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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X SEGREDOS E CONFISSÕES COMO ESCRITOS DE SI QUE SOBRAM DO COTIDIANO E DA CASA Alice Jean Monsell 1 Resumo: O texto reflete sobre minha proposta artística Todos os segredos fora da caixa de 2016 que potencializa um processo de compartilhar “segredos revelados” pelos participantes que os escrevem e deixam nas bolsas e sacolas apresentadas no espaço de exposição, formando uma coleção de escritas de si. O texto aborda o conceito de escrita de si em Michel Foucault e discute aspectos do feminismo que atravessam minha produção. A questão do segredo é vista em Segredos de família em exposição: psicanálise e linguagens da arte contemporânea de João A. Frayze- Pereira (2007) e, na revista Traverses (1984), ensaios de Didi-Huberman, Louis Marin e Andras Zempléni. O texto Escrita de si, Foucault(1992) possibilita distinguir dois tipos de escrita em meu trabalho: a confissão e os hypomnemata. Através do ensaio, The Confession as a ‘practice of freedom’: feminism, Foucault and ‘elsewhere’ truths de R. Mills (1995), penso sobre a confissão e a prática da liberdade em relação à proposta artística e abordo conceitos foucaultianas de parresia e cuidado de si. A performatividade em Judith Butler (2006) possibilita refletir sobre a escolha subjetiva do colaborador, que escolhe uma dentre as vinte e três bolsas, sacolas e pastas - com design culturalmente codificado masculino ou feminino - para deixar e compartilhar sua anotação escrita, seu segredo. Palavras-chave: Segredo. Escrita de si. Sobras. O segredo de uma artista, o segredo de uma mulher, onde depositar nossos segredos para acabar com a mística feminina, a memória da injustiça e abuso, uma lembrança pesada, os residuais e as sobras de um problema de família que não se resolve, justamente por ser escondido. Se estas coisas não ditas, estas sobras do cotidiano que permanecem em nossos corpos possam ser reescritas, aliviadas, transformadas e encadear um devir para tornarmos mais leves, mais ativas, mais saudáveis, então, porque manter o segredo? Este ensaio fala sobre minha proposta artística Todos os segredos fora da caixa de 2016 que me provocou a revelar um segredo pessoal e possibilitar o ato de realizar uma escrita de si que compartilha seu segredo com outras pessoas. Em L’indice de la Plaie Absente. Monografie d’une Tache, filósofo francês Georges Didi- Huberman (1984) indaga sobre as manchas de um grande pedaço de linho, o Sudário de Turim. O tecido apresenta muitas manchas, índices de algo, talvez feridas registradas em sua trama e que parecem falar de um segredo - “Mas a mancha não diz nada.”... A mancha parece existir como um efeito incerto de alguma coisa como um fundo indiferenciado. [...] a mancha é somente uma abertura precária de seu aparecimento; ela se desdobra somente com um fechamento de significado. Ela não diz nada. Ela não parece ser feita para ser entendida (como uma figura, uma aparência, um rosto [...] pelo menos, esses 1 Alice Jean Monsell, professora Adjunta Graduação e PPGAV/Centro de Artes/UFPel, Pelotas, RS, Brasil. Colíder do Grupo de Pesquisa Deslocamentos, observâncias e cartografias contemporâneas CNPq/UFPel.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th

Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

SEGREDOS E CONFISSÕES COMO ESCRITOS DE SI

QUE SOBRAM DO COTIDIANO E DA CASA

Alice Jean Monsell1

Resumo: O texto reflete sobre minha proposta artística Todos os segredos fora da caixa de 2016

que potencializa um processo de compartilhar “segredos revelados” pelos participantes que os

escrevem e deixam nas bolsas e sacolas apresentadas no espaço de exposição, formando uma

coleção de escritas de si. O texto aborda o conceito de escrita de si em Michel Foucault e discute

aspectos do feminismo que atravessam minha produção. A questão do segredo é vista em Segredos

de família em exposição: psicanálise e linguagens da arte contemporânea de João A. Frayze-

Pereira (2007) e, na revista Traverses (1984), ensaios de Didi-Huberman, Louis Marin e Andras

Zempléni. O texto Escrita de si, Foucault(1992) possibilita distinguir dois tipos de escrita em meu

trabalho: a confissão e os hypomnemata. Através do ensaio, The Confession as a ‘practice of

freedom’: feminism, Foucault and ‘elsewhere’ truths de R. Mills (1995), penso sobre a confissão e

a prática da liberdade em relação à proposta artística e abordo conceitos foucaultianas de parresia e

cuidado de si. A performatividade em Judith Butler (2006) possibilita refletir sobre a escolha

subjetiva do colaborador, que escolhe uma dentre as vinte e três bolsas, sacolas e pastas - com

design culturalmente codificado masculino ou feminino - para deixar e compartilhar sua anotação

escrita, seu segredo.

