SATISFAÇÃO DO CLIENTE - UM CONFRONTO ENTRE A TEORIA O DISCURSO E A PRATICA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

EDMUNDO BRANDO DANTAS

SATISFAO DO CLIENTE: UM CONFRONTO ENTRE A TEORIA, O DISCURSO E A PRTICA

FLORIANPOLIS 2001

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

EDMUNDO BRANDO DANTAS

SATISFAO DO CLIENTE: UM CONFRONTO ENTRE A TEORIA, O DISCURSO E A PRTICA

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo. rea: Planejamento e Estratgia Organizacional Orientadora: Olga Regina Cardoso

FLORIANPOLIS 2001

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EDMUNDO BRANDO DANTAS

SATISFAO DO CLIENTE: UM CONFRONTO ENTRE A TEORIA, O DISCURSO E A PRTICA

Esta Dissertao foi julgada adequada para obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo e aprovada em sua forma final no Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianpolis, 10 de outubro de 2001.

___________________________________ Prof. Ricardo Miranda Barcia, Ph.D. Coordenador do Curso

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________ Profa. Olga Regina Cardoso, Dra. Orientadora

___________________________________ Profa. Jane Iara Pereira da Costa, Dra. Membro

___________________________________ Profa. Edinice Mei Silva, Dra. Membro

iv Ficha Catalogrfica DANTAS, Edmundo Brando. Satisfao do cliente: um confronto entre a teoria, o discurso e a prtica. Florianpolis, UFSC, Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo, 2001, 175 p. Dissertao: Mestrado em Engenharia de Produo (Planejamento e Estratgia Organizacional) Orientadora: Olga Regina Cardoso. Co-Orientadora: Jane Iara Pereira da Costa 1. Marketing de servios 2. Gesto de servios 3. Pesquisa mercadolgica I. Universidade Federal de Santa Catarina II. Ttulo

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minha mulher, ngela Mrcia, e meus filhos, Pablo e Mariana, pela grande pacincia que sempre tm comigo, nessa minha incessante (e inquietante) sede de saber.

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AGRADECIMENTOSs Professoras Jane Iara Pereira da Costa e Olga Regina Cardoso, pelas aulas que tantas informaes e aprendizagem nos trouxeram, pela orientao e incentivo no desenvolvimento deste trabalho. Aos Professores Luiz Gonzaga, Antnio Cezar Bornia, Jos Francisco Salm, Ester Menegasso, Antnio Alves Filho, Willy Arno Sommer, Mrcio Pires, Alexandre Lerpio, Gregrio Varvakis, Luiz Carlos Carvalho e Idone Bringhenti, pela pacincia e dedicao que nos concederam e, principalmente, pelos conhecimentos que compartilharam conosco. Unio de Ensino de Braslia (UNEB), por ter me possibilitado condies financeiras especiais para a realizao deste mestrado. A toda a equipe do Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina, pela oportunidade de realizao do mestrado. s empresas que colaboraram para a realizao deste trabalho. Coordenadora de Mestrado da UNEB, Ludmila Guimares, pelo

profissionalismo com que conduziu o desenvolvimento do curso e pela amizade que nos dedicou ao longo do mestrado. Aos meus colegas de turma, cujo trabalho de equipe contribuiu, sem dvida, para o bom xito deste trabalho. minha amiga Maura e a meu amigo Eduardo Benevello, cujas ajudas foram perfeitas e imprescindveis para a execuo do trabalho. Aos meus familiares, que entenderam que a execuo deste trabalho exigiria sacrifcios e que foram to tolerantes ao abrirem mo de alguns momentos de nosso convvio para que eu pudesse estudar. E a todos aqueles que, de maneira direta ou indireta, contriburam para a realizao deste trabalho.

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Qualidade quando os clientes voltam e nossos produtos no. Lema da Siemens

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SUMRIOLISTA DE ILUSTRAES........................................................................ LISTA DE TABELAS E QUADROS........................................................... LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SMBOLOS................................ RESUMO................................................................................................... ABSTRACT............................................................................................... 1. INTRODUO...................................................................................... 1.1 Tema............................................................................................... 1.2 Justificativas.................................................................................... 1.3 Objetivos.......................................................................................... 1.4 Limitaes da pesquisa................................................................... 1.5 Metodologia..................................................................................... 1.6 Estrutura.......................................................................................... 2. REVISO DA LITERATURA................................................................. 2.1 O cliente: mito dos sculos XX e XXI?............................................ 2.2 Satisfao do cliente....................................................................... 2.3 O que quer o cliente?...................................................................... 2.4 Um novo contexto: a evoluo dos servios e o foco no cliente..... 2.5 Satisfao do cliente segundo a tica do marketing....................... 2.6 Satisfao do cliente segundo a tica da Qualidade Total............. 3. APROFUNDAMENTO DO TEMA.......................................................... 3.1 O setor de telecomunicaes no Brasil........................................... 3.2 As empresas operadoras de telecomunicaes............................. 3.3 Privatizao das telecomunicaes brasileiras............................... 3.4 O consumidor de servios de telecomunicaes............................ 3.5 Preocupao com a satisfao dos clientes nas empresas operadoras de telecomunicaes do Brasil..................................... 4. METODOLOGIA DA PESQUISA.......................................................... 4.1 Pesquisa exploratria...................................................................... 4.2 Observao..................................................................................... 4.3 Entrevistas em profundidade........................................................... 4.4 Anlise das misses corporativas das empresas............................ 4.5 Pesquisa quantitativa...................................................................... 4.6 Tabulao........................................................................................ 5. RESULTADOS E DISCUSSO............................................................. 5.1 Resultado da entrevista com a ANATEL......................................... 5.2 Resultado da entrevista com o PROCON-DF................................. 5.3 Resultados da entrevista em profundidade com executivos das empresas de telecomunicaes...................................................... 5.4 Resultados da pesquisa por observao........................................ 5.5 Resultados da anlise das misses das empresas operadoras de telecomunicaes que atuam no Distrito Federal........................... 5.6 Resultados da pesquisa quantitativa............................................... 6. CONCLUSES E RECOMENDAES............................................... x xi xii xiii xiv 1 1 4 9 10 11 11 12 12 21 24 33 39 43 51 51 56 58 74 76 88 89 90 91 92 92 97 98 98 99 101 113 117 121 147

ix 6.1 Com base nas entrevista realizada na ANATEL............................. 6.2 Com base na entrevista realizada no PROCON-DF....................... 6.3 Com base nas entrevistas realizadas com os executivos das empresas de telecomunicaes...................................................... 6.4 Com base na pesquisa por observao.......................................... 6.5 Com base na anlise das misses das empresas.......................... 6.6 Com base na pesquisa quantitativa realizada junto a clientes do mercado residencial........................................................................ 6.7 Com base na pesquisa quantitativa realizada junto a clientes do mercado no-residencial................................................................. 6.8 Com relao aos objetivos propostos no trabalho.......................... 6.9 Com base na abordagem terica.................................................... 6.10 Recomendaes............................................................................ REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................... ANEXO 1................................................................................................... ANEXO 2................................................................................................... ANEXO 3................................................................................................... ANEXO 4................................................................................................... ANEXO 5................................................................................................... ANEXO 6................................................................................................... 147 147 147 148 148 148 149 150 152 152 154 162 164 165 167 171 175

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LISTA DE ILUSTRAESFigura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Modelo de anlise do valor fornecido ao consumidor............... 40 Avaliao de qualidade ao bem ou servio pelo cliente............ 41 Produtividade como taxa de valor agregado............................. 45 Pesquisa ComputerWorld......................................................... 65 Percentual de entrevistados que conhecem as empresas operadoras de telecomunicaes que atuam no Distrito Federal...................................................................................... 122 Percentual de clientes entrevistados por empresa operadora de telecomunicaes do Distrito Federal.................................. 123 Percentual de clientes satisfeitos e insatisfeitos com as empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal...................................................................................... 124 Orientao prevalecente nas empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal, segundo a tica dos seus clientes.............................................................................. 125 Percentual de clientes das empresas operadoras de telecomunicaesque afirmam que as mensagens por elas divulgadas esto coerentes com sua orientao administrativa............................................................................ 126 Percepo dos clientes das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal quanto qualidade dos servios aps a privatizao..................................................... 130 Percentual de entrevistados que so clientes das empresas operadoras de telecomunicaes que atuam no Distrito Federal....................................................................................... 136 Orientao prevalecente nas empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal, segundo a tica de seus clientes.............................................................................. 137 Percentual de clientes das empresas operadoras de telecomunicaesque afirmam que as mensagens por elas divulgadas esto coerentes com sua orientao administrativa............................................................................ 138 Percentual de clientes satisfeitos e insatisfeitos com as empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal....................................................................................... 140 Percepo dos clientes das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal quanto qualidade dos servios aps a privatizao..................................................... 142 Quantidade de empresas por setor da economia..................... 145

Figura 6 Figura 7

Figura 8

Figura 9

Figura 10

Figura 11

Figura 12

Figura 13

Figura 14

Figura 15

Figura 16

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LISTA DE TABELAS E QUADROSQuadro 1 Quadro 2 Quadro 3 Quadro-sntese 1 Quadro-sntese 2 Quadro-sntese 3 Quadro-sntese 4 Quadro-sntese 5 Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Diviso do conceito de marketing de McCarthy....................... Empresas brasileiras operadoras de telefonia fixa.................. Empresas brasileiras operadoras de telefonia mvel.............. Resultados das entrevistas com executivos da ANATEL e PROCON-DF........................................................................... Entrevistas com executivos das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal...................................... Pesquisa por observao......................................................... Anlise das misses das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal...................................... Pesquisa quantitativa com clientes do segmento residencial e do segmento no-residencial................................................ Campees de queixa dos PROCONs...................................... Distribuio de entrevistas do mercado residencial................. Distribuio de entrevistas do mercado no-residencial.......... Quantidade de reclamaes por empresa operadora.............. Pontos positivos das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal, segundo a opinio de seus clientes residenciais........................................................ Pontos negativos das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal, segundo a opinio de seus clientes residenciais........................................................ Motivos pelos quais os entrevistados acham que os servios melhoraram.............................................................................. Motivos pelos quais os entrevistados acham que os servios pioraram................................................................................... Quantidade de itens possudos por entrevistado..................... Entrevistados que possuem itens adicionais........................... Grau de instruo dos chefes das famlias dos entrevistados Proposta de Almeida e Wickerhauser...................................... Comparao entre as propostas de Almeida e Wickerhauser Relao de itens predominantes possudos pelos entrevistados............................................................................ Pontos positivos das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal, segundo opinio de seus clientes no-residenciais................................................. Pontos negativos as empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal, segundo a opinio de seus clientes no-residenciais................................................. Motivos pelos quais os entrevistados acham que os servios melhoraram.............................................................................. Motivos pelos quais os entrevistados acham que os servios pioraram................................................................................... Cargos dos entrevistados do mercado no-residencial........... 49 63 64 100 112 116 121 146 65 95 97 100

