mais um sensível. Basta-nos que tenha conservado sua qualidade irredutível devermelho ou de rugoso ou de agudo. Mas quem não percebe, precisamente, que a inércia, a passividade absoluta, éa condição sine qua non dessa qualidade irredutível? Kantobservou bem, na Crítica da razão pura, a diferença radicalque separa a intuição sensível, necessariamente passiva, deum.i iiiluição ativa que produziria seu objeto. Mas, além

di',mi e sobretudo, a imagem dos bergsonianos está sempre■cilm .kI.i diante do pensamento que a decifra. Ela é maisll( Mvrl c mu-, móvel, sem dúvida, mas permanece imper-iin ivrl Ileve sc esperá-la', se, por u ma razão qualquer, elad. ,,i|........ ,mi( .d ete r se formado, nunca saberemos o que

•I- • iit •• i I pi c( iso obse rvá-la, decifrá-la: em sum a, elaluiN . n in,i i . ,hI,i instante alguma coisa. O q ue isso que r •11 • i , .<não pi e* is.imenle q ue e la é uma coisa? É verdade

que as pesadas pedras de Taine foram substituídas p or ligeiras névoas vivas que se transformam sem cessar. Mas nem

 por isso essas névoas de ixar am de ser coisas . Se a in tenç ãoera fazer a imagem hom ogênea ao pensamen to, não deviamter-se contentado em torná-la diáfana, movente, quasetransparente. É seu caráter de coisa que deviam atacar. Semo que estarão expostos a ouvir dizer: é verdade, o pensamen to é fluido, diáfano, movente - é verdade, vemos quevocês aplicam os mesmos termos à imagem. Mas esses ter

mos idênticos não têm o mesmo sentido aqui e ali. Quando vocês falam da fluidez, da diafaneidade do pensam ento,

estão usando metáforas que não poderiam ser tomadas ao pé da let ra . Quan do dã o as mesmas qu al idad es à imagem ,vocês as dão realmente, pois fizeram dela um a coisa diantedo pensam ento. É graças a um puro e simples jogo de palavras que vocês podem afirmar a homogeneidade do pensamen to e da imagem tal como a concebem. Sendo assim, de

nada serve dizer que a imagem é um organismo vivo: vocêsnão suprimiram, com isso, sua natureza de objeto, não alivraram das leis de associação, como tampouco o fato deestar vivo não livra um organismo das leis de atração.

Quanto ao esquema, ele representa simplesmenteuma tentativa de conciliação entre dois termos extremos.Mas o fato mesmo de se utilizar essa noção mostra que se pe rs iste em af irmar a e xistência desses ex tre mos . Sem im a-gens-coisas, não há necessidade de esquemas: em Kant, emBergson, o esquema nunca foi senão um truq ue para juntar 

à multiplicidade inerte do sensível a atividade e a unidadedo pensamento. A solução do esquematismo aparece, portanto, como uma resposta clássica a uma certa maneira deformular a questão. Com um outro enunciado, a significação do esquema desaparece. Vocês dizem ter presentem ente na consciência uma representação abreviada, concretademais para ser do pensamento, indeterminada demais

 par a ser ass imiláv el às coisas indi vidu ais qu e no s cerca m,

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e chamam essa representação esquema. Mas por que issonão seria simplesmente uma imagem? Será que vocês nãoconfessam, ao constituírem para essas representações abreviadas uma classe à parte, que reservam o nome de imagensa cópias fiéis e exaustivas das coisas? Mas talvez as imagensnunca sejam cópias de objetos. Talvez sejam apenas procedimentos  para tornar presente s os objetos de uma certa

maneira. Nesse caso, o que vem a ser o esquema? Ele não émais que um a imagem com o as outras, pois o que definirá aimage m será a forma com o ela visa o objeto, e não a riquezados detalhes por meio dos quais o torna presente.

 No co meç o do séc ulo , po rém , o pr ob lem a da im agem vai sofrer modificações bem mais importantes queessa pretensa “reviravolta” bergsoniana: de fato, veremosreaparecer a terceira atitude diante da imagem-coisa, a ati

tude cartesiana. Sucessivamente, Marbe publica, em 1901,suas Pesquisas de psicologia exper imental sobre o juízo; Binettraz a público, em 1903, seu Estudo experimental da inte

ligência e abandona definitivamente sua posição de 1896;Ach escreve, em 1905, seu artigo “Sobre a atividade voluntária e o pensamento”; Messer, suas Pesquisas de psicologia experimental sobre o pensamento; Bühler, de 1907 a 1908,seus Fatos e problemas para uma psicologia dos processos de 

 pensam ento. Ao mesmo tem po, M arie publica em 1906 sua Revisão da questão da afas ia e publica mais tarde, na  Rev ue  

 phi loso phique, um artigo “Sobre a função da linguagem”.Esses trabalhos, de natureza e de inspiração muito

diferentes, terão por resultado, no entanto, fazer renascer a concepção cartesiana da relação imagem-pensamento. Oleitor recorda o embaraço em que se achavam Brochard,

Ferri e todos os racionalistas dos anos 1880. Eles se acreditavam encerrados entre os dados de fato da psicologia eos da introspecção. Apesar dessas duas grandes leis cientí

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ficas: há localizações cerebrais - a consciência nun ca co nstata em si mesma outros fenômenos senão representaçõesimagéticas; apesar das induções que pareciam apoiadas por uma quantidade e uma variedade imponentes de constatações, esses filósofos queriam restabelecer a existência deum pensam ento sintético, que utilizava conceitos, apreen dia relações e cujos procedimentos eram regulados por leis

lógicas. Daí o recurso a Leibniz e a afirmação pu ra e simplesdos direitos do pensamento. Mas a teoria fisiológica das localizações perderá bruscamente seu crédito junto aos médicos: ela fora construída, afinal, sobre materiais duvidosos; o recurso à experiência fora feito segundo os métodos

 pr ec on izad os por S. Mill e valia sim ples men te o qu e valemesses próprios métodos. M arie retoma a questão da afasia,origem da teoria científica das localizações, e mostra que,em vez de inúmeros distúrbios que respondem cada um auma lesão de um centro particular, existe apenas um único

tipo de afasia, que corresponde simplesmente a um rebaixam ento geral do nível psíquico e, por conseguinte, a umaincapacidade sintética. A afasia é um distúrbio da inteligência. A partir daí, a fisiologia lentamente se orientará paraum a concepção sintética do cérebro. Trata-se de um órgãono qual é possível, por certo, distinguir regiões diferentes,cada uma co m funções diferentes, mas que não p oderia ser reduzido a um mosaico de grupos celulares.

Ao mesmo tempo, os trabalhos da Escola de Würz- burg transf orm ar ão a co nc ep ção do s dad os da in tu ição .Certos sujeitos captaram em si mesmos estados nào-ima-

géticos, o pensamento revelou-se a eles sem intermediário. Constataram a existência de saberes puros, de “consciências de regras”, de “tensões de consciência”, etc. Noque se refere às imagens propriamente ditas, os dados dosenso íntimo vêm confirmar as teorias dos bergsonianos:a imagem é flexível, móvel, os objetos que aparecem emimagem não estão subm etidos à mesma individuação queos da percepção.

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Esta é, portanto, a grande novidade das teorias deWürzbu rg: o pensamento aparece a si mesmo sem nen humintermediário; pensar e saber que se pensa é uma coisa só.Pudem os há p ouco c omp arar o esforço de Leibniz e de seussucessores, ante o argumento físico-teológico, para provar,

 pe la pró pri a or dem das imagens, a ex istê ncia de um pensamento pa ra além das imagens. Mas aqui não há mais ne

cessidade de prova: assim com o D eus se entrega à con tem pla ção do míst ico , o pe ns am en to deixa -se ap reen de r por uma experiência privilegiada. E o valor dessa experiência

 pr ivi leg iad a é g ar an tid o pe lo “cogito” cartesiano. Não é nosso pr op ós ito ex po r os t rab alh os da Escola de

Würzburg: encontrar-se-á sobre a questão um grande núm ero de mo nografias em francês, em inglês e em alemão. Tudo

 já foi di to sobre o va lor e o alcance da intro specção expe rimental. Gostaríamos apenas de observar que os psicólogosalemães não vieram sem idéias preconcebidas à experiência.

 Na verda de , seus traba lhos nã o têm um ob jet ivo exclusivamente psicológico. Poder-se-ia mesm o dizer qu e elesvisam a limitar rigorosamente o domínio da psicologia. Foram concebidos sob a influência das  Logische Untersuch un-  gen [Investigações lógicas] de Husserl, cujo primeiro tomoocupa-se de um a crítica exaustiva ao psicologismo sob todasas suas formas. A esse psicologismo que visa a constituir avida do pensamento por meio de “conteúdos de consciência”, Flusserl opõe uma concepção nova: existe uma esferatranscendente de significações, que são “representadas” enão “representações” e que de maneira nenhuma poderia

deixar-se constituir por con teúdos. A esse mun do de significações corresponde evidentemente um tipo de estados psíquicos especial: os estados de consciência que representam 

 par a si essas signif icações e q ue po de m se r int en çõ es vaz iasou intuições mais ou m enos claras, mais ou m enos plenas.De todo modo, a significação e a consciência de significação escapam à psicologia. O estudo da significação comotal caberá à lógica. O estudo da consciência de significação

 pe rtenc erá, após um a “co nv ers ão” especia l ou “re du çã o” , auma disciplina nova, a fenomenologia. Reencontramos aquio que havíamos observado em Descartes: as essências e aintuição das essências, os atos de julgamento e as deduçõesescapam inteiramente à psicologia, concebida como um estudo genético e explicativo que vai do fato à lei. Ao co ntrário,

são as essências que torn am a psicologia possível.

Ora, justamente uma das preocupações dos psicólogos de Würzburg foi verificar no terreno da introspecçãoexperimental o antipsicologismo de Husserl. Se Husserldizia a verdade, deveria haver estados especiais na corrente da consciência que seriam precisamente consciências designificação. E, se esses estados existissem, sua característicaessencial seria limitar a psicologia, cons tituir-lhe as fronte iras. Com efeito, eles se deixariam descrever e classificar e,desse m odo, p ertenceriam ainda aos psicólogos, mas seria prec iso , e m razão de sua ex istê ncia, re nunci ar a explicá-los ,

a mostrar sua gênese a partir de conteúdos anteriores: naverdade, eles representam a maneira como a lógica se ofe

rece à consciência hum ana.Portanto, quando os psicólogos de Würzburg desco

 brir am pe ns am en tos pu ros, eles pe ns ar am te r prov ad o aexistência do lógico pu ro, e essa concepção apriori do pensa

mento ditava-lhes sua atitude diante da imagem. Esta continua sendo o psíquico puro diante do lógico puro, o conteúdo inerte diante do pensam ento. Entre o mun do das imagense o mundo do pensamento há um abismo, precisamente o

abismo que havia em Descartes. E Bühler retomará por suaconta a famosa passagem das  Meditações na qual Descartesmostra que somente o entendimento pode pensar um pedaço de cera em sua verdad eira natureza. Ele escreverá:

“Afirmo que, em princípio, todo objeto pode ser plenamente e exatamente pensado sem o auxílio de imagens.”1

1. Bühler, Tatsacheti und Probleme...etc. Über Gedanken, 321,  Arc h. f. ges. 

Psych., 1907, t. IX. (N.A.)

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Segue-se que a imagem, na o pinião desses psicólogos,só poderia ser um estorvo para o pensam ento. Ela representao reaparecimento inoportuno da coisa no meio das cons

ciências de significação. Eis por que Watt pode escrever:“Toda imagem apresenta-se como um impedimento

( H em m un g) para os processos ideativos.”

A imagem é um a sobrevivência, um órgão em via de

regressão; e, já que se pode semp re torna r presente um ob je to em sua essência pu ra , é s em pr e um a pe rd a de te m po e

um a degradação utilizar imagens. Assim a imag em c onserva, para Wa tt e Bühler, seu caráter dirimen te de coisa. De

modo algum eles a estudaram por si mesma, não tiraram pr ov eit o da ric a co lheit a de fa tos qu e lhe s pr op or ci on ar am

suas experiências. Sua teoria da'imagem conserva, portanto, um caráter profund am ente negativo e, por conseguinte,a imagem continua sendo neles o que era em Taine: uma

revivescência da coisa.

O que buscaremos d etermina r a seguir é se os psicólogos de Würzburg com preenderam b em Husserl, se não havia uma psicologia inteiramente nova a constituir a partir 

das  Logische Untersuchungen. Por ora, será suficiente mostrar o quanto essa concepção do pensamento pu ro - que,apesar de Ribot, Titchener, etc., torna-se uma aquisição da

 ps ico log ia - pe rm an ec e aind a in ce rta e co nfusa. De fato ,

 p or v ol ta da m es ma époc a, Bi ne t faz ex periê nc ias co m sua s

sobrinhas e descobre o pensam ento sem im agem .1Mas elenão recorre à experiência de um mo do livre e sem preco nceitos. Partiu do associacionismo e só mais tarde sofreu ainfluência da psicologia de síntese. Com isso conservou,quase sem que o soubesse, a velha concepção da imagem

1. Étude expérimentale de Vintelligence, 1903. Criticou-se com freqüência a es

colha dos pacientes (m uito jovens) e a dos testes (fáceis demais). Cf. Ribot, La  

vie inconsciente et les mouvements. (N.A.)

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tainiana. O que ele quer é estabelecer  contra a imagem a

existência de um pensamento. E de imediato a imagemaparece-lhe como uma “pobre gravura”, como uma moeda

de um vintém, quando o pensamento corresponde a milfrancos. Sem dúvida, ela entra agora em combinações s intéticas, mas a título de elemen to discreto.

O principal, porém, é que ele não espera que a expe

riência lhe revele nem a existência nem a natureza do pen samento; já possui sua concepção, ou melhor, hesita entreduas concepções opostas.

O pensamento aparece-lhe com freqüência como um fa to acessível à introspecção - quando com enta, por exem

 plo, a cé leb re fó rm ul a de um de seu s pa cie ntes : “O pe ns amento me aparece como um sentimento igual aos outros”.

Mas, nesse caso, sob a influência do pragmatismo biológico da época, ele faz disso a tomada de consciência de umaatitude corporal. O que vemos, então, é um cartesianismo

decaído, rebaixado ao plano do naturalismo, tal como Ri bot re pr es en tava a de ca dê nc ia do le ibnizian ism o. Assim ,encontram os nessa época não apenas as grandes metafísicas

(reaparecidas em Brochard e em B ühler, por exemplo), mastambém suas projeções no terreno de um naturalismo que

se crê tanto mais “positivo” quanto é mais grosseiro.Dessa concepção, Binet passa imperceptivelmente

a uma outra: meditando, à maneira de Brochard, sobre ainadequação da imagem e da significação, ele conclui que o

 pe nsa m en to nã o  pode ser senão a imagem. Nesse caso, sem

aband onar o p lano naturalista, ele se transporta p ara o terreno do direito. Escreve então esta famosa frase, em plena

contradição com suas descrições anteriores:“O pensamento é um ato inconsciente do espírito

que, para torna r-se consciente, tem necessidade de imagense de palavras.”

Desse modo, o pensamento cont inua sendo uma realidade, já que a noção de direito se fez mais pesada e se hi-

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 po stas iou na de inco ns cien te, ma s nã o é ma is aces sível a simesmo. Se penso a frase “Eu partirei amanh ã para o cam

 po”, é poss íve l q ue ela se a co mpa nh e em meu espí rit o ap enas da imagem vaga de um quadrado de erva. Nesse caso,diz Binet, a imagem é insuficiente para dar todo o sentidocontido nas palavras. É preciso, pois, colocar o complemento necessário fora da consciência, no inconsciente.

Mas existe aí uma grave confusão. Em direito, a frase“Eu partirei amanhã para o campo” envolve o infinito. Defato, primeiramente é preciso que haja um “amanhã”, istoé, um sistema solar, constantes físicas e químicas. É precisotambém que eu ainda viva, que nenh um acontecimento grave tenha transtornado minha família ou a sociedade na qualvivo. Todas essas condições são, sem dúvida, implicitamenterequeridas por essa simples frase. Além disso, como Binet

 be m ass ina lou , o sent ido da palav ra “cam po ” é inesgotável;seria preciso acrescentar o sentido da palavra eu t o das pala

vras “partir” e “amanhã”. Assustados, recuamos finalmentediante da profundidade dessa pequena e inocente frase. É o

caso de lembrar a observação de Valéry: não há um a palavraque possamos compreend er se vamos ao fundo.

Mas Valéry acrescenta: “Quem se apressa compreendeu”, o que significa que de fato nunca vamos ao fundo. Osentido inesgotável da frase citada existe sim, porém ele évirtual e social: existe para o gramático, para o lógico, parao sociólogo; o psicólogo não precisa preocupar-se com ele,

 po is nã o en co ntrar á seu eq uiva len te ne m na consciênc ia

nem num problemático inconsciente inventado para asnecessidades da causa. Certamente, pode haver casos emque o pensamento tende a explicitar toda a compreensãode uma frase. Mas se, como no caso que nos ocupa aqui,encontramos somente uma pobre imagem, não seria pre

ferível nos perguntarmos se não havia também um pobre pe ns am en to em no sso esp írito? Mais ain da : tiv em os co ns ciência apenas da imagem. Não seria essa imagem, afinal,

a forma sob a qual o pensamento apareceu à consciência?Esse quadrad o de erva verde não é um quadrad o qu alquer.Eu o reconheço: é um pedaço da grande pradaria situadaabaixo do meu jardim. É lá que costumo sentar-me. Por outro lado, não é um quadrado anônimo dessa pradaria: éexatamente o lugar que escolhi para estende r-me. Precisamente dirão: com o sabe isso, senão pelo pensamen to? Mas

essa pergunta contém um p ostulado oculto: o de que a imagem é diferente do pensamento, é seu suporte. Nesse caso,

ela teria com este a mesma relação do signo com a significação. Mas o que é que o prova? Não é apriori possível quea imagem, em vez de ser um apoio inerte do pensamento,seja o próprio  pe nsam en to sob uma outra forma? Talvez

imagem não seja nada mais que um signo. Talvez o quad rado de erva, longe de ser uma gravura anônima, constituaum pensamento preciso. No limiar de um estudo sobre arelações da imagem com o pensam ento, teria sido necessá

rio desembaraçar-se do preconceito associacionista que fada imagem u ma massa inerte e de um a falsa concepção dc

 pen sa m en to qu e, pela conf us ão do rea l e do vi rtual , faz entrar o infinito na menor de nossas idéias. Binet não foi atéesse ponto; que ele permaneceu associacionista até o fundeda alma é o que mostra bem o texto a seguir, datado dc

 po uco tem po an tes de sua mor te:“(A psicologia) estuda um certo número de leis que

chamamos de mentais para opô-las às leis da natureza externa, das quais diferem, mas que, propriamente falando

não merecem o nom e de mentais, um a vez que são (...) lei;das imagens, e as imagens são elementos materiais. Embora isso pareça absolutamente paradoxal, a psicologia é um;ciência da m atéria, a ciência de uma p orção da matéria que

tem a propriedade de pré-adaptação.”1

I. Binet,  L ’âme et le c orps, Paris, 1908. Binet morreu em 1911. (N.A.)

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Portanto, em 1914, reencontramos inalteradas astrês grandes atitudes que havíamos descrito no primeirocapítulo. O associacionismo sobrevive ainda, com algunsdefensores tardios das localizações cerebrais; está latente,sobretudo, em um grande número de autores que, apesar de seus esforços, não puderam livrar-se dele. A doutrinacartesiana de um pensamento puro capaz de substituir a

imagem no terreno da imaginação conhece, com Bühler,uma renovada aceitação. Um número muito grande de psicólogos, enfim, sustenta, juntamente com Peillaube, a teseconciliatória de Leibniz. Experimentadores como Binet e os

 ps icó log os de W ür zb ur g af irm am te r co ns ta tado a ex ist ên cia de um p ensam ento sem imagem. O utros psicólogos, não

meno s preocupado s com os fatos, como Titchener e Ribot,negam a existência e até a possibilidade de tal pensamento.