Palavras-chave: Segredo. Escrita de si. Sobras.

O segredo de uma artista, o segredo de uma mulher, onde depositar nossos segredos para

acabar com a mística feminina, a memória da injustiça e abuso, uma lembrança pesada, os residuais

e as sobras de um problema de família que não se resolve, justamente por ser escondido. Se estas

coisas não ditas, estas sobras do cotidiano que permanecem em nossos corpos possam ser reescritas,

aliviadas, transformadas e encadear um devir para tornarmos mais leves, mais ativas, mais

saudáveis, então, porque manter o segredo? Este ensaio fala sobre minha proposta artística Todos os

segredos fora da caixa de 2016 que me provocou a revelar um segredo pessoal e possibilitar o ato

de realizar uma escrita de si que compartilha seu segredo com outras pessoas.

Em L’indice de la Plaie Absente. Monografie d’une Tache, filósofo francês Georges Didi-

Huberman (1984) indaga sobre as manchas de um grande pedaço de linho, o Sudário de Turim. O

tecido apresenta muitas manchas, índices de algo, talvez feridas registradas em sua trama e que

parecem falar de um segredo - “Mas a mancha não diz nada.”...

A mancha parece existir como um efeito incerto de alguma coisa como um fundo

indiferenciado. [...] a mancha é somente uma abertura precária de seu aparecimento; ela se

desdobra somente com um fechamento de significado. Ela não diz nada. Ela não parece ser

feita para ser entendida (como uma figura, uma aparência, um rosto [...] pelo menos, esses

1 Alice Jean Monsell, professora Adjunta Graduação e PPGAV/Centro de Artes/UFPel, Pelotas, RS, Brasil. Colíder do

Grupo de Pesquisa Deslocamentos, observâncias e cartografias contemporâneas CNPq/UFPel.

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carregam com eles a promessa de um significado). Parece ser pura contingência. Ela não

diz nada sobre sua origem. Uma corte, uma digitalização tornaria significativa? Ela parece

além de toda a digitalização e qualquer narratividade. (1984, p. 153,Tradicao nossa)

O ensaio de Didi-Huberman fala de um segredo contido, não por um ser humano, mas pelo tecido.

Este abriga uma mancha que parece prestes a falar das entrelinhas do linho.

Na instalação, Todos os segredos fora da caixa, pendurei vinte e três bolsas, sacolas e pastas

na parede. Algumas foram moldadas e ajustadas de modo que parecem bocas que tem a função de

segurar a “ficha” onde está escrita um segredo (Figura 1, à esquerda). O participante da proposta

escreve na “ficha do segredo” fornecida, a dobra e a deposita num dos recipientes (Figura 1, à

direita). Como conjunto, as bolsas formam um tipo de fichário que disponibiliza os segredos

coletados para a leitura do público visitante da galeria. Todos os segredos fora da caixa foi

apresentada pela primeira vez na exposição coletiva, As Transgressões de Pandora, durante o

evento SIGAM V - Simpósio Internacional de Gênero, Arte e Memória no Centro de Artes da

UFPel em Pelotas e reapresentada na II Exposição Internacional de Artes e Gênero em

Florianópolis em 2017.

Figura 1.

Em Logiques du secret, filósofo e crítico de arte francês Louis Marin (1984), como Didi-

Huberman, discute o segredo não revelado. Amplia o conceito para incluir, a ideia de segredo em

referência aos objetos, materiais e produções poéticas. O segredo é àquilo que é “reservado” e

“não revelado” entre duas pessoas, entre dois grupos ou entre as coisas. Seja falado, escrito ou

visualizado na materialidade da obra, há uma qualidade em comum: a separação:

O segredo - a referência etimológica que, sem dúvida, será repetida -, é aquilo que é

colocado aparte (se-cemere), o que é separado, o que é reservado. Em qualquer conjunto de

indivíduos (indivíduos que, de um modo ou de outro, formam um conjunto: de coisas, de

palavras ou de frases, de pensamentos ou de discursos, de seres), um destes foi afastado,

não está mais. [...] todavia, devemos facilmente ao examinar a linguagem comum - seja

técnica, científica ou poética - [perceber] o aparecimento desta operação de separação -

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senão o contrário do segredo, pelo menos seu desaparecimento, sua resolução(MARIN,

1984, p. 60).

