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399 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: UMA ANÁLISE SOBRE A NOVA LEI DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA Socioespacial segregation: an analysis of the new law of environmental regular- ization João Lucas Gomes Oliveira 1 Patrícia Morais Lima 2 ¹Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Aluno do programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS/ UNIMONTES. Bolsista da Coordenação de CAPES. E-mail: [email protected] ²Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Aluna do programa de Pós Graduação em Sociedade, Ambiente e Território – UFMG/ UNIMONTES. E-mail: [email protected] RESUMO Com o advento da Lei 13.465/2017 (Nova Lei de Regularização Fundiária), diversos institutos e mecanismos de regularização fundiária mudaram seus pressupostos. A questão da segregação socioespacial ganhou relevância na referida lei, pois aquela positivou normas para regulariza- ção de moradias e espaços considerados irregulares pela legislação urbanística. O trabalho em tela tem por finalidade o estudo da nova Lei de Regularização Fundiária frente à segregação socioespacial, analisando os impactos da lei no campo do exercício da cidadania. O histórico da segregação socioespacial e da legislação sobre regularização fundiária foram abordados no trabalho para demonstrar que a irregularidade fundiária não constitui fenômeno novo na socie- dade. Foi feita uma análise crítica da nova lei em relação aos direitos à moradia, propriedade e participação popular na condução das políticas públicas regularizadoras. A lógica do espaço urbano centrada na ideologia do mesmo como produto ou mercadoria do capital contribui para o fenômeno da segregação, transbordando para efeitos não apenas sociais, mas também am- bientais, jurídicos e políticos. Palavras Chaves: Segregação socioespacial, Regularização Fundiária, Cidadania.

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SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: UMA ANÁLISE SOBRE A NOVA LEI DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Socioespacial segregation: an analysis of the new law of environmental regular-ization

João Lucas Gomes Oliveira 1

Patrícia Morais Lima 2

¹Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.

Aluno do programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS/UNIMONTES.

Bolsista da Coordenação de CAPES.E-mail: [email protected]

²Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.

Aluna do programa de Pós Graduação em Sociedade, Ambiente e Território – UFMG/UNIMONTES.

E-mail: [email protected]

RESUMOCom o advento da Lei 13.465/2017 (Nova Lei de Regularização Fundiária), diversos institutos e mecanismos de regularização fundiária mudaram seus pressupostos. A questão da segregação socioespacial ganhou relevância na referida lei, pois aquela positivou normas para regulariza-ção de moradias e espaços considerados irregulares pela legislação urbanística. O trabalho em tela tem por fi nalidade o estudo da nova Lei de Regularização Fundiária frente à segregação socioespacial, analisando os impactos da lei no campo do exercício da cidadania. O histórico da segregação socioespacial e da legislação sobre regularização fundiária foram abordados no trabalho para demonstrar que a irregularidade fundiária não constitui fenômeno novo na socie-dade. Foi feita uma análise crítica da nova lei em relação aos direitos à moradia, propriedade e participação popular na condução das políticas públicas regularizadoras. A lógica do espaço urbano centrada na ideologia do mesmo como produto ou mercadoria do capital contribui para o fenômeno da segregação, transbordando para efeitos não apenas sociais, mas também am-bientais, jurídicos e políticos.

Palavras Chaves: Segregação socioespacial, Regularização Fundiária, Cidadania.