 N ão av an çamos mais do qu e no m om en to em que Leibn iz pu bli cava , em re sp os ta a Locke, seu s  No vos Ensaios.

É que o ponto de part ida não mudou. Em primeirolugar, conservou-se a velha concepção da imagem. Semdúvida, ela se tornou mais flexível. Experiências como asde Spaier1revelaram um a espécie de vida onde, trinta anosmais cedo, viam-se apenas elementos fixos. Há auroras de

imagens, crepúsculos; a imagem transforma-se sob o olhar da consciência. As pesquisas de Philippe2mostraram umaesquematização progressiva da imagem no inconsciente. Admite-se agora a existência de imagens genéricas, ostrabalhos de Messer revelaram, na consciência, um grande

número de representações indeterminadas, e o individualismo berkeliano foi completamente abandonado. A velhanoção de esquema, com Bergson, Revault dAllonne s, Betz,etc., volta à moda. Mas o princípio não é abandonado: aimagem é um conteúdo psíquico independente que podeservir de suporte ao pensamento, mas que tem também

1. Spaier, L’Image mentale,  Re vu e Ph ilos ., 1914. (N.A.)

2. Philippe,  L ’Ima ge. (N.A.)

suas leis próprias; e, se um dinamismo biológico substituiia concepção mecanicista tradicional, a essência da imagen

continu a sendo a passividade.Em segundo lugar, o problema da imagem é sempr 

abordado com as mesmas preocupações. Trata-se sempr de tomar posição frente à questão metafísica da alma e di

corpo ou à questão metodológica da análise e da síntese.

verdade que o problema da alma e do corpo nem sempr 

é formulado, ou pelo menos não é formulado nos mesmo

termos: mesmo assim, ele conservou toda a sua importân

cia. A imaginação continuou sendo, com a sensibilidadeo domínio da passividade corporal. Quando Brocharc

Ferri e Peillaube lutam contra o associacionismo de Tain

e buscam limitá-lo sem suprimi-lo, eles querem restabek 

cer, acima das leis do corpo, a dignidade e os direitos d

 pe ns am en to . O ce nt ro da qu es tão nã o se deslo cou: tra ta-s

sempre de compreender como a matéria pode receber umforma, como a passividade sensível pode ser  agida pela e:

 po nt an ei dad e do espí rito. Ao mes mo tempo , a psicologi

continua b uscando seu método, e as soluções que apresenl

aos grandes problemas da imaginação aparecem mais com

demonstrações de método do que como resultados positivo

Em vez de ir direto à coisa e forma r o méto do a pa rtir do ol jeto, define-se pr im ei ro o métod o (anális e de Ta ine , sínte:

de Ribot, introspecção experime ntal de Wa tt, crítica reflexh

de Brochard, etc.) e aplica-se a seguir ao objeto, sem suspeit;

que, ao ad otar o m étodo, já se forjou o objeto.Se aceitamos essas premissas, não há, não pode h;

ver senão três soluções. Ou postula-se a priori o valor c

análise. Nesse caso, afirma-se também um materialisn

de método, uma vez que se tentará, como Comte mostre pro fu ndam en te , expli car o su pe rior pe lo inf eri or ; e es

materialismo de método poderá converter-se facilmen

em um materialismo metafísico.

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Ou afirma-se a necessidade de utilizar simultaneam ente a análise e a síntese. E com isso se restabelecem, dia nte daimagem, as sínteses do pensamento. Nesse caso, de acordocom a atitude metafísica adotada, o pensamento representará o espírito diante do corpo ou o órgão biológico diantedo elemento. Mas a imagem e o pensamento serão dadoscomo inseparáveis e aquela com o o sup orte material deste.

Ou reivindica-se simu ltaneamente os direitos metafísicos de um pensamento puro e os direitos metodológicos

de um a síntese não-analisável. Porém, com o se conservou aimagem a título de elem ento inerte, o dom ínio das sínteses

 pu ra s ser á lim ita do , e v érem os co ex ist ir do is tip os de exis

tência psíquica: o con teúd o inerte co m suas leis associativase a espontaneidade p ura do espírito. Nesse caso, haverá entre o pensam ento imaginativo e o pensam ento sem imagensnão apenas diferença de natureza, mas, como m ostramo s a

 pro pó si to de De sca rte s, diferença de sujeito. A dificuldade

aqui será mostrar como esses dois sujeitos pode rão fundir-se na unidade de um eu.

Entre essas três concepções é preciso escolher? Fizemos a exposição histórica das dificuldades que cada umadelas levanta. Vamos tentar mostrar agora que todas astrês devem necessariamente fracassar, porqu e toda s as trêsaceitam o postulado inicial do renascimento dos conteúd ossensíveis inertes.

74

A s CONTRAD IÇÕES DA CONCEPÇÃO CLÁSSICA

III

Spaier, em seu livro sobre O pensamento concreto, p u

 bl icad o em 1927 , assin ala qu e as pe sq uisas ex pe rim en taissobre a natureza da imagem mental tornaram-se cada vezmais raras após os trabalhos da Escola de Wü rzburg. É que

a maior parte dos psicólogos considera a questão comoresolvida: aqui, como em quase toda parte, chegou-se aum ecletismo. O artigo que Meyerson acaba de publicar no  No uv ea u Traité  de Dumas é muito significativo dessa

tendência a conciliar, a atenuar, a enfraquecer. Na correnteda consciência, sempre se considera a imagem como umestado substantivo, m as se reconhece nela uma certa mob ilidade: ela vive, transforma-se, há auroras e crepúsculos deimagem; ou seja, procura-se beneficiar esse antigo “átom o” ps íqui co co m a flexibil ida de qu e a idéia de co ntin uid ad e

conferiu a tod a a vida psíquica.“É preciso fazer a psicologia tradicional enten der que

suas imagens com arestas vivas não co nstituem senão a m ínima parte de u ma consciência concreta e viva. Dizer que

a consciência contém apenas esse tipo de imagens equivale a dizer que um rio contém apenas baldes d’água ou

outros v olumes contidos em seus recipientes, copos, litrosou tonéis. Coloquemos, se insistem, todos esses baldes erecipientes no rio: resta ao lado deles a água livre na qualmergu lham e que continua a fluir entre eles.”1

1. James, Précis de psychologie, p. 214, citado por Meyerson, in art. cit., p. 559.  

( N A . )

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A atitude de I. Meyerson é a de muitos bons autores. No entanto, a solução com que eles se satisfazem nãoresiste a um exame sério. Segundo a expressão de Pascal,as dificuldades foram “enco bertas”, não foram “retiradas”.De modo geral, convém desconfiar da tendência modernaa substituir o atomism o associacionista por um a espécie decontínuo amorfo em que as oposições e os contrastes se di

luem ou desaparecem. O pen samento, apercepção sintéticade relações, e a imagem dos ássociacionistas são certamentemuito incompatíveis. Ora, é ainda a imagem dos associa-cionistas que nossa psicologia “sintética” quer apresentar como auxílio ao pensam ento. Só que po r cima das ligaçõesmecânicas foi lançado um véu de bruma: é o que cham amde duração. O pensamento dura, dizem, e as imagens duram: essa é a base de uma aproximação possível. Mas queimporta que durem se não duram da mesma maneira? O

ecletismo contemporâneo quis conservar, valendo-se de

uma p enum bra bergsoniana, o nominalismo de Descartes eos “dados exp erimentais” de Würzburg, o associacionismo,como mo do de encadeam ento mais baixo, e a tese leibnizia-na de uma continuidade entre os diferentes modos de conhecime nto, em particular entre a imagem e a idéia. Aceita-se a existência de dados b rutos que constituiriam a m atériada imagem, mas afirma-se que esses dados, para fazerem

 pa rte da consciê nc ia, devem ser  repensados. Constitui-seassim, dialeticamente, uma espécie de processo neoplatô-nico da imagem quase bruta, “estável, precisa, concreta” ao

 pe ns am en to quase puro qu e co ntém aind a, ap esar de tu do ,uma materialidade sensível quase imponderável. Porém,debaixo dessas descrições vagas e gerais, persiste a incom

 pa tib ilida de : de fato, a imag em pe rm an ec e pro fu nd am en tematerial. Quando Meyerson nos diz, por exemplo, que aimagem deve ser compreendida por aquilo que figura e não

 por aqui lo qu e ap ar en ta , ele in troduz um a di sti nç ão en trea própria natureza da imagem e a maneira como o pen

samento a apreende e, com isso, assimila a imagem a umsímbolo material - como um a bandeira, por exemplo - quenele é sempre outra coisa (madeira, tecido, etc.) distinta doque queremos ver. De modo geral, aliás, tão logo fazemosda imagem um signo que deve ser compreendido, colocamos a imagem fora do pensamento, pois o signo continuasendo, apesar de tudo, um apoio exterior e material para

a intenção significante. Assim reaparece, com a teoria emaparência puramen te funcional da imagem-signo, a concepção metafísica da imagem -traço. Do mesmo m odo, qua ndoSpaier concede apenas ao juízo a possibilidade de distinguir a imagem da percepção, ele efetua mu ito naturalm enteuma assimilação do objeto tal como aparece em imagemcom o objeto material da percepção: de fato, somente caracteres extrínsecos permitiriam diferenciá-los. Essa ima

gem que o pensamento decifra, penetra, dissocia e recompõe  po de m uito be m te r ad qu iri do , de un s an os par a cá, um a

flexibilidade que ela não tinha até então, mas permanece pro fu ndam en te a im agem mater ia l da filo sofia clássica. E,quando nos dizem que ela é nada se não for pensada, confessamos não com preender claramen te, já que reconhecem,ao mesmo tempo, que ela é ainda outra coisa que não o fatode ser pensada. Em vez de dissolver as teses em confrontonum continuísm o vago, teria sido melh or considerá-las defrente e tentar destacar seu postulado comum e as contradições essenciais a que condu zem. M ostramos n o capítuloanterior que o postulado comum dessas diferentes teorias

era o da identidade fundamental da imagem e da percepção. Vamos ten tar agora mostrar que esse postulado me tafísico, quaisquer que sejam as conclusões que se tirem dele,deve necessariamente co nduzir a contradições.

1) O problema das “características da imagem verdadeira”

O primeiro procedimento de nossos filósofos foiidentificar imagem e percepção: o segundo deve ser dis-

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tingui-los. O fato que a intuição b ruta a presenta-nos é quehá imagens e percepções; e sabemos m uito bem distinguir umas das outras. Em conseqüência, após a identificaçãometafísica, é preciso necessariamente levar em conta estedado  psicológico: na realidade, operamos espontaneamenteuma distinção radical entre esses estados psíquicos. Notemos, de imediato, que havia duas maneiras de colocar essa

nova questão: podia-se pergun tar de que mod o a estrutura ps íquica “im ag em ” se ofe recia à ref lexão como imagem e aestrutura “percepção”, como percepção. Limitava-se entãoo problem a a seu aspecto estritamente psicológico e não sefazia intervir os objetos da percepção e da imagem. Talvezessa forma de p roceder conduzisse cedo o u tarde à seguinteconstatação: a despeito da metafísica, há entre imagem e

 pe rcep çã o um a di ferenç a de na tureza . Mas os au tores, emsua maior parte, consideraram a questão de um modo bemdiferente. Eles não se perguntaram se as formações psíqui

cas se dão imediatamente à consciência  pe lo que elas são:colocaram-se no pon to de vista metafísico-lógico da verda

de. Transformaram tacitamente a distinção que toda consciência faz espontaneame nte entre a im agem e a percepçãonuma distinção entre o falso e o verdadeiro. Assim, Taine

 pôd e dize r qu e “a pe rcep ção era um a aluc inação ve rd ad eira”. Contudo, verdade e falsidade não são concebidas aqui

como critérios intrínsecos, à maneira de Spinoza. Trata-sede uma relação com o objeto. Estamos diante de um m und ode imagens. Aquelas que têm um correspondente exterior 

são ditas verdadeiras ou “percepções”; as outras são chamadas “imagens mentais”. Percebe-se o passe de mágica:os dados do senso íntimo são transformados em relaçõesexternas de um conteúdo de consciência com o mundo, ea distinção imediata entre os conteúdos é substituída por uma classificação desses conteúdos relativamente a algodistinto deles mesmos. Então, a teoria metafísica da imagem pensa reunir os dados da psicologia, mas ela não os

reúne verdadeiramente: contenta-se apenas com um equi

valente lógico.Aliás, o mais difícil não está feito: resta encontrar as

“características da imagem verdadeira”,1ficando bem entendido que a imagem verdadeira não apresenta nenhum adiferença de natureza com a imagem falsa. Há som ente três

soluções possíveis.

A primeira é a de Hume: imagem e percepção sãoidênticas em n atureza, mas diferem em intensidade. As percepções são “impressões fortes”, as imagens, “impressõesfracas”. Cumpre conceder a Hume o mérito de apresentar a distinção en tre imagem e percepção com o imediata: ela se pro du z na tu ra lm en te , sem nece ssi da de de re co rr er a um ainterpretação de signos ou a uma comparação. Opera-se

mecanicamente de certo modo: por si mesmas as impressões fortes lançam as impressões fracas a um nível inferior de existência. Infelizmente, essa hipótese não resiste ao

exame. Estabilidade, riqueza e precisão das percepções não pod er iam di sti ng ui- las das imagens. Em prim ei ro lug ar ,

 por qu e essas q ua lidad es são m uito exagera das.“Constantemente”, observa Spaier a esse respeito,

“nossos olhos, nossos ouvidos, nossa boca experimentamimpressões muito confusas, muito indistintas, às quais raramente prestamos atenção, seja porque têm uma origemmuito longínqua, seja porque, mesmo sendo próxima afonte, não estão em relação direta com nossa c ond uta.”2

Por esse motivo faremos delas imagens? Por outro

lado, há a questão dos limiares: para que uma sensaçãotranspo nha o limiar da consciência, ela precisa ter um a intensidade mínima. Se as imagens são da m esma n atureza, é pr ec iso que elas tenha m pe lo men os essa in tens id ad e. Masentão não as confundiremos com as sensações de mesma

1. Cf., por exe mplo, Maldidier, Les caractéristiques probables de l ’image vraie, 

 Re vu e d eM ét ap h ., 1908. (N.A.)

2. Spaier, l o c . c i t  p. 121. (N.A.)

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i id d ? E i d íd d i d

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intensidade? E por que a imagem do ruído de um tiro decanhão não aparece como um pequeno estalo real? Comose explica que nunca   tomemos nossas imagens por percepções? Mas isso às vezes acontece, dirão. Posso, p or exemplo,tomar um tronco de árvore por um hom em.1

Certamente, porém nesse caso não há confusão entreuma imagem e uma percepção: há falsa interpretação de

um a percepção real. Não há - e voltaremos a esse ponto- exemplo de que uma imagem de homem subitamenteaparecida em nossa consciência seja tomada por um homem real, realmente percebido. Se dispuséssemos apenasda intensidade para distinguir a imagem da percepção, oserros seriam freqüentes; formar-se-iam mesmo, em algunsmomentos, no crepúsculo, por exemplo, mundos intermediários, compostos de sensações reais e de imagens, a meiocaminho entre o sonho e a vigília:

“Acreditar”, escreve Spaier, “que a certeza bem fun

dada é um a questão de força ou de vivacidade das impressões, é simplesmente restaurar a  p h a n ta s ía k a ta le p ti k ê   dosestóicos.”3

Em uma palavra, se a imagem e a percepção não sediferenciam em qua l idade  pr im ei ram en te , é i nú til bu sc ar aseguir distingui-las pela quantidade.

Foi o que Taine compreend eu bem:“(A imagem), ele escreve, é a própria sensação, mas

consecutiva e ressuscitante, e, de qualquer ponto de vis ta que 

a consideremos, vemo-la coincidir com a sensação.”4Conseqüentemente, será preciso renunciar a fazer uma

distinção intrínseca entre uma imagem isolada e uma sensação isolada. Em suma, não há mais reconhecimento imediato

1. O exemplo que Spaier discute à p. 121 é exatamente desse tipo. (N.A.)

2. A expressão costuma ser traduzida por “representação compreensiva” e 

descreve o processo que vai da impressão sensível à formação de uma noção  na mente. (N.T.)

3. Spaier, loc.cit ., p. 121. (N.A.)

4. Taine,  De Vin telli genc e, 1.1, p. 125. (N.A.)

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da imagem como imagem. Ao contrário, a imagem se oferece ao senso íntimo  p r im e ir am en te  como sensação.

“Há dois mome ntos na presença da imagem: um afirmativo, o outro negativo, o segundo restringindo em parteo que foi colocado no prim eiro. Se a imagem é mu ito pre cisa e muito intensa, esses dois momentos são distintos: no pr im ei ro m om en to , ela pa rece ex terio r, si tuad a a u m a ce rta

distância de nós quando se trata de um som ou de um ob jet o visível, si tuad a em no sso pa lada r, em no sso olf ato, emnossos memb ros quan do se trata de um a sensação de odor,de sabor, de dor ou de prazer local.”1Assim, a imagem  p o r  

na tur ez a afirma-se com o sensação, ela provoca espo ntaneamente nossa crença na existência de seu objeto. Percebe-seo que segue e que é o resultado direto da atitude metafísica que assinalamos: a imagem como tal perde seu caráter de dado imediato. Para toma r consciência de que o objetoque aí está me é dado presenteme nte em imagem,  é preciso

um a operação. Chegamos assim a uma segunda solução do pr ob le m a das “ ca racterí stica s da im ag em ve rd ad ei ra ”. O perar-se-ia, segundo Taine, que a propõe, um a discriminaçãomecânica entre as sensações e as imagens.