Marin observa como o segredo se faz presente em várias linguagens poéticas. Ao ler sobre o

segredo em relação à arte em Marin, posso relacionar o conceito com minha proposta artística

(Figura 2). Os objetos, as palavras e os textos formam um conjunto e o segredo implica que alguns

itens foram afastados. O conjunto, em meu trabalho, é a coleção de sacolas. O participante escolhe

uma destas bolsas para depositar seu segredo, assim, separando e isolando sua escrita num dos

continentes pendurados. No entanto, a separação é temporária porque o objetivo desta proposta não

é reter, esconder ou reservar o segredo, mas seu oposto: é provocar seu fim, sua revelação, ‘seu

desaparecimento, sua resolução’.

Figura 2

Na instalação de 2016 (Figura 2), apresentei uma cadeira e uma mesa com folhas de papel

preparadas. Estas são as “fichas do segredo” fornecidas para facilitar o ato de “revelar seu segredo”.

Ao depositar a anotação escrita dentro de uma das bolsas ou pastas, a colaboradora participa numa

situação de escolher um dos vinte e três recipientes. A maioria destes é culturalmente codificada por

um design binário masculino/feminino. Do ponto de vista do processo criativo, a disposição dos

objetos e a apresentação de uma variedade de estilos são procedimentos táticos, isto é, iscas para

provocar a participação na situação performativa: Qual bolsa escolher? Onde pôr minha

mensagem?, na bolsa de miçangas ou na pasta de couro?, pequena ou grande?, de veludo ou de

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algodão? O participante escolhe o recipiente que quiser. Mas, neste ato, talvez repita ou subverte a

ordem de um comportamento esperado masculino/feminino. Segundo a filósofa estadunidense

Judith Butler,

Gênero não deve ser interpretado como uma identificação estável ou lócus de agência a

partir da qual seguem vários atos. Em vez disso, o gênero é uma identidade discretamente

constituída no tempo, instituída em um espaço exterior através de uma repetição estilizada

de atos. O gênero é produzido através da estilização do corpo e, portanto, deve ser

entendido como a maneira mundana em que os gestos corporais, movimentos e estilos de

vários tipos constituem a ilusão de um eu de gênero persistente. (BUTLER, 2006, p. 140,

Tradução nossa.)

As marcas binárias da sexualidade masculina/feminina estão escritas na superfície do corpo

humano e também nos objetos que dispõem os signos culturais que podem reforçar e comunicar a

ideia de identidade sexual. No meu trabalho, a maioria das pastas/bolsas sugere a ideia binária de

gênero como: “sim/não”. As bolsas, assim como Barbie ou sapatos stilettos, fornecem modelos de

uma identidade gendrada que podem, no dia a dia, moldar ou brincar sutilmente com nossos

comportamentos repetidos. Vestimos estes moldes como stilletos apertados, inseguramente e pouco

confortáveis. Os objetos implicam algo por seu design. A moda, por exemplo, de algumas das

bolsas dispõe ‘atributos’ estilizados que podemos achar ‘bonitos’ ou ‘sexy’. Ajudam projetar um

papel ou imagem social desejado ou desejável. Seu design também implica um modo de fazer e

usar, potencializando certo tipo de atuação ou ‘performance’. Pergunto: meu trabalho realmente

fornece, ao participante, uma situação de escolher desta bolsa ou daquela pasta, ou a escolha foi

feita antes de nascer? Ao analisar as bolsas, pastas e sacolas da instalação Todos os segredos fora

da caixa, penso no conceito de performatividade em Judith Butler (2006). Observo como o

conjunto cria um sistema heterogêneo, uma mistura de objetos do mesmo tipo com qualidades

estilísticas diferentes. A superfície de cada objeto mostra as marcas inscritas, por um designer

ausente, e enuncia seus “atributos de gênero”:

Se os atributos de gênero, entretanto, não são expressivos, mas performativos, esses

atributos efetivamente constituem a identidade que eles dizem expressar ou revelar. [...] Se

atributos e atos de gênero, as várias maneiras pelas quais um corpo mostra ou produz sua

significação cultural são performativas, então não existe uma identidade preexistente pela

qual um ato ou atributo podem ser mensurados, então, não há nenhum ato de gênero

verdadeiro ou falso, real ou distorcido, e a postulação de uma identidade de gênero

verdadeira seria revelada como uma ficção regulamentar (BUTLER, 2006, p, 141,

Tradução nossa).