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Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 Tabela 10 Tabela 11 Tabela 12 Tabela 13 Tabela 14 Tabela 15

130 131 131 132 133 133 134 135 135

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Tabela 16 Tabela 17 Tabela 18 Tabela 19

142 143 143 144

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SMBOLOSABA ABIPEME ANATEL ANEP CAC CCITT CEO CODEPLAN CPqD CRM CRT CTB DDD DDI DST FHC EOT-DF GVT IDEC ISO ITT MBA OMS ONU OPUS PASTE PND PROCON SAC SNDT SOHO STB STFC TCO TELEBRS TQM TUP UFRGS UIT URA Associao Brasileira de Anunciantes Associao Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado Agncia Nacional de Telecomunicaes Associao Nacional de Empresas de Pesquisas Centro de Atendimento ao Consumidor Comit Consultivo Internacional de Telefonia e Telegrafia Chief Executive Officer Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Customer Relationship Management Companhia Riograndense de Telecomunicaes Companhia Telefnica Brasileira Discagem Direta a Distncia Discagem Direta Internacional Desempenho do Servio Telefnico Fernando Henrique Cardoso Empresas Operadoras de Telecomunicaes do Distrito Federal Global Village Telecom Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor International Standardisation Organisation International Telegraph and Telephone Master in Business Administration Organizao Mundial da Sade Organizao das Naes Unidas Opinio dos Usurios sobre o Servio Telefnico Programa de Recuperao e Anlise do Sistema de Telecomunicaes e do Sistema Postal Programa Nacional de Desestatizao Procuradoria de Defesa do Consumidor Servio de Atendimento ao Consumidor Sistema Nacional de Demanda Telefnica Small Office, Home Office Sistema Telebrs Servio Telefnico Fixo Comutado Tele Centro-Oeste Celulares Telecomunicaes Brasileiras S/A Total Quality Management Terminal (ou Telefone) de Uso Pblico Universidade Federal do Rio Grande do Sul Unio Internacional de Telecomunicaes Unidade de Resposta Audvel

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RESUMOTrabalhando com Marketing desde 1980 e acreditando firmemente em seu princpio maior, que a satisfao dos clientes, comea-se a perceber, aps alguns anos de experincia, uma certa dessintonia entre a teoria, o discurso e a prtica, que comea com as confuses naturais que se fazem em nome do Marketing, que no raras vezes, visto como sinnimo apenas de propaganda ou de vendas. Para um profissional com mais de 20 anos de experincia, que acredita firmemente no princpio comum que norteia Marketing e Qualidade Total, muitas situaes vividas na prtica, incomodam e so frutos de constantes questionamentos.

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ABSTRACTWorking with Marketing since 1980 and firmly believing in its major principle, that is the clients satisfaction, we start realizing, after some years of experience, a kind of a non-syntony between the theory, the speech and the practice, that starts with the natural confusions that are made on behalf of Marketing, that, no rarely, is seen as synonym just of advertising or sales. For a 20 years experience professional, who believes fiercely in the main principle of Marketing and Total Quality, many of the situations lived in the practice disturb and are fruits of constant questionings.

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1. INTRODUO1.1 Tema Nos dias atuais, quando se analisa o contedo de qualquer revista, peridico ou jornal de negcios, um ponto comum chama a ateno: o discurso dos executivos e Chief Executive Officers (CEO) das diversas organizaes, de diversos portes e caractersticas. Eles, em sua maioria, mostram suas empresas como adotando uma orientao para o cliente, em que este aparece como o centro das atenes. Todas as empresas querem seus clientes satisfeitos, pois, em princpio, cliente satisfeito significa cliente fiel e cliente fiel significa lucro: e afirmam os tericos que o lucro aumenta com o tempo, medida que os clientes se tornam mais fiis. Dados citados por Reichfield e Sasser (1990) mostram que as empresas podem aumentar em 100% seus lucros se retiverem apenas 5% a mais de seus clientes em um ano. Alm disso, um consumidor leal consome cada vez mais ao longo do tempo, sem necessidade de investimentos agressivos em comunicao mercadolgica. Desta maneira, sob o ponto de vista da lucratividade, a manuteno dos clientes um item que no pode ser relegado a segundo plano. Outro ponto que deve ser considerado que na mdia das organizaes, ocorre uma perda de 15% a 20% dos consumidores a cada ano, em grande parte devido aos servios prestados. Estudo citado por Whiteley (1992) corrobora esta afirmativa: visando avaliar as razes passveis de identificao para a mudana para um competidor, a baixa qualidade dos servios foi apontada como razo preponderante. Enquanto apenas 15% dos clientes mudaram por terem encontrado um produto melhor e 15% por terem encontrado um produto mais barato, verificou-se que 20% mudaram pela falta de contato e ateno pessoal e 49% por terem recebido um atendimento de baixa qualidade. Esse discurso de orientao para o cliente d margem, porm, a diversas interpretaes, todas no muito positivas aos olhos de quem est do lado de fora. Soa demaggico, principalmente quando muitas evidncias prticas parecem se

2 contrapor ao discurso. Por exemplo, o dirigente de uma empresa afirma que todo o seu esforo est direcionado para satisfazer as necessidades, anseios e expectativas de seus clientes. Sua empresa porm, rendendo-se a aspectos puramente financeiros, fecha suas lojas de atendimento ao pblico, demite o pessoal de atendimento (no qual investiu muitos milhares de reais em treinamento) e terceiriza servios de call center, colocando-os como a nica porta de entrada para os clientes. Tais centros de atendimento, normalmente mal-dimensionados, quer em termos de trfego, quer em termos do atendimento em si (feito por pessoas mal ou no-preparadas para atender corretamente), colocam por gua abaixo todo e qualquer esforo da empresa no sentido de mostrar essa to alardeada orientao. Onde est, ento, a orientao para o cliente, que os dirigentes tanto gostam de citar em seus papers e discursos? Exemplos como esse, seguramente existem muitos. Planos de sade, empresas de telecomunicaes, supermercados, grandes magazines esto a, a rechear os noticirios com reclamaes de clientes que compraram gato por lebre. Por que ento prometer uma coisa e fazer outra? Seria essa uma estratgia tica? No estariam tais estratgias a deturpar o conceito de marketing, a causar uma falsa imagem do marketing na cabea das pessoas? E como que fica o conceito de Qualidade Total, tambm to alardeado por executivos de diversas empresas, quando a satisfao dos clientes no corresponde s suas expectativas? Afinal, Marketing e Qualidade Total tm um princpio comum, que a satisfao das necessidades, anseios e expectativas dos clientes. Ao tentar responder essas perguntas, imagina-se que qualquer profissional srio fique preocupado. Ao prometerem coisas e no as cumprir, os dirigentes e executivos de uma empresa podem lev-la ao fundo do poo. Isso por que, num momento em que se fala tanto em fidelizao, o principal componente relativo a este particular fica extremamente abalado: a credibilidade. A credibilidade, por sua vez, est ligada diretamente ao compromisso pblico assumido pela empresa desde sua misso corporativa. No bastam as frases bem escritas nos quadros pendurados nas paredes das instalaes da empresa, nem as estampadas nas camisetas dos empregados. Uma empresa precisa fazer acontecer as coisas que prometeu, para ter um pblico fiel. Caso contrrio, amargar uma indesejvel (e inevitvel) perda de clientes. Como afirmam Frances e Roland Bee (2000, p.13):

3 Ao perder um cliente, geralmente no se perde somente uma venda, mas potencialmente uma vida inteira de vendas. Considerando que pode ser muito dispendioso conquistar um cliente por meio de propaganda e outros custos de marketing, possivelmente represente uma surpresa o fato de algumas empresas o tratarem com tanta negligncia. A discusso quanto ao discurso que costuma prevalecer na maioria das empresas leva quase sempre ao questionamento quanto ao fato de se prometer e no cumprir uma estratgia tica. Mesmo no se podendo afirmar que esta seja, de fato, uma estratgia, algo proposital, a discusso vlida porque o pblico costuma perceb-la assim. Configurando-se ou no uma estratgia, os discursos dos executivos e dirigentes, prdigos de promessas e vazios de aes efetivas relativas ao atendimento de suas necessidades, anseios e expectativas, deturpam o conceito de marketing, geram uma falsa imagem do marketing na cabea das pessoas. O mesmo acontece com o conceito de Qualidade Total, quando o objetivo maior da garantia da satisfao dos clientes, que povoa to insistentemente os discursos, no corresponde s suas expectativas. Kotler (1980, p.30) cita Farmer (1967) para apresentar uma discusso interessante quanto contribuio sombria do marketing para a sociedade: Nos ltimos 6000 anos o campo de marketing foi considerado como feito de artistas de segunda classe, trapaceiros, picaretas e distribuidores de mercadorias de segunda mo. Muitos de ns j foram ludibriados pelo trapaceiro; e todos ns j fomos levados a comprar toda espcie de coisas que, na verdade, no precisvamos e que, mais tarde, descobrimos que nem ao menos queramos. E vai mais adiante, citando Hayden (1980, p.30): O que um homem realmente precisa? Algumas centenas de gramas de comida todos os dias, aquecimento e abrigo, dois metros para se deitar e alguma forma de trabalho que proporcionar uma sensao de realizao. E isso tudo, sob o aspecto material. Todos sabemos disso. Mas recebemos uma lavagem cerebral de nosso sistema econmico, at que terminemos

4 numa tumba, debaixo de uma pirmide de prestaes, hipotecas, utenslios absurdos, brinquedos que desviam nossa ateno da estupidez de tudo isso. Como se v, a discusso antiga e gera certo desconforto. A verdade que essas e outras perguntas costumam atormentar principalmente os estudiosos de Marketing e de Qualidade, j que as duas disciplinas, supe-se que em funo especialmente da dessintonia entre o discurso e a prtica, so distorcidas em sua essncia, levando a uma percepo de inocuidade, de simples centros de custos ou mesmo de falcatrua. O principal objetivo deste estudo justamente analisar de modo aprofundado o confronto que parece existir entre a teoria, o discurso e a prtica, no que tange questo da satisfao dos clientes. Escolheu-se como foco o setor de telecomunicaes, mais especificamente as empresas operadoras de

telecomunicaes que atuam no Distrito Federal, por estar o autor mais familiarizado com ele, j que oriundo desse setor, na regio eleita para a realizao do trabalho que aqui se apresenta. Espera-se que seus resultados possam contribuir para uma viso mais realista do Marketing e da Qualidade Total, no que diz respeito ao seu princpio maior, ao mesmo tempo em que possa orientar empresrios e executivos do setor de telecomunicaes a conciliar seu discurso com a teoria e a prtica, empenhando-se, de verdade, no atendimento satisfao das necessidades dos clientes. 1.2 Justificativas Por que realizar esta pesquisa? A resposta, aparentemente simples, : porque o assunto incomoda. Fala-se muito em cliente, fala-se muito em orientao para o cliente, fala-se muito em produzir para a satisfao das necessidades dos clientes. Logicamente que no se quer aqui ferir nenhum princpio cristo, mas fazendo uma analogia com um dos mandamentos bblicos que determina aos seguidores de Cristo no pronunciars em vo o nome do Senhor, teu Deus; porque o Senhor no ter por inocente aquele que tiver pronunciado em vo o seu nome (Deuteronmio, 4.5, 12, p.221), se o cliente fosse um deus, muitos dos dirigentes e executivos das grandes corporaes estariam condenados ao fogo do Inferno.