“A imagem ordinária, portanto, não é um fato sim ple s, mas du pl o. É u m a sensação es po nt ân ea e c on secu tivaque, pelo conflito com uma o utra sensação não-espontân eae primitiva, sofre uma diminuição, uma restrição e umacorreção. Ela compreende dois momentos: o primeiro emque parece situada e exterior, o segundo em que essa exte

rioridade e essa situação lhe são retiradas. Ela é o resultadode uma luta, sua tendência a parecer exterior é combatidae vencida pela tendência contraditória e mais forte que onervo excitado suscitou no mesmo instante.”2

Desse modo, a consciência de imagem é mediata, e a

luta en tre a sensação consecutiva e a sensação primitiva não

1. Taine,  D e V inte llig ence , p. 89. (N.A.)

2. Taine, ibid., p. 99. (N.A.)

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é senão um episódio da strugglefor life [luta pela vida] d arwi-

niana. O m ais forte vence. Taine tem o cu idado de acrescentar que a vitória pode ficar com a sensação “consecutiva eespontânea”. Nesse caso, há alucinação. Para que a imagemseja reconhecida como imagem, isto é, “produza seu efeitonorm al”, é preciso haver um a sensação antagônica. Na faltadessa sensação - ou se porventura a imagem é mais forte -,

estamos diante de um objeto que de fato não existe. N a ve rdad e, essa tese é  ba stan te ob scur a. Antes de

mais nad a, é ela de ordém fisiológica ou psicológica? Taine pa rece he si ta r e nã o qu er er esc olh er. Às vezes se po de riaacreditar que as sensações e as imagens se opõem comoacontecimentos conscientes:

“(...) Retornando a memória, as imagens e as idéiasreaparecem, envolvem a imagem por seu cortejo, entramem conflito com ela, imp õem -lhe sua ascendência, retiram-na de sua vida solitária, trazem-na de volta à vida social,

tornam a mergulhá-la em sua dependência habitual.”1Outras vezes, lemos a descrição de um verdadeiro m e

canismo cortical de inibição:

“Quan do u m alucinado, de olhos abertos, vê a poucos pa sso s u m a fig ura a us en te qu an do há di an te del e um a si m  ples p ar ed e f or ra da de pa pe l c inza co m faixa s ve rde s, a fi gu

ra cobre e torn a invisível um trecho dessa parede; portanto,as sensações que esse trecho deveria provocar são nulas; no

entanto, a retina e provavelmente os centros ópticos são excitados de forma ordinária pelos raios cinzas e verdes; em

outras palavras, a imagem prepon derante aniquila a porçãode sensação que a contradiria.”2

Parece tratar-se aqui claramente de uma inibição co rtical, e aliás não se compre end e po r que as sensações de verde e de cinza são inibidas, em vez de serem simplesmenterejeitadas à condição de imagens. Na verdade, Taine não

1. Taine, ibid., p. 99. (N.A.)

2. Taine, ibid., p. 101. (N.A.)

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decide porque, como vimos mais acima, ele nunca teve um a

idéia clara da distinção d o fisiológico e do p sicológico.Por outro lado, como se deve entender esse “ajusta

mento”, essa “correção”? A sensação espontânea e consecutiva, diz Taine, é primeiramente situada e exterior. E elecita um grande núm ero de exemplos. É o livreiro Nicolai que

 perce be um a figura de m orto “à distância de dez passos”. É

um pintor inglês que “tom a” seus modelos “em seu espírito”e os “põe sobre uma cadeira”. É um amigo de Darwin que,tendo um dia “olhado muito atentamente, com a cabeçainclinada, uma pequena gravura da Virgem e do MeninoJesus (...) ficou surpreso (ao reerguer-se) de percebe r na ex

tremidade do apartamento um a f igura de mulher com um a

criança nos braços”.Depois, sob a influência da sensação antagônica, a

sensação e spontânea perde sua situação e sua exterioridade.

Eis o que se mos tra difícil de adm itir. Com efeito, a exterio

ridade é uma qualidade intrínseca tanto da primeira quan toda segunda representação; não é um a relação. Sendo assim,de que maneira, ao contato de uma impressão contraditó

ria, po deria a prim eira sensação perder sua exterioridade?Certamente é difícil conceber, por exemplo, um homem e

uma mesa ocupando o mesmo lugar. Porém, se o homemestá “a dez passos de mim”, não é a presença da mesa nomesmo lugar que o fará deixar de estar a dez passos. E possível que Taine, cujo vocabulário, aliás, é bastante impreciso com o o espírito, confun da exterioridade e objetividade.

Mas a dificuldade permanece a mesma: pergunto que antagonismo mecânico po derá fazer passar ao subjetivo uma

imagem que se afirma primeiramente como objeto.Percebe-se o que faltava a Taine: seu associacionismo

o impedia de recorrer a um juízo de discriminação. Contudo, todas as suas explicações buscam constituir, com

operações mecânicas, um equivalente associacionista desse

 juízo .

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É l ã E i i l d l j í b d

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É o que ele não consegue. Em primeiro lugar, seuconceito de “sensação contraditória”1toma sorrateiramen te emprestado do juízo uma de suas qualidades. De fato,somente dois juízos podem se contradizer. Não posso dizer ao mesmo tempo do mesmo objeto: ele é branco   e ele não  

é branco.  Mas duas sensações podem se contradizer: elas secompõem.  Se eu projeto “a dez passos” a imagem de um

quadrad o de tecido branco e nessa mesma distância se encontra, no mesmo instante, um quadrado de tecido preto,não haverá dois objetos antagônicos que se mantêm mutuamente imobilizados: simplesmente verei um quadradode tecido cinza. Assim, para admitir que as sensações e asimagens se excluem mu tuame nte, é preciso já ler entendido, sob o nome de imagem , um juízo.

Um a outra observação nos fará compreen der isso melhor ainda. Estou em meu quarto, sentado à mesa. Ouçoos ligeiros ruídos que a faxineira faz na peça vizinha. Ao

mesmo tempo, recordo distintamente, com seu ritmo, seutimbre, sua entonação, uma frase que ouvi pronunciar anteontem. Como é que os ligeiros ruídos que vêm da peçavizinha podem “reduzir” a “sensação consecutiva” da frase,quando não conseguem co brir os pequenos ru ídos de vozesque vêm da rua? Será que não diríamos que eles distinguementre o que é preciso red uzir e o que é preciso deixar passar?Será que essas sensações de ruídos já não comportariam u m  

 ju íz o ? Ou então, se convém deixar à teoria de Taine o benefício de uma lógica rigorosa, eu devo  ter aqui uma alucinação auditiva. Mas, nesse caso, não é cem, nem mil, é umasérie incessante de alucinações que vou ter, pois o silênciodo meu quarto, o do campo, que não são sensações, não po deriam agir como redutores. Será suficiente ser acometidode surdez para ficarmos doidos varridos?

Há em Taine, além disso, ao lado da tese de uma redução pu ramen te mecânica e certamente fisiológica - mas

I - la in e , ibiil, p. 101. “É o redutor especial, a saber, a sensação contr aditória.”

(N.A.)

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que, contra sua vontade, apela ao juízo o esboço de umaoutra teoria da redução que, nesse caso, faz intervir explici

tam ente o juízo. Com efeito, ele escreve:“(...) Além dos pesos constituídos pelas sensações,

há outros mais leves que, 110 entanto, nor malmen te bas tam  

 pa ra ti ra r da im ag em su a ex te ri or id ad e;  são as lembranças.Essas lembranças são elas próprias imagens, mas coordena

das e afetadas de um recuo que as situa na linha do tempo...Juízos gerais adquiridos pela experiência lhes são associados e juntos formam um grupo de elementos ligados entre

si, uns equilibrados em relação aos outros, de modo que otodo é de uma consistência muito grande e empresta suaforça a cada um de seus elementos.”1

E verdade que, duas páginas adiante2, certamente assustado com as conseqüências dessa explicação, que am eaça provocar a ruína da teoria mecânica dos redutores, eleacrescenta:

“Quando uma imagem que adquire um a intensidadeextraordinária anula a sensação particular que é seu redu tor especial, por mais que a ordem das lembranças subsistae por mais que os juízos se produzam, temos uma alucinação. Na verdade, sabemo-nos alucinados, mas a imagem

 pa rece mes mo ass im exter ior ; nossa s out ra s sen saç ões enossas outras imagens formam ainda um grupo equilibrado, mas esse redutor é insuficiente, pois não é especial.”

Em suma, a teoria dos redutores de Taine é uma tentativa de traduzir em termos mecanicistas uma tese mais

flexível e mais profun da que confiaria à espontaneidad e do juízo o cu idad o de di sc rim in ar en tre im ag em e sen sação.

E essa última concepção - a única que co nta e que já seachava subenten dida nas outras duas - qu e vamos discutir agora. Já a encontramos em Descartes e vimos então suasinsuficiências no interior do sistema cartesiano. Trata-se

1.  Idem, ibid., p. 115. (N.A.)

2.  Idem, ibid., p. 117. (N.A.)

agora de explicar de um mo do m uito geral por que não po pa ra çã o qu e se de cid e se co nv ém in co rp or á- lo ou nã o ao

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agora de explicar de um mo do m uito geral por que não po deríamos nos satisfazer com ela.

Parte-se novamente da afirmação de que sensaçãoe imagem são idênticas em natureza. Afirma-se, uma vezmais, que uma imagem isolada não se distingue de uma

 pe rcep çã o isolada. Mas, desta vez, a discriminação será o pro duto de um at o j ud ica tiv o do es pí rito. É o ju ízo qu e vai

constituir dois mundos, o do imaginário e o do real, e éainda o juízo que decidirá, uma vez constituídos esses doismundos, se tal conteúdo psíquico deve ser colocado num

ou noutro. Resta saber  a partir de quais características se ju lga rá. Só po de ser a par ti r das relaçõ es ex ter na s por umlado, a partir do m odo de aparecimento, de sucessão e deencadeamento; por outro, a partir da compatibilidade ouda incompatibilidade do conteúdo em questão com os universos que constituímos. O que não fosse compatível com acoerência e a ordem do m und o real, que uma longa apren

dizagem nos permitiu reconhecer e construir, nós colocaríamos do lado da subjetividade pura. Spaier, que defendeessa tese, escreve:

“É ao julgar sobre a concordância ou a discordânciade um dado sensível, seja com o sistema do m eu universoexterior atual, seja com o de m inha imaginação (que provas longas e incessantes me ensinaram a distinguir do pri

meiro), é ao fazer juízos de comparação, de adequação, deinadequação, de dependência, etc., que eu classifico umaimpressão entre as percepções reais ou entre as imagens.”1

Aqui, duas observações se impõem: em primeiro lugar, o critério da verdade evoluiu. N ão se trata mais de um arelação de conformidade ao objeto externo. Estamos num

mu ndo de representações. O critério passou a ser a concordância das representações entre si. Desembaraçamo-nos,assim, do realismo ingênuo. Mas o indício do verdadeiro

 pe rm an ec e ex te rio r à pr ópr ia repr es en taçã o: é pe la co m

1. Spaier,  La pe nsé e co ncre te, p. 120. (N.A.)

 pa ra çã o qu e se de cid e se co nv ém in co rp or á lo ou nã o ao

grupo “realidade”.Ao mesm o temp o, o prob lema das “características da

imagem verdadeira” mu da profunda me nte de sentido. Nãohá mais dados “imagem” ou dados “objeto”. A partir dedados neutros, trata-se de construir um sistema objetivo.

O mundo real não é, ele se faz, sofre incessantes retoques,

fica mais flexível, se enriquece; certo grupo tido por muitotem po com o objetivo é finalmente rejeitado; ao contrário,um outro, por muito tempo isolado, será de repente incor

 po ra do ao sis tem a. O pr ob lem a da co ns tru çã o da s im ag en sé idêntico ao da construção do objetivo. A imagem é, entreos dados sensíveis, o que não pode passar para o objetivo.A imagem é a subjetividade. Nunca estivemos tão longe do ps ico lóg ico : em vez de a n atur ez a da im ag em co m o tal no sser revelada por um a intuição imediata, é preciso finalmente dispor, para pode r afirmar se um conteúdo é imagem ou

 pe rcep çã o, de um sis tem a de re fer ên cia s infin ito . N a p rá tica, naturalmente, serão suficientes algumas comparações be m-fe ita s, mas dis so re su lta rá um a co ns eq üê nc ia b as ta nt e

grave: o juízo discriminativo nunca será senão  prov ável . Éassim que Maldidier, no artigo citado anteriormente, faladas “características  pro váv eis da imagem verdadeira”. Defato, a certeza só poderia vir de u m exame com parativo levado ao infinito, sem falar que o próprio sistema de referências modifica-se constantemente. Por exemplo, se um

 po sit iv ist a a te u se con ve rte r, se ace ita r os do gm as e c re r n osmilagres, não terá mais o mesmo sistema de referência queantes. Chegamos, pois, a esta conclusão paradoxal: além dea natureza profunda da imagem não nos ser revelada por um conhecimento imediato e certo, nunca teremos certeza 

de que tal conteúdo psíquico, aparecido em tal dia e em talhora, era realmente um a imagem. A introspecção é inteiramen te despojada de seus direitos em proveito do juízo, e a

consciência, diante de seus dados próprios, adota a atitude

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hipotético-experimental que geralmente assume diante do e percepção outra diferença senão a que separa o falso do

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hipotético experimental que geralmente assume diante domundo exterior.

O caráter artificial dessa concepção salta aos olhos. N ingu ém aceitará qu e seja preciso re co rrer a um sis tem ade referências infinito para estabelecer a discriminação entre uma imagem e uma percepção. Que cada um se reporteà sua experiência interna. Estou sentado, escrevo, vejo os

objetos que me cercam; formo, po r um instante, a imagemde meu amigo Pedro: todas as teorias do m und o não im pedirão o fato de que, no mesmo mo men to em que a imagemaparecia, eu sabia que era uma imagem. O exemplo queSpaier cita em defesa de sua tese1não é conv incente. T rata-se de um leve crepitar que ele ouve um dia antes de sair:

“Estaria começando a chover? Escuto, repito a ope ração. Ela me revela a persistência do ruído. Eis aí uma primeira observação, um p rimeiro indício. Vou contentar-mecom ele? De modo nenhum. Pois pode ser um zum bido in

terno nos ouvidos. Vou até a janela: nenh um a gota d ’águanas vidraças. Mas a chuva pode estar caindo reta. Por conseguinte, abro a janela e me inclino para fora... etc.”2

Quem alguma vez fez tantos esforços para distinguir uma imagem de uma percepção? Se a imagem de um cre

 pitar tivesse atr avessado o meu espí rito , eu a te ria reco nh ecido na mesma hora como imagem, sem precisar olhar asvidraças nem abrir a janela. Na verdade, pode-se admitir que a cena relatada por Spaier não foi completamente inventada para as necessidades da causa. Mas um grave errointroduziu-se nesse raciocínio. Não é para d istinguir entre

a imagem de um crepitar e uma percepção qu e essa série de pr ov as (que se p ro longa por ma is du as pá gina s) foi feita: é pa ra di st ingu ir en tre um a pe rcep ção falsa e um a ve rd ad ei ra. E, naturalmente, quando não se admite entre imagem

1. Não é certo que Spaier teria aceito sem reserva a tese que expúnhamos à  

página precedente. Mas quisemos sobretudo marcar uma direção e descrever uma atitude geralmente adotada hoje. (N.A.)

2. Spaier, loc.cit., 121. Eu sublinho. (N.A.)

e percepção outra diferença senão a que separa o falso doverdadeiro, é fatal que se chame de imagem tod a percepçãofalsa. Mas é justam ente isso que é inadmissível para um psicólogo. Perceber um homem no lugar de uma árvore nãoé formar um a imagem de homem , é simplesmente perceber  ma l uma árvore. Continuamos no terreno da percepção e,até certo ponto, percebemos com exatidão: há realmente

um objeto - a dez passos de nós - na penumbra. É um cor po esg uio , alto, co m cerca de um m et ro e o ite nt a de alt ura,etc. Mas nos enganamos em nossa m aneira de apreender osentido desse objeto. Do mesmo modo, se presto atenção

 pa ra sabe r se ouv i um crep ita r, n o fu ndo isso qu er dize r que bu sco di sc er ni r  se foi realmente um crepitar que ouvi. Posso tomar um ruído orgânico, o ruído da minha respiração, por ex em pl o1, co mo o cr ep ita r da chuva.

Mas, além disso, aceitando a discussão no terreno em

que se colocou Spaier, como admitir que o juízo, ao clas

sificar um a representação en tre as imagens, possa ao mesmo tempo suprimir sua exterioridade? Taine, que entreviua discriminação por meio do juízo, não se enganou nesse

 pon to . Co mo vimo s, ele escrevia :“(...) Por m ais que a orde m das lembranças subsista

e por mais que os juízos se produza m, tem os um a alucinação; na verdade, sabem o-nos alucinados, mas m esmo assim

a imagem parece exterior...”De fato, é realmente o que p arece produzir-se na h i

 pó tes e de Spaier: se ve jo um ho m em se nt ad o à m in ha fr en

te, meu juízo pode conv encer-me de que se trata de uma visão, de um fantasma; nem por isso deixarei de ver o homemsentado à min ha frente. Ou será que devemos acreditar queo juízo recorta e constrói paralelamente a exterioridade ea interioridade em um grupo de conteúdos psíquicos neu-

1. Ver a esse respeito as interessantes observaçõe s de Lagache sobre o papel do  

ritmo respiratório nas alucinações auditivas, in  Les Ha llu ci na tio ns verb ales et  

la parole, Paris, 1934. (N.A.)

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tros? Seria ir contra o bom senso e os dados atuais do pro gem nossos juízos e nossos raciocínios. É a elas que adap

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p bl em a d a p erc ep ção.