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INTRODUÇÃO

Com o processo de urbanização brasileiro, devido à industrialização pela qual passa-va o país, as cidades mudaram consideravelmente suas dimensões, não apenas as dimensões espaciais, as dimensões sociais, políticas e econômicas também sofreram grandes mudanças. A apropriação do espaço é um fenômeno complexo, que envolve diversos fatores, sejam eles sociais, econômicos, políticos ou jurídicos, entretanto, deve-se destacar que a lógica do modo de apropriação capitalista contribui para a formação de segregações socioespaciais, criando im-pedimentos ao exercício da cidadania. A apropriação inadequada do solo urbano contribui para o surgimento de diversos problemas sociais na vida da população urbana, principalmente as de baixa renda, podendo-se destacar habitações precárias, falta de saneamento básico, sistema de transporte público inefi ciente, gerando precarização das condições de vida daquela população.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 previu um capítulo especí-fi co para a política urbana, compreende os artigos 182 e 183 da referida Constituição, nas dis-posições desta há dois objetivos principais a serem seguidos pela política de desenvolvimento urbano, que são o desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar dos habitantes. As linhas traçadas na Constituição são reproduzidas nas legislações federais, estaduais e principalmente municipais, pois cabe precipuamente ao município a execução das políticas urbanas. Embora a legislação preveja vários mecanismos jurídicos, sociais, políticos e participativos em política de regularização fundiária, a realidade vivenciada pelas populações de aglomerações excluídas e segregadas socioespacialmente contrasta com as disposições le-gais em matéria de regularização fundiária.

A nova lei de regularização fundiária, Lei 13.465/2017 seguindo a lógica da legislação urbanística positivou diversos mecanismos sociojurídicos voltados para populações de baixa renda, no intuito de regularizar formalmente as moradias dessa população, no entanto, estudos e pesquisas sobre planejamento urbano demonstram que o impacto da nova lei poderá ser negati-vo para os “habitantes informais”, algumas alterações polêmicas podem ser evidenciadas como a revogação de dispositivos da Lei do Programa Minha Casa Minha Vida, fl exibilização de exigências urbanísticas e, ainda privilegiaria os mercadores do setor imobiliário em detrimento das populações em vulnerabilidade social.

Historicamente o problema da irregularidade fundiária brasileira é alvo de criticas e reivindicações sociopolíticas nos espaços comunitários e de poder, onde são produzidas assi-metrias sobre determinados setores que comumente estão mais distantes destes espaços, pouco ouvidos em suas demandas e necessidades. Nesse sentido a nova lei de regularização fundiária por ser instrumento de adequação habitacional e social precisa de um estudo crítico à luz dos pressupostos por ela trazidos, analisando seus refl exos socioespaciais.

SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

O fenômeno da segregação socioespacial não é atual na sociedade, podemos verifi car sua existência em várias civilizações antigas:

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A questão da segregação urbana tem uma longa tradição na história da sociedade, pois, desde a antiguidade, a sociedade já conhecia formas urbanas de segregação so-cioespacial. Cidades gregas, romanas, chinesas possuíam divisões defi nidas social, política ou economicamente. (NEGRI, 2008, p.2).

A segregação socioespacial no espaço urbano em sua complexidade é objeto de estudo em várias áreas do conhecimento, a dinâmica presente nas políticas voltadas para ela devem ser pautadas em exigências que contribuam para melhoria das condições básicas de vida dos habi-tantes de áreas consideradas excluídas socialmente. A questão da segregação está relacionada à ideia de exclusão.

As formas como os espaços são apropriados tendem para a lógica capitalista do espaço urbano, refl etindo signifi cativamente sobre parcelas da população, que não competem em pé de igualdade sobre o uso e posse de determinadas áreas, produzindo assim relações desiguais e contradições sobre o direito vigente. Segundo Costa e Braga (2004):

Nas políticas urbanas, recentes, em situação onde o balanço entre uso público e pri-vado pende para o lado privado e a lógica de mercado exerce sua hegemonia sem ser submetida ao controle público, ocorre um agravamento de desigualdade na provisão de moradias e na distribuição socioespacial de equipamentos e serviços urbanos. (p. 200).

Para as autoras neste processo a exclusão de grande parte da população do acesso à mo-radia consolida-se junto do que elas denominam como “fenômeno da ilegalidade urbana”, que respinga sobre diversos setores sociais, em função da destinação dos espaços.