5 Tudo o que a maioria dos empresrios diz que faz respaldado por uma figura mitolgica denominada Cliente (ver captulo 2). Pela teoria, em que esse mito deve ser o centro de todas as atenes de qualquer empresa, ser um cliente deve ser maravilhoso: um monte de gente empenhada em descobrir o que ele necessita, desenvolvendo produtos e servios conforme essas necessidades e oferecendo tais produtos e servios de modo a obter plena satisfao do mito. O discurso lembra um poema de Drummond (1964, p.7): Itabira apenas uma fotografia na parede. Mas como di. A analogia faz sentido quando se imaginam os belos quadros que costumam enfeitar as dependncias das empresas, com suas declaraes de misso, valores, polticas e diretrizes: quadros muito bonitos graficamente, mas incuos do ponto de vista prtico, contendo mensagens que ningum l e, o que pior, que ningum pratica. Substituindo algumas palavras no poema de Drummond, pode-se ter algo como: O cliente apenas um quadro na parede. s decorativo. Ou, ainda, O cliente apenas o discurso do presidente. Na prtica, ningum faz nada do que o presidente diz que a empresa faz. Assim, a orientao para o cliente fica parecendo, como se diz no jargo popular, uma rainha da Inglaterra, uma entidade que todos os empresrios dizem que idolatram, mas que, na verdade, uma figura decorativa, utilizada para enfeitar paredes. O tema, como se v, bastante controverso e necessita de um aprofundamento. E na prtica, como tudo funciona? H alguns pressupostos, baseados em pesquisa realizada por Dantas em 1993. O primeiro deles que a grande maioria das empresas, na verdade, ainda no saiu da viso arcaica e incompatvel com os dias atuais, da administrao da porta para dentro, evidncia relativamente fcil de ser comprovada, quando se v tantos executivos que mal conhecem as dependncias da empresa em que trabalham e que ditam as regras para o atendimento ao pblico sem qualquer conhecimento da

6 realidade. Fala-se muito em quebrar paradigmas, em se ter uma empresa sem fronteiras, sem divises, mas o que acontece na prtica, ainda a formao de feudos. O cliente, cuja expectativa inicial ao procurar a empresa ser recebido por algum que possa resolver o seu problema, como que jogado de um lado para outro, passando por diversas reas, ligando para vrios telefones, tendo que explicar para diversas reas os motivos de sua ida ali, enfim, continua sendo uma espcie de joguete na mo dos empregados de muitas das empresas brasileiras. Essas mesmas empresas recebem prmios de marketing, conseguem certificaes ISO 9000 em muitos de seus processos e tm seus executivos sempre em destaque em revistas e peridicos especializados. O segundo pressuposto o de que muitas empresas no se preocupam de fato com o correto recrutamento, seleo e treinamento de seu pessoal de atendimento. Essa falta de preocupao com a qualidade do atendimento, problema tipicamente gerencial, gera alguns vcios muito evidentes no atendimento que oferecem e que refletem, obviamente, na satisfao dos clientes. Vcios que vo, conforme tambm constatado na pesquisa realizada por Dantas (1993), desde o uso de siglas e grias, filas e formas inadequadas de postura e tratamento, at a supervalorizao de mquinas, o atendimento telefnico incorreto e o menosprezo ao cliente.

O terceiro e ltimo pressuposto o de que muitas empresas vem seus clientes como pessoas com pouco (quase nenhum) poder de discernimento, para saberem o que bom ou o que ruim para si. Tal pressuposto tem como base as afirmaes feitas por certos dirigentes de empresas e comentadas em outras partes deste trabalho, de que os clientes muitas vezes no sabem o que querem. Informaes como essa acabam sendo uma sada interessante para tais empresrios, j que lhes aufere uma espcie de liberdade para tomar suas decises, sem levar em conta, bvio, o que seus clientes desejam. Trata-se de uma situao cmoda para quem administra qualquer organizao. Est caracterizada, portanto, uma certa (aparente) incoerncia entre a teoria, o discurso e a prtica, que leva a uma pergunta inevitvel: possvel aplicar na prtica a orientao para o cliente? Tudo leva a crer que sim. O que parece distorcer a realidade o fato de, ao que tudo indica, serem os prprios empresrios e dirigentes de empresas os agentes dessa possvel dissonncia. Mesmo que muitos deles no

7 o faam propositada e maliciosamente, podem existir alguns que assim procedem, mesmo sabendo que isto pode vir a prejudic-los em algum momento. O assunto, portanto, instigante. Quem trabalha com marketing ou com gesto pela qualidade, no pode deixar que um tema dessa relevncia passe sem ser discutido. Se todos querem clientes satisfeitos, tm que se empenhar ferrenhamente para que isso acontea. No bastam somente palavras. Antes de mais nada, preciso ao. Por que enfocar o setor de telecomunicaes? Por que um setor em plena ebulio, em franco crescimento, com grande disputa de mercado e que passou por uma mudana muito brusca, que pode causar grandes impactos sobre a satisfao dos clientes. Sendo os atuais dirigentes e empresrios que controlam o setor pessoas, em sua maioria, oriundas de setores industriais totalmente diversos do setor de telecomunicaes, de se esperar que enfrentem certas condies adversas que podero lhes causar eventuais problemas. Isso porque o consumidor de servios de telecomunicaes muito seletivo e exigente, sabe bem o que quer e, ao mesmo tempo que ama, odeia. Ele no vacila, por exemplo, em levar o nome de uma empresa operadora ao PROCON por causa de um servio, mesmo estando satisfeito com ela em relao a outros (ver captulo 3). A experincia do autor como gerente de marketing de uma empresa operadora, mesmo que em outro contexto (em que a empresa ainda era estatal) pode, e essa sua expectativa, contribuir de certa forma para uma nova postura gerencial, face aos desafios que se vislumbra para o setor. Aprimorando ainda mais o foco do trabalho, escolheu-se o Distrito Federal como centro de sua realizao, tendo em vista a localizao das sedes da maioria das empresas operadoras estudadas e da Agncia Nacional de Telecomunicaes (ANATEL) em Braslia. Sendo o autor residente nessa Capital e conhecedor do mercado no que tange ao consumo de servios de telecomunicaes e s exigncias do setor, o levantamento e a anlise de informaes demandadas para o bom xito do trabalho puderam ser viabilizados dentro do tempo limite fixado para

8 seu desenvolvimento, satisfazendo aos critrios cientficos exigidos por uma dissertao de mestrado. Por que foi escolhido o tema e o que ele tem a ver com a engenharia de produo? O tema escolhido deveu-se curiosidade cientfica natural quanto percepo dos clientes das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal no que concerne a uma orientao para o mercado. Ser que ter clientes satisfeitos o principal objetivo dessas empresas? Como ser o discurso dos dirigentes dessas empresas para com os seus clientes? Suspeita-se que haja uma dissonncia entre a teoria (o que est nos livros), o discurso dos dirigentes (e o que veiculado nas peas de comunicao) dessas empresas e a percepo dos clientes. Mas suspeitar s no suficiente para a cincia. preciso investigar esses fatos mais profundamente. Conforme Slack (1993) no basta apenas desenvolver produtos e servios baseados em atributos definidos pelos clientes. Se uma vez desenvolvido o produto ou servio, o cliente no perceber nele algum valor, de pouca coisa valeram os esforos empreendidos pela empresa em produzir algo de qualidade. Fica claro, ento, segundo Slack (1993) que a qualidade percebida pelo cliente a que mais agrega valor ao produto. Em resumo, os discursos sero praticamente incuos se a percepo do que o cliente julga importante em relao ao produto ou servio que a empresa produz e oferece no estiver presente. A partir da oportunidade, gerada pelo mestrado, do aprofundamento na engenharia de produo, que, dentre outras coisas, procura entender as preocupaes organizacionais que afligem os administradores (www.pgie.ufrgs.br), procurou-se viabilizar a investigao mais acurada do tema. Nos dias atuais, em que exigida dos decisores de qualquer organizao uma viso empresarial globalizada, no se pode conceber um produto ou servio apenas baseado nos aspectos de gerncia de produo, engenharia de produto e gesto da qualidade e da produtividade. A moderna engenharia de produo trata tambm de

9 aspectos relacionados gesto de empresas e engenharia econmica, entre outros assuntos, o que habilita o engenheiro de produo, alm das funes tcnicas, a desempenhar funes em nvel gerencial (www.ufsc.com.br). Preparado para gerenciar, o engenheiro de produo no pode ter apenas uma viso de sua empresa da porta para dentro. Isto por que, como j foi dito, no basta desenvolver produtos ou servios tecnicamente perfeitos e achar que eles, simplesmente por este motivo, geraro satisfao nos clientes da empresa. O produto ou servio completo aquele que foi moldado segundo os padres tcnicos de qualidade, e que percebido pelos que o consomem, como realmente bom e til. Pode-se afirmar, ento, que a preocupao com a satisfao dos clientes e sua fidelizao, sendo uma questo organizacional, deve ser objeto de preocupao no s de administradores, como tambm do engenheiro de produo. Afinal, manter clientes garantia de produo. Realizar esta pesquisa, ento, ser importante porque espera-se que seus resultados possam contribuir para uma viso mais realista do Marketing e da Qualidade Total, no que diz respeito ao seu princpio maior, ao mesmo tempo em que poder ajudar empresrios e executivos das organizaes ligadas ao setor de telecomunicaes a conciliar seu discurso com a teoria e a prtica, empenhando-se, de verdade, no atendimento satisfao das necessidades dos clientes. 1.3 Objetivos 1.3.1 Geral Avaliar, por confrontao, a teoria, o discurso e a prtica, no que diz respeito satisfao dos clientes em empresas operadoras de telecomunicaes que atuam no Distrito Federal. 1.3.2 Especficos Identificar a viso da satisfao do cliente sob a tica das teorias do Marketing e da Qualidade Total. Verificar a existncia de programas de Qualidade Total e de Marketing nas empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal.