Porém, mesmo admitindo que esse procedimento dediscriminação pudesse às vezes dar certo, na maioria doscasos ele seria inoperante. Em prim eiro lugar - e com m uita freqüência -, faria tomar percepções por imagens, poisa cada instante produzem -se ao redor de nós um a série de

 pe qu en os in cide ntes es tra nh os , ob jet os qu e se m ov em so zinhos (aparenteme nte), que estalam ou gem em, aparecem

ou desaparecem, etc. Todos esses acontecimentos fantás

ticos, submetidos à reflexão, explicam-se da maneira maissimples do mundo, mas no primeiro momento deveriamnos surpreender; deveríamos ser tentados, ao menos por um instante, a classificá-los entre as imagens. Eu tinha cer

teza de ter posto meu chapéu no armário, m as eis que o encontro sobre a cadeira. Vou duvidar de m im, “não crer nosmeus olhos”? De jeito nenh um . Posso fatigar-me buscando

explicações, mas o que tomarei por estabelecido, de uma p onta à out ra de m in ha s ref lexões , sem mes m o da r-m e ao

trabalho de ir tocar o chapéu, é que o chapéu que vejo érealmente o meu chapéu real. Acredito que meu amigo Pe

dro está na América, mas eis que o avisto na esquina de

um a rua. Vou dizer-me: “É um a imag em”? Em absoluto: !minha primeira reação é saber como é possível ele já ter regressado: foi chamado de volta? Alguém está doente emsua casa? etc. Recordo mesmo ter encontrado um dia um

ex-colega de ginásio que eu acreditava morto. Na realidade,

 pr od uz ira -se um a co nt am in aç ão en tre du as lem bran ça s, ■mas eu juraria ter recebido um com unicado de seu faleci- Imento. Essa convicção de modo nen hum imped iu que meu

 pr im ei ro pe nsa m en to , ass im qu e o avi ste i, fosse : “Ent ão euestava enganado: não foi ele que morreu, deve ter sido fu

lano, etc.” Aonde que remos chegar com isso? Ao seguinte:longe de motivos racionais poderem nos fazer duvidar de

nossas percepções, são nossas percepções que regem e diri

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tamos constantemente nossos sistemas de referência. Possoestar convencido de que X morreu ou viaja para um lugar 

distante: se o vejo, reviso meus julgamentos. A percepção éum a fonte primária de conhecimento, ela nos apresenta os

 pr óp rio s ob jet os ; é um a da s esp écies ca rd inai s de in tu iç ão ,

o que os alemães cham am u ma “intuição doado ra original”

(originär gebende Anscha uung), e sentimos isso tão bem qu enossa disposição de espírito a respeito dela é o inverso daque Spaier descreve: em vez de criticá-la, buscamos apenas, assim que ela aparece, justificá-la por todos os meios.Algumas pessoas que acreditaram ver Pedro, quando é im  pos síve l que Pedro esteja na França (ele foi visto emb arcar 

 par a N ov a Y ork t rês dia s an tes ), su sten ta rã o inc lus ive , co mos argumentos mais sofísticos e os mais inverossímeis, os

direitos de sua percepção (falsa) contra os do raciocínio.Em segun do lugar, e inversamente, esse procedimen to

de discriminação seria na maior parte do tempo muito insuficiente para revelar as image ns com o imagens. C om efeito, para que ele desse certo, seria preciso que nossas imaginações fossem na maioria das vezes fantásticas, irracionais,líricas e tão diferentes das percepções cotidian as que o juízo

 pu de sse co m algu m a pr ob ab ilida de afa stá -las do m undo

real. Em vez disso, qual é, em linhas gerais, o m un do im aginário em que vivo? Pois bem, estou esperando meu am igoPedro, que pode chegar de um instante para o outro, e ima gino seu rosto; fui ontem à noite à casa de João e lembro-

me de seu traje. Penso a seguir nos colarinhos postiços queestão em meu armário, depois no meu tinteiro, etc., etc.

Todas essas imagens familiares não são contraditadas por 

nada de real. A porta do vestíbulo está aberta na penum bra. Nad a im pe de qu e eu pr oj et e a im ag em de Pe dr o sobr e e sse

fundo escuro. E, se isso acontecesse, como ele tem a chave

do ap artamento, eu não ter ia nenhu ma razão para pôr emdúvida a rea lidade dessa imagem . Mas, dirão, e se ele não se

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1

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elas se distinguem. Ora, basta ler com alguma atenção o gos contemporâneos, fez bem a distinção que se impunha,

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texto que acabamos de citar para ver que a descrição queMeyerson apresenta da imagem conviria palavra por palavra à percepção. A imagem, diz ele, é uma “racionalizaçãodo dad o sensível”. Mas ocorre de um mod o diferente coma percepção? Há uma percepção que não seja um ato de pe ns am en to? H á u m a pe rcep ção qu e seja um da do sensíve l

 puro , pr ivad o de um a sín tes e inten cion al? A im ag em está“a caminho da abstração e da generalização”. O que ele estáquerendo dizer: que não há imagem absolutamente particular? Em primeiro lugar, isso não é inteiramente exato: éum a interpretação errônea de um fato real que tentaremos,em outro momento, explicar. Mas, ainda que fosse, não érigorosamente a mesm a coisa que ocorre com a percepção?Percebo “um tinteiro”, “uma mesa”, “uma poltrona LuísXVI”; para chegar ao individual, à matéria sensível, a esta cor particu lar do tecido que cobre a poltrona , é preciso fazer 

um esforço, inverter a direção da atenção. O u ainda, com odiz Spaier, dirigem-me um sorriso e percebo a benevolência-, agitam uma band eira e percebo a nação, o emblema do

 pa rt id o ou da classe . N ão es to u igu almen te a m eio ca minhoda abstração e da generalização? Se comparo a percepçãode um a casa (vi uma bandeira na janela de um a casa) àimagem-lembrança da casa na qual passei minh a infância,qual desses dois atos de consciência pertence ao geral equal pertence ao particular? A imagem é uma percepçãorepensada, diz Meyerson. Mas quando, então, a percepção

será “repensada”? Devemos imaginar as trevas propíciasde um inconsciente no qual se poderá fazer, despercebido, todo u m peq ueno trabalho de polimento? Ou diremosque a transformação se produz no momento em que aimagem aparece à consciência? Nesse caso, po r qu e repen

saríamos agora essa percepção renascente? Por que não a pe nsam os quando ela nos apareceu a primeira vez? Vê-seque Meyerson, semelhante nesse ponto a muitos psicólo

mas não soube po r que a fazia.O texto que acabamos de citar nos faz compreender 

claramente o que implica esta afirmação: “Há uma diferença de natureza entre percepção e imagem”. Meyerson,de certo modo, distinguiu na imagem a matéria e a forma. A matéria é o dado sensível. É também a matéria da

 pe rcep çã o. Mas ela rece be u um a ou tr a fo rm a, isto é, foi pen et ra da de razão. C ontu do, o fra casso de sua te nt at iv ade diferenciação mostra-nos que a forma não poderia ser suficiente para distinguir a imagem da percepção. Certamente veremos, mais tarde, que a intenção de uma imagem não é a de uma percepção. Cumpre ainda estabelecer que a imagem e a percepção não têm a mesma matéria.Reencontramos aqui o famoso problema aristotélico: é aforma ou a matéria que individualiza? No que se refere à

imagem, responderemos: tanto uma quanto a outra. Se,

como se pensa, a matéria da percepção é o dado sensível,é preciso então que a matéria da imagem não seja sensível. Se, de uma maneira qualquer, a estrutura psíquica“imagem” tem por base uma sensação renascente - mesmo racionalizada e recomposta - , torna-se radicalmenteimpossível, não importa como se proceda, estabelecer uma distinção qualquer entre a imagem e o real, entre o

universo da vigília e o mundo do sonho.

2 ) 0 problema das relações da imagem com o pensamento

A imagem, portanto, é quase universalmente considerada como tendo um conteúdo sensível, ou seja, possuium a m atéria impressiva idêntica à da percepção. Essa matéria exige do espírito uma parcela de receptividade; é umirracional, um dado. Admitindo, com Spaier, que “tomar consciência é constatar”, há, na base da imagem, algo queapenas é e que se deixa constatar. Esse é também, dirão, ocaso da percepção. Sem dúvida: mas, precisamente, o obje

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to percebido se opõe e se impõ e ao pensam ento; devemosl l d idéi d á

Ela demonstra uma mobilidade, uma transparência, uma

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regular por ele o curso de nossas idéias, devemos esperá- lo, fazer hipóteses sobre sua natureza, observá-lo. Será essaatitude possível e conservará um sentido quando se trata de uma imagem, isto é, de algo que se apresenta comoum auxílio ao pensam ento? A imagem serve para decifrar,compreender, explicar: mas será preciso primeiro decifrá-

la, compreendê-la, explicá-la? E como isso é possível? Por meio de u ma o utra imagem? A bem dizer, essas dificuldades, que saltam aos olhos, não poderiam ser evitadas, pois aimagem, que inicialmente se assimilou à percepção, é tam

 bé m pe ns am en to . Formamos imagens, construímos esquemas. E o que comp lica necessariamente a questão é que osautores em sua maior parte, após terem feito da imagemum objeto exterior, fazem dela, ainda por cima, uma idéia.Assim Spaier, após ter mostrado que era preciso recorrer ao

 ju ízo e m es mo ao racioc ínio par a dis tin gui r a im ag em da

 pe rcep ção, nã o teme escr eve r:“Não há, de um lado, imagens e, de outro, idéias: h ásomente conceitos mais ou menos con cretos.”

É verdade que, após ter tentado esclarecer a man eiracomo a imagem é elaborada e esquematizada pelo pensamento, ele insiste, paralelamente, na parcela de construçãoque encontramos na percepção exterior. Toda imagem ésignificação: mas isso porque toda percepção é juízo.

“(...) Não há sensações brutas como tampouco háimagens pu ras e, nesse aspecto, nada se opõe à identificaçãoda consciência, assim como de seus conteúdos mais sensíveis, com o pensam ento.”

Mas, em primeiro lugar, o fato de que conteúdos sensíveis sejam racionalizados pelo pensamento não significaevidentemente que esses conteúdos sejam idênticos ao pen

samento; m uito pelo co ntrário. Além disso, sob essas afirmações definitivas, adivinha-se um a flutuação das idéias: a imagem, para Spaier, não tem a mesma fun ção que a percepção.

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docilidade graças às quais se pode assimilá-la ao pen same nto jud ica tiv o e discurs ivo . M as, se é assim que a imagem é pensada, então a percepção não é um pen same nto. Com efeito, éseu con teúdo sensível que faz a exterioridade e a objetividadeda percepção. Como então admitir que o conteúdo sensívelaqui se oponh a à consciência e a obrigue a observar, a ter pa

ciência, a fazer conjecturas, enq uan to lá ele participa da fluidez, da mobilidade, da transparência do subjetivo? Em suma,se a imagem tem um conteúdo sensível, será talvez possível

 pe nsar  sobre ela, mas não se poderia pensa r com ela.Essa participação da imagem no sensível pode ser en

tendida de duas maneiras: como Descartes ou como Hume.Vimos que Descartes, por sua teoria da imaginação,

coloca-se no plan o psicofisiológico. Há um a alma e há u mcorpo. A imagem é uma idéia que a alma forma por ocasião de uma afecção do corpo. Se desembaraçarmos essa

concepção do vocabulário cartesiano, restará o seguinte: oscentros psicossensoriais pod em ser excitados po r um estímulo interior ou por um estímulo exterior. Chama-se deimagem o estado de consciência que corresponde ao primeiro tipo de excitação e de percepção o que correspon deao segundo. O funda me nto dessa tese é a afirmação de que ascélulas ou os grupos de células nervosas têm a capacidade dese recolocar, sob influências diversas, no estado em q ue umexcitante exterior as colocou - chame-se essa possibilidadede traço cerebral ou engrama. Mas, se for assim, a ordem de

aparecim ento das imagens na consciência será o resultado dotrajeto dos “espíritos animais”, ou seja, dependerá dos circuitos associativos e do trajeto do influxo nervoso. Em suma,é um determinismo fisiológico que regerá a sucessão dasimagens da co nsciência: essa ou aq uela representação surgirána consciência por ocasião do “despertar” desse ou daquelegrupo associativo. Mas, então, como p odere mos aprese ntar aimagem com o u m auxílio efetivo do pensamento?

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Descartes, que havia previsto a objeção, imaginavaé i d ti ê i fi i ló i iti i à

Mu ito bem, mas o que vêm a ser então as leis lógicas?S dú id d t t d i l l t bé li

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uma espécie de contingência fisiológica que permitiria àalma dirigir os espíritos animais à vontade. Vimos antes

que essa estranha teoria não é admissível. Resta a hipótese de um determinismo fisiológico integral. Nesse caso, aordem de aparecimento das imagens será, como Claparèdecompreendeu bem, regulada por u ma contigüidade real e

material: a dos “traços” cerebrais no espaço.1Mas então asucessão das imagens se verá regida por leis mecânicas e ob

 jet iva s. A im ag em to rn a- se um a pa rte do un iver so exter ior.Certamente se trata, antes de tudo, de um ato psíquico. Porém, esse ato corresponde rigorosamente a uma modificação fisiológica. Em outras palavras, devemos esperar nossas

imagens como esperamos os objetos: esperar a imagem dePedro como espero meu amigo Pedro em pessoa. O quevem a ser então o pensam ento? Pois bem, ele está precisamente diante das imagens assim como diante da percepção:

é o que não é imagem , o que não é percepção. Só que ele não pod e ch am ar as imag en s em seu aux ílio ; n ão pod e ta m pouco cha mar u m objeto exterior. Se aceitamos essas premissas,torna-se necessário aceitar tamb ém as observações de James(que, aliás, Claparède cita em seu livro): não se pod e adm itir que o pen samento de um a semelhança faça surgir, por ocasião de uma percepção, u m a imagem que se assemelhe a essa

 perce pção. Em vez disso, a co nt igüida de mecân ica faz surg ir 

a imagem ao mesmo tempo q ue a percepção ou que a imagem considerada, e é somente então que o pensamento pode

constatar a semelhança. Em suma, o pensamento não podeservir de tema dominante, em torno do qual se organizariamimagens, como ferramentas, aproximações. O pensamento é

rigorosamente reduzido a uma única função: captar relaçõesentre dois tipos de objetos, os objetos-coisas e os objetos-imagens. Como diz Alain em um sentido não muito diferente: “Não se pensa o que se qu er”.

1. Claparède,  L ’associ atio n d es idées , 1903. (N.A.)

Sem dúvida pode-se tentar reduzi-las, elas também , a ligações associativas. Nesse caso, de uma forma ou de outra,reencontramos o associacionismo de Taine. Contudo, sedevemos manter a existência de um pensamento autônomo, som os obrigados a reduzi-lo ao simples juízo imediato,afirmando, no instante, essa ou aquela relação entre duas

 pe rcepções, du as imagens, ou um a im ag em e um a per ce pção, que apareceram fora dele e como que a despeito dele.Quem reconhecerá nesse pensamento mutilado, acidentado, claramente detido em seus desenvolvimentos por aparições sempre novas e sem relações lógicas entre si, quemreconhecerá a faculdade de raciocinar, de conceber, deconstruir máquinas, de realizar experiências mentais, etc.?

Há uma única maneira de sairmos da dificuldade: éaceitar o paralelismo integral dos modos da extensão e dosmodo s do pensam ento. Nesse caso, afecções corporais cor

responderão também ao pensamento lógico, e nada poderia imped ir que, por um mecanismo p uram ente fisiológico,essas novas afecções provocassem o “despertar” de traçosque corresponderiam a imagens. Assim, poderíamos admitir um pensam ento que escolhe imagens e modifica, emuma certa medida, a ordem de aparecimento delas. Pelomenos não haveria mais impossibilidade do ponto de vis

ta do mecanicismo. Mas não escapa a ninguém que o paralelismo integral só é aceitável na metafísica de Spinoza.Com efeito, se devêssemos compreender esse mecanismocorporal como dirigindo e explicando a sucessão dos fatos ps íqu icos , a es po nt an ei da de da co nsciên cia de sapa receria, as leis lógicas se reduziriam a ser apenas símbolos deleis fisiológicas: cairíamos no epifenomenismo. É preciso, po is, ent end er esse pa rale lismo de um m od o be m di fe rente, isto é, como Spinoza não se cansa de repetir, que um pen sa m en to de ve rá ser ex pli cado por um pen sa m en to eum movimento por outro movimento. De modo que, ao

100 101

menos em psicologia, esse paralelismo, por querer explicar tudo não explica absolutamente mais nada Vale dizer que

ver os conteúdos sensíveis da percepção: ele quer c om por od d iê i i d i l t úd

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tudo, não explica absolutamente mais nada. Vale dizer queé preciso estudar o domínio da consciência em termos deconsciência e o domínio do fisiológico em termos fisiológicos. Em suma, por termo s buscado u m sistema mecânicoque explicasse o poder organizador do pensam ento, somosreenviados à consciência e obrigados a formular a questão

em termos estritamente psicológicos. Ê impossível ater-se aodualismo cartesiano, cum pre aba ndo nar todas as explicações

 pe los tr aços , pelas cont igüid ad es nervosa s, etc. Pode -se a dm itir, se quiserem, que a cada imagem, que a cada pensame ntocorrespond e uma afecção corporal, mas precisamen te por isso o corpo nada explica e é necessário considerar a relação do

 pe ns am en to co m a im agem tal co mo apare ce à consciê ncia.Somos assim levados, por necessidade, a considerar 

a participação da imagem no sensível a partir do segundo pon to de vis ta, ist o é, à man ei ra de Hum e. No ponto de

 par tid a, H um e nad a sab e d o co rpo. Ele par te - ou ac redi ta par ti r - do s d ad os im ed ia tos da ex pe riênc ia: há impr essõesfortes e impressões fracas. As segundas são imag ens e só sediferenciam das primeiras em intensidade. Superamos, po r essa conversão, as dificuldades que havíamos encontradono início? Acreditamos que não: gostaríamos de mostrar que elas não se devem ao ponto de vista escolhido, mas àconcepção da imagem com o um conteúd o sensível.