Na instalação, não há realmente um modo de determinar se os participantes, de fato,

realizam uma escolha que constitui um “ato de gênero”, consciente ou não, pela decisão de

depositar seu segredo escrito num recipiente específico. Acredito, entretanto, que seja bem

provável. As bolsas são parte de uma situação criada por procedimentos de disposição dos objetos,

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onde tento provocar a participação em duas práticas culturais específicas: revelar um segredo e

escolher uma bolsa/pasta. A cadeira, as “fichas do segredo”, as bolsas, as pastas, a mesa e a

disposição espacial dos móveis criam um display. A cena doméstica foi recriada para induzir ou

provocar a participação performativa onde a escolha de uma das bolsas, pastas ou sacolas possa

produzir um ato de gênero ou identificação com certo estilo de bolsa ou pasta. O design destes

objetos ‘esconde’, à vista de todos, uma construção mercadológica gendrada.

No livro, Gender Trouble, Butler (2006) questiona a noção de identificação de gênero,

(particularmente criticando a psicanálise em Freud e Lacan) e duvida se realmente ‘funciona’,

criticando, fundamentalmente, a binariedade pré-estabelecida pelas teorias de identificação do

gênero que se constroem “através da exclusão de uma sexualidade” (BUTLER, 2006, p. 66,

Tradução nossa). Ou seja, Butler critica que as várias teorias da psicanálise (e a cultura em geral)

representam a mulher como o corpo que falta algo, visto como o outro ou como o desvio do

modelo masculino (GATENS, 1997, p. 84).

A questão de performatividade, em meu trabalho, não se limita a questões de gênero. Este

trabalho também convida as pessoas para entrar numa situação em que pode “revelar um segredo”

e visitar um espaço que aparenta ser uma casa. Apresento a proposta na forma de um ambiente

recriado a partir dos adereços da cultura material doméstica. A montagem utiliza somente objetos

que vem da minha casa e estes materiais são o que chamo as sobras do meu cotidiano. Na minha

poética, me interesso pela transformação e reaproveitamento de materiais e objetos da casa que

formam esta cena que parece doméstica.

Desde 2006, minha produção artística versa sobre o comportamento humano,

particularmente as práticas domésticas de manutenção e do cuidado da casa e, por extensão, o

cuidado do espaço público e do meio ambiente. A casa é vista como um espaço que flui para outros

lugares e seus objetos e materiais saem do espaço privado através do lixo, no esgoto, nos fluxos de

tudo que entre e sai do lar. Reaproveito seus objetos na minha produção. Investigo suas práticas de

consumo e a acumulação de seus bens materiais. Reflito sobre a produção material da casa: suas

embalagens, as sobras de jantar e as coisas que colecionamos como bolsas ou bonecas e tudo que

não consegue jogar fora... O que sobra desta casa espalhada no mundo? Estas vinte e três bolsas

são algumas das ‘sobras da minha casa’. São signos de gestos e processos de acumulação e coleção.

São objetos que falam da inabilidade, do desejo e da vontade de reaproveitar e transformar o que

sobra em outra coisa, pelo ato de recriar. E nesse processo, me transformo. A possibilidade de um

ato recriador me leva a imaginar um lugar outro, um espaço caminhante que se amplia, onde não há

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distinções entre dentro e fora, nem privado e público, nem feminino e masculino, um espaço social

fluido cujo nome ainda não foi escrito; um espaço plástico que se molda enquanto molda; um

ambiente que é um contexto dialógico e meio para escutar tanto quanto falar.

Fala sua verdade

Ao ler Segredos de família em exposição: psicanálise e linguagens da arte contemporânea,

comecei a pensar quanto meu trabalho relaciona-se diretamente com minha vida, assunto discutido

pelo autor, João Frayze-Pereira (2017), neste artigo que aborda a questão do segredo focando nos

segredos de família do artista que possam influenciar seu processo de criação. Ele pergunta: “qual a

relação entre a vida do artista e as obras que criou?”( FRAYZE-PEREIRA, 2017, p.1). Sua

pesquisa foi baseada em seis entrevistas de artistas contemporâneas que, frequentemente, contam

sobre uma “situação considerada um segredo de família, revelada [...] com angústia e sempre com

o gravador desligado” (p. 2). Sem entrar nos detalhes sobre sua pesquisa, basta comentar aqui sobre

a reação do autor depois das entrevistas, pois, ele considerou notável a recorrência inesperada da

“questão do segredo [que ...] mostrou-se indicativa de uma temática muito mais ampla”(p. 2). E

ainda observou: “O que é importante lembrar é que a maior parte dos acontecimentos familiares não

é traumática, mas engendra um traumatismo psíquico se não puder ser pensada” (p. 3).