10 Identificar a preocupao das empresas operadoras de

telecomunicaes do Distrito Federal em atender as expectativas e anseios dos clientes. Identificar o que pensam os clientes das empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal a respeito do empenho das mesmas em atender s suas necessidades. Verificar se existe distanciamento entre a teoria (o que est escrito, o que se espera), o discurso (o que se diz) e a prtica (o que se faz), no sentido de gerar e corrigir aes, baseadas nas expectativas e anseios dos clientes, nas empresas operadoras de telecomunicaes do Distrito Federal. 1.4 Limitaes da Pesquisa A pesquisa teve como limitaes principais, primeiro o fato de nem todas as empresas que atuam no Distrito Federal terem sua estrutura comercial ou de marketing, ou alguma rea equivalente, situada em Braslia. Tal fato dificultou ou impediu a realizao de entrevistas com executivos dessas empresas, como foi o caso da Global Village Telecom (GVT), com toda a sua diretoria de marketing centralizada em Curitiba, e da Intelig, com sua estrutura comercial centralizada no Rio de Janeiro. Isto no significa porm que no haja representantes dessas empresas em Braslia. Eles foram procurados, mas alegaram no poder ajudar, j que eram meros executores das estratgias emanadas das respectivas holdings, o que gerou a segunda maior limitao ao trabalho aqui desenvolvido: talvez por insegurana ou por imposio das holdings, que possivelmente os desautorizavam a falar em nome das empresas, esses executivos ficaram receosos de tratar do assunto objeto da pesquisa que embasou esta dissertao. O modo encontrado para suprir essas limitaes foi partir para uma anlise das misses de tais empresas. No se pretendeu estender o presente estudo s demais regies do pas, o que exigiria, alm de um aprofundamento maior do tema, critrios estatsticos mais rigorosos.

11 1.5 Metodologia A metodologia utilizada na realizao deste trabalho foi um estudo comparativo, realizado por confrontao, englobando pesquisas qualitativas e quantitativas, e pesquisa exploratria. A pesquisa exploratria foi utilizada para se obter a fundamentao terica para o tema desenvolvido. As pesquisas qualitativas e quantitativas foram utilizadas para avaliar os pontos comuns e os pontos discordantes entre a teoria (obtida pela pesquisa exploratria), o discurso (obtido por meio de entrevistas em profundidade e por observao) e a prtica (obtida por entrevistas realizadas por amostragem junto ao pblico consumidor de servios de telecomunicaes no Distrito Federal). 1.6 Estrutura Aps este captulo introdutrio, o Captulo 2 apresenta uma reviso da literatura sobre os temas satisfao de clientes, Marketing e Qualidade Total. No Captulo 3 mostra-se um aprofundamento do tema a ser desenvolvido neste trabalho. No Captulo 4 expe-se a metodologia de pesquisa utilizada na execuo deste trabalho. No Captulo 5 so apresentados os resultados da pesquisa, com os devidos comentrios. No Captulo 6 apresentam-se as concluses e recomendaes obtidas a partir do trabalho realizado. Por fim, colocam-se as Referncias Bibliogrficas e os Anexos.

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2. REVISO DA LITERATURA2.1 O Cliente: Mito dos Sculos XX e XXI? Ao se pensar em mitos, nos dias atuais, imediatamente se lembra de alguns mitos gregos, como o de Pandora, que abriu a caixa proibida soltando todos os males, restando somente a esperana, ou ainda do Saci-Perer, de Tup e outras lendas que povoaram a infncia de todo mundo e que tm origem nas culturas indgena ou africana. Os mitos primitivos, portanto, no passam de histrias fantasiosas que so contadas ao lado das histrias da Branca de Neve ou da Bela Adormecida. O mito, porm, no isso. Quando vira uma histria, uma lenda, ele perde a sua fora de mito. 2.1.1 O Que o Mito Aranha e Martins (1982, p.7) afirmam que: O mito, entre os povos primitivos, uma forma de se situar no mundo, isto , de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. um modo ingnuo, fantasioso, anterior a toda reflexo e no-crtico de estabelecer algumas verdades que no s explicam parte dos fenmenos naturais ou mesmo a construo cultural, mas que do, tambm, as formas da ao humana. Deve-se salientar, entretanto, que, no sendo terica, a verdade do mito no obedece lgica nem da verdade emprica, nem da verdade cientfica. verdade intuda, que no necessita de provas para ser aceita. Segundo os autores, O mito nasce do desejo de dominao do mundo, para afugentar o medo e a insegurana (1982, p.7). Eles explicam que, estando o homem sujeito s foras natureza, que o assustam e o fazem sentir-se, de certo modo, impotente diante delas, empresta-lhes qualidades emocionais, dando-lhes

13 vida. Dessa forma, as coisas esto sempre impregnadas de qualidades: so boas ou ms, amigas ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou ameaadoras e repelentes. Para que o homem possa sobreviver em um mundo movido por tais foras, precisa agrad-las. Assim, ter caa abundante, terra seja frtil, crianas sadias, grupos protegidos e mortos possam ir em paz (Aranha e Martins, 1982, p.7). Sob essa tica, parece claro que o pensamento mtico est, ento, muito ligado magia, ao desejo, ao querer que as coisas aconteam de determinado modo. apartir disso que se desenvolvem os rituais como meios de propiciar os

acontecimentos desejados. Aranha e Martins (1982, p.7) afirmam que O ritual o mito tornado ao. Os exemplos so muitos: j nas cavernas de Lascaux e Altamira, o homem do Paleoltico (10000 a 5000 a.C.) desenhava os animais, dentro de um estilo muito realista, e depois atacava-os com flechas, para garantir o xito da caada. Os ritos de nascimento e de morte que vo dar ao recm-nascido um reconhecimento como ser vivo, pertencente a uma determinada sociedade; ou, ao defunto, a mudana de seu estatuto ontolgico (de ser vivo a ser morto) e a aceitao pela comunidade dos mortos. Outro exemplo o da expulso de uma comunidade: uma vez realizados os ritos, a pessoa expulsa no precisa sair da comunidade, pois todos os outros integrantes passaro a no v-la, no ouvi-la, enfim, a agir como se no existisse ou no estivesse presente. Para a comunidade, terminado o ritual, a pessoa expulsa desapareceu simbolicamente, mesmo que continue de corpo presente. E essa excluso social acaba, em geral, levando morte. No mundo atual, e, mais especificamente, no mundo dos negcios, a necessidade de mitos, que at muito pouco tempo parecia no existir, veio tona com a orientao surgida no ps-guerra, capitaneada pelo surgimento do marketing e da gesto da qualidade. Os homens de negcio precisavam de mitos, precisavam de uma fora que os animasse e que ele precisasse agradar para que houvesse caa abundante. E qual seria este mito, essa entidade que mobilizaria os homens de negcio? Acredita-se que dessa procura tenha surgido a figura do cliente, que veio a substituir o antigo fregus. Cliente era muito mais chique, mais

14 interessante para as empresas, pois fregus era um nome muito atrelado a feiras, vendas, lojas populares do interior, coisa de segunda classe. Mas, o que um cliente? Uma conceituao muito simples (e, portanto, interessante), a apresentada por Moura (1997, p.57): Clientes so todos aqueles que adquirem e fazem uso dos produtos das empresas. De acordo com esse conceito pode-se inferir, ento, que todos os indivduos e empresas que consomem produtos e servios oferecidos por qualquer organizao podem ser considerados clientes. Esta viso dos dias de hoje, provavelmente no seja a mesma viso de cliente que se tinha no ps-guerra, quando os americanos comearam a dominar o mundo e os japoneses tiveram que se organizar para reconstruir um pas em frangalhos. A viso de cliente, quela poca, talvez devesse ser uma viso mais honesta, mais pno-cho, onde a vontade de satisfazer necessidades, expectativas e anseios de pessoas realmente estivesse presente. Afinal, vivia-se um momento de ps-guerra, em que o mundo precisava se reorganizar, tornar-se novamente adequado a condies de vida decentes e dignas daqueles que o habitavam. Solidariedade, mais do que simples consumismo, devia ser a palavra de ordem. O fato que as filosofias de Marketing e Qualidade Total, apresentavam-se ao mundo com o mesmo princpio: a satisfao plena das necessidades, anseios e expectativas das pessoas. Marketing, portanto, s se justificava se, antes de se produzir qualquer bem ou servio, se fosse ao mercado, descobrisse o que o mercado queria, de que modo queria, a que nvel de preo e em que condies, e, s ento, se elaborasse esse bem ou servio, dentro da premissa maior de que ele realmente satisfaria necessidades, pois, quem os solicitou foi o pblico. Era importante tambm que aqueles que disseram o que queriam, soubessem que o bem ou servio havia sido desenvolvido conforme suas expectativas o que era feito pela propaganda e por outros itens do composto promocional. Depois do bem ou servio colocado disposio desse pblico, havia que cuidar para que ele realmente gostasse do que lhe foi oferecido e, a partir da, permanecesse fiel a quem produziu e ofertou o bem ou servio ao mercado. Do mesmo modo, Qualidade