A questão da segregação do espaço está ligada inevitavelmente à cidadania, compreen-dida no sentido da não participação do cidadão habitante nas políticas executadas pelos entes estatais. Em regra as decisões em políticas urbanas são tomadas de forma vertical, sem partici-pação popular ou quando há participação, esta se resume à homologação de proposições gover-nistas, já previamente estabelecidas. O espaço urbano é moldado segundo interesses de classes dominantes, gerando desigualdades e exclusões:

A lógica de apropriação do espaço centrada, sobretudo, na dinâmica social e na forma como diferentes atores estabelecem relações nos territórios, aproxima a discussão dos problemas da desigualdade e da exclusão social da governança pública e das inter-venções políticas; isso por denunciar a violação a direitos de cidadania, a não acessi-bilidade da população a serviços urbanos básicos e à precariedade de equipamentos públicos, principalmente das populações marginalizadas e adensadas nas periferias dos centros urbanos. (CARDOSO; VERSIANI, 2009, p. 71).

Ocorre neste contexto um processo que sobre os trâmites burocráticos e legais contri-buem para o margeamento de populações que consequentemente são excluídas de formas de sociabilidade e de condições adequadas para um cotidiano de bem estar social e acesso aos serviços públicos de qualidade.

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LEGISLAÇÃO FUNDIÁRIA

A legislação que regia o processo de regularização fundiária no Brasil passou por diver-sas etapas tanto de amadurecimentos, quanto de retrocessos, estes notadamente para as popula-ções que vivem em situação de irregularidade fundiária. Embora a situação espacial brasileira siga os ditames da apropriação capitalista, colocando os espaços no centro da questão merca-dológica, houve avanço considerável no campo social com a promulgação da Lei do Programa Minha Casa Minha Vida, Lei 11.977/2009, esse comando legal positivou vários dispositivos direcionados à população de baixa renda, com aporte de recursos e programas para atender aos anseios desta população.

No dia 22 de dezembro de 2016 o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 759/2016, que regulamentou o processo de regularização fundiária, revogando assim as dispo-sições concernentes à regularização fundiária prevista na Lei do Programa Minha Casa Minha Vida, mais especifi camente o capítulo III desta lei. A forma apressada da edição referida medida provisória aliada à ausência de consulta pública revelam várias indagações de extrema relevân-cia.

A Medida Provisória em tela foi convertida em lei em julho de 2017, ganhou a nume-ração Lei 13.465/2017, inovando completamente a ordem jurídica em matéria de regularização fundiária.

Diversos órgãos e movimentos sociais posicionaram-se contra a Medida Provisória na época de sua edição, posicionam-se com mais vigor agora que esta se transformou em lei. No documento chamado de “Carta ao Brasil”, assinado por vários órgãos, entidades e movimentos sociais, há nítida preocupação com o futuro da regularização fundiária brasileira:

A presente carta tem o objetivo de convocar ao engajamento os movimentos sociais brasileiros e todas e todos que acreditam na luta pela Reforma Urbana e Agrária, para que pressionemos o Governo Federal, exigindo que seja retirada da pauta do Con-gresso Nacional a Medida Provisória nº 759/2016 e que se promova um amplo debate sobre o direito à posse e à propriedade, pautado nos princípios constitucionais, nas garantias individuais e coletivas de trabalhadores rurais e urbanos, e no princípio da função social da propriedade, na cidade, no campo e na fl oresta. (CARTA AO BRA-SIL, 2016,p.1).

Dentre os signatários/signatárias da Carta ao Brasil, pode-se destacar Caritas Brasil, Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares-CON-TAG, Coordenação Estadual das Promotoras Legais Populares do Estado de São Paulo, Direitos Urbanos, Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas-FNA, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico-IBDU, Instituto Socioambiental-ISA, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra-MST, União Nacional por Moradia Popular-UNMP, dentre outros. Neste contexto observa-se que há uma forte contestação social, que questiona a referida lei, colocando em cheque sua legitimidade e, suas previsões.

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SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E CIDADANIA

Antes de se adentrar às especifi cidades da regularização fundiária faz-se necessário sua conceituação, até pouco tempo atrás o conceito de regularização fundiária era legal, ou seja, vinha expresso em lei, assim previa o art. 46 da Lei 11.977/2009 (Programa Minha Casa Minha Vida):

A Regularização Fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titu-lação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desen-volvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O artigo supracitado foi revogado pela nova lei de regularização fundiária, no entanto, os conceitos e institutos nele antes previstos contribuirão para o desenvolvimento do presente trabalho. Pela leitura do art. percebe-se a carga de valores sociais que as políticas de regulari-zações fundiárias deveriam conter.