A instalação Todos os segredos fora da caixa é ligada com minha vida, pois, todos os

objetos reutilizados são da minha casa. A proposta em si surgiu de uma experiência que me marcou

porque a revelação de um segredo resolveu um problema grave social de stalking. Esta palavra em

inglês se refere a uma forma de violência cometida através da perseguição persistente de outra

pessoa. Um dia em 2015, durante uma aula que ministro no PPGAV- Mestrado/UFPel, vi minha

orientanda - uma mulher inteligente, dinâmica, aberta, leve e sorridente – murchar diante dos meus

olhos e rebaixar sua cabeça e, perguntei, o que havia acontecido. Ela relatou que um homem havia

acabado de segui-la nos corredores da escola e, ao tentar entrar na sala de aula, ela foi forçada a

fechar e trancar a porta. Sentada, quebrou seu silêncio e começou a contar sobre sua luta contra a

perseguição persistente desse homem mais jovem que a assediava por mais de dez anos. Ele,

recentemente, havia ingressado no Curso de Bacharelado em Artes Visuais da UFPel, facilitando

seu acesso predatório. Ninguém sabia. As tentativas de resolver o problema “em família” e construir

um diálogo entre sua família e a do agressor ou com a polícia falharam. Sugeri levar o assunto à

Direção e não manter o problema em segredo, pois, seria melhor se o problema não fosse escondido

para poder discutir e resolver a situação como problema público. Na próxima reunião, levantei o

assunto, que foi recebido com certa resistência, por alguns que não entenderam porque um caso de

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stalking seria “um problema da escola”. Em poucos dias, o caso se espalhou e minou um campus

ativado com as vozes das mulheres na Internet e de grupos feministas em Pelotas que descobriram

mais cinco casos de professoras e alunas do Centro de Artes que haviam recebidos e-mails

ameaçadores e comunicações verbais de assédio do mesmo jovem. Ele ficou ilhado, sem campo e

nem cara para cometer mais atos de agressão, perseguição e subjectivação de mulheres em Pelotas.

O ocultamento sustentou seu poder perverso de agir impunemente, enquanto a revelação pública de

seu segredo e seu rosto tomaram de volta um campo de ação que não lhe pertencia. O ato de contar

o segredo subverte os limites sociais artificialmente impostos de “lavar a roupa suja em casa”. Ao

combater as crenças inúteis que privatizam e isolam nossos problemas como se fossem somente

“pessoais”, “do indivíduo”, “algo particular” que deve “guardar em família”, revelamos que a

perseguição, o estupro, o assédio, a violência e o abuso do corpo sempre são problemas sociais e

não “casos isolados”.

O ato de revelar um segredo é também confessar, delatar, denunciar ou até trair. Contar o

segredo é também ato de criar, agir e instaurar um processo de transformação pessoal e social. É

libertador e capaz de desencadear um processo de cuidado, manutenção e cura de si que

potencializa o empoderamento saudável do sujeito.

As noções de parrhesia e escrito de si em Michel Foucault ajudam a refletir sobre esta

proposta participativa que objetiva cultivar o cuidado de si, particularmente quando precisamos

buscar modos saudáveis de lidar com situações da vida que necessitam que uma verdade seja

contada. Na Grécia antiga, as noções de a parrhesia, que denota a atividade de falar a verdade e a

escrita de si, o ato de escrever sobre si mesmo, são práticas de si que cultivam o sujeito que,

naquela épocan Grécia, denotava um cidadão masculino livre (ou seja, não escravizado). Estas

práticas incluem aspectos de autoavaliação, a reflexão sobre si mesmo e a autocrítica e, segundo

Ros Mills (1995), fazem parte do processo de desenvolver o ethos - uma noção que engloba o modo

do sujeito comportar-se com outros, seu modo de ser e agir na sociedade,

que implica ...uma relação com os outras na medida em que o cuidado de si o torna

competente para ocupar um lugar na cidade, na comunidade ou nos relacionamentos inter-

individuais [...] – seja como exercício de magistrado ou em relacionamentos amigáveis