15 Total s se justificava se seu princpio maior fosse levado em conta: desenvolver bens ou servios com uma qualidade intrnseca percebida pelo pblico-alvo, que agregasse valor ao que ele adquiria, com vantagens no s para a empresa, mas tambm para esse pblico. Acontece que, a partir do princpio comum das duas filosofias, parece que um oportunismo sem fronteiras tomou conta do mundo: o lucro, que a mola-mestra do capitalismo, parece ter se sobressado a esse princpio, e da parece ter comeado toda a confuso: os empresrios incorporaram o discurso do Marketing e da Qualidade, mas adotaram uma postura prtica de finanas. certo que a exigncia do lucro sempre estava presente em ambas as filosofias oriundas, afinal, do capitalismo, mas sua evoluo no se manteve segundo os preceitos iniciais. A reduo de custos de produo, condio importante para a Qualidade, virou sinnimo de corte de pessoal nas empresas. Esqueceram-se (esquecem-se) os empresrios que h outras formas inteligentes de reduo de custos e que, a partir de um bom controle de desperdcio, que os especialistas em Qualidade Total tm condies de fazer muito bem, pode-se obter redues significativas de custos. A dura realidade, ento, que o cliente passou a ser uma espcie de escora para as empresas dos tempos modernos, um libi para a tomada de decises, um respaldo para sustentar aes dos dirigentes e empresrios, que se permitem at certas mentirinhas, embasados em pesquisas junto aos clientes ou em interpretaes forjadas que beneficiem a organizao (e no necessariamente tambm o cliente). A partir da, surgiu o mito. O cliente como um ser, que ningum v, que ningum toca, que ningum contesta, um semideus que est presente em todas as organizaes como um fantasma: tudo pode, tem sempre razo, o rei. Pode-se arriscar at a dizer que o cliente foi o grande mito do Sculo XX e continuar sendo o mito do Sculo XXI para muitas empresas. Mas preciso desmitificar o mito, para se entender melhor o relacionamento empresa-cliente e se ter uma aproximao mais realista entre a teoria, o discurso e a prtica. 2.1.2 Desmitificando o Mito Dentre os jarges mais comuns que permeiam os discursos dos empresrios e executivos os mais comuns so:

16 O cliente o Rei. O cliente tem sempre razo. O cliente est sempre em primeiro lugar. Tem-se sempre que acatar o que o cliente diz. O cliente a razo de ser da empresa.

Ao usar qualquer desses jarges, fica clara a figura do cliente como mito. Por que dizer o cliente e no os clientes? O artigo definido no singular generaliza, d importncia, cria emoo. Algumas empresas insistem em usar a palavra cliente no s no singular, mas tambm com C maisculo. O que aumenta ainda mais o nvel de importncia do mito. 2.1.2.1 O cliente o rei As discusses sobre tais jarges, comeam a aparecer em revistas e peridicos especializados. Como diz Almeida (1999, p.5), Um Rei pode tudo, a qualquer hora, em qualquer lugar, sobre quaisquer circunstncias, sempre! O Rei Lus XIV, certa vez, disse: O Estado sou Eu, portanto Eu sou a Lei. O que parece acontecer que os empresrios e executivos resolveram usar o poder do Rei ao p da letra e delegar ao cliente esse poder. Esquecem-se, porm, ainda conforme Almeida (1999, p.5), que: As histrias de reis e rainhas, por vezes irrigadas de romantismo e beleza, invariavelmente nos transmitem sentimentos de injustia, arrogncia e prepotncia. Um Rei no tem parceiros, tem sditos. Um Rei no tem colaboradores, tem bajuladores. Um Rei no conta com trabalhadores ou fornecedores, mas sim com escravos. Seria esta a relao ideal a ser estabelecida entre fornecedores e clientes? Diante de tal ponto de vista, portanto, o conceito do cliente como Rei deve ser encarado como um mito prejudicial empresa. Uma vez instalado e difundido esse conceito na cultura da organizao e, por conseguinte, na cabea das pessoas, os problemas, os prejuzos e a confuso comeam a aparecer. Isto por que para um rei no h limites. Eis alguns pontos que devem ser melhor avaliados:

17 Quando um empresrio, executivo ou dirigente incorpora, promove e assume que o cliente o rei, passa a orientao para os empregados de que o cliente pode tudo o que quiser, como quiser e que a empresa tem que d-lo, sempre! o mesmo que afirmar que no h limites. Para o cliente, tudo! E como fica a relao com o cliente, a partir do momento em que a empresa, por meio de seus dirigentes e principais executivos, vendeu a idia de que ele um rei, e ele percebe na prtica, que a coisa no bem assim? O cliente no aceita nada menos do que o dito, que o prometido. Afinal, importante lembrar que nem todos tm o discernimento de decodificar o conceito de rei como fora de expresso. Alm disso, no relacionamento com os clientes preciso deixar as coisas perfeitamente claras para todos (clientes, empregados, fornecedores, diretoria e acionistas); principalmente para os empregados em especial aqueles com baixa escolaridade. A estes preciso se dar uma orientao clara, de forma que possam agir conforme a poltica da empresa. O lado positivo desse conceito do cliente como rei que ele expressa bem a questo da soberania que o cliente passou a ter no mercado competitivo dos tempos atuais. A fim de neutralizar os efeitos de desvios interpretativos do tipo o cliente pode tudo, sem limites, Almeida (1999, p.6) prope a alterao conceitual de que O Cliente um Rei Moderno. Segundo ele, o limite a diferena entre o rei moderno e o rei antigo, j que o primeiro no pode tudo (est sujeito Constituio de um pas), embora no deixe de ser soberano. A analogia pertinente para mostrar que para o cliente tambm h limites, mesmo sendo rei. 2.1.2.2 O cliente tem sempre razo Este mito, fartamente difundido, est intimamente ligado ao mito anterior e pode, sob todas as ticas, ser considerado absurdo. Ora, se o cliente rei, conseqentemente ele sempre tem razo. Afinal, como j foi dito, quem teria coragem de contrariar um rei moda antiga? Por outro lado, defende Almeida (1999, p.6): Se o cliente um Rei Moderno, evidentemente h possibilidades dele no ter razo. Como visto, um Rei Moderno, assim como o cliente, est sujeito a restries, seja das leis, das normas ou dos limites naturais de qualquer negcio.

18 Almeida (1999) ilustra com o exemplo dos hotis, que informam que o horrio dos cafs da manh a partir das 6 horas, e questiona se um cliente que exige seu caf s 5 horas teria razo; ou se um cliente tem razo, ao exigir seu lugar num vo, mesmo chegando atrasado ao aeroporto; ou, ainda, se um cliente tem o direito de entrar em um teatro aps o incio do espetculo, ou de exigir a troca de um eletrodomstico, mesmo quando evidente que a quebra desse aparelho foi decorrente de negligncia ou imprudncia sua. Tais situaes, em que o cliente no tem razo, so muito comuns e ocorrem aos milhares no cotidiano das empresas. Os empregados, nesses casos, tm de estar muito bem preparados para agir dentro de uma poltica (ou limite) definida(o) pela direo da empresa. Nenhum empresrio, em s conscincia, deseja criar problemas para seus clientes. Se eles forem inevitveis, entretanto, tendo os clientes ou no razo, esses problemas podem constituir-se uma oportunidade para melhorar o produto ou servio oferecido, ou, mesmo, fidelizar tais clientes. O fato que situaes em que o cliente no tem razo, e insiste que tem, so rotineiras e no h como fugir delas. Nesses casos, romper com o cliente fcil, qualquer pessoa consegue isso sem muitos esforos. O grande desafio fazer com que o cliente entenda a situao, e continue escolhendo a empresa ou seu representante como fornecedor de bens ou servios. Dru Scott (2000, p.59), uma das maiores especialistas na avaliao da satisfao de clientes, lembra, porm, que O cliente nem sempre tem razo, mas o cliente sempre o cliente. Explica a autora que esse ditado quer dizer simplesmente que solucionar o problema muitas vezes mais importante do que saber quem est certo e que quando algum est irritado, aquele que conseguir resolver o problema sem culpar a si prprio ou a outros, conseguir reduzir a tenso, todos se sentiro melhor, e tempo ser poupado: a organizao estar a caminho de obter a satisfao do cliente. Para ela, se o cliente tem ou no razo no importa; o que importa o compromisso que a organizao tem de oferecer aos clientes, sempre que possvel, o que eles desejam.

19 2.1.2.3 O cliente est sempre em primeiro lugar Bobagem! Quem coloca o cliente em primeiro lugar, est simplesmente negligenciando uma das reas mais importantes de qualquer organizao, sem a qual a empresa no consegue se fazer presente no mercado de forma positiva: os recursos humanos. H tericos que j defendem o cliente em segundo lugar. Pesquisa na Internet (www.bacaninha.com.br/frases/conselhos_3htm) captou uma frase interessante, que, infelizmente, no identifica o autor: O cliente vem em segundo lugar. Se voc quiser realmente colocar os clientes em primeiro lugar, coloque os funcionrios mais acima. A frase tem sentido, medida que muitas empresas se esquecem de que para se ter clientes satisfeitos importante ter empregados satisfeitos. E a entra a questo da motivao: que no est necessariamente ligada apenas a salrio. Alm disso, h outros fatores, tambm ligados motivao profissional, que refletem negativamente na satisfao dos clientes. Scott (2000) aponta o estresse como sendo, talvez, o mais importante desses fatores que ameaam a satisfao dos clientes. Explica Scott (2000, p.58) que: O estresse uma ameaa importante satisfao do cliente, pois grande parte do que satisfaz aos clientes ao positiva baseada em bom-senso e interesse pelo trabalho. Se voc estiver numa condio de estresse, dificilmente ir pensar nas medidas positivas que poderia adotar para satisfazer a um cliente. A autora afirma que essa ameaa satisfao do cliente causada pelo estresse, gera nos empregados uma certa limitao de pensamento, quanto s medidas positivas que poderiam ser adotadas por eles para satisfazer os clientes. Segundo seu ponto de vista, o estresse se torna particularmente perigoso devido a diversas condies, como, por exemplo, quando o trabalho da pessoa focaliza principalmente problemas ou negativas, ou quando ela raramente recebe uma manifestao de outras pessoas acerca de um bom trabalho que esteja fazendo.

