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1 SELEÇÃO DE POEMAS DE POETAS PARAENSES: A GERAÇÃO MODERNA DO PARÁ DE 1946 Maria de Fatima do Nascimento 1 /FALE/UFPA Vamos agora conhecer três poetas paraenses que foram importantes na consolidação do Modernismo no Pará, especialmente, com publicações de poemas no “Suplemento Arte Literatura” do jornal Folha do Norte entre os anos de 1946 e 1951. São eles: Ruy Barata (1920-1990), Paulo Plínio Abreu (1921-1959) e Max Martins (1929-2009). RUY BARATA (1920-1990) Ruy Guilherme Paranatinga Barata nasce em Santarém (PA) em 25 de junho de 1920. Bacharela-se em Direito, em 1943, pela Faculdade de Direito do Pará. É um dos redatores da revista Terra Imatura, na qual publica poemas, bem como é colaborador do “Arte Suplemento Literatura” do jornal Folha do Norte (1946-1951), ali publicando, além de poemas, uma entrevista. É um poeta comprometido com as causas sociais. Exerce a função de jornalista nos periódicos A Província do Pará e Folha do Norte, de Professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Artes, posteriormente incorporada à Universidade Federal do Pará (UFPA), bem como a de deputado estadual por duas legislaturas, de 1947 e 1954, pelo Partido Social Progressista (PSP). Em 1959, entra para o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Esse poeta é perseguido tanto pelo governo de Getúlio Vargas quanto pelos da ditadura militar de 1964. Nesse período, o poeta é preso e depois aposentado compulsoriamente com menos de dez por cento do seu salário. Depois da anistia, é reempossado em seu cargo de Professor da Universidade Federal do Pará. Falece em 23 de abril de 1990. Deixa poemas dispersos em revistas, jornais e na gaveta, bem como os seguintes livros de poemas publicados: Anjos dos abismos (1943) e A linha imaginária (1951). 1 Doutora em Teoria e História Literária pelo Instituto de Estudo da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras (FALE), do Instituto de Letras e Comunicação (ILC) da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected].

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SELEÇÃO DE POEMAS DE POETAS PARAENSES:

A GERAÇÃO MODERNA DO PARÁ DE 1946

Maria de Fatima do Nascimento1/FALE/UFPA

Vamos agora conhecer três poetas paraenses que foram importantes na

consolidação do Modernismo no Pará, especialmente, com publicações de poemas no

“Suplemento Arte Literatura” do jornal Folha do Norte entre os anos de 1946 e 1951.

São eles: Ruy Barata (1920-1990), Paulo Plínio Abreu (1921-1959) e Max Martins

(1929-2009).

RUY BARATA (1920-1990)

Ruy Guilherme Paranatinga Barata nasce em Santarém (PA) em 25 de junho de

1920. Bacharela-se em Direito, em 1943, pela Faculdade de Direito do Pará. É um dos

redatores da revista Terra Imatura, na qual publica poemas, bem como é colaborador do

“Arte Suplemento Literatura” do jornal Folha do Norte (1946-1951), ali publicando,

além de poemas, uma entrevista. É um poeta comprometido com as causas sociais.

Exerce a função de jornalista nos periódicos A Província do Pará e Folha do Norte, de

Professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Artes,

posteriormente incorporada à Universidade Federal do Pará (UFPA), bem como a de

deputado estadual por duas legislaturas, de 1947 e 1954, pelo Partido Social

Progressista (PSP). Em 1959, entra para o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Esse

poeta é perseguido tanto pelo governo de Getúlio Vargas quanto pelos da ditadura

militar de 1964. Nesse período, o poeta é preso e depois aposentado compulsoriamente

com menos de dez por cento do seu salário. Depois da anistia, é reempossado em seu

cargo de Professor da Universidade Federal do Pará. Falece em 23 de abril de 1990.