A segregação no espaço é tema considerado amplo pelos estudiosos, segundo Henry Lefebvre (2001), A segregação deve ser focalizada, com seus três aspectos, ora simultâneos, ora sucessivos: espontâneo (proveniente das rendas e das ideologias) – voluntário (estabelecendo espaços separados) – programado (sob o pretexto de arrumação e de plano).

No cerne da irregularidade fundiária está a questão dos impedimentos ao exercício da cidadania pelas pessoas que se encontram em situação de segregação socioespacial, o poder público tem ao seu alcance vários mecanismos para evitar ou amenizar esta situação, pode-se oferecer como exemplo as exigências legais de participação popular na elaboração das políticas em matéria urbanística. O Estado tem a obrigação legal de atuar efetivamente na elaboração/execução de políticas e programas voltados para o bem estar da população segregada, na omis-são deste, nasce não apenas problemas sociais, nasce a irresponsabilidade estatal:

O urbano é a obsessão daqueles que vivem na carência, na pobreza, na frustração dos possíveis que permanecem como sendo apenas possíveis. Assim, a integração e a participação são a obsessão dos não-participantes, dos não-integrados, daqueles que sobrevivem entre os fragmentos da sociedade possível e das ruínas do passado: exclu-ídos da cidade, às portas do “urbano”. (LEFEBVRE, 2001, p.98-99).

Para compreender o processo de segregação é necessária a compreensão do processo de urbanização brasileiro, a existência das desigualdades no espaço urbano é fruto do processo de urbanização voltado para a lógica do desenvolvimento econômico, a segregação não é um fenômeno social independente ou aleatório. A legislação que rege a urbanização tem como an-seio formal a inclusão dos segregados espacialmente, porém a forma de execução da legislação transforma-se em fator de não inclusão. Aliada às mazelas da urbanização, especialmente numa visão social está a especulação imobiliária, que desde os primórdios constitui fator de desigual-dades espaciais:

Esta gigantesca ilegalidade não é fruto da ação de lideranças subversivas que querem afrontar a lei. Ela é resultado, de um lado, de um processo de urbanização/indus-

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trialização baseado em baixos salários e, de outro, de uma tradição de especulação fundiária alimentada por investimento públicos regressivos e concentrados, além de uma legislação, cuja forma de aplicação exclui e segrega. A incrível desigualdade social no Brasil é uma construção que tem na aplicação arbitrária da lei além da con-centração espacial da infraestrutura e serviços públicos, sua argamassa fundamental. (MARICATO,2013, p.155-156).

A política urbana da forma como foi desenvolvida no Brasil criou mecanismos e fato-res que impedem o exercício da cidadania pelos moradores das regiões segregadas, a falta de participação popular pode ser elencada como exemplo impeditivo, os moradores em regra não são consultados sobre o teor e alcance das políticas urbanísticas que irão impactar nas suas “re-giões”, ou quando são consultados, difi cilmente suas pautas serão levadas adiante pelo Poder Público.

O espaço urbano está intimamente relacionado ao modo de produção capitalista, con-forme dito anteriormente, suas relações transbordam de análises sociais:

O espaço urbano não é apenas um mero cenário para as relações sociais mas uma instância ativa para a dominação econômica ou ideológica. As ignoradas políticas urbanas cobram um papel importante na ampliação da democracia e da cidadania. Para começar, quando se pretende demonstrar o simulacro para colocar em seu lugar o real, os urbanistas deveriam reivindicar o desenvolvimento de indicadores sociais e urbanísticos que pudessem constituir parâmetros/antídotos contra a construção fi ccio-nal que perpetua a desigualdade. (MARICATO, 2013, p. 166-167).