(MILLS, 1995, p. 103, Tradução nossa)

O que está em jogo na parrhesia é a cultivação de um sujeito capaz de dizer a verdade, que acredite

que sua fala seja a verdade e cuja palavra é aceita como verdade pelos outros (FOUCAULT,1983,

p. 3). A figura que ganha o status de ser quem fala da verdade, o parrhesiastes, tem um papel

importante na cultura grega, na política, na educação e na formação de sujeitos éticos, capazes e

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úteis para a cidade. Através da avaliação de seu ‘mestre’, o sujeito cultiva sua reputação como

enunciador da verdade para si mesmo e para outras pessoas (p. 64). Isto é feito através de

técnicas precisas que tomam forma de exercícios espirituais – alguns dos quais se tratam de

ações, outros com estados de equilíbrio da alma, outros com o fluxo de representações [na

imaginação...] Em todos esses exercícios diferentes, o que está em jogo não é a revelação

de um segredo que deve ser escavado das profundezas da alma. O que está em jogo é a

relação do eu com a verdade ou com alguns princípios racionais. (p. 65, Tradução nossa).

Segundo Foucault, o filósofo Sócrates, como ‘mestre’, é um parrhesiastes em relação ao

ensinamento de seus ‘discípulos’, portanto, é ele que questiona cada discípulo para avaliar a

harmonia entre suas ações, palavras e pensamentos para distinguir sua capacidade de realizar a

parrhesia, que o mestre, Sócrates, relaciona com a necessidade de cuidar de si e dos outros:

todos deveriam tentar cuidar de si mesmo e de seus filhos [201b4]. E aqui você encontra

uma noção que, como alguns de vocês sabem, eu[Foucault] gosto muito: o conceito de

"epimeleia heautou", o "cuidado do eu". Nós, então, penso, um movimento visível ao longo

deste diálogo da figura parrhesiosa de Sócrates ao problema do cuidado do eu

(FOUCAULT, 1983, p. 35).

Entretanto, Foucault observa que, mais tardiamente na cultura grega, o discípulo passa a fazer a

autoavaliação a pedido do mestre. As práticas de autoavaliação incluem a realização de escritas de

si, o ato de escrever e refletir sobre si mesmo detalhadamente. Estas escritas objetivam o cultivo de

si mesmo e a autocrítica onde, “a verdade sobre o discípulo emerge da relação pessoal que ele

estabelece consigo mesmo (p. 64, tradução nossa)”. Os exercícios de autoavaliação não se

aproximam da confissão cristã. O ato de dizer a verdade sobre si, por meio da parrhesia ou pela

escrita de si, tem uma função mais técnica e prática de estabelecer o ethos, sem gerar uma

interpretação negativa de culpa. A escrita é um meio para desenvolver a percepção capaz de

transformar falhas pessoais e cuidar de si mesmo, sem julgamento:

Esses exercícios fazem parte do que poderíamos chamar de "estética do eu" ["aesthetics of

the self”]. Por isso, não é preciso assumir uma posição ou um papel para si mesmo como o

de um juiz que pronuncia um veredicto. Pode-se comportar-se para si mesmo no papel de

técnico, artesão, artista, que - de vez em quando – para de trabalhar, examina o que está

fazendo, lembra-se da regra de sua arte, e compara estas regras com o que foi alcançado até

então. É a metáfora do artista que para de trabalhar, que toma um passo para trás, ganha

uma perspectiva distanciada e examina o que ele realmente está fazendo com os princípios

de sua arte (p.65).

No texto, The confession as a 'practice of freedom' : feminism, Foucault and 'elsewhere'

truths, Ros Mills (1995), discute noções em Foucault e as relaciona com o feminismo, vendo a

confissão como potência para praticar a liberdade.

A maneira como eu gostaria de considerar a noção de uma estética da existência como uma

reinvenção ética do eu feminino é, em primeiro lugar, reconhecendo o problema para

muitas mulheres de se relacionar com um código de moral que é atravessado com noções de

culpa e que é desprovido de uma ética do cuidado de si em conexão com os outros. A

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preocupação particular aqui é a relação peculiar das mulheres com a noção paradoxal cristã

da autoabnegação como forma de experimentar sua identidade [selfhood]. É como se o

cristianismo flerte com um ethos feminino bastante diferente do ethos grego masculino do

eu heróico que Foucault tanto admira. Então, onde isso deixa mulheres, seu eu e seu ethos?