Deixa poemas dispersos em revistas, jornais e na gaveta, bem como os seguintes livros

de poemas publicados: Anjos dos abismos (1943) e A linha imaginária (1951).

1 Doutora em Teoria e História Literária pelo Instituto de Estudo da Linguagem (IEL) da Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras (FALE), do Instituto de Letras e Comunicação (ILC) da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected].

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Postumamente, em 2000, é publicado o livro Antilogia com “Apresentação” de

Benedito Nunes. Ver o 2º Volume da Tese de NASCIMENTO, Maria de Fatima do.

Benedito Nunes e a Moderna Crítica Lierária Brasileira. v. II. Campinas (SP):

UNICAMP, 2012, Anexos, p. 192-199 e p. 269-273. Bilioteca Digital da UNICAMP,

site: www.bibliotecadigital.unicamp.br

Helena

2

Da tristeza e da alegria

Somente Helena sabia,

Sabia porque sabia

do bordel à Eucaristia.

Sabia porque sabia

que a noite clareia o dia.

De tantas e tontas coisas

Sabia Helena sabia.

Regando seus muitos sonhos

penteando a maresia

lavando léguas de lodo

no limbo da poesia.

E assim costurava o caos

com a linha da fantasia

a nossa helena dos bares

aquela que mais sabia

que sabendo se lembrava

e lembrando se esquecia.

Ode3

Os dedos contam as ondas,

os minutos talvez

jamais o anelo.

Podes marcar a face disfarçada,

a barba

os bens

todos os sonhos

mas escravos do real só te aceitamos

na tua farda de pêlos

2 BARATA, Ruy Paranatinga. Helena. In. Antilogia. Belém: RGB Editora, SECULT, 2000, p. 49. 3 BARATA, Ruy Paranatinga.Ode. In. A Linha Imaginária: Belém: Edições Norte, 1951.

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sangue

e ossos.

Quando recriarás a trança libertária,

o horizonte do mito,

o Deus negado

a tela do perene e do intocável?

Quando libertarás a página e o relógio,

o ser distante que revel condenas

às arestas da ruga e aos frutos sazonados?

Quando

(deste olhar em diagonal ao espelho e à morte)

farás ruir ao peso de teu gládio

e ao sulco de teu grito

as taças do não ser

o veneno da aurora

as portas do visível,

e do invisível?

Ó jamais seremos sós perante a Fonte

jamais seremos nós e a ti mostramos

o sorriso de "clown" que se reparte

em contorções de esperma

tédio

e ódio.

Jamais conservaremos o perfume e a liturgia,

e a hora que se esvai não justifica

este desabrochar em cálice e corola.

Não ser

(embora seja no retrato),

não ter

(para ao flagelo condenar-se)

não sentir o chamar do céu porque beleza

e memória de ausências povoada.

Estamos sós

bem sei

e como é noite

arrancas o teu mundo no arbitrário

e a poesia morde o que não é.

Quem te susteve o braço suicida:

a ode ou o catecismo?

Quem te ligou à sorte deste povo:

o sonho ou a promissória?

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Quem te fez espalmar a mão como inocente

e a cabeça baixar como culpado?

Ó tempo,

ó dimensão do exílio e da orfandade

e se não digo eterno,

quase eterno,

deixai toda esperança

"voi che entratte".

Canção dos quarenta anos4

Poema, suspende a taça

pelos dias que vivi.

Espelho, diz-me em que jaça

mais fiel me refleti.

Quarenta anos correram

e neles também corri.

Quarenta anos, quarenta.

Quantos mais inda virão?

Morrerei hoje de infarto

ou amanhã de solidão?

Serei pasto da malária?

Serei presa do avião?

A morte engendra esperança.

A morte sabe fingir.

A morte apaga a lembrança

da morte que vai ferir.

E em cada instante que passa

a morte pode surgir.

Quem pode medir um homem?

Quem pode um homem julgar?

Um homem é terra de sonhos,

sonho é mundo a decifrar.