Giram em torno da nova lei de regularização fundiária muitas dúvidas, por essa razão movimentos sociais, especialistas em regularização fundiária, órgãos e entidades posicionam-se contrariamente à lei. A Carta ao Brasil que já foi citada no presente projeto elenca algumas novidades trazidas pela nova lei, alguns exemplos como:

Extingue critérios que asseguravam o interesse social o que vai prejudicar os trabalhadores, sobretudo no presente contexto de crise. Acaba com o tratamento prioritário das áreas de interesse social por parte do Poder Público e respectivo in-vestimento em obras de infraestrutura, em construção de equipamentos públicos e comunitários para requalifi cação urbanística para a melhoria das condições de habita-bilidade. Extingue o licenciamento ambiental diferenciado para as áreas de interesse social, inviabilizando na prática a regularização fundiária destes casos pelo Municí-pio. Revoga os mecanismos para obrigar os loteadores irregulares e grileiros de terras públicas a promoverem a adoção de medidas corretivas, repassando ao Poder Público o encargo dos investimentos e o impedindo de ser ressarcido. (CARTA AO BRASIL, 2016, p.3).

O receio que paira em torno das novas regras para a regularização fundiária é altamente plausível, justamente pelas incertezas que a nova gerou e pela possibilidade de prejudicar os segregados socioespacialmente. A lei, embora seja nova requer estudo aprofundado dos seus efeitos práticos, há pouca bibliografi a sobe o tema, justamente por ele ser recente, mais um importante motivo para estudo.

No cenário da questão urbana brasileira, especifi camente em regularização fundiária

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é de grande valia mencionar a importância dos movimentos sociais que lidam com a matéria, estes empregam esforços e ideais importantíssimos para que se alcance justiça social.

Para Habermas (1997) a posição jurídica do cidadão é estruturada em relações iguali-tárias e de reconhecimento mútuo, onde o cidadão deve assumir seu protagonismo e não ser apenas observador.

A nova lei de regularização fundiária poderá relativizar imposições legais nos processos de regularização fundiária, comprometendo os processos em curso e os futuros, somado a isso há o fato da possibilidade de embaraço à participação popular, comprometendo ainda mais o exercício da cidadania. A cidadania aqui é abordada no sentido de participação do indivíduo na vida da sociedade.

Há necessidade de reconhecimento como cidadão para que este reproduza suas pre-tensões, mas reconhecimento depende do agir para que o delineado nos comandos legais seja efetivamente aplicado:

Todavia, as condições de reconhecimento, garantidas pelo direito, não se reproduzem por si mesmas, pois dependem do esforço cooperativo de uma prática cidadã, a qual não pode ser imposta através de normas jurídicas. O moderno direito impositivo não inclui os motivos, nem o modo de pensar e de sentir dos destinatários, e isso por uma boa razão: qualquer norma jurídica que impusesse a aceitação ativa de direitos demo-cráticos seria totalitária. (HABERMAS, 1997, p. 288).

O estudo da cidade e seus contornos envolvem atualmente diversos elementos e agen-tes, elevando assim o estudo para análise interdisciplinar, pois os agentes podem ser sociais, jurídicos, econômicos e ambientais. A segregação no espaço gera defi ciências e pobreza, a cidade formal prevista na legislação está a séculos de distância da cidade informal, percebida e vivida no dia a dia dos que estão às margens daquela. A relação geradora de desigualdades espaciais não está relacionada somente ao modo de produção capitalista, o modo de produção/apropriação do espaço tem signifi cativa contribuição nessa abordagem:

A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora de po-breza, tanto pelo modelo socioeconômico, de que é o suporte, como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial. (SANTOS, 2005, p.10).

A nova lei fundiária poderá acentuar ainda mais as segregações sociais e espaciais exis-tentes no Brasil, retirando dos grupos segregados a possibilidade de regularização de suas pro-priedades e habitações, comprometendo o direito à função social da propriedade e o direito à cidade. A cidade prevista objetivamente nas leis deve ser espaço democrático e plural, onde todos devem participar de sua construção geográfi ca e social.

É de imperiosa importância um estudo aprofundado da nova lei de regularização fun-diária, analisando seus impactos socioeconômicos nas populações segregadas espacialmente, abordando os teores sociais, jurídicos, espaciais e econômicos da citada lei.

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REFERÊNCIAS

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