Se as feministas querem rejeitar, pelo menos, a autoabnegação da moral cristã e abraçar um

código de ética mais em sintonia com o heroico (MILLS, 1995, p. 105, Tradução nossa).

Se considerarmos, na minha proposta artística, que o ato de revelar um segredo constitui, primeiro,

uma situação de autoavaliação do sujeito e, segundo, um ato de coragem, podermos comparar a

revelação do segredo com o ato de falar a verdade da noção de parrhesia:

Na concepção grega da parrhesia, [...] pressupõe que o parrhesiastes [a pessoa que fala a

verdade] seja alguém que tenha as qualidades morais necessárias, primeiro, para conhecer a

verdade e, em segundo lugar, transmitir essa verdade aos outros. [...] Se há uma espécie de

"prova" da sinceridade dos parrhesiastes, é sua coragem (FOUCAULT, 1983, p.3).

Ao revelar um segredo pessoal, ou mesmo denunciando um criminoso, o detentor do segredo

necessita de coragem para superar a tensão e ansiedade que acumula dentro de si, em função da

resistência de falar o segredo (1984, p. 106). A ideia de resistência em relação ao sujeito é discutida

em Secret et Sujétion, do etnólogo húngaro/francês Andras Zempléni (1984) que analisa o segredo

enquanto forma de comunicação que necessita de duas pessoas ou dois grupos: um ‘detentor’ e um

‘destinatário’. Ele considera o ato de guardar um segredo como “uma forma de resistência mais

geral, simples e discreto [...] o segredo é o meio mais comum de que os povos subjugados e grupos

oprimidos usam para preservar a sua identidade social e cultural” (1984, p. 102, tradução nossa). A

palavra ‘resistência’, usado por Zempléni, mostra, para mim, o poder que o detentor do segredo

possui. Por outro lado, a palavra, “oprimido”, implica uma pessoa sem poder ou ‘vítima’. Ao

pensar sobre estas relações de poder que existem na relação entre o detentor e destinatário de um

segredo, percebo que há muito poder nas mãos do detentor. Observa Zempléni, é o detentor que

guarda o segredo e ele/ela que decide até quando vai guardar o segredo e qual destinatário escolher

(p. 104). Por isso, é importante, quando há uma verdade social que deve ser denunciada, não

manter em segredo ou assumir o papel da vítima. A palavra ‘vítima’ põe o sujeito agredido numa

posição de se sentir fraca e sem escolha. O uso comum da palavra ‘vítima’ é consequência de

crenças culturais falsas. A palavra vítima é um modo insalubre de ver si mesmo e pode levar à

autoabnegação. Vítima é uma palavra que marca as pessoas agredidas com a marca da culpa. Esta

pode ser internalizada, mas aparece no corpo quando ‘rebaixa a cabeça’. Meu trabalho talvez seja

capaz de potencializar o empoderamento e a coragem para dizer verdades mantidas em segredo e

ajudar o detentor cuidar de si. Há um jogo de poder e coragem no ato de resistir (não contar), tanto

quanto no ato de revelar o segredo. Em meu trabalho, através do compartilhamento de sua escrita

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de si num pedaço de papel, que é inserida em uma das vinte e três bolsas, pastas e sacolas. Ao

escrever seu segredo, também fala sua verdade; a tensão cai e as máscaras são retiradas (p. 106).

Escrita de si coletiva

Todos os segredos fora da caixa, no entanto, não guarda a fala de somente uma mulher,

porque a proposta pode ser vista como uma escrita de si coletiva e coleção de escritas de si. Na

proposta, os participantes sentem e compartilham seus segredos para que outras pessoas possam ler,

na galeria. Assim, todas as colaboradoras do trabalho são autoras da escrita coletiva. Cada segredo é

depositado em uma das sacolas formando, aos poucos, uma coleção, como se o conjunto fosse um

arquivo, tipo de ‘caderno’ ou ‘fichário’ de páginas-sacolas contendo ‘segredos’ anotados. A

coleção de escritas lembra os hypomnemata que Foucault descreve como tipos de cadernos

contendo escritos sobre a vida e atividades cotidianas do autor. No ensaio, A escrita de si, Foucault