Naveguei ontem no vento,

hoje cavalgo no mar.

Hoje sou. Ontem não era.

Amanhã de quem serei?

Um homem é sempre segredos.

Por qual deles purgarei?

Dos meus netos, qual o neto

em que me repetirei?

4 BARATA, Ruy Paranatinga. Antilogia. Belém: RGB Editora, SECULT, 2000, p. 57-60.

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Que virtudes foram minhas?

Que pecados confessar?

Que territórios de enganos

a meus filhos vou legar?

A quem passarei meu canto

quando meu canto passar?

Ah! Como a vida é ligeira!

Ah! Como o tempo deflui!

Esse espelho não mais fala

da criança que já fui.

Das minhas rugas ruindo

apenas um nome rui.

Quedê rede balançando?

Quedê peixinhos do mar?

Quedê figo da figueira

pro passarinho bicar?

E o anel que tu me deste

em que dedo foi parar?

Dezembro chama janeiro.

Fevereiro irá chamar?

Monte-Cristo se me visse

não iria acreditar.

Como está velho, diria

a donzela Dagmar.

Um homem cresce espalhando

o reino em que foi feliz.

Onde Athos? Porthos?

Onde o tímido Aramis?

Um homem cresce querendo

e cresce quando não quis.

Crescer é rima de vida,

mas também é de morrer.

Crescer é terna ferida

que só dói no entardecer.

Em cada raiz da morte

há sempre um verbo crescer.

E cresço: macho e poeta.

Subo em linha, volto em cor.

Cresço violentamente.

Cresço em rajadas de amor.

Cresço nos filhos crescendo.

Cresço depois que me for.

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Cresço em tempo e eternidade,

cresço em luta, cresço em dor,

não fiz meu verso castrado

nem me rendo ao opressor.

Cresço no povo crescendo,

cresço depois que me for.

E cresço na aurora livre

galopando esse corcel.

Cresço no verso espumando

entre as linhas do papel.

Cresço rubro de esperança

na barba de Don Fidel.

Quarenta anos, quarenta.

E nem sequer percebi.

Quarenta anos correram

e neles também corri.

E nesses quarenta anos,

oitenta de amor por ti.

PAULO PLÍNIO ABREU (1921-1959)

Paulo Plínio Abreu nasce em Belém em 19 de junho de 1921. Falece em 5 de

setembro de 1959, aos 38 anos, sem publicar livros. Forma-se em Ciências Jurídicas e

Sociais na Faculdade de Direito do Pará. É poeta e, interinamente, Professor de

Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belém em 1954.

Chefia o Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, da Universidade Federal do

Pará entre 1958 e 1959. Deixa vários poemas dispersos publicados em revistas e jornais,

os quais são coligidos por Francisco Paulo Mendes, seu Professor, e publicados no livro

intitulado Poesia, em 1978, pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Nesse livro (p.

81-153) consta também a tradução do livro As elegias de Duíno, de Rainer Maria Rilke,

feita por Paulo Plínio Abreu. Clarice Lispector, em carta de 1944 a Lúcio Cardoso, faz

referência a Paulo Plínio, informando que ele faz poemas e, em Belém, é aluno do

Professor de Literatura Francisco Paulo Mendes, com quem ela gosta de conversar

sobre livros. Paulo Plínio faz um trabalho sobre as poesias de Lúcio Cardoso, o que

surpreende o Professor Mendes, porque este ministra aulas apenas sobre os romances de

Cardoso, ao que Clarice Lispector acrescenta sobre o poeta: “Aliás, ele se parece um

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pouco com você, tem olhos meio de fantasma”, afirmando ainda: “O Professor

descobriu logo que o aluno fazia poesias. Li umas duas. Entre muitas palavras que agora

os poetas usam, há mesmo poesia. Ele fala de luar: ‘Durmo ouvindo os teus passos de

anjo pela noite”. “Serve horrivelmente para um epitáfio e a ideia é de Paulo Mendes.