20 2.1.2.4 Tem-se sempre que acatar o que o cliente diz Nas subsees 2.1.2.1 e 2.1.2.2 foram mostradas algumas situaes que podem ser criadas por clientes e que exigem uma reflexo melhor sobre esta afirmativa. Acatar sempre o que o cliente diz pode levar a aes absolutamente comprometedoras inclusive para a sobrevivncia da empresa. Isso por que nem sempre os clientes agem de boa f. No mercado h de tudo: h bons clientes e h maus clientes. Dizer no aos clientes, s vezes, desde que de maneira educada e corts, levando-os a perceber que esto errados (e no dizerlhes, explicitamente, que esto errados), uma atitude saudvel. Quem vive em Braslia, por exemplo, tem dezenas de exemplos para ilustrar essa questo. Nessa cidade, por ser talvez a capital do pas, a prtica do trfico de influncias muito comum. Todo mundo amigo de um poltico, de um general, de um governador, de um ministro. E esse fato, julgam tais pessoas, lhes d o direito de obterem vantagens especiais: furar filas, receber um atendimento diferenciado, quebrar rotinas comerciais. Acatar tudo o que essas pessoas dizem seria, no mnimo, um atestado de insanidade. Por que uns so mais importantes do que os outros? Ser amigo de figures razo suficiente para se destacar em relao a outros cidados comuns? Portanto, acatar sempre o que o cliente diz no tem sentido. Teria, se o cliente fosse mesmo um ser mitolgico, que s dissesse coisas boas, fosse sempre educado e calmo e no legislasse, algumas vezes, em causa prpria. 2.1.2.5 O cliente a razo de ser da empresa De todas as afirmativas que compem o portfolio dos jarges utilizados por empresrios e dirigentes, essa a nica que parece fazer sentido. O cliente mesmo a razo de ser da empresa. Uma empresa sem clientes no se justifica. Ainda assim, porm, poucas empresas usam as lies que podem ser depreendidas dessa afirmativa para aplicaes prticas. O cliente a razo de ser da empresa, mas h bons e maus clientes: preciso saber separar essas duas categorias, criando condies para reter os bons clientes e desfazer-se dos maus.

21 2.1.3 Por Que Preciso Desmitificar o Mito A desmitificao do cliente necessria para se entender melhor o relacionamento empresa-cliente. H que ver o cliente como um ser humano, sujeito a variaes de humor, que age s vezes de boa f, s vezes de m f, que tem erros e acertos, que costuma muitas vezes ser egosta, que pode ser educado e corts e, de repente, se tornar extremamente mal-educado, que pode ser humilde ou soberbo, que pode ser justo ou injusto, que pode ajudar ou prejudicar. Como ser humano, portanto, o cliente pode ser um rei relativo. A obrigao de qualquer empresa, em princpio, tratar seus clientes dentro dos padres normais de educao e cortesia. Mas no tem de acatar sempre tudo o que ele diz como verdade, j que nem sempre ele ter razo. Em suma, o cliente no deve ser visto como mito, mas como um ser de carne e osso: a empresa depende dele e deve viver em funo dele, mas com essa viso. Assim fica mais fcil administrar, fica mais fcil treinar as pessoas que vo atend-lo e a empresa adota uma postura mais p no cho. Afinal, h reis que so verdadeiros oportunistas, h reis injustos, h reis maus, h reis que agem de m f. 2.2 Satisfao do Cliente O que satisfao? A satisfao algo que est ligado qualidade do produto que se oferece e/ou do servio que se presta. E s quem percebe qualidade quem consome o produto ou servio. Em outras palavras, no adianta uma empresa ter produtos ou servios com excelente qualidade do ponto de vista tcnico, se, ao serem oferecidos ao mercado, o pblico-alvo no perceber essa qualidade. Da mesma forma, no adianta desenvolver produtos e servios com base apenas na sensibilidade de seus criadores. Mesmo podendo dar certo em algumas situaes, na maioria delas essa regra no funciona. Para satisfazer necessidades, anseios e expectativas de clientes, a primeira condio que se conheam essas necessidades, anseios e expectativas. S haver satisfao do cliente se ele perceber que a empresa

22 empenhou-se de fato em descobrir o que ele necessitava e desenvolveu para ele o produto ou servio adequado. Um cuidado importante que deve ser tomado quanto percepo do cliente com relao empresa, se o(s) produto(s) que ela oferece no satisfazem as suas necessidades ou, mesmo, quando, ao oferecer um servio, ela no o faz de modo adequado. Como afirmam Berry e Parasuraman (1992, p.53): Os clientes prestam mais ateno ao desempenho da companhia quando algo d errado do que quando tudo funciona bem. Servios com falhas produzem uma emoo mais intensa e, assim, uma avaliao mais carregada da parte do cliente do que o servio impecvel. Os autores afirmam que os clientes reagem com certa indiferena aos servios realizados conforme o planejado (os servios de rotina). O mesmo no acontece com os clientes que se deparam com os servios no rotineiros. Neste caso, a indiferena d lugar a um exame atento da maneira como a empresa de servios trata do assunto. Tais clientes formam, segundo Berry e Parasuraman (1992, p.53), uma platia atenta para as mensagens que o esforo de recuperao da empresa transmite sobre seus valores e prioridades de servio. O problema que muitas empresas no se empenham em saber se seus clientes esto satisfeitos ou seus clientes no costumam se manifestar espontaneamente quanto sua satisfao. Como dizem Mller e Barlow (1996, p.20) em seu livro Reclamao de cliente? No tem melhor presente: Quando os clientes esto insatisfeitos com os produtos ou servios, eles tm duas opes: podem dizer alguma coisa ou irem embora. Se forem embora, eles esto tirando das empresas virtualmente qualquer oportunidade de reparar a insatisfao. Os clientes que reclamam ainda esto conversando conosco, dando-nos a oportunidade de torn-los satisfeitos de forma a aumentar a probabilidade de que venham a comprar nossos produtos ou servios novamente. Por mais que no gostemos de receber feedback negativo, clientes que reclamam esto nos presenteando. Mller e Barlow (1996) alertam para o fato de que os clientes insatisfeitos podem manifestar ou no sua insatisfao. No primeiro caso, dizem algo; no segundo, vo

23 embora. Os que vo embora esto tirando das empresas qualquer oportunidade de reparar a insatisfao. Os que reclamam, porm, ao conversarem com os empregados da organizao com a qual esto insatisfeitos, oferecem a ela a oportunidade de reverter a situao indesejvel, o que possibilita o aumento da probabilidade de novos negcios. Da afirmarem que a reclamao do cliente um presente. Esse ponto de vista de Mller e Barlow deve ser examinado detidamente, j que estimula os clientes a se manifestarem, mesmo que negativamente. Embora se concorde que as reclamaes possam ser uma grande fonte de manifestao da insatisfao dos clientes, cabem algumas crticas a essa teoria, principalmente no que se refere ao mercado brasileiro, em que os clientes, acostumados s impunidades e, por conseguinte, desacreditados do sistema ou por pura preguia, no costumam se manifestar. Para que a reclamao aparecesse, neste caso, haveria, talvez, que fazer uma campanha publicitria estimulando os insatisfeitos a se manifestarem. Por outro lado, haveria que preparar o pessoal das empresas a aceitar a reclamao de fato como um presente e saber fazer uso dela. H tambm o caso das empresas que fazem avaliaes regulares da satisfao de seus clientes, mas pouco, ou quase nada fazem para corrigir os pontos negativos apontados pelos mtodos de avaliao. Como afirmam Benevello e Dantas (1999, p.598), referindo-se ao pessoal de marketing das empresas do extinto Sistema Telebrs, quando implantou nelas mtodos de avaliao da satisfao dos clientes, num momento em que ainda prevalecia uma cultura tipicamente de engenharia: O pessoal da rea de marketing das diversas empresas quase cansou de fazer pesquisas para as gavetas, mas no desistiu. Isso por que os gerentes recebiam os relatrios e, muitas vezes, os engavetavam, ignorando seus resultados e no fazendo qualquer esforo no sentido de corrigir os pontos negativos identificados pelos clientes. Era como se estes no existissem. Sendo a maioria dos gerentes das reas tcnicas (s quais se destinavam as pesquisas) engenheiros, a idia que prevalecia era de que aquelas informaes no eram importantes. Questionamentos do tipo: como se pode fazer pesquisa com 600 pessoas, quando se tem uma populao de milhares de usurios de servios de

24 telecomunicaes? Essas pesquisas refletem a opinio de 600 pessoas, no do universo!. Ou, ainda: Eu nunca fui entrevistado!. Tais questionamentos parecem mostrar que estatstica no era o forte da maioria dos engenheiros de telecomunicaes daquela poca. Comeou-se a dar importncia s pesquisas de satisfao de clientes apenas no momento em que iniciaram os movimentos pr-privatizao do Sistema Telebrs, quando grupos de empresrios organizaram-se para pressionar ao governo nesse sentido. Temendo as implicaes decorrentes da privatizao, os engenheiros

comearam a tomar suas decises em funo dos resultados das pesquisas, atribuindo enfim a elas, a devida importncia. 2.3 O Que Quer o Cliente? Ouve-se com freqncia por a as seguintes discusses e argumentos: No creio que devamos comear um processo voltado para qualidade at que saibamos o que quer o cliente; O cliente quer o menor preo e nada mais; Creio que a entrega a tempo o mais importante. Se no se pode lograr uma maior compreenso das necessidades do cliente e de seus nveis de satisfao, nunca se poder ser capaz de tomar as decises firmes comumente exigidas para iniciar as mudanas e melhorias em qualquer organizao. Como se sabe, uma iniciativa de qualidade que no esteja intrinsecamente ligada satisfao do cliente est condenada ao fracasso (Herrington, 1999, p.1). O rbitro final do sucesso o cliente e a recompensa final do sucesso so os ganhos. Muitos empresrios simplificam excessivamente o conceito de satisfao do cliente. H uma tendncia em se pensar em termos de cliente mdio um cliente que somente quer uma ou algumas poucas coisas. Isso parece lgico, a partir de duas perspectivas: a primeira que cada empresrio tem numerosos clientes e que cada um desses clientes, em determinado momento, tem um nvel nico de satisfao individual. A segunda que cada um desses nveis de satisfao do

25 cliente muda com o tempo. A satisfao do cliente, ento, um objetivo complexo, que muda constantemente; portanto, todo processo destinado a determinar a satisfao do cliente deve poder detectar tanto essa complexidade quanto o ritmo da mudana. Por sorte, a satisfao do cliente segue um padro lgico. Para compreend-lo, pode-se contar com o modelo das etapas de satisfao do homem, desenvolvido por Maslow (1943). Maslow (1943) acreditava que essas necessidades deviam satisfazer-se segundo uma seqncia fixa, que comeava com as necessidades fisiolgicas e terminava com as necessidades de auto-realizao. Alm disso, essas necessidades tinham que satisfazer-se cumulativamente. Ento, se a motivao atual de uma pessoa a satisfao de uma necessidade superior, como a de estima, por exemplo, as necessidades inferiores, como as fisiolgicas, as de segurana e a de participao, j devem ter sido satisfeitas. Se, entretanto, uma necessidade inferior como a de segurana, deixa subitamente de estar satisfeita, haver uma mudana de comportamento. Obter a estima j no ser uma motivao. O comportamento e a motivao do indivduo buscaro satisfazer a necessidade hoje no satisfeita de sentir-se seguro. Uma vez que o indivduo se sinta novamente seguro, sua motivao ento se concentrar em satisfazer a necessidade imediatamente superior, a de participao. Uma vez satisfeita, a necessidade operativa ser novamente a de conseguir obter a estima. Boa parte do modelo de Maslow permite predizer o xito ou o fracasso das iniciativas de mudana cultural contemporneas. Os empregados que se preocupam com a estabilidade em seu trabalho (segurana), por exemplo, talvez no respondam a programas de reconhecimento no monetrios (estima). As iniciativas de empowerment (realizao pessoal) talvez no tenham sucesso em uma cultura de baixo respeito pelos indivduos (estima). muito provvel que tentar o empowerment sem criar primeiro a identificao com o grupo em que se est inserido (participao na sociedade) seja intil. Se no possvel oferecer uma garantia de estabilidade no trabalho (segurana), qualquer programa de qualidade destinado a aumentar a produtividade por iniciativa dos empregados ir por gua abaixo e ser impossvel tornar a organizao eficiente.