De fato, a primeira característica das “impressões” deHum e é sua opacidade. E é essa opacidade que lhes constitui a qualidade de sensível. Nada mais verdadeiro, aliás,quando se trata das percepções. Afinal, há na cor amarela deste cinzeiro, na rugosidade deste pedaço de madeiraalgo de irredutível, de incompreensível, de dado. Esse dadorepresenta não apenas a parte de opacidade, mas tambéma parte de receptividade da percepção. Opacidade e receptividade, aliás, que não são mais que as duas faces de umamesma realidade. No entanto, H um e não se limita a descre

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m und o da consciência por meio desses simples conteúdo s,isto é, ele duplica a ordem da percepção po r um a orde m dasimagens, que são esses mesmo s conteú dos sensíveis em umgrau m eno r de intensidade. Assim, as imagens do associa-cionismo representam centros de opacidade e de receptividade. A cor amarela deste cinzeiro, quando renasce a título

de impressão enfraquecida, conserva seu caráter de dado:  pe rm an ec e um irred ut ível, um irr ac iona l. Ante s de tu do, e

 pr ec isam en te p orq ue é pass ivi dade pu ra , ela co nt in ua send oum elemento inerte. O que se deve entender por isso? É queela não p oderia enc ontrar em si, na intimida de de seu ser,a razão de seu aparecimento. Não poderia, por si mesma,

renascer ou desaparecer. É preciso que ela seja evocada oureprimida por outra coisa diferente dela. Mas essa “outracoisa” não pode ser uma espontaneidade sistematizadora.Afinal, uma espontaneidade não poderia conter partes de

 passi vidade . Ela é inte iram en te at iv idad e e, p o r co ns eg ui nte, translúcida a si mesma - ou n ão é espontaneidade. Narealidade, a afirmação de conteúd os sensíveis nos transpo rta a um mu ndo de exterioridade pura, isto é, a um mund ono qual conteúd os inertes são determinados em seus modosde aparecimento por outros conteúdos igualmente inertes,um mundo no qual todas as mudanças, todos os impulsosvêm do exterior e permanecem profundamente exterioresao conteúdo que eles animam. Eis por que as grandes leisdo associacionismo deviam conter, cada qual, como que

uma afirmação implícita do princípio de inércia. E é o quenão deixam de fazer: o que é a lei de semelhança senãoafirmação de ligações de exterioridade entre os conteúdo; ps íqu ico s? De fa to , é um ac iden te pa ra Pe dro se r p are cid ccom João. O que é, sobretudo , a lei de contigüidade senãca tradução pura e simples do princípio de inércia em ter mos psicológicos? De acordo com essa última lei, o únicc pr in cí pio de ligação en tre do is co nteúdos é o en co ntro, c

10:

contato. Assim, todo conteúdo de consciência é, de certod t i i h f

a consciência a uma coleção de conteúdos inertes ligadosl õ d t i id d P t t

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mo do, exterior a si mesmo: u m choque o faz aparecer, umchoque o reprime fora da consciência. Vemos agora o queé a consciência para o associacionismo: é simplesmente o

m und o das coisas. Com efeito, existe apenas um mu ndo deexterioridade, o mundo exterior. Entre esta bola vermelha

e a percepção desta bola não há diferença. Esta bola é um

corpo inerte que permanece imóvel enquanto nenhumaforça vem com unicar-lhe um mov imento, mas que persisteao infinito em seu m ovimen to se nada vier freá-la. A per

cepção desta bola é um conteúdo inerte que não poderiaaparecer sem ser impelido ao centro da consciência po r algum outro conteúdo, mas que, um a vez aparecido, perma

necerá indefinidamente presente se nada v ier reprimi-lo. Écom razão que Laporte pôde com parar Hum e aos neo-realistas. Tamb ém para estes existem apenas objetos que m antêm entre si relações externas: a consciência não é mais que

um a coleção desses objetos considerados do po nto d e vistade um certo tipo de relações (as leis de associação). Mas

nesse caso, dirão, que diferença há entre a lei de contigüi-

dade tal como a entende D escartes e a mesm a lei tal comoa apresenta o associacionismo? Responderemos: nenhu ma.

A lei de contigüidade cartesiana diz respeito aos traços ce

rebrais. A contigüidade é entendida no sentido espacial erepousa expressamente sobre o princípio de inércia. A leide contigüidade associacionista deriva também do princí

 pi o de inércia e, em bo ra nã o seja es tr ita m en te en te nd id a n o

sentido espacial, implica do mesmo modo exterioridade econtato . Só que, em Descartes, as ligações associativas se estabelecem entre as marcas deixadas pelos objetos, ao passoque, em H ume , elas se dão entre os próprios objetos.

Mas Hume é perfeitamente lógico: seu sistema deveser aceito ou rejeitado em bloco. Tend o estabelecido que os

elementos da consciência são naturezas passivas, ele aplicou o princípio de inércia ao domínio psíquico e reduziu

104

 p o r rel ações de ex te rio rid ad e. P or ta nt o , pa rece qu e um a ps ico log ia qu e se pr et en de “si nt ét ica” e qu e af irm a a ex is

tência, no seio da consciência, de um a espo ntaneidade de

veria renunciar expressamente a todas as teses de Hume. Nat ur al m en te , se ria prec iso ac ei tar a ex ist ên cia de co n te ú

dos sensíveis na percepção. Mas se reconheceria, por esse

mesm o fato, que a ordem de sua sucessão é rigorosamenteindependente da consciência. E, realmente, não tenho o poder de ve r u m ch ap éu ne ste ca bi de ou u m pi an o no l ug ar da poltrona. O aparecimen to dos conteúdos sensíveis, po r

tanto, continuaria sendo regido por um certo tipo de associação. É o que Husserl exprime ao dizer que o princípio

da ligação dos co nteúd os sensíveis é a gênese passiva por as

sociação, cuja forma essencial é o escoam ento tem poral.1Aconsciência psicológica2 não po deria dirigir essa sucessão;

 po ré m , já que to da c on sc iênc ia é ato, ela a “constata”, como

diz Spaier. Com essa constatação, cujas estruturas devemser o objeto de uma descrição especial, surge a percepção

do mundo exterior.Mas seria de esperar, quando se volta às imagens, que

a psicologia de síntese rejeitasse expressamente sua origemsensível e sua assimilação a “impressões fracas”. Das duas,uma: ou elas continuam sendo conteúdos inertes, e nesse

caso é preciso limitar o pape l da espon taneidade à apercep-ção de relações entre imagens que se evocam umas às ou

tras pelas leis de associação, ou se afirma que a consciência

é organização, sistematização, que o escoamento dos fatos ps íqu ico s é regido por tem as di re tore s, e nesse cas o a im a

gem não pode mais ser assimilada a um conteúdo de opacidade receptiva. Assim, nad a ganh amos ao passar ao planoda psicologia pura: ao contrário, a necessidade de escolher 

1. Cf. a descrição dessa gênese passiva em  Me dit açõ es c arte sian as. (N.A.)

2. A ser distinguida, segundo Husserl, da consciência absoluta ou fenomeno-  

lógica. (N.A.)

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mostra-se mais premente; nã o se poderia mais buscar refu Ele não chega ao ponto de inventá-la, mas ela é implicada

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gio em escapatórias psicofisiológicas.

Ora, os psicólogos de síntese não escolheram. Certamente, afirmam que todo estado de consciência é síntese,que o tod o dá seu sentido e seu valor às partes, que o pen same nto dirige e escolhe suas imagens. Mas eles conservam a

 base sens íve l dessas im ag ens: nã o é p rec iso mais pa ra falsear 

radicalmente sua psicologia.Se são estabelecidos conteúdos sensíveis, é preciso

ligá-los, de uma forma ou de outra, por leis de associação, po is são as ún ica s qu e co nv êm à iné rci a. E, na ve rdad e, hámuito poucos psicólogos que neguem absolutamente asleis de associação. Como parece tão certo que  pertencem ao

dado sensível, elas são conservadas em um plano inferior,o plano do sonho, da distração, da “baixa tensão”. Mas, ao

mesmo tempo, admite-se uma harm onia constante entreas imagens atualmente presentes na consciência e os temas

diretores atuais do pensamento. Como isso é possível?É que o pensamento, dizem, escolhe suas imagens.

Mas como pode se operar essa escolha? Há suspensão dasleis de associação, ou o pensamento as utiliza em seu proveito? Assim, o problema que era colocado pela fisiologia

cartesiana reaparece por inteiro no plano da psicologia pu ra . H á po uc o pe rg un táv am os : co m o pod e o pe ns am en to dirigir os espíritos animais, utilizar em seu proveito a

contigüidade cerebral? Agora colocamos a m esma questãoem termos não m uito diferentes: como p ode o pensamen to

dirigir as associações, utilizar em seu proveito a contigüidade psicológica? Está bem entendido que o pensamento

não cria suas imagens. Com o pod eria essa espontaneidadecriar o inerte, como poderia essa transparência pro duzir oopaco? É preciso, pois, que ela vá buscá-los. Aqui, naturalmente, um reservatório de conteúdos inertes é concebido

 par a as ne ces sid ades da cau sa: o in co ns cien te . E vimos o pro ble m a qu e H um e en fr en ta pe la au sênc ia de ssa no ção.

 por to da a sua psico log ia. Os au to re s m ode rn os faz em umgrande uso dela. Mas esse inconsciente no qual conteúdos

inertes existem como coisas, isto é, sem serem conscientesde si ne m  pa ra ou tre m , no qual dados opacos mantêm entresi apenas relações de contato ou de semelhança, não é claro que esse inconsciente é um meio espacial rigorosamente

assimilável ao cérebro?Portanto, só as palavras mudaram. E se dizem em

seguida que o pensamento vai buscar as imagens, a conseqüência é inevitável: transforma-se o pensam ento n um aforça material. A confusão se faz por m eio de um a analo

gia: no mundo exterior se encontram, do mesmo modo,objetos inertes. Mas posso pegá-los, mudá-los de lugar,tirá-los de ou recolocá-los numa gaveta. Parece, pois, quese pode conceber um a atividade que é exercida sobre dados

 passiv os. Mas é fácil, aq ui , rev ela r o er ro : se po sso lev an

tar este livro ou esta xícara, é na medida em que sou umorganismo, ou seja, um corpo submetido às mesmas leisde inércia. O simples fato de eu poder opo r me u polegar ameus qu atro outros dedos nu m gesto de preensão supõe játoda a mecânica. A atividade aqui é somente uma aparência. É impossível dar ao pensamento um poder de evocação sobre os conteúdos inertes sem ao mesmo tempo ma-terializá-lo. Transformar esse poder positivo de evocaçãonum poder negativo de seleção resolve a dificuldade apena s

aparentemente. De fato, afastar supõe uma força material

de preensão, uma ação por contato, assim como evocar. Contudo, dirão, você se deixa enganar por uma imagem:

quand o se diz que o pensam ento evoca, afasta, que a consciência seleciona, fala-se no sentido figurado. Sem dúvida,mas queremos saber o que há  po r trás dessas imagens. Seas palavras são metáforas, que nos façam compreender a

realidade que se oculta sob as palavras. Mas é evidente quenão há nada sob as palavras, por trás das imagens, porque

107

não pode haver nada. Chama-se de espontânea uma existência que se determina p or ela mesma a existir Em outros

 pe ns am en to dessa imagem . H oe rn lé, co mo v imos , d ist ingu e

a imagem e sua significação - a coisa “imagem” e o que a

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tência que se determina p or ela mesma a existir. Em outrostermos, existir espontaneamente é existir para si e por si.Um a única realidade merece assim o n ome de espontânea:

a consciência. Para ela, existir e ter consciência de existir é a mesma coisa. Ou seja, a grande lei ontológica da consciência é a seguinte: a única maneira de existir para uma  

consciência é ter consciência de que ela existe. Segue-se evidentemente que a consciência pode determinar-se ela pró

 pria a exist ir, mas nã o po der ia te r ação so br e outr a coisaque não ela mesma. Pode-se formar uma consciência por ocasião de um conteúd o sensível, mas não se pode agir pelaconsciência sobre esse conteúdo sensível, isto é, tirá-lo donada - ou do inconsciente - ou enviá-lo de volta ao nada.Portanto, se a imagem é consciência, ela é espontaneidade

 pu ra , ist o é, co nsciência de si, tra ns pa rênci a par a si, e sóexiste na medida em que se conhece. Portanto, ela não é

um conteúd o sensível. É absolutamente inútil representá-lacomo “racionalizada”, como “penetrada de pensamento”.É preciso escolher: ou ela é inteiramente p ensam ento - e

então se poderá pensar  po r imagem; ou é con teúdo sensível- e nesse caso se pode rá pensar  po r ocasião de uma imagem.Mas, no segundo caso, a imagem torna-se indepen dente daconsciência: ela aparece à consciência, segundo leis que lhesão próprias, mas não é consciência. E então essa imagemque se deve esperar, decifrar, observar, é simplesm ente um a  coisa. Assim, todo conteúdo inerte e opaco se coloca, pela

necessidade de seu tipo de existência, entre os objetos, istoé, no m und o exterior. É um a lei ontológica a de que há somente dois tipos de existência: a existência como coisa domu nd o e a existência como consciência.

O que vai mostrar claramente que a imagem, transformada em “conteúdo sensível”, é rejeitada fora do pensamento é o fato de que os psicólogos contemporâneos aceitarãoimplicitamente uma distinção radical entre a imagem e o

108

a imagem e sua significação a coisa imagem e o que a

imagem é para o pensamento . Do mesm o m odo Spaier:“Nossa atenção não se dirige para o objeto da intui

ção sensível (para a imagem ou a percepção), mas para a

significação.”Eis aí, portanto, a imagem afirmada como objeto in

dependente, apreendida pelo pensamento de uma formaou de outra, mas que existe em si de um modo diferente

do q ue ela é para a consciência. Spaier dá um exemplo queconserva um valor indiscutível para a percepção: vejo um

sorriso (as comissuras dos lábios se mexem, as narinas se

dilatam, as sobrancelhas se levantam, etc.) e  percebo um a

benevolência. Mas o que devemos en tender p or isso? É que

existe uma certa coisa, fora de mim, que é um rosto. Esserosto tem uma existência própria, ele é o que é, tem uma

quantidade infinita de aspectos; além disso, contém uma

infinidade de detalhes que não posso ver (os poros, as células). O conhecim ento desse rosto requer um a aproximação

infinita. Portan to, ele é infinitamen te mais rico do que m e

aparece. Daí a necessidade de esperar, de observar, de enganar-se. Porém , já que a assimilação da imag em pela per

cepção é feita explicitamente no texto qu e citávamos antes,

temos o direito de aplicar palavra por palavra, à imagem de

um rosto que sorri, a descrição que acabamos de fazer. O

rosto que renasce em imagem deve ter também seus poros,suas células, sua multiplicidade de aspectos. Conseqüente

mente, pois é isso que define a transcendência d a coisa, eletambém é uma coisa. Só que apreende mos essa coisa comosignificação. Portanto, se quisermos sair de dificuldades insolúveis e afirmar a imagem com o fato de consciência, tere

mos de renun ciar a distinguir o que ela é do que ela parece,

ou, se preferirem, afirmar que o modo de ser da imagem é

exatamente seu “parecer”.

109

Podemos concluir. Toda teoria da imaginação deveti f d i ê i j tifi di i i ã

 palavras e das ima gen s, e ac abou-se po r de sco bri r n a l ingu a

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satisfazer duas exigências: justificar a discriminação es pon tâ ne a qu e o es pí rito op er a en tre suas im ag en s e sua s pe rcep çõ es e expli car o pa pe l qu e a im ag em de se mpe nh anas operações do pen samento. Q ualquer que seja a formaque tenha tomado, a concepção clássica da imagem não

 pô de cu m pri r essas du as tare fas essencia is: da r à im agem

um conteúdo sensível é fazer dela uma coisa que obedeceàs leis das coisas e não às da consciência: retira-se assim doespírito qualquer possibilidade de distingui-la das outrascoisas do mundo. Torna-se impossível, ao mesmo tempo,conceber a relação dessa coisa com o pensamento. De fato,

se subtraím os a imagem à consciência, tiramo s desta últimatoda a sua liberdade. Se a fazemos entrar na consciência,todo o universo entra com ela e a consciência prontame ntese solidifica, como uma solução supersaturada.

Compreende-se assim a ofensiva que vimos delinear-

se, antes da guerra, con tra a imagem. Ela impede de pensar, já d izi am Bi ne t e vár ios psi có log os d e W ür zb ur g. Out ro s fo ram mais longe: se a image m só pod e existir sobre as basesde uma revivescência sensorial, somos obrigados a aceitar o associacionismo, a psicologia atomística, a justaposiçãodos conteúdos do pensamento. A imagem é um ser de razãoque só po dia con vir à época das localizações cerebrais. Juntamente com as hipóteses de Broca, de Wernicke, ela devedesaparecer: não há lugar p ara ela em u m a psicologia desíntese. Mo utier, discípulo de Marie, escreveu em 1908:1

“O grande erro, na questão das imag ens, foi crer nestascom o em realidades. Perdeu-se de vista sua existência inteirame nte hipotética, convencional, e aos poucos acabou-se po r destacá-las da palavra e da idéia. Acabou-se po r adm itir nocérebro imagens sem palavras, sem idéias, sem nenh um atri

 bu to , imagens p uras. Opu se ram -se as im agens das pala vrasàs palavras propriam ente ditas, as idéias foram separadas das

1. Moutier,  L ’Ap ha sie de B roca , cap. VII: “Des images verbales». (N.A.)

gem interior três m aneiras de ser: por palavras, por imagen;das palavras, por idéias puras. Há imagens assim como hé  substância pensante; são ‘realidades metafísicas’ que não correspondem a nenhum a experiência.”

Essa concepção, que representa, em suma, o espiritede síntese inteiramente puro, recusa-se a considerar elementos isolados na vida psíquica. Mas ela permanece bastante obscura: em primeiro lugar, estamos no terreno incerto da psicologia fisiológica; fala-se de imagens e de idéia“no cére bro”. E não sabemos o que isso quer dizer. Trata-side uma hipótese fisiológica que apresenta o cérebro comium órgão que funciona como o coração ou o fígado na unidade de uma síntese biológica? Trata-se de uma teoria psicológica relacionada à indivisitúlidade do estado psíquicoTrata-se das duas ao mesmo tempo? Além disso, em qumedida se nega a realidade da imagem? Deve-se entende

que a imagem é uma “realidade metafísica”, um “abstrato” à maneira do indivíduo para alguns sociólogos? Nesscaso, caberia compreend er simplesmente que ela não ter realidade func io na l, que ela nunca é independente. Mas ei:tão reencontraríamos o ponto de vista de Spaier. Deve-screr em um a negação radical da imagem co mo estrutura dconsciência? Ou será sempre a imagem-traço de Broca quM outier quer rejeitar? Na verdade, Moutier não é um pscólogo: o que ele defende contra as tendênc ias analíticas cum Broca ou de um Taine é a unidade do ser vivo. E, sei

dúvida, há aí um progresso, mas é somente um progressde método. Moutier, assim como Taine, não se preocuf com o testemunho direto da consciência. Ele deduz sua n<

gação da im age m de prin cípio s gerais e abstratos. Taine esc<lheu a imagem como princípio único de explicação porqiele tentava constituir uma psicologia científica a partir cmodelo da física. Moutier, do mesmo modo, porque a bi<logia nascente introduziu a idéia de síntese orgânica e po

I

que, mais avisado que Ribot, percebe que a idéia de sínteseé incompatível com a de átom os psíquicos, rejeita a imagem

menor atenção nos certifica disso. Mas, nesse caso e certam ente em todos, o juízo falso é auxiliado pela voz mesm a, e

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p p q , j g

como “entidade metafísica”, sem tampouco examinar os dados concretos. Nos dois casos, o proced imen to é o me sm o.1

E sua teoria do conhecimento e do juízo que conduz

Alain a toma r, diante da imagem, um a atitude de negaçãoradical:

“Que conservamos na memória cópias das coisas eque pode mo s de certo mo do folheá-las é uma idéia simples,cômoda, mas um tanto pueri l .”2

A imagem não existe, não poderia existir: o que chamam os com esse nom e é sempre um a falsa percepção.