Vou ver se o Plínio conserva seu trabalho sobre as suas poesias. – Seria bom você lê,

não é? é sempre curioso (MONTERO, 2002, p. 42-43). Esse verso transcrito por Clarice

é o segundo verso do poema “Elegia” (Poesia, 1978, p. 9). Ver o 2º Volume da Tese de

NASCIMENTO, Maria de Fatima do. Benedito Nunes e a Moderna Crítica Lierária

Brasileira. Acervos/Anexos. V. II. Campinas (SP): UNICAMP, 2012, p. 172-199.

Bilioteca Digital da UNICAMP, site: www.bibliotecadigital.unicamp.br

Elegia5

Por que de estranhas terras eu te acompanho lua solitária

E durmo ouvindo os teus passos de anjo pela noite

Quando os velhos desejos desaparecidos voltam à flor das ondas

E a noite do exílio levanta as suas árvores de sonho,

De um tempo imemorial eu acompanho as tuas viagens,

Tu que vestes os mortos com o que cai do coração dos vivos

Eu te acompanho pelo céu escuro

Sentindo como tua a vertigem da morte que anuncias.

Tu que de um tempo longo ergues teus olhos sobre o tempo

E apenas náufragos aportam a esse país estranho em que tu vives

Ouço tua voz cair no mar da madrugada

Para que o céu se deite sobre ti como um sepulcro

E as estrelas brilhem nesta noite como incêndio

O comedor de fogo6

Veio do comedor de fogo e de seus milagres a esperança impossível.

Do comedor de fogo e de seus milagres à porta de sua tenda

Onde dormiam os cães numa nuvem de moscas.

Veio do comedor de fogo a esperança dos mundos impossíveis.

Veio dessa lembrança hoje apagada pelo tempo o sombrio desejo de evasão.

Veio do comedor de fogo a visão da vida aberta como um grande circo

E o convite irreal para a distância onde se esconde a morte.

Até o amor se perdeu nessa lembrança de um estranho comedor de fogo

E toda a infância confundiu-se com os milagres desse saltimbanco

E de seus cães doentes à porta de sua tenda

5 ABREU, Paulo Plínio. Elegia. In. Poesia. Belém: Universidade Federal do Pará, 1978, p. 9. 6 ABREU, Paulo Plínio. O comedor de fogo. In. Poesia. Belém: Universidade Federal do Pará, 1978,

p. 10.

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O polichinelo7

O seu segredo era como o dos outros.

Seus olhos eram de vidro azul

e na boca vermelha

o riso da ironia.

O humor profundo, amargo e doloroso

vinha de sua boca;

o riso da sabedoria

e do desespero

gritava da sua boca aberta em sangue.

O riso do polichinelo

vinha do coração ausente, era uma advertência.

Era apenas o riso

e falava de um mundo

maior que sua alma.

3 MAX MARTINS (1926-2009)

Max Martins, poeta paraense, nasceu em Belém a 20 de junho de 1926 e faleceu

no dia 9 de fevereiro de 2009. Além de Poeta foi colaborador na Revista Literária

Encontro, Noticiarista e Secretário de Redação do Jornal Folha do Norte, Diretor da

Fundação Cultural Casa da Linguagem entre outros.

Max Martins publicou seu primeiro livro de poesia “O Estranho”, em 1952, que

é um breve livro publicado de forma quase artesanal, uma brochura de 29 páginas,

contendo vinte e três poemas, sendo os três últimos, dedicados ao luto pela morte de um

pai, separados dos outros vinte pelo título “Elegias”, certamente em evocação às suas

leituras de Rainer Maria Rilke, aspecto estrutural não verificado posteriormente na

edição da CEJUP, organizada em Belém do Pará pelo próprio autor em 1992, sob o

título Não para consolar: poemas reunidos 1952-1992. A capa não apresenta

ilustração, constando apenas o título e o ano da publicação (1952) em algarismos

romanos, sem indicação de editora e local. O verso da capa do livro estampa um texto

curto, também não fazendo parte da aludida edição de 1992, de onde são retirados três

poemas. Trata-se do supramencionado texto de Nunes, tido aqui como o seu primeiro

prefácio. Esse traz informações biográficas de Max Martins e rápida observação sobre

as composições desse bardo paraense.