26 Como os indivduos, os clientes tm hierarquias de necessidades anlogas. Tornase crtico, para uma iniciativa bem-sucedida de qualidade, compreender a hierarquia de satisfao do cliente e conhecer suas necessidades atuais e seu nvel de satisfao. Isto se converte, ento, no marco para a avaliao e a ao. 2.3.1 Etapas das Necessidades dos Clientes As necessidades humanas inferiores so fisiolgicas: comida, descanso, etc. A necessidade anloga do cliente que funcionem os produtos ou servios essenciais. Se a mquina no funciona, o produto qumico no reage, o vo cancelado, ou o banco no paga os cheques, ento nenhum outro nvel da relao cliente-fornecedor realmente importa. Esta a necessidade bsica. A oferta principal, seja um produto, seja um servio, deve funcionar. A necessidade seguinte a segurana: estabilidade, proteo, confiabilidade, ausncia de ansiedades, etc. A analogia com o cliente a necessidade de obter o conjunto de servios bsicos associados com o produto principal (por exemplo, a entrega de produtos a tempo e sem danos). Em uma atividade dedicada aos servios, o equivalente segurana a facilidade de acesso, horas de operao apropriadas ou acesso localizado ao servio. Tanto no campo dos produtos quanto no dos servios, existe a necessidade de que o faturamento seja preciso e confivel. Em uma atividade muito sensvel ao preo, como o caso das atividades do setor de produtos industriais, a confiana em que o preo do provedor competitivo uma necessidade de segurana. As garantias contemplam essas necessidades oferecendo uma rede de segurana que respalda o compromisso da confiabilidade. A terceira necessidade humana de Maslow (1943), a necessidade social ou participao na sociedade, equivale necessidade do cliente de contar com uma relao aberta, acessvel, interpessoal, humana e bilateral. Aqui se vai mais alm dos produtos e servios e se entra na dimenso humana. Os empregados dos provedores tm que escutar os empregados do cliente e comunicar-se com eles para compreender suas expectativas nicas ou para solucionar seus problemas. Exemplos da necessidade de participao dos clientes so os contatos freqentes com a fora de vendas, a assistncia ao cliente do servio 0800, os servios tcnicos e os servios ao cliente para ajud-lo a decidir que produto ou servio existente o mais adequado para ele e tambm o servio ps-venda.

27 A quarta necessidade na hierarquia de Maslow (1943) a estima: a necessidade humana de alcanar o reconhecimento, ou de ter prestgio, uma reputao favorvel ou experincia. Na atividade comercial, os fornecedores do ao cliente o prestgio e a estatura quando assinam unilateralmente recursos destinados a compreender e antecipar as foras de mudana que afetam o cliente e desenvolvendo logo novos produtos e/ou servios. O fornecedor toma a iniciativa e aceita o risco de apresentar idias e solues que os prprios clientes talvez no haviam considerado como possveis ou valiosas. O nvel mais alto na escala de Maslow (1943) a realizao pessoal. O indivduo que se sente realizado tem a convico interna de excelncia e domnio no que faz. A relao com o cliente realizado chega a um estado de excelncia que, amide, descrito como uma verdadeira sociedade. O cliente converteu o fornecedor em um participante completo e abriu de uma conduta especfica e de longo prazo com que realiza sua atividade. o domnio sobre a atividade do cliente que move essa relao. Herrington (1999) estabelece uma hierarquia de necessidades de satisfao do cliente, equivalente hierarquia de necessidades de Maslow (1943), conforme segue: Produtos e servios essenciais que funcionem (necessidade fisiolgica). Servios bsicos confiveis, relacionados com os produtos e servios essenciais (necessidade de segurana). Interao humana que facilite a seleo e o uso dos produtos e servios existentes (necessidades de participao). Novas solues comerciais desenvolvidas pelo fornecedor (necessidade de estima). Associao (auto-realizao).

2.3.2 Hierarquia da Satisfao do Cliente na Prtica H provas que confirmam a existncia dessa hierarquia de necessidades em estudos realizados, nos quais se pede aos clientes que indiquem quais so suas necessidades mais importantes. Por exemplo, os estudos da Eastman Chemical

28 Company (citados por Herrington, 1999) estabeleceram o seguinte ranking de necessidades: Qualidade do produto. Uniformidade do produto. Integridade do fornecedor. Entrega correta. Poltica de preos. Capacidade para escutar. Flexibilidade do fornecedor. Continuidade. Tempo de resposta poltica de preos. Segurana do produto. Prticas de frete. Prticas de crdito. Reclamaes/crditos. Relaes pessoais. Conhecimento do produto. Capacitao. Entrada do pedido. Servio tcnico. Superviso do produto. Informao do fornecedor.

A necessidade de maior prioridade a qualidade do produto. Em seguida vm o equivalente segurana que so a entrega correta e a poltica de preos. Seguemse fatores como a capacidade para escutar, a flexibilidade, a continuidade e o tempo de resposta, que so equivalentes s necessidades de participao. Mais abaixo da lista, encontram-se temas como capacitao e superviso do produto, que seriam equivalentes estima, no sentido de que o fornecedor deve tomar as iniciativas que beneficiem ao cliente. A Milliken, empresa americana do setor qumico (tambm citada por Herrington, 1999), em seus estudos sobre os clientes, definiu esta hierarquia da seguinte maneira: Qualidade do produto.

29 Entrega a tempo. Manejo das entregas demoradas. Atitude. Tempo de execuo do pedido. Preo.

Mais uma vez, encontra-se a evoluo desde as coisas bsicas que funcionam at necessidades de nveis superiores, como a atitude. O que faz to poderosa a hierarquia das necessidades de Maslow (1943) a sua natureza seqencial e cumulativa. O mesmo sucede com a hierarquia de satisfao do cliente. Portanto, a necessidade bsica de que as coisas funcionem deve satisfazer-se em primeiro termo. Uma vez obtida esta, a prioridade e o foco do cliente mudam e se relacionam com os servios bsicos que do uma confiabilidade maior. Satisfeitas essas necessidades, a prioridade seguinte a relao interpessoal entre o cliente e o fornecedor. Nessa seqncia, o fornecedor desenvolver a relao com o cliente. Por exemplo, se um cliente tem confiana na qualidade e na uniformidade do produto e acredita que ele ser entregue a tempo e a um preo competitivo, ento, como afirma Herrington (1999, p.4): Para esse cliente e nesse ponto no tempo, a necessidade de saber escutar se torna cada vez mais importante. Na realidade, sob essas condies a capacidade de escutar a mais importante porque a necessidade seguinte do cliente ainda no satisfeita. Esta necessidade deve converter-se, ento, no centro de todos os esforos, porque uma vez que todas as necessidades inferiores j esto satisfeitas, esta , agora, a nmero um a ser cumprida para satisfazer a este cliente. Devido natureza cumulativa da hierarquia de necessidades, se uma necessidade de nvel inferior previamente satisfeita, inesperadamente deixa de estar, a relao se rompe no nvel da necessidade inferior no satisfeita. Se, por exemplo, se est trabalhando com um cliente no nvel da associao e, de imediato, um produto ou servio deixa de funcionar, a necessidade seguinte do cliente deve se assegurar de que os produtos e servios do fornecedor funcionam. Do mesmo modo, se se est tratando de apresentar um novo produto ou servio a um cliente e existe um problema no faturamento ou na entrega de um produto existente, a

30 ateno imediata do cliente se desvia at solucionar o problema de entrega ou de faturamento. No exemplo anterior, o que acontece se, enquanto est trabalhando para satisfazer a necessidade do cliente de ser ouvido, a empresa tem um retrocesso ao satisfazer uma necessidade de nvel inferior previamente satisfeita, como a entrega do produto? O cliente, muito provavelmente, reduzir a sua ateno em ser ouvido e at talvez a abandonar e dirigir sua ateno agora insatisfeita necessidade de uma entrega confivel. Nem tudo, porm, to simples assim. Se a concorrncia for introduzida, por exemplo, o que agora se torna importante no mais o nvel de satisfao do cliente com um fornecedor, mas com seus melhores e habituais fornecedores. Como alerta Herrington (1999, p.4): Se um cliente da Milliken se encontra satisfeito com a qualidade do produto, o cumprimento das entregas e o manejo das entregas urgentes por parte de um dos seus fornecedores habituais, a necessidade atual mais importante do cliente que os empregados do fornecedor tenham uma atitude positiva. E como fica a empresa? Onde ela est? Bem, se todavia se tenta realizar uma venda baseando-se em uma promessa de entrega a tempo, ento se est definitivamente fora. E o que pior: se a empresa fica um pouco atrs, em algum ponto no passado, por no ser competitiva na maneira como realiza suas entregas, ela no apenas fica fora, como se atola em um buraco muito profundo. Do mesmo modo como ocorre quando se tenta dar de comer a algum que no tem fome, est-se propondo um motivador a um cliente que j no tem essa necessidade. A menos que um dos fornecedores atuais deixe de cumprir, nunca se ter a oportunidade de se provar. Isto demonstra o poder da liderana do mercado. Tendo demonstrado que podem fazer o bsico, somente os lderes do mercado gozam da liberdade de diferenciar-se por meio de ofertas mais atraentes. 2.4.3 Implicaes da Determinao e da Medio da Satisfao do Cliente Pode-se utilizar o modelo da hierarquia de satisfao do cliente em um nvel tal que pode servir como critrio de prova para os representantes de vendas. Uma vez que cada cliente tem uma prioridade especfica de necessidades e um nvel de satisfao particular em determinado tempo, as perguntas-chave so as seguintes:

31 Qual o nvel de necessidade operativo atual do cliente? Como o cliente avalia o rendimento da empresa em relao a este ltimo e a todos os nveis de necessidades inferiores? Como a concorrncia satisfaz as necessidades desse nvel operativo atual?