“Em todo fato de imaginação, reencontraremos trêsespécies de causas: o mundo exterior, o estado do corpo eos m ovimentos.”3

Mas toda falsa percepção é um falso juízo, pois perceber é julgar. Um a mu ltidão, em M etz, acreditou ver um

exército nas vidraças de uma casa. Ela acreditou vê-lo, mas

não viu. Não havia ali exército, apenas linhas, cores, reflexos. Não havia tampo uco “representação” de exército nosespíritos. H ouve apenas projeção de imagem n a vidraça, nãohouve fusão de uma lem brança com os dados da percepção.O medo e a precipitação levaram a julgar depressa demais,a interpretar mal.

“Quando imaginamos uma voz nas batidas de um relógio, sempre ouvimos apenas uma batida de relógio, e a

1. É também por razões de ordem metodológica e, n o fundo, metafísica que os 

behavioristas negam a existência das imagens: "Eu gostaria de rejeitar comple

tamente as imagens”, diz Watson, “e mostrar que todo pensam ento se reduz  

naturalmente a processos sensório-motores que têm sua sede na laringe”. Cf.  

 Be hav ior , 1 vol., e Image and affection in beh avior, Jo urn al of Ph ilo sop hy , julho de 1913. (N.A.)

2. Système des Beaux-Arts, p. 22. (N.A.)

3. Quatre-vingt-un chapitres sur Vesprit et les passions, p. 41. (N.A.)

112

, j p ,a voz cria um objeto novo que substitui o outro. Aqui for

 ja mos a c ois a i mag inad a; forja da , ela é real po r isso mes m o

e percebida sem a meno r dúvida.”'“(...) Uma emoção forte é sentida e percebida, inse

 pa ráv el do s m ov im en to s c or po ra is , e ao m es m o te m po (... )

uma crença verossímil, mas antecipada e finalmente semobjeto, produziu-se; o conjunto tem o caráter de uma es

 pe ra ap aixo na da , im ag inár ia , em um ce rto se nt id o, mas

mu ito real pelo tum ulto do corpo... Portan to, desordem nocorpo, erro no espírito, uma coisa alimentando a outra, eis

aí o real da imaginação.”O que expusemos nas páginas precedentes permite,

acreditamos, com preende r a posição de A lain, racionalistacartesiano. Alain aceita, como Descartes, o postulado inicial da identidade fundamental das imagens e das percep

ções. No entanto, sendo um pensador mais profundo emais escrupuloso que os psicólogos dos quais tentamos a

crítica, ele imediatamen te percebe as contradições q ue daíresultam. É absurdo pretender que existam imagens totalmen te semelhantes às percepções e pens ar em seguida quese pod erá distingui-las. Todav ia, ao aceitar a idéia de que os

 pro duto s da im ag inaç ão se di st in gu em do s ob jet os da per cepção como o erro se distingue da verdade, não é possível re

solver o problem a invertendo a posição? Distinguir imageme percepção pelos critérios externos do verdad eiro e do falso é afirmar necessariamente que toda percepção falsa é ima

gem. É assim, como vimos, que procede Spaier. Contudo,nesse caso, resta o famoso “conteúdo sensível” renascen-

te, que não se poderia explicar. Por que não dizer, em vezdisso, partindo dos mesmos princípios, que toda imagem  

é  percepção fa lsa i Nesse caso, a “sensação renasce nte” nãotem mais razão de ser: não há outros dados sensíveis senão

1. Système des Beaux-A rts, p. 16. (N.A.)

113

os que são fornecidos atualmente por minha percepção.

Porém, conforme julgo verdadeiro ou falso, constituo esses

num devaneio, isso não du ra mais que a som bra de umandorinh a. Logo um a impressão viva me traz de volta às co:

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dados como objetos reais ou como fantasmas. Esses fantasmas são precisamente as imagens. Naturalmente, há vários

tipos de imaginação. Um a, voltada para fora, consiste em juízos falsos sobre os objetos exteriores. A outra, voltada paradentro, “desvia-se das coisas e fecha os olhos, atenta princi

 pa lm en te a os m ov im en to s d a vida e às fr acas im pre ssõ es q uedeles resultam”. O objeto real que o juízo falseará por umaexcessiva precipitação, por paixão, é o dado cinestésico —ou,ainda, inúmeras percepções fugazes: imagens comp leme nta

res, manchas entópticas. Nunca há, portanto, representações

independentes com um conteúdo próprio e uma vida autônoma: u ma im agem não é senão uma percepção falseada.

Por conseguinte, não temos mais necessidade de colocar a questão do “m odo de encadeam ento” das imagens.

 Não há ass oc iaç ão de idé ias ne m sele ção ope ra da pe lo pen

samento, já q ue nã o h á m ais conteúdo s sensíveis revives-centes. Julga-se a partir dos con teúdo s sensíveis presentes eestes se sucedem como o exigem as leis do mundo.

“Nossos sonhos nos vêm do m undo , não dos deuses.”O pensam ento é juízo espontâneo - verdadeiro ou

falso —sobre os dados atuais do m und o exterior e do corpo.

Reencontramo s aqui a concepção que assinalávamos anteriormente e que limita o pensamento ao juízo. Porém, enquan to antes esse pensam ento judicativo era emb araçado esacudido pela dupla sucessão das imagens “sensíveis” e das

 pe rcep çõ es , Alai n o lib er ta da ord em da s im ag en s: ele est ásó diante do m und o e regula-se a partir deste.

“Não se pensa como se quer. O que faz acreditar quese pensa como se quer é que as idéias que vêm ao espíritode um h om em são quase sempre as que convêm às circunstâncias. Se passeio pelo porto, o c urso de m inhas idéias nãodifere muito da sucessão das coisas que vejo, guindastes,montes de carvão, barcos, vagões, tonéis. Se às vezes entro

sas presentes; e, enquanto cuido de minha conservação, er meio a essas massas que sobem, descem, giram, rangem e sentrechocam, minha atenção se vê assim disciplinada e fixem me u espírito relações verdadeiras entre as coisas reais.

“Mas de onde vêm esses vôos de devaneios que atn

vessam de quando em quando minhas percepções? Se e pr oc ur as se be m , en co ntrar ia qu as e se mpr e um ob jet o re;que vi apenas por um instante, um pássaro no ar, uma ái  

vore ao longe ou o semblante de um homem, por um mcmen to voltado para mim e despejando a meus pés, no ten

 po de um re lâmpa go , u m ric o ca rreg am en to de espe ranç ade temores, de cóleras. Nossos pensamentos são copiadcdas coisas presentes e nossa capacidade de son har n ão v;

tão longe quanto dizem.“Lem bro-m e de que falava dessas coisas com u m amig<

Caminhávamos ao acaso em meio a um bosque. Ele me pe

guntava se não éramos capazes de extrair tesouros de nós memos, como de um cofre, sem o auxílio de uma coisa preseite. Naquele mo m ento, veio-m e ao espírito a palavra ‘Byrrf que certamen te não tinh a relação alguma com as árvores e ( pás saros. Diss e isso a ele. Disc or remos a re spe ito . Aproxim;vamo-nos de uma espécie de casebre, em parte coberto pefolhagem; assim que voltei meu olhar para lá, vi um carti

 preg ad o n a janela ... n o q ua l se lia a pa lav ra ‘Bi rrh ’.”1A teoria de Alain é expressamente concebida para ev

tar as contradições que enumeramos ao longo do presen

capítulo. E cump re reconhec er que ela atinge seu objetivmas o faz aban dona ndo a noção de imagem. N ão se poder encontrar melhor conclusão para nossa exposição críticse assimilamos a imagem mental à percepção, a imagedestrói-se ela própria; e somos con duzidos, com o Alain,

fazer um a teoria da imaginação sem imagens.

1. Les Pr opo s d ’A la in , N.R.F., 1.1, p. 33. Po dem ser lidas considerações análoj 

no livro do Dr. Pierre Vachet,  La p en sé e q ui g uér it. (N.A.)

114 1

É possível contentarmo-nos com isso? Acreditamosque não: essa teoria, conc ebida a priori como as outras, não

existência intermediária entre as asserções falsas do sonhoe as certezas da vigília: e esse tipo d e existência é ev idente

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se ajusta aos fatos. Por n ão ter se referido ao testemu nho daconsciência, Alain, ao suprimir a imagem, concede à imaginação muito e pouco ao mesmo tempo.

Muito: para ele, a imaginação é necessariamente umacrença em um objeto falso. Passeio, à noite, por um ca

minho escuro. Sinto medo; meu medo precipita meu juízo e tomo um tronco de árvore por um homem: eis aí aimaginação de Alain. Uma vez que é juízo, ela envolve por natureza um a afirmação de existência, e a distinção in troduzida por esse filósofo entre a imaginação voltada paradentro e a que se volta para fora não p oderia m odificar issoem nada. De modo que o objeto imaginário começa por ser afirmado com o ob jeto real. A imaginação apresenta-secomo uma série de pequenos son hos instantâneos seguidosde bruscos despertares. E esse caráter  afirmativo do pen

samento imaginativo é talvez ainda mais nítido em Alaindo que nos psicólogos que admitem um conteúdo sensívelrenascente n a base das imagens. Nestes, o juízo - se existecomo espontaneidade autônom a - pode colocar-se diante da imagem. Podem os exercer a epoché [suspensão do juízo]estóica, abster-nos. Ne m por isso a imagem desaparecerá,

 já qu e é prim ei ra m en te co nt eú do sensíve l. Ela p erm an ec er ácomo um irreal e assumirá então seu caráter essencial, queé precisamente a não-existência. Para Alain, ao contrário, oelemento con stitutivo do ato imaginativo é o juízo. É pre

ciso, pois, escolher: ou estamosno

ato imaginativo e então percebemos falso; ou despertamos, estamos  fora do ato deimaginação, corrigimos nosso juízo, e então não há mais

ficção, há o real, o juízo verdadeiro. Sonho e despertar, digamos. Mas o devaneio, justamente, não é o sonho: o homem que se deixa levar por ele conta-se histórias nas quais não acredita e que, no entan to, são algo diferen te de simples

 ju ízo s ab str ato s. Existe aí u m tip o de af irm aç ão , um tip o de

116

g pme nte o das criações imaginárias. Fazer dessas criações atos

 judi ca tiv os é co nc ed er de mais a ela s.1Mas é também não lhes dar o bastante. É preciso, po

rém, voltar aos da dos da consciência: existe um fa to “imagem”e esse fato é um a estrutu ra irredutível da consciência. Quan do

evoco a imagem de meu am igo Pedro, não faço um juízo falso sobre o estado do meu corpo, mas meu amigo Pedro meaparece, certamente não me aparece como objeto, como atualmente presente, como “aí”. Mas me aparece em imagem. Éverdade que, para formular o juízo “tenho uma imagem dePedro”, preciso passar à reflexão, isto é, dirigir minha atençãonão mais ao objeto da imagem, mas à própria imagem, comorealidade psíquica. C ontud o, essa passagem à reflexão não altera de modo algum a qualidade posicionai da imagem. Nãoé um despertar, uma correção; não descubro de repente que

formei uma imagem. Muito pelo contrário, no mom ento emque faço a afirmação “tenho um a imagem de Pedro ”, dou-m econta de que sempre soube que era uma imagem. Só que eu osabia de uma outra forma: em u ma palavra, esse saber coincidia com o ato pelo qual eu constituía Pedro em imagem.

A imagem é uma realidade psíquica certa; a imagemnão poderia, de man eira alguma, reduzir-se a um conteúdosensível, nem constituir-se sobre a base de um conteúdo

sensível: tais são, pelo menos é o que esperamos, as constatações que se impõem ao final desta exposição crítica. Sequisermos ir mais longe, teremos de voltar à experiência edescrever a imagem em sua plena concreção, tal como apa

1. Talvez se objete que existem juízos de probabilidade ou de possibilidade.  

Mas isso não é uma solução. Dizer “o que vejo ali é talvez um homem” e  

imaginar um corpo de ho mem durante um devaneio é efetuar duas operações 

evidentemente m uito diferentes. A tese de Alain implica, aliás, uma concepção  

do ato perceptivo que não é aceitável, como já mostramos. (N.A.)

117

rece à reflexão. Mas como evitar os erros que assinalamos?Nem o m ét od o ex pe rim en ta l de W ür zb ur g ne m a pura e

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 Nem o m ét od o ex pe rim en ta l de W ür zb ur g, ne m a pura esimples introspecção poderiam nos satisfazer: vimos queeles não podem afastar os preconceitos metafísicos. Nãoexiste aí um a im possibilidade radical?

Mas talvez o erro não se introduza no próprio ato reflexivo. Talvez ele apareça no nível da indução, quando, a

 pa rt ir dos fato s, se es tab ele cem leis. Se fo r ass im, ser á qu ese poderia c onstitu ir um a psicologia que, sem deixar de ser uma psicologia de experiência, não fosse uma ciência indutiva? Existe um tipo de experiência privilegiada que nos

 po nh a im ed ia ta m en te em co nt ato co m a lei? U m gr an defilósofo contem porâ neo acreditou q ue sim, e é a ele que vamos pedir agora para guiar nossos primeiros passos nessadifícil ciência.

IVH u s s e r l

O grand e acontec imen to da filosofia de antes dsra é certamente a publicação do primeiro tomo da 1anua l de filosofia e de pesquisas fenomenológicas'  qu enha a principal obra de Husserl: Esboço de uma feno logia pura e de uma filosofia fenomenológica.2 Tantoto a filosofia, esse livro estava destinado a revoluci ps ico log ia. Sem dú vida , a feno men olog ia, ciê nc ia de ciência pura transcendental, é uma disciplina radical

diferente das ciências psicológicas que estudam a coicia do ser humano , indissoluvelmente ligada a um cdiante do mundo. Para Husserl, a psicologia contimdo, como a física ou a astronomia, uma “ciência danatural”3, isto é, uma ciência que implica um realis

 po nt ân eo . Ao co nt rá rio , a feno men olog ia co meça c“colocamos fora de jogo4a posição geral de existên

 pe rte nc e à essênc ia da at itu de nat ura l”.Mas as estruturas essenciais da consciência tn

dental não desaparecem quando essa consciência é £nada no mundo. Assim, as principais aquisições dmenologia permanecerão válidas para o psicólogo,mutandis. Além disso, o método da fenomenologiservir de modelo aos psicólogos. Certamente, o p

1. Ja hrb uc hs fü r Ph ilo sop hie un d p hä no me no log isc he Fo rsch ung , Bd. I

2.  Id ee n zu ein er rei nen Ph än om en ol og ie u nd ph än om en ol og isc he n Pi 

(N.A.)

3.  Id em , p. 53. (N.A.)

4.  Id em , p. 56. (N.A.)

118

men to essencial desse métod o continu a sendo a “redução ”,a epaché, ou seja, a colocação entre parênteses da atitude

 per im en ta r, nã o co nv ém sa be r tão ex at am en te quan to possí ve l sobre o que se vai experimentar? Nesse ponto, a

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natural; e está bem entendido que o psicólogo não efetuaessa epoché  e permanece no terreno da atitude natural.Contudo, feita a redução, o fenomenólogo tem meios de

 pe squisa qu e p ode rão ser vir ao psicó log o: a f en om en olog iaé uma descrição das estruturas da consciência transcenden

tal fundada na intuição das essências dessas estruturas. Naturalmente, essa descrição opera-se no plano da reflexão,

mas não devemos confundir reflexão com introspecção.A introspecção é um mod o especial de reflexão que buscaapree nde r e fixar os fatos empíricos. P ara conver ter seus resultados em leis científicas, é preciso a seguir um a passagemindutiva ao geral. Ora, o que o fenomenólogo utiliza é umoutro tipo de reflexão: esta busca apreender as essências.Ou seja, ela começa colocando-se de saída no terreno douniversal. Com certeza, ela opera a partir de exemplos. Mas

é de pouca imp ortância que o fato individual que serve desuporte à essência seja real ou imaginário. O dad o “exem  pl ar ” s eria um a pura ficção; o fato qu e pôd e ser im ag inad omostra que ele precisou realizar em si a essência buscada,

 po is a e ssênc ia é a co nd ição de sua p os sib ilid ade:

“É lícito então, se apreciamos os paradoxos e com acondição de entender como convém a significação ambígua desta frase, dizer em toda a verdade que a Ficção é oelemento vital da Fenomenologia, assim como de todasas Ciências eidéticas1, e a fonte de o nde p rovém o con hecimen to das verdades eternas.”2 O que vale para o fenomenólogo vale também para o psicólogo. Não queremosnegar, por certo, o papel essencial que a experimentaçãoe a indução devem desempenhar, sob todas as suas formas, na constituição da psicologia. Porém, antes de ex

1. Eidéticas no sentido de “Ciências de essência”. As matemáticas são ciências  eidéticas. (NA.)

2.  Idee n, p. 132. (N.A.)

120

experiência jamais fornecerá senão informações obscuras

e contraditórias.“A grande época (da Física) começa nos tem pos m o

dernos, quando, de repente e em grande escala, se passaa utilizar para o método físico a Geometria que, desde a

Antigüidade (e principalmente entre os platônicos), foramuito desenvolvida como eidética pura. Percebe-se então

que a essência da coisa material é ser  res extensa e que,  po r  conseguinte, a geometria é a disciplina ontológica que se re

 fer e a um mom en to essencial da coisa: a estrutura espacial.Mas percebe-se também que a essência universal da coisacompreende muitas outras estruturas. É o que mostra claramente o fato de o desenvolvimento científico tomar emseguida uma nova direção: quer-se constituir um a série dedisciplinas novas que serão coordenadas à geometria e que

são chamadas a cumprir a mesma função: racionalizar os dados e mpíricos.”1O que Husserl escreve sobre a Física pode ser repetido

 par a a Psicolog ia. Esta far á o m ai or pr og resso qu an do, re nun ciando a envolver-se em experiências ambíguas e contraditórias, começar a passar a limpo as estruturas essen

ciais que são o objeto de suas pesquisas. Acabamos de ver, por ex em plo, qu e a teor ia clás sica da im ag em co ntém to dauma metafísica implícita e que se passou à experimentaçãosem desem baraçar-se dessa metafísica, ocasiona ndo nas ex pe riê nc ias um a série de pr ec on ce ito s qu e re m onta m às v ezes a Aristóteles. Mas será que não é possível perguntar-se, pr im ei ra m en te e antes de qualquer recurso às experiências(quer se trate de introspecção experimental ou de qu alquer outro procedimento): o que é uma imagem? Possui esse elemento tão importante da vida psíquica um a estrutura es

sencial que seja acessível à intuição e que se possa fixar por 

1.  Ide en, p. 20. (NA.)

12 1

 pa lav ras e conceitos? Há af irm ações incon cil iáv eis co m aestrutura essencial da imagem? etc., etc. Em suma, a Psicol i i i b i d i i id

O caráter fragmentário das observações de Husserltorna sua exposição particularmente difícil. Não convém

á f t

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logia é um empirismo que busca ainda seus princípios eidé-ticos. Husserl, muitas vezes acusado, sem razão, de ter umahostilidade de princípio contra essa disciplina, propõe-se,ao contrário, a prestar a ela um serviço: ele não nega quehaja uma psicologia de experiência, mas pensa que, para

atender o m ais urgente, o psicólogo deve constituir antes detudo um a psicologia eidética. Essa psicologia, naturalme nte,não tomará seus métodos das ciências matemáticas que sãodedutivas, mas das ciências fenomenológicas que são descritivas. Será uma “psicologia fenomen ológica”: ela efetuará, no

 plan o in tram un da no , p esq uisas e fixações de essências comoas da fenomenologia no plano transcendental. E, com certeza, deve-se ainda falar aqui de experiência, pois to da visãointuitiva de essência continua sen do experiência. Mas é umaexperiência que precede tod a experimentação.