7 ABREU, Paulo Plínio. O Polichinelo. In. Poesia. Belém: Universidade Federal do Pará, 1978, p. 11.

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Em 1960 publica seu segundo livro “Anti-Retrato”, pelo qual Max ganha

novamente o Prêmio de Poesia Frederico Rhonsard da Academia Paraense de Letras. De

acordo com Nunes é a partir desse livro que a “temática do amor carnal começou a

tornar-se o centro de sua obra”, e foi ratificada, em definitivo, a escolha da via erótica

com a publicação em 1971 de seu terceiro livro “H’Era” em função de “Afinidades

eletivas’ com poetas e romancistas nacionais e estrangeiros.

Em 1992, Max Martins reúne suas obras escritas entre 1952 e 1992 (Marahu

Poemas – Inédito (1992), 60/35 (1985), Caminho de Marahu (1983), A Fala entre

Parêntesis (1982), O Risco Subscrito (1980), O Ovo Filosófico (1976), (Colagens)

H’Era (1971), Anti-Retrato (1960) e O Estranho (!952), Apêndice) com o título “Não

para Consolar: poemas reunidos: 1952-1992” com o qual ganha da Academia Brasileira

de Letras o Prêmio de Poesia Olavo Bilac.

Em resumo a obra de Max Martins é extensa, rica e complexa, possuindo um elevado

valor literário. Ver o 2º Volume da Tese de NASCIMENTO, Maria de Fatima do.

Benedito Nunes e a moderna crítica lierária Brasileira. Acervos/Anexos. V. II.

Campinas (SP): UNICAMP, 2012, p. 172-199. Bilioteca Digital da UNICAMP, site:

www.bibliotecadigital.unicamp.br

Elegia dos que ficaram8

I

Apenas o rumor

Da máquina incansável de costura

Vai, num canto de dor,

Pela casa enlutada.

Está toda fechada

e ainda há vagando pela sala

Um perfume suave

De rosa machucada.

Mansamente

No quintalejo o vento

Balança

8 MARTINS, Max. Elegia dos que ficaram (livro O Estranho - 1952). In. Não para consolar: poemas reunidos 1952-1992. Belém: CEJUP, 1992, p. 338.

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A roupa preta no relento.

Sob a lâmpada triste

(tudo é triste neste lar vazio),

Num retrato sorri por entre flores

Aquele que partiu.

Porém rodeando a mesa na varanda,

Recordando os instantes que passaram,

Chora aquela que ficou,

Aqueles que ficaram

VER-O-PESO9

A canoa traz o homem

a canoa traz o peixe

a canoa tem um nome

no mercado deixa o peixe

no mercado encontra a fome

a balança pesa o peixe

a balança pesa o homem

a balança pesa a fome

a balança vende o homem

vende o peixe

vende a fome

vende e come

a fome

vem de longe

nas canoas

ver o peso

come o peixe

o peixe come

- o homem?

o homem não come

come o homem

compra o peixe

compra a fome

vende o nome

vende o peso

- peso de ferro

- homem de barro

9 MARTINS, Max. Ver-O -Peso. (livro H’era - 1971) In. Não para consolar: poemas reunidos 1952-1992.

Belém: CEJUP, 1992, p. 279.