(1992) esclarece que, na Grécia antiga, os hypomnemata não constituam uma “narrativa de si

mesmo”, nem diários, nem têm a função de “revelar o que está oculto, mas, ao contrário, [têm

função] de captar o já dito; reunir àquilo que se pôde ouvir ou ler, e isto com uma finalidade que

não é nada menos que a constituição de si”(1992, p. 136). Ao afirmar que os hypomnemata não

revelem ‘o que está oculto’, Foucault reforça a ideia que o modo de usar os hypomnemata não

objetiva narrar ou revelar, mas de possibilitar que o autor e outros usuários voltem a ler o que já foi

escrito, ponderar, refletir, rever e rememorar. As reflexões e experiências registradas constituem um

‘veículo’ para o cuidado de si e dos outros. De modo semelhante, a coleção de segredos escritos e

postas numa coleção de sacolas/bolsas/pastas se torna também uma coleção do ‘já dito’. Segundo

Foucault,

o objectivo dos hyponmemata: fazer da recolecção do logos fragmentário e transmitido pelo

ensino, a audição ou a leitura, um meio para o estabelecimento de uma relação de si

consigo próprio tão adequada e completa quanto possível (1992, p.138)

Portanto, os hypomnemata são escritas com a função de ser praticadas na cultivação de si e dos

outros. Observo que, no meu trabalho, a escrita dos participantes é mais breve e não detalhada “com

uma meticulosíssima atenção àquilo que se passa no corpo e na alma” (p. 160). Mesmo assim, o ato

de escrever na ‘ficha do segredo’ requeira relembrar a situação e o relacionamento que gerou o

segredo e a superação de certa resistência interna. Embora, em meu trabalho, a ‘tensão’ da

resistência de compartilhar o segredo é reduzida pelo fato que o destinatário e o detentor

permanecem anônimos. Ao deixar seu segredo dentro de uma bolsa na galeria, a proposta

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possibilita que outra pessoa leia as escritas nesses hypomnemata coletivos. Mesmo que ninguém

sabe o nome de quem as escreveu, a experiência foi registrada e um processo de cuidar de si mesmo

instaurado, pela acumulação destes fragmentos de vida vivenciada pelos autores e leitores. Assim, a

situação performativa é meio potente para “constituir a si próprio como sujeito de acção [...] pela

apropriação, a unificação e a subjectivação de um “já dito” fragmentário e escolhido (p. 160) onde

“O escritor constitui a sua própria identidade mediante essa recoleção das coisas ditas [pela

releitura]”(p.143-144).

São muitos os segredos a serem contados, escritos e compartilhados. Até os pequenos nos

afetam, traumatizam, angustiam o corpo. Ao contar um detalhe pessoal, uma confissão banal ou até

delatar um crime, mudamos situações que parecem irreversíveis e isto requeira certo tipo de

coragem para desmitificar o que realmente nos emudeça e paralisa: o véu de chumbo da culpa e a

ilusão da vítima. O ato coletivo de juntar nossos segredos numa coleção de bolsas-bocas abre as

vozes de nossas mãos autorais que enunciam uma verdade: ao cuidar de si mesma, cuida de todos

nós.

References

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n. 30-31, mars., 1984, pp. 102-115.

Secrets and confessions as self writing, leftovers from daily life and home.

Abstract: The paper reflects on my collaborative art proposal “All secrets out of the box” (2016)

that potentializes a process of sharing “revealed secrets” which participants may write down and

leave in bags presented in the exhibition space, forming a collection of collective self writings. The

text discusses Foucault’s concept of self writing and reflects on aspects of feminism that influence

my art production. The theme of the secret is also seen in Family secrets in exposition:

psychoanalysis and languages of the contemporary art by João A. Frayze-Pereira (2007) and in

Traverses (1984), essays by Didi-Huberman, Louis Marin and Andras Zempléni. The text, Self

Writing, Foucault(1992), makes it possible to comment on two types of writing in my work: the

confession and hypomnemata. In discussing , The Confession as a ‘practice of freedom’: feminism,

Foucault and ‘elsewhere’ truths, by R. Mills (1995), I think about ‘confession’ and the ‘practice of

freedom’ and also touch on foucaultian concepts parrhesia and the care of the self. Performativity

in Judith Butler (2006) helps reflect on the collaborator’s subjective choice, involving choosing

one amongst the twenty-three purses, bags and briefcases - with a culturallly coded ‘design’ of

masculine or feminine - in which a participant places and shares a written secret.

Keywords: Secret. Self writing. Leftovers.