Um trabalho sobre a imagem deve, portanto, apre

sentar-se como uma tentativa de realizar, em um ponto pa rt icul ar , a ps ico log ia feno men ológ ica. Deve-se bu scar constituir uma eidética da imagem, isto é, fixar e descrever a essência dessa estrutura psicológica tal como aparece àintuição reflexiva. Depois, quando se tiver determinado oconjunto das condições que um estado psíquico deve necessariamente realizar para ser imagem, será então preciso

 pa ssar do ce rto ao provável e per gunt ar à exp er iên cia o queela nos pode ensinar sobre as imagens tais como se apresentam em uma consciência humana contemporânea.

 No qu e se refere ao pr ob lem a da im ag em , Hu sse rlnão se contenta em nos fornecer um método: há nas  Ideen as bases de uma teoria das imagens inteiramente nova. Naverdade, Husserl só aborda a questão de passagem e, alémdisso, como veremos, não estamos de acordo com ele emtodos os pontos. Por outro lado, suas observações requerem ser aprofundad as e completadas, mas as indicações queele dá são da maior importância.

esperar, nos parágrafos que seguem, encontrar uma construção sistemática, mas somente u m conjun to de sugestões

 pro ve itosas.A concepção de intencionalidade é chamada a renovar 

a noção de imagem. Sabemos que, para Husserl, todo esta

do de consciência, ou me lhor - como dizem os alemães ecomo diremo s com eles -, toda consciência é consciência de alguma coisa. “Todas as Erlebnisse que têm em com um essa pro prie dad e de essênc ia são ch am ad as ta m bém de ‘Erlebnisse intencionais’: na medida em que elas são consciênciade alguma coisa, dizemos que elas se ‘relacionam intencio

nalm ente’ a essa coisa.”1A intencionalidade, tal é a estrutura essencial de toda

consciência. Segue-se, naturalmente, uma distinção radical entre a consciência e aquilo de que se tem consciência. O objeto da consciência, seja ele qual for (exceto no casoda consciência reflexiva), está por princípio fora da consciência: ele é transcendente. Essa distinção, à qual Husserlnão se cansa de voltar, tem por objetivo combater os errosde um certo imanentismo que quer constituir o mundoco m conteúdos de consciência (por exemplo, o idealismode Berkeley). Claro que há conteúdos de consciência, masesses conteúdos não são o objeto da consciência: atravésdeles a intencionalidade visa o objeto que é o correlato daconsciência, mas não é da consciência. O psicologismo, p artindo da fórmula ambígua “o mundo é nossa representação”, faz desaparecer a árvore que percebo numa miríadede sensações, de impressões de cor, táteis, térmicas, etc.,que são “representações”. De mo do que, finalmente, a árvore aparece como uma soma de conteúdos subjetivos e é

1.  Ide en, p. 64. Erlebnis, termo intraduzível, vem d o verbo erleben. “Etwas erle- 

ben” significa “viver alguma coisa”. Erlebnis teria mais ou menos o sentido dc 

“vivido”, no sentido em que o empregam os bergsonianos. (N.A.)

122 122

ela própria u m fenômen o subjetivo. Ao contrário, Husserlcomeça po r colocar a árvore fora de nós.

“Como regra absolutamen te universal uma coisa nã o

tinua sendo subjetiva, mas, ao mesmo tempo, o objetoimagem, destacado do p uro “conteú do”, instala-se foraconsciência como algo radicalmente diferente

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Como regra absolutamen te universal, uma coisa nã o pod e ser da da em ne nhum a pe rcep ção possível, isto é, emnen hum a consciência possível em geral como um imanentereal.”1

Com certeza, ele não nega a existência de dados visuaisou táteis que fazem parte da consciência como elementossubjetivos imanentes. Mas eles não são o objeto: a consciência não se dirige a esses dados; através deles, ela visa a coisaexterior. Esta impressão visual que presen temente faz partede minha consciência não é o vermelho. O vermelho é umaqualidade do objeto, uma qualidade transcendente. A im

 pr essão subj et iva que , se m dú vida , é “aná loga ” ao ve rm elhoda coisa é apenas u m “quase verm elho ”, ou seja, é a matériasubjetiva, a “hylé ’ sobre a qual se aplica a intenção que setranscende e busca atingir o vermelho fora de si.

“Convém semp re ter presente a idéia de que os dadosimpressivos que têm p or funçã o ‘traçar o perfil’ da cor, da su  per fície , d a f or ma2 (isto é, qu e têm por fun ção ‘rep resent ar ’),são por princípio radicalmente d istintos da cor, da superfícieou da forma, em suma, de todas as qualidades da coisa.”3

Percebemos as conseqüências imediatas para a imagem: a imagem também é imagem de alguma coisa. Portanto, lidamos com uma relação intencional de uma certaconsciência a um certo objeto. Em suma, a imagem deixade ser um conteúdo psíquico; ela não está na consciênciaa título de elemento constituinte; porém, tanto na cons

ciência de uma coisa em imagem como numa percepção,Husserl distinguirá uma intenção imaginante e uma “hylé”

que a intenção vem “anim ar”.4 A hylé, naturalmente, con

1. Ide en , p. 76. (N.A.)

2. Farbenabschattung, Glãtteabschattung, etc.: intraduzível. (N.A.)

3.  Ide en , p. 75. (N.A.)

4. “Beseelen ”, cf.  Ide en, pas sim . (N.A.)

124

consciência como algo radicalmente diferente.“(Será que não poderiam nos objetar que) um ce

tauro que toca flauta, ficção que formamos livremente, ju st am en te po r causa dis so, um a liv re re un ião de rep resetações em nós? Responderemos: Certamente... a livre f ção efetua-se de maneira espontânea, e o que eng endranespontaneamente é, sem dúvida, um produto do espíriCon tudo, n o que se refere ao centau ro que toca flauta, t:ta-se de uma representação na medida em q ue cham anrepresentação o que é representado e não no sentidoque representação seria um nome para um estado psíq co. O centauro mesmo não é, naturalmente, nada de pquico, não existe nem na alma, nem na consciência, n<em parte alguma; simplesmente não existe, é uma invenccompleta. Para sermos mais exatos: o estado de consciênde invenção é invenção desse centauro. Nessa medida, ccerteza, pode-se dizer que ‘centauro-visado’, ‘centau

inventado’ pertencem à própria ‘erlebnis’. Mas que nãc confun da essa ‘erlebnis’ de invenção com o que, por meio dt  

 fo i inv en tad o com o tal.”' Este texto é fundamental: a n,existência do centauro ou da quim era não nos dá o direde reduzi-los a simples formações psíquicas. Sem dúviexiste aí, por ocasião desses inexistentes, formações jquicas reais. E compreende-se o erro do psicologismo:grande a tentação de deixar esses seres míticos em seu n;

e levar em conta apenas conteúdos psíquicos. Mas Hus: pr ec isam en te re st itu i ao ce ntauro a t rans ce nd ên ci a no sde seu nada. Que ele seja nada tanto quanto se quiser: r 

 po r isso mes mo ele n ão está n a consciê nc ia.Sobre a estrutura da imagem, Husserl não diz n

que isso, mas podemos avaliar facilmente o serviço que pr es ta ao ps icó log o. Ao to rn ar -s e um a es trutu ra intenc

1. Ide en , p. 43. Nós sublinhamos. (N.A.)

nal, a imagem passa do estado de conteúdo inerte de cons

ciência ao de consciência una e sintética em relação a umobjeto transcendente. A imagem de meu amigo Pedro não

assim sucessivamente. Ao contrário, se a imagem se torna

uma certa maneira de animar intencionalmente um con

teúdo hilético, podem os perfeitamente assimilar a captura

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j g g

é uma vaga fosforescência, um rastro deixado em minhaconsciência pela percepção de Pedro: é um a form a de con sciência organizada que se relaciona, à sua maneira, commeu amigo Pedro, é um a das maneiras possíveis de visar oser real de Pedro. Assim, no ato de imaginação, a consciên

cia relaciona-se diretamente com Pedro e não po r intermé dio de um simulacro, que estaria nela. De um a só vez desa

 pa re ce rão, co m a me taf ísi ca im an en tis ta da im ag em , toda sas dificuldades que evocávamos no capítulo precedente a

 pro pós ito da rel açã o des se sim ulac ro co m seu ob jet o rea l edo pensam ento pu ro co m esse simulacro. Esse “Pedro em

formato reduzido”, esse homúnculo arrastado pela consciência nunca foi da consciência. Era um objeto do m undo

material perdido no meio dos seres psíquicos. Ao lançá-lofora da consciência, ao afirmar que há som ente um único e

mesm o Pedro , objeto das percepções e das imagens, Husserllibertou o mundo psíquico de um grande peso e suprimiuquase todas as dificuldades que obscureciam o problemaclássico das relações da imagem com o pensam ento.

Mas H usserl não lim ita a isso suas sugestões: se a im agem é apenas um nom e para um a certa maneira que a cons

ciência tem de visar seu objeto, nada im pede de a proximar as imagens materiais (quadros, desenhos, fotos) das ima

gens ditas psíquicas. O psicologismo, curiosamente, acabou por sepa ra r de fo rm a radic al um as das ou tra s, em bor a no

fundo reduzisse as imagens psíquicas a serem somen te im agens materiais em nós. Em última instância, segundo essadoutr ina, só poderíamos interpretar um qu adro ou uma fotografia reportando-n os à imagem mental que ele evocava por ass ociação: na práti ca , era um a rem iss ão ao infin ito , po is, co m o a im ag em m en ta l era ela pró pri a um a fo to gr a

fia, seria preciso um a ou tra imagem para c om preendê-la e

126

, p p p

de um quadro como imagem à apreensão intencional de um

conteúdo “psíquico”. Trata-se apenas de duas espécies diferentes de consciências “imaginantes”. O esboço dessa as

similação enco ntra-se em um a passagem das Ide en que me

rece tornar-se clássica e na qual Hu sserl analisa a apreensão

intencional de uma g ravura de Dürer.“Consideremos a água-forte de Dürer, O Cavaleiro, a 

 Mor te e o D iabo. Distinguiremos em primeiro lugar, aqui,

a percepção normal, cujo correlato é a coisa ‘gravura’, essa

folha do álbum.“Em segundo lugar, encontramos a consciência per-

ceptiva, na qual, através dessa linhas pretas, pequenas figu

ras incolores - ‘Cavaleiro a cav alo’, ‘M orte’, ‘Diab o’ - nosaparecem. N a con templação estética, não som os dirigidos

a elas como objeto: somos dirigidos às realidades que são

representadas ‘em imagem’, mais exatamente às realidades‘figura das’ (abgebiláet ), o cavaleiro em carn e e osso, etc.”1

Esse texto pode estar na origem de um a distinção in

trínseca da imagem e da percepção.2Certamen te, a hylé qu e

apreendemos para constituir o aparecimento estético do

cavaleiro, da morte e do diabo é, sem dúvida nenhuma, omesmo que n a percepção p ura e simples da folha do álbum.

A diferença está na estrutura intencional. O que importa

aqui para Husserl é que “tese” ou posição de existência recebeu uma modificação de neutralidade.3 Não pr ec isa mos

nos ocupar aqui desse ponto. É suficiente, para nós, que a

matéria por si só nã o p ode distingu ir a imagem da percep-

1. Ide en , p. 226. (N.A.)

2. Distinção que Husserl, aliás, não levou mais adiante em suas obras publi

cadas. (N.A.)

3. Ele quer mostrar principalmente que, na contemplação estética, o objeto não é  posto como existente. Suas d escrições referem -se antes à Crítica do juízo. (N.A.)

127

ção. Tudo depende do modo de animação dessa matéria,isto é, de uma forma que nasce nas estruturas mais íntimasda consciência.

função “preencher” os saberes vazios, exatamente como fa

zem as coisas da percepção. Por exemplo, se penso numa

cotovia posso pensar nela no vazio ou seja produzir ape

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da consciência.

Tais são as breves alusões que Husserl faz a uma te oriaque ele certamente esclareceu em seus cursos e em outros

trabalhos, mas que, nas  Ideen , permanece ainda m uito fragmentária. E o serviço prestado à psicologia é inapreciável,

mas as obscuridades estão longe de ser todas dissipadas. Por 

certo, podemos comp reender agora que a imagem e a per

cepção são duas Erlebnisse intencionais que diferem antes detudo po r suas intenções. Mas de que natureza é a intenção d a

imagem? Em que se diferencia da intenção da percepção? Éaqui, evidentemente, que um a descrição de essência é neces

sária. Na falta de outra indicação d e Husserl, somos deixados

a nós me smos p arar opera r essa descrição.

Além disso, um problema essencial continua sem solução: com base em Husserl, pudemos esboçar a descrição

geral de um a grande classe intencional que comp reende as

imagens ditas “mentais” e as imagens que, na falta de um

termo mais apropriado, chamaremos de externas. Sabe

mos que a consciência de imagem externa e a consciência

 pe rcep tiv a co rr es po nd en te , em bor a dif erenciadas ra di

calmente quanto à intenção, têm uma matéria impressiva

idêntica. As linhas pretas servem ao mesmo tempo para aconstituição da imagem “Cavaleiro” ou para a percepção

“traços pretos sobre uma folha branca”. Mas será que issovale para a imagem mental? Ela tem a mesma hylé que a

imagem externa, isto é, que a percepção? Algumas passagens das  Logische unter suchungen1 pa rece m de ixar su po r 

que sim. Com efeito, Husserl explica que a imagem tem p or 

1. Na edição revisada do pós-guerra, que leva em conta os progressos realizados por Husserl depois da primeira edição desse livro. (N.A.)

cotovia, posso pensar nela no vazio, ou seja, produzir ape

nas um a intenção significante fixada na palavra “cotovia”.

 No ent an to , pa ra pre en ch er essa co nsciê nc ia vazia e t ra ns -formá-la em consciência intuitiva, é indiferente que eu for

me uma imagem de cotovia ou que olhe para uma cotovia

em carne e osso. Esse preenchimento da significação pelaimagem parece indicar que a imagem possui uma matéria

impressiva concreta e que ela própria é um cheio, como a

 per ce pç ão .1 Além dis so, em suas  Lições sobre a consciência  interna do tempo, Husserl distingue cuidadosam ente da re

tenção, que é uma maneira não-posicional de conservar o

 pa ssad o co mo passad o pa ra a consciê nc ia, a rememoração,

que consiste em fazer reaparecer as coisas do passado com

suas qualidades. Trata-se, nesse segundo caso, de uma  pre - 

sentificação  (Vergegenwärtigung) e esta implica a reiteração,

embora numa consciência modificada, de todos os atos pe rcep tiv os or igi na is. Por ex em plo , se pe rceb i um teat ro

iluminado, posso indiferentemente reproduzir em minha

lembrança o teatro iluminado ou a percepção do teatro

iluminado (“Havia, naquela noite, festa no teatro...” “Ao

 passar , n aq ue la no ite , vi as janelas ilumina das...”). Nesse úl

timo caso, posso refletir na lembrança: é que, para Husserl,a reprodução do teatro iluminado implica a reprodução

da percepção do teatro iluminado. Vê-se que a imagem-

lembrança não é outra coisa, aqui, senão uma consciência

 pe rcep tiv a mod ifi ca da , isto é, afe tad a de um coef icien te de passado. Pa rece ria en tão qu e Hu sser l, em bo ra lanç an do as

 bases de um a reno va çã o radic al da qu es tão, pe rm an ec eu

 pr is ione iro da an tig a co nc ep ção, ao men os no qu e se refe re

1. Em todo ca so, essa tese, que procurarem os refutar mais tarde, tem o grande 

mérito de fazer da imagem algo diferente de u m signo, ao contrário da psico

logia inglesa e francesa contemporânea. (N.A.)

128 129

à hylé da imagem que continuaria sendo, para ele, a impressão sensível renascente.1

Mas, se for assim, vamos enco ntrar dificuldades aná

Assim, o noema é um nada que tem apenas uma existência ideal, um tipo de existência que se aproxima ao d(lektón1estóico. Ele é somente o correlato necessário da noese

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Mas, se for assim, vamos enco ntrar dificuldades análogas às que nos detinha m no capítulo precedente.

Em primeiro lugar, no plano fenomenológico, ouseja, uma vez efetuada a redução, parece-nos muito difícildistinguir por sua intencionalidade imagem e percepção, se

sua matéria é a mesma. O fenomenólogo, tendo posto omu ndo “entre parênteses”, nem por isso o perdeu. A distinção consciência-mundo perdeu seu sentido. Agora o cortese faz de outro m odo: distingue-se, de um lado, o conjuntodos elementos reais da síntese consciente (a hylé e os diferentes atos intencionais que a animam) e, de outro lado, o“sentido” que habita essa consciência. A realidade psíquicaconcreta será denominada noese, e o sentido que vem habitá-la, noema. Por exemplo, “árvore-em -flor-percebida” é onoema da percepção que tenho neste momento.2Mas esse“sentido noemático” que pertence a cada consciência realnão é, ele próprio, nada de real.

“Cada Erlebnis é feita de tal forma que existe em princípio uma possibilidade de dirigir o olhar para ela e paraseus componentes reais, ou então, em um a direção oposta,

 par a o no em a, por ex em plo , a árvo re pe rceb id a co mo tal.

O que o olhar encon tra nessa última direção é, na verdade,um objeto no sentido lógico, mas um objeto que não poderia existir po r si. Seu esse consiste essencialmente em seu

 perc ipi. Mas essa fórmula não deve ser tomada no sentido be rkele yano , po is o  percip i não contém aqui o esse comoelemento real.”3

1. Reconhecemos de bom grado que se trata aqui de uma interpretação que  

os textos nos pareceram autorizar, mas que não obrigam a admitir. O fato é  

que eles são ambíguos, e a questão exige, ao contrário, que se tome claramente  uma posição. (N.A.)

2. Expomos aqui muito grosseiramente uma teoria bastante matizada, mas  

cujos detalhes não nos interessam diretamente. (N.A.)