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pese o peixe

pese o homem

é a fome

vem do barro

vem da febre

(a febre vê o homem)

veja a lama

veja o barro

veja a pança

o homem

come a lama

lambe o barro

ver o verde

ver o verme

o verme é verde

está na lama

está na alma

é só escama

a pele do homem

está com fome

vê o peixe

vê o prato

não tem peixe

tem fome

a fome pesa

o peso da fome

peça por peça

pese o peixe

deixe o peixe

veja o peso

peixe é vida

peso é morte

homem é fome

peso da morte

peixe de morte

a sorte do peixe

é o peso

azar do homem

pese o peixe

pese o homem

o peixe é preso

o homem está preso

presa da fome

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ver o peixe

ver o homem

vera morte

vero peso.

A casa10

Esta casa é uma ruína,

quase terreno baldio:

coração de minha mãe

– esta terra de ninguém,

está cheio e está vazio.

Esta casa vem abaixo,

está prestes a cair.

Esta casa foi à lua,

esta casa foi um tronco,

foi navio

com seu mar encapelado

e bandeiras em abril

(minha mãe na capitânea,

na janela minha irmã).

Tantos anos se passaram,

tantos sonhos se esgotaram;

minha mãe nos sustentava,

nos amava e costurava

nossa vida à sua alma

como a roupa que vestia.

Esta casa é uma ruína

que dá pena a seus vizinhos.

Sobem ervas nas paredes

desta casa-soledade

encolhida pela vida

que dentro dela cresceu;

esta vida que é poeira

esta vida que é silêncio

esta vida que é fechada

esta vida que é goteira

nesta casa condenada.

Esta casa tinha escada,

esta escada três degraus.

E no último tropeçaram

estes sete filhos seus.

Nesta casa inda ressoa

o pigarro de meu pai

(seu cigarro era uma brasa

10 MARTINS, Max. A casa (livro H’era – 1971). In. Não para consolar: poemas reunidos 1952-1992.

Belém: CEJUP, 1992, p. 283.

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nessa noite que o escondeu

de seus filhos tropeçados

nesta vida que os comeu).

Esta casa vai cair!

Veio abaixo nossa vida,

veio a chuva, foi-se o sol;

a lama sobe a escada,

às paredes sobe o limo:

esta casa enlouqueceu!

Nossa mãe se ressequiu.

Sua vida é esta máquina

que de surda enrouqueceu

(único sinal de vida

que a escada não desceu).

Mas é forte esta sua lida,

sua máquina que não pára

que nos cose e nos trabalha.

Referências Bibliográficas

ABREU, Paulo Plínio. Poesia. (Coleção Amazônica). Belém: Universidade Federal do

Pará, 1977.

ARISTÓTELES. A poética. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndices de

Eudoro de Sousa. Porto Alegre: Globo, 1966.

_____ A poética clássica: Aristóteles, Horácio, Longino; introdução por Roberto de

Oliveira Brandão, tradução direto do grego e do latim por Jaime Bruna. 6ª Ed. São

Paulo: Cultrix, 1995.

BARATA, Ruy Paranatinga. Anjos dos abismos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943.

_____A Linha Imaginária: Belém: Edições Norte, 1951.

_____Antilogia. Belém: RGB Editora, SECULT, 2000, p. 57-60.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo>: Editora Cultrix,

2000.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São

Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2000.

_____Noções de análise Histórico-literária. São Paulo: Associação Editorial Humanitas,

2005.

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Modernismo. São Paulo/Rio de janeiro: DIFEL, 1975.

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CASTELLO, Aderaldo. A literatura brasileira, v. I. São Paulo: Editora da Universidade

de São Paulo, 1999.

COELHO, Marinilce Oliveira. Memórias literárias de Belém do Pará: o grupo dos

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Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP), Campinas, 2003.

_____Memórias literárias de Belém do Pará: o grupo dos novos (1946-1952), 2003, 2º

v, 291 p, Tese (Doutorado em Teoria e História Literária). Instituto de Estudos da

Linguagem (IEL). Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, 2003

_____O grupo dos novos: memórias literárias de Belém do Pará (1946-1952). Belém:

EDUFPA; UNAMAZ, 2005.

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