Poder estabelecer e reconfirmar continuamente esta caracterizao tanto do cliente quanto da concorrncia fundamental para um processo de vendas bemsucedido. Realizar esta avaliao para cada cliente permite que cada um deles seja nico e individual. Repetir essa avaliao permite, com freqncia, compreender o tempo de ciclo das necessidades mutantes de um cliente e seus nveis de satisfao. Isto fixa as bases para o tipo de adaptao plena s necessidades de cada cliente que caracteriza cada vez mais os mercados e seus lderes. Com a nfase crescente posta na flexibilidade e a reduo do tempo do ciclo, torna-se necessrio fazer uma nova avaliao mensalmente, ou pelo menos trimestralmente. Quais as implicaes da hierarquia de satisfao do cliente na determinao de suas necessidades e para medir a satisfao global do cliente? Por sorte, no que diz respeito s necessidades inferiores, no se necessita muita sofisticao na investigao de mercado. Fica muito claro quais so essas necessidades: produtos e servios que funcionem, que se encontrem disponveis convenientemente, que sejam entregues a tempo e sem danos e que sejam faturados corretamente. Todas as empresas possuem uma grande quantidade de informao, oferecida pelos clientes, sobre a qual est o desempenho com respeito a essas necessidades. Essa informao pode ser vista facilmente nas devolues dos produtos, nas reclamaes pela garantia, nos ajustas nas vendas e nas reclamaes dos clientes. Por mais elementar que seja, muitos executivos seniores dos Estados Unidos no utilizam demasiadamente essas fontes de medio sobre a satisfao das necessidades inferiores. Estudo recente realizado pela Ernest & Young identificou que somente 30% das empresas americanas consideram as queixas dos clientes como fator importante de medio da qualidade (Herrington, 1999).

32 Por outro lado, segundo Herrington (1999), 60% das empresas japonesas e alems utilizam as queixas de seus clientes como elemento de medio. Esta estatstica realmente surpreende quando se admite que satisfazer as necessidades inferiores do cliente um pr-requisito para a diferenciao baseada nas necessidades superiores. Se uma empresa no pode satisfazer as necessidades bsicas, perde tempo quando anuncia os benefcios adicionais que oferece. Isto equivale a oferecer elogios a um indivduo que est preocupado por saber de onde prover sua prxima comida. Em nveis intermedirios de necessidades a relao impessoal com os clientes e tomar novas iniciativas para solucionar seus problemas a determinao da satisfao fica mais difcil. Est-se tratando aqui de questes mais subjetivas. A linha que separa a determinao da satisfao e a determinao de expectativas novas ou no cumpridas confusa. Na atividade industrial, existem mltiplas fontes de informao que provm dos clientes. O empregado do cliente que pode dizer ao fornecedor se o seu produto funciona provavelmente um indivduo diferente daquele que pode falar-lhe da atitude e do bom trabalho dos empregados da empresa. Inevitavelmente, neste ponto tem-se que usar tcnicas tais como estudos, grupos focais a partir do cliente e anlise de clientes perdidos e ganhos. A determinao do passo final da satisfao do cliente a associao clara e direta. Pode-se chegar a uma associao ou no. Se a associao conseguida, muito provvel que determinada pessoa seja a nica fonte de fornecimento, que conte com as novidades sobre o desenvolvimento dos planos comerciais do cliente e que possa participar desde dentro do crescimento e prosperidade do cliente. Essa pessoa ter cumprido e continua fazendo-o com todas as necessidades da hierarquia de necessidades e satisfao do cliente. Se ela continuar nesse rumo, sua vantagem competitiva e seu futuro estaro assegurados. Ento, o que quer o cliente? Em linhas gerais, tudo. Mas o que o cliente quer agora depende de qual seja a necessidade que se est satisfazendo. Ao satisfazlas de modo seqencial e acumulado, finalmente poder-se- dar tudo ao cliente e assim ele se converter em um scio de dentro da empresa, em lugar de um demandante de fora.

33 2.4 Um Novo Contexto: a Evoluo dos Servios e o Foco no Cliente Uma sociedade voltada para servios bastante diferente daquela voltada para a produo. Embora os servios venham despontando como o setor que mais cresce na economia mundial, somente muito recentemente as empresas passaram a perceber que, para sobreviver numa economia globalizada, tm que se preocupar com a qualidade do servio prestado. At o final dos anos 80, ao se pensar em qualidade fazia-se uma grande diferenciao entre qualidade de produtos e qualidade de servios. Como o importante era o produto fsico, a maior parte das teorias da qualidade preocupavam-se em melhorar os processos de fabricao. A concorrncia obrigava os empresrios a fazer e vender seus produtos. O novo paradigma econmico, que fez surgir uma estrutura de servios, surpreendeu os tericos, os acadmicos, os autores e experts em qualidade e at os empresrios. No estavam preparados para discutir qualidade olhando a experincia subjetiva do cliente. medida que se aproximava o Sculo XXI, ficava bastante evidente que a distino at ento feita entre produtos e servios tornava-se obsoleta. O que existe valor total para o cliente - a combinao dos tangveis e intangveis experimentados pelo cliente nos vrios momentos da verdade que compem sua percepo de transacionar com uma organizao. (Albrecht, 1993, p.49) Como o poder do cliente era agora valorizado, tornava-se imprescindvel que um sistema de qualidade em servio, tendo como foco o cliente, englobasse tanto o valor objetivo como o subjetivo. Nos dias atuais, o cliente j no aceita passivamente um tipo de servio e produto imposto pela empresa. Exige aquilo pelo qual est disposto a pagar e que esteja de acordo com seus prprios padres de qualidade. importante ressaltar que o servio, pelo fato de lidar direta ou indiretamente com o ser humano, fazendo-o participar das etapas do processo, torna-se bastante imprevisvel, sendo difcil o estabelecimento de normas gerenciais. diferente do processo de produo de bens, efetivado por uma rotina que, mesmo com a participao do homem, pode ser planejada, acompanhada, supervisionada e avaliada.

34 Esta constatao pode explicar algumas das dificuldades encontradas e o atraso no estabelecimento de metodologias para implantao de um servio de Qualidade Total. Segundo Albrecht (1993), o servio atual usa uma filosofia clara e forte, de fora para dentro e tem caractersticas especiais, tais como: o cliente considerado a referncia para os padres e medidas de qualidade; o foco no valor do cliente empregado interna e externamente; a importncia dada qualidade percebida subjetivamente; a experincia do cliente ouvida para decidir o que mudar ou aperfeioar; os processos de planejamento e de servio de qualidade total no so separados. Outros autores estabelecem diferentes princpios como base para um servio de qualidade. Denton (1990) considera doze princpios: ter viso gerencial; estabelecer um nicho estratgico; contar com o apoio da alta administrao; entender o negcio; aplicar os fundamentos operacionais; entender, respeitar e monitorar o cliente; usar tecnologia apropriada; inovar sempre; contratar pessoas certas; fornecer treinamento com base no perfil; definir padres, medir desempenho e agir; estabelecer incentivos.

Esses doze princpios podem ser sintetizados em trs conceitos: necessidade de ao gerencial; necessidade de abordar os servios de forma sistemtica; necessidade de contar com as pessoas certas nas posies-chave.

35 Conclui-se, portanto, que os servios na dcada de 90 tinham um enfoque bastante diferente do que se conhecia. Introduziram uma nova tendncia que exigia das empresas a utilizao de um sistema de qualidade focado no cliente, propiciando melhor atendimento s suas necessidades e expectativas. Exigia, ainda, tal tendncia, novas metodologias inerentes ao setor, pois suas especificidades no permitiam mais a simples adaptao de tcnicas e ferramentas usadas no cho-defbrica. Uma caracterstica peculiar das organizaes voltadas para o cliente que elas proporcionam uma alta qualidade do produto ou servio, no de acordo com definies por elas prprias desenvolvidas, mas conforme o cliente define (Whiteley, 1992, p.71). Isto significa que quem sabe o que quer quem quer, e no quem oferece. Esta uma mudana radical de princpios, ou, porque no dizer, de paradigma, fundamentada nas transformaes ocorridas no mercado. De mercado comprador, caracterizado por demanda reprimida, caminhou-se para um mercado ofertante, caracterizado por demanda seletiva. Nesta situao, o aspecto concorrencial sobrepuja o monopolista ou oligopolista, e as organizaes tm que ter agilidade para responder s necessidades do mercado, cada vez maior, mais rico e mais esclarecido. Neste processo evolutivo do comportamento do mercado, a qualidade do produto ou servio comprado foi-se revestindo de importncia, de apelo comercial para atrair o consumidor. A evoluo tecnolgica tornou-se fundamental no processo produtivo, ao garantir a qualidade intrnseca do produto ou servio, ao mesmo tempo que possibilita aumentar a margem de ganhos com a economia de escala, ou seja, garante-se maior produtividade no processo de produo de bens e servios. O domnio tecnolgico, no entanto, tende a equiparar os concorrentes, que, literalmente, podem oferecer produtos e servios com a mesma qualidade intrnseca. Logo, o aspecto concorrencial acontece muito mais como uma disputa de marcas do que uma disputa de produtos ou servios. neste contexto que a prestao de servio torna-se um diferencial, podendo reforar a imagem da marca. Assim, a qualidade focada no cliente pressupe que o desenvolvimento de produtos e servios aderentes s necessidades, desejos e expectativas do cliente contemplam o produto ou servio em si, que o que comprado (chamada de qualidade

36 intrnseca do produto, ou simplesmente qualidade do produto) e o servio associado ao que comprado, que o como comprado (chamada de qualidade do servio). Enquanto a qualidade do produto tangvel, a qualidade do servio intangvel, e transcende, em muito, o conceito de servio de reparos, aquele que oferecido sempre que alguma coisa deixa de funcionar. Esta uma atitude tipicamente reativa: atua depois da reclamao ou queixa do cliente. Isto, em si, no invalida sua relevncia. O que no pode ocorrer o servio ao cliente restringir-se ao reparo, por melhor que ele seja estruturado. O conceito de ps-venda j ultrapassa essas limitaes do servio de reparos, medida em que procura estabelecer um canal de comunicao entre cliente e fornecedor, de forma a estreitar este relacionamento e acompanhar a adequao do produto ou servio, do material de apoio, como manuais por exemplo, da atuao da rede de distribuidores, entre outros. Neste sentido, os canais abertos no ps-venda funcionam, inclusive, como alimentadores do sistem