3.  Idee n, p. 206. (N.A.)

130

lektón1estóico. Ele é somente o correlato necessário da noese“O eidos [essência] do noem a remete ao eidos da consciênci;noética; eles se implicam um ao ou tro e ideticamente”.2

Mas, se for assim, como distinguir, uma vez feitaredução, o Centauro que imagino da Árvore-em-flor qu

 percebo? O “C en tauro im ag in ad o” é tam bém o no em a duma consciência noética plena. Também ele é nada, ta m bé m ele n ão existe em pa rte alg um a, co mo vimos há p ou cc

Só que, antes da redução, encontrávamos nesse nada unmeio para distinguir a ficção da percepção: a árvore-emflor existia em alguma parte fora de nós, podíamos tocá-laabraçá-la, desviar-nos dela e, depois, voltando atrás, reencontrá-la no mesmo lugar. O centauro, ao contrário, nãiestava em parte alguma, nem em mim, nem fora de minAgora, a coisa árvore foi posta entre parênteses, não a conhecemos mais senão como o noema de nossa percepçãiatual; e, como tal, esse noema é um irreal, do mesmo modi

que o centauro.“A árvore pura e simples, a árvore na natureza, não

senão essa ‘árvore-percebida-como-tal’, que pertence com‘o-que-é-percebido’ ao sentido da percepção, de uma forminalienável. A árvore pura e simples pode queimar, dissolveise em seus elementos químicos, etc. Mas o sentido - o sentido dessa percepção, um elemento que pertence necessariamente a seu sentido - n ão pode queimar, não tem elementoquímicos, não tem forças, não tem propriedades reais.”3

Então, onde está a diferença? Como se explica quhaja imagens e percepções? Como se explica que, quandfazemos cair as barreiras da redução fenomenológica, reei]contramos um mun do real e um mun do imaginário?

1. O exprimível, o que pode ser expresso pela linguagem. (N.T.)

2.  Ide en, p. 206. (N.A.)

3.  Idee n, p. 184. (N.A.)

1

Tudo se deve, responderão, à intencionalidade, isto é,ao ato noético. Não disse você mesmo que Husserl lançavaas bases de uma distinção intrínseca entre imagem e per

da matéria impressiva da gravura para fazer dela um a im;gem depende de motivos extrínsecos (porqu e é impossívque aquele homem esteja ali, etc.). Em suma, voltamos ac

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ç g pcepção pelas intenções e não pelas matérias? Aliás, o pró

 pr io Hu sser l dis tin gu e, nas ldeen, noemas de imagens, delembranças ou de coisas percebidas.

“Pode tratar-se sempre de um a árvore-em-flor, e essa

árvore pode sempre aparecer de tal forma que, para descrever fielmente o que aparece como tal, devamos usar ri

gorosamente as mesmas expressões. Mas mesmo assim oscorrelatos noemáticos são diferentes por essência quandose trata da percepção, da imaginação, de presentificaçõesfiguradas, de lembrança, etc. Ora o aparecimento é caracterizado como ‘realidade em carne e osso’, ora como ficção,ora ainda com o presentificação na lembrança, etc.”1

Mas como se deve entender isso? Posso animar umamatéria impressiva qualquer como percepção ou comoimagem a meu critério? O que significará “imagem” ou“coisa perce bida” nesse caso? Será suficiente um a recusa de

 pôr em relaçã o o no em a “á rv ore -e m -f lo r” co m os precedentes noemas para constituir uma imagem? Sem dúvida,

é assim que procedemos diante da gravura de Dürer, que po de mos , a no sso cr ité rio , pe rceb er co mo ob jeto -coi sa oucomo objeto-imagem. Mas é que aí se trata, justamente,de duas interpretações de uma mesma matéria impressi

va. Ora, quando se trata de uma imagem mental, cada um po de ve rificar qu e é i mp ossív el an im ar sua hylé de modo afazer dela a matéria de uma percepção. Essa ambivalênciahilética só é possível em um pequen o n úm ero de casos privilegiados (quadros, fotos, imitações, etc.). Mesmo que elafosse admissível, ainda seria preciso explicar por qu e min haconsciência intenciona uma matéria como imagem e nãocomo percepção. Esse problema diz respeito ao que Husserlchama motivações. E de compreendermos que a animação

1. Id., p. 188. (N.A.)

132

critérios extrínsecos de Leibniz e de Spaier. Mas se o mesmacontece com a imagem mental, eis-nos de volta, por udesvio, às dificuldades do capítulo precedente. O probLma insolúvel era então: como encontrar as característic;da imagem verdadeira? O problem a presente é este: conencon trar motivos de informar um a ma téria como irnage:e não como percepção? No primeiro caso, respondíamcse os conteúdos psíquicos são equivalentes, não há mealgum de determinar a imagem verdadeira. No segund

devemos responder: se as matérias são da mesma naturez

não pode h aver motivo válido algum. Na ve rdade, há em Hu sse rl o esb oço de um a resposl

A ficção “Centauro toca ndo flauta” é aproximad a, nas  Ide

da operação de adição. Em ambos os casos, trata-se de unconsciência “necessariamente espontânea”, ao passo qr  pa ra a con sciên cia de intuição sensível, pa ra a consciêncempírica, a espontane idade está fora de questão. Mais tarenas  Meditações cartesianas, ele distingue as sínteses passivque se fazem por associação, e cuja forma é o escoamentem por al, e as sínteses ativas (juízo, ficção, etc.). Assim, toficção seria uma síntese ativa, um produto de nossa espotaneidade; ao contrário, toda percepção é uma síntese pur mente passiva. A diferença entre imagem e percepção vir  po rtan to , da es trut ur a pr of un da das sínteses inte ncion ais .

Com essa explicação con cordam os inteiramente,

ela ainda permanece muito incompleta. Em primeirogar, o fato de a imagem ser uma síntese ativa provoca ur modificação da hylé ou apenas um a modificação do tiporeunião? Pode-se perfeitamente conceber uma sínteseva que se operasse por composição de impressões sensív'renascentes. É assim que Spinoza e Descartes explicanficção. O Centauro seria constituído pela síntese esponi

nea de uma percepção renascente de cavalo e de uma percepção renascente de homem. Mas pode-se também pensar1que a m atéria impressiva da percepção é incompatível

a consciência de signo a fim de livrar definitivamente a psicologia do erro inadmissível que faz da imagem um signoe do signo uma imagem. Por fim, e sobretudo, será preciso

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com o m odo intencional da imagem-ficção. Husserl não seexplica sobre esse ponto. Em todo caso, o resultado dessaclassificação é separar radicalmente a imagem-lembrançada imagem-ficção. Vimos antes que a lembrança do teatroiluminado era uma presentificação da coisa “teatro ilum inad o” com reprodução de operações perceptivas. Trata-seclaramente, portanto, de uma síntese passiva. Mas existemtantas formas intermediárias entre a imagem -lembrança e aimagem-ficção que n ão po deríamos admitir essa separaçãoradical. Ou ambas são sínteses passivas (esta é, em suma,a tese clássica), ou ambas são sínteses ativas. No primeiro

caso, voltamos, por um desvio, à teoria clássica. No segundo, é preciso abandonar a teoria da “presentificação”, aomeno s sob a forma que Husserl lhe dá em suas Lições sobre a consciência interna do tempo. De todo modo, somos reconduzidos à nossa primeira constatação: a distinção entre imagem m ental e percepção não pode ria vir da simplesintencionalidade; é necessário, mas não suficiente, que asintenções se diferenciem, é preciso assim que as matériassejam dessemelhantes. Talvez seja até mesmo necessárioque a ma téria da imagem seja ela própria espon taneidade,

 po ré m um a es po nt an ei da de de um tip o in fer ior.Seja como for, Husserl abre o caminho, e nenh um es

tudo da imagem poderia negligenciar as observações queele nos oferece. Sabemos agora que temos de partir n ova

mente do zero, negligenciar toda a literatura pré-fenom e-nológica e tentar antes de tudo obter uma visão intuitivada estrutura intencional da imagem. Será preciso tambémcolocar a questão nova e delicada das relações da imagemmental com a imagem material (quadro, fotos, etc.). Seráconveniente ainda comp arar a consciência de imagem com

1. É o que tentamos mostrar nos capítulos precedentes. (N.A.)

134

estudar a hylé própria da imagem mental. É possível que,no caminho, devamos abandonar o domínio da psicologia eidética e recorrer à experiência e aos procedimentosindutivos. Contudo, é pela descrição eidética que convémcomeçar: o caminho está livre para uma psicologia fenome-

nológica da imagem.

135

a partir de uma reflexão sobre a imagem. Eles colocaramo seguinte problema: como pode a existência da imagemconciliar-se com as necessidades da síntese - sem percebe

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C o n c l u s ã o

Todo fato psíquico é síntese, todo fato psíquico éforma e possui uma estrutura. Esta é a afirmação sobre aqual todos os psicólogos contemporâneos puseram-se deacordo. E, com certeza, essa afirmação está em relação de

 pl en a c on ve ni ên cia com os da do s d a r eflexão. Infelizmen te,ela tira sua origem de idéias a priori: ela convém aos dados do senso íntimo, mas não  provém deles. Segue-se queo esforço dos psicólogos é semelhante ao dos matemáticosque querem reencontrar o contínuo por meio de elementos descontínuos: desejou-se reencontrar a síntese psíquica

 pa rt in do- se de ele men tos fo rnec idos pela análi se a priori de

alguns conceitos metafísico-lógicos. A imagem é um desseselementos:1e ela representa, em nossa opinião, o fracassomais completo da psicologia sintética. Tentou-se flexibilizá-la, desbastá-la, torná-la tão vaporosa, tão transparentequanto possível, para que não impedisse as sínteses de se

 pr od uz irem . E, quan do alg uns au to res per ce be ram qu emesmo assim disfarçada ela devia rompe r necessariamentea continuidade da corrente psíquica, eles a abandonaramcompletamente, com o um a pura entidade escolástica. Masnão viram que suas críticas se dirigiam contra uma certaconcepção da imagem, não c ontra a imagem m esma. Todo

o mal surgiu do fato de se chegar à imagem com a idéia de  síntese, em vez de se tirar uma certa concepção da síntese

1. Cf., por exemplo, a conclusão de Burloud em  La pe nsé e d ’apr ès W att , M ess er  

et Bühler. “(É preciso) distinguir num pensamento duas coisas: sua estrutura  

e seu conteúdo. Ele tem por conteúdo elementos sensíveis ou elementos re

lacionais, ou ambos ao mesmo tempo. Quanto à sua estrutura, não é outra  

coisa senão a maneira pela qual tomamos consciência desse conteúd o”, p. 174. (N.A.)

rem que na próp ria maneira de formular o problema estava já co nt ida a co nc ep ção at om íst ica da imag em . Na real id ade, é preciso respond er claramente: a imagem, se continuasendo um conteúdo psíquico inerte, não poderia de formaalguma conciliar-se com as necessidades da síntese. Ela só

 po de en trar na co rr en te da co nsciê nc ia se ela mes ma é s ín tese e não elemento. Não há, não poderia haver imagens na consciência. Mas a imagem é um certo tipo de consciência. 

A imagem é um ato e não um a coisa. A imagem é consciên

cia de alguma coisa. No ssas pesqu isa s c rít ica s n ão po de riam no s leva r mais

longe. Seria preciso agora abordar a descrição fenomeno-lógica da estrutura “imagem”. É o que tentaremos em um

outro livro.

137

Kant, E. 28,3 5,61,62 ,63

Küssmaul, A. 29

Lachelier J 30

Quercy, P. 41

Revau lt d’Allonn es, G. 61, 72

Ribo t Th 35 36 37 38 39

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Í n d i c e   r e m i s s iv o

Ach, N. 64

Ahrens, H. 25Ala in 100, 112, 113, 114, 115,

116, 117

Aristóteles 32, 121

Baillarger, J.-G. 24

Baldwin, J.M. 61Bastian, C. 29

Batbie, A.P. 31Bergso n, H. 40, 41, 42, 43, 44,

45,46,47, 48,49, 50,51,52,

53,54, 55, 56,57,58 ,59,61,63, 72

Berkeley, G. 42, 123Betz, W. 72

Bine t, A. 24, 25, 29, 64, 68, 69,70, 71, 72, 110

Bouyer, C. 41Broca, P. 29, 110, 111

Broc hard , V. 33, 34, 36, 64, 69,73

Büh ler, K. 64, 67, 68, 69, 72,

136Burlou d, A. 136

Charcot, J.-M. 29Chevalier, J. 41

Clap arède , E. 100Comte, A. 73

Darwin, C. 85

Dejerine, J. 29

De sca rtes, R. 11, 13, 14, 15, 18,

19,21,24,32,42,44,67, 74,78, 87, 99, 100, 104, 113,

133

Dumas, G. 75

Dü rer, A. 127, 132

Epicuro 10Exner, S. 29

Ferr i, L. 31, 33, 64, 73

Galton, F. 29Garnier, A. 24

Giard, A. 25

Ham ilton, W. 33

Ho ern le, R. F. 76, 109

H um e, D. 11, 17, 18, 21, 24, 28,

35 , 41 ,42 , 46 , 51 , 60 , 81 , 99 ,

102, 104, 105, 106Hu sser l, E. 5, 42, 48, 66, 67, 68,

105, 119, 121, 122, 123, 124,

125, 126, 127, 128, 129, 132,133, 134

James, W. 75, 100

Lachelier, J. 30

Lagache, 1). 91

La po rte, I. 104Leib niz, G.W. 11, 15, 16, 17,

22, 24, 32, 33, 34, 65, 66, 72,

133Lhermitte, 1. 41Lock e, ). 20, 22, 34, 72Luis Felipe 31

Maine de Biran 26Maldidier 81,89

Marbe, K. 64Marie, P. 64, 65, 110

Maritain, J. 32Messer, A. 64,72, 136Me ye rso n, 1. 75, 76, 77, 78, 95,

96, 97Mill, J.S. 29, 30, 39, 65

M out ier, F. 110, 111

Pascal, B. 78Peillau be, E. 33, 72, 73

Philippe, J. 72

Platäo 49

Ri bo t, Th. 35, 36, 37, 38, 39,40, 57, 58, 68, 69, 72, 73,

I 12

Sandras 24Spa ier, A. 59, 72, 75, 76, 79,

81, 82, 88, 90, 91, 93, 96,97, 98, 105, 109, 111, 113,

133Sp ino za, B. de 14, 15, 80, 101,

133

Ta ine, FL 26, 27, 28, 29, 30,32, 34, 35, 37, 38, 39, 40,58, 60, 62, 63, 68, 73, 80,

82, 83, 84, 85, 86, 87, 91,

101,111

Titchener, E.B. 68, 72

Va chet, P. 115Valéry, P. 70

W atso n, J.B. 112

Watt, H.J. 68,73, 136Wernicke, C. 29, 110

139

mestre caloroso, entusiasta e dedicado; ma nteria um a relação pr óx im a co m a ju ven tu de du ra nte to da a vida .

Passou um período em Berlim, de 1933 a 1934, onde

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S o b r e   o   a u t o r  

Je a n - P a u l S a r t r e   nasceu em 21 de junho de 1905 em

Paris, filho de Jean-Baptiste Sartre, oficial da Marinha, eAnne-M arie Schweitzer, oriun da de um a família de intelectuais alsacianos. Jean-Baptiste morreu de febre amarelaquando o filho tinha quinze meses. O avô, Charles Schweitzer, um professor de alemão, introduziu o neto, ainda criança, à literatura clássica. Em 1917, Anne-Marie casou-se novamente, mas Sartre nunc a aprend eu a gostar do padrasto.M udaram -se para La Rochelle, onde Sartre viveu dos dozeaos quinze anos. Em 1921, doente, foi enviado a Paris, ondesua mãe decidiu mantê-lo, para o bem da sua educação.

Interessou-se por filosofia ainda adolescente. Estudou nocélebre liceu Henri IV, onde fez amizade com Paul Nizan(que morreria precocemente na Segunda Guerra Mund ial).Passou pelo Liceu Louis le Grand e fez os estudos sup erioresna École Normale Supérieure de Paris, onde formaram -sevários pensadores franceses proeminentes. Foi influenciado pelas idé ias de Ka nt, He gel e Heid egge r. E m 1929, con he ceuSimone de Beauvoir (1908-1986), futura filósofa, escritorae feminista com quem teria um relacionamento amoroso eintelectual que se tornaria célebre pelo modernismo (nãoeram monógamos, nunca foram formalmente casados emorara m separados a maior parte de suas vidas) e que du raria até a morte do filósofo. Ela, como Sartre, era oriundade um a família pequen o-burguesa e rejeitava este modelode vida. Nesse mesmo ano ele obteve o diplom a de d outo r em filosofia e foi recrutad o pelo exército francês.

Em 1931, passou a lecionar no Liceu do Havre. Suarxpe riêiu i.i como professor m ostrou -se gratificante: era um

140

completou sua educação sobre a fenomenologia de Husserl.Iniciava-se uma boa fase: publicou em 1938  La nausée   (A  náusea), romance sobre um professor do interior que é omanifesto literário do existencialismo, corrente filosóficasegund o a qu al, para Sartre, as nossas idéias são pro duto s deexperiências da vida real, a existência precede a essência, e ohom em é livre para projetar a próp ria vida.

Segue-se a publicação da coletânea de contos  Le m ur  (O muro), em 1939. Com o início da guerra, Sartre foi chamado a servir no exército francês como meteorologista.Tropas alemãs capturaram -no em 1940, e ele passou novemeses na prisão. Ali escreveu sua primeira peça teatral,  Ba-  rionà, fils du tonnerre, e a encen ou pa ra diversão dos colegasde cárcere. Foi libertado em 1941 sob alegação de má saúde.Retom ou o cargo de professor no Liceu Pasteur e posteriormen te no Liceu Condorcet. Ainda em 1941, foi co-funda-dor do grupo de resistência Socialismo e Liberdade, juntocom Simone de Beauvoir, Merleau-Ponty e outros. O gru

 po de sapa receu no final do an o, após a pr isão de do is do sseus membros. Em 1943, publicou Vêtre et le néant (O ser e o nada), sua principal obra filosófica, e a peça  Les mouches (As moscas) - um fracasso de público. Em 1944, uma nova

 peça,  Hu is cios (Entre quatro paredes), obteve enorme sucesso. Ao mesm o tem po escrevia para revistas literárias, legaise clandestinas. Após a liberação de Paris, ainda em 1944,

contribuiu ativamente para o periódico  Le comb at  (O combate), fundado no período da clandestinidade por AlbertCamus, filósofo e escritor que nutria ideais semelhantesaos de Sartre. Simone de Beauvoir e Sartre foram amigosíntimos de Camus até 1951, quando este publicou  Le re- bel (O hom em revoltado) e se afastou das idéias com unistas.Após o fim da guerra, Sartre fúndou, em 1945,  Les